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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Isabel Mattos Porto Pato DIREITO À CULTURA Organizações da sociedade civil Mestrado em Ciências Sociais São Paulo 2013

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓ Isabel Mattos Porto Pato ... · Direito à cultura. Sociedade Civil. Organizações da sociedade civil. Abstract ... algumas, à Igreja Católica e

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Isabel Mattos Porto Pato

DIREITO À CULTURA Organizações da sociedade civil

Mestrado em Ciências Sociais

São Paulo 2013

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ISABEL MATTOS PORTO PATO

DIREITO À CULTURA

Organizações da sociedade civil

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a orientação da Profa. Dra. Silvia Helena Simões Borelli

São Paulo

2013

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Banca Examinadora

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Dedico este trabalho:

aos meus pais, Lucila e Maurício;

ao Rodrigo, meu companheiro e amado, grata

pela paciência e apoio e pelo trabalho lindo que

faz, a cada dia, mostrando que arte transforma, é

vida. E à nossa obra de arte mais perfeita, Alice;

ao Sergio Haddad.

E a todos os loucos, artistas, agitadores e

produtores culturais.

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Agradecimentos

Agradeço à Capes, pela bolsa, e aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em

Ciências Sociais da PUCSP. À Rita de Cássia Oliveira e à Érica Peçanha do Nascimento, pelas

leituras atentas e contribuições na banca de qualificação. À Vera Lidia de Sá Cicaroni, pela

revisão cuidadosa, e à Márcia Macedo, pelas traduções.

À minha orientadora, Silvia Helena Simões Borelli, pelas contribuições e diálogos para a

fundamentação desta dissertação.

À equipe da Ação Educativa, em especial Eleilson, pela disponibilidade e confiança. Às pessoas

que me ajudaram e, de alguma forma, fizeram parte desta pesquisa: Antonio Eleilson Leite, Elisa

de Oliveira, Luciana Guimarães, Maria Carolina Zanforlin, Mirca Bonano, Rodrigo Medeiros e

Taciana Gouveia.

Aos amigos e família, Ana Pato, Edu Abad, Helda Abumanssur, José Sergio de Carvalho

Fonseca, Luana Vilutis, Maíra Junqueira, Michelle Prazeres, pelas conversas que tanto me

fizeram refletir.

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Toda essa experiência em que desemboca a arte, o próprio problema da

liberdade, do dilatamento da consciência do indivíduo, da volta ao mito,

redescobrindo o ritmo, a dança, o corpo, os sentidos, o que resta, enfim,

a nós como arma de conhecimento direto, perceptivo, participante,

levanta de imediato a reação dos conformistas de toda espécie, já que é

ela (a experiência), a libertação dos prejuízos do condicionamento social

a que está submetido o indivíduo. A posição é, pois, revolucionária no

sentido total do comportamento – não se iludam, pois seremos tachados

de loucos a todo instante: isto faz parte do esquema de reação. A arte já

não é mais instrumento de domínio intelectual, já não poderá mais ser

usada como algo “supremo”, inatingível, prazer do burguês tomador de

whisky ou do intelectual especulativo: só restará da arte passada o que

puder ser apreendido como emoção direta, o que conseguir mover o

indivíduo do seu condicionamento opressivo, dando-lhe uma nova

dimensão que encontre uma resposta no seu comportamento. O resto

cairá, pois era instrumento de domínio.

Hélio Oiticica (In: Faria at al., 2009)

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Resumo

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a ação das organizações da sociedade civil no

âmbito da cultura e das artes, identificando as formas distintas de perfis institucionais existentes.

A partir de um contexto histórico no Brasil foi possível observar a existência de três eixos que

constituem parâmetros para o contexto da sociedade civil organizada e vinculada à área temática

da arte e cultura: as organizações que prestam serviços culturais; as que financiam projetos de

cultura; e aquelas vinculadas ao atendimento às populações e que oferecem oficinas de arte e

cultura. Na hipótese da existência de uma quarta vertente, que seriam as organizações que atuam

pelo direito à cultura, esta pesquisa debruçou-se na experiência da Ação Educativa – Assessoria,

Pesquisa e Informação. Fundada em 1994, propõe-se a trabalhar cultura e arte na perspectiva dos

direitos humanos, com foco nas manifestações artísticas produzidas nas regiões periféricas da

cidade de São Paulo, por sujeitos inseridos numa mobilização mais ampla, conhecida por “cultura

de periferia”. Para fundamentar a análise, partiu-se da compreensão da cultura para a

transformação social e do direito à cultura na sua totalidade: acesso, fruição, produção e criação

de bens culturais, utilizando, como referencial teórico, a noção de cidadania cultural apresentada

por Marilena Chaui, assim como o conceito de cultura, de Raymond Williams, em suas

dimensões de cultura popular, produzida e apropriada por sujeitos na vida cotidiana. O momento

é complexo para a sustentabilidade financeira e política das organizações da sociedade civil, que

têm sofrido ataques a sua idoneidade e dificuldade para a manutenção financeira dos seus

projetos. Sendo assim, é preciso que elas se reinventem. E, a aproximação com o contexto

cultural e das artes é uma forma de reinventar-se, de ampliar sua ação. O aumento dos programas

públicos culturais possibilitou essa aproximação e configurou-se como uma oportunidade. Tais

organizações surgiram da educação popular e do apoio aos movimentos sociais, e essa forma de

pensar está enraizada em sua forma de fazer. Direito à cultura, quando trabalhado nas

organizações, torna-se também espaço de luta contra as desigualdades e pela transformação social

e por um projeto novo de sociedade. Metodologia pressupõe uma análise multidisciplinar que

compreende a dimensão antropológica/cultural e política dos fenômenos. Estratégias de análise

estão centradas no mapeamento e incorporação das referências bibliográficas e na pesquisa de

campo.

Palavras-chave: Cultura. Direito à cultura. Sociedade Civil. Organizações da sociedade civil.

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Abstract

The aim of this research is to examine the actions of civil society organizations in the

cultural and artistic fields by identifying existing institutional profiles. Based on a historical

context, in Brazil, three categories have been identified within the context of organized civil

society working in the fields of art and culture – organizations that provide cultural services,

organizations that offer financial support to cultural projects and organizations that directly deal

with populations and offer art and culture workshops. Working on the hypothesis of a fourth

category, which would include organizations that develop actions related to the right to culture,

this research examined the experience of Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação,

which is an organization, stablished in 1994, whose work is guided by a human rights-based

approach to art and culture. The organization focuses on artistic expressions produced in low-

income neighborhoods of the city of São Paulo, which are part of a more comprehensive

movement known as cultura de periferia. This study is based on Marilena Chaui’s concept of

cultural citizenship, on the understanding of culture as a tool for social change and on the full

right to culture: access, fruition, production and creation. Raymond Williams’s concept of

culture, its dimensions of popular culture and culture is ordinary. This is a challenging moment

for civil society organizations with respect to their political and financial sustainability, since

their reliability is being questioned and they have been facing project-funding difficulties. In

view of this situation, they must reinvent themselves. And, certainly, getting connected with the

cultural and artistic fields is a way of both reinventing themselves and expanding their scope of

action. The increase in the number of cultural public programs has enabled this connection and

has become an opportunity. These organizations have emerged from popular education and from

the support to social movements; therefore, their actions are rooted in this way of thinking. In

addition, when organizations deal with the human right to culture, they become spaces that foster

the fight against social inequalities, as well as social transformation and a new project of society.

The methodology of this research is a multidisciplinary analysis of the facts in its political,

anthropologic/culture dimensions. Based on the bibliographic references and on the field research

as strategies of analysis, as realization of interviews and participation on some events organized

by Ação Educativa.

Keywords: Culture. Right to Culture. Civil Society. Civil Society Organizations.

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SUMÁRIO Introdução ................................................................................................................ .09 Capítulo 1 - Sociedade civil e Cultura ..................................................................... .19

1.1 Sociedade civil no Brasil ...................................................................................... .19

1.2 Cultura em movimento ......................................................................................... .28

1.2.1 Prestando serviços públicos de cultura............................................................... .30

1.2.2 Financiando projetos de educação e cultura ....................................................... .33

1.2.3 Ensinando artes e cultura ................................................................................... .38

1.3 Cultura e educação ............................................................................................... .50 1.4 Cultura, juventude e direitos ................................................................................. .53 Capítulo 2 - Do direito à cultura.............................................................................. .67

2.1 A propósito do conceito de cultura........................................................................ .67

2.2 Cultura como direito humano ............................................................................... .71

2.3 Exercício dos direitos culturais ............................................................................. .78

2.3.1 Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva................ .80

2.3.2 Programa de Ação Cultural - Proac.................................................................... .83

2.3.3 Programa para Valorização de Iniciativas Culturais - VAI ................................. .85 Capítulo 3 – Periferia no Centro.............................................................................. .93

3.1 Ação Educativa: história e características ............................................................. .93

3.1.1 Ponto de Cultura Periferia no Centro ................................................................. .97

3.1.2 Arte na Casa: oficinas culturais.......................................................................... 105

3.1.3 Pontão de Cultura .............................................................................................. 107

3.1.4 Estética da Periferia ........................................................................................... 108

3.2 Cultura de periferia............................................................................................... 112

3.3 Cultura, desigualdades e projeto político............................................................... 117 Considerações Finais................................................................................................ 122 Referências Bibliográficas........................................................................................ 126

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Introdução

No Brasil, a sociedade civil organizada teve seu embrião na luta contra a ditadura militar

durante os anos 60 e 70 com organizações que, naquele momento, eram ligadas, algumas, à Igreja

Católica e trabalhavam no apoio aos movimentos sociais e na defesa dos direitos humanos. Era

um período de ação quase clandestina em centros de direitos humanos e movimentos de educação

popular. Com o fim do regime militar e com a denominada “abertura democrática”, ao final dos

anos 1970 e início dos 1980 esses núcleos começaram a se institucionalizar e a se tornar

organizações laicas com apoio da cooperação internacional. Com o financiamento dessas

instituições internacionais, consolidaram-se como espaços de formação e capacitação para os

movimentos sociais e de acompanhamento do processo de abertura política na luta pelos direitos

humanos e pela consolidação da democracia.

Nos anos 1990, houve uma proliferação dessas organizações que se ramificaram por todo

o Brasil com diversos formatos, identidades e objetivos distintos. Surgiram novos perfis

institucionais. A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) é criada,

também, no início dos anos 90 com intuito de fortalecer essa gama de organizações existentes e

criar uma rede de ONGs que pudesse ser identificada como um único ator político com o seguinte

propósito: reunir organizações em defesa dos direitos e da consolidação de um estado

democrático brasileiro. O objetivo da Abong, na época, era separar tais organizações de uma

massa nomeada de “terceiro setor” que englobava um universo amplo de organizações,

fundações, institutos, etc. Entre essa gama, encontravam-se fundações ligadas às empresas e à

responsabilidade social criadas para o apoio a entidades e grupos sociais. Outras organizações

sociais emergiram como ramificações do Estado para o atendimento direto a serviços públicos.

Diferentemente, as organizações que fundaram a Abong eram formadas por pessoas

ligadas aos movimentos de “esquerda” no país, que lutaram pela redemocratização e pela

consolidação de um Estado que garantisse à população seus direitos básicos – sociais, ambientais,

educacionais, políticos, etc. Historicamente, organizações como essa nasciam dos movimentos de

educação popular e das comunidades eclesiais de base.

Atualmente, nos anos 2000, as organizações – diante de um contexto econômico e

também social, político e cultural bastante diferenciado das décadas anteriores – vêm enfrentando

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dificuldades com a retirada dos aportes financeiros ligados à cooperação internacional e sendo

questionadas na grande mídia, indicadas como possíveis espaços criados para o mau uso dos

recursos públicos e como eventuais aparelhos montados para a corrupção. Para Armani (2008),

tais circunstâncias exigiriam da sociedade civil organizada a necessidade de se reinventar. O

autor aponta quatro fatores do contexto atual que desafiam os movimentos sociais e as

organizações para a manutenção da sua sustentabilidade sociopolítica e financeira nos âmbitos

nacional e internacional. O primeiro deles é a necessidade de maior qualidade técnica e gerencial

para comprovar seus resultados políticos e sociais. As organizações precisam se estruturar

melhor, ter mecanismos de avaliação e monitoramento de suas ações e saber comunicar com

eficácia suas atividades para o público atendido, financiadores e sociedade como um todo. Ou

seja, é preciso melhorar os canais de comunicação, capacitação de equipe, entre outras questões.

O segundo fator diz respeito a constatação da diversificação do setor não governamental,

com a emergência de novos atores e novos espaços de ação e participação política. Pode-se dizer

que existe uma oportunidade: a de criar atores coletivos para o fortalecimento da luta política.

Espaços como o Fórum Social Mundial tornam-se oportunidades para essa ação coletiva e

fortalecimento da sociedade civil, a medida que, juntos, no coletivo, há mais forca de intervenção

política e escuta das lutas políticas.

O desafio de construir uma capacidade sólida de intervenção política em nível nacional e

internacional, ou “capacidade de lobby e de advocacy”, segundo Armani (2008:27), é o terceiro

fator que interfere o contexto atual.

E, por fim, o desafio de construir a sua própria sustentabilidade, dada a crise financeira

que muitas organizações têm vivenciado atualmente.

Para além dos esforços e das conquistas parciais de organizações singulares, é fundamental incidir sobre os fatores estruturais que limitam as possibilidades locais para a sustentação política e financeira de entidades. Um dos fatores estruturais a ser mais bem trabalhado é a necessidade de aprofundar a educação da sociedade brasileira para o apoio político, material e financeiro ao trabalho das ONGs e dos movimentos sociais como atores de desenvolvimento. Outro fator é o urgente estabelecimento de um marco regulatório que não somente valorize e legitime a construção autônoma dessas organizações do país como também possibilite o adequado financiamento público e assegure mecanismos fiscais e tributários que facilitem o apoio financeiro por parte de pessoas físicas e jurídicas. Por fim, é importante trabalhar junto aos gestores públicos e formadores de opinião no sentido de fortalecer a legitimidade dos movimentos sociais e das

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ONGs com uma abordagem de direitos como forças vitais no processo de construção da nação, do desenvolvimento e da democracia (Armani, 2008:28).

Traduzindo os aspectos apontados por Armani, comunicar para a sociedade brasileira

quem são, o que fazem e para que servem as organizações da sociedade civil é, hoje, fundamental

para sua própria sobrevivência. Isso, em um contexto controverso com constantes ataques à sua

idoneidade e poucos recursos disponíveis. As análises do pesquisador permitem uma

contextualização da atuação das organizações e movimentos nos dias atuais. Uma crise financeira

grave que tem obrigado a reinvenção institucional, como dito pelo autor, mas também uma

realidade complexa e difícil, que interfere nas ações cotidianas e numa constante “caça” de

recursos para manutenção das atividades.

Entre suas qualidades, as organizações podem ser importantes atores para a consolidação

de novos direitos. O autor destaca o papel dessas organizações no debate e aprovação da

Constituição de 1988, com a criação de novos direitos, como, por exemplo, o direito à

participação. No plano nacional, os acúmulos da pressão social exercida pelas organizações democráticas da sociedade civil desde o regime militar levaram à consagração de novos direitos sociais, econômicos e políticos na Constituição de 1988. Essa conquista de novos direitos, entre eles o direito à participação, abriu caminho para novas demandas por parte dos movimentos sociais, bem como projetou novos temas à agenda do desenvolvimento social do país (Armani, 2008:25).

Compreendendo, portanto, que a cultura é um direito humano e que as organizações da

sociedade civil são importantes atores para a consolidação de novos direitos, esta pesquisa passou

a indagar sobre quais seriam as organizações que pudessem trabalhar ações de cultura no espectro

dos direitos humanos. Em outras palavras, existem organizações que concebem cultura como

direito?

Cabe à esquerda “o trabalho da prática e do pensamento críticos, da reflexão sobre o

sentido das ações sociais e a abertura do campo histórico das transformações do existente”?

Chaui (2006:08) estabelece uma relação entre a esquerda e a cultura, olhando para a cultura como

espaço importante para esta reflexão e para o surgimento de novas formas de pensar, para a

ruptura com o que está estabelecido.

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O laço que une a esquerda e cultura é indissolúvel porque é própria da esquerda a posição crítica, visando à ruptura das condições estabelecidas, nas quais se reproduzem a exploração e a dominação, assim como lhe é próprio afirmar a possibilidade da justiça e da liberdade, isto é, da emancipação, por meio da prática social e política (Chaui, 2006:08).

A cultura seria, de acordo com Chaui (2006:8) o caminho para a emancipação, a

esperança racional na qual transparecerão as lutas de classe e as conformidades de uma

sociedade, espaço importante para transparecer os caminhos para a luta política; “é a capacidade

de decifrar as formas de produção social da memória e do esquecimento, das experiências, das

ideias e dos valores, da produção das obras de pensamento e das obras de arte” (Ibidem) a partir

das quais “surja um sentido libertário, com força para orientar novas práticas sociais e políticas

das quais possa nascer outra sociedade” (Ibidem).

Tal contexto reflete o modo como a cultura deve ser entendida, portanto não como lazer

ou consumo de bens culturais – ou mesmo como “arte” e “civilização”, expressão de uma

concepção ilustrada de cultura – mas como energia vital da sociedade que pulsa e se comunica

pelas manifestações culturais produzidas e apropriadas na vida cotidiana. Com base nas leituras

propostas por Chaui, seria um erro que a sociedade e, em particular, a esquerda não desse a

devida importância à cultura.

Internacionalmente, a Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência

e Cultura - procurou discutir a importância da cultura e das artes para os povos, organizando uma

Convenção sobre a diversidade cultural. Desse encontro, resultou a definição do que se entende

por diversidade cultural – “multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e

sociedade encontram sua expressão” (Unesco, 2005) – e a afirmação da necessidade de

resguardar essas manifestações “dos diversos modos de criação artística, produção, difusão e

distribuição e fruição das expressões artísticas” (Ibidem).

O Brasil ratificou a Convenção da Unesco, em 2007, que passou a indicar os princípios

para a atuação do Ministério da Cultura e a apresentar o desafio de criar políticas públicas que

pudessem assegurar a proteção das manifestações culturais dos povos e a participação dos

cidadãos como produtores, consumidores e usuários da cultura.

Chaui compreende que caberia ao Estado garantir o direito humano à cultura para todos os

cidadãos, a partir da garantia da produção, formação, experimentação, reflexão, informação e

comunicação relativa à cultura. Todos os cidadãos deveriam ter o direito a produzir,

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experimentar, refletir, comunicar e ter acesso a processos de formação e informação sobre a

cultura de um determinado país, estado ou município.

Todo esse contexto provocou em mim, autora desta dissertação, questionamentos que me

levaram a procurar respostas para certas indagações. Tenho atuado profissionalmente há mais de

10 anos no universo das ONGs, o que reflete questionamentos oriundos da minha experiência

profissional e da provocação de Chaui, que identifica uma relação intrínseca entre política e

cultura, mas, infelizmente, aponta que a “esquerda”1 ainda não havia percebido a importância da

cultura para a transformação social. Com essa inquietação, passei, portanto, a buscar

organizações que pudessem mostrar algumas experiências dentro dessa perspectiva, ou seja, que

trabalhassem, em suas atividades, a concepção de cultura como direito humano.

As análises preliminares apontaram que, em boa parte, as organizações tendem a trabalhar

com a cultura de forma mais instrumental, como ferramenta para a formação do público jovem,

e/ou de forma mais secundária, para a consolidação de outro direito, como, por exemplo, o direito

à educação, as atividades culturais eram propostas sob forma de alcançar um objetivo pedagógico

ou educacional, e não como experimentação artística. Normalmente, a maior parte das

organizações da sociedade civil que trabalha com o ensino das artes, concebe cultura como

espaço de formação em belas artes e nas linguagens artísticas, com maior foco na perspectiva da

arte-educação. Essa relação será discutida ao longo do capítulo 1, sendo o estudo de Lívia

Marques Carvalho sobre o ensino das artes em ONGs fundamental para a construção dos

argumentos ali apresentados. A autora revela que, mesmo nessas experiências, há uma concepção

de cultura como direito, porém ela não está evidenciada de forma institucional, mas, sim, no

cotidiano dessas instituições.

Foram muitos os motivos pelos quais escolhi me debruçar sobre o trabalho da Ação

Educativa2. Trabalhei por cinco anos na Abong, cujo escritório está alocado na sede da Ação

Educativa, e pude ali perceber e conhecer melhor essa organização e seu cotidiano. A Ação

1 Há aqui uma referência ao texto “Política Cultural”, indicado na bibliografia desta dissertação, em que a autora faz uma crítica aos dirigentes do Partido dos Trabalhadores, PT, por não darem o devido valor à cultura dentro das propostas de projeto político para o Brasil. 2 Adotaremos, aqui, a designação Ação Educativa, omitindo seus subtítulos, Assessoria, Pesquisa e Informação, para a Organização da Sociedade Civil em estudo, por ser, assim, mais conhecida e para tornar a leitura deste texto mais fluente.

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Educativa também fazia parte do contexto da Abong, na medida em que seus coordenadores

participavam da direção da Abong: Antonio Eleilson Leite foi diretor da regional São Paulo;

Sergio Haddad foi presidente e diretor executivo nacional; e, depois, Vera Maria Masagão

Ribeiro pertenceu à direção colegiada da Abong.

O que me intrigava é que, diferente do que encontrava nas demais associações que

conhecia, existia, ali, um programa específico de cultura, separado das suas demais áreas

institucionais, no caso as de juventude e educação. Ali, portanto, a cultura fazia parte do projeto

institucional e não somente era tratada como prática cotidiana, o que diferia das demais

organizações da sociedade civil (OSCs3) a que tive acesso durante esta pesquisa. Segundo

informações tiradas da página web da Ação Educativa, a área de cultura “se constitui a partir da

noção da cultura como direito e do exercício deste direito como ação política”. Isso, certamente,

difere de algumas das demais organizações pesquisadas.

A Ação Educativa foi fundada em 1994 e, de acordo com informações encontradas em

sua página web, tem como missão institucional “promover direitos educativo, culturais e da

juventude, tendo em vista a justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento

sustentável” (Ação Educativa, acesso em agosto de 2011). Tem sede na cidade de São Paulo, mas

atua também nacionalmente. Dados encontrados em sua página web afirmam que a instituição

acredita que a participação da sociedade em processos locais, nacionais e globais é o caminho

para a construção de um país mais justo. Por isso trabalha com a formação de grupos e a

assessoria nos bairros, escolas e comunidades com a atuação em articulações amplas, que

promovem a pesquisa e a produção de conhecimento, e também a intervenção nas políticas

públicas. São três eixos de trabalho - educação de jovens e adultos; juventude; e cultura - que se

subdividem em áreas de atuação que recebem esses mesmos nomes.

3 Vale aqui uma ressalva ao termo Organizações da Sociedade Civil (OSC) em contraponto à denominação Organizações Não Governamentais (ONG). A Associação Brasileira de ONGs (Abong), atualmente, tem utilizado mais o primeiro termo, com o intuito de positivar o nome dessas entidades (enfatizando-as como parte da sociedade civil e não pela negação ao “governamental”). Apesar de conter na sua designação o termo ONG, considera-se que OSC é mais apropriado e evidencia o que essas organizações realmente são – parte da sociedade. Com base nesta premissa, tomo a liberdade de usar o termo OSC ao longo deste texto e ONG somente em citações ou por uma alguma demanda cronológica e histórica.

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O intuito desta pesquisa foi contrapor as ações culturais promovidas pela OSC em relação

à perspectiva de Marilena Chaui, sobre cidadania cultural, e às concepções sobre cultura

debatidas ao longo desta dissertação. Pretende-se proceder a uma análise relacionada a essas

ações e verificar se estas garantem acesso, fruição e produção das linguagens culturais, sob uma

concepção de cultura como direito. Outra relação que me intrigou no objeto de pesquisa refere-se

a articulação entre juventude, cultura e educação, que constituem as três áreas institucionais da

Ação Educativa.

Tomando-se por base o levantamento bibliográfico sobre a temática feito via sistemas

integrados de bibliotecas e em informações disponíveis no Google acadêmico, foi possível

identificar que existem diversos trabalhos sobre jovens/juventude, políticas públicas culturais,

cultura e ação política, porém não foram encontradas análises que estabeleçam a inter-relação

entre direito à cultura e a ação das ONGs.

A pesquisa bibliográfica foi importante para identificar autores com os quais

dialogaremos, em particular, com Marilena Chaui, Helena Wendel Abramo, Marília Esposito e o

projeto Jovens Urbanos4. A pesquisa de Lívia Marques Carvalho, “O ensino das artes em

ONGs”, como dito anteriormente, tornou-se um aporte crucial para elucidação deste trabalho. No

campo da cultura, foram importantes os trabalhos de Heloisa Buarque de Hollanda, Jose

Guilherme Magnani e Erica Peçanha do Nascimento, pesquisadores que têm refletido acerca da

cultura realizada nas regiões de periferia nas cidades do Brasil – a cultura de periferia.

Com base no referencial teórico e em informações sobre o contexto da sociedade civil

organizada, podem-se identificar três eixos relacionados ao debate arte e cultura: (1) as

instituições sem fins lucrativos que prestam serviços públicos de cultura por meio de

organizações sociais (OS) ou organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips); (2) as

fundações empresariais que financiam projetos de cultura, sociais e educacionais; e (3) as

organizações da sociedade civil vinculadas ao atendimento às populações adolescentes e jovens

em situação de risco e que oferecem oficinas de arte e cultura, identificadas por Carvalho (2008)

numa perspectiva analítica sobre arte-educação. 4 Grupo de pesquisa da Pontifícia Universidade Católica, que existe desde 2002, cujo objetivo é “analisar práticas políticas juvenis no Brasil, em especial na cidade de São Paulo, e considerar que ações culturais respondem pelo desafio da constituição de novas práticas políticas juvenis na contemporaneidade”. Disponível em www.pucsp.br/projetojovensurbanos, acesso dia 23 de março de 2013.

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Apesar da existência desses três eixos de ação social dentro da área da cultura, ressalta-se

que são vertentes que não se contrapõem. É possível encontrar exemplos de instituições que

trabalham mais de uma vertente. Para tanto, não se pode analisar tais eixos como excludentes,

mas sim como formas de compreender a arte e a cultura como referências nos projetos dessas

instituições e, portanto, do ponto de vista da sociedade civil. Durante a pesquisa de campo

desenvolvida nesta investigação, foi possível observar essas intersecções ao analisar o trabalho da

Ação Educativa, em particular, o programa de cultura dessa instituição. Ali, diversas concepções

de cultura – cultura pensada como um direito humano e o ensino da arte para o público jovem,

com o trabalho em arte-educação convivem e dão luz ao trabalho realizado.

O trabalho aqui apresentado pressupõe uma análise multidisciplinar que compreende a

dimensão antropológica/cultural e política dos fenômenos. As estratégias de análise estão

centradas no mapeamento e incorporação das referências bibliográficas e na pesquisa de campo,

que constará de observação etnográfica e realização de algumas entrevistas em profundidade.

Cabe ressaltar que a participação em muitos eventos e seminários promovidos pela Ação

Educativa ou por seus parceiros permitiu-me colher depoimentos sobre o objeto de estudo desta

dissertação.

Outra consideração a ser feita é que a Ação Educativa é uma instituição grande e que

publica diversos documentos e livros; seu site institucional tornou-se uma fonte importante para a

coleta informações. Além disso, a presença constante no espaço e nas atividades promovidas por

ela permitiu-me conhecer os diversos coletivos culturais que são parceiros ou foco do trabalho da

instituição em questão.

Conforme dito e já aplicado ao longo desta introdução, a dissertação teve como referência

teórica algumas pesquisas acadêmicas com base na reflexão sobre cultura, em particular a obra de

Marilena Chaui e algumas experiências publicadas também na área da cultura. Apesar dos

avanços na legislação, como a consolidação de políticas culturais, caso do Programa de

Valorização de Iniciativas Culturais (VAI) da Secretaria Municipal de São Paulo e do Programa

de Ação Cultural (Proac) do Estado de São Paulo, pode se dizer que ainda não é possível

identificar se essas políticas possibilitam a emancipação do cidadão como sujeito de direito à

cultura. Todavia são experiências públicas que devem ser indicadas como referência para o

debate sobre a cultura como direito humano.

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Foi referência, também, a produção de conhecimento realizada pelas próprias OSCs aqui

analisadas e de algumas redes da sociedade civil como as publicações produzidas pela

Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e pelo Grupo de

Fundações, Institutos e Empresas (GIFE).

Esta dissertação distribui-se em três capítulos.

O primeiro, Sociedade Civil, arte e cultura, aborda o histórico da sociedade civil

organizada no Brasil e seus perfis institucionais. Informações do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE) apontam a existência de cerca de 340 mil entidades sem fins lucrativos. Os

dados são de 20055 e demonstram uma vida associativa pujante no país. Com base nesse

levantamento, foi possível identificar que, desse universo, 14% das entidades trabalham com área

temática cultura e recreação. Partindo desse montante e dos censos publicados pelo Gife e pela

Abong sobre sua base associativa, foi possível identificar quais os possíveis perfis institucionais

que trabalham com arte e cultura no Brasil na esfera da sociedade civil. Esta dissertação

classificou três formas de atuação da sociedade civil com foco em cultura:

a) as organizações sociais criadas como ramificações do setor público para prestar

serviços em cultura, caso da Associação Amigos da Pinacoteca, que gerencia o Museu e as

atividades da Pinacoteca além dos recursos financeiros destinados a ela. Outro exemplo é

Associação Santa Marcelina Cultura, que é responsável pela Escola de Música do Estado de São

Paulo - Tom Jobim.

b) Fundações ou institutos ligados às empresas, que financiam projetos culturais e que

atendem populações oferecendo oficinas de cultura. Muito próximos do perfil dos membros

associados ao Gife.

c) Organizações que ensinam arte, muitas com o atendimento a populações em situação de

pobreza e ao público adolescente.

Por fim, e como proposta singular desta dissertação, foi estabelecido um quarto perfil, no

qual se encaixa o objeto de pesquisa e que se refere às organizações que atuam no direito dos

cidadãos à cultura.

5 O IBGE lançou em dezembro de 2012, uma nova pesquisa atualizada sobre o universo das OSCs no Brasil. Infelizmente, não foi possível utilizar estas informações nessa dissertação por falta de tempo hábil para tabulação e análise dos dados.

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O segundo capítulo, Do Direito à cultura, analisa as experiências públicas que traçaram

uma linha sobre o que se entende por direito à cultura no Brasil. Discute-se a experiência de

Mário de Andrade no poder público e a de Marilena Chaui, como Secretaria Municipal de

Cultura, nos anos 90. O foco de análise foi o conceito de cidadania cultural de Marilena Chaui e

algumas ações culturais públicas que poderiam ser consideradas possíveis sucessoras da proposta

de Chaui. Com base nas experiências apontadas, trabalhou-se com a hipótese de que o direito à

cultura não deveria ser entendido somente como o acesso aos bens culturais, mas também como a

capacidade de todo cidadão de produzir e fruir a cultura. Acesso à cultura não é o único direito

que têm as populações: é importante também que se assegure o direito à produção a apropriação e

o uso cultural. As reflexões deste capítulo estabelecem, ainda, diálogos com teóricos como

Hannah Arendt e Raymond Williams.

Por fim, o último capítulo, Periferia no Centro, aborda o trabalho da área de cultura na

Ação Educativa, a fim de trazer algumas reflexões mais amplas sobre a atuação das organizações

da sociedade civil nas artes e cultura. São apresentados os quatro programas realizados pela

organização dentro da área de cultura: Ponto de Cultura Periferia no Centro; Pontão de Cultura;

Arte na Casa; e Estéticas da Periferia. São projetos distintos, mas que têm como pano de fundo a

cultura de periferia e a valorização de suas manifestações culturais e de seus produtores.

Pode-se dizer que a escolha por linguagens artísticas desenvolvidas por produtores

culturais “da periferia” de São Paulo permite o diálogo com a crítica à dicotomia feita por Chaui

entre centro e periferia. Conhecido por cultura de periferia, este movimento artístico abrange

artistas e grupos culturais de diversas regiões da cidade de São Paulo e busca uma relação mais

positiva com as regiões periféricas da cidade. Nascimento (2009) aponta que tal denominação

tem sido usada pelos próprios produtores culturais da periferia, e tem sido, ao mesmo tempo, uma

identidade e uma maneira de abrir espaço para um certo nicho dentro do mercado cultural. Tal

movimento cultural é, também, foco de atuação da OSC pesquisada, Ação Educativa.

No que tange ao direito à cultura, a OSC não pôde perder de vista a relação intrínseca

entre cultura e geração de renda e combate à pobreza, pois não se pode esquecer que, muitas

vezes, a produção cultural se torna uma alternativa profissional para algumas pessoas. E cabe

ainda ressaltar que essa mesma produção cultural pode estar relacionada à ação política desses

produtores e à sua intervenção na cidade e nos seus bairros de origem ou moradia.

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Capítulo 1 - Sociedade civil e Cultura

1.1 Sociedade civil no Brasil

Para compreender o universo em que a sociedade civil organizada tem assumido o debate

sobre arte e cultura, é importante, antes, fazer um breve recorrido de como nasceram as

organizações da sociedade civil (OSCs6) no Brasil e de como elas estão contextualizadas dentro

das mudanças sociais e políticas da sociedade ao longo desses anos. Este capítulo tratará de

analisar alguns eixos em que se estruturam as propostas e o trabalho da sociedade civil

organizada na área da cultura, com intuito de reafirmar a hipótese, que marca a singularidade

desta dissertação: da existência de um quarto eixo analítico – o que compreende a cultura como

direito humano. Essas vertentes são, também, fruto da história e da identidade de cada

organização, que marcam suas formas de ação e sua compreensão da realidade. É um fenômeno recente, crescente, universal e particularmente característico da sociedade brasileira. Uma presença que pode incomodar interesses constituídos e que tem provocado um também crescente movimento de desqualificação das ONGs e de controle político sobre sua atuação. Nada de novo na nossa história. Sob a lógica de que é hora de separar o joio do trigo, o que se espera é que o joio não se confunda com a semente, aquele que brota a dissensão ante interesses e verdades constituídas (Sergio Haddad, FSP, 25/07/2001).

Segundo a citação acima, “ [a sociedade civil organizada] é um fenômeno recente,

crescente e universal”, portanto ainda há muito que ser pesquisado e conhecido sobre a atuação

da sociedade civil no país.

Com base na análise de Rosangela Dias O. Paz (ABONG, 2005), que faz um mapeamento

sobre a produção discente voltada para a sociedade civil no Brasil e suas formas de ação e

6 Vale aqui uma ressalva ao termo Organizações da Sociedade Civil (OSC) em contraponto à denominação Organizações Não Governamentais (ONG). A Associação Brasileira de ONGs (Abong), atualmente, tem utilizado mais o primeiro termo, com o intuito de positivar o nome dessas entidades (enfatizando-as como parte da sociedade civil e não pela negação ao “governamental”). Apesar de conter na sua designação o termo ONG, considera-se que OSC é mais apropriado e evidencia o que essas organizações realmente são – parte da sociedade. Com base nesta premissa, tomo a liberdade de usar o termo OSC ao longo deste texto e ONG somente em citações ou por uma alguma demanda cronológica e histórica.

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institucionalização7, ao longo dos últimos anos, muitos pesquisadores têm se dedicado a estudar a

temática da sociedade civil. São diversos estudos que já acumulam uma produção reconhecida,

multidisciplinar e transversal. O debate sobre o papel da sociedade civil ganhou força a partir dos

anos 1970, ainda período de repressão militar, mas também de muita pujança frente à luta pela

democracia no país. Naquele momento, a centralidade da ação dessas entidades era acompanhar a

organização dos diversos segmentos, apoiando os movimentos sociais, suas reivindicações e a

demanda por defesa de direitos nos diferentes contextos. Nos anos 1980, as pesquisas acadêmicas

sobre o papel da sociedade civil focaram a identificação dos diversos atores sociais, sujeitos

coletivos e movimentos sociais que tinham por objetivo a defesa de um determinado projeto

político frente à nova ordem política pós-ditadura. O foco era conhecer e identificar os

movimentos e organizações existentes no país e seus aspectos e processos históricos. A partir dos

anos 1990, os vários estudos sobre a sociedade civil no Brasil deslocaram-se para a inclusão dos

atores nos espaços públicos, para a participação social como direito e para a relação desses atores

com o Estado. No entanto, os perfis institucionais e propósitos políticos de toda essa produção

são bastante diferentes e precisam ser compreendidos dentro de sua historicidade. Para Paz

(2005:15), Observa-se também que os estudos recentes têm demonstrado certa dificuldade de compreender as diferenças, especificidades e relações entre ONGs, movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil, geradas pelo processo histórico de institucionalização na sociedade brasileira.

Para tanto, é preciso distinguir os diversos perfis institucionais existentes dentro da

chamada “sociedade civil brasileira”. As organizações surgiram com propósitos distintos dos das

fundações empresariais, que também se contrapõem aos das entidades filantrópicas e religiosas.

7 Na obra Organizações não-governamentais: um debate sobre a identidade política das associadas à Abong. ABONG, São Paulo, 2005. Rosangela Dias O. da Paz utilizou-se de diversos autores que são referência nos estudos sobre a sociedade civil brasileira. Para esse mapeamento, foram indicadas as seguintes leituras: LANDIM, Leilah. A invenção das ONGs: do serviço invisível à profissão sem nome. Doutorado, UFRJ, Rio de Janeiro, 1993. ______. Sem fins lucrativos: as organizações não governamentais no Brasil, ISER, Rio de Janeiro, 1988. LAVALLE, Adrian Gurza. “Sem pena nem glória: o debate sobre a sociedade civil nos anos 1990. Novos Estudos, São Paulo, Cebrap, n. 66, 2003. HADDAD, Sergio (Org). ONGs e Universidades: desafios para a cooperação na América Latina. São Paulo: Abong/Peiropolis, 2002.

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O universo do “terceiro setor” é amplo e controverso e, por isso, há a necessidade de “separar o

joio do trigo” e de entender melhor a que vieram e para onde vão.

O lugar que a expressão “terceiro setor” ocupa hoje no imaginário social produz, por si só, efeitos políticos bastante problemáticos, dando margem, intencionalmente ou não, a enormes confusões. É o que acontece quando alguns(mas) de nossos(as) interlocutores(as) se propõem a atribuir ao terceiro setor a natureza de um ator político capaz de desenvolver um posicionamento próprio, produzindo assim um amálgama incongruente de pelo menos três universos distintos de organizações da sociedade civil – as ONGs, as entidades de assistência social e as fundações empresariais – que se caracterizam por histórias, trajetórias e identidades políticas inteiramente diversas, marcadas por profundas diferenças do ponto de vista de uma questão central para os fins deste debate, que é a questão da relação entre sociedade civil e Estado no Brasil (Durão, Jorge Eduardo, IN Paz, 2005:3).

O conceito de “terceiro setor” nasceu relacionado à tradição norte-americana dentro de

uma concepção de que a sociedade é divida em setores que são desconectados entre si. Estado,

sociedade e mercado são, portanto, zonas impenetráveis; e a nação ficaria a cargo do poder

público; do poder privado, o mercado; e da sociedade, a sociabilidade. O termo terceiro setor não

considera as diferenças e as relações existentes entre cada campo, diluindo, portanto, a ideia de

conflito ou contradição sendo a ação da sociedade uma resposta às ações do mercado e do Estado,

e não um espaço estanque e apolítico. “As fronteiras entre sociedade civil, Estado e mercado são

resultado de um movimento de história e, portanto, não podem ser estabelecidas a priori, com

rigidez, como se não houvesse influências e interfaces” (Paz, 2005:19).

Sociedade civil organizada, no Brasil, compreende um núcleo de diversos atores e

instituições presentes no cenário nacional há muitas décadas e com histórias e institucionalidades

particulares. Essas diferenças são encontradas, principalmente, em relação a seus objetivos,

projetos, formas de organização e estratégias de ação (Paz, 2005). As organizações não

governamentais diferem dos movimentos sociais, das associações comunitárias e da filantropia

empresarial, e a compreensão delas é determinante para entender o universo da sociedade civil.

“Terceiro setor” é um termo que não abarca toda a especificidade da sociedade civil brasileira e

das organizações que a compõem, mas, nem por isso, não se deva reconhecer a existência desse

número de organizações e as relações existentes entre elas.

Fundamentada nos argumentos de Paz (2005), esta dissertação tomará como base a

utilização do conceito de sociedade civil e sociedade civil organizada por considerar tais termos

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mais indicados para os argumentos apresentados ao longo deste texto. O termo terceiro setor será

utilizado somente quando em caráter de citação ou necessário à compreensão de alguma

passagem.

A primeira referência ao termo ONG – organização não governamental – surgiu no

contexto das Nações Unidas, nos anos 40, para identificar a atuação da sociedade civil após a

Segunda Guerra Mundial. O termo ONG é uma classificação que possui um sentido político e

social, pois não existe uma definição jurídica para ele; desse ponto de vista, as ONGs não existem

como entidade jurídica ou legal. O conceito de ONG é, portanto, baseado num histórico político e

social. Para Pereira (2003:24),

O termo ONG, portanto, não existe legalmente e conforma-se como um conceito que vem sendo socialmente construído e difundido, no Brasil, desde os anos 1970, voltado para definir entidades que, tanto no cenário internacional quanto nacionalmente, vêm ganhando projeção social e política.

No Brasil, o termo começou a ser usado em 1980 e 1990, no contexto da

redemocratização política, mas muitas organizações já existiam ou tiveram seu embrião semeado

nos anos 1960. Ligadas à educação popular, em proximidade com a Igreja Católica e as

comunidades eclesiais de base, a característica principal dessas entidades era a assessoria técnica

aos movimentos sociais e comunitários, realizando um trabalho paralelo ao Estado, por conta da

repressão política. A ação tinha por fim a formação política dos movimentos e a luta pela

democracia e a resistência ao poder militar.

Pode-se dizer que as primeiras ONGs surgiram imbricadas com os movimentos sociais, com as organizações de trabalhadores(as) que resistiam ao regime ditatorial, em sintonia com sua dinâmica e com um projeto político de fortalecimento da sociedade civil e de defesa dos direitos sociais, com ênfase nos trabalhos de educação popular (Paz, 2005:16).

Bentes e Nogueira (2010), em pesquisa sobre a atuação de ONGs na cidade de Recife,

Pernambuco, apontam para algumas características na ação dessas organizações ao longo da

história do Brasil. Sobre os anos de ditadura, entre 1964 e 1988, os autores afirmam: “destacam-

se neste período as ações de resistência ao regime ditatorial, com lutas pelo restabelecimento do

Estado democrático no país”.

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A abertura política trouxe maior liberdade para a ação dessas entidades e a

institucionalização de alguns grupos. Muitas instituições passaram a ver o Estado não mais como

opressor, mas como um possível parceiro. Houve necessidade de um acompanhamento na

construção das políticas públicas e na consolidação do Estado de direito. Então, a partir dos anos

80, no período de 1988 a 2008, abordaram-se “as ações das organizações com ênfase nas redes de

participação e proteção social, no marco regulatório, na proposição de políticas públicas [...]”

(Bentes e Nogueira, 2010:42). Entidades passaram a ter uma ação mais voltada para o controle

social e a participação da esfera pública. Isso se configurou com o fim da ditadura militar e a

formação do estado democrático, momento em que foi possível, legalmente, a participação cidadã

nos processos sociais, políticos e econômicos do país e a possibilidade de os indivíduos se

associarem coletivamente para diversos fins. As diversas formas de participação da sociedade civil geraram frutos. Uma das conquistas mais importantes foi a construção de uma nova postura da sociedade civil, ou seja, o aumento progressivo da percepção de que temos direito de participar das questões que nos dizem respeito. A ampliação de espaços participativos influenciou a Assembleia Constituinte, na elaboração da Carta de 1988. Esta, em que pesem algumas imperfeições, não foi uma concessão, mas fruto de lutas e mobilizações de vários setores organizados da sociedade civil e política, de diferentes tendências ideológicas. A consciência de poder intervir na esfera pública foi um dos saldos mais positivos desse período (Carvalho, 2008:27).

A Constituição Federal garantiu o direito à associação e a autonomia associativa, como

parte dos diretos e garantias fundamentais de todo cidadão. São deveres e direitos individuais e

coletivos, a “criação de associações, e, na forma de lei, a de cooperativas (que) independem de

autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”8. Com o direito

estabelecido, a sociedade civil tomou corpo e as organizações participaram mais ativamente da

construção do estado de direito e da consolidação da democracia no país.

A participação social é uma demanda, de longa data, dos movimentos sociais e tornou-se

uma conquista com a constituição de 1988. Tais grupos defendiam que a democracia

representativa não era suficiente para garantir a democracia plena no país, portanto a sociedade se

mobilizou para exigir a criação de mecanismos de controle social frente às políticas públicas e a

participação da sociedade na sua formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e

8 Capítulo 1, artigo 5, XVIII

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financiamento. Em artigo publicado em 2005, Moroni e Cicconelo apresentam o histórico dessa

luta.

No Brasil, sempre ocorreram movimentos de resistência à dominação e à apropriação do espaço público e do Estado por interesses privados. Nos anos recentes, especialmente a partir do final da década de 1970 e início dos anos 1980, o movimento social retomou, com mais ênfase, a questão da democratização do Estado, debatendo a seguinte questão: que mecanismos são necessários para democratizar o Estado e torná-lo realmente público? Isso significava criar estratégias e propostas para além da garantia da efetivação de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, permitindo e assegurando a participação popular efetiva nas políticas públicas e em todas as decisões de interesse público (Cicconelo e Moroni, 2005:32).

A Constituição de 1988 avançou em algumas demandas da sociedade e regulamentou

diretrizes para estruturar espaços públicos institucionais de democratização e controle social. A

implementação de conselhos de políticas públicas e a realização das conferências são dois

exemplos de mecanismos de democracia participativa. É um sistema descentralizado e

participativo de espaços políticos de representação. Cicconelo e Moroni argumentam, ainda, que

não devem ser confundidos com a democracia representativa, é um complemento a ela para

garantir uma sociedade plenamente democrática.

São espaços políticos instituídos por representação de entidades governamentais e não-governamentais, responsáveis por elaborar, deliberar e fiscalizar a implementação de políticas, estando presentes nos âmbitos municipal, estadual e nacional. Dessa forma, inauguram uma nova concepção de espaço público ou mesmo de democracia. Por sua vez, a legitimidade da democracia participativa fundamenta-se no reconhecimento da importância da construção do espaço público de conflito/negociação. Por isso, amplia os processos democráticos, não atuando em substituição ou oposição à democracia representativa (Cicconelo e Moroni, 2005: 33).

As organizações da sociedade civil tiveram papel importante na aprovação de leis e na

formulação da Constituição de 88. Um exemplo de mobilização da sociedade civil foi a

participação social dentro dos espaços de definição de políticas e de sua implementação.

As organizações tiveram papel destacado na aprovação do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), através da mobilização e participação do Fórum Nacional de Entidades Não-

Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) que, durante

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a preparação da Constituição brasileira, recolheu mais de seis milhões de assinaturas para garantir

a criação de um artigo que estabelecesse os direitos humanos de meninos e meninas na

Constituição Federal de 1988. Além disso, depois, atuou na promulgação da Lei 8.069 do

Estatuto. Em 13 de julho de 1990, com base na lei 8.069, foi promulgado o (ECA), no qual, são

identificados os direitos e sistemas de proteção da população infanto-juvenil, além dos deveres do

Estado, da família e da sociedade para garantir sua execução.

Conforme mencionado no início deste capítulo, um amplo debate sobre sociedade civil

organizada no Brasil tem sido fruto de pesquisas acadêmicas e do debate público. Para além das

pesquisas acadêmicas, as próprias organizações, agregadas por redes e associações, têm

produzido alguns estudos sobre o campo não governamental no Brasil, sua identidade,

características, missão. A Associação Brasileira de ONGs (Abong) e o Grupo de Instituições,

Fundações e Empresas (Gife) vêm produzindo materiais sobre o campo, como pesquisas

quantitativas e qualitativas por meio de censos publicados regularmente. Produzem, também,

documentos de análises e notas públicas sobre temas como financiamento, áreas temáticas e

público atendido.

Nos meios de comunicação e no poder público, as OSCs foram alvo de denúncias de mau

uso dos recursos por conta dos repasses de financiamento público. Há um amplo debate sobre o

caráter jurídico dessas entidades e seu papel como realizadoras de algumas políticas públicas não

atendidas pelo Estado. Foram, também, alvo de investigações policiais através da implementação

de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, denominada CPI das ONGs9. Apesar dessa inserção

na mídia e no debate público, a compreensão sobre o universo da sociedade civil organizada

ainda é difuso e incerto.

Dos anos 90 para cá, observa-se um aumento das entidades da sociedade civil. As

informações coletadas apontam para um crescimento vertiginoso dessas organizações, de 157%,

entre os anos de 1996 a 2002 (Carvalho, 2008:24). O Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) demonstra que a vida associativa no Brasil tem aumentado; basta observar a

9. A Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI das ONGs - foi instalada em 03 de outubro de 2007 e tinha por objetivo “apurar a liberação, pelo Governo Federal, de recursos públicos para organizações não governamentais (ONGs) e para organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs), bem como a utilização, por essas entidades, desses recursos e de outros por elas recebidos do exterior”. Foi encerrada em 01 de novembro de 2010. Disponível em www.inesc.org.br, acesso dia 19 de setembro de 2012.

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quantidade de organizações existentes, o número de pessoas empregadas pelo setor e o volume de

recursos utilizados. O IBGE fez, sem dúvida, a maior e mais representativa das pesquisas

quantitativas sobre o universo das Fundações e Associações privadas sem fins lucrativos (Fasfil).

O levantamento contou com a parceria do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), da

Abong e do Grupo de Instituições, Fundações e Empresas (Gife).

A pesquisa Fasfil foi feita com base em dados do cadastro de Empresas (Cempre) de

200510 e teve por objetivo construir dados estatísticos que fossem comparáveis

internacionalmente. Para isso, as entidades deveriam atender a uma proposta de classificação que

as submetia às seguintes categorias classificatórias: serem privadas; não distribuírem eventuais

excedentes; serem voluntárias; possuírem capacidade de autogestão e serem institucionalizadas.

A pesquisa ocupou-se em descrever procedimentos metodológicos, definição, classificação e

identidades dessas instituições, além de dados quantitativos, como localidade, tempo de

existência, porte, atividade desenvolvida, número de empregados e sua remuneração.

Foi identificada a existência de 338.162 entidades no Brasil, sendo 8228 (2,4%)

fundações privadas e 329.934 (97,6%), associações sem fins lucrativos (IBGE, 2005)11. Essas

entidades contrataram, no ano de 2004, como assalariadas, 1709.156 pessoas e, quando somado a

outras formas de contratação, esse número cresce para 24.317.448, sendo a média salarial de 3,8

salários mínimos. Dentro das fundações empresariais, esse valor passa para 4,8 salários, enquanto

nas associações há um recuo para 3,7 salários. As entidades estão classificadas em dez áreas

temáticas: habitação, saúde, cultura e recreação, educação e pesquisa, assistência social,

religião, associações patronais e profissionais, meio ambiente e proteção animal, desenvolvimento

e defesa de direitos, e outras instituições. A maior parte dessas instituições está sediada em São

Paulo e no Rio de Janeiro. Há uma concentração dessas instituições no sudeste do Brasil, com

42,4% do total de fundações e associações sem fins lucrativos, seguido do Nordeste, com 23,6%,

do Sul, com 22,7%, do Norte, com 7%, e do Centro-Oeste, com 6,4%.

10 Cempre – Cadastro Central de Empresas constitui acervo de dados sobre Empresas e outras organizações formais existentes no Brasil, reunindo informações cadastrais e econômicas oriundas de pesquisas anuais do IBGE. Fonte: www.ibge.gov.br acesso dia 20 de setembro de 2012. 11 Uma nova pesquisa Fasfil foi publicada em dezembro de 2012, porém, apesar de esta dissertação ter sido entregue depois disso, não foi possível esperar sua publicação para apresentar os dados, por isso será utilizada, aqui, a pesquisa Fasfil de 2005.

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A Abong foi parceira do IBGE na construção dessa pesquisa e publicou algumas reflexões

sobre as informações compiladas na pesquisa Fasfil. Em texto publicado em sua página web, a

respeito da Fasfil, ressaltou algumas constatações baseadas nos dados colhidos, das quais podem

ser destacadas as seguintes: (i) a pesquisa demonstra a heterogeneidade do associativismo

brasileiro; (ii) a média salarial dos empregados nesse setor é baixa, cerca de 3,8 salários mínimos

por mês, e o setor emprega cerca de 1,7 milhão de trabalhadores assalariados; (iii) com relação à

distribuição regional, houve um aumento das organizações no Nordeste e a maior concentração

está no Sudeste; (iv) nota-se aumento das organizações classificadas como de “defesa de direitos

e de interesse dos cidadãos”; (v) são organizações relativamente novas, em média possuem doze

anos de existência; (vi) verifica-se um aumento do número de organizações ligadas a igrejas e

grupamentos religiosos; (vii) os dados apontam, também, um crescimento do agrupamento de

cultura e recreação.

Aqui será adotada a descrição da Fasfil para o entendimento do universo da sociedade

civil no Brasil, que abarca as organizações da sociedade civil, as fundações empresariais e as

entidades religiosas. Esta última não será discutida, por não serem identificadas como de

interesse desta dissertação.

Os movimentos sociais são, sem dúvida, atores sociais de extrema relevância dentro da

sociedade civil e fundamentais para o surgimento das ONGs, na medida em que essas

organizações nasceram para apoiar os movimentos sociais nas suas lutas e para formar seus

dirigentes políticos. Porém não será abordada, aqui, profundamente, a ação desses movimentos.

As organizações da sociedade civil têm, em grande medida, a relação com os movimentos e a

assessoria a eles como base de sua identidade institucional e política, mas, a partir dos anos 90, já

se constituíram como atores sociais particulares e não somente de forma relacional a eles. Nesse

mesmo período, a busca por alianças e uma ação em redes e fóruns aproximou mais OSCs e

movimentos sociais, que se uniram em redes temáticas e/ou fóruns de defesa de direitos, caso,

por exemplo, do Fórum Nacional de Defesa da Criança e do Adolescente ou do espaço do Fórum

Social Mundial, como espaço de encontro e de articulação da sociedade civil.

Os movimentos sociais não são institucionalizados e, por isso, não aparecem em censos

como os da Fasfil, tampouco participam de associações como Gife ou Abong. Os movimentos

sociais pautam-se mais nos temas de luta e de mudanças sociais e não estão totalmente

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institucionalizados, apesar de que muitos criam suas próprias organizações para poder captar

recursos e viabilizar seus projetos, o que é legítimo (Paz, 2005). Para a autora Rosangela Paz, a

diferença desses atores está na sua representatividade.

Uma diferença significativa entre ONGs e movimentos sociais diz respeito à sua representatividade. Os movimentos sociais têm uma base social que lhes atribui representatividade e legitimidade. Já as ONGs não representam ninguém, mas têm uma legitimidade construída por suas ações e propostas. Muitas ONGs têm origem semelhante à dos movimentos sociais, mas vão-se diferenciando nas formas de organização, nos graus de institucionalização, nas estratégias de luta. (Paz, 2005:17)

A autora conclui que os movimentos sociais e organizações da sociedade civil devem ser

entendidos como complementares, apesar das tensões e, por vezes, disputas por conta de recursos

financeiros disponíveis, do espaço na área pública de debate e por posições e divergências

políticas.

Entendemos que os movimentos sociais e ONGs não são concorrentes. São, sim, complementares e sujeitos políticos diferentes que somam esforços na construção de uma nova cultura política, cidadã e democrática (Ibidem).

1.2 Cultura em movimento

No levantamento feito pela Fasfil, 14% do total, que abarca o montante de 46.999

entidades, possuem como área temática principal cultura e recreação. Destas, 1.188 são

fundações privadas - 2,5% do campo das de cultura e recreação - sendo subdivididas entre

cultura - 950 entidades - e esporte e recreação - 238. No campo das associações sem fins

lucrativos, que abrangem 97,5% do total, ou seja, 45.811 entidades, há uma inversão na

distribuição dessas entidades. A maior parte delas atua na área temática de esporte e recreação -

31.965 - e o restante - 13.84 -, na área de cultura e arte.

É um universo bastante amplo que não pode ser desconsiderado e que comporta 14% das

entidades sociais no Brasil (lembrando que, dentro desse escopo, encontram-se as entidades

voltadas para as áreas temáticas de cultura e também de esporte). É, portanto, um número

bastante significante.

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Com o intuito de aprofundar as informações lançadas pelo IBGE e tentar extrair algumas

concepções sobre como compreendem a cultura dentro de suas instituições e a forma como ela é

vista e trabalhada, esta dissertação fará uma análise das informações censitárias das bases de

dados do Gife e da Abong. Os censos das redes Abong e Gife foram essenciais para que fosse

possível fazer uma leitura sobre esse universo e identificar algumas questões. Esta análise pauta-

se, também, em algumas pesquisas acadêmicas que analisaram a ação da sociedade civil no

campo da cultura. Não se pretende, aqui, delimitar os formatos institucionais, nem áreas

temáticas que consolidam as entidades de cultura, mas, sim, tentar identificar alguns perfis para

que seja possível buscar elementos analíticos que alicercem esta dissertação.

Com base no referencial teórico e em informações sobre o campo da sociedade civil

organizada, podem-se identificar três eixos que constituem os parâmetros para o contexto da

sociedade civil organizada que trabalha com a área temática arte e cultura: (1) as instituições sem

fins lucrativos que prestam serviços públicos de cultura por meio de organizações sociais (OS)

ou Oscips, o que Ponte (2010) identifica como gestão pública não estatal; (2) as fundações

empresariais que financiam projetos de cultura, sociais e educacionais; e (3) as organizações da

sociedade civil vinculadas ao atendimento às populações adolescentes e jovens em situação de

risco e que oferecem oficinas de arte e cultura, identificadas por Carvalho (2008) numa

perspectiva de arte-educação.

Apesar da existência dessas três formas de ação social dentro da área da cultura, ressalta-

se que são vertentes que não se contrapõem e nem se repelem entre si. É possível encontrar

exemplos de instituições que trabalham mais de uma vertente. Para tanto, não se pode analisar

tais eixos como excludentes, mas sim como formas de compreender a arte e a cultura dentro do

cotidiano dessas instituições e, portanto, do ponto de vista da sociedade civil. Durante a pesquisa

de campo desenvolvida nesta investigação, foi possível observar essas intersecções ao analisar o

trabalho da Ação Educativa, em particular, o programa de cultura dessa instituição. Ali, diversas

concepções de cultura convivem e dão luz ao trabalho realizado.

Outra observação a se fazer é que, como o objeto de estudo deste trabalho faz parte do

campo das OSCs, filiadas à Abong e compreendida, historicamente, como uma ONG, o eixo que

trata desse perfil será mais desenvolvido, por ser importante para a compreensão da análise do

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material de campo e da hipótese sobre a existência de um quarto eixo, que são as organizações da

sociedade civil que assumem a cultura como um direito humano.

1.2.1 Prestando serviços públicos de cultura

Os anos 90 foram marcados pela necessidade da criação de um Estado Mínimo,

fundamentada na teoria do neoliberalismo e “de que os recursos públicos deveriam ser

administrados com maior eficiência” (Santos, s/d:3). Isso implicava, também, numa maior

flexibilização nas relações trabalhistas e nas licitações de compras e gestão pública. A partir

desse cenário, deu-se início aos diversos processos de privatização de empresas estatais, sendo,

no Brasil, um dos mais emblemáticos o da privatização dos serviços de telefonia – a compra da

Telesp pela Telefônica, empresa espanhola. Outro movimento importante nesse sentido foi a

mobilização social frente à tentativa de venda da Petrobras. Para Santos, durante as privatizações,

era evidente a centralidade das ações para a lucratividade dos negócios e para atrair os

investimentos privados. Contudo, ainda se via necessária a criação de outro mecanismo que não

estivesse sob a visão do lucro, mas que garantisse a execução dos serviços públicos com a

parceria do setor privado. Santos (s/d:3) complementa que:

A concepção que orientava essa proposta era de que a administração direta deveria se envolver com atividades exclusivas a sua natureza (formulação e execução de leis, aplicação da justiça, planejamento das políticas públicas, segurança interna e externa). As demais passariam a ser consideradas atividades não-exclusivas, como a prestação de serviços sociais, de saúde, ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura.

Nesse momento foram concebidas qualificações que pudessem garantir que entidades sem

fins lucrativos, sob o formato de Organizações Sociais (OS) ou Organizações da Sociedade Civil

de Interesse Público (Oscips)12, pudessem assumir alguns serviços considerados atividades não-

12 OS e Oscips são, na realidade, qualificações criadas por meio de leis para que uma organização sem fins lucrativos possa assumir a execução de atividades de serviços públicos. A lei 9.637/98 deu vida às OSs, dando, portanto, possibilidade de que essas organizações assumissem a execução de serviços públicos, por meio de contratos de gestão. As Oscips nasceram em 1999, por meio da Lei 9.790/99, que estabelece o Termo de Parceria entre o poder público e entidades privadas.

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exclusivas. O objetivo desses títulos era garantir que essas entidades pudessem criar uma relação

de parceria com o Estado na gestão de programas ou ações públicas de saúde, cultura, educação,

assistência social, entre outros. OSs e Oscips são, portanto, qualificações e não formas jurídicas

de organizações sem fins lucrativos. Dentro do Gife, 44% dos seus associados possuem a

titularidade de Oscips e 4%, de OS. A Abong não apresenta essa informação sobre os seus

associados, mas pode-se supor que existam, também, OSCs com as mesmas titularidades. O

proposto de entrar com um pedido dessa qualificação, muitas vezes, tem por objetivo facilitar

certas formas de financiamento e de editais públicos, caso das Oscips com os termos de parcerias.

Contudo deve-se fazer a ressalva de que, apesar de serem títulos, qualificações, muitas entidades

surgiram dentro deste contexto – de prestadoras de serviços – e, portanto, para esse fim:

Conforme Abreu (2001), a partir dos anos 1990, as elites dirigentes no Brasil passam a criar organizações empresariais para atuar como organizações da sociedade civil. Surgem também organizações paragovernamentais, criadas por intermédio de políticas de governo, com o propósito de implementar políticas de governo (Paz, 2005:19).

Isso difere das organizações que nasceram a partir de uma historicidade própria, na defesa

de direitos e na luta pela democracia no país, como será visto, a seguir, nos demais eixos

propostos.

Em pesquisa realizada por Freitas (2010) sobre a gestão pública de serviços culturais nos

estados de São Paulo e Minas Gerais, foram analisados diversos serviços prestados por meio de

OS ou Oscips. A pesquisa colheu os dados nessas unidades federativas por serem as que utilizam,

com bastante frequência, o sistema de parceria entre público e privado. O Estado de São Paulo

adotou esse formato e possui muitas instituições com esse perfil. Foram identificados 39 espaços

e programas culturais desenvolvidos no estado de São Paulo, coordenados por 10 organizações

sociais, para a gestão de espaços públicos, como museus (Pinacoteca do Estado, gerenciada pela

Associação Amigos da Pinacoteca), ou instituições voltadas ao ensino das artes (Associação

Santa Marcelina Cultura, que é responsável pela Escola de Música do Estado de São Paulo - Tom

Jobim).

Freitas não considera que essa forma de parceria possa ser considerada como

“privatização” dos serviços públicos, na medida em que acredita que alguns exemplos de gestão

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com OS e Oscips foram bem sucedidos, e nomeia-os como publicização dos serviços ou gestão

pública não estatal. Para a pesquisadora, o importante é respeitar os processos de contratação

dessas organizações, garantir a transparência e o controle social frente às ações. Um dos

problemas apontados está na falta de transparência na contratação dessas organizações e também

na publicação das informações sobre os serviços e sobre os recursos financeiros. “Entretanto, as vantagens imediatas obtidas com o modelo não devem desviar os questionamentos necessários, tais como a que preço e de que formas estas vantagens estão sendo atingidas” (Freitas, 2010:113). Agnaldo dos Santos, sociólogo e pesquisador do Observatório do Cidadão do Instituto Polis,

concorda que deve valer o controle social e o monitoramento dessas parcerias e observa que

ainda faltam estudos e informações sobre o tema, mas que: [...] movimentos sociais e fóruns da sociedade civil que atuam em políticas onde existem OS e Oscip, como no caso da saúde, denunciam que essas organizações não permitem (ou não facilitam) a presença de conselhos gestores, e que incorrem em irregularidades ao utilizarem recursos humanos da administração pública direta. Também denunciam a enorme falta de transparência financeira (Santos, s/d:4).

Do ponto de vista da cultura, muitas vezes a parceria não é feita de forma salutar e não se respeita a base do que seja uma parceria, que seria a relação entre iguais e responsabilidades mútuas.

A prática de algumas experiências de publicização na área cultural prova que, não raro, as metas são estabelecidas unilateralmente, oferecendo um risco duplo. Quando apenas a visão da OS ou Oscip prevalece, o interesse público pode ser comprometido e a abstenção do Estado pode significar a ausência de políticas públicas para o setor cultural. Por outro lado, quando o Estado controla sozinho a elaboração e proposta das metas, corre o risco de incoerência com a realidade da gestão e no desperdício de uma oportunidade de parceria correta com a sociedade para elaboração de políticas públicas (Freitas, 2008:97).

Tais apontamentos podem ser ampliados para toda e qualquer forma de parceria entre a

sociedade civil, o poder público e o setor privado. Abong, Gife e outras redes de associações

defendem a necessidade de um ambiente legal e seguro para o acompanhamento dessas parcerias

e do uso dos recursos públicos. Para tal, foi criada uma frente de diálogo com o governo federal

através da Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as organizações da sociedade civil.

Defendem a implementação de um marco legal e de políticas públicas que criem um ambiente favorável e seguro para o envolvimento dos cidadãos e cidadãs em causas públicas. As organizações precisam dessas condições para mobilizar recursos junto à própria sociedade

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civil e, com legitimidade e transparência, acessar recursos públicos para realizar atividades relevantes para a democracia e para o bem comum (Abong, 2012).

Contudo, para compreender se essa forma de parceria entre público e privado assume ou

não uma relação de privatização de serviços, é preciso, antes, proceder a uma análise mais

aprofundada das relações estabelecidas e estudar diretamente alguns casos. Como não é objeto de

análise desta pesquisa, esta limitar-se-á ao apontamento dessas reflexões, observando a

necessidade de uma análise mais profunda e da consolidação de um campo de pesquisa sobre o

tema.

Por essas razões, esta pesquisa não se dedicará muito a esse eixo e às OS, na medida em

que o seu foco são mais as ações vindas diretamente da sociedade e que estão contextualizadas

historicamente pela defesa de direitos e pela luta pela democracia. A construção das OSs está

numa lógica distinta e, por isso, não condiz com o que essa autora acredita ser uma organização

da sociedade civil.

1.2.2 Financiando projetos de educação e cultura

A ação da sociedade civil organizada consolidou-se com a redemocratização do país e o

fim da ditadura. Assim como as ONGs, as fundações empresariais tomaram forma a partir dos

anos 1990 e configuraram-se como a atuação do capital, da filantropia empresarial no

financiamento ou na promoção de projetos nas áreas sociais, ambientais e culturais. Tendo em

vista o vasto número de ações de empresas na área social, muitas delas “influenciadas pelo

marketing social e pela busca de isenções fiscais” (Paz, 2005:19), esta dissertação fará um recorte

específico e analisará a ação e o perfil da rede Gife e não a ação de todas ou quaisquer empresas

e/ou fundações empresariais. O motivo pelo qual foi escolhido o Gife como recorte metodológico

é sua relação de proximidade com a Abong, são parceiros políticos há alguns anos e, também, a

facilidade no acesso à informação sobre sua base associada.

Primeiro ponto que se deve destacar ao falar de financiamento privado para ações de fins

públicos e sociais é que não se pode falar em fundações empresariais sem antes contextualizar o

conceito de investimento social privado (ISP). Mais do que o formato institucional, é o tipo de

investimento que identifica o setor, já que uma empresa pode investir em projetos sociais sem

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criar um instituto ou fundação ou pode fazê-lo a partir de uma fundação que seja separada da sede

lucrativa. Para o Gife, investimento social privado é:

[...] o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público. Incluem-se neste universo as ações sociais protagonizadas por empresas, fundações e institutos de origem empresarial ou instituídos por famílias, comunidades ou indivíduos. Os elementos fundamentais - intrínsecos ao conceito de investimento social privado – que diferenciam essa prática das ações assistencialistas são: • preocupação com planejamento, monitoramento e avaliação dos projetos; • estratégia voltada para resultados sustentáveis de impacto e transformação social; • envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação (Gife, 2012)13.

Defende, ainda, que “o Investimento Social Privado pode ser alavancado por meio de

incentivos fiscais concedidos pelo poder público e também pela alocação de recursos não-

financeiros e intangíveis” (Gife, 2012).

O Gife surgiu em 26 de maio de 1995, por meio de Assembleia com 25 constituintes. Sua

origem data de 1989, fruto de um grupo de organizações de origem empresarial que se

encontravam para debater sobre filantropia e sobre a conscientização do papel da sociedade civil

no combate às desigualdades e à pobreza. Não se pode, portanto, perder de vista que o Gife

comporta os seguintes tipos de instituições que financiam projetos sociais, culturais e ambientais:

- Fundações e institutos empresariais, 63% do total de associados à rede: são organizações sem fins lucrativos criadas e mantidas por uma empresa ou seus acionistas. São coordenadas por pessoas ligadas à empresa em questão.

- Fundações e institutos familiares: são organizações sem fins lucrativos criadas e mantidas por uma família e geridas por seus membros. Não apresentam vínculos de governança ou gestão com a empresa, mesmo que esta seja uma empresa familiar.

- Fundações e institutos comunitários: organizações sem fins lucrativos que reúnem recursos de uma ou mais organizações ou indivíduos, gerando um fundo usado para investimentos em determinada comunidade. Atuam em uma área geográfica ou em uma causa específica e são geridas por pessoas que se identificam como pertencentes àquela comunidade.

- Fundações e institutos independentes: são organizações sem fins lucrativos mantidas geralmente por mais de uma organização ou indivíduo. Sua gestão é independente de seus mantenedores.

- Empresas, 25 % dos associados (Gife, 2010:21).

13 Disponível em www.gife.org.br.

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Para tanto, ISP pode ser feito por empresas ou grupos empresariais que visam ao lucro,

mas destinam parte dele para o financiamento de práticas sociais. Ele pode, também, estar

atrelado à empresa ou não. Outra característica do ISP é que se difere das ações assistencialistas,

na medida em que há uma preocupação em envolver a comunidade no desenvolvimento da ação,

procura avaliar os projetos sociais e tem como fim principal a transformação social.

Dados do Gife (2010) apontam que o valor médio investido por seus associados no

período investigado foi de 18,7 milhões de reais. A origem do capital controlador é

majoritariamente nacional. Atualmente, a rede conta com 142 associados (Gife, 2012). Apesar de

o número de associados ser quase insignificante, dentro do universo das Fasfil e das empresas no

Brasil, não se pode desconsiderar o montante investido. Entre as áreas temáticas, educação é a

que mais recebe investimentos do Grupo; 82% dos associados Gife apoiam programas

educacionais. Em segundo lugar, recebem investimentos as áreas de cultura e artes, 62%, e de

formação para o trabalho, 60%.

Tabela 1: Principais áreas temáticas da rede Gife, em 2009

Áreas Temáticas %

Educação 82

Formação de jovens 60

Cultura e arte 60

Meio ambiente 58

Geração de Trabalho e Renda 51

Assistência social 49

Apoio à gestão do Terceiro Setor 46

Desenvolvimento comunitário 44

Saúde 38

Esporte 32

Defesa de direitos 29

Comunicação 26

Fonte: Gife, 2010:44, grifos nossos.

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As áreas de educação, juventude e cultura e arte estão entre as mais trabalhadas, com

destaque para a educação, que abrange mais de 80% da rede. Segundo dados do Gife, boa parte

das fundações e empresas executa seus próprios projetos, em detrimento do repasse de recursos

para OSCs e associações comunitárias e da parceria com elas. Mantendo a tendência apresentada nas edições anteriores, este Censo informa que a maior parte dos investidores sociais privados tem origem corporativa – fundações e associações empresariais (62%) e empresas (24%) – o que significa dizer, entre outras particularidades, que as estratégias de ação social tendem a:

• Concentrar-se mais em projetos próprios que em financiamento de projetos de terceiros;

• Apresentar predominância temática em certas áreas de atuação (educação, juventude, cultura) em detrimento de outras;

• Ter o foco temático e indicadores econômicos sociais como preponderantes na definição de estratégias;

• Considerar um horizonte mais curto para o desenvolvimento de projetos (Gife, 2010:8).

O número de associados que têm cultura como ação prioritária é muito pequeno, apenas

4%, mas essa área está entre as que recebem mais investimentos dentro da rede Gife (conforme

tabela acima). Isso significa que esse investimento não é prioritário, mas sim complementar às

ações. Por exemplo, uma fundação que financia um projeto para juventude e trabalho, pode,

eventualmente, apoiar uma oficina cultural como ação secundária para os jovens envolvidos no

projeto.

Ao identificar as linhas de ação em cultura e arte, percebe-se que o foco está na realização

de oficinas culturais e manutenção de espaços culturais.

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Tabela 2: Linhas de ação em Cultura e Arte

Atividades %

Oficinas culturais 62

Implantação/Manutenção de espaços culturais/bibliotecas 56 Promoção de eventos 51

Patrocínio de projetos em dança e/ou música 33

Produções teatrais 30

Produção literária 25

Promoção de artes visuais e/ou arte mídia 25

Doações de materiais 23

Patrocínio de produções teatrais 23

Produções cinematográficas e/ou de vídeo 20

Restauração/Conservação de construções históricas 18

Patrocínio de produções cinematográficas 13

Concessão de bolsas 10

Restauração/Conservação de obras de arte 5

Fonte: Gife, 2010:49.

Um breve comentário, aqui, sobre as linhas de ação apresentadas acima. Não se vê, entre

elas, nenhum apoio para a ação política e o monitoramento de políticas públicas no que tange à

área temática da cultura e arte, tampouco para ações voltadas para a reflexão, construção de

conhecimento ou pesquisa na área. As linhas são todas dirigidas para a produção cultural e o

ensino das linguagens artísticas. Pode-se supor que esse quadro reforça a hipótese aqui levantada

– ao menos no que tange aos recursos disponíveis para a ação de OSCs – de que são muito

poucas as ações públicas voltadas para uma perspectiva da cultura como direito humano.

Ao olhar para a origem de tais recursos, o Gife indica, ainda, que o investimento em cultura,

em sua maioria, está atrelado a apoios provindos de leis de isenção fiscal concedida pelo poder

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público, caso da Lei Rouanet14, e, portanto, em menor escala, a recursos provenientes das

próprias empresas. Um importante debate concentra-se sobre este tema, na medida em que

isenção fiscal não é recurso direto da empresa. Para Gife, esses recursos só podem ser

considerados ISP quando respeitam os seguintes critérios: “preocupação com planejamento,

monitoramento e avaliação dos projetos, estratégia voltada para os resultados sustentáveis de

impacto e transformação social, e envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação.”

(Gife, 2010:10). Apesar de certa dependência dos incentivos fiscais, somente 5% indicaram que

deixariam de financiar os projetos contemplados caso perdessem a isenção, enquanto 32%

manteriam os recursos (Gife, 2010:10). Já no âmbito nacional, a avaliação do plano geral do

investimento em cultura no país mostra uma concentração de 79,11% no Sudeste, região em que

os maiores investidores são as empresas estatais, portanto as que empregam recursos advindos do

próprio poder público. “Segundo o MinC, somente 5% desses recursos são originados da

iniciativa privada, ou seja, 95% de todo o investimento feito via Lei Rouanet é público” (Gife,

2010:70).

1.2.3 Ensinando artes e cultura

A terceira forma como a sociedade civil vem trabalhando com cultura e arte identifica-se

com o ensino de linguagens artísticas através de oficinas culturais oferecidas a crianças e

adolescentes em situação de pobreza. Com base no estudo de Lívia Marques de Carvalho e nos

dados do censo da Abong, cabe afirmar que esse é o público preferencialmente atendido e

constatar a forte relação existente com a educação e cultura e com a arte-educação. É possível

dizer que é nessa chave que se encontram as organizações filiadas à Abong, por serem, em boa 14 O mecanismo de incentivos fiscais da Lei n° 8.313/1991 (Lei Rouanet) é uma forma de estimular o apoio da iniciativa privada ao setor cultural. O proponente apresenta uma proposta cultural ao Ministério da Cultura (MinC) e, caso seja aprovada, é autorizado a captar recursos junto a pessoas físicas pagadoras de Imposto de Renda (IR) ou empresas tributadas com base no lucro real visando à execução do projeto. Os incentivadores que apoiarem o projeto poderão ter o total ou parte do valor desembolsado deduzido do imposto devido, dentro dos percentuais permitidos pela legislação tributária. Para empresas, até 4% do imposto devido; para pessoas físicas, até 6% do imposto devido. A dedução concorre com outros incentivos fiscais federais, sem, contudo, estabelecer limites específicos, o que poderá ser aplicado em sua totalidade no incentivo à cultura. A opção é do contribuinte (Fonte: Ministério da Cultura, www.cultura.gov.br , acesso em 6 de dezembro de 2012).

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medida, organizações nascidas da educação popular e da luta contra a ditadura. Tendo em vista

que o objeto de estudo desta investigação é uma associada a essa rede, a análise deste item será

aprofundada para melhor compreensão do objeto de estudo.

Um grupo de instituições uniu-se, no início dos anos 90, a fim de buscar uma identidade

política que não abrangesse todas as organizações da sociedade civil identificadas como “ONGs”

no Brasil, mas sim que alicerçasse uma agregação por afinidade política e histórica. As

organizações filiadas à Abong nasceram do contexto de organizações que lutavam contra a

ditadura e apoiavam os movimentos sociais, muitas ligadas às comunidades eclesiais de base e

pastorais. Com a abertura política nos anos 80, desse contexto da sociedade surgiram ONGs que

se institucionalizaram como associações sem fins lucrativos e com financiamento de agências de

cooperação internacional para desenvolver trabalhos de educação popular, alfabetização de

jovens e adultos, assessoria a movimentos sociais. As ONGs dos anos 70 e 80 atuaram nos processos de lutas democráticas no país. São elas que vão tomar a iniciativa do debate da necessidade de uma organização coletiva que originará a criação da Abong. Por conta dessa trajetória, as ONGs dessa época são chamadas de históricas. Foram elas que assessoraram movimentos sindicais, urbanos e rurais, participaram das lutas democráticas, atuaram no processo constituinte, formularam propostas, como foi expressivo na Plenária Pró-Participação Popular na Constituinte e assumiram a liderança do debate nacional sobre a identidade das ONGs e criação da Abong (Paz, 2010:14).

Em trabalho acadêmico acerca do surgimento e papel da Abong, Tatiana Dahmer Pereira

(2003) contextualiza o surgimento da Abong sob a perspectiva de que algumas organizações

pretendiam não só se destacar dentro do campo das associações não lucrativas como também se

apartar dessa grande massa, com o objetivo de separar “o joio do trigo”. Tencionavam destacar-se

dentro do universo das sem fins lucrativas, no Brasil, para terem uma voz coletiva e centrada

dentro do debate político nacional. “A criação da Abong é, segundo investigamos, fruto de um

processo de construção identitária para o conceito de não-governamental – para além da negação

presente no termo.” (Pereira, 2003: 85). A identidade da Abong foi construída frente a sua

relação com o Estado e com estas duas negações: não lucrativa e não governamental.

A história da construção do ator social ONG no Brasil – pertencente a um determinado campo, como veremos – é fortemente ligada aos movimentos sociais e determinada, obviamente, pela história política do país. Gohn (1997, p. 38) caracteriza a ação das ONGs

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como voltada para a construção do que ela denomina de figura do “público não-estatal”, oferecendo elementos para que possamos debater o papel das ONGs da ABONG a partir da compreensão sobre a crise social e do seu papel em relação ao Estado (Pereira, 2003:30).

A identidade dessas organizações é, portanto, fruto de elementos relacionais que as

constituem. Sua relação com o Estado, com os movimentos sociais e com o setor privado

contextualiza seu papel na sociedade e sua identidade.

A Ação Educativa foi criada a partir da união de diversos educadores populares

integrantes do Cedi – Centro Ecumênico de Documentação e Informação – instituição de

educação popular dos anos 70. A história da Ação Educativa remonta ao ano de 1974, ano de fundação do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), organização que atuava junto a movimentos populares e pastorais. Ao longo da década de 80, articulou-se no CEDI uma equipe de educação, a partir de projeto de alfabetização desenvolvido junto ao sindicato de seringueiros liderado por Chico Mendes, acreano que se tornaria ícone das lutas por justiça social e ambiental no mundo. À época, membros dessa equipe – muitos deles ligados à Ação Educativa até hoje – perceberam que havia um número crescente de instituições trabalhando pela alfabetização de adultos, mas não existiam organizações concentradas no tema da educação escolar, participando dos processos de reflexão, formulação e implementação das políticas públicas setoriais. (Revista comemorativa da Ação Educativa, 2009:6).

Pode-se dizer que a Ação Educativa foi institucionalizada em 1994, mas seus

idealizadores já participavam de alguns processos políticos, como a fundação da Abong. Sergio

Haddad, integrante da coordenação da Ação Educativa e um de seus fundadores, teve um papel

importante na construção da Abong; foi presidente da Associação por duas vezes e integrante do

seu Conselho Diretor. Antonio Eleilson Leite e Vera Masagão Ribeiro, também da coordenação

da Ação Educativa, participaram da direção da Abong. Em 2001, então presidente da Abong,

Sergio Haddad escreveu artigo para o jornal A Folha de São Paulo, em que debatia o tema das

ONGs e expunha a dificuldade na compreensão da natureza e do papel político das ONGs. Uma das dificuldades em compreender a natureza e papel das ONGs está no fato de que, sob uma mesma nomenclatura – organizações não-governamentais – podemos encontrar uma infinidade de entidades com histórias, tamanhos, missões, modelos e mecanismos de sustentabilidade completamente diferentes uns dos outros.[...] É um fenômeno recente, crescente, universal e particularmente característico da sociedade brasileira. Uma presença que pode incomodar interesses constituídos e que tem provocado um também crescente movimento de desqualificação das ONGs e de controle político sobre sua atuação. Nada de

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novo na nossa história. Sob a lógica de que é hora de separar o joio do trigo, o que se espera é que o joio não se confunda com a semente, aquele que brota a dissensão ante interesses e verdades constituídas (Haddad, 2001).

Esse artigo apresenta algumas reflexões sobre o que Pereira aponta como a vontade de

algumas lideranças de separar-se da massa densa que se estende por baixo da classificação das

organizações sem fins lucrativos. “Sob a lógica de que é hora de separar o joio do trigo”, percebe-

se uma busca por uma definição política do termo ONG e uma identidade coletiva para as

associadas da Abong. A partir da construção de uma identidade que separasse suas organizações

associadas da massa diluída das organizações sem fins lucrativos, a Abong tentou constituir um

campo político pela definição do que é ser “não governamental”. Para Pereira (2003), essa ideia

de campo político formada pela Abong pode ser entendida dentro da perspectiva de campo

desenvolvida por Bourdieu, em que o campo Abong é um subcampo dentro do campo social

maior constituído pelas organizações da sociedade civil.

Dentro desse espaço maior das Organizações Sem Fim Lucrativos – conglomerando entidades dos mais diversos perfis com tradicional regulação das sem fins lucrativos – a ABONG é uma referência de diferenciação para a formação de um campo político com critérios rígidos quanto ao que significa ser não-governamental (Pereira, 2003:86).

É justo observar que, apesar dessa identidade que une as entidades, o termo não

governamental é um conceito construído social e relacionalmente e que, portanto, tem

diferenciações mesmo dentro do campo Abong. Ainda não se tem clareza sobre o que significa

ser uma ONG – organização não governamental –, pois esse é um conceito em construção e,

portanto, tema de constante disputa dentro da Abong e fora dela. Tais debates são parte de um

campo político, por ser um espaço de disputa e relações de força. Essas diferenças internas são características do campo político, uma vez que, para Bourdieu (1998), campo político é um locus de construção do simbólico, espaço heterogêneo e dinâmico, portanto, simultaneamente, um campo de forças e de lutas que visam à constante transformação da relação de forças que conferem ao campo determinadas configurações no tempo (Pereira, 2003:86).

Pereira traz a perspectiva de Bourdieu sobre campo político como base teórica para

compreender a Abong e suas associadas, um coletivo de organizações que se unem não por uma

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característica temática – como, por exemplo, atuarem na área da educação ou da segurança

pública – tampouco por uma questão classificatória do seu perfil institucional, mas sim pela

identificação do que significa ser uma organização da sociedade civil. A Abong “aglutina

organizações cuja diversidade só possui, talvez, um fio articulador em comum: a certeza de que o

inconformismo nos move, de que a luta contra a reprodução de todas as formas de injustiça e de

discriminação é nossa seiva” (Gouveia, 2010:3).

Ao fazer vinte anos, em 2011, a Abong passou a se intitular Abong: organizações em

defesa de direitos e bens comuns. Talvez uma tentativa de descolar-se da ideia negativa que se

encontra na expressão não-governamental, deixando de utilizar uma identidade que representasse

a negação de algo para buscar o que há de positivo em algo que faça parte da sociedade civil

brasileira. Por outro lado, procuravam reforçar uma identidade de que são organizações de

promoção de direitos, que buscam defender os direitos dos cidadãos e o bem comum. Ao acessar

a página web, vê-se a mudança no destaque da homepage, que realça: “Abong: organizações em

defesa dos direitos e bem comuns”. Com base nos discursos públicos de seus diretores e em

alguns documentos publicados na página web, é possível sugerir que parte dessa mudança pode

ser decorrência das constantes denúncias e da instalação da CPI das ONGs, apresentando-se

como uma tentativa de uma resposta da Associação às constantes identificações do campo

político com algo negativo. Algumas falas públicas da direção executiva nacional da Abong

sugerem tal questão, na medida em que buscam apontar que existe seriedade, competência e a

importância da existência dessas organizações. Em nome da Associação Brasileira de ONGs, agradeço aos meus colegas representantes da sociedade civil na Comissão Organizadora Nacional pela honra de poder representá-los nessa solenidade de abertura. Agradeço por crer que, de fato, as organizações da sociedade civil brasileira estão merecendo um reconhecimento como este, um desagravo à injusta onda difamatória que vêm sofrendo, usadas como bode expiatório para preservar, quando eclodem os escândalos, o jogo político, um sistema político que, todos sabemos, precisa este sim ser radicalmente reformado, porque é um sistema que alimenta e se alimenta da corrupção. [...] vamos levantar a bandeira da transparência e do controle social para defender nossos direitos e nossos bens comuns, o direito de todas as crianças, jovens, adultos e idosos, homens e mulheres, a uma vida digna e íntegra. Viva a democracia! Viva a participação social! - pronunciamento na solenidade de abertura da 1a Consocial, de Vera Masagão Ribeiro (Abong, 2012).

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Para Pereira (2003), é possível identificar uma definição que as una para além de uma

conceituação mais simbólica do campo. A autora define que as ONGs associadas à Abong são

aquelas: (i) com estratégica e crescente importância na construção de projetos políticos mais amplos da sociedade e que interferem parcialmente em questões sociopolíticas nacionais (e mesmo internacionais); (ii) cuja ação no campo do fortalecimento da democracia e da construção da cidadania centra-se em práticas educativas e formativas e informativas, orientadas, portanto, para a construção e a reprodução de valores ético-políticos, atuando intensamente com a dimensão do simbólico; (iii) com ações coletivas e estratégias articuladas entre seus agentes e os segmentos sociais organizados ou mesmo os setores do Estado, mas com forte estrutura e acúmulo de relações políticas e temáticas centradas em agentes individuais. Além disso, ainda que não representem expressamente os interesses de – nem falem por – determinados segmentos sociais, as ações das ONGs contribuem sempre para o fortalecimento de interesses e o auxílio na construção política de um determinado projeto de sociedade, gerenciando muitas vezes contradições quanto aos próprios interesses do seu universo de agentes – financiadores, fundadores, dirigentes, militantes etc. –, o que também acaba por conferir à entidade um perfil singular (Pereira, 2003:94, grifo nosso).

Os trechos grifados na citação são relevantes para a compreensão do que a autora define

como uma possível conceituação das OSCs filiadas à Abong – através de práticas educativas,

formativas e informativas com ações coletivas e estratégicas, contribuem para o fortalecimento e

o auxilio na construção política de um determinado projeto de sociedade.

Após essa breve exposição do contexto político e histórico em que nasceram a Abong e

suas organizações filiadas, serão apresentados, a seguir, sua história e o perfil da base associativa.

Fundada em 1991, no Rio de Janeiro, a Abong é uma rede de organizações da sociedade

civil brasileira que possui um escritório nacional em São Paulo e escritórios regionais espalhados

pelo Brasil. A rede agrega organizações que se identificam por um campo político e social,

conforme histórico já visto acima, e cujos princípios estão definidos em uma Carta de Princípios

que cada organização, ao associar-se, deve, por meio de assinatura, comprometer-se a seguir.

A associação define como princípios defendidos:

Igualdade: busca permanente das pessoas e dos diferentes grupos pelo reconhecimento de que todos(as) são iguais, mesmo sendo diversos, e portanto com direito à livre organização para lutar por esta igualdade. O conceito de igualdade se opõe a todas as formas de desigualdades, entre pessoas, grupos ou países, sejam elas de origem econômica, política, social, geracional, territorial, cultural, religiosa e de expressão sexual. Diversidade: diferenças dadas por aspectos da vida: gênero, geracional, raça/cor, etnia,

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orientação sexual, deficiências, dentre outras. A diversidade não se opõe à igualdade, pelo contrário, são conceitos complementares e interligados. Solidariedade: forma de relação entre pessoas, grupos e países baseada na cooperação, superando a concorrência, a exploração e as relações hierarquizadas. Pluralidade: reconhecimento da diversidade de opiniões, modos de vida e de posições políticas como legítimas manifestações do ser plural da humanidade e da complexidade da sociedade. Autonomia: autonomia das suas associadas e da própria Abong em relação ao Estado, aos governos, às Igrejas e aos partidos políticos. Defendemos também a autonomia das pessoas em suas opções em relação ao seu corpo, crenças, orientação e expressão sexual. Transparência: acesso universal às informações públicas, tanto aquelas produzidas pela burocracia como as dos(as) representantes eleitos(as)/nomeados(as). Esta mesma transparência defendemos para o conjunto da Abong. Participação: atuação da sociedade civil nos espaços de decisão, por meios institucionalizados ou não, de mecanismos de democracia direta ou participativa. A participação pressupõe a construção de uma cidadania ativa. Liberdade: a livre expressão, de modo igualitário, dos diferentes grupos e indivíduos, assim como a liberdade de organização, a soberania popular, o pluralismo político, étnico, racial, de gênero e de orientação sexual Sustentabilidade: alternativas de desenvolvimento humano e sustentável que considerem a igualdade, a justiça social e o equilíbrio ambiental para as presentes e futuras gerações. Nesta concepção de sustentabilidade incluímos o respeito aos direitos humanos que a humanidade deve exercer e ampliar. Democracia: todos estes princípios estão na direção da construção de uma verdadeira democracia, que ultrapasse a formalidade dos processos eleitorais e que não fique reduzida à vida pública. Eles devem ser incorporados em todas as dimensões dando corpo ao projeto político que defendemos para o Brasil. Horizontalidade: constituição de relações horizontais de poder, respeitando as diferenças e a diversidade, visando à não hierarquização das relações (Abong, 2010, grifos do autor).

Diferente de outras redes criadas pela sociedade civil, a Abong não é uma rede temática

ou regional; congrega organizações de todo o Brasil e multitemáticas. São organizações diversas

entre si e que se unem porque:

[...] lutam contra todas as formas de discriminação, de desigualdades, pela construção de modos sustentáveis de vida e pela radicalização da democracia. A Abong tem sua origem em organizações com perfil político caracterizado pela resistência ao autoritarismo; consolidação de novos sujeitos políticos e movimentos sociais; busca de alternativas de desenvolvimento ambientalmente sustentáveis e socialmente justas; luta contra as desigualdades sociais, econômicas, políticas e civis; a universalização e construção de novos direitos e a consolidação de espaços democráticos de poder (Abong, 2010, grifo nosso).

A universalização e a construção de novos direitos são entendidas como um dos pontos

centrais na ação da Abong. Para a Associação, além da consolidação de espaços democráticos de

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poder e da participação da sociedade na definição de políticas públicas, outro ponto de ação de

uma rede como a Abong deve ser o apoio a e a consolidação de novos direitos que estejam na

agenda política dos movimentos sociais e das OSCs.

Esse foi também outro motivo pelo qual esse campo foi escolhido como objeto de estudo

desta investigação. Ao estudar as OSCs que lutam pela garantia do direito à cultura, busca-se,

aqui, um foco agregador entre elas, uma identidade que revela-se no fato de sentirem-se unidas

através de uma associação que defende que o objetivo das organizações em uma sociedade é lutar

pelos direitos dos cidadãos e por uma sociedade mais justa, humana e democrática. Por ser uma

rede não temática e não regional, o foco está na diversidade de suas organizações-membros e nas

diversas “lutas e ações” (Abong, 2012) defendidas por sua base social. Consideramos, portanto,

que a Abong constitui um campo interessante de pesquisa, já que suas associadas

autodenominam-se defensoras de direitos. E, pela participação política da Ação Educativa dentro

da rede Abong, conforme já citado neste capitulo. Em entrevista concedida a esta pesquisadora,

Antonio Eleilson Leite relatou que, a partir de sua representação como diretor regional da Abong

de São Paulo, na qual ele exerceu três mandatos, de 2003 a 2010, foi possível aprofundar seu

conhecimento sobre cultura e adquirir fundamentos conceituais sobre o tema. Em 2005, como diretor regional da Abong fui participar de uma reunião no Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) para discutir os parâmetros do I Prêmio de Cultura Viva, organizado pelo Cenpec. Fui como representante da Abong e, chegando lá, encontrei Célio Turino (gestor público do Ministério da Cultura), professor Guilherme Magnani (USP), “Tião” e outros professores, e aí decorreu um debate mais conceitual sobre cultura, e confesso a você que tudo aquilo era muito novo para mim. (Leite, 2012)

O destaque dado à expressão “universalização e construção de novos direitos”, com a

utilização do grifo, na carta de intenções da Abong publicada na página web da rede, leva a

compreender que se amplia o leque existente, incluindo nele os diversos direitos defendidos por

suas associadas, inclusive os que fogem à regra dos direitos mais tradicionais e mais conhecidos.

Por exemplo, o direito à cultura pode ser entendido como um direito novo; novo, no sentido de

ser uma luta recente, comparada às lutas tradicionais dos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil (direitos humanos, direito à terra, à moradia, entre outros), e novo, também, sob o

ponto de vista do espaço que tem dentro das ações públicas.

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Por meio de leituras de documentos e publicações da Abong, foram identificados alguns

apontamentos referentes ao tema da cultura. Em artigos publicados na página web e no boletim

Informes Abong, boletim eletrônico quinzenal da associação, foram encontrados textos sobre o

tema da cultura - um de reflexão sobre o direito à cultura, “Apesar de insuficiência, direito à

cultura é mais valorizado atualmente”, publicado em 27 de agosto de 2009; outros dois artigos

sobre a realização da I Conferência Nacional de Cultura (Informes Abong 336, publicado em

20/12/2005) e sobre a aprovação do Plano Nacional de Cultura, PCN, publicado em 11/11/2010.

São artigos que fazem um balanço das políticas e ações públicas voltadas para a cultura, o que

demonstra que há espaço, dentro da Abong, para o monitoramento das políticas e das ações das

OSCs que concebem cultura como direito. Novamente, o nome de Antonio Eleilson Leite surge,

mas, desta vez, como uma referência para o tema da cultura. No primeiro dos artigos citados

acima, ele entra como entrevistado e especialista sobre o tema.

Em assembleia geral realizada em março de 2010, a Abong definiu os objetivos pelos

quais deverá trabalhar nos próximos anos, nos quais também não há indicação direta do direito à

cultura, que supostamente, está inserido dentro de “dar visibilidade as lutas das associadas e dos

movimentos sociais”. São eles;

- Defender um novo modelo de desenvolvimento baseado em modos de vida sustentáveis

e na construção de uma sociedade radicalmente democrática;

- Combater todas as formas de discriminação e criminalização das lutas populares;

- Lutar contra todas as formas de desigualdades;

- Articular-se com organizações e movimentos nacionais e internacionais

compromissados com transformações estruturais;

- Defender os direitos humanos como perspectiva de construção de uma sociedade

igualitária, solidária e livre;

- Dialogar com a cooperação internacional na perspectiva da construção de um pacto

baseado nos valores da liberdade e solidariedade nas relações Norte/Sul, Sul/Norte e Sul/Sul;

- Defender a liberdade de associação da sociedade civil e a legitimidade do acesso a

recursos públicos;

- Contribuir para o fortalecimento institucional das associadas, visando à sustentabilidade

política e financeira;

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- Dar visibilidade às lutas das associadas e dos movimentos sociais;

- Lutar pela proteção dos ecossistemas e pela justiça socioambiental.

Ao avaliar estes itens, observa-se que são bastantes abrangentes para o trabalho de uma

única associação e de sua base associativa, contudo, o que se pode sugerir, é que pretendem ser

princípios que guiam o trabalho da Abong, na medida em que não poderiam ser objetivos diretos

de uma ação.

O último censo publicado, Abong: panorama das associadas (Abong, 2010), partiu de

uma amostra de 189 associadas (70% do universo associativo) que responderam durante o ano de

2009 a um questionário on-line. Divididas nacionalmente, conforme tabela 3.

Tabela 3: Regionais da Abong

Região Abong15

%

Amazônia (Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins) 9,6% Centro-Oeste (Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso) 4,3% Nordeste I (Alagoas, Paraíba e Pernambuco) 17,0% Nordeste II (Bahia e Sergipe) 11,2% Nordeste III (Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte) 8,5% São Paulo 19,7% Sudeste (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) 20,7% Sul (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) 9,0% Total 100,0%

Fonte: dados compilados de GOUVEIA, Taciana e DANILIAUSKAS, Marcelo (Abong, 2010)

Ressalta-se a concentração de organizações com sede no sudeste (39) e em São Paulo

(37). A Abong divide suas organizações-membros em regionais, conforme indicado na tabela

acima. Não foi encontrada qualquer indicação que esclarecesse por que essa divisão foi feita

dessa forma e por que, por exemplo, o estado de São Paulo ficou separado da região Sudeste. Em

conversa com alguns funcionários do escritório nacional da Abong, mencionou-se que um dos

15 A Abong divide suas organizações associadas pelo território brasileiro de forma diferente da divisão adotada pela federação brasileira, por isso, na tabela 3, são indicados três nordestes e São Paulo não está dentro do Sudeste.

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motivos poderia ser o fato de que São Paulo possui uma quantidade grande de organizações

filiadas à Abong e que, portanto, poderia configurar uma única região.

A opção por estudar as organizações sediadas em São Paulo deu-se não só pela facilidade

proporcionada para a realização da pesquisa de campo, já que a pesquisadora também reside

nesse estado, na cidade de São Paulo, como também pelo perfil que essas organizações

apresentam. A Ação Educativa é uma organização associada de São Paulo.

Tabela 4: Público atendido pelas organizações da Abong

Públicos %

Organizações populares/ movimentos sociais 54,8

Mulheres 36,3

Crianças e adolescentes 32,9

Jovens 28,8

Trabalhadores rurais/sindicatos rurais 21,9

População em geral 21,1

Professores 13,7

Outras ONGs 11

Comunidades tradicionais 6,8

Negros 4,8

Estudantes 4,8

Povos indígenas 4,1

Gays,lésbicas, transexuais, travestis 3,4

Portadores de HIV 2,7

Portadores de necessidades especiais 2,1

Moradores de áreas de ocupação 2,1

Trabalhadores urbanos/sindicatos urbanos 1,4

População carcerária 1,4

Terceira idade 0,7

Fonte: dados compilados de GOUVEIA, Taciana e DANILIAUSKAS, Marcelo (Abong, 2010, grifos nossos)

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Dois comentários sobre essa tabela: sendo o questionário que deu origem aos dados

obtidos para a construção dessa tabela composto de questões de múltipla escolha, é preciso

considerar que as organizações podem trabalhar com mais de um público, já que era possível que

os respondentes assinalassem mais de um item; entre os censos publicados pela Abong, pode-se

observar que este é o primeiro em que entra a categoria jovem. Os grifos nossos, em itálico,

dentro da Tabela 4, destacam as organizações que trabalham com jovens (28,8%), crianças e

adolescentes (32,9%) e estudantes (4,8%).

Tabela 5: Principais lutas políticas das organizações da Abong (continua)

Lutas políticas %

Educação 48,9

Organização popular/participação popular 33,8

Relações de gênero 27,1

Justiça e promoção de direitos 23,3

Meio ambiente 21,8

Saúde 20,3

Fortalecimento de outras ONGs / movimentos populares 20,3

Trabalho e renda 18

Agricultura 15

Economia solidária 12,8

Arte e cultura 11,3

Questões agrárias 8,3

Orçamento público 6,8

DST Aids 6,8

Questões urbanas 6

Assistência social 6

Segurança alimentar 6

Segurança pública 4,5

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Tabela 5: Principais lutas políticas das organizações da Abong (conclusão)

Discriminação racial 3,8

Comunicação 3,8

Relações de consumo 3,8

Discriminação sexual 3,8

Comércio 0,8

Esporte 0,8

Fonte: dados compilados de GOUVEIA, Taciana e DANILIAUSKAS, Marcelo (Abong: 2010)

1.3 Cultura e educação

Atentando para o que demonstram os dados da tabela 5, observa-se que o percentual de

organizações que trabalham com Arte e Cultura é de 11,3% e que quase metade das associadas

trabalha com o tema da Educação, 48,9%. Sobre a consolidação dessa relação, Gouveia

(2010:16) diz:

Aprofundando as primeiras respostas sobre as lutas políticas realizadas pelas associadas à ABONG, constatamos que a educação teve um grande destaque, pois foi assinalada por praticamente metade das organizações (48,9%). Quando relacionamos essa luta à principal perspectiva de trabalho - desenvolvimento da consciência crítica e da cidadania - e somando-se a isso os temas com os quais a educação se correlaciona - organização popular / participação popular, discriminação racial e arte e cultura – o fato de a educação ser uma prioridade não pode ser entendido como uma luta somente pela educação formal e pelas políticas educacionais, dado que transformar as lutas em políticas públicas no geral obteve 57% das respostas. Ou seja, há também um forte componente de educação informal e/ou popular, assim como de conscientização, participação política, combate à discriminação e expressões artísticas e culturais.

As organizações que têm a educação como área temática principal, como é o caso da

Ação Educativa, representam mais da metade das organizações integrantes da Abong. E também,

como observado por Carvalho (2008), muitas delas produzem ações voltadas para a educação na

perspectiva da educação informal e do ensino das artes.

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A segunda luta eleita foi organização e participação popular. Podemos inferir que, além da educação para conscientização e cidadania, há uma necessidade de organização das/dos cidadãs/ãos para a atuação política e que se relaciona sobretudo com os seguintes públicos: organizações populares / movimentos sociais, trabalhadoras/es rurais / sindicatos rurais e jovens (Gouveia, 2010:16).

Para melhor analisar essas questões, será traçado, aqui, o perfil das quatorze organizações

filiadas que atuam na área de arte e cultura, as quais correspondem aos 11,3% indicados na

Tabela 5. Nas informações publicadas na página web da Abong sobre cada uma de suas

associadas, constam os seguintes dados: ano de constituição, missão, principal âmbito de atuação,

região do Brasil em que atua, público atendido, utilização ou não de trabalho voluntário e áreas

temáticas de atuação.

Em relação à região do Brasil em que atuam, verifica-se que somente uma delas se

encontra localizada no Norte - o Instituto Universidade Popular (Unipop) -, duas estão sediadas

no Nordeste - Centro Cultural Educativo de Lazer, Informação, Trabalho e Ação Social (Celita) e

Centro de Referência Integral de Adolescentes (Cria) -, e as demais, no total de onze instituições,

atuam no Sudeste - Ação Educativa - Assessoria, Pesquisa e Informação; Centro de Atividades

Culturais, Econômicas e Sociais (Caces); Centro de Estudos e Pesquisas em Educação; Cultura e

Ação Comunitária (Cenpec); Centro de Referência para Saúde da Mulher (Cresam); Espaço -

Espaço Formação Assessoria e Documentação; Fundação Fé e Alegria do Brasil; Instituto Avisa

Lá - Formação Continuada de Educadores; Associação Projeto Roda Viva; Solidariedade França-

Brasil (SFB) e Associação Saúde Sem Limites (SSL) e Vivendo.

O âmbito de atuação mais recorrente é o municipal, no qual se encontram quatro OSCs;

três organizações possuem ações nacionais; duas delas, regionais; e somente uma, internacional.

A utilização de trabalho voluntário é encontrada na maior parte das organizações; na

pesquisa, oito delas declararam que o utilizam, cinco afirmaram que não e uma não respondeu.

Com exceção de duas das organizações, cujo foco de trabalho são as relações de gênero e

saúde, as restantes são da área da educação.

Quanto ao público atendido, do total pesquisado, onze organizações possuem ações

voltadas para o público formado por crianças, adolescentes e jovens. Aparecem também como

público alvo, com certa frequência, os professores, as organizações populares/movimentos sociais

e mulheres. Duas das associadas têm foco na questão racial: uma indica os negros como público e

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outra, os povos indígenas. Há ainda uma organização que trabalha com a terceira idade. Mas

nota-se, com maior frequência, a existência da correlação temática entre educação e arte e

cultura, sendo boa parte das ações voltada para os jovens e/ou criança e adolescentes.

Carvalho (2008) identifica essa relação entre educação e cultura no trabalho das

organizações que atendem ao público infanto-juvenil. Para a autora, o trabalho dessas entidades

pode ser entendido como “novo espaço para vias educacionais alternativas” (Carvalho, 2008:29)

e observa que o ensino das artes se faz presente em quase todas as experiências por elas

desenvolvidas. Ela se respalda em levantamento realizado pela Unesco em 2001 e em pesquisa

nas páginas web de diversas ONGs para chegar a essa conclusão. A partir dessa pesquisa, a

autora consegue identificar formas como a arte é percebida nesses espaços de educação não

formal. Segundo ela, “[...] a arte não é tomada apenas como um meio de educação, mas como a

educação em si mesma” (Carvalho, 2008:30). Com isso, a autora sugere que, por meio da arte, os

educadores das ONGs, além de pretenderem um desenvolvimento integral (afetivo, cognitivo,

intelectual e espiritual) dos educandos, também oferecem uma possível profissionalização numa

das linguagens artísticas ensinadas e fornecem o acesso às artes para essa população.

A partir da percepção de que as organizações que trabalham com a cultura vêm de uma

tradição do campo da educação e tendo como base a reflexão de Lívia Marques e as informações

da Abong, é possível refletir sobre o papel dado à cultura dentro das organizações da sociedade

civil. Pode cultura ser, para estas organizações, somente um direito secundário e um instrumento

para outros direitos, no caso, o direito à educação? Ou há uma luta política específica pelo direto

à cultura?

O censo da Abong indicou que as entidades acreditam na necessidade de organização dos

cidadãos para a ação política, orientação que abrange todos os públicos com que trabalham. Essa

ação pública pode se realizar por meio de processos de formação para a cidadania e de estímulo

para a participação cidadã em processos políticos e espaços de participação social.

Com base nos dados e na história dessas organizações, é possível considerar uma relação

intrínseca entre cultura e educação, participação social e jovem. Aqui algumas questões se

levantam: é possível pensar no direito à cultura sem que se torne um instrumento para a formação

escolar, mesmo ocorrendo fora da escola? Aí está o nó. São essas organizações capazes de pensar

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na cultura isolada dessa formação? E, indo por outro caminho, há, de fato, algum problema nessa

relação?

Carvalho (2008) defende que sim, que as organizações concebem cultura como um direito

isolado e que a arte assim é percebida dentro do trabalho das organizações: “o conhecimento

sobre a arte e o fazer artístico não deve ser considerado apenas como uma atividade

complementar à formação, mas como um direito de cada cidadão ou cidadã” (Carvalho,

2008:30). Essa concepção aparece, também, na fala da equipe da Ação Educativa, que busca

entender a cultura como direito e, portanto, acredita que cabe ao Estado sua garantia por meio da

implementação de políticas públicas. Antonio Eleilson Leite, coordenador do Espaço de Cultura e

Mobilização da Ação Educativa, em entrevista dada ao Informes Abong (Abong, 2009), afirma

que “Apesar do que diz o texto da Constituição de 1988, redigido após 21 anos de ditadura

militar, o direito à cultura sempre foi um tema de menor relevância na pauta do governo federal.”

Leite ainda ressalta que:

Segundo a carta da Constituição, é garantido o acesso à cultura e o incentivo à sua propagação, bem como a proteção de culturas populares e tradicionais, como indígenas e afro-brasileiras. (Abong, 2009)

1.4 Cultura, juventude e direitos

Outro aspecto bastante recorrente, ao longo desta dissertação, é a relação entre cultura,

juventude e direitos. Isso ocorre devido aos perfis das instituições, uma vez que as filiadas tanto à

Abong quanto ao Gife trabalham, em sua maioria, com a área temática da educação e com o

público infanto-juvenil e jovem16.

A Constituição Federal do Brasil, de 1988, regulamenta o artigo 227, que, na sua íntegra,

diz:

16 Uma ressalva, aqui, a respeito dos conceitos de “jovem” e de “criança e adolescente”. Sabemos que existem diferenças e entendimentos no que tange às concepções de jovens/juventude. Marques (2008), ao longo do seu livro, utiliza a concepção de criança e adolescente como o público atendido pelas ONGs pesquisadas. Assim também, ao longo do texto, existem algumas referências ao ECA. O nosso objeto de estudo, que é a OSC Ação Educativa, tem trabalhado com o público jovem e com o tema da juventude, razão pela qual nos ateremos mais a esse público. Não discutiremos aprofundadamente as concepções e diferenças entre os termos, mas nosso debate terá como foco o campo da juventude e jovens, por serem esses os sujeitos referentes ao nosso objeto de investigação.

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É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A partir dele, foi possível implementar o Estatuto da Criança e do Adolescente, que

regulamente o artigo 227 e aprofunda os direitos e deveres desses cidadãos.

O ECA também reforça a garantia do direito da criança e do adolescente e o papel do

Estado, da família e da sociedade nessa garantia. Art. 4 – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA, 1990).

O Capítulo V do ECA - Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer - em seu artigo

58, faz referência ao direito da população infanto-juvenil à cultura;

Art. 58 – “No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura” (ECA, 1990).

Observa-se que o direito à cultura vem entrelaçado aos demais direitos, em particular à

educação, e que a cultura deve ser respeitada durante o processo educacional da criança e do

adolescente. Ao longo desta pesquisa, tem sido possível refletir melhor sobre a relação entre

cultura e educação, em particular sobre o papel da cultura como instrumento para melhorar a

educação deste público ou como instrumento para tirá-lo da pobreza ou afastá-lo da violência. O

mais importante, porém, é ressaltar que, no ECA, já se identifica a descrição do direito à cultura

como um direito inerente e de importância para a vida e realidade social. O ECA foi um marco

para a proteção da criança e do adolescente no Brasil e para a formulação de uma política que

garantisse um tratamento diferenciado a essa população. Pode-se dizer que garantiu um espaço

privilegiado às crianças e aos adolescentes, indicando seus direitos e os deveres do Estado e da

sociedade, e fez deles sujeitos de direitos plenos. Para Sotto Maior Neto:

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Especialmente se considerarmos que o legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), regulamentando a regra magna do art. 227, da Constituição Federal, e absorvendo os ditames da doutrina de proteção integral, materializou proposta de dar atenção diferenciada à população infanto-juvenil e, como fórmula para estabelecer igualdade material, entendeu indispensável que as crianças e os adolescentes perseguidos, vitimizados, excluídos, marginalizados na realidade social (vale dizer, à margem dos benefícios produzidos pela sociedade) viessem a receber, pela lei, um tratamento desigual (porque desiguais na realidade social), necessariamente privilegiados. Assim, pela nova legislação, as crianças e os adolescentes não podem mais ser tratados como meros objetos de intervenção do Estado, devendo-se agora reconhecê-los sujeitos dos direitos elementares da pessoa humana, de maneira a propiciar o surgimento de verdadeira “ponte de ouro” entre a marginalidade e a cidadania plena (Sotto Maior Neto, 2001:45, grifo do autor).

Não se pretende fazer um debate aprofundado sobre o ECA, pois esse documento tem

sido objeto de muitas pesquisas e reflexões desde sua criação. Objetivo, aqui, é pontuá-lo como

um marco na participação social e a construção de políticas públicas. O ECA é uma das primeiras

legislações voltadas especificamente para a população infanto-juvenil e a indicar, entre outros

importantes requisitos, o direito à cultura como fundamental a essa população.

Esse público tem sido, também, um dos mais atendidos pelas ações tanto das OSCs

quanto das fundações empresariais. Assim como identificado por Carvalho (2008), as ações da

sociedade civil organizada estão na área de educação e dirigem-se para o público infantil e

adolescente. Porém, tendo em vista a ação de nosso objeto de pesquisa, que possui um trabalho

específico para a área da juventude, esta investigação ater-se-á mais a esse universo do que à

população infantil e adolescente.

Um debate importante tem lugar não só na academia como também nas organizações que

trabalham com esse público sobre o que se entende por “jovem/juventude” e “criança e

adolescente”. Sendo assim, torna-se importante fazer algumas considerações a respeito do

conceito de jovens/juventudes adotado nesta dissertação.

A Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1995, definiu jovem como grupo de pessoas

com idade entre 15 e 24 anos (com flexibilidade para baixo e para cima, em algumas

circunstâncias). Em publicação da Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação –,

há uma ampliação do conceito, informando que não é possível indicar um começo e um fim

rígidos para fase da juventude, isso porque depende do contexto social em que as pessoas vivem.

Para eles;

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Do ponto de vista demográfico, os jovens são, principalmente, um grupo populacional que corresponde a uma determinada faixa etária que varia segundo contextos particulares, mas que, geralmente, está localizada entre os 15 e 24 anos de idade. No caso de áreas rurais ou de pobreza extrema, o limite se desloca para baixo e inclui o grupo de 10 a 14 anos; em estratos sociais médios e altos urbanizados se amplia para cima para incluir o grupo de 25 a 29 anos. Segundo diversas circunstâncias particulares, identifica-se, como jovens, um conjunto de pessoas de idades variáveis que não pode ser tratado com começo e fim rígidos (Unesco, 2004:25).

Ao longo dos últimos anos, muitos pesquisadores têm se dedicado a estudar a temática

dos jovens/juventudes no Brasil. São diversos estudos que já acumulam uma produção discente

reconhecida, multidisciplinar e transversal. A partir dos anos 90, vários estudos sobre juventude e

participação política vêm demonstrando novas formas de ação dos jovens. Os estudos revelam

que nos anos 1960 e 1970 as ações juvenis estavam mais voltadas para a luta pela democracia,

enquanto que nos anos 1990 e 2000, a atuação social e política dos jovens está mais focada para a

realidade de suas próprias comunidades.

Projetos como Jovens Urbanos17, do núcleo de pesquisa da PUC-SP (Borelli et alli,

2008a; 2008b; 2009a, 2009b), têm evidenciado que os jovens continuam importantes atores

políticos, com forte participação social, porém sua forma de agir está mudando. São novas

práticas políticas, muitas vezes mediadas pelas ações culturais (Borelli et alli, 2012). Com base

nessa perspectiva, o núcleo fez um mapeamento sobre a produção acadêmica, de políticas

públicas, de consumo cultural e de novas formas de “fazer política” (Borelli et alli, 2010) voltada

para os jovens/juventude e suas formas de ação e foi a campo conhecer os diversos coletivos

juvenis que atuaram na cidade de São Paulo de 2002 a 2010.

O projeto Jovens Urbanos compreende um grupo de pesquisadores formado em 2002,

que, ao longo desses anos até os dias de hoje, já produziu cinco etapas e relatórios analíticos. Em

2007, uniu-se ao grupo de trabalho sobre juventude latino-americano da Clacso - Consejo

Latinoamericano de Ciencias Sociales – denominado Juventud y nuevas práticas políticas en

América Latina, conseguindo criar maior interação com outros pesquisadores da região e ampliar

o escopo da reflexão para uma juventude latino-americana. O mapeamento feito abrange as 17 Maiores informações sobre o projeto estão disponíveis no site http://www.pucsp.br/projetojovensurbanos/. Foram utilizados, como análise para a pesquisa, as referências ali disponíveis.

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pesquisas acadêmicas sobre a ação dos jovens de 1960 aos anos 2000. Foram levantados alguns

focos de análise para cada década. O relatório completo Jovens Urbanos, ações estético-culturais

e novas praticas políticas: estado da arte (1960-2000) foi publicado em 2010, na compilação de

Alvorado e Vommaro.

Segundo relatório mencionando, nos anos 60 e 70, os estudos acadêmicos sobre juventude

e política consideravam, como foco principal da participação juvenil, sua ação política estudantil

voltada para a instauração da democracia e luta contra a ditadura. Nos anos 80, essa perspectiva

se modificou. O jovem estava mais atuante em seus próprios grupos e havia uma fragmentação de

gestos, tipos, espaços e ações. O jovem era visto dentro de agrupamentos - punks, skinheads,

hippies, etc. Não se articulavam mais através de um único projeto nacional – pela defesa da

democracia e fim da ditadura. Estavam divididos em grupos com pouca visibilidade nacional.

Nos anos 90, houve uma tentativa de retorno ao movimento estudantil através dos caras pintadas,

que foram às ruas pedindo o impeachement do então presidente Fernando Collor de Mello. A

partir do século XXI, nos anos 2000, o foco das pesquisas acadêmicas passou para a ação de

coletivos juvenis voltados para uma atividade artístico-cultural e, em sua maioria, vindos das

periferias das grandes cidades. É o movimento hip hop, os coletivos de grafite, os saraus de

literatura, os movimentos ecológicos, etc.

Com relação a essas categorias, são oportunos dois breves comentários. Apesar do dito

esmorecimento do movimento estudantil dos anos 60/70, não se pode concluir que houve o fim

de uma ação política por parte dos jovens brasileiros. Ela continua a existir. São muitos jovens

dentro de partidos políticos, por exemplo. Os Conselhos de Juventude são também um espaço de

articulação política. Os coletivos estão presentes na articulação com o trabalho de organizações

da sociedade civil. As ações dos jovens em coletivos culturais também são uma ação social e

política. A atividade cultural – o rap, o grafite, a poesia – é para esse jovem uma forma de se

expressar artística, social e politicamente. Acreditamos que, ao longo destes anos, não houve

apatia da juventude brasileira; ela tampouco está desconectada de sua realidade. Pode-se dizer

que suas atividades se alocaram em outros espaços, de outras formas e coube aos pesquisadores

identificá-las e analisá-las.

Como dito anteriormente, nos anos 2000, o foco de análise passou a ser a ação dos

coletivos juvenis vindos das regiões periféricas das cidades grandes e o surgimento da internet

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como espaço de protagonismo. A academia passou a olhar a atuação desses jovens em suas

comunidades de forma mais positiva, sem o recorte da violência e da pobreza exclusivamente.

Eles tornaram-se atores políticos, culturais e artísticos que tentam expressar uma identidade

própria. Pedem por melhores condições para sua quebrada, ao mesmo tempo, tentam mostrar

suas potencialidades e riquezas.

Outro importante levantamento, coordenado pela educadora Marília Sposito, Estado da

Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e Serviço Social

(1999 – 2006), sistematizou as pesquisas realizadas no período recortado e apresentou os jovens

como sujeitos de direito e protagonistas de ações sociais, políticas culturais e artísticas. Após tal

mapeamento, foi possível perceber que os jovens/juventudes são objeto de análise e de

investigações com focos e temáticas diversos.

Para esses dois núcleos de pesquisa, o jovem é, antes de mais nada, um sujeito de direito

e, portanto, deve ter seus direitos respeitados.

Para Sposito, a transversalidade entre educação, ação coletiva e cultura nos estudos sobre

jovens/juventudes pode evidenciar novas perspectivas para analisar esses atores sociais e a

possibilidade de uma sociologia da juventude multidisciplinar diante do enfrentamento da

sociedade brasileira e suas transformações. As singularidades dos jovens/juventudes precisam ser

consideradas dentro das pesquisas, mas não se pode perder de vista os processos globais do

desenvolvimento capitalista e do mundo atual. Portanto, as investigações devem considerar como

foco de análise um contexto mais amplo, a conjuntura social vivida pelos grupos pesquisados.

Para além da produção acadêmica, os jovens/juventudes têm se constituído alvo de

algumas ações públicas. Do período pós-ditadura, da reconstrução do estado de direito, até os

dias atuais, observa-se que os jovens/juventudes conseguem algum espaço na ação pública do

Estado brasileiro.

Organizações da sociedade civil têm produzido diversas pesquisas e ações para e sobre os

jovens. Desde a redemocratização do país, elas têm se tornado um ator importante na luta pela

garantia dos jovens e pela defesa de implementação de políticas públicas para tais grupos. A

Ação Educativa tem tido um papel protagonista no que tange à pesquisa sobre a área de

juventude e ao monitoramento de políticas públicas para esse setor. Organizou dois seminários

nacionais sobre o tema da juventude e tem participado do debate nacional sobre esse tema.

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Durante o governo Lula (2003 – 2010), em especial a partir de 2005, foi criado o Plano

Nacional de Juventude mediante a instituição do Conselho Nacional de Juventude e da Secretaria

Nacional de Juventude, que é um órgão governamental regido por um conselho paritário com

membros vindos do governo e da sociedade civil.

A criação da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e do Conselho Nacional de

Juventude (Conjuve) amplia, ainda mais, o espaço público desse ator social, cultural e político. É

criada uma secretaria especial dentro da esfera federativa, ligada à Presidência da República com

objetivo de:

[...] formular e propor diretrizes voltadas para as políticas públicas de juventude, desenvolver estudos e pesquisas sobre a realidade socioeconômica dos jovens e promover o intercâmbio entre as organizações juvenis nacionais e internacionais (Conjuve, 2005).

O Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) foi criado pela Lei 11.129, que também

instituiu a Secretaria Nacional de Juventude, vinculada à Secretaria-Geral da Presidência da

República e ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). Segundo informações

colhidas no site do Conselho, este tem três objetivos centrais; (a) formular e propor diretrizes

voltadas para as políticas públicas de juventude; (b) desenvolver estudos e pesquisas sobre a

realidade socioeconômica dos jovens; (c) promover o intercâmbio entre as organizações juvenis

nacionais e internacionais.

É um conselho consultivo, composto por 60 pessoas de representação do poder público

(1/3 do total, com 20 integrantes) e da sociedade civil (2/3, 40 pessoas). O poder público, além da

própria Secretaria Nacional de Juventude, é representado pelos Ministérios que possuem

programas voltados para os jovens; a Frente Parlamentar de Políticas para a Juventude da Câmara

dos Deputados; o Fórum Nacional de Gestores Estaduais de Juventude; além das associações de

prefeitos. A maior representação é exercida pela sociedade civil, com um grupo bastante diverso

de atores sociais,como integrantes dos movimentos juvenis, organizações não governamentais,

especialistas e personalidades com reconhecimento público pelo trabalho que executam nessa

área. A participação no Conselho é determinada por eleição direta e possui mandato de dois anos.

Os cargos de presidente e vice-presidente são alternados, a cada ano, entre governo e sociedade

civil. Ação Educativa fez parte do Conjuve por duas vezes consecutivas na categoria de entidade

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de apoio e deixou o cargo neste biênio de 2012-2013. A entidade atua diretamente no debate

sobre políticas voltadas para a juventude. Segundo Maria Virginia de Freitas, coordenadora da

área de juventude da Ação Educativa, em balanço feito sobre o Conselho:

É um conselho muito ativo que tem se orientado pelo compromisso com o resultado das Conferências Nacionais de Juventude, tem dialogado com os conselhos estaduais e municipais e mantido um diálogo crítico com o governo. Porém, o maior desafio é conseguir impactar mais na elaboração, avaliação e redirecionamento das políticas de juventude (Ação Educativa, 2012, acesso em dezembro de 2012).

Helena Wendel Abramo, desde a apresentação de sua dissertação de mestrado, em 1994,

Cenas Juvenis: Punks e Darks no espetáculo urbano, vem trabalhando com a questão dos

jovens/juventudes. Em artigo apresentado durante seminário sobre juventude e cultura,

promovido pela Comissão de Juventude da Câmara Municipal de São Paulo, em 2001, a autora

discute a questão específica da relação entre juventude e cultura e as políticas públicas voltadas a

esse tema. Recorreremos a esse texto da autora, apesar de conhecer o acúmulo de produção que

seus estudos têm resultado ao longo destes anos.

Um dos primeiros pontos que destacamos do texto de Abramo (2001) é a consideração,

feita por ela, de que as políticas públicas ainda não expressam o interesse do jovem por lazer e

cultura. Não só para os jovens, mas em geral, cultura tem pouco espaço e orçamento nas ações

dos governos. Há uma ideia falseada de que são questões de menor relevância. Para a autora:

Essa conexão entre cultura e diversão, fortíssima na prática dos jovens, reforça uma percepção social que situa este tema como algo frívolo, superficial, e, portanto secundário na atribuição de qualidade de vida; quando não pernicioso, por significar desvio de investimento de questões consideradas mais urgentes e necessárias. Muitas vezes assim também se reforça uma percepção negativa a respeito dos jovens: ao demonstrar um interesse maior pela cultura e entretenimento do que por outros assuntos, tais como economia ou política, os jovens são vistos como despreocupados, alienados, hedonistas descompromissados com as questões “realmente sérias” (Abramo, 2001:1).

Completando o argumento, Abramo ainda reforça que a cultura pode ser um campo de

motivação para os jovens.

Por isso, ao invés de ser um campo propício à alienação, tem se mostrado mais como de

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motivação, criação e mobilização. É o que tem propiciado o aparecimento do maior número de ações coletivas entre os jovens, e também de articulação, como a formação de grupos, associações, “tribos”, movimentos, tais como hip hop, o punk, os skatistas, os grupos de dança, de grafite, de capoeira, etc. (Abramo, 2001:2).

Pode-se dizer que a cultura para o público jovem tem um caráter mais amplo, que não se

prende, somente, no espaço do lazer; é também loco de expressão das relações sociais, culturais e

políticas. Com base nessa ideia, é possível considerar que as políticas públicas culturais para

jovens/juventudes são importantes para o desenvolvimento humano e da cidadania desses

sujeitos. Apesar disso, ações públicas pensadas para os jovens/juventudes ou ações culturais

organizadas pelas OSCs centradas na expressão cultural ainda são poucas.

Se olharmos para as periferias das grandes cidades, essa questão torna-se ainda mais

grave, à medida que dados estatísticos mostram que são poucos os equipamentos culturais

existentes e os investimentos culturais nessas regiões, sendo muitos deles assistidos por

programas promovidos por OSCs ou fundações. Analisando os Indicadores Básicos da Cidade de

São Paulo 2009, publicado e divulgado pelo Movimento Nossa São Paulo, podemos dizer que

existe, entre os bairros da cidade de São Paulo, uma situação de desigualdade, fato que se

comprova quando se comparam os equipamentos culturais existentes nas subprefeituras da

cidade. Assim, enquanto a Subprefeitura de Pinheiros dispõe de 13 salas de cinema, as

subprefeituras de Casa Verde, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo,

Freguesia do Ó/Brasilândia e Guaianases não possuem nenhuma; o mesmo acontece em relação

às salas de teatro, que não existem nessas subprefeituras citadas, enquanto, na região da Lapa, são

encontradas nove salas de teatro (Mnsp, 2009:4).

Analisando o número total de equipamentos na cidade, sem a preocupação com uma

divisão por bairros, já se percebe uma falta grande de equipamentos culturais e educativos. Em

dados de 1999, a Unesco informou que, para cada 100.000 jovens na cidade de São Paulo,

existem 11 bibliotecas, 10 museus, 12 teatros e 9 cinemas. E essa situação se agrava nos bairros

mais pobres (Unesco, 2004:53).

A cultura, muitas vezes, é vista como secundária dentro das ações sociais e acaba

perdendo mais espaço no planejamento e aplicação de políticas. De acordo com Abramo

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(2001:3), “Como cultura é pouco reconhecida como direito, não é vista como prioridade na

definição de políticas públicas, o que gera uma precariedade imensa de atendimento”.

A estudiosa, ao destacar algumas reflexões sobre como deveria ser uma política pública

para a cultura, indica quatro requisitos básicos e essenciais para a eficiência das ações. Assim é

necessário que uma política pública voltada para a cultura:

• garanta igualdade de acesso a todos;

• construa instrumentos culturais nas áreas periféricas das cidades;

• possibilite a gratuidade dos eventos, já que muitas populações não têm como pagar

ingresso a uma apresentação;

• apoie a criação artístico-cultural.

Considerando a análise de Abramo e os dados levantados pela Unesco e pelo Movimento

Nossa São Paulo, esta investigação defende que a centralidade das ações culturais deva ser

voltadas para os bairros mais periféricos das regiões metropolitanas. Os dados revelam que há

falta de equipamentos culturais nas regiões periféricas e que, portanto, a construção ou

disponibilidade de equipamentos para as populações dos bairros mais pobres deveria ser foco das

políticas públicas para cultura como também das ações de OSCs. Esses bairros, muitas vezes, não

possuem uma ação estatal efetiva no que tange às necessidades sociais e de moradia, como

saneamento básico e escolas; muito menos recebem investimentos na área cultural, tanto no

sentido de melhorar a situação dos espaços que oferecem arte e cultura como no de apoiar os

processos e manifestações artísticas existentes.

Muitas instituições vêm promovendo ações com jovens na área da cultura, mas

acreditamos que, ainda, são poucas as que adotam a perspectiva de cultura como um direito de

todo ser humano. Em sua maioria, acabam por utilizar a cultura e a arte como instrumentos para

alcançar outros objetivos sociais, tais como a permanência na escola, a retirada dos jovens do

ócio, a diminuição da violência, etc. Nas palavras de Abramo:

Esse incremento [de programas, projetos e eventos de caráter cultural e lúdico para jovens, promovidos pelas organizações da sociedade civil] se deve à percepção a respeito do interesse dos jovens nessas atividades e da aposta na sua potencialidade criativa e como elemento propulsor do desenvolvimento pessoal e social deles. Tais atividades são propostas principalmente com dois tipos de perspectivas: como instrumento auxiliar na formação educativa; e como instrumento para evitar desvios na formação e desenvolvimento do jovem:

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para ocupá-lo positivamente e evitar que ele permaneça no ócio e à mercê dos perigos da rua, como a violência e delinquência (Abramo, 2001:4).

Para finalizar, a autora reforça, ainda, que ações culturais não devem ser apenas um

instrumento para outros fins, mas, sim, devem garantir o direito do jovem à cultura.

Estas são preocupações importantes, e a partir delas se montaram boas e avançadas propostas de atendimento a jovens; mas é importante afirmar a perspectiva da cultura como um direito do jovem, e não somente valorizá-la na medida em que evita que o jovem se torne um problema (Abramo, 2001:4).

Em entrevista concedida para esta pesquisa, L.G que atua na área de juventude nos

âmbitos da sociedade civil e setor público, na coordenadoria de juventude da prefeitura de São

Paulo e a gestora pública no Centro Cultural da Juventude (CCJ), contou o processo de

construção do equipamento público. E, evidenciou a influencia que a obra de Helena Abramo

teve para pensar a concepção do espaço público e na conceituação do que deveria ser uma

política cultural para a juventude.

O Centro Cultural da Juventude (CCJ) é um equipamento da Secretária Municipal de

Cultura que se dedica a ações culturais da juventude. Cinco são os objetivos institucionais;

I. promover atividades culturais e estimular a produção artística; II. produzir e divulgar informações de interesse dos jovens; III. ampliar a formação, o conhecimento, as oportunidades e as habilidades que auxiliem na inserção social dos jovens; IV. criar alternativas de lazer e convívio; V. articular-se com entidades e instituições ligadas à cultura e ao universo da juventude, bem como integrar e apoiar iniciativas locais. Para alcançar seus objetivos, foram desenvolvidos 11 programas que, juntos, promovem 39 projetos. (CCJ, 2012, acesso dia 20 de novembro de 2012)

O CCJ foi inaugurado em 27 de março de 2006, mas esteve todo o ano de 2005 em fase

de obras e de idealização do equipamento. A princípio, o espaço deveria ser um centro de

referência sobre juventude, mas, conforme o reconhecimento do espaço e discussão com

entidades e pessoas de referência na área de juventude, foi se configurando a ideia de voltar-se

para ações culturais da juventude.

Para a pesquisadora Fernanda Arantes e Silva (2010), o papel da gestora responsável foi

decisivo para a sensibilização do prefeito, na época, José Serra, para liberação e definição da

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construção do equipamento de cultura. Mais do que as demandas escutadas, o processo realizou-

se por conta das facilidades do momento e da vontade política, tornando-se um dos projetos

principais da Prefeitura. Podemos dizer que o que possibilitou a existência do CCJ foi a conjunção de algumas disponibilidades físicas, traduzidas no prédio em construção, e a pressão de gestores voltados para o tema da juventude. Mesmo tendo como marca a ausência de um planejamento estratégico em todas das ações voltadas para os jovens da cidade de São Paulo, o Centro recebeu todo o aparato de recursos financeiros e humanos para garantir a sua existência. Além disso, aos poucos conquistou uma inserção institucional no interior da Secretaria de Cultura, dando visibilidade às práticas e produções culturais dos jovens (SILVA, 2010:60).

O Centro trabalha com três princípios: (a) O acesso a uma programação elaborada e contratada por seus gestores; (b) A oferta de

seus espaços e recursos para a produção artística e cultural dos jovens; (c) A reflexão sobre a pertinência e a qualidade das iniciativas – públicas ou privadas – voltadas para o público jovem. (Centro Cultural da Juventude, 2012)

Para L.G, A cultura para os jovens é importante para a autonomia e construção de identidade de cada um. Portanto, um espaço pensado para a cultura dos jovens deve ser um espaço com liberdade (sem muitas regras) e que promova a criação artística dos jovens e não somente, que ofereça o acesso às manifestações artísticas existentes. (L.G, 2012)

Com relação à concepção de cultura, a então gestora acredita que o foco deve estar

também na produção cultural dos jovens. Para L.G (2012):

O CCJ foi bem sucedido na perspectiva de pensar o direito à cultura dos jovens. Primeiramente ia ser um centro de referência de juventude; porém ao conhecer o espaço destinado, percebemos que poderia ser algo mais, e resolvemos ampliar. Virou um equipamento de cultura, que garanta, não somente acesso as manifestações, mas também espaço de promoção à cultura dos jovens.

L.G também apontou a importância das organizações da sociedade civil na construção

desse equipamento público. Dentre vários exemplos, foi citada a parceria do CCJ com uma

organização visando à formação dos educadores do espaço. Para ela, as organizações, na época,

foram capazes de fazer uma leitura do contexto político e ajudaram a pensar em como deveria ser

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esse espaço para a juventude. Com acúmulo de conhecimento sobre o tema, ajudaram a pensar na

gestão e a pressionar o poder público, quando necessário, diante da delonga de alguma tomada de

decisão.

Organizando esse pensamento sob forma de tópicos, pode-se dizer que, naquele contexto

– construção e idealização do CCJ - o papel das OSCs foi de:

(i) Produção de conhecimento e análise do contexto social e político em questão;

(ii) Assessoria e parceria para formação e gestão de espaços, públicos e pessoas;

(iii) Pressão e monitoramento, no poder público, para definição de políticas públicas e

ações públicas;

(iv) Acúmulo de conhecimento.

A Ação Educativa vem tomando um caminho diferente. Essa organização nasceu da

educação popular e dos movimentos de alfabetização de jovens e adultos. A partir dessa

realidade, consolidou-se como uma referência na área de juventude e, atualmente, tem sido

identificada como um espaço de promoção da cultura de periferia. São três perspectivas que

dividem o mesmo lócus, mas que estão separadas em áreas institucionais diferentes – educação,

juventude e cultura.

Um dos coordenadores da Ação Educativa relatou que, a princípio, o espaço de cultura

era pensado para os jovens, por conta de eventos ligados ao movimento hip hop e foi tomando

forma até nascer uma área de cultura, por isso, ele conclui: “nascemos da costela do Programa de

Juventude” (Ação Educativa, 2009:16). O coordenador também aponta que, dentro de uma

perspectiva dos direitos humanos, que são universais e, portanto, abrangem todos os cidadãos, o

espaço de cultura da Ação Educativa amplia as atividades para outros públicos não compostos

somente os jovens.

Acreditamos, portanto, que, a partir do conhecimento mais profundo sobre a ação dessa

organização e com base nas informações contidas na página web e em outros documentos

adquiridos, além das obtidas em entrevistas, é possível identificar nossa perspectiva de análise na

ação dessa organização.

O objetivo deste capítulo foi discorrer sobre a situação em que as organizações da

sociedade civil concebem a cultura e as artes. Para isso, foi necessário fazer um recorrido

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histórico sobre a sociedade civil no Brasil e suas diversas formas de atuação. A partir daí, foi

possível identificar que a concepção de cultura como direito permeia diversos outros pontos,

como financiamento dos projetos e públicos atendidos.

Para tal, o capítulo a seguir apresentará a noção de direito à cultura, que será discutida ao

longo desta dissertação, na perspectiva da cidadania cultural proposta por Marilena Chauí.

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Capítulo 2 - Do direito à cultura

2.1 A propósito do conceito de cultura

Para analisar a atuação das organizações da sociedade civil na área da cultura e a forma

como elas se apropriam das linguagens culturais no seu fazer político, é necessário, a princípio,

lançar um olhar sobre o que entendemos por cultura e discutir algumas matrizes conceituais com

intuito não só de ampliar a discussão sobre cultura como também de pensar nas possíveis

matrizes que servirão, ao longo deste trabalho, como antecessores teóricos para a construção do

que, depois, surgiu como direito humano à cultura.

Autores em consonância com os estudos culturais ingleses, em particular Raymond

Williams, construíram uma importante reflexão sobre cultura e sobre sua apropriação pelas

classes sociais, dentro de uma perspectiva de debate do marxismo cultural britânico. Ao analisar

o vocábulo e sua origem histórica, verifica-se que a palavra cultura origina-se do latim colere -

cultivar, habitar, tomar conta, criar e preservar: “cultura era um substantivo que se referia a um

processo: o cuidado com algo, basicamente com as colheitas ou com os animais.” (Williams,

2007:117). Somente a partir do século XVIII, a noção de cultura como “substantivo independente

e abstrato que descreve um processo de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético”

(Williams, 2007:121) passa a existir.

Hanna Arendt amplia a noção de cultivo e apresenta cultura como sendo o cuidado com

os deuses e com os monumentos do passado. “Fundamentalmente, escreve ela [Hanna Arendt],

cultura era a relação dos humanos com a natureza para torná-la habitável para os homens.”

(Chaui, 2006:12).

A modernidade transformou a sociedade e também a vida das pessoas, modificando a

forma de os indivíduos relacionarem-se e, portanto, modifica a concepção de cultura. Para

Hannah Arednt (1972), a sociedade moderna muda e afeta os indivíduos e sua sociabilidade. Em

“Crise da Cultura”, a autora aborda a cultura e os impactos vividos na sociedade moderna sob o

ponto de vista de uma sociedade de massas.

O objeto cultural é algo que dura, que pode permanecer a sociedade por séculos. Sua

imortalidade não tem relação com sua funcionalidade; a obra de arte não precisa ser funcional,

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deve permanecer, durar ao longo dos anos. Com a cultura de massas – provinda da sociedade de

massas, na qual o indivíduo não vê mais o objeto cultural como tal, mas sim como algo a ser

consumido por diversão – a concepção de cultura se modifica por completo. Em suas palavras; “a

sociedade de massa, ao contrário, não precisa de cultura, mas de diversão” (Arendt, 1972: 257).

Para a autora, indivíduos consomem objetos culturais ou obras de arte como trampolim

para uma possível ascensão social, usam a arte com objetivo próprio – o de alcançar uma posição

social. A cultura perde, portanto, a concepção de troca entre indivíduos. E, na sociedade,

linguagem e aprendizado são substituídos por consumo e status.

A cultura de massas passa a existir quando a sociedade de massas se apodera dos objetos culturais, e o perigo é de que o processo vital da sociedade (que como todos os processos biológicos arrasta insaciavelmente tudo que é disponível para o ciclo de seu metabolismo) venha literalmente a consumir os objetos culturais, que os coma e destrua. (Arendt, 1972: 260)

Na reflexão proposta por Arendt, não há uma concepção contrária à democratização dos

bens culturais, tão pouco à difusão deles. Para ela, a contradição existe quando os bens culturais

são consumidos, somente, para uma possível ascensão social.

Não estou me referindo, é óbvio, à distribuição em massa. Quando livros ou quadros em forma de reprodução são lançados no mercado a baixo preço e atingem altas vendagens, isso nao afeta a natureza dos objetos em questão. Mas sua natureza é afetada quando estes mesmos objetos são modificados – reescritos, condensados, resumidos (digested), reduzidos a kitsch na reprodução ou na adaptação para o cinema. Isso não significa que a cultura se difunda para as massas, mas que a cultura é destruída para produzir entretenimento. (Idem)

A difusão, quando feita de forma aberta e democrática, é um ganho para a sociedade

moderna, que aproxima indivíduos, vidas e sociedades. A questão não é a distribuição da cultura

em si, mas a forma como é feita, reduzindo os objetos culturais a entretenimento, a consumo puro

e simples e, muitas vezes, destruindo-os para o simples entretenimento e jogo das aparências.

Raymond Williams aprofundou o conceito de cultura como um processo social e político

e como elemento de transformação social, mantendo uma perspectiva histórica marxista. O autor

analisa a cultura como processo histórico e, partindo dela, desenvolve a noção de que cultura é

central na formação da sociedade, dos indivíduos e de suas instituições. Para Williams, cultura

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está arraigada ao modo de vida, ao cotidiano das pessoas, e não deve ser entendida apenas como

uma concepção da norma culta, ilustrada, oficial.

Raymond Williams viveu de 1921 a 1988 e foi um representante dos estudos culturais

ingleses. Escolhendo entre seus precursores Bakhtin e Gramsci, alimentou-se das obras desses

autores para aprofundar o conceito de cultura como um processo social e político e elemento de

transformação social. Buscou chegar a uma teoria geral da cultura, procurando unir as duas

vertentes dos estudos sociológicos e culturais e criando a convergência entre: a) as artes de um

povo – seu espírito formador, instituições e atividades, e seus interesses e valores – e b) a

investigação de uma ordem social geral das manifestações culturais. Em suas palavras:

Sua (da sociologia da cultura) abordagem global requer, como veremos, novos tipos de análise social de instituições e formações culturais, e o estudo das relações concretas entre estas e os meios materiais de produção cultural, por um lado, e, por outro, as formas culturais concretas. O que congrega tudo isso é, distintamente, uma sociologia, mas, nos termos da convergência, uma sociologia de novo tipo (Williams, 2008:14).

Williams, em diálogo Gramsci, olha profundamente para as manifestações populares. E

acredita que cultura é um modo de vida, é uma prática política social.

No verbete cultura do livro Palavras-chave (2007), Williams aponta três categorias de

uso: a primeira, quando cultura significa um processo de desenvolvimento intelectual, espiritual e

estético; a segunda, quando é usada para identificar um modo geral ou específico, uma forma

particular de vida de um povo ou grupo; e, por fim, a terceira, quando se usa o termo cultura para

descrever as obras e práticas da atividade intelectual e, particularmente, artística. O autor lembra

que este último é, hoje, o emprego mais difundido do termo, contudo isso não descarta a mescla

de sentidos que há no uso dessa palavra e que cultura pode ter, ao mesmo tempo, esses três

significados. Williams foi fundo na questão da cultura e sua complexidade de sentidos. Defendeu

a criação de uma sociologia da cultura que fosse ampla.

Em uma perspectiva mais latino-americana, Jesús Martín-Barbero, traz, nos seus estudos,

o pensamento da região, apropriando-se de narrativas latino-americanas e ajudando a construir

um pensamento regional sobre Comunicação e Cultura. Profundamente influenciado pelos

estudos culturais ingleses, busca aplicar, na América Latina, a noção de cultura como vida

cotidiana; e aprofunda os conceitos adquiridos através da leitura de Gramsci para abordar o tema

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da cultura dentro do pensamento marxista. Na releitura desses autores (Gramsci e Williams),

Martin-Barbero aponta a cultura popular como expressão das classes subalternas e como

possibilidade da transformação social. Para ele, a hegemonia da classe culta não deve ser aceita

como simples imposição; existem processos conflituosos e brechas/espaço para a cultura vinda

das classes populares. A cultura não é a luta entre classes com perfil homogêneo, e em processo

de permanente dominação de uma classe sobre a outra, mas sim campo de negociação pela

constituição de hegemonias. O autor não nega a existência de dominação de algumas classes

sobre outras, mas acredita que a formação cultural e histórica se dá através dos conflitos gerados

entre classes e dentro de uma mesma classe social.

Nem toda a assimilação do hegemônico pelo subalterno é signo de submissão, assim como a mera recusa não é resistência, e que nem tudo que vem “de cima” são valores da classe dominante, pois há coisas que vindo de lá respondem a outras lógicas que não são as da dominação (Martin-Barbero, 2001:119).

Quando fala de brechas, o autor aponta também para a possibilidade de escolha do sujeito.

Acredita que os indivíduos podem se expressar, mesmo que inseridos numa sociedade capitalista

composta por fortes indústrias culturais. Ao falar de cultura na América Latina, identifica a

necessidade de criar um “mapa noturno” de análise. Somos seres que vivem frente à dominação e

ao sistema capitalista, porém, para Martin-Barbero, é possível e devemos buscar brechas que nos

façam ser mais sujeitos nesta atual realidade social.

Com base nas considerações descritas acima, podemos indicar que, em nossa perspectiva

de estudo, a promoção do direito à cultura não poderia estar centrada somente no acesso das

camadas populares à cultura ditada pela norma culta, mas também, na promoção das

manifestações artísticas idealizadas pelas camadas subalternas. Ainda é preciso reforçar o papel

do sujeito protagonista em sua ação cultural e social; como diz Barbero, olhar a sociedade através

das contradições, mas sempre buscando as brechas e o papel do sujeito nela.

Marilena Chaui aponta que, para “além das mudanças apontadas por Williams e Arendt”

(Chaui, 2006:13), há uma disputa de poder entre as classes sociais que determinam as concepções

sobre cultura. Para a autora, as classificações são determinadas pelas relações sociais e de classe.

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Elucida tal argumento, observando a contraposição existente entre arte erudita e arte popular e

consumida pela mesma classe de letrados e cultos.

Ainda que cultura passasse a significar o campo materialmente determinado das formas simbólicas e dos modos de vida de uma sociedade, a divisão social das classes como distinção entre “culto” e “inculto” tornou-se predominante. Com ela: 1) a cultura e as artes distinguiram-se em dois tipos principais: a erudita (ou de elite), própria dos intelectuais e artistas da classe dominante, e a popular, própria dos trabalhadores urbanos e rurais; 2) quando pensadas como produções ou criações do passado nacional, formando a tradição nacional, a cultura e arte populares receberam o nome de folclore, constituído por mitos, lendas e ritos populares, danças e músicas regionais, artesanato etc.; e 3) a arte erudita ou de elite passou a ser constituída pelas produções e criações das belas-artes, consumidas por um público de letrados, isto é, pessoas com bom grau de escolaridade, bom gosto e consumidoras de arte (Chaui, 2006:13)

O texto de Marilena Chaui discute a relação entre cultura e política e a ideia de que, para

o pensamento da esquerda, a cultura deve ser vista como esperança, como caminho para

emancipação social capaz de mudar uma sociedade.

Para a esquerda, a cultura é a capacidade de decifrar as formas da produção social da memória e do esquecimento, das experiências, das ideias e dos valores, da produção das obras de pensamento e das obras de arte e, sobretudo, é a esperança racional de que dessas experiências e ideias, desses valores e obras surja um sentido libertário, com força para orientar novas práticas sociais e políticas das quais possa nascer uma outra sociedade (Chaui, 2006:9, grifos da autora).

2.2 Cultura como direito humano

[…] como já disse Marx, ser radical é apanhar as coisas pela raiz. Em uma cidade polarizada entre a carência extrema e o privilégio extremado, ser radical é difícil e muito simples: basta optar pela democracia (Chaui, 2006:102).

A noção de cultura como direito é uma reflexão que não poderia estar separada do fazer

político, na medida em que, para os autores que embasam este estudo e para as organizações da

sociedade civil, cabe ao Estado garantir os direitos dos cidadãos. Falar de um estado de direito, é

pensar na democracia.

Para Marilena Chaui (2006), a democracia possui três características fundamentais que

orientam as relações sociais neste sistema político. A primeira delas é a percepção do conflito

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como centralidade para a transformação social e política, portanto, para a filósofa, “o conflito não

é obstáculo, é a constituição mesma do processo democrático” (2006:138). A segunda

característica vem da noção de criação de direitos no regime democrático. A democracia é um

regime político que não se baseia no privilégio, e sim nos direitos dos cidadãos. E não só nos

direitos já estabelecidos, mas também naqueles construídos por meio do conflito e das disputas,

no seio da sociedade, que forçaram o surgimento de novos sujeitos políticos e novos direitos.

“Ela [a democracia] é, fundamentalmente, processo de criação de direitos (o que também é uma

das suas originalidades) e, por isso mesmo, é uma forma política aberta ao tempo e à história”

(Ibidem). A democracia é um regime que se baseia no coletivo, não está preso a um único setor

da sociedade, mas concebe a forma social da existência coletiva e institui a sociedade

democrática. No Estado democrático, presa-se a separação do ente público do privado.

De fato, com a ideia e a prática da soberania popular, nela se distinguem o poder e o governo – o primeiro pertence aos cidadãos, que o exercem instituindo leis e as instituições políticas ou o Estado; o segundo é uma delegação de poder, por meio de eleições, para que alguns (legislativo, executivo, judiciário) assumam a direção da coisa pública (Chaui, 2006:139).

E, do poder soberano do povo, vê-se a última característica: na democracia existe a

possibilidade de participação nas decisões políticas do regime. A questão da participação social.

Na democracia, a população pode, e deve, participar das decisões políticas e dos caminhos

traçados por seus governantes, os quais antes de mais nada, foram delegados como representantes

de toda a sociedade para cuidarem das instituições públicas, legislarem e garantirem o

cumprimento dos direitos e deveres dos cidadãos. O poder é do povo; ao governante somente é

delegado esse poder enquanto durar seu mandato político.

Algumas organizações e movimentos sociais têm proposto uma reforma no sistema político

brasileiro a fim de ampliar o espaço de participação na esfera pública. Para eles, é crucial essa

modificação para contornar o mau uso do poder que alguns governantes têm feito e proporcionar

a participação cidadã nas decisões políticas do país.

Em entrevista concedida à Abong, José Antonio Moroni, militante da Plataforma dos

Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político Brasileiro, reforça:

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A questão da forma de fazer política e exercer o poder e seus mecanismos é um debate no qual a sociedade tem todo o direito de participar e decidir. Afinal, todo o poder, inclusive o da representação, é uma delegação da sociedade (Abong:2011).

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político Brasileiro foi

criada em 2005 e organiza-se em torno de cinco eixos:

1) fortalecimento da democracia direta; 2) fortalecimento da democracia participativa; 3) aperfeiçoamento da democracia representativa; 4) democratização da comunicação e da informação; e 5) transparência e democratização do Poder Judiciário (Reforma Política, 2013).

Contudo essa participação ainda está restrita, na medida em que a população ainda não

pode legislar as leis; mesmo com a pressão feita por alguns movimentos sociais e organizações,

ela ainda se encontra à margem das decisões. Para conseguir apresentar um projeto de lei vindo

da sociedade civil, é necessário apresentá-lo por meio de uma iniciativa popular assinada por

mais de um milhão de pessoas.

Na tentativa de modificar esse quadro, em 2011, a Plataforma e outros movimentos sociais

lançaram a Proposta de Iniciativa Popular de Reforma Política. O objetivo é alcançar 1,5 milhão

de assinaturas e conseguir levar um projeto de lei para votação no Congresso Nacional. Afinal,

participar do processo político é um direito de toda cidadã e cidadão. Durante a escrita desta

dissertação, a Plataforma pela reforma política ainda mobilizava a população para alcançar o

número necessário de assinaturas.

Para Chaui (2006, p. 140), “Só há democracia com a ampliação contínua da cidadania”. E

no caso da cultura, não poderia ser diferente. Podemos dizer que a democracia propicia uma cultura da cidadania. É nesse contexto de luta e ampliação da cidadania que podemos introduzir a ideia de cidadania cultural, ou seja, a cultura política democrática abre-se para uma democracia cultural (Ibidem, grifos da autora).

A efetivação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais, os Dhescas,

é garantida por meio da consolidação de políticas públicas e, muitas vezes, por meio de pressão e

mobilização social em luta pelas demandas sociais de novos direitos. Isso posto, frente à reflexão

sobre o exercício do direito à cultura, cabe, também, discutir sobre o que se entende por uma

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política pública cultural.

Os apontamentos feitos por Marilena Chaui foram descritos em Cidadania Cultural: o

direito à cultura, 1a edição publicada em 2006, mas muito da sua reflexão se deve, também, à sua

biografia como pesquisadora e gestora pública. A autora foi fundadora do partido dos

trabalhadores e escreveu, junto com outros colaboradores, o texto Política Cultural, de 1985, 2a

edição. Como gestora pública, foi Secretária Municipal de Cultura de São Paulo durante a gestão

de Luiza Erundina, de 1989 a 1993.

Conforme apontado no início deste capítulo, a concepção de cultura da autora tem forte

relação com a política e com a consciência do papel da cultura para a emancipação social.

Portanto não há como analisar a perspectiva de Marilena Chaui sobre direito e cultura fora da

contextualização de sua experiência como gestora pública.

As contribuições de Chaui para a concepção do direito humano à cultura possuem, como

referência, a experiência de um de seus antecessores: o poeta Mário de Andrade como homem

público. A própria autora faz essa menção quando relata o ponto de partida para a construção da

política cultural. Para a autora, não existia uma tradição, na esfera pública, sobre o tema da

cultura e da política cultural.

A ideia de definir para a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (SMC) uma política cultural, em vez de um programa de atividades e serviços culturais, nasceu da exigência imposta pelas circunstâncias, isto é, do fato de tratar-se da primeira gestão pública da cultura pelo Partido dos Trabalhadores (PT), na cidade de São Paulo. Em outras palavras, do fato de não possuirmos uma tradição que pudesse ser simplesmente seguida, mas que precisava ser criada, tendo como referência, por um lado, algumas políticas anteriores (em especial as de Mário de Andrade e de Sábato Magaldi) e, por outro, algumas tradições que pretendíamos recusar (Chaui, 2006:66)

Os conceitos foram sendo construídos por conta das ações públicas concretizadas dentro da

esfera pública – a política e a reflexão caminhando juntas - por autores que acreditavam que a

cultura deveria deixar de ser um privilégio de algumas classes sociais, ampliando o escopo de

atendimento para toda a sociedade.

Sábato Antonio Magaldi foi Secretário Municipal de Cultura de São Paulo, de 1975 a 1979,

durante a administração Olavo Egydio Setúbal. Crítico literário e teatrólogo, nasceu em 1927, em

Belo Horizonte, Minas Gerais. Antonio Augusto Calil foi um de seus assessores dentro do

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gabinete da secretaria e, em sua análise, aponta que foi uma gestão considerada de vanguarda e

que conseguiu avanços na democratização do acesso à cultura, com algumas atividades

relacionadas à programação do teatro municipal e também com o enfrentamento do

conservadorismo da ditadura militar. A gestão dele foi muito interessante. Ele é um homem muito dedicado, que se entregou totalmente. A coisa que mais me impressionava era vê-lo fora do expediente – às vezes muito aflito, escrevendo cartas ao Estado de São Paulo, defendendo-se das acusações de um sujeito chamado João Câncio Póvoa que achava nossa gestão muito vanguardista […] Ele tinha vínculos com os interesses que o Sábato contrariou lá. Essa foi uma das batalhas dele. Ele, Sábato, enfrentou ali o lobby dos empresários de óperas que traziam as óperas já prontas por um preço nada palatável e já tinham um pouco de domínio na casa, já tinham relações promíscuas com a casa. Enfim, a primeira coisa que ele enfrentou foi isso, que o Mário também enfrentou. Curiosamente, você abre os processos do Mário de Andrade e está lá, ele dizendo: “Tem que acabar com esses empresários de ópera!” […] Um outro problema que eu me lembro que foi muito desgastante, foi quando ele patrocinou o festival da Ruth Escobar, que era uma pessoa visada pela ditadura e que usou o Teatro Municipal para fazer teatro de vanguarda. […] Enfim, você pode imaginar, era um embate interessante entre as forças mais retrógradas ainda presentes e ele tentando abrir aquilo, abrir o Teatro [Municipal], para ventilar, tirar o mofo, está certo? (Calil, Biblioteca Mario de Andrade, 2008).

Ao fundar o Departamento Municipal de Cultura, em 1931, e depois redigir o anteprojeto

que serviu de base para a criação do, então, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

Sphan, Mário de Andrade demonstrava sua presença de homem público. Buscava criar meios na

esfera pública para abrandar a dicotomia entre cultura culta e cultura popular e dar espaço às artes

vindas das camadas populares. O escritor acreditava que a cultura abarcava todo o universo da

produção cultural:

Entende-se por Patrimônio Artístico Nacional todas as obras de arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira, pertencentes aos poderes públicos, a organismos sociais e a particulares nacionais, a particulares estrangeiros, residentes no Brasil (Andrade, 1981: 39).

Acreditava, também, que cabia aos órgãos públicos democratizá-la, tornando-a mais

acessível e tirando-a das camadas privilegiadas. E, com essa premissa, fez uma grande etnografia

das artes brasileiras em viagens como assistente técnico do Sphan e por conta própria,

fotografando a cidade de São Paulo, ou em viagens pelo Brasil, como a feita para Minas Gerais,

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em 1924.

Sua participação terminou no final dos anos 30, quando o Departamento Municipal de

Cultura foi fechado, em 1938, mas as ideias e diretrizes deste autor permeiam as concepções de

cultura e política cultural até os dias de hoje. Pode-se dizer que a experiência de Mario de

Andrade foi importante para a construção de algumas políticas culturais posteriores.

Marilena Chaui e seus colaboradores, Antonio Cândido, Lélia Abramo e Edélcio Mostaço,

podem ter sido influenciados pelas experiências de Mario de Andrade e Sábato Magaldi ao

conceberem o texto Política Cultural, que foi apresentado internamente ao diretório nacional do

partido dos Trabalhadores, PT, em 1985. Ali descrevem o que deveria ser uma política cultural

defendida pelo partido e pela esquerda no Brasil, e afirmam que seria preciso compreender

cultura:

[...] entendendo que cultura, em sentido amplo, é formada pelos conjuntos de símbolos que em diferentes épocas e em diferentes lugares exprimem os pensamentos, os sentimentos e as ações dos homens. Nesta perspectiva ampla, todos os seres humanos, enquanto humanos, participam da cultura, seja como produtores de ideias, de praticas e de símbolos, seja como reprodutores da cultura estabelecida (Chaui e outros, 1985:27)

A compreensão de que cultura deve ser entendida como una e não separada entre a cultura

culta e a cultura popular leva ao entendimento de que por trás dessa dicotomia está uma

sociedade de classes e capitalista, uma sociedade dividida entre pobres e ricos. Dentro dessa

percepção, pode-se dizer que uma sociedade que entende a cultura como aquela feita

intelectualmente e pelos representantes das classes da elite, ditas cultas, não pode ser

compreendida como uma sociedade democrática. “Todos os membros de uma sociedade

produzem, reproduzem e consomem cultura” (Ibidem:27). Nesse sentido, a autora acredita que

são sujeitos sociais e políticos que se manifestam, entram em conflito, lutam por seus direitos e

exprimem seus interesses e percepções sobre o que é ou não é arte. Chaui aponta que cultura não

pode estar à margem, não pode ser algo de poucos, de privilegiados.

[...] no exercício do direito à cultura, os cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em conflito, comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e movem todo o processo cultural. Afirmar a cultura como um direito é opor-se à política neoliberal, que abandona a garantia de direitos, transformando-os em

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serviços vendidos e comprados no mercado e, portanto, em privilégios de classes (Chaui, 2006:138, grifos da autora).

A cidadania cultural, de Marilena Chaui assim como posto por Mario de Andrade, persistia

na ideia de olhar para a cultura sem pedagogias e apontar alguns sentidos sobre a arte e cultura

brasileiras e a necessidade de preservá-las e democratizá-las.

Para a autora, compreende-se “a cultura como direito dos cidadãos e como trabalho de

criação dos sujeitos culturais” (Ibidem:75). Com o olhar atento para a cidade de São Paulo, a

filósofa demarcava a necessidade de “desmontar uma separação geográfica que opera em São

Paulo como estigma social e cultural: a divisão entre o centro e a periferia” (Ibidem:71).

A política cultural proposta parte de quatro perspectivas determinantes, que são;

a) a noção alargada do termo cultura, afastando-se da ideia, simplesmente, de Belas Artes

e retomando uma concepção antropológica de cultura como “elaboração coletiva e socialmente

diferenciada de símbolos, valores, ideias, objetos, práticas e comportamentos” (Ibidem:72);

b) a definição política de cultura como direito de todos, sem exclusões nem privilégios;

c) a definição conceitual de cultura como trabalho de criação; e

d) a definição de sujeitos sociais como sujeitos históricos, articulando o trabalho cultural

ao trabalho da memória social.

Com base nesses fundamentos, a autora determina o que, para ela, se compreende como

direito à cultura:

• O direito de produzir cultura, seja pela apropriação dos meios culturais existentes, seja

pela invenção de novos significados culturais; • O direito de participar das decisões quanto ao fazer cultural; • O direito de usufruir dos bens da cultura, criando locais e condições de acesso aos bens

culturais para a população; • O direito de estar informado sobre os serviços culturais e sobre a possibilidade de deles

participar e usufruir; • O direito à formação cultural e artística pública e gratuita nas Escolas e Oficinas de

Cultura do município; • O direito à experimentação e à invenção do novo nas artes e humanidades; • O direito a espaços para reflexão, debate e crítica; • O direito à informação e à comunicação (Ibidem:71, grifos nossos).

Produção, participação, formação, experimentação, reflexão, informação e comunicação

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são, portanto, os substantivos que descrevem os direitos culturais na perspectiva da cidadania

cultural. E, com essas ideias, foram construídos os principais programas da Secretaria Municipal

de Cultura no período de 1989 – 1993. Os programas “articularam práticas de criação, fruição e

participação culturais com ênfase na descentralização” (Chaui, 2006:90). A descentralização era

tomada por dois aspectos: descentralização geográfica – relação centro e periferia - e

descentralização da gestão, por meio da criação da representação popular nos espaços de decisão

e participação social.

Alguns projetos surgidos nessa gestão foram: (i) Casas de Cultura: “concebidas como

centros de irradiação da produção cultural local e de recepção da produção cultural de outras

regiões” (Ibidem:91) e instaladas em espaços públicos ociosos reutilizados; (ii) Ação Cultural

Regionalizada: organizava espaços de reflexão e debate sobre os temas da cultura em parceria

com movimentos sociais e gestores públicos; (iii) Biblioteca do Cidadão: promoveu a ampliação

da rede municipal de bibliotecas públicas e atividades de estímulo à leitura; (iv) Direito à

Memória: foi um programa de restauro, revitalização e dinamização de espaços históricos; (v)

Experimentar e Inovar nas Artes Cênicas: reformava teatros e tinha parceria com grupos teatrais

para apropriação de espaços e teatros públicos; (vi) Arte na Escala Pública: promovia a criação,

na cidade, de um espaço de reflexão e experimentação; (vii) Projetos Especiais: abriam a

possibilidade da criação de projetos específicos vindos de sugestões da sociedade.

Não é objeto desta pesquisa analisar, profundamente, cada um desses programas. O intuito

é buscar preceitos construídos pela então secretaria de cultura e identificar se a política da

cidadania cultural tem sido utilizada por novas propostas culturais. “Sabemos, hoje, que o

projeto de uma política como a da Cidadania Cultural foi sendo adotado em muitas cidades e

estados do Brasil.” (Ibidem:88). Não obstante, sua gestão pode ser entendida como uma

referência para algumas políticas culturais desenvolvidas no Brasil.

2.3 Exercício dos direitos culturais

Sob a égide do conceito de diversidade cultural, alguns atores sociais e instituições

buscaram relacionar a concepção de cultura como direito, determinando que as expressões

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culturais de grupos sociais e das sociedades devem ser protegidas. E determinaram o papel e as

responsabilidades dos Estados Nacionais para sua manutenção.

Em 2005, a Organização das Nações Unidas, ONU, convocou diversos agentes

governamentais e da sociedade civil para construírem e pensarem nas melhores formas de

garantir os direitos culturais dos povos. Ali, definiram o conceito de diversidade cultural como:

A multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e das sociedades. A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade de expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação artística, produção, difusão e distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados (Unesco, 2005).

A ideia de diversidade está ligada aos conceitos de pluralidade e multiplicidade, de

diferentes ângulos de visão ou de abordagem, heterogeneidade e variedade. Neste sentido, é a

multiplicidade de expressões culturais que compreende os povos do mundo. Essa definição foi

uma das resoluções decididas durante a Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade

das expressões culturais, que foi celebrada no dia 20 de outubro de 2005, na Conferência Geral

da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris.

Diversidade cultural apresenta as diversas formas culturais dos grupos e sociedades

existentes e busca ampliar a concepção de direito à cultura, identificando suas formas de

expressão, de produção, de acesso e difusão dos objetos culturais. Há diferenças culturais entre as

pessoas e as sociedades que englobam questões como a linguagem, vestimenta e tradições bem

como as formas de organização, concepções de moral e de religião e a interação entre indivíduos

e com o meio ambiente.

A convenção da ONU foi promulgada e ratificada pelo então Presidente da República,

Luís Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2007. Contudo a ideia de cultura como direito humano

ainda é pouco reconhecida pela sociedade brasileira. Um dos principais programas do Ministério

da Cultura (MinC), o Cultura Viva, tem como marco legal a Convenção. Na página web do

MinC, é possível encontrar referências aos documentos sobre diversidade cultural.

Contudo alguns programas públicos possuem como característica central relacionar cultura

e cidadania. James Abreu, em tese de doutorado sobre o Programa VAI, identificou em algumas

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políticas públicas, a correlação entre cidadania e cultura, e reconheceu que tais programas

promovem a cultura, mas buscando, também, promover o exercício do direito cultural dos

cidadãos.

Em comum, estes programas [Cultura Viva, Proac e Programa Vai] apresentam a peculiaridade de permitir significativa aproximação entre cultura e cidadania, propiciando condições para que diferentes manifestações e práticas culturais, tradicionalmente sufocadas, possam expressar-se livremente, de forma mais direta e com relativa capilaridade. Enfim, como políticas públicas que garantam de forma efetiva o exercício dos direitos culturais (Abreu, 2010:11).

Não obstante, parece salutar a afirmação de Abreu (2010), na medida em que os

três programas citados pertencem às esferas nacional, estadual e municipal, o que compreende

um universo amplo de política pública, e buscam promover a cultura como ação social, apoiando

expressões artísticas na sociedade.

2.3.1 Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva.

O Programa Cultura Viva foi criado em 2004 para viabilizar recursos para a instalação de

Pontos de Cultura, selecionados por meio de editais públicos; criado pelo Ministério da Cultura e

executado pela Secretaria de Cidadania Cultural (SCC). O recurso é destinado ao apoio à compra

de material multimídia e à realização de iniciativas culturais. Seu objetivo é fortalecer as

manifestações culturais e a produção audiovisual nas comunidades de baixa renda.

Fruto de uma política do governo federal idealizada durante a gestão do presidente Lula e

do Ministro da Cultura Gilberto Gil, esse programa propõe-se a fortalecer pontos já existentes da

expressão da cultura brasileira, oferecendo recursos financeiros para potencializar suas ações.

[...] o programa Cultura Viva se propôs a estabelecer novos parâmetros de gestão de democracia na relação entre Estado e Sociedade orientados pela articulação dos conceitos de empoderamento, autonomia e protagonismo social. Essa perspectiva constitui os Pontos de Cultura como espaço de ressignificação da criação cultural ao suscitarem práticas de diversas linguagens estéticas relacionadas entre si que consideram a dinâmica cultural local e incorporam conhecimento apreendido ao patrimônio cultural das comunidades (Vilutis, 2009:81).

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Com o término da gestão de Lula e entrada de Dilma Rousseff, em 2011, na presidência,

houve uma série de mudanças no Programa original, por conta da troca dos ministros da cultura,

contudo, como isso não será objeto desta dissertação, esta ater-se-á à estrutura inicial do

programa.

No site do Programa Cultura Viva, pode-se encontrar o público prioritário do Programa:

• Populações de baixa renda, habitantes de áreas com precária oferta de serviços públicos,

tanto nos grandes centros urbanos como nos pequenos municípios;

• Adolescentes e jovens adultos em situação de vulnerabilidade social;

• Estudantes da rede básica de ensino público;

• Professores e coordenadores pedagógicos da educação básica;

• Habitantes de regiões e municípios com grande relevância para a preservação do

patrimônio histórico, cultural e ambiental brasileiro;

• Comunidades indígenas, rurais e remanescentes de quilombos;

• Agentes culturais, artistas e produtores, pesquisadores, acadêmicos e militantes sociais

que desenvolvem ações de combate à exclusão social e cultural.

O acesso ao programa ocorre por meio de editais públicos para uma de suas cinco áreas

de ação: Pontos de Cultura, Cultural Digital, Agente Cultura Viva, Griô Nacional e Escola Viva.

Podem participar dos editais instituições da sociedade civil que sejam sem fins lucrativos e de

caráter cultural. Os recursos podem ser destinados para a compra de equipamentos e para a

dinamização da comunicação da instituição. A intenção de articular espaços já existentes de

cultura é um ponto revelador do programa, na medida em que, a parceria com a sociedade civil

consegue responder às demandas de equipamentos culturais nas cidades, em particular nas

periferias, e, por outro lado, fortalece grupos culturais já estabelecidos.

Os Pontos de Cultura nos oferecem elementos para identificar a característica do direito cultural relativa à participação na vida cultural da comunidade. Por um lado, eles revelam uma alternativa às carências de equipamentos culturais nos municípios, ao acionar diversos espaços para uso e fruição cultural. Por outro lado, o projeto experimentado nesses equipamentos cria elos por meio dos quais são dinamizados os processos sociais de organização de jovens, mestres de saberes, representantes da cultura local, aprendizes e diversos sujeitos, com variadas formas de expressão, que, articulados em rede, potencializam a qualidade de vida da comunidade, estimulam a autoestima das pessoas e reinventam usos e criações culturais (Vilutis, 2009:117).

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Alguns programas de governo que apoiam iniciativas da sociedade civil nas áreas da

cultura têm destinado recursos para associações e grupos culturais e fortalecido,

institucionalmente, a ação dessas associações culturais e grupos. Segundo o Ministério da Cultura

(2012), até 2011, foram implementados 3.703 Pontos de Cultura, presentes em todos os estados

do Brasil, alcançando cerca de mil municípios.

Apesar de os jovens/juventudes constarem da lista que relaciona os públicos prioritários

desta política, não se pode considerá-la como uma ação pública específica para esse setor da

sociedade. Mas, certamente, os jovens usufruem dos editais públicos para acessar recursos e

financiamento. Muitas organizações da sociedade civil, cujo público alvo é a juventude, entraram

com projetos para acessar os recursos deste programa através de editais públicos. Muitas

conseguiram, e são pontos de cultura. Neste sentido, apesar de não ser uma política diretamente

voltada para os jovens/juventude, tem conseguido fortalecer a ação de coletivos culturais juvenis

e ampliar o direito à cultura desse público. Conforme discutido no primeiro capítulo, a

observação de que boa parte das organizações que trabalha com cultura tem também como foco

de ação o público jovem, traz uma informação importante para nossa análise.

A Ação Educativa é uma dessas organizações contempladas pelo edital público, tornando-

se um ponto de cultura do estado de São Paulo e, também, um Pontão de Cultura.

Pontões de cultura são entidades jurídicas de direito público ou privado sem fins lucrativos, de natureza/finalidade cultura, que desenvolvem e articulam atividades culturais, nos eixos da informação, comunicação e educação, em parceria com as redes temáticas da cidadania e da diversidade cultural e/ou os Pontos de Cultura (MinC, 2012),

Contudo, o coordenador da área de cultura da Ação Educativa, em entrevista, informou

que, apesar de obterem a aprovação para a assinatura do convênio para Pontão de Cultura e para a

realização das atividades, o recurso financeiro nunca foi repassado e que, com a mudança do

governo, em 2011, a situação complicou-se. Essa afirmação feita pelo técnico pode ser

referendada com base no texto “Cultura Viva em números”, publicado pelo MinC (2012:11), que

aponta que, dos 143 Pontões existentes, 75 deles não estão vigentes, estando em vigor apenas 63

deles. Não há, no relatório, uma análise sobre os números, mas pode-se dizer que é uma quantia

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considerável, pois indica que quase metade dos convênios aprovados não fora posta em prática

até o momento em que os números foram publicados.

2.3.2 Programa de Ação Cultural - Proac

Instituído pela Lei 12.268, de 20 de fevereiro de 2006, o Programa de Ação Cultural tem

por objetivos:

• Apoiar e patrocinar a renovação, o intercâmbio, a divulgação e a produção artística e cultural no Estado; • Preservar e difundir o patrimônio cultural material e imaterial do Estado; • Apoiar pesquisas e projetos de formação cultural, bem como a diversidade cultural; • Apoiar e patrocinar a preservação e a expansão dos espaços de circulação da produção cultural (Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, 2013).

O Proac apoia pessoas físicas, artistas ou pesquisadores para projetos artístico-culturais sob

duas formas de apoio:

1. Editais/Concursos: apoio por meio da seleção pública de projetos cuja premiação é proveniente de recursos orçamentários da Secretaria de Estado da Cultura; 2. Incentivo Fiscal (ICMS): apoio por meio de patrocínio(s) de contribuintes habilitados do ICMS a projetos previamente aprovados pela Secretaria de Estado da Cultura (Ibidem)

Os editais são publicados pela página web da Secretaria e os projetos escolhidos por uma

comissão julgadora. O valor é recebido sob forma de premiação e pré-estabelecido pela

Secretaria e os recursos são provenientes do orçamento da Secretaria. Entre os editais

pesquisados e publicados na web da Secretaria, no início de 2013, observou-se uma variação no

valor do prêmio, que flutua entre 40 e 200 mil reais. As modalidades apresentadas são: artes

visuais e gráfica, literatura, música, dança, cultura indígena, cultura de raiz, cultura negra e

restauração de imóveis tombados. Para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (2013), os

prêmios oferecidos pelo Proac são importantes, porque viabilizam a “implementação de projetos

que muitas vezes não teriam participação no mercado cultural, mas que revelam-se de grande

significado para a sociedade.” (SMC, 2013).

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A outra forma de apoio – baseada nos Impostos sobre Circulação de Mercadorias e sobre

Prestação de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, os ICMs

- representa um leque de projetos artístico-culturais selecionados e disponíveis para a escolha de

empresários que possam disponibilizar seus recursos para a ação cultural. Neste caso, a SMC

delega para a sociedade civil a seleção dos projetos segundo seus interesses artísticos e/ou

mercadológicos.

Em depoimento cedido à autora desta dissertação, uma bailarina que teve seu projeto

aprovado pelo Proac, na categoria ICM, revela que, apesar da relevância de um programa como

esse, as dificuldades ainda tornam o processo bastante complicado. A demora para a publicação

do resultado e ao longo do processo - escrita, aprovação e depois captação de recurso - faz com

que a processo dure, ao todo, quase dois anos, como aconteceu com a entrevistada. Para M.C.Z,

27 anos, bailarina, programas como o Proac são importantes, mas a burocracia faz com que o

processo fique muito desgastante e torna difícil alcançar seu objetivo pretendido.

“Bom, existem inúmeras dificuldades (posso dizer que eu tive menos, pois contratei uma pessoa para ajudar a escrever o projeto. Com isso recebi dicas fundamentais para meu projeto ser aprovado) como: a burocracia só para se inscrever e ter a aprovação do cadastro já é um saco (sic), mas o pior nem é isso e sim a demora para obter uma resposta da secretaria. Além de ter datas específicas para a inscrição e, se perder essas datas, demora cerca de um ano para abrir de novo. Tem que conferir mil vezes a papelada para não perder a inscrição por algum deslize. Depois de alguns meses de espera, você recebe a aprovação ou não. Só depois você envia o projeto! O projeto também demora mais alguns meses (quase um ano) para ser analisado e, enquanto isso, você fica à deriva. O trabalho não termina por aí, depois de feita a inscrição, escrito e mandado o projeto, finalmente recebe a resposta. No meu caso foi aprovado de primeira, mas conheço outros projetos que foram recusados e então tiveram que refazer e passar pela espera interminável de análise de novo. [...] Nessa fase, posso dizer que também tive sorte, pois consegui captar em 6 meses (existem projetos que passam por todo processo e nunca conseguem captação e são esquecidos mesmo sendo aprovados pela lei!!! Uma pena, já que muitas empresas visam muito mais quem de famoso está no projeto e não o projeto em si)18.

M.C.Z. teve seu projeto “Toro Negro” aprovado e, atualmente, está em processo de

produção e ensaios, com estreia prevista para abril de 2013. A rotina de aulas, que ela ministra de

segunda a quinta-feira, ensaios diários e a produção do espetáculo fazem com que a realização do

projeto se torne um processo bastante desgastante, segundo ela. Apesar das dificuldades, é 18 Depoimento de M.C.Z., bailarina, sobre a aprovação do projeto Toro Negro no Proac. O relato foi enviado, por e-mail, a esta pesquisadora a partir de algumas perguntas orientadoras sobre o processo.

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enfática sobre a importância de uma lei como essa.

Acredito na importância dessas leis e vejo a oportunidade que elas dão a artistas brasileiros de diferentes áreas, porém a burocracia, a demora em obter respostas, a captação lenta, faz com que você tenha que ter muita vontade de querer fazer acontecer, já que, também, como artista, ou você faz isso ou morre de fome! Acho que ainda temos muito o que evoluir para que esse ideal de lei seja realizado como realmente deveria! Mas fico feliz de termos isso no Brasil já que vivi na Espanha e lá não existe nada parecido, ou seja, lá os artistas continuam se virando como podem para viver de arte em tempos de crise!

2.3.3 Programa para Valorização de Iniciativas Culturais - VAI

Pode-se considerar que o Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI) tem

avançado na perspectiva da cidadania cultural, na medida em que aposta na produção artística já

existente e pretende potencializar produções artístico-culturais das populações que vivem nas

regiões periféricas de São Paulo e, em especial, dos grupos juvenis. A lei é fruto de demandas de

grupos juvenis e movimentos sociais ligados à juventude, o que lhe dá um caráter social, de luta

por novos direitos. Como apontado por Marilena Chaui reflete uma das características da

democracia.

Criada pela Lei municipal 13.500, de março de 2003, tem por objetivo “apoiar

financeiramente grupos juvenis que desenvolvem ações culturais nos próprios locais de origem,

relacionadas, portanto, ao cotidiano da cidade” (Secretaria Municipal de Cultura, 2012:15). A lei

é de autoria de Nabil Bonduki e tem duas características importantes: a de pluralizar as práticas

artísticas e a de dar espaço às manifestações vindas dos bairros periféricos da cidade.

Interessa ao VAI jogar luz e potencializar a diversidade de práticas culturais que transcorriam com muitas dificuldades e baixo reconhecimento e apoio do poder público, conciliando as diferentes formas de organização regional e os variados tipos de intervenções propostas. A ideia é que os próprios jovens recebam apoio nas ações culturais que julgam coerentes e importantes para eles e para outras pessoas (Secretaria Municipal de Cultura, 2012:16).

O Programa VAI tem por objetivo:

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estimular a criação, o acesso, a formação e a participação do pequeno produtor e criador no desenvolvimento cultural da cidade; promover a inclusão cultural; e estimular dinâmicas culturais locais e a criação artística (Programa VAI, 2013).

Além de garantir o acesso aos bens culturais das camadas populares da sociedade, o

programa também fortalece a produção, fruição da cultura e a formação do jovem produtor

cultural. Essa concepção educativa do programa pode ser identificada na fala de gestores

públicos. A lei oferece aos jovens que são contemplados o valor de até R$ 23 mil (Programa Vai,

2012) para viabilizarem seu projeto. A possibilidade de gerir esses recursos, planejar e executar

as ações e, por fim, prestar contas permite um conhecimento integral sobre a realização de uma

atividade cultural. Para além da valorização artístico-cultural, há uma concepção relacional entre

coletivo juvenil – poder público – e ação artístico-cultural. Carlos Augusto Calil, então Secretário

Municipal de Cultura, aponta o caráter de aprendizagem, e diz que “a vivência integral do

projeto, para além da garantia de direitos culturais básicos, possibilita a compreensão mais ampla

do próprio funcionamento de uma política cultural.” (VAI, 2012:16). Essa vivência faz com que o

programa parta da concepção do jovem como sujeito de direito e também como ator político.

Com base nas considerações descritas neste capítulo e, sobretudo, quando nos referimos

ao Programa VAI, podemos indicar que, em nossa perspectiva de estudo, a promoção do direito à

cultura não poderia estar centrada no acesso dos jovens à cultura ditada pela norma culta, mas

sim na promoção das manifestações artísticas idealizadas pelos próprios indivíduos provindos das

camadas subalternas e das experiências de vida cotidiana. Ainda é preciso reforçar o papel do

sujeito protagonista em sua ação cultural e social; como diz Martin-Barbero, olhar a sociedade

através das contradições, mas sempre buscando as brechas e o papel do sujeito nela. No caso do

VAI, isso se amplia na medida em que está na lei, em que existe a intenção de apoiar

manifestações vindas das regiões mais pobres da cidade, retomando, por si só, a dicotomia centro

– periferia descrita por Chaui.

Na literatura sobre juventude e cultura, foram citadas as contribuições de Helena Abramo

e sua concepção sobre direito dos jovens à cultura. O Programa VAI tem características que se

somam a essa análise, na medida em que viabiliza a produção e a criação artística dos jovens. A

oportunidade de fomentar a cultura produzida por jovens, em sua maioria vindos das regiões

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periféricas da cidade de São Paulo, tem garantido a eles o direito cultural de criar suas próprias

manifestações, deixando esses jovens de ser somente consumidores de bens culturais.

Abramo aponta, ainda, o cuidado com as ações culturais promovidas pelo poder público

ou pela sociedade civil, que devem respeitar o interesse do jovem e não um problema a ser

resolvido. A cultura não pode ser compreendida de forma instrumental, para garantia de outro

direito. Segundo Abramo (2004:4) deve-se “afirmar a perspectiva da cultura como direito, e não

somente valorizá-la na medida em que evita que o jovem se torne um problema.” Nesse sentido,

pode-se dizer que o VAI é uma importante experiência na área da ação cultural pública, uma vez

que reforça o jovem como sujeito capaz de produzir e manifestar-se artisticamente. Criar ações

públicas que promovam a cultura dos jovens é também ocupar-se de entender o jovem como

sujeito político e cidadão. E promover sua participação social.

A participação, no espaço público, por meio das intervenções culturais é orientada por uma ação mais horizontal e autônoma, pois os grupos que se organizam em torno de práticas culturais parecem tratar da trama e da mobilidade do cotidiano com mais habilidade do que outros grupos que se orientam pela adesão a uma ideologia e estatuto pré-estabelecidos. [...] A atuação se dá, sobretudo, pelo gosto de fazer, pela apropriação e ressignificação da cidade e pela experiência da sociabilidade, constituindo um entendimento mais micro do espaço público. Ou seja, o espaço público é experimentado como um território de possibilidades (Almeida, 2009:41).

Estudos contemporâneos na área de juventude e cultura têm apontado que cultura é

espaço de mobilização e criação para os jovens, sendo lócus de expressão das relações sociais,

culturais e políticas. As ações culturais dos jovens passam a ser consideradas:

[...] lócus privilegiado de ação política e de cidadania na contemporaneidade; privilegia-se a dimensão cultural para a compreensão da política; que as práticas políticas juvenis encontram-se, hoje, mais no cotidiano que nas instituições (Borelli, Rocha, Oliveira, 2008:249. In: Almeida, 2009:42)

A Ação Educativa promoveu recentemente seminários nacionais que contribuíram para os

temas jovens/juventude, cultura, periferia e educação.

O Seminário Estéticas da Periferia será analisado no próximo capítulo. O outro seminário

realizado ocorreu em 2010, em São Paulo, entre os dias 1, 2 e 3 de dezembro. O Seminário

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Políticas Públicas: Juventude em Pauta contou com a presença de pesquisadores, coletivos

juvenis e integrantes de movimentos e organizações sociais. O encontro teve três objetivos

principais: 1) mapear as matrizes conceituais de Políticas Públicas de Juventude em disputa; 2)

fazer um balanço dos avanços e limites das políticas setoriais à luz das questões e demandas da

juventude; 3) identificar desafios atuais, tendo em vista a efetivação dos direitos dos e das jovens.

Na internet, há pouca informação sobre os resultados. O seminário não era aberto ao público; foi

feita uma pré-seleção dos participantes, porém esta pesquisadora, embora tenha se candidatado a

participar, não foi selecionada. No início de 2012, foi lançada a publicação de um livro sobre o

seminário, com os documentos apresentados nos grupos de trabalho do seminário.

O texto Política de cultura para juventude no governo Lula: não é o que não pode ser, do

historiador e coordenador do programa de cultura da Ação Educativa, Antonio Eleilson Leite, faz

uma análise sobre as políticas públicas de cultura voltadas para a juventude na esfera federal,

durante o governo Lula (2003 a 2010).

O autor afirma que políticas voltadas para a juventude, em sua maior parte, são

paliativas, ou seja, são instrumentos/caminhos para alcançar outras finalidades. Se forem

consideradas as ações públicas apresentadas no guia de políticas para a juventude da Secretaria

Nacional de Juventude, pode-se ver que há concordância com o autor. Em sua maioria, as ações

focam as atividades para os jovens/juventudes em situação de risco, vulnerabilidade social ou

violência, o que sugere uma relação quase que direta entre jovens/juventude e violência.

Leite aponta nessa mesma direção, ao falar sobre as ações do Ministério da Cultura

(MinC):

[...] o MinC teve durante os oito anos do mandato do presidente Lula um entendimento da juventude como um segmento vulnerável, expressão diversas vezes utilizada nas justificativas de suas iniciativas, ou seja um problema a ser resolvido; a juventude é focada em função de suas carências e não de sua potência, visão que acabou produzindo, em grande medida, uma ação governamental do tipo compensatório. (Leite, 2011:74).

Outra questão que poderia ser identificada nas ações públicas é a relação entre educação e

cultura. Muitas vezes os programas criados utilizam as manifestações artísticas para ampliar a

participação do jovem no espaço da escola e na melhoria da qualidade do ensino. Isto posto, não

se pretende, aqui, apontar a relação entre educação e cultura como um problema; pelo contrário, é

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interessante considerar que haja essa identificação e que os jovens/juventude possam utilizar o

espaço da escola para promover e aprender novas formas de arte, contudo pode-se refletir sobre

qual concepção de cultura rege essas ações públicas. É possível dizer que a cultura seja vista

como instrumento de aproximação com os interesses do jovem e como atalho para alcançar

outros propósitos? As políticas públicas estudadas neste capítulo apontam um caminho diferente,

a medida que podem abranger o conceito de cultura identificado por Chaui.

Outro ponto a ser considerado é a constante relação entre juventude e violência. As ações

públicas voltadas para este setor da sociedade acabam sendo pensadas com o enfoque na

diminuição das taxas de violência. É uma relação importante, mas que acaba por criar uma

identificação, pela sociedade, entre jovem – violento e juventude – violência.

O VAI tem uma relação distinta com essa discussão, na medida em que não tem uma

concepção paliativa ou compensatória, relacionando o jovem a questões como violência, pobreza,

ensino, etc. O foco da lei está nas manifestações artísticas e tem como público principal a

juventude.

De outro ponto de vista, pode-se dizer que o Programa Cultura Viva, apesar de não ser

uma ação cultural pública voltada para a juventude diretamente, acreditamos que possam ter

ampliado a concepção de jovem como sujeito de direitos sociais, econômicos, políticos e

culturais. E, talvez, possam ter ampliado o direito à cultura desses jovens no que tange ao acesso,

fruição e promoção da cultura.

Outro ponto importante que convém ressaltar é que os jovens – sujeitos como o são – têm

buscado alternativas para se manifestarem artisticamente, sem esperar uma ação pública.

Exemplo disso é o Coletivo Fora do Eixo, que conseguiu criar alternativas e buscar brechas para

que as manifestações artístico-culturais tivessem espaço na indústria cultural e na sociedade.

Alguns grupos vêm produzindo mídias alternativas que abrem espaço dentro dessa grande

indústria. Jovens buscam espaço para mostrar seu trabalho. O coletivo Fora do Eixo –

experiência pautada nos princípios da economia solidária e no trabalho colaborativo – reuniu

produtores culturais de Cuiabá (MT), Rio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR), em

2005, com o intuito de circular bandas independentes. Atualmente, esse coletivo tem uma

abrangência nacional (está em 25 Estados) e conta com apoio financeiro do governo para dar

conta das atividades e da divulgação de diversos grupos de música. Coletivos juvenis buscam

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outras formas de mostrar sua produção cultural, de divulgar seu CD e, como isso, escapam do

sistema da indústria cultural19. Ao terem apoio de uma ação pública, esses grupos conseguem se

ampliar e fortalecer. De acordo com informação encontrada no site do coletivo Fora do Eixo,

acessado no final de 2011, ele conta com apoio do governo federal por meio do Programa

Cultura Viva e da Lei de Fomento.

Não se pretende sugerir, aqui, que as ações públicas culturais para os jovens não sejam

necessárias; elas o são e devem ser uma demanda da sociedade, porém os jovens têm conseguido

abrir espaços para suas manifestações artístico-cultuais, que são expressões sociais e vão muito

além da identificação e da existência de ações públicas para tal.

Para alguns autores, como Martin Barbero, é possível estar inserido numa sociedade

capitalista e ser capaz de manifestar sua subjetividade, buscar escolhas dentro do campo

existente. Olhando para os coletivos culturais, é possível ver que há espaço para mostrarem suas

manifestações culturais e suas reivindicações. A cultura é expressão da vida cotidiana. A cultura

juvenil é, portanto, cultura do cotidiano, expressão da narrativa juvenil e do sujeito. O sujeito é

central na concepção de cultura para esses autores. Para eles, existem brechas possíveis entre a

cultura de massa e as culturas populares. É possível ver-se o sujeito dentro das escolhas dos

nossos polos culturais. A subjetividade estará sempre presente nas suas escolhas.

A cultura é expressão dos conflitos existentes dentro da sociedade, entre as classes

sociais, entre as culturas culta e popular, entre as relações sociais e políticas, portanto, para

aqueles autores, não há um domínio absoluto de uma sobre outras. O conflito é a base da análise

para conseguir espaço e mostrar que existem outras formas de cultura, de política, de

participação. Cabe, portanto, aos pesquisadores estudar as mediações entre as práticas e olhar

para onde estão os conflitos, as trocas e as subjetividades.

As linhas traçadas, até o momento, neste capítulo, têm permeado a história das OSCs de

cultura, o que permite identificar uma certa consonância entre sua ação política e os programas

públicos culturais que visam garantir os direitos culturais e também com os autores citados

acima. São políticas muito utilizadas por essas organizações que, por meio de editais e de

parcerias, conseguem recursos para a realização de suas atividades-fim. O Cultura Viva tem sido

uma fonte de recursos para essas organizações, apesar dos entraves burocráticos e políticos, como 19Informações colhidas no site do coletivo que consta das Referências bibliográficas.

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o caso do não repasse financeiro ou da burocracia institucional. É um programa destinado às

instituições, diferentemente do VAI e do Proac, que são focados, majoritariamente, nas propostas

individuais. No caso dessas outras duas políticas, as OSCs têm participado de forma distinta na

participação cidadã e no controle social. Alguns exemplos: participam dos conselhos de cultura,

das conferências propostas pelo governo federal, da avaliação e escolha dos prêmios,

monitoramento das ações, capacitação de produtores culturais, etc.

Há uma relação intrínseca entre os temas tratados nesta dissertação - políticas públicas

culturais, a ação das OSCs - e os autores referência nos temas cultura, juventude e direitos

humanos, porque eles permeiam a história das ações culturais no Brasil e participam dela. E a

história é feita por homens e mulheres. Como dito no início deste capítulo, o texto de Marilena

Chaui “Cidadania cultural: o direito à cultura” é reflexo da sua biografia como pesquisadora, mas

também da sua experiência como Secretária Municipal de Cultura. A socióloga Helena W.

Abramo tem sido uma pessoa influente no campo da juventude e cultura. Fundadora da Ação

Educativa, teve papel importante na construção da área de juventude dentro dessa organização.

Depois, foi para o poder público, como assessora da comissão de juventude da Câmara Municipal

de São Paulo e, em 2012, para o governo federal, como coordenadora-geral de políticas setoriais

na Secretaria Nacional de Juventude. Não se pode comprovar que a participação de Abramo na

esfera pública tenha sido importante para a consolidação de políticas públicas voltadas para os

jovens, mas, certamente, teve sua influência de alguma forma. Por conseguinte, a história da

Ação Educativa é também reflexo das relações sociais e da construção das políticas públicas.

Importa, aqui, indicar as formas de relação do objeto de estudo com as políticas discutidas.

A Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação, é uma organização da sociedade

civil que trabalha com juventude, cultura e educação e é um ponto de cultura. Sua ação consiste

em apoiar as manifestações artísticas realizadas por grupos da periferia de São Paulo. Outro foco

é debater a produção de conhecimento nas áreas em que atua – educação, juventude e cultura – e

criar espaços de reflexão e publicação de pesquisas e textos reflexivos sobre esses temas. Faz

parte da comissão avaliadora do Programa VAI, que seleciona os projetos premiados. E, por fim,

oferece oficinas de capacitação para produtores culturais que queiram concorrer aos editais

públicos em cultura. Outra forma de participação tem sido nos debates públicos sobre o tema e na

reflexão, com a realização de seminários e produção de conhecimento. Ao longo dessa

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dissertação, foram introduzidos comentários, textos e opiniões da equipe da OSC estudada, para

também, evidenciar essa forma de participação. No capítulo a seguir, serão relatadas, de forma

mais detalhada, essa participação e as atividades.

Neste capítulo, foi feito um recorrido por algumas referências teóricas sobre o que

entendemos por cultura e por política cultural. Atentou-se para a relação cultura e política, e

observou-se que a reflexão sobre o direito à cultura não poderia estar separada da política e do

fazer político. Buscaram-se, em Marilena Chaui, suas reflexões sobre cultura, política cultural e

cidadania cultural. Com base nesses elementos, foi possível identificar três políticas culturais

atuais que podem ser vistas como sucessoras da perspectiva do direito à cultura dentro da

concepção de Chaui. São programas que ampliam o acesso aos recursos públicos na área de

cultura e que fortalecem coletivos culturais e instituições que trabalham com o tema.

O tema da juventude tem permeado a discussão desta dissertação, na medida em que é um

dos focos de ação das organizações que trabalham com cultura e, em particular, do objeto de

pesquisa. Sendo assim, foi importante lembrar as reflexões de alguns autores sobre cultura e

juventude e direito à cultura dos jovens. Estabeleceu-se uma conexão entre a exposição desses

autores, no capítulo 1, e sua compreensão sobre o que entendem por direito cultural dos jovens,

relacionando essas reflexões com as políticas públicas apresentadas.

A história de uma organização da sociedade civil como a Ação Educativa permeia a

construção e o monitoramento de políticas públicas e a configuração de pesquisas e debates

teóricos sobre os temas trabalhados ali – educação, juventude e cultura. A organização é um ator

político dentro dessas esferas teóricas e um agente de construção da esfera pública no Brasil.

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Capítulo 3 – Periferia no Centro

Este capítulo trata da descrição e da caracterização da OSC que escolhemos para estudar,

e que foi parte da pesquisa de campo deste trabalho, e busca colocar suas ações dentro da

perspectiva do direito à cultura. Foi analisada a experiência da Ação Educativa, em particular o

programa de cultura dessa instituição e suas ações.

No caso da instituição escolhida, o programa de cultura tem uma linha de ação específica,

e

[...] se constitui a partir da noção da cultura como direito e do exercício deste direito como ação política. Tem como objetivo fortalecer a produção e a difusão de expressões culturais de grupos originários e atuantes nas periferias urbanas, visando à afirmação de suas identidades, ampliação do acesso a circuitos de produção e consumo de bens culturais e reconhecimento do direito à cultura como dimensão essencial da cidadania. A partir do tripé experimentação, produção de conhecimento e incidência em políticas públicas, atua em diferentes frentes (Ação Educativa, 2013).

Apesar de uma relação direta com a área de juventude - o programa de cultura nasceu

dessa área –, a cultura dentro da instituição já se constitui como uma área bastante específica,

com orçamento e equipe próprios. O foco de nossa análise será a área de cultura, e discutiremos

as demais áreas institucionais quando isso for necessário para compreensão do texto.

3.1 Ação Educativa: história e características

No início era um grupo reduzido de pessoas engajadas nas lutas da educação popular que ocupavam duas salas acanhadas no Colégio Sion, em São Paulo. Hoje, 15 anos depois, trata-se de uma das mais importantes instituições do campo das Ongs brasileiras, ator público reconhecido da sociedade civil, trabalhando na interseção e sinergia das temáticas da educação, juventude e cultura, com mais de 50 profissionais e sede própria, por onde circulam 30.000 pessoas por ano (Armani, 2009:9).

A Ação Educativa, fundada em 1994, tem como missão institucional “promover direitos

educativo, culturais e da juventude, tendo em vista a justiça social, a democracia participativa e o

desenvolvimento sustentável” (Ação Educativa, acesso em agosto de 2011). Embora tenha sede

na cidade de São Paulo, atua também nacionalmente. Para a instituição a participação da

sociedade em processos locais, nacionais e globais é o caminho para a construção de um país

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mais justo. Com essa perspectiva trabalha com a formação de grupos e assessoria nos bairros,

escolas e comunidades e busca articulações amplas, que promovem a pesquisa e a produção de

conhecimento, e também intervenção nas políticas públicas. O trabalho realiza-se em três eixos:

educação de jovens e adultos; juventude; e cultura, que se subdividem em áreas de atuação que

recebem esses mesmos nomes e que promovem diversos projetos e ações.

Armani (2009) observa três períodos da história institucional que podem ser eixos para a

consolidação da organização como é conhecida atualmente. O primeiro estende-se de 1994 a

1998, período de consolidação institucional, de ser conhecida, de avançar no trabalho que já era

feito no Cedi e buscar novos parceiros e captação de recursos.

De 1999 a 2006, o segundo período caracteriza-se pelo fortalecimento institucional com a

compra do prédio no centro de São Paulo e sua abertura para a sociedade. Em 2000, inaugura

uma sede própria, na região central da cidade de São Paulo, e o Centro de Juventude e Educação

Continuada. Em 2003, assume a Relatoria Nacional de Direitos Humanos à Educação sob os

cuidados de Sergio Haddad (atual coordenador executivo da Ação Educativa), o que leva a

organização a aprofundar a questão dos direitos humanos e a olhar para a educação como um

direito humano. Nesse mesmo ano, a organização resolve ampliar o trabalho de EJA - Educação

de Jovens e Adultos -, feito desde a época do Cedi, para uma ação mais direita com os jovens e

com um olhar para a juventude como temática e como questão social. Em revista comemorativa

de 15 anos de fundação, Marilia Sposito, que presidiu a Ação Educativa de 1994 a 2004, comenta

sobre a nova perspectiva de juventude: “Havia uma ousadia presente, pois era necessário

transformar novas práticas e formas de ação tendo em vista as novas demandas e exigências

sociais e políticas do país. Tornava-se desafiador abrir novos campos de interlocução” (Ação

Educativa, 2009:8).

No terceiro período, a partir de 2006, consolida-se a área temática da cultura e a luta pelas

desigualdades – renda, raça e gênero - como eixo temático transversal a todas as demais áreas.

Se o primeiro período (1994 – 1999) foi de crescimento e consolidação da instituição, e o segundo (2000 – 2006) de fortalecimento do ator político no espaço público, o atual período é mercado pela instabilidade das condições de contexto e pelo desafio de renovação de paradigmas, horizontes e modalidades de organização e ação. Mudanças importantes na vida institucional da Ação Educativa podem estar por vir e, se assim for definido, devem ser preparadas desde já (Armani, 2009:12).

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A instituição conta com uma equipe técnica que apoia suas atividades fins e que compõe

os setores de comunicação, de tecnologia da informação e administrativo financeiro. A equipe

institucional conta, atualmente, com 60 pessoas, conforme dados divulgados na página web, e 25

educadores, contratados para o programa Arte na Casa, que será objeto de análise mais abaixo.

Os gastos com pessoal equivalem a 41% do orçamento da instituição; 48% destinam-se para as

atividades programáticas e o restante, 11%, para despesas de manutenção e impostos. As receitas

para o ano de 2011 somaram cerca de 7 milhões de reais, valor captado através de recursos

oriundos de fontes internacionais, 34,71% do total, e nacionais, 62,20%. A maior fonte de receita

é de recursos governamentais, 27,42%, seguidos dos que provêm de institutos empresariais,

22,19%, e de órgãos de cooperação internacional, 16,59%, segundo dados apresentados na tabela

Participação das diversas fontes no orçamento 2011, que se encontra no site da instituição. Com

base nessas informações financeiras, pode-se dizer que a organização possui uma captação

bastante diversificada, sem depender de um único financiador. Isso, em outras análises, permite à

Ação Educativa uma relação menos dependente e mais autônoma com seus parceiros financeiros.

A área temática Educação possui cinco programas: Educação de Jovens e Adultos, Ação

na Escola, Observatório da Educação, Ação na Justiça e Diversidade, Raça e Participação. Suas

atividades somam a atuação

[...] junto a escolas e programas educacionais à participação em redes e campanhas que visam incidir nas políticas públicas. Investe-se também na produção de conhecimentos, na disseminação de informações e na promoção de debates para subsidiar a ação pedagógica e política (Ação Educativa, 2013).

A área de juventude tem concentração na produção de conhecimento e pesquisa sobre

juventude e na atuação política em redes e espaços de representação política e promove

capacitação de jovens e educadores. Suas atividades estão centradas em dois programas -

Políticas Públicas e Participação e Educação e Trabalho.

Dois elementos contribuíram fortemente para o surgimento de uma área de atuação focada na cultura dentro da AE: o trabalho já desenvolvido dentro da área da juventude que procurou congregar os grupos culturais juvenis, dentre eles o próprio Hip Hop, e o Espaço Cultural da

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Ação Educativa, que funciona em sua própria sede, que propiciou uma maior aproximação com diferentes grupos com suas dinâmicas culturais (Magnani, 2009).

A área de cultura é a mais recente e foi constituída, em 2007, assim como a consolidação

da luta contra as desigualdades (renda, raça e gênero) como eixo estruturante do trabalho da

organização. Parte disso surgiu através da convivência com coletivos e sujeitos da cultura,

segundo Vera Masagão Ribeiro, coordenadora da Ação Educativa: “os grupos culturais que

atuam na cena periférica trouxeram novas práticas, saberes e formas de fazer política,

demandando uma reflexão e uma ação especiais. Isso mudou o nosso jeito de olhar para o que

estamos fazendo” (Ação Educativa, 2009:9). Inicialmente, a cultura entrou no trabalho da Ação

Educativa através da área de juventude e para garantir um espaço para as manifestações artísticas

dos coletivos juvenis. “Nascemos da costela do Programa de Juventude” (Ação Educativa,

2009:16) conta Antonio Eleilson Leite, coordenador do Espaço de Cultura e Mobilização Social

da entidade. O foco era promover as atividades culturais e artísticas dos grupos juvenis,

oferecendo espaço físico para sua realização e “apostando na centralidade das atividades culturais

como potenciais motivadores da ação política” (Ibidem:16). Os primeiros grupos contemplados

foram os grupos de hip hop, muitos já em contato com o programa de juventude, e, a partir disso,

a ação ampliou-se para diversos grupos e coletivos não, necessariamente, feitos por jovens, e sim

com um elemento em comum: a promoção da cultura de periferia – que, para a Ação Educativa, é

apresentada, em revista comemorativa, da seguinte forma:

Em uma sociedade de consumo, a cultura é tratada prioritariamente como um produto. Mas nem tudo no universo artístico é feito para o mercado: não são poucas as comunidades que possuem grupos e artistas cujas práticas culturais acontecem fora do circuito comercial. São atividades marcadas pela diversidade, tanto com relação à forma como se manifestam, quanto ao contexto onde estão inseridas. Entre elas, pode-se definir, mesmo que de forma imprecisa, um tipo de produção cultural de caráter local, chamada “cultura de periferia”. (Ibidem:16)

A concepção de cultura para a instituição consolida-se “a partir da noção da cultura como

direito e do exercício deste direito como ação política.” Para tal, o objetivo principal da área de

cultura é:

[...] fortalecer a produção e a difusão de expressões culturais de grupos originários e atuantes nas periferias urbanas, visando à afirmação de suas identidades, ampliação do acesso a

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circuitos de produção e consumo de bens culturais e reconhecimento do direito à cultura como dimensão essencial da cidadania (Ação Educativa, 2013).

A cultura de periferia possui diversas manifestações artísticas, mas todas elas possuem

algo que as unifica: a dificuldade em divulgar seus trabalhos e ter espaço disponível para sua

realização. Com base nessas duas premissas e no tripé experimentação, produção de

conhecimento e incidência em políticas públicas, a área de cultura realiza suas atividades e ações.

Em 2012, constituía-se de cinco áreas de trabalho - hip hop, grafite, literatura periférica, samba e

audiovisual - subdivididas em quatro programas:

(i) Arte na Casa: promove atividades de arte e cultura, com foco na cultura de periferia,

para adolescentes em conflito com a lei e que cumprem medidas socioeducativas dentro da

Fundação Casa no município de São Paulo;

(ii) Pontão de Cultura: possui diversas ações com enfoque na cultura de periferia, através

da produção de conhecimento e na realização de seminários temáticos sobre a estética da

periferia;

(iii) Estética da Periferia: é a realização de seminários e mostras para debater a estética da

arte realizada nas periferias do Brasil. Em 2011, foi realizado o primeiro Seminário e, em agosto

de 2012, o segundo.

(iv) Ponto de Cultura Espaço Cultural Periferia no Centro: abre sua sede para coletivos

culturais da periferia da cidade e apoia manifestações e produtores culturais da cultura de

periferia. “Seu objetivo é promover a difusão e a experimentação artística, a formação, a

participação política e apoiar e dar visibilidade a projetos culturais e artísticos” (Ação Educativa,

acesso em julho de 2012).

3.1.1 Ponto de Cultura Periferia no Centro

O Espaço Cultural Periferia no Centro articula ações da própria organização em parceria

com o público ligado ao movimento de cultura de periferia. Constituído em 2009, o Ponto de

Cultura aportou recursos para o espaço e a realização das atividades. Informações do relatório de

atividades de 2011 apontam que:

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Cerca de 10 mil pessoas participaram dos eventos culturais realizados nas 11 programações mensais regulares e de atividades extras promovidas pela Ação Educativa ou por organizações parceiras. A elevação de público em relação a 2010 foi de 27% (Relatório de Atividades 2011, Ação Educativa).

A sede própria foi adquirida com apoio de instituições internacionais e fica na Vila

Buarque, bairro do centro da cidade de São Paulo e de fácil acesso com transporte público. Foi

um marco para a construção desse espaço de referência, “um espaço público ocupado por várias

organizações que pudessem compartilhar, participar e realizar atividades” (Sergio Haddad,

Revista comemorativa Ação Educativa, 2009:48). Na época, foi criado o Centro de Juventude e

Educação Continuada, que incentiva o uso do espaço do prédio por grupos, movimentos sociais e

organizações da sociedade civil. Em 2012, no prédio, também funcionavam o Escritório

Internacional do Fórum Social Mundial, a Associação Brasileira de Organizações Não

Governamentais (Abong) e a OSC Agenda Pública. Pode-se dizer que a transformação da sede

em um Ponto de Cultura fez ampliar as atividades e a estrutura já existente, sobretudo por conta

dos recursos orçamentários vindos do convênio, porém a ideia de ser um espaço aberto ao

público existia desde a compra da sede, há doze anos.

O êxito do Ponto de Cultura acaba por assegurar a própria eficácia desta linha de ação, cujo enfoque é a articulação das ações de cultura em nível local. Atingir este patamar traz vários desafios com relação à manutenção deste espaço cultural. O principal deles é de sustentabilidade, posto que em 2012 encerra-se o convênio com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e Ministério da Cultura. (Revista Comemorativa Ação Educativa, 2009:48)

Ao fazer um balanço sobre os quinze anos de atuação da Ação Educativa, sua presidenta

Maria Malta Campos reflete:

Mais recentemente, incorporamos a questão da cultura, trazida com força pelos grupos juvenis, mas também abrindo a perspectiva para outros grupos populares e para as relações de raça e gênero. A sede desempenhou um papel importante nessa ampliação dos horizontes, pois permitiu que diversos grupos sociais – especialmente os jovens – se fizessem presentes e começassem a se apropriar deste espaço, estabelecendo um contato direto e vivo entre protagonistas internos e externos (Revista Comemorativa, Ação Educativa, 2009: 53).

O Espaço Cultural Periferia no Centro conta com uma programação regular, publicada

mensalmente no site da Ação Educativa e também de forma impressa num pequeno folheto. As

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atividades realizadas são apresentações artísticas, formação e apoio a grupos culturais e artistas, e

eventos permanentes, como a expoGraffitti (que celebra todos os anos o dia 27 de março, Dia do

Graffiti, com uma exposição e homenagem a um artista escolhido anualmente) e a Semana do

Hip Hop (uma semana de atividades voltadas para o hip hop que acontecem na sede da Ação

Educativa. Ao todo, foram realizadas sete edições, a última em 2009).

A Semana Hip Hop foi importante para a consolidação do espaço de cultura dentro da

Ação Educativa. Até então ligado à área da juventude, Antonio Eleilson Leite coordenava o

espaço da sede da OSC para promoção de eventos e apoio aos grupos juvenis ligados à área de

juventude. Entre esses grupos, os movimentos ligados ao Hip Hop tiveram presença marcante e

ainda têm; caso do movimento Hip Hop Mulher, que discutia a situação da mulher dentro do

movimento como um todo. A organização ajudou a preparar o I Encontro Hip Hop Mulher. Essa

relação com o movimento ajudou a equipe da Ação Educativa a se aproximar das questões da

cultura. Segundo Nascimento (2011), foi a partir do contato com os seminários e encontros do

Hip Hop que Eleilson, coordenador da área de cultura, teve contato com a literatura periférica. E

depois com a amplitude das manifestações artísticas realizadas na periferia.

Eleilson relatou que foi partir desses eventos, e do grande número de produtores culturais e espectadores que agregaram, que foi percebendo que a cultura de periferia era mais do que o hip hop, que o negócio tinha densidade, tinha muita manifestação e esse sentido de pertencimento à periferia. Ao mesmo tempo, aponta que se sentia influenciado pelas perspectivas conceituais e políticas da gestão nacional petista, que tentava articular o conceito de cultura às noções de cidadania, direitos, economia, democratização, diversidade, entre outras. Assim, Eleilson aliava o acúmulo de contato com ativistas periféricos ligados a variadas linguagens artísticas e o contexto histórico em que uma série de ações públicas e privadas voltavam-se para esses sujeitos ao seu processo de construção de um eixo de cultura dentro da Ação Educativa. (Nascimento, 2011:184)

Já com a área de cultura formada, a Ação Educativa foi convidada pelo Ministério da

Cultura para ajudar na organização do I Prêmio Cultura Hip Hop 2010. A primeira edição prestou

homenagem póstuma ao músico Márcio Vicente Góes, o rapper Preto Ghóez, que foi um dos

líderes do Movimento Hip-Hop Organizado do Brasil (MOHHB). Informações contidas no site

da OSC estudada revelam que o prêmio distribuiu R$ 1,7 milhão de reais, em prêmios de 13 mil

reais para “iniciativas de pessoas físicas, instituições e grupos informais nas seguintes categorias:

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Reconhecimento, Escola de Rua, Correria, Conhecimento (5o elemento) e Conexões.” (Ação

Educativa, 2013).

Reconhecimento: destinada a honrar personalidades ou coletivos importantes para o desenvolvimento da cultura Hip Hop no país, ao longo do tempo.- 10 prêmios, sendo dois para cada macrorregião do país. Escola de Rua: voltada para iniciativas que, por meio dos elementos do Hip Hop, desenvolvam ações socioeducativas, seja a partir de pedagogias tradicionais ou inovadoras.- 27 prêmios, um para cada Estado da Federação. Correria: iniciativas que incidem sobre a geração de renda ou que criem oportunidades de trabalho para os envolvidos, tais como a criação de eventos e a confecção de produtos, dentre outras.- 27 prêmios, um para cada Estado da Federação. Conhecimento: iniciativas que fomentem a realização de encontros, seminários e debates, ou a produção de estratégias para a difusão do Hip Hop.- 35 prêmios, sete para cada macrorregião do país. Conexões: iniciativas que promovam o intercâmbio com outras formas artísticas afins à cultura Hip Hop, em particular as expressões culturais afrodescendentes, criando novas associações, incorporações estéticas e políticas, para além dos quatro elementos consagrados (Break, MC, DJ e Graffiti).- 35 prêmios, sete para cada macrorregião do país (Acao Educativa, 2013).

O Dia do Graffiti acontece há dez anos, em todos os meses de março, e conta com um

artista homenageado. As atividades consistem em mobilizar os coletivos de graffiti da cidade de

São Paulo que estejam interessados em participar, escolher um homenageado, preparar uma

exposição, que acontece na sede da organização, e promover algumas intervenções artísticas em

lugares públicos.

Comemorado desde 2004, o Dia do Graffiti foi instituído em São Paulo pela Lei Municipal no 13903/2004, como forma de homenagear o grande pioneiro do graffiti no Brasil, Alex Vallauri, morto em 1987, e de reafirmar a importância desta expressão cultural periférica. De acordo com Rodrigo Medeiros, assessor do programa de cultura da Ação Educativa, as comemorações começaram com a “velha guarda do stencil” e hoje são organizadas em diversos pontos da cidade. “É uma celebração dos próprios artistas”, diz (Ação Educativa, 2013).

Com intuito de exemplificar um mês de atividades no Espaço, será analisada a

programação de maio de 2012, que contou com as seguintes atividades:

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• Festival Espírito Mundo: oficina de Dj – Música20

• Encontro na Borda: apresentação de intervenções artísticas – intervenções artísticas

urbanas

• Samba da Comunidade: uma vez por mês, são realizados shows com rodas de samba de

SP - Música

• Projeto Suburbano: Festa de Rap, Soul e Funk com apresentações ao vivo- Música

• Bodega Brasil: atrações musicais, repentes, cordel e performances poéticas – Literatura e

Poesia

• Cina Palmarino: exibição do Filme: Mãos e Cérebros Negros - Audiovisual

• Reduto do Rap: show com Mano Réu, lançamento do CD Reinvenção e Robsoul - Música

• Palavra em Cena: projeto Marginaliaria: lançamento do livro Antologia Marginal –

Baseado de Ponta - Literatura

• Hip Hop Mulher: espaço das minas da rima, do break, das pick-up e do graffiti – Música,

Dança, Poesia e Artes Plásticas

• Lançamento do livro Agô: vivência e pesquisa das corporalidades contemporâneas

afrobrasileiras e dança urbana – Dança e Literatura

• Solo Hip-Hop Latino-americano: encontro de grupos de rap – Música

• 4o encontro de DJs de Hip Hop: mostra de vídeos e oficinas de produção musical –

Música

• Exposição Capas de Vinis: curadoria Coletivo Liga do Vinil – Música e Artes Plásticas

No mês analisado, houve um maior número de eventos ligados à música e ao hip hop. Os

eventos são propostos pelos produtores culturais ou em articulação com a equipe da OSC. Em sua

maioria, são atividades ligadas à arte urbana paulista e das regiões periféricas da cidade, o que

confere com o objetivo principal do espaço – valorizar as expressões artísticas das regiões

periféricas de São Paulo. Ressalta-se a presença do samba, que não tem sido uma manifestação

artística muito presente dentro das atividades de organizações da sociedade civil, pois o foco

tende a concentrar-se nas atividades voltadas para público jovem e das metrópoles, caso do hip

hop. O evento Hip Hop Mulher é um espaço para o público feminino e procura ampliar algo raro

dentro do movimento hip hop. No mês de referência, não aconteceu nenhuma atividade de teatro 20 Grifos meus.

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nem de formação, que é um dos objetivos descritos acima do Espaço Cultural Periferia no

Centro.

E.O., atriz e arte-educadora, trabalhou na Ação Educativa como arte-educadora da

Fundação Casa, dando aulas de teatro, atualmente, coordena um ponto de cultura, em Diadema,

onde dirige um grupo de teatro de jovens. Ela fala sobre o papel das organizações frente ao

direito à cultura, em especial sobre o espaço da Ação Educativa, que “fornece espaço para ensaiar

e se apresentar, dá apoio financeiro e logístico para a realização de peças, e divulga as atividades

com folder impresso, site e boca-boca”. O ponto de cultura da Ação Educativa ainda fornece

capacitações em editais e projetos sociais. “Fiz vários cursos sobre como escrever projetos

culturais graças à Ação Educativa.” Para a atriz, as organizações ajudam no(a):

(v) Apoio financeiro e logístico para os grupos artísticos;

(vi) Formação política e técnica para artistas.

Quando questionada sobre os pontos negativos dessa ação, a entrevistada mencionou a

falta de articulação entre as ações das OSCs e dos demais pontos de cultura distribuídos na cidade

de São Paulo. Apontou também a dificuldade de dar visibilidade e circulação às atividades

artísticas.

Durante o estudo de campo, foi possível perceber que para algumas atividades realizadas

no Espaço, é difícil a garantia da presença de público. Com exceção de atividades que já contam

com um público específico, caso do movimento hip hop e das rodas de samba que acontecem

mensalmente. Algumas atividades programadas acabam por acontecer com pouca presença de

pessoas. Apesar da divulgação feita impressa e virtualmente, isso não tem garantido participação

nas atividades realizadas. Contudo, não se pode dizer que seja um problema exclusivo deste

espaço de cultura, a falta de público nos espaços culturais tem sido um debate na área cultural.

Outra característica que foi observada por essa pesquisadora, é baixa presença de pessoas que

moram ou trabalham no entorno da Ação Educativa. O público, em sua maioria, compreende a

própria equipe da OSC e o público dos movimentos de cultura de periferia.

Algumas atividades, porém, tiveram bastante êxito, com público cativo, para

exemplificar, o evento Rinha de MC’s, coordenado pelo músico Criolo e o Dia do Graffitti que

acontece todos os anos, no dia 27 de março.

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Os aportes financeiros do governo estadual e federal, através do edital do Ponto de

Cultura, acabaram em 2012. Apesar disso, as atividades continuam acontecendo com recursos

institucionais e outras fontes de financiamento. Com base nos relatórios e conversas com

integrantes da equipe da OSC, foi possível identificar que esses recursos foram importantes para

a consolidação da área de cultura. Foi possível comprar equipamentos técnicos e realizar

melhoria nas instalações do anfiteatro, como instalação de luzes para apresentações de teatro e

música, e de equipamento para apresentação de vídeos, etc.

Os editais do Ponto de Cultura têm essa distinção que, pode-se dizer, é bastante salutar.

O recurso do Ponto de Cultura possibilitava a compra de equipamentos, um recurso essencial

para as atividades culturais, contudo, com o seu fim, os pontos de cultura têm tido dificuldade

para manutenção do espaço e de suas atividades. No caso da Ação Educativa, a instituição aluga

o anfiteatro e as salas para a realização de eventos, o que tem garantido um recurso extra para as

atividades culturais, além de outros apoios como o de agências internacionais, caso da Oxfam,

uma organização britânica que apoia projetos sociais.

Com relação às outras políticas públicas indicadas no capítulo dois desta dissertação, o

trabalho da área de cultura da Ação Educativa está conectado também com o Programa VAI e o

Proac. A organização promoveu algumas atividades de formação para apoio ao envio de projetos

culturais para o Proac e também para o VAI; foram workshops de elaboração de projetos

culturais. Outra forma de atuação da área de cultura é dar visibilidade aos editais por meio da

publicação das chamadas dos programas nos seus boletins.

A equipe da OSC procura, ainda, acompanhar os espaços de participação nas políticas

públicas culturais e fazer um monitoramento delas. A criação do Sistema Nacional de Cultura21,

21 O Sistema Nacional de Cultura (SNC) pretende regulamentar o plano a partir da adesão de todos os Estados e Municípios do Brasil. Uma meta difícil, por conta de falta de estrutura das secretarias municipais de cultura, as quais, inclusive, em alguns municípios sequer existem. O Plano Nacional de Cultura (PNC) tem por finalidade o planejamento e a implementação de políticas públicas de longo prazo voltadas à proteção e promoção da diversidade cultural brasileira. Diversidade que se expressa em práticas, serviços e bens artísticos e culturais determinantes para o exercício da cidadania, a expressão simbólica e o desenvolvimento socioeconômico do País. Previsto na Constituição Federal desde a aprovação da emenda 48 em 2005, o PNC encontra-se em fase de sistematização das diretrizes elaboradas e pactuadas entre Estado e sociedade, por meio da realização de pesquisas e estudos e de debates e encontros participativos como a 1ª Conferência Nacional de Cultura, Câmaras Setoriais, Fóruns e Seminários. Objetivos do PNC: fortalecimento institucional e definição de políticas públicas que assegurem o direito constitucional à cultura proteção e promoção do patrimônio e da diversidade étnica,

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regulamentado a partir do Plano Nacional de Cultura, tem sido tema de acompanhamento assim

como a gestão do MinC e das Secretarias municipal e estadual de São Paulo. Em artigos

publicados pelo site ou em outros veículos, demonstram a opinião institucional da Ação

Educativa nas diversas áreas. A publicação de posicionamentos políticos não é exclusivo da área

da cultura; a Ação Educativa procura sempre disponibilizar artigos sobre temas da educação e

juventude.

Os artistas, companhias, grupos e movimentos culturais estão tendo cada vez mais possibilidades de acesso a recursos para viabilizar seus projetos via editais públicos. Nas três esferas de governo, as oportunidades se multiplicam. Embora muito longe de atenderem à demanda, esses editais não podem ser desprezados; pelo contrário. E o movimento cultural de periferia está atento a isso, não só acessando, como implementando lutas visando a sua ampliação e melhor adequação aos interesses dos artistas periféricos. Prova disso é a ampliação do VAI , em São Paulo, e do PROAC , do estado de São Paulo, que abriu mais três linhas de apoio, entre elas, Sarau Literário e Cultura Negra, atendendo antiga reivindicação do movimento cultural periférico. Já em nível federal, depois de um período de estagnação da política cultural durante os 20 meses em que a ministra Ana de Hollanda esteve à frente da Pasta, a nova gestão, sob o comando da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, retomou os editais, criando inclusive uma série deles direcionados exclusivamente a proponentes negros (Leite, 201322).

Como dito no capítulo anterior, o Programa Cultura Viva e as leis de fomento, VAI e

Proac, podem ser considerados possíveis sucessores da cidadania cultural de Chaui, na medida

em que oferece recursos para iniciativas da sociedade civil e para indivíduos. No caso dos Pontos

de Cultura, permite apoio a pequenas associações culturais ou espaços voltados para a cultura

popular. O Espaço Periferia no Centro pode ser considerado um equipamento cultural focado nas

manifestações da cultura de periferia. Uma forma de apoiar linguagens e produtores culturais,

oferecer espaço para apresentações, lançamentos de livros e CDs, ensaios, entre outros.

Chaui alegava a importância de ampliar os equipamentos culturais na periferia e garantir

uma circulação de bens culturais. Mas, e o espaço da Ação Educativa que fica numa das regiões

com maior índice de espaços culturais e bens culturais? Por que a criação de mais um? Pode-se

artística e cultural ampliação do acesso à produção e fruição da cultura em todo o território inserção da cultura em modelos sustentáveis de desenvolvimento socioeconômico estabelecimento de um sistema público e participativo de gestão, acompanhamento e avaliação das políticas culturais. Informações disponíveis em www.cultura.gov.br acesso dia 13 de março de 2013. 22 Artigo de Antonio Eleilson Leite, “Quatro temas da política cultural e a arte das periferias”, disponível em www.acaoeducativa.org Acesso dia 13 de março de 2013.

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dizer que ele garante a circulação por outro viés, ou seja, garante às populações que vivem no

centro expandido de São Paulo a oportunidade de conhecer e usufruir a arte de periferia.

Infelizmente, a participação da população do entorno nas atividades realizadas ainda é baixa, fato

que mereceria uma pesquisa mais ampla para identificar o perfil do público. Isso para avaliar em

que medida se dá, de fato, um contato do entorno com essas manifestações artísticas periféricas.

Por fim, é importante ressaltar que público e audiência não podem ser medição para a realização

de uma atividade cultural, ou não; o que se questiona é a aproximação do público com as

atividades culturais ali realizadas.

3.1.2 Arte na Casa: oficinas culturais

Atualmente, o maior projeto da instituição conta com vinte e cinco educadores que

oferecem trabalhos de arte-educação dentro das unidades de internação e internação provisória

femininas e masculinas da Fundação Casa. O convênio com o Estado de São Paulo começou em

2008 e atende 1.216 adolescentes com primeiras e múltiplas passagens pela instituição, com atos

infracionais leves até gravíssimos (Ação Educativa, 2012).

Para seu coordenador, um dos maiores desafios do projeto está na correlação entre arte-

educação e medida socioeducativa. Diferente de outros projetos de arte-educação, trabalhar com

adolescentes que cumprem medidas socioeducativas atenta para que os adolescentes estão

confinados e não retornam a suas casas no final de cada oficina, portanto devem seguir regras

determinadas pela estrutura de internação. Isso traz algumas consequências para o processo de

aprendizado. O projeto é realizado no seguinte contexto: alta rotatividade dos adolescentes nas

oficinas; tumultos e rebeliões; pouca compreensão da estrutura institucional sobre as atividades

de arte-educação; dificuldade dos professores em organizar planos de aulas, desenvolver

conteúdos e técnicas artísticas e impossibilidade dos adolescentes produzirem livremente.

Com base nessa realidade, o projeto tem por objetivo:

Proporcionar o exercício da experimentação das linguagens artísticas, por meio de oficinas culturais e atividades complementares, de maneira que estas façam parte significativa na construção humana e social dos adolescentes atendidos pela Fundação CASA, produzindo subjetividades individuais e coletivas num movimento de (re)descoberta de identidade e pertencimento social, tendo em vista a inclusão do interno a sua comunidade. Portanto, a relação ambiente externo e ambiente interno é a premissa para se promover um trabalho de

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arte e cultura nas unidades de internação e requer uma ação pedagógica que estimule o potencial artístico dos adolescentes (Medeiros, 2012).

Segundo informações contidas no livro Arte na Medida, as linguagens artísticas

oferecidas são: literatura, fanzine, rap, escultura, graffiti, desenho e pintura, cinema e vídeo,

dança de rua, capoeira, teatro. Mesmo sendo um convênio de oficinas culturais dentro das

unidades da Fundação Casa, um dos pontos centrais do projeto é a conexão do adolescente com a

arte produzida na região em que ele mora. Muitas atividades são organizadas fora da unidade de

internação, criando uma relação do adolescente interno, com o arte-educador e a cultura de

periferia. As oficinas dadas procuram oferecer linguagens artísticas que sejam parte do cotidiano

do adolescente e também promovam, de alguma forma, uma relação com seu bairro ou periferia

de onde vem.

Com base no referencial teórico, pode-se dizer que o projeto Arte na Casa tem trabalhado

pela garantia do direito à cultura a partir da experimentação e criação artística dos educandos e da

possibilidade de estabelecerem vínculos com as belas artes e com artistas periféricos,

possibilitando o conhecimento de diversas manifestações artísticas.

Outra característica do projeto é que ele trabalha com a perspectiva da arte-educação em

consonância com o perfil das OSCs apontadas por Carvalho (2008), nas quais são oferecidas

oficinas de artes para adolescentes em conflito com a lei e por meio das quais se pretende um

desenvolvimento integral – afetivo, cognitivo, intelectual e espiritual –, oferecendo também a

possibilidade de profissionalização em uma das linguagens aprendidas. O diferencial está na

inclusão de oficinas que englobam a cultura de periferia e as Belas Artes. No livro sobre as aulas

e método pedagógico, “Arte na Medida” (2012), pode-se observar que as oficinas são dadas

conforme essa relação. As aulas de literatura, por exemplo, trabalham as formas literárias, soneto,

conto, poesia e estendem-se até as canções de rap.

No levantamento bibliográfico sobre os estudos a respeito de juventude e cultura, há

muita referência à importância da criação artística para a verdadeira garantia do direito à cultura.

É muito comum que, ao se pensar em direito à cultura, seja tomada a perspectiva da necessidade

do acesso, para a população, aos bens culturais. O acesso à cultura é um dos alicerces dos direitos

culturais, mas não pode ser o único. No que tange à população jovem e, no caso do Arte na Casa,

adolescente, a perspectiva da criação torna-se primordial. Retomando a fala de uma das

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entrevistadas para essa pesquisa, “a cultura para os jovens é importante para a autonomia e

construção de identidade de cada um” (L.G., 2012), e será a partir da experimentação e da criação

artística que o jovem se exprimirá em relação à sua identidade e conhecimento de mundo.

O projeto tem a especificidade de trabalhar com adolescentes que cumprem medidas

socioeducativas e isso traz uma realidade distinta, devido ao convívio constante com a violência.

Organizações civis têm acompanhado e monitorado as ações dentro das unidades da Fundação

Casa e demonstram que ainda há indícios de violência cometida contra a integridade dos

adolescentes. Os relatórios de fiscalização das unidades da Fundação Casa são produzidos pela

sociedade civil e não são divulgados para resguardar a vida das pessoas envolvidas. De acordo

com nota pública publicada no site do Conectas, em janeiro de 2010, “As organizações recebem

diversas denúncias de violações de direitos humanos no sistema socioeducativo de internação” e

programam visitas de monitoramento nas unidades com maior número de denúncias. A partir daí,

os relatórios são enviados às autoridades públicas competentes e a rede de organizações

acompanha os casos.

Os relatórios são produto das ações da Mobilização Nacional pelo Direito de Defesa ocorrida em outubro de 2009. Nessa oportunidade foram retomadas as visitas de monitoramento da sociedade civil nas unidades de privação de liberdade de jovens e adolescentes no Estado de São Paulo, após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que derrubou Portaria Normativa n 90/05 da então FEBEM, que proibia a fiscalização das medidas de internação pela sociedade civil, que eram realizadas pelas organizações desde 2003 (Conectas, 2010).

Considerando que os relatórios passaram a ser feitos a partir da mobilização da sociedade,

ocorrida em 2009, o controle social dentro das unidades existe somente há 3 anos, o que

configura muito pouco tempo para ação política mais consistente. Com base nessa realidade,

pode-se supor as dificuldades vividas pelos arte-educadores dentro desse contexto de violação de

direitos.

3.1.3 Pontão de Cultura

Segundo informações da própria Ação Educativa, no relatório de atividades de 2011, apesar

do cancelamento do edital de Pontão da Cultura, no qual a Ação Educativa foi contemplada, as

atividades têm acontecido com uso de outros recursos e parcerias. O recurso do Pontão, de R$

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420.000,00, seria destinado a dois projetos: Agenda da Periferia e Seminário Estética da

Periferia. O seminário que será apresentado no item abaixo aconteceu com apoio de outros

patrocinadores, diferentemente do que ocorre com a Agenda da Periferia, que tem sofrido as

consequências da falta de financiamento e tem possibilidade de ser extinto.

A Agenda Cultural da Periferia é uma revista mensal que publica a agenda cultural dos

bairros de periferia de São Paulo e as ações culturais dos grupos no centro da cidade. Seu

objetivo é ser um guia cultural - assim como muitos publicados por jornais como a Folha de São

Paulo -, um veículo que destaque as ações culturais realizadas nas periferias. A divulgação é feita

pelo site www.agendadaperiferia.org.br e pela revista impressa. Os interessados enviam os

eventos para a equipe, que edita e publica as atividades.

Chaui apontava a informação e comunicação como um dos direitos culturais dos cidadãos

e, nesse sentido, a revista Agenda da Periferia tem oferecido divulgação e visibilidade para as

manifestações artísticas e para os produtores culturais da periferia. Com uma matéria de capa,

todo mês, sobre um artista da periferia, esse espaço tornou-se um importante canal de

comunicação para a cultura de periferia. Outro ponto é o direito a estar informado para, assim,

poder participar e usufruir dos bens culturais. A revista é distribuída na sede da Ação Educativa,

nos coletivos culturais da periferia (uma vez por mês, a equipe distribui as revistas nos diversos

saraus literários e associações culturais nos bairros da periferia) e em alguns espaços culturais do

centro (nas sedes do Sesc, por exemplo).

3.1.4 Estética da Periferia

Com o objetivo de debater a arte realizada nas periferias das metrópoles brasileiras, a

Mostra e Seminário Estéticas da Periferia: arte e cultura nas bordas da metrópole teve duas

edições: em 2011, de 2 a 4 de maio; e em 2012, de 21 a 30 de agosto. Está programada para

agosto de 2013, a última edição, cujo foco centrará nos processos criativos. Uma parceria entre

Ação Educativa, Centro Cultural da Espanha, CCE, Sesc e Secretaria Municipal de Cultura.

A primeira edição, Seminário e Mostra Cultural Estética da Periferia: arte e cultura nas

bordas da Metrópole foi realizado em São Paulo e aconteceu entre os dias 2 e 8 de maio de 2011,

e deste seminário foi possível a participação desta pesquisadora, o que muito enriqueceu esta

investigação. Reunindo artistas, pesquisadores, acadêmicos, gestores, pensadores da cultura,

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jornalistas, promotores culturais e ativistas que atuam direta ou indiretamente com a cultura da

periferia, com o objetivo de refletir sobre a arte produzida no entorno das metrópoles brasileiras e

“exibir e discutir a cultura feita nas periferias, com o foco na produção artística, sua qualidade e

originalidade e não apenas os aspectos sociais a ela relacionados”. Essa citação encontra-se no

manifesto “A periferia tão longe, tão perto”, de julho de 2012, que foi escrito por Antonio

Eleilson Leite, produto do debate do qual participaram 50 pessoas entre acadêmicos, artistas e

programadores culturais. Citando versos de diversos artistas, o manifesto convoca a participação

no seminário e na mostra ao mesmo tempo em que revela

A periferia tão longe e tão perto A Cidade de São Paulo segrega a periferia socialmente, economicamente, esteticamente. Em São Paulo, a força da grana destrói muito mais do que ergue coisas belas, mano Caetano. Por mais que o povo não queira, a Cidade muitas vezes dá razão a Criolo: “Não existe amor em SP”. “A periferia nos une pela cor, pela dor e pelo amor”, conclama o poeta Sergio Vaz no seu Manifesto da Antropofagia Periférica. Apesar das 34 pontes existentes sobre os rios Tietê e Pinheiros, os lados da cidade não se comunicam, justificando o nome da via que corre paralela a seus leitos: Marginal. “A vida é diferente da ponte pra cá”, diz os Racionais MC’s. “Nóis é ponte e atravessa qualquer rio”, desafia o poeta Marco Pezão. A ponte é ao mesmo tempo metáfora do encontro e da separação. A Mostra Estéticas das Periferias quer a travessia, de lá para cá, de cá para lá, depende de onde se está. Buscaremos o fluxo, o encontro, o diálogo. Queremos explorar conexões e conflitos, armas tramas urbanas. Artistas do Centro e da Periferia: Uni-vos! Reiteramos o manifesto oswaldiano:“A alegria é a prova dos nove”. Oswald pregava em seu manifesto antroprofágico: “é preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à ideia de Deus”. Entendemos que é preciso um profundo sentido periférico para se chegar a uma ideia de Centro. Sem a Periferia não existe o Centro. Pretendemos deslocar o Centro para a Periferia e a Periferia para o Centro. Inverter a lógica urbana desagregadora. Questionar estereótipos. A periferia tão longe, pode estar perto. Judas perderá as botas nos bairros nobres. Os Jardins terão uma nova trilogia: Jardim Irene, Jardim Miriam, Jardim Angela. Assim como as três vilas: Mariana, Olímpia e Madalena cederão lugar para Vila Albertina, Vila Brasilândia e Vila Zilda. Só a arte é capaz dessa subversão. ”No universo da cultura o centro está em toda parte” ensinou o jurista Miguel Reale, frase lapidar que está imortalizada na Praça do Relógio do Campus da USP no Butantã, do outro lado da ponte da Cidade Universitária. A Mostra Estéticas das Periferias revelará que o circuito das artes da cidade de São Paulo vai muito além do que sugere os guias culturais da grande imprensa, para os quais a cena cultural se restringe a pouco mais de 20 dos 96 distritos da capital. A arte estará em toda parte, principalmente na periferia, onde o agito cultural é permanente, nas ruas, bares, galpões, praças, sacolões. Antonio Eleilson Leite, coordenador de cultura da ONG Ação Educativa (Ação Educativa,

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2012).

Muito influenciado pela exposição Estética da Periferia de 2007, idealizada pela escritora

Heloisa Buarque de Holanda e pelo designer gráfico Gringo Cardia, o evento organizado pela

Ação Educativa pretendeu ser um espaço “para exibir e discutir a cultura feita nas periferias, com

foco na produção artística, sua qualidade e originalidade e não apenas os aspectos sociais a ela

relacionados” (Ação Educativa, 2013). O blog http://www.esteticasdaperiferia.org.br tem as

informações sobre as edições e um levantamento bibliográfico sobre o tema.

A influência da professora Heloisa Buarque de Holanda é bastante evidente nas falas dos

coordenadores da OSC e da realização do evento em si. A autora organizou uma exposição em

2007 que foi importante como alavanca para o debate sobre estéticas da periferia. A pesquisadora

conta também com um projeto de extensão universitária na área da cultura denominado

Universidade das Quebradas, cujo objetivo é:

[…] consolidar um ambiente de troca entre saberes e práticas de criação e produção de conhecimento, articulando experiências culturais e intelectuais produzidas dentro e fora da academia. Este projeto pretende ser de duas vias: assim como as comunidades que estão produzindo cultura, mas não têm acesso à produção intelectual das Universidades, também a comunidade acadêmica denuncia carência similar em relação ao acesso a outros saberes e formações culturais fora da Universidade. (Hollanda, 201323)

A realização desses três seminários assim como das mostras culturais tem possibilitado

um espaço para reflexão, debate e crítica, que é mais um eixo apontado pela cidadania cultural.

Uma das atividades realizadas pela organização do evento foi o levantamento bibliográfico das

pesquisas acadêmicas sobre o tema da cultura de periferia. O acervo encontra-se no blog Estéticas

da Periferia. Durante os seminários, alguns pesquisadores foram convidados a expor suas

pesquisas. O contato com esse levantamento e a participação desta pesquisadora no I Seminário

Estética da Periferia permitiram constatar que muitos dos pesquisadores são, também, os próprios

produtores culturais periféricos, que têm a possibilidade de refletir sobre suas próprias práticas.

Um desses produtores e também poeta e pesquisador é Allan Santos da Rosa, autor de “Vão”, de

2005, e “Da Cabula: istória pa tiatru”, de 2006, entre outros títulos. Poeta e capoeirista, formou-

23 Os textos citados aqui de autoria de Heloisa Buarque de Hollanda encontram-se disponíveis no blog http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/ acesso 20 de fevereiro de 2013

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se em História e fez pós-graduação em Educação, com dissertação intitulada “Imaginário, corpo e

caneta: matriz afro-brasileira em educação de jovens e adultos”.

Elizandra Souza é poeta, jornalista e trabalha na Ação Educativa com a produção da

Agenda da Periferia. Infelizmente, por conta de dificuldades de agenda24 não foi possível

entrevistar Elizandra durante esta pesquisa. Para esta pesquisadora seria muito importante ter sua

perspectiva sobre o trabalho da instituição, na medida em que, além de ser poeta e representante

da cultura de periferia, é, também, sua funcionária. Assim como os educadores do projeto Arte na

Casa, muitos artistas periféricos, como Elizandra, entre outros, já passaram pela Ação Educativa

como profissionais e como parceiros. O livro de Elizandra Souza foi lançado na sede da

organização. Quem conhece o prédio sabe que, nele, há um fluxo grande de pessoas que

transitam por ali, entre as quais é possível encontrar, em um mesmo momento, um produtor

cultural, o público de alguma atividade, um participante de algum curso de formação, alguém

procurando trabalho, etc., criando, assim, uma relação complexa e diversos encontros entre

pessoas diferentes. A organização torna-se também uma oportunidade profissional para alguns

desses produtores culturais. Um dos coordenadores, em entrevista, cita essa relação de forma

positiva, mostrando que a equipe da área de cultura também é formada pelos produtores culturais,

muitos dos quais vindos da periferia. Além de Elizandra, a equipe da área de cultura conta com

Eleilson, coordenador da área; Flavia, que cuida da organização dos seminários Estéticas da

Periferia e da alimentação do blog; Edson, responsável pelos espaços (aluguel das salas, auditório

e equipamentos); Fernanda, Janaina e Rodrigo, que coordenam o Arte na Casa, e com o trabalho

dos educadores. Rodrigo, grafiteiro e sociólogo, teve seu primeiro contato com o grafite numa

oficina promovida pela Ação Educativa. “Foi com Celso Gitahi, uma das primeiras oficinas de

graffiti lá na Ação Educativa, o prédio tinha acabado de ser inaugurado, acho que foi em 2000”.

Começou a dar oficinas de graffiti dentro da Fundação Casa, em São José dos Campos, e depois

em São Paulo, na Ação Educativa, como coordenador técnico do projeto. É também responsável

pela organização e mobilização do Dia do Graffiti. Janaína participa do coletivo Marginalharia e

Fernanda, historiadora também, é do movimento Força Ativa, coletivo de hip hop. A equipe

24 Na época da coleta das entrevistas e estudo de campo, Elizandra estava lançando seu último livro “Águas da Cabaça” e com pouca disponibilidade de tempo, apesar de sempre ter demonstrado interesse em ajudar.

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também contava com Barata, que foi demitido no final de 2012, com o fim do convênio com o

MinC. Ele era responsável pelo Ponto de Cultura.

Falar da área de cultura dessa organização é também refletir sobre alguns autores que têm

pensado nos temas da cultura, da periferia e dos direitos. O discurso da coordenação da Ação

Educativa tem confluência com autores como Hollanda, Chaui, Magnani, entre outros, o que se

comprova, inclusive, na fala do coordenador, que explicita tais referências. As concepções sobre

cultura, periferia e cultura de periferia são construídas e definidas com base nesse referencial

teórico.

3.2 Cultura de periferia

O foco de atuação da área de cultura da Ação Educativa concentra-se na valorização dos

artistas da periferia e suas linguagens artísticas. Conhecido por cultura de periferia, este

movimento artístico abrange artistas e grupos culturais de diversas regiões da cidade de São

Paulo e busca uma relação mais positiva com as regiões periféricas da cidade. Em sua dissertação

de mestrado, Almeida (2009) faz uma contextualização sobre o surgimento desse movimento.

A partir de meados dos anos 90, com o boom do movimento hip-hop, por muitos jovens, a periferia começou a ser vista com sentimento de orgulho, o que provocou, inclusive, o interesse de jovens de classe média e alta (Kehl, 2004) pela estética periférica. Com a música dos Racionais MC’s, por exemplo, a região da zona sul passou a ser comentada pelos jovens, despertou curiosidade em quem não a conhecia e certa vaidade para quem lá vivia, pois o país todo passou a conhecer sua quebrada. Da mesma forma, com o sucesso de alguns grupos de pagode, como o Negritude Júnior, liderado por Netinho de Paula, atual vereador da cidade de São Paulo, que tratavam do cotidiano das periferias em suas músicas, passou a ser comum encontrar pessoas vestindo camisetas com os dizeres 100% cohab, 100% zona leste ou 100% periferia. Os anos 90 foram acompanhados por uma valorização simbólica das periferias. Ao mesmo tempo em que crescia a midiatização da violência (Rocha e Silva, 2008), diversos programas televisivos e filmes procuravam tratar da vida dos moradores destas regiões, apontando aspectos positivos em seus modos de vida e expressões culturais (Heschmann e Galvão, 2008. In: Almeida, 2009:100, grifos do autor).

No início dos anos 2000, a revista Caros Amigos fez uma série de reportagens sobre

alguns escritores que vinham de regiões periféricas intituladas “Caros Amigos/Literatura

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Marginal: a cultura da periferia”. Seus encartes traziam a biografia de 48 artistas cujas obras se

assemelham pela [...] situação de marginalidade (social, editorial ou jurídica) vivenciada pelo autor e uma produção literária que visa expressar o que é peculiar aos espaços tidos como marginais, especialmente em relação à periferia (os temas, os problemas, o linguajar, as gírias, os valores, as práticas de certos segmentos, etc.) (Nascimento, 2006:9).

Esse movimento foi importante para a conformação do que é identificado hoje como

“cultura de periferia”. A marca “periferia”, para esses escritores, foi, ao mesmo tempo, uma

identidade e uma maneira de abrir espaço para um certo nicho dentro do mercado editorial.

Vale ponderar que a designação “literatura periférica” ou “literatura de periferia” e seus correlatos “escritor periférico ou “escritor de periferia” são sinônimos utilizados pelos próprios escritores aqui estudados (sobretudo quando vão se apresentar em outros espaços sociais que não a periferia) e por jornalistas para sintetizar as características dessa produção literária ou a condição socioeconômica dos autores envolvidos. Com efeito, essa contextualização das possibilidades de empregos, usos e relações de expressões deixa evidente que, na cena cultural contemporânea, a “marca” literatura marginal pode ser usada como referencial no mercado. Da parte das editoras, agrega-se às obras o valor da “autenticidade” do que está sendo narrado; e da parte dos autores, manifesta-se certo desejo de marginalidade na escolha do tema ou do discurso assumido, de tal forma que a estigmatização passa a ser o vetor das vendagens das obras e da carreira literária de moradores de periferia e presidiários (Nascimento, 2009:24).

A relação centro e periferia é uma dicotomia que Chaui coloca como um dos eixos da

cidadania cultural. Para ela, é crucial acabar com a relação de desigualdade regional na cidade de

São Paulo e acabar, também, com o estigma que sofrem as populações que moram nas regiões

periféricas. Contudo, a noção de periferia não pode mais ser pensada somente como uma relação

regional entre centro e periferia, a medida que a percepção que se tem dos bairros e seus

moradores tem mudado para uma noção de categoria social positiva.

Assim, a noção de periferia passa a ser vista não somente como um espaço na cidade, marcado pela carência econômica e pela ausência do poder público e de equipamentos de prestígio e atendimento social, mas também como uma categoria social positiva. Dessa maneira, ser morador da periferia é considerado como alguém que conhece determinadas regras de convívio social marcadas por regras de troca e respeito mútuo. O que até pouco tempo atrás era visto como inferioridade ou estigma passa a ser encarado como sinal de força e resistência, conformando identidades (Magnani, 2009:52).

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Uma outra característica desses produtores culturais é sua ação política dentro da sua

região de origem. Os artistas da periferia têm uma relação de proximidade com sua região e, em

sua maioria, um engajamento político ou ativismo. O fazer político está diretamente relacionado

ao seu fazer artístico. Cuidar do seu bairro, exigir direitos e condições melhores de vida é

também foco na sua ação artística.

José Magnani aponta que o trabalho da Ação Educativa na área temática da cultura e das

artes, assim como dos grupos culturais da periferia, tem trazido alguns temas que fogem ao

debate artístico; questões como racismo, gênero e diversidade têm sido encontradas nos eventos

promovidos pela OSC e pelos movimentos culturais da periferia. Para o autor, isso reflete a

relação política e arte dentro desses movimentos.

[…] a ideia de Cultura de Periferia remete não somente à arte, mas também às relações simbólicas estabelecidas por moradores/as da periferia. Esta Cultura de Periferia produziria, assim, um sentido político de mobilização social, que fortaleceria o tecido social na periferia pela cultura. Trata-se, portanto, de uma Cultura de Periferia que está engajada politicamente ou com potencialidades de engajamento na construção de uma sociedade democrática mais justa […] (Magnani, 2009: 51)

Nascimento (2011), em sua pesquisa sobre o Sarau da Cooperifa e a literatura periférica,

aponta a relação de parceria existente entre os integrantes desse coletivo com a Ação Educativa.

Numa relação “de mão dupla que pode agregar valores, conhecimentos e práticas às diferentes

partes para os dois lados” (Nascimento, 2010), a atuação da OSC fortaleceu o movimento de

cultura de periferia e ajudou produtores culturais a se profissionalizarem, enquanto, para a

organização, trabalhar com os produtores e linguagens da cultura de periferia ajudou a capacitar a

instituição e sua equipe para se tornarem referência sobre o tema.

Já no caso da Ação Educativa, a motivação para se tornar uma parceira da Cooperifa encontra respaldo no interesse da organização de buscar outros eixos de atuação. Mais do que isso, está relacionada ao investimento na cultura de periferia como recorte estratégico para intervenções nos setores político e cultural. Sendo assim, mesmo que o movimento de literatura marginal-periférica tenha sido decisivo para que a instituição percebesse a força de outras manifestações, coletivos, artistas e ativistas da periferia para além dos hip hoppers e produtores de audiovisual com os quais a ONG já desenvolvia projetos, o apoio não se restringe à literatura ou mesmo a um coletivo literário específico, mas estende-se para um

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leque de linguagens artísticas (como música, audiovisual, artes plásticas) e passa também pelo que está definido como cultura da periferia pela instituição, no qual o artístico, o simbólico, o pedagógico e o político convergem, e certas manifestações, como o samba e o rap, no campo da música, e o grafite, nas artes visuais, ganham destaque, por exemplo (Nascimento, 2011:199).

A pesquisadora reflete, ainda, que a participação da OSC reforça a periferia como lugar

onde se produz e consome cultura.

Como uma organização que não gera recursos suficientes para se autossustentar nem financiar seus patrocinados, ao fazer a mediação entre os artistas e coletivos da periferia com organizações internacionais, a Ação Educativa possibilitou outras fontes de recursos e de prestígios para esses sujeitos. No entanto, além de garantir recursos para viabilizar produtos e eventos, creio que o principal papel dessa organização frente aos periféricos é participar desse processo de afirmação e reconhecimento de que a periferia seja também um lugar onde se produz e consome cultura. E nessa organização, afirmar e reconhecer a cultura de periferia se traduz em colaborar para a profissionalização dos artistas-ativistas, contratando-os para atuar como arte-educadores ou instruindo-os a elaborar e gerir seus projetos, assim como se materializa nas estratégias de circulação de discursos e produtos, por meio da cessão de suas salas e auditórios e de publicações como a Agenda Cultural da Periferia (Ibidem)

As relações de parceria entre OSCs e movimentos sociais e culturais são passíveis de

tensões, na medida em que existem interesses dos dois lados. O papel de intermediário das

organizações, principalmente na relação com financiadores, é um questionamento constante por

parte dos movimentos que, muitas vezes, exigem fazer parte dessas relações, de forma mais ativa

e não mais como público atendido pela ação social. Contudo, as OSCs surgiram com o propósito

de assessoria a estes movimentos, e seu apoio tem sido fundamental para a consolidação de

alguns grupos sociais e movimentos.

Nascimento (2011) cita algumas tensões entre a Ação Educativa e os movimentos

literários da periferia que, segundo a autora, levaram ao fim da parceria da Cooperifa com a

organização, [...] em virtude de desentendimentos com relação à organização do Seminário Estética da Periferia. Tal como indicaram outras lideranças culturais periféricas, houve um descontentamento com relação à ausência desses protagonistas no desenho e realização do Seminário, assim como restrição aos nomes dos pesquisadores convidados, ao local onde o evento foi promovido e à limitação do número de participantes (Nascimento, 2011:201).

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Em entrevista concedida à autora desta dissertação, a feminista e educadora T.G disse que

acredita que a cultura, quando pensada no campo das organizações da sociedade civil e como

espaço para artistas da periferia, pode ter outros sentidos para além da fruição aos bens culturais.

Com experiência em oficinas para jovens e adolescentes na cidade do Recife e também no

trabalho das OSCs, a entrevistada acredita que o trabalho das organizações na área temática da

cultura, pode esmiuçar o conceito de cultura, e ampliar sobre sociedade, disputa de poder e

relações de classe.

É o consumo da cultura; a cultura como direito não é exercida por ninguém. [...] a produção cultural é vista como uma forma de ganhar dinheiro e não em si. Aí não sei se as ONGs ficam tentando transformar a cultura em si, numa experiência em si, por vivência. Quando os jovens, as pessoas reais, pensam em cultura como ser produtor de um bem de cultura. Então, a questão é mais embaixo, pensar qual o lugar que a cultura ocupa numa sociedade capitalista. O que significa Cultura numa sociedade capitalista? Significa um monte de coisas, por mais que hoje em dia... e eu acho superbacana, a ideia de cultura de periferia, ela ao mesmo tempo ao ser marcada como de periferia, ela ganha legitimidade. Mas precisou politicamente, e neste ponto, não tenho problema com isso, de ter sua marca de origem. Porque existe cultura e cultura de periferia. Então é como se aquelas produções culturais de um determinado lugar não pudessem ser consideradas cultura no sentido mais amplo e legítimo. (T.G, 2012)

Outro ponto sugerido nas entrevistas feitas por essa pesquisadora, é o uso da cultura de

forma instrumental no campo das OSCs. De trabalhar com cultura, como ferramenta para um

outro interesse que não da fruição cultural. Por exemplo, tirar o adolescente da criminalidade, ou

das drogas, oferecendo aulas de instrumentos musicais, etc. Para a educadora, T.G é importante

que as OSCs tenham cuidado ao assumir o conceito de cultura como direito, para não reduzir a

compressão de que cultura quando pensada para populações de baixa renda significa, estão

relacionadas somente, a geração de renda ou instrumentalização da arte.

Neste sentido, continuamos numa lógica, melhor que a preventiva25, mas a lógica do mercado de trabalho. Você não vai pra universidade, vai ser cantor, artista, por ai. Ou vai dar aula. Porque a lógica da vida da gente, usufruir cultura é quase conseqüência do universo que você é, e do lugar que você vem. Você tem mais dinheiro ai pode ir no show, etc. (idem)

25 A entrevistada refere-se ao uso instrumental da arte como forma de prevenir violência ou afastar os jovens das drogas, etc.

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3.3 Cultura, desigualdades e projeto político

Questões trazidas pelos entrevistados, alguns teóricos e encontradas durante o trabalho de

campo fazem-se importantes para compreender que a cultura e o direito à cultura, pensados numa

situação limite de pobreza ou violação de direitos, são contextualizados de forma mais ampla,

abarcando também questões econômicas, sociais e políticas. Tais questionamentos foram

trazidos, também, pelos participantes do I Seminário sobre Estética da Periferia. Muitos

indivíduos representantes da cultura de periferia foram críticos à ideia de se refletir sobre a

estética dos trabalhos artísticos. Não havia, para eles, a compreensão separada entre o fazer

político e o fazer artístico. Ou também é possível que não se sentissem à vontade para tal reflexão

naquele espaço ou, ainda, não encontrassem oportunidade de usá-lo para algumas falas políticas e

denúncias26. Essa mesma tensão era percebida entre a academia e os produtores culturais da

periferia, que não eram, por ela, reconhecidos e nem tinham suas obras analisadas.27. Ao mesmo

tempo, observou-se que boa parte dos pesquisadores da cultura de periferia tem sido composta

pelos próprios produtores, que acabam realizando uma autorreflexão, a qual poderá trazer

novidades do ponto de vista da análise sobre esta cultura. A cultura de periferia é uma arte

engajada, e seus integrantes, em sua maioria, têm ações políticas nos seus bairros e lutam pela

defesa da cidade como espaço de convivência, buscando o fim das desigualdades regionais.

Apesar de a noção de periferia ter, sob o ponto de vista simbólico, uma concepção mais positiva,

não se pode esquecer da realidade de desigualdade econômica e social existente entre o centro e a

periferia, a qual é denunciada por esses produtores.

Para exemplificar essa situação, segue trecho da peça teatral “Da Cabula: istória pa

tiatru”, de Allan da Rosa.

26 Muitos artistas, aproveitando a participação de representantes da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e do Ministério da Cultura, buscaram publicizar as dificuldades vividas pelos grupos culturais, entre elas o não repasse do recurso financeiro dos pontos de cultura. 27 A discussão sobre arte e estética está fora do escopo do trabalho apresentado nesta dissertação. Caberá a esta pesquisadora somente fazer alguns aportes mais exploratórios sobre isso. Em realidade, a relação artista, acadêmica e estética é complexa e não poderíamos fazê-la de forma simplista, até mesmo porque essa tensão existe em outros movimentos de arte e não se refere somente aos artistas periféricos.

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Filomena: Eu trabalho na casa do senhor Calvino Farias. Trabalhava... pedi as contas ontem... Professora – Calvino Farias? Nossa! Ele ganhou o Premio Nacional de Empreendedor Cultural do Ano. Apoia cultura do Nordeste, dá verba pra pesquisar sociedade africana... Não é ele? Filomena – É. Já faz mais de um ano que eu tô lá. Mas quer saber, professora? Vou falar pra senhora... meu sonho é ter um negocinho meu, pode ser bem inho, vu, mas só de não ter que ficar passando humilhação, nem dando satisfação toda hora de tudo, em troca de miséria. Já acertei com a dona Adelaide. Vão me pagar salário dobrado este mês e não vão descontar comida, nem água, nem luz. Professora - A senhora é registrada, Dona Filomena? Filomena – Nada, professora. (Dá risada.) Contrato de boca, mesmo. Professora – Vê essa aqui. Quarto-e-cozinha. É baratinho. Só que é longe (ROSA, 2006).

Refletindo sobre as abordagens apresentadas acima, pode-se sugerir que a cultura

concebida dentro do ambiente das OSCs aborda as questões sociais vividas pelos produtores

culturais. Tendo como missão “promover direitos educativo, culturais e da juventude, tendo em

vista a justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento sustentável” (Ação

Educativa, 2012), não poderia ser diferente. Ampliando ainda para o papel da sociedade civil

organizada, que pretende defender os direitos sociais e humanos e garantir a existência de uma

sociedade mais justa e democrática, é importante que essa missão reflita nas suas práticas. Para

tanto, parece-nos salutar que a Ação Educativa faça o recorte específico em cultura de periferia,

contudo, para não perder a conexão com as demais expressões artísticas, é importante que haja

uma relação com a cultura feita fora da periferia. As organizações deveriam também garantir o

acesso desses indivíduos a outras formas de linguagens.

O projeto Arte na Casa busca essa relação híbrida entre a experimentação artística dos

adolescentes e o acesso aos bens culturais. A dificuldade de fazer com que os educandos se

interessem pela oficina de dança circular, teatro, pintura é um comentário recorrente dos

educadores e dos coordenadores do projeto. Segundo eles, a princípio, há uma preferência para as

oficinas de rap, dança de rua, graffiti, mas, aos poucos, é possível aproximá-los da cultura dita

erudita: “lançamos mão da cultura de periferia e da cultura popular, e suas relações com a cultura

erudita” (Arte na Medida, 2012:15). As conexões são feitas de acordo com a experimentação de

cada um dos educandos e levando a perceber que a cultura de periferia é cultura também, que os

rappers fazem poesia como qualquer outro poeta e mostrando que há um contexto mais amplo por

trás de cada arte e cada artista.

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Por outro lado, o projeto se propõe a contratar artistas da periferia para serem arte-

educadores dentro da Fundação Casa, oferecendo capacitação aos artistas, e oportunidade de

trabalho. Mas, o mais importante segundo um dos seus coordenadores é garantir que o

adolescente ao sair da Fundação Casa, possa conhecer a cultura feita dentro de sua quebrada e

encontrar neste movimento cultural, pessoas de referência. O projeto não tem por objetivo formar

artistas, mas trazer para o cotidiano desses adolescentes a experimentação artística.

Outro ponto importante é a discussão sobre a estética das manifestações artísticas

produzidas na periferia. Não caberá a esta pesquisa, fazer um debate sobre estética, porque não

faz parte de seu objeto, contudo é interessante tomar algumas reflexões feitas por Heloisa

Buarque de Hollanda para condensar alguns aportes analíticos.

A autora aborda estas questões no seu blog pessoal e em alguns textos ali publicados que

indicam a relação entre cultura e desenvolvimento. No artigo “Literatura Marginal”, a autora

aprofunda questões sobre a literatura vinda das periferias e de artistas para abordar a própria

noção de cultura e sua função social. Para ela:

[...] as características e as estratégias das expressões artísticas vindas das periferias vêm surpreendendo como a grande novidade deste início de século com o desejo de responder ao acirramento da intolerância racial e às taxas crescentes de desemprego provenientes dos quadros econômicos e culturais globalizados. (Hollanda, 2013)

Não obstante, a literatura brasileira tem como uma de suas características a denúncia

social; a novidade está no lugar onde se denuncia, o escritor é o protagonista dessa história e não

mais o personagem que vivencia as injustiças sociais. Para a autora, os escritores da periferia têm

se tornado protagonistas das suas próprias histórias publicadas e também, da sua ação política. A

seguir, depoimento de Hollanda que reflete bem essas questões.

Participando, em 2004, de uma mesa no Seminário Cultura e Desenvolvimento, o Ferréz, indignado, disse: ainda que eu escreva prioritariamente para minha comunidade, não quero minha literatura no gheto. Quero entrar para o cânone, para a história da literatura como qualquer um dos escritores novos contemporâneos. E não acho também que minha comunidade deve se limitar à minha literatura, ela tem o direto de ter acesso ao Flaubert. Esta afirmação de Ferréz traz consigo a chave do principal subtexto dos novos projetos culturais vindos da periferia: ou seja, a grande mudança se faz na realidade através de uma concreta democratização de expectativas. Pela primeira vez na História, em alto e bom som, o pobre afirma seu desejo e direito ao consumo dos mesmos bens materiais e simbólicos,

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historicamente usufruídos apenas pelas classes médias e altas. Ele quer o tênis Nike de última geração tecnológica, assim como quer o acesso à informação especializada e à alta cultura. Para essa “democratização de expectativas” talvez nós, intelectuais e artistas de classe média, ainda não estejamos preparados. Na nossa fantasia perversa, aceitamos que o pobre sonhe com um Nike, mas não com Flaubert (Hollanda, 2013, grifos da autora).

A democratização de expectativas demonstra que os produtores culturais sabem o que

querem, e o que entendem por cultura, por fruição dos bens artísticos culturais. Eles querem

usufruir dos mesmos símbolos que eram historicamente privilégios apenas das classes médias e

altas.

Fazendo um paralelo com o problema de análise deste texto, talvez seja este o desafio do

trabalho das OSCs nas áreas temáticas da cultura e das artes – respeitar as diversas vozes e ser

um canal para ampliar o debate político sobre a cultura e democratização dos bens culturais.

Acho que nesse momento estamos aprendendo que em vez de interpretar demandas e traduzir diretamente culturas devemos exercer o papel de negociadores que possam relativizar nossos espaços de fala, – até hoje um patrimônio digamos tombado pela tradição e pela academia -, para outras vozes que começam a surgir com uma saudável agressividade e alto poder de interpelação. Outro ponto seria o de procurar repensar, com alguma radicalidade, as distinções tão estabelecidas entre o que seria uma cultura “alta” e uma cultura “baixa” seja ela uma cultura de massa ou popular. Mais um ponto seria o de ficarmos atentos à tão inevitável quanto interessante mistura, e muitas vezes hibridização mesmo, de gêneros artísticos, mídias e suportes. Em último lugar recomendo uma especial atenção à questão da autoria e da autenticidade tal como a conhecemos, formatada pelo período moderno. Nesse momento de samplers, remixes e pirataria criativa, é fundamental pensar a noção de saber compartilhado e ficar disponível para as novas formas de autoria colaborativa que estão surgindo e que vão sem dúvida forçar uma mudança razoavelmente séria no nosso papel como intelectuais, artistas e formuladores de políticas públicas. E, finalmente, gostaria de passar para vocês o entusiasmo que estou vivendo com esse momento meio assustador, mas certamente atraente. O intelectual não está afinal necessariamente desempregado nesse século XXI. O que ele deve fazer para garantir sua sobrevivência com algum sentido e positividade é, antes de mais nada, uma bela e urgente autocrítica. E, em seguida, testar novas formas de participação e engajamento. (Hollanda, 2013)

A democratização de expectativas requer também a escuta, ouvir as demandas dos outros.

Para a autora, o intelectual – e, aqui, poder-se-ia dizer a sociedade civil engajada nas questões das

artes e cultura - deve ter a capacidade de repensar as distinções entre cultura erudita e popular e

começar a pensar nas suas intersecções. Pensar no saber compartilhado e testar novas formas de

participação e engajamento.

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Este capítulo analisou a área institucional de cultura da Ação Educativa e os quatro

projetos que a compõem. Observou-se que, embora o foco principal seja a cultura de periferia,

cada projeto tem suas especificidades e formas de atuação. O público atendido compreende os

produtores culturais da periferia e adolescentes que cumprem medidas socioeducativas dentro da

Fundação Casa. A sede da OSC tornou-se um espaço de referência no centro de São Paulo para a

arte produzida na periferia, contudo ainda não foi possível identificar o verdadeiro impacto na

população do entorno.

Como toda organização da sociedade civil, a Ação Educativa sobrevive com recursos

arrecadados e vindos de projetos além de algum recurso institucional, como aluguel de salas e

venda de livros pedagógicos28. Isso interfere nas áreas institucionais, refletindo na contratação de

equipe e nas atividades realizadas. A área de cultura não tem mais os recursos do Ponto de

Cultura e nunca recebeu os recursos do Pontão de Cultura, mas, por outro lado, tem construído

outras parcerias, o que garante a realização dos seus objetivos. A cultura de periferia está na

“crista da onda”; artistas como Criolo, Sergio Vaz, alguns grafiteiros têm se destacado na esfera

cultural da cidade e, inclusive, do país. Esse contexto influenciará, no futuro, as atividades da

área de cultura, que buscará novas formas de atuação e de reinvenção; e caberá ao tempo indicar

qual será o caminho a seguir.

28 A Ação Educativa comercializa livros didáticos na área de Educação de Jovens e Adultos. A coleção Viver, Aprender teve sua primeira edição em 1998, em parceria com o Ministério da Educação. O objetivo era a produção de um material didático específico para trabalhar com jovens e adultos em processo de alfabetização. Com o término da parceria com o governo, a organização produziu mais uma edição em parceria com a Global Editora, no ano de 2002, com base na proposta curricular para o 1o segmento do ensino fundamental, e, depois, em 2009, uma nova coleção didática para o 2o segmento e para o Ensino Médio.

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Considerações Finais

Esta dissertação debruçou-se sobre as organizações da sociedade civil que atuam nas áreas

temáticas de arte e cultura, com base no trabalho desenvolvido pela Ação Educativa – Assessoria,

Pesquisa e Informação. Fundada em 1994, essa instituição trabalha pela defesa dos direitos

educacionais, culturais e da juventude e tem sede na cidade de São Paulo. Sua história remonta à

época da ditadura militar e dos movimentos de educação popular e defesa dos direitos humanos.

Para contextualizar a história da Ação Educativa, recorreu-se a uma análise histórica do conceito

de sociedade civil e de organizações da sociedade civil (OSCs), tendo como recorte analítico as

organizações filiadas à Abong, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais. A

Ação Educativa é uma organização membro e foi uma das fundadoras dessa rede de

Organizações Não Governamentais (ONGs). Fez-se uma escolha analítica de utilizar o termo

OSC em contraponto ao uso de ONG, com o intuito de positivar o nome dessas entidades

(enfatizando-as como parte da sociedade civil e não reforçando o aspecto negativo contido na

expressão “não governamental”).

As análises mostraram que as organizações que trabalham com arte e cultura no Brasil

possuem perfis e objetivos distintos entre si. Foi possível identificar três tipos de organizações

que concebem cultura e arte e que atuam dentro dessas áreas, de forma diferenciada: as

organizações que prestam serviços culturais; as que financiam projetos de cultura; e aquelas

vinculadas ao atendimento às populações e que oferecem oficinas de arte e cultura. Com base no

pressuposto de que o trabalho da Ação Educativa com arte e cultura desenvolveria uma quarta

vertente, que é a concepção da cultura como direito humano e como base para o exercício da

cidadania e para a transformação social, desenvolveram-se esta pesquisa e o estudo de campo.

O foco da pesquisa recaiu sobre a área institucional de cultura dentro da OSC estudada,

cujo objetivo principal é o fortalecimento da produção e difusão das expressões culturais de

grupos originários e atuantes nas periferias urbanas. Ao todo, o programa de cultura possui quatro

projetos que, juntos, integram uma ação diversificada para apoio e visibilidade, experimentação e

reflexão sobre cultura e arte. Os projetos visam à afirmação das identidades desses grupos e à

ampliação do acesso a circuitos de produção e consumo de bens culturais. Essa atuação é feita a

partir da concepção de cultura como um direito humano e como dimensão essencial da cidadania.

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Tomaram-se por referencial teórico os estudos de Marilena Chaui sobre política cultural e

direito à cultura. A autora afirma que a cidadania cultural é exercida à medida que cidadãs e

cidadãos exercem seus direitos culturais de produzir cultura, participar das decisões quanto ao

fazer cultural, usufruir dos bens da cultura, ter informações sobre os serviços culturais, ter

espaços de formação cultural e artística pública e gratuita, ter oportunidades de experimentação e

invenção do novo, espaços para a reflexão e o direito à informação e à comunicação (Chaui,

2006). A abordagem teórica de Chaui é também reflexo de sua experiência como gestora pública,

tendo assumido o cargo de Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo, no final dos

anos 80, durante a gestão de Luiza Erundina como prefeita. Apesar do objeto de pesquisa ser

uma associação civil e, portanto, uma instituição privada, acreditou-se possível fazer conexão

com a proposta da Chaui, já que as atividades da OSC são ações de finalidade pública e possuem

parceria e apoio de recursos públicos.

Os resultados da pesquisa apontaram que há consonância entre a cidadania cultural e as

ações culturais da Ação Educativa, sobretudo no que tange aos aspectos para concepção do que

se entende por cultura e direitos culturais. Tal apontamento deve-se, também, ao fato de que a

equipe da organização está em sintonia com os debates teóricos e políticos sobre cultura,

conforme indicado pelos documentos e entrevistas realizadas.

Observou-se que as ações culturais promovidas pela OSC em questão têm como foco a

cultura de periferia, que compreende um movimento cultural de artistas originários de regiões

periféricas da cidade e que assumem a periferia como identidade simbólica e regional. Com

intuito de mostrar que existe e se produz cultura na periferia, esse movimento compreende

diversas linguagens e artistas.

O conceito de periferia está em constante debate e, para verificar as concepções

envolvidas, trabalhou-se com os aportes de Nascimento, Magnani e Buarque de Hollanda. Esses

autores têm trabalhado com as manifestações artísticas vindas das periferias do Brasil e com o

conceito de cultura de periferia.

Outro aspecto apresentado por esses autores, em particular, Heloisa Buarque de Hollanda,

é que se encontra nessas manifestações uma característica de novidade no meio artístico atual. Os

artistas passam a ser protagonistas de suas próprias manifestações artísticas, deixando de ser

somente personagens retratados pela classe dominante e intelectual. Nascimento (2011:199)

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acrescenta que há “processo de afirmação e reconhecimento de que a periferia seja também um

lugar onde se produz e consome cultura”. Magnani complementa discutindo o engajamento e o

ativismo desses artistas, nos quais não se separam o fazer artístico e o fazer político.

Muitas das organizações filiadas à Abong tiveram seu embrião na ditadura militar como

espaços de educação popular e apoio aos movimentos sociais. Essa também é a matriz histórica

do objeto de estudo desta pesquisa, que, portanto, tem essa forma de ser e que a reflete na forma

de fazer. No entanto não se poderia separar a área de cultura da instituição, sem relacioná-la às

outras duas áreas temáticas – educação e juventude. A área de cultura é mais recente e ainda está

em formação e se estruturando, o que confere a esta pesquisa um caráter, também, exploratório.

Por essa razão, pode-se dizer que o direito humano à cultura, quando trabalhado na sociedade

civil, abarca também outras questões além da dos direitos culturais. Questões como desigualdade

social, combate ao racismo e o espaço das mulheres na realidade artístico-cultural são também

tema dos debates e reflexões. Cultura para a transformação social e pensada como espaço para a

reflexão e criação de um projeto novo de sociedade.

Outro ponto discutido, ao longo desta dissertação, foi a demanda dos movimentos culturais

de periferia por um espaço de protagonismo dentro das ações culturais, sejam aquelas feitas pelas

políticas públicas sejam as promovidas pelas organizações. Os artistas periféricos não querem

mais ser compreendidos como público atendido por uma ação cultural ou como personagem de

uma história. Segundo Hollanda, há uma democratização de expectativas, ou seja, os artistas

periféricos querem usufruir da arte, até então privilégio das classes dominantes, e também

querem indicar, apontar os caminhos para seus próprios trajetos dentro da cultura. É uma voz que

deve e precisa ser escutada.

A democratização de expectativas exige dos atores envolvidos a escuta, a capacidade de

ouvir as demandas dos outros. É preciso, portanto, ser capazes de criar novas formas de conceber

cultura, abrindo espaço para outras vozes; ter a capacidade de repensar as distinções entre cultura

erudita e popular, e passar a pensar nas suas intersecções; pensar no saber compartilhado e testar

novas formas de participação e engajamento, para conseguir ampliar o debate sobre cultura e as

formas de compreensão da arte.

Com base nos autores e no campo pesquisado, pode-se dizer que um dos desafios

apontados para o trabalho das OSCs, nas áreas temáticas da cultura e das artes, é a capacidade de

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se tornarem mediadoras das experiências e ações culturais, e não somente a referência, ou o que

dita o que o outro precisaria. Cabe às OSCs respeitar as diversas vozes e ampliar o debate político

sobre a cultura e democratização dos bens culturais.

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