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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – SÃO PAULO Moema Ferreira Giuberti Coradini EXTRAFISCALIDADE PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA E PRIVADA AMBIENTAL EM PROL DO CLIMA MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – SÃO PAULO

Moema Ferreira Giuberti Coradini

EXTRAFISCALIDADE PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA E PRIVADA AMBIENTAL

EM PROL DO CLIMA

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo

2014

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – SÃO PAULO

Moema Ferreira Giuberti Coradini

EXTRAFISCALIDADE PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA (E PRIVADA)

AMBIENTAL EM PROL DO CLIMA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título MESTRE EM DIREITO sob a orientação do PROFESSOR DOUTOR LIVRE DOCENTE RICARDO HASSON SAYEG

São Paulo

2014

EXTRAFISCALIDADE PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA (E PRIVADA)

AMBIENTAL EM PROL DO CLIMA

Moema Ferreira Giuberti Coradini

Aprovada em: ______/______/2014.

Banca Examinadora:

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

Ao meu filho, João Vitor

Com um super amor

AGRADECIMENTOS

Se até aqui cheguei não o fiz sozinha. Agradecer é a certeza de que dependemos

uns dos outros e, verdadeiramente, estamos integrados em uma teia de vida circulante que se

renova dia a dia. O agradecimento em um trabalho como este nos permite acesso à humildade e

o reconhecimento de que um pensamento não é construído isoladamente.

Por isso, em primeiro lugar, agradeço ao Deus da minha fé, pela graça concedida a

mim, pelo dom da vida. Não tenho tudo o que gostaria de ter, mas tenho exatamente aquilo que

preciso e sou feliz, muito feliz, por isso. Ao Tempo, senhor das nossas almas, de disciplina

militar, pela condução de minha vida com leveza ensinando-me que tudo tempo o seu devido

tempo!

Em segundo, e não menos importante, agradeço aos meus pais, Gilson Giuberti (in

memoriam) e a Zélia Giuberti por formarem a minha personalidade e por terem contribuído, e

com muita dedicação, não só para a profissional que hoje sou, mas também para a pessoa

humana que escreve essas linhas. A Fé, a determinação, a ética, a prudência, a perseverança e

muitas outras qualidades vieram deles através dos seus próprios exemplos de vida.

Ao meu querido filho João Vitor, tão jovem, mas tão maduro. Por entender e,

muitas vezes, por não entender mesmo, os motivos pelos quais sua mãe foi a São Paulo. Por me

ensinar sobre a renovação da vida, a leveza da existência e, sim, a alegria de estar presente aqui

neste lindo Planeta.

Ao Fábio, meu esposo. Durante nossos treze anos de convivência, sua presença

sempre concedeu a mim segurança, apoio incondicional aos meus sonhos e projetos. Sua

mansidão e sua paciência, seu caráter formidável foram, e são, fundamentais para que hoje

pudesse estar aqui escrevendo esse trabalho.

Um agradecimento muito especial à Nícia Regina Sampaio, querida e valorosa

promotora de justiça no Espírito Santo, a “mulher do dedo verde”, pelo apoio incondicional em

todos os momentos da minha caminhada acadêmica e profissional dentro do nosso Ministério

Público.

Ao Sergio Leite, pelas suas críticas às teorias “aquecimento global”.

Ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo, ao Conselho Superior do

Ministério Público, por permitirem o meu afastamento para a realização deste projeto. Em

especial, a minha profunda gratidão ao Dr. Josemar Moreira, Procurador de Justiça.

Minha amiga Telma Bittencourt Bassetti, pela nossa caminhada ao longo de tantos

anos, agradeço pelas conversas, troca de ideias, sua visão marxista sobre mercado, consumo,

sustentabilidade e, sim, pelos livros emprestados!

Às minhas amigas Kennia Firme Braga Smarçaro – promotora de justiça e

Jaqueline Teixeira da Silva – juíza de Direito, um agradecimento especial por saberem entender

o momento delicado pelo qual passa um mestrando e concederem a mão amiga.

Ao meu orientador, Ricardo Hasson Sayeg, por todos os insights na elaboração

desta dissertação.

Aos queridos professores: Clarisse Von Oertzen de Araújo, por me ensinar Peirce;

Consuelo Yoshida, por sua visão acerca do desenvolvimento socioambiental; Willis Santiago

Guerra Filho, pela sua filosofia; Nelson Nazar, por incluir a visão econômica no “meu” Direito

Ambiental; Marcelo Sodré, por todas as experiências trocadas no campo do mundo ecológico.

A todos os funcionários da PUC-SP, nas pessoas do Rui e do Rafael; aos

funcionários da Promotoria de Justiça de Itapemirim e aos funcionários do Fórum de

Itapemirim.

Enfim, a todos aqueles amigos, conhecidos, desconhecidos que, das mais diversas

formas, contribuíram para as ideias colocadas nas linhas seguintes.

Muito Obrigada!

RESUMO

CORADINI, Moema Ferreira Giuberti. Extrafiscalidade Para Uma Política Pública (E Privada)

Ambiental Em Prol Do Clima. 159 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

O presente trabalho de Mestrado tem por escopo a investigação de instrumentos estatais

colaboradores para a redução de emissão de Gases de efeito Estufa, notadamente, a utilização

do mecanismo do tributo em seu aspecto extrafiscal. Para tanto, realizamos uma abordagem

não somente jurídica, mas também filosófica a respeito dos temas circundantes às Mudanças

Climáticas, tais como a ética ambiental, relação existente entre o capital e a Natureza e, nesse

particular, a colocação do Planeta como titular de Direitos frente à ordem constitucional.

Palavras-chave: meio ambiente; mudanças climáticas; extrafiscalidade; economia verde

sustentabilidade.

ABSTRACT

CORADINI, Moema Ferreira Giuberti. Extrafiscality to a Public Policy (and Private) in support

of Environmental Climate. In 2014. 159 p. Dissertation (Master of Law). Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

This work is scoped Masters research instrument state employees to reduce emission of

Greenhouse Gases, notably, the use of the mechanism of extrafiscality. Therefore, we

performed an approach not only legal but also philosophical about the issues surrounding

Climate Change, such as environmental ethics, the relationship between capital and nature, and

in this particular placement of the planet as a holder of Rights against the constitutional.

Keywords: environmental, climate changes; extrafiscality; green economy; sustainability.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Ilustração Efeito estufa ........................................................................................... 23

Quadro 2 – Comparação das alterações continentais de alteração do clima ............................... 26

Quadro 3 – Modelos de funcionamento da Economia – “visões da economia” ........................ 76

Quadro 4 – Comparativo mundial de produção mineral ............................................................. 96

Quadro 5 – Plano Nacional de Mineração - escopos .................................................................. 98

LISTA DE SIGLAS

ABRAMPA – Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente

AR4 – “Fourth Assessment Report” – Quarto relatório de avaliação

BGB – “Bürgerliches Gesetzbuch” – Código Civil da Alemanha

CH₂ – gás metano

CO₂– gás carbônico

COMEST – “World Commission on the Ethics of Scientific Knowledge and Technology”

Comissão Mundial sobre ética e tecnologia.

COP – Conferência das Partes

DNA – “Deoxyribonucleic acid” - Ácido desoxirribonucleico

GEE – Gases de Efeito Estufa

HFC – hidrofluorcarbonetos

IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração

IPCC – “Intergovernmetal Panel on Climate Change” – Painel Intergovernamental de

Mudanças Climáticas

MCG – Modelos de Clima Global

N₂O – óxido nitroso

NASA – “National Aeronautics and Space Administration” – Administração Nacional da

Aeronáutica e do Espaço

OCDE – Organização para o crescimento e desenvolvimento Econômico

ONU – Organização das Nações Unidas

PDE - Plano Decenal de Energia

PFC – perfluorcarbonetos

PH – Potencial de Hidrogênio

PIB – Produto Interno Bruto

ppmv: partes por milhão por volume

PMBC – Plano de Mineração de Baixa Emissão de Carbono

PNM – Plano Nacional de Mineração

PNMC – Política Nacional de Mudanças Climáticas

PNRS – Política Nacional de Resíduos Sólidos

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o meio ambiente

PPCDAM - Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal

PSTM – Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana

REDD – redução de Emissões por Desmatamento e Degradação

SF6 – hexafluoreto de enxofre

TSM – Temperatura da Superfície do Mar

UNFCCC – “United Nations Framework Convention on Climate Change” Convenção-quadro

das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas

USP – Universidade de São Paulo

VPM – Valor da Produção Mineral

WMO – “World Metheorological Organization” – Organização Mundial de Meteorologia

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 14 

1 – O FENÔMENO CLIMÁTICO: ABORDAGEM TÉCNICO-CIENTÍFICA .............. 17 1.1 – O CONCEITO DE CLIMA, DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AQUECIMENTO

GLOBAL. O QUE VEM A SER O FENÔMENO? ........................................................... 17 

1.2 – AS DURAS CONTENDAS CIENTÍFICAS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL.

ESTABELECENDO PREMISSAS. .................................................................................... 20 

1.2.1)  As evidências de um aquecimento global - Em que acreditam os que acreditam ................... 20 1.2.2)  Por que não existem evidências de um aquecimento global - a posição dos cientistas céticos.27 1.2.3) Posição científica adotada para o presente trabalho de mestrado .................................................. 29 

2 – ASPECTOS FILOSÓFICOS DO AMBIENTALISMO ................................................. 33 2.1 A RELAÇÃO ANTROPOCÊNTRICA PARADIGMÁTICA ATUAL. O MÉTODO

CARTESIANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA SOCIEDADE DE RISCO DE

ULRICH BECK .................................................................................................................... 33 

2.2 - A ÉTICA AMBIENTAL EM HANS JONAS – O NOVO IMPERATIVO

CATEGÓRICO .................................................................................................................... 39 

2.3 - O HUMANISMO INTEGRAL DE JAQUES MARITAIN E SUAS

CONSEQUÊNCIAS NA APLICABILIDADE DA ÉTICA AMBIENTAL .................... 45 

2.4 - O PLANETA COMO UM ENTE TITULAR DE DIREITOS ..................................... 51 

2.4.1 - Construindo a Personalidade Jurídica do Planeta ......................................................................... 54 2.4.2 – O Planeta na concepção dos Códigos Civis ao redor do mundo .................................................. 61 

3 – ENFOQUE HUMANISTA INTEGRAL E BIOCÊNTRICO: SÍNTESE CONSTITUCIONAL ............................................................................................................... 65 3.1 - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS EM SUAS DIMENSÕES.

DIREITO AO CLIMA SAUDÁVEL, EQUILIBRADO E SEGURO COMO UM

DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL. .......................................................................... 65 

3.2 - O “DEVER FUNDAMENTAL” DA GERAÇÃO DO PRESENTE PARA COM A

PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE (ATUAL E FUTURO). ....................................... 71 

4 - NORMATIVAS INTERNACIONAIS E O DIREITO BRASILEIRO .......................... 76 4.1 – TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE O CLIMA. UM

“ANOITECER SILENCIOSO” .......................................................................................... 76 

4.2 – ARCABOUÇO JURÍDICO BRASILEIRO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS 80 

5 - EXTERNALIDADES AMBIENTAIS DO SETOR MINERÁRIO E TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL EXTRAFISCAL SOB UM ENFOQUE HUMANISTA INTEGRAL E BIOCÊNTRICO ....................................................................................................................... 84 

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5.1 – CONCEITO DE EXTERNALIDADES À LUZ DAS TEORIAS ECONÔMICAS.

IDENTIFICAÇÃO DAS EXTERNALIDADES. ............................................................... 84 

5. 2 O PLANO DA MINERAÇÃO 2030 E OS ÍNDICES DE REDUÇÃO E EMISSÃO

DE GEE ................................................................................................................................. 95 

5.3 – A IMPORTÂNCIA DO ESTADO COMO AGENTE INTERMEDIADOR DOS

CONFLITOS EXISTENTES ENTRE O DESENVOLVIMENTO E A NECESSIDADE

DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. RUMO A UMA POLÍTICA PÚBLICA

SUSTENTÁVEL ................................................................................................................. 100 

5.4 – TEORIA DO DIREITO PREMIAL ............................................................................ 103 

5.5 – INTERVENÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO NA ECONOMIA. UTILIZAÇÃO

DOS INSTRUMENTOS DE MERCADO NA CONSECUÇÃO DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. ECONOMIA VERDE. ............................. 106 

5.6– OS PRINCÍPIOS BÁSICOS AMBIENTAIS PARA UTILIZAÇÃO DE

MECANISMOS TRIBUTÁRIOS EM MATÉRIA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA

ESTRUTURA PROMOCIONAL DO DIREITO ............................................................ 114 

5.6.1– Os Princípios Ambientais da Precaução e Prevenção ................................................................. 114 5.6.2 - Princípio do Poluidor-pagador e da Cooperação ........................................................................ 119 5.6.3 - Princípios erigidos pela ECO 92 e seus reflexos na legislação brasileira e na PNMC ............... 121 5.7 – EXTRAFISCALIDADE E SUA APLICAÇÃO NA POLÍTICA PREMIAL NO

SETOR DE MINERAÇÃO. .............................................................................................. 123 

5.7.1 – A extrafiscalidade ambiental como instrumento de mercado segundo a estrutura promocional do Direito .................................................................................................................................................... 123 5.7.2 -. O plano setorial da Mineração e a tributação extrafiscal em prol do Clima .............................. 127 5.7.3 - Limitações à Extrafiscalidade – Princípios Constitucionais ....................................................... 134 

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 140 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 142 

ANEXO I ................................................................................................................................. 149 

ANEXO II ................................................................................................................................ 157 

ANEXO III .............................................................................................................................. 158 

ANEXO IV .............................................................................................................................. 159 

INTRODUÇÃO

As preocupações mundiais em relação às Mudanças Climáticas têm se mostrado

como objeto de pauta em muitas reuniões ocorridas ao redor do Globo Terrestre. A agenda

ambiental elaborada não só pela ONU, como também pelo próprio setor privado comprometido

com o Meio Ambiente, tem buscado fazer com que o setor econômico e os países mais

desenvolvidos possam olhar a causa com os olhos de ver, de forma a gerar uma mudança

paradigmática efetiva nos modelos de desenvolvimento.

A necessidade de abastecer os celeiros das bilhões de pessoas existentes no Globo,

a existência de milhares de famílias estabelecidas abaixo do nível da pobreza dentre muitos

outros fatores são observados como entraves à preservação da Natureza em seu estado virgem.

Por outro lado, o caminhar do ser humano na Terra, a hipervalorização do ‘ser’, o hedonismo, o

hiperconsumo, o capitalismo pautado na ética utilitarista benthaniana, revelam o lado sombrio

desses processos. O fato é que, atualmente, o ser humano conseguiu alcançar um nível de

conforto e alargamento de suas tendas em todas as áreas do conhecimento nunca antes

imaginável e, o preço por tanto progresso é sentido nas mudanças do clima mundial. Se, por um

lado a exploração da Natureza se faz necessária, por outro, a sua preservação também é de

suma importância, devendo ser encontrado um meio termo para equalização dos interesses.

São muitas as correntes científicas postas e discutidas responsabilizando, ou não, a

pegada ecológica humana como causa da Mudança do Clima. Não é possível dizer que uma ou

outra corrente está absolutamente certa ou errada, é possível, sim, adotar o máximo de cautela e

prudência porque a extinção ambiental, as mudanças climáticas são processos de difícil

reversão em curto prazo de tempo.

As emissões de gases de efeito estufa (GEE) são apresentadas como uma das causas

para o aquecimento global, posto que potencializam o efeito estufa. Do mesmo modo, a

urbanização do território, com a formação de ilhas de calor e o desflorestamento dos campos

também são apresentados como importantes causas.

É necessária uma reforma paradigmática no modelo de vida do ser humano,

afirmam diversos cientistas, ambientalistas ou não.

Nesse sentido, a principal hipótese do presente trabalho de pesquisa é a resposta à

pergunta: Seria possível ao Estado, estabelecer políticas de incentivo para a redução de

emissões de gases de efeito estufa no Brasil?

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A partir desta primeira hipótese, buscou-se analisar, de forma sistêmica, a estrutura

da política premial extrafiscal de forma a incentivar a redução de emissões de gases de efeito

estufa no Brasil.

Os objetivos específicos desta pesquisa em nível de mestrado são:

Discutir as correntes científicas envolvendo a (in)certeza sobre as causas

geradoras das Mudanças Climáticas no Globo Terrestre na geração presente.

Relacionar preservação ambiental, desenvolvimento econômico com o conceito

de sustentabilidade.

Analisar o fundamento filosófico ético que permeia a estrutura econômica atual

e o ambientalismo.

Discutir os tratados internacionais e legislação nacional sobre Mudanças

Climáticas.

Abordar o conceito de externalidades econômicas e como são tratadas em nível

de assuntos ambientais.

Analisar o Plano de Mineração 2030, assim como o Plano Setorial de Redução

de Emissões do setor minerário.

Analisar as possibilidades existentes no Direito Tributário, especificamente na

extrafiscalidade, de forma a promover o incentivo das reduções de gases de efeito estufa pelo

setor econômico no Brasil.

A metodologia utilizada para a pesquisa do presente trabalho baseou-se em textos

jurídicos e não jurídicos, doutrina, jurisprudência, normas brasileiras e internacionais assim

como relatórios emitidos por instituições oficiais e particulares. O questionamento inicial

motivador das investigações no presente trabalho é: Seria possível ao Estado, estabelecer

políticas de incentivo para a redução de emissões de gases de efeito estufa no Brasil? Em caso

positivo, qual seria o método mais eficaz para o presente momento de desenvolvimento

econômico?

O método dedutivo foi a base da investigação para a análise dos textos jurídicos e

não jurídicos, de forma que não houve a pretensão da afirmação de uma verdade absoluta, mas

sim a formação de um raciocínio demonstrativo partindo das perspectivas mais recentes para as

mais antigas.

Respeitando sempre o cuidado diante da profusão de informações existentes sobre o

assunto Mudanças Climáticas, especialmente quando a pesquisa ocorre também pelos campos

da internet, a produção deste trabalho de mestrado possui como paradigma a desconstrução do

16

sistema cartesiano, partindo do princípio de que o real não se esgota na ordem natural do

universo físico. Para nós, o ser humano faz parte de um sistema vivo, interligado, expresso na

própria Natureza em forma de leis. Desta forma, o sistema jurídico não poderá restringir-se a

propor soluções fechadas e estanques sob pena de impossibilitar o crescimento e produção de

novos pensamentos. Assim, deverá promover aberturas em seus sistema de modo a permitir que

novas ideias, tanto no plano individual quanto no social, possam permitir uma nova maneira de

agir.

Como se observa, a pesquisa foi interdisciplinar e, por isso, a presente dissertação

foi estruturada em cinco capítulos, cada qual abordando áreas do conhecimento distintas, o que

não implica a setorização de informações, mas sim a necessidade de se tratar o tema Mudanças

Climáticas de forma interdisciplinar e organizada.

O primeiro capítulo traz a abordagem científica sobre as Mudanças Climáticas,

ocasião em que trouxemos alguns termos técnicos e explicações sobre como o fenômeno ocorre,

assim como as correntes existentes sobre as suas causas.

O segundo capítulo aborda os fundamentos filosóficos do ambientalismo,

demonstrando a necessidade de se atentar para as bases do desenvolvimento da nossa sociedade,

antropocêntrica e utilitarista. Tentamos demonstrar a necessidade de aniquilação deste

paradigma de desenvolvimento insustentável pela nova ética proposta por Hans Jonas.

No próximo capítulo, a abordagem traz para o sistema constitucional brasileiro os

fundamentos versados no capítulo anterior, trazendo a teoria filosófica para a prática jurídica

nacional.

No capítulo quatro, tratamos das normas internacionais e brasileiras sobre o

regramento das Mudanças Climáticas.

No último capítulo, as externalidades econômicas foram abordadas com ênfase nas

externalidades ambientais. O sistema de política premial e extrafiscalidade são o foco do

presente tópico.

Encerrou-se o trabalho com as conclusões e as referências às obras e material de

consulta fundamentos da presente dissertação de mestrado.

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1 – O FENÔMENO CLIMÁTICO: ABORDAGEM TÉCNICO-CIENTÍFICA

1.1 – O CONCEITO DE CLIMA, DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AQUECIMENTO GLOBAL. O QUE VEM A SER O FENÔMENO?

Em meio a tantas previsões cataclísmicas sobre o final dos tempos, conduzindo

muitas ações políticas e governamentais descuidadas, os conteúdos da celeuma travada no

campo científico tornou-se quase um mito aos leigos. Entendamos como leigos também os

operadores do Direito, os quais, na maioria das vezes, lidam com conceitos totalmente

estranhos à sua área de atuação, especialmente, quando o assunto é mudanças climáticas.

No caso do presente trabalho de pesquisa jurídico-científica, a fim de evitar o

engodo de apelos melodramáticos e propagandísticos, estabelecer o conceito de Clima,

Mudanças Climáticas e Aquecimento Global é condição a priori para se investigar os

mecanismos jurídicos tributários possíveis a serem utilizados em prol de uma economia

sustentável. A importância do tema ganha relevância ao tempo em que a própria legislação

brasileira, Lei Nacional n. 12.187 de 29 de dezembro de 2009, instituidora da Política Nacional

sobre Mudança do Clima, não traz o conceito sobre o que seria Clima (a base para entendermos

o que, de fato, é uma mudança do clima!).

Nos últimos vinte anos, a pesquisa avançou significativamente na “ciência do

clima”, tanto no que atine à observação (extremamente importante para os processos de

comparação), quanto na modelagem e no tratamento das incertezas (o que não implica diluição

das incertezas, mas sim como lidar com as mesmas).

Clima e tempo são conceitos bem distintos. O Tempo pode ser considerado como

uma estimativa do que se espera que ocorra com a temperatura e de precipitação pluvial em um

curto período (semanas) em uma determinada região. O tempo está em constante mudança, por

exemplo, em um mesmo dia pode fazer sol pela manhã, mas chover pela noite. Pode-se ainda

encontrar uma semana fria, outra quente e assim por diante.

O conceito de Clima é um pouco mais complexo, por implicar diversos fatores não

há uma consonância de posicionamentos entre os especialistas. Grande parte dos cientistas

conceitua Clima como o conjunto de fenômenos meteorológicos que indica o estado “médio”

da atmosfera num determinado espaço e tempo. Para o presente trabalho, adotaremos o

conceito de clima trazido em um brilhante trabalho da autoria de José A. Marengo para quem:

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“Clima, num senso estreito, é geralmente definido como a “média do tempo” ou,

mais rigorosamente, como a descrição estatística em termos de média e

variabilidade de quantidades relevantes sobre o período de tempo numa distância

de meses a milhares de anos. O período clássico é de 30 anos, como definido pela

Organização Mundial Meteorológica (WMO). Estas quantidades são, em sua

maioria, variáveis de superfícies tais como temperatura, precipitação e vento.

Clima, num senso mais amplo, é um estado, incluindo uma descrição estatística, do

sistema climático incluindo extremos”1.

Para a WMO (Organização Mundial de Meteorologia), o Clima pode ser

considerado, em termos mais científicos, como a “síntese das condições de tempo em uma

determinada área, caracterizada por estatísticas de longo prazo (valores médios, variâncias,

probabilidades de valores extremos, etc.) dos elementos meteorológicos na área”2. É sempre

importante ressaltar, para entendimento da questão, que o clima também é um estado do

sistema que compreende a atmosfera (ar), a hidrosfera (água líquida sobre e no interior da

Terra), a criosfera (água em seu estado congelado), a superfície litosfera (superfície da camada

superior da Terra sólida em terra e nos oceanos de apoio à atividade vulcânica que influenciam

o clima) e a biosfera (organismos vivos e ecossistemas sobre a terra e nos oceanos).

O sistema climático ocorre quando há a interação entre forma e dinâmica interna

(descrita acima) e sua interação com as forçantes radioativas externas (naturais ou antrópicas).

Forçantes Naturais podem ser entendidas como as erupções vulcânicas e as variações de

emissão de energia emitida pelo Sol. Já as antrópicas atingem a composição da atmosfera

(emissão de gases) e as mudanças do uso da terra (desflorestamento, urbanização dentre outros).

Em relação à importância do Sol sobre a Terra, Sônia Maria Barro de Oliveira3

afirma “ela (a Terra) deve estar em equilíbrio radiativo, perdendo para o espaço a mesma

quantidade de energia que absorve. Essa perda se dá principalmente sob a forma de calor,

mas não ocorre diretamente: parte do calor absorvido, quando reemitido, é absorvido pelos

gases de efeito estufa e emitido novamente para a superfície”. Significa dizer que, sem os

gases de efeito estufa a Terra esfriaria ao ponto de não conseguir reter vida sobre ela. O

equilíbrio da temperatura terrestre poderá ser perturbado por três formas distintas, continua a

cientista: 1 MARENGO, José A. Mudanças Climáticas Globais e seus efeitos sobre a Biodiversidade. Biodiversidade 26. Brasília – DF. 2007, p 157 2 http://wmo.multicorpora.net/MultiTransWeb/Web.mvc. Acesso em 11 de junho de 2013. 3 OLIVEIRA, Sônia Maria Barros in Aquecimento Global: frias contendas científicas, José Eli da Veiga (organizador). São Paulo: Ed. Senac. 2008. P 21

19

“1) variar a energia solar incidente por alterações na órbita da Terra e no próprio

Sol;

2) variar a fração da radiação refletida (albedo) por mudanças na cobertura de

nuvens, pela presença de aerossóis atmosféricos, etc.;

3) variar a radiação infravermelha emitida pela Terra pela variação no teor dos

gases de efeito estufa.”

A influência da energia solar sobre a Terra é indicada por dois fenômenos: os

Ciclos de Milankovitch e as Manchas Solares. Os primeiros são determinados pela quantidade e

distribuição de emissão de energia emitida pelo Sol sobre a Terra, variando com o tempo.

Cientistas indicam que, na escala de um século, não houve grandes alterações nesse fenômeno.

Já as manchas solares influenciam diretamente na energia incidente na superfície da Terra, pois

provocam a formação do ozônio, levando ao aquecimento da estratosfera, ampliando em até

20% o aquecimento devido à irradiação solar.

Os albedos podem ser naturais ou antropogênicos. Os naturais, com índices de

refletividade mais altos, são os locais cobertos por neve (cerca de 90%) e os aerossóis

provenientes de poeira dos solos, partículas de sal marinho, emissões biogênicas e particulados

emitidos por erupções vulcânicas. Os albedos antropogênicos são provenientes da queima de

combustíveis fósseis e de biomassa (gás carbônico, metano dentre outros). Em razão do seu

aspecto refletivo, os albedos não permitem a retenção do calor na Terra, contribuindo, desse

modo, para o resfriamento da mesma.

A Terra, como já dissemos, mantém sua temperatura na faixa média dos 14ºC em

razão também da existência dos gases de efeito estufa, porque impedem a perda da radiação

infravermelha (o calor). São gases de efeito estufa o gás carbônico, o metano, o óxido nitroso, o

dióxido de enxofre, o monóxido de carbono, o ozônio, todos encontrados na Natureza

independentemente da ação humana.

Essas são apenas explicações básicas acerca do complexo sistema do Clima,

importantes para que se possa compreender, com mais lucidez, as correntes apresentadas sobre

a existência ou não do aquecimento global. Avançar para além do que se expôs, seria percorrer

um caminho sobremodo árido para os atuantes na área do Direito, fugindo do propósito do

presente trabalho de mestrado.

Destarte, ainda queremos tecer mais um esclarecimento, este em um nível

conceitual da linguagem. É comum utilizar o termo “Mudanças Climáticas” como sinônimo de

“Aquecimento Global”, tão comum que parece ter influenciado o legislador brasileiro no texto

20

do art. 2º, inc. VIII da Lei 12.187/2009. Por amor à precisão técnica, melhor seria separar os

conceitos.

O termo “mudanças climáticas” é corretamente utilizado referente aos fenômenos

naturais que ocorrem com a Natureza como, por exemplo, os períodos de glaciação. Nesse

sentido, a variação do clima não é algo novo para o Planeta Terra, podendo ocorrer tanto pelo

fenômeno de resfriamento, quanto pelo aquecimento. Geólogos e climatólogos observaram a

primeira grande mudança há, aproximadamente, 65 milhões de anos, provocada, possivelmente,

pelo impacto de asteroides sobre a Terra (mudança, portanto, exógena ao ciclo natural da Terra),

sendo este evento responsável pelo desaparecimento dos dinossauros. Em um segundo

momento, uma nova alteração provocou o recuo de calotas polares sobrepostas entre as

latitudes das cidades de Paris e Nova York. Carlos Walter Porto Gonçalves4 indica também

outras mudanças climáticas ocorridas na Terra, porém no âmbito mais local, sem grandes

dimensões.

Por outra via, Aquecimento Global refere-se ao processo de aquecimento da Terra

pelo qual, muito provavelmente, vivenciamos no momento, evento causado por emissão gases

de efeito estufa (ações antrópicas ou naturais). Informa-nos Sônia Oliveira que o uso da

expressão refere-se à elevação da temperatura média da Terra em até 1 grau Celsius5.

O presente trabalho de pesquisa de mestrado refere-se justamente ao segundo

evento, o Aquecimento Global, causado pelos gases de efeito estufa de emissão antrópica. No

tópico a seguir, tentaremos expor de forma sucinta, mas sem perder a precisão, as duas

principais correntes científicas sobre o tema.

1.2 – AS DURAS CONTENDAS CIENTÍFICAS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL. ESTABELECENDO PREMISSAS.

1.2.1) As evidências de um aquecimento global - Em que acreditam os que acreditam

Há mais de cem anos a comunidade científica conhece o processo do efeito estufa

pela geração de dióxido de carbono (CO₂) e outros gases6. A partir do século XIX, pesquisas

internacionais começaram a indicar que a acumulação de CO₂ na atmosfera, em níveis acima 4 Porto-Gonçalves, Carlos Walter. 1949 – A Globalização da Natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. P 327. 5 Porto-Gonçalves, Carlos Walter. 1949 – A Globalização da Natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. P 17. 6 Considera-se como gases de efeito estufa não somente o CO₂, como também o dióxido de nitroso- N₂O, metano - CH₄, hidrofluorcabonetos – HFCs, perfluorcarbonos – PFCs e hexafluoreto de enxofre – (SF₆)¹⁵.

21

dos processos naturais, poderia intensificar o chamado “efeito estufa” e causar significativo

aumento da temperatura da Terra e consequente aceleração da mudança do clima mundial.

O primeiro estudo, ou um dos primeiros, referente ao processo é de autoria do

cientista francês Jean-Baptiste Joseph Fourier (primeira metade do século XIX), concluindo

que a energia do Sol chega à Terra sob a forma de luz solar, a qual é absorvida e irradiada para

o espaço na forma de luz infravermelha. Nesse processo, a ação do CO₂ (dióxido de carbono)

foi avaliada e entendida como um dos agentes que aprisionariam o calor na atmosfera,

causando a elevação da temperatura na Terra.

O avanço dos estudos constatou um processo de alteração climática da Terra, tendo

por hipótese a questão: O quanto a ação antrópica poderá influenciar na aceleração desse

processo natural de mudança do clima? E, diga-se, esses processos provocados pelo homem

vão desde a produção agropastoril, passando pela urbanização das cidades, chegando até o

processo de industrialização da economia.

A problemática ganhou dimensão mundial a partir da segunda metade do século

XX, atraindo a atenção da comunidade não científica, quando indícios foram apresentados

acerca da influência humana no processo alteração do clima mundial. Na década de 1970,

temos a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, realizada em Estocolmo – Suécia,

ocasião em que a comunidade internacional produziu a Declaração sobre o Meio Ambiente

Humano, uma afirmação de princípios de comportamento e responsabilidade que deveriam

nortear as decisões ambientais. Desde então, estudos científicos tem sido apresentados, assim

como tentativas para compatibilizar o crescimento econômico e preservação do Clima.

Os estudos mais referenciados em termos do assunto são emitidos pelo IPCC

(Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas)7 , órgão criado no ano de 1988 pela

Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Organização Meteorológica

Mundial (WMO) para fornecer uma visão científica e clara sobre o estado atual do

conhecimento na mudança do clima e seus potenciais impactos ambientais e socioeconômicos.

Atualmente, é a principal entidade internacional para a avaliação do Aquecimento Global

porque elabora a análise e avaliação da informação científica, técnica e socioeconômica mais

recentes produzidas no mundo por diversos cientistas, sem, contudo, conduzir alguma pesquisa

ou monitorar dados ou parâmetros relacionados com o clima. É importante ressaltar que os

relatórios produzidos pelo IPCC não indicam soluções, pois essas dependem de ações

governamentais, mas sim fornecem subsídios para tomada de decisões na escolha das políticas

7 Tradução livre para “Intergovernmental Panel on Climate Change”

22

relacionadas ao aquecimento global, como foi o caso do primeiro relatório produzido em 1990,

o qual representou o mote para o estabelecimento da Convenção-Quadro das Nações Unidas

sobre Mudança Climática (UNFCCC).

Os estudos trazidos pelo IPCC indicam um aumento na temperatura da superfície

da Terra nos últimos 157 (cento e cinquenta e sete anos), apresentando graus de aceleramento,

e um aquecimento adicional nas áreas urbanas. Entre os anos de 1961 a 2003, os oceanos

apresentaram aumento de temperatura na casa de 0,10ºC, sendo preocupante porque acumulam

a maior parte da energia do sistema, podendo acarretar em alterações drásticas nos fenômenos

conhecidos como “El Niño” e “El Niña”, dentre outros. O aumento da temperatura também

“pode”8 ter contribuído para o aumento do nível do mar em decorrência do derretimento das

geleiras da Groenlândia e Antártida. O que se sabe, com um grau de segurança maior, é que

tanto o aquecimento dos oceanos quanto o aumento do nível do mar contribuem para o

decréscimo do PH das águas marinhas, limitando, nos dizeres de Sônia Oliveira9, o potencial de

atuarem como “tampão para absorver os excessos de CO₂ atmosférico”, tornando os oceanos

mais quentes, causando, assim, um desequilíbrio no processo de absorção e irradiação de

energia do sistema.

Como foi visto no item anterior, a neve é um importante albedo (refletivo) do

sistema e, por via de consequência, o derretimento das principais coberturas permanentes é

apresentado como evento relacionado a impacto nos processos climáticos.

Diga-se, o recuo de gelo na superfície da Terra não pode ser um evento atribuído ao

aquecimento global, nem o derretimento do gelo marinho é responsável pela elevação do nível

do mar. Também não se sabe se o evento dá-se em razão das ações antrópicas. Contudo, uma

vez iniciado o processo de degelo e tendo por base os estudos indicativos da importância dos

albedos, há que se considerar a sua parcela de influência no sistema e consequente aumento da

temperatura global. O quadro abaixo é bastante ilustrativo sobre o processo10.

8 As pesquisas ainda não amadureceram a ponto de apresentar dados mais concretos sobre o assunto. 9 Ibidem. P. 30 10 fonte http://www.wmo.int/pages/themes/climate/understanding_climate.php. acesso em 11 de junho de 2013.

23

Quadro 1 - Ilustração Efeito estufa

Fonte: http://www.wmo.int/pages/themes/climate/understanding_climate.php

Alguns sinais vêm demonstrando as evidências da mudança do clima a partir do

século XX, dentre eles citamos:

1) Nos últimos 150 anos, estudos indicam que as temperaturas médias globais da

superfície aumentaram de forma variada, sendo que, entre 1910 a 1940, a temperatura

aumentou 0,35ºC, tendo diminuído 0,1ºC entre 1940 e 1970 e cresceu rapidamente (0,55ºC)

entre 1970 e 2006. A média do aumento de temperatura tem sido indicada com um aumento de

0,74ºC.

2) O aumento da temperatura ocorreu também nos oceanos, os quais são

importantes agentes para a manutenção do clima porque acumulam grande parte da energia do

sistema. Registrou-se que, entre 1961 a 2003, houve um aumento na temperatura de 0,10ºC até

a profundidade de 700 m. Em acréscimo, tem-se o aumento do nível do mar em cerca de 8 cm.

Além disso, há que se considerar o aumento da acidez dos oceanos, o que implicaria a

diminuição de absorção de CO₂ atmosférico.

3) Há evidências de que o recuo do gelo nas montanhas pode estar relacionado ao

aquecimento global.

24

4) mudanças na quantidade, intensidade e frequência e tipo de precipitação tem sido

apresentadas como vetores indicativos de mudança do clima. Em contrapartida, períodos de

secas prolongadas também têm ocorrido por todo o globo terrestre.

Há fortes indícios de que a ação humana vem contribuindo para o crescimento

desse processo através da emissão de Gases de Efeito Estufa. Giddens 11 afirma que “as

temperaturas do planeta oscilaram no passado, e que essas oscilações se correlacionaram com

o teor de CO₂ da atmosfera. Mas os dados mostram que em nenhuma ocasião, nos últimos 650

mil anos, o teor de CO₂no ar foi tão alto quanto agora”.

A questão a ser debatida será: os sumidouros naturais mantêm a capacidade de

absorver os gases de efeito estufa naturais e ainda os produzidos pelo ser humano? Em um de

seus relatórios produzidos no ano de 2007, o IPCC afirmou que “o aquecimento do sistema

climático é inequívoco”. O mesmo relatório indica com “alto grau de confiança” que o

“aquecimento global já levou a um o aumento de número e das dimensões dos lagos glaciais, a

índices mais acelerados de degelo nas áreas de subsolo permanentemente congelado

(permafrost) na Sibéria Ocidental e noutros lugares, há alterações em alguns ecossistemas

árticos e antárticos” afirma Giddens12.

O “Sumário para formuladores de Políticas Públicas”, extraído do Relatório da

quarta avaliação do IPCC sobre Mudanças Climática (AR4 - grupo de trabalho 1) é enfático ao

afirmar: “O aquecimento do sistema climático é inequívoco, como agora é evidente a partir de

observações de aumentos na média global do ar e da temperatura dos oceanos, derretimento

generalizado da neve e do gelo e elevação do nível médio do mar13”. O mesmo sumário

acrescenta que “a maior parte do aumento observado nas temperaturas médias globais desde

meados do século 20 é, muito provavelmente, devido ao aumento observado nas concentrações

antropogênicas de gases de efeito estufa”14, sendo que provavelmente é utilizado para indicar

um grau de probabilidade de acerto entre oito em dez, ou mais. O estudo indica que o

aquecimento da atmosfera, dos oceanos com as consequentes ondas de calor, mudanças dos

padrões de chuvas são fortes evidências de que o aquecimento global não é causado somente

11 Giddens, Anthony. A Política da mudança climática. São Paulo: Zahar (Edição Digital). 2010 p. 29 12 idem p. 32. 13 Tradução livre para “Warming of the climate system is unequivocal, as is now evident from observations of increases in global average air and ocean temperatures, widespread melting of snow and ice, and rising global average sea level”. http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg1/ar4-wg1-spm.pdf acesso em 24 de junho de 2013. 14 Tradução livre para “Most of the observed increase in global average temperatures since the mid-20th century is very likely due to the observed increase in anthropogenic greenhouse gas concentrations”. idem

25

por forças naturais, mas sim por causalidades externas e que, a emissão antropogênica de gases

de efeito estufa estaria vinculada a esse fenômeno.

Em acréscimo ao que fora dito até então, o Grupo 2 integrante do AR4 do IPCC

afirma que estudos realizados em alguns sistemas físicos e biológicos para o aquecimento

antropogênico indicam que os sistemas modelados e com forças naturais (atividade solar e

vulcões) não responderam da mesma forma como os modelos combinados às forças

antropogênicas (gases de efeito estuda e aerossóis), reforçando a ideia de que o aquecimento

global é sim acelerado pela ação humana.

Contudo, tendo em vista a insuficiência de recursos, ainda não foi possível chegar a

uma síntese conclusiva a respeito do impacto dos GEE em relação aos microclimas, sendo

necessários estudos mais aprofundados e desenvolvimento de tecnologia específica para tanto.

Veja-se a ilustração abaixo:15

15 Comparação das alterações continentais e em escala global observadas na temperatura da superfície com resultados simulados por modelos climáticos, utilizando forças naturais e antrópicas. Médias de observações são mostradas para o período compreendido entre 1906 e 2005 (linha preta) em função do centro da década e em relação à média correspondente para 1901-1950. As linhas tracejadas em que a cobertura espacial é inferior a 50%. Bandas sombreadas azuis mostram o intervalo 5-95% para 19 simulações de cinco modelos climáticos usando apenas as forças naturais, devido à atividade solar e vulcões. Bandas sombreadas vermelhas mostram o intervalo de 5-95% para 58 simulações de 14 modelos climáticos utilizando tanto forças naturais e antrópicas. Em tradução livre para : Comparison of observed continental- and global-scale changes in surface temperature with results simulated by climate models using natural and anthropogenic forcings. Decadal averages of observations are shown for the period 1906 to 2005 (black line) plotted against the center of the decade and relative to the corresponding average for 1901–1950. Lines are dashed where spatial coverage is less than 50%. Blue shaded bands show the 5–95% range for 19 simulations from five climate models using only the natural forcings due to solar activity and volcanoes. Red shaded bands show the 5–95% range for 58 simulations from 14 climate models using both natural and anthropogenic forcings. {FAQ 9.2, Figure 1}. http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg1/ar4-wg1-spm.pdf Acesso em 21 de junho de 2013.

26

Quadro 2: Comparação das alterações continentais de alteração do clima

Não há dúvidas de que a ciência do clima ainda possui muitos caminhos a percorrer,

porém, até onde se conseguiu avançar, todos os sérios estudos indicam, com grau de certeza

considerável, sobre a necessidade de se tomar cautela para com o índice de desenvolvimento da

sociedade, sua velocidade e a emissão abusiva de gases de efeito estufa.

Em adicional aos estudos produzidos pelo IPCC, no ano de 2006, o cientista inglês

James Lovelock publicou o livro A vingança de Gaia16 afirmando a necessidade de uma

retomada de postura do homem em relação aos seus padrões de vida, sob pena de haver uma

abrupta mudança climática na Terra. Em sua teoria, o cientista faz um longo discurso sobre os

principais aspectos climáticos, encarando a Terra como um organismo vivo. Na mesma linha

conclusiva, o documentário “An Incovenient Truth” (Uma verdade inconveniente) apresentado

pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América, Al Gore, também aponta para uma

catástrofe mundial. Não obstante Locelock e Al Gore haverem recebido o Prêmio Novel pelos

trabalhos desenvolvidos, suas teorias foram consideradas pelos cientistas céticos como

apocalípticas e surreais. Recentemente, Lovelock declarou ter sido um pouco alarmista em suas

conclusões, no entanto não nega a alteração do clima pela ação do ser humano17.

16 LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2006. 17 Fontes: http://worldnews.nbcnews.com/_news/2012/04/23/11144098-gaia-scientist-james-lovelock-i-was-alarmist-about-climate-change, http://www.jameslovelock.org/key7.html. Acesso em 22 de agosto de 2012.

27

No mês de setembro de 2013, já quando finalizávamos o presente trabalho, o IPCC,

através do Grupo de Trabalho I – Bases da Ciência Física, elaborou relatório afirmando que as

três últimas décadas foram, sucessivamente, mais quentes do que qualquer outra desde 1850. O

documento indica que “a taxa de aquecimento dos últimos 15 anos (1998-2012) – que foi de

0,05 grau por década e que começou com um potente El Niño (fase quente da Oscilação do

Sul) – é menor do que a calculada entre 1951 e 2012, que foi de 0,12 grau por década”.

Contudo, argumenta, “devido à variabilidade natural, as tendências baseadas em registros de

períodos curtos são muito sensíveis às datas de começo e final, e não refletem, em geral, as

tendências climáticas de longo prazo”. Em suma, diz o documento, “é virtualmente certo (99%

a 100% de certeza) que a troposfera esquenta desde meados do século 20”.

1.2.2) Por que não existem evidências de um aquecimento global - a posição dos cientistas céticos.

A posição adotada pelo IPCC vem amparada por estudos de projeções, simulações

com base em dados reais e atuais, contudo realizando uma projeção para um futuro. Assim,

como tudo em ciência, não há uma certeza absoluta, definitiva, sendo, portanto, plenamente

possível o debate e questionamentos. Eis a função das pesquisas apresentada por esse nicho

cientifico cujo conteúdo não poderá ser desprezado.

Os principais cientistas antiaquecimento global, cada qual com uma visão sistêmica

planetária diferente, são: Frank Furedi, Fred Singer, Dennis Avery, Patrick Michaels, Bjorn

Lomborg18, Chistopher Booker, Richard North e Fred Pearce. No Brasil, encontramos a figura

do professor Luiz Carlos Molion um dos maiores expoentes na representação desses cientistas.

Dizem-se céticos porque negam a influência antrópica no aquecimento global e, portanto, na

mudança do clima. Para muitos dos estudiosos, a Terra entra em uma nova era Glacial.

Um dos primeiros argumentos utilizados para combater as teorias trazidas pelo

IPCC está na hipótese de que a concentração de CO₂ na Terra não tem o condão, de per si, de

causar o aquecimento, por absoluta impropriedade química, acrescentado ao fato da própria

natureza produzir infinitamente mais gás carbônico do que o próprio ser humano. Segundo

Molion, “mais de 97% das emissões de gás carbônico são naturais, provenientes dos oceanos,

18 Recentes notícias veiculadas pela imprensa mundial têm apresentado Bjorn Lomborg como um ex-cético.

28

vegetação e solos, cabendo ao ser humano menos de 3%19. Outro fato mencionado pelos

céticos diz respeito à concentração de CO₂ quando dos períodos interglaciais (aquecimento

natural) quando as concentrações apresentavam níveis abaixo de 300 ppmv, contra a

concentração atual que atinge a casa dos 380 ppmv, aproximadamente. Sob esse enfoque, o que

ocorreria na Terra primeiro seria o aquecimento e depois um aumento de concentração de CO₂

na atmosfera e não o contrário. Em relação aos demais gases de efeito estufa, argumenta-se que

sua concentração na Terra é ínfima, não tendo o condão de produzir alterações climáticas de

grandes proporções.

Outro ponto de fragilidade ao modelo do IPCC diz respeito à forma de medição dos

componentes do clima. O IPCC, afirmam os céticos, faz seus cálculos com base em modelos de

clima global (MCG), ou seja, programas de computador capazes de fazer algumas previsões

através de equações ou previsões matemáticas. Muitos termômetros foram colocados nas

conhecidas ilhas de calor (centros urbanos), o que comprometeria a confiança dessas medições.

Essas previsões seriam falhas, ainda, por não conseguirem reproduzir com grau de

confiabilidade suficiente as principais características do clima, tais como, a formação de nuvens,

do ciclo hidrológico e o transporte de calor sensível pelas correntes oceânicas para regiões fora

dos trópicos. Desse modo, os MCG’s conseguem fazer uma previsão aproximada para o

presente, mas não em relação ao passado e ao futuro.

Um terceiro argumento apresentado está no fato de que “variações da circulação

atmosférica, associadas às variações da temperatura de superfície do mar (TSM), por exemplo,

alterações na frequência de ocorrência de eventos El Niño - Oscilação Sul (Enos), são outras

causas de mudanças significativas na temperatura global” 20 , produzindo anomalias de

temperaturas do ar global em razão da sua influência nos oceanos, os quais cobrem 71% da

superfície terrestre e representam o agente de maior importância na condição de contorno do

clima global. Nesse particular, sustentam, há registros de que o oceano no Hemisfério Sul tem

apresentado índices de resfriamento, cujas causas ainda são desconhecidas.

Por derradeiro, essa corrente científica traz como argumento a atividade solar como

mais uma causa do aquecimento/resfriamento da Terra, ao invés da emissão de gases de efeito

estufa. Como é de conhecimento, o Sol é a principal fonte de calor/energia da Terra e a sua

emissão não ocorre em uma constante invariável. Desse modo, essa inconstância, percebida

19 MOLION, Luiz Carlos Baldicerto. In: Aquecimento global, frias contendas científicas. José Eli da Veiga (organizador). São Paulo: Editora Senac. 2008. P 62. 20 MOLION, Luiz Carlos Baldicerto. Idem. p. 72.

29

inclusive em 1957 quando o sol apresentava mais de duzentas manchas, seria uma das

principais causas do resfriamento e não do aquecimento global.

Diante de todos os elementos trazidos, para os céticos, o homem seria capaz de

alterar o microclima da sua região, mas jamais o clima global.

Muitos céticos trazem como argumento, ainda, o fato de que a redução de emissão

de CO₂ implica, necessariamente, redução do processo econômico e, nesse sentido, dificultar as

emissões seria uma estratégia dos países mais desenvolvidos para impedir o progresso dos

países emergentes, capitaneado pelo IPCC.

Em 14 de maio de 2012, pesquisadores brasileiros enviaram à Presidente da

República, Dilma Rousseff, uma “carta aberta” trazendo à discussão todos os itens indicados

acima. A finalidade da carta seria trazer um alerta à presidente no sentido de envidar esforços

para uma boa composição de interesses na Conferência Rio+20. Afirmaram em conclusão:

“Pela primeira vez na História, a Humanidade detém um acervo de conhecimentos

e recursos físicos, técnicos e humanos, para prover a virtual totalidade das

necessidades materiais de uma população ainda maior que a atual. Esta

perspectiva viabiliza a possibilidade de se universalizar – de uma forma

inteiramente sustentável – os níveis gerais de bem-estar usufruídos pelos países

mais avançados, em termos de infraestrutura de água, saneamento, energia,

transportes, comunicações, serviços de saúde e educação e outras conquistas da

vida civilizada moderna. A despeito dos falaciosos argumentos contrários a tal

perspectiva, os principais obstáculos à sua concretização, em menos de duas

gerações, são mentais e políticos, e não físicos e ambientais. Para tanto, o

alarmismo ambientalista, em geral, e climático, em particular, terá que ser apeado

do seu atual pedestal de privilégios imerecidos e substituído por uma estratégia

que privilegie os princípios científicos, o bem comum e o bom senso. A conferência

Rio+20 poderá ser uma oportuna plataforma para essa necessária reorientação.”

1.2.3) Posição científica adotada para o presente trabalho de mestrado

A posição adotada para fins de desenvolvimento dessa dissertação de mestrado é a

apresentada pelo IPCC, no sentido de que as ações humanas, através de emissão de gases de

efeito estufa, têm sido causa concorrente e importante para o aquecimento Global.

30

Muito embora os céticos aleguem, como já dissemos, a impossibilidade do ser

humano alterar o clima global, não se explica, sequer se menciona, quais efeitos que cada

alteração nos microclimas poderá gerar quando vista globalmente, em seu conjunto no planeta

Terra. O senso comum nos leva a uma desconfiança a respeito da teoria dos céticos.

Outro ponto também não colocado em discussão: muito embora o CO₂ seja

considerado o gás da vida, dada a sua importância no processo de fotossíntese, os céticos não

discutem os malefícios dos excessos desse gás para a saúde humana, especialmente nos grandes

centros urbanos.

Não há dúvidas de que o ser humano, com seu poder de criação e destruição, pode

sim alterar os padrões de vida na terra e a criação das ilhas de calor é uma grande prova do que

se diz. Muitas espécies já foram extintas por consequência da força predatória humana. Não se

deve subestimar a capacidade humana em interferir nos processos naturais. Jamais.

Importante ressaltar que estudos do IPCC indicam que, por volta de 2050,

“aumentos na temperatura e diminuição associados da água no solo são projetadas para levar

à substituição gradual da floresta tropical por savana no leste da Amazônia. Vegetação

semiárida tenderá a ser substituída por vegetação árida-terra. Há um risco de perda

significativa da biodiversidade através da extinção de espécies em muitas áreas da América

Latina tropical.”21

Utilizar argumentos sobre a dominação dos países mais ricos sobre os mais pobres

no sentido paralisar o crescimento econômico, dentre eles o Brasil, parece-nos um pouco

emotivo demais. Os malefícios à saúde da emissão em exagero de GEE são provados e

comprovados, sendo necessário, ao menos para o Brasil, reformular a sua produção energética.

O crescimento econômico poderá ocorrer de forma sustentável, despoluída, utilizando a

capacidade humana tecnológica.

Em acréscimo, a boa análise do conteúdo histórico dos ciclos da Terra leva à

conclusão de que a preservação do clima não é um assunto somente atinente ao respeito da

biodiversidade. Sim, porque, mesmo após os grandes cataclismos ocorridos e as grandes eras, a

21 Tradução livre para “By mid-century, increases in temperature and associated decreases in soil water are projected to lead to gradual replacement of tropical forest by savanna in eastern Amazonia. Semi-arid vegetation will tend to be replaced by arid-land vegetation. There is a risk of significant biodiversity loss through species extinction in many areas of tropical Latin America.” Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Fonte http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg1/ar4-wg1-spm.pdf Acesso em 21 de junho de 2013.

31

natureza regenerou-se. Isso é prova do que se está a dizer. Contudo, é necessário apontar que

não houve um período em que aquelas espécies pudessem se adaptar às mudanças. As espécies

foram extintas! Como exemplo, citamos o asteroide que atingiu a península de Iucatã há mais

de 65 milhões de anos o qual representou o mote para o fim do período cretáceo. O mundo

sobreviveu após a queda do asteroide, mas nunca mais da mesma forma como era antes.

Assim, em uma escala de tempo adequada, a Terra se regenerará dos malefícios

trazidos pelo ser humano, mas, provavelmente, não com o ser humano em sua presença, porque

já terá sido extinto há muito, muito tempo. Desse modo, tratar do assunto “Mudanças

Climáticas” representa o risco que nós, humanos, provocamos a nossa própria espécie, tanto em

relação às gerações presentes na atualidade (porque, de regra, os efeitos são mais sentidos em

sociedades mais pobres, apresentando uma perversidade social gritante) quanto às futuras

(desaparecimento da vida humana na Terra).

Falar em mudanças climáticas significa realizar uma análise de riscos e perigos

existentes na e para a sociedade pós-moderna. Uma análise cataclísmica, aterrorizadora, levaria,

obviamente, a ações nada sensatas, posto que motivadas pelo medo extremo. Especialmente

para o tema que iremos tratar neste trabalho, uma visão centrada em todas as posições, mas

sempre pautada na prudência, é a melhor opção. Desfavorecer a posição dos “crentes” em favor

dos “céticos” poderá levar a humanidade a uma ação de descaso para com suas próprias ações

que influenciam o meio, trazendo desequilíbrio, e vice-versa. Não obstante adotarmos a posição

trazida pelo IPCC, não há dúvidas de que a posição dos céticos deverá ser considerada quando

da análise das teorias colocadas em discussão, trazendo, dessa forma, um discurso dialético e

crítico próprio da ciência (a qual não é infalível), importantíssimo para a realização de políticas

públicas.

Recentemente, a ABRAMPA divulgou importantes descobertas realizadas pela

NASA no sentido de que o Aquecimento Global poderá ser em cerca de 20% maior do que o

estimado. 22 Muito embora os estudos indicassem uma descontinuidade no aumento da

temperatura global, os novos estudos produzidos recentemente indicaram uma certa falha no

sistema de medição porque não consideraram a produção de aerossóis, os quais, segundo

descobriu-se, possuem efeitos diferentes em torno do Globo terrestre (não somente resfriando,

mas também esquentando). A exemplo, cita-se, o Hemisfério Norte (região mais

industrializada), como o maior emissor de GEE e aerossóis há um registro de resfriamento. 22 Fonte: http://www.abrampa.org.br/namidia_listar.php?idNoticia=5622 Acesso em 18 de março de 2014.

32

Porém, registrou-se, ao longo do tempo as partículas de aerossóis não possuem a força do

resfriamento e, em sendo assim, em um prazo de 20 anos, poder-se-ia constatar o real efeito do

aquecimento global.

Nesse passo, o Direito tem, por compromisso, a missão de realizar uma avaliação

sensata dos riscos a fim de construir um sistema voltado ao que, de fato, considera-se como

justiça. Nesses termos, parece-nos, desenvolver um sistema de políticas públicas pautado

segundo os critérios da precaução, após uma criteriosa análise dos riscos, seria uma boa solução.

Em verdade, quando se trata de emissão de CO₂, dentre outros gases, e suas

consequências o pano de fundo de toda a discussão também é a saúde humana, visto que as

produções deles estão diretamente ligadas a processo de degradação ambiental,

desflorestamento, aumento de produção de resíduo sólidos, dentre outros processos. Assim,

mesmo que aceitássemos a remota hipótese da correção da teoria dos céticos, deve-se

considerar que o ser humano não poderá mais avançar o processo civilizatório como o vem

fazendo, sob pena de modificar radicalmente a forma da vida na Terra, tal qual a conhecemos.

Portanto, o repensar a forma de vida da sociedade pós-moderna é necessário e urgente para nós,

humanos.

33

2 – ASPECTOS FILOSÓFICOS DO AMBIENTALISMO

2.1 A RELAÇÃO ANTROPOCÊNTRICA PARADIGMÁTICA ATUAL. O MÉTODO CARTESIANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA SOCIEDADE DE RISCO DE ULRICH BECK

A história da humanidade demonstra uma progressividade na evolução do ser humano e

em suas relações interpessoais e com o meio que o cerca. Afirmam com propriedade Stone23 e

Bobbio24, ao se lembrarem de Darwin, que, nos primórdios a raça humana primeiro preocupou-

se com a própria sobrevivência, o homem como indivíduo (uti singulus) e, com o passar dos

tempos, ocupou-se também com aqueles que estavam próximos, até chegar ao ponto da

preocupação com o todo, o difuso, ocasião em que, provavelmente, com o desenvolvimento da

sociedade, surgem também os conceitos de coletividade, direitos do todo no momento presente

e no porvir (gerações futuras), direitos humanos (se compreendermos que os direitos humanos

não nasceram especificamente em 1948 quando por ocasião da Declaração Universal, mas sim

como um desenvolvimento social, o qual culmina com a elaboração do referido documento).

É certo que a visão de ser humano titular de direitos, tal qual a temos hoje, é fruto

igualmente de uma evolução da concepção humana. Isso porque, inicialmente, mulheres,

escravos, crianças, deficientes, salienta Stone, eram sempre vistos como bens, como coisas e

não como pessoas com titularidade de direitos. Os registros bíblicos sobre a figura da mulher e

dos escravos, assim como os registros da Roma Antiga mostram muito bem o que se fala.

Mulheres eram vistas como o sexo mais frágil e, portanto, como desprovidas de inteligência

suficiente para gerir sua própria vida. Escravos, também, sejam negros ou os de guerra, não

eram considerados pessoas, mas bens, podendo ser até mesmo vendidos.

A sociedade humana evoluiu e hoje não se admite mais tais exclusões. “Todas as

pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e

devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” afirma o artigo 1º da

Declaração Universal dos Direitos Humanos, formulada em 10 de dezembro de 1948 pela

Organização das Nações Unidas.

Se, por um lado, a humanidade conseguiu evoluir na sua compreensão acerca do

“ser humano”, ao que parece, a mesma dinâmica não poderá ser aplicada quanto à relação

“homem x natureza” e, a História nos ajudará a entender essa importante problemática.

23 STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objects. Tioga Pub Co. 1998. 24 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus. 1992.

34

Em René Descartes e Francis Bacon, ambos importantes cientistas/filósofos do

século XVII, há uma drástica mudança no paradigma científico mundial o qual, como veremos,

ainda apresenta seus reflexos no momento atual.

Descartes, ao instituir o seu método de pesquisa (estando o Direito nessa

perspectiva) - a dúvida universal e o método analítico, segundo Capra, nos “ensinou a

conhecermos a nós mesmos como egos isolados existentes ‘dentro’ dos nossos corpos; levou-

nos a atribuir ao trabalho mental um valor superior ao trabalho manual; habilitou indústrias

gigantescas a venderem produtos – especialmente para mulheres- que nos proporcionem o

corpo ideal; impediu os médicos de considerarem seriamente a dimensão psicológica das

doenças e dos psicoterapeutas a lidarem com o corpo de seus pacientes. Nas ciências humanas,

a divisão cartesiana redundou em interminável confusão acerca da relação entre mente e

cérebro (...)”. 25 Descartes, assim como Francis Bacon, talvez até mesmo devido a suas

formações em ciências exatas e adotando uma posição filosófica dualista sobre o homem,

encarava o funcionamento da Terra como uma máquina, não havendo qualquer propósito, vida

ou espiritualidade na matéria, inclusive nos animais. Não havendo qualquer tipo de alma na

matéria, sentimento e, portanto, dignidade, ao ser humano era permitido utilizar todo

conhecimento, apreendido através das investigações científicas, para se tornar senhor e

dominador da Terra, da Natureza, dos animais. Essa relação é fortemente marcada por ocasião

da Revolução industrial e ganha um contorno ainda mais forte em razão do desenvolvimento

das tecnologias. Esse, então, foi o primeiro grande passo para distanciar o ser humano do

respeito em relação ao meio que o cerca.

Na mesma linha, existe a tradição religiosa, a qual permite ao homem ver-se em

relação à Natureza como seu dominador, em relação de superioridade. Veja-se o livro bíblico

do Gênesis, capítulo 1, versículo 28, o qual diz “então Deus os abençoou e lhes disse:

Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre

as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra.”26 A Torá, matriz do

textos cristãos, afirma de modo semelhante no livro de Berechit – (תישאר, - Gênesis), e ainda

informa que animais não possuem “neshamá” (o nível mais elevado da alma), e quando

morrem, seu “ruach” (um nível mais baixo de alma) é expirado, significando dizer que os

25 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência a Sociedade e a Cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 25 ed. p. 55, com nosso grifo. 26 A Bíblia Sagrada. Velho e Novo Testamento. Rev. da tradução de João Ferreira de Almeida. 3ª impressão. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira. 1988.

35

animais (e também as plantas), após a morte, cumprem seu propósito na terra – servir ao

homem.

Mas não é só. A Filosofia kantiana também representa mais um passo de

distanciamento, posto que assenta o ser humano realmente no centro de todas as preocupações,

como um fim em si mesmo, trazendo consigo o elemento racional devendo, portanto, afastar-se

de toda objetificação do homem. Se, por um lado, à Kant é concedido o mérito pela concepção

libertação da coisificação do humano, também a ele é posta a carga trazida pelo

antropocentrismo exagerado, afastando o atributo “dignidade” de tudo o que não seja de DNA

humano. Sarlet, ao citar o filósofo prussiano, diz que este concebia todo o “resto” como

pertencente à categoria de coisas, com uma valoração relativa e em relação de utilidade para

com o ser humano, como unicamente um meio para a satisfação das necessidades humanas,

bem longe de um valor fundamental de uma dignidade intrínseca.

Acoplado a isso, o desenvolvimento do capitalismo, especialmente a partir da

metade do século passado e início deste século, traz uma sensível modelação em relação à

forma como o ser humano se observa em relação a si próprio, aos outros e ao seu meio. Neste

momento histórico, o antropocentrismo já está bem assentado na cultura humana ao ponto de

gerar o que Lipovetsky chama de uma “ardorosa obrigação: toda uma sociedade se mobiliza

em torno do projeto de arranjar um cotidiano confortável e fácil, sinônimo de felicidade” com

uma “ambiência de estimulação dos desejos, a euforia publicitária, a imagem luxuriante das

férias, a sexualização dos signos e dos corpos.” 27

A consolidação das relações de consumo na sociedade traz como consequência

direta a necessidade premente de aumento da produção de bens (inclusive uma produção mais

constante) e, via reflexa, a exploração dos recursos naturais o que, invariavelmente, está

diretamente atrelado à exploração predatória da natureza e emissão abusiva de GEE. Aqui está

o paradoxo do capitalismo e da ciência moderna: eles próprios concedem os almejados prazeres,

confortos e, para que isso ocorra, há a necessidade de exploração da Natureza gerando,

atualmente, um verdadeiro desequilíbrio o qual desemboca na problemática da Mudança do

Clima. Confira-se, nesse sentido, Beck: “A práxis científica superespecializada transforma-se

assim num ‘pátio de manobras’ para problemas e para o custoso tratamento dos sistemas

correspondentes.”28

27 LIPOVETSKY, Gilles. Tradução Maria Lucia Machado – São Paulo: Companhia das letras, 2007. p 35 28 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ed. São Paulo: Editora 34. p. 271.

36

Mas não serão apenas a ciência, a ética ou o capitalismo os grandes vilões do

grandioso projeto de extinção da raça humana, isso é óbvio. Todos os sérios problemas gerados

pelo ser humano, à sua própria existência, estão também diretamente relacionados à sua noção

de risco. Não somente a ideia de cada pesquisador, mas também, e principalmente, da

sociedade como um todo. Nesse diapasão, duas perguntas são pertinentes: Nossa sociedade

enxerga algum risco grave em relação ao meio ambiente na sua forma de vida atual? A

sociedade possui a exata dimensão da sua influência na problemática das Mudanças

Climáticas/Aquecimento Global?

A crítica e, talvez, a resposta às perguntas, vem de Beck, cujo estudo é sobremodo

crítico em relação ao modus vivendi do homem moderno, o homu economicus.

A questão não é o risco em si, ele está aí desde os primórdios da humanidade, mas

sim a postura do ser humano em relação ao desenvolvimento da sua sociedade. O risco real e

florescente na nossa sociedade, no caso do presente trabalho a alteração do Clima, passa

despercebido por todos, entra no lugar comum das preocupações rotineiras até entrar nos muros

da apatia, anestesiado pelo gozo produzido por ele próprio, o risco. E ainda, o que é pior,

produz-se o risco para que soluções sejam ventáveis e lucrativas ao mercado. Para Beck, a

“canabalização mercantilizante dos riscos” gera oportunidades de mercado no próprio risco,

alimentando-se do próprio risco para a sua subsistência, o que gera, inexoravelmente, o risco

autofabricável e necessário.

Uma mudança paradigmática. Uma questão de sobrevivência humana.

A falsa impressão do ser humano de que a sua ciência poderá dominar a Natureza,

explorando todos os seus recursos indistintamente para que, posteriormente, possa reparar

todos os danos causados, inclusive em relação à mudança do clima, além de tratar-se de uma

fantasiosa articulação, também o conduz a um caminho sobremodo arriscado, posto que, como

bem salienta Giddens, em relação às Mudanças Climáticas, “lidar com o aquecimento global

nada tem a ver com salvar a Terra, que sobreviverá independentemente do que fizermos. Viver

em harmonia com a Terra, respeitar a Terra, respeitar a natureza, todas essas ideias se

incluem na mesma categoria.29” Afirmar que a Terra viverá independentemente do homem é

uma afirmação séria e precisa ser muito bem compreendida no sentido em que este trabalho

está se desenvolvendo.

A história geológica da Terra nos conta as muitas vezes em que houve grandes

cataclismos e, com eles, a forma de vida daquela época se extinguiu completamente, havendo,

29 GIDDENS, Anthony. A Política das Mudanças Climáticas. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Zahar. Versão digital. p. 68.

37

contudo, se regenerado, mesmo que em milhares de anos. Isso porque, a Natureza em seu todo

não morre, não degenera, ao contrário, se expande e evolui em inovação. Muito embora as

formas de vida de cada período tenham desaparecido por ocasião das catástrofes, a Terra, em si,

persistiu, renovou-se e, agora, estamos nós aqui, homu erectus. Ora, no momento em que o

Clima se alterar de forma que o ser humano não consiga mais manter a forma de vida tal qual a

conhecemos, a Terra, enquanto todo, continuará presente. Quanto a nós, humanos, a dúvida

persistirá.

É por demais ingênuo e romântico pensar que podemos viver independentemente

do respeito ao próximo, assim como em respeito às demais formas de vida presentes ao nosso

redor. O item primeiro da proclamação de Estocolmo reconhece ser “o homem é ao mesmo

tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca.”30

O homem puramente antropocêntrico é egoísta e hedonista, como bem afirma

Lipovetsky, busca apenas suas satisfações pessoais, pouco importando a forma como poderá

alcançar seus objetivos, gerando o completo desarranjo com o meio em que vive. Afirma Beck,

“é preciso, por assim dizer, através de alterações em sua autoimagem e em sua configuração

política, introduzir freios e contrapesos no ‘desgoverno’ do avanço científico-tecnológico,

atualmente em desabalada e explosiva carreira.”31

Desse modo, parece-nos, falar sobre a Mudança do Clima, preservação do Planeta,

implica necessariamente uma questão de sobrevivência da própria raça humana e da memória

de tudo o que construímos (e também destruímos) e, de tudo o que poderemos ainda construir.

Por este viés, a preservação do Planeta, do Clima, passaria por uma condição antropocêntrica, o

homem como o centro de todas as preocupações, o que, de certo modo, não estaria de todo

equivocado, mas deverá evoluir para encontrar o ser humano no “centro difuso de todas as

coisas”32, em uma relação de interdependência e solidariedade evoluindo da visão do “eu -

humano” para o “nós – forma de vida”, em completa harmonia e respeito, reconhecendo o fato

de que o homem não opera somente em um ambiente social, mas também em um ambiente

natural, passando a adotar, desse modo, a corrente biocêntrica.

Essa perspectiva foi notada há mais de 150 anos, quando o mundo foi testemunha

da carta do Cacique de Seattle enviada ao então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce,

no ano de 1855. O escrito foi não só uma resposta à oferta do então presidente de compra das

terras indígenas, mas também uma declaração de propósitos e de conduta ética daqueles

30 Fonte: www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc. Acesso em 18 de setembro de 2013. 31 Idem. P 273 32 CAPRA, Fritjof. A teia da vida.

38

humanos em relação ao meio ambiente. Longe de expectativas metafísicas, o fato é que, se o

homem branco tivesse ouvido as recomendações do chefe da tribo dos Suquamish certamente

não estaríamos discutindo o tema “Mudanças Climáticas”. Vejamos alguns trechos da carta33:

Mas como é possível comprar ou vender o céu, o calor da terra? É uma ideia

estranha. Não somos donos da pureza do ar e do brilho da água. Como alguém

pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre coisas do nosso tempo.

Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias

de areia, cada floco de neblina nas florestas escuras, cada clareira, todos os

insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.

(...) O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos

respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco

se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau

cheiro.

(...) Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual,

porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo

quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.

Embora a carta fosse escrita em uma época diferente da nossa, percebe-se a

atualidade do seu tema, trazendo o importante confronto entre as correntes biocêntricas e

antropocêntricas. O “homem vermelho” não consegue entender como os brancos não se

importam com o ar que respiram, fundamental para a sobrevivência humana.

Essa inquietação é atualíssima. Veja que os moradores de grandes centros urbanos,

já tão habituados com a visão do céu cinzento, e com os roncos das buzinas e dos veículos, ao

calor do asfalto e dos grandes arranha-céus, já se dessensibilizaram em relação a sua

importância para o equilíbrio do todo.

Ao citar Ralph Waldo Emerson, Giddens afirma “devemos procurar recuperar a

relação não mediada que nossos ancestrais desfrutavam com a natureza, e que é a fonte da

experiência estética e da moral.”34 Portanto, o desenvolvimento da humanidade, tal qual tem

ocorrido, precisa de uma mudança paradigmática urgente, longe de uma postura cética, sob

pena de entrarmos em um caminho sem volta em relação às mudanças climáticas. Esse talvez,

no nosso sentir, é o grande mal de se adotar uma postura antropocêntrica, porque o homem

33 PERRY, Ted. A carta do Cacique de Seattle. Tradução de Aline Galeffi. Rio de Janeiro: Versal Editores. 2007. 34 GIDDENS, Anthony. A política da mudança climática. Versão digital. p. 62

39

torna-se o centro de todas as preocupações e, distante da realidade que o cerca, acaba por

enveredar por caminhos de uma ética utilitarista, voltada para o fim das suas próprias

satisfações como bem frisa Lipovetsky.

José de Ávila Aguiar Coimbra 35propõe um novo humanismo, “mais humano e

menos tecnicista”, diferente do humanismo Renascentista, provavelmente o “humanismo

integral” proclamado pelo filósofo francês Jaques Maritain, aquele que permite uma relação de

cumplicidade entre a alma humana e a alma dos demais seres vivos. Esse novo paradigma

concede ao ser humano receber “das mãos da Natureza o seu prêmio e terá a ela própria como

troféu.”

2.2 - A ÉTICA AMBIENTAL EM HANS JONAS – O NOVO IMPERATIVO CATEGÓRICO

Desde o século XVIII, já se encontram registros sobre a preocupação quanto à

disponibilidade de recursos na Natureza para prover o padrão de vida da humanidade,

especialmente após o desenvolvimento dos estudos produzidos por Thomas Malthus o qual

observou que os recursos possuem expansão em escala aritmética, enquanto a população cresce

em série geométrica. Provavelmente, o documento mais conhecido sobre o tema é o relatório

Publicado, em 1972, pelo Clube de Roma, conhecido por “Os limites do crescimento”, com

cenários extremamente pessimistas, os quais não se concretizaram. Contudo, a sua grande

contribuição foi chamar a atenção da humanidade para a necessidade de rever o seu processo de

produção econômica, reduzindo desigualdades sociais e impor limites à capacidade humana de

produzir influências em seu meio através do seu conhecimento, já que, segundo é vastamente

comprovado, é possível a modificação completa de um meio (Meio Ambiente, Alimentos

dentre muitos outros aspectos) através da utilização de toda a tecnologia produzida pelo ser

humano.

Nesses moldes, uma nova reflexão está diretamente ligada à relação existente entre

a técnica e seus efeitos sobre a natureza e sobre o ser humano. O assunto é abordado por Hans

Jonas36, o qual desenvolveu o tema deixado por seu discipulador Martin Heidegger37, com

brilhantismo.

35 COIMBRA. José de Ávila Aguiar. O outro lado do Meio Ambiente. São Paulo: CETESB, 1985. p 109. 36 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto:Ed. PUC-Rio, 2006. 37 HEIDEGGER. Martin. A questão da técnica. Trad. Emmanuel Carneiro Leão.. In: Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia de Sá Cavalcante Schuback. 6.ed. Petrópolis: Vozes. 2010. p. 11-38. Coleção Pensamento Humano.

40

A humanidade desenvolveu sua técnica, aqui compreendida como o rol de

conhecimentos e instrumentos utilizados para a decifração e o domínio sobre o meio que o

cerca e, segundo Hans Jonas, a mesma passa a condição de meio para ser colocada como um

fim em si mesma, o que é determinante para a mudança no modo de vida do ser humano, as

relações sociais e com o meio ambiente, alterando de forma significativa o conteúdo da ética no

uso desse novo “poder”, trazendo tanto benefícios quanto malefícios. Assim, a questão para

Jonas será a avaliação ética delimitadora dos efeitos da “tecnificação” do agir humano, tanto

em relação aos seus efeitos positivos quanto em relação ao potencial destrutivo, os quais podem

ameaçar, inclusive, a própria existência humana. O termo, em Heidegger, “deriva do grego

‘technikon’. Isto designa o que pertence à ‘technè’. Este termo tem, desde o começo da língua

grega, a mesma significação que ‘episteme’- quer dizer: velar sobre uma coisa, compreendê-la.

‘Technè’ quer dizer: conhecer-se em qualquer coisa, mais precisamente no facto de produzir

qualquer coisa”38. Em brilhante interpretação sobre o texto ao qual nos referimos, os filósofos

Willis Santiago e Márcia Aquino afirmam “o des-ocultar da técnica moderna não é um pro-

duzir, mas um des-ocultar que desafia a natureza e que a põe como fonte de recursos

disponíveis a serem continuamente demandados.”39

Heidegger é firme ao dizer não haver qualquer tipo de neutralidade na técnica,

sendo, portanto necessário que a ela nos envolvamos de forma a conhecê-la e encará-la como

um meio e não um fim. Contudo, o domínio da técnica e o seu próprio desenvolvimento

trouxeram certa banalização acerca do uso dos recursos naturais, assim como a visualização de

onde o ser humano se encontra em todo o desenvolvimento. Christopher D. Stone, alertando

sobre a banalização da utilização dos recursos, alertou sobre a necessidade de atentarmos sobre

a banalização da utilização dos recursos naturais40 e, continua, a humanidade não desenvolve

apenas a capacidade científica, mas também a sua própria capacidade de percepção de que a

natureza é como ele próprio, o homem, dele faz parte, reunindo um todo41.

38 HEIDEGGER. Martin. Língua de tradição e língua técnica. Trad. Mário Botas. 2.ed. Lisboa: Vega, 1999. p.21 39 AQUINO, Márcia Regina Pitta Lopes e GUERRA FILHO, Willis Santiago. Matrix como essência da Técnica segundo Heidegger. Disponível em http://www.ifcs.ufrj.br/~sfjp/revista/downloads/matrix_como_essencia_da_tecnica.pdf . Acesso em 28 de janeiro de 2014. 40 “Scientists have warning of the crises the earth and all humans on it face if we do not change our ways - radically - and these crises make the lost recreational use of rivers seem absolutely trivial”. STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objetcts. Tioga Pub Co. 1998. P. 45 41 “We are not only developing the scientific capacity, but we are cultivating ther personal capacities within us to recognize more and more the ways in which nature – like the woman, the Black, the Indian and the Alien – is like us (...)” STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objetcts. Tioga Pub Co. 1998. P. 51

41

Neste contexto, o conteúdo da ética tradicional nem sempre apresenta facilidades na

sua aplicação, especialmente quando tratamos de assuntos atinentes ao capitalismo, preservação

ambiental, sociedade de consumo em massa, satisfação da felicidade. As discussões são

acaloradas quando a imagem do futuro, das gerações futuras, é posta em contraponto com a

necessidade atual de, por exemplo, alimentar inúmeras pessoas no globo terrestre, retirar outras

tantas da linha de pobreza conferindo-lhes dignidade.

Contudo, há uníssono de vozes entre a maioria dos filósofos, sociólogos,

antropólogos no sentido de compreender a nova técnica como agente modificador da Natureza

e do agir humano de uma maneira inédita e de grandeza nunca antes imaginável, revelando não

só o poderio da mente humana, como também a fragilidade do ser humano e da própria

Natureza, impondo à ética “pela enormidade das suas forças, uma nova dimensão, nunca antes

sonhada, de responsabilidade”42. Diz responsabilidade porque, segundo a ética kantiana, a

Natureza não está sob o encargo humano e sob uma visão biocêntrica e não antropocêntrica.

Citamos Jonas:

“Enquanto for o destino do homem, dependente da situação da natureza, a

principal razão que torna o interesse na manutenção da natureza um interesse

moral, ainda se mantém a orientação antropocêntrica de toda ética clássica.

Mesmo assim, a diferença é grande, Desaparecem as delimitações de proximidade

e simultaneidade, rompidas pelo crescimento espacial, o prolongamento temporal

das sequências de causa e efeito, postas em movimento pelas práxis técnica mesmo

quando empreendidas para fins próximos. Sua irreversibilidade, em conjunção com

sua magnitude, condensada, introduz outro fator, de novo tipo, na equação moral.

Acresça-se a isso o seu caráter cumulativo: seus efeitos vão se somando, de modo

que a situação para um agir e um existir posteriores não será mais a mesma da

situação vivida pelo primeiro ator, mas sim crescentemente distinta e cada vez

mais um resultado daquilo que já foi feito. Toda ética tradicional contava somente

com um comportamento não cumulativo.”43

O filósofo alemão denuncia a “objetificação” do ser humano, assim como da

Natureza, sendo que os fundamentos antropocêntricos imbricados na base da ética ocidental são

absolutamente insuficientes para orientar a nova civilização posto estarem voltadas somente

para o agir e não para o “ser” (aqui nos referirmos tanto à ética kantiana quanto à

42 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto:Ed. PUC-Rio, 2006. p. 39. 43 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto:Ed. PUC-Rio, 2006. p. 40.

42

utilitarista/“benthaniana”), além de deitar os olhos somente para o tempo presente,

desconsiderando o futuro, impossibilitando, dessa forma, que se ultrapasse a realidade intra-

humana e alcançar as gerações futuras.

Não há como olvidar, o contexto histórico influencia as escolhas e o fundamento de

cada imperativo ético proposto. Em Kant, as preocupações da sociedade eram voltadas a

libertação do Estado Religião, ocasião em que a “revolta” direcionava-se para com as tradições

que sufocavam a grande massa. Por isso, o valor central de Kant é a dignidade humana,

relacionando-se com o momento presente, na medida em que a escolha do agir humano pudesse

ser transformada em regra geral de conduta (“Age como se a máxima de tua ação devesse

tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”). Nos tempos de Immanuel Kant, a

vulnerabilidade da Natureza frente à “técnica” humana, nem a coisificação do próprio ser

humano não constituíam problemas de responsabilidade humana, até mesmo porque o grau de

desenvolvimento das ciências e tecnologias não permitia uma amplitude de interferência na

natureza do Meio Ambiente e do próprio ser humano.

A necessidade em Kant era o descobrir humano a “saída da sua menoridade de que

ele próprio é culpado”.44

Na pós-modernidade, o desenvolvimento da técnica e ampliação do poder de

destruição e modificação trazem uma nova dimensão a respeito do cosmos, transformando-o

em um infinito de variedades e funções. Se, com a nova técnica foi possível ao ser humano

avançar em todos os níveis e áreas do conhecimento, retirando-o do seu “estado de

menoridade”, movimento este decorrente das advertências trazidas por Kant, não há dúvidas de

que este “esclarecimento” também carrega consigo a grande responsabilidade e o

reconhecimento da necessidade de imposição de limites deste novo saber. À própria técnica

coube a revelação dos potenciais dos recursos naturais e humanos, revelando a fragilidade da

vida terrena, portanto a ela mesma cabe a responsabilidade pela manutenção da vida. Não se

trata, a nosso ver, de uma negação da teoria de Kant, mas sim da sua adequação aos dias em

que os conceitos, e a própria vida, se tornam difusos, coletivos, abrangentes.

Ao tratar do tema “cultura-mundo”, o filósofo francês Gilles Lipovetsky conclui “a

técnica suscita todo um conjunto de sonhos (...) a fé no poder da razão e da técnica alimentou

o dogma do progresso necessário, linear e indefinido.” 45

44 Kant, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos. Tradução Artur Morão. Lisboa/Portugal: Edições 70. 2008. p. 11 45 LIPOVETSKY, Gilles e Jean Serroy. A Cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras. 2011. p 43.

43

Jonas questiona “e se o novo modo do agir humano significasse que devêssemos

levar em consideração mais do que somente o interesse do ‘homem’, pois nossa obrigação se

estenderia para mais além, e que a limitação antropocêntrica de toda ética antiga não seria

mais válida?”46 Uma responsabilidade que decorra não somente por nossa causa, mas uma

causa fim em si mesma, com finalidades “extra-humanas”.

A discussão, assim, migra do ponto a “dignidade humana” até alcançar a

abordagem sobre a dignidade Planetária, das gerações (humanas e não humanas) do porvir,

com a carga da responsabilidade voltada àquele desenvolvedor da própria técnica, a fim de que

a própria técnica não reduza a essência humana ao nada. Este é o tema fundador da nova

exigência da ética apontada por Hans Jonas.

Embora aborde sobre o tema “hipercapitalismo”, o filósofo francês Gilles

Lipovetsky traz preocupação semelhante quando afirma que a “salvação hipermoderna” da

desordem contemporânea está além das simples recriminações ao antiliberalismo econômico.

Ou seja, a visão capitalista é voltada ao prazer extremo, ao uso desenfreado dos recursos

naturais colocando o “luxo na moda” ao bem prazer exclusivo humano, fazendo com que essa

nova técnica volte-se ao serviço desse capitalismo, deslocando a vida da condição de fim para

meio e atingir os fins do próprio capital. Há então uma mudança na finalidade do uso da técnica

alterando, também, o agir humano, transportando o homo faber para acima do homo sapiens.47

Em nota de rodapé, o filósofo alemão apresenta uma inquietação, a qual também

está presente nesta mestranda, sobre a possibilidade desta nova ética promover mudanças no

paradigma dentro das “condições de existência sedimentadas pela tecnologia ao longo do seu

caminho”.

Em Jonas, o novo imperativo categórico deve ser assim descrito: “Aja de modo a

que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida

humana sobre a Terra.”48 Significa dizer que o repensar da ética significa reconhecer o valor

de Ser Humano de modo a garantir a continuidade não do homem em si, mas ao menos da ideia

de ser humano porque, como bem afirma, “não somos responsáveis pelos homens futuros, mas

sim pela ideia do homem, cujo modo de ser exige a presença da sua corporificação no

46 46 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto:Ed. PUC-Rio, 2006. p. 41 47 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. 48 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. p. 47

44

mundo”49, pelo fato de que a presente geração, em princípio, não teria o direito pela escolha da

não existência das próximas gerações, este ato estaria fora do livre arbítrio humano coletivo. O

pensamento do filósofo alemão não se distancia de uma postura metafísica nos seguintes

termos:

“Mas o novo imperativo diz que podemos arriscar a nossa própria vida, mas não a

da humanidade/ que Aquiles tinha, sim, o direito de escolher para si uma vida

breve, cheia de atos gloriosos, em vez de uma vida longa em uma segurança sem

glórias (sob o pressuposto tácito de que haveria uma posteridade que saberia

contar os seus feitos); mas que nós não temos o direito de escolher a não-existência

de futuras gerações em função da existência da atual, ou mesmo de as colocar em

risco. Não é fácil justificar teoricamente – e talvez, sem religião, seja mesmo

impossível – por que não temos esse direito; por que, ao contrários, temos um

dever diante daquele que ainda não é nada e que não precisa existir como tal e que,

seja como for, na condição de não-existente, não reivindica existência. De início, o

nosso imperativo se apresenta sem justificativa, como um axioma.”50

O novo imperativo de Jonas impõe uma conduta coletiva voltada para a política

pública, não mais individual, assim como uma responsabilidade também coletiva quanto ao

assunto Meio Ambiente e à preservação das formas de vida na Terra. De certa forma, o novo

imperativo está pautado na solidariedade humana com a ideia de “humanidade”, com os

registros históricos produzidos pelo ser humano no presente, os quais deverão ser resguardados

para os dias vindouros. Mas não só registros, como também a forma de viver do ser humano, a

qual implica relacionar-se consigo (daí a ideia do Ser tão abordada por Jonas), com o meio

(social e ecológico). Será preservar a “imagem e a semelhança” da humanidade. Confira-se nas

últimas palavras de Jonas em seu “Princípio da Responsabilidade”:

“Também temo novamente de recuperar o respeito e o medo que nos protejam dos

descaminhos do nosso poder (por exemplo, de experimentos com a constituição

humana). O paradoxo da situação atual está em que precisamos recuperar esse

respeito a partir do medo, e recuperar a visão positiva do que foi e do que é o 49 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. p. 94 50 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. p. 48

45

homem a partir da representação negativa, recuando de horror diante do que ele

poderia tornar-se, ao encararmos fixamente essa possibilidade no futuro

imaginado. Somente o respeito, na medida em que ele nos revela um algo

‘sagrado’, que não deveria ser afetado em nenhuma hipótese (o que podemos

vislumbrar, mesmo sem uma religião positiva), nos protegeria de desonrar o

presente em nome do futuro, de querer comprar este último ao preço do primeiro.

Da mesma maneira que a esperança, o medo tampouco deve nos levar a adiar o

objetivo verdadeiro – a prosperidade do homem na sua humanidade íntegra – e

entrementes arruinar tal objetivo, em virtude dos meios. Os meios que não

respeitam os homens do seu próprio tempo fariam isso. Um patrimônio degradado

degradaria igualmente os seus herdeiros. A proteção do patrimônio em sua

exigência de permanecer semelhante ao que ele é, ou seja, de protegê-lo da

degradação, é tarefa de cada minuto; não permitir nenhuma interrupção nessa

tarefa é a melhor garantia de sua duração; se ela não é uma garantia, pelo menos

é o pressuposto da integridade futura da ‘imagem e semelhança’. Mas sua

integridade não é nada mais do que a manifestação do seu apelo à humildade,

cada vez maior e mais afinada por parte dos seus representantes, sempre bastante

deficientes. Guardar intacto tal patrimônio contra os perigos do tempo e contra a

própria ação dos homens não é um fim utópico, mas tampouco se trata de um fim

tão humilde. Trata-se de assumir a responsabilidade pelo futuro do homem.”51

A abordagem de Hans Jonas não exclui a possibilidade de desenvolvimento

econômico, humano, ao contrário, possibilita um diálogo entre iguais (ciência e ecologia) cujas

singularidades possam se complementar a fim de trazer a dignidade do Todo no presente e para

o futuro. Nesse ponto, a própria ciência traz a concepção dos freios necessários à utilização da

tecnologia desenvolvida, doutrinando-a no aprendizado da moderação.

2.3 - O HUMANISMO INTEGRAL DE JAQUES MARITAIN E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA APLICABILIDADE DA ÉTICA AMBIENTAL

Após desenvolvermos o tema da ética ambiental, entendemos importante abordar o

tema do Humanismo, tanto na sua concepção histórica, quanto na desenvolvida por Sayeg em

51 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. p. 353

46

seu Capitalismo Humanista, de forma a trazer a junção e importância do ser humano,

desmistificando o conceito técnico-científico do ser humano e enquadrando-o, e porque não, na

sua forma também metafísica. Essa nova conformação do ser humano, como se observará,

fornece mecanismos importantes para que possamos desenvolver uma política pública pelo

homem voltada ao homem e ao meio ambiente, considerando ambos nos seus graus de

importância da manutenção de todas as formas de vida existentes na Terra.

Estudiosos, inclusive Sayeg, costumam afirmar que a ideia de centralização do ser

humano, como centro das preocupações humanas, possui Base Helênica, especificamente na

tragédia grega de Antígona, escrita por Sófocles, a qual relata, dentre muitos aspectos, o

conflito expresso existente entre as leis naturais (leis divinas no caso da tragédia grega) e as leis

postas (humanas), assim como a condição humana entre esses dois pontos de discussão. Sem

adentrar profundamente no tema, será importante ressaltar a posição de Antígona junto a

Creonte (rei de Tebas), arguindo o direito do seu irmão de ser enterrado segundo as leis divinas,

mesmo que estas estejam em contradição com as leis humanas. O feito lhe custou a própria

vida.

Na Mitologia hindu, especificamente no épico indiano Mahabharata (texto sagrado

de maior importância no hinduísmo), na parte específica Bhagavadgita (Gita), conflito

semelhante também é encontrado. Na véspera da batalha que será o episódio central do épico,

Arjuna, o guerreiro invencível, exprime suas dúvidas profundas sobre liderar a luta que

resultará em tantas mortes humanas. Krishna, seu conselheiro, lembra a ele sobre a necessidade

de priorizar o seu dever, ou seja, lutar independentemente das consequências. Os argumentos

de Arjuna demonstram a importância do ser humano frente à obediência às leis de forma cega e

apriorística.

No mundo ocidental, encontramos uma influência religiosa judaico-cristã a qual

concebe o ser humano como um ser feito por Deus, à sua imagem e semelhança. O livro de

Gênesis, capítulo 1, traz a menção sobre como o homem e a mulher foram criados. Ainda nos

relatos bíblicos, e mesmo na Torá judaica, o tempo dos profetas e juízes foi marcado pela

representação de Deus na terra através dos profetas, reis. Nesse aspecto, todas as autoridades

seriam instituídas por Deus para cumprirem um ministério na Terra. Com a vinda de Jesus

Cristo, diz a Bíblia, o véu é rasgado, não há mais separação entre judeus e gentios e o conceito

de igualdade entre todos (homens, mulheres, crianças e escravos) é trazido à humanidade.

Então, aquele conflito existente nos diálogos de Antígona e Arjuna já não fazia mais sentido

diante da igualdade. Todos são seres humanos e, por si próprios, poderão ter acesso à

47

divindade 52 , ressaltando a importância de cada um, enquanto pessoa individual, na sua

conformação de dignidade.

Na idade Média, até por volta do Sec. XV, já é possível encontrar algumas

distorções sobre o sentido de todos no sentido da igualdade. Retirar-se o individual,

transportando-o ao social e, pior, retornando à representatividade pela própria igreja. Já no

curso do sec. XIV, a concepção medieval indica traços de declínio e, aos poucos, surgem novas

forças, as quais contribuíram para o mundo moderno. A estrutura feudal da sociedade medieval

tornou-se instável, com a ascensão de uma poderosa classe de mercadores unidos aos soberanos

contra os barões indisciplinados. São quatro os principais movimentos que proporcionaram a

mudança do paradigma existente à época:

1 – Renascimento italiano do sec. XV e XVI – Dante proporcionou com a

linguagem vulgar o acesso à palavra escrita aos leigos que não sabiam ler. Bocácio e Petrarca

fazem um retorno aos ideais seculares. Os pensadores do Renascimento se interessaram mais

pelo homem do que pelas coisas de Deus. Poderia ser considerado como um movimento de

popularização.

2 – Humanismo – um movimento que permanecia no domínio do pensamento e dos

sábios. O movimento parte da Itália e se dirigiu do Norte da Itália, para a Alemanha, França e

países baixos, onde ganhou mais força. Os grandes pensadores humanistas dessas regiões

surgiram um século depois dos pensadores italianos.

3 – Reforma luterana – movimento contra as más práticas que infestavam o

governo da Igreja daquela época. O movimento tinha como mote a seguinte frase: “Todo

homem se acha em contato direto com Deus, Cristo não precisa de vigários”. As diversas lutas

religiosas travadas em decorrência desse novo movimento, durante os sec. XVI e XVII, fazem

surgir o iluminismo.

4 – Reanimação dos estudos empíricos iniciados pela crítica de Okham – a navalha

de Guilherme de Okham. Nesse momento, há a redescoberta do sistema heliocêntrico por

Copérnico cuja exposição ocorreu em 1543.

O movimento chamado Iluminismo exerceu diferentes influências por toda a

Europa. Na França, contribuiu para a preparação da revolução de 1789. Na Alemanha, a

Aufklärung representou o renascimento intelectual.

52 E o acesso à divindade tem um aspecto relevante porque todos, indistintamente, são vistos como iguais.

48

Por toda a parte, o iluminismo esteve ligado à difusão do pensamento científico e

rompimento com uma postura religiosa. “Assim como na esfera da religião o protestantismo

lançara a ideia de que cada qual deveria julgar por si, igualmente, no campo científico, agora os

homens deveriam observar a natureza por si mesmos, em vez de confiar cegamente nos

pronunciamentos daqueles que representavam doutrinas”.

Pode-se dizer que o movimento fora, essencialmente, uma revalorização da

atividade intelectual e, literalmente, desejava difundir a luz onde até então prevaleciam trevas.

Um dos grandes textos da época pode ser encontrado em Kant, o qual, em resposta à pergunta

“O que é o iluminismo?” descreveu:

"O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é

culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a

orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não

reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir

de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te

servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do iluminismo."53

O referido texto é emblemático porque representa, também, as transformações

políticas ocorridas à sua época, também fruto de um antropocentrismo exagerado, afastando-se

da influência das instituições hierárquicas, tais como a nobreza e a igreja. O grande problema

enfrentado por esse movimento será, justamente, aquele apresentado por nós no capítulo 1

deste trabalho: o reducionismo do ser humano ao cientificismo e ao tecnicismo, na medida em

que a Ciência torna-se a grande detentora da verdade, atraindo a atenção e a confiança de todos,

de forma a conformar uma visão totalmente contaminada pelo mecanicismo de Descartes

acerca da relação do humano com o mundo ao seu redor.

Na tentativa de elaborar um movimento de contracultura a todos os movimentos

desencadeados a partir do humanismo, os quais certamente encaminham a humanidade a uma

cadeia sucessiva de abismos, Maritain escreve o livro Humanismo Integral na primeira (1936)

fase do capitalismo. Sob esses aspectos, argumenta Maritain, o Humanismo iluminista é

individualista e leva à banalidade, traduzida no hedonismo e no egoísmo vividos pela sociedade

da pós-modernidade.

Em Maritain, o ser humano é também uma pessoa dotada de corpo, alma e espírito,

um ser natural e sobrenatural.

53 KANT. Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa/Portugal: Edições 70. p. 11.

49

“Uma pessoa é um universo de natureza espiritual dotado da liberdade de escolha e

constituindo, portanto, um todo independente em face do mundo, não podendo nem

a natureza nem o Estado tocar este universo sem a sua permissão (...) Era do ponto

de vista de deus que todas as coisas eram encaradas. Os mistérios naturais do

homem não eram escutados por eles próprios, por um conhecimento científico e

experimental. (...) uma espécie de termos ou de pudor metafísico, e também uma

preocupação predominante de ver as coisas e de contemplar o ser, e de tomar as

médias do mundo, retinha o olhar do homem medieval afastado de si próprio.”54

Sob o novo enfoque a expressão da lei universal é a fraternidade, lei não no sentido

de positivação, mas no sentido de regularidade adotada por Charles Sanders Peirce55, como um

acontecimento regular, o qual, de tão regular tornou-se um padrão de comportamento.

Não há dúvidas de que o Humanismo de Maritain possui suas bases em fontes

religiosas (Católica cristã), bem diferente do apregoado nos tempos do iluminismo e na ética

kantiana. Contudo, o que deve ser bem entendido é que, muito embora o cunho religioso,

Maritain não apregoa o retorno do domínio eclesiástico. Ao contrário, acredita nos processos

políticos democráticos, assim como no estado laico, contudo, esse é o grande diferencial,

pautado no fundamento do Princípio da Fraternidade.

Nesse sentir, a fraternidade seria um instrumento de promoção, em uma síntese

fundamentalmente diferente, de todas as verdades afirmadas ou pressentidas pelo humanismo

socialista, unindo-as de maneira orgânica e vital a muitas outras verdades. A transformação não

se dá somente pela instauração de novas estruturas sociais e de um regime novo de vida social,

mas, também, por um ressurgimento da força da fé (não necessariamente um fé religiosa), de

inteligência e de amor brotadas das fontes interiores da alma, um progresso na descoberta do

mundo das realidades metafísicas. Como bem salienta Sayeg “a fraternidade desloca o homem

do centro das coisas para o meio difuso delas.56”

De certo modo, a Fraternidade impõe uma nova ética, voltada ao futuro, como bem

apregoado por Hans Jonas, o qual afirma ser bem difícil explicar teoricamente esse novo

momento sem um fundamento religioso, metafísico.

54 MARITAIN, Jaques. Humanismo Integral. São Paulo: Integral. 1941. p. 10 55 Essa é a nossa conclusão. 56 SAYEG, Ricardo Hasson e BALERA, Wagner. O capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011. p. 88

50

“Não é fácil justificar teoricamente – e talvez, sem religião seja mesmo impossível

– por que não temos esse direito; por que, ao contrário, tempos um dever diante

daquele que ainda não é nada e que não precisa existir como tal e que, seja como

for, na condição de não-existente, não reivindica existência.”57

Em menção a Dworkin, Sayeg afirma “que cada qual deve assumir a

responsabilidade por seu próprio bem, assim como a responsabilidade pelo bem do próximo e –

em última ratio – pelo bem do planeta.”58, indicando um agir coletivo e não mais individual.

Nesse momento é que devemos nos fazer a grande pergunta: “Para onde devemos dirigir a

fraternidade?” Para uma ética além de Kant, em Hans Jonas a nova “ética humanista integral”

(se assim podemos denominar) encaminharemos ao antropofilismo biocêntrico, respeitando a

dignidade de cada ente vivente no planeta como pessoas livres e iguais, como elemento de

importância vital para o equilíbrio do Planeta.

No contexto elencado, o Princípio da Fraternidade pode ser visualizado como o

“domador dos monstros dentro de nós” já que, como afirma Sen ao citar Jonathan Glover

“necessitamos olhar dura e claramente para alguns monstros dentro de nós, e considerar

formas e meios de enjaulá-los e domá-los.”59 No caso dos problemas ambientais, o maior

monstro a ser enfrentado, sem sombra de qualquer dúvida, será a própria visão paradigmática

humana a respeito da sua suposta superioridade técnico-científica em relação às demais formas

de vida na Terra. Para além de um contratualismo formal (em Hobbes, Rousseau e Kant), ao

que nos parece, a Fraternidade de Maritain possui o condão de trazer uma abordagem

transcendental para que a concretização dos conceitos de justiça, equidade, dignidade (humana

e planetária), saia do campo institucional e adentre no campo das realizações sociais, a força

motriz social. Assim, no nosso modesto sentir, sem que tais premissas sejam utilizadas, a

proposta de reformulação nas políticas públicas tributárias brasileiras cairão no abissal abismo

da ética utilitarista de Bentham e não conseguirão a colheita de uma mudança paradigmática

social.

57 JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.. Tradução original alemão por Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto Ed. PUC-Rio, 2006, p. 48. 58 SAYEG, Ricardo Hasson e BALERA, Wagner. O capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011. p. 98. 59 SEN, Amartya. A ideia de Justiça. Tradução de Denise Bottman, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 67

51

2.4 - O PLANETA COMO UM ENTE TITULAR DE DIREITOS

Como afirmamos acima, a sobrevivência da raça humana na Terra, a manutenção

da vida tal qual a conhecemos, deve ser precedida da manutenção do ecossistema, da

diversidade biológica atualmente existente, evoluindo de um patamar antropocêntrico para

biocêntrico ou, como preferem outros, encontrando na Natureza um valor intrínseco em si

mesma, por guardar consigo o elemento vida, valor digno de tutela (inclusive jurídica).

O processo de construção sólida desse novo momento é demandado por uma

postura ética, um sistema de valores de uma dada sociedade e igualmente por uma superação

paradigmática do próprio Direito na regulação das relações ambientais e econômicas,

afastando-se de uma postura utilitarista e meramente instrumental da Natureza.

A nova concepção jurídica no trato da Natureza tem se mostrado como uma

tendência contemporânea adotada por diversas nações, tanto em nível constitucional como

também infraconstitucional, revelando “que a própria comunidade humana vislumbra em

determinadas condutas (praticadas em relação a outros seres vivos) um conteúdo de

indignidade.”60

Contudo, esclareça-se, neste trabalho de mestrado não teremos a pretensão de

esgotar a temática, já que a mesma possui diversas nuances e profundidade a serem debatidas

em um outro momento da nossa jornada científica. Nossa intenção, por agora, será apenas

levantar a discussão, a qual é relevante para o bom desenvolvimento do tema central da

dissertação de mestrado.

O documento constitucional paradigmático, em nível internacional, certamente, é o

texto elaborado pelos legisladores constitucionalistas Equatorianos, os quais reconheceram a

“Pacha Mama” como um ente jurídico a quem se deve a titularidade de direitos. A inovação

vem expressa nos arts. 71 e 72 da Constituição Equatoriana com a seguinte redação61:

“Art. 71. A natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem

direito a que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e

regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos.

60 SARLET, Ingo Wolfgang e FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. p. 79. 61 Fonte da tradução: Supremo Tribunal Federal no seguinte link http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalFoco&idConteudo=195972 . Acesso em 16 de setembro de 2013.

52

Toda pessoa, comunidade, povoado, ou nacionalidade poderá exigir da autoridade

pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes

direitos, observar-se-ão os princípios estabelecidos na Constituição no que for

pertinente.

O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que

protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um

ecossistema.

Artigo 72 - A natureza tem o direito de restauração. Esta restauração é

independente da obrigação do Estado e das pessoas naturais ou jurídicas de

indenizar os indivíduos ou a coletividade que dependa dos sistemas naturais

afetados.

Em caso de impacto ambiental grave ou permanente, incluindo causados pela

exploração dos recursos naturais não renováveis, o Estado estabelecerá os

mecanismos mais eficientes para alcançar a restauração, e tomar as medidas

adequadas para eliminar ou atenuar consequências ambientais nocivas.” 62

Interessante notar, a concepção do Planeta como titular de Direitos nasce

justamente no país que abriga o santuário de Darwin (as Ilhas Galápagos) e contou com a

participação, por meio de plebiscito para a aprovação do texto, de todos os cidadãos

equatorianos sendo que, desse rol, cerca de 42% (quarenta e dois por cento) da população é

representada pelos indígenas, os quais mantém íntima relação biocêntrica com o meio ambiente.

Afasta-se, portanto, a hipótese de que a referida construção seria fruto de meras manobras

políticas. Estamos diante de uma construção social da população equatoriana, reconhecendo a

grande importância da Natureza, um fim último e não como instrumento de realização humana,

62 Texto original: “Art. 71.- La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los principios establecidos en la Constitución, en lo que proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema. Art. 72.- La naturaleza tiene derecho a la restauración. Esta restauración será independiente de la obligación que tienen el Estado y las personas naturales o jurídicas de Indemnizar a los individuos y colectivos que dependan de los sistemas naturales afectados. En los casos de impacto ambiental grave o permanente, incluidos los ocasionados por la explotación de los recursos naturales no renovables, el Estado establecerá los mecanismos más eficaces para alcanzar la restauración, y adoptará las medidas adecuadas para eliminar o mitigar las consecuencias ambientales nocivas.”

53

como bem se pode observar no preâmbulo da Constituição: “Celebrando a natureza, a Pacha

Mama, da qual somos parte e é vital para a nossa existência”.63

A Constituição Federal da Suíça de 1999, em linha de desenvolvimento similar ao

Equador, em seu Preâmbulo reconhece a responsabilidade humana frente à Natureza.64

A Constituição da Alemanha (1949), inclusive a reforma constitucional de 1994, é

considerada como um importante marco internacional na construção jurídica e filosófica “para

além de um antropocentrismo puro”65. O texto constitucional alemão, em seu art. 20a, confere

ao Estado a obrigação de proteger as “bases naturais da vida e os animais”. Não se trata, por

óbvio, de um ecocentrismo puro, porque ainda abre espaço à interpretação sobre a possibilidade

da natureza ser considerada um bem, uma titularidade, e não como um ente com personalidade.

Contudo, já se mostra como um grande passo ao desenvolvimento da tese apresentada pelos

constitucionalistas equatorianos.

Em maio de 2013, o governo da Índia, através do Ministério do Meio Ambiente e

Florestas, declarou os golfinhos como “pessoas não humanas” e, como consequência, não

poderiam ser expostas a qualquer tipo de tratamento degradante, tais como serem mantidos em

cativeiro, caçados, apresentados em shows e similares. A decisão veio pautada em diversos

estudos ao redor de todo o globo terrestre, os quais concluíram ser essa espécie de animais

inteligente o suficiente para sentir emoções e, até mesmo, possuir senso de individualidade.

A Lei Fundamental do Brasil (1988), art. 225 abre espaço para uma série de

correntes doutrinárias, as quais questionam a postura adotada pelo constitucionalista brasileiro,

dividindo-se entre antropocentrismo mitigada pelo biocentrismo e antropocentrismo puro.

Fiorillo encontra no ser humano a destinação primeira e última da proteção

ambiental, tal qual o sistema jurídico brasileiro fora concebido. Isso porque o art. 1º, inc. III,

estabelece a dignidade humana como fundamento do Estado Brasileiro e não a dignidade da

Natureza. Para o eminente doutrinador “o direito ambiental possui uma necessária visão

63 Texto original: “CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existência.” 64 Preâmbulo Em nome de Deus Omnipotente! O povo suíço e os cantões, conscientes de sua responsabilidade perante a criação, no esforço de reiterar a Confederação, para fortalecer a liberdade e a democracia, a independência e a paz, em solidariedade e sinceridade perante o mundo, no anseio de viver em unidade a sua pluralidade, com respeito mútuo e consideração, conscientes das conquistas comuns e da responsabilidade perante as gerações futuras, na certeza de que somente é livre aquele que faz uso de sua liberdade e que a força dos povos se mede no bem-estar dos fracos, se dão a seguinte Constituição. 65 SARLET, Ingo Wolfgang e FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed, revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012.

54

antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a este a preservação

das espécies, incluindo a sua própria.”66

Norma Padilha encontra uma importante conexão entre a proteção ao meio

ambiente e os direitos humanos, na medida em que “o homem é ao mesmo tempo obra e

construção do meio ambiente que o cerca e que lhe dá sustento material.”67 Em consequência,

o respeito a todas as formas de vida ocorre porque o homem reconhece fazer parte do todo, mas

também, e principalmente, porque depende desse todo, afastando-se de um antropocentrismo

puro e já recebendo o doce colorido do biocentrismo.

Para Ingo Sarlet, a Constituição brasileira, afastando-se da visão kantiana,

reconhece a Natureza como um fim em si mesma porque, em seu art. 225 §1º, VII além de

trazer explícito o comando de proteção da fauna e da flora, também faz menção à “função

ecológica” desses elementos naturais, com o intuito de proteção, contudo, sem mencionar o

elemento humano. No entender do jurista gaúcho, a proteção constitucional das espécies

ameaçadas de extinção, de igual modo confere o conteúdo antropocêntrico mitigado

(caminhando para o biocêntrico), na medida em que esses animais não trazem qualquer

melhoria na qualidade da vida humana e, nesse enfoque, são colocados como um fim último de

proteção. Possivelmente, a inspiração para a referida interpretação venha de Peter Singer o qual,

em seu “Libertação Animal”68, traz uma reflexão no campo ético no sentido de que a igualdade

humana obriga a todos nós a tratar como iguais os demais animais não-humanos, defendendo

que estes deveriam ser tratados como seres “sencientes” e independentes, ao invés de um meio

para a realização das satisfações humanas.

2.4.1 - Construindo a Personalidade Jurídica do Planeta

A configuração da Natureza como um ente titular de direitos, demandará esforços

no sentido de interpretar todo o sistema jurídico brasileiro à luz das disposições primeiras,

constitucionais, de forma a trazer elementos de convicção mais sólidos. Isso porque a grande

maioria dos Códigos Civis de que se tem notícia, encaram os elementos da Natureza (terra, ar,

água e animais) como bens e não como pessoas.

66 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12ed. Rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 69. 67 PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 45 68 SINGER, Peter. Libertação Animal.

55

A personalização do Planeta é de importância sensível porque, segundo a própria

conformação do sistema jurídico, não seria possível conceder direitos (que é um predicado) a

quem não é um sujeito próprio. Nesse sentido, podemos conferir os ensinamentos de Miguel

Reale ao afirmar que “o ordenamento jurídico destina-se a reger as relações sociais entre

indivíduos e grupos. As pessoas, às quais as regras jurídicas se destinam, chamam-se sujeitos

de direito, que podem ser tanto uma pessoa natural ou física quanto uma pessoa jurídica, que é

um ente coletivo.”69

A construção dessa sistemática esbarraria no próprio Código Civil brasileiro, no

livro II, Título Único, o qual traz a adjetivação “bem” tanto a fauna quanto à flora e nos artigos

1º e 40 do mesmo diploma legal, sendo necessária, então, a sua reformulação já que, em

unanimidade, a maioria dos civilistas brasileiros enxergam os componentes do meio ambiente

como coisas e não como pessoas. Nesse sentido, Venosa afiança, “a sociedade é composta de

pessoas. São essas pessoas que a constituem. Os animais e as coisas podem ser objeto de

Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa (humana).”70

A pergunta “Por que somos considerados entes titulares de direitos e as demais

formas de vida não?”, embora pareça infantil, possui um substrato profundo e merece ser

respondida.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo VI, afirmou “toda pessoa

tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.”71 Possuímos

habilidades cognitivas bem organizadas, construímos prédios, já fomos à Lua e, dentro em

breve, iremos a Marte, amamos, odiamos, repulsamos e, sim, podemos a nós mesmos destruir.

Todas essas características, e muito mais, nos colocam em certa condição de superioridade em

relação a outras espécies e, sendo assim, nosso sistema social nos permite criar nossa própria

estrutura de regras e nós mesmos concedemos direitos, até mesmo porque o próprio Direito é

fruto da manifestação cultural do ser humano.

Ora, nesse viés de pensamento, o que pensar das demais formas de vida não

humanas, as quais também possuem elemento cognitivo, porém em linguagem diferente da que

nós, humanos, podemos livremente entender? Portanto, se o principal fator que concede a

“algo” uma personalidade é, justamente, o fato desse algo poder se comunicar, e isso nós

humanos fazemos muito bem, a questão a ser colocada em pauta serão as diversas formas de

69 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 22ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 227. 70 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 6ed. São Paulo: Atlas. 2006. p. 112. 71 Fonte http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm Acesso em 19 de setembro de 2013.

56

comunicação existentes na Natureza e o seu próprio antecedente cognitivo (a elaboração das

ideias).

Em consequência, será possível, então, questionar: se sentimos nós, a Natureza

sente? Existem animais não humanos na Terra conscientes do que lhes acontece e, esse

acontecimento é importante para eles, de forma a encadear uma conduta volitiva? Se positivo,

sente e se expressa em qual sentido? A forma como a Natureza se expressa nos permite

conceder-lhe a titularidade de direitos? Ainda, seria possível esse reconhecimento sem atentar

para toda a complexidade de relações existentes em um ecossistema de forma a excluir a flora?

Mesmo ainda no século XVIII, Charles Darwin trouxe o marco no entendimento do

desenvolvimento das espécies, o qual reverbera ainda no presente século. Os estudos de Darwin

comprovam que os animais humanos e não-humanos são iguais em gênero, diferentes apenas

em grau, separados por pontos cronológicos e biológico-evolutivos.

A Teoria de Darwin é fortalecida pela brilhante descoberta de Peter Higgs, o

criador da teoria a explicar a existência da “partícula de Deus”, também conhecida como

“Bóson de Higgs”. A teoria, elaborada há cerca de 50 anos, tenta explicar a existência de uma

partícula subatômica, a qual deu origem à massa existente em todas as demais partículas. A

referida partícula estaria presente no início na criação, no Big Bang, quando ainda não havia

qualquer diferença entre o corpo físico e um raio de luz, por exemplo. A teoria de Higgs conta-

nos que, realmente, todas as formas de vida existentes foram geradas por um mesmo evento,

mais precisamente, de uma mesma partícula. Somos, portanto, todos iguais em essência,

diferenciamo-nos em razão da evolução de nossas espécies.

Peter Singer e Paula Cavalieri, na obra “Great Ape Project”, abordam “igualdade”

entre as espécies animais e proclamam a aceitação dos grandes primatas (chimpanzés, gorilas e

orangotangos) como “pessoas não-humanas” de forma a conceder-lhes o direito à vida, à

proteção à liberdade individual, à proibição de tortura, dentre muitos outros elementos.

Movimento similar fora desencadeado na Índia em relação aos golfinhos, como já citamos.

Christopher D. Stone, ao escrever seu “Should Trees Have standing”, afirmou que,

certamente, a natureza expressa seus desejos a nós de uma forma inconfundível, como por

exemplo, um gramado ao precisar de água. Para o autor, é mais factível julgarmos, com

altíssimo grau de certeza, se uma planta precisa ou não de água, do que o Procurador Geral do

Estados Unidos saber se o país quer (ou precisa) recorrer de uma decisão de primeira

57

instância72. “Como os ‘Estados Unidos’ se comunicará com o Procurador Geral” questiona

Stone? O Estado, em si, não pensa, os humanos pensam por ele, mas nem por tais motivos o

país perdeu sua personalidade jurídica e, portanto, deixou de ser titular de direitos e, para além,

também deveres. O autor ainda afirma “tomamos decisões em nome e no interesse de outros a

todo o tempo. Esse ‘outros’ são criaturas cujos desejos (necessidades) às vezes são menos

verificáveis e às vezes mais metafísicas do que o querer dos rios, árvores e terra.”73

Mas, e o que dizer de uma empresa, essa ficção jurídica tão bem formulada? Por

que à mesma foram conferidos direitos e deveres? A resposta pode parecer simples, como

realmente o é: porque possui valor econômico, diretamente ligado às atividades humanas.

A pessoa jurídica, devemos lembrar, possui uma característica híbrida no

ordenamento jurídico porque, além de titular de direitos, também é considerada um bem

jurídico. A título de exemplo, veja-se o tratamento dispensado às sociedades empresárias pela

Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei n. 11.101/2005), no art. 47, ao afirmar competir

ao devedor (empresa) o direito a requerer a recuperação judicial para viabilizar a superação de

crise econômico-financeira. Muito embora a pessoa jurídica deva estar devidamente

representada pelos seus gestores, não há dúvidas de que os direitos são conferidos à criação

jurídica e não à pessoa natural que a representa.

A figura da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica,

amplamente adotada pelo Direito trabalhista e pelo Direito Civil, também é um importante

sinalizador do que estamos a dizer. A hipótese é empregada quando a própria pessoa jurídica é

utilizada como um meio para se efetuar fraudes de toda sorte e, por isso mesmo, é

desconsiderada para se alcançar os seus representantes. Veja-se que, no momento em que

ocorrem as transações comerciais (e aqui não se discute se são ou não fraudulentas), as mesmas

ocorrem com a pessoa jurídica, como se portadora de elemento cognitivo – vontade –

ocasionando a fundição, em um só “ser” da dicotomia sujeito de direito e objeto de direito.

Ao considerarmos somente como titulares de direitos aqueles entes que se

comunicam em linguagem humana predominante, corremos um grave risco de retorno aos

tempos dos descobrimentos, quando Colombo aportou suas caravelas no novo mundo habitado

pelos selvagens (índios). Os colonizadores da América Central e América do Sul, quando aqui

72 STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objects. Tioga Pub Co. 1998. “I am sure I can judge with more certainty and meaningfulness whether and when my lawn wants (needs) eater, than the Attorney General can judge whether and when the United States wants (needs) to take an appeal from an adverse judgment by a lower court.” p. 24. 73 Tradução livre para: “We make decisions on behalf of, and in the purported interests of, others every day; these “others” are often creatures whose wants are far less verifiable, and even far more metaphysical in conceptions, than the wants of rivers, trees, and land. ” p. 24.

58

chegaram, não pensaram propriamente em “direitos” quando avistaram aqueles homens de

língua estranha, poucas roupas e pele pintada com urucum, quiçá nem os consideravam como

seres humanos. As famílias dos índios foram esquartejadas, sua cultura dilacerada e terras

roubadas. O mesmo movimento ocorreu quando por ocasião da colonização do Novíssimo

Mundo (Oceania) quando o povo de pele branca e olhos azuis, chegou e se deparou com o povo

Maori (Nova Zelândia) e os aborígenes australianos.

A história nos mostra que o fato dos povos conquistados serem diferentes na

aparência física, na cultura e na linguagem dos homens do Velho Mundo, não os faziam

inferiores, mas apenas, e tão somente, diferentes. Veja-se que, o entendimento da linguagem do

outro não é o que determina se este outro é ou não igual, mas sim o fato de que esse outro, em

sua própria linguagem, faz entender e compreende o mundo ao seu redor, mesmo que à sua

própria forma. Não será porque os índios (lato sensu) vivem suas próprias culturas, muitas

vezes retirados em reservas florestais, não lhes deveria ter sido concedida uma personalidade

jurídica.

Outra questão, bem diferente, é se será possível conceder-lhe capacidade civil para

gerir os atos da vida civil no mundo “civilizado”. De uma maneira bem simplista, considerar

titular de direitos aqueles seres humanos, por sua capacidade civil seria o mesmo que dizer que

um doente em estado vegetativo não possui personalidade jurídica. Seriam os doentes

humanos? Sim, claro que sim! E por isso mesmo vem toda a discussão ética se poderia ou não

haver o cometimento da eutanásia. Essas pessoas estão impossibilitadas de emitirem uma

linguagem comum e, nem por isso perdem a sua personalidade, os seu direito à vida – direito

esse primordial a todo ser humano.

A forma de ação e reação dos seres viventes reproduz-se em suas próprias

linguagens, porém não podem ser consideradas inferiores das demais e este fato foi vastamente

comprovado por Peirce em seus mais de 30 anos de intensa pesquisa. O pensamento cartesiano

supõe que a matéria seja composta por moléculas que obedecem, irrestritamente, às leis da

mecânica, exercendo atrações umas sobre as outras, de forma infalível, de forma a excluir toda

a possibilidade de combinações existentes pelos próprios organismos vivos, uma escolha

propriamente dita.

Ainda no início do século XX, mesmo antes do desenvolvimento da física quântica,

Peirce concluiu, “sejam quais forem as conclusões adicionais que venhamos a ter a respeito da

ordem do universo, tão quanto possam ser consideradas como firmemente estabelecidas, de

59

certo que o mundo não é uma mera mistura ao acaso.”74 Ao analisar a Incidência Jurídica

segundo a ótica da semiótica de matriz norte-americana, Clarice Von Oertzen de Araújo

defende que a “filosofia peirciana recusa uma cosmologia estritamente determinista e propõe

uma visão de mundo dotada de perspectiva evolutiva, de uma indeterminação ontológica,

refutando a concepção de universo absolutamente determinado por leis ou pela causalidade

estrita.”75

Se a exclusão da Natureza enquanto titular de Direitos se dava, e ainda se dá,

porque a fauna e a flora não possuem um pensamento (alma na visão de Descartes), em Charles

Sanders Pierce essa hipótese é completamente excluída porque, para o filósofo norte-americano,

em todas as manifestações na Terra há uma mente, capaz de se reproduzir, expandir. Assim,

resguardando as devidas proporções, em tudo há um pensamento, uma qualidade a ser

conferida a qual se expressa de formas diferentes, umas mais elaboradas (como o ser humano)

outras menos (como a relação de amebas, protozoários). Embora não mencione expressamente,

a Constituição Equatoriana reconhece a “mente” de Peirce em cada unidade de vida existente

na Terra.

A filosofia peirciana é de extrema importância ao presente estudo, na medida em

que o mesmo atacou fortemente a filosofia cartesiana, considerando-a como o câncer da

filosofia moderna. Em breve síntese, o filósofo americano ataca os seis principais pontos de

pensamento cartesiano: a dualidade entre mente e corpo (Peirce pode ser considerado monista);

a dúvida universal a conduzir para formulação de pensamentos infalíveis; a linguagem e os

signos nada mais são do que um disfarce externo para o pensamento, porque, na sua filosofia o

homem está no pensamento assim como o pensamento está no homem; há a possibilidade de

adquirir um conhecimento intuitivo e direto dos objetos.

Ao citar Bernstein, Santaella afirma que a Peirce coube a missão de resgatar “o fato

de que, por meio da percepção, um mundo, que não foi feito por nós, nem por uma criatura do

Absoluto, se força sobre nós.” 76 Essa percepção de um mundo (que se impõe sobre nós) gera

um encadeamento de raciocínios no interior da mente humana, os quais são revertidos e

representados, externados, através da linguagem. Ocorre que, em Peirce, essa representação é

realizada não só no campo da mente humana, como também na mente de todos os demais seres

74 PEIRCE, Charles Sanders. Ilustrações da lógica da Ciência. Tradução de Renato Rodrigues Kinouchi. Aparecida/SP: Ideias & Letras. 2008. p. 144 75 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Incidência Jurídica: Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses. 2011. p. 120 76 SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Cengage Learning. 2008. p. 47.

60

viventes. Para Peirce, o mundo é linguagem, se representa em linguagem, não necessariamente

na linguagem humana.

O fruto da arrogância humana não nos permitiu enxergar as formas de manifestação

de vida em todos os fenômenos ao nosso redor, vendou nossos olhos para a real hipótese da

existência de um direito natural do Planeta (e não só dos animais) a uma existência digna, como

detentores da essência da vida. A seu modo, o Planeta luta pela sua sobrevivência, pela sua

liberdade, pela sua integridade, cabe a nós, sem qualquer romantismo ou elucubrações evasivas

buscar a compreensão desses processos de forma honesta e integral.

É bom que se diga: a elevação do Planeta à condição de titular de direitos não

coloca o ser humano em posição de desigualdade nem, tão pouco, impõe a todos os homens e

mulheres o Veganismo. Trata-se, sim, de retirar a situação de desrespeito, na qual o homu

erectus subjuga as demais formas de vida.

Assim, em conclusão, os fundamentos de uma personalidade jurídica aplicam-

se não somente ao homem natural, como também a todas as demais formas de vida na

Terra, não porque possuem uma personalidade intelectiva como a dos humanos (porque não

são humanos!), mas, porque possuem uma capacidade de ação e reação (mesmo que em

linguagem própria) conduzida por uma mente inteligente (como em Peirce) e, porque possuem

interesses vitais passíveis de proteção jurídica no âmbito da linguagem humana. Tais interesses

podem ser considerados como preexistentes, naturais, em sintonia com os direitos naturais

humanos.

A personalização poderia ser concedida lançando mão do instrumento da ficção

jurídica, também empregada para a formação da pessoa jurídica nos moldes no art. 40 do

Código Civil brasileiro (2002). Por outro lado, a contar com essa medida de solução,

entraríamos em confronto com tudo o que fora dito até então a respeito da inteligência, mente,

dos seres vivos porque os considerariam como verdadeiras ficções e não como realidades

presentes, como reais seres vivos.

Adotando a posição da personalidade jurídica fictícia, o Planeta seria considerado

como pessoa por ato puramente positivista e unilateral do Estado, postura esta criticada na

interessante tese de doutorado defendida na USP por Alfredo Domingos Barbosa Migliore, a

qual defende a concessão da personalidade jurídica aos grandes primatas. Para Migliore, os

grandes primatas são sujeitos e, portanto, titulares de direitos por uma condição que lhes é

preexistente à própria construção legal, e não o contrário. Para ele:

“Em suma, inverter o silogismo, para admitir que o Estado, ao legislar, cria e

concebe o Direito, é admitir que tudo não passa de invenção, uma ficção ou

61

fantasia, sob comando de um ente abstrato (formado pelos próprios homens!), que

pode fazer o bem, mas também pode fazer o mal, que pode garantir as liberdades,

mas pode mandar matar, tolher o ir e vir, e aniquilar inocentes, de acordo com

suas normas; e seria então, admissível chamar tudo isso, bem e mal,

indistintamente, de direito.”77

Imaginemos o exemplo do náufrago em uma ilha deserta, exemplo muito utilizado

pela doutrina. Essa pessoa pode não estar sujeita a um determinado sistema jurídico, mas possui

interesse em sua sobrevivência, em sua liberdade, em sua própria vida. Veja-se que esses

interesses são preexistentes à própria formulação jurídica que, porventura, poderá vir a existir

nessa ilha caso a mesma seja povoada. Nessa concepção, fica fácil perceber que, realmente, há

interesses mais importantes e preexistentes à própria construção do sistema jurídico. Não há

povo sem Direito e não há Direito sem um povo. Mas há interesses preexistentes sem o Direito,

os quais se transformam em norma jurídica através do processo de criação do próprio Direito!

Assim, não será forçoso concluirmos que há interesses do Planeta (existência, vida)

preexistentes a nós, humanos, e a todo o nosso processo cultural, inclusive o Direito. Nossa

missão, assim, será reconhecer esses interesses e transmutá-los para a linguagem jurídica

competente.

2.4.2 – O Planeta na concepção dos Códigos Civis ao redor do mundo

Interessante notar que, mesmo no Direito Equatoriano, tanto a fauna quanto a flora

estão expressamente excluídos do conceito de “pessoas” pela redação dada ao artigo 41 do

Código Civil Equatoriano in verbis: “Art. 41 - São pessoas todos os indivíduos de espécie

humana, qualquer que seja seu estado, sexo ou condição. Serão divididos em equatorianos e

estrangeiros.” 78 Nos mesmos moldes que o faz o Código Civil brasileiro, a partir do artigo 584

o Código Civil equatoriano classifica os bens como sendo móveis e imóveis, incluindo tanto a

fauna quanto a flora na categoria de bens e não como titulares de direitos, como o fez a sua

Constituição.

77 MIGLIORE, Alfredo Domingos Barbosa. A personalidade jurídica dos grandes primatas. Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Direito. Área de concentração: Direito Civil. Orientador: Prof. Dr. RUI GERALDO CAMARGO VIANA. São Paulo. 2010. p. 330.

78 Tradução livre para: “Art. 41.- Son personas todos los individuos de la especie humana, cualesquiera que sean su edad, sexo o condición. Divídense en ecuatorianos y extranjeros.”. Fonte: http://www.wipo.int/wipolex/en/text.jsp?file_id=251955 Acesso em 15 de setembro de 2013.

62

A inovação infraconstitucional é devida ao Código Civil alemão, também

conhecido pela sigla BGB - Bürgerliches Gesetzbuch, o qual traz uma classificação

diferenciada para os animais (e não à flora) com o seguinte texto: “§ 90a Animais. Animais não

são coisas. Estão protegidos por leis especiais. As disposições acerca das coisas se lhes

aplicarão de forma análoga sempre e quando não estiver estabelecido de outro modo.”79 O

diploma legal germânico acrescenta, então, ao que parece, um terceiro gênero para a então

categoria dúplice que divide pessoas e objetos, embora tal constatação não seja uma

unanimidade entre a doutrina. Uma grande prova do que estamos a falar é o fato de que pessoas

(naturais e jurídicas) são tratadas em uma secção própria e animais e coisas em outra e nesse

sentido encontramos a voz do jurista brasileiro Paulo Bessa em entrevista concedida ao website

“O Eco” no ano de 200980 reconhecendo que “o Código Civil alemão é bastante inovador, pois

reconhece a categoria jurídica ‘animais’ que é intermediária entre ‘coisas’ e ‘pessoas.’” Talvez

essa construção seja mais facilitada pelo fato de que o BGB não conceitue o que seja uma

pessoa natural, mas, tão somente, uma pessoa jurídica (§21 e seguintes).

Na mesma linha de construção jurídica, encontramos o sistema jurídico do direito

austríaco o qual, no titulo referente às “coisas e sua classificação legal”, no §285a estabelece

que os “animais não são objetos, eles são protegidos por leis especiais. As regras aplicáveis a

informações classificadas são aplicadas aos animais apenas na medida em que não existem

outras regulamentações.”81

O código civil suíço é claro ao afirmar que animais não são coisas, contudo

estabelece, na falta de leis específicas, o seu regramento se dá pelo direito das coisas.82 Muito

embora o referido instrumento legal não considere animais como coisas, essa diferenciação fica

ainda mais clara com a redação do art. 651 a quando afirma que, em litígio (de uma casal em

processo de separação) sobre a propriedade de um animal, a melhor decisão a ser tomada

79 Tradução livre para: “§ 90a Tiere - Tiere sind keine Sachen. Sie werden durch besondere Gesetzte geschutzt. Auf sie sind die fur Sachen geltenden Vorschriften entsprechend anzuwenden, soweit nicht etwas anderesbestimmt ist.” Fonte: http://dejure.org/gesetze/BGB/90a.html. Acesso em 15 de setembro de 2013.

80 Fonte http://www.oeco.org.br/paulo-bessa/22168-os-animais-e-o-direito com acesso em 15 de setembro de 2013. 81 Tradução para “tiere sind keine Sachen; sie werden durch besondere Gesetze geschützt. Die für Sachen geltenden Vorschriften sind auf Tiere nur insoweit anzuwenden, als keine abweichenden Regelungen bestehen.” Fonte: http://www.ibiblio.org/ais/abgb1.htm. Acesso em 14 de setembro de 2013. 82 “Art. 641a - 1 Les animaux ne sont pas des choses. 2 Sauf disposition contraire, les dispositions s’appliquant aux choses sont également valables pour les animaux.” Fonte: http://www.ligiera.com.br/codigos/cc_suico_(em_frances).pdf . Acesso em 15 de setembro de 2012.

63

deverá ser em favor deste e não em favor dos divorciandos83. Essa regra é admirável porque

separa o animal de estimação da família dos bens a ser partilhados quando do divórcio do casal.

No âmbito do Direito latino americano, possivelmente, a regra mais interessante

seja a prevista no art. 30 do Código Civil Argentino com a seguinte redação: “Art. 30 – São

pessoas todos os entes capazes de adquirir direitos e contrair obrigações”.84 Interessante

porque, ao contrário do Código Civil brasileiro, o conceito de pessoa está diretamente ligado ao

conceito de ente, entidade e não à pessoa física, dando margem a uma interpretação ampliativa

do que seja considerado como ente. E nesse ponto seria possível fazermos a hermenêutica

ampliando o conceito de ente para considerar o ser humano, as pessoas fictícias e, porque não,

todas as demais formas de vida na Terra (não só animais).

A demonstração do arcabouço jurídico internacional serve para trazer a lucidez

necessária para o enfrentamento dessas questões e, demonstrar a evolução histórica da

formulação do conceito de pessoa pra além da pessoa humana a fim de que, é o que desejamos,

seja possível evoluir no âmbito nacional para incluir no termo “pessoa” toda a forma de vida

coabitando entre nós, transformando o contrato social (entre humanos) de Rousseau em um

verdadeiro “contrato ecológico ou natural” entre o homem e a Natureza, como bem lembra

Sarlet.

Certamente, a construção desses novos conceitos deverá trazer o colorido do

paradigma dos índios quando da era dos descobrimentos, nos idos de 1500, quando a etnia

u’wa85 a qual faz parte da família Chibcha na Colômbia, possuindo a visão holística de todas as

interações dos seres vivos existente ao seu redor, mantinha sintonia com os padrões da natureza.

Esse povo tornou-se conhecido pela resistência oferecida contra a exploração de petróleo em

suas terras cobertas por florestas consideradas, por eles, sagradas. Não há dúvidas de que, o

fato do ser humano ser uma raça diferente em razão do seu poder de articulação das ideias, o

que o faz, de certo modo, mais “poderosa” em relação às demais formas de vida, não lhe

concede o direito de desprezar seus “vizinhos” no solo fértil da vida, sendo necessária uma

83 “ART. 651A - 1 Lorsqu’il s’agit d’animaux qui vivent en milieu domestique et ne sont pas gardés dans un but patrimonial ou de gain, le juge attribue en cas de litige la propriété exclusive à la partie qui, en vertu des critères appliqués en matière de protection des animaux, représente la meilleure solution pour l’animal. 2 Le juge peut condamner l’attributaire de l’animal à verser à l’autre partie une indemnité équitable; il en fixe librement le montant. 3 Le juge prend les mesures provisionnelles nécessaires, en particulier pour le placement provisoire de l’animal.” Fonte: http://www.ligiera.com.br/codigos/cc_suico_(em_frances).pdf acesso em 15 de setembro de 2013. 84 “Art.30.- Son personas todos los entes susceptibles de adquirir derechos, o contraer obligaciones.” Fonte : http://www.ligiera.com.br/codigos/CC_argentino_(em_espanhol).pdf Acesso em 15 de setembro de 2013. 85 A expressão significa ‘gente que pensa’ ou ‘gente que sabe falar’

64

remodelação moral e ética, a qual culminará com uma proteção jurídico-constitucional dos

demais entes viventes.

65

3 – ENFOQUE HUMANISTA INTEGRAL E BIOCÊNTRICO: SÍNTESE CONSTITUCIONAL

3.1 - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS EM SUAS DIMENSÕES. DIREITO AO CLIMA SAUDÁVEL, EQUILIBRADO E SEGURO COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL.

A maneira pela qual a sociedade pós-moderna tem se desenvolvido e se relacionado

com as demais formas de vida no Planeta é objeto de debate de inúmeros filósofos, sociólogos,

antropólogos.

Se o respeito às formas de vida é necessário e fundamental, também haveremos que

pesquisar acerca de como essa questão deverá estar relacionada ao próprio ser humano. Veja-se

que agora a relação existente não opera mais em dois polos (humano x humano ou humano x

natureza), mas em sim em forma triangular: ser humano – planeta – ser humano, ou seja, como

o humano relaciona-se com o Planeta a fim de respeitar o próprio humano e o Planeta. Assim,

devemos pensar em como o Direito deverá reger essa relação, se no nível do simples direito

subjetivo ou se, para mais além, no nível do direito constitucional fundamental.

Uma certa inquietação a respeito do tema pode ser observada nos documentos

internacionais. A declaração Universal dos Direitos Humanos, em momento algum, ao longo

do seu texto, intitula como sendo um direito humano o direito ao meio ambiente equilibrado,

saudável. Os idealizadores do seu texto preocuparam-se mais com as liberdades individuais,

com o conteúdo do “ser”, do que propriamente com os demais aspectos do humano, inclusive

com o seu relacionamento com o meio ambiente. Mas não poderia ser diferente diante do

contexto histórico vivido à época – pós Segunda Guerra mundial, em meio ao massacre dos

judeus na Alemanha e muitas outras atrocidades vivenciadas.

A preocupação e proteção jurídica com o meio ambiente começam a surgir após a

segunda metade do século XX e tem como marco histórico a Declaração de Estocolmo sobre o

Meio Ambiente Humano (1972), emitida pela Organização das Nações Unidas. Pela primeira

vez, na história da humanidade, um documento internacional aponta o meio ambiente como um

direito humano fundamental:

“Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao

desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal

que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene

66

obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e

futuras.”86 (grifo nosso)

O referido documento, juntamente com a publicação da norte-americana Rachel

Carson intitulada “Silent Spring”, caminhou para o início da preocupação, em diversos, países,

acerca da maneira como o homem vinha desenvolvendo sua ciência e tecnologia a ponto de

poder transformar tudo em sua volta. Grande prova do que estamos a falar são as construções

das cidades de Las Vegas, nos Estados Unidos da América, Dubai, nos Emirados Árabes

Unidos. A tecnologia humana conseguiu fazer com que dois lugares inóspitos fossem

transformados nos lugares turísticos mais aprazíveis e visitados do globo terrestre.

Assim, não ao arrepio da evolução doutrinária estrangeira, o art. 225, caput, da

Constituição da República confere a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado. Nesse viés, o direito à solidariedade ambiental, também um dever de todos, é

otimizado pelo constituinte quando afirma ser objetivo do Estado brasileiro a construção de

uma sociedade solidária, solidariedade esta inerente não só em relação às preocupações quanto

aos interesses individuais, mas também em relação aos interesses coletivos, estando o meio

ambiente nesse rol.

Tanto o texto constitucional brasileiro, quanto os internacionais demonstram uma

evolução conjunta entre a proteção dos direitos humanos e a proteção ambiental, contribuindo

para a conscientização sobre a inter-relação existente entre o ser humano e o meio que o cerca,

podendo ser entendida como um dever de “solidariedade planetária”.87 Essa evolução é notada

por Bobbio em sua obra “A era dos direitos”, com destaque para a evolução da construção

jurídica dos direitos, a forma como os homens, desde os primórdios, preocuparam-se na defesa

das suas liberdades individuais e progrediram para a tutela de interesses mais alargados,

coletivos. Nesse passo, essa análise minuciosa, fez com que o filósofo classificasse os direitos

em três gerações, sendo correto afirmar que todos esses direitos estão umbilicalmente ligados

aos intitulados “direitos humanos”, embora com eles não se confundam.

O início da construção da teoria dos direitos humanos é verificado a partir das

Revoluções Francesa e Americana (primeira geração), passando à concepção dos direitos

sociais (segunda geração), os quais estavam diretamente ligados à opressão da classe de

trabalhadores ocorrida à época e, já no momento da pós-modernidade, dos riscos gerais e

ampliados, seguiu-se à coletivização dos direitos (terceira geração), quando encontramos uma

86 Fonte : www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc Acesso em 18 de setembro de 2013. 87 Expressão utilizada por SARLET, Ingo Wolfgang e FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012.

67

“sociedade de risco” global. Neste terceiro momento evolutivo, localizaremos os cuidados para

com o meio ambiente. O entendimento do Meio Ambiente como um verdadeiro direito de

terceira geração vem amparado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, através da

celebrada decisão da lavra do Min. Celso de Mello o qual afirmou ser “prerrogativa jurídica de

titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a

expressão significativa de um poder atribuído (...) a própria coletividade social.”88

88 STF, MS 22.164/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.1995. ementa: reforma agrária - imóvel rural situado no pantanal mato-grossense - desapropriação-sanção (cf, art. 184) - possibilidade - falta de notificação pessoal e prévia do proprietário rural quanto à realização da vistoria (lei n. 8.629/93, art. 2., par. 2.) - ofensa ao postulado do due process of law (cf, art. 5., liv) - nulidade radical da declaração expropriatória - mandado de segurança deferido. reforma agrária e devido processo legal. - o postulado constitucional do due process of law, em sua destinação jurídica, também está vocacionando a proteção da propriedade. Ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (cf, art. 5., liv). A união federal - mesmo tratando-se de execução e implementação do programa de reforma agrária - não está dispensada da obrigação de respeitar, no desempenho de sua atividade de expropriação, por interesse social, os princípios constitucionais que, em tema de propriedade, protegem as pessoas contra a eventual expansão arbitrária do poder estatal. A cláusula de garantia dominial que emerge do sistema consagrado pela constituição da república tem por objetivo impedir o injusto sacrifício do direito de propriedade. Função social da propriedade e vistoria efetuada pelo INCRA. A vistoria efetivada com fundamento no art. 2. par. 2. , da lei n. 8.629/93 tem por finalidade específica viabilizar o levantamento técnico de dados e informações sobre o imóvel rural, permitindo a união federal - que atua por intermédio do INCRA - constatar se a propriedade realiza, ou não, a função social que lhe é inerente. O ordenamento positivo determina que essa vistoria seja precedida de notificação regular ao proprietário, em face da possibilidade de o imóvel rural que lhe pertence - quando este não estiver cumprindo a sua função social - vir a constituir objeto de declaração expropriatória, para fins de reforma agrária. Notificação prévia e pessoal da vistoria. A notificação a que se refere o art. 2. , par. 2. da lei n. 8.629/93, para que se repute valida e possa consequentemente legitima eventual declaração expropriatória para fins de reforma agrária, há de ser efetivada em momento anterior ao da realização da vistoria. Essa notificação prévia somente considerar-se-á regular, quando comprovadamente realizada na pessoa do proprietário do imóvel rural, ou quando efetivada mediante carta com aviso de recepção firmado por seu destinatário ou por aquele que disponha de poderes para receber a comunicação postal em nome do proprietário rural, ou, ainda, quando procedida na pessoa de representante legal ou de procurador regularmente constituído pelo dominus. O descumprimento dessa formalidade essencial, ditada pela necessidade de garantir ao proprietário a observância da cláusula constitucional do devido processo legal, importa em vício radical. Que configura defeito insuperável, apto a projetar-se sobre todas as fases subsequentes do procedimento de expropriação, contaminando-as, por efeito de repercussão causal, de maneira irremissível, gerando, em consequência, por ausência de base jurídica idônea, a própria invalidação do decreto presidencial consubstanciador de declaração expropriatória. Pantanal mato-grossense (cf, art. 225, par. 4. ) - possibilidade jurídica de expropriação de imóveis rurais nele situados, para fins de reforma agrária. - a norma inscrita no art. 225, parágrafo 4., da constituição não atua, em tese, como impedimento jurídico a efetivação, pela união federal, de atividade expropriatória destinada a promover e a executar projetos de reforma agrária nas áreas referidas nesse preceito constitucional, notadamente nos imóveis rurais situados no pantanal mato-grossense. A própria constituição da república, ao impor ao poder publico o dever de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental, não o inibe, quando necessária a intervenção estatal na esfera dominial privada, de promover a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade consiste, precisamente, na submissão do domínio à necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente (cf, art. 186, II), sob pena de, em descumprindo esses encargos, expor-se a desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da lei fundamental. A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - direito de terceira geração - princípio da solidariedade. - o direito a integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de

68

A relação também é explicada com maestria por Sayeg e Balera ao elaborarem uma

resposta neo-humanista “da economia de mercado, decolando deontologicamente o

capitalismo neoliberal (...) para concretização multidimensional dos direitos humanos

mediante a universal dignificação da pessoa humana.”89 Com lucidez peculiar, os autores

ainda afirmam, “se o planeta entrar em colapso, a humanidade sucumbirá. Não somente a

massa de miseráveis, mas todo o gênero humano é negativamente atingido pelo descaso da

economia (...).”90

A solidariedade, nos termos postos, deve existir para que o ser humano possa ser

encarado no seu aspecto “dignidade”. Acaso seria possível pensar em dignidade humana,

estando o ser humano em um ambiente desequilibrado? É possível pensar em dignidade quando

se vê um ser humano tomando água poluída, alimento impregnado por agrotóxicos, respirando

ar contaminado por gás carbônico, vivendo à beira de lixões, dentre muitas outras nuances

encontradas a respeito da degradação ambiental? Parece-nos que não.

Como bem afirma Beck91, a vida, a segurança e a saúde e, inclusive a valorização

econômica de lugares, estão diretamente atrelados a um meio ambiente harmônico. Sob esse

enfoque, a relação triangular da qual já falamos tem como foco o próprio humano, na dimensão

da sua dignidade, envolvendo também um bem-estar ambiental, moldado por uma visão

ecocêntrica. Sob esse enfoque, a dignidade humana é erigida à condição de Direito

Constitucional Fundamental.

A dignidade humana foi objeto de preocupação do legislador constituinte brasileiro

o qual, já no art. 1º, inc. III, dispôs como fundamento da República Brasileira a dignidade da

pessoa humana. E não só, a dignidade também constitui a pedra basilar na construção de um

Estado Democrático (e porque não também Social) de Direito e, como bem afirma Sarlet, o

legislador constituinte reconhece “categoricamente que é o Estado que existe em função da

pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não

meio da atividade estatal.”92

titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinarias. 89 SAYEG, Ricardo Hasson e Wagner Balera. O Capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011. p. 25. 90 SAYEG, Ricardo Hasson e Wagner Balera. O Capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Pretrópilis: KBR. 2011. p. 171. 91 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ed. São Paulo: Editora 34. p. 45 92 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004. p. 82-83.

69

José Afonso da Silva entende a dignidade humana como um “valor supremo que

traz o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.” e ainda

referindo-se à Canotillo e à Vital Moreira afirma

“Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos

fundamentais (observam Gomes Canotillo e Vital Moreira), o conceito de

dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação constitucional e não uma

qualquer ideia apriorística do homem (...)”93

Gilmar Mendes, inspirado pelos ensinamentos de Miguel Reale, encara o ser

humano na sua concepção metafísica e afirma que “a dignidade da pessoa humana, porque

sobreposta a todos os bens, valores ou princípios constitucionais, em nenhuma hipótese é

suscetível de confrontar-se como eles, mas tão somente consigo mesma (...)”94, fazendo-nos

crer tratar-se de um princípio absoluto

Ainda nessa concepção metafísica do humano, considerando-o como autor e

criatura do todo cósmico, é certo não ser possível conceber a vida humana digna sem um meio

ambiente ecologicamente equilibrado. A calibração ambiental deve ser acrescentada ao

conceito dignidade, de forma a ampliar os limites normativos da edificação jurídica na pós-

modernidade, sendo possível já avistarmos a construção de um “Estado Socioambiental”95.

Nesses moldes, Sarlet96 vislumbra o ser humano em sua inteireza ao caracterizar a dignidade

como uma qualidade interna de cada um, fazendo com que seja credor do respeito nas relações

intersubjetivas e com o próprio Estado, estando a qualidade ambiental posta no ordenamento

jurídico como uma rampa de projeção para assunção desse fim.

A dignidade humana vem revestida pela Política Nacional de Mudanças Climáticas

com a preocupação em relação à vulnerabilidade do sistema em adaptar-se ao possível “novo

clima”. O legislador entende como vulnerabilidade “o grau de suscetibilidade e incapacidade

de um sistema, em função de sua sensibilidade, capacidade de adaptação, e do caráter,

magnitude e taxa de variação do clima a que está exposto, de lidar com os efeitos adversos da

mudança do clima, entre os quais a variabilidade climática e os eventos extremos.”97

93 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros. 1997. p. 106. 94 MENDES, Gilmar Ferreira. Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2ed. Re. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 152. 95 Expressão utilizada por Sarlet em seu Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. 96 SALET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004. 97 Art. 2º inc. X da Lei n. 12.187/2009

70

A evolução histórica das gerações de direitos, ou melhor dizendo, as dimensões dos

direitos fundamentais é importante para o desenvolvimento no nosso estudo. Passamos agora a

uma breve análise.

Em primeiro lugar, deve-se distinguir a diferença existente entre direitos humanos e

direitos fundamentais. Embora, sob o ponto de vista histórico, os direitos fundamentais sejam,

de fato, direitos humanos, com eles não se confundem porque, como bem define Willis

Santiago Guerra Filho aqueles são “manifestações positivas do Direito, com aptidão para a

produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-

políticas, ‘direitos morais’, situados em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa

daquela em que se situam as normas jurídicas.”98

A primeira dimensão dos direitos fundamentais aparece no texto constitucional sob

a linguagem das liberdades individuais e surgem em decorrência de uma luta social a favor da

limitação do Poder Estatal. Neste momento histórico, a figura do homem afasta-se do Estado

absolutista e dominador em busca da exaltação do individualismo. A Revolução Francesa, a

Declaração da Virgínia (1776) e a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1787) são

considerados os principais marcos históricos. Surge o Estado Liberal.

O Estado liberal, especialmente no início do sec. XX, encontrou suas barreiras na

opressão da classe trabalhadora (uma coletividade) e, como resposta imediata, surge a segunda

dimensão dos direitos fundamentais, os “direitos sociais”, atrelados diretamente. As, então,

revoluções de libertação agora funcionavam como verdadeiros instrumentos de opressão das

classes menos favorecidas, sendo necessária a intervenção do Estado nas atividades individuais,

de cunho prestacional. A Constituição de Weimar (Alemanha, 1919) e a Constituição do

México (1917) são os principais documentos formulados reconhecendo a existência desses

direitos.

Ao final do sec. XX, uma nova categoria de direitos surge direcionada ao gênero

humano em sua integralidade, sendo ele o destinatário do direito ao desenvolvimento, ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, dentre muitos outros. Este novo momento histórico é

pautado nos valores da fraternidade e solidariedade99.

Note-se que, pautado em uma visão holística do sistema, o legislador pátrio

considera como importantes não só o aspecto ambiental, como também o social e o econômico,

todos relacionados às três dimensões de direitos, resguardando, em sintonia com os documentos

98 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e direitos fundamentais. 6ed. rev. e ampl. São Paulo : SRS Editora, 2009. p. 40 99 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3ed., São Paulo : Método, 2011. p. 71.

71

internacionais, a materialização do conceito de sustentabilidade ambiental, fundamental para o

nosso bom desenvolvimento. Este, a nosso ver, deve ser o entendimento do conceito de

dignidade humana a ser aplicado aos casos envolvendo, especialmente, as Mudanças do Clima.

O grau de vulnerabilidade (social, econômica ou ambiental) será tanto maior quanto

forem precárias as diferenças racionais, geográficas, históricas e antropológicas de um

determinado povo. Prova do que estamos a falar foi o terremoto (de 7,0 na escala Richter)

ocorrido no Haiti no ano de 2010, com a morte de milhares de pessoas e o terremoto ocorrido

em setembro de 2013 no Japão (de 6,5 na escala Richter) contabilizando nenhuma morte.

Enquanto no Haiti a luta do seu povo é pela sobrevivência (encontrar parâmetros mínimos de

sobrevivência), no Japão, os seus cientistas irão perfurar a crosta terrestre para entender a

origem dos terremotos100 demonstrando um avanço civilizacional e nas condições de vida.

Para além de uma “referência cultural relativa” 101 , a dignidade humana na

adaptação da Mudança do Clima é uma questão “com transcendental significado”102, porque,

como bem nos faz lembrar Beck, os riscos ecológicos, “cedo ou tarde, eles alcançam inclusive

aqueles que os produziram ou que lucraram com eles”103, é claro que em diferentes proporções

conforme o grau de vulnerabilidade existente em cada localidade. Daí dizer-se que o tema das

Mudanças Climáticas envolve, antes, uma questão de solidariedade humana, pautada no

princípio da dignidade humana, entendida em suas diversas interfaces. Nesse viés, o tratamento

do assunto deverá sempre ser tratado como um direito fundamental estando, inclusive, sujeito

ao regramento instituído no art. 60 § 4º da Constituição da República brasileira.

3.2 - O “DEVER FUNDAMENTAL” DA GERAÇÃO DO PRESENTE PARA COM A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE (ATUAL E FUTURO).

Lamentavelmente, pouca importância é conferida aos deveres fundamentais, já que

atualmente é possível perceber uma verdadeira hipertrofia dos direitos fundamentais, tanto em

nível das construções doutrinárias, quanto em nível das decisões judiciais, muito embora o

cenário jurídico-constitucional brasileiro esteja configurado para a tutela do meio ambiente,

encontrando bases sólidas no art. 225 da Constituição da República. 100 Fonte da informação: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2013/09/japao-vai-perfurar-crosta-terrestre-para-entender-origem-de-terremotos.html. Acesso em 20 de setembro de 2013. 101 HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. SARLET, I. W. (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Trad. de I. W. Sarlet, P. S. Aleixo e R. D. Zanini. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. 102 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do Meio Ambiente. São Paulo: CETESB. 1985. p. 43. 103 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ed. São Paulo: Editora 34. p. 44

72

O comportamento jurídico de quase “esquecimento” ocorre, certamente, por uma

razão histórica deixada pela formação do Estado Liberal, já que os “direitos” possuem base de

construção na ideia da liberdade individual com uma função defensiva, limitadora, ao poder

estatal. Ocorre que, como bem lembra Ingo Sarlet, “a liberdade (e autonomia) do indivíduo,

não obstante a sua importância basilar na edificação do Estado de Direito contemporâneo,

não pode justificar uma emancipação total ou mesmo anárquica do cidadão em descompasso

com os valores comunitários”.104

Com base em uma ética ambiental pautada no princípio da fraternidade, assim

como após o desenvolvimento histórico da concepção de deveres e direitos geracionais de

Bobbio, há que se entender como superado o paradigma liberal e interpretar os deveres

fundamentais em outra escala de importância e em uma linha do Estado Socioambiental.

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em seu art.

29 afirma que “todo homem tem deveres para com a comunidades na qual o livre e pleno

desenvolvimento de sua personalidade é possível” a qual deve ser acrescida com os

ensinamentos trazidos pelo Princípio 2, “a” da Carta da Terra o qual afirma “com o direito de

possuir, administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao

meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas”, estando clara a amarração histórica

realizada pelas cartas internacionais no sentido de instituir a concepção de deveres geracionais

(liberais, sociais e ecológicos).

Quanto ao dever de preservar o Meio Ambiente (dever prestacional), ou de abster-

se de causar qualquer dano ao mesmo (dever defensivo), o caráter “fundamental” decorre não

somente do fato de haver previsão na Carta Constitucional brasileira (fundamentalidade

formal 105 ), como também por estar conexo ao direito fundamental a um meio ambiente

equilibrado (fundamentalidade material) ensejando uma

“Especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de

defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações,

evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves

conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na

proteção da integridade física desse bem essencial de uso comum de todos quantos

compõem o grupo social.”106

104 SARLET, Ingo Wolfgang e Tiago Fenstereifer. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011. p. 138. 105 Idem. 106 STF, ADI 3.540-1/DF, Tribunal Pleno, Relator Min. Celso de Mello, julgamento dia 01 de setembro de 2005.

73

A conformação de um dever ambiental fundamental encontra sua importância

especialmente quando se está diante do art. 60 § 4º em contraponto com o art. 5º, §1º, todos CR,

significando a completa impossibilidade de haver um retrocesso ambiental quanto aos deveres

de preservação e tutela do Meio Ambiente.

Sarlet propõe uma classificação do dever fundamental ambiental com base nos três

princípios éticos sob a perspectiva dos beneficiários dos deveres ecológicos, chegando à

seguinte conclusão: a) deveres fundamentais de proteção do ambiente para com as pessoas da

mesma geração; b) deveres fundamentais de proteção do ambiente de cunho transnacional; c)

deveres fundamentais de proteção do ambiente para com as gerações futuras; d) deveres

fundamentais de proteção do ambiente com os animais não humanos e da Natureza como um

todo.

Quanto aos deveres para a geração atual, de cunho transnacional e para com os

animais não humanos, cremos não haver necessidade de maiores digressões ou porque o

assunto não mereça tanta importância neste momento do nosso trabalho (no caso do dever para

com a geração presente e transnacional), ou porque já abordamos o tema em outro capítulo

(animais não humanos).

Contudo, em se tratando das gerações futuras há uma importância, especialmente

porque a preservação do Clima afeta drasticamente as formas de vida no futuro. Até o presente

momento, fizemos referência à dignidade a ser conferida aos povos existentes no Planeta de

hoje. Mas, o que pensar em relação aos povos do porvir, os quais, sequer, saberemos se

realmente virão? Há uma suposição, um imaginário, de que essas pessoas virão a existir. Sob

esse enfoque, poderíamos pensar em conferir aos mesmos essa mesma dignidade?

Por que deveríamos pensar no vindouro, já que a única certeza que temos está no

momento presente, o aqui, enquanto escrevo as linhas desse trabalho científico e, certamente,

não sei ao certo se você, no futuro (incerto), o lerá? A dúvida é dissolvida quando se percebe

que a incerteza não é de todo absoluta. Certamente, alguém se importará com o trabalho, ao

menos meu orientador e aqueles professores que comporão a banca de defesa da dissertação do

mestrado. Nesse sentir, fica mais claro, há sim certa dose de confiança no porvir. Se tudo correr

como o esperado e nenhum caso fortuito ou força maior vierem sobre mim, haverei de concluir

a tarefa a que me propus – titular-me Mestre em Direito.

Portanto, através desse simples exemplo, é possível perceber, o futuro mantém a

base da sua edificação no momento presente. Nesse passo, se realmente a humanidade

continuar a reproduzir-se (a dose de confiança), haverá de conceber novas criaturas humanas,

os quais serão chamados, no atual presente, por “geração futura”. Todavia, qual o liame

74

necessário para que o humano presente possa preocupar-se com o futuro (não o seu, mas o dos

outros), ao ponto de abrir mão de uma parcela de usufruto dos recursos naturais?

Veja-se que, em se tratando das gerações futuras, não há uma reciprocidade de

direitos e deveres, mas somente um caminho de mão única da geração presente para com o

futuro consagrado pelo art. 225, caput, da Constituição da República.

Nesse sentir, princípio da solidariedade juntamente com o conceito de dignidade

humana podem ser concebidos tanto sob um espectro limitado, como também sob o enfoque de

uma dimensão intergeracional, na medida em que o esgotamento do Planeta implica

esvaziamento do conceito vida. Assim, o relevo ao “outro”, reconhecendo-se em igualdade e

dignidade, é conclamado a operar no campo da reverência ao Humano, à ideia do seu próprio

significado. Jorge Miranda sustenta que “cada pessoa tem, contudo, de ser compreendida em

relação com as demais. A dignidade de cada pessoa pressupõe a de todos.”107 A solidariedade

para com as gerações futuras visa resguardar tanto o desfrute dos valores da Natureza, como

também a memória humana sobre a Terra108.

A falta de categorização jurídica das “gerações futuras” impede, como de fato é,

que as mesmas sejam entendidas como sujeitos de direito o que, sob esse ponto, impediria a

identificação de um dever ambiental sem um sujeito. Esta é a posição adotada por José Casalta

Nabais, a qual nos parece minoritária. No nosso modesto sentir, a questão é resolvida com a

conformação da “geração futura” como sendo uma coletividade, um sujeito fictício sendo óbvia

a necessidade de maior investigação acadêmica sobre o assunto. Contudo, mesmo não sendo

uma pessoa (real ou fictícia) não há dúvidas de que a previsão constitucional visa, como já

tivemos a oportunidade de defender neste trabalho, a preservação da ideia do que é ser

“humano” sob uma perspectiva direcionada ao futuro.

O assunto possui influências no conceito de política ambiental, justiça ambiental, os

quais giram em torno de “confiança”, “segurança” e “risco”. Uma norma jurídica mal elaborada,

ou elaborada com graves lacunas, pode sim resultar em sérios riscos para o Meio Ambiente.

Nesse passo, deixar de responsabilizar o presente pelos reflexos de suas ações no futuro seria o

mesmo que desconsiderar o risco existente nas atividades do presente, reforçando uma conduta

humana utilitarista e hedonista em relação ao Meio Ambiente. A degradação ambiental no

presente tem um responsável: a geração presente e a passada. Desconsiderar esse fato é

desconsiderar as pegadas do homem sobre a Terra, implicando uma verdadeira

107 MIRANDA, Jorge. A Constituição Portuguesa e a dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 11, vol. 45, out-dez, 2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 86. 108 Sobre a conformação ética a respeito do tema confira os itens 2.2 e 2.6 deste trabalho.

75

irresponsabilidade que irá desembocar em ações no presente com reflexos no próprio presente,

ou seja, no uso compulsivo e desenfreado dos recursos naturais sem que haja tempo, sequer,

para que a geração atual possa dar continuidade à sua utilização.

76

4 - NORMATIVAS INTERNACIONAIS E O DIREITO BRASILEIRO

4.1 – TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE O CLIMA. UM “ANOITECER SILENCIOSO”

Foi na cidade de Estocolmo no ano de 1972, que, pela primeira vez, o mundo tratou,

institucionalmente, sobre o assunto Mudanças Climáticas através da conferência das Nações

Unidas. Após acalorados debates, formulou-se a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano

(uma carta de princípios de comportamento e responsabilidades que deveriam nortear as

decisões sobre políticas ambientais), e a organização de um Plano de Ação convocando os

países, organismos das Nações Unidas e organizações internacionais para busca de soluções

dos problemas ambientais.

As propostas de Estocolmo reverberaram no tempo sendo que, após 10 anos, a

ONU fundou a Organização Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujos estudos

iniciais compuseram o relatório “Nosso Futuro Comum”, também conhecido por Relatório

Brundtland, em homenagem à presidente da comissão, Gro Harlem Brundtland, então primeira

ministra da Noruega e uma das ambientalistas mais conhecidas do mundo. O relatório é

emblemático porque discrimina os principais problemas trazidos pelo aquecimento global,

culpando o desenvolvimento econômico voraz e descompromissado. Como resposta, oferece o

conceito de sustentabilidade, posicionando um tripé (econômico, social e ambiental) como

sustentáculo do desenvolvimento da sociedade. Significa dizer, para que uma Nação possa

desenvolver-se economicamente também se faz necessário que o seu povo desfrute desta

riqueza material, como também possa se ver imergido em um meio ambiente saudável.

Em 1992, a cidade brasileira do Rio de Janeiro sediou a conferência da ONU sobre

a Terra – A Rio/92 (também conhecida como “Cúpula da Terra” ou ainda “Eco 92”), ocasião

em que cinco importantes documentos internacionais são elaborados:

• Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento;

• Agenda 21;

• Princípios para a Administração Sustentável das Florestas;

• Convenção da Biodiversidade;

77

• Convenção sobre Mudança do Clima.

A Convenção sobre Mudança do Clima, de especial interesse para o presente

trabalho, estabeleceu metas rigorosas sobre redução de concentrações de gases de efeito estufa

na atmosfera, representando uma quebra de paradigma do desenvolvimento econômico.

Lamentavelmente, as metas foram descumpridas sob o argumento de que impediam o

crescimento econômico dos países “subdesenvolvidos”, mantendo milhares de pessoas abaixo

do nível de pobreza. Após a assinatura da Convenção-Quadro dezoito reuniões, as quais

convencionou-se chamar de Conferência das Partes, foram realizadas ao longo do Globo

Terrestre, no intuito de estabelecer acompanhamento das ações e compromissos firmados.

Abordaremos neste trabalho somente as reuniões mais emblemáticas.

No ano de 1997, na cidade de Quioto, ocorreu a 3ª Conferência das Partes (COP 3)

com abertura de espaço para uma nova discussão internacional a respeito das metas de redução

estabelecida pela Convenção-Quadro das Nações Unidas.

Surge, assim, o Protocolo de Quioto, cujo ponto de destaque é a distinção existente

entre os países “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”, estabelecendo a responsabilidade

diferenciada entre essas classes de países em relação às poluições ambientais internacionais,

com entrada em vigor somente a partir de 2005. De forma a criar engajamento por parte dos

países envolvidos e, de certo modo, responsabilizá-los por suas omissões, acorda-se um

cronograma de reduções segundo a potencialidade (no passado e no presente) de poluição

atmosférica de cada país signatário.

O protocolo apresenta três importantes ferramentas para redução de emissões de

gases de efeito estufa pelos países: mercado de emissões, mecanismo de desenvolvimento

limpo109 e a implementação conjunta. Em acréscimo, é estabelecido um cronograma de redução

de emissões para os países desenvolvidos. Tanto a China quanto os Estados Unidos, embora

tenham assinado o acordo, não ratificaram o Protocolo, sendo este fato considerado um ponto

de enfraquecimento do movimento, já que os dois países apresentam altos índices de emissão

de gases de efeito estufa. Em novembro de 2011, o documento vem a ser denunciado pelo

Canadá110. O Brasil ratificou o Protocolo de Quioto no ano de 2002.

109 O MDL foi regulamentado no acordo de Marrakesh, propiciando regras mais claras sobre a geração e

titularidade dos créditos de carbono. O mercado de carbono, até o ano de 2007, chegou a movimentar bilhões na economia mundial. Contudo, após a crise mundial restou inerte, inclusive no Brasil. Atualmente, tem-se apresentado nos REDD – redução de emissões por desmatamento - uma via alternativa.

110 "Estamos invocando o direito legal do Canadá de abandonar formalmente (o Protocolo de) Kyoto", disse Kent após a conferência da ONU sobre o aquecimento global encerrada no domingo em Durban, África do Sul. "Kyoto não funciona" e o Canadá corre o risco de pagar multas de vários bilhões de dólares se permanecer neste

78

No Anexo A do Protocolo, são apresentados os gases considerados como

responsáveis pelo efeito estufa. São eles: dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₂), óxido

nitroso (N₂O), hidrofluorcarbonetos (HFC), perfluorcarbonetos (PFC) e hexafluoreto de

enxofre (SF6). Também, no mesmo anexo, é possível encontrar os setores considerados como

responsáveis pelas emissões sendo eles: energético, indústrias de transformação e construção,

transportes, indústria química, de produção de metais, mineradoras e agricultura.

O Anexo B do Protocolo contém os países responsáveis pela redução de emissões:

Alemanha, Austrália, Áustria, Belarus, Bélgica, Bulgária, Canadá, Comunidade Econômica

Europeia, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos da América,

Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão,

Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Mônaco, Noruega, Nova Zelândia, Países

Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Checa,

Romênia, Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia.

Em Cancun, México, no ano de 2010, aconteceu a 16ª Conferência das Partes

(COP16) estabelecendo os seguintes instrumentos:

Criação do Fundo Verde destinado ao auxílio dos países em desenvolvimento,

pelos países desenvolvidos, no enfrentamento das metas de redução das mudanças climáticas.

Aprovação do mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e

Degradação (REDD).

Metas de emissão para todos os países, desenvolvidos ou não, sem caráter

obrigatório.

Após a deflagração da crise econômica mundial, nos anos de 2009 e 2011,

ocorreram as Conferências das Partes111 (COP’s) de números 15 e 17 (última COP realizada até

a finalização do presente trabalho), respectivamente, nas cidades de Copenhague e Durban na

tentativa de reacender os propósitos firmados no Protocolo de Quioto. Os Estados Unidos, visto

como um importante agente na negociação das tratativas, mantiveram-se firmes na

impossibilidade de reduzir emissões na medida em que, para ele, importaria em redução do

acordo, disse Kent. (...) A saída do Canadá do protocolo fará com que o país evite pagar multas de até 13,6 bilhões de dólares por não ter cumprido as metas. Fonte: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2011/12/canada-abandona-oficialmente-o-protocolo-de-kyoto.html. Acesso em 29 de maio de 2012. Trata-se da fala do ministro do Meio Ambiente do Canadá.

111 Conferência das partes é um órgão supremo instituído pelo Protocolo de Quioto, artigo 13.

79

crescimento econômico, tão necessário naquele momento de crise. De igual modo posicionou-

se a comunidade Europeia.

Não obstante as contendas travadas, em Durban, firmou-se uma segunda fase do

Protocolo de Quioto, sendo produzido o texto conhecido como “Plataforma de Durban”, pelo

qual ficou estabelecida a estruturação do Fundo Climático Verde cujos recursos destinam-se ao

financiamento de ações de adaptação e mitigação dos países em desenvolvimento em sintonia

com os critérios de sustentabilidade socioambiental. Em Durban, a União Europeia propôs um

novo roteiro de ações visando um acordo global, com efeito vinculante, para a redução de GEE

aplicável tanto pelos países desenvolvidos quanto pelos em desenvolvimento. O referido

documento deverá ser devidamente detalhado e ratificado até 2015, devendo entrar em vigor

até 2020 (ano em que são encerrados os compromissos voluntários estabelecidos em 2010 na

COP 16).

Ainda duas outras Conferências das partes foram realizadas (COP 18 - 2012 e COP

19 - 2013) nas cidades de Doha, no Catar e na cidade de Varsóvia, na Polônia. A COP 18

possui como ponto de destaque a previsão de financiamento destinado aos países em

desenvolvimento através do “Fundo Verde” de quase US$100 bilhões anuais para o combate

das causas antrópicas das Mudanças Climáticas. Em relação à COP 19, não há grandes

progressos em termos de desenvolvimento das tratativas em prol do Clima.

No ano de 2012, na cidade do Rio de Janeiro, a comunidade internacional

participou do evento “Rio +20”112 que, muito embora não seja um momento específico para

tratar de mudanças climáticas, através do Relatório “O Futuro que Queremos”, trouxe

importantes informações sobre como construir uma Economia Verde, internalizando no

processo econômico as externalidades ambientais de forma que passem da condição de

“geração de prejuízo” para a categoria de “lucro” nos balanços contábeis empresariais,

Como se percebe, por mais de vinte anos os países vêm tentando firmar acordos

executáveis em prol do Clima sem que, contudo, haja uma agilidade na adesão efetiva dos

participantes. Falta engajamento principalmente por parte dos países desenvolvidos e

responsáveis pela maior parcela de emissões de GEE, especialmente em se tratando da segunda

fase do Protocolo de Quioto. Ações concretas precisam ser tomadas para, por exemplo, buscar

112 Evento realizado no Brasil, na Cidade do Rio de Janeiro, cujo tema foi Sustentabilidade, o qual englobou o

assunto Mudanças Climáticas.

80

as definições sobre as formas de financiamento dos projetos destinados à mitigação do efeito

estufa antes de 2020 – prazo limite para vigorar o novo acordo. De igual modo é preciso definir

regras claras e vinculantes redução de emissões para todos os países, sem o que será impossível

obter uma postura mais enérgica de todos os agentes envolvidos na problemática.

4.2 – ARCABOUÇO JURÍDICO BRASILEIRO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A Constituição da República brasileira, embora seja considerada progressista em

diversos aspectos, nada tratou sobre o assunto do Clima, resguardando-se a prever o dever de

todos – Poder Público e coletividade (pessoas físicas e jurídicas)113 - de proteção do ambiente,

vinculado ao direito a um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado. O termo

“ecologicamente” remete à obrigação da preservação e a restauração do ecossistema em sua

inteireza, incluindo em seu aspecto de abrangência o Clima.

No plano infraconstitucional, o Brasil mantém vanguarda na edição de textos

legislativos. No ano de 2009, o Brasil recebeu a Lei Nacional n. 12.187/2009 a qual institui a

Política Nacional sobre Mudanças do Clima – PNMC, cujo conteúdo se aproxima ao Protocolo

de Quioto114, como por exemplo, a adoção dos princípios da precaução e da prevenção, a

adoção do conceito de desenvolvimento sustentável, a responsabilidade comum, porém

diferenciada, o estímulo ao desenvolvimento do Mercado de Redução de Emissões.

Através do Decreto Federal de n. 7.390/2010 aos setores brasileiros de produção

econômica são estabelecidas metas específicas de redução de emissões de gases de efeito estufa

até 2020. O art. 6º prevê diretrizes importantíssimas, tais como: a redução de 80% dos índices

anuais de desmatamento na Amazônia Legal em relação à média verificada entre os anos de

1996 e 2005, a redução de 40% dos índices anuais de desmatamento no Bioma Cerrado em

relação à média verificada entre os anos de 1999 a 2008. Prevê, ainda, a expansão da oferta de

hidroelétrica, da instalação de fontes alternativas renováveis notadamente centrais eólicas,

pequenas centrais hidroelétricas e bioeletricidades, biocombustíveis e incremento da eficiência

energética, bem como a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas.

113 “Art. 225. Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

114 Em se tratando de redução de emissão de gases de efeito estufa, o Protocolo de Quioto é o principal documento internacional posto estabelecer regras e princípios para internalizar o processo de descarbonização na economia.

81

O art. 4º do referido decreto dispõe sobre os diversos planos setoriais, os quais têm

sido desenvolvidos pelo Ministério de Meio Ambiente em parceria com outros setores e, até a

finalização da presente dissertação (fevereiro de 2014), foram encontrados os seguintes

documentos115:

Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia

Legal - PPCDAM - Versão completa

Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado -

PPCerrado - Versão completa / Sumário Executivo

Plano Decenal de Energia - PDE - Versão completa / Nota Técnica

Plano de Agricultura de Baixo Carbono - Plano ABC - Versão Final;

Plano Setorial de Mitigação da Mudança Climática para a Consolidação de uma

Economia de Baixa Emissão de Carbono na Indústria de Transformação - Plano Indústria -

Versão Final;

Plano de Mineração de Baixa Emissão de Carbono - PMBC - Versão Final;

Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana para Mitigação da

Mudança do Clima - PSTM - Versão Final;

Plano Setorial da Saúde para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima -

Versão Final.

De acordo com as previsões do art. 5º da PNMC, o Brasil promoverá a cooperação

internacional para o financiamento, capacitação, desenvolvimento e transferência de

tecnologias e processos para implantar ações de mitigação e adaptação, propiciando um campo

de possibilidades para o intercâmbio de informações e troca de tecnologias.

Outros importantes instrumentos também são previstos na PNMC, tais como, o

Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, os Planos de Ação para Prevenção e Controle do

Desmatamento nos biomas, a comunicação nacional do Brasil na Convenção-Quadro das

Nações Unidas sobre Mudança do Clima, medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a

redução das emissões e remoção dos gases de efeito estufa, abertura de linhas de crédito e

financiamento específico por agentes financeiros, dentre muitos outros.

A estrutura institucional das PNMC está prevista no art. 7º o qual prevê a criação

do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, a Comissão Ministerial e o Fórum

Brasileiro de Mudança do Clima.

115 Fonte: http://www.mma.gov.br/clima/politica-nacional-sobre-mudanca-do-clima/planos-setoriais-de-mitigacao-

e-adaptacao. Acesso em 02 de fevereiro de 2014.

82

A legislação previu uma meta de redução de emissão de GEE entre os níveis de

36% a 39%, limites estes considerados abusivos por alguns setores econômicos brasileiros.

Através da lei 12.114/2009, o Brasil instituiu o Fundo Nacional sobre Mudança do

Clima (Fundo Clima), cuja finalidade é o financiamento de projetos, estudos e

empreendimentos com vistas à mitigação das causas antrópicas sobre o clima.

Embora não trate especificamente sobre o tema, a Política Nacional de Resíduos

Sólidos, instituída pela Lei Nacional n. 12.305/2010, oferece importantes instrumentos para a

governança ambiental no nível da PNMC, posto que, através da destinação final adequada dos

resíduos sólidos significa o reaproveitamento de mais de 50% dos resíduos sólidos produzidos

no país traçando um novo caminho para a revisão dos atuais padrões de consumo e produção.

Em 1993, o Brasil foi palco da edição da Lei sobre Redução de Emissão de

Poluentes, Lei nº 8.723, a qual estabelece limites para os níveis de emissão dos gases

provenientes da queima de combustíveis de veículos automotores.

No âmbito dos Estados e Municípios, é possível encontrar preocupações com as

mudanças climáticas, as quais se refletem na edição de legislações que passamos a listar116:

Região Sudeste: no Estado de São Paulo – Lei 12.798/2009; no Estado do Rio

de Janeiro – Lei 5.690/2010; Estado de Minas Gerais – Decreto n. 45.229/2009; Espírito Santo

– Lei 9.531/2010.

Região Sul: Estado de Santa Catarina – Lei 14.829/2009; Estado do Paraná – Lei

17.133/2012; Estado do Rio Grande do Sul – Lei 13.594/2010;

Região Norte: Estado do Amazonas – Lei 3.135/2007; Estado do Tocantins –

Lei 1.917/2008;

Região centro-oeste - Estado de Goiás – Leo 16.497/2009, Estado do Mato

Grosso – Lei 9.111/2009;

Região Nordeste: Estado da Bahia – Lei 12.050/2011;

Como se observa, a qualidade do conteúdo normativo brasileiro evidencia a

preocupação do Brasil com as questões climáticas, fator este importante na medida em que o

país é detentor de um dos maiores reguladores climáticos do Planeta – a Floresta Amazônica e

em razão da sua extensão territorial representar impacto nos microclimas locais.

Muito embora haja sérias contendas a respeito das efetivas causas para as

Mudanças Climáticas, é evidente o fato de que o legislador brasileiro adotou uma postura de

Precaução e Prevenção frente aos riscos sabidos e não conhecidos. Como bem afirma Sérgio

116 A listagem fornecida não tem cunho exaustivo.

83

Besserman Vianna no prefácio de Giddens117 “o fato de o conhecimento científico atual não

trazer projeções apocalípticas não deve ser motivo para um sentimento de tranquilidade”, ao

contrário, deverá servir para que adotemos posturas mais coerentes com o que queremos para

as presentes e futuras gerações.

117 Idem. p. 07

84

5 - EXTERNALIDADES AMBIENTAIS DO SETOR MINERÁRIO E TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL EXTRAFISCAL SOB UM ENFOQUE

HUMANISTA INTEGRAL E BIOCÊNTRICO

5.1 – CONCEITO DE EXTERNALIDADES À LUZ DAS TEORIAS ECONÔMICAS. IDENTIFICAÇÃO DAS EXTERNALIDADES.

O desenvolvimento do presente capítulo demanda o bom entendimento do que seja

uma externalidade, conceito amplamente utilizado pelos economistas. Até o presente momento

do nosso trabalho utilizamos de conceituações sobre o meio ambiente, a interação entre homem

e natureza, mas ainda não fizemos uma ligação clara em como seria a dialética entre essas

relações e a economia, de forma a propiciar uma demanda no mundo jurídico tributário.

O primeiro conceito sobre o que se conhece hoje como externalidades foi

formulado por Alfred Marshall, em 1925, em relação à curva de oferta com inclinação

descendente de uma indústria em regime de concorrência. Nesse sentido, estaremos diante de

uma externalidade quando um determinado agente econômico interage no mercado e gera, sem

intencionalidade, malefícios ou benefícios para indivíduos alheios ao seu próprio processo de

produção. Nos dizeres de Carlos Alberto Longo, “uma externalidade é uma imposição de um

efeito externo causado a terceiros, gerada em uma relação de produção, consumo ou troca.”118

As externalidades podem ser positivas (aumento dos benefícios públicos) ou negativas.

O presente trabalho irá ater-se às externalidades negativas geradas ao meio

ambiente, especificamente ao Clima, por força das atividades de produção e consumo, na

medida em que tais atividades humanas têm sido apresentadas como uma das maiores fontes

antrópicas geradoras de GEE. Desta forma, a partir do presente momento, utilizaremos o termo

externalidade para designar “externalidade negativa”.

Derani conceitua externalidade como sendo “a máxima de que cada um deve

ocupar-se do próprio negócio permitiu que uma série de resultantes da produção não

participassem do cálculo privado, o que conduziu a uma sequência de ‘deseconomias’, ou seja,

produtos não contabilizados na renda do empreendedor, trazendo efeitos negativos à

sociedade”119. A ideia básica das externalidades é a existência de benefícios para alguns em

detrimento de uma forte carga negativa para outros, fenômeno ocorrido em razão de algumas

118 LONGO, Carlos Alberto. Finanças Públicas: Uma Introdução. São Paulo: IPE-USP,1989.

119 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad. 2007. p. 107

85

falhas no mercado. Exemplificando, enquanto a empresa emissora de CO₂ obtém lucros com

seu processo produtivo, toda a coletividade, bem como o próprio meio ambiente suporta a carga

dessa emissão desmedida, com problemas de saúde, poluição do ar, dos mares, rios dentre

outros.

As “deseconomias” 120 aumentam a entropia do mercado em razão do uso

ineficiente dos recursos naturais e ambos participarão do aumento da entropia da Terra

causando o verdadeiro colapso no Clima há muito proclamado.

Ainda quando tratamos do tema externalidades, é importante ter em mente a

questão da esgotabilidade dos recursos naturais. Isso porque o desenvolvimento humano cria

uma carga sobre os recursos naturais do planeta de forma que, muito embora tecnologia e

ciência possam amenizá-lo, não será possível atingir um nível de sustentabilidade sem uma

mudança paradigmática no consumo e na produção. Desse modo, muito antes de pensar no bom

uso dos recursos naturais, é preciso a priori pensar na sua finitude, se quisermos manter a vida

em funcionamento tal qual a conhecemos hoje. Em se tratando do Clima, pode-se fazer uma

relação do conceito de finitude com a irreversibilidade dos malefícios gerados pelas ações

antrópicas.

O Clima é, sem sombra de qualquer dúvida, o elemento base para a formação de

todo o ecossistema existente na Terra, havendo qualquer variação, também os demais

componentes sofrerão alterações. Com isso queremos dizer que a boa preservação dos recursos

naturais depende, inexoravelmente, da preservação do Clima, sendo este uma condição a priori

diretamente ligado à ideia de escassez.

São muitas as teorias que tentam explicar os conceitos de externalidade e como a

economia e o Estado devem lidar com elas. Derani divide o estudo das externalidades partindo

dos dois precursores das teorias mais importantes sobre o assunto, Pigou e Coase, afiliando o

primeiro a uma corrente mais conservadora, com a participação do próprio Estado na correção

das externalidades, e o segundo a uma corrente liberalista excluindo o Estado na participação

deste processo de correção. Sabiamente a autora pondera os perigos de se adotar uma ou outra

corrente isoladamente posto que “essas teorias são modelos que precisam encontrar a devida

contextualização. Sobretudo porque a proposta básica da economia ambiental, a valorização

120 Termo utilizado por Herman Daly em Sustentabilidade em um mundo lotado. Scientific American Brasil. Texto encontrado em http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/sustentabilidade_em_um_mundo_lotado.html. Acesso em 10 de julho de 2013.

86

monetária na natureza é artificiosa (...) necessitando de amparo político e jurídico.”121

Dália Maimon122, através de uma abordagem completa, abrangendo inclusive a

abordagem de Derani, divide os teóricos nos seguintes grupos: neoclássicos, pigouvianos,

ecodesenvolvimentistas, bioeconomia e economistas ecológicos.

O conceito de meio ambiente para os Neoclássicos invoca três importantes

elementos:

1- ele é a fonte de matérias primas utilizadas como insumos (renováveis ou não)

nos processos de produção;

2- o meio ambiente é o destinatário de todos os "dejetos" da produção e do

consumo, sendo certo que a absorção pode ser total, parcial ou mesmo nula, dependendo do

nível de saturação do ecossistema;

3 – e, por fim, exerce importantes funções como, por exemplo, oferecer suporte à

fauna e à flora, lazer e embelezamento.

Para os neoclássicos, então, o estudo do meio ambiente estaria imbricado com a

noção da incorporação das externalidades e, porque entendem que o meio ambiente possui

propriedade indefinida, propõem a apropriação do mesmo na medida em que, considerando o

meio ambiente como um recurso escasso, percebem a necessidade de um regramento mais claro

por força do uso desmedido. Para solução eles propõem a privatização do Meio ambiente,

trazem como proposta a criação de um mercado de compra e venda de “direitos de poluir”,

permitindo às empresas menos poluidoras negociar seu diferencial no mercado, o que é muito

discutível e; adoção de mecanismos compensatórios para as empresas que conseguem controlar

sua poluição. Como se percebe, essas medidas foram adotadas pelo Protocolo de Quioto

quando da tentativa de criar o mercado de carbono, hoje não mais muito utilizado,

especialmente após a crise econômica mundial de 2008.

Temos dúvida se seria possível a implementação da primeira parte dessa teoria no

Brasil, tendo em vista a noção utilizada sobre a propriedade do bem ambiental. Há algum

121 Idem. p. 110. 122 MAIMON, Dalia. Ensaios sobre Economia do Meio Ambiente. Rio de Janeiro: APED (Associação de Pesquisa de Ensino em Ecologia e Desenvolvimento), 1992.

87

tempo, a água, o ar, o mar eram vistos, especialmente pelos civilistas, como res nullius, coisa

de ninguém. E, na verdade, na forma do paradigma existente para a época, não havia outra

forma de considerá-los.

Contudo, após o surgimento do conceito de “Direitos Difusos”, a postura jurídica

desloca-se para uma concepção mais abrangente, e considera-os como bem de todos. Desse

modo, o bem ambiental (o bem de todos), passa a ter uma dupla titularidade: a coletividade e o

indivíduo (quando o bem for passível de delimitação, como se apropriar de porções de água,

porções de gases disponíveis na Natureza etc.). A ideia foi capitaneada pela Constituição da

República, quando no art. 225 afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado” e também não passou despercebida pelo Ministro Antônio Herman Benjamim

quando afirma “a titularidade do meio ambiente, como macroconceito, pertence à coletividade

(sociedade) e a sua utilização é pública, vale dizer, a ele se aplica o princípio da não-exclusão

dos seus beneficiários”123.

A Teoria Ecodesenvolvimentista, segundo Maimon, fundamenta-se no tripé:

justiça social, eficiência econômica e prudência ecológica e, seus parâmetros são a qualidade

social e a qualidade ecológica, as quais estão voltadas para a presente e futuras gerações. A

qualidade social estará sempre voltada para a implementação de melhorias para as classes

menos favorecidas, enquanto a qualidade ecológica volta-se para a futura geração. As

externalidades ambientais negativas são consideradas como decorrentes do estilo desenfreado

do desenvolvimento econômico porque não estabelece uma relação de harmonia entre o

crescimento e a utilização dos recursos naturais, sendo necessário, para a implementação de

soluções o engajamento tanto do Estado quanto da sociedade civil.

Algumas soluções são apresentadas pelos Ecodesenvolvimentistas para o

enfrentamento das externalidades ambientais, dentre elas citamos: a mudança na qualidade do

desenvolvimento e a reorientação da tecnologia e avaliação dos riscos com a consequente

conservação e ampliação da base dos recursos naturais. Com isso, pretende-se uma profunda

mudança estrutural nos processos da indústria, através da qual as atividades poluidoras seriam

restringidas ou taxadas pelos danos causados segundo o Princípio do Poluidor Pagador.

Maimon não confere muita atenção ao que chamou de Bioeconomia, talvez porque

123 BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcellos e. Função Ambiental. Disponível em www.bdjur.stj.gov.br. Acesso em 07 de julho de 2013.

88

à época de seu livro (1992) a teoria não estivesse ainda muito bem desenvolvida. A importância

dessa teoria está no confronto de princípios e das leis oriundas da natureza, tais como:

termodinâmica, evolução, organização do ser vivo, ecologia e de conceitos e hipóteses

adotados nos modelos de crescimento econômico. Sob esse enfoque, a entropia (perda de

energia) é elemento limitador da atividade, do sistema econômico na medida em que impede a

substituição do capital natural pelo capital produtivo.

Os Economistas Ecológicos, segundo Maimon, propagam um movimento contrário

à utilização das teorias neoclássicas e ecológicas da economia e utilizam-se da teoria

desenvolvida por Coase. Na medida em que busca a inter-relação entre os ecossistemas e o

sistema econômico, é vista como um campo transdisciplinar. Assim, a análise do processo parte

desde o recurso natural, em sua forma in natura, até o seu descarte. A visão holística do

processo é de suma importância para se entender as externalidades, posto incorporar, de certo

modo, o custo ambiental, o custo da degradação tanto no momento da extração (natureza como

provedora de recursos), quanto no momento do depósito final do produto, nessa fase

considerado como lixo, rejeito (natureza na função de absorção dos recursos industrializados).

Essa corrente encontra suas bases no liberalismo econômico, porque, para ela, não

haveria necessidade de participação do Estado na redução das externalidades, eliminando-o

como agente subvencionador. Diz um dos teoremas de Coase: "Quando as partes podem

negociar sem custo e em vantagem mútua, o resultado final é eficiente, independentemente de

como seus direitos de propriedade possam ser especificados.”

A teoria “pigouviana” (Arthur Cécil Pigou) entende o problema da poluição

ambiental como decorrente de uma falha do sistema de preços e não reflete em sua inteireza os

danos causados ao meio social e ao meio ambiente. Para a solução dessas externalidades,

propõe-se a instituição de impostos, subvenções ou incentivos pelo Estado. Este trabalharia

como “uma instituição à parte, para corrigir as lacunas e, então assegurar um nível ótimo do

mecanismo de mercado.”124

Diante de todas as teorias postas, o grande dilema será encontrar o lugar ótimo para

o papel do Estado e da sociedade civil (incluindo nesse rol empresas e consumidores), o que,

certamente, irá refletir no trato jurídico dessas questões. É bom lembrar, todas essas teorias

econômicas são elaboradas dentro de laboratórios e, quando transpostas ao mundo real, devem

124 Derani, Cristiane. p. 108

89

sofrer certas adaptações, não sendo possível a realização de uma ciência completamente

descontextualizada nesses casos. Concordamos com Derani quando diz “estas teorias são

modelos que precisam encontrar a devida contextualização. Sobretudo porque a proposta

básica da economia ambiental, a valorização monetária da natureza, é artificiosa (não

corresponde às forças de mercado, que as empregam necessariamente como bem livre ou em

abundância).”125

Nesse viés, inclusive as teorias não poderão ser vistas isoladamente, mas sim em

complementaridade, ou seja, extraindo-se de cada uma os melhores elementos para aplicar-lhe

ao mundo fenomênico. A nosso ver, a teoria que melhor faz essa interligação é a teoria da

Economia Ecológica, ou mais modernamente chamada de Economia do Meio Ambiente

porque, sabiamente, olha os processos não como máquinas, mas à luz de uma Física Social126

reinterpretando o conceito de crescimento econômico, representando, assim, o rompimento

paradigmático da economia convencional. O Direito deverá tomar por base esse modelo

econômico para bem regular o processo.

Voltemos, então, ao conceito de Economia Ecológica, porque será este adotado

para o desenvolvimento dos capítulos supervenientes, a fim de fazer um contraponto com a

Teoria Neoclássica para melhor compreensão do sistema. Segundo aquela Teoria, a economia é

vista como um dos componentes de um sistema com muitos outros elementos, vista então como

um subsistema que, embora seja infinito, ocorre dentro de um sistema finito (recursos naturais).

Para Cechin e Veiga, “a economia é um subsistema aberto desse imenso sistema fechado,

qualquer expansão da macroeconomia implica custo. Exige alguma contrapartida natural,

fazendo com que tal decisão não possa ignorar seu ‘custo de oportunidade’.” 127 Nesses

termos, se um sistema “aberto” possui seus limites nas bordas do sistema no qual está inserido,

haveremos que chegar à forçosa conclusão de que haverá escolhas consideradas como

econômicas e antieconômicas, estas últimas consideradas quando o crescimento for obtido a

passivos sobremodo altos, quando, por exemplo, a instalação de uma hidrelétrica representar

um verdadeiro desfalque na fauna e na flora local, além de realocação de comunidades há

muito instaladas no local.

125 idem p. 110. 126 Alier, Joan Martínez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. Tradução Armando de Melo Lisboa. Blumenau: Furb. 1998. 127 CECHIN, Andrei e Veiga, José Eli da. In: Economia do Meio Ambiente. Peter H. May (org). 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, 4ª impressão. p. 34.

90

No paradigma neoclássico, a economia é vista como o todo e todos os demais

campos, inclusive humano e natureza, fazem parte de setores, de microeconomias. Sob essa

óptica, o todo será a economia, o centro de todo o desenvolvimento na Terra é a própria

economia, como o sol no sistema solar, tudo por ele e para ele (no caso a economia). Por isso,

uma desordem que justifique uma preocupação maior e uma intervenção, só se justificaria se, e

somente se, colocasse o sistema econômico em colapso. A crise econômica mundial de 2008

demonstrou-se como um grande exemplo do que se está a dizer. Preocupações com os seres

humanos (fome, desemprego etc. nos países considerados à época como desenvolvidos) e a

natureza dentre outros aspectos só entraram na pauta de discussão após a emergência dos

problemas. Antes, nesses países desenvolvidos e, portanto, imunes às pragas do capitalismo, a

visão da problemática da fome e outras mazelas eram vistas de um pedestal, de cima para baixo

e, pouca, ou nenhuma medida, era feita efetivamente. Um dos grandes reflexos desta concepção

está na formulação do conceito do Produto Interno Bruto (PIB) o qual desconsidera os efeitos

negativos sociais e ambientais e, como consequência, criou-se o conceito de IDH (índice de

desenvolvimento humano), o qual também não é suficiente para a inclusão de processos

emergentes na sociedade pós-moderna. O cenário mudou e, com ele, a perspectiva das pessoas

e de governos.

A Teoria Clássica encara a economia como um processo fechado, livre dos

processos de entropia (segunda lei da termodinâmica), porque a quantidade de energia

permanece constante, não há troca ou destruição de energia, apenas a transformação de uma em

outra.

Essa linha de pensamento estaria correta se o processo de produção não fosse

aberto tanto no seu início quanto no seu fim. Isso porque precisa da entrada de insumos para a

produção e, ao fim, apresenta seus rejeitos (lixo). Nessas entradas e saídas, estão as portas para

o que se chama de entropia. Quanto melhor o aproveitamento dos bens nas duas portas, menor

será a entropia provocada por esses processos e, via de consequência, melhor será o

aproveitamento dos recursos naturais, gerando o que se considera uma ótima economia. Essa

concepção, longe da física newtoniana, foi formulada por Nicholas Georgescu-Roegen, físico e

matemático romeno, cuja maior contribuição fora a formulação da Teoria da Economia

Ecológica no século passado.

As diferenças conceituais entre a Teoria Neoclássica e a Teoria Ecológica sobre a

economia pode ser descrita na forma do seguinte quadro:

91

Quadro 3 – Modelos de funcionamento da Economia – “visões da economia”

Fonte: Alier, Joan Martínez.

Retomemos a crítica feita por Derani sobre desconsiderar o mundo dos fatos pelas

teorias econômicas, Georgescu apresenta entendimento semelhante, afirmando que os

economistas clássicos se esquecem do fluxo real dos elementos humanos e naturais.

Lamentavelmente, sua teoria foi muito criticada, até mesmo porque o paradigma cartesiano

newtoniano vigia. Não havia outros meios de se quebrar o padrão anterior. A teoria ganha força

após os novos descobrimentos da física quântica, com um novo olhar para a mecânica e, por

consequência, para o funcionamento dos mecanismos, dentre eles, a economia.

Como se percebe de tudo que foi dito até então, o conceito de entropia se amolda

perfeitamente ao conceito de externalidade ambiental negativa, sendo possível fazermos um

paralelo. Trabalhando com a ideia de tempo e espaço, os materiais advindos da natureza se

transformarão em produtos finais, os quais serão consumidos e retornados ao meio ambiente na

forma de resíduos. Todo esse processo, como já dissemos, gera a emissão de GEE, altamente

prejudiciais para o clima global. O que fazer então? Propiciar que esse ciclo ocorra com o

92

menor índice de entropia, externalidade, possível, melhorando o desempenho da extração,

produção e descarte. “Quem” e “como” deve-se trabalhar para atingir esse fim é o objeto de

investigação do presente capítulo.

Os Economistas Ecológicos, representados por Georgescu-Rooegen, não creem no

crescimento econômico ilimitado, posto que a própria Natureza seja o agente limitador. Em

algum momento desse crescimento, defendem, a economia passa a se transformar em uma

‘deseconomia’ gerando sérios comprometimentos para a geração presente e, muito mais, para

as gerações futuras. O mesmo pensamento é adotado por Herman Daly128. Chegará um ponto

em que a entropia, as externalidades ambientais negativas, provocada pelo sistema econômico

se mostrará maior do que a existência de recursos naturais disponíveis (ou ao menos com

acesso a um custo financeiro razoável) e, como o sistema da Terra é fechado, limitado,

estaremos diante do ponto de encontro entre o crescimento e o estacionamento, quando o

crescimento econômico será encarado como maléfico ao ser humano e para todo sistema. Em

termos de aquecimento global, já não estaríamos próximos a esse momento, no momento em

que há uma aproximação da irreversibilidade dos efeitos gerados?

Por tais motivos, os quais parecem bem factíveis, o crescimento econômico, nos

moldes atuais, não poderá ser visto como a tábua de salvação para a solução de todos os

problemas ecológicos, mesmo que traga consigo novas tecnologias, inclusive porque nos

moldes da “Curva Ambiental de Kuznets”129 as emissões de CO₂ aumentam paralelamente

ao aumento da renda. Isso porque não só a pobreza, a doença, a guerra, nas quais o mundo hoje

está fortemente imergido, estarão presentes no futuro, como também a completa incapacidade

humana de solucionar esses problemas devido à falta de instrumentos (naturais) para tanto. O

problema toma uma dimensão maior, porque parte dos efeitos vai à base da solução dessas

questões (o Clima, a Terra é a nossa casa, o lugar onde desenvolvemos nossa civilização. Sem

ela, não há porque argumentar sobre a solução de problemas “menores” como a pobreza). É

preciso avançar para um novo desenrolar da economia, uma nova forma de orientar a produção

do capital, a utilização dos insumos, a circularidade da utilização dos produtos e, finalmente, o

128 DALY, Herman E. FARLEY Joshua. Ecological economics: principles and applications. Washington DC. 2004 129 ALIER, Joan Martínez. Ecologismo dos Pobres. Tradução Maurício Waldman. São Paulo: Contexto. 2007. p. 42. As previsões formuladas através dos cálculos indicados pela curva, contudo, indicam um estacionamento da emissão de CO₂ no momento em que populações mais pobres atingem o grau ótimo de suas economias, saindo da pobreza e ali encontram estabilidade. Contudo, a estabilidade não deverá ser vista como forma de justificar o crescimento desmedido, porque ela poderá sim representar a impossibilidade de se retornar em níveis sustentáveis de emissão, como é percebido nos países mais desenvolvidos.

93

descarte, utilizando-se, assim, soluções de longo prazo, exigindo um esforço de todos para um

capitalismo mais limpo, através do desenvolvimento de melhores tecnologias, melhor

(re)utilização dos rejeitos, a certificação de produtos ambientalmente sustentáveis, dentre

outros aspetos. O processo precisa ser revisto e, como já dissemos, somente ocorrerá com uma

mudança estrutural paradigmática social e econômica. Essa também é a posição de Cechin e

Veiga posto afirmarem

“A abordagem economicista na análise da questão das mudanças

climáticas considera que os serviços prestados pela natureza à agricultura, como o

clima equilibrado, poderiam ser ‘substituídos’ sem prejuízo ao processo

econômico. Tais serviços incluem as funções de regulação do clima e manutenção

dos ciclos biogeoquímicos fundamentais para vida. Apenas de fundamentais, são

serviços gratuitos, muito dificilmente passíveis de precificação ou titularidade e,

pior, insubstituíveis.

(...) algum dia a continuidade do desenvolvimento humano exigirá que

a produção material se estabilize e depois decresça. Em vez de o desenvolvimento

depender de crescimento econômico – como nos últimos mil anos – ele passará a

requerer o inverso, o decrescimento.”130

Pensamento semelhante é encontrado nos ensinamentos trazidos por Machado,

Suslick e Ferreira, para eles “uma nova abordagem de desenvolvimento implica uma percepção

diferente da relação entre sociedade e natureza. É uma mudança para uma nova visão do

mundo que exige uma transformação de valores. (...) necessitamos de soluções

socioeconômicas inovadoras guiadas por políticas ambientais.”131

A contrapartida ao conceito de externalidade ambiental negativa pode ser

encontrada no conceito de “ecoeficiência” sendo esta entendida como “o fornecimento de bens

e serviços a preços competitivos que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade

e vida, ao mesmo tempo em que reduz progressivamente o impacto ambiental e o consumo de

recursos ao longo do ciclo de vida, a um nível mínimo, equivalente à capacidade de

sustentação estimada da Terra.”132

130 Idem p. 40-45. 131SUSLICK, Saul B. et All. Recursos Minerais e Sustentabilidade. São Paulo: Ed. Komedi. 2005. p. 127. 132 Idem p. 134.

94

A grande questão agora é: como resolver o problema da internalização das

externalidades ambientais negativas, especialmente em relação ao assunto Aquecimento Global,

já que muitos dos seus efeitos, além de se apresentarem no momento presente, também se

perpetuarão no momento futuro. Em razão disso, Georgescu-Roegen acreditava ser improvável

a possibilidade da internalização das externalidades ambientais.

Suslick e outros trazem os elementos para se alcançar esse grau melhor de

desenvolvimento da economia, os quais seriam: “redução do consumo de materiais com bens e

serviços, redução do consumo de energia com bens e serviços; redução da dispersão de

substâncias tóxicas; intensificação da reciclagem de materiais; maximização do uso

sustentável de recursos renováveis; prolongamento da durabilidade dos produtos; agregação

de valor aos bens e serviços; internalização de todos os custos ambientais, indicando à

sociedade o real valor dos bens e serviços e; aplicação de instrumentos de incentivo financeiro,

motivando a preservação e restauração ambiental.”133

Ainda no conceito de ecoeficiência, será interessante ponderar que, se a distribuição

ecológica134, os custos ambientais forem levados em consideração no processo de produção

(considerando tanto a fase inicial – extração - quanto a final – descarte), uma nova perspectiva

se abrirá no processo decisório da exploração dos recursos (onde explorar; com quais

instrumentos tecnológicos; onde realizar a destinação final dos recursos; a velocidade com que

ocorrerá o processo de produção, inclusão no mercado e renovação dos estoques dos

consumidores; dentre muitos outros aspectos). Isso porque, segundo Martínez Alier “a

distribuição precede as decisões da produção”135 compelindo o agente econômico a tomar

medidas mais producentes para o seu ‘negócio’ e “então, as decisões relativas à produção na

nossa economia seriam outras, dependendo em boa parte do preço associado a essas

externalidades.”136

O grande desafio para a nossa atualidade talvez seja a valorização do meio

ambiente, dos danos a ele causados pelos processos capitalistas e, mais além, a quem caberá

essa valoração e inclusão nesse processo econômico, entrando aqui a discussão do uso do poder.

A provocação talvez exista pela incerteza em relação à possibilidade de valoração.

Valorar o meio ambiente, na forma como este fora concebido neste trabalho, seria,

aproximadamente, a valoração da vida. Por isso, e por todas as teses pesquisadas até o presente

133 Idem p. 134. 134 Expressão utilizada por Joan Martínez Alier 135 ALIER, Joan Martínez. Ecologismo dos Pobres. Tradução: Maurício Waldman. São Paulo: Contexto. 2007. p. 51 136 Idem p. 52.

95

momento no desenvolvimento deste trabalho, entendemos impossível a valoração do meio

ambiente justamente por conta do argumento trazido por Georgescu-Roegen, há uma clara

incerteza sobre os efeitos produzidos no futuro e, não há como mensurar o valor da

biodiversidade porque a mesma não é medida somente em termos monetários, há mais valores

agregados a, por exemplo, uma floresta. Como mensurar o valor monetário da destruição da

Floresta Amazônica para o Mundo? É possível tentar, mas nos parece que todas as tentativas

mostrar-se-ão por meios artificiosos. Talvez, não seja possível incorporar as externalidades nos

preços, contudo, seja possível encontrarmos “preços ecologicamente corrigidos que levem em

conta as externalidades ambientais.”137

A pequena crítica que se faz não possui o tom de indicar a impossibilidade de se

aplicar políticas públicas em prol do meio ambiente. Isso seria negar o nosso próprio trabalho

de mestrado! Neste ponto, concordamos com Alier quando diz

“Entendo perfeitamente que, uma vez posto um limite às emissões

contaminantes ou à produção desde fora da economia, limite determinado a partir

de um debate científico político, o modo de fazer retroceder a contaminação a este

limite deva ser através de instrumentos econômicos como impostos pigouvianos,

transações coasianas, mercados de licenças de contaminação (...)”138

Não obstante nossas observações sobre as questões apresentadas, o presente

trabalho de mestrado não busca a solução completa da problemática apresentada (seria

necessário muito mais do que um subtítulo para o desenvolvimento do tema). Contudo, a partir

da identificação de um grave problema (o exaurimento, o mau uso dos recursos os quais geram

impactos negativos no Clima) buscaremos apresentar nos tópicos seguintes uma das possíveis

soluções para iniciar um processo da quebra do paradigma econômico atual, rumo ao caminho

a que se pretende chegar – a boa relação entre o homem e natureza.

5. 2 O PLANO DA MINERAÇÃO 2030 E OS ÍNDICES DE REDUÇÃO E EMISSÃO DE GEE

No Brasil, o setor Mineral possui potencial como um grande alicerce das questões

ambientais climáticas, seja porque apresenta uma importante fatia no PIB nacional (ressalte-se

que cerca de 136% do saldo total do comércio exterior brasileiro está interligado ao setor da

137 Alier, Joan Martinez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. p. 178 138 Idem p. 68.

96

mineração139, sendo 55 minerais comercializados no Brasil), seja porque o setor apresenta a

marca de mais de um milhão de empregos regulares diretos, ou ainda porque suas etapas

(geologia, exploração e transformação) constituem parte de várias outras cadeias produtivas,

ramificando-se em outros campos da economia brasileira e internacional140. Considerando as

relações internacionais, de igual modo, o Brasil apresenta importante posição no mercado, o

que poderá ser observado no quadro abaixo 141 , facilitando a influência do setor para o

implemento de soluções plausíveis rumo à sustentabilidade ambiental e redução das emissões

de GEE. Tanto em nível nacional quanto internacional, é possível verificar a alta relevância do

setor por representar a base da cadeia produtiva geradora de padrões de consumo de toda a

sociedade, como também a utilização de vários minerais para a produção de maior eficiência

energética dos equipamentos e a produção de energia limpa.

Quadro 4 – Comparativo mundial de produção mineral

 

IRÃ

REINO UNIDO

ITÁLIAMÉXICO

CANADÁ

AUSTRÁLIA

NIGÉRIA

BANGLADESH

TURQUIA

JAPÃO

CORÉIA DO SUL

FRANÇA

ALEMANHA

INDONÉSIA

ÍNDIA

RÚSSIA

EUA

CHINA

BRASIL

Países com área maior que 3

milhões de km²

Países com PIB (PPC) maior que US$ 800 bilhões

Países com população maior que 140 milhões

de habitantes

BRASIL NO MUNDO (2008)

FONTE: FMI

Em 2008, o PIB minerário atingiu a casa dos US$ 69 bilhões, o que representa

4,2% do PIB nacional, sendo 1,1% referente à mineração e 3,1% à transformação mineral. O

Valor da Produção Mineral (VPM) também poderá ser apresentado como um importante

indicador. Entre 1999 e 2004, passou por um período de estagnação, retomando fôlego até

139 Fonte IBRAM – www.ibram.org.br 140 Fonte: http://www.mme.gov.br/sgm/galerias/arquivos/plano_duo_decenal/Plano_Nacional_de_Mineraxo_2030___Consulta_Publica_10_NOV.pdf. Acesso em 20.01.2014 141 Idem

97

2008, quando atingiu a casa dos US$26 bilhões. Em 2008, com a crise econômica mundial, o

setor apresentou uma perda significativa na participação desses dois indicadores (PIB e VPM).

No ano de 2013, de acordo com os índices apontados pelo IBRAM, houve uma retomada do

setor, especialmente em relação ao minério de ferro e, pela primeira vez em três anos, a visão

sobre o mercado deixa a neutralidade para passar a ser otimista142, indicando um verdadeiro

crescimento do setor. Os dados apresentados pelo setor mineral demonstram uma previsão

sobre aumento de produção diante da crescente demanda, tanto no âmbito interno quanto

internacional, o que, por outro lado, demandará maiores cuidados com o Meio Ambiente, já que

a atividade, por sua própria natureza, apresenta altos níveis de degradação ambiental.

Tendo como parâmetro a importância desses dados, o Plano Nacional da Mineração

2030 traça a elaboração de diretrizes básicas para que o setor realmente cumpra seu papel para

o desenvolvimento de uma economia sustentável nos próximos vinte anos (até o ano de 2030).

São diretrizes básicas:

1 - governança pública eficaz para promover o uso dos bens minerais extraídos no

País no interesse nacional;

2 - agregação de valor e adensamento de conhecimento em todas as etapas do setor

mineral;

3 - sustentabilidade em todas as etapas da cadeia produtiva mineral.

Como se observa do quadro abaixo143 a problemática do Aquecimento Global faz

parte da agenda de preocupações do Plano, visto que a redução de Gás Carbônico está incluída

como uma meta para a produção sustentável. Ademais, é importante observar o texto trazido

em todos os projetos de Lei sobre o Novo Marco Regulatório da Mineração, os quais trazem

como objetivo da atividade a sustentabilidade ambiental. Embora não sejam específicos no

assunto “Mudanças Climáticas”, não há dúvidas de que todo o mecanismo ruma à proteção do

Clima.

142 Fonte: http://www.ibram.org.br/ acesso em 21 de janeiro de 2014. 143 Fonte: http://www.mme.gov.br/sgm/galerias/arquivos/plano_duo_decenal/Plano_Nacional_de_Mineraxo_2030___Consulta_Publica_10_NOV.pdf. Acesso em 20.01.2014

98

Quadro 5 – Plano Nacional de Mineração - escopos

 

Como bem afirma o documento do PNM “alcançar o estágio de um Brasil

sustentável exige que o setor mineral se alinhe às diretrizes nacionais de longo prazo, entre as

quais : i) elevação do nível de emprego e renda; ii) diminuição da dependência do comércio

exterior em relação às flutuações dos preços internacionais dos bens primários; e iii)

manutenção de taxas de crescimento do PIB crescentes e mais estáveis”, significando dizer

que, de certo modo, o conceito de externalidades também é abarcado pelo PNM.

Em relação ao tema Mudanças Climáticas, há que se reconhecer certa instabilidade

internacional em relação não só ao Protocolo de Quioto, mas também em relação à COP 15

(Conferência de Copenhague), gerando certo descontento por parte do setor econômico (não só

mineral) na medida em que recursos financeiros devem ser despendidos para atender aos

tratados internacionais. Não obstante o cenário nada animador, diversos países, dentre eles o

Brasil, firmaram seus compromissos ambientais voluntários em prol do Clima. Deste modo,

tendo em vista o conteúdo existente na Lei Nacional n. 12.187/2009, o PNM abarca as

questões.

No ano de 2010, o IBRAM iniciou o levantamento de todos os dados referentes ao

quantitativo de emissões de GEE do setor minerário, sendo selecionadas as empresas mais

significativas na produção de cada setor específico dos bens minerais escolhidos para análise.

Foram analisados 90% da produção mineral em termos de valor referente aos10 bens minerais

99

analisados. Os inventários realizados utilizaram a metodologia apresentada pelos órgãos

técnicos de assessoramento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças

Climáticas.

Um outro levantamento realizado pelo Governo Federal brasileiro concluiu que a

indústria minerária brasileira responde por cerca de 7,3% da emissão de Gases de Efeito Estufa

(Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de GEE 144 ), podendo ser

considerado como um baixo emissor no contexto nacional. A Siderurgia, metalurgia dos

minérios não ferrosos, ferros-liga, cimento e cerâmica apresentam maior intensidade em

energia e na emissão do Gás Carbônico, devendo este setor estar bem preparado para atender ao

cumprimento da PNMC. Diante da magnitude da participação desses subsetores minerários,

tanto o Estado quanto o próprio setor privado deverão estar atentos às metas de redução e à

política de incentivos, uma vez que a Lei de PNMC traz a previsão de redução entre 36,1% a

38,9% projetada até 2020.

Importante ferramenta a ser utilizada para a consecução das metas propostas é o

Plano Setorial de Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima na Mineração, o qual apresenta a

metodologia e cálculo das emissões atuais, os cenários futuros e as possíveis ações a serem

desenvolvidas para o futuro. O plano setorial utilizou como base o Plano Nacional de

Mineração 2030 e o Inventário de GEE do Setor Mineral do IBRAM.

Como se observa no desenvolvimento do trabalho até aqui, a construção de padrões

sustentáveis do desenvolvimento econômico brasileiro, não apenas pelo setor minerário,

reduzindo as emissões de GEE (dentre muitos outros aspectos atrelados ao assunto Mudanças

Climáticas) é uma tarefa sobremodo complexa. O projeto não pode visar o curto prazo e deve

introduzir metas a toda a sociedade sob uma nova perspectiva ética de forma a reduzir as nossas

“pegadas” sobre a Terra. Manter padrões sustentáveis, especialmente na mineração, significa

repensar o planejamento de toda a sociedade e responder a questões básicas: De que forma

iremos viver? Quando precisamos realmente de um recurso? Qual a qualidade da vida que

desejamos e a que preço? Essas perguntas não passaram despercebidas por Stone145 e ele ainda

traz o alerta sobre a necessidade de encararmos a problemática como algo sério e real, longe

144 Ministério de Minas e Energia – MME - Plano Nacional Mineração 2030. p. 61 145 “What is it within us that gives us this need not just to satisfy basic biological wants, but to extend our wills over things, to object-ify them, to make them ours, to manipulate them, to keep them ate a psychic distance?” STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objects. Tioga Pub Co. 1998What p. 48

100

das fantasias do “Mundo Encantado”.

5.3 – A IMPORTÂNCIA DO ESTADO COMO AGENTE INTERMEDIADOR DOS CONFLITOS EXISTENTES ENTRE O DESENVOLVIMENTO E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. RUMO A UMA POLÍTICA PÚBLICA SUSTENTÁVEL

Foi dito até o momento do presente trabalho a importância do equilíbrio do meio

ambiente para a sobrevivência da raça humana. Nesse sentido, não será difícil perceber que a

Natureza tem um valor através de nós, e também por ela mesma e, por isso mesmo, não

podemos impor despoticamente o nosso próprio modus vivendi aos processos naturais já

existentes, posto produzirem desordem e desequilíbrio. De outro lado, também não é possível

impor uma sociedade de crescimento zero, porque também representará um ambiente de

intranquilidade. Será, então, necessário encontrar equilíbrio para que se possam equacionar as

duas necessidades vitais humanas, enquanto nosso sistema econômico tiver por base o capital e

o consumo. Encontrar o ponto em que a sociedade se desenvolva com baixa entropia e, por

consequência, com baixa emissão de gases de efeito estufa, é (ou deve ser) o principal desafio a

ser enfrentado por todos nós.

Lamentavelmente, o atual modelo capitalista mundial, de per si, não permite a

incorporação dos custos ambientas (o uso do meio ambiente) no processo de produção,

refletindo o fato de que os preços (considerados como baratos) gerem processos produtivos

altamente poluentes e estimuladores do processo do Aquecimento Global. A problemática não

passou despercebida por Giddens ao afirmar que “na economia, o valor é estimado em termos

de preços ou de bem-estar, sendo este último estreitamente definido como benefício material.

Na teoria verde do valor, em contraste, o que torna algo valioso é ele ter sido criado por

processos naturais, e não por seres humanos.” 146 Essas falhas geram um custo o qual é, na

grande maioria das vezes, assumido pela sociedade (poluição, necessidade de reparação dos

danos ambientais pelo Estado etc.). O grande contrassenso do capitalismo está justamente no

fato de promover, ao mesmo tempo, riquezas sociais à custa da degradação ambiental, a qual,

conduzida em níveis insustentáveis, traz consigo indignidade ao ser humano.

Na linguagem econômica, as externalidades negativas são sempre vistas como

custos com difícil quantificação e, pior, a solução do problema significaria encarecimento do

146 Giddens, Anthony. p. 64

101

seu produto/serviço o qual perde, em algum nível, poder competitivo no mercado, gerando

desinteresse do empreendedor em reduzi-las. A questão se agrava quando o assunto se refere às

Mudanças Climáticas, porque a redução de emissão dos GEE implica, também, a

implementação de novas tecnologias e aporte de capital. Para nós, no presente trabalho,

diminuir externalidade ambiental significa adotar políticas sustentáveis no mercado como um

todo, de forma a estimular tanto os agentes econômicos, quanto os consumidores a adotarem

práticas de baixo carbono.

A questão a ser respondida é: considerando os mandamentos constitucionais a

respeito do Meio Ambiente e Ordem Econômica, qual será o papel do Estado para a

implementação de uma economia de baixo carbono? Qual o elemento jurídico poderá ser

utilizado pelo Estado para o fomento das práticas sustentáveis? A respeito do tema, nunca será

demais lembrar os ensinamentos de Giddens quando afirma

“É claramente importante tomarmos cuidado com o uso do

aquecimento global como um modo de legitimar sub-repticiamente

outros interesses (...) Todavia, é vital que a política de mudança

climática transcenda essas divisões (direita x esquerda), tanto quanto

possível, e sobreviva às mudanças de governo nos sistemas

democráticos.”147

O amparo jurídico para a atuação do Estado brasileiro está disposto no art. 170 da

Constituição da República, quando o legislador internalizou a proteção ao meio ambiente como

princípio norteador da atividade econômica, abrindo a possibilidade de se utilizar instrumentos

econômicos nas políticas públicas ambientais, em acréscimo aos tradicionais sistemas de

comando e controle. O texto constitucional é expresso ao dizer que haverá “tratamento

diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de

elaboração e prestação”.

São inúmeras as ferramentas passíveis de utilização para a efetivação do conceito

de sustentabilidade e, nesses termos a função tributária pode ser considerada para a finalidade

de se buscar a efetivação da sustentabilidade ambiental e, por consequência, estimular o

(re)nascimento de uma economia de baixo carbono.

147 Idem p. 61

102

Na matéria de Mudanças Climáticas, o art. 6º, in. VI, da Lei nacional n.

12.187/2009 consagra as “medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a redução das

emissões e remoção de gases de efeitos estufa” como um dos instrumentos da Política Nacional

de Mudanças do Clima, confirmando no próprio texto positivado o que vínhamos afirmando até

o momento. Os estudos produzidos pelo IPCC apresentam a necessidade de haverá a redução

dos GEE na atmosfera para abaixo de 450 partes por milhão e, neste ponto, não há que se falar

somente em precaução mas também na certeza dos riscos que um mercado insustentável poderá

apresentar para a humanidade e para o Planeta.

O Estado, como detentor do monopólio da força (inclusive através da elaboração do

arcabouço jurídico) e da elaboração das políticas públicas não poderá imiscuir-se na importante

tarefa de gerir tais questões, bem como mirar seus olhos em todos os campos da problemática

apresentada. No ramo do Direito, a discussão acerca da problemática extrapola os ramos do

Direito Ambiental e Econômico para encontrar pouso no Direito Econômico Ambiental e,

como veremos, também no Direito Tributário Ambiental.

Pontes de Miranda afirma que o Direito compõe um dos sete processos sociais de

adaptação, sendo os outros a Arte, a Religião, a Política, a Economia, a Moral e a Ciência, o

que nos permite concluir ser o Direito uma representação do mundo fenomênico, a

representação de ideais, sentimentos, enfim, dos fatos sociais, da realidade posta148. Se assim o

é, o Direito deverá ter, por imposição, refletir-se e renovar-se, como na autopoiese sugerida

pelo jus filósofo brasileiro Willis Santiago Guerra Filho até mesmo porque, na teoria

Tridimensional do Direito de Reale “a norma jurídica (...) assinala o momento de integração

de uma classe de fatos segundo uma ordem de valores, e não pode ser compreendida sem

referência a esses dois fatores.”149 Já afirmava Pontes “pelo trato teórico e prático, as regras

jurídicas são objeto de pensamento e momentos da vida”.150 Assim, sob essa perspectiva, o

Direito, como um processo cultural, possui a função de caracterizar uma determinada

sociedade151, demonstrando seus valores, interesses e preferências.

Direito é linguagem própria traduzida, cujos fundamentos são justamente os fatos

sociais. Em muitos momentos, como se pode perceber até o presente momento do trabalho, a

linguagem ambientalista e econômica não é compatível ou porque seus fins são diferentes, ou

porque, em sendo convergentes, não conseguem comunicar-se adequadamente, sendo

148 HARBERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estúdios previos. Madrid: Ed Cátedra, 1984. 149 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 26ed. revista. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 104. 150 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I. Rio de Janeiro: Borroi. 1954. p. 08. 151 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Bauru: Edipro. 2001.

103

necessária, então, a intervenção do Direito como agente mediador. No que atine às

externalidades ambientais Podemos representar a aparente incompatibilidade de linguagens da

seguinte forma:

Ambientalista Economia

Externalidade Ambiental Dano a ser reparado Custo adicional – aumento do

valor do produto

Geral Uma imposição à não

evitabilidade da reparação

Uma necessidade de evitar o

problema ou escondê-lo

gerando um risco

desconhecido

Na maioria das vezes, nota-se uma disparidade grande entre os fins e meios

adotados por ambos os ramos sendo necessário encontrar o meio para a compatibilização das

linguagens, inclusive no campo do Direito cuja proposição primeira de suas normas será a

disciplina das condutas humanas entre si e em relação ao meio que o circunda. Isso porque o

risco provocado pela atividade econômica impede que “as fronteiras do legal/ilegal coincidam

com as fronteiras da certeza/incerteza, o que nos permite dizer que o direito pode não gerar

confiança na sociedade”152, só o fazendo quando o Direito for utilizado devidamente como um

instrumento de alteração comportamental. E, neste ponto, surge o seguinte questionamento: A

função reguladora e sancionatória do Direito seria suficiente para trazer a convergência entre as

duas pontas de discussão ou seria exigido um esforço um pouco maior por parte desse ramo da

ciência? Deixamos para o próximo item a tentativa de resposta.

5.4 – TEORIA DO DIREITO PREMIAL

Em seu livro Teoria Pura do Direito, Kelsen afirma ser a sanção a gênese do Direito,

seu elemento essencial, na qual norma e sanção possuem uma relação indissociável o que, por

esse mecanismo, o distingue dos demais ramos das ciências sociais:

“É, por isso, de rejeitar uma definição do Direito que o não determine

como ordem de coação, especialmente porque só através da assunção do elemento

coação no conceito de Direito este pode ser distintamente separado de toda e

152 GARCIA, Maria da Glória F. P. D. idem p. 05.

104

qualquer outra ordem social, e porque, com o elemento coação, se toma por

critério um fato sumamente significativo para o conhecimento das relações sociais

e altamente característico das ordens sociais a que chamamos Direito; (...) já que

este é essencialmente uma ordem de coação e uma ordem de coação centralizadora

e limitada no seu domínio territorial de validade.”153

Nesta linha argumentativa, as normas jurídicas seriam compostas, necessariamente,

por sanções e, em seu conteúdo, estaria disposta certa ameaça de sanção, atos de ameaçar154

exercidos pelo próprio Estado através da utilização do seu Poder.

A posição de Kelsen, embora importante ao estudo do Direito, reduz o seu papel, na

medida em que não contempla a diversidade de espécies normativas que a compõe, nem tão

pouco, abarca o conteúdo psicológico das normas em relação aos destinatários, especialmente

no que toca ao atendimento espontâneo da norma jurídica.

Nesse sentido, Miguel Reale afirma que “(...) se a coação fosse um elemento

essencial do Direito, não haveria nenhuma norma jurídica que, por sua vez, não estivesse

subordinada a outra norma dotada de coação.” 155 Desse modo, o discurso normativo

estabelece-se de inúmeras formas, dentre as quais a ameaça de sanção é uma delas, mas não a

única.

Outra forma do exercício do discurso normativo é justamente o poder (estatal) que

se tem em motivar outros a assumir uma postura comportamental, previamente decidida pela

autoridade estimuladora. No mesmo viés, Bobbio afirma que “o direito permite apenas quando,

ao mesmo tempo, comanda”156, porque a função prescritiva, aquela própria da linguagem do

Direito, consiste, além de dar comandos, também em influenciar comportamento alheio e

modificá-lo.

A experiência tem demonstrado que a lógica da aplicação isolada dos Princípios do

Poluidor Pagador e Usuário Pagador (política de comando e controle), impondo elevadas

multas e demais ônus como forma de desestímulo, não tem conseguido atingir o fim último

colimado – diminuição das emissões de GEE e preservação ambiental. Atualmente, já se tem

certeza de que este modelo de política, embora contenha significativos interesses, também

proporciona pontos nevrálgicos, dentre eles: o controle deverá ser exercido pelo próprio Estado,

sendo, portanto necessário investimento em toda a logística fiscalizatória; cria um ambiente

153 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução João Batista Machado. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes. 1987. p. 58 154 Tercio Sampaio Ferraz Jr. 155 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 1986. p. 680. 156 BOBBIO, Norberto. Idem. p 126.

105

propício à estimulação da corrupção; as normas de comando e controle são estatais, pouco

incentivando melhorias tecnológicas.157

Será na teoria do jurista de Turim, na obra “Da Estrutura à função: Novos estudos

de Teoria do Direito”, o exato local onde encontraremos os subsídios para pensar na função

promocional do Direito, através de uma releitura do conceito de sanção, de forma a conferir o

devido lugar de destaque aos princípios ambientais da Precaução e Prevenção quando da

elaboração de políticas públicas tributárias e econômico-financeiras.

Uma revisão acerca das funções do Direito, especialmente do Direito Tributário, é

de extrema importância quando se está diante da sociedade pós-moderna, altamente fluida,

onde as relações interpessoais são ágeis e difusas. O fenômeno jurídico não poderá ser visto

somente pelo seu aspecto sancionatório, sob pena de reduzir-se a importante missão do Estado

consistente em induzir condutas, valendo-se também do aspecto psicológico de cada

destinatário da norma. Como afirma Miguel Reale “a astúcia do Direito consiste em valer-se

do veneno da força para impedir que ela triunfe”, podendo o próprio Estado valer-se de uma

postura ativa para estimular a prática de ações de reais vantagens ao Clima, ao invés de

desfavorecer condutas nocivas por meio de sanções tradicionais.

A visão funcional premial do Direito auxilia-nos a vê-lo como um sistema aberto

para o meio, que desenvolve uma linguagem e, através da interação comunicacional (por isso

aberto ao meio) é capaz de processar e conceituar os dados advindos da realidade social e, a

comunicação do sistema jurídico com o meio será tão eficaz quanto for a sua capacidade de

fazer-se compreender. Estamos, então, falando do Direito Promocional. Em Luhman, o Direito

poderá ser visto como um sistema imunológico da sociedade, o qual promove “curas” através

da exclusão ou da inclusão, em linguagem jurídica, utiliza-se das sanções positivas ou das

negativas.

Sob este enfoque, o desempenho do Direito altera drasticamente a sua função

desencorajadora, de forma que há uma conjugação das funções repressivo-protetiva e

promocional, em complementaridade, sendo esta última exercida tanto pelo incentivo quanto

pelo prêmio, sendo este uma reação do Estado a uma boa ação do particular e, aquele, um

impulsor a uma boa atitude do particular, conferindo-se o adjetivo “Premial” ao Direito porque

se buscará retribuir o bem com o bem, através de uma atuação proativa. Especificamente nestes

dois mecanismos de promoção é que encontraremos o objetivo da tributação ambiental, no

sentido de fazer convergir as linguagens ambientalista e econômica: o Estado, através de

157 Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p. 8.

106

incentivos (em sentido lato), promoverá ações de seus administrados em prol do meio ambiente

(estimulando as boas práticas e desestimulando as condutas indesejáveis), partindo do

pressuposto de que o comportamento humano é livre e múltiplo para criar boas alternativas na

consecução do fim último estatal o qual é, no nosso caso, o progresso econômico, social e

ambiental sustentável.

Nestes termos, a sanção jurídica é vista como uma atividade predeterminada e

organizada do Estado resultante da necessidade de se organizar a sociedade e trazer a devida

pacificação entre os pares. A sanção que antes poderia ser somente moral, religiosa, passa a ser

institucionalizada através de um processo de garantia do que determina a regra geral. Assim, na

técnica desenvolvida por Bobbio, não somente as sanções intimidativas serão utilizadas, como

também aquelas capazes de influenciar na adesão espontânea pelos administrados,

proporcionando incentivos e vantagens. Sob essa óptica, estaremos diante de sanções penais

(aquelas que atribuem penas pelo descumprimento) e de sanções premiais (oferecem

benefícios), alargando o conceito de sanção.

5.5 – INTERVENÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO NA ECONOMIA. UTILIZAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE MERCADO NA CONSECUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. ECONOMIA VERDE.

A Constituição da República, através da redação do art. 225, trouxe a importante

incumbência ao Estado da defesa e preservação do meio ambiente. O art. 3º, caput e inc. I, da

Política Nacional de Mudanças Climáticas informa que as ações em prol do sistema climático

deverá ser executada pelos entes políticos e pelos órgãos da Administração Pública. Desse

modo, na forma concebida pelo sistema jurídico brasileiro, o Estado poderá e deverá intervir na

economia como forma de orientação do processo econômico na consecução do fim último –

preservação do Clima.

Para esses fins, o art. 170 da Constituição da República firma os propósitos da

Ordem Econômica Brasileira, trazendo como a base a livre iniciativa e a livre concorrência,

privilegiando o sistema capitalista de livre mercado.

Uma breve digressão sobre as formas de intervenção se faz necessária no presente

momento do desenvolvimento do trabalho a fim de desvelar as pré-compreensões subjacentes a

cada afirmação já feita.

O Estado Democrático de Direito é um processo histórico, conquistado após

inúmeras lutas de sangue e dor. Durante a revolução industrial, surge a ideia de que o mercado

107

deveria se autorregular sem a imposição de regras estatais ou com regras minimalistas. Trata-se

do Liberalismo.

Após a derrocada do liberalismo, associada à incapacidade de autorregulação das

relações dos mercados entre si e entre os hipossuficientes, surge uma nova atribuição ao Estado

– a regulação completa. Surge, então, o Estado do Bem-Estar Social, o qual é responsável por

importantes conquistas sociais no sentido de buscar harmonizar as relações mercadológicas

com as necessidades da população/trabalhadores, tentando equilibrar as relações entre os

diversos fatores de produção, harmonizando os direitos do trabalho com os de capital. As

Constituições Mexicanas (1917) e a de Weimar (1919) foram os grandes motes desse período.

Eros Roberto Grau158 informa-nos que, nesse período, “o novo Papel do Estado

passou a ser vigorosamente questionado desde os anos oitenta, na afirmação dos discursos da

desregulação e do neoliberalismo”. O Estado foi transformado no grande vilão dos problemas

econômicos abrolhados à época – inflação, altas taxas de desemprego. Surgem, assim, os

conceitos de neoliberalismo e desregulação, ambos encampados no Brasil pelo Governo

Fernando Henrique Cardoso.

Após o transcorrer dos anos, percebeu-se que tanto uma como outra corrente não

foram suficientes para ajustar o mercado de capitais às necessidades da sociedade. O

neoliberalismo também possui suas facetas, especialmente porque a premissa básica parte do

pressuposto de que “a ideologia mercadológica é produzida em função exclusivamente do

interesse do investidor, que é o de baixar os custos que oneram a empresa (os salários, os

tributos e as cargas sociais)”. 159 Eros Grau critica severamente essa ideologia,

responsabilizando-a por diversas atrocidades ocorridas no mundo. Cita o exemplo da doença

“vaca-louca” iniciada na Inglaterra na década de 90, na qual o Governo Margaret Thatcher,

para economizar 1 bilhão de euros e favorecer as exportações, proibiu-se a vacinação de

animais. Acrescenta, essas medidas próprias de uma agricultura produtivista, é que criaram as

condições da peste, contra a qual somente se pode lutar conforme os métodos arcaicos

aplicados desde a Antiguidade – ou seja, mediante a instauração de rigoroso protecionismo.

Assim, a concepção de intervenção econômica trazida pelo constituinte não se

apresenta segundo a corrente neoliberal, como pretendiam alguns, e, de outro lado, também não

deverá ser intervencionista a ponto de eliminar os seus principais pilares. Trata-se, em verdade

de uma volta ao sistema de freios e contrapesos, ao equilíbrio da ordem econômica.

158 Grau, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. Revista e Atualizada. Malheiros. 2003. p 30 159 Idem

108

Não há dúvidas de que o Estado deva, de fato, atuar especialmente no tocante às

externalidades ambientais negativas. A questão a ser investigada agora será “de que forma

deverá atuar em prol do Clima?”. Muito embora o art. 6º da PNMC traga alguns instrumentos,

entendemos necessárias algumas digressões sobre o tema já que não há pacificação na doutrina

a respeito.

Os bons resultados da atuação do Estado com as externalidades ambientais

negativas, no caso do presente trabalho as emissões de GEE, dependerão do olhar de mundo

dos seus representantes. Uma atuação eficiente não poderá ser míope e desconsiderar os

problemas sociais ao redor, nem muito menos desconsiderar o mercado no qual a problemática

está inserida. Desse modo, qualquer teoria que se apresente deverá ser contextualizada,

“sobretudo porque a proposta básica da economia ambiental, a valorização monetária da

natureza, é artificiosa (não corresponde às forças de mercado, que a emprega necessariamente

como bem livre ou em abundância).” 160

No caso de políticas públicas, a doutrina costumeiramente indica três formas de

atuação estatal: 1- política de comando-controle (regulação direta); 2 – instrumentos

econômicos ou de mercado e, 3 – instrumentos de comunicação. À luz do art. 174 CR O Estado,

quando da intervenção na economia, possui dois caminhos bem claros e distintos a seguir: ora

utiliza mecanismos de direção, ora os de indução.

A primeira delas, a função regulatória e a mais antiga defendida por Kelsen, está

baseada no elemento punitivo do Estado, no seu poder de polícia e, possivelmente, é a forma

menos inteligente de se construir consciências em prol de alteração de condutas. Isso porque o

sistema trabalha com penalizações, pura e simplesmente, e depende de uma forte estrutura do

órgão fiscalizador, o que faz encarecer o custo da estrutura administrativa. A imposição de

multas pesadas contra os poluidores não deve ser vista como o grande vilão, já que muitas

vezes poderá funcionar como instrumento de conscientização, mas, por si só, não é suficiente

porque seu foco não está no acerto, mas sim no erro Nesse sistema. As boas práticas

dificilmente receberão o devido valor161, aspecto importante quando estamos diante de um

sistema de mercado capitalista. O aspecto positivo e importante desse modelo está no fato de

serem fixados procedimentos e regras a serem seguidas pelo setor destinatário, sendo desde

cedo sabido quais os requisitos básicos para o desenvolvimento de uma determinada atividade,

sendo amplamente utilizados para o controle de danos ambientais.

160 Derani, Cristiane. Idem. p. 110. 161 O sistema desconsidera que cada atividade possui o devido custo operacional diferenciado inclusive para a redução da emissão de poluição.

109

O Estado, quando da intervenção na economia, à luz do art. 174 CR, possui dois

caminhos bem claros e distintos a seguir: ora utiliza mecanismos de indução, ora os de direção.

Na função diretiva, comando e controle, o Poder Público vale-se do binômio

permitido/proibido para imposição de normas jurídicas sendo que, no caso do Meio Ambiente,

haverá limitação ao uso dos bens ambientais especialmente pelo uso do licenciamento

ambiental, aplicação de sanções e pela imposição do dever de reparar o dano ambiental

provocado. O campo de abrangência desta função estatal não possui grande espectro de

discricionariedade e, como consequência, não impõe força motivacional suficiente para

mudança de comportamentos.

Os instrumentos de mercado visam à internalização dos custos ambientais no

processo de produção através de uma análise de custo-efetividade e buscam alternativas de

diminuição da poluição a razão de metas estabelecidas e sob o menor custo possível e estão

baseadas em um contexto premial do Direito. Através deles, o Estado maneja os instrumentos

de intervenção, dentre eles o sistema tributário, em favor da consecução de um fim, intervindo

na economia para induzir os agentes econômicos a condutas desejadas e necessárias para um

determinado momento. No campo ambiental, a intervenção do Estado na economia para o grau

máximo de eficiência ambiental não se trata de uma mera escolha política, mas sim de um

mandamento constitucional, sendo o mecanismo tributário um, dentre vários, instrumentos

possíveis de utilização determinados pela Constituição da República brasileira.

A boa implementação desse sistema exigirá que se sigam as seguintes regras:

1 – o Estado assumirá para si a propriedade dos bens ambientais (terra, ar, água);

2- padrões de qualidade das emissões de poluição são fixados através dos modelos

de dispersão com a fixação de metas de abatimento de poluição, até chegar-se a um nível

desejável;

3- instrumentos de indução são utilizados pelo Estado, especialmente o Princípio do

Poluidor Pagador e os Certificados Negociáveis de Poluição. Sobre o Princípio do Poluidor

Pagador, falaremos no tópico específico a respeito da tributação.

4 – ao Estado caberá a parcela de monitoramento das emissões dos agentes, a fim

de verificar as metas estabelecidas. Esse modelo permite a readequação da carga tributária para

um determinado agente econômico segundo a diminuição da sua emissão de poluentes (no caso

emissão de GEE).

O modelo apresentado para a análise custo-efetividade em muito se parece com a

política nacional de recursos hídricos e também com a Política nacional de Mudanças

Climáticas. Contudo, quanto à PNMC alguns problemas precisam ser resolvidos.

110

O primeiro deles, talvez o mais sério, o art. 20 da Constituição da República não

confere qualquer titularidade do Clima ao Estado. Interessante esse detalhe, porque todos os

demais elementos da Terra, inclusive o subsolo, foram atribuídos à titularidade do Estado,

sendo necessária uma proposta de Emenda Constitucional.

A segunda dificuldade está na forma pela qual o Estado monitorará a emissão de

GEE pelos agentes poluidores diante da fixação das metas de redução propostas os planos

setoriais já estabelecidos162. São inúmeros os setores emissores: Indústria (construção civil,

papel e celulose, química e de base, dentre outras), Agropecuária, Transporte, Mineração o que

dificulta o controle mais amiúde e não há, até onde podemos alcançar, qualquer tipo de

imposição de penalidade para aqueles que descumprirem as metas de redução.

Ao que podemos analisar, parece-nos que o Brasil, ao menos no assunto Mudanças

Climáticas, adota, como política ambiental, o “comando e controle” e os instrumentos de

mercado, este em sua forma mais branda. Todavia, nunca será demais dizer que, não obstante o

enorme avanço alcançado pela PNMC, o Brasil ainda tem muito a avançar no quesito

investimento em infraestrutura, serviços urbanos, capacitação da máquina administrativa

(investimentos em tecnologia, em qualificação de pessoal e disponibilidade de recursos

financeiros para pesquisa e outras ações), sem os quais a letra da lei se tornará morta, como

folha jogada ao vento.

Escolhendo por adotar uma ou outra metodologia de política econômica, não há

dúvidas de que a questão climática deverá passar por uma mudança comportamental de todos:

cidadãos, agentes econômicos e Estado. Cabendo a este último a “iniciativa capaz de estimular

ações e difundir orientações sem impor comportamentos, agente de uma mudança que lhe não

pertence porque corresponde a uma liberdade que não detém.”163

De acordo com a OCDE, os instrumentos de mercado, dentre eles o tributário,

apresentam suas vantagens em seis aspectos: ajuste automático por parte dos agentes

poluidores; eficiência quanto à redução dos custos ambientais; incentivos permanentes

provocando permanentes condutas positivas; flexibilidade para ajuste às mudanças factuais;

aumento das receitas públicas; conservação dos recursos naturais. No mesmo sentido podemos

citar a opinião de Giddens164, o qual apregoa a instituição de um binômio “Tecnologia e

162 Os planos setoriais poderão ser encontrados no site http://www.mma.gov.br/clima/politica-nacional-sobre-mudanca-do-clima/planos-setoriais-de-mitigacao-e-adaptacao 163 GARCIA, Maria da Glória F. P. D. O lugar do direito na proteção do ambiente. p. 11. http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/720-1113.pdf acesso em 20 de agosto de 2013. 164 GIDDENS, Anthony. A Política da Mudança Climática. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Zahar. Versão digital.

111

impostos” como portas de entrada de um novo agir estatal, empresarial (corporações comerciais,

financeiras, pequenos e médias empresas, setores industriais e agrícolas) e terceiro setor.

A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Eco 92 ou

Rio 92), especificamente através da “Agenda 21”, através do Capítulo 8, enfatizou a utilização

dos instrumentos de mercado em um contexto de políticas públicas em busca de um

desenvolvimento sustentável, inclusive através de uma reordenação legislativa. Será

interessante também adotar a posição colocada por Derani quando afirma

“É forçoso admitir que toda sua atuação para com a proteção dos recursos

naturais não pode significar um ato isolado, dissociado de avaliações de ordem

cultural, econômica e de capacitação técnica. Nem, muito menos, pode ficar o

problema da internalização dos cursos sociais restrito a decisões administrativas

isoladas.”165 (Derani p. 111)

Em brilhante estudo realizado pela professora Consuelo Yoshida, nota-se a

necessidade da proteção ambiental vir acompanhada pela “integração a políticas e ações no

campo econômico-social”.166 Ainda em sua explanação, a renomada professora afirma que “a

dimensão ambiental deve ser incorporada não apenas às políticas e ações governamentais,

mas também às políticas da iniciativa privada, e com a preocupação voltada para a

implementação do desenvolvimento humano”167 e, sem sombra de qualquer dúvida, a efetiva

proteção ao meio ambiente, no caso do presente trabalho, ao Clima, pode ser realizada através

da implementação de mecanismos que “aliem atrativos econômicos e financeiros às soluções

técnicas.”168

Em um país como o Brasil, uma economia ainda em desenvolvimento e fragilizada

inclusive pelos tentáculos da endêmica corrupção, será necessário contar com algumas cautelas,

como bem indica o estudo desenvolvido por Jean-Philippe Barde, representante da OCDE

(Organização para o Crescimento e Desenvolvimento Econômico), há a necessidade de corrigir

algumas distorções como o pré-requisito para a implantação dos instrumentos de mercado

como medidas de proteção ao Meio Ambiente.169 Os principais objetos de preocupação para a

implantação dos instrumentos econômicos devem ser: a correção das altas taxas de inflação,

165 DERANI, Cristiane. p. 111. 166 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2006. p. 71. 167 Idem. p. 73 168 Idem. p. 73. 169 “Resource and other prices have historically been distorted in such economies, so correcting such distortions is a prerequisite to the effective use of EIs”. Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p. 2.

112

maior ênfase no direito de propriedade, política de controle fiscal efetiva e, por fim, a

implementação da ampla aceitação do Princípio do Poluidor Pagador.170

Buscamos apresentar as técnicas atualmente utilizadas. Contudo, como já

mencionado no presente trabalho, não há dúvidas de que as medidas de estímulos, segundo a

releitura realizada por Bobbio acerca do ordenamento jurídico, será uma excelente opção em

acréscimo às técnicas já apresentadas e será sempre importante lembrar, a política tributária é

apenas um, dentre vários, instrumentos a ser utilizados. Nesse sentido, é desenvolvido o

presente trabalho e, como se observará, o instituto da extrafiscalidade poderá ser muito bem

aproveitado, bem como a criação de um novo regime jurídico tributário para a redução de

emissões de GEE (seja pela substituição da matriz energética, seja pela utilização de novas

tecnologias no aprimoramento da queima de combustíveis fósseis).

É possível também ao Estado valer-se dos instrumentos de comunicação, os quais

refletem uma política pública em prol da educação ambiental, amplamente necessária para a

mudança paradigmática de uma sociedade (empresas e consumidores). Segundo a pesquisa

apontada por Giddens, a preocupação a respeito das questões climáticas não figuram no

primeiro lugar na fila de preocupação da grande maioria da sociedade. Isso porque,

infelizmente, em um país como o Brasil, questões mais emergentes, tais como pobreza, saúde,

educação, criminalidade, drogas, fervilham no caldeirão social. Como falar de sustentabilidade

em uma comunidade que não tem, sequer, serviços de saneamento básico? Como falar em

preservação do clima em uma sociedade que não tem atendido o seu direito básico a uma saúde

digna? Nesse patamar de discussão, fica sobremodo difícil convencer essas pessoas a

adquirirem produtos com baixa emissão de GEE simplesmente porque, hoje, esses produtos são

infinitamente mais caros do que os demais. Eis a grande questão e, talvez, o grande problema a

ser enfrentado e amplamente debatido pelo Estado e pelos ordenadores de políticas públicas

brasileiras.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) ofereceu estudos

e diagnósticos para o estabelecimento de uma economia verde. O Relatório “Rumo a uma

economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza –

uma síntese para tomadas de decisão” traz o conceito de Economia Verde como uma

“economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao

mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica. Em

170 “Requirements for the proper functioning of EIs include: well-defined and enforced property rights, an effective fiscal administration, and broad political acceptance of the polluter-pays-principle.” Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p. 03.

113

outras palavras, uma economia verde pode ser considerada como tendo baixa emissão de

carbono, é eficiente em seu uso de recursos e socialmente inclusiva.”171 Na árdua tentativa de

desfazer o mito acerca da incompatibilidade entre preservação ambiental e crescimento

econômico, o Relatório do PNUMA apresenta evidências fáticas a respeito das oportunidades

existentes nos setores verdes, propiciando a geração de novas oportunidades de empregos,

instituição de novas tecnologias na geração da matriz energética mundial, produção de

alimentos, utilização do solo, dentre muitos outros aspectos. Contudo, lembra o relatório, para

que a nova economia seja instituída, faz-se necessário o momento de transição com a adaptação

paulatina dos modelos de produção mundial e da própria mentalidade dos cidadãos. Outra

importante contribuição trazida pelo PNUMA é a desmistificação de que uma economia verde

seria uma economia de luxo, no sentido pejorativo da palavra. Acreditava-se que somente

países mais ricos poderiam adotar práticas ambientais sustentáveis, estando os países mais

pobres fadados ao insucesso.

Contudo, demonstra o relatório, práticas “verdes” já em utilização em diversos

países são bons exemplos de geração de riqueza compatível com a sustentabilidade. É o caso do

Brasil, citado pelo relatório, na reciclagem de resíduos sólidos. Os dados trazidos pelo relatório

indicam que a gestão e a reciclagem de resíduos empregam mais de 500 mil pessoas no Brasil,

sendo a grande maioria composta por catadores de lixo, os quais, após a edição da Lei Nacional

n. 12.305/2011 passaram da informalidade para a formalidade através da criação das

Associações de Catadores. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela referida lei,

trata ainda da coleta, eliminação final, reciclagem e tratamento do resíduo urbano, encarando-

os não como rejeito, mas sim como um bem de valor econômico passível de reaproveitamento e

geração de riqueza. Nestes termos, convence-nos o relatório, “a reciclagem e a recuperação e

energia derivada dos resíduos são atividades que estão se tornando cada vez mais lucrativas e

devem continuar a ser uma vez que os resíduos desperdiçados tornam-se recursos cada vez

mais valiosos.”172

Outro importante exemplo citado pelo relatório refere-se à instituição de imposto,

pelo governo da África do Sul, sobre sacos plásticos no intuito de, além de reduzir a quantidade

de geração desse resíduo também gerar uma receita orçamentária ao Estado.

171 PNUMA: Relatório “Rumo a uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza – uma síntese para tomadas de decisão” 2011. Fonte: http://www.pnuma.org.br/admin/publicacoes/texto/1101-GREENECONOMY-synthesis_PT_online.pdf. Acesso em 10 de março de 2014. 172 Idem p. 18.

114

Em relação à produção de energia, o Quênia introduziu tarifas diferenciadas de

alimentação de rede, similares à fixação de preços diferenciais. A tributação visa estimular a

produção de energia através da utilização de fontes como o vento, biomassas, pequenas centrais

hidrelétricas, energia geotérmica, biogás e energia solar. O exemplo tem sido considerado

como de sucesso e vem sido seguido por mais de 30 países desenvolvidos e em 17 países em

desenvolvimento, segundo os dados apresentados pelo PNUMA.173

5.6– OS PRINCÍPIOS BÁSICOS AMBIENTAIS PARA UTILIZAÇÃO DE MECANISMOS TRIBUTÁRIOS EM MATÉRIA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA ESTRUTURA PROMOCIONAL DO DIREITO

5.6.1– Os Princípios Ambientais da Precaução e Prevenção

O risco ambiental, especialmente quando se refere a mudanças do clima, difere-se

dos demais em razão do espectro de atuação o que coloca em risco não só um grupo de pessoas,

como também uma raça (humana e não humana). Por tais motivos, faz-se necessária a

introdução no sistema (tanto no jurídico/administrativo estatal, quanto no empresarial) de

princípios gerais e impositivos a fim de se evitar danos incontroláveis e insolúveis. Eis então os

princípios da precaução e da prevenção. A base desses princípios está alocada na máxima de

que toda a ação humana comporta, de forma mais acentuada ou não, riscos e estes colocam

todos os seres humanos no mesmo pé de igualdade de perigo174. Nesse sentido, o Princípio 2 da

Carta da Terra, avisa-nos sobre a necessidade de “aceitar que, com o direito de possuir,

administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao meio

ambiente e de proteger os direitos das pessoas”.

O Princípio da Precaução, existente no Direito Alemão desde a década de 1970175,

incorpora valores éticos 176 inerentes aos direitos humanos intergeracionais, responsabilidade

ambiental e desenvolvimento sustentável, voltando-se especialmente ao conhecimento

científico e tecnológico.

173 Ibidem p. 15. 174 Bech, Ulrich. Idem. 175 A doutrina costuma informar o Direito Alemão como o idealizador desse princípio, o qual fora incorporado àquele ordenamento jurídico através do “Ato da Poluição do ar”(1974). 176 Bem como, uma importante discussão sobre a possibilidade ou não da independência da ciência no seu processo de investigação dos fenômenos.

115

Inúmeras definições sobre o Princípio da Precaução foram formuladas a fim de

delimitar o princípio e não confundi-lo com o “medo do desconhecido” e, consequente

paralisação inadvertida de uma atividade humana. A Convenção sobre a Diversidade Biológica

e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima são bem claras ao definir

o Princípio como um dos vetores da cautela no trato das questões ambientais, sendo o mais

conhecido o descrito no Princípio 15, da Declaração da Rio/92:

“De forma a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser

amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando

houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza

científica não de ver utilizada como razão para postergar medidas eficazes e

economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”

De modo semelhante, a Convenção-Quadro, incorporada ao sistema jurídico

brasileiro pelo Decreto n. 2.652/1998, determinou aos países partes a

“adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas das

mudanças do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de

danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada

como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e

medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em

função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo

possível.”

Outra importante definição sobre o Princípio da Precaução é sugerida pela

Comissão Mundial sobre ética da Ciência e da Tecnologia da Unesco (Comest) a qual afirma:

“Quando atividades podem conduzir a dano moralmente inaceitável, que seja

cientificamente plausível, ainda que incerto, devem ser empreendidas ações para evitar ou

diminuir aquele dano. “dano moralmente inaceitável” refere-se a dano para os seres humanos

ou para o ambiente, que seja uma ameaça à vida ou à saúde humanas, ou que seja sério e

efetivamente irreversível, ou injusto com as gerações futuras, ou imposto sem a adequada

consideração dos direitos humanos daqueles afetados. O juízo de plausibilidade deve estar

fundado em análise científica. As análises devem ser contínuas, de modo que as ações

escolhidas sejam submetidas à revisão. “Incerteza” pode aplicar-se, mas não necessita

limitar-se, à causalidade ou aos limites do dano possível. “Ações” são intervenções

empreendidas antes que o dano ocorra que buscam evitar ou diminuir esse dano. Devem-se

escolher ações que sejam proporcionais à seriedade do dano potencial, com consideração de

116

suas consequências positivas e negativas e com uma avaliação tanto da ação como da inação.

A escolha da ação deve ser resultado de um processo participativo.

Em matéria de Aquecimento Global, a Lei de Política Nacional de Mudança do

Clima, em seu artigo 3º, caput, impõe a observância do Princípio da Precaução como vetor das

atividades estatais e particulares no trato do assunto, contudo, não oferece qualquer definição

sobre o mesmo.

Em relação ao risco, parece-nos, o Princípio importa em dois momentos

específicos:

1) a análise do risco em si e;

2) a gestão desse risco.

O primeiro momento implica a análise epistemológica, a qual confrontará o

estudioso com os seguintes elementos: o risco de dano, a certeza e a incerteza sobre se uma

determinada atividade/agente causará um dano ambiental. Aqui o risco será quantificado

através de um conhecimento técnico-científico o qual utilizará métodos indutivos (estatísticos)

com a finalidade de identificar o grau de incerteza atuante. No segundo momento, haverá as

escolhas das linhas de atuação frente às informações adquiridas, assim como determinar-se-á

quais os níveis tolerados do risco. Trata-se, portanto, de uma atuação política, estatal.

O Princípio da Precaução deverá ser aplicado para que o método da investigação

seja adequado e direcionado à análise em relação à produção equilibrada dos danos potenciais

(conhecidos ou não), de como a sociedade (presente e futura) e o meio ambiente poderão lidar

com o risco e, como esse risco reverberará no futuro. Ele impõe que a pesquisa abranja o maior

espectro de possibilidades possíveis em relação ao risco, (mesmo que isso implique certo

“atraso” na implementação de uma determinada conduta), de forma a propiciar melhor domínio

científico sobre a matéria, aplicando a máxima “in dubio pro ambiente”. Não se trata de um

princípio “anticiência”, ao contrário, requer-se que a própria ciência, seja mais cautelosa e

empregue, em sua metodologia, os fatores externos os quais, certamente, poderão influenciar

um determinado resultado. O risco sob análise não é aquele inerente à própria existência

humana, mas sim aqueles incrementados com situações ambientais de ameaça.

A leitura dos conceitos trazidos deixa claro a quem se destina o Princípio da

Precaução: aos Estados, à atividade científica e à atividade empresarial, ou seja, a todos os

atores envolvidos no processo de pesquisa e aplicação dos resultados dessa mesma pesquisa,

apresentando uma trajetória ligada diretamente ao capital, ao mercado e ao progresso

econômico. Desse modo, podemos afirmar, com certa segurança, que o Princípio da Precaução

117

contém forte carga econômica em seu núcleo, interligando os discursos ambientais e

econômicos e direcionando-os ao equilíbrio, longe dos extremismos.

Não existe ciência descompromissada, já afirmavam os cientistas Charles Sanders

Peirce e Thomas Kuhn. Salvo raríssimas exceções, pesquisas científicas ou tecnológicas são

formuladas para um fim específico, implicando a ausência de neutralidade absoluta. Não existe

ciência neutra e pensar de forma contrária é trazer a ingenuidade para dentro dos corredores da

discussão colocada no presente trabalho. Pesquisas precisam do capital para seu financiamento

e esse capital visa um determinado fim o qual, de regra, é o lucro. Laboratórios gastam

milhares de dólares em pesquisas de novas drogas porque querem vender mais. O mercado

agropecuário deseja aumentar sua produção e, por isso, investe pesado na investigação de

novas tecnologias, e assim por diante.

O anseio pelo aumento dos lucros de uma atividade empresarial é próprio do

sistema capitalista no qual o mundo está inserido, não havendo qualquer punição por isso. O

problema surge quando a linguagem mercantil se sobressai frente à necessidade de avaliação

dos riscos e benefícios de uma determinada atividade, contaminando a opinião dos cientistas.

Na sociedade de risco de Bech, as atividades humanas de hoje não são as mesmas das épocas

medievais e esse “desenvolvimento” deverá ser levado em consideração de modo a afastar a

“canibalização econômica dos riscos”.177

Muitos criticam o princípio sob o argumento do mesmo possibilitar a paralisação

das atividades econômicas, desestimulando a procura de novas técnicas para melhoria das

condições de vida, mas em estímulo à cautela e à irracionalidade. Esse argumento deverá ser

afastado e, novamente diga-se, especialmente quando a atividade influenciar diretamente o

Clima (local ou mundial). Leme Machado178, citando Aristóteles em Ética a Nicômacos, indica

a necessidade de se investigar e ter cautela quando das deliberações, afirma “é preciso executar

rapidamente, mas deliberar lentamente”. A reflexão aprimorada sobre determinadas técnicas e

descobertas científicas deverá ser imposta a todos e, não há dúvidas de que, muitas vezes, essa

reflexão no contexto da lógica mercadológica poderá implicar “perda” de tempo179, o qual

deverá ser suportado por quem investe na pesquisa, a não ser que essas mesmas empresas

177 Bech, Ulrich. Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ed. São Paulo: Editora 34 178 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19 ed. Rev. atual. Ampl. São Paulo: Malheiros. 2011. p. 90 179 Poderá implicar a substituição de uma tecnologia por outra, desinteresse posterior pelos consumidores.

118

queiram realizar um seguro para cobrir as despesas de danos porventura ocasionados180 no

futuro ao meio ambiente e a pessoas humanas.

De outro lado, o Princípio da Precaução também se destina ao Estado, o qual,

afastando-se do concubinato entre o público e o privado181, deverá promover políticas públicas

compatíveis com a ponderação ambiental de bens e interesses, incentivando tanto a melhor

análise do risco, através de concessão de incentivos para a pesquisa científica, quanto na

elaboração de políticas em relação à gestão do risco em si. Nesse sentido, temos a aprender

com a professora Consuelo Yoshida:

“O êxito e a efetividade da proteção ambiental depende da adoção e

implementação de políticas e ações que, a par das medidas de desestímulo à

poluição e degradação ambientais, prestigiem, ao mesmo tempo, medidas de

incentivo à prevenção, calcadas em atrativos econômico-financeiros.”182

A tarefa de aplicação da precaução é árdua e, muitas vezes, transforma seus

defensores em verdadeiros “Joãos Batistas pregando no deserto”, mas ela não poderá ser

renunciada, especialmente quando tratamos do assunto “Mudanças Climáticas”.

Por outro lado, o Princípio da Prevenção é aplicado quando há a certeza científica

sobre o dano a ser produzido por uma determinada atividade (risco certo de perigo concreto),

exigindo uma conduta ativa dos agentes envolvidos de forma a reduzir os impactos negativos.

De entendimento menos complexo, a Prevenção importa em medidas de antecipação como

forma de se evitar o dano já conhecido.

A proteção ao Meio Ambiente implica, necessariamente, prevenção. Não ao revés,

o Princípio 17 da Declaração do Rio/92 previu a exigência da avaliação do impacto ambiental:

“Deverá ser empreendida a avaliação de impacto ambiental, em termos de

instrumento nacional, a despeito de qualquer atividade proposta que

provavelmente produza impacto negativo considerável no meio ambiente e que

esteja sujeita à decisão de uma autoridade nacional competente.”

Embora não se refira diretamente ao assunto das Mudanças Climáticas, Leme

Machado183 traz uma importante contribuição ao afirmar que o Princípio implica a execução de,

no mínimo, doze itens:

180 Nesses casos, pode-se pensar em reparar o dano monetariamente, mas nunca em recompor o meio ambiente ao status quo. 181 DUPAS, Gilberto. Tensões contemporâneas entre o público e o privado. São Paulo: Paz e Terra. 2003. 182 Yoshida, Consuelo Yatsuda Moromizato. A efetividade e a eficiência ambiental dos instrumentos econômico-financeiros e tributários. Ênfase na prevenção. A Utilização econômica dos bens ambientais e suas implicações. In Direito Tributário Ambiental Heleno Taveira Torres (org.) São Paulo: Malheiros. 2005. p. 533. 183 Idem. p. 99.

119

“1) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território,

quanto à conservação da natureza; 2) identificação das fontes contaminantes da

água e do ar, quanto ao controle da poluição; 3) identificação e inventário dos

ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 4) planejamento ambiental

e econômico integrados; 5) ordenamento territorial ambiental para a valorização

das áreas de acordo com a sua aptidão; 6) Estudo de Impacto Ambiental; 7)

prestação de informações contínuas e completas; 8) emprego de novas tecnologias;

9) autorização ou licenciamento ambiental; 10) monitoramento; 11) inspeção e

auditoria ambientais; 12) sanções administrativas ou judiciais.”

A visão do festejado autor traz a lume a necessidade de se integrar a visão

ambientalista ao nicho econômico e vice-versa, tal qual como mencionado quando tratamos das

externalidades econômicas negativas. Os planejamentos ambiental e econômico devem ser

elaborados conjuntamente de forma que haja a contabilização do custo da preservação

ambiental a qual gerará, possivelmente, mais custos financeiros. Nesse ponto, o Princípio está

destinado não só à Administração Pública, como também ao setor privado a quem, também,

compete a proteção do Meio Ambiente e a cooperação para com a redução de GEE.

A Política Nacional de Mudanças Climáticas, art. 3º caput, incorporou o Princípio

no trato das questões do clima, sem, contudo, estabelecer um conceito básico. Na forma

estabelecida pelo Princípio 8 da Declaração da Rio/92, “os Estados devem reduzir e eliminar

os padrões insustentáveis de produção”.

Tal qual o Princípio da Precaução, a prevenção também se destina ao Estado de

forma a orientar a formulação de políticas públicas em prol do meio ambiente e,

consequentemente, em prol do Clima, implicando, neste caso, desde fomento à pesquisa para

desenvolvimento de tecnologias mais limpas até a concessão de “medidas fiscais e tributárias

destinadas a estimular a redução de emissões e remoção de gases de efeito estufa”184.

5.6.2 - Princípio do Poluidor-pagador e da Cooperação

O processo econômico, por sua própria natureza, implica graus de poluição e

degradação ambiental criando as figuras do poluidor-pagador. A Lei 6.938/81, Art. 4º, inc. VII,

que estabelece como um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente “a imposição,

184 Art. 6º, inc. VI da PNCM

120

ao poluidor, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da

contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. O próprio nome do

princípio (pagador) traz a indicação do seu teor econômico, indicando competir aos causadores

da poluição o dever em pagar um valor proporcional aos danos provocados e suportados por

toda a coletividade.

O conceito também vem expresso no Princípio n. 16 da Declaração do Rio,

consagrando, em verdade, a internalização dos custos externos da atividade poluidora:

“Princípio 16 – as autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a

internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo

em conta o critério de que o causador da contaminação deveria, por princípio,

arcar com os seus respectivos custos de reabilitação, considerando o interesse

público, e sem distorcer o comércio e as inversões internacionais.” (Grifo nosso)

A premissa básica está contida no fato de que os recursos naturais são bens de

titularidade difusa, bens de todos e, portanto, a sua utilização e consequente enriquecimento

deverão ser devidamente contabilizados e pagos por aquele que aufere lucro sobre rastros de

poluição. Desse modo, não se trata de aplicação de penalidade porque o princípio pressupõe a

licitude de uma determinada conduta econômica, sendo a ilicitude ambiental tratada em outro

nível.

O Princípio contém forte carga econômica e está diretamente relacionado ao escopo

do desenvolvimento sustentável e à internalização das externalidades ambientais, na medida em

que visa o grau ótimo de utilização de um bem ambiental e a devida conservação do mesmo.

Contudo, como adverte Derani, “o princípio do poluidor-pagador não está em eliminar o efeito

negativo, ele está inscrito na lógica do ótimo de Pareto, exigindo uma ponderação, uma

espécie de avaliação de custo e benefício econômico.”185 Não se trata, por certo, de uma

internalização total do preço ambiental, até mesmo porque, como já mencionamos, o feito seria

quase impossível, mas sim de “sinais de preços”186 como refletores do custo ambiental.

O espectro de abrangência do poluidor-pagador é sobremodo amplo e poderá

indicar a mudança paradigmática na política tradicional. Isso porque, se bem aplicado, o

princípio poderá fazer com que o poluidor, ao ser identificado e responsabilizado no universo

185 Derani, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad. 2007 p. 131. 186 Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies.

121

da poluição, busque afastamento de um custo ambiental pela redução da poluição gerada por

sua atividade. Nesse sentido, trazemos o pensamento de Giddens:

“Embora o princípio do ‘poluidor-pagador’ tenha limites práticos, ele é um fio

condutor que introduz a mudança climática na esfera da política ortodoxa. É um

princípio de justiça que não só respalda o da responsabilidade diferenciada dos

países desenvolvidos e em desenvolvimento na resposta à mudança climática, como

também proporciona o meio para que essa responsabilidade seja transformada em

lei. O fato de ele trazer incentivos para a modificação do comportamento também é

de suma importância.”187

A delimitação do conceito de poluidor-pagador, em matéria de Aquecimento

Global, implica em uma escolha política e deverá indicar, em princípio, quais os agentes

econômicos emissores dos GEE daí a importância da formulação e análise dos planos setoriais.

Há quem diga que o princípio implicará o repasse do custo ambiental ao

consumidor final, o que não deixa de ser verdadeiro. Outrossim, dependendo do nível

concorrencial, por intermédio deste Princípio poderão as empresas buscar a eficiência

ambiental, restringindo a poluição por intermédio do aprimoramento tecnológico contínuo, com

diminuição das perdas durante o seu processo de produção. Todavia, nenhuma medida adotada

pelo setor privado será possível e exequível concretamente sem que tenha, como pano de

fundo, as políticas públicas econômico-financeiras, sendo a tributação um dos importantes

instrumentos possíveis de utilização pelo estado.

Destarte, interessante notar que o Princípio do Poluidor Pagador é apenas um

princípio, sendo que a sua implementação deverá ser realizada por meio de instrumentos de

políticas públicas (regulação e normas efetivas), sob a dura pena de encontrarmos apenas mais

um belo dizer dentro do mar dos problemas ambientais brasileiros.

5.6.3 - Princípios erigidos pela ECO 92 e seus reflexos na legislação brasileira e na PNMC

A necessidade de implementação de uma tributação ambientalmente direcionada

restou demonstrada, ao menos no contexto mundial, na Conferência da ONU realizada no Rio

187 Giddens, Anthony. Idem. p. 78

122

de Janeiro, no ano de 1992 (ECO 92, RIO/92), a qual poderá ser claramente utilizada para os

fins da redução dos GEE, a declaração oferece os seguintes critérios:

1. Eficiência ambiental, ou seja, a imposição tributária deve efetivamente

conduzir a resultados positivos sob a óptica ambiental;

2. Eficiência econômica, sendo o tributo de baixo impacto, embora com o

potencial de orientar o comportamento do contribuinte a condutas

inovadoras para o bem estar ambiental;

3. Administração barata e simples, sem a oneração para a máquina

administrativa;

4. Ausência de efeitos nocivos ao comércio e à competitividade.

Em relação ao primeiro vetor, não há grandes digressões, já que o fim último da

tributação ambiental é justamente a eficiência ambiental. Contudo, importante ressaltar, a

avaliação prática deste critério tem se mostrado sobremodo complexa, merecendo análise

interdisciplinar e minuciosa.

Em relação ao segundo (eficiência econômica) e quarto (ausência de efeitos

nocivos) critérios, temos algumas considerações a trazer. Uma má interpretação do que venha a

ser baixo impacto poderá trazer distorções, porque é certo que uma tributação sob o enfoque

extrafiscal irá trazer algum tipo de ônus aos setores invocados e, de forma indireta, oferecerá

intervenção no mundo econômico.

A exemplo, cita-se a característica da seletividade no IPI quando ocorre a sua

incidência sob produtos derivados do tabaco, aumentando o preço do produto em mais de 50%.

O fim a ser perseguido é, justamente, que o produtor retire do seu processo de produção o

mundo marrom, adequando ao mundo verde, porque justamente a carga tributária daquele lado

mostra-se onerosa. O mesmo pensamento é aplicado ao consumidor: consumir produtos verdes

porque são efetivamente mais baratos.

A diferença entre o “verde e marrom” deve sim representar um elemento de peso na

escolha do empresário e do consumidor, caso contrário, não haveria motivos para a pesquisa

em tela. A intervenção do Estado no domínio econômico é permitida pela Constituição da

República à luz do seu art. 170, contudo ela deverá pautar seus instrumentos à luz de uma

política mínima de intervenção visando, sempre, revigorar a livre concorrência e a livre

iniciativa, ambas visando a proteção do meio ambiente. Sendo assim, será imperioso notar que

o baixo impacto que se espera deverá ser acompanhado da proporcionalidade colocada na

123

balança juntamente com a “geração de recursos ambientais e/ou a orientação do

comportamento do contribuinte a adotar uma conduta ecologicamente correta.”188

5.7 – EXTRAFISCALIDADE E SUA APLICAÇÃO NA POLÍTICA PREMIAL NO SETOR DE MINERAÇÃO.

5.7.1 – A extrafiscalidade ambiental como instrumento de mercado segundo a estrutura promocional do Direito

As estratégias de mercado na regulação dos níveis de poluição têm sido

amplamente utilizadas em substituição aos métodos tradicionais de controle, na medida em que

se mostram menos onerosas para a máquina pública e também não produzem o efeito mais

importante, a mudança de paradigma comportamental da sociedade.

A tributação ambiental traz uma importante discussão político-jurídica acerca da

escolha a ser realizada pelo gestor para fomentar a proteção ambiental e, no nosso caso, a

regulação das atividades emissoras de GEE, se por intermédio de novos tributos ou por

benefícios fiscais. Seja uma ou outra escolha a ser feita pelo gestor público, é bom ter sempre

em mente que a tributação como instrumento de mercado oferece sinais positivos para uma

modificação comportamental e, o mais importante, sem retirar a escolha dos agentes

econômicos pelas ações mais vantajosas. Não há dúvidas de que há uma indução ao que se

pretende, mas jamais uma coerção.

A primeira forma de atuação, a criação de novos tributos com finalidade ambiental

ficará adstrita às delimitações constitucionais já estabelecidas, tanto em relação às espécies

tributárias quanto em relação aos princípios coligidos na Carta constitucional. Desse modo,

somente poderá ser exercido pela competência tributária residual da União, não podendo estes

ser cumulativos e com hipóteses de incidência e base de cálculo iguais aos tributos já

delineados constitucionalmente.

Esses tributos devem ser “orientados por uma nova lógica, em que a simples

satisfação do apetite estatal é insuficiente para justificar a imposição tributária. Não se trata

apenas de tributar, mas de tributar racionalmente”.189

188 COSTA, Regina Helena Costa. In: Direito Tributário Ambiental. (org.) Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 316. 189 FERRAZ, Roberto. Tributação Ambientalmente orientada e as espécies tributárias no Brasil. In: Direito Tributário Ambiental. (org) Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros. 2005. p.342.

124

A doutrina mais abalizada tende a distinguir os tributos ambientais em “tributos

ambientais em sentido amplo” e “tributos ambientais em sentido estrito”. Os primeiros

possuem finalidade arrecadatória com traços ecológicos. Os segundos internalizam em sua

estrutura o impacto causado no meio ambiente, incentivando atividades que permitam a

consecução de um fim ambiental almejado. Os segundos são criados por uma nova formulação

de tributos (além do conceito tradicional: base de cálculo, sujeito passivo, base de cálculo e

alíquota), enquanto aos primeiros é incluída uma cor ecológica à sua estrutura, através de

introdução de elementos ambientais à estrutura dos tributos ordinários. Ambos podem coexistir

perfeitamente. Contudo, dada à complexidade de uma sociedade, de um sistema econômico,

sozinhos, tem-se notado a pouca contribuição para a mudança necessária e pretendida. Isso

porque, em particular, o atual sistema tributário brasileiro traz um duplo dividendo à sociedade

porque contém ausências de mecanismos de facilitação e de sanções positivas premiais,

incentivando as condutas anteriormente descritas. Por tais motivos, este trabalho de mestrado

não se destina ao estudo dos novos tributos (tributos ambientais estrito senso), mas sim na

utilização dos já existentes segundo as regras da extrafiscalidade.

Não será demais dizer que a tributação ambiental deverá ser utilizada como uma

norma de caráter positivo, ou seja, não com um caráter sancionatório no sentido de punir

condutas ilícitas, mas sim de regular as atividade lícitas e estimular o seu aprimoramento, até

mesmo porque, o conceito trazido pelo art. 3º do CTN exclui o tributo como forma de sanção

estatal. Deste modo, como se verá adiante, ao se permitir que os tributos “verdes” privilegiem

as atividades menos poluidoras, indiretamente, aqueles que não se adequarem ao “novo”

sistema sofrerão, em certa medida, com cargas tributárias mais altas, o que não implica

necessariamente uma penalidade, mas sim o uso de ferramentas para o novo sistema que se

pretende instalar, conciliando os instrumentos tributários a uma finalidade ambiental.

Mas qual seria o foco desse novo mecanismo? Responde Daly em recente entrevista

concedida ao Scientific American Brasil190: “Um governo preocupado com o uso mais eficiente

de recursos naturais mudaria o alvo de seus impostos. Em vez de taxar a renda auferida por

trabalhadores e empresas (o valor adicionado), tributaria o fluxo produtivo (aquele ao qual é

adicionado valor), de preferência no ponto em que os recursos são apropriados da biosfera, o

ponto de "extração" da Natureza.” Muito embora a visão de Daly esteja voltada à criação de

190 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/sustentabilidade_em_um_mundo_lotado.html. Acesso em 13.04.2013.

125

novos tributos191, poderá ser utilizada para o remanejamento dos tributos já existentes, na

medida em que acerta o foco para o desenvolvimento de uma política tributária séria e

comprometida com as causas climáticas.

Ora, se um dos grandes problemas da atualidade é justamente o aumento das

emissões de CO₂, então, não será demais dizer que a taxação deverá incidir sobre o processo

produtivo gerador do problema (industrialização e consumo), de forma a desestimular condutas

contrárias ilegítimas e não o trabalho em si.

Por outro lado, a tributação com fins ambientais não poderá introduzir distorções no

sistema econômico de forma a impor obstáculos para a livre concorrência e o crescimento de

economias. Poderá, isso sim, servir como uma limitação ao desenvolvimento de atividades

“marrons”. Sempre se deve ter em mente os dizeres de Alier:

“Um ecoimposto não significa que saibamos dar um valor atual

ecologicamente correto, que internalize as externalidades futuras e

incertas. Um imposto é simplesmente um instrumento técnico (...) que

busca uma redução de emissões.”192

No mesmo viés, é necessário se considerar algumas dificuldades existentes quanto à

taxação dos mercados “marrons”, posto que a taxação dos produtos inelásticos poderia

demonstrar-se ineficiente na medida em que, invariavelmente, o mercado repassaria os preços

aos consumidores, em nada alterando o modo de produção 193 . Porém, é uma hipótese a ser

testada, se a taxação também ocorrer no consumo, haverá a possibilidade dos consumidores

repensarem sua conduta gerando uma demanda no sistema mercantil e, como o efeito dominó,

reverter a necessidade de adequação das empresas. Assim, sugerimos, o consumo poderá

funcionar como um grande aliado do Poder Público na consecução do fim colimado no presente

trabalho. A lógica apresentada não deixa de conter um fundo utilitarista, podendo este

argumento servir como dura crítica ao sistema proposto, mas não se deve desconsiderar o fato

de que, o próprio capital, por sua natureza, é eminentemente utilitarista. A visão apresentada

191 A proposta de tributação foi formulada por Herman Daly e encaminhada à OPEP – Organização dos Países produtores de petróleo - em 2001 e considerada pelo presidente do Equador, Rafael Correa, em 2007, quando, então, ganha o nome de “ecoimposto Daly-Correa”. O imposto possui sua base de cálculo no valor das exportações de petróleo e este associado às emissões de CO₂. Desse modo, segundo a formulação, visa-se a internalização da emissão do custo do carbono desde a sua fonte – extração do petróleo. O valor advindo da arrecadação seria destinado ao “Fundo Mundial de Desenvolvimento Sustentável”. 192 ALIER, Juan Martinez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. São Paulo: Contexto 2007. p. 173 193 SHOUERI, Luis Eduardo. In: Direito Tributário Ambiental. Org. Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros 2005.

126

contém cunho humanista, na lógica do capitalismo humanista apresentado no capítulo anterior,

para que, nos dizeres de Sayeg, possamos “descortinar outra disciplina de ordem econômica (e

tributária) capitalista, baseada na concretização multidimensional dos direitos humanos com

vistas à satisfação universal da dignidade da pessoa humana”,194 através da existência de um

meio ambiente digno e devidamente equilibrado.

Uma questão a ser pensada quando tratamos de tributação ambiental, diz respeito à

proibição de vinculação das receitas tributárias a qualquer tipo de despesa (art. 167, inc. IV CR).

Com essa disposição expressa, mesmo que um imposto contenha em seu conteúdo (base de

cálculo) a questão ambiental, a renda auferida não poderá estar diretamente interligada à

reparação do dano ambiental (realização de políticas públicas na forma erigida pela PNMC), o

que não ocorre com as contribuições e taxas.

Diante da conceituação apresentada nas linhas acima (tributo em sentido estrito e

tributo com finalidade ambiental), o sistema tributário constitucional brasileiro somente

permite a instituição de impostos com finalidade ambiental e, para Giddens “os impostos sobre

recursos naturais devem ficar tão perto quanto possível do ponto de produção, a fim de serem

aplicados a todos os aspectos relevantes dos processos de fabricação”195

Se, por um lado, a criação de novos tributos poderia gerar o aumento da receita

estatal, por outro, a sua instituição oneraria ainda mais a carga tributária suportada pelos

contribuintes brasileiros, sem que esses recursos possam ser diretamente aplicados no fim

primeiro quando da sua instituição – à causa ambiental. Por tais motivos, pensamos, sem a

possibilidade constitucional de vinculação das receitas decorrentes dos tributos ambientais, a

criação de novas espécies estaria afastada prima facie de uma reforma tributária séria e

comprometida com a causa verde. Em outras palavras, a reforma tributária deverá contemplar

tanto a possibilidade de criação de novos tributos, não só aqueles decorrentes de competência

residual, mas também deverá prever a destinação dos recursos ao Meio Ambiente.

É importante realçar que o custo ambiental é real, ou seja, os gastos realizados tanto

pelo Estado quanto pela iniciativa privada para conter ou minorar os efeitos da Mudança do

Clima são reais e sentidos diretamente no bolso de cada brasileiro. Lembrando os termos,

estamos tratando das externalidades ambientais negativas. Pois bem, se uma reforma tributária

ambiental não fizer com que este custo seja refletido no preço, dificilmente haveremos de

encontrar decisões empresariais em prol do Clima. Nesse sentido, encontramos a opinião de

194 SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011. p.156 195 GIDDENS, Anthony. Idem. p. 156.

127

Jenkins e Lamech quando afirmam que “incentivos de mercado (dentre eles os instrumentos

fiscais) auxiliam nos recursos econômicos porque as decisões conscientes acerca das escolhas

de reflexos ambientais são feitas através dos preços”196. Veja que não se trata de punir as

empresas ou consumidores porque suas práticas são poluidoras, mas sim incentivar a busca

pelo incremento de suas tecnologias a fim de reduzirem suas emissões desestimulando a

utilização irracional do recurso ambiental e, quanto aos consumidores, a escolha por produtos

mais “limpos”.

De outro lado, a doutrina tem visto os benefícios como uma forma moderada de

intervenção do Estado na ordem econômica. O Relatório do PNUMA acerca da Economia

Verde aponta a utilização dos instrumentos tributários como um dos elementos para se atingir a

proposta da economia verde, internalizado o custo ambiental ao preço dos bens ou serviços.

Importante exemplo citado pelo relatório vem do Governo Alemão, o qual aumentou

gradativamente os impostos sobre combustíveis e eletricidade com matriz em hidrocarbonetos.

Em 2010, o governo estimou que a receita proveniente do imposto gerou um efeito na redução

sobre os custos trabalhistas não salariais, gerando cerca de 250 mil postos de trabalho em

período integral (porque a receita fora diretamente utilizada na redução de encargos não

salariais) e na redução em 3% das emissões de CO2.

A estrutura escolhida para o desenvolvimento do presente trabalho não nos

encaminhou para a dissertação sobre todos os mecanismos tributários em prol do Clima, por

esta razão, no próximo tópico, trataremos apenas da função extrafiscal do tributo.

5.7.2 -. O plano setorial da Mineração e a tributação extrafiscal em prol do Clima

Outra forma de utilização do tributo, que não a meramente arrecadatória, dá-se

quando o próprio Estado, valendo-se da sua função regulatória, permite-se imiscuir-se na

atividade dos mercados para a direção, fomento de alguns fins necessários para aquele

momento político, de forma a incentivar iniciativas positivas e desestimular as nocivas à

coletividade. Tem-se, portanto, o tributo com finalidade extrafiscal. Nesse sentido, Paulo de

Barros Carvalho leciona “consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-

tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente

196 JEKINS, Glenn e LAMECH Ranjit. Green Taxes and Incentive Policies. An International Perspective. EUA: Harvard School. 1994. P XIII. Tradução livre para “The use of MBIs saves economic resources because decision makers are made aware, through prices, of the environmental implications of their choices.”

128

arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia

deixar se ser aquele próprio das exações tributárias.”197

O doutrinador brasileiro Roque Carrazza, em nota de rodapé, traz o conceito de

extrafiscalidade:

“Por meio de incentivos fiscais, a pessoa política tributante estimula os

contribuintes a fazerem algo que a ordem jurídica considera

conveniente, interessante ou oportuno (p. ex., instalar indústrias em

região carente do País). Este objetivo é alcançado por intermédio da

diminuição ou, até, da supressão da carga tributária. Os incentivos

fiscais manifestam-se sob a forma quer de imunidade (v.g., imunidade

de ICMS às exportações de produtos industrializados), quer isenções

tributárias (p.ex., isenção de IPI sobre as vendas de óculos).

(...)

Já que aqui estamos, a extrafiscaldiade também se manifesta por meio

de desestímulos fiscais, que induzem os contribuintes a não assumirem

condutas que, embora lícitas, são havidas por impróprias, sob os

aspectos político, econômico ou social. Este objetivo é alcançado por

meio da exacerbação da carga tributária, respeitados, evidentemente, o

estatuto do contribuinte. ”198

A leitura constitucional nos leva à conclusão de que a extrafiscalidade constitui não

apenas uma opção do Estado, mas também uma exigência maior para a consecução dos fins

colimados na Carta Magna. Nesse sentido, o tributo com finalidade extrafiscal não poderá ser

utilizado como um instrumento de intervenção na ordem econômica, cabíveis nos casos

elencados pela Constituição da República. Para o caso de políticas de redução de GEE, “o

governo deve atuar no sentido de reduzir as ‘externalidades negativas’ - as situações em que

os custos ambientais não são introduzidos no mercado -, a fim de que os mercados possam

trabalhar em prol dos fins ambientais.”199.

Não obstante a viabilidade de utilização do sistema, muitos autores criticam

veementemente a instituição de incentivos fiscais, seja por tratar-se de dirigismo fiscal, seja

197 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12 ed. Rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 229. 198 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional. 20 ed. Rev. Ampl. e atual. Até EC n. 44/2004. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 783. 199 Giddens, Anthony. p. 100

129

pelo protecionismo a determinados setores da economia, seja até mesmo em razão da corrupção,

fato endêmico no Brasil. Nesse sentido, Roberto Ferraz cita duas importantes vozes

desaconselhando a utilização de mecanismos extrafiscais: Fritz Neumark e Joseph Stiglitz. O

primeiro afirma “é obvio que o dirigismo fiscal leva exatamente ao contrário do que postulam

o princípio da transparência e o de segurança; esta é a razão, e não a única, pela qual

numerosos tratadistas e alguns políticos advogam que se substituam as discriminações ou

favorecimentos fiscais, cujos valores e alcance é impossível verificar na maioria dos casos, por

subvenções francas e abertas.”200

Realmente, a articulação desse mecanismo tributário deve ocorrer com toda a

cautela possível, permeada por um amplo debate jurídico e político acerca dos limites possíveis,

dentro do regime constitucional. Contudo, as preocupações trazidas não devem servir de

desestímulo, ao contrário, deverão contribuir para a cautela e o bom uso do instrumento. Nesse

ponto, a atividade extrafiscal deverá vir pautada por ampla justificativa à luz da isonomia,

tomando-se os devidos cuidados para não se criar os famigerados privilégios odiosos.

Introduzir no sistema mecanismos de taxação diferenciada poderá representar melhores

vantagens, tanto administrativas quanto mercadológicas, como bem indica o estudo produzido

pela OCDE.201

Em acréscimo, a Constituição da República, no art. 150, § 6º, inclui o Princípio da

Legalidade na instituição dos benefícios, devendo os mesmos serem criados por meio de

instrumento legislativo, seja em nível federal, estadual ou municipal. Outro ponto a ser

considerado é atinente ao tempo em que os benefícios serão concedidos: são evidentemente

temporários e com objetivos claros, até que se atinja a meta pretendida pelo Estado. Nos anos

de 1970 e 1980, Estados como Brasil, Estados Unidos, França, Alemanha, Inglaterra, Itália,

movidos por uma lógica keynesiana (estado intervencionista), viam os incentivos fiscais como

verdadeiras fontes de desenvolvimento nacional, fato este responsável pela deflagração da

grande crise do Estado Fiscal.

Nesses moldes, a atividade em comento deverá ser muito bem estudada, planejada,

e estruturada, evitando-se desníveis materiais na receita pública, entre os contribuintes e

consequentes injustiças sociais, isso porque a regra em matéria tributária é a aplicação do

200 FERRAZ, Roberto. Incentivos Fiscais – Um enfoque Constitucional. In: Revista de Estudos Tributário. v 5, n 28, Nov./Dez. 2002 . Porto Alegre: Síntese. 2002 201 “Rather than introducing new eco-taxes, existing taxes can be adapted to environmental purposes. Tax differentiation modifies the relative price of products by penalising those that are harmful to the environment. This is tantamount to a product tax approach but relies on the existing tax structure to achieve this objective rather than introducing new taxes or charges.” Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p. 11.

130

princípio da generalidade e universalidade da tributação, sendo os benefícios exceções e como

tais deverão ser tratados.

Não será demais lembrar a visão de Alfredo Augusto Becker em seu Teoria

Geral202, o qual, em tom quase profético, vislumbrou a possibilidade dos tributos virem a

financiar não só os cofres do Estado, como também a propiciar uma verdadeira “revolução

social” na medida em que seja possível a coexistência equilibrada da função fiscal e extrafiscal

dos tributos.

A tributação ambiental tem como escopo a melhoria do meio ambiente e sua base é

constitucional, tanto delineada pelo art. 225, quanto pelo próprio art. 170, inc. VI. Em

acréscimo, a utilização de mecanismos tributários de promoção também encontra eco na

legislação nacional, a saber, no art. 9º, inc. IV da Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio

Ambiente) e no art. 6º, inc. VI da Lei n. 12.187/2009 (Política Nacional de Mudança do Clima),

devendo a política pública estar sempre voltada à redução ou eliminação de GEE do ambiente.

Por outro lado, considerando o conceito de desenvolvimento sustentável utilizado no presente

trabalho, nada obsta a instituição dos benefícios para que, também, haja incremento em política

de educação ambiental, valorização dos habitantes da região com promoção da cultura do

esporte e do lazer, assim como a promoção de condição digna aos trabalhadores.

Em relação à possibilidade de revogação dos benefícios trazidos, há que se

distinguirem as formas como foram instituídas. O art. 178 do Código Tributário Nacional é

taxativo ao afirmar “a isenção, salvo se concedido por prazo certo e em função de

determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo,

observado o disposto no inciso III do art. 104” (Princípio da Anterioridade Tributária). No

mesmo sentido, tem-se a redação do Enunciado da Súmula 544 do Superior Tribunal de Justiça.

Não obstante a espécie citada pelo artigo sejam as “isenções”, não há dúvidas de que a

hermenêutica propicia-nos a extensão dos termos para “benefícios fiscais”, de sorte que

redução de alíquotas, alterações de bases de cálculo e quaisquer outros benefícios estipulados

por prazo certo e sob condições, também poderiam gerar o direito adquirido à fruição do

mesmo. Em relação ao tema, parece não haver dissenso na doutrina e jurisprudência.

A condição a ser estabelecida tem o foco ambiental e, especificamente, voltado para

a redução das emissões de carbono e demais gases de efeito estufa, sendo, portanto, importante

a instituição, pelo Poder Público, de um sistema de controle das atividades para monitoramento

das iniciativas adotadas por cada entidade, através de auditorias ambientais, cujo escopo seria a

202 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3 ed. São Paulo: Lejus. 1998

131

concessão da “certificação ambiental” ou “selo ecológico” tal qual instituído pela Comunidade

Europeia através do Regulamento n. 880/92 de 23 de março de 1992 (ANEXO I).

Notadamente, na área da mineração, o Plano Setorial de Mitigação e Adaptação à

Mudança do Clima na Mineração (Plano de Mineração de baixa emissão de carbono –

Plano MBC), contém importantes dados e, já podem ser considerados como primeiro passo

para o referido monitoramento das atividades, posto conter os seguintes itens:

a) Metas de redução – embora não o faça de forma clara em relação às projeções

realizadas para o ano de 2020, os números de cada programa indicam que a redução de emissão

poderá alcançar cerca de 4,2% até 15,5% das emissões projetadas para 2020.

b) Ações a serem implementadas – dentre as setenta iniciativas de abatimento,

doze foram encolhidas e agrupadas em três programas distintos: i) alteração da fonte energética

utilizada nos processos de produção, com a substituição dos combustíveis de alto teor de

carbono não renovável por combustíveis renováveis; ii) otimização do processo de produção

com a troca dos equipamentos, troca progressiva da frota de caminhões para melhorar o nível

do consumo de combustível; iii) utilização de novas tecnologias na extração, beneficiamento

dos minérios.

c) Definição dos indicadores para monitoramento das atividades, os quais

deverão ser revistos periodicamente. O plano incumbiu ao Ministério das Minas e Energia o

encargo do monitoramento das atividades.

d) Proposta de instrumentos para a regulação e incentivos para a

implementação das atividades necessárias para a redução das emissões. Justamente neste

ponto específico, dos incentivos, está abarcada o nosso objeto de estudo e sobre o qual

passaremos a transcorrer.

Como se sabe, no quesito tecnologias, o Brasil está muito aquém do

desenvolvimento de tecnologias limpas, muito embora sua condição geográfica o favoreça em

relação a muitas nações. Nestes moldes, diante das perspectivas apresentadas pelo Plano MBC,

faz-se necessário fomento efetivo para o desenvolvimento de novas tecnologias, de forma que

as externalidades ambientais negativas possam ser convertidas em externalidades positivas.

Atualmente, as tecnologias utilizadoras de combustíveis fósseis são infinitamente mais baratas

do que as demais, sendo necessário o devido fomento estatal, como bem já assinalou Giddens

quando afirma: “são necessários subsídios para que as novas tecnologias progridam, uma vez

132

que, de início, elas não conseguirão competir com os combustíveis fósseis.”203 Entendemos que

esses subsídios não devem ocorrer somente na forma de abertura de créditos para a aquisição

dessas tecnologias, mas também para o incentivo na pesquisa para o desenvolvimento das

mesmas.

Ainda sobre a questão do incremento de tecnologias devemos considerar a

importante opinião de Alier:

“Portanto, para que uma tecnologia seja viável e possa fazer crescer a economia,

não é suficiente que esteja composta de ‘receitas’ factíveis: é necessário que inclua,

ainda, uma “receita” de captação de energia e entropia do meio ambiente, ou seja,

de captação de energia e materiais que possamos por a nossa disposição.” 204

Na forma do art. 4º, inc. VIII da Lei n. 12.187/2009, a Política Nacional sobre

Mudanças Climáticas deverá visar o estímulo ao desenvolvimento do Mercado Brasileiro de

Redução de Emissões o qual, inicialmente, era realizado pelas Reduções Certificadas de

Carbono – RCE’s e pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Muito embora os referidos

instrumentos tenham caído no esquecimento no plano internacional, não há dúvidas de que, em

nível nacional, poderá haver incentivos para o reaquecimento desse importante instrumento de

controle e redução de emissões através do sistema proposto no presente trabalho.

Em relação ao aspecto comportamental, as atividades empresariais que privilegiem

as reduções de emissões devem ser levadas em consideração quando do estabelecimento dos

tributos, especialmente aqueles atinentes ao processo de produção. A professora Consuelo

Yoshida enfatiza

“A técnica de incentivo atua não só através da resposta favorável ao

comportamento já realizado, ou seja, através da sanção positiva ou

prêmio, mas também através da facilitação, do favorecimento do

comportamento quando ele está por se realizar. No primeiro caso,

incentiva-se intervindo nas consequências do comportamento, no

segundo, intervindo nas modalidades, nas formas, nas condições do

comportamento mesmo.”205

203 idem p. 102 204 ALIER. Economia Ecológica ao Ecologismo popular. p. 61 e 62 205 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A efetividade e a eficiência ambiental dos instrumentos econômico-financeiros e tributários. Ênfase na prevenção. A Utilização econômica dos bens ambientais e suas

133

Com a finalidade de manter a coerência com todo o pensamento esposado até o

momento, há que se responder a um questionamento: qual tratamento jurídico será conferido às

empresas que obtiverem êxito na consecução de suas metas? Essa pergunta possui pertinência

porque, cumpridas as imposições de redução não haveria mais que se falar em manutenção dos

benefícios tributários, o que colocaria o contribuinte “limpo” novamente em relação de

desigualdade em relação ao seu concorrente, voltando-se à situação inicialmente narrada. A

solução para este problema não será difícil se pensarmos que este ramo de contribuintes poderá

ser incluído em um regime jurídico tributário diferenciado, sendo necessário então um novo

estudo para reforma tributária.

Os planos setoriais para redução de emissões, incluindo as metas instituídas, são de

grande valia no auxílio da tarefa, posto que, a finalidade primeira e última dos benefícios

concedidos na forma da PNMC será a redução de emissões de GEE. Deste modo, no momento

em que os setores (ou as empresas de cada setor) vão atingindo suas metas, adequando suas

atividades aos alvos propostos, os incentivos seriam retirados, porém, submetendo essas

empresas a um regime jurídico tributário diferenciado. Como se observa, a tarefa não é fácil e

demanda boa programação a fim de se evitar que empresas já adequadas (e já sem incentivos)

sejam prejudicadas nos preços dos seus produtos quando comparados às empresas ainda em

fase de adequação (as quais ainda recebem incentivos tributários).

Propor um sistema diferenciado disso seria incorrer em uma grande incoerência,

porque a tributação de uma empresa “limpa” ocorreria nos mesmos moldes que seus

concorrentes, digamos, “sujos”, ainda não adequados ao programa proposto. Dizemos isso

porque, na maioria das vezes, empresas “não amigas do meio ambiente” lançam seus produtos

com preços inferiores aos de tecnologia limpa justamente porque não internalizaram ao custo

do produto o preço da preservação, e, como já vimos, essa internalização traz um considerável

aumento ao preço dos produtos ou do serviço. No entanto, se o próprio Estado estimula a

internalização ambiental, através da extrafiscalidade, poderá fazer com que os preços médios

dos produtos e serviços em prol do meio ambiente possam custar menos que os demais, o que,

fatalmente, provocará uma conscientização social a respeito do problema colocado no presente

trabalho, de sorte que cada membro da teia social torne-se um cooperador da cadeia de

produção que traga importantes modificações, funcionamento como um elemento de

retroalimentação do processo de mudança.

implicações. In TORRES, Heleno Taveira. (org). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 539.

134

Para haver melhorias consideráveis, a via de mudança deverá sustentar-se por meio

dos impulsos concedidos pelo Estado (através dos mecanismos de extrafiscalidade), pelos

agentes econômicos (na escolha do processo de produção limpo) e pelos consumidores (na

escolha de produtos e serviços limpos). Na linha desenvolvida por este trabalho e, a partir da

orientação trazida pela Política Nacional de Mudanças Climáticas, há a obrigação primeira, mas

não isolada, do Estado em estabelecer medidas em prol da redução de emissões de GEE.

5.7.3 - Limitações à Extrafiscalidade – Princípios Constitucionais

A relação jurídica tributária está sujeita a diversas diretrizes do ordenamento

jurídico e, dessa maneira, a utilização do instrumento da extrafiscalidade também deverá ser

submetida ao mesmo sistema, notadamente de conteúdo constitucional.

A primeira limitação estaria atrelada ao conceito de competência tributária, ou seja,

somente poderia instituir isenções, redução de alíquotas, dentre outros, aqueles entes

federativos competentes para instituírem determinado tributo. Quanto à competência para

instituir os benefícios, há que se observarem as regras de competência tributária estatuídas pela

Constituição da República, de modo que não será possível que um ente da federação invada o

território tributário de outro ente.

A listagem das limitações à extrafiscalidade consubstancia-se em rol limitado,

porém robustecido diante da importância de não se criar privilégios odiosos, completamente

contrários ao mandamento constitucional. Dessa forma, a doutrina mais abalizada costuma

concentrar as principais limitações nos seguintes princípios: Isonomia, capacidade contributiva

e vedação do confisco.

Em relação ao Princípio da Isonomia, e como bem observado pela professora

Consuelo Yoshida, os aspectos mais importantes a serem observados serão a isonomia formal e

a isonomia material. Sob o aspecto formal, não haverá a possibilidade de se conceder qualquer

critério de discriminação, seja a que pretexto for. Já pelo ângulo da isonomia material

haveremos de nos valer da máxima dita por Ruy Barbosa, ou seja, tratar os desiguais na medida

de sua desigualdade de forma a se atingir a igualdade, isso porque, o fim último do princípio

será sempre estabelecer uma tributação justa, longe dos privilégios odiosos.

Paulo de Barros Carvalho, ponderando sobre a necessidade de se obedecer

justamente ao princípio da legalidade, afirma: “impõe-se, portanto, que as ordenações positivas

135

estabeleçam a possibilidade expressa da concessão de isenções também por interesse público,

abrindo-se deliberada exceção àquela diretriz fundamental”206, isso porque, para o jurista as

isenções com finalidade extrafiscal estarão vinculadas ao princípio da igualdade tributária

quando, e somente quando, concedidas segundo os princípios do interesse público.

O interesse público (e social) será aquele destinado a atender uma real necessidade

social, ambiental etc., e não de um setor específico da economia. No caso objeto de estudo do

presente trabalho – Mudanças Climáticas – o interesse a ser colimado será a redução das

emissões dos GEE e preservação do meio ambiente, ao invés de algum interesse setorial

específico. Por certo que o critério de discriminação não poderá ser arbitrário, ao contrário,

pautado em valores inerentes à ordem econômica ou social ou ambiental.

O Princípio da Capacidade Contributiva está diretamente atrelado ao momento de

instituição dos impostos e, juntamente com o Princípio da isonomia, estabelece o caminho para

o alcance da Justiça Fiscal. Ambos os princípios deverão ser aplicados conjuntamente. O art.

145, §1º da Constituição da República dispõe que “sempre que possível, os impostos terão

caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.” O

comando constitucional nos revela a aplicação do Princípio somente para a espécie tributária

dos impostos, estando as demais afastadas da sua incidência.

A questão a ser debatida é saber se o referido princípio se impõe ou não quando da

tributação com finalidade extrafiscal.

Nas lições de Mizabel Derzi, a extrafiscalidade não fere o princípio da capacidade

contributiva porque

“Nos incentivos fiscais, a pessoa isenta demonstra aptidão maior para

realizar os objetivos da política econômica do País, ou mérito

econômico (ou mérito científico, nas intervenções, por ex.), por isso é

premiada (...) Assim, as pessoas favorecidas por isenções, créditos

presumidos, prêmios e alíquotas diminutas, devolução de tributo pago

etc., são tratadas de uma forma e maneira especial porque são

consideradas da mesma categoria essencial, em razão de sua aptidão

para concretização dos planos econômicos governamentais ou por

206 CARVALHO, Paulo de Barros. O instituto da isenção como instrumento de extrafiscalidade. Projeção: Revista Brasileira de Tributação e Economia. Brasília: Associação Brasileira de Técnicos de Tributação, n. 11 out 1976, p. 32-38.

136

mérito. (...) O que importará registrar é que se o critério da capacidade

econômica nem sempre prevalece na extrafiscalidade, em nenhum caso

poderá haver ofensa à igualdade formal, estando dessa maneira

submetida à regra de regularidade e igual tratamento para seres da

mesma categoria essencial.”207

Sob esse enfoque, o referido princípio será aplicado conquanto que o tributo não

tenha um conteúdo eminentemente arrecadatório, posto que o sujeito passivo da obrigação

tributária deverá poder suportar a exação. A capacidade contributiva, desse modo, trabalha em

favor do contribuinte de modo a estabelecer limites máximos, a linha de atuação do Poder

Estatal a ser estabelecida como forma de contribuição, a qual, para além dos campos da

segurança será tida como confiscatória e, portanto, inconstitucional. Desse modo, não se estaria

afastando o princípio, mas sim o aplicando segundo os ditames da proporcionalidade.

Contudo, bem leciona Fernando Modé 208 , há impossibilidade de se aplicar a

capacidade contributiva a algumas espécies de impostos, especialmente os considerados

indiretos (ICMS e IPI), na medida em que, economicamente, torna-se inviável a aferição (ao

menos genericamente) da capacidade contributiva de cada contribuinte participante do processo

de industrialização e venda dos produtos.

Opinião idêntica é encontrada em CARRAZZA para quem a seletividade, quer no

ICMS, quer no IPI, funciona como medida de instrumentalização diferenciada do Princípio da

Capacidade Contributiva. Isso porque, por tratar-se de impostos largamente utilizados com

finalidade extrafiscal, a essencialidade dos produtos é quem dirá as regras da imposição da

carga econômica, e não a capacidade contributiva do contribuinte. A exemplo, citamos o IPI

incidente sobre o cigarro. A mesma carga tributária na compra do produto é suportada pelos

consumidores de todas as classes sociais, indiferentemente da renda auferida.

O terceiro e último princípio importante ao presente trabalho é o do Não-confisco, o

qual impõe a proibição do excesso de tributação de forma a limitar o exercício da propriedade,

sendo aplicado a todas as espécies tributárias, indistintamente. Mesmo ao internalizar os custos

207 DERZI, Misabel Abreu Machado in BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de tributar. 7 ed. Rev. E compl. À luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional 10/96. aluta. Rio de Janeiro: Forense. 1997. p. 381. 208 MODÉ, Fernando Magalhães. Tributação Ambiental. A função dos Tributos na Proteção do Meio Ambiente. 1ed., 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2005.

137

ambientais, a tributação ambiental não poderá representar, em qualquer hipótese, a invasão na

propriedade ou na renda do contribuinte.

Em acréscimo aos três princípios, será importante ainda notar a relação existente

entre a função extrafiscal e a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar Nacional n.

101/2000. Esta está pautada na administração barata e simples para a Administração Pública é

codificada nos comandos da eficiência (art. 37 da CR).

O aumento de tributos não gera qualquer prejuízo direto à Administração já que

importa em aumento da receita pública. A atenção deverá estar voltada para a redução e a

isenção dos tributos, uma vez que, em princípio, poderia representar uma redução da receita

estatal.

O art. 1º § 1º da LRF assim dispõe:

“A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e

transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de

afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de

metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e

condições no que tange à renúncia de receita.”

A Lei Responsabilidade Fiscal, tão necessária em um Brasil de descasos como o

nosso, é decorrente do austero sistema jurídico neozelandês cujo primado realmente é a

responsabilidade do administrador público para com o erário. Esse encargo impõe a eficiência

da administração, da aplicação dos recursos públicos, com ênfase no controle gerencial. O

Orçamento Público é a “menina dos olhos” da lei em explicação. Para o presente estudo,

importa especificamente a leitura do art. 14, in verbis:

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de

natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar

acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no

exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender

ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das

seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi

considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do

138

art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no

anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período

mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da

elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou

criação de tributo ou contribuição.

§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito

presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de

alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução

discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que

correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício

de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no

inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as

medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3o O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos

I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos

respectivos custos de cobrança.”

Uma fase inicial de leitura do texto poderá concluir uma restrição excessiva à

possibilidade do administrador público conceder incentivos fiscais de qualquer espécie, o que

prejudicaria a aplicação do princípio descrito no inc. VI do art. 170 da CR – defesa do meio

ambiente com tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços

dos processos elaboração e prestação - e, por consequência, inútil seria a previsão descrita no

art. 6º, inc. VI da PNMC: aplicação de medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a

redução da emissões e remoção dos gases de efeito estufa.

139

A despeito de algumas censuras sobre a lei, uma leitura atenta do texto apresentado

demonstrará seu conteúdo completamente compatível com o ordenamento jurídico brasileiro

em vigência e, ainda mais, como uma mão amiga à proteção do Clima.

Um orçamento público e, consequente, a escolha pela majoração ou não dos

tributos é fruto de uma decisão política organizada, a qual deverá avaliar inúmeros aspectos,

fazendo-os constar no referido documento orçamentário, cujas notas são denominadas de

dotações. Em relação políticas do Clima, as dotações específicas para a mudança do clima

deverão necessariamente constar dos orçamentos públicos209.

Veja-se, contudo, que, conforme descrito no § 3o do art. 14 a regra da compensação

orçamentária não se aplica aos impostos incidentes sobre: importação; exportação; renda e

proventos de qualquer natureza; produtos industrializados; operações de crédito, câmbio e

seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários.

Essa nota é importante porque o foco principal da tributação em favor do Clima

será justamente o processo produtivo sob os quais fará incidir os impostos indicados. Todavia,

em relação às contribuições, taxas e impostos de competência estadual e municipal, há que se

observar a obediência ao art. 14.

Em contrapartida, será importante lembrar que a utilização dos instrumentos

econômicos, dentre eles a eco-tributação, tem sido avaliada pela praxis como uma das causas

de aumento da arrecadação fiscal, afastando, deste modo, qualquer indicativo em contrário. Tal

avaliação foi elaborada em países como Dinamarca, Holanda, Suécia, Alemanha, dentre outros

países componentes da OCDE210.

209 Art. 6º, inc. IX da PNMC. 210 “EIs possess a number of intrinsic qualities, of which six are noted here: (...) 5 Revenue raising: Charges, taxes and tradeable permits (when auctioned by public authorities) are source of revenue which can be earmarked for environmental protection or allocated to the general government budget. Pollution tax revenues can be sizeable.” Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p 13

140

CONCLUSÃO

Após meses ininterruptos de estudos debruçados sobre teorias científicas,

filosóficas, economia e o próprio Direito, não será fácil a tarefa de trazer uma resposta

conclusiva à pergunta hipótese de nosso trabalho.

O que buscamos com a elaboração da presente pesquisa, como já dissemos

anteriormente, não foi resposta simples a uma indagação. Muitas outras respostas poderão

surgir ao longo de nossa caminhada acadêmica, como de fato ocorreu. O intento foi buscar uma

hipótese de solução, dentre o mar de muitas outras, para o grande problema encontrado hoje na

atualidade: a falta de seriedade com que os países e os setores econômicos têm tratado as

questões climáticas.

Não foi difícil perceber que, atualmente, o capitalismo tem encontrado rumos

completamente diversos daqueles seguidos pela necessidade de comprometimento do ser

humano para com o Clima. E o culpado não é o próprio capitalismo! Nós, humanidade, somos

responsáveis por fazer do capitalismo esse ser hediondo e voraz. Sendo a base de todo o

desenvolvimento humano, o capitalismo tem ditado suas regras como um tirano implacável,

derrocando o “ser humano” da sua condição de fim para a de meio e, pior, também colocando

todo o ecossistema na mesma condição de meio. Não será demais dizer, essa avidez somente

será vencida após uma retomada da visão do homem para dentro de si, religando a consciência

da sua importância para si próprio e para o seu meio. Conferir personalidade jurídica ao Planeta,

e não só aos seres humanos, é uma medida a ser tomada pelos ordenamentos jurídicos,

especialmente o brasileiro.

Os filósofos Hans Jonas e Peter Singer apresentam, em momentos diferentes, uma

nova proposta ética, para além de Emmanuel Kant, pautada na importância da humanidade “em

conjunto” com os demais seres viventes que o rodeiam. Trata-se de uma ética biocêntrica, a

qual poderá ser acrescida pela filosofia desenvolvida por Ricardo Sayeg e Wagner Balera,

intitulada como o “Capitalismo Humanista”.

Nesse passo, os ensinamentos filosóficos devem ser transportados à realidade social

através do Direito, posto sua força vinculativa. Levando-se em conta que o processo produtivo

gera as suas externalidades negativas, será necessário que este custo ambiental seja introduzido

na linguagem econômica num caráter negativo, mas sim positivo de forma a atrair os olhos dos

investidores para a necessidade de preservação ambiental. Enquanto preservação ambiental

141

significar prejuízo ao mundo empresarial, dificilmente a materialização do conceito

“sustentabilidade” será alcançada.

Os estudos desenvolvidos conduziram-nos ao Direito Premial de Bobbio, na

medida em que foi evidenciada a imprestabilidade das legislações coercitivas para a mudança

de paradigmas. O Direito Tributário, por sua vez, através do instituto da extrafiscalidade,

poderá ser um grande aliado na consecução dessa finalidade, já que incentivos, redução da

carga tributária, isenções poderão ser concedidas a todo o mercado para que alcancem as metas

de redução de emissão de gases de efeito estufa, bem como adotem posturas em prol do Clima,

investindo em tecnologias mais limpas. Para tanto, em conclusão final, sugerimos a formulação

de um processo de certificação ambiental, gerenciado pelo próprio Estado.

Há muito ainda o que evoluir na caminhada humana, contudo, não restam dúvidas

de que algumas medidas devem ser tomadas imediatamente e, o fato de outros países tais como

Estados Unidos, China, não adotarem posturas mais enérgicas, o Brasil é visto como um

importante ator na consecução da finalidade e demonstra ser possível acoplar crescimento

econômico com preservação ambiental, diminuição de emissões de gases de efeito estufa.

Muito embora o pessimismo apodere-se de todo aquele que se dedique os históricos

das tratativas internacionais sobre a Mudança do Clima, nós, brasileiros que não desistimos

nunca, possuímos um arcabouço jurídico valioso, o qual poderá ser incrementado por uma

reforma tributária “verde” pautado na Economia Verde, trazendo uma resposta efusiva aos

demais países e reavivar as conversas sobre o tema. Esse foi o propósito do nosso trabalho e a

conclusão a que chegamos.

142

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ROHDE, Geraldo Mário. Mudanças de paradigma e desenvolvimento sustentado. Em

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Cavalcanti (org.) 4 ed. São Paulo: Cortez. 2003;

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Paulo: Cengage Learning. 2008;

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Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed. revista e atualizada. São

Paulo: Revista dos Tribunais. 2012;

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Tribunais. 2011;

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Constituição Federal de 1988. 3ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004;

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como direito humano tridimensional.

http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/ricardo_hasson_sayeg.pdf;

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Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011;

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São Paulo: Companhia das Letras, 2011;

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Paulo: Malheiros 2005;

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2009;

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Objects. Tioga Pub Co. 1998;

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TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3 Ed., São Paulo: Método, 2011

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 6ed. São Paulo: Atlas. 2006;

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instrumentos econômico-financeiros e tributarias. Ênfase na prevenção. A Utilização

econômica dos bens ambientais e suas implicações. In: Direito Tributário Ambiental Heleno

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147

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instrumentos econômico-financeiros e tributários. Ênfase na prevenção. A Utilização

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econômica dos bens ambientais e suas implicações. In: Direito Tributário Ambiental.

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YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos interesses difusos e coletivos. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2006.

149

ANEXO I

REGULAMENTO (CEE No. 880/92 DO CONSELHO de 23 de Março 1992 relativo a um sistema comunitário de atribuição de rótulo ecológico O CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,

Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Econômica Europeia e, nomeadamente, o seu artigo 130o.S,

Tendo em conta a proposta da Comissão (1),

Tendo em conta o parecer do Parlamento Europeu (2),

Tendo em conta o parecer do Comitê Econômico e Social (3),

Considerando que os objetivos e princípios da política comunitária do ambiente, como definidos nos programas de ação da Comunidade Europeia no domínio do ambiente (4), se destinam, em especial, a evitar, a reduzir e, tanto quanto possível, eliminar a poluição, especialmente na sua origem, e a garantir uma gestão sólida dos recursos em matérias-primas, com base igualmente no princípio do «poluidor-pagador»; que o quarto programa de ação da Comunidade Europeia em matéria de ambiente (1987/1992) (5) salienta a oportunidade de desenvolver uma política orientada para os produtos limpos;

Considerando que o Conselho, na sua resolução de 7 de Maio de 1990 (6), instou a Comissão a apresentar uma proposta, no mais breve prazo, relativa a um sistema comunitário de rotulagem ecológica, que abranja o impacto ambiental durante o ciclo de vida completo do produto;

Considerando que o Parlamento Europeu apoiou, na sua resolução de 19 de Junho de 1987, relativa a uma política de gestão dos resíduos e antigos depósitos de lixo (7), um rótulo ambiental comunitário para produtos ecológicos;

Considerando que existe um interesse crescente do público por informações sobre produtos menos nocivos sob o ponto de vista do ambiente; que certos Estados-membros já possuem um sistema de rotulagem para esses produtos e que diversos outros Estados-membros estão a considerar a criação de tal sistema;

Considerando que um sistema de atribuição de rótulo ecológico para produtos menos nocivos sob o ponto de vista do ambiente concederá destaque a alternativas mais benignas, proporcionando, consequentemente, orientação aos consumidores e utilizadores;

Considerando que tal orientação é susceptível de se concretizar melhor mediante o estabelecimento de critérios uniformes para o sistema de atribuição, aplicáveis em toda a Comunidade;

Considerando que, embora possam continuar a existir esquemas de atribuição independentes, já existentes ou futuros, o objetivo deste regulamento é criar as condições para vir a instituir um único rótulo ecológico eficaz na Comunidade;

Considerando que o sistema de atribuição se baseará num pedido voluntário; que tal abordagem, apoiada nas forças de mercado, contribuirá especialmente para a investigação e desenvolvimento, especialmente de tecnologias menos poluentes, conduzindo assim à inovação;

Considerando que deverão ser garantidas na Comunidade a aplicação uniforme de critérios e a conformidade com os processos;

Considerando que o sistema de atribuição do rótulo ecológico terá em consideração os interesses dos principais grupos envolvidos e deverá por isso prever uma adequada

150

participação desses grupos na definição dos grupos de produtos e dos critérios ecológicos específicos para cada grupo de produtos;

Considerando que os consumidores e as empresas deverão ser corretamente informados pelos meios adequados acerca do sistema da atribuição do rótulo ecológico;

Considerando que esse rótulo deverá servir de complemento a outros sistemas comunitários de rotulagem já existentes ou a criar,

ADOTOU O PRESENTE REGULAMENTO:

Artigo 1o.

Objetivos

O presente regulamento estabelece um sistema comunitário de atribuição de rótulo ecológico destinado a:

- promover a concepção, produção, comercialização e utilização de produtos com um impacto ambiental reduzido durante o seu ciclo de vida completo e

- informar melhor os consumidores sobre o impacto dos produtos no ambiente, sem contudo comprometer a segurança do produto ou dos trabalhadores nem afetar significativamente as qualidades que tornam o produto apto para utilização.

Artigo 2o.

Âmbito de aplicação

O presente regulamento não é aplicável a produtos alimentares, bebidas, nem a produtos farmacêuticos.

Artigo 3o.

Definições

Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

a) «Substâncias», os elementos químicos e seus compostos, tal como definidos no artigo 2o. da Diretiva 67/548/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1967, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas (8);

b) «Preparações», as misturas ou soluções, tal como definidas no artigo 2o. da Diretiva 67/548/CEE;

c) «Categoria de produtos», os produtos que contribuem para fins semelhantes e possuem uma utilização equivalente;

d) «Tempo de vida», o ciclo de vida de um produto, desde o fabrico, incluindo a escolha das matérias-primas, passando pela distribuição, consumo e utilização até à eliminação após uso.

Artigo 4o.

Princípios gerais

1. O rótulo ecológico poderá ser atribuído a produtos que satisfaçam os objetivos definidos no artigo 1o. e que estejam em conformidade com as exigências comunitárias em matéria de saúde, de segurança e de ambiente.

2. O rótulo ecológico não será atribuído em caso algum:

a) A produtos que sejam substâncias ou preparações classificadas perigosas nos termos das Diretivas 67/548/CEE e 88/379/CEE (9).

151

O rótulo pode ser atribuído a produtos que contenham qualquer substância ou preparações classificadas perigosas nos termos das referidas diretivas desde que estes produtos satisfaçam os objetivos do artigo 1o.;

b) A produtos fabricados por processos susceptíveis de prejudicar de forma significativa o ser humano e/ou o ambiente.

3. Os produtos importados pela Comunidade para os quais tenha sido pedida a atribuição do rótulo ecológico nos termos do presente regulamento devem satisfazer pelo menos os mesmos critérios rigorosos aplicáveis aos produtos fabricados na Comunidade.

Artigo 5o.

Categorias de produtos e critérios ecológicos

1. As condições de atribuição do rótulo serão definidas por grupo de produtos.

Os grupos de produtos, os critérios ecológicos específicos para cada grupo e os respectivos prazos de validade são determinados de acordo com o processo estabelecido no artigo 7o., após o processo de consulta previsto no artigo 6o.

2. A Comissão dará início a estes processos a pedido do organismo ou organismos competentes referidos no artigo 9o. ou por sua própria iniciativa. O organismo competente poderá atuar por sua própria iniciativa ou a pedido de uma entidade singular ou coletiva interessada; neste último caso, decidirá da pertinência de tal pedido. Antes de apresentar um pedido à Comissão, o organismo competente efetuará uma consulta adequada às entidades interessadas e informará a Comissão dos respectivos resultados.

3. Cada grupo de produtos será definido de modo a garantir que todos os produtos concorrentes que se destinam a fins semelhantes e têm utilização equivalente sejam incluídos no mesmo grupo.

4. Os critérios ecológicos específicos aplicáveis a cada grupo de produtos serão definidos mediante recurso a uma abordagem em termos de «tempo de vida» baseada no disposto no artigo 1o., nos princípios gerais do artigo 4o. e nos parâmetros do modelo indicativo de avaliação apresentado no anexo I. Os critérios devem ser precisos, claros e objetivos, de modo a assegurar uma aplicação uniforme pelos organismos competentes. Devem garantir um elevado nível de proteção do ambiente, basear-se, na medida do possível, no recurso a tecnologias limpas e, consoante o caso, refletir a conveniência de elevar ao máximo o tempo de vida do produto.

Caso se revele necessário adaptar o modelo indicativo de avaliação ao progresso técnico, essa adaptação deve ser efetuada de acordo com o procedimento estabelecido no artigo 7o.

5. O prazo de validade dos grupos de produtos deve ser aproximadamente de três anos. O prazo de validade dos critérios não pode exceder o prazo de validade do grupo de produtos a que se referem.

Artigo 6o.

Consulta dos grupos de interesses

1. Com vista à definição dos grupos de produtos e dos critérios ecológicos específicos a que se refere o artigo 5o., e antes de apresentar uma proposta ao comitê referido no artigo 7o., a Comissão procederá a uma consulta às principais entidades interessadas, que se reunirão para o efeito numa comissão consultiva. Ao proceder a essa consulta, a Comissão tomará em conta os resultados das consultas nacionais.

2. Deverão tomar parte na comissão consultiva pelo menos os representantes a nível comunitário dos seguintes grupos de interesses:

- indústria (10),

152

- comércio (11),

- organizações de consumidores,

- organizações ambientais.

Cada um destes grupos pode ter, no máximo, três representantes.

Os grupos de interesses que participam nas consultas devem assegurar uma representação adequada consoante os grupos de produtos em causa e tendo em conta a necessidade de garantir a continuidade do trabalho do grupo de consulta.

3. O regulamento interno da comissão consultiva será adotado pela Comissão, em conformidade com o processo previsto no artigo 7o.

4. O prazo atribuído para consulta da comissão consultiva não poderá em caso algum exceder seis semanas.

5. A Comissão comunicará os resultados destas consultas ao comitê referido no artigo 7o. ao mesmo tempo que o projeto de medidas a adotar.

Artigo 7o.

Comitê

1. A Comissão será assistida por um comitê composto por representantes dos Estados-membros e presidido pelo representante da Comissão.

2. O representante da Comissão submeterá à apreciação do comitê um projeto das medidas a adotar. O comitê emitirá o seu parecer sobre esse projeto num prazo que o presidente poderá fixar em função da urgência da questão em causa. O parecer será emitido por maioria, nos termos previstos no n. 2 do artigo 148o. do Tratado, para a adoção das decisões que o Conselho é chamado a tomar sob proposta da Comissão. Nas votações no comitê, os votos dos representantes dos Estados-membros estão sujeitos à ponderação definida no artigo atrás referido. O presidente não participa na votação.

3. A Comissão adotará as medidas projetadas desde que sejam conformes com o parecer do comitê.

4. Se as medidas projetadas não forem conformes com o parecer do comitê, ou na ausência de parecer, a Comissão submeterá sem demora ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar. O Conselho deliberará por maioria qualificada.

5. Se, no termo de um prazo de três meses a contar da apresentação da proposta ao Conselho, este último ainda não tiver deliberado, a Comissão adotará as medidas propostas.

Artigo 8o.

Rótulo ecológico

1. O rótulo ecológico deverá incluir o logotipo cujo modelo se encontra reproduzido no anexo II.

2. Os pedidos de atribuição do rótulo deverão ser apresentados de acordo com os procedimentos definidos no artigo 10o.

3. A decisão de atribuir o rótulo a produtos individuais que satisfaçam os critérios referidos nos artigos 4o. e 5o. será tomada pelo organismo competente referido no artigo 9o., de acordo com o procedimento previsto no artigo 10o.

4. De acordo com o procedimento estabelecido no artigo 7o., a Comissão decidirá, caso a caso, se é possível mencionar no rótulo as principais razões que deram origem à atribuição do rótulo ecológico e fixará regras para esse efeito.

153

5. O rótulo será atribuído para um período de produção fixo, que não pode em caso algum ultrapassar o prazo de validade dos critérios.

Quando os critérios relativos ao produto forem prorrogados sem alteração, a validade do rótulo pode ser prorrogada pelo mesmo período.

6. O rótulo ecológico não poderá em caso algum ser utilizado antes de ter sido celebrado um contrato sobre as condições de utilização tal como previsto no artigo 12o.

Artigo 9o.

Designação dos organismos competentes

1. Cada Estado-membro designará, o mais tardar seis meses após a entrada em vigor do presente regulamento, o(s) organismo(s), a seguir denominado(s) «organismo(s) competente(s)», responsável (responsáveis) pelo desempenho das funções previstas no presente regulamento, particularmente as especificadas no artigo 10o., e do fato informará a Comissão.

2. Os Estados-membros assegurarão que a composição dos organismos competentes seja tal que garanta a sua independência e neutralidade, e que estes apliquem de forma coerente o disposto no presente regulamento.

Artigo 10o.

Pedidos de atribuição de rótulo ecológico

1. Os fabricantes ou importadores na Comunidade só poderão apresentar o seu pedido de rótulo ecológico ao organismo ou organismos competentes designados pelo Estado-membro em que o produto é fabricado ou comercializado pela primeira vez ou no qual é importado de um país terceiro.

2. Antes de proceder à apreciação dos pedidos, o organismo competente consultará o registro referido no n. 9. O organismo competente avaliará o comportamento ecológico do produto em função dos princípios do artigo 4o. e dos critérios específicos adotados para os grupos de produtos do artigo 5o. Para o efeito, deverão ser apresentados ao organismo competente todos os documentos e certificados exigidos (incluindo os resultados de controles independentes).

3. Após ter avaliado o produto, o organismo competente decidirá da atribuição ou não do rótulo. Caso decida pela atribuição do rótulo, notificará a sua decisão à Comissão e enviar-lhe-á os resultados completos da avaliação, juntamente com um resumo dos mesmos. A Comissão elaborará um formulário-padrão de resumo, em conformidade com o processo previsto no artigo 7o.

No prazo de cinco dias após a notificação, a Comissão enviará aos organismos competentes dos outros Estados-membros uma cópia da decisão e do resumo acima referidos, bem como, a pedido daqueles, uma cópia dos resultados completos da avaliação.

4. No termo de um prazo de 30 dias a contar da data do envio da notificação à Comissão, o organismo competente pode proceder à atribuição do rótulo, exceto se, nesse prazo, a Comissão lhe tiver comunicado objeções fundamentadas à atribuição do rótulo. No caso de terem sido formuladas tais objeções, e se não for possível chegar a acordo por meio de consultas informais, a Comissão tomará uma decisão quanto à atribuição proposta em conformidade com o processo previsto no artigo 7o.

5. Se o organismo competente decidir atribuir o rótulo a um produto já rejeitado pelo organismo competente de outro Estado-membro, chamará a atenção da Comissão para o fato quando a notificar da sua decisão ao abrigo do disposto no n. 3. Sempre que se dê este caso, a

154

Comissão tomará uma decisão sobre a atribuição proposta em conformidade com o processo previsto no artigo 7o.

6. Nos casos referidos nos n. 4 e 5, a Comissão apresentará um projeto das medidas a tomar ao comitê mencionado no artigo 7o. num prazo de 45 dias após ter tido conhecimento da decisão de atribuição do rótulo pelo organismo competente.

7. Sempre que um pedido de atribuição de um rótulo ecológico for recusado, o organismo competente informará imediatamente a Comissão e comunicará ao requerente os motivos da recusa.

8. Ao receber um pedido de atribuição do rótulo, o organismo competente pode concluir que o produto não entra em nenhum dos grupos para os quais tenham sido estabelecidos critérios. Nesse caso, o organismo competente determinará se deve ser apresentada à aprovação da Comissão uma proposta de criação de um novo grupo de produtos, nos termos definidos nos artigos 6o. e 7o.

9. A Comissão organizará registros separados de todos os pedidos recebidos, de todos os pedidos aprovados e de todos os pedidos rejeitados. O acesso aos registros de pedidos recebidos e de pedidos rejeitados será exclusivamente permitido aos organismos competentes dos Estados-membros.

10. Qualquer fabricante ou importador que pretenda retirar um pedido de atribuição de rótulo ou deixar de utilizar um rótulo deverá notificar o organismo competente respectivo.

Artigo 11o.

Encargos e taxas

1. Qualquer pedido de atribuição de rótulo implica o pagamento dos encargos decorrentes do processo do pedido.

2. As condições de utilização do rótulo incluirão o pagamento de uma taxa de utilização pelo requerente.

3. Os montantes a que se referem os n. 1 e 2 serão fixados pelos organismos competentes referidos no artigo 9o. e poderão variar de um Estado-membro para outro. Para este efeito, serão estabelecidas orientações indicativas de acordo com o processo previsto no artigo 7o.

Artigo 12o.

Condições de utilização

1. O organismo competente celebrará com o requerente um contrato relativo às condições de utilização do rótulo. Para o efeito, será aprovado um contrato de acordo com o processo previsto no artigo 7o.

2. As condições de utilização incluirão também as cláusulas relativas à revogação da autorização de utilização do rótulo.

Artigo 13o.

Confidencialidade

Os organismos competentes, a Comissão e todas as outras pessoas implicadas não devem divulgar a terceiros as informações a que tenham tido acesso durante a avaliação do produto para atribuição do rótulo.

No entanto, a partir do momento em que esteja decidida a atribuição do rótulo, não poderá em caso algum ser mantida a confidencialidade das seguintes informações:

- nome do produto,

- fabricante ou importador do produto,

155

- motivos e informações pertinentes para a atribuição do rótulo.

Artigo 14o.

Publicação

A Comissão publicará no Jornal Oficial das Comunidades Europeias:

a) Os grupos de produtos, os critérios ecológicos específicos correspondentes e os respectivos prazos de validade;

b) A lista de produtos a que foi atribuído um rótulo ecológico, o nome dos fabricantes ou importadores e a data em que expira a validade dos rótulos. Esta lista será publicada pelo menos uma vez por ano;

c) Os nomes e endereços dos organismos competentes.

A Comissão publicará ainda, periodicamente e para informação do consumidor e das empresas, uma lista consolidada dos produtos a que tenha sido atribuído um rótulo ecológico.

Artigo 15o.

Informação

Cada Estado-membro deve garantir que os consumidores e as empresas sejam informados pelos meios adequados dos seguintes pontos:

a) Objetivos do sistema de atribuição do rótulo ecológico;

b) Grupos de produtos selecionados;

c) Critérios ecológicos aplicáveis a cada grupo de produtos;

d) Procedimentos para requerer o rótulo;

e) Organismo(s) competente(s) no Estado-membro.

Artigo 16o.

Publicidade

1. As referências publicitárias ao rótulo ecológico apenas podem ser feitas quando este tiver sido atribuído e somente em relação ao produto específico a que o rótulo foi atribuído.

2. É proibida qualquer publicidade falsa ou enganosa ou a utilização de qualquer rótulo ou logotipo que possa estabelecer confusão com o rótulo ecológico comunitário criado pelo presente regulamento.

Artigo 17o.

Aplicação

No prazo de seis meses a contar da entrada em vigor do presente regulamento, os Estados-membros informarão a Comissão das medidas que tenham adotado para lhe dar cumprimento.

Artigo 18o.

Revisão

1. O mais tardar cinco anos a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento, a Comissão analisará o sistema à luz da experiência adquirida durante o seu funcionamento.

2. Se necessário, a Comissão poderá propor alterações adequadas ao presente regulamento.

O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-membros.

Feito em Bruxelas, em 23 de Março de 1992.

156

Pelo Conselho

O Presidente Carlos BORREGO

(1) JO no. C 75 de 20. 3. 1991, p. 23 e JO no. C 12 de 18. 1. 1992, p. 16.(2) JO no. C 13 de 20. 1. 1992, p. 37.(3) JO no. C 339 de 31. 12. 1991, p. 29.(4) JO no. C 112 de 20. 12. 1973, p. 1; JO no. C 139 de 13. 6. 1977, p. 1; JO no. C 46 de 17. 2. 1983, p. 1; JO no. C 70 de 18. 3. 1987, p. 3.(5) JO no. C 328 de 7. 12. 1987, p. 1.(6) JO no. C 122 de 18. 5. 1990, p. 2.(7) JO no. C 190 de 20. 7. 1987, p. 154.(8) JO no. L 196 de 16. 8. 1967, p. 1. Diretiva com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 91/410/CEE (JO no. L 228 de 17. 8. 1991, p. 67).(9) JO no. L 187 de 16. 7. 1988, p. 14.(10) Incluindo os sindicatos, quando pertinente.

ANEXO I

MODELO INDICATIVO DE AVALIAÇÃO

Setores ambientais

Ciclo de vida do produto

Pré-produção

Produção

Distribuição (incluindo embalagem)

Utilização

Eliminação

Importância dos resíduos

Poluição e degradação do solo

Contaminação da água

Contaminação do ar

Ruído

Consumo de energia

Consumo de recursos naturais

Efeitos no ecossistema

157

ANEXO II TABELA DE EMISSÕES E REMOÇÕES DE CO₂

Fonte: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0214/214061.pdf Acesso em 13.02.2014

158

ANEXO III TABELA DE EMISSÕES CH4

Fonte: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0214/214061.pdf Acesso em 13.02.2014

159

ANEXO IV TABELA DE EMISSÕES DE N₂O

Fonte: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0214/214061.pdf Acesso em 13.02.2014