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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – SÃO PAULO
Moema Ferreira Giuberti Coradini
EXTRAFISCALIDADE PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA E PRIVADA AMBIENTAL
EM PROL DO CLIMA
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA – SÃO PAULO
Moema Ferreira Giuberti Coradini
EXTRAFISCALIDADE PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA (E PRIVADA)
AMBIENTAL EM PROL DO CLIMA
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título MESTRE EM DIREITO sob a orientação do PROFESSOR DOUTOR LIVRE DOCENTE RICARDO HASSON SAYEG
São Paulo
2014
EXTRAFISCALIDADE PARA UMA POLÍTICA PÚBLICA (E PRIVADA)
AMBIENTAL EM PROL DO CLIMA
Moema Ferreira Giuberti Coradini
Aprovada em: ______/______/2014.
Banca Examinadora:
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
AGRADECIMENTOS
Se até aqui cheguei não o fiz sozinha. Agradecer é a certeza de que dependemos
uns dos outros e, verdadeiramente, estamos integrados em uma teia de vida circulante que se
renova dia a dia. O agradecimento em um trabalho como este nos permite acesso à humildade e
o reconhecimento de que um pensamento não é construído isoladamente.
Por isso, em primeiro lugar, agradeço ao Deus da minha fé, pela graça concedida a
mim, pelo dom da vida. Não tenho tudo o que gostaria de ter, mas tenho exatamente aquilo que
preciso e sou feliz, muito feliz, por isso. Ao Tempo, senhor das nossas almas, de disciplina
militar, pela condução de minha vida com leveza ensinando-me que tudo tempo o seu devido
tempo!
Em segundo, e não menos importante, agradeço aos meus pais, Gilson Giuberti (in
memoriam) e a Zélia Giuberti por formarem a minha personalidade e por terem contribuído, e
com muita dedicação, não só para a profissional que hoje sou, mas também para a pessoa
humana que escreve essas linhas. A Fé, a determinação, a ética, a prudência, a perseverança e
muitas outras qualidades vieram deles através dos seus próprios exemplos de vida.
Ao meu querido filho João Vitor, tão jovem, mas tão maduro. Por entender e,
muitas vezes, por não entender mesmo, os motivos pelos quais sua mãe foi a São Paulo. Por me
ensinar sobre a renovação da vida, a leveza da existência e, sim, a alegria de estar presente aqui
neste lindo Planeta.
Ao Fábio, meu esposo. Durante nossos treze anos de convivência, sua presença
sempre concedeu a mim segurança, apoio incondicional aos meus sonhos e projetos. Sua
mansidão e sua paciência, seu caráter formidável foram, e são, fundamentais para que hoje
pudesse estar aqui escrevendo esse trabalho.
Um agradecimento muito especial à Nícia Regina Sampaio, querida e valorosa
promotora de justiça no Espírito Santo, a “mulher do dedo verde”, pelo apoio incondicional em
todos os momentos da minha caminhada acadêmica e profissional dentro do nosso Ministério
Público.
Ao Sergio Leite, pelas suas críticas às teorias “aquecimento global”.
Ao Ministério Público do Estado do Espírito Santo, ao Conselho Superior do
Ministério Público, por permitirem o meu afastamento para a realização deste projeto. Em
especial, a minha profunda gratidão ao Dr. Josemar Moreira, Procurador de Justiça.
Minha amiga Telma Bittencourt Bassetti, pela nossa caminhada ao longo de tantos
anos, agradeço pelas conversas, troca de ideias, sua visão marxista sobre mercado, consumo,
sustentabilidade e, sim, pelos livros emprestados!
Às minhas amigas Kennia Firme Braga Smarçaro – promotora de justiça e
Jaqueline Teixeira da Silva – juíza de Direito, um agradecimento especial por saberem entender
o momento delicado pelo qual passa um mestrando e concederem a mão amiga.
Ao meu orientador, Ricardo Hasson Sayeg, por todos os insights na elaboração
desta dissertação.
Aos queridos professores: Clarisse Von Oertzen de Araújo, por me ensinar Peirce;
Consuelo Yoshida, por sua visão acerca do desenvolvimento socioambiental; Willis Santiago
Guerra Filho, pela sua filosofia; Nelson Nazar, por incluir a visão econômica no “meu” Direito
Ambiental; Marcelo Sodré, por todas as experiências trocadas no campo do mundo ecológico.
A todos os funcionários da PUC-SP, nas pessoas do Rui e do Rafael; aos
funcionários da Promotoria de Justiça de Itapemirim e aos funcionários do Fórum de
Itapemirim.
Enfim, a todos aqueles amigos, conhecidos, desconhecidos que, das mais diversas
formas, contribuíram para as ideias colocadas nas linhas seguintes.
Muito Obrigada!
RESUMO
CORADINI, Moema Ferreira Giuberti. Extrafiscalidade Para Uma Política Pública (E Privada)
Ambiental Em Prol Do Clima. 159 p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
O presente trabalho de Mestrado tem por escopo a investigação de instrumentos estatais
colaboradores para a redução de emissão de Gases de efeito Estufa, notadamente, a utilização
do mecanismo do tributo em seu aspecto extrafiscal. Para tanto, realizamos uma abordagem
não somente jurídica, mas também filosófica a respeito dos temas circundantes às Mudanças
Climáticas, tais como a ética ambiental, relação existente entre o capital e a Natureza e, nesse
particular, a colocação do Planeta como titular de Direitos frente à ordem constitucional.
Palavras-chave: meio ambiente; mudanças climáticas; extrafiscalidade; economia verde
sustentabilidade.
ABSTRACT
CORADINI, Moema Ferreira Giuberti. Extrafiscality to a Public Policy (and Private) in support
of Environmental Climate. In 2014. 159 p. Dissertation (Master of Law). Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
This work is scoped Masters research instrument state employees to reduce emission of
Greenhouse Gases, notably, the use of the mechanism of extrafiscality. Therefore, we
performed an approach not only legal but also philosophical about the issues surrounding
Climate Change, such as environmental ethics, the relationship between capital and nature, and
in this particular placement of the planet as a holder of Rights against the constitutional.
Keywords: environmental, climate changes; extrafiscality; green economy; sustainability.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Ilustração Efeito estufa ........................................................................................... 23
Quadro 2 – Comparação das alterações continentais de alteração do clima ............................... 26
Quadro 3 – Modelos de funcionamento da Economia – “visões da economia” ........................ 76
Quadro 4 – Comparativo mundial de produção mineral ............................................................. 96
Quadro 5 – Plano Nacional de Mineração - escopos .................................................................. 98
LISTA DE SIGLAS
ABRAMPA – Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente
AR4 – “Fourth Assessment Report” – Quarto relatório de avaliação
BGB – “Bürgerliches Gesetzbuch” – Código Civil da Alemanha
CH₂ – gás metano
CO₂– gás carbônico
COMEST – “World Commission on the Ethics of Scientific Knowledge and Technology”
Comissão Mundial sobre ética e tecnologia.
COP – Conferência das Partes
DNA – “Deoxyribonucleic acid” - Ácido desoxirribonucleico
GEE – Gases de Efeito Estufa
HFC – hidrofluorcarbonetos
IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração
IPCC – “Intergovernmetal Panel on Climate Change” – Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas
MCG – Modelos de Clima Global
N₂O – óxido nitroso
NASA – “National Aeronautics and Space Administration” – Administração Nacional da
Aeronáutica e do Espaço
OCDE – Organização para o crescimento e desenvolvimento Econômico
ONU – Organização das Nações Unidas
PDE - Plano Decenal de Energia
PFC – perfluorcarbonetos
PH – Potencial de Hidrogênio
PIB – Produto Interno Bruto
ppmv: partes por milhão por volume
PMBC – Plano de Mineração de Baixa Emissão de Carbono
PNM – Plano Nacional de Mineração
PNMC – Política Nacional de Mudanças Climáticas
PNRS – Política Nacional de Resíduos Sólidos
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o meio ambiente
PPCDAM - Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
PSTM – Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana
REDD – redução de Emissões por Desmatamento e Degradação
SF6 – hexafluoreto de enxofre
TSM – Temperatura da Superfície do Mar
UNFCCC – “United Nations Framework Convention on Climate Change” Convenção-quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
USP – Universidade de São Paulo
VPM – Valor da Produção Mineral
WMO – “World Metheorological Organization” – Organização Mundial de Meteorologia
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 14
1 – O FENÔMENO CLIMÁTICO: ABORDAGEM TÉCNICO-CIENTÍFICA .............. 17 1.1 – O CONCEITO DE CLIMA, DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AQUECIMENTO
GLOBAL. O QUE VEM A SER O FENÔMENO? ........................................................... 17
1.2 – AS DURAS CONTENDAS CIENTÍFICAS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL.
ESTABELECENDO PREMISSAS. .................................................................................... 20
1.2.1) As evidências de um aquecimento global - Em que acreditam os que acreditam ................... 20 1.2.2) Por que não existem evidências de um aquecimento global - a posição dos cientistas céticos.27 1.2.3) Posição científica adotada para o presente trabalho de mestrado .................................................. 29
2 – ASPECTOS FILOSÓFICOS DO AMBIENTALISMO ................................................. 33 2.1 A RELAÇÃO ANTROPOCÊNTRICA PARADIGMÁTICA ATUAL. O MÉTODO
CARTESIANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA SOCIEDADE DE RISCO DE
ULRICH BECK .................................................................................................................... 33
2.2 - A ÉTICA AMBIENTAL EM HANS JONAS – O NOVO IMPERATIVO
CATEGÓRICO .................................................................................................................... 39
2.3 - O HUMANISMO INTEGRAL DE JAQUES MARITAIN E SUAS
CONSEQUÊNCIAS NA APLICABILIDADE DA ÉTICA AMBIENTAL .................... 45
2.4 - O PLANETA COMO UM ENTE TITULAR DE DIREITOS ..................................... 51
2.4.1 - Construindo a Personalidade Jurídica do Planeta ......................................................................... 54 2.4.2 – O Planeta na concepção dos Códigos Civis ao redor do mundo .................................................. 61
3 – ENFOQUE HUMANISTA INTEGRAL E BIOCÊNTRICO: SÍNTESE CONSTITUCIONAL ............................................................................................................... 65 3.1 - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS EM SUAS DIMENSÕES.
DIREITO AO CLIMA SAUDÁVEL, EQUILIBRADO E SEGURO COMO UM
DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL. .......................................................................... 65
3.2 - O “DEVER FUNDAMENTAL” DA GERAÇÃO DO PRESENTE PARA COM A
PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE (ATUAL E FUTURO). ....................................... 71
4 - NORMATIVAS INTERNACIONAIS E O DIREITO BRASILEIRO .......................... 76 4.1 – TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE O CLIMA. UM
“ANOITECER SILENCIOSO” .......................................................................................... 76
4.2 – ARCABOUÇO JURÍDICO BRASILEIRO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS 80
5 - EXTERNALIDADES AMBIENTAIS DO SETOR MINERÁRIO E TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL EXTRAFISCAL SOB UM ENFOQUE HUMANISTA INTEGRAL E BIOCÊNTRICO ....................................................................................................................... 84
13
5.1 – CONCEITO DE EXTERNALIDADES À LUZ DAS TEORIAS ECONÔMICAS.
IDENTIFICAÇÃO DAS EXTERNALIDADES. ............................................................... 84
5. 2 O PLANO DA MINERAÇÃO 2030 E OS ÍNDICES DE REDUÇÃO E EMISSÃO
DE GEE ................................................................................................................................. 95
5.3 – A IMPORTÂNCIA DO ESTADO COMO AGENTE INTERMEDIADOR DOS
CONFLITOS EXISTENTES ENTRE O DESENVOLVIMENTO E A NECESSIDADE
DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. RUMO A UMA POLÍTICA PÚBLICA
SUSTENTÁVEL ................................................................................................................. 100
5.4 – TEORIA DO DIREITO PREMIAL ............................................................................ 103
5.5 – INTERVENÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO NA ECONOMIA. UTILIZAÇÃO
DOS INSTRUMENTOS DE MERCADO NA CONSECUÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. ECONOMIA VERDE. ............................. 106
5.6– OS PRINCÍPIOS BÁSICOS AMBIENTAIS PARA UTILIZAÇÃO DE
MECANISMOS TRIBUTÁRIOS EM MATÉRIA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA
ESTRUTURA PROMOCIONAL DO DIREITO ............................................................ 114
5.6.1– Os Princípios Ambientais da Precaução e Prevenção ................................................................. 114 5.6.2 - Princípio do Poluidor-pagador e da Cooperação ........................................................................ 119 5.6.3 - Princípios erigidos pela ECO 92 e seus reflexos na legislação brasileira e na PNMC ............... 121 5.7 – EXTRAFISCALIDADE E SUA APLICAÇÃO NA POLÍTICA PREMIAL NO
SETOR DE MINERAÇÃO. .............................................................................................. 123
5.7.1 – A extrafiscalidade ambiental como instrumento de mercado segundo a estrutura promocional do Direito .................................................................................................................................................... 123 5.7.2 -. O plano setorial da Mineração e a tributação extrafiscal em prol do Clima .............................. 127 5.7.3 - Limitações à Extrafiscalidade – Princípios Constitucionais ....................................................... 134
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 140
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 142
ANEXO I ................................................................................................................................. 149
ANEXO II ................................................................................................................................ 157
ANEXO III .............................................................................................................................. 158
ANEXO IV .............................................................................................................................. 159
INTRODUÇÃO
As preocupações mundiais em relação às Mudanças Climáticas têm se mostrado
como objeto de pauta em muitas reuniões ocorridas ao redor do Globo Terrestre. A agenda
ambiental elaborada não só pela ONU, como também pelo próprio setor privado comprometido
com o Meio Ambiente, tem buscado fazer com que o setor econômico e os países mais
desenvolvidos possam olhar a causa com os olhos de ver, de forma a gerar uma mudança
paradigmática efetiva nos modelos de desenvolvimento.
A necessidade de abastecer os celeiros das bilhões de pessoas existentes no Globo,
a existência de milhares de famílias estabelecidas abaixo do nível da pobreza dentre muitos
outros fatores são observados como entraves à preservação da Natureza em seu estado virgem.
Por outro lado, o caminhar do ser humano na Terra, a hipervalorização do ‘ser’, o hedonismo, o
hiperconsumo, o capitalismo pautado na ética utilitarista benthaniana, revelam o lado sombrio
desses processos. O fato é que, atualmente, o ser humano conseguiu alcançar um nível de
conforto e alargamento de suas tendas em todas as áreas do conhecimento nunca antes
imaginável e, o preço por tanto progresso é sentido nas mudanças do clima mundial. Se, por um
lado a exploração da Natureza se faz necessária, por outro, a sua preservação também é de
suma importância, devendo ser encontrado um meio termo para equalização dos interesses.
São muitas as correntes científicas postas e discutidas responsabilizando, ou não, a
pegada ecológica humana como causa da Mudança do Clima. Não é possível dizer que uma ou
outra corrente está absolutamente certa ou errada, é possível, sim, adotar o máximo de cautela e
prudência porque a extinção ambiental, as mudanças climáticas são processos de difícil
reversão em curto prazo de tempo.
As emissões de gases de efeito estufa (GEE) são apresentadas como uma das causas
para o aquecimento global, posto que potencializam o efeito estufa. Do mesmo modo, a
urbanização do território, com a formação de ilhas de calor e o desflorestamento dos campos
também são apresentados como importantes causas.
É necessária uma reforma paradigmática no modelo de vida do ser humano,
afirmam diversos cientistas, ambientalistas ou não.
Nesse sentido, a principal hipótese do presente trabalho de pesquisa é a resposta à
pergunta: Seria possível ao Estado, estabelecer políticas de incentivo para a redução de
emissões de gases de efeito estufa no Brasil?
15
A partir desta primeira hipótese, buscou-se analisar, de forma sistêmica, a estrutura
da política premial extrafiscal de forma a incentivar a redução de emissões de gases de efeito
estufa no Brasil.
Os objetivos específicos desta pesquisa em nível de mestrado são:
Discutir as correntes científicas envolvendo a (in)certeza sobre as causas
geradoras das Mudanças Climáticas no Globo Terrestre na geração presente.
Relacionar preservação ambiental, desenvolvimento econômico com o conceito
de sustentabilidade.
Analisar o fundamento filosófico ético que permeia a estrutura econômica atual
e o ambientalismo.
Discutir os tratados internacionais e legislação nacional sobre Mudanças
Climáticas.
Abordar o conceito de externalidades econômicas e como são tratadas em nível
de assuntos ambientais.
Analisar o Plano de Mineração 2030, assim como o Plano Setorial de Redução
de Emissões do setor minerário.
Analisar as possibilidades existentes no Direito Tributário, especificamente na
extrafiscalidade, de forma a promover o incentivo das reduções de gases de efeito estufa pelo
setor econômico no Brasil.
A metodologia utilizada para a pesquisa do presente trabalho baseou-se em textos
jurídicos e não jurídicos, doutrina, jurisprudência, normas brasileiras e internacionais assim
como relatórios emitidos por instituições oficiais e particulares. O questionamento inicial
motivador das investigações no presente trabalho é: Seria possível ao Estado, estabelecer
políticas de incentivo para a redução de emissões de gases de efeito estufa no Brasil? Em caso
positivo, qual seria o método mais eficaz para o presente momento de desenvolvimento
econômico?
O método dedutivo foi a base da investigação para a análise dos textos jurídicos e
não jurídicos, de forma que não houve a pretensão da afirmação de uma verdade absoluta, mas
sim a formação de um raciocínio demonstrativo partindo das perspectivas mais recentes para as
mais antigas.
Respeitando sempre o cuidado diante da profusão de informações existentes sobre o
assunto Mudanças Climáticas, especialmente quando a pesquisa ocorre também pelos campos
da internet, a produção deste trabalho de mestrado possui como paradigma a desconstrução do
16
sistema cartesiano, partindo do princípio de que o real não se esgota na ordem natural do
universo físico. Para nós, o ser humano faz parte de um sistema vivo, interligado, expresso na
própria Natureza em forma de leis. Desta forma, o sistema jurídico não poderá restringir-se a
propor soluções fechadas e estanques sob pena de impossibilitar o crescimento e produção de
novos pensamentos. Assim, deverá promover aberturas em seus sistema de modo a permitir que
novas ideias, tanto no plano individual quanto no social, possam permitir uma nova maneira de
agir.
Como se observa, a pesquisa foi interdisciplinar e, por isso, a presente dissertação
foi estruturada em cinco capítulos, cada qual abordando áreas do conhecimento distintas, o que
não implica a setorização de informações, mas sim a necessidade de se tratar o tema Mudanças
Climáticas de forma interdisciplinar e organizada.
O primeiro capítulo traz a abordagem científica sobre as Mudanças Climáticas,
ocasião em que trouxemos alguns termos técnicos e explicações sobre como o fenômeno ocorre,
assim como as correntes existentes sobre as suas causas.
O segundo capítulo aborda os fundamentos filosóficos do ambientalismo,
demonstrando a necessidade de se atentar para as bases do desenvolvimento da nossa sociedade,
antropocêntrica e utilitarista. Tentamos demonstrar a necessidade de aniquilação deste
paradigma de desenvolvimento insustentável pela nova ética proposta por Hans Jonas.
No próximo capítulo, a abordagem traz para o sistema constitucional brasileiro os
fundamentos versados no capítulo anterior, trazendo a teoria filosófica para a prática jurídica
nacional.
No capítulo quatro, tratamos das normas internacionais e brasileiras sobre o
regramento das Mudanças Climáticas.
No último capítulo, as externalidades econômicas foram abordadas com ênfase nas
externalidades ambientais. O sistema de política premial e extrafiscalidade são o foco do
presente tópico.
Encerrou-se o trabalho com as conclusões e as referências às obras e material de
consulta fundamentos da presente dissertação de mestrado.
17
1 – O FENÔMENO CLIMÁTICO: ABORDAGEM TÉCNICO-CIENTÍFICA
1.1 – O CONCEITO DE CLIMA, DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AQUECIMENTO GLOBAL. O QUE VEM A SER O FENÔMENO?
Em meio a tantas previsões cataclísmicas sobre o final dos tempos, conduzindo
muitas ações políticas e governamentais descuidadas, os conteúdos da celeuma travada no
campo científico tornou-se quase um mito aos leigos. Entendamos como leigos também os
operadores do Direito, os quais, na maioria das vezes, lidam com conceitos totalmente
estranhos à sua área de atuação, especialmente, quando o assunto é mudanças climáticas.
No caso do presente trabalho de pesquisa jurídico-científica, a fim de evitar o
engodo de apelos melodramáticos e propagandísticos, estabelecer o conceito de Clima,
Mudanças Climáticas e Aquecimento Global é condição a priori para se investigar os
mecanismos jurídicos tributários possíveis a serem utilizados em prol de uma economia
sustentável. A importância do tema ganha relevância ao tempo em que a própria legislação
brasileira, Lei Nacional n. 12.187 de 29 de dezembro de 2009, instituidora da Política Nacional
sobre Mudança do Clima, não traz o conceito sobre o que seria Clima (a base para entendermos
o que, de fato, é uma mudança do clima!).
Nos últimos vinte anos, a pesquisa avançou significativamente na “ciência do
clima”, tanto no que atine à observação (extremamente importante para os processos de
comparação), quanto na modelagem e no tratamento das incertezas (o que não implica diluição
das incertezas, mas sim como lidar com as mesmas).
Clima e tempo são conceitos bem distintos. O Tempo pode ser considerado como
uma estimativa do que se espera que ocorra com a temperatura e de precipitação pluvial em um
curto período (semanas) em uma determinada região. O tempo está em constante mudança, por
exemplo, em um mesmo dia pode fazer sol pela manhã, mas chover pela noite. Pode-se ainda
encontrar uma semana fria, outra quente e assim por diante.
O conceito de Clima é um pouco mais complexo, por implicar diversos fatores não
há uma consonância de posicionamentos entre os especialistas. Grande parte dos cientistas
conceitua Clima como o conjunto de fenômenos meteorológicos que indica o estado “médio”
da atmosfera num determinado espaço e tempo. Para o presente trabalho, adotaremos o
conceito de clima trazido em um brilhante trabalho da autoria de José A. Marengo para quem:
18
“Clima, num senso estreito, é geralmente definido como a “média do tempo” ou,
mais rigorosamente, como a descrição estatística em termos de média e
variabilidade de quantidades relevantes sobre o período de tempo numa distância
de meses a milhares de anos. O período clássico é de 30 anos, como definido pela
Organização Mundial Meteorológica (WMO). Estas quantidades são, em sua
maioria, variáveis de superfícies tais como temperatura, precipitação e vento.
Clima, num senso mais amplo, é um estado, incluindo uma descrição estatística, do
sistema climático incluindo extremos”1.
Para a WMO (Organização Mundial de Meteorologia), o Clima pode ser
considerado, em termos mais científicos, como a “síntese das condições de tempo em uma
determinada área, caracterizada por estatísticas de longo prazo (valores médios, variâncias,
probabilidades de valores extremos, etc.) dos elementos meteorológicos na área”2. É sempre
importante ressaltar, para entendimento da questão, que o clima também é um estado do
sistema que compreende a atmosfera (ar), a hidrosfera (água líquida sobre e no interior da
Terra), a criosfera (água em seu estado congelado), a superfície litosfera (superfície da camada
superior da Terra sólida em terra e nos oceanos de apoio à atividade vulcânica que influenciam
o clima) e a biosfera (organismos vivos e ecossistemas sobre a terra e nos oceanos).
O sistema climático ocorre quando há a interação entre forma e dinâmica interna
(descrita acima) e sua interação com as forçantes radioativas externas (naturais ou antrópicas).
Forçantes Naturais podem ser entendidas como as erupções vulcânicas e as variações de
emissão de energia emitida pelo Sol. Já as antrópicas atingem a composição da atmosfera
(emissão de gases) e as mudanças do uso da terra (desflorestamento, urbanização dentre outros).
Em relação à importância do Sol sobre a Terra, Sônia Maria Barro de Oliveira3
afirma “ela (a Terra) deve estar em equilíbrio radiativo, perdendo para o espaço a mesma
quantidade de energia que absorve. Essa perda se dá principalmente sob a forma de calor,
mas não ocorre diretamente: parte do calor absorvido, quando reemitido, é absorvido pelos
gases de efeito estufa e emitido novamente para a superfície”. Significa dizer que, sem os
gases de efeito estufa a Terra esfriaria ao ponto de não conseguir reter vida sobre ela. O
equilíbrio da temperatura terrestre poderá ser perturbado por três formas distintas, continua a
cientista: 1 MARENGO, José A. Mudanças Climáticas Globais e seus efeitos sobre a Biodiversidade. Biodiversidade 26. Brasília – DF. 2007, p 157 2 http://wmo.multicorpora.net/MultiTransWeb/Web.mvc. Acesso em 11 de junho de 2013. 3 OLIVEIRA, Sônia Maria Barros in Aquecimento Global: frias contendas científicas, José Eli da Veiga (organizador). São Paulo: Ed. Senac. 2008. P 21
19
“1) variar a energia solar incidente por alterações na órbita da Terra e no próprio
Sol;
2) variar a fração da radiação refletida (albedo) por mudanças na cobertura de
nuvens, pela presença de aerossóis atmosféricos, etc.;
3) variar a radiação infravermelha emitida pela Terra pela variação no teor dos
gases de efeito estufa.”
A influência da energia solar sobre a Terra é indicada por dois fenômenos: os
Ciclos de Milankovitch e as Manchas Solares. Os primeiros são determinados pela quantidade e
distribuição de emissão de energia emitida pelo Sol sobre a Terra, variando com o tempo.
Cientistas indicam que, na escala de um século, não houve grandes alterações nesse fenômeno.
Já as manchas solares influenciam diretamente na energia incidente na superfície da Terra, pois
provocam a formação do ozônio, levando ao aquecimento da estratosfera, ampliando em até
20% o aquecimento devido à irradiação solar.
Os albedos podem ser naturais ou antropogênicos. Os naturais, com índices de
refletividade mais altos, são os locais cobertos por neve (cerca de 90%) e os aerossóis
provenientes de poeira dos solos, partículas de sal marinho, emissões biogênicas e particulados
emitidos por erupções vulcânicas. Os albedos antropogênicos são provenientes da queima de
combustíveis fósseis e de biomassa (gás carbônico, metano dentre outros). Em razão do seu
aspecto refletivo, os albedos não permitem a retenção do calor na Terra, contribuindo, desse
modo, para o resfriamento da mesma.
A Terra, como já dissemos, mantém sua temperatura na faixa média dos 14ºC em
razão também da existência dos gases de efeito estufa, porque impedem a perda da radiação
infravermelha (o calor). São gases de efeito estufa o gás carbônico, o metano, o óxido nitroso, o
dióxido de enxofre, o monóxido de carbono, o ozônio, todos encontrados na Natureza
independentemente da ação humana.
Essas são apenas explicações básicas acerca do complexo sistema do Clima,
importantes para que se possa compreender, com mais lucidez, as correntes apresentadas sobre
a existência ou não do aquecimento global. Avançar para além do que se expôs, seria percorrer
um caminho sobremodo árido para os atuantes na área do Direito, fugindo do propósito do
presente trabalho de mestrado.
Destarte, ainda queremos tecer mais um esclarecimento, este em um nível
conceitual da linguagem. É comum utilizar o termo “Mudanças Climáticas” como sinônimo de
“Aquecimento Global”, tão comum que parece ter influenciado o legislador brasileiro no texto
20
do art. 2º, inc. VIII da Lei 12.187/2009. Por amor à precisão técnica, melhor seria separar os
conceitos.
O termo “mudanças climáticas” é corretamente utilizado referente aos fenômenos
naturais que ocorrem com a Natureza como, por exemplo, os períodos de glaciação. Nesse
sentido, a variação do clima não é algo novo para o Planeta Terra, podendo ocorrer tanto pelo
fenômeno de resfriamento, quanto pelo aquecimento. Geólogos e climatólogos observaram a
primeira grande mudança há, aproximadamente, 65 milhões de anos, provocada, possivelmente,
pelo impacto de asteroides sobre a Terra (mudança, portanto, exógena ao ciclo natural da Terra),
sendo este evento responsável pelo desaparecimento dos dinossauros. Em um segundo
momento, uma nova alteração provocou o recuo de calotas polares sobrepostas entre as
latitudes das cidades de Paris e Nova York. Carlos Walter Porto Gonçalves4 indica também
outras mudanças climáticas ocorridas na Terra, porém no âmbito mais local, sem grandes
dimensões.
Por outra via, Aquecimento Global refere-se ao processo de aquecimento da Terra
pelo qual, muito provavelmente, vivenciamos no momento, evento causado por emissão gases
de efeito estufa (ações antrópicas ou naturais). Informa-nos Sônia Oliveira que o uso da
expressão refere-se à elevação da temperatura média da Terra em até 1 grau Celsius5.
O presente trabalho de pesquisa de mestrado refere-se justamente ao segundo
evento, o Aquecimento Global, causado pelos gases de efeito estufa de emissão antrópica. No
tópico a seguir, tentaremos expor de forma sucinta, mas sem perder a precisão, as duas
principais correntes científicas sobre o tema.
1.2 – AS DURAS CONTENDAS CIENTÍFICAS SOBRE O AQUECIMENTO GLOBAL. ESTABELECENDO PREMISSAS.
1.2.1) As evidências de um aquecimento global - Em que acreditam os que acreditam
Há mais de cem anos a comunidade científica conhece o processo do efeito estufa
pela geração de dióxido de carbono (CO₂) e outros gases6. A partir do século XIX, pesquisas
internacionais começaram a indicar que a acumulação de CO₂ na atmosfera, em níveis acima 4 Porto-Gonçalves, Carlos Walter. 1949 – A Globalização da Natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. P 327. 5 Porto-Gonçalves, Carlos Walter. 1949 – A Globalização da Natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. P 17. 6 Considera-se como gases de efeito estufa não somente o CO₂, como também o dióxido de nitroso- N₂O, metano - CH₄, hidrofluorcabonetos – HFCs, perfluorcarbonos – PFCs e hexafluoreto de enxofre – (SF₆)¹⁵.
21
dos processos naturais, poderia intensificar o chamado “efeito estufa” e causar significativo
aumento da temperatura da Terra e consequente aceleração da mudança do clima mundial.
O primeiro estudo, ou um dos primeiros, referente ao processo é de autoria do
cientista francês Jean-Baptiste Joseph Fourier (primeira metade do século XIX), concluindo
que a energia do Sol chega à Terra sob a forma de luz solar, a qual é absorvida e irradiada para
o espaço na forma de luz infravermelha. Nesse processo, a ação do CO₂ (dióxido de carbono)
foi avaliada e entendida como um dos agentes que aprisionariam o calor na atmosfera,
causando a elevação da temperatura na Terra.
O avanço dos estudos constatou um processo de alteração climática da Terra, tendo
por hipótese a questão: O quanto a ação antrópica poderá influenciar na aceleração desse
processo natural de mudança do clima? E, diga-se, esses processos provocados pelo homem
vão desde a produção agropastoril, passando pela urbanização das cidades, chegando até o
processo de industrialização da economia.
A problemática ganhou dimensão mundial a partir da segunda metade do século
XX, atraindo a atenção da comunidade não científica, quando indícios foram apresentados
acerca da influência humana no processo alteração do clima mundial. Na década de 1970,
temos a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, realizada em Estocolmo – Suécia,
ocasião em que a comunidade internacional produziu a Declaração sobre o Meio Ambiente
Humano, uma afirmação de princípios de comportamento e responsabilidade que deveriam
nortear as decisões ambientais. Desde então, estudos científicos tem sido apresentados, assim
como tentativas para compatibilizar o crescimento econômico e preservação do Clima.
Os estudos mais referenciados em termos do assunto são emitidos pelo IPCC
(Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas)7 , órgão criado no ano de 1988 pela
Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente e a Organização Meteorológica
Mundial (WMO) para fornecer uma visão científica e clara sobre o estado atual do
conhecimento na mudança do clima e seus potenciais impactos ambientais e socioeconômicos.
Atualmente, é a principal entidade internacional para a avaliação do Aquecimento Global
porque elabora a análise e avaliação da informação científica, técnica e socioeconômica mais
recentes produzidas no mundo por diversos cientistas, sem, contudo, conduzir alguma pesquisa
ou monitorar dados ou parâmetros relacionados com o clima. É importante ressaltar que os
relatórios produzidos pelo IPCC não indicam soluções, pois essas dependem de ações
governamentais, mas sim fornecem subsídios para tomada de decisões na escolha das políticas
7 Tradução livre para “Intergovernmental Panel on Climate Change”
22
relacionadas ao aquecimento global, como foi o caso do primeiro relatório produzido em 1990,
o qual representou o mote para o estabelecimento da Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudança Climática (UNFCCC).
Os estudos trazidos pelo IPCC indicam um aumento na temperatura da superfície
da Terra nos últimos 157 (cento e cinquenta e sete anos), apresentando graus de aceleramento,
e um aquecimento adicional nas áreas urbanas. Entre os anos de 1961 a 2003, os oceanos
apresentaram aumento de temperatura na casa de 0,10ºC, sendo preocupante porque acumulam
a maior parte da energia do sistema, podendo acarretar em alterações drásticas nos fenômenos
conhecidos como “El Niño” e “El Niña”, dentre outros. O aumento da temperatura também
“pode”8 ter contribuído para o aumento do nível do mar em decorrência do derretimento das
geleiras da Groenlândia e Antártida. O que se sabe, com um grau de segurança maior, é que
tanto o aquecimento dos oceanos quanto o aumento do nível do mar contribuem para o
decréscimo do PH das águas marinhas, limitando, nos dizeres de Sônia Oliveira9, o potencial de
atuarem como “tampão para absorver os excessos de CO₂ atmosférico”, tornando os oceanos
mais quentes, causando, assim, um desequilíbrio no processo de absorção e irradiação de
energia do sistema.
Como foi visto no item anterior, a neve é um importante albedo (refletivo) do
sistema e, por via de consequência, o derretimento das principais coberturas permanentes é
apresentado como evento relacionado a impacto nos processos climáticos.
Diga-se, o recuo de gelo na superfície da Terra não pode ser um evento atribuído ao
aquecimento global, nem o derretimento do gelo marinho é responsável pela elevação do nível
do mar. Também não se sabe se o evento dá-se em razão das ações antrópicas. Contudo, uma
vez iniciado o processo de degelo e tendo por base os estudos indicativos da importância dos
albedos, há que se considerar a sua parcela de influência no sistema e consequente aumento da
temperatura global. O quadro abaixo é bastante ilustrativo sobre o processo10.
8 As pesquisas ainda não amadureceram a ponto de apresentar dados mais concretos sobre o assunto. 9 Ibidem. P. 30 10 fonte http://www.wmo.int/pages/themes/climate/understanding_climate.php. acesso em 11 de junho de 2013.
23
Quadro 1 - Ilustração Efeito estufa
Fonte: http://www.wmo.int/pages/themes/climate/understanding_climate.php
Alguns sinais vêm demonstrando as evidências da mudança do clima a partir do
século XX, dentre eles citamos:
1) Nos últimos 150 anos, estudos indicam que as temperaturas médias globais da
superfície aumentaram de forma variada, sendo que, entre 1910 a 1940, a temperatura
aumentou 0,35ºC, tendo diminuído 0,1ºC entre 1940 e 1970 e cresceu rapidamente (0,55ºC)
entre 1970 e 2006. A média do aumento de temperatura tem sido indicada com um aumento de
0,74ºC.
2) O aumento da temperatura ocorreu também nos oceanos, os quais são
importantes agentes para a manutenção do clima porque acumulam grande parte da energia do
sistema. Registrou-se que, entre 1961 a 2003, houve um aumento na temperatura de 0,10ºC até
a profundidade de 700 m. Em acréscimo, tem-se o aumento do nível do mar em cerca de 8 cm.
Além disso, há que se considerar o aumento da acidez dos oceanos, o que implicaria a
diminuição de absorção de CO₂ atmosférico.
3) Há evidências de que o recuo do gelo nas montanhas pode estar relacionado ao
aquecimento global.
24
4) mudanças na quantidade, intensidade e frequência e tipo de precipitação tem sido
apresentadas como vetores indicativos de mudança do clima. Em contrapartida, períodos de
secas prolongadas também têm ocorrido por todo o globo terrestre.
Há fortes indícios de que a ação humana vem contribuindo para o crescimento
desse processo através da emissão de Gases de Efeito Estufa. Giddens 11 afirma que “as
temperaturas do planeta oscilaram no passado, e que essas oscilações se correlacionaram com
o teor de CO₂ da atmosfera. Mas os dados mostram que em nenhuma ocasião, nos últimos 650
mil anos, o teor de CO₂no ar foi tão alto quanto agora”.
A questão a ser debatida será: os sumidouros naturais mantêm a capacidade de
absorver os gases de efeito estufa naturais e ainda os produzidos pelo ser humano? Em um de
seus relatórios produzidos no ano de 2007, o IPCC afirmou que “o aquecimento do sistema
climático é inequívoco”. O mesmo relatório indica com “alto grau de confiança” que o
“aquecimento global já levou a um o aumento de número e das dimensões dos lagos glaciais, a
índices mais acelerados de degelo nas áreas de subsolo permanentemente congelado
(permafrost) na Sibéria Ocidental e noutros lugares, há alterações em alguns ecossistemas
árticos e antárticos” afirma Giddens12.
O “Sumário para formuladores de Políticas Públicas”, extraído do Relatório da
quarta avaliação do IPCC sobre Mudanças Climática (AR4 - grupo de trabalho 1) é enfático ao
afirmar: “O aquecimento do sistema climático é inequívoco, como agora é evidente a partir de
observações de aumentos na média global do ar e da temperatura dos oceanos, derretimento
generalizado da neve e do gelo e elevação do nível médio do mar13”. O mesmo sumário
acrescenta que “a maior parte do aumento observado nas temperaturas médias globais desde
meados do século 20 é, muito provavelmente, devido ao aumento observado nas concentrações
antropogênicas de gases de efeito estufa”14, sendo que provavelmente é utilizado para indicar
um grau de probabilidade de acerto entre oito em dez, ou mais. O estudo indica que o
aquecimento da atmosfera, dos oceanos com as consequentes ondas de calor, mudanças dos
padrões de chuvas são fortes evidências de que o aquecimento global não é causado somente
11 Giddens, Anthony. A Política da mudança climática. São Paulo: Zahar (Edição Digital). 2010 p. 29 12 idem p. 32. 13 Tradução livre para “Warming of the climate system is unequivocal, as is now evident from observations of increases in global average air and ocean temperatures, widespread melting of snow and ice, and rising global average sea level”. http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg1/ar4-wg1-spm.pdf acesso em 24 de junho de 2013. 14 Tradução livre para “Most of the observed increase in global average temperatures since the mid-20th century is very likely due to the observed increase in anthropogenic greenhouse gas concentrations”. idem
25
por forças naturais, mas sim por causalidades externas e que, a emissão antropogênica de gases
de efeito estufa estaria vinculada a esse fenômeno.
Em acréscimo ao que fora dito até então, o Grupo 2 integrante do AR4 do IPCC
afirma que estudos realizados em alguns sistemas físicos e biológicos para o aquecimento
antropogênico indicam que os sistemas modelados e com forças naturais (atividade solar e
vulcões) não responderam da mesma forma como os modelos combinados às forças
antropogênicas (gases de efeito estuda e aerossóis), reforçando a ideia de que o aquecimento
global é sim acelerado pela ação humana.
Contudo, tendo em vista a insuficiência de recursos, ainda não foi possível chegar a
uma síntese conclusiva a respeito do impacto dos GEE em relação aos microclimas, sendo
necessários estudos mais aprofundados e desenvolvimento de tecnologia específica para tanto.
Veja-se a ilustração abaixo:15
15 Comparação das alterações continentais e em escala global observadas na temperatura da superfície com resultados simulados por modelos climáticos, utilizando forças naturais e antrópicas. Médias de observações são mostradas para o período compreendido entre 1906 e 2005 (linha preta) em função do centro da década e em relação à média correspondente para 1901-1950. As linhas tracejadas em que a cobertura espacial é inferior a 50%. Bandas sombreadas azuis mostram o intervalo 5-95% para 19 simulações de cinco modelos climáticos usando apenas as forças naturais, devido à atividade solar e vulcões. Bandas sombreadas vermelhas mostram o intervalo de 5-95% para 58 simulações de 14 modelos climáticos utilizando tanto forças naturais e antrópicas. Em tradução livre para : Comparison of observed continental- and global-scale changes in surface temperature with results simulated by climate models using natural and anthropogenic forcings. Decadal averages of observations are shown for the period 1906 to 2005 (black line) plotted against the center of the decade and relative to the corresponding average for 1901–1950. Lines are dashed where spatial coverage is less than 50%. Blue shaded bands show the 5–95% range for 19 simulations from five climate models using only the natural forcings due to solar activity and volcanoes. Red shaded bands show the 5–95% range for 58 simulations from 14 climate models using both natural and anthropogenic forcings. {FAQ 9.2, Figure 1}. http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg1/ar4-wg1-spm.pdf Acesso em 21 de junho de 2013.
26
Quadro 2: Comparação das alterações continentais de alteração do clima
Não há dúvidas de que a ciência do clima ainda possui muitos caminhos a percorrer,
porém, até onde se conseguiu avançar, todos os sérios estudos indicam, com grau de certeza
considerável, sobre a necessidade de se tomar cautela para com o índice de desenvolvimento da
sociedade, sua velocidade e a emissão abusiva de gases de efeito estufa.
Em adicional aos estudos produzidos pelo IPCC, no ano de 2006, o cientista inglês
James Lovelock publicou o livro A vingança de Gaia16 afirmando a necessidade de uma
retomada de postura do homem em relação aos seus padrões de vida, sob pena de haver uma
abrupta mudança climática na Terra. Em sua teoria, o cientista faz um longo discurso sobre os
principais aspectos climáticos, encarando a Terra como um organismo vivo. Na mesma linha
conclusiva, o documentário “An Incovenient Truth” (Uma verdade inconveniente) apresentado
pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América, Al Gore, também aponta para uma
catástrofe mundial. Não obstante Locelock e Al Gore haverem recebido o Prêmio Novel pelos
trabalhos desenvolvidos, suas teorias foram consideradas pelos cientistas céticos como
apocalípticas e surreais. Recentemente, Lovelock declarou ter sido um pouco alarmista em suas
conclusões, no entanto não nega a alteração do clima pela ação do ser humano17.
16 LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2006. 17 Fontes: http://worldnews.nbcnews.com/_news/2012/04/23/11144098-gaia-scientist-james-lovelock-i-was-alarmist-about-climate-change, http://www.jameslovelock.org/key7.html. Acesso em 22 de agosto de 2012.
27
No mês de setembro de 2013, já quando finalizávamos o presente trabalho, o IPCC,
através do Grupo de Trabalho I – Bases da Ciência Física, elaborou relatório afirmando que as
três últimas décadas foram, sucessivamente, mais quentes do que qualquer outra desde 1850. O
documento indica que “a taxa de aquecimento dos últimos 15 anos (1998-2012) – que foi de
0,05 grau por década e que começou com um potente El Niño (fase quente da Oscilação do
Sul) – é menor do que a calculada entre 1951 e 2012, que foi de 0,12 grau por década”.
Contudo, argumenta, “devido à variabilidade natural, as tendências baseadas em registros de
períodos curtos são muito sensíveis às datas de começo e final, e não refletem, em geral, as
tendências climáticas de longo prazo”. Em suma, diz o documento, “é virtualmente certo (99%
a 100% de certeza) que a troposfera esquenta desde meados do século 20”.
1.2.2) Por que não existem evidências de um aquecimento global - a posição dos cientistas céticos.
A posição adotada pelo IPCC vem amparada por estudos de projeções, simulações
com base em dados reais e atuais, contudo realizando uma projeção para um futuro. Assim,
como tudo em ciência, não há uma certeza absoluta, definitiva, sendo, portanto, plenamente
possível o debate e questionamentos. Eis a função das pesquisas apresentada por esse nicho
cientifico cujo conteúdo não poderá ser desprezado.
Os principais cientistas antiaquecimento global, cada qual com uma visão sistêmica
planetária diferente, são: Frank Furedi, Fred Singer, Dennis Avery, Patrick Michaels, Bjorn
Lomborg18, Chistopher Booker, Richard North e Fred Pearce. No Brasil, encontramos a figura
do professor Luiz Carlos Molion um dos maiores expoentes na representação desses cientistas.
Dizem-se céticos porque negam a influência antrópica no aquecimento global e, portanto, na
mudança do clima. Para muitos dos estudiosos, a Terra entra em uma nova era Glacial.
Um dos primeiros argumentos utilizados para combater as teorias trazidas pelo
IPCC está na hipótese de que a concentração de CO₂ na Terra não tem o condão, de per si, de
causar o aquecimento, por absoluta impropriedade química, acrescentado ao fato da própria
natureza produzir infinitamente mais gás carbônico do que o próprio ser humano. Segundo
Molion, “mais de 97% das emissões de gás carbônico são naturais, provenientes dos oceanos,
18 Recentes notícias veiculadas pela imprensa mundial têm apresentado Bjorn Lomborg como um ex-cético.
28
vegetação e solos, cabendo ao ser humano menos de 3%19. Outro fato mencionado pelos
céticos diz respeito à concentração de CO₂ quando dos períodos interglaciais (aquecimento
natural) quando as concentrações apresentavam níveis abaixo de 300 ppmv, contra a
concentração atual que atinge a casa dos 380 ppmv, aproximadamente. Sob esse enfoque, o que
ocorreria na Terra primeiro seria o aquecimento e depois um aumento de concentração de CO₂
na atmosfera e não o contrário. Em relação aos demais gases de efeito estufa, argumenta-se que
sua concentração na Terra é ínfima, não tendo o condão de produzir alterações climáticas de
grandes proporções.
Outro ponto de fragilidade ao modelo do IPCC diz respeito à forma de medição dos
componentes do clima. O IPCC, afirmam os céticos, faz seus cálculos com base em modelos de
clima global (MCG), ou seja, programas de computador capazes de fazer algumas previsões
através de equações ou previsões matemáticas. Muitos termômetros foram colocados nas
conhecidas ilhas de calor (centros urbanos), o que comprometeria a confiança dessas medições.
Essas previsões seriam falhas, ainda, por não conseguirem reproduzir com grau de
confiabilidade suficiente as principais características do clima, tais como, a formação de nuvens,
do ciclo hidrológico e o transporte de calor sensível pelas correntes oceânicas para regiões fora
dos trópicos. Desse modo, os MCG’s conseguem fazer uma previsão aproximada para o
presente, mas não em relação ao passado e ao futuro.
Um terceiro argumento apresentado está no fato de que “variações da circulação
atmosférica, associadas às variações da temperatura de superfície do mar (TSM), por exemplo,
alterações na frequência de ocorrência de eventos El Niño - Oscilação Sul (Enos), são outras
causas de mudanças significativas na temperatura global” 20 , produzindo anomalias de
temperaturas do ar global em razão da sua influência nos oceanos, os quais cobrem 71% da
superfície terrestre e representam o agente de maior importância na condição de contorno do
clima global. Nesse particular, sustentam, há registros de que o oceano no Hemisfério Sul tem
apresentado índices de resfriamento, cujas causas ainda são desconhecidas.
Por derradeiro, essa corrente científica traz como argumento a atividade solar como
mais uma causa do aquecimento/resfriamento da Terra, ao invés da emissão de gases de efeito
estufa. Como é de conhecimento, o Sol é a principal fonte de calor/energia da Terra e a sua
emissão não ocorre em uma constante invariável. Desse modo, essa inconstância, percebida
19 MOLION, Luiz Carlos Baldicerto. In: Aquecimento global, frias contendas científicas. José Eli da Veiga (organizador). São Paulo: Editora Senac. 2008. P 62. 20 MOLION, Luiz Carlos Baldicerto. Idem. p. 72.
29
inclusive em 1957 quando o sol apresentava mais de duzentas manchas, seria uma das
principais causas do resfriamento e não do aquecimento global.
Diante de todos os elementos trazidos, para os céticos, o homem seria capaz de
alterar o microclima da sua região, mas jamais o clima global.
Muitos céticos trazem como argumento, ainda, o fato de que a redução de emissão
de CO₂ implica, necessariamente, redução do processo econômico e, nesse sentido, dificultar as
emissões seria uma estratégia dos países mais desenvolvidos para impedir o progresso dos
países emergentes, capitaneado pelo IPCC.
Em 14 de maio de 2012, pesquisadores brasileiros enviaram à Presidente da
República, Dilma Rousseff, uma “carta aberta” trazendo à discussão todos os itens indicados
acima. A finalidade da carta seria trazer um alerta à presidente no sentido de envidar esforços
para uma boa composição de interesses na Conferência Rio+20. Afirmaram em conclusão:
“Pela primeira vez na História, a Humanidade detém um acervo de conhecimentos
e recursos físicos, técnicos e humanos, para prover a virtual totalidade das
necessidades materiais de uma população ainda maior que a atual. Esta
perspectiva viabiliza a possibilidade de se universalizar – de uma forma
inteiramente sustentável – os níveis gerais de bem-estar usufruídos pelos países
mais avançados, em termos de infraestrutura de água, saneamento, energia,
transportes, comunicações, serviços de saúde e educação e outras conquistas da
vida civilizada moderna. A despeito dos falaciosos argumentos contrários a tal
perspectiva, os principais obstáculos à sua concretização, em menos de duas
gerações, são mentais e políticos, e não físicos e ambientais. Para tanto, o
alarmismo ambientalista, em geral, e climático, em particular, terá que ser apeado
do seu atual pedestal de privilégios imerecidos e substituído por uma estratégia
que privilegie os princípios científicos, o bem comum e o bom senso. A conferência
Rio+20 poderá ser uma oportuna plataforma para essa necessária reorientação.”
1.2.3) Posição científica adotada para o presente trabalho de mestrado
A posição adotada para fins de desenvolvimento dessa dissertação de mestrado é a
apresentada pelo IPCC, no sentido de que as ações humanas, através de emissão de gases de
efeito estufa, têm sido causa concorrente e importante para o aquecimento Global.
30
Muito embora os céticos aleguem, como já dissemos, a impossibilidade do ser
humano alterar o clima global, não se explica, sequer se menciona, quais efeitos que cada
alteração nos microclimas poderá gerar quando vista globalmente, em seu conjunto no planeta
Terra. O senso comum nos leva a uma desconfiança a respeito da teoria dos céticos.
Outro ponto também não colocado em discussão: muito embora o CO₂ seja
considerado o gás da vida, dada a sua importância no processo de fotossíntese, os céticos não
discutem os malefícios dos excessos desse gás para a saúde humana, especialmente nos grandes
centros urbanos.
Não há dúvidas de que o ser humano, com seu poder de criação e destruição, pode
sim alterar os padrões de vida na terra e a criação das ilhas de calor é uma grande prova do que
se diz. Muitas espécies já foram extintas por consequência da força predatória humana. Não se
deve subestimar a capacidade humana em interferir nos processos naturais. Jamais.
Importante ressaltar que estudos do IPCC indicam que, por volta de 2050,
“aumentos na temperatura e diminuição associados da água no solo são projetadas para levar
à substituição gradual da floresta tropical por savana no leste da Amazônia. Vegetação
semiárida tenderá a ser substituída por vegetação árida-terra. Há um risco de perda
significativa da biodiversidade através da extinção de espécies em muitas áreas da América
Latina tropical.”21
Utilizar argumentos sobre a dominação dos países mais ricos sobre os mais pobres
no sentido paralisar o crescimento econômico, dentre eles o Brasil, parece-nos um pouco
emotivo demais. Os malefícios à saúde da emissão em exagero de GEE são provados e
comprovados, sendo necessário, ao menos para o Brasil, reformular a sua produção energética.
O crescimento econômico poderá ocorrer de forma sustentável, despoluída, utilizando a
capacidade humana tecnológica.
Em acréscimo, a boa análise do conteúdo histórico dos ciclos da Terra leva à
conclusão de que a preservação do clima não é um assunto somente atinente ao respeito da
biodiversidade. Sim, porque, mesmo após os grandes cataclismos ocorridos e as grandes eras, a
21 Tradução livre para “By mid-century, increases in temperature and associated decreases in soil water are projected to lead to gradual replacement of tropical forest by savanna in eastern Amazonia. Semi-arid vegetation will tend to be replaced by arid-land vegetation. There is a risk of significant biodiversity loss through species extinction in many areas of tropical Latin America.” Contribution of Working Group II to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Fonte http://www.ipcc.ch/pdf/assessment-report/ar4/wg1/ar4-wg1-spm.pdf Acesso em 21 de junho de 2013.
31
natureza regenerou-se. Isso é prova do que se está a dizer. Contudo, é necessário apontar que
não houve um período em que aquelas espécies pudessem se adaptar às mudanças. As espécies
foram extintas! Como exemplo, citamos o asteroide que atingiu a península de Iucatã há mais
de 65 milhões de anos o qual representou o mote para o fim do período cretáceo. O mundo
sobreviveu após a queda do asteroide, mas nunca mais da mesma forma como era antes.
Assim, em uma escala de tempo adequada, a Terra se regenerará dos malefícios
trazidos pelo ser humano, mas, provavelmente, não com o ser humano em sua presença, porque
já terá sido extinto há muito, muito tempo. Desse modo, tratar do assunto “Mudanças
Climáticas” representa o risco que nós, humanos, provocamos a nossa própria espécie, tanto em
relação às gerações presentes na atualidade (porque, de regra, os efeitos são mais sentidos em
sociedades mais pobres, apresentando uma perversidade social gritante) quanto às futuras
(desaparecimento da vida humana na Terra).
Falar em mudanças climáticas significa realizar uma análise de riscos e perigos
existentes na e para a sociedade pós-moderna. Uma análise cataclísmica, aterrorizadora, levaria,
obviamente, a ações nada sensatas, posto que motivadas pelo medo extremo. Especialmente
para o tema que iremos tratar neste trabalho, uma visão centrada em todas as posições, mas
sempre pautada na prudência, é a melhor opção. Desfavorecer a posição dos “crentes” em favor
dos “céticos” poderá levar a humanidade a uma ação de descaso para com suas próprias ações
que influenciam o meio, trazendo desequilíbrio, e vice-versa. Não obstante adotarmos a posição
trazida pelo IPCC, não há dúvidas de que a posição dos céticos deverá ser considerada quando
da análise das teorias colocadas em discussão, trazendo, dessa forma, um discurso dialético e
crítico próprio da ciência (a qual não é infalível), importantíssimo para a realização de políticas
públicas.
Recentemente, a ABRAMPA divulgou importantes descobertas realizadas pela
NASA no sentido de que o Aquecimento Global poderá ser em cerca de 20% maior do que o
estimado. 22 Muito embora os estudos indicassem uma descontinuidade no aumento da
temperatura global, os novos estudos produzidos recentemente indicaram uma certa falha no
sistema de medição porque não consideraram a produção de aerossóis, os quais, segundo
descobriu-se, possuem efeitos diferentes em torno do Globo terrestre (não somente resfriando,
mas também esquentando). A exemplo, cita-se, o Hemisfério Norte (região mais
industrializada), como o maior emissor de GEE e aerossóis há um registro de resfriamento. 22 Fonte: http://www.abrampa.org.br/namidia_listar.php?idNoticia=5622 Acesso em 18 de março de 2014.
32
Porém, registrou-se, ao longo do tempo as partículas de aerossóis não possuem a força do
resfriamento e, em sendo assim, em um prazo de 20 anos, poder-se-ia constatar o real efeito do
aquecimento global.
Nesse passo, o Direito tem, por compromisso, a missão de realizar uma avaliação
sensata dos riscos a fim de construir um sistema voltado ao que, de fato, considera-se como
justiça. Nesses termos, parece-nos, desenvolver um sistema de políticas públicas pautado
segundo os critérios da precaução, após uma criteriosa análise dos riscos, seria uma boa solução.
Em verdade, quando se trata de emissão de CO₂, dentre outros gases, e suas
consequências o pano de fundo de toda a discussão também é a saúde humana, visto que as
produções deles estão diretamente ligadas a processo de degradação ambiental,
desflorestamento, aumento de produção de resíduo sólidos, dentre outros processos. Assim,
mesmo que aceitássemos a remota hipótese da correção da teoria dos céticos, deve-se
considerar que o ser humano não poderá mais avançar o processo civilizatório como o vem
fazendo, sob pena de modificar radicalmente a forma da vida na Terra, tal qual a conhecemos.
Portanto, o repensar a forma de vida da sociedade pós-moderna é necessário e urgente para nós,
humanos.
33
2 – ASPECTOS FILOSÓFICOS DO AMBIENTALISMO
2.1 A RELAÇÃO ANTROPOCÊNTRICA PARADIGMÁTICA ATUAL. O MÉTODO CARTESIANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA SOCIEDADE DE RISCO DE ULRICH BECK
A história da humanidade demonstra uma progressividade na evolução do ser humano e
em suas relações interpessoais e com o meio que o cerca. Afirmam com propriedade Stone23 e
Bobbio24, ao se lembrarem de Darwin, que, nos primórdios a raça humana primeiro preocupou-
se com a própria sobrevivência, o homem como indivíduo (uti singulus) e, com o passar dos
tempos, ocupou-se também com aqueles que estavam próximos, até chegar ao ponto da
preocupação com o todo, o difuso, ocasião em que, provavelmente, com o desenvolvimento da
sociedade, surgem também os conceitos de coletividade, direitos do todo no momento presente
e no porvir (gerações futuras), direitos humanos (se compreendermos que os direitos humanos
não nasceram especificamente em 1948 quando por ocasião da Declaração Universal, mas sim
como um desenvolvimento social, o qual culmina com a elaboração do referido documento).
É certo que a visão de ser humano titular de direitos, tal qual a temos hoje, é fruto
igualmente de uma evolução da concepção humana. Isso porque, inicialmente, mulheres,
escravos, crianças, deficientes, salienta Stone, eram sempre vistos como bens, como coisas e
não como pessoas com titularidade de direitos. Os registros bíblicos sobre a figura da mulher e
dos escravos, assim como os registros da Roma Antiga mostram muito bem o que se fala.
Mulheres eram vistas como o sexo mais frágil e, portanto, como desprovidas de inteligência
suficiente para gerir sua própria vida. Escravos, também, sejam negros ou os de guerra, não
eram considerados pessoas, mas bens, podendo ser até mesmo vendidos.
A sociedade humana evoluiu e hoje não se admite mais tais exclusões. “Todas as
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e
devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” afirma o artigo 1º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, formulada em 10 de dezembro de 1948 pela
Organização das Nações Unidas.
Se, por um lado, a humanidade conseguiu evoluir na sua compreensão acerca do
“ser humano”, ao que parece, a mesma dinâmica não poderá ser aplicada quanto à relação
“homem x natureza” e, a História nos ajudará a entender essa importante problemática.
23 STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objects. Tioga Pub Co. 1998. 24 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus. 1992.
34
Em René Descartes e Francis Bacon, ambos importantes cientistas/filósofos do
século XVII, há uma drástica mudança no paradigma científico mundial o qual, como veremos,
ainda apresenta seus reflexos no momento atual.
Descartes, ao instituir o seu método de pesquisa (estando o Direito nessa
perspectiva) - a dúvida universal e o método analítico, segundo Capra, nos “ensinou a
conhecermos a nós mesmos como egos isolados existentes ‘dentro’ dos nossos corpos; levou-
nos a atribuir ao trabalho mental um valor superior ao trabalho manual; habilitou indústrias
gigantescas a venderem produtos – especialmente para mulheres- que nos proporcionem o
corpo ideal; impediu os médicos de considerarem seriamente a dimensão psicológica das
doenças e dos psicoterapeutas a lidarem com o corpo de seus pacientes. Nas ciências humanas,
a divisão cartesiana redundou em interminável confusão acerca da relação entre mente e
cérebro (...)”. 25 Descartes, assim como Francis Bacon, talvez até mesmo devido a suas
formações em ciências exatas e adotando uma posição filosófica dualista sobre o homem,
encarava o funcionamento da Terra como uma máquina, não havendo qualquer propósito, vida
ou espiritualidade na matéria, inclusive nos animais. Não havendo qualquer tipo de alma na
matéria, sentimento e, portanto, dignidade, ao ser humano era permitido utilizar todo
conhecimento, apreendido através das investigações científicas, para se tornar senhor e
dominador da Terra, da Natureza, dos animais. Essa relação é fortemente marcada por ocasião
da Revolução industrial e ganha um contorno ainda mais forte em razão do desenvolvimento
das tecnologias. Esse, então, foi o primeiro grande passo para distanciar o ser humano do
respeito em relação ao meio que o cerca.
Na mesma linha, existe a tradição religiosa, a qual permite ao homem ver-se em
relação à Natureza como seu dominador, em relação de superioridade. Veja-se o livro bíblico
do Gênesis, capítulo 1, versículo 28, o qual diz “então Deus os abençoou e lhes disse:
Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre
as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra.”26 A Torá, matriz do
textos cristãos, afirma de modo semelhante no livro de Berechit – (תישאר, - Gênesis), e ainda
informa que animais não possuem “neshamá” (o nível mais elevado da alma), e quando
morrem, seu “ruach” (um nível mais baixo de alma) é expirado, significando dizer que os
25 CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência a Sociedade e a Cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 25 ed. p. 55, com nosso grifo. 26 A Bíblia Sagrada. Velho e Novo Testamento. Rev. da tradução de João Ferreira de Almeida. 3ª impressão. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira. 1988.
35
animais (e também as plantas), após a morte, cumprem seu propósito na terra – servir ao
homem.
Mas não é só. A Filosofia kantiana também representa mais um passo de
distanciamento, posto que assenta o ser humano realmente no centro de todas as preocupações,
como um fim em si mesmo, trazendo consigo o elemento racional devendo, portanto, afastar-se
de toda objetificação do homem. Se, por um lado, à Kant é concedido o mérito pela concepção
libertação da coisificação do humano, também a ele é posta a carga trazida pelo
antropocentrismo exagerado, afastando o atributo “dignidade” de tudo o que não seja de DNA
humano. Sarlet, ao citar o filósofo prussiano, diz que este concebia todo o “resto” como
pertencente à categoria de coisas, com uma valoração relativa e em relação de utilidade para
com o ser humano, como unicamente um meio para a satisfação das necessidades humanas,
bem longe de um valor fundamental de uma dignidade intrínseca.
Acoplado a isso, o desenvolvimento do capitalismo, especialmente a partir da
metade do século passado e início deste século, traz uma sensível modelação em relação à
forma como o ser humano se observa em relação a si próprio, aos outros e ao seu meio. Neste
momento histórico, o antropocentrismo já está bem assentado na cultura humana ao ponto de
gerar o que Lipovetsky chama de uma “ardorosa obrigação: toda uma sociedade se mobiliza
em torno do projeto de arranjar um cotidiano confortável e fácil, sinônimo de felicidade” com
uma “ambiência de estimulação dos desejos, a euforia publicitária, a imagem luxuriante das
férias, a sexualização dos signos e dos corpos.” 27
A consolidação das relações de consumo na sociedade traz como consequência
direta a necessidade premente de aumento da produção de bens (inclusive uma produção mais
constante) e, via reflexa, a exploração dos recursos naturais o que, invariavelmente, está
diretamente atrelado à exploração predatória da natureza e emissão abusiva de GEE. Aqui está
o paradoxo do capitalismo e da ciência moderna: eles próprios concedem os almejados prazeres,
confortos e, para que isso ocorra, há a necessidade de exploração da Natureza gerando,
atualmente, um verdadeiro desequilíbrio o qual desemboca na problemática da Mudança do
Clima. Confira-se, nesse sentido, Beck: “A práxis científica superespecializada transforma-se
assim num ‘pátio de manobras’ para problemas e para o custoso tratamento dos sistemas
correspondentes.”28
27 LIPOVETSKY, Gilles. Tradução Maria Lucia Machado – São Paulo: Companhia das letras, 2007. p 35 28 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ed. São Paulo: Editora 34. p. 271.
36
Mas não serão apenas a ciência, a ética ou o capitalismo os grandes vilões do
grandioso projeto de extinção da raça humana, isso é óbvio. Todos os sérios problemas gerados
pelo ser humano, à sua própria existência, estão também diretamente relacionados à sua noção
de risco. Não somente a ideia de cada pesquisador, mas também, e principalmente, da
sociedade como um todo. Nesse diapasão, duas perguntas são pertinentes: Nossa sociedade
enxerga algum risco grave em relação ao meio ambiente na sua forma de vida atual? A
sociedade possui a exata dimensão da sua influência na problemática das Mudanças
Climáticas/Aquecimento Global?
A crítica e, talvez, a resposta às perguntas, vem de Beck, cujo estudo é sobremodo
crítico em relação ao modus vivendi do homem moderno, o homu economicus.
A questão não é o risco em si, ele está aí desde os primórdios da humanidade, mas
sim a postura do ser humano em relação ao desenvolvimento da sua sociedade. O risco real e
florescente na nossa sociedade, no caso do presente trabalho a alteração do Clima, passa
despercebido por todos, entra no lugar comum das preocupações rotineiras até entrar nos muros
da apatia, anestesiado pelo gozo produzido por ele próprio, o risco. E ainda, o que é pior,
produz-se o risco para que soluções sejam ventáveis e lucrativas ao mercado. Para Beck, a
“canabalização mercantilizante dos riscos” gera oportunidades de mercado no próprio risco,
alimentando-se do próprio risco para a sua subsistência, o que gera, inexoravelmente, o risco
autofabricável e necessário.
Uma mudança paradigmática. Uma questão de sobrevivência humana.
A falsa impressão do ser humano de que a sua ciência poderá dominar a Natureza,
explorando todos os seus recursos indistintamente para que, posteriormente, possa reparar
todos os danos causados, inclusive em relação à mudança do clima, além de tratar-se de uma
fantasiosa articulação, também o conduz a um caminho sobremodo arriscado, posto que, como
bem salienta Giddens, em relação às Mudanças Climáticas, “lidar com o aquecimento global
nada tem a ver com salvar a Terra, que sobreviverá independentemente do que fizermos. Viver
em harmonia com a Terra, respeitar a Terra, respeitar a natureza, todas essas ideias se
incluem na mesma categoria.29” Afirmar que a Terra viverá independentemente do homem é
uma afirmação séria e precisa ser muito bem compreendida no sentido em que este trabalho
está se desenvolvendo.
A história geológica da Terra nos conta as muitas vezes em que houve grandes
cataclismos e, com eles, a forma de vida daquela época se extinguiu completamente, havendo,
29 GIDDENS, Anthony. A Política das Mudanças Climáticas. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Zahar. Versão digital. p. 68.
37
contudo, se regenerado, mesmo que em milhares de anos. Isso porque, a Natureza em seu todo
não morre, não degenera, ao contrário, se expande e evolui em inovação. Muito embora as
formas de vida de cada período tenham desaparecido por ocasião das catástrofes, a Terra, em si,
persistiu, renovou-se e, agora, estamos nós aqui, homu erectus. Ora, no momento em que o
Clima se alterar de forma que o ser humano não consiga mais manter a forma de vida tal qual a
conhecemos, a Terra, enquanto todo, continuará presente. Quanto a nós, humanos, a dúvida
persistirá.
É por demais ingênuo e romântico pensar que podemos viver independentemente
do respeito ao próximo, assim como em respeito às demais formas de vida presentes ao nosso
redor. O item primeiro da proclamação de Estocolmo reconhece ser “o homem é ao mesmo
tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca.”30
O homem puramente antropocêntrico é egoísta e hedonista, como bem afirma
Lipovetsky, busca apenas suas satisfações pessoais, pouco importando a forma como poderá
alcançar seus objetivos, gerando o completo desarranjo com o meio em que vive. Afirma Beck,
“é preciso, por assim dizer, através de alterações em sua autoimagem e em sua configuração
política, introduzir freios e contrapesos no ‘desgoverno’ do avanço científico-tecnológico,
atualmente em desabalada e explosiva carreira.”31
Desse modo, parece-nos, falar sobre a Mudança do Clima, preservação do Planeta,
implica necessariamente uma questão de sobrevivência da própria raça humana e da memória
de tudo o que construímos (e também destruímos) e, de tudo o que poderemos ainda construir.
Por este viés, a preservação do Planeta, do Clima, passaria por uma condição antropocêntrica, o
homem como o centro de todas as preocupações, o que, de certo modo, não estaria de todo
equivocado, mas deverá evoluir para encontrar o ser humano no “centro difuso de todas as
coisas”32, em uma relação de interdependência e solidariedade evoluindo da visão do “eu -
humano” para o “nós – forma de vida”, em completa harmonia e respeito, reconhecendo o fato
de que o homem não opera somente em um ambiente social, mas também em um ambiente
natural, passando a adotar, desse modo, a corrente biocêntrica.
Essa perspectiva foi notada há mais de 150 anos, quando o mundo foi testemunha
da carta do Cacique de Seattle enviada ao então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce,
no ano de 1855. O escrito foi não só uma resposta à oferta do então presidente de compra das
terras indígenas, mas também uma declaração de propósitos e de conduta ética daqueles
30 Fonte: www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc. Acesso em 18 de setembro de 2013. 31 Idem. P 273 32 CAPRA, Fritjof. A teia da vida.
38
humanos em relação ao meio ambiente. Longe de expectativas metafísicas, o fato é que, se o
homem branco tivesse ouvido as recomendações do chefe da tribo dos Suquamish certamente
não estaríamos discutindo o tema “Mudanças Climáticas”. Vejamos alguns trechos da carta33:
Mas como é possível comprar ou vender o céu, o calor da terra? É uma ideia
estranha. Não somos donos da pureza do ar e do brilho da água. Como alguém
pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre coisas do nosso tempo.
Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias
de areia, cada floco de neblina nas florestas escuras, cada clareira, todos os
insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
(...) O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos
respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco
se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau
cheiro.
(...) Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual,
porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo
quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Embora a carta fosse escrita em uma época diferente da nossa, percebe-se a
atualidade do seu tema, trazendo o importante confronto entre as correntes biocêntricas e
antropocêntricas. O “homem vermelho” não consegue entender como os brancos não se
importam com o ar que respiram, fundamental para a sobrevivência humana.
Essa inquietação é atualíssima. Veja que os moradores de grandes centros urbanos,
já tão habituados com a visão do céu cinzento, e com os roncos das buzinas e dos veículos, ao
calor do asfalto e dos grandes arranha-céus, já se dessensibilizaram em relação a sua
importância para o equilíbrio do todo.
Ao citar Ralph Waldo Emerson, Giddens afirma “devemos procurar recuperar a
relação não mediada que nossos ancestrais desfrutavam com a natureza, e que é a fonte da
experiência estética e da moral.”34 Portanto, o desenvolvimento da humanidade, tal qual tem
ocorrido, precisa de uma mudança paradigmática urgente, longe de uma postura cética, sob
pena de entrarmos em um caminho sem volta em relação às mudanças climáticas. Esse talvez,
no nosso sentir, é o grande mal de se adotar uma postura antropocêntrica, porque o homem
33 PERRY, Ted. A carta do Cacique de Seattle. Tradução de Aline Galeffi. Rio de Janeiro: Versal Editores. 2007. 34 GIDDENS, Anthony. A política da mudança climática. Versão digital. p. 62
39
torna-se o centro de todas as preocupações e, distante da realidade que o cerca, acaba por
enveredar por caminhos de uma ética utilitarista, voltada para o fim das suas próprias
satisfações como bem frisa Lipovetsky.
José de Ávila Aguiar Coimbra 35propõe um novo humanismo, “mais humano e
menos tecnicista”, diferente do humanismo Renascentista, provavelmente o “humanismo
integral” proclamado pelo filósofo francês Jaques Maritain, aquele que permite uma relação de
cumplicidade entre a alma humana e a alma dos demais seres vivos. Esse novo paradigma
concede ao ser humano receber “das mãos da Natureza o seu prêmio e terá a ela própria como
troféu.”
2.2 - A ÉTICA AMBIENTAL EM HANS JONAS – O NOVO IMPERATIVO CATEGÓRICO
Desde o século XVIII, já se encontram registros sobre a preocupação quanto à
disponibilidade de recursos na Natureza para prover o padrão de vida da humanidade,
especialmente após o desenvolvimento dos estudos produzidos por Thomas Malthus o qual
observou que os recursos possuem expansão em escala aritmética, enquanto a população cresce
em série geométrica. Provavelmente, o documento mais conhecido sobre o tema é o relatório
Publicado, em 1972, pelo Clube de Roma, conhecido por “Os limites do crescimento”, com
cenários extremamente pessimistas, os quais não se concretizaram. Contudo, a sua grande
contribuição foi chamar a atenção da humanidade para a necessidade de rever o seu processo de
produção econômica, reduzindo desigualdades sociais e impor limites à capacidade humana de
produzir influências em seu meio através do seu conhecimento, já que, segundo é vastamente
comprovado, é possível a modificação completa de um meio (Meio Ambiente, Alimentos
dentre muitos outros aspectos) através da utilização de toda a tecnologia produzida pelo ser
humano.
Nesses moldes, uma nova reflexão está diretamente ligada à relação existente entre
a técnica e seus efeitos sobre a natureza e sobre o ser humano. O assunto é abordado por Hans
Jonas36, o qual desenvolveu o tema deixado por seu discipulador Martin Heidegger37, com
brilhantismo.
35 COIMBRA. José de Ávila Aguiar. O outro lado do Meio Ambiente. São Paulo: CETESB, 1985. p 109. 36 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto:Ed. PUC-Rio, 2006. 37 HEIDEGGER. Martin. A questão da técnica. Trad. Emmanuel Carneiro Leão.. In: Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia de Sá Cavalcante Schuback. 6.ed. Petrópolis: Vozes. 2010. p. 11-38. Coleção Pensamento Humano.
40
A humanidade desenvolveu sua técnica, aqui compreendida como o rol de
conhecimentos e instrumentos utilizados para a decifração e o domínio sobre o meio que o
cerca e, segundo Hans Jonas, a mesma passa a condição de meio para ser colocada como um
fim em si mesma, o que é determinante para a mudança no modo de vida do ser humano, as
relações sociais e com o meio ambiente, alterando de forma significativa o conteúdo da ética no
uso desse novo “poder”, trazendo tanto benefícios quanto malefícios. Assim, a questão para
Jonas será a avaliação ética delimitadora dos efeitos da “tecnificação” do agir humano, tanto
em relação aos seus efeitos positivos quanto em relação ao potencial destrutivo, os quais podem
ameaçar, inclusive, a própria existência humana. O termo, em Heidegger, “deriva do grego
‘technikon’. Isto designa o que pertence à ‘technè’. Este termo tem, desde o começo da língua
grega, a mesma significação que ‘episteme’- quer dizer: velar sobre uma coisa, compreendê-la.
‘Technè’ quer dizer: conhecer-se em qualquer coisa, mais precisamente no facto de produzir
qualquer coisa”38. Em brilhante interpretação sobre o texto ao qual nos referimos, os filósofos
Willis Santiago e Márcia Aquino afirmam “o des-ocultar da técnica moderna não é um pro-
duzir, mas um des-ocultar que desafia a natureza e que a põe como fonte de recursos
disponíveis a serem continuamente demandados.”39
Heidegger é firme ao dizer não haver qualquer tipo de neutralidade na técnica,
sendo, portanto necessário que a ela nos envolvamos de forma a conhecê-la e encará-la como
um meio e não um fim. Contudo, o domínio da técnica e o seu próprio desenvolvimento
trouxeram certa banalização acerca do uso dos recursos naturais, assim como a visualização de
onde o ser humano se encontra em todo o desenvolvimento. Christopher D. Stone, alertando
sobre a banalização da utilização dos recursos, alertou sobre a necessidade de atentarmos sobre
a banalização da utilização dos recursos naturais40 e, continua, a humanidade não desenvolve
apenas a capacidade científica, mas também a sua própria capacidade de percepção de que a
natureza é como ele próprio, o homem, dele faz parte, reunindo um todo41.
38 HEIDEGGER. Martin. Língua de tradição e língua técnica. Trad. Mário Botas. 2.ed. Lisboa: Vega, 1999. p.21 39 AQUINO, Márcia Regina Pitta Lopes e GUERRA FILHO, Willis Santiago. Matrix como essência da Técnica segundo Heidegger. Disponível em http://www.ifcs.ufrj.br/~sfjp/revista/downloads/matrix_como_essencia_da_tecnica.pdf . Acesso em 28 de janeiro de 2014. 40 “Scientists have warning of the crises the earth and all humans on it face if we do not change our ways - radically - and these crises make the lost recreational use of rivers seem absolutely trivial”. STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objetcts. Tioga Pub Co. 1998. P. 45 41 “We are not only developing the scientific capacity, but we are cultivating ther personal capacities within us to recognize more and more the ways in which nature – like the woman, the Black, the Indian and the Alien – is like us (...)” STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objetcts. Tioga Pub Co. 1998. P. 51
41
Neste contexto, o conteúdo da ética tradicional nem sempre apresenta facilidades na
sua aplicação, especialmente quando tratamos de assuntos atinentes ao capitalismo, preservação
ambiental, sociedade de consumo em massa, satisfação da felicidade. As discussões são
acaloradas quando a imagem do futuro, das gerações futuras, é posta em contraponto com a
necessidade atual de, por exemplo, alimentar inúmeras pessoas no globo terrestre, retirar outras
tantas da linha de pobreza conferindo-lhes dignidade.
Contudo, há uníssono de vozes entre a maioria dos filósofos, sociólogos,
antropólogos no sentido de compreender a nova técnica como agente modificador da Natureza
e do agir humano de uma maneira inédita e de grandeza nunca antes imaginável, revelando não
só o poderio da mente humana, como também a fragilidade do ser humano e da própria
Natureza, impondo à ética “pela enormidade das suas forças, uma nova dimensão, nunca antes
sonhada, de responsabilidade”42. Diz responsabilidade porque, segundo a ética kantiana, a
Natureza não está sob o encargo humano e sob uma visão biocêntrica e não antropocêntrica.
Citamos Jonas:
“Enquanto for o destino do homem, dependente da situação da natureza, a
principal razão que torna o interesse na manutenção da natureza um interesse
moral, ainda se mantém a orientação antropocêntrica de toda ética clássica.
Mesmo assim, a diferença é grande, Desaparecem as delimitações de proximidade
e simultaneidade, rompidas pelo crescimento espacial, o prolongamento temporal
das sequências de causa e efeito, postas em movimento pelas práxis técnica mesmo
quando empreendidas para fins próximos. Sua irreversibilidade, em conjunção com
sua magnitude, condensada, introduz outro fator, de novo tipo, na equação moral.
Acresça-se a isso o seu caráter cumulativo: seus efeitos vão se somando, de modo
que a situação para um agir e um existir posteriores não será mais a mesma da
situação vivida pelo primeiro ator, mas sim crescentemente distinta e cada vez
mais um resultado daquilo que já foi feito. Toda ética tradicional contava somente
com um comportamento não cumulativo.”43
O filósofo alemão denuncia a “objetificação” do ser humano, assim como da
Natureza, sendo que os fundamentos antropocêntricos imbricados na base da ética ocidental são
absolutamente insuficientes para orientar a nova civilização posto estarem voltadas somente
para o agir e não para o “ser” (aqui nos referirmos tanto à ética kantiana quanto à
42 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto:Ed. PUC-Rio, 2006. p. 39. 43 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto:Ed. PUC-Rio, 2006. p. 40.
42
utilitarista/“benthaniana”), além de deitar os olhos somente para o tempo presente,
desconsiderando o futuro, impossibilitando, dessa forma, que se ultrapasse a realidade intra-
humana e alcançar as gerações futuras.
Não há como olvidar, o contexto histórico influencia as escolhas e o fundamento de
cada imperativo ético proposto. Em Kant, as preocupações da sociedade eram voltadas a
libertação do Estado Religião, ocasião em que a “revolta” direcionava-se para com as tradições
que sufocavam a grande massa. Por isso, o valor central de Kant é a dignidade humana,
relacionando-se com o momento presente, na medida em que a escolha do agir humano pudesse
ser transformada em regra geral de conduta (“Age como se a máxima de tua ação devesse
tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”). Nos tempos de Immanuel Kant, a
vulnerabilidade da Natureza frente à “técnica” humana, nem a coisificação do próprio ser
humano não constituíam problemas de responsabilidade humana, até mesmo porque o grau de
desenvolvimento das ciências e tecnologias não permitia uma amplitude de interferência na
natureza do Meio Ambiente e do próprio ser humano.
A necessidade em Kant era o descobrir humano a “saída da sua menoridade de que
ele próprio é culpado”.44
Na pós-modernidade, o desenvolvimento da técnica e ampliação do poder de
destruição e modificação trazem uma nova dimensão a respeito do cosmos, transformando-o
em um infinito de variedades e funções. Se, com a nova técnica foi possível ao ser humano
avançar em todos os níveis e áreas do conhecimento, retirando-o do seu “estado de
menoridade”, movimento este decorrente das advertências trazidas por Kant, não há dúvidas de
que este “esclarecimento” também carrega consigo a grande responsabilidade e o
reconhecimento da necessidade de imposição de limites deste novo saber. À própria técnica
coube a revelação dos potenciais dos recursos naturais e humanos, revelando a fragilidade da
vida terrena, portanto a ela mesma cabe a responsabilidade pela manutenção da vida. Não se
trata, a nosso ver, de uma negação da teoria de Kant, mas sim da sua adequação aos dias em
que os conceitos, e a própria vida, se tornam difusos, coletivos, abrangentes.
Ao tratar do tema “cultura-mundo”, o filósofo francês Gilles Lipovetsky conclui “a
técnica suscita todo um conjunto de sonhos (...) a fé no poder da razão e da técnica alimentou
o dogma do progresso necessário, linear e indefinido.” 45
44 Kant, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos. Tradução Artur Morão. Lisboa/Portugal: Edições 70. 2008. p. 11 45 LIPOVETSKY, Gilles e Jean Serroy. A Cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Tradução Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras. 2011. p 43.
43
Jonas questiona “e se o novo modo do agir humano significasse que devêssemos
levar em consideração mais do que somente o interesse do ‘homem’, pois nossa obrigação se
estenderia para mais além, e que a limitação antropocêntrica de toda ética antiga não seria
mais válida?”46 Uma responsabilidade que decorra não somente por nossa causa, mas uma
causa fim em si mesma, com finalidades “extra-humanas”.
A discussão, assim, migra do ponto a “dignidade humana” até alcançar a
abordagem sobre a dignidade Planetária, das gerações (humanas e não humanas) do porvir,
com a carga da responsabilidade voltada àquele desenvolvedor da própria técnica, a fim de que
a própria técnica não reduza a essência humana ao nada. Este é o tema fundador da nova
exigência da ética apontada por Hans Jonas.
Embora aborde sobre o tema “hipercapitalismo”, o filósofo francês Gilles
Lipovetsky traz preocupação semelhante quando afirma que a “salvação hipermoderna” da
desordem contemporânea está além das simples recriminações ao antiliberalismo econômico.
Ou seja, a visão capitalista é voltada ao prazer extremo, ao uso desenfreado dos recursos
naturais colocando o “luxo na moda” ao bem prazer exclusivo humano, fazendo com que essa
nova técnica volte-se ao serviço desse capitalismo, deslocando a vida da condição de fim para
meio e atingir os fins do próprio capital. Há então uma mudança na finalidade do uso da técnica
alterando, também, o agir humano, transportando o homo faber para acima do homo sapiens.47
Em nota de rodapé, o filósofo alemão apresenta uma inquietação, a qual também
está presente nesta mestranda, sobre a possibilidade desta nova ética promover mudanças no
paradigma dentro das “condições de existência sedimentadas pela tecnologia ao longo do seu
caminho”.
Em Jonas, o novo imperativo categórico deve ser assim descrito: “Aja de modo a
que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida
humana sobre a Terra.”48 Significa dizer que o repensar da ética significa reconhecer o valor
de Ser Humano de modo a garantir a continuidade não do homem em si, mas ao menos da ideia
de ser humano porque, como bem afirma, “não somos responsáveis pelos homens futuros, mas
sim pela ideia do homem, cujo modo de ser exige a presença da sua corporificação no
46 46 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto:Ed. PUC-Rio, 2006. p. 41 47 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. 48 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. p. 47
44
mundo”49, pelo fato de que a presente geração, em princípio, não teria o direito pela escolha da
não existência das próximas gerações, este ato estaria fora do livre arbítrio humano coletivo. O
pensamento do filósofo alemão não se distancia de uma postura metafísica nos seguintes
termos:
“Mas o novo imperativo diz que podemos arriscar a nossa própria vida, mas não a
da humanidade/ que Aquiles tinha, sim, o direito de escolher para si uma vida
breve, cheia de atos gloriosos, em vez de uma vida longa em uma segurança sem
glórias (sob o pressuposto tácito de que haveria uma posteridade que saberia
contar os seus feitos); mas que nós não temos o direito de escolher a não-existência
de futuras gerações em função da existência da atual, ou mesmo de as colocar em
risco. Não é fácil justificar teoricamente – e talvez, sem religião, seja mesmo
impossível – por que não temos esse direito; por que, ao contrários, temos um
dever diante daquele que ainda não é nada e que não precisa existir como tal e que,
seja como for, na condição de não-existente, não reivindica existência. De início, o
nosso imperativo se apresenta sem justificativa, como um axioma.”50
O novo imperativo de Jonas impõe uma conduta coletiva voltada para a política
pública, não mais individual, assim como uma responsabilidade também coletiva quanto ao
assunto Meio Ambiente e à preservação das formas de vida na Terra. De certa forma, o novo
imperativo está pautado na solidariedade humana com a ideia de “humanidade”, com os
registros históricos produzidos pelo ser humano no presente, os quais deverão ser resguardados
para os dias vindouros. Mas não só registros, como também a forma de viver do ser humano, a
qual implica relacionar-se consigo (daí a ideia do Ser tão abordada por Jonas), com o meio
(social e ecológico). Será preservar a “imagem e a semelhança” da humanidade. Confira-se nas
últimas palavras de Jonas em seu “Princípio da Responsabilidade”:
“Também temo novamente de recuperar o respeito e o medo que nos protejam dos
descaminhos do nosso poder (por exemplo, de experimentos com a constituição
humana). O paradoxo da situação atual está em que precisamos recuperar esse
respeito a partir do medo, e recuperar a visão positiva do que foi e do que é o 49 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. p. 94 50 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. p. 48
45
homem a partir da representação negativa, recuando de horror diante do que ele
poderia tornar-se, ao encararmos fixamente essa possibilidade no futuro
imaginado. Somente o respeito, na medida em que ele nos revela um algo
‘sagrado’, que não deveria ser afetado em nenhuma hipótese (o que podemos
vislumbrar, mesmo sem uma religião positiva), nos protegeria de desonrar o
presente em nome do futuro, de querer comprar este último ao preço do primeiro.
Da mesma maneira que a esperança, o medo tampouco deve nos levar a adiar o
objetivo verdadeiro – a prosperidade do homem na sua humanidade íntegra – e
entrementes arruinar tal objetivo, em virtude dos meios. Os meios que não
respeitam os homens do seu próprio tempo fariam isso. Um patrimônio degradado
degradaria igualmente os seus herdeiros. A proteção do patrimônio em sua
exigência de permanecer semelhante ao que ele é, ou seja, de protegê-lo da
degradação, é tarefa de cada minuto; não permitir nenhuma interrupção nessa
tarefa é a melhor garantia de sua duração; se ela não é uma garantia, pelo menos
é o pressuposto da integridade futura da ‘imagem e semelhança’. Mas sua
integridade não é nada mais do que a manifestação do seu apelo à humildade,
cada vez maior e mais afinada por parte dos seus representantes, sempre bastante
deficientes. Guardar intacto tal patrimônio contra os perigos do tempo e contra a
própria ação dos homens não é um fim utópico, mas tampouco se trata de um fim
tão humilde. Trata-se de assumir a responsabilidade pelo futuro do homem.”51
A abordagem de Hans Jonas não exclui a possibilidade de desenvolvimento
econômico, humano, ao contrário, possibilita um diálogo entre iguais (ciência e ecologia) cujas
singularidades possam se complementar a fim de trazer a dignidade do Todo no presente e para
o futuro. Nesse ponto, a própria ciência traz a concepção dos freios necessários à utilização da
tecnologia desenvolvida, doutrinando-a no aprendizado da moderação.
2.3 - O HUMANISMO INTEGRAL DE JAQUES MARITAIN E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA APLICABILIDADE DA ÉTICA AMBIENTAL
Após desenvolvermos o tema da ética ambiental, entendemos importante abordar o
tema do Humanismo, tanto na sua concepção histórica, quanto na desenvolvida por Sayeg em
51 JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Ensaio de Uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiza Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006. p. 353
46
seu Capitalismo Humanista, de forma a trazer a junção e importância do ser humano,
desmistificando o conceito técnico-científico do ser humano e enquadrando-o, e porque não, na
sua forma também metafísica. Essa nova conformação do ser humano, como se observará,
fornece mecanismos importantes para que possamos desenvolver uma política pública pelo
homem voltada ao homem e ao meio ambiente, considerando ambos nos seus graus de
importância da manutenção de todas as formas de vida existentes na Terra.
Estudiosos, inclusive Sayeg, costumam afirmar que a ideia de centralização do ser
humano, como centro das preocupações humanas, possui Base Helênica, especificamente na
tragédia grega de Antígona, escrita por Sófocles, a qual relata, dentre muitos aspectos, o
conflito expresso existente entre as leis naturais (leis divinas no caso da tragédia grega) e as leis
postas (humanas), assim como a condição humana entre esses dois pontos de discussão. Sem
adentrar profundamente no tema, será importante ressaltar a posição de Antígona junto a
Creonte (rei de Tebas), arguindo o direito do seu irmão de ser enterrado segundo as leis divinas,
mesmo que estas estejam em contradição com as leis humanas. O feito lhe custou a própria
vida.
Na Mitologia hindu, especificamente no épico indiano Mahabharata (texto sagrado
de maior importância no hinduísmo), na parte específica Bhagavadgita (Gita), conflito
semelhante também é encontrado. Na véspera da batalha que será o episódio central do épico,
Arjuna, o guerreiro invencível, exprime suas dúvidas profundas sobre liderar a luta que
resultará em tantas mortes humanas. Krishna, seu conselheiro, lembra a ele sobre a necessidade
de priorizar o seu dever, ou seja, lutar independentemente das consequências. Os argumentos
de Arjuna demonstram a importância do ser humano frente à obediência às leis de forma cega e
apriorística.
No mundo ocidental, encontramos uma influência religiosa judaico-cristã a qual
concebe o ser humano como um ser feito por Deus, à sua imagem e semelhança. O livro de
Gênesis, capítulo 1, traz a menção sobre como o homem e a mulher foram criados. Ainda nos
relatos bíblicos, e mesmo na Torá judaica, o tempo dos profetas e juízes foi marcado pela
representação de Deus na terra através dos profetas, reis. Nesse aspecto, todas as autoridades
seriam instituídas por Deus para cumprirem um ministério na Terra. Com a vinda de Jesus
Cristo, diz a Bíblia, o véu é rasgado, não há mais separação entre judeus e gentios e o conceito
de igualdade entre todos (homens, mulheres, crianças e escravos) é trazido à humanidade.
Então, aquele conflito existente nos diálogos de Antígona e Arjuna já não fazia mais sentido
diante da igualdade. Todos são seres humanos e, por si próprios, poderão ter acesso à
47
divindade 52 , ressaltando a importância de cada um, enquanto pessoa individual, na sua
conformação de dignidade.
Na idade Média, até por volta do Sec. XV, já é possível encontrar algumas
distorções sobre o sentido de todos no sentido da igualdade. Retirar-se o individual,
transportando-o ao social e, pior, retornando à representatividade pela própria igreja. Já no
curso do sec. XIV, a concepção medieval indica traços de declínio e, aos poucos, surgem novas
forças, as quais contribuíram para o mundo moderno. A estrutura feudal da sociedade medieval
tornou-se instável, com a ascensão de uma poderosa classe de mercadores unidos aos soberanos
contra os barões indisciplinados. São quatro os principais movimentos que proporcionaram a
mudança do paradigma existente à época:
1 – Renascimento italiano do sec. XV e XVI – Dante proporcionou com a
linguagem vulgar o acesso à palavra escrita aos leigos que não sabiam ler. Bocácio e Petrarca
fazem um retorno aos ideais seculares. Os pensadores do Renascimento se interessaram mais
pelo homem do que pelas coisas de Deus. Poderia ser considerado como um movimento de
popularização.
2 – Humanismo – um movimento que permanecia no domínio do pensamento e dos
sábios. O movimento parte da Itália e se dirigiu do Norte da Itália, para a Alemanha, França e
países baixos, onde ganhou mais força. Os grandes pensadores humanistas dessas regiões
surgiram um século depois dos pensadores italianos.
3 – Reforma luterana – movimento contra as más práticas que infestavam o
governo da Igreja daquela época. O movimento tinha como mote a seguinte frase: “Todo
homem se acha em contato direto com Deus, Cristo não precisa de vigários”. As diversas lutas
religiosas travadas em decorrência desse novo movimento, durante os sec. XVI e XVII, fazem
surgir o iluminismo.
4 – Reanimação dos estudos empíricos iniciados pela crítica de Okham – a navalha
de Guilherme de Okham. Nesse momento, há a redescoberta do sistema heliocêntrico por
Copérnico cuja exposição ocorreu em 1543.
O movimento chamado Iluminismo exerceu diferentes influências por toda a
Europa. Na França, contribuiu para a preparação da revolução de 1789. Na Alemanha, a
Aufklärung representou o renascimento intelectual.
52 E o acesso à divindade tem um aspecto relevante porque todos, indistintamente, são vistos como iguais.
48
Por toda a parte, o iluminismo esteve ligado à difusão do pensamento científico e
rompimento com uma postura religiosa. “Assim como na esfera da religião o protestantismo
lançara a ideia de que cada qual deveria julgar por si, igualmente, no campo científico, agora os
homens deveriam observar a natureza por si mesmos, em vez de confiar cegamente nos
pronunciamentos daqueles que representavam doutrinas”.
Pode-se dizer que o movimento fora, essencialmente, uma revalorização da
atividade intelectual e, literalmente, desejava difundir a luz onde até então prevaleciam trevas.
Um dos grandes textos da época pode ser encontrado em Kant, o qual, em resposta à pergunta
“O que é o iluminismo?” descreveu:
"O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é
culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a
orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não
reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir
de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te
servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do iluminismo."53
O referido texto é emblemático porque representa, também, as transformações
políticas ocorridas à sua época, também fruto de um antropocentrismo exagerado, afastando-se
da influência das instituições hierárquicas, tais como a nobreza e a igreja. O grande problema
enfrentado por esse movimento será, justamente, aquele apresentado por nós no capítulo 1
deste trabalho: o reducionismo do ser humano ao cientificismo e ao tecnicismo, na medida em
que a Ciência torna-se a grande detentora da verdade, atraindo a atenção e a confiança de todos,
de forma a conformar uma visão totalmente contaminada pelo mecanicismo de Descartes
acerca da relação do humano com o mundo ao seu redor.
Na tentativa de elaborar um movimento de contracultura a todos os movimentos
desencadeados a partir do humanismo, os quais certamente encaminham a humanidade a uma
cadeia sucessiva de abismos, Maritain escreve o livro Humanismo Integral na primeira (1936)
fase do capitalismo. Sob esses aspectos, argumenta Maritain, o Humanismo iluminista é
individualista e leva à banalidade, traduzida no hedonismo e no egoísmo vividos pela sociedade
da pós-modernidade.
Em Maritain, o ser humano é também uma pessoa dotada de corpo, alma e espírito,
um ser natural e sobrenatural.
53 KANT. Immanuel. A paz perpétua e outros opúsculos. Tradução de Artur Morão. Lisboa/Portugal: Edições 70. p. 11.
49
“Uma pessoa é um universo de natureza espiritual dotado da liberdade de escolha e
constituindo, portanto, um todo independente em face do mundo, não podendo nem
a natureza nem o Estado tocar este universo sem a sua permissão (...) Era do ponto
de vista de deus que todas as coisas eram encaradas. Os mistérios naturais do
homem não eram escutados por eles próprios, por um conhecimento científico e
experimental. (...) uma espécie de termos ou de pudor metafísico, e também uma
preocupação predominante de ver as coisas e de contemplar o ser, e de tomar as
médias do mundo, retinha o olhar do homem medieval afastado de si próprio.”54
Sob o novo enfoque a expressão da lei universal é a fraternidade, lei não no sentido
de positivação, mas no sentido de regularidade adotada por Charles Sanders Peirce55, como um
acontecimento regular, o qual, de tão regular tornou-se um padrão de comportamento.
Não há dúvidas de que o Humanismo de Maritain possui suas bases em fontes
religiosas (Católica cristã), bem diferente do apregoado nos tempos do iluminismo e na ética
kantiana. Contudo, o que deve ser bem entendido é que, muito embora o cunho religioso,
Maritain não apregoa o retorno do domínio eclesiástico. Ao contrário, acredita nos processos
políticos democráticos, assim como no estado laico, contudo, esse é o grande diferencial,
pautado no fundamento do Princípio da Fraternidade.
Nesse sentir, a fraternidade seria um instrumento de promoção, em uma síntese
fundamentalmente diferente, de todas as verdades afirmadas ou pressentidas pelo humanismo
socialista, unindo-as de maneira orgânica e vital a muitas outras verdades. A transformação não
se dá somente pela instauração de novas estruturas sociais e de um regime novo de vida social,
mas, também, por um ressurgimento da força da fé (não necessariamente um fé religiosa), de
inteligência e de amor brotadas das fontes interiores da alma, um progresso na descoberta do
mundo das realidades metafísicas. Como bem salienta Sayeg “a fraternidade desloca o homem
do centro das coisas para o meio difuso delas.56”
De certo modo, a Fraternidade impõe uma nova ética, voltada ao futuro, como bem
apregoado por Hans Jonas, o qual afirma ser bem difícil explicar teoricamente esse novo
momento sem um fundamento religioso, metafísico.
54 MARITAIN, Jaques. Humanismo Integral. São Paulo: Integral. 1941. p. 10 55 Essa é a nossa conclusão. 56 SAYEG, Ricardo Hasson e BALERA, Wagner. O capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011. p. 88
50
“Não é fácil justificar teoricamente – e talvez, sem religião seja mesmo impossível
– por que não temos esse direito; por que, ao contrário, tempos um dever diante
daquele que ainda não é nada e que não precisa existir como tal e que, seja como
for, na condição de não-existente, não reivindica existência.”57
Em menção a Dworkin, Sayeg afirma “que cada qual deve assumir a
responsabilidade por seu próprio bem, assim como a responsabilidade pelo bem do próximo e –
em última ratio – pelo bem do planeta.”58, indicando um agir coletivo e não mais individual.
Nesse momento é que devemos nos fazer a grande pergunta: “Para onde devemos dirigir a
fraternidade?” Para uma ética além de Kant, em Hans Jonas a nova “ética humanista integral”
(se assim podemos denominar) encaminharemos ao antropofilismo biocêntrico, respeitando a
dignidade de cada ente vivente no planeta como pessoas livres e iguais, como elemento de
importância vital para o equilíbrio do Planeta.
No contexto elencado, o Princípio da Fraternidade pode ser visualizado como o
“domador dos monstros dentro de nós” já que, como afirma Sen ao citar Jonathan Glover
“necessitamos olhar dura e claramente para alguns monstros dentro de nós, e considerar
formas e meios de enjaulá-los e domá-los.”59 No caso dos problemas ambientais, o maior
monstro a ser enfrentado, sem sombra de qualquer dúvida, será a própria visão paradigmática
humana a respeito da sua suposta superioridade técnico-científica em relação às demais formas
de vida na Terra. Para além de um contratualismo formal (em Hobbes, Rousseau e Kant), ao
que nos parece, a Fraternidade de Maritain possui o condão de trazer uma abordagem
transcendental para que a concretização dos conceitos de justiça, equidade, dignidade (humana
e planetária), saia do campo institucional e adentre no campo das realizações sociais, a força
motriz social. Assim, no nosso modesto sentir, sem que tais premissas sejam utilizadas, a
proposta de reformulação nas políticas públicas tributárias brasileiras cairão no abissal abismo
da ética utilitarista de Bentham e não conseguirão a colheita de uma mudança paradigmática
social.
57 JONAS, Hans. O princípio da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.. Tradução original alemão por Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto Ed. PUC-Rio, 2006, p. 48. 58 SAYEG, Ricardo Hasson e BALERA, Wagner. O capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011. p. 98. 59 SEN, Amartya. A ideia de Justiça. Tradução de Denise Bottman, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 67
51
2.4 - O PLANETA COMO UM ENTE TITULAR DE DIREITOS
Como afirmamos acima, a sobrevivência da raça humana na Terra, a manutenção
da vida tal qual a conhecemos, deve ser precedida da manutenção do ecossistema, da
diversidade biológica atualmente existente, evoluindo de um patamar antropocêntrico para
biocêntrico ou, como preferem outros, encontrando na Natureza um valor intrínseco em si
mesma, por guardar consigo o elemento vida, valor digno de tutela (inclusive jurídica).
O processo de construção sólida desse novo momento é demandado por uma
postura ética, um sistema de valores de uma dada sociedade e igualmente por uma superação
paradigmática do próprio Direito na regulação das relações ambientais e econômicas,
afastando-se de uma postura utilitarista e meramente instrumental da Natureza.
A nova concepção jurídica no trato da Natureza tem se mostrado como uma
tendência contemporânea adotada por diversas nações, tanto em nível constitucional como
também infraconstitucional, revelando “que a própria comunidade humana vislumbra em
determinadas condutas (praticadas em relação a outros seres vivos) um conteúdo de
indignidade.”60
Contudo, esclareça-se, neste trabalho de mestrado não teremos a pretensão de
esgotar a temática, já que a mesma possui diversas nuances e profundidade a serem debatidas
em um outro momento da nossa jornada científica. Nossa intenção, por agora, será apenas
levantar a discussão, a qual é relevante para o bom desenvolvimento do tema central da
dissertação de mestrado.
O documento constitucional paradigmático, em nível internacional, certamente, é o
texto elaborado pelos legisladores constitucionalistas Equatorianos, os quais reconheceram a
“Pacha Mama” como um ente jurídico a quem se deve a titularidade de direitos. A inovação
vem expressa nos arts. 71 e 72 da Constituição Equatoriana com a seguinte redação61:
“Art. 71. A natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem
direito a que se respeite integralmente a sua existência e a manutenção e
regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos.
60 SARLET, Ingo Wolfgang e FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. p. 79. 61 Fonte da tradução: Supremo Tribunal Federal no seguinte link http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalFoco&idConteudo=195972 . Acesso em 16 de setembro de 2013.
52
Toda pessoa, comunidade, povoado, ou nacionalidade poderá exigir da autoridade
pública o cumprimento dos direitos da natureza. Para aplicar e interpretar estes
direitos, observar-se-ão os princípios estabelecidos na Constituição no que for
pertinente.
O Estado incentivará as pessoas naturais e jurídicas e os entes coletivos para que
protejam a natureza e promovam o respeito a todos os elementos que formam um
ecossistema.
Artigo 72 - A natureza tem o direito de restauração. Esta restauração é
independente da obrigação do Estado e das pessoas naturais ou jurídicas de
indenizar os indivíduos ou a coletividade que dependa dos sistemas naturais
afetados.
Em caso de impacto ambiental grave ou permanente, incluindo causados pela
exploração dos recursos naturais não renováveis, o Estado estabelecerá os
mecanismos mais eficientes para alcançar a restauração, e tomar as medidas
adequadas para eliminar ou atenuar consequências ambientais nocivas.” 62
Interessante notar, a concepção do Planeta como titular de Direitos nasce
justamente no país que abriga o santuário de Darwin (as Ilhas Galápagos) e contou com a
participação, por meio de plebiscito para a aprovação do texto, de todos os cidadãos
equatorianos sendo que, desse rol, cerca de 42% (quarenta e dois por cento) da população é
representada pelos indígenas, os quais mantém íntima relação biocêntrica com o meio ambiente.
Afasta-se, portanto, a hipótese de que a referida construção seria fruto de meras manobras
políticas. Estamos diante de uma construção social da população equatoriana, reconhecendo a
grande importância da Natureza, um fim último e não como instrumento de realização humana,
62 Texto original: “Art. 71.- La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los principios establecidos en la Constitución, en lo que proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema. Art. 72.- La naturaleza tiene derecho a la restauración. Esta restauración será independiente de la obligación que tienen el Estado y las personas naturales o jurídicas de Indemnizar a los individuos y colectivos que dependan de los sistemas naturales afectados. En los casos de impacto ambiental grave o permanente, incluidos los ocasionados por la explotación de los recursos naturales no renovables, el Estado establecerá los mecanismos más eficaces para alcanzar la restauración, y adoptará las medidas adecuadas para eliminar o mitigar las consecuencias ambientales nocivas.”
53
como bem se pode observar no preâmbulo da Constituição: “Celebrando a natureza, a Pacha
Mama, da qual somos parte e é vital para a nossa existência”.63
A Constituição Federal da Suíça de 1999, em linha de desenvolvimento similar ao
Equador, em seu Preâmbulo reconhece a responsabilidade humana frente à Natureza.64
A Constituição da Alemanha (1949), inclusive a reforma constitucional de 1994, é
considerada como um importante marco internacional na construção jurídica e filosófica “para
além de um antropocentrismo puro”65. O texto constitucional alemão, em seu art. 20a, confere
ao Estado a obrigação de proteger as “bases naturais da vida e os animais”. Não se trata, por
óbvio, de um ecocentrismo puro, porque ainda abre espaço à interpretação sobre a possibilidade
da natureza ser considerada um bem, uma titularidade, e não como um ente com personalidade.
Contudo, já se mostra como um grande passo ao desenvolvimento da tese apresentada pelos
constitucionalistas equatorianos.
Em maio de 2013, o governo da Índia, através do Ministério do Meio Ambiente e
Florestas, declarou os golfinhos como “pessoas não humanas” e, como consequência, não
poderiam ser expostas a qualquer tipo de tratamento degradante, tais como serem mantidos em
cativeiro, caçados, apresentados em shows e similares. A decisão veio pautada em diversos
estudos ao redor de todo o globo terrestre, os quais concluíram ser essa espécie de animais
inteligente o suficiente para sentir emoções e, até mesmo, possuir senso de individualidade.
A Lei Fundamental do Brasil (1988), art. 225 abre espaço para uma série de
correntes doutrinárias, as quais questionam a postura adotada pelo constitucionalista brasileiro,
dividindo-se entre antropocentrismo mitigada pelo biocentrismo e antropocentrismo puro.
Fiorillo encontra no ser humano a destinação primeira e última da proteção
ambiental, tal qual o sistema jurídico brasileiro fora concebido. Isso porque o art. 1º, inc. III,
estabelece a dignidade humana como fundamento do Estado Brasileiro e não a dignidade da
Natureza. Para o eminente doutrinador “o direito ambiental possui uma necessária visão
63 Texto original: “CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra existência.” 64 Preâmbulo Em nome de Deus Omnipotente! O povo suíço e os cantões, conscientes de sua responsabilidade perante a criação, no esforço de reiterar a Confederação, para fortalecer a liberdade e a democracia, a independência e a paz, em solidariedade e sinceridade perante o mundo, no anseio de viver em unidade a sua pluralidade, com respeito mútuo e consideração, conscientes das conquistas comuns e da responsabilidade perante as gerações futuras, na certeza de que somente é livre aquele que faz uso de sua liberdade e que a força dos povos se mede no bem-estar dos fracos, se dão a seguinte Constituição. 65 SARLET, Ingo Wolfgang e FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed, revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012.
54
antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a este a preservação
das espécies, incluindo a sua própria.”66
Norma Padilha encontra uma importante conexão entre a proteção ao meio
ambiente e os direitos humanos, na medida em que “o homem é ao mesmo tempo obra e
construção do meio ambiente que o cerca e que lhe dá sustento material.”67 Em consequência,
o respeito a todas as formas de vida ocorre porque o homem reconhece fazer parte do todo, mas
também, e principalmente, porque depende desse todo, afastando-se de um antropocentrismo
puro e já recebendo o doce colorido do biocentrismo.
Para Ingo Sarlet, a Constituição brasileira, afastando-se da visão kantiana,
reconhece a Natureza como um fim em si mesma porque, em seu art. 225 §1º, VII além de
trazer explícito o comando de proteção da fauna e da flora, também faz menção à “função
ecológica” desses elementos naturais, com o intuito de proteção, contudo, sem mencionar o
elemento humano. No entender do jurista gaúcho, a proteção constitucional das espécies
ameaçadas de extinção, de igual modo confere o conteúdo antropocêntrico mitigado
(caminhando para o biocêntrico), na medida em que esses animais não trazem qualquer
melhoria na qualidade da vida humana e, nesse enfoque, são colocados como um fim último de
proteção. Possivelmente, a inspiração para a referida interpretação venha de Peter Singer o qual,
em seu “Libertação Animal”68, traz uma reflexão no campo ético no sentido de que a igualdade
humana obriga a todos nós a tratar como iguais os demais animais não-humanos, defendendo
que estes deveriam ser tratados como seres “sencientes” e independentes, ao invés de um meio
para a realização das satisfações humanas.
2.4.1 - Construindo a Personalidade Jurídica do Planeta
A configuração da Natureza como um ente titular de direitos, demandará esforços
no sentido de interpretar todo o sistema jurídico brasileiro à luz das disposições primeiras,
constitucionais, de forma a trazer elementos de convicção mais sólidos. Isso porque a grande
maioria dos Códigos Civis de que se tem notícia, encaram os elementos da Natureza (terra, ar,
água e animais) como bens e não como pessoas.
66 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12ed. Rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 69. 67 PADILHA, Norma Sueli. Fundamentos Constitucionais do Direito Ambiental Brasileiro. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 45 68 SINGER, Peter. Libertação Animal.
55
A personalização do Planeta é de importância sensível porque, segundo a própria
conformação do sistema jurídico, não seria possível conceder direitos (que é um predicado) a
quem não é um sujeito próprio. Nesse sentido, podemos conferir os ensinamentos de Miguel
Reale ao afirmar que “o ordenamento jurídico destina-se a reger as relações sociais entre
indivíduos e grupos. As pessoas, às quais as regras jurídicas se destinam, chamam-se sujeitos
de direito, que podem ser tanto uma pessoa natural ou física quanto uma pessoa jurídica, que é
um ente coletivo.”69
A construção dessa sistemática esbarraria no próprio Código Civil brasileiro, no
livro II, Título Único, o qual traz a adjetivação “bem” tanto a fauna quanto à flora e nos artigos
1º e 40 do mesmo diploma legal, sendo necessária, então, a sua reformulação já que, em
unanimidade, a maioria dos civilistas brasileiros enxergam os componentes do meio ambiente
como coisas e não como pessoas. Nesse sentido, Venosa afiança, “a sociedade é composta de
pessoas. São essas pessoas que a constituem. Os animais e as coisas podem ser objeto de
Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa (humana).”70
A pergunta “Por que somos considerados entes titulares de direitos e as demais
formas de vida não?”, embora pareça infantil, possui um substrato profundo e merece ser
respondida.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo VI, afirmou “toda pessoa
tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei.”71 Possuímos
habilidades cognitivas bem organizadas, construímos prédios, já fomos à Lua e, dentro em
breve, iremos a Marte, amamos, odiamos, repulsamos e, sim, podemos a nós mesmos destruir.
Todas essas características, e muito mais, nos colocam em certa condição de superioridade em
relação a outras espécies e, sendo assim, nosso sistema social nos permite criar nossa própria
estrutura de regras e nós mesmos concedemos direitos, até mesmo porque o próprio Direito é
fruto da manifestação cultural do ser humano.
Ora, nesse viés de pensamento, o que pensar das demais formas de vida não
humanas, as quais também possuem elemento cognitivo, porém em linguagem diferente da que
nós, humanos, podemos livremente entender? Portanto, se o principal fator que concede a
“algo” uma personalidade é, justamente, o fato desse algo poder se comunicar, e isso nós
humanos fazemos muito bem, a questão a ser colocada em pauta serão as diversas formas de
69 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 22ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 227. 70 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 6ed. São Paulo: Atlas. 2006. p. 112. 71 Fonte http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm Acesso em 19 de setembro de 2013.
56
comunicação existentes na Natureza e o seu próprio antecedente cognitivo (a elaboração das
ideias).
Em consequência, será possível, então, questionar: se sentimos nós, a Natureza
sente? Existem animais não humanos na Terra conscientes do que lhes acontece e, esse
acontecimento é importante para eles, de forma a encadear uma conduta volitiva? Se positivo,
sente e se expressa em qual sentido? A forma como a Natureza se expressa nos permite
conceder-lhe a titularidade de direitos? Ainda, seria possível esse reconhecimento sem atentar
para toda a complexidade de relações existentes em um ecossistema de forma a excluir a flora?
Mesmo ainda no século XVIII, Charles Darwin trouxe o marco no entendimento do
desenvolvimento das espécies, o qual reverbera ainda no presente século. Os estudos de Darwin
comprovam que os animais humanos e não-humanos são iguais em gênero, diferentes apenas
em grau, separados por pontos cronológicos e biológico-evolutivos.
A Teoria de Darwin é fortalecida pela brilhante descoberta de Peter Higgs, o
criador da teoria a explicar a existência da “partícula de Deus”, também conhecida como
“Bóson de Higgs”. A teoria, elaborada há cerca de 50 anos, tenta explicar a existência de uma
partícula subatômica, a qual deu origem à massa existente em todas as demais partículas. A
referida partícula estaria presente no início na criação, no Big Bang, quando ainda não havia
qualquer diferença entre o corpo físico e um raio de luz, por exemplo. A teoria de Higgs conta-
nos que, realmente, todas as formas de vida existentes foram geradas por um mesmo evento,
mais precisamente, de uma mesma partícula. Somos, portanto, todos iguais em essência,
diferenciamo-nos em razão da evolução de nossas espécies.
Peter Singer e Paula Cavalieri, na obra “Great Ape Project”, abordam “igualdade”
entre as espécies animais e proclamam a aceitação dos grandes primatas (chimpanzés, gorilas e
orangotangos) como “pessoas não-humanas” de forma a conceder-lhes o direito à vida, à
proteção à liberdade individual, à proibição de tortura, dentre muitos outros elementos.
Movimento similar fora desencadeado na Índia em relação aos golfinhos, como já citamos.
Christopher D. Stone, ao escrever seu “Should Trees Have standing”, afirmou que,
certamente, a natureza expressa seus desejos a nós de uma forma inconfundível, como por
exemplo, um gramado ao precisar de água. Para o autor, é mais factível julgarmos, com
altíssimo grau de certeza, se uma planta precisa ou não de água, do que o Procurador Geral do
Estados Unidos saber se o país quer (ou precisa) recorrer de uma decisão de primeira
57
instância72. “Como os ‘Estados Unidos’ se comunicará com o Procurador Geral” questiona
Stone? O Estado, em si, não pensa, os humanos pensam por ele, mas nem por tais motivos o
país perdeu sua personalidade jurídica e, portanto, deixou de ser titular de direitos e, para além,
também deveres. O autor ainda afirma “tomamos decisões em nome e no interesse de outros a
todo o tempo. Esse ‘outros’ são criaturas cujos desejos (necessidades) às vezes são menos
verificáveis e às vezes mais metafísicas do que o querer dos rios, árvores e terra.”73
Mas, e o que dizer de uma empresa, essa ficção jurídica tão bem formulada? Por
que à mesma foram conferidos direitos e deveres? A resposta pode parecer simples, como
realmente o é: porque possui valor econômico, diretamente ligado às atividades humanas.
A pessoa jurídica, devemos lembrar, possui uma característica híbrida no
ordenamento jurídico porque, além de titular de direitos, também é considerada um bem
jurídico. A título de exemplo, veja-se o tratamento dispensado às sociedades empresárias pela
Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei n. 11.101/2005), no art. 47, ao afirmar competir
ao devedor (empresa) o direito a requerer a recuperação judicial para viabilizar a superação de
crise econômico-financeira. Muito embora a pessoa jurídica deva estar devidamente
representada pelos seus gestores, não há dúvidas de que os direitos são conferidos à criação
jurídica e não à pessoa natural que a representa.
A figura da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica,
amplamente adotada pelo Direito trabalhista e pelo Direito Civil, também é um importante
sinalizador do que estamos a dizer. A hipótese é empregada quando a própria pessoa jurídica é
utilizada como um meio para se efetuar fraudes de toda sorte e, por isso mesmo, é
desconsiderada para se alcançar os seus representantes. Veja-se que, no momento em que
ocorrem as transações comerciais (e aqui não se discute se são ou não fraudulentas), as mesmas
ocorrem com a pessoa jurídica, como se portadora de elemento cognitivo – vontade –
ocasionando a fundição, em um só “ser” da dicotomia sujeito de direito e objeto de direito.
Ao considerarmos somente como titulares de direitos aqueles entes que se
comunicam em linguagem humana predominante, corremos um grave risco de retorno aos
tempos dos descobrimentos, quando Colombo aportou suas caravelas no novo mundo habitado
pelos selvagens (índios). Os colonizadores da América Central e América do Sul, quando aqui
72 STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objects. Tioga Pub Co. 1998. “I am sure I can judge with more certainty and meaningfulness whether and when my lawn wants (needs) eater, than the Attorney General can judge whether and when the United States wants (needs) to take an appeal from an adverse judgment by a lower court.” p. 24. 73 Tradução livre para: “We make decisions on behalf of, and in the purported interests of, others every day; these “others” are often creatures whose wants are far less verifiable, and even far more metaphysical in conceptions, than the wants of rivers, trees, and land. ” p. 24.
58
chegaram, não pensaram propriamente em “direitos” quando avistaram aqueles homens de
língua estranha, poucas roupas e pele pintada com urucum, quiçá nem os consideravam como
seres humanos. As famílias dos índios foram esquartejadas, sua cultura dilacerada e terras
roubadas. O mesmo movimento ocorreu quando por ocasião da colonização do Novíssimo
Mundo (Oceania) quando o povo de pele branca e olhos azuis, chegou e se deparou com o povo
Maori (Nova Zelândia) e os aborígenes australianos.
A história nos mostra que o fato dos povos conquistados serem diferentes na
aparência física, na cultura e na linguagem dos homens do Velho Mundo, não os faziam
inferiores, mas apenas, e tão somente, diferentes. Veja-se que, o entendimento da linguagem do
outro não é o que determina se este outro é ou não igual, mas sim o fato de que esse outro, em
sua própria linguagem, faz entender e compreende o mundo ao seu redor, mesmo que à sua
própria forma. Não será porque os índios (lato sensu) vivem suas próprias culturas, muitas
vezes retirados em reservas florestais, não lhes deveria ter sido concedida uma personalidade
jurídica.
Outra questão, bem diferente, é se será possível conceder-lhe capacidade civil para
gerir os atos da vida civil no mundo “civilizado”. De uma maneira bem simplista, considerar
titular de direitos aqueles seres humanos, por sua capacidade civil seria o mesmo que dizer que
um doente em estado vegetativo não possui personalidade jurídica. Seriam os doentes
humanos? Sim, claro que sim! E por isso mesmo vem toda a discussão ética se poderia ou não
haver o cometimento da eutanásia. Essas pessoas estão impossibilitadas de emitirem uma
linguagem comum e, nem por isso perdem a sua personalidade, os seu direito à vida – direito
esse primordial a todo ser humano.
A forma de ação e reação dos seres viventes reproduz-se em suas próprias
linguagens, porém não podem ser consideradas inferiores das demais e este fato foi vastamente
comprovado por Peirce em seus mais de 30 anos de intensa pesquisa. O pensamento cartesiano
supõe que a matéria seja composta por moléculas que obedecem, irrestritamente, às leis da
mecânica, exercendo atrações umas sobre as outras, de forma infalível, de forma a excluir toda
a possibilidade de combinações existentes pelos próprios organismos vivos, uma escolha
propriamente dita.
Ainda no início do século XX, mesmo antes do desenvolvimento da física quântica,
Peirce concluiu, “sejam quais forem as conclusões adicionais que venhamos a ter a respeito da
ordem do universo, tão quanto possam ser consideradas como firmemente estabelecidas, de
59
certo que o mundo não é uma mera mistura ao acaso.”74 Ao analisar a Incidência Jurídica
segundo a ótica da semiótica de matriz norte-americana, Clarice Von Oertzen de Araújo
defende que a “filosofia peirciana recusa uma cosmologia estritamente determinista e propõe
uma visão de mundo dotada de perspectiva evolutiva, de uma indeterminação ontológica,
refutando a concepção de universo absolutamente determinado por leis ou pela causalidade
estrita.”75
Se a exclusão da Natureza enquanto titular de Direitos se dava, e ainda se dá,
porque a fauna e a flora não possuem um pensamento (alma na visão de Descartes), em Charles
Sanders Pierce essa hipótese é completamente excluída porque, para o filósofo norte-americano,
em todas as manifestações na Terra há uma mente, capaz de se reproduzir, expandir. Assim,
resguardando as devidas proporções, em tudo há um pensamento, uma qualidade a ser
conferida a qual se expressa de formas diferentes, umas mais elaboradas (como o ser humano)
outras menos (como a relação de amebas, protozoários). Embora não mencione expressamente,
a Constituição Equatoriana reconhece a “mente” de Peirce em cada unidade de vida existente
na Terra.
A filosofia peirciana é de extrema importância ao presente estudo, na medida em
que o mesmo atacou fortemente a filosofia cartesiana, considerando-a como o câncer da
filosofia moderna. Em breve síntese, o filósofo americano ataca os seis principais pontos de
pensamento cartesiano: a dualidade entre mente e corpo (Peirce pode ser considerado monista);
a dúvida universal a conduzir para formulação de pensamentos infalíveis; a linguagem e os
signos nada mais são do que um disfarce externo para o pensamento, porque, na sua filosofia o
homem está no pensamento assim como o pensamento está no homem; há a possibilidade de
adquirir um conhecimento intuitivo e direto dos objetos.
Ao citar Bernstein, Santaella afirma que a Peirce coube a missão de resgatar “o fato
de que, por meio da percepção, um mundo, que não foi feito por nós, nem por uma criatura do
Absoluto, se força sobre nós.” 76 Essa percepção de um mundo (que se impõe sobre nós) gera
um encadeamento de raciocínios no interior da mente humana, os quais são revertidos e
representados, externados, através da linguagem. Ocorre que, em Peirce, essa representação é
realizada não só no campo da mente humana, como também na mente de todos os demais seres
74 PEIRCE, Charles Sanders. Ilustrações da lógica da Ciência. Tradução de Renato Rodrigues Kinouchi. Aparecida/SP: Ideias & Letras. 2008. p. 144 75 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen de. Incidência Jurídica: Teoria e Crítica. São Paulo: Noeses. 2011. p. 120 76 SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Cengage Learning. 2008. p. 47.
60
viventes. Para Peirce, o mundo é linguagem, se representa em linguagem, não necessariamente
na linguagem humana.
O fruto da arrogância humana não nos permitiu enxergar as formas de manifestação
de vida em todos os fenômenos ao nosso redor, vendou nossos olhos para a real hipótese da
existência de um direito natural do Planeta (e não só dos animais) a uma existência digna, como
detentores da essência da vida. A seu modo, o Planeta luta pela sua sobrevivência, pela sua
liberdade, pela sua integridade, cabe a nós, sem qualquer romantismo ou elucubrações evasivas
buscar a compreensão desses processos de forma honesta e integral.
É bom que se diga: a elevação do Planeta à condição de titular de direitos não
coloca o ser humano em posição de desigualdade nem, tão pouco, impõe a todos os homens e
mulheres o Veganismo. Trata-se, sim, de retirar a situação de desrespeito, na qual o homu
erectus subjuga as demais formas de vida.
Assim, em conclusão, os fundamentos de uma personalidade jurídica aplicam-
se não somente ao homem natural, como também a todas as demais formas de vida na
Terra, não porque possuem uma personalidade intelectiva como a dos humanos (porque não
são humanos!), mas, porque possuem uma capacidade de ação e reação (mesmo que em
linguagem própria) conduzida por uma mente inteligente (como em Peirce) e, porque possuem
interesses vitais passíveis de proteção jurídica no âmbito da linguagem humana. Tais interesses
podem ser considerados como preexistentes, naturais, em sintonia com os direitos naturais
humanos.
A personalização poderia ser concedida lançando mão do instrumento da ficção
jurídica, também empregada para a formação da pessoa jurídica nos moldes no art. 40 do
Código Civil brasileiro (2002). Por outro lado, a contar com essa medida de solução,
entraríamos em confronto com tudo o que fora dito até então a respeito da inteligência, mente,
dos seres vivos porque os considerariam como verdadeiras ficções e não como realidades
presentes, como reais seres vivos.
Adotando a posição da personalidade jurídica fictícia, o Planeta seria considerado
como pessoa por ato puramente positivista e unilateral do Estado, postura esta criticada na
interessante tese de doutorado defendida na USP por Alfredo Domingos Barbosa Migliore, a
qual defende a concessão da personalidade jurídica aos grandes primatas. Para Migliore, os
grandes primatas são sujeitos e, portanto, titulares de direitos por uma condição que lhes é
preexistente à própria construção legal, e não o contrário. Para ele:
“Em suma, inverter o silogismo, para admitir que o Estado, ao legislar, cria e
concebe o Direito, é admitir que tudo não passa de invenção, uma ficção ou
61
fantasia, sob comando de um ente abstrato (formado pelos próprios homens!), que
pode fazer o bem, mas também pode fazer o mal, que pode garantir as liberdades,
mas pode mandar matar, tolher o ir e vir, e aniquilar inocentes, de acordo com
suas normas; e seria então, admissível chamar tudo isso, bem e mal,
indistintamente, de direito.”77
Imaginemos o exemplo do náufrago em uma ilha deserta, exemplo muito utilizado
pela doutrina. Essa pessoa pode não estar sujeita a um determinado sistema jurídico, mas possui
interesse em sua sobrevivência, em sua liberdade, em sua própria vida. Veja-se que esses
interesses são preexistentes à própria formulação jurídica que, porventura, poderá vir a existir
nessa ilha caso a mesma seja povoada. Nessa concepção, fica fácil perceber que, realmente, há
interesses mais importantes e preexistentes à própria construção do sistema jurídico. Não há
povo sem Direito e não há Direito sem um povo. Mas há interesses preexistentes sem o Direito,
os quais se transformam em norma jurídica através do processo de criação do próprio Direito!
Assim, não será forçoso concluirmos que há interesses do Planeta (existência, vida)
preexistentes a nós, humanos, e a todo o nosso processo cultural, inclusive o Direito. Nossa
missão, assim, será reconhecer esses interesses e transmutá-los para a linguagem jurídica
competente.
2.4.2 – O Planeta na concepção dos Códigos Civis ao redor do mundo
Interessante notar que, mesmo no Direito Equatoriano, tanto a fauna quanto a flora
estão expressamente excluídos do conceito de “pessoas” pela redação dada ao artigo 41 do
Código Civil Equatoriano in verbis: “Art. 41 - São pessoas todos os indivíduos de espécie
humana, qualquer que seja seu estado, sexo ou condição. Serão divididos em equatorianos e
estrangeiros.” 78 Nos mesmos moldes que o faz o Código Civil brasileiro, a partir do artigo 584
o Código Civil equatoriano classifica os bens como sendo móveis e imóveis, incluindo tanto a
fauna quanto a flora na categoria de bens e não como titulares de direitos, como o fez a sua
Constituição.
77 MIGLIORE, Alfredo Domingos Barbosa. A personalidade jurídica dos grandes primatas. Tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Direito. Área de concentração: Direito Civil. Orientador: Prof. Dr. RUI GERALDO CAMARGO VIANA. São Paulo. 2010. p. 330.
78 Tradução livre para: “Art. 41.- Son personas todos los individuos de la especie humana, cualesquiera que sean su edad, sexo o condición. Divídense en ecuatorianos y extranjeros.”. Fonte: http://www.wipo.int/wipolex/en/text.jsp?file_id=251955 Acesso em 15 de setembro de 2013.
62
A inovação infraconstitucional é devida ao Código Civil alemão, também
conhecido pela sigla BGB - Bürgerliches Gesetzbuch, o qual traz uma classificação
diferenciada para os animais (e não à flora) com o seguinte texto: “§ 90a Animais. Animais não
são coisas. Estão protegidos por leis especiais. As disposições acerca das coisas se lhes
aplicarão de forma análoga sempre e quando não estiver estabelecido de outro modo.”79 O
diploma legal germânico acrescenta, então, ao que parece, um terceiro gênero para a então
categoria dúplice que divide pessoas e objetos, embora tal constatação não seja uma
unanimidade entre a doutrina. Uma grande prova do que estamos a falar é o fato de que pessoas
(naturais e jurídicas) são tratadas em uma secção própria e animais e coisas em outra e nesse
sentido encontramos a voz do jurista brasileiro Paulo Bessa em entrevista concedida ao website
“O Eco” no ano de 200980 reconhecendo que “o Código Civil alemão é bastante inovador, pois
reconhece a categoria jurídica ‘animais’ que é intermediária entre ‘coisas’ e ‘pessoas.’” Talvez
essa construção seja mais facilitada pelo fato de que o BGB não conceitue o que seja uma
pessoa natural, mas, tão somente, uma pessoa jurídica (§21 e seguintes).
Na mesma linha de construção jurídica, encontramos o sistema jurídico do direito
austríaco o qual, no titulo referente às “coisas e sua classificação legal”, no §285a estabelece
que os “animais não são objetos, eles são protegidos por leis especiais. As regras aplicáveis a
informações classificadas são aplicadas aos animais apenas na medida em que não existem
outras regulamentações.”81
O código civil suíço é claro ao afirmar que animais não são coisas, contudo
estabelece, na falta de leis específicas, o seu regramento se dá pelo direito das coisas.82 Muito
embora o referido instrumento legal não considere animais como coisas, essa diferenciação fica
ainda mais clara com a redação do art. 651 a quando afirma que, em litígio (de uma casal em
processo de separação) sobre a propriedade de um animal, a melhor decisão a ser tomada
79 Tradução livre para: “§ 90a Tiere - Tiere sind keine Sachen. Sie werden durch besondere Gesetzte geschutzt. Auf sie sind die fur Sachen geltenden Vorschriften entsprechend anzuwenden, soweit nicht etwas anderesbestimmt ist.” Fonte: http://dejure.org/gesetze/BGB/90a.html. Acesso em 15 de setembro de 2013.
80 Fonte http://www.oeco.org.br/paulo-bessa/22168-os-animais-e-o-direito com acesso em 15 de setembro de 2013. 81 Tradução para “tiere sind keine Sachen; sie werden durch besondere Gesetze geschützt. Die für Sachen geltenden Vorschriften sind auf Tiere nur insoweit anzuwenden, als keine abweichenden Regelungen bestehen.” Fonte: http://www.ibiblio.org/ais/abgb1.htm. Acesso em 14 de setembro de 2013. 82 “Art. 641a - 1 Les animaux ne sont pas des choses. 2 Sauf disposition contraire, les dispositions s’appliquant aux choses sont également valables pour les animaux.” Fonte: http://www.ligiera.com.br/codigos/cc_suico_(em_frances).pdf . Acesso em 15 de setembro de 2012.
63
deverá ser em favor deste e não em favor dos divorciandos83. Essa regra é admirável porque
separa o animal de estimação da família dos bens a ser partilhados quando do divórcio do casal.
No âmbito do Direito latino americano, possivelmente, a regra mais interessante
seja a prevista no art. 30 do Código Civil Argentino com a seguinte redação: “Art. 30 – São
pessoas todos os entes capazes de adquirir direitos e contrair obrigações”.84 Interessante
porque, ao contrário do Código Civil brasileiro, o conceito de pessoa está diretamente ligado ao
conceito de ente, entidade e não à pessoa física, dando margem a uma interpretação ampliativa
do que seja considerado como ente. E nesse ponto seria possível fazermos a hermenêutica
ampliando o conceito de ente para considerar o ser humano, as pessoas fictícias e, porque não,
todas as demais formas de vida na Terra (não só animais).
A demonstração do arcabouço jurídico internacional serve para trazer a lucidez
necessária para o enfrentamento dessas questões e, demonstrar a evolução histórica da
formulação do conceito de pessoa pra além da pessoa humana a fim de que, é o que desejamos,
seja possível evoluir no âmbito nacional para incluir no termo “pessoa” toda a forma de vida
coabitando entre nós, transformando o contrato social (entre humanos) de Rousseau em um
verdadeiro “contrato ecológico ou natural” entre o homem e a Natureza, como bem lembra
Sarlet.
Certamente, a construção desses novos conceitos deverá trazer o colorido do
paradigma dos índios quando da era dos descobrimentos, nos idos de 1500, quando a etnia
u’wa85 a qual faz parte da família Chibcha na Colômbia, possuindo a visão holística de todas as
interações dos seres vivos existente ao seu redor, mantinha sintonia com os padrões da natureza.
Esse povo tornou-se conhecido pela resistência oferecida contra a exploração de petróleo em
suas terras cobertas por florestas consideradas, por eles, sagradas. Não há dúvidas de que, o
fato do ser humano ser uma raça diferente em razão do seu poder de articulação das ideias, o
que o faz, de certo modo, mais “poderosa” em relação às demais formas de vida, não lhe
concede o direito de desprezar seus “vizinhos” no solo fértil da vida, sendo necessária uma
83 “ART. 651A - 1 Lorsqu’il s’agit d’animaux qui vivent en milieu domestique et ne sont pas gardés dans un but patrimonial ou de gain, le juge attribue en cas de litige la propriété exclusive à la partie qui, en vertu des critères appliqués en matière de protection des animaux, représente la meilleure solution pour l’animal. 2 Le juge peut condamner l’attributaire de l’animal à verser à l’autre partie une indemnité équitable; il en fixe librement le montant. 3 Le juge prend les mesures provisionnelles nécessaires, en particulier pour le placement provisoire de l’animal.” Fonte: http://www.ligiera.com.br/codigos/cc_suico_(em_frances).pdf acesso em 15 de setembro de 2013. 84 “Art.30.- Son personas todos los entes susceptibles de adquirir derechos, o contraer obligaciones.” Fonte : http://www.ligiera.com.br/codigos/CC_argentino_(em_espanhol).pdf Acesso em 15 de setembro de 2013. 85 A expressão significa ‘gente que pensa’ ou ‘gente que sabe falar’
64
remodelação moral e ética, a qual culminará com uma proteção jurídico-constitucional dos
demais entes viventes.
65
3 – ENFOQUE HUMANISTA INTEGRAL E BIOCÊNTRICO: SÍNTESE CONSTITUCIONAL
3.1 - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS EM SUAS DIMENSÕES. DIREITO AO CLIMA SAUDÁVEL, EQUILIBRADO E SEGURO COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL.
A maneira pela qual a sociedade pós-moderna tem se desenvolvido e se relacionado
com as demais formas de vida no Planeta é objeto de debate de inúmeros filósofos, sociólogos,
antropólogos.
Se o respeito às formas de vida é necessário e fundamental, também haveremos que
pesquisar acerca de como essa questão deverá estar relacionada ao próprio ser humano. Veja-se
que agora a relação existente não opera mais em dois polos (humano x humano ou humano x
natureza), mas em sim em forma triangular: ser humano – planeta – ser humano, ou seja, como
o humano relaciona-se com o Planeta a fim de respeitar o próprio humano e o Planeta. Assim,
devemos pensar em como o Direito deverá reger essa relação, se no nível do simples direito
subjetivo ou se, para mais além, no nível do direito constitucional fundamental.
Uma certa inquietação a respeito do tema pode ser observada nos documentos
internacionais. A declaração Universal dos Direitos Humanos, em momento algum, ao longo
do seu texto, intitula como sendo um direito humano o direito ao meio ambiente equilibrado,
saudável. Os idealizadores do seu texto preocuparam-se mais com as liberdades individuais,
com o conteúdo do “ser”, do que propriamente com os demais aspectos do humano, inclusive
com o seu relacionamento com o meio ambiente. Mas não poderia ser diferente diante do
contexto histórico vivido à época – pós Segunda Guerra mundial, em meio ao massacre dos
judeus na Alemanha e muitas outras atrocidades vivenciadas.
A preocupação e proteção jurídica com o meio ambiente começam a surgir após a
segunda metade do século XX e tem como marco histórico a Declaração de Estocolmo sobre o
Meio Ambiente Humano (1972), emitida pela Organização das Nações Unidas. Pela primeira
vez, na história da humanidade, um documento internacional aponta o meio ambiente como um
direito humano fundamental:
“Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao
desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal
que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene
66
obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e
futuras.”86 (grifo nosso)
O referido documento, juntamente com a publicação da norte-americana Rachel
Carson intitulada “Silent Spring”, caminhou para o início da preocupação, em diversos, países,
acerca da maneira como o homem vinha desenvolvendo sua ciência e tecnologia a ponto de
poder transformar tudo em sua volta. Grande prova do que estamos a falar são as construções
das cidades de Las Vegas, nos Estados Unidos da América, Dubai, nos Emirados Árabes
Unidos. A tecnologia humana conseguiu fazer com que dois lugares inóspitos fossem
transformados nos lugares turísticos mais aprazíveis e visitados do globo terrestre.
Assim, não ao arrepio da evolução doutrinária estrangeira, o art. 225, caput, da
Constituição da República confere a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Nesse viés, o direito à solidariedade ambiental, também um dever de todos, é
otimizado pelo constituinte quando afirma ser objetivo do Estado brasileiro a construção de
uma sociedade solidária, solidariedade esta inerente não só em relação às preocupações quanto
aos interesses individuais, mas também em relação aos interesses coletivos, estando o meio
ambiente nesse rol.
Tanto o texto constitucional brasileiro, quanto os internacionais demonstram uma
evolução conjunta entre a proteção dos direitos humanos e a proteção ambiental, contribuindo
para a conscientização sobre a inter-relação existente entre o ser humano e o meio que o cerca,
podendo ser entendida como um dever de “solidariedade planetária”.87 Essa evolução é notada
por Bobbio em sua obra “A era dos direitos”, com destaque para a evolução da construção
jurídica dos direitos, a forma como os homens, desde os primórdios, preocuparam-se na defesa
das suas liberdades individuais e progrediram para a tutela de interesses mais alargados,
coletivos. Nesse passo, essa análise minuciosa, fez com que o filósofo classificasse os direitos
em três gerações, sendo correto afirmar que todos esses direitos estão umbilicalmente ligados
aos intitulados “direitos humanos”, embora com eles não se confundam.
O início da construção da teoria dos direitos humanos é verificado a partir das
Revoluções Francesa e Americana (primeira geração), passando à concepção dos direitos
sociais (segunda geração), os quais estavam diretamente ligados à opressão da classe de
trabalhadores ocorrida à época e, já no momento da pós-modernidade, dos riscos gerais e
ampliados, seguiu-se à coletivização dos direitos (terceira geração), quando encontramos uma
86 Fonte : www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc Acesso em 18 de setembro de 2013. 87 Expressão utilizada por SARLET, Ingo Wolfgang e FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012.
67
“sociedade de risco” global. Neste terceiro momento evolutivo, localizaremos os cuidados para
com o meio ambiente. O entendimento do Meio Ambiente como um verdadeiro direito de
terceira geração vem amparado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, através da
celebrada decisão da lavra do Min. Celso de Mello o qual afirmou ser “prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a
expressão significativa de um poder atribuído (...) a própria coletividade social.”88
88 STF, MS 22.164/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.1995. ementa: reforma agrária - imóvel rural situado no pantanal mato-grossense - desapropriação-sanção (cf, art. 184) - possibilidade - falta de notificação pessoal e prévia do proprietário rural quanto à realização da vistoria (lei n. 8.629/93, art. 2., par. 2.) - ofensa ao postulado do due process of law (cf, art. 5., liv) - nulidade radical da declaração expropriatória - mandado de segurança deferido. reforma agrária e devido processo legal. - o postulado constitucional do due process of law, em sua destinação jurídica, também está vocacionando a proteção da propriedade. Ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (cf, art. 5., liv). A união federal - mesmo tratando-se de execução e implementação do programa de reforma agrária - não está dispensada da obrigação de respeitar, no desempenho de sua atividade de expropriação, por interesse social, os princípios constitucionais que, em tema de propriedade, protegem as pessoas contra a eventual expansão arbitrária do poder estatal. A cláusula de garantia dominial que emerge do sistema consagrado pela constituição da república tem por objetivo impedir o injusto sacrifício do direito de propriedade. Função social da propriedade e vistoria efetuada pelo INCRA. A vistoria efetivada com fundamento no art. 2. par. 2. , da lei n. 8.629/93 tem por finalidade específica viabilizar o levantamento técnico de dados e informações sobre o imóvel rural, permitindo a união federal - que atua por intermédio do INCRA - constatar se a propriedade realiza, ou não, a função social que lhe é inerente. O ordenamento positivo determina que essa vistoria seja precedida de notificação regular ao proprietário, em face da possibilidade de o imóvel rural que lhe pertence - quando este não estiver cumprindo a sua função social - vir a constituir objeto de declaração expropriatória, para fins de reforma agrária. Notificação prévia e pessoal da vistoria. A notificação a que se refere o art. 2. , par. 2. da lei n. 8.629/93, para que se repute valida e possa consequentemente legitima eventual declaração expropriatória para fins de reforma agrária, há de ser efetivada em momento anterior ao da realização da vistoria. Essa notificação prévia somente considerar-se-á regular, quando comprovadamente realizada na pessoa do proprietário do imóvel rural, ou quando efetivada mediante carta com aviso de recepção firmado por seu destinatário ou por aquele que disponha de poderes para receber a comunicação postal em nome do proprietário rural, ou, ainda, quando procedida na pessoa de representante legal ou de procurador regularmente constituído pelo dominus. O descumprimento dessa formalidade essencial, ditada pela necessidade de garantir ao proprietário a observância da cláusula constitucional do devido processo legal, importa em vício radical. Que configura defeito insuperável, apto a projetar-se sobre todas as fases subsequentes do procedimento de expropriação, contaminando-as, por efeito de repercussão causal, de maneira irremissível, gerando, em consequência, por ausência de base jurídica idônea, a própria invalidação do decreto presidencial consubstanciador de declaração expropriatória. Pantanal mato-grossense (cf, art. 225, par. 4. ) - possibilidade jurídica de expropriação de imóveis rurais nele situados, para fins de reforma agrária. - a norma inscrita no art. 225, parágrafo 4., da constituição não atua, em tese, como impedimento jurídico a efetivação, pela união federal, de atividade expropriatória destinada a promover e a executar projetos de reforma agrária nas áreas referidas nesse preceito constitucional, notadamente nos imóveis rurais situados no pantanal mato-grossense. A própria constituição da república, ao impor ao poder publico o dever de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental, não o inibe, quando necessária a intervenção estatal na esfera dominial privada, de promover a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade consiste, precisamente, na submissão do domínio à necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente (cf, art. 186, II), sob pena de, em descumprindo esses encargos, expor-se a desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da lei fundamental. A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado - direito de terceira geração - princípio da solidariedade. - o direito a integridade do meio ambiente - típico direito de terceira geração - constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) - que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) - que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas - acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de
68
A relação também é explicada com maestria por Sayeg e Balera ao elaborarem uma
resposta neo-humanista “da economia de mercado, decolando deontologicamente o
capitalismo neoliberal (...) para concretização multidimensional dos direitos humanos
mediante a universal dignificação da pessoa humana.”89 Com lucidez peculiar, os autores
ainda afirmam, “se o planeta entrar em colapso, a humanidade sucumbirá. Não somente a
massa de miseráveis, mas todo o gênero humano é negativamente atingido pelo descaso da
economia (...).”90
A solidariedade, nos termos postos, deve existir para que o ser humano possa ser
encarado no seu aspecto “dignidade”. Acaso seria possível pensar em dignidade humana,
estando o ser humano em um ambiente desequilibrado? É possível pensar em dignidade quando
se vê um ser humano tomando água poluída, alimento impregnado por agrotóxicos, respirando
ar contaminado por gás carbônico, vivendo à beira de lixões, dentre muitas outras nuances
encontradas a respeito da degradação ambiental? Parece-nos que não.
Como bem afirma Beck91, a vida, a segurança e a saúde e, inclusive a valorização
econômica de lugares, estão diretamente atrelados a um meio ambiente harmônico. Sob esse
enfoque, a relação triangular da qual já falamos tem como foco o próprio humano, na dimensão
da sua dignidade, envolvendo também um bem-estar ambiental, moldado por uma visão
ecocêntrica. Sob esse enfoque, a dignidade humana é erigida à condição de Direito
Constitucional Fundamental.
A dignidade humana foi objeto de preocupação do legislador constituinte brasileiro
o qual, já no art. 1º, inc. III, dispôs como fundamento da República Brasileira a dignidade da
pessoa humana. E não só, a dignidade também constitui a pedra basilar na construção de um
Estado Democrático (e porque não também Social) de Direito e, como bem afirma Sarlet, o
legislador constituinte reconhece “categoricamente que é o Estado que existe em função da
pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não
meio da atividade estatal.”92
titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinarias. 89 SAYEG, Ricardo Hasson e Wagner Balera. O Capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011. p. 25. 90 SAYEG, Ricardo Hasson e Wagner Balera. O Capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Pretrópilis: KBR. 2011. p. 171. 91 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ed. São Paulo: Editora 34. p. 45 92 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004. p. 82-83.
69
José Afonso da Silva entende a dignidade humana como um “valor supremo que
traz o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida.” e ainda
referindo-se à Canotillo e à Vital Moreira afirma
“Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais (observam Gomes Canotillo e Vital Moreira), o conceito de
dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação constitucional e não uma
qualquer ideia apriorística do homem (...)”93
Gilmar Mendes, inspirado pelos ensinamentos de Miguel Reale, encara o ser
humano na sua concepção metafísica e afirma que “a dignidade da pessoa humana, porque
sobreposta a todos os bens, valores ou princípios constitucionais, em nenhuma hipótese é
suscetível de confrontar-se como eles, mas tão somente consigo mesma (...)”94, fazendo-nos
crer tratar-se de um princípio absoluto
Ainda nessa concepção metafísica do humano, considerando-o como autor e
criatura do todo cósmico, é certo não ser possível conceber a vida humana digna sem um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. A calibração ambiental deve ser acrescentada ao
conceito dignidade, de forma a ampliar os limites normativos da edificação jurídica na pós-
modernidade, sendo possível já avistarmos a construção de um “Estado Socioambiental”95.
Nesses moldes, Sarlet96 vislumbra o ser humano em sua inteireza ao caracterizar a dignidade
como uma qualidade interna de cada um, fazendo com que seja credor do respeito nas relações
intersubjetivas e com o próprio Estado, estando a qualidade ambiental posta no ordenamento
jurídico como uma rampa de projeção para assunção desse fim.
A dignidade humana vem revestida pela Política Nacional de Mudanças Climáticas
com a preocupação em relação à vulnerabilidade do sistema em adaptar-se ao possível “novo
clima”. O legislador entende como vulnerabilidade “o grau de suscetibilidade e incapacidade
de um sistema, em função de sua sensibilidade, capacidade de adaptação, e do caráter,
magnitude e taxa de variação do clima a que está exposto, de lidar com os efeitos adversos da
mudança do clima, entre os quais a variabilidade climática e os eventos extremos.”97
93 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros. 1997. p. 106. 94 MENDES, Gilmar Ferreira. Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2ed. Re. e atual. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 152. 95 Expressão utilizada por Sarlet em seu Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed. revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. 96 SALET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004. 97 Art. 2º inc. X da Lei n. 12.187/2009
70
A evolução histórica das gerações de direitos, ou melhor dizendo, as dimensões dos
direitos fundamentais é importante para o desenvolvimento no nosso estudo. Passamos agora a
uma breve análise.
Em primeiro lugar, deve-se distinguir a diferença existente entre direitos humanos e
direitos fundamentais. Embora, sob o ponto de vista histórico, os direitos fundamentais sejam,
de fato, direitos humanos, com eles não se confundem porque, como bem define Willis
Santiago Guerra Filho aqueles são “manifestações positivas do Direito, com aptidão para a
produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados direitos humanos, enquanto pautas ético-
políticas, ‘direitos morais’, situados em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa
daquela em que se situam as normas jurídicas.”98
A primeira dimensão dos direitos fundamentais aparece no texto constitucional sob
a linguagem das liberdades individuais e surgem em decorrência de uma luta social a favor da
limitação do Poder Estatal. Neste momento histórico, a figura do homem afasta-se do Estado
absolutista e dominador em busca da exaltação do individualismo. A Revolução Francesa, a
Declaração da Virgínia (1776) e a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1787) são
considerados os principais marcos históricos. Surge o Estado Liberal.
O Estado liberal, especialmente no início do sec. XX, encontrou suas barreiras na
opressão da classe trabalhadora (uma coletividade) e, como resposta imediata, surge a segunda
dimensão dos direitos fundamentais, os “direitos sociais”, atrelados diretamente. As, então,
revoluções de libertação agora funcionavam como verdadeiros instrumentos de opressão das
classes menos favorecidas, sendo necessária a intervenção do Estado nas atividades individuais,
de cunho prestacional. A Constituição de Weimar (Alemanha, 1919) e a Constituição do
México (1917) são os principais documentos formulados reconhecendo a existência desses
direitos.
Ao final do sec. XX, uma nova categoria de direitos surge direcionada ao gênero
humano em sua integralidade, sendo ele o destinatário do direito ao desenvolvimento, ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, dentre muitos outros. Este novo momento histórico é
pautado nos valores da fraternidade e solidariedade99.
Note-se que, pautado em uma visão holística do sistema, o legislador pátrio
considera como importantes não só o aspecto ambiental, como também o social e o econômico,
todos relacionados às três dimensões de direitos, resguardando, em sintonia com os documentos
98 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e direitos fundamentais. 6ed. rev. e ampl. São Paulo : SRS Editora, 2009. p. 40 99 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3ed., São Paulo : Método, 2011. p. 71.
71
internacionais, a materialização do conceito de sustentabilidade ambiental, fundamental para o
nosso bom desenvolvimento. Este, a nosso ver, deve ser o entendimento do conceito de
dignidade humana a ser aplicado aos casos envolvendo, especialmente, as Mudanças do Clima.
O grau de vulnerabilidade (social, econômica ou ambiental) será tanto maior quanto
forem precárias as diferenças racionais, geográficas, históricas e antropológicas de um
determinado povo. Prova do que estamos a falar foi o terremoto (de 7,0 na escala Richter)
ocorrido no Haiti no ano de 2010, com a morte de milhares de pessoas e o terremoto ocorrido
em setembro de 2013 no Japão (de 6,5 na escala Richter) contabilizando nenhuma morte.
Enquanto no Haiti a luta do seu povo é pela sobrevivência (encontrar parâmetros mínimos de
sobrevivência), no Japão, os seus cientistas irão perfurar a crosta terrestre para entender a
origem dos terremotos100 demonstrando um avanço civilizacional e nas condições de vida.
Para além de uma “referência cultural relativa” 101 , a dignidade humana na
adaptação da Mudança do Clima é uma questão “com transcendental significado”102, porque,
como bem nos faz lembrar Beck, os riscos ecológicos, “cedo ou tarde, eles alcançam inclusive
aqueles que os produziram ou que lucraram com eles”103, é claro que em diferentes proporções
conforme o grau de vulnerabilidade existente em cada localidade. Daí dizer-se que o tema das
Mudanças Climáticas envolve, antes, uma questão de solidariedade humana, pautada no
princípio da dignidade humana, entendida em suas diversas interfaces. Nesse viés, o tratamento
do assunto deverá sempre ser tratado como um direito fundamental estando, inclusive, sujeito
ao regramento instituído no art. 60 § 4º da Constituição da República brasileira.
3.2 - O “DEVER FUNDAMENTAL” DA GERAÇÃO DO PRESENTE PARA COM A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE (ATUAL E FUTURO).
Lamentavelmente, pouca importância é conferida aos deveres fundamentais, já que
atualmente é possível perceber uma verdadeira hipertrofia dos direitos fundamentais, tanto em
nível das construções doutrinárias, quanto em nível das decisões judiciais, muito embora o
cenário jurídico-constitucional brasileiro esteja configurado para a tutela do meio ambiente,
encontrando bases sólidas no art. 225 da Constituição da República. 100 Fonte da informação: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2013/09/japao-vai-perfurar-crosta-terrestre-para-entender-origem-de-terremotos.html. Acesso em 20 de setembro de 2013. 101 HÄBERLE, Peter. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. SARLET, I. W. (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de filosofia do direito e direito constitucional. Trad. de I. W. Sarlet, P. S. Aleixo e R. D. Zanini. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. 102 COIMBRA, José de Ávila Aguiar. O outro lado do Meio Ambiente. São Paulo: CETESB. 1985. p. 43. 103 BECK, Ulrich. Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ed. São Paulo: Editora 34. p. 44
72
O comportamento jurídico de quase “esquecimento” ocorre, certamente, por uma
razão histórica deixada pela formação do Estado Liberal, já que os “direitos” possuem base de
construção na ideia da liberdade individual com uma função defensiva, limitadora, ao poder
estatal. Ocorre que, como bem lembra Ingo Sarlet, “a liberdade (e autonomia) do indivíduo,
não obstante a sua importância basilar na edificação do Estado de Direito contemporâneo,
não pode justificar uma emancipação total ou mesmo anárquica do cidadão em descompasso
com os valores comunitários”.104
Com base em uma ética ambiental pautada no princípio da fraternidade, assim
como após o desenvolvimento histórico da concepção de deveres e direitos geracionais de
Bobbio, há que se entender como superado o paradigma liberal e interpretar os deveres
fundamentais em outra escala de importância e em uma linha do Estado Socioambiental.
Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, em seu art.
29 afirma que “todo homem tem deveres para com a comunidades na qual o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível” a qual deve ser acrescida com os
ensinamentos trazidos pelo Princípio 2, “a” da Carta da Terra o qual afirma “com o direito de
possuir, administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao
meio ambiente e de proteger os direitos das pessoas”, estando clara a amarração histórica
realizada pelas cartas internacionais no sentido de instituir a concepção de deveres geracionais
(liberais, sociais e ecológicos).
Quanto ao dever de preservar o Meio Ambiente (dever prestacional), ou de abster-
se de causar qualquer dano ao mesmo (dever defensivo), o caráter “fundamental” decorre não
somente do fato de haver previsão na Carta Constitucional brasileira (fundamentalidade
formal 105 ), como também por estar conexo ao direito fundamental a um meio ambiente
equilibrado (fundamentalidade material) ensejando uma
“Especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de
defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações,
evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves
conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na
proteção da integridade física desse bem essencial de uso comum de todos quantos
compõem o grupo social.”106
104 SARLET, Ingo Wolfgang e Tiago Fenstereifer. Direito Constitucional Ambiental. Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011. p. 138. 105 Idem. 106 STF, ADI 3.540-1/DF, Tribunal Pleno, Relator Min. Celso de Mello, julgamento dia 01 de setembro de 2005.
73
A conformação de um dever ambiental fundamental encontra sua importância
especialmente quando se está diante do art. 60 § 4º em contraponto com o art. 5º, §1º, todos CR,
significando a completa impossibilidade de haver um retrocesso ambiental quanto aos deveres
de preservação e tutela do Meio Ambiente.
Sarlet propõe uma classificação do dever fundamental ambiental com base nos três
princípios éticos sob a perspectiva dos beneficiários dos deveres ecológicos, chegando à
seguinte conclusão: a) deveres fundamentais de proteção do ambiente para com as pessoas da
mesma geração; b) deveres fundamentais de proteção do ambiente de cunho transnacional; c)
deveres fundamentais de proteção do ambiente para com as gerações futuras; d) deveres
fundamentais de proteção do ambiente com os animais não humanos e da Natureza como um
todo.
Quanto aos deveres para a geração atual, de cunho transnacional e para com os
animais não humanos, cremos não haver necessidade de maiores digressões ou porque o
assunto não mereça tanta importância neste momento do nosso trabalho (no caso do dever para
com a geração presente e transnacional), ou porque já abordamos o tema em outro capítulo
(animais não humanos).
Contudo, em se tratando das gerações futuras há uma importância, especialmente
porque a preservação do Clima afeta drasticamente as formas de vida no futuro. Até o presente
momento, fizemos referência à dignidade a ser conferida aos povos existentes no Planeta de
hoje. Mas, o que pensar em relação aos povos do porvir, os quais, sequer, saberemos se
realmente virão? Há uma suposição, um imaginário, de que essas pessoas virão a existir. Sob
esse enfoque, poderíamos pensar em conferir aos mesmos essa mesma dignidade?
Por que deveríamos pensar no vindouro, já que a única certeza que temos está no
momento presente, o aqui, enquanto escrevo as linhas desse trabalho científico e, certamente,
não sei ao certo se você, no futuro (incerto), o lerá? A dúvida é dissolvida quando se percebe
que a incerteza não é de todo absoluta. Certamente, alguém se importará com o trabalho, ao
menos meu orientador e aqueles professores que comporão a banca de defesa da dissertação do
mestrado. Nesse sentir, fica mais claro, há sim certa dose de confiança no porvir. Se tudo correr
como o esperado e nenhum caso fortuito ou força maior vierem sobre mim, haverei de concluir
a tarefa a que me propus – titular-me Mestre em Direito.
Portanto, através desse simples exemplo, é possível perceber, o futuro mantém a
base da sua edificação no momento presente. Nesse passo, se realmente a humanidade
continuar a reproduzir-se (a dose de confiança), haverá de conceber novas criaturas humanas,
os quais serão chamados, no atual presente, por “geração futura”. Todavia, qual o liame
74
necessário para que o humano presente possa preocupar-se com o futuro (não o seu, mas o dos
outros), ao ponto de abrir mão de uma parcela de usufruto dos recursos naturais?
Veja-se que, em se tratando das gerações futuras, não há uma reciprocidade de
direitos e deveres, mas somente um caminho de mão única da geração presente para com o
futuro consagrado pelo art. 225, caput, da Constituição da República.
Nesse sentir, princípio da solidariedade juntamente com o conceito de dignidade
humana podem ser concebidos tanto sob um espectro limitado, como também sob o enfoque de
uma dimensão intergeracional, na medida em que o esgotamento do Planeta implica
esvaziamento do conceito vida. Assim, o relevo ao “outro”, reconhecendo-se em igualdade e
dignidade, é conclamado a operar no campo da reverência ao Humano, à ideia do seu próprio
significado. Jorge Miranda sustenta que “cada pessoa tem, contudo, de ser compreendida em
relação com as demais. A dignidade de cada pessoa pressupõe a de todos.”107 A solidariedade
para com as gerações futuras visa resguardar tanto o desfrute dos valores da Natureza, como
também a memória humana sobre a Terra108.
A falta de categorização jurídica das “gerações futuras” impede, como de fato é,
que as mesmas sejam entendidas como sujeitos de direito o que, sob esse ponto, impediria a
identificação de um dever ambiental sem um sujeito. Esta é a posição adotada por José Casalta
Nabais, a qual nos parece minoritária. No nosso modesto sentir, a questão é resolvida com a
conformação da “geração futura” como sendo uma coletividade, um sujeito fictício sendo óbvia
a necessidade de maior investigação acadêmica sobre o assunto. Contudo, mesmo não sendo
uma pessoa (real ou fictícia) não há dúvidas de que a previsão constitucional visa, como já
tivemos a oportunidade de defender neste trabalho, a preservação da ideia do que é ser
“humano” sob uma perspectiva direcionada ao futuro.
O assunto possui influências no conceito de política ambiental, justiça ambiental, os
quais giram em torno de “confiança”, “segurança” e “risco”. Uma norma jurídica mal elaborada,
ou elaborada com graves lacunas, pode sim resultar em sérios riscos para o Meio Ambiente.
Nesse passo, deixar de responsabilizar o presente pelos reflexos de suas ações no futuro seria o
mesmo que desconsiderar o risco existente nas atividades do presente, reforçando uma conduta
humana utilitarista e hedonista em relação ao Meio Ambiente. A degradação ambiental no
presente tem um responsável: a geração presente e a passada. Desconsiderar esse fato é
desconsiderar as pegadas do homem sobre a Terra, implicando uma verdadeira
107 MIRANDA, Jorge. A Constituição Portuguesa e a dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 11, vol. 45, out-dez, 2003. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 86. 108 Sobre a conformação ética a respeito do tema confira os itens 2.2 e 2.6 deste trabalho.
75
irresponsabilidade que irá desembocar em ações no presente com reflexos no próprio presente,
ou seja, no uso compulsivo e desenfreado dos recursos naturais sem que haja tempo, sequer,
para que a geração atual possa dar continuidade à sua utilização.
76
4 - NORMATIVAS INTERNACIONAIS E O DIREITO BRASILEIRO
4.1 – TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE O CLIMA. UM “ANOITECER SILENCIOSO”
Foi na cidade de Estocolmo no ano de 1972, que, pela primeira vez, o mundo tratou,
institucionalmente, sobre o assunto Mudanças Climáticas através da conferência das Nações
Unidas. Após acalorados debates, formulou-se a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano
(uma carta de princípios de comportamento e responsabilidades que deveriam nortear as
decisões sobre políticas ambientais), e a organização de um Plano de Ação convocando os
países, organismos das Nações Unidas e organizações internacionais para busca de soluções
dos problemas ambientais.
As propostas de Estocolmo reverberaram no tempo sendo que, após 10 anos, a
ONU fundou a Organização Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujos estudos
iniciais compuseram o relatório “Nosso Futuro Comum”, também conhecido por Relatório
Brundtland, em homenagem à presidente da comissão, Gro Harlem Brundtland, então primeira
ministra da Noruega e uma das ambientalistas mais conhecidas do mundo. O relatório é
emblemático porque discrimina os principais problemas trazidos pelo aquecimento global,
culpando o desenvolvimento econômico voraz e descompromissado. Como resposta, oferece o
conceito de sustentabilidade, posicionando um tripé (econômico, social e ambiental) como
sustentáculo do desenvolvimento da sociedade. Significa dizer, para que uma Nação possa
desenvolver-se economicamente também se faz necessário que o seu povo desfrute desta
riqueza material, como também possa se ver imergido em um meio ambiente saudável.
Em 1992, a cidade brasileira do Rio de Janeiro sediou a conferência da ONU sobre
a Terra – A Rio/92 (também conhecida como “Cúpula da Terra” ou ainda “Eco 92”), ocasião
em que cinco importantes documentos internacionais são elaborados:
• Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento;
• Agenda 21;
• Princípios para a Administração Sustentável das Florestas;
• Convenção da Biodiversidade;
77
• Convenção sobre Mudança do Clima.
A Convenção sobre Mudança do Clima, de especial interesse para o presente
trabalho, estabeleceu metas rigorosas sobre redução de concentrações de gases de efeito estufa
na atmosfera, representando uma quebra de paradigma do desenvolvimento econômico.
Lamentavelmente, as metas foram descumpridas sob o argumento de que impediam o
crescimento econômico dos países “subdesenvolvidos”, mantendo milhares de pessoas abaixo
do nível de pobreza. Após a assinatura da Convenção-Quadro dezoito reuniões, as quais
convencionou-se chamar de Conferência das Partes, foram realizadas ao longo do Globo
Terrestre, no intuito de estabelecer acompanhamento das ações e compromissos firmados.
Abordaremos neste trabalho somente as reuniões mais emblemáticas.
No ano de 1997, na cidade de Quioto, ocorreu a 3ª Conferência das Partes (COP 3)
com abertura de espaço para uma nova discussão internacional a respeito das metas de redução
estabelecida pela Convenção-Quadro das Nações Unidas.
Surge, assim, o Protocolo de Quioto, cujo ponto de destaque é a distinção existente
entre os países “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”, estabelecendo a responsabilidade
diferenciada entre essas classes de países em relação às poluições ambientais internacionais,
com entrada em vigor somente a partir de 2005. De forma a criar engajamento por parte dos
países envolvidos e, de certo modo, responsabilizá-los por suas omissões, acorda-se um
cronograma de reduções segundo a potencialidade (no passado e no presente) de poluição
atmosférica de cada país signatário.
O protocolo apresenta três importantes ferramentas para redução de emissões de
gases de efeito estufa pelos países: mercado de emissões, mecanismo de desenvolvimento
limpo109 e a implementação conjunta. Em acréscimo, é estabelecido um cronograma de redução
de emissões para os países desenvolvidos. Tanto a China quanto os Estados Unidos, embora
tenham assinado o acordo, não ratificaram o Protocolo, sendo este fato considerado um ponto
de enfraquecimento do movimento, já que os dois países apresentam altos índices de emissão
de gases de efeito estufa. Em novembro de 2011, o documento vem a ser denunciado pelo
Canadá110. O Brasil ratificou o Protocolo de Quioto no ano de 2002.
109 O MDL foi regulamentado no acordo de Marrakesh, propiciando regras mais claras sobre a geração e
titularidade dos créditos de carbono. O mercado de carbono, até o ano de 2007, chegou a movimentar bilhões na economia mundial. Contudo, após a crise mundial restou inerte, inclusive no Brasil. Atualmente, tem-se apresentado nos REDD – redução de emissões por desmatamento - uma via alternativa.
110 "Estamos invocando o direito legal do Canadá de abandonar formalmente (o Protocolo de) Kyoto", disse Kent após a conferência da ONU sobre o aquecimento global encerrada no domingo em Durban, África do Sul. "Kyoto não funciona" e o Canadá corre o risco de pagar multas de vários bilhões de dólares se permanecer neste
78
No Anexo A do Protocolo, são apresentados os gases considerados como
responsáveis pelo efeito estufa. São eles: dióxido de carbono (CO₂), metano (CH₂), óxido
nitroso (N₂O), hidrofluorcarbonetos (HFC), perfluorcarbonetos (PFC) e hexafluoreto de
enxofre (SF6). Também, no mesmo anexo, é possível encontrar os setores considerados como
responsáveis pelas emissões sendo eles: energético, indústrias de transformação e construção,
transportes, indústria química, de produção de metais, mineradoras e agricultura.
O Anexo B do Protocolo contém os países responsáveis pela redução de emissões:
Alemanha, Austrália, Áustria, Belarus, Bélgica, Bulgária, Canadá, Comunidade Econômica
Europeia, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos da América,
Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão,
Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Mônaco, Noruega, Nova Zelândia, Países
Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Checa,
Romênia, Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia.
Em Cancun, México, no ano de 2010, aconteceu a 16ª Conferência das Partes
(COP16) estabelecendo os seguintes instrumentos:
Criação do Fundo Verde destinado ao auxílio dos países em desenvolvimento,
pelos países desenvolvidos, no enfrentamento das metas de redução das mudanças climáticas.
Aprovação do mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e
Degradação (REDD).
Metas de emissão para todos os países, desenvolvidos ou não, sem caráter
obrigatório.
Após a deflagração da crise econômica mundial, nos anos de 2009 e 2011,
ocorreram as Conferências das Partes111 (COP’s) de números 15 e 17 (última COP realizada até
a finalização do presente trabalho), respectivamente, nas cidades de Copenhague e Durban na
tentativa de reacender os propósitos firmados no Protocolo de Quioto. Os Estados Unidos, visto
como um importante agente na negociação das tratativas, mantiveram-se firmes na
impossibilidade de reduzir emissões na medida em que, para ele, importaria em redução do
acordo, disse Kent. (...) A saída do Canadá do protocolo fará com que o país evite pagar multas de até 13,6 bilhões de dólares por não ter cumprido as metas. Fonte: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2011/12/canada-abandona-oficialmente-o-protocolo-de-kyoto.html. Acesso em 29 de maio de 2012. Trata-se da fala do ministro do Meio Ambiente do Canadá.
111 Conferência das partes é um órgão supremo instituído pelo Protocolo de Quioto, artigo 13.
79
crescimento econômico, tão necessário naquele momento de crise. De igual modo posicionou-
se a comunidade Europeia.
Não obstante as contendas travadas, em Durban, firmou-se uma segunda fase do
Protocolo de Quioto, sendo produzido o texto conhecido como “Plataforma de Durban”, pelo
qual ficou estabelecida a estruturação do Fundo Climático Verde cujos recursos destinam-se ao
financiamento de ações de adaptação e mitigação dos países em desenvolvimento em sintonia
com os critérios de sustentabilidade socioambiental. Em Durban, a União Europeia propôs um
novo roteiro de ações visando um acordo global, com efeito vinculante, para a redução de GEE
aplicável tanto pelos países desenvolvidos quanto pelos em desenvolvimento. O referido
documento deverá ser devidamente detalhado e ratificado até 2015, devendo entrar em vigor
até 2020 (ano em que são encerrados os compromissos voluntários estabelecidos em 2010 na
COP 16).
Ainda duas outras Conferências das partes foram realizadas (COP 18 - 2012 e COP
19 - 2013) nas cidades de Doha, no Catar e na cidade de Varsóvia, na Polônia. A COP 18
possui como ponto de destaque a previsão de financiamento destinado aos países em
desenvolvimento através do “Fundo Verde” de quase US$100 bilhões anuais para o combate
das causas antrópicas das Mudanças Climáticas. Em relação à COP 19, não há grandes
progressos em termos de desenvolvimento das tratativas em prol do Clima.
No ano de 2012, na cidade do Rio de Janeiro, a comunidade internacional
participou do evento “Rio +20”112 que, muito embora não seja um momento específico para
tratar de mudanças climáticas, através do Relatório “O Futuro que Queremos”, trouxe
importantes informações sobre como construir uma Economia Verde, internalizando no
processo econômico as externalidades ambientais de forma que passem da condição de
“geração de prejuízo” para a categoria de “lucro” nos balanços contábeis empresariais,
Como se percebe, por mais de vinte anos os países vêm tentando firmar acordos
executáveis em prol do Clima sem que, contudo, haja uma agilidade na adesão efetiva dos
participantes. Falta engajamento principalmente por parte dos países desenvolvidos e
responsáveis pela maior parcela de emissões de GEE, especialmente em se tratando da segunda
fase do Protocolo de Quioto. Ações concretas precisam ser tomadas para, por exemplo, buscar
112 Evento realizado no Brasil, na Cidade do Rio de Janeiro, cujo tema foi Sustentabilidade, o qual englobou o
assunto Mudanças Climáticas.
80
as definições sobre as formas de financiamento dos projetos destinados à mitigação do efeito
estufa antes de 2020 – prazo limite para vigorar o novo acordo. De igual modo é preciso definir
regras claras e vinculantes redução de emissões para todos os países, sem o que será impossível
obter uma postura mais enérgica de todos os agentes envolvidos na problemática.
4.2 – ARCABOUÇO JURÍDICO BRASILEIRO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS
A Constituição da República brasileira, embora seja considerada progressista em
diversos aspectos, nada tratou sobre o assunto do Clima, resguardando-se a prever o dever de
todos – Poder Público e coletividade (pessoas físicas e jurídicas)113 - de proteção do ambiente,
vinculado ao direito a um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado. O termo
“ecologicamente” remete à obrigação da preservação e a restauração do ecossistema em sua
inteireza, incluindo em seu aspecto de abrangência o Clima.
No plano infraconstitucional, o Brasil mantém vanguarda na edição de textos
legislativos. No ano de 2009, o Brasil recebeu a Lei Nacional n. 12.187/2009 a qual institui a
Política Nacional sobre Mudanças do Clima – PNMC, cujo conteúdo se aproxima ao Protocolo
de Quioto114, como por exemplo, a adoção dos princípios da precaução e da prevenção, a
adoção do conceito de desenvolvimento sustentável, a responsabilidade comum, porém
diferenciada, o estímulo ao desenvolvimento do Mercado de Redução de Emissões.
Através do Decreto Federal de n. 7.390/2010 aos setores brasileiros de produção
econômica são estabelecidas metas específicas de redução de emissões de gases de efeito estufa
até 2020. O art. 6º prevê diretrizes importantíssimas, tais como: a redução de 80% dos índices
anuais de desmatamento na Amazônia Legal em relação à média verificada entre os anos de
1996 e 2005, a redução de 40% dos índices anuais de desmatamento no Bioma Cerrado em
relação à média verificada entre os anos de 1999 a 2008. Prevê, ainda, a expansão da oferta de
hidroelétrica, da instalação de fontes alternativas renováveis notadamente centrais eólicas,
pequenas centrais hidroelétricas e bioeletricidades, biocombustíveis e incremento da eficiência
energética, bem como a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas.
113 “Art. 225. Todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
114 Em se tratando de redução de emissão de gases de efeito estufa, o Protocolo de Quioto é o principal documento internacional posto estabelecer regras e princípios para internalizar o processo de descarbonização na economia.
81
O art. 4º do referido decreto dispõe sobre os diversos planos setoriais, os quais têm
sido desenvolvidos pelo Ministério de Meio Ambiente em parceria com outros setores e, até a
finalização da presente dissertação (fevereiro de 2014), foram encontrados os seguintes
documentos115:
Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia
Legal - PPCDAM - Versão completa
Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado -
PPCerrado - Versão completa / Sumário Executivo
Plano Decenal de Energia - PDE - Versão completa / Nota Técnica
Plano de Agricultura de Baixo Carbono - Plano ABC - Versão Final;
Plano Setorial de Mitigação da Mudança Climática para a Consolidação de uma
Economia de Baixa Emissão de Carbono na Indústria de Transformação - Plano Indústria -
Versão Final;
Plano de Mineração de Baixa Emissão de Carbono - PMBC - Versão Final;
Plano Setorial de Transporte e de Mobilidade Urbana para Mitigação da
Mudança do Clima - PSTM - Versão Final;
Plano Setorial da Saúde para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima -
Versão Final.
De acordo com as previsões do art. 5º da PNMC, o Brasil promoverá a cooperação
internacional para o financiamento, capacitação, desenvolvimento e transferência de
tecnologias e processos para implantar ações de mitigação e adaptação, propiciando um campo
de possibilidades para o intercâmbio de informações e troca de tecnologias.
Outros importantes instrumentos também são previstos na PNMC, tais como, o
Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, os Planos de Ação para Prevenção e Controle do
Desmatamento nos biomas, a comunicação nacional do Brasil na Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima, medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a
redução das emissões e remoção dos gases de efeito estufa, abertura de linhas de crédito e
financiamento específico por agentes financeiros, dentre muitos outros.
A estrutura institucional das PNMC está prevista no art. 7º o qual prevê a criação
do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, a Comissão Ministerial e o Fórum
Brasileiro de Mudança do Clima.
115 Fonte: http://www.mma.gov.br/clima/politica-nacional-sobre-mudanca-do-clima/planos-setoriais-de-mitigacao-
e-adaptacao. Acesso em 02 de fevereiro de 2014.
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A legislação previu uma meta de redução de emissão de GEE entre os níveis de
36% a 39%, limites estes considerados abusivos por alguns setores econômicos brasileiros.
Através da lei 12.114/2009, o Brasil instituiu o Fundo Nacional sobre Mudança do
Clima (Fundo Clima), cuja finalidade é o financiamento de projetos, estudos e
empreendimentos com vistas à mitigação das causas antrópicas sobre o clima.
Embora não trate especificamente sobre o tema, a Política Nacional de Resíduos
Sólidos, instituída pela Lei Nacional n. 12.305/2010, oferece importantes instrumentos para a
governança ambiental no nível da PNMC, posto que, através da destinação final adequada dos
resíduos sólidos significa o reaproveitamento de mais de 50% dos resíduos sólidos produzidos
no país traçando um novo caminho para a revisão dos atuais padrões de consumo e produção.
Em 1993, o Brasil foi palco da edição da Lei sobre Redução de Emissão de
Poluentes, Lei nº 8.723, a qual estabelece limites para os níveis de emissão dos gases
provenientes da queima de combustíveis de veículos automotores.
No âmbito dos Estados e Municípios, é possível encontrar preocupações com as
mudanças climáticas, as quais se refletem na edição de legislações que passamos a listar116:
Região Sudeste: no Estado de São Paulo – Lei 12.798/2009; no Estado do Rio
de Janeiro – Lei 5.690/2010; Estado de Minas Gerais – Decreto n. 45.229/2009; Espírito Santo
– Lei 9.531/2010.
Região Sul: Estado de Santa Catarina – Lei 14.829/2009; Estado do Paraná – Lei
17.133/2012; Estado do Rio Grande do Sul – Lei 13.594/2010;
Região Norte: Estado do Amazonas – Lei 3.135/2007; Estado do Tocantins –
Lei 1.917/2008;
Região centro-oeste - Estado de Goiás – Leo 16.497/2009, Estado do Mato
Grosso – Lei 9.111/2009;
Região Nordeste: Estado da Bahia – Lei 12.050/2011;
Como se observa, a qualidade do conteúdo normativo brasileiro evidencia a
preocupação do Brasil com as questões climáticas, fator este importante na medida em que o
país é detentor de um dos maiores reguladores climáticos do Planeta – a Floresta Amazônica e
em razão da sua extensão territorial representar impacto nos microclimas locais.
Muito embora haja sérias contendas a respeito das efetivas causas para as
Mudanças Climáticas, é evidente o fato de que o legislador brasileiro adotou uma postura de
Precaução e Prevenção frente aos riscos sabidos e não conhecidos. Como bem afirma Sérgio
116 A listagem fornecida não tem cunho exaustivo.
83
Besserman Vianna no prefácio de Giddens117 “o fato de o conhecimento científico atual não
trazer projeções apocalípticas não deve ser motivo para um sentimento de tranquilidade”, ao
contrário, deverá servir para que adotemos posturas mais coerentes com o que queremos para
as presentes e futuras gerações.
117 Idem. p. 07
84
5 - EXTERNALIDADES AMBIENTAIS DO SETOR MINERÁRIO E TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL EXTRAFISCAL SOB UM ENFOQUE
HUMANISTA INTEGRAL E BIOCÊNTRICO
5.1 – CONCEITO DE EXTERNALIDADES À LUZ DAS TEORIAS ECONÔMICAS. IDENTIFICAÇÃO DAS EXTERNALIDADES.
O desenvolvimento do presente capítulo demanda o bom entendimento do que seja
uma externalidade, conceito amplamente utilizado pelos economistas. Até o presente momento
do nosso trabalho utilizamos de conceituações sobre o meio ambiente, a interação entre homem
e natureza, mas ainda não fizemos uma ligação clara em como seria a dialética entre essas
relações e a economia, de forma a propiciar uma demanda no mundo jurídico tributário.
O primeiro conceito sobre o que se conhece hoje como externalidades foi
formulado por Alfred Marshall, em 1925, em relação à curva de oferta com inclinação
descendente de uma indústria em regime de concorrência. Nesse sentido, estaremos diante de
uma externalidade quando um determinado agente econômico interage no mercado e gera, sem
intencionalidade, malefícios ou benefícios para indivíduos alheios ao seu próprio processo de
produção. Nos dizeres de Carlos Alberto Longo, “uma externalidade é uma imposição de um
efeito externo causado a terceiros, gerada em uma relação de produção, consumo ou troca.”118
As externalidades podem ser positivas (aumento dos benefícios públicos) ou negativas.
O presente trabalho irá ater-se às externalidades negativas geradas ao meio
ambiente, especificamente ao Clima, por força das atividades de produção e consumo, na
medida em que tais atividades humanas têm sido apresentadas como uma das maiores fontes
antrópicas geradoras de GEE. Desta forma, a partir do presente momento, utilizaremos o termo
externalidade para designar “externalidade negativa”.
Derani conceitua externalidade como sendo “a máxima de que cada um deve
ocupar-se do próprio negócio permitiu que uma série de resultantes da produção não
participassem do cálculo privado, o que conduziu a uma sequência de ‘deseconomias’, ou seja,
produtos não contabilizados na renda do empreendedor, trazendo efeitos negativos à
sociedade”119. A ideia básica das externalidades é a existência de benefícios para alguns em
detrimento de uma forte carga negativa para outros, fenômeno ocorrido em razão de algumas
118 LONGO, Carlos Alberto. Finanças Públicas: Uma Introdução. São Paulo: IPE-USP,1989.
119 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad. 2007. p. 107
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falhas no mercado. Exemplificando, enquanto a empresa emissora de CO₂ obtém lucros com
seu processo produtivo, toda a coletividade, bem como o próprio meio ambiente suporta a carga
dessa emissão desmedida, com problemas de saúde, poluição do ar, dos mares, rios dentre
outros.
As “deseconomias” 120 aumentam a entropia do mercado em razão do uso
ineficiente dos recursos naturais e ambos participarão do aumento da entropia da Terra
causando o verdadeiro colapso no Clima há muito proclamado.
Ainda quando tratamos do tema externalidades, é importante ter em mente a
questão da esgotabilidade dos recursos naturais. Isso porque o desenvolvimento humano cria
uma carga sobre os recursos naturais do planeta de forma que, muito embora tecnologia e
ciência possam amenizá-lo, não será possível atingir um nível de sustentabilidade sem uma
mudança paradigmática no consumo e na produção. Desse modo, muito antes de pensar no bom
uso dos recursos naturais, é preciso a priori pensar na sua finitude, se quisermos manter a vida
em funcionamento tal qual a conhecemos hoje. Em se tratando do Clima, pode-se fazer uma
relação do conceito de finitude com a irreversibilidade dos malefícios gerados pelas ações
antrópicas.
O Clima é, sem sombra de qualquer dúvida, o elemento base para a formação de
todo o ecossistema existente na Terra, havendo qualquer variação, também os demais
componentes sofrerão alterações. Com isso queremos dizer que a boa preservação dos recursos
naturais depende, inexoravelmente, da preservação do Clima, sendo este uma condição a priori
diretamente ligado à ideia de escassez.
São muitas as teorias que tentam explicar os conceitos de externalidade e como a
economia e o Estado devem lidar com elas. Derani divide o estudo das externalidades partindo
dos dois precursores das teorias mais importantes sobre o assunto, Pigou e Coase, afiliando o
primeiro a uma corrente mais conservadora, com a participação do próprio Estado na correção
das externalidades, e o segundo a uma corrente liberalista excluindo o Estado na participação
deste processo de correção. Sabiamente a autora pondera os perigos de se adotar uma ou outra
corrente isoladamente posto que “essas teorias são modelos que precisam encontrar a devida
contextualização. Sobretudo porque a proposta básica da economia ambiental, a valorização
120 Termo utilizado por Herman Daly em Sustentabilidade em um mundo lotado. Scientific American Brasil. Texto encontrado em http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/sustentabilidade_em_um_mundo_lotado.html. Acesso em 10 de julho de 2013.
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monetária na natureza é artificiosa (...) necessitando de amparo político e jurídico.”121
Dália Maimon122, através de uma abordagem completa, abrangendo inclusive a
abordagem de Derani, divide os teóricos nos seguintes grupos: neoclássicos, pigouvianos,
ecodesenvolvimentistas, bioeconomia e economistas ecológicos.
O conceito de meio ambiente para os Neoclássicos invoca três importantes
elementos:
1- ele é a fonte de matérias primas utilizadas como insumos (renováveis ou não)
nos processos de produção;
2- o meio ambiente é o destinatário de todos os "dejetos" da produção e do
consumo, sendo certo que a absorção pode ser total, parcial ou mesmo nula, dependendo do
nível de saturação do ecossistema;
3 – e, por fim, exerce importantes funções como, por exemplo, oferecer suporte à
fauna e à flora, lazer e embelezamento.
Para os neoclássicos, então, o estudo do meio ambiente estaria imbricado com a
noção da incorporação das externalidades e, porque entendem que o meio ambiente possui
propriedade indefinida, propõem a apropriação do mesmo na medida em que, considerando o
meio ambiente como um recurso escasso, percebem a necessidade de um regramento mais claro
por força do uso desmedido. Para solução eles propõem a privatização do Meio ambiente,
trazem como proposta a criação de um mercado de compra e venda de “direitos de poluir”,
permitindo às empresas menos poluidoras negociar seu diferencial no mercado, o que é muito
discutível e; adoção de mecanismos compensatórios para as empresas que conseguem controlar
sua poluição. Como se percebe, essas medidas foram adotadas pelo Protocolo de Quioto
quando da tentativa de criar o mercado de carbono, hoje não mais muito utilizado,
especialmente após a crise econômica mundial de 2008.
Temos dúvida se seria possível a implementação da primeira parte dessa teoria no
Brasil, tendo em vista a noção utilizada sobre a propriedade do bem ambiental. Há algum
121 Idem. p. 110. 122 MAIMON, Dalia. Ensaios sobre Economia do Meio Ambiente. Rio de Janeiro: APED (Associação de Pesquisa de Ensino em Ecologia e Desenvolvimento), 1992.
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tempo, a água, o ar, o mar eram vistos, especialmente pelos civilistas, como res nullius, coisa
de ninguém. E, na verdade, na forma do paradigma existente para a época, não havia outra
forma de considerá-los.
Contudo, após o surgimento do conceito de “Direitos Difusos”, a postura jurídica
desloca-se para uma concepção mais abrangente, e considera-os como bem de todos. Desse
modo, o bem ambiental (o bem de todos), passa a ter uma dupla titularidade: a coletividade e o
indivíduo (quando o bem for passível de delimitação, como se apropriar de porções de água,
porções de gases disponíveis na Natureza etc.). A ideia foi capitaneada pela Constituição da
República, quando no art. 225 afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado” e também não passou despercebida pelo Ministro Antônio Herman Benjamim
quando afirma “a titularidade do meio ambiente, como macroconceito, pertence à coletividade
(sociedade) e a sua utilização é pública, vale dizer, a ele se aplica o princípio da não-exclusão
dos seus beneficiários”123.
A Teoria Ecodesenvolvimentista, segundo Maimon, fundamenta-se no tripé:
justiça social, eficiência econômica e prudência ecológica e, seus parâmetros são a qualidade
social e a qualidade ecológica, as quais estão voltadas para a presente e futuras gerações. A
qualidade social estará sempre voltada para a implementação de melhorias para as classes
menos favorecidas, enquanto a qualidade ecológica volta-se para a futura geração. As
externalidades ambientais negativas são consideradas como decorrentes do estilo desenfreado
do desenvolvimento econômico porque não estabelece uma relação de harmonia entre o
crescimento e a utilização dos recursos naturais, sendo necessário, para a implementação de
soluções o engajamento tanto do Estado quanto da sociedade civil.
Algumas soluções são apresentadas pelos Ecodesenvolvimentistas para o
enfrentamento das externalidades ambientais, dentre elas citamos: a mudança na qualidade do
desenvolvimento e a reorientação da tecnologia e avaliação dos riscos com a consequente
conservação e ampliação da base dos recursos naturais. Com isso, pretende-se uma profunda
mudança estrutural nos processos da indústria, através da qual as atividades poluidoras seriam
restringidas ou taxadas pelos danos causados segundo o Princípio do Poluidor Pagador.
Maimon não confere muita atenção ao que chamou de Bioeconomia, talvez porque
123 BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcellos e. Função Ambiental. Disponível em www.bdjur.stj.gov.br. Acesso em 07 de julho de 2013.
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à época de seu livro (1992) a teoria não estivesse ainda muito bem desenvolvida. A importância
dessa teoria está no confronto de princípios e das leis oriundas da natureza, tais como:
termodinâmica, evolução, organização do ser vivo, ecologia e de conceitos e hipóteses
adotados nos modelos de crescimento econômico. Sob esse enfoque, a entropia (perda de
energia) é elemento limitador da atividade, do sistema econômico na medida em que impede a
substituição do capital natural pelo capital produtivo.
Os Economistas Ecológicos, segundo Maimon, propagam um movimento contrário
à utilização das teorias neoclássicas e ecológicas da economia e utilizam-se da teoria
desenvolvida por Coase. Na medida em que busca a inter-relação entre os ecossistemas e o
sistema econômico, é vista como um campo transdisciplinar. Assim, a análise do processo parte
desde o recurso natural, em sua forma in natura, até o seu descarte. A visão holística do
processo é de suma importância para se entender as externalidades, posto incorporar, de certo
modo, o custo ambiental, o custo da degradação tanto no momento da extração (natureza como
provedora de recursos), quanto no momento do depósito final do produto, nessa fase
considerado como lixo, rejeito (natureza na função de absorção dos recursos industrializados).
Essa corrente encontra suas bases no liberalismo econômico, porque, para ela, não
haveria necessidade de participação do Estado na redução das externalidades, eliminando-o
como agente subvencionador. Diz um dos teoremas de Coase: "Quando as partes podem
negociar sem custo e em vantagem mútua, o resultado final é eficiente, independentemente de
como seus direitos de propriedade possam ser especificados.”
A teoria “pigouviana” (Arthur Cécil Pigou) entende o problema da poluição
ambiental como decorrente de uma falha do sistema de preços e não reflete em sua inteireza os
danos causados ao meio social e ao meio ambiente. Para a solução dessas externalidades,
propõe-se a instituição de impostos, subvenções ou incentivos pelo Estado. Este trabalharia
como “uma instituição à parte, para corrigir as lacunas e, então assegurar um nível ótimo do
mecanismo de mercado.”124
Diante de todas as teorias postas, o grande dilema será encontrar o lugar ótimo para
o papel do Estado e da sociedade civil (incluindo nesse rol empresas e consumidores), o que,
certamente, irá refletir no trato jurídico dessas questões. É bom lembrar, todas essas teorias
econômicas são elaboradas dentro de laboratórios e, quando transpostas ao mundo real, devem
124 Derani, Cristiane. p. 108
89
sofrer certas adaptações, não sendo possível a realização de uma ciência completamente
descontextualizada nesses casos. Concordamos com Derani quando diz “estas teorias são
modelos que precisam encontrar a devida contextualização. Sobretudo porque a proposta
básica da economia ambiental, a valorização monetária da natureza, é artificiosa (não
corresponde às forças de mercado, que as empregam necessariamente como bem livre ou em
abundância).”125
Nesse viés, inclusive as teorias não poderão ser vistas isoladamente, mas sim em
complementaridade, ou seja, extraindo-se de cada uma os melhores elementos para aplicar-lhe
ao mundo fenomênico. A nosso ver, a teoria que melhor faz essa interligação é a teoria da
Economia Ecológica, ou mais modernamente chamada de Economia do Meio Ambiente
porque, sabiamente, olha os processos não como máquinas, mas à luz de uma Física Social126
reinterpretando o conceito de crescimento econômico, representando, assim, o rompimento
paradigmático da economia convencional. O Direito deverá tomar por base esse modelo
econômico para bem regular o processo.
Voltemos, então, ao conceito de Economia Ecológica, porque será este adotado
para o desenvolvimento dos capítulos supervenientes, a fim de fazer um contraponto com a
Teoria Neoclássica para melhor compreensão do sistema. Segundo aquela Teoria, a economia é
vista como um dos componentes de um sistema com muitos outros elementos, vista então como
um subsistema que, embora seja infinito, ocorre dentro de um sistema finito (recursos naturais).
Para Cechin e Veiga, “a economia é um subsistema aberto desse imenso sistema fechado,
qualquer expansão da macroeconomia implica custo. Exige alguma contrapartida natural,
fazendo com que tal decisão não possa ignorar seu ‘custo de oportunidade’.” 127 Nesses
termos, se um sistema “aberto” possui seus limites nas bordas do sistema no qual está inserido,
haveremos que chegar à forçosa conclusão de que haverá escolhas consideradas como
econômicas e antieconômicas, estas últimas consideradas quando o crescimento for obtido a
passivos sobremodo altos, quando, por exemplo, a instalação de uma hidrelétrica representar
um verdadeiro desfalque na fauna e na flora local, além de realocação de comunidades há
muito instaladas no local.
125 idem p. 110. 126 Alier, Joan Martínez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. Tradução Armando de Melo Lisboa. Blumenau: Furb. 1998. 127 CECHIN, Andrei e Veiga, José Eli da. In: Economia do Meio Ambiente. Peter H. May (org). 2 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, 4ª impressão. p. 34.
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No paradigma neoclássico, a economia é vista como o todo e todos os demais
campos, inclusive humano e natureza, fazem parte de setores, de microeconomias. Sob essa
óptica, o todo será a economia, o centro de todo o desenvolvimento na Terra é a própria
economia, como o sol no sistema solar, tudo por ele e para ele (no caso a economia). Por isso,
uma desordem que justifique uma preocupação maior e uma intervenção, só se justificaria se, e
somente se, colocasse o sistema econômico em colapso. A crise econômica mundial de 2008
demonstrou-se como um grande exemplo do que se está a dizer. Preocupações com os seres
humanos (fome, desemprego etc. nos países considerados à época como desenvolvidos) e a
natureza dentre outros aspectos só entraram na pauta de discussão após a emergência dos
problemas. Antes, nesses países desenvolvidos e, portanto, imunes às pragas do capitalismo, a
visão da problemática da fome e outras mazelas eram vistas de um pedestal, de cima para baixo
e, pouca, ou nenhuma medida, era feita efetivamente. Um dos grandes reflexos desta concepção
está na formulação do conceito do Produto Interno Bruto (PIB) o qual desconsidera os efeitos
negativos sociais e ambientais e, como consequência, criou-se o conceito de IDH (índice de
desenvolvimento humano), o qual também não é suficiente para a inclusão de processos
emergentes na sociedade pós-moderna. O cenário mudou e, com ele, a perspectiva das pessoas
e de governos.
A Teoria Clássica encara a economia como um processo fechado, livre dos
processos de entropia (segunda lei da termodinâmica), porque a quantidade de energia
permanece constante, não há troca ou destruição de energia, apenas a transformação de uma em
outra.
Essa linha de pensamento estaria correta se o processo de produção não fosse
aberto tanto no seu início quanto no seu fim. Isso porque precisa da entrada de insumos para a
produção e, ao fim, apresenta seus rejeitos (lixo). Nessas entradas e saídas, estão as portas para
o que se chama de entropia. Quanto melhor o aproveitamento dos bens nas duas portas, menor
será a entropia provocada por esses processos e, via de consequência, melhor será o
aproveitamento dos recursos naturais, gerando o que se considera uma ótima economia. Essa
concepção, longe da física newtoniana, foi formulada por Nicholas Georgescu-Roegen, físico e
matemático romeno, cuja maior contribuição fora a formulação da Teoria da Economia
Ecológica no século passado.
As diferenças conceituais entre a Teoria Neoclássica e a Teoria Ecológica sobre a
economia pode ser descrita na forma do seguinte quadro:
91
Quadro 3 – Modelos de funcionamento da Economia – “visões da economia”
Fonte: Alier, Joan Martínez.
Retomemos a crítica feita por Derani sobre desconsiderar o mundo dos fatos pelas
teorias econômicas, Georgescu apresenta entendimento semelhante, afirmando que os
economistas clássicos se esquecem do fluxo real dos elementos humanos e naturais.
Lamentavelmente, sua teoria foi muito criticada, até mesmo porque o paradigma cartesiano
newtoniano vigia. Não havia outros meios de se quebrar o padrão anterior. A teoria ganha força
após os novos descobrimentos da física quântica, com um novo olhar para a mecânica e, por
consequência, para o funcionamento dos mecanismos, dentre eles, a economia.
Como se percebe de tudo que foi dito até então, o conceito de entropia se amolda
perfeitamente ao conceito de externalidade ambiental negativa, sendo possível fazermos um
paralelo. Trabalhando com a ideia de tempo e espaço, os materiais advindos da natureza se
transformarão em produtos finais, os quais serão consumidos e retornados ao meio ambiente na
forma de resíduos. Todo esse processo, como já dissemos, gera a emissão de GEE, altamente
prejudiciais para o clima global. O que fazer então? Propiciar que esse ciclo ocorra com o
92
menor índice de entropia, externalidade, possível, melhorando o desempenho da extração,
produção e descarte. “Quem” e “como” deve-se trabalhar para atingir esse fim é o objeto de
investigação do presente capítulo.
Os Economistas Ecológicos, representados por Georgescu-Rooegen, não creem no
crescimento econômico ilimitado, posto que a própria Natureza seja o agente limitador. Em
algum momento desse crescimento, defendem, a economia passa a se transformar em uma
‘deseconomia’ gerando sérios comprometimentos para a geração presente e, muito mais, para
as gerações futuras. O mesmo pensamento é adotado por Herman Daly128. Chegará um ponto
em que a entropia, as externalidades ambientais negativas, provocada pelo sistema econômico
se mostrará maior do que a existência de recursos naturais disponíveis (ou ao menos com
acesso a um custo financeiro razoável) e, como o sistema da Terra é fechado, limitado,
estaremos diante do ponto de encontro entre o crescimento e o estacionamento, quando o
crescimento econômico será encarado como maléfico ao ser humano e para todo sistema. Em
termos de aquecimento global, já não estaríamos próximos a esse momento, no momento em
que há uma aproximação da irreversibilidade dos efeitos gerados?
Por tais motivos, os quais parecem bem factíveis, o crescimento econômico, nos
moldes atuais, não poderá ser visto como a tábua de salvação para a solução de todos os
problemas ecológicos, mesmo que traga consigo novas tecnologias, inclusive porque nos
moldes da “Curva Ambiental de Kuznets”129 as emissões de CO₂ aumentam paralelamente
ao aumento da renda. Isso porque não só a pobreza, a doença, a guerra, nas quais o mundo hoje
está fortemente imergido, estarão presentes no futuro, como também a completa incapacidade
humana de solucionar esses problemas devido à falta de instrumentos (naturais) para tanto. O
problema toma uma dimensão maior, porque parte dos efeitos vai à base da solução dessas
questões (o Clima, a Terra é a nossa casa, o lugar onde desenvolvemos nossa civilização. Sem
ela, não há porque argumentar sobre a solução de problemas “menores” como a pobreza). É
preciso avançar para um novo desenrolar da economia, uma nova forma de orientar a produção
do capital, a utilização dos insumos, a circularidade da utilização dos produtos e, finalmente, o
128 DALY, Herman E. FARLEY Joshua. Ecological economics: principles and applications. Washington DC. 2004 129 ALIER, Joan Martínez. Ecologismo dos Pobres. Tradução Maurício Waldman. São Paulo: Contexto. 2007. p. 42. As previsões formuladas através dos cálculos indicados pela curva, contudo, indicam um estacionamento da emissão de CO₂ no momento em que populações mais pobres atingem o grau ótimo de suas economias, saindo da pobreza e ali encontram estabilidade. Contudo, a estabilidade não deverá ser vista como forma de justificar o crescimento desmedido, porque ela poderá sim representar a impossibilidade de se retornar em níveis sustentáveis de emissão, como é percebido nos países mais desenvolvidos.
93
descarte, utilizando-se, assim, soluções de longo prazo, exigindo um esforço de todos para um
capitalismo mais limpo, através do desenvolvimento de melhores tecnologias, melhor
(re)utilização dos rejeitos, a certificação de produtos ambientalmente sustentáveis, dentre
outros aspetos. O processo precisa ser revisto e, como já dissemos, somente ocorrerá com uma
mudança estrutural paradigmática social e econômica. Essa também é a posição de Cechin e
Veiga posto afirmarem
“A abordagem economicista na análise da questão das mudanças
climáticas considera que os serviços prestados pela natureza à agricultura, como o
clima equilibrado, poderiam ser ‘substituídos’ sem prejuízo ao processo
econômico. Tais serviços incluem as funções de regulação do clima e manutenção
dos ciclos biogeoquímicos fundamentais para vida. Apenas de fundamentais, são
serviços gratuitos, muito dificilmente passíveis de precificação ou titularidade e,
pior, insubstituíveis.
(...) algum dia a continuidade do desenvolvimento humano exigirá que
a produção material se estabilize e depois decresça. Em vez de o desenvolvimento
depender de crescimento econômico – como nos últimos mil anos – ele passará a
requerer o inverso, o decrescimento.”130
Pensamento semelhante é encontrado nos ensinamentos trazidos por Machado,
Suslick e Ferreira, para eles “uma nova abordagem de desenvolvimento implica uma percepção
diferente da relação entre sociedade e natureza. É uma mudança para uma nova visão do
mundo que exige uma transformação de valores. (...) necessitamos de soluções
socioeconômicas inovadoras guiadas por políticas ambientais.”131
A contrapartida ao conceito de externalidade ambiental negativa pode ser
encontrada no conceito de “ecoeficiência” sendo esta entendida como “o fornecimento de bens
e serviços a preços competitivos que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade
e vida, ao mesmo tempo em que reduz progressivamente o impacto ambiental e o consumo de
recursos ao longo do ciclo de vida, a um nível mínimo, equivalente à capacidade de
sustentação estimada da Terra.”132
130 Idem p. 40-45. 131SUSLICK, Saul B. et All. Recursos Minerais e Sustentabilidade. São Paulo: Ed. Komedi. 2005. p. 127. 132 Idem p. 134.
94
A grande questão agora é: como resolver o problema da internalização das
externalidades ambientais negativas, especialmente em relação ao assunto Aquecimento Global,
já que muitos dos seus efeitos, além de se apresentarem no momento presente, também se
perpetuarão no momento futuro. Em razão disso, Georgescu-Roegen acreditava ser improvável
a possibilidade da internalização das externalidades ambientais.
Suslick e outros trazem os elementos para se alcançar esse grau melhor de
desenvolvimento da economia, os quais seriam: “redução do consumo de materiais com bens e
serviços, redução do consumo de energia com bens e serviços; redução da dispersão de
substâncias tóxicas; intensificação da reciclagem de materiais; maximização do uso
sustentável de recursos renováveis; prolongamento da durabilidade dos produtos; agregação
de valor aos bens e serviços; internalização de todos os custos ambientais, indicando à
sociedade o real valor dos bens e serviços e; aplicação de instrumentos de incentivo financeiro,
motivando a preservação e restauração ambiental.”133
Ainda no conceito de ecoeficiência, será interessante ponderar que, se a distribuição
ecológica134, os custos ambientais forem levados em consideração no processo de produção
(considerando tanto a fase inicial – extração - quanto a final – descarte), uma nova perspectiva
se abrirá no processo decisório da exploração dos recursos (onde explorar; com quais
instrumentos tecnológicos; onde realizar a destinação final dos recursos; a velocidade com que
ocorrerá o processo de produção, inclusão no mercado e renovação dos estoques dos
consumidores; dentre muitos outros aspectos). Isso porque, segundo Martínez Alier “a
distribuição precede as decisões da produção”135 compelindo o agente econômico a tomar
medidas mais producentes para o seu ‘negócio’ e “então, as decisões relativas à produção na
nossa economia seriam outras, dependendo em boa parte do preço associado a essas
externalidades.”136
O grande desafio para a nossa atualidade talvez seja a valorização do meio
ambiente, dos danos a ele causados pelos processos capitalistas e, mais além, a quem caberá
essa valoração e inclusão nesse processo econômico, entrando aqui a discussão do uso do poder.
A provocação talvez exista pela incerteza em relação à possibilidade de valoração.
Valorar o meio ambiente, na forma como este fora concebido neste trabalho, seria,
aproximadamente, a valoração da vida. Por isso, e por todas as teses pesquisadas até o presente
133 Idem p. 134. 134 Expressão utilizada por Joan Martínez Alier 135 ALIER, Joan Martínez. Ecologismo dos Pobres. Tradução: Maurício Waldman. São Paulo: Contexto. 2007. p. 51 136 Idem p. 52.
95
momento no desenvolvimento deste trabalho, entendemos impossível a valoração do meio
ambiente justamente por conta do argumento trazido por Georgescu-Roegen, há uma clara
incerteza sobre os efeitos produzidos no futuro e, não há como mensurar o valor da
biodiversidade porque a mesma não é medida somente em termos monetários, há mais valores
agregados a, por exemplo, uma floresta. Como mensurar o valor monetário da destruição da
Floresta Amazônica para o Mundo? É possível tentar, mas nos parece que todas as tentativas
mostrar-se-ão por meios artificiosos. Talvez, não seja possível incorporar as externalidades nos
preços, contudo, seja possível encontrarmos “preços ecologicamente corrigidos que levem em
conta as externalidades ambientais.”137
A pequena crítica que se faz não possui o tom de indicar a impossibilidade de se
aplicar políticas públicas em prol do meio ambiente. Isso seria negar o nosso próprio trabalho
de mestrado! Neste ponto, concordamos com Alier quando diz
“Entendo perfeitamente que, uma vez posto um limite às emissões
contaminantes ou à produção desde fora da economia, limite determinado a partir
de um debate científico político, o modo de fazer retroceder a contaminação a este
limite deva ser através de instrumentos econômicos como impostos pigouvianos,
transações coasianas, mercados de licenças de contaminação (...)”138
Não obstante nossas observações sobre as questões apresentadas, o presente
trabalho de mestrado não busca a solução completa da problemática apresentada (seria
necessário muito mais do que um subtítulo para o desenvolvimento do tema). Contudo, a partir
da identificação de um grave problema (o exaurimento, o mau uso dos recursos os quais geram
impactos negativos no Clima) buscaremos apresentar nos tópicos seguintes uma das possíveis
soluções para iniciar um processo da quebra do paradigma econômico atual, rumo ao caminho
a que se pretende chegar – a boa relação entre o homem e natureza.
5. 2 O PLANO DA MINERAÇÃO 2030 E OS ÍNDICES DE REDUÇÃO E EMISSÃO DE GEE
No Brasil, o setor Mineral possui potencial como um grande alicerce das questões
ambientais climáticas, seja porque apresenta uma importante fatia no PIB nacional (ressalte-se
que cerca de 136% do saldo total do comércio exterior brasileiro está interligado ao setor da
137 Alier, Joan Martinez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. p. 178 138 Idem p. 68.
96
mineração139, sendo 55 minerais comercializados no Brasil), seja porque o setor apresenta a
marca de mais de um milhão de empregos regulares diretos, ou ainda porque suas etapas
(geologia, exploração e transformação) constituem parte de várias outras cadeias produtivas,
ramificando-se em outros campos da economia brasileira e internacional140. Considerando as
relações internacionais, de igual modo, o Brasil apresenta importante posição no mercado, o
que poderá ser observado no quadro abaixo 141 , facilitando a influência do setor para o
implemento de soluções plausíveis rumo à sustentabilidade ambiental e redução das emissões
de GEE. Tanto em nível nacional quanto internacional, é possível verificar a alta relevância do
setor por representar a base da cadeia produtiva geradora de padrões de consumo de toda a
sociedade, como também a utilização de vários minerais para a produção de maior eficiência
energética dos equipamentos e a produção de energia limpa.
Quadro 4 – Comparativo mundial de produção mineral
IRÃ
REINO UNIDO
ITÁLIAMÉXICO
CANADÁ
AUSTRÁLIA
NIGÉRIA
BANGLADESH
TURQUIA
JAPÃO
CORÉIA DO SUL
FRANÇA
ALEMANHA
INDONÉSIA
ÍNDIA
RÚSSIA
EUA
CHINA
BRASIL
Países com área maior que 3
milhões de km²
Países com PIB (PPC) maior que US$ 800 bilhões
Países com população maior que 140 milhões
de habitantes
BRASIL NO MUNDO (2008)
FONTE: FMI
Em 2008, o PIB minerário atingiu a casa dos US$ 69 bilhões, o que representa
4,2% do PIB nacional, sendo 1,1% referente à mineração e 3,1% à transformação mineral. O
Valor da Produção Mineral (VPM) também poderá ser apresentado como um importante
indicador. Entre 1999 e 2004, passou por um período de estagnação, retomando fôlego até
139 Fonte IBRAM – www.ibram.org.br 140 Fonte: http://www.mme.gov.br/sgm/galerias/arquivos/plano_duo_decenal/Plano_Nacional_de_Mineraxo_2030___Consulta_Publica_10_NOV.pdf. Acesso em 20.01.2014 141 Idem
97
2008, quando atingiu a casa dos US$26 bilhões. Em 2008, com a crise econômica mundial, o
setor apresentou uma perda significativa na participação desses dois indicadores (PIB e VPM).
No ano de 2013, de acordo com os índices apontados pelo IBRAM, houve uma retomada do
setor, especialmente em relação ao minério de ferro e, pela primeira vez em três anos, a visão
sobre o mercado deixa a neutralidade para passar a ser otimista142, indicando um verdadeiro
crescimento do setor. Os dados apresentados pelo setor mineral demonstram uma previsão
sobre aumento de produção diante da crescente demanda, tanto no âmbito interno quanto
internacional, o que, por outro lado, demandará maiores cuidados com o Meio Ambiente, já que
a atividade, por sua própria natureza, apresenta altos níveis de degradação ambiental.
Tendo como parâmetro a importância desses dados, o Plano Nacional da Mineração
2030 traça a elaboração de diretrizes básicas para que o setor realmente cumpra seu papel para
o desenvolvimento de uma economia sustentável nos próximos vinte anos (até o ano de 2030).
São diretrizes básicas:
1 - governança pública eficaz para promover o uso dos bens minerais extraídos no
País no interesse nacional;
2 - agregação de valor e adensamento de conhecimento em todas as etapas do setor
mineral;
3 - sustentabilidade em todas as etapas da cadeia produtiva mineral.
Como se observa do quadro abaixo143 a problemática do Aquecimento Global faz
parte da agenda de preocupações do Plano, visto que a redução de Gás Carbônico está incluída
como uma meta para a produção sustentável. Ademais, é importante observar o texto trazido
em todos os projetos de Lei sobre o Novo Marco Regulatório da Mineração, os quais trazem
como objetivo da atividade a sustentabilidade ambiental. Embora não sejam específicos no
assunto “Mudanças Climáticas”, não há dúvidas de que todo o mecanismo ruma à proteção do
Clima.
142 Fonte: http://www.ibram.org.br/ acesso em 21 de janeiro de 2014. 143 Fonte: http://www.mme.gov.br/sgm/galerias/arquivos/plano_duo_decenal/Plano_Nacional_de_Mineraxo_2030___Consulta_Publica_10_NOV.pdf. Acesso em 20.01.2014
98
Quadro 5 – Plano Nacional de Mineração - escopos
Como bem afirma o documento do PNM “alcançar o estágio de um Brasil
sustentável exige que o setor mineral se alinhe às diretrizes nacionais de longo prazo, entre as
quais : i) elevação do nível de emprego e renda; ii) diminuição da dependência do comércio
exterior em relação às flutuações dos preços internacionais dos bens primários; e iii)
manutenção de taxas de crescimento do PIB crescentes e mais estáveis”, significando dizer
que, de certo modo, o conceito de externalidades também é abarcado pelo PNM.
Em relação ao tema Mudanças Climáticas, há que se reconhecer certa instabilidade
internacional em relação não só ao Protocolo de Quioto, mas também em relação à COP 15
(Conferência de Copenhague), gerando certo descontento por parte do setor econômico (não só
mineral) na medida em que recursos financeiros devem ser despendidos para atender aos
tratados internacionais. Não obstante o cenário nada animador, diversos países, dentre eles o
Brasil, firmaram seus compromissos ambientais voluntários em prol do Clima. Deste modo,
tendo em vista o conteúdo existente na Lei Nacional n. 12.187/2009, o PNM abarca as
questões.
No ano de 2010, o IBRAM iniciou o levantamento de todos os dados referentes ao
quantitativo de emissões de GEE do setor minerário, sendo selecionadas as empresas mais
significativas na produção de cada setor específico dos bens minerais escolhidos para análise.
Foram analisados 90% da produção mineral em termos de valor referente aos10 bens minerais
99
analisados. Os inventários realizados utilizaram a metodologia apresentada pelos órgãos
técnicos de assessoramento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças
Climáticas.
Um outro levantamento realizado pelo Governo Federal brasileiro concluiu que a
indústria minerária brasileira responde por cerca de 7,3% da emissão de Gases de Efeito Estufa
(Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de GEE 144 ), podendo ser
considerado como um baixo emissor no contexto nacional. A Siderurgia, metalurgia dos
minérios não ferrosos, ferros-liga, cimento e cerâmica apresentam maior intensidade em
energia e na emissão do Gás Carbônico, devendo este setor estar bem preparado para atender ao
cumprimento da PNMC. Diante da magnitude da participação desses subsetores minerários,
tanto o Estado quanto o próprio setor privado deverão estar atentos às metas de redução e à
política de incentivos, uma vez que a Lei de PNMC traz a previsão de redução entre 36,1% a
38,9% projetada até 2020.
Importante ferramenta a ser utilizada para a consecução das metas propostas é o
Plano Setorial de Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima na Mineração, o qual apresenta a
metodologia e cálculo das emissões atuais, os cenários futuros e as possíveis ações a serem
desenvolvidas para o futuro. O plano setorial utilizou como base o Plano Nacional de
Mineração 2030 e o Inventário de GEE do Setor Mineral do IBRAM.
Como se observa no desenvolvimento do trabalho até aqui, a construção de padrões
sustentáveis do desenvolvimento econômico brasileiro, não apenas pelo setor minerário,
reduzindo as emissões de GEE (dentre muitos outros aspectos atrelados ao assunto Mudanças
Climáticas) é uma tarefa sobremodo complexa. O projeto não pode visar o curto prazo e deve
introduzir metas a toda a sociedade sob uma nova perspectiva ética de forma a reduzir as nossas
“pegadas” sobre a Terra. Manter padrões sustentáveis, especialmente na mineração, significa
repensar o planejamento de toda a sociedade e responder a questões básicas: De que forma
iremos viver? Quando precisamos realmente de um recurso? Qual a qualidade da vida que
desejamos e a que preço? Essas perguntas não passaram despercebidas por Stone145 e ele ainda
traz o alerta sobre a necessidade de encararmos a problemática como algo sério e real, longe
144 Ministério de Minas e Energia – MME - Plano Nacional Mineração 2030. p. 61 145 “What is it within us that gives us this need not just to satisfy basic biological wants, but to extend our wills over things, to object-ify them, to make them ours, to manipulate them, to keep them ate a psychic distance?” STONE, Christopher D. Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objects. Tioga Pub Co. 1998What p. 48
100
das fantasias do “Mundo Encantado”.
5.3 – A IMPORTÂNCIA DO ESTADO COMO AGENTE INTERMEDIADOR DOS CONFLITOS EXISTENTES ENTRE O DESENVOLVIMENTO E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL. RUMO A UMA POLÍTICA PÚBLICA SUSTENTÁVEL
Foi dito até o momento do presente trabalho a importância do equilíbrio do meio
ambiente para a sobrevivência da raça humana. Nesse sentido, não será difícil perceber que a
Natureza tem um valor através de nós, e também por ela mesma e, por isso mesmo, não
podemos impor despoticamente o nosso próprio modus vivendi aos processos naturais já
existentes, posto produzirem desordem e desequilíbrio. De outro lado, também não é possível
impor uma sociedade de crescimento zero, porque também representará um ambiente de
intranquilidade. Será, então, necessário encontrar equilíbrio para que se possam equacionar as
duas necessidades vitais humanas, enquanto nosso sistema econômico tiver por base o capital e
o consumo. Encontrar o ponto em que a sociedade se desenvolva com baixa entropia e, por
consequência, com baixa emissão de gases de efeito estufa, é (ou deve ser) o principal desafio a
ser enfrentado por todos nós.
Lamentavelmente, o atual modelo capitalista mundial, de per si, não permite a
incorporação dos custos ambientas (o uso do meio ambiente) no processo de produção,
refletindo o fato de que os preços (considerados como baratos) gerem processos produtivos
altamente poluentes e estimuladores do processo do Aquecimento Global. A problemática não
passou despercebida por Giddens ao afirmar que “na economia, o valor é estimado em termos
de preços ou de bem-estar, sendo este último estreitamente definido como benefício material.
Na teoria verde do valor, em contraste, o que torna algo valioso é ele ter sido criado por
processos naturais, e não por seres humanos.” 146 Essas falhas geram um custo o qual é, na
grande maioria das vezes, assumido pela sociedade (poluição, necessidade de reparação dos
danos ambientais pelo Estado etc.). O grande contrassenso do capitalismo está justamente no
fato de promover, ao mesmo tempo, riquezas sociais à custa da degradação ambiental, a qual,
conduzida em níveis insustentáveis, traz consigo indignidade ao ser humano.
Na linguagem econômica, as externalidades negativas são sempre vistas como
custos com difícil quantificação e, pior, a solução do problema significaria encarecimento do
146 Giddens, Anthony. p. 64
101
seu produto/serviço o qual perde, em algum nível, poder competitivo no mercado, gerando
desinteresse do empreendedor em reduzi-las. A questão se agrava quando o assunto se refere às
Mudanças Climáticas, porque a redução de emissão dos GEE implica, também, a
implementação de novas tecnologias e aporte de capital. Para nós, no presente trabalho,
diminuir externalidade ambiental significa adotar políticas sustentáveis no mercado como um
todo, de forma a estimular tanto os agentes econômicos, quanto os consumidores a adotarem
práticas de baixo carbono.
A questão a ser respondida é: considerando os mandamentos constitucionais a
respeito do Meio Ambiente e Ordem Econômica, qual será o papel do Estado para a
implementação de uma economia de baixo carbono? Qual o elemento jurídico poderá ser
utilizado pelo Estado para o fomento das práticas sustentáveis? A respeito do tema, nunca será
demais lembrar os ensinamentos de Giddens quando afirma
“É claramente importante tomarmos cuidado com o uso do
aquecimento global como um modo de legitimar sub-repticiamente
outros interesses (...) Todavia, é vital que a política de mudança
climática transcenda essas divisões (direita x esquerda), tanto quanto
possível, e sobreviva às mudanças de governo nos sistemas
democráticos.”147
O amparo jurídico para a atuação do Estado brasileiro está disposto no art. 170 da
Constituição da República, quando o legislador internalizou a proteção ao meio ambiente como
princípio norteador da atividade econômica, abrindo a possibilidade de se utilizar instrumentos
econômicos nas políticas públicas ambientais, em acréscimo aos tradicionais sistemas de
comando e controle. O texto constitucional é expresso ao dizer que haverá “tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de
elaboração e prestação”.
São inúmeras as ferramentas passíveis de utilização para a efetivação do conceito
de sustentabilidade e, nesses termos a função tributária pode ser considerada para a finalidade
de se buscar a efetivação da sustentabilidade ambiental e, por consequência, estimular o
(re)nascimento de uma economia de baixo carbono.
147 Idem p. 61
102
Na matéria de Mudanças Climáticas, o art. 6º, in. VI, da Lei nacional n.
12.187/2009 consagra as “medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a redução das
emissões e remoção de gases de efeitos estufa” como um dos instrumentos da Política Nacional
de Mudanças do Clima, confirmando no próprio texto positivado o que vínhamos afirmando até
o momento. Os estudos produzidos pelo IPCC apresentam a necessidade de haverá a redução
dos GEE na atmosfera para abaixo de 450 partes por milhão e, neste ponto, não há que se falar
somente em precaução mas também na certeza dos riscos que um mercado insustentável poderá
apresentar para a humanidade e para o Planeta.
O Estado, como detentor do monopólio da força (inclusive através da elaboração do
arcabouço jurídico) e da elaboração das políticas públicas não poderá imiscuir-se na importante
tarefa de gerir tais questões, bem como mirar seus olhos em todos os campos da problemática
apresentada. No ramo do Direito, a discussão acerca da problemática extrapola os ramos do
Direito Ambiental e Econômico para encontrar pouso no Direito Econômico Ambiental e,
como veremos, também no Direito Tributário Ambiental.
Pontes de Miranda afirma que o Direito compõe um dos sete processos sociais de
adaptação, sendo os outros a Arte, a Religião, a Política, a Economia, a Moral e a Ciência, o
que nos permite concluir ser o Direito uma representação do mundo fenomênico, a
representação de ideais, sentimentos, enfim, dos fatos sociais, da realidade posta148. Se assim o
é, o Direito deverá ter, por imposição, refletir-se e renovar-se, como na autopoiese sugerida
pelo jus filósofo brasileiro Willis Santiago Guerra Filho até mesmo porque, na teoria
Tridimensional do Direito de Reale “a norma jurídica (...) assinala o momento de integração
de uma classe de fatos segundo uma ordem de valores, e não pode ser compreendida sem
referência a esses dois fatores.”149 Já afirmava Pontes “pelo trato teórico e prático, as regras
jurídicas são objeto de pensamento e momentos da vida”.150 Assim, sob essa perspectiva, o
Direito, como um processo cultural, possui a função de caracterizar uma determinada
sociedade151, demonstrando seus valores, interesses e preferências.
Direito é linguagem própria traduzida, cujos fundamentos são justamente os fatos
sociais. Em muitos momentos, como se pode perceber até o presente momento do trabalho, a
linguagem ambientalista e econômica não é compatível ou porque seus fins são diferentes, ou
porque, em sendo convergentes, não conseguem comunicar-se adequadamente, sendo
148 HARBERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa: complementos y estúdios previos. Madrid: Ed Cátedra, 1984. 149 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 26ed. revista. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 104. 150 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I. Rio de Janeiro: Borroi. 1954. p. 08. 151 BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Bauru: Edipro. 2001.
103
necessária, então, a intervenção do Direito como agente mediador. No que atine às
externalidades ambientais Podemos representar a aparente incompatibilidade de linguagens da
seguinte forma:
Ambientalista Economia
Externalidade Ambiental Dano a ser reparado Custo adicional – aumento do
valor do produto
Geral Uma imposição à não
evitabilidade da reparação
Uma necessidade de evitar o
problema ou escondê-lo
gerando um risco
desconhecido
Na maioria das vezes, nota-se uma disparidade grande entre os fins e meios
adotados por ambos os ramos sendo necessário encontrar o meio para a compatibilização das
linguagens, inclusive no campo do Direito cuja proposição primeira de suas normas será a
disciplina das condutas humanas entre si e em relação ao meio que o circunda. Isso porque o
risco provocado pela atividade econômica impede que “as fronteiras do legal/ilegal coincidam
com as fronteiras da certeza/incerteza, o que nos permite dizer que o direito pode não gerar
confiança na sociedade”152, só o fazendo quando o Direito for utilizado devidamente como um
instrumento de alteração comportamental. E, neste ponto, surge o seguinte questionamento: A
função reguladora e sancionatória do Direito seria suficiente para trazer a convergência entre as
duas pontas de discussão ou seria exigido um esforço um pouco maior por parte desse ramo da
ciência? Deixamos para o próximo item a tentativa de resposta.
5.4 – TEORIA DO DIREITO PREMIAL
Em seu livro Teoria Pura do Direito, Kelsen afirma ser a sanção a gênese do Direito,
seu elemento essencial, na qual norma e sanção possuem uma relação indissociável o que, por
esse mecanismo, o distingue dos demais ramos das ciências sociais:
“É, por isso, de rejeitar uma definição do Direito que o não determine
como ordem de coação, especialmente porque só através da assunção do elemento
coação no conceito de Direito este pode ser distintamente separado de toda e
152 GARCIA, Maria da Glória F. P. D. idem p. 05.
104
qualquer outra ordem social, e porque, com o elemento coação, se toma por
critério um fato sumamente significativo para o conhecimento das relações sociais
e altamente característico das ordens sociais a que chamamos Direito; (...) já que
este é essencialmente uma ordem de coação e uma ordem de coação centralizadora
e limitada no seu domínio territorial de validade.”153
Nesta linha argumentativa, as normas jurídicas seriam compostas, necessariamente,
por sanções e, em seu conteúdo, estaria disposta certa ameaça de sanção, atos de ameaçar154
exercidos pelo próprio Estado através da utilização do seu Poder.
A posição de Kelsen, embora importante ao estudo do Direito, reduz o seu papel, na
medida em que não contempla a diversidade de espécies normativas que a compõe, nem tão
pouco, abarca o conteúdo psicológico das normas em relação aos destinatários, especialmente
no que toca ao atendimento espontâneo da norma jurídica.
Nesse sentido, Miguel Reale afirma que “(...) se a coação fosse um elemento
essencial do Direito, não haveria nenhuma norma jurídica que, por sua vez, não estivesse
subordinada a outra norma dotada de coação.” 155 Desse modo, o discurso normativo
estabelece-se de inúmeras formas, dentre as quais a ameaça de sanção é uma delas, mas não a
única.
Outra forma do exercício do discurso normativo é justamente o poder (estatal) que
se tem em motivar outros a assumir uma postura comportamental, previamente decidida pela
autoridade estimuladora. No mesmo viés, Bobbio afirma que “o direito permite apenas quando,
ao mesmo tempo, comanda”156, porque a função prescritiva, aquela própria da linguagem do
Direito, consiste, além de dar comandos, também em influenciar comportamento alheio e
modificá-lo.
A experiência tem demonstrado que a lógica da aplicação isolada dos Princípios do
Poluidor Pagador e Usuário Pagador (política de comando e controle), impondo elevadas
multas e demais ônus como forma de desestímulo, não tem conseguido atingir o fim último
colimado – diminuição das emissões de GEE e preservação ambiental. Atualmente, já se tem
certeza de que este modelo de política, embora contenha significativos interesses, também
proporciona pontos nevrálgicos, dentre eles: o controle deverá ser exercido pelo próprio Estado,
sendo, portanto necessário investimento em toda a logística fiscalizatória; cria um ambiente
153 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução João Batista Machado. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes. 1987. p. 58 154 Tercio Sampaio Ferraz Jr. 155 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 1986. p. 680. 156 BOBBIO, Norberto. Idem. p 126.
105
propício à estimulação da corrupção; as normas de comando e controle são estatais, pouco
incentivando melhorias tecnológicas.157
Será na teoria do jurista de Turim, na obra “Da Estrutura à função: Novos estudos
de Teoria do Direito”, o exato local onde encontraremos os subsídios para pensar na função
promocional do Direito, através de uma releitura do conceito de sanção, de forma a conferir o
devido lugar de destaque aos princípios ambientais da Precaução e Prevenção quando da
elaboração de políticas públicas tributárias e econômico-financeiras.
Uma revisão acerca das funções do Direito, especialmente do Direito Tributário, é
de extrema importância quando se está diante da sociedade pós-moderna, altamente fluida,
onde as relações interpessoais são ágeis e difusas. O fenômeno jurídico não poderá ser visto
somente pelo seu aspecto sancionatório, sob pena de reduzir-se a importante missão do Estado
consistente em induzir condutas, valendo-se também do aspecto psicológico de cada
destinatário da norma. Como afirma Miguel Reale “a astúcia do Direito consiste em valer-se
do veneno da força para impedir que ela triunfe”, podendo o próprio Estado valer-se de uma
postura ativa para estimular a prática de ações de reais vantagens ao Clima, ao invés de
desfavorecer condutas nocivas por meio de sanções tradicionais.
A visão funcional premial do Direito auxilia-nos a vê-lo como um sistema aberto
para o meio, que desenvolve uma linguagem e, através da interação comunicacional (por isso
aberto ao meio) é capaz de processar e conceituar os dados advindos da realidade social e, a
comunicação do sistema jurídico com o meio será tão eficaz quanto for a sua capacidade de
fazer-se compreender. Estamos, então, falando do Direito Promocional. Em Luhman, o Direito
poderá ser visto como um sistema imunológico da sociedade, o qual promove “curas” através
da exclusão ou da inclusão, em linguagem jurídica, utiliza-se das sanções positivas ou das
negativas.
Sob este enfoque, o desempenho do Direito altera drasticamente a sua função
desencorajadora, de forma que há uma conjugação das funções repressivo-protetiva e
promocional, em complementaridade, sendo esta última exercida tanto pelo incentivo quanto
pelo prêmio, sendo este uma reação do Estado a uma boa ação do particular e, aquele, um
impulsor a uma boa atitude do particular, conferindo-se o adjetivo “Premial” ao Direito porque
se buscará retribuir o bem com o bem, através de uma atuação proativa. Especificamente nestes
dois mecanismos de promoção é que encontraremos o objetivo da tributação ambiental, no
sentido de fazer convergir as linguagens ambientalista e econômica: o Estado, através de
157 Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p. 8.
106
incentivos (em sentido lato), promoverá ações de seus administrados em prol do meio ambiente
(estimulando as boas práticas e desestimulando as condutas indesejáveis), partindo do
pressuposto de que o comportamento humano é livre e múltiplo para criar boas alternativas na
consecução do fim último estatal o qual é, no nosso caso, o progresso econômico, social e
ambiental sustentável.
Nestes termos, a sanção jurídica é vista como uma atividade predeterminada e
organizada do Estado resultante da necessidade de se organizar a sociedade e trazer a devida
pacificação entre os pares. A sanção que antes poderia ser somente moral, religiosa, passa a ser
institucionalizada através de um processo de garantia do que determina a regra geral. Assim, na
técnica desenvolvida por Bobbio, não somente as sanções intimidativas serão utilizadas, como
também aquelas capazes de influenciar na adesão espontânea pelos administrados,
proporcionando incentivos e vantagens. Sob essa óptica, estaremos diante de sanções penais
(aquelas que atribuem penas pelo descumprimento) e de sanções premiais (oferecem
benefícios), alargando o conceito de sanção.
5.5 – INTERVENÇÃO AMBIENTAL DO ESTADO NA ECONOMIA. UTILIZAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE MERCADO NA CONSECUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. ECONOMIA VERDE.
A Constituição da República, através da redação do art. 225, trouxe a importante
incumbência ao Estado da defesa e preservação do meio ambiente. O art. 3º, caput e inc. I, da
Política Nacional de Mudanças Climáticas informa que as ações em prol do sistema climático
deverá ser executada pelos entes políticos e pelos órgãos da Administração Pública. Desse
modo, na forma concebida pelo sistema jurídico brasileiro, o Estado poderá e deverá intervir na
economia como forma de orientação do processo econômico na consecução do fim último –
preservação do Clima.
Para esses fins, o art. 170 da Constituição da República firma os propósitos da
Ordem Econômica Brasileira, trazendo como a base a livre iniciativa e a livre concorrência,
privilegiando o sistema capitalista de livre mercado.
Uma breve digressão sobre as formas de intervenção se faz necessária no presente
momento do desenvolvimento do trabalho a fim de desvelar as pré-compreensões subjacentes a
cada afirmação já feita.
O Estado Democrático de Direito é um processo histórico, conquistado após
inúmeras lutas de sangue e dor. Durante a revolução industrial, surge a ideia de que o mercado
107
deveria se autorregular sem a imposição de regras estatais ou com regras minimalistas. Trata-se
do Liberalismo.
Após a derrocada do liberalismo, associada à incapacidade de autorregulação das
relações dos mercados entre si e entre os hipossuficientes, surge uma nova atribuição ao Estado
– a regulação completa. Surge, então, o Estado do Bem-Estar Social, o qual é responsável por
importantes conquistas sociais no sentido de buscar harmonizar as relações mercadológicas
com as necessidades da população/trabalhadores, tentando equilibrar as relações entre os
diversos fatores de produção, harmonizando os direitos do trabalho com os de capital. As
Constituições Mexicanas (1917) e a de Weimar (1919) foram os grandes motes desse período.
Eros Roberto Grau158 informa-nos que, nesse período, “o novo Papel do Estado
passou a ser vigorosamente questionado desde os anos oitenta, na afirmação dos discursos da
desregulação e do neoliberalismo”. O Estado foi transformado no grande vilão dos problemas
econômicos abrolhados à época – inflação, altas taxas de desemprego. Surgem, assim, os
conceitos de neoliberalismo e desregulação, ambos encampados no Brasil pelo Governo
Fernando Henrique Cardoso.
Após o transcorrer dos anos, percebeu-se que tanto uma como outra corrente não
foram suficientes para ajustar o mercado de capitais às necessidades da sociedade. O
neoliberalismo também possui suas facetas, especialmente porque a premissa básica parte do
pressuposto de que “a ideologia mercadológica é produzida em função exclusivamente do
interesse do investidor, que é o de baixar os custos que oneram a empresa (os salários, os
tributos e as cargas sociais)”. 159 Eros Grau critica severamente essa ideologia,
responsabilizando-a por diversas atrocidades ocorridas no mundo. Cita o exemplo da doença
“vaca-louca” iniciada na Inglaterra na década de 90, na qual o Governo Margaret Thatcher,
para economizar 1 bilhão de euros e favorecer as exportações, proibiu-se a vacinação de
animais. Acrescenta, essas medidas próprias de uma agricultura produtivista, é que criaram as
condições da peste, contra a qual somente se pode lutar conforme os métodos arcaicos
aplicados desde a Antiguidade – ou seja, mediante a instauração de rigoroso protecionismo.
Assim, a concepção de intervenção econômica trazida pelo constituinte não se
apresenta segundo a corrente neoliberal, como pretendiam alguns, e, de outro lado, também não
deverá ser intervencionista a ponto de eliminar os seus principais pilares. Trata-se, em verdade
de uma volta ao sistema de freios e contrapesos, ao equilíbrio da ordem econômica.
158 Grau, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8 ed. Revista e Atualizada. Malheiros. 2003. p 30 159 Idem
108
Não há dúvidas de que o Estado deva, de fato, atuar especialmente no tocante às
externalidades ambientais negativas. A questão a ser investigada agora será “de que forma
deverá atuar em prol do Clima?”. Muito embora o art. 6º da PNMC traga alguns instrumentos,
entendemos necessárias algumas digressões sobre o tema já que não há pacificação na doutrina
a respeito.
Os bons resultados da atuação do Estado com as externalidades ambientais
negativas, no caso do presente trabalho as emissões de GEE, dependerão do olhar de mundo
dos seus representantes. Uma atuação eficiente não poderá ser míope e desconsiderar os
problemas sociais ao redor, nem muito menos desconsiderar o mercado no qual a problemática
está inserida. Desse modo, qualquer teoria que se apresente deverá ser contextualizada,
“sobretudo porque a proposta básica da economia ambiental, a valorização monetária da
natureza, é artificiosa (não corresponde às forças de mercado, que a emprega necessariamente
como bem livre ou em abundância).” 160
No caso de políticas públicas, a doutrina costumeiramente indica três formas de
atuação estatal: 1- política de comando-controle (regulação direta); 2 – instrumentos
econômicos ou de mercado e, 3 – instrumentos de comunicação. À luz do art. 174 CR O Estado,
quando da intervenção na economia, possui dois caminhos bem claros e distintos a seguir: ora
utiliza mecanismos de direção, ora os de indução.
A primeira delas, a função regulatória e a mais antiga defendida por Kelsen, está
baseada no elemento punitivo do Estado, no seu poder de polícia e, possivelmente, é a forma
menos inteligente de se construir consciências em prol de alteração de condutas. Isso porque o
sistema trabalha com penalizações, pura e simplesmente, e depende de uma forte estrutura do
órgão fiscalizador, o que faz encarecer o custo da estrutura administrativa. A imposição de
multas pesadas contra os poluidores não deve ser vista como o grande vilão, já que muitas
vezes poderá funcionar como instrumento de conscientização, mas, por si só, não é suficiente
porque seu foco não está no acerto, mas sim no erro Nesse sistema. As boas práticas
dificilmente receberão o devido valor161, aspecto importante quando estamos diante de um
sistema de mercado capitalista. O aspecto positivo e importante desse modelo está no fato de
serem fixados procedimentos e regras a serem seguidas pelo setor destinatário, sendo desde
cedo sabido quais os requisitos básicos para o desenvolvimento de uma determinada atividade,
sendo amplamente utilizados para o controle de danos ambientais.
160 Derani, Cristiane. Idem. p. 110. 161 O sistema desconsidera que cada atividade possui o devido custo operacional diferenciado inclusive para a redução da emissão de poluição.
109
O Estado, quando da intervenção na economia, à luz do art. 174 CR, possui dois
caminhos bem claros e distintos a seguir: ora utiliza mecanismos de indução, ora os de direção.
Na função diretiva, comando e controle, o Poder Público vale-se do binômio
permitido/proibido para imposição de normas jurídicas sendo que, no caso do Meio Ambiente,
haverá limitação ao uso dos bens ambientais especialmente pelo uso do licenciamento
ambiental, aplicação de sanções e pela imposição do dever de reparar o dano ambiental
provocado. O campo de abrangência desta função estatal não possui grande espectro de
discricionariedade e, como consequência, não impõe força motivacional suficiente para
mudança de comportamentos.
Os instrumentos de mercado visam à internalização dos custos ambientais no
processo de produção através de uma análise de custo-efetividade e buscam alternativas de
diminuição da poluição a razão de metas estabelecidas e sob o menor custo possível e estão
baseadas em um contexto premial do Direito. Através deles, o Estado maneja os instrumentos
de intervenção, dentre eles o sistema tributário, em favor da consecução de um fim, intervindo
na economia para induzir os agentes econômicos a condutas desejadas e necessárias para um
determinado momento. No campo ambiental, a intervenção do Estado na economia para o grau
máximo de eficiência ambiental não se trata de uma mera escolha política, mas sim de um
mandamento constitucional, sendo o mecanismo tributário um, dentre vários, instrumentos
possíveis de utilização determinados pela Constituição da República brasileira.
A boa implementação desse sistema exigirá que se sigam as seguintes regras:
1 – o Estado assumirá para si a propriedade dos bens ambientais (terra, ar, água);
2- padrões de qualidade das emissões de poluição são fixados através dos modelos
de dispersão com a fixação de metas de abatimento de poluição, até chegar-se a um nível
desejável;
3- instrumentos de indução são utilizados pelo Estado, especialmente o Princípio do
Poluidor Pagador e os Certificados Negociáveis de Poluição. Sobre o Princípio do Poluidor
Pagador, falaremos no tópico específico a respeito da tributação.
4 – ao Estado caberá a parcela de monitoramento das emissões dos agentes, a fim
de verificar as metas estabelecidas. Esse modelo permite a readequação da carga tributária para
um determinado agente econômico segundo a diminuição da sua emissão de poluentes (no caso
emissão de GEE).
O modelo apresentado para a análise custo-efetividade em muito se parece com a
política nacional de recursos hídricos e também com a Política nacional de Mudanças
Climáticas. Contudo, quanto à PNMC alguns problemas precisam ser resolvidos.
110
O primeiro deles, talvez o mais sério, o art. 20 da Constituição da República não
confere qualquer titularidade do Clima ao Estado. Interessante esse detalhe, porque todos os
demais elementos da Terra, inclusive o subsolo, foram atribuídos à titularidade do Estado,
sendo necessária uma proposta de Emenda Constitucional.
A segunda dificuldade está na forma pela qual o Estado monitorará a emissão de
GEE pelos agentes poluidores diante da fixação das metas de redução propostas os planos
setoriais já estabelecidos162. São inúmeros os setores emissores: Indústria (construção civil,
papel e celulose, química e de base, dentre outras), Agropecuária, Transporte, Mineração o que
dificulta o controle mais amiúde e não há, até onde podemos alcançar, qualquer tipo de
imposição de penalidade para aqueles que descumprirem as metas de redução.
Ao que podemos analisar, parece-nos que o Brasil, ao menos no assunto Mudanças
Climáticas, adota, como política ambiental, o “comando e controle” e os instrumentos de
mercado, este em sua forma mais branda. Todavia, nunca será demais dizer que, não obstante o
enorme avanço alcançado pela PNMC, o Brasil ainda tem muito a avançar no quesito
investimento em infraestrutura, serviços urbanos, capacitação da máquina administrativa
(investimentos em tecnologia, em qualificação de pessoal e disponibilidade de recursos
financeiros para pesquisa e outras ações), sem os quais a letra da lei se tornará morta, como
folha jogada ao vento.
Escolhendo por adotar uma ou outra metodologia de política econômica, não há
dúvidas de que a questão climática deverá passar por uma mudança comportamental de todos:
cidadãos, agentes econômicos e Estado. Cabendo a este último a “iniciativa capaz de estimular
ações e difundir orientações sem impor comportamentos, agente de uma mudança que lhe não
pertence porque corresponde a uma liberdade que não detém.”163
De acordo com a OCDE, os instrumentos de mercado, dentre eles o tributário,
apresentam suas vantagens em seis aspectos: ajuste automático por parte dos agentes
poluidores; eficiência quanto à redução dos custos ambientais; incentivos permanentes
provocando permanentes condutas positivas; flexibilidade para ajuste às mudanças factuais;
aumento das receitas públicas; conservação dos recursos naturais. No mesmo sentido podemos
citar a opinião de Giddens164, o qual apregoa a instituição de um binômio “Tecnologia e
162 Os planos setoriais poderão ser encontrados no site http://www.mma.gov.br/clima/politica-nacional-sobre-mudanca-do-clima/planos-setoriais-de-mitigacao-e-adaptacao 163 GARCIA, Maria da Glória F. P. D. O lugar do direito na proteção do ambiente. p. 11. http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/720-1113.pdf acesso em 20 de agosto de 2013. 164 GIDDENS, Anthony. A Política da Mudança Climática. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Zahar. Versão digital.
111
impostos” como portas de entrada de um novo agir estatal, empresarial (corporações comerciais,
financeiras, pequenos e médias empresas, setores industriais e agrícolas) e terceiro setor.
A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Eco 92 ou
Rio 92), especificamente através da “Agenda 21”, através do Capítulo 8, enfatizou a utilização
dos instrumentos de mercado em um contexto de políticas públicas em busca de um
desenvolvimento sustentável, inclusive através de uma reordenação legislativa. Será
interessante também adotar a posição colocada por Derani quando afirma
“É forçoso admitir que toda sua atuação para com a proteção dos recursos
naturais não pode significar um ato isolado, dissociado de avaliações de ordem
cultural, econômica e de capacitação técnica. Nem, muito menos, pode ficar o
problema da internalização dos cursos sociais restrito a decisões administrativas
isoladas.”165 (Derani p. 111)
Em brilhante estudo realizado pela professora Consuelo Yoshida, nota-se a
necessidade da proteção ambiental vir acompanhada pela “integração a políticas e ações no
campo econômico-social”.166 Ainda em sua explanação, a renomada professora afirma que “a
dimensão ambiental deve ser incorporada não apenas às políticas e ações governamentais,
mas também às políticas da iniciativa privada, e com a preocupação voltada para a
implementação do desenvolvimento humano”167 e, sem sombra de qualquer dúvida, a efetiva
proteção ao meio ambiente, no caso do presente trabalho, ao Clima, pode ser realizada através
da implementação de mecanismos que “aliem atrativos econômicos e financeiros às soluções
técnicas.”168
Em um país como o Brasil, uma economia ainda em desenvolvimento e fragilizada
inclusive pelos tentáculos da endêmica corrupção, será necessário contar com algumas cautelas,
como bem indica o estudo desenvolvido por Jean-Philippe Barde, representante da OCDE
(Organização para o Crescimento e Desenvolvimento Econômico), há a necessidade de corrigir
algumas distorções como o pré-requisito para a implantação dos instrumentos de mercado
como medidas de proteção ao Meio Ambiente.169 Os principais objetos de preocupação para a
implantação dos instrumentos econômicos devem ser: a correção das altas taxas de inflação,
165 DERANI, Cristiane. p. 111. 166 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Tutela dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2006. p. 71. 167 Idem. p. 73 168 Idem. p. 73. 169 “Resource and other prices have historically been distorted in such economies, so correcting such distortions is a prerequisite to the effective use of EIs”. Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p. 2.
112
maior ênfase no direito de propriedade, política de controle fiscal efetiva e, por fim, a
implementação da ampla aceitação do Princípio do Poluidor Pagador.170
Buscamos apresentar as técnicas atualmente utilizadas. Contudo, como já
mencionado no presente trabalho, não há dúvidas de que as medidas de estímulos, segundo a
releitura realizada por Bobbio acerca do ordenamento jurídico, será uma excelente opção em
acréscimo às técnicas já apresentadas e será sempre importante lembrar, a política tributária é
apenas um, dentre vários, instrumentos a ser utilizados. Nesse sentido, é desenvolvido o
presente trabalho e, como se observará, o instituto da extrafiscalidade poderá ser muito bem
aproveitado, bem como a criação de um novo regime jurídico tributário para a redução de
emissões de GEE (seja pela substituição da matriz energética, seja pela utilização de novas
tecnologias no aprimoramento da queima de combustíveis fósseis).
É possível também ao Estado valer-se dos instrumentos de comunicação, os quais
refletem uma política pública em prol da educação ambiental, amplamente necessária para a
mudança paradigmática de uma sociedade (empresas e consumidores). Segundo a pesquisa
apontada por Giddens, a preocupação a respeito das questões climáticas não figuram no
primeiro lugar na fila de preocupação da grande maioria da sociedade. Isso porque,
infelizmente, em um país como o Brasil, questões mais emergentes, tais como pobreza, saúde,
educação, criminalidade, drogas, fervilham no caldeirão social. Como falar de sustentabilidade
em uma comunidade que não tem, sequer, serviços de saneamento básico? Como falar em
preservação do clima em uma sociedade que não tem atendido o seu direito básico a uma saúde
digna? Nesse patamar de discussão, fica sobremodo difícil convencer essas pessoas a
adquirirem produtos com baixa emissão de GEE simplesmente porque, hoje, esses produtos são
infinitamente mais caros do que os demais. Eis a grande questão e, talvez, o grande problema a
ser enfrentado e amplamente debatido pelo Estado e pelos ordenadores de políticas públicas
brasileiras.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) ofereceu estudos
e diagnósticos para o estabelecimento de uma economia verde. O Relatório “Rumo a uma
economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza –
uma síntese para tomadas de decisão” traz o conceito de Economia Verde como uma
“economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao
mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica. Em
170 “Requirements for the proper functioning of EIs include: well-defined and enforced property rights, an effective fiscal administration, and broad political acceptance of the polluter-pays-principle.” Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p. 03.
113
outras palavras, uma economia verde pode ser considerada como tendo baixa emissão de
carbono, é eficiente em seu uso de recursos e socialmente inclusiva.”171 Na árdua tentativa de
desfazer o mito acerca da incompatibilidade entre preservação ambiental e crescimento
econômico, o Relatório do PNUMA apresenta evidências fáticas a respeito das oportunidades
existentes nos setores verdes, propiciando a geração de novas oportunidades de empregos,
instituição de novas tecnologias na geração da matriz energética mundial, produção de
alimentos, utilização do solo, dentre muitos outros aspectos. Contudo, lembra o relatório, para
que a nova economia seja instituída, faz-se necessário o momento de transição com a adaptação
paulatina dos modelos de produção mundial e da própria mentalidade dos cidadãos. Outra
importante contribuição trazida pelo PNUMA é a desmistificação de que uma economia verde
seria uma economia de luxo, no sentido pejorativo da palavra. Acreditava-se que somente
países mais ricos poderiam adotar práticas ambientais sustentáveis, estando os países mais
pobres fadados ao insucesso.
Contudo, demonstra o relatório, práticas “verdes” já em utilização em diversos
países são bons exemplos de geração de riqueza compatível com a sustentabilidade. É o caso do
Brasil, citado pelo relatório, na reciclagem de resíduos sólidos. Os dados trazidos pelo relatório
indicam que a gestão e a reciclagem de resíduos empregam mais de 500 mil pessoas no Brasil,
sendo a grande maioria composta por catadores de lixo, os quais, após a edição da Lei Nacional
n. 12.305/2011 passaram da informalidade para a formalidade através da criação das
Associações de Catadores. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, instituída pela referida lei,
trata ainda da coleta, eliminação final, reciclagem e tratamento do resíduo urbano, encarando-
os não como rejeito, mas sim como um bem de valor econômico passível de reaproveitamento e
geração de riqueza. Nestes termos, convence-nos o relatório, “a reciclagem e a recuperação e
energia derivada dos resíduos são atividades que estão se tornando cada vez mais lucrativas e
devem continuar a ser uma vez que os resíduos desperdiçados tornam-se recursos cada vez
mais valiosos.”172
Outro importante exemplo citado pelo relatório refere-se à instituição de imposto,
pelo governo da África do Sul, sobre sacos plásticos no intuito de, além de reduzir a quantidade
de geração desse resíduo também gerar uma receita orçamentária ao Estado.
171 PNUMA: Relatório “Rumo a uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza – uma síntese para tomadas de decisão” 2011. Fonte: http://www.pnuma.org.br/admin/publicacoes/texto/1101-GREENECONOMY-synthesis_PT_online.pdf. Acesso em 10 de março de 2014. 172 Idem p. 18.
114
Em relação à produção de energia, o Quênia introduziu tarifas diferenciadas de
alimentação de rede, similares à fixação de preços diferenciais. A tributação visa estimular a
produção de energia através da utilização de fontes como o vento, biomassas, pequenas centrais
hidrelétricas, energia geotérmica, biogás e energia solar. O exemplo tem sido considerado
como de sucesso e vem sido seguido por mais de 30 países desenvolvidos e em 17 países em
desenvolvimento, segundo os dados apresentados pelo PNUMA.173
5.6– OS PRINCÍPIOS BÁSICOS AMBIENTAIS PARA UTILIZAÇÃO DE MECANISMOS TRIBUTÁRIOS EM MATÉRIA DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA ESTRUTURA PROMOCIONAL DO DIREITO
5.6.1– Os Princípios Ambientais da Precaução e Prevenção
O risco ambiental, especialmente quando se refere a mudanças do clima, difere-se
dos demais em razão do espectro de atuação o que coloca em risco não só um grupo de pessoas,
como também uma raça (humana e não humana). Por tais motivos, faz-se necessária a
introdução no sistema (tanto no jurídico/administrativo estatal, quanto no empresarial) de
princípios gerais e impositivos a fim de se evitar danos incontroláveis e insolúveis. Eis então os
princípios da precaução e da prevenção. A base desses princípios está alocada na máxima de
que toda a ação humana comporta, de forma mais acentuada ou não, riscos e estes colocam
todos os seres humanos no mesmo pé de igualdade de perigo174. Nesse sentido, o Princípio 2 da
Carta da Terra, avisa-nos sobre a necessidade de “aceitar que, com o direito de possuir,
administrar e usar os recursos naturais vem o dever de impedir o dano causado ao meio
ambiente e de proteger os direitos das pessoas”.
O Princípio da Precaução, existente no Direito Alemão desde a década de 1970175,
incorpora valores éticos 176 inerentes aos direitos humanos intergeracionais, responsabilidade
ambiental e desenvolvimento sustentável, voltando-se especialmente ao conhecimento
científico e tecnológico.
173 Ibidem p. 15. 174 Bech, Ulrich. Idem. 175 A doutrina costuma informar o Direito Alemão como o idealizador desse princípio, o qual fora incorporado àquele ordenamento jurídico através do “Ato da Poluição do ar”(1974). 176 Bem como, uma importante discussão sobre a possibilidade ou não da independência da ciência no seu processo de investigação dos fenômenos.
115
Inúmeras definições sobre o Princípio da Precaução foram formuladas a fim de
delimitar o princípio e não confundi-lo com o “medo do desconhecido” e, consequente
paralisação inadvertida de uma atividade humana. A Convenção sobre a Diversidade Biológica
e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima são bem claras ao definir
o Princípio como um dos vetores da cautela no trato das questões ambientais, sendo o mais
conhecido o descrito no Princípio 15, da Declaração da Rio/92:
“De forma a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser
amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando
houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza
científica não de ver utilizada como razão para postergar medidas eficazes e
economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”
De modo semelhante, a Convenção-Quadro, incorporada ao sistema jurídico
brasileiro pelo Decreto n. 2.652/1998, determinou aos países partes a
“adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas das
mudanças do clima e mitigar seus efeitos negativos. Quando surgirem ameaças de
danos sérios ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada
como razão para postergar essas medidas, levando em conta que as políticas e
medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em
função dos custos, de modo a assegurar benefícios mundiais ao menor custo
possível.”
Outra importante definição sobre o Princípio da Precaução é sugerida pela
Comissão Mundial sobre ética da Ciência e da Tecnologia da Unesco (Comest) a qual afirma:
“Quando atividades podem conduzir a dano moralmente inaceitável, que seja
cientificamente plausível, ainda que incerto, devem ser empreendidas ações para evitar ou
diminuir aquele dano. “dano moralmente inaceitável” refere-se a dano para os seres humanos
ou para o ambiente, que seja uma ameaça à vida ou à saúde humanas, ou que seja sério e
efetivamente irreversível, ou injusto com as gerações futuras, ou imposto sem a adequada
consideração dos direitos humanos daqueles afetados. O juízo de plausibilidade deve estar
fundado em análise científica. As análises devem ser contínuas, de modo que as ações
escolhidas sejam submetidas à revisão. “Incerteza” pode aplicar-se, mas não necessita
limitar-se, à causalidade ou aos limites do dano possível. “Ações” são intervenções
empreendidas antes que o dano ocorra que buscam evitar ou diminuir esse dano. Devem-se
escolher ações que sejam proporcionais à seriedade do dano potencial, com consideração de
116
suas consequências positivas e negativas e com uma avaliação tanto da ação como da inação.
A escolha da ação deve ser resultado de um processo participativo.
Em matéria de Aquecimento Global, a Lei de Política Nacional de Mudança do
Clima, em seu artigo 3º, caput, impõe a observância do Princípio da Precaução como vetor das
atividades estatais e particulares no trato do assunto, contudo, não oferece qualquer definição
sobre o mesmo.
Em relação ao risco, parece-nos, o Princípio importa em dois momentos
específicos:
1) a análise do risco em si e;
2) a gestão desse risco.
O primeiro momento implica a análise epistemológica, a qual confrontará o
estudioso com os seguintes elementos: o risco de dano, a certeza e a incerteza sobre se uma
determinada atividade/agente causará um dano ambiental. Aqui o risco será quantificado
através de um conhecimento técnico-científico o qual utilizará métodos indutivos (estatísticos)
com a finalidade de identificar o grau de incerteza atuante. No segundo momento, haverá as
escolhas das linhas de atuação frente às informações adquiridas, assim como determinar-se-á
quais os níveis tolerados do risco. Trata-se, portanto, de uma atuação política, estatal.
O Princípio da Precaução deverá ser aplicado para que o método da investigação
seja adequado e direcionado à análise em relação à produção equilibrada dos danos potenciais
(conhecidos ou não), de como a sociedade (presente e futura) e o meio ambiente poderão lidar
com o risco e, como esse risco reverberará no futuro. Ele impõe que a pesquisa abranja o maior
espectro de possibilidades possíveis em relação ao risco, (mesmo que isso implique certo
“atraso” na implementação de uma determinada conduta), de forma a propiciar melhor domínio
científico sobre a matéria, aplicando a máxima “in dubio pro ambiente”. Não se trata de um
princípio “anticiência”, ao contrário, requer-se que a própria ciência, seja mais cautelosa e
empregue, em sua metodologia, os fatores externos os quais, certamente, poderão influenciar
um determinado resultado. O risco sob análise não é aquele inerente à própria existência
humana, mas sim aqueles incrementados com situações ambientais de ameaça.
A leitura dos conceitos trazidos deixa claro a quem se destina o Princípio da
Precaução: aos Estados, à atividade científica e à atividade empresarial, ou seja, a todos os
atores envolvidos no processo de pesquisa e aplicação dos resultados dessa mesma pesquisa,
apresentando uma trajetória ligada diretamente ao capital, ao mercado e ao progresso
econômico. Desse modo, podemos afirmar, com certa segurança, que o Princípio da Precaução
117
contém forte carga econômica em seu núcleo, interligando os discursos ambientais e
econômicos e direcionando-os ao equilíbrio, longe dos extremismos.
Não existe ciência descompromissada, já afirmavam os cientistas Charles Sanders
Peirce e Thomas Kuhn. Salvo raríssimas exceções, pesquisas científicas ou tecnológicas são
formuladas para um fim específico, implicando a ausência de neutralidade absoluta. Não existe
ciência neutra e pensar de forma contrária é trazer a ingenuidade para dentro dos corredores da
discussão colocada no presente trabalho. Pesquisas precisam do capital para seu financiamento
e esse capital visa um determinado fim o qual, de regra, é o lucro. Laboratórios gastam
milhares de dólares em pesquisas de novas drogas porque querem vender mais. O mercado
agropecuário deseja aumentar sua produção e, por isso, investe pesado na investigação de
novas tecnologias, e assim por diante.
O anseio pelo aumento dos lucros de uma atividade empresarial é próprio do
sistema capitalista no qual o mundo está inserido, não havendo qualquer punição por isso. O
problema surge quando a linguagem mercantil se sobressai frente à necessidade de avaliação
dos riscos e benefícios de uma determinada atividade, contaminando a opinião dos cientistas.
Na sociedade de risco de Bech, as atividades humanas de hoje não são as mesmas das épocas
medievais e esse “desenvolvimento” deverá ser levado em consideração de modo a afastar a
“canibalização econômica dos riscos”.177
Muitos criticam o princípio sob o argumento do mesmo possibilitar a paralisação
das atividades econômicas, desestimulando a procura de novas técnicas para melhoria das
condições de vida, mas em estímulo à cautela e à irracionalidade. Esse argumento deverá ser
afastado e, novamente diga-se, especialmente quando a atividade influenciar diretamente o
Clima (local ou mundial). Leme Machado178, citando Aristóteles em Ética a Nicômacos, indica
a necessidade de se investigar e ter cautela quando das deliberações, afirma “é preciso executar
rapidamente, mas deliberar lentamente”. A reflexão aprimorada sobre determinadas técnicas e
descobertas científicas deverá ser imposta a todos e, não há dúvidas de que, muitas vezes, essa
reflexão no contexto da lógica mercadológica poderá implicar “perda” de tempo179, o qual
deverá ser suportado por quem investe na pesquisa, a não ser que essas mesmas empresas
177 Bech, Ulrich. Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade. Tradução Sebastião Nascimento. 2ed. São Paulo: Editora 34 178 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 19 ed. Rev. atual. Ampl. São Paulo: Malheiros. 2011. p. 90 179 Poderá implicar a substituição de uma tecnologia por outra, desinteresse posterior pelos consumidores.
118
queiram realizar um seguro para cobrir as despesas de danos porventura ocasionados180 no
futuro ao meio ambiente e a pessoas humanas.
De outro lado, o Princípio da Precaução também se destina ao Estado, o qual,
afastando-se do concubinato entre o público e o privado181, deverá promover políticas públicas
compatíveis com a ponderação ambiental de bens e interesses, incentivando tanto a melhor
análise do risco, através de concessão de incentivos para a pesquisa científica, quanto na
elaboração de políticas em relação à gestão do risco em si. Nesse sentido, temos a aprender
com a professora Consuelo Yoshida:
“O êxito e a efetividade da proteção ambiental depende da adoção e
implementação de políticas e ações que, a par das medidas de desestímulo à
poluição e degradação ambientais, prestigiem, ao mesmo tempo, medidas de
incentivo à prevenção, calcadas em atrativos econômico-financeiros.”182
A tarefa de aplicação da precaução é árdua e, muitas vezes, transforma seus
defensores em verdadeiros “Joãos Batistas pregando no deserto”, mas ela não poderá ser
renunciada, especialmente quando tratamos do assunto “Mudanças Climáticas”.
Por outro lado, o Princípio da Prevenção é aplicado quando há a certeza científica
sobre o dano a ser produzido por uma determinada atividade (risco certo de perigo concreto),
exigindo uma conduta ativa dos agentes envolvidos de forma a reduzir os impactos negativos.
De entendimento menos complexo, a Prevenção importa em medidas de antecipação como
forma de se evitar o dano já conhecido.
A proteção ao Meio Ambiente implica, necessariamente, prevenção. Não ao revés,
o Princípio 17 da Declaração do Rio/92 previu a exigência da avaliação do impacto ambiental:
“Deverá ser empreendida a avaliação de impacto ambiental, em termos de
instrumento nacional, a despeito de qualquer atividade proposta que
provavelmente produza impacto negativo considerável no meio ambiente e que
esteja sujeita à decisão de uma autoridade nacional competente.”
Embora não se refira diretamente ao assunto das Mudanças Climáticas, Leme
Machado183 traz uma importante contribuição ao afirmar que o Princípio implica a execução de,
no mínimo, doze itens:
180 Nesses casos, pode-se pensar em reparar o dano monetariamente, mas nunca em recompor o meio ambiente ao status quo. 181 DUPAS, Gilberto. Tensões contemporâneas entre o público e o privado. São Paulo: Paz e Terra. 2003. 182 Yoshida, Consuelo Yatsuda Moromizato. A efetividade e a eficiência ambiental dos instrumentos econômico-financeiros e tributários. Ênfase na prevenção. A Utilização econômica dos bens ambientais e suas implicações. In Direito Tributário Ambiental Heleno Taveira Torres (org.) São Paulo: Malheiros. 2005. p. 533. 183 Idem. p. 99.
119
“1) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território,
quanto à conservação da natureza; 2) identificação das fontes contaminantes da
água e do ar, quanto ao controle da poluição; 3) identificação e inventário dos
ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 4) planejamento ambiental
e econômico integrados; 5) ordenamento territorial ambiental para a valorização
das áreas de acordo com a sua aptidão; 6) Estudo de Impacto Ambiental; 7)
prestação de informações contínuas e completas; 8) emprego de novas tecnologias;
9) autorização ou licenciamento ambiental; 10) monitoramento; 11) inspeção e
auditoria ambientais; 12) sanções administrativas ou judiciais.”
A visão do festejado autor traz a lume a necessidade de se integrar a visão
ambientalista ao nicho econômico e vice-versa, tal qual como mencionado quando tratamos das
externalidades econômicas negativas. Os planejamentos ambiental e econômico devem ser
elaborados conjuntamente de forma que haja a contabilização do custo da preservação
ambiental a qual gerará, possivelmente, mais custos financeiros. Nesse ponto, o Princípio está
destinado não só à Administração Pública, como também ao setor privado a quem, também,
compete a proteção do Meio Ambiente e a cooperação para com a redução de GEE.
A Política Nacional de Mudanças Climáticas, art. 3º caput, incorporou o Princípio
no trato das questões do clima, sem, contudo, estabelecer um conceito básico. Na forma
estabelecida pelo Princípio 8 da Declaração da Rio/92, “os Estados devem reduzir e eliminar
os padrões insustentáveis de produção”.
Tal qual o Princípio da Precaução, a prevenção também se destina ao Estado de
forma a orientar a formulação de políticas públicas em prol do meio ambiente e,
consequentemente, em prol do Clima, implicando, neste caso, desde fomento à pesquisa para
desenvolvimento de tecnologias mais limpas até a concessão de “medidas fiscais e tributárias
destinadas a estimular a redução de emissões e remoção de gases de efeito estufa”184.
5.6.2 - Princípio do Poluidor-pagador e da Cooperação
O processo econômico, por sua própria natureza, implica graus de poluição e
degradação ambiental criando as figuras do poluidor-pagador. A Lei 6.938/81, Art. 4º, inc. VII,
que estabelece como um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente “a imposição,
184 Art. 6º, inc. VI da PNCM
120
ao poluidor, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da
contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. O próprio nome do
princípio (pagador) traz a indicação do seu teor econômico, indicando competir aos causadores
da poluição o dever em pagar um valor proporcional aos danos provocados e suportados por
toda a coletividade.
O conceito também vem expresso no Princípio n. 16 da Declaração do Rio,
consagrando, em verdade, a internalização dos custos externos da atividade poluidora:
“Princípio 16 – as autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a
internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo
em conta o critério de que o causador da contaminação deveria, por princípio,
arcar com os seus respectivos custos de reabilitação, considerando o interesse
público, e sem distorcer o comércio e as inversões internacionais.” (Grifo nosso)
A premissa básica está contida no fato de que os recursos naturais são bens de
titularidade difusa, bens de todos e, portanto, a sua utilização e consequente enriquecimento
deverão ser devidamente contabilizados e pagos por aquele que aufere lucro sobre rastros de
poluição. Desse modo, não se trata de aplicação de penalidade porque o princípio pressupõe a
licitude de uma determinada conduta econômica, sendo a ilicitude ambiental tratada em outro
nível.
O Princípio contém forte carga econômica e está diretamente relacionado ao escopo
do desenvolvimento sustentável e à internalização das externalidades ambientais, na medida em
que visa o grau ótimo de utilização de um bem ambiental e a devida conservação do mesmo.
Contudo, como adverte Derani, “o princípio do poluidor-pagador não está em eliminar o efeito
negativo, ele está inscrito na lógica do ótimo de Pareto, exigindo uma ponderação, uma
espécie de avaliação de custo e benefício econômico.”185 Não se trata, por certo, de uma
internalização total do preço ambiental, até mesmo porque, como já mencionamos, o feito seria
quase impossível, mas sim de “sinais de preços”186 como refletores do custo ambiental.
O espectro de abrangência do poluidor-pagador é sobremodo amplo e poderá
indicar a mudança paradigmática na política tradicional. Isso porque, se bem aplicado, o
princípio poderá fazer com que o poluidor, ao ser identificado e responsabilizado no universo
185 Derani, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad. 2007 p. 131. 186 Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies.
121
da poluição, busque afastamento de um custo ambiental pela redução da poluição gerada por
sua atividade. Nesse sentido, trazemos o pensamento de Giddens:
“Embora o princípio do ‘poluidor-pagador’ tenha limites práticos, ele é um fio
condutor que introduz a mudança climática na esfera da política ortodoxa. É um
princípio de justiça que não só respalda o da responsabilidade diferenciada dos
países desenvolvidos e em desenvolvimento na resposta à mudança climática, como
também proporciona o meio para que essa responsabilidade seja transformada em
lei. O fato de ele trazer incentivos para a modificação do comportamento também é
de suma importância.”187
A delimitação do conceito de poluidor-pagador, em matéria de Aquecimento
Global, implica em uma escolha política e deverá indicar, em princípio, quais os agentes
econômicos emissores dos GEE daí a importância da formulação e análise dos planos setoriais.
Há quem diga que o princípio implicará o repasse do custo ambiental ao
consumidor final, o que não deixa de ser verdadeiro. Outrossim, dependendo do nível
concorrencial, por intermédio deste Princípio poderão as empresas buscar a eficiência
ambiental, restringindo a poluição por intermédio do aprimoramento tecnológico contínuo, com
diminuição das perdas durante o seu processo de produção. Todavia, nenhuma medida adotada
pelo setor privado será possível e exequível concretamente sem que tenha, como pano de
fundo, as políticas públicas econômico-financeiras, sendo a tributação um dos importantes
instrumentos possíveis de utilização pelo estado.
Destarte, interessante notar que o Princípio do Poluidor Pagador é apenas um
princípio, sendo que a sua implementação deverá ser realizada por meio de instrumentos de
políticas públicas (regulação e normas efetivas), sob a dura pena de encontrarmos apenas mais
um belo dizer dentro do mar dos problemas ambientais brasileiros.
5.6.3 - Princípios erigidos pela ECO 92 e seus reflexos na legislação brasileira e na PNMC
A necessidade de implementação de uma tributação ambientalmente direcionada
restou demonstrada, ao menos no contexto mundial, na Conferência da ONU realizada no Rio
187 Giddens, Anthony. Idem. p. 78
122
de Janeiro, no ano de 1992 (ECO 92, RIO/92), a qual poderá ser claramente utilizada para os
fins da redução dos GEE, a declaração oferece os seguintes critérios:
1. Eficiência ambiental, ou seja, a imposição tributária deve efetivamente
conduzir a resultados positivos sob a óptica ambiental;
2. Eficiência econômica, sendo o tributo de baixo impacto, embora com o
potencial de orientar o comportamento do contribuinte a condutas
inovadoras para o bem estar ambiental;
3. Administração barata e simples, sem a oneração para a máquina
administrativa;
4. Ausência de efeitos nocivos ao comércio e à competitividade.
Em relação ao primeiro vetor, não há grandes digressões, já que o fim último da
tributação ambiental é justamente a eficiência ambiental. Contudo, importante ressaltar, a
avaliação prática deste critério tem se mostrado sobremodo complexa, merecendo análise
interdisciplinar e minuciosa.
Em relação ao segundo (eficiência econômica) e quarto (ausência de efeitos
nocivos) critérios, temos algumas considerações a trazer. Uma má interpretação do que venha a
ser baixo impacto poderá trazer distorções, porque é certo que uma tributação sob o enfoque
extrafiscal irá trazer algum tipo de ônus aos setores invocados e, de forma indireta, oferecerá
intervenção no mundo econômico.
A exemplo, cita-se a característica da seletividade no IPI quando ocorre a sua
incidência sob produtos derivados do tabaco, aumentando o preço do produto em mais de 50%.
O fim a ser perseguido é, justamente, que o produtor retire do seu processo de produção o
mundo marrom, adequando ao mundo verde, porque justamente a carga tributária daquele lado
mostra-se onerosa. O mesmo pensamento é aplicado ao consumidor: consumir produtos verdes
porque são efetivamente mais baratos.
A diferença entre o “verde e marrom” deve sim representar um elemento de peso na
escolha do empresário e do consumidor, caso contrário, não haveria motivos para a pesquisa
em tela. A intervenção do Estado no domínio econômico é permitida pela Constituição da
República à luz do seu art. 170, contudo ela deverá pautar seus instrumentos à luz de uma
política mínima de intervenção visando, sempre, revigorar a livre concorrência e a livre
iniciativa, ambas visando a proteção do meio ambiente. Sendo assim, será imperioso notar que
o baixo impacto que se espera deverá ser acompanhado da proporcionalidade colocada na
123
balança juntamente com a “geração de recursos ambientais e/ou a orientação do
comportamento do contribuinte a adotar uma conduta ecologicamente correta.”188
5.7 – EXTRAFISCALIDADE E SUA APLICAÇÃO NA POLÍTICA PREMIAL NO SETOR DE MINERAÇÃO.
5.7.1 – A extrafiscalidade ambiental como instrumento de mercado segundo a estrutura promocional do Direito
As estratégias de mercado na regulação dos níveis de poluição têm sido
amplamente utilizadas em substituição aos métodos tradicionais de controle, na medida em que
se mostram menos onerosas para a máquina pública e também não produzem o efeito mais
importante, a mudança de paradigma comportamental da sociedade.
A tributação ambiental traz uma importante discussão político-jurídica acerca da
escolha a ser realizada pelo gestor para fomentar a proteção ambiental e, no nosso caso, a
regulação das atividades emissoras de GEE, se por intermédio de novos tributos ou por
benefícios fiscais. Seja uma ou outra escolha a ser feita pelo gestor público, é bom ter sempre
em mente que a tributação como instrumento de mercado oferece sinais positivos para uma
modificação comportamental e, o mais importante, sem retirar a escolha dos agentes
econômicos pelas ações mais vantajosas. Não há dúvidas de que há uma indução ao que se
pretende, mas jamais uma coerção.
A primeira forma de atuação, a criação de novos tributos com finalidade ambiental
ficará adstrita às delimitações constitucionais já estabelecidas, tanto em relação às espécies
tributárias quanto em relação aos princípios coligidos na Carta constitucional. Desse modo,
somente poderá ser exercido pela competência tributária residual da União, não podendo estes
ser cumulativos e com hipóteses de incidência e base de cálculo iguais aos tributos já
delineados constitucionalmente.
Esses tributos devem ser “orientados por uma nova lógica, em que a simples
satisfação do apetite estatal é insuficiente para justificar a imposição tributária. Não se trata
apenas de tributar, mas de tributar racionalmente”.189
188 COSTA, Regina Helena Costa. In: Direito Tributário Ambiental. (org.) Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 316. 189 FERRAZ, Roberto. Tributação Ambientalmente orientada e as espécies tributárias no Brasil. In: Direito Tributário Ambiental. (org) Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros. 2005. p.342.
124
A doutrina mais abalizada tende a distinguir os tributos ambientais em “tributos
ambientais em sentido amplo” e “tributos ambientais em sentido estrito”. Os primeiros
possuem finalidade arrecadatória com traços ecológicos. Os segundos internalizam em sua
estrutura o impacto causado no meio ambiente, incentivando atividades que permitam a
consecução de um fim ambiental almejado. Os segundos são criados por uma nova formulação
de tributos (além do conceito tradicional: base de cálculo, sujeito passivo, base de cálculo e
alíquota), enquanto aos primeiros é incluída uma cor ecológica à sua estrutura, através de
introdução de elementos ambientais à estrutura dos tributos ordinários. Ambos podem coexistir
perfeitamente. Contudo, dada à complexidade de uma sociedade, de um sistema econômico,
sozinhos, tem-se notado a pouca contribuição para a mudança necessária e pretendida. Isso
porque, em particular, o atual sistema tributário brasileiro traz um duplo dividendo à sociedade
porque contém ausências de mecanismos de facilitação e de sanções positivas premiais,
incentivando as condutas anteriormente descritas. Por tais motivos, este trabalho de mestrado
não se destina ao estudo dos novos tributos (tributos ambientais estrito senso), mas sim na
utilização dos já existentes segundo as regras da extrafiscalidade.
Não será demais dizer que a tributação ambiental deverá ser utilizada como uma
norma de caráter positivo, ou seja, não com um caráter sancionatório no sentido de punir
condutas ilícitas, mas sim de regular as atividade lícitas e estimular o seu aprimoramento, até
mesmo porque, o conceito trazido pelo art. 3º do CTN exclui o tributo como forma de sanção
estatal. Deste modo, como se verá adiante, ao se permitir que os tributos “verdes” privilegiem
as atividades menos poluidoras, indiretamente, aqueles que não se adequarem ao “novo”
sistema sofrerão, em certa medida, com cargas tributárias mais altas, o que não implica
necessariamente uma penalidade, mas sim o uso de ferramentas para o novo sistema que se
pretende instalar, conciliando os instrumentos tributários a uma finalidade ambiental.
Mas qual seria o foco desse novo mecanismo? Responde Daly em recente entrevista
concedida ao Scientific American Brasil190: “Um governo preocupado com o uso mais eficiente
de recursos naturais mudaria o alvo de seus impostos. Em vez de taxar a renda auferida por
trabalhadores e empresas (o valor adicionado), tributaria o fluxo produtivo (aquele ao qual é
adicionado valor), de preferência no ponto em que os recursos são apropriados da biosfera, o
ponto de "extração" da Natureza.” Muito embora a visão de Daly esteja voltada à criação de
190 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/sustentabilidade_em_um_mundo_lotado.html. Acesso em 13.04.2013.
125
novos tributos191, poderá ser utilizada para o remanejamento dos tributos já existentes, na
medida em que acerta o foco para o desenvolvimento de uma política tributária séria e
comprometida com as causas climáticas.
Ora, se um dos grandes problemas da atualidade é justamente o aumento das
emissões de CO₂, então, não será demais dizer que a taxação deverá incidir sobre o processo
produtivo gerador do problema (industrialização e consumo), de forma a desestimular condutas
contrárias ilegítimas e não o trabalho em si.
Por outro lado, a tributação com fins ambientais não poderá introduzir distorções no
sistema econômico de forma a impor obstáculos para a livre concorrência e o crescimento de
economias. Poderá, isso sim, servir como uma limitação ao desenvolvimento de atividades
“marrons”. Sempre se deve ter em mente os dizeres de Alier:
“Um ecoimposto não significa que saibamos dar um valor atual
ecologicamente correto, que internalize as externalidades futuras e
incertas. Um imposto é simplesmente um instrumento técnico (...) que
busca uma redução de emissões.”192
No mesmo viés, é necessário se considerar algumas dificuldades existentes quanto à
taxação dos mercados “marrons”, posto que a taxação dos produtos inelásticos poderia
demonstrar-se ineficiente na medida em que, invariavelmente, o mercado repassaria os preços
aos consumidores, em nada alterando o modo de produção 193 . Porém, é uma hipótese a ser
testada, se a taxação também ocorrer no consumo, haverá a possibilidade dos consumidores
repensarem sua conduta gerando uma demanda no sistema mercantil e, como o efeito dominó,
reverter a necessidade de adequação das empresas. Assim, sugerimos, o consumo poderá
funcionar como um grande aliado do Poder Público na consecução do fim colimado no presente
trabalho. A lógica apresentada não deixa de conter um fundo utilitarista, podendo este
argumento servir como dura crítica ao sistema proposto, mas não se deve desconsiderar o fato
de que, o próprio capital, por sua natureza, é eminentemente utilitarista. A visão apresentada
191 A proposta de tributação foi formulada por Herman Daly e encaminhada à OPEP – Organização dos Países produtores de petróleo - em 2001 e considerada pelo presidente do Equador, Rafael Correa, em 2007, quando, então, ganha o nome de “ecoimposto Daly-Correa”. O imposto possui sua base de cálculo no valor das exportações de petróleo e este associado às emissões de CO₂. Desse modo, segundo a formulação, visa-se a internalização da emissão do custo do carbono desde a sua fonte – extração do petróleo. O valor advindo da arrecadação seria destinado ao “Fundo Mundial de Desenvolvimento Sustentável”. 192 ALIER, Juan Martinez. Da Economia Ecológica ao Ecologismo Popular. São Paulo: Contexto 2007. p. 173 193 SHOUERI, Luis Eduardo. In: Direito Tributário Ambiental. Org. Heleno Taveira Torres. São Paulo: Malheiros 2005.
126
contém cunho humanista, na lógica do capitalismo humanista apresentado no capítulo anterior,
para que, nos dizeres de Sayeg, possamos “descortinar outra disciplina de ordem econômica (e
tributária) capitalista, baseada na concretização multidimensional dos direitos humanos com
vistas à satisfação universal da dignidade da pessoa humana”,194 através da existência de um
meio ambiente digno e devidamente equilibrado.
Uma questão a ser pensada quando tratamos de tributação ambiental, diz respeito à
proibição de vinculação das receitas tributárias a qualquer tipo de despesa (art. 167, inc. IV CR).
Com essa disposição expressa, mesmo que um imposto contenha em seu conteúdo (base de
cálculo) a questão ambiental, a renda auferida não poderá estar diretamente interligada à
reparação do dano ambiental (realização de políticas públicas na forma erigida pela PNMC), o
que não ocorre com as contribuições e taxas.
Diante da conceituação apresentada nas linhas acima (tributo em sentido estrito e
tributo com finalidade ambiental), o sistema tributário constitucional brasileiro somente
permite a instituição de impostos com finalidade ambiental e, para Giddens “os impostos sobre
recursos naturais devem ficar tão perto quanto possível do ponto de produção, a fim de serem
aplicados a todos os aspectos relevantes dos processos de fabricação”195
Se, por um lado, a criação de novos tributos poderia gerar o aumento da receita
estatal, por outro, a sua instituição oneraria ainda mais a carga tributária suportada pelos
contribuintes brasileiros, sem que esses recursos possam ser diretamente aplicados no fim
primeiro quando da sua instituição – à causa ambiental. Por tais motivos, pensamos, sem a
possibilidade constitucional de vinculação das receitas decorrentes dos tributos ambientais, a
criação de novas espécies estaria afastada prima facie de uma reforma tributária séria e
comprometida com a causa verde. Em outras palavras, a reforma tributária deverá contemplar
tanto a possibilidade de criação de novos tributos, não só aqueles decorrentes de competência
residual, mas também deverá prever a destinação dos recursos ao Meio Ambiente.
É importante realçar que o custo ambiental é real, ou seja, os gastos realizados tanto
pelo Estado quanto pela iniciativa privada para conter ou minorar os efeitos da Mudança do
Clima são reais e sentidos diretamente no bolso de cada brasileiro. Lembrando os termos,
estamos tratando das externalidades ambientais negativas. Pois bem, se uma reforma tributária
ambiental não fizer com que este custo seja refletido no preço, dificilmente haveremos de
encontrar decisões empresariais em prol do Clima. Nesse sentido, encontramos a opinião de
194 SAYEG, Ricardo e BALERA, Wagner. O Capitalismo Humanista. Filosofia Humanista de Direito Econômico. Petrópolis: KBR. 2011. p.156 195 GIDDENS, Anthony. Idem. p. 156.
127
Jenkins e Lamech quando afirmam que “incentivos de mercado (dentre eles os instrumentos
fiscais) auxiliam nos recursos econômicos porque as decisões conscientes acerca das escolhas
de reflexos ambientais são feitas através dos preços”196. Veja que não se trata de punir as
empresas ou consumidores porque suas práticas são poluidoras, mas sim incentivar a busca
pelo incremento de suas tecnologias a fim de reduzirem suas emissões desestimulando a
utilização irracional do recurso ambiental e, quanto aos consumidores, a escolha por produtos
mais “limpos”.
De outro lado, a doutrina tem visto os benefícios como uma forma moderada de
intervenção do Estado na ordem econômica. O Relatório do PNUMA acerca da Economia
Verde aponta a utilização dos instrumentos tributários como um dos elementos para se atingir a
proposta da economia verde, internalizado o custo ambiental ao preço dos bens ou serviços.
Importante exemplo citado pelo relatório vem do Governo Alemão, o qual aumentou
gradativamente os impostos sobre combustíveis e eletricidade com matriz em hidrocarbonetos.
Em 2010, o governo estimou que a receita proveniente do imposto gerou um efeito na redução
sobre os custos trabalhistas não salariais, gerando cerca de 250 mil postos de trabalho em
período integral (porque a receita fora diretamente utilizada na redução de encargos não
salariais) e na redução em 3% das emissões de CO2.
A estrutura escolhida para o desenvolvimento do presente trabalho não nos
encaminhou para a dissertação sobre todos os mecanismos tributários em prol do Clima, por
esta razão, no próximo tópico, trataremos apenas da função extrafiscal do tributo.
5.7.2 -. O plano setorial da Mineração e a tributação extrafiscal em prol do Clima
Outra forma de utilização do tributo, que não a meramente arrecadatória, dá-se
quando o próprio Estado, valendo-se da sua função regulatória, permite-se imiscuir-se na
atividade dos mercados para a direção, fomento de alguns fins necessários para aquele
momento político, de forma a incentivar iniciativas positivas e desestimular as nocivas à
coletividade. Tem-se, portanto, o tributo com finalidade extrafiscal. Nesse sentido, Paulo de
Barros Carvalho leciona “consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-
tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente
196 JEKINS, Glenn e LAMECH Ranjit. Green Taxes and Incentive Policies. An International Perspective. EUA: Harvard School. 1994. P XIII. Tradução livre para “The use of MBIs saves economic resources because decision makers are made aware, through prices, of the environmental implications of their choices.”
128
arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia
deixar se ser aquele próprio das exações tributárias.”197
O doutrinador brasileiro Roque Carrazza, em nota de rodapé, traz o conceito de
extrafiscalidade:
“Por meio de incentivos fiscais, a pessoa política tributante estimula os
contribuintes a fazerem algo que a ordem jurídica considera
conveniente, interessante ou oportuno (p. ex., instalar indústrias em
região carente do País). Este objetivo é alcançado por intermédio da
diminuição ou, até, da supressão da carga tributária. Os incentivos
fiscais manifestam-se sob a forma quer de imunidade (v.g., imunidade
de ICMS às exportações de produtos industrializados), quer isenções
tributárias (p.ex., isenção de IPI sobre as vendas de óculos).
(...)
Já que aqui estamos, a extrafiscaldiade também se manifesta por meio
de desestímulos fiscais, que induzem os contribuintes a não assumirem
condutas que, embora lícitas, são havidas por impróprias, sob os
aspectos político, econômico ou social. Este objetivo é alcançado por
meio da exacerbação da carga tributária, respeitados, evidentemente, o
estatuto do contribuinte. ”198
A leitura constitucional nos leva à conclusão de que a extrafiscalidade constitui não
apenas uma opção do Estado, mas também uma exigência maior para a consecução dos fins
colimados na Carta Magna. Nesse sentido, o tributo com finalidade extrafiscal não poderá ser
utilizado como um instrumento de intervenção na ordem econômica, cabíveis nos casos
elencados pela Constituição da República. Para o caso de políticas de redução de GEE, “o
governo deve atuar no sentido de reduzir as ‘externalidades negativas’ - as situações em que
os custos ambientais não são introduzidos no mercado -, a fim de que os mercados possam
trabalhar em prol dos fins ambientais.”199.
Não obstante a viabilidade de utilização do sistema, muitos autores criticam
veementemente a instituição de incentivos fiscais, seja por tratar-se de dirigismo fiscal, seja
197 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12 ed. Rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 229. 198 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional. 20 ed. Rev. Ampl. e atual. Até EC n. 44/2004. São Paulo: Malheiros. 2004. p. 783. 199 Giddens, Anthony. p. 100
129
pelo protecionismo a determinados setores da economia, seja até mesmo em razão da corrupção,
fato endêmico no Brasil. Nesse sentido, Roberto Ferraz cita duas importantes vozes
desaconselhando a utilização de mecanismos extrafiscais: Fritz Neumark e Joseph Stiglitz. O
primeiro afirma “é obvio que o dirigismo fiscal leva exatamente ao contrário do que postulam
o princípio da transparência e o de segurança; esta é a razão, e não a única, pela qual
numerosos tratadistas e alguns políticos advogam que se substituam as discriminações ou
favorecimentos fiscais, cujos valores e alcance é impossível verificar na maioria dos casos, por
subvenções francas e abertas.”200
Realmente, a articulação desse mecanismo tributário deve ocorrer com toda a
cautela possível, permeada por um amplo debate jurídico e político acerca dos limites possíveis,
dentro do regime constitucional. Contudo, as preocupações trazidas não devem servir de
desestímulo, ao contrário, deverão contribuir para a cautela e o bom uso do instrumento. Nesse
ponto, a atividade extrafiscal deverá vir pautada por ampla justificativa à luz da isonomia,
tomando-se os devidos cuidados para não se criar os famigerados privilégios odiosos.
Introduzir no sistema mecanismos de taxação diferenciada poderá representar melhores
vantagens, tanto administrativas quanto mercadológicas, como bem indica o estudo produzido
pela OCDE.201
Em acréscimo, a Constituição da República, no art. 150, § 6º, inclui o Princípio da
Legalidade na instituição dos benefícios, devendo os mesmos serem criados por meio de
instrumento legislativo, seja em nível federal, estadual ou municipal. Outro ponto a ser
considerado é atinente ao tempo em que os benefícios serão concedidos: são evidentemente
temporários e com objetivos claros, até que se atinja a meta pretendida pelo Estado. Nos anos
de 1970 e 1980, Estados como Brasil, Estados Unidos, França, Alemanha, Inglaterra, Itália,
movidos por uma lógica keynesiana (estado intervencionista), viam os incentivos fiscais como
verdadeiras fontes de desenvolvimento nacional, fato este responsável pela deflagração da
grande crise do Estado Fiscal.
Nesses moldes, a atividade em comento deverá ser muito bem estudada, planejada,
e estruturada, evitando-se desníveis materiais na receita pública, entre os contribuintes e
consequentes injustiças sociais, isso porque a regra em matéria tributária é a aplicação do
200 FERRAZ, Roberto. Incentivos Fiscais – Um enfoque Constitucional. In: Revista de Estudos Tributário. v 5, n 28, Nov./Dez. 2002 . Porto Alegre: Síntese. 2002 201 “Rather than introducing new eco-taxes, existing taxes can be adapted to environmental purposes. Tax differentiation modifies the relative price of products by penalising those that are harmful to the environment. This is tantamount to a product tax approach but relies on the existing tax structure to achieve this objective rather than introducing new taxes or charges.” Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p. 11.
130
princípio da generalidade e universalidade da tributação, sendo os benefícios exceções e como
tais deverão ser tratados.
Não será demais lembrar a visão de Alfredo Augusto Becker em seu Teoria
Geral202, o qual, em tom quase profético, vislumbrou a possibilidade dos tributos virem a
financiar não só os cofres do Estado, como também a propiciar uma verdadeira “revolução
social” na medida em que seja possível a coexistência equilibrada da função fiscal e extrafiscal
dos tributos.
A tributação ambiental tem como escopo a melhoria do meio ambiente e sua base é
constitucional, tanto delineada pelo art. 225, quanto pelo próprio art. 170, inc. VI. Em
acréscimo, a utilização de mecanismos tributários de promoção também encontra eco na
legislação nacional, a saber, no art. 9º, inc. IV da Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio
Ambiente) e no art. 6º, inc. VI da Lei n. 12.187/2009 (Política Nacional de Mudança do Clima),
devendo a política pública estar sempre voltada à redução ou eliminação de GEE do ambiente.
Por outro lado, considerando o conceito de desenvolvimento sustentável utilizado no presente
trabalho, nada obsta a instituição dos benefícios para que, também, haja incremento em política
de educação ambiental, valorização dos habitantes da região com promoção da cultura do
esporte e do lazer, assim como a promoção de condição digna aos trabalhadores.
Em relação à possibilidade de revogação dos benefícios trazidos, há que se
distinguirem as formas como foram instituídas. O art. 178 do Código Tributário Nacional é
taxativo ao afirmar “a isenção, salvo se concedido por prazo certo e em função de
determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo,
observado o disposto no inciso III do art. 104” (Princípio da Anterioridade Tributária). No
mesmo sentido, tem-se a redação do Enunciado da Súmula 544 do Superior Tribunal de Justiça.
Não obstante a espécie citada pelo artigo sejam as “isenções”, não há dúvidas de que a
hermenêutica propicia-nos a extensão dos termos para “benefícios fiscais”, de sorte que
redução de alíquotas, alterações de bases de cálculo e quaisquer outros benefícios estipulados
por prazo certo e sob condições, também poderiam gerar o direito adquirido à fruição do
mesmo. Em relação ao tema, parece não haver dissenso na doutrina e jurisprudência.
A condição a ser estabelecida tem o foco ambiental e, especificamente, voltado para
a redução das emissões de carbono e demais gases de efeito estufa, sendo, portanto, importante
a instituição, pelo Poder Público, de um sistema de controle das atividades para monitoramento
das iniciativas adotadas por cada entidade, através de auditorias ambientais, cujo escopo seria a
202 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3 ed. São Paulo: Lejus. 1998
131
concessão da “certificação ambiental” ou “selo ecológico” tal qual instituído pela Comunidade
Europeia através do Regulamento n. 880/92 de 23 de março de 1992 (ANEXO I).
Notadamente, na área da mineração, o Plano Setorial de Mitigação e Adaptação à
Mudança do Clima na Mineração (Plano de Mineração de baixa emissão de carbono –
Plano MBC), contém importantes dados e, já podem ser considerados como primeiro passo
para o referido monitoramento das atividades, posto conter os seguintes itens:
a) Metas de redução – embora não o faça de forma clara em relação às projeções
realizadas para o ano de 2020, os números de cada programa indicam que a redução de emissão
poderá alcançar cerca de 4,2% até 15,5% das emissões projetadas para 2020.
b) Ações a serem implementadas – dentre as setenta iniciativas de abatimento,
doze foram encolhidas e agrupadas em três programas distintos: i) alteração da fonte energética
utilizada nos processos de produção, com a substituição dos combustíveis de alto teor de
carbono não renovável por combustíveis renováveis; ii) otimização do processo de produção
com a troca dos equipamentos, troca progressiva da frota de caminhões para melhorar o nível
do consumo de combustível; iii) utilização de novas tecnologias na extração, beneficiamento
dos minérios.
c) Definição dos indicadores para monitoramento das atividades, os quais
deverão ser revistos periodicamente. O plano incumbiu ao Ministério das Minas e Energia o
encargo do monitoramento das atividades.
d) Proposta de instrumentos para a regulação e incentivos para a
implementação das atividades necessárias para a redução das emissões. Justamente neste
ponto específico, dos incentivos, está abarcada o nosso objeto de estudo e sobre o qual
passaremos a transcorrer.
Como se sabe, no quesito tecnologias, o Brasil está muito aquém do
desenvolvimento de tecnologias limpas, muito embora sua condição geográfica o favoreça em
relação a muitas nações. Nestes moldes, diante das perspectivas apresentadas pelo Plano MBC,
faz-se necessário fomento efetivo para o desenvolvimento de novas tecnologias, de forma que
as externalidades ambientais negativas possam ser convertidas em externalidades positivas.
Atualmente, as tecnologias utilizadoras de combustíveis fósseis são infinitamente mais baratas
do que as demais, sendo necessário o devido fomento estatal, como bem já assinalou Giddens
quando afirma: “são necessários subsídios para que as novas tecnologias progridam, uma vez
132
que, de início, elas não conseguirão competir com os combustíveis fósseis.”203 Entendemos que
esses subsídios não devem ocorrer somente na forma de abertura de créditos para a aquisição
dessas tecnologias, mas também para o incentivo na pesquisa para o desenvolvimento das
mesmas.
Ainda sobre a questão do incremento de tecnologias devemos considerar a
importante opinião de Alier:
“Portanto, para que uma tecnologia seja viável e possa fazer crescer a economia,
não é suficiente que esteja composta de ‘receitas’ factíveis: é necessário que inclua,
ainda, uma “receita” de captação de energia e entropia do meio ambiente, ou seja,
de captação de energia e materiais que possamos por a nossa disposição.” 204
Na forma do art. 4º, inc. VIII da Lei n. 12.187/2009, a Política Nacional sobre
Mudanças Climáticas deverá visar o estímulo ao desenvolvimento do Mercado Brasileiro de
Redução de Emissões o qual, inicialmente, era realizado pelas Reduções Certificadas de
Carbono – RCE’s e pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Muito embora os referidos
instrumentos tenham caído no esquecimento no plano internacional, não há dúvidas de que, em
nível nacional, poderá haver incentivos para o reaquecimento desse importante instrumento de
controle e redução de emissões através do sistema proposto no presente trabalho.
Em relação ao aspecto comportamental, as atividades empresariais que privilegiem
as reduções de emissões devem ser levadas em consideração quando do estabelecimento dos
tributos, especialmente aqueles atinentes ao processo de produção. A professora Consuelo
Yoshida enfatiza
“A técnica de incentivo atua não só através da resposta favorável ao
comportamento já realizado, ou seja, através da sanção positiva ou
prêmio, mas também através da facilitação, do favorecimento do
comportamento quando ele está por se realizar. No primeiro caso,
incentiva-se intervindo nas consequências do comportamento, no
segundo, intervindo nas modalidades, nas formas, nas condições do
comportamento mesmo.”205
203 idem p. 102 204 ALIER. Economia Ecológica ao Ecologismo popular. p. 61 e 62 205 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. A efetividade e a eficiência ambiental dos instrumentos econômico-financeiros e tributários. Ênfase na prevenção. A Utilização econômica dos bens ambientais e suas
133
Com a finalidade de manter a coerência com todo o pensamento esposado até o
momento, há que se responder a um questionamento: qual tratamento jurídico será conferido às
empresas que obtiverem êxito na consecução de suas metas? Essa pergunta possui pertinência
porque, cumpridas as imposições de redução não haveria mais que se falar em manutenção dos
benefícios tributários, o que colocaria o contribuinte “limpo” novamente em relação de
desigualdade em relação ao seu concorrente, voltando-se à situação inicialmente narrada. A
solução para este problema não será difícil se pensarmos que este ramo de contribuintes poderá
ser incluído em um regime jurídico tributário diferenciado, sendo necessário então um novo
estudo para reforma tributária.
Os planos setoriais para redução de emissões, incluindo as metas instituídas, são de
grande valia no auxílio da tarefa, posto que, a finalidade primeira e última dos benefícios
concedidos na forma da PNMC será a redução de emissões de GEE. Deste modo, no momento
em que os setores (ou as empresas de cada setor) vão atingindo suas metas, adequando suas
atividades aos alvos propostos, os incentivos seriam retirados, porém, submetendo essas
empresas a um regime jurídico tributário diferenciado. Como se observa, a tarefa não é fácil e
demanda boa programação a fim de se evitar que empresas já adequadas (e já sem incentivos)
sejam prejudicadas nos preços dos seus produtos quando comparados às empresas ainda em
fase de adequação (as quais ainda recebem incentivos tributários).
Propor um sistema diferenciado disso seria incorrer em uma grande incoerência,
porque a tributação de uma empresa “limpa” ocorreria nos mesmos moldes que seus
concorrentes, digamos, “sujos”, ainda não adequados ao programa proposto. Dizemos isso
porque, na maioria das vezes, empresas “não amigas do meio ambiente” lançam seus produtos
com preços inferiores aos de tecnologia limpa justamente porque não internalizaram ao custo
do produto o preço da preservação, e, como já vimos, essa internalização traz um considerável
aumento ao preço dos produtos ou do serviço. No entanto, se o próprio Estado estimula a
internalização ambiental, através da extrafiscalidade, poderá fazer com que os preços médios
dos produtos e serviços em prol do meio ambiente possam custar menos que os demais, o que,
fatalmente, provocará uma conscientização social a respeito do problema colocado no presente
trabalho, de sorte que cada membro da teia social torne-se um cooperador da cadeia de
produção que traga importantes modificações, funcionamento como um elemento de
retroalimentação do processo de mudança.
implicações. In TORRES, Heleno Taveira. (org). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 539.
134
Para haver melhorias consideráveis, a via de mudança deverá sustentar-se por meio
dos impulsos concedidos pelo Estado (através dos mecanismos de extrafiscalidade), pelos
agentes econômicos (na escolha do processo de produção limpo) e pelos consumidores (na
escolha de produtos e serviços limpos). Na linha desenvolvida por este trabalho e, a partir da
orientação trazida pela Política Nacional de Mudanças Climáticas, há a obrigação primeira, mas
não isolada, do Estado em estabelecer medidas em prol da redução de emissões de GEE.
5.7.3 - Limitações à Extrafiscalidade – Princípios Constitucionais
A relação jurídica tributária está sujeita a diversas diretrizes do ordenamento
jurídico e, dessa maneira, a utilização do instrumento da extrafiscalidade também deverá ser
submetida ao mesmo sistema, notadamente de conteúdo constitucional.
A primeira limitação estaria atrelada ao conceito de competência tributária, ou seja,
somente poderia instituir isenções, redução de alíquotas, dentre outros, aqueles entes
federativos competentes para instituírem determinado tributo. Quanto à competência para
instituir os benefícios, há que se observarem as regras de competência tributária estatuídas pela
Constituição da República, de modo que não será possível que um ente da federação invada o
território tributário de outro ente.
A listagem das limitações à extrafiscalidade consubstancia-se em rol limitado,
porém robustecido diante da importância de não se criar privilégios odiosos, completamente
contrários ao mandamento constitucional. Dessa forma, a doutrina mais abalizada costuma
concentrar as principais limitações nos seguintes princípios: Isonomia, capacidade contributiva
e vedação do confisco.
Em relação ao Princípio da Isonomia, e como bem observado pela professora
Consuelo Yoshida, os aspectos mais importantes a serem observados serão a isonomia formal e
a isonomia material. Sob o aspecto formal, não haverá a possibilidade de se conceder qualquer
critério de discriminação, seja a que pretexto for. Já pelo ângulo da isonomia material
haveremos de nos valer da máxima dita por Ruy Barbosa, ou seja, tratar os desiguais na medida
de sua desigualdade de forma a se atingir a igualdade, isso porque, o fim último do princípio
será sempre estabelecer uma tributação justa, longe dos privilégios odiosos.
Paulo de Barros Carvalho, ponderando sobre a necessidade de se obedecer
justamente ao princípio da legalidade, afirma: “impõe-se, portanto, que as ordenações positivas
135
estabeleçam a possibilidade expressa da concessão de isenções também por interesse público,
abrindo-se deliberada exceção àquela diretriz fundamental”206, isso porque, para o jurista as
isenções com finalidade extrafiscal estarão vinculadas ao princípio da igualdade tributária
quando, e somente quando, concedidas segundo os princípios do interesse público.
O interesse público (e social) será aquele destinado a atender uma real necessidade
social, ambiental etc., e não de um setor específico da economia. No caso objeto de estudo do
presente trabalho – Mudanças Climáticas – o interesse a ser colimado será a redução das
emissões dos GEE e preservação do meio ambiente, ao invés de algum interesse setorial
específico. Por certo que o critério de discriminação não poderá ser arbitrário, ao contrário,
pautado em valores inerentes à ordem econômica ou social ou ambiental.
O Princípio da Capacidade Contributiva está diretamente atrelado ao momento de
instituição dos impostos e, juntamente com o Princípio da isonomia, estabelece o caminho para
o alcance da Justiça Fiscal. Ambos os princípios deverão ser aplicados conjuntamente. O art.
145, §1º da Constituição da República dispõe que “sempre que possível, os impostos terão
caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.” O
comando constitucional nos revela a aplicação do Princípio somente para a espécie tributária
dos impostos, estando as demais afastadas da sua incidência.
A questão a ser debatida é saber se o referido princípio se impõe ou não quando da
tributação com finalidade extrafiscal.
Nas lições de Mizabel Derzi, a extrafiscalidade não fere o princípio da capacidade
contributiva porque
“Nos incentivos fiscais, a pessoa isenta demonstra aptidão maior para
realizar os objetivos da política econômica do País, ou mérito
econômico (ou mérito científico, nas intervenções, por ex.), por isso é
premiada (...) Assim, as pessoas favorecidas por isenções, créditos
presumidos, prêmios e alíquotas diminutas, devolução de tributo pago
etc., são tratadas de uma forma e maneira especial porque são
consideradas da mesma categoria essencial, em razão de sua aptidão
para concretização dos planos econômicos governamentais ou por
206 CARVALHO, Paulo de Barros. O instituto da isenção como instrumento de extrafiscalidade. Projeção: Revista Brasileira de Tributação e Economia. Brasília: Associação Brasileira de Técnicos de Tributação, n. 11 out 1976, p. 32-38.
136
mérito. (...) O que importará registrar é que se o critério da capacidade
econômica nem sempre prevalece na extrafiscalidade, em nenhum caso
poderá haver ofensa à igualdade formal, estando dessa maneira
submetida à regra de regularidade e igual tratamento para seres da
mesma categoria essencial.”207
Sob esse enfoque, o referido princípio será aplicado conquanto que o tributo não
tenha um conteúdo eminentemente arrecadatório, posto que o sujeito passivo da obrigação
tributária deverá poder suportar a exação. A capacidade contributiva, desse modo, trabalha em
favor do contribuinte de modo a estabelecer limites máximos, a linha de atuação do Poder
Estatal a ser estabelecida como forma de contribuição, a qual, para além dos campos da
segurança será tida como confiscatória e, portanto, inconstitucional. Desse modo, não se estaria
afastando o princípio, mas sim o aplicando segundo os ditames da proporcionalidade.
Contudo, bem leciona Fernando Modé 208 , há impossibilidade de se aplicar a
capacidade contributiva a algumas espécies de impostos, especialmente os considerados
indiretos (ICMS e IPI), na medida em que, economicamente, torna-se inviável a aferição (ao
menos genericamente) da capacidade contributiva de cada contribuinte participante do processo
de industrialização e venda dos produtos.
Opinião idêntica é encontrada em CARRAZZA para quem a seletividade, quer no
ICMS, quer no IPI, funciona como medida de instrumentalização diferenciada do Princípio da
Capacidade Contributiva. Isso porque, por tratar-se de impostos largamente utilizados com
finalidade extrafiscal, a essencialidade dos produtos é quem dirá as regras da imposição da
carga econômica, e não a capacidade contributiva do contribuinte. A exemplo, citamos o IPI
incidente sobre o cigarro. A mesma carga tributária na compra do produto é suportada pelos
consumidores de todas as classes sociais, indiferentemente da renda auferida.
O terceiro e último princípio importante ao presente trabalho é o do Não-confisco, o
qual impõe a proibição do excesso de tributação de forma a limitar o exercício da propriedade,
sendo aplicado a todas as espécies tributárias, indistintamente. Mesmo ao internalizar os custos
207 DERZI, Misabel Abreu Machado in BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de tributar. 7 ed. Rev. E compl. À luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional 10/96. aluta. Rio de Janeiro: Forense. 1997. p. 381. 208 MODÉ, Fernando Magalhães. Tributação Ambiental. A função dos Tributos na Proteção do Meio Ambiente. 1ed., 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2005.
137
ambientais, a tributação ambiental não poderá representar, em qualquer hipótese, a invasão na
propriedade ou na renda do contribuinte.
Em acréscimo aos três princípios, será importante ainda notar a relação existente
entre a função extrafiscal e a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar Nacional n.
101/2000. Esta está pautada na administração barata e simples para a Administração Pública é
codificada nos comandos da eficiência (art. 37 da CR).
O aumento de tributos não gera qualquer prejuízo direto à Administração já que
importa em aumento da receita pública. A atenção deverá estar voltada para a redução e a
isenção dos tributos, uma vez que, em princípio, poderia representar uma redução da receita
estatal.
O art. 1º § 1º da LRF assim dispõe:
“A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e
transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de
afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de
metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e
condições no que tange à renúncia de receita.”
A Lei Responsabilidade Fiscal, tão necessária em um Brasil de descasos como o
nosso, é decorrente do austero sistema jurídico neozelandês cujo primado realmente é a
responsabilidade do administrador público para com o erário. Esse encargo impõe a eficiência
da administração, da aplicação dos recursos públicos, com ênfase no controle gerencial. O
Orçamento Público é a “menina dos olhos” da lei em explicação. Para o presente estudo,
importa especificamente a leitura do art. 14, in verbis:
“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de
natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar
acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no
exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender
ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das
seguintes condições:
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi
considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do
138
art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no
anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período
mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da
elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou
criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito
presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de
alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução
discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que
correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício
de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no
inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as
medidas referidas no mencionado inciso.
§ 3o O disposto neste artigo não se aplica:
I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos
I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;
II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos
respectivos custos de cobrança.”
Uma fase inicial de leitura do texto poderá concluir uma restrição excessiva à
possibilidade do administrador público conceder incentivos fiscais de qualquer espécie, o que
prejudicaria a aplicação do princípio descrito no inc. VI do art. 170 da CR – defesa do meio
ambiente com tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços
dos processos elaboração e prestação - e, por consequência, inútil seria a previsão descrita no
art. 6º, inc. VI da PNMC: aplicação de medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a
redução da emissões e remoção dos gases de efeito estufa.
139
A despeito de algumas censuras sobre a lei, uma leitura atenta do texto apresentado
demonstrará seu conteúdo completamente compatível com o ordenamento jurídico brasileiro
em vigência e, ainda mais, como uma mão amiga à proteção do Clima.
Um orçamento público e, consequente, a escolha pela majoração ou não dos
tributos é fruto de uma decisão política organizada, a qual deverá avaliar inúmeros aspectos,
fazendo-os constar no referido documento orçamentário, cujas notas são denominadas de
dotações. Em relação políticas do Clima, as dotações específicas para a mudança do clima
deverão necessariamente constar dos orçamentos públicos209.
Veja-se, contudo, que, conforme descrito no § 3o do art. 14 a regra da compensação
orçamentária não se aplica aos impostos incidentes sobre: importação; exportação; renda e
proventos de qualquer natureza; produtos industrializados; operações de crédito, câmbio e
seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários.
Essa nota é importante porque o foco principal da tributação em favor do Clima
será justamente o processo produtivo sob os quais fará incidir os impostos indicados. Todavia,
em relação às contribuições, taxas e impostos de competência estadual e municipal, há que se
observar a obediência ao art. 14.
Em contrapartida, será importante lembrar que a utilização dos instrumentos
econômicos, dentre eles a eco-tributação, tem sido avaliada pela praxis como uma das causas
de aumento da arrecadação fiscal, afastando, deste modo, qualquer indicativo em contrário. Tal
avaliação foi elaborada em países como Dinamarca, Holanda, Suécia, Alemanha, dentre outros
países componentes da OCDE210.
209 Art. 6º, inc. IX da PNMC. 210 “EIs possess a number of intrinsic qualities, of which six are noted here: (...) 5 Revenue raising: Charges, taxes and tradeable permits (when auctioned by public authorities) are source of revenue which can be earmarked for environmental protection or allocated to the general government budget. Pollution tax revenues can be sizeable.” Cf. OECD Economic Instruments in environmental policy: Lessons from the OECD experience and their relevance to developing economies. p 13
140
CONCLUSÃO
Após meses ininterruptos de estudos debruçados sobre teorias científicas,
filosóficas, economia e o próprio Direito, não será fácil a tarefa de trazer uma resposta
conclusiva à pergunta hipótese de nosso trabalho.
O que buscamos com a elaboração da presente pesquisa, como já dissemos
anteriormente, não foi resposta simples a uma indagação. Muitas outras respostas poderão
surgir ao longo de nossa caminhada acadêmica, como de fato ocorreu. O intento foi buscar uma
hipótese de solução, dentre o mar de muitas outras, para o grande problema encontrado hoje na
atualidade: a falta de seriedade com que os países e os setores econômicos têm tratado as
questões climáticas.
Não foi difícil perceber que, atualmente, o capitalismo tem encontrado rumos
completamente diversos daqueles seguidos pela necessidade de comprometimento do ser
humano para com o Clima. E o culpado não é o próprio capitalismo! Nós, humanidade, somos
responsáveis por fazer do capitalismo esse ser hediondo e voraz. Sendo a base de todo o
desenvolvimento humano, o capitalismo tem ditado suas regras como um tirano implacável,
derrocando o “ser humano” da sua condição de fim para a de meio e, pior, também colocando
todo o ecossistema na mesma condição de meio. Não será demais dizer, essa avidez somente
será vencida após uma retomada da visão do homem para dentro de si, religando a consciência
da sua importância para si próprio e para o seu meio. Conferir personalidade jurídica ao Planeta,
e não só aos seres humanos, é uma medida a ser tomada pelos ordenamentos jurídicos,
especialmente o brasileiro.
Os filósofos Hans Jonas e Peter Singer apresentam, em momentos diferentes, uma
nova proposta ética, para além de Emmanuel Kant, pautada na importância da humanidade “em
conjunto” com os demais seres viventes que o rodeiam. Trata-se de uma ética biocêntrica, a
qual poderá ser acrescida pela filosofia desenvolvida por Ricardo Sayeg e Wagner Balera,
intitulada como o “Capitalismo Humanista”.
Nesse passo, os ensinamentos filosóficos devem ser transportados à realidade social
através do Direito, posto sua força vinculativa. Levando-se em conta que o processo produtivo
gera as suas externalidades negativas, será necessário que este custo ambiental seja introduzido
na linguagem econômica num caráter negativo, mas sim positivo de forma a atrair os olhos dos
investidores para a necessidade de preservação ambiental. Enquanto preservação ambiental
141
significar prejuízo ao mundo empresarial, dificilmente a materialização do conceito
“sustentabilidade” será alcançada.
Os estudos desenvolvidos conduziram-nos ao Direito Premial de Bobbio, na
medida em que foi evidenciada a imprestabilidade das legislações coercitivas para a mudança
de paradigmas. O Direito Tributário, por sua vez, através do instituto da extrafiscalidade,
poderá ser um grande aliado na consecução dessa finalidade, já que incentivos, redução da
carga tributária, isenções poderão ser concedidas a todo o mercado para que alcancem as metas
de redução de emissão de gases de efeito estufa, bem como adotem posturas em prol do Clima,
investindo em tecnologias mais limpas. Para tanto, em conclusão final, sugerimos a formulação
de um processo de certificação ambiental, gerenciado pelo próprio Estado.
Há muito ainda o que evoluir na caminhada humana, contudo, não restam dúvidas
de que algumas medidas devem ser tomadas imediatamente e, o fato de outros países tais como
Estados Unidos, China, não adotarem posturas mais enérgicas, o Brasil é visto como um
importante ator na consecução da finalidade e demonstra ser possível acoplar crescimento
econômico com preservação ambiental, diminuição de emissões de gases de efeito estufa.
Muito embora o pessimismo apodere-se de todo aquele que se dedique os históricos
das tratativas internacionais sobre a Mudança do Clima, nós, brasileiros que não desistimos
nunca, possuímos um arcabouço jurídico valioso, o qual poderá ser incrementado por uma
reforma tributária “verde” pautado na Economia Verde, trazendo uma resposta efusiva aos
demais países e reavivar as conversas sobre o tema. Esse foi o propósito do nosso trabalho e a
conclusão a que chegamos.
142
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148
econômica dos bens ambientais e suas implicações. In: Direito Tributário Ambiental.
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149
ANEXO I
REGULAMENTO (CEE No. 880/92 DO CONSELHO de 23 de Março 1992 relativo a um sistema comunitário de atribuição de rótulo ecológico O CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS,
Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Econômica Europeia e, nomeadamente, o seu artigo 130o.S,
Tendo em conta a proposta da Comissão (1),
Tendo em conta o parecer do Parlamento Europeu (2),
Tendo em conta o parecer do Comitê Econômico e Social (3),
Considerando que os objetivos e princípios da política comunitária do ambiente, como definidos nos programas de ação da Comunidade Europeia no domínio do ambiente (4), se destinam, em especial, a evitar, a reduzir e, tanto quanto possível, eliminar a poluição, especialmente na sua origem, e a garantir uma gestão sólida dos recursos em matérias-primas, com base igualmente no princípio do «poluidor-pagador»; que o quarto programa de ação da Comunidade Europeia em matéria de ambiente (1987/1992) (5) salienta a oportunidade de desenvolver uma política orientada para os produtos limpos;
Considerando que o Conselho, na sua resolução de 7 de Maio de 1990 (6), instou a Comissão a apresentar uma proposta, no mais breve prazo, relativa a um sistema comunitário de rotulagem ecológica, que abranja o impacto ambiental durante o ciclo de vida completo do produto;
Considerando que o Parlamento Europeu apoiou, na sua resolução de 19 de Junho de 1987, relativa a uma política de gestão dos resíduos e antigos depósitos de lixo (7), um rótulo ambiental comunitário para produtos ecológicos;
Considerando que existe um interesse crescente do público por informações sobre produtos menos nocivos sob o ponto de vista do ambiente; que certos Estados-membros já possuem um sistema de rotulagem para esses produtos e que diversos outros Estados-membros estão a considerar a criação de tal sistema;
Considerando que um sistema de atribuição de rótulo ecológico para produtos menos nocivos sob o ponto de vista do ambiente concederá destaque a alternativas mais benignas, proporcionando, consequentemente, orientação aos consumidores e utilizadores;
Considerando que tal orientação é susceptível de se concretizar melhor mediante o estabelecimento de critérios uniformes para o sistema de atribuição, aplicáveis em toda a Comunidade;
Considerando que, embora possam continuar a existir esquemas de atribuição independentes, já existentes ou futuros, o objetivo deste regulamento é criar as condições para vir a instituir um único rótulo ecológico eficaz na Comunidade;
Considerando que o sistema de atribuição se baseará num pedido voluntário; que tal abordagem, apoiada nas forças de mercado, contribuirá especialmente para a investigação e desenvolvimento, especialmente de tecnologias menos poluentes, conduzindo assim à inovação;
Considerando que deverão ser garantidas na Comunidade a aplicação uniforme de critérios e a conformidade com os processos;
Considerando que o sistema de atribuição do rótulo ecológico terá em consideração os interesses dos principais grupos envolvidos e deverá por isso prever uma adequada
150
participação desses grupos na definição dos grupos de produtos e dos critérios ecológicos específicos para cada grupo de produtos;
Considerando que os consumidores e as empresas deverão ser corretamente informados pelos meios adequados acerca do sistema da atribuição do rótulo ecológico;
Considerando que esse rótulo deverá servir de complemento a outros sistemas comunitários de rotulagem já existentes ou a criar,
ADOTOU O PRESENTE REGULAMENTO:
Artigo 1o.
Objetivos
O presente regulamento estabelece um sistema comunitário de atribuição de rótulo ecológico destinado a:
- promover a concepção, produção, comercialização e utilização de produtos com um impacto ambiental reduzido durante o seu ciclo de vida completo e
- informar melhor os consumidores sobre o impacto dos produtos no ambiente, sem contudo comprometer a segurança do produto ou dos trabalhadores nem afetar significativamente as qualidades que tornam o produto apto para utilização.
Artigo 2o.
Âmbito de aplicação
O presente regulamento não é aplicável a produtos alimentares, bebidas, nem a produtos farmacêuticos.
Artigo 3o.
Definições
Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:
a) «Substâncias», os elementos químicos e seus compostos, tal como definidos no artigo 2o. da Diretiva 67/548/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1967, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas (8);
b) «Preparações», as misturas ou soluções, tal como definidas no artigo 2o. da Diretiva 67/548/CEE;
c) «Categoria de produtos», os produtos que contribuem para fins semelhantes e possuem uma utilização equivalente;
d) «Tempo de vida», o ciclo de vida de um produto, desde o fabrico, incluindo a escolha das matérias-primas, passando pela distribuição, consumo e utilização até à eliminação após uso.
Artigo 4o.
Princípios gerais
1. O rótulo ecológico poderá ser atribuído a produtos que satisfaçam os objetivos definidos no artigo 1o. e que estejam em conformidade com as exigências comunitárias em matéria de saúde, de segurança e de ambiente.
2. O rótulo ecológico não será atribuído em caso algum:
a) A produtos que sejam substâncias ou preparações classificadas perigosas nos termos das Diretivas 67/548/CEE e 88/379/CEE (9).
151
O rótulo pode ser atribuído a produtos que contenham qualquer substância ou preparações classificadas perigosas nos termos das referidas diretivas desde que estes produtos satisfaçam os objetivos do artigo 1o.;
b) A produtos fabricados por processos susceptíveis de prejudicar de forma significativa o ser humano e/ou o ambiente.
3. Os produtos importados pela Comunidade para os quais tenha sido pedida a atribuição do rótulo ecológico nos termos do presente regulamento devem satisfazer pelo menos os mesmos critérios rigorosos aplicáveis aos produtos fabricados na Comunidade.
Artigo 5o.
Categorias de produtos e critérios ecológicos
1. As condições de atribuição do rótulo serão definidas por grupo de produtos.
Os grupos de produtos, os critérios ecológicos específicos para cada grupo e os respectivos prazos de validade são determinados de acordo com o processo estabelecido no artigo 7o., após o processo de consulta previsto no artigo 6o.
2. A Comissão dará início a estes processos a pedido do organismo ou organismos competentes referidos no artigo 9o. ou por sua própria iniciativa. O organismo competente poderá atuar por sua própria iniciativa ou a pedido de uma entidade singular ou coletiva interessada; neste último caso, decidirá da pertinência de tal pedido. Antes de apresentar um pedido à Comissão, o organismo competente efetuará uma consulta adequada às entidades interessadas e informará a Comissão dos respectivos resultados.
3. Cada grupo de produtos será definido de modo a garantir que todos os produtos concorrentes que se destinam a fins semelhantes e têm utilização equivalente sejam incluídos no mesmo grupo.
4. Os critérios ecológicos específicos aplicáveis a cada grupo de produtos serão definidos mediante recurso a uma abordagem em termos de «tempo de vida» baseada no disposto no artigo 1o., nos princípios gerais do artigo 4o. e nos parâmetros do modelo indicativo de avaliação apresentado no anexo I. Os critérios devem ser precisos, claros e objetivos, de modo a assegurar uma aplicação uniforme pelos organismos competentes. Devem garantir um elevado nível de proteção do ambiente, basear-se, na medida do possível, no recurso a tecnologias limpas e, consoante o caso, refletir a conveniência de elevar ao máximo o tempo de vida do produto.
Caso se revele necessário adaptar o modelo indicativo de avaliação ao progresso técnico, essa adaptação deve ser efetuada de acordo com o procedimento estabelecido no artigo 7o.
5. O prazo de validade dos grupos de produtos deve ser aproximadamente de três anos. O prazo de validade dos critérios não pode exceder o prazo de validade do grupo de produtos a que se referem.
Artigo 6o.
Consulta dos grupos de interesses
1. Com vista à definição dos grupos de produtos e dos critérios ecológicos específicos a que se refere o artigo 5o., e antes de apresentar uma proposta ao comitê referido no artigo 7o., a Comissão procederá a uma consulta às principais entidades interessadas, que se reunirão para o efeito numa comissão consultiva. Ao proceder a essa consulta, a Comissão tomará em conta os resultados das consultas nacionais.
2. Deverão tomar parte na comissão consultiva pelo menos os representantes a nível comunitário dos seguintes grupos de interesses:
- indústria (10),
152
- comércio (11),
- organizações de consumidores,
- organizações ambientais.
Cada um destes grupos pode ter, no máximo, três representantes.
Os grupos de interesses que participam nas consultas devem assegurar uma representação adequada consoante os grupos de produtos em causa e tendo em conta a necessidade de garantir a continuidade do trabalho do grupo de consulta.
3. O regulamento interno da comissão consultiva será adotado pela Comissão, em conformidade com o processo previsto no artigo 7o.
4. O prazo atribuído para consulta da comissão consultiva não poderá em caso algum exceder seis semanas.
5. A Comissão comunicará os resultados destas consultas ao comitê referido no artigo 7o. ao mesmo tempo que o projeto de medidas a adotar.
Artigo 7o.
Comitê
1. A Comissão será assistida por um comitê composto por representantes dos Estados-membros e presidido pelo representante da Comissão.
2. O representante da Comissão submeterá à apreciação do comitê um projeto das medidas a adotar. O comitê emitirá o seu parecer sobre esse projeto num prazo que o presidente poderá fixar em função da urgência da questão em causa. O parecer será emitido por maioria, nos termos previstos no n. 2 do artigo 148o. do Tratado, para a adoção das decisões que o Conselho é chamado a tomar sob proposta da Comissão. Nas votações no comitê, os votos dos representantes dos Estados-membros estão sujeitos à ponderação definida no artigo atrás referido. O presidente não participa na votação.
3. A Comissão adotará as medidas projetadas desde que sejam conformes com o parecer do comitê.
4. Se as medidas projetadas não forem conformes com o parecer do comitê, ou na ausência de parecer, a Comissão submeterá sem demora ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar. O Conselho deliberará por maioria qualificada.
5. Se, no termo de um prazo de três meses a contar da apresentação da proposta ao Conselho, este último ainda não tiver deliberado, a Comissão adotará as medidas propostas.
Artigo 8o.
Rótulo ecológico
1. O rótulo ecológico deverá incluir o logotipo cujo modelo se encontra reproduzido no anexo II.
2. Os pedidos de atribuição do rótulo deverão ser apresentados de acordo com os procedimentos definidos no artigo 10o.
3. A decisão de atribuir o rótulo a produtos individuais que satisfaçam os critérios referidos nos artigos 4o. e 5o. será tomada pelo organismo competente referido no artigo 9o., de acordo com o procedimento previsto no artigo 10o.
4. De acordo com o procedimento estabelecido no artigo 7o., a Comissão decidirá, caso a caso, se é possível mencionar no rótulo as principais razões que deram origem à atribuição do rótulo ecológico e fixará regras para esse efeito.
153
5. O rótulo será atribuído para um período de produção fixo, que não pode em caso algum ultrapassar o prazo de validade dos critérios.
Quando os critérios relativos ao produto forem prorrogados sem alteração, a validade do rótulo pode ser prorrogada pelo mesmo período.
6. O rótulo ecológico não poderá em caso algum ser utilizado antes de ter sido celebrado um contrato sobre as condições de utilização tal como previsto no artigo 12o.
Artigo 9o.
Designação dos organismos competentes
1. Cada Estado-membro designará, o mais tardar seis meses após a entrada em vigor do presente regulamento, o(s) organismo(s), a seguir denominado(s) «organismo(s) competente(s)», responsável (responsáveis) pelo desempenho das funções previstas no presente regulamento, particularmente as especificadas no artigo 10o., e do fato informará a Comissão.
2. Os Estados-membros assegurarão que a composição dos organismos competentes seja tal que garanta a sua independência e neutralidade, e que estes apliquem de forma coerente o disposto no presente regulamento.
Artigo 10o.
Pedidos de atribuição de rótulo ecológico
1. Os fabricantes ou importadores na Comunidade só poderão apresentar o seu pedido de rótulo ecológico ao organismo ou organismos competentes designados pelo Estado-membro em que o produto é fabricado ou comercializado pela primeira vez ou no qual é importado de um país terceiro.
2. Antes de proceder à apreciação dos pedidos, o organismo competente consultará o registro referido no n. 9. O organismo competente avaliará o comportamento ecológico do produto em função dos princípios do artigo 4o. e dos critérios específicos adotados para os grupos de produtos do artigo 5o. Para o efeito, deverão ser apresentados ao organismo competente todos os documentos e certificados exigidos (incluindo os resultados de controles independentes).
3. Após ter avaliado o produto, o organismo competente decidirá da atribuição ou não do rótulo. Caso decida pela atribuição do rótulo, notificará a sua decisão à Comissão e enviar-lhe-á os resultados completos da avaliação, juntamente com um resumo dos mesmos. A Comissão elaborará um formulário-padrão de resumo, em conformidade com o processo previsto no artigo 7o.
No prazo de cinco dias após a notificação, a Comissão enviará aos organismos competentes dos outros Estados-membros uma cópia da decisão e do resumo acima referidos, bem como, a pedido daqueles, uma cópia dos resultados completos da avaliação.
4. No termo de um prazo de 30 dias a contar da data do envio da notificação à Comissão, o organismo competente pode proceder à atribuição do rótulo, exceto se, nesse prazo, a Comissão lhe tiver comunicado objeções fundamentadas à atribuição do rótulo. No caso de terem sido formuladas tais objeções, e se não for possível chegar a acordo por meio de consultas informais, a Comissão tomará uma decisão quanto à atribuição proposta em conformidade com o processo previsto no artigo 7o.
5. Se o organismo competente decidir atribuir o rótulo a um produto já rejeitado pelo organismo competente de outro Estado-membro, chamará a atenção da Comissão para o fato quando a notificar da sua decisão ao abrigo do disposto no n. 3. Sempre que se dê este caso, a
154
Comissão tomará uma decisão sobre a atribuição proposta em conformidade com o processo previsto no artigo 7o.
6. Nos casos referidos nos n. 4 e 5, a Comissão apresentará um projeto das medidas a tomar ao comitê mencionado no artigo 7o. num prazo de 45 dias após ter tido conhecimento da decisão de atribuição do rótulo pelo organismo competente.
7. Sempre que um pedido de atribuição de um rótulo ecológico for recusado, o organismo competente informará imediatamente a Comissão e comunicará ao requerente os motivos da recusa.
8. Ao receber um pedido de atribuição do rótulo, o organismo competente pode concluir que o produto não entra em nenhum dos grupos para os quais tenham sido estabelecidos critérios. Nesse caso, o organismo competente determinará se deve ser apresentada à aprovação da Comissão uma proposta de criação de um novo grupo de produtos, nos termos definidos nos artigos 6o. e 7o.
9. A Comissão organizará registros separados de todos os pedidos recebidos, de todos os pedidos aprovados e de todos os pedidos rejeitados. O acesso aos registros de pedidos recebidos e de pedidos rejeitados será exclusivamente permitido aos organismos competentes dos Estados-membros.
10. Qualquer fabricante ou importador que pretenda retirar um pedido de atribuição de rótulo ou deixar de utilizar um rótulo deverá notificar o organismo competente respectivo.
Artigo 11o.
Encargos e taxas
1. Qualquer pedido de atribuição de rótulo implica o pagamento dos encargos decorrentes do processo do pedido.
2. As condições de utilização do rótulo incluirão o pagamento de uma taxa de utilização pelo requerente.
3. Os montantes a que se referem os n. 1 e 2 serão fixados pelos organismos competentes referidos no artigo 9o. e poderão variar de um Estado-membro para outro. Para este efeito, serão estabelecidas orientações indicativas de acordo com o processo previsto no artigo 7o.
Artigo 12o.
Condições de utilização
1. O organismo competente celebrará com o requerente um contrato relativo às condições de utilização do rótulo. Para o efeito, será aprovado um contrato de acordo com o processo previsto no artigo 7o.
2. As condições de utilização incluirão também as cláusulas relativas à revogação da autorização de utilização do rótulo.
Artigo 13o.
Confidencialidade
Os organismos competentes, a Comissão e todas as outras pessoas implicadas não devem divulgar a terceiros as informações a que tenham tido acesso durante a avaliação do produto para atribuição do rótulo.
No entanto, a partir do momento em que esteja decidida a atribuição do rótulo, não poderá em caso algum ser mantida a confidencialidade das seguintes informações:
- nome do produto,
- fabricante ou importador do produto,
155
- motivos e informações pertinentes para a atribuição do rótulo.
Artigo 14o.
Publicação
A Comissão publicará no Jornal Oficial das Comunidades Europeias:
a) Os grupos de produtos, os critérios ecológicos específicos correspondentes e os respectivos prazos de validade;
b) A lista de produtos a que foi atribuído um rótulo ecológico, o nome dos fabricantes ou importadores e a data em que expira a validade dos rótulos. Esta lista será publicada pelo menos uma vez por ano;
c) Os nomes e endereços dos organismos competentes.
A Comissão publicará ainda, periodicamente e para informação do consumidor e das empresas, uma lista consolidada dos produtos a que tenha sido atribuído um rótulo ecológico.
Artigo 15o.
Informação
Cada Estado-membro deve garantir que os consumidores e as empresas sejam informados pelos meios adequados dos seguintes pontos:
a) Objetivos do sistema de atribuição do rótulo ecológico;
b) Grupos de produtos selecionados;
c) Critérios ecológicos aplicáveis a cada grupo de produtos;
d) Procedimentos para requerer o rótulo;
e) Organismo(s) competente(s) no Estado-membro.
Artigo 16o.
Publicidade
1. As referências publicitárias ao rótulo ecológico apenas podem ser feitas quando este tiver sido atribuído e somente em relação ao produto específico a que o rótulo foi atribuído.
2. É proibida qualquer publicidade falsa ou enganosa ou a utilização de qualquer rótulo ou logotipo que possa estabelecer confusão com o rótulo ecológico comunitário criado pelo presente regulamento.
Artigo 17o.
Aplicação
No prazo de seis meses a contar da entrada em vigor do presente regulamento, os Estados-membros informarão a Comissão das medidas que tenham adotado para lhe dar cumprimento.
Artigo 18o.
Revisão
1. O mais tardar cinco anos a contar da data de entrada em vigor do presente regulamento, a Comissão analisará o sistema à luz da experiência adquirida durante o seu funcionamento.
2. Se necessário, a Comissão poderá propor alterações adequadas ao presente regulamento.
O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-membros.
Feito em Bruxelas, em 23 de Março de 1992.
156
Pelo Conselho
O Presidente Carlos BORREGO
(1) JO no. C 75 de 20. 3. 1991, p. 23 e JO no. C 12 de 18. 1. 1992, p. 16.(2) JO no. C 13 de 20. 1. 1992, p. 37.(3) JO no. C 339 de 31. 12. 1991, p. 29.(4) JO no. C 112 de 20. 12. 1973, p. 1; JO no. C 139 de 13. 6. 1977, p. 1; JO no. C 46 de 17. 2. 1983, p. 1; JO no. C 70 de 18. 3. 1987, p. 3.(5) JO no. C 328 de 7. 12. 1987, p. 1.(6) JO no. C 122 de 18. 5. 1990, p. 2.(7) JO no. C 190 de 20. 7. 1987, p. 154.(8) JO no. L 196 de 16. 8. 1967, p. 1. Diretiva com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 91/410/CEE (JO no. L 228 de 17. 8. 1991, p. 67).(9) JO no. L 187 de 16. 7. 1988, p. 14.(10) Incluindo os sindicatos, quando pertinente.
ANEXO I
MODELO INDICATIVO DE AVALIAÇÃO
Setores ambientais
Ciclo de vida do produto
Pré-produção
Produção
Distribuição (incluindo embalagem)
Utilização
Eliminação
Importância dos resíduos
Poluição e degradação do solo
Contaminação da água
Contaminação do ar
Ruído
Consumo de energia
Consumo de recursos naturais
Efeitos no ecossistema
157
ANEXO II TABELA DE EMISSÕES E REMOÇÕES DE CO₂
Fonte: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0214/214061.pdf Acesso em 13.02.2014
158
ANEXO III TABELA DE EMISSÕES CH4
Fonte: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0214/214061.pdf Acesso em 13.02.2014