bobbio, norberto - o conceito de sociedade civil

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,'?' à Neste livro, Norberto Bobbio interpreta o conceito de sociedade civil, centro do pensa- mento de Gramsci, consolidando-se mais uma vez como um pensador clássico da moderna teoria política, pelo alto nível e pela riqueza dos argumentos. Qual o segredo deste ilustre professor? Na explicação se -misturam os itinerários acadêmicos e políticos. Antes de mais nada, uma delirante clareza, que faz seus escritos terem uma verbalidade de aula ao vivo que escapa à maioria de seus pares. Norberto Bobb|o( 0 concezto de soczedade czwl Do mesmo autor de O Futuro da Democracia z 1 1 ?Ê“á Bnbhoteca de Cnenclas Soctals _í.L__Í 1 _f «ti f

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bobbio

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    Neste livro, Norberto Bobbio interpreta oconceito de sociedade civil, centro do pensa-mento de Gramsci, consolidando-se mais umavez como um pensador clssico da modernateoria poltica, pelo alto nvel e pela riquezados argumentos.

    Qual o segredo deste ilustre professor?Na explicao se -misturam os itinerrios

    acadmicos e polticos. Antes de mais nada,uma delirante clareza, que faz seus escritosterem uma verbalidade de aula ao vivo queescapa maioria de seus pares.

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    Do mesmo autor de O Futuro da Democracia

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    Norberto Bobbio nasceu em Turim,em 1909. Professor de Filosofia doDireito na Universidade de sua cida-de natal, lecionou em lugares privi-lcgiados, como Siena (1938-1940) ePdua (1940-1948). Ocupou-se, co-mo professor e escritor, da teoriapoltica, filosofia do direito e hist-ria do pensamento poltico.

    Nos anos setenta ingressou noPartido Socialista Italiano chegandoa fazer parte de sua direo, sendodepois indicado Senador a vita.

    Essa compatibilidade antiga com osocialismo est presente desde osanos 30, quando adere ao movimentoGiustiza e Libert inspirado naconfluncia liberal-socialismo de Car-lo Rosselli.

    Em seus livros, Bobbio opera jus-tamente no espao onde mais senti-das so as nossas carncias -- carn-cias, alis, que ficaram transparentese cresceram com a prpria marchada democratizao: quanto mais rom-piamos com o autoritarismo, mais apoltica se convertia em matriaviva e mais a cincia poltica pas-

    a O Conceitode Sociedade .Civil

  • Norberto Bobbio a

    O Conceitode Sociedade Civil

    TraduoCarlos Nelson Coutinho

  • Is

    .- t Copyright by_ - Traduzido do original italianoGramsci e la concezione della societ civile

    z

    '_

    CapaRicardo Azevedo-

    l." edio: agosto de 1982 .3* Reim resso 1 9 9 4P

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Bobbi , N berto.B63'?g 8 Gglceito de sociedade civil / Norberto

    Bobbio ; tradudo de Carlos Nelson Coutinho.- Rio de Janeiro: Edies Graal, 1982.

    (Biblioteca de cincias ; v. n. 23)1 G ". rnmci. anwmo. 1sa1-mv 2. ciencia II1iI'0Clu.iO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7uma resuea a sociedadepc e . - rumou:1.'mu1o 11. sem

    zB3:;iz GRAMSCI E A coNcEPco. DA soc1EDADE82-0535 1 Grimlci, Antonio

    Direitos adquiridos porEDIES GRAAL LTDA.

    lua Hermenegildo de Barros, 31-AGlria. Rio de Ianeiro, RI

    . Cep: 20.241Tel.: 252-8582

    1994Impresso no Brasil/Printed in Brazil

    CIVIL

    Da sociedade ao Estado e do Estado sociedade 19A sociedade civil em Hegel e em Marx . . . . . . . 24A sociedade civil em Gramsci .. . . . . . . .I . . . . . . 32O momento da sociedade civil na dupla relao:*$'*'!`t""estrutura-superestrutura e direo-ditadura .. . .. 364

    5. Uso historiogrfico e uso prtico-poltico do con-ceito de sociedade civil . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 41

    6. Direo poltica e direo cultural . . . . . . . . .. 44.7. Sociedade civil e fim do Estado . . . . . . . . . . .. 49

    REPLICA . . . . . . . . . . . . . . . . .; . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

    NOTA SOBRE A DIALETICA EM GRAMSCI 61

  • INTRODUO

    No gostaria que se pensasse que/- por ter lido emum dos muitos livros recentemente escritos sobre Gramscique eu era o autor de um ensaio famoso' sobre a diver-gncia entre Gramsci e Marx -- terminasse por acreditarnisso. A razo pela qual aceitei o convite para republicarmeu texto sobre O conceito de sociedade civil em Gramsci(que, como me dizem, tornou-se de difcil acesso) outra.E a seguinte: pareceu-me que a tese central do ensaio --segundo a qual o que Gramsci chama de sociedade civil um momento da superestrutura ideolgico-poltica, e no,como em Marx, da base real -- tomou-se objeto de umainterpretao distorcida desde o primeiro momento, isto, desde o momento em que o ensaio foi apresentado noSimpsio sobre Gramsci de 1967. Devo esta interpretaodistorcida ao meu primeiro crtico, Iacques Texier, que --to logo expus minha tese - interveio com a finalidade dedeclarar que estava em profundo desacordo com o con-junto da conferncia de Norberto Bobbio, j que minhatese implicava a idia de que a originalidade filosfica deGramsci devia ser buscada a partir dos pontos de ruptura

    1. M. A. Macciocchi, Per Gramsci, ll Mulino, Bologna, 1974, p. 45 [Ed.brasileira: A favor de Gramsci, Paz e Terra, Rio de Ianeiro, 1976].

    2. Essa exposio foi publicada nas Atas do Simpsio Internacipnal deEstudos Gramscianos. realizado em Cagliari, a 23-27 de abril de 1967, intitula-das Gramsci e Ia cultura contemporanea, Editori Riuniti, Roma. 1969. vo_l.pp. 7'-105% No mesmo volume, foi publicada tambm a minha R6pl1ca .pp. 1 5-1 .

    ` 1

  • com Marx? No sei se foi esse ataque, desferido com cer-ta rudeza , ainda que com inegvel brilho, a fazer comque um comentador dos trabalhos do simpsio tenha podi-do escrever que cabia a Bobbio o mrito de ter rompido,desde o incio de sua exposio, com a atmosfera de de-voo filolgica na qual o simpsio corria o risco de sub-mergir; e a anotar, com evidente exagero, que a minhaprovocao suscitara um coro de protestos entre os or-todoxos, de modo que eu teria sido acusado, alternada-mente, de ser um idealista ou mesmo um giobertianotravestido, de ignorar o conceito de classe e, sobretudo, deno levar em conta a realidade histrica.* Embora eu ti-vesse ,tentado imediatamente, quando fui chamado a res-ponder s objees, jogar gua na fogueira, observando aTexier que minha exposio no era um texto polmicomas analtico, e afirmando que na realidade eu no acre-dito ter colocado Gramsci fora do sistema marxista, jque no havia nem por um minuto de distrao esque-cido que a chave do sistema marxista, do marxismo teri-co, a relao entre estrutura e superestrutura, Texiervoltou depois amplamente ao tema e ao mesmo motivo po-lmico, num longo artigo publicado em Critica Marxista.Concretizando seu pensamento e ampliando a acusao, oautor -- depois de contrapor ao mtodo de pensamento `puramente analtico [. . .] o trabalho totalizante da razo-dialtica - afirma que eu teria posto em evidncia umadiferena substancial entre Marx ei Gramsci, em razo daqual Gramsci no o continuador de Marx e de Lnin, ocrtico da concepo croceana da histria como histria ti-co-poltica, mas o crtico inconsciente de Marx e o disc-pulo genial de Croce. A quem me enviara as provas do

    3. Gramsci e la cultura contemporanea, cit., vol. I, p. 152. 4. E. Forcella, I due Gramsci e le operazioni troppo care, in Il Giorrio,

    28 de abril de 1967, p. 1.5. Gramsci e la cultura contemporanca, cit., vol. I, p. 196.6. I. Texier, Gramsci teorico delle sovrastrutture e il concetto di societ

    civile, in Critica marxista, Vl, 1968, p. 81.

    8 9 l

    artigo antes de sua publicao em Critica Marxista, es-crevi- uma carta - que se conservou indita - da qualextraio duas passagens que esclarecem melhor o meu pen-samento. Confesso que nem de longe me passou pela ca-bea a idia de defender a tese segundo a qual Gramscino era marxista, e, mais do que isso, que era idealista.Provavelmente, dando por suposto (sobretudo em um sim-psio de especialistas) o marxismo de Gramsci, no meprecavi o suficiente contra o perigo de que algum enten-desse mal minhas intenes, que eram as de mostrar que-- no mbito da tradio do pensamento marxista .-Gramsci no fora um repetidor, mas um intrprete origi-nal. Parece-me estranho, porm, que o Sr. Texier no te-nha absolutamente levado em conta o primeiro pargrafode minha exposio, no qual - depois de esboar umabreve histria da relao entre sociedade pr-estatal e Es-tado at Hegel, e depois de ter sublinhado a inverso ope-rada por Marx - conclua: 'A teoria do Estado de Anto-nio ,Gramsci [. . .] pertence a essa nova histria. Como seno bastasse, precisamente ao encerrar a passagem na qualdocumentava o diferente significado de 'sociedade civil' emGramsci e em Marx, acrescentava: 'Com isso, no se pre-tende absolutamente negar o marxismo de Gramsci, maschamar a ateno para o fato de que a reavaliao da so-ciedade civil no o que liga a Marx, mas talvez o queo distinga dele. Mas se o Sr. Texier, que um leitor ex-periente e certamente no desatento, me acusa por ter con-fundido Gramsci com Croce, pode-se ver que no me pre-cavi suficientemente. Idealismo a filosofia segundo aqual a realidade Idia ou Esprito; materialismo a fi-losofia segundo a qual a realidade Matria ou Natureza.Com Marx, inicia-se uma concepo da realidade e, em par-ticular, da histria muito mais complexa, no monista masdicotmica ou dialtica, na qual se contrapem e se con-vertem umas nas outras as condies objetivas e as con-dies subjetivas, o momento estrutural e o ,momento su-

    9

  • perestrutural etc. Compreende-se que, no desenvolvimen-to de uma concepo to complexa, haja interpretaes queacentuam o momento objetivo, outras que acentuam o mo-mento subjetivo, sem que nem umas nem outras abando-nem o esprito geral do sistema. Quem desconhece o fatode que toda a histria do marxismo uma continua alter-nncia de interpretaes tendencialmente mais objetivistas ede interpretaes tendenciahnente mais subjetivistas? Paraindicar a posio de Gramsci com relao s duas dicoto-mias -- entre estrutura e superestrutura e entre sociedadecivil e Estado --, servira-me do verbo 'privilegiar' (hor-rvel palavra, se se quer, porm cmoda); ou seja, dissera- como o prprio Texier repete -- que Gramsci privile-giara na -primeira dicotomia o segundo termo, enquantoprivilegiara o primeiro na segunda. Ora, 'privilegiar' umdos dois termos de uma relao no 7 significa excluir o ou-tro. Isso era claro para mim; mas pode-se ver que no serevelou igualmente claro para os meus ouvintes, se quemeu 'presente interlocutor escreveu um artigo para demons-trar que eu expeli Gramsci da tradio do pensamento mar-xista, quando a minha inteno fora a de determinar suajusta colocao no mbito dessa tradio.

    Confesso que mesmo agora, distncia de anos, te-nho dificuldade em compreender, relendo meu artigo, comopode ter ocorrido o mal-entendido atravs do qual um ar-tigo escrito para sublinhar a originalidade de Gramsci pdeser interpretado como uma tentativa para fazer de Grams-ci um croceano, um idealista, um anti-Marx; e como umadesarticulao analtica do sistema de idias gramsciano,feita com a finalidade de mostrar sua riqueza, sua com-plexidade e fecundidade, pde ser acusada de lesa-marxis-mo. Posso fver to-somente uma razo: enquanto eu pen-sava que Gramsci um pensador de tal grandeza que me-rece ser considerado e avaliado por si mesmo, indepen-dentemente da maior ou menor fidelidade de seu pensa-mento imagem legada (quase sacralizada) de Marx e de

    10

    Lnin, e ao marxismo-leniiiism"`:'o"ii""rqutipo, meu con-traditor - a quem evidentemente importava mais umaconcepo abstrata (e, por isso, pura de contaminaes ede desvios) do marxismo do que a interpretao histricadas idias de Gramsci, mais .op marxismo como idia pla-tnica imutvel no tempo do que Antonio Gramsci comohomem de carne- e osso -- considerava que a finalidade deum estudo sobre o pensamento de Gramsci devia ser, prin-cipalinente, a de mostrar a validade, a correo, a linea-ridade, a perfeio e a pureza do seu marxismo. Eu supu-nha, entre outras coisas, j ter -expresso com bastante cla-reza o meu modo de aproximao ao estudo de Gramsciquando escrevi: E quem adquiriu uma certa familiaridadecom os textos gramscianos sabe que o pensamento deGramsci tem traos originais e pessoais, que no permitemas fceis esquematizaes, quase empre inspiradas em mo-tivaes de polmica poltica, do tipo 'Gramsci marxista-leninista' ou ' mais marxista que leninista', ou 'no nemmarxista nem leninista', como se os conceitos de marxis-mo, leninismo e marxismo-leninismo fossem conceitos cla-ros e distintos, nos quais ,seria possvel resumir essa ouaquela teoria ou grupo de teorias, sem deixar margens deincerteza, e que pudessem ser usados como se usa um fiode prumo para ,medir o alinhamento de uma parede.' Mi-nha impresso que continua a dominar ainda o modocontrrio de ler Gramsci: um insigne exemplo disso, ameu ver, o recente volume de Nicola Badaloni, intitu-lado Il marxismo di Gramsci, que no casualmente pede lado o meu .ensaio com um nico adjetivo: decepcio-nante. Para uma leitura desse gnero, o que conta no tanto o que Gramsci efetivamente disse, mas se o que eledisse era verdadeiramente marxista, em que sentido domarxismo o era, em que filo da tradio, marxista pode

    7. Gramsci e la cultura contemporanea, cit., vol. I, pp. 78-79.8. N. Badaloni, Il marxismo di Gramsci, Einaudi, Turim, 1975, pp. 181

    e 187, 1

    11

  • ser inserido, que pais (marxistas) lhe podem ser atribu-dos etc.

    A julgar pelos comentrios que se seguiram nos anossucessivos, tanto por parte de leitores benvolos quantopor parte dos criticos, deveria dizer que a colocao ini-cial de Texier --- resumvel na tese o ensaio de Bobbio inaceitvel porque termina por excluir o pensamentogramsciano da tradiao do pensamento marxista-leninista"-- foi a determinante, apesar da interpretao correta daminha exposiao que foi apresentada na ,resenha do sim-psio, feita por Franco Calamandrei para Critica Marxis-f, a qual dizia textualmente: E deve ficar bem claro quenao se discute a interpretao de Bobbio do ponto de vistade uma defesa 'ortodoxa' de Gramsci, mas do ponto devista da historicidade de sua obra, da afirmao de sua no-

    0 _ 9 . _ .vidade e de seu alcance." E foi determinante apesar de,j no prprio simpsio, Iring Fetscher ter respondido aTexier com uma observao que captava exatamente osentido de minha argumentao, e que ainda hoje no possoreler sem subscrev-la plenamente: O que Bobbio quisdizer que h algo novo no pensamento de Gramsci, quenao se encontra nem no pensamento de Marx nem no deI_z_en_in; e, se h algo novo, h tambm necessariamente umadiferena. Parece-me essencial sublinhar -- ainda que setrate de uma coisa bvia -- que a grandeza de um peiisa-dor .no consiste jamais em sua proximidade ou distn-cia em relao a um outro autor, mas unicamente na pro-ximidade _ entre seu pensamento e a realidade contempo-ranea, na preciso e na amplitude com que ele forneceuma imagem dessa realidade. E a grandeza de Gramscime parece residir no fato de que ele soube interpretar ahistria atual:_da Itlia e do mundo inteiro, dizendo coisasque outros nao haviam dito antes dele.'

    marx9m,l`*'.v,C|%i_}rai1i,1l,rei1,92':%g' convegno gramsciana di Cagliari, in Critica10. Gramsci e la cultura contemporanea, cit., vol. I, p. 164.

    12 s

    ' Para comear pelos juzos negativos, o mais severo-~ um massacre e simples -- foi formulado por Leo-nardo Paggi, o qual, depois de ter visto em minha anliseum esforo para "fixar detalhadamente os sucessivos grausde desvio da elaborao gramsciana em relao s formu-laes de Marx e Lnin (quando, se eu detalhara algo,fora unicamente por ocasio da tentativa de fazer emer-gir a contribuio original de Gramsci na elaborao dealgumas das categorias principais do universo terico mar-xsta, de fazer de Gramsci um pensador vivo e no umco morto), afirma que o problema da compreenso inter-na e externa de seu pensamento se abre precisamente noponto em que Bobbio considera a questo encerrada.No menos negativo, ainda que mais argumentado, o ju-zo de Nicola Auciello, o qual, porm, limita sua crtica adois pontos no essenciais, ou seja, minha observaosegundo a qual, em Gramsci, haveria a tendncia a afir-mar o primado das ideologias sobre as instituies e mi-nha interpretao da tese gramsciana da extino do Es-tado. Entre os juzos positivos, cabe mencionar, antes dequalquer outro, o de Luigi Cortesi, que - numa detalha-da resenha do simpsio de Cagliari - disse que "s Bob-bio sara" dos parmetros precisos e predeterminados' nosquais o simpsio havia sido enquadrado pelos ortodoxos,esclarecendo que s parfrases glorificantes de partido,apoiadas em alguns conceitos internos concepo grams-ciana que do por suposto o seu carter marxista e visamao 'enriquecimento' e superao 'ocidentalista' do leninis-mo, contraps-se -- nica novidade cientfica do simp-sio - a exposio de Bobbio."' No diversainente, aindaque com maior brevidade, Salvatore Sechi - depois de

    11. L. PSGS. Antonio Gramsci c il moderno principe. I: Neila criei delsocialismo italiano, Editori Riuniti, Roma, 1970, p. 397. -

    12. N. Auciello, Socialismo ed egemonia in Gramsci e Togliati, De Do-nato, Bri, 1974, 97-98 e pp. 120-121, nota 4. _ _

    13. L. C., n coiivegno su Gramsci, in Revista storica dci socialismo,X, 11.' 30, 1967, p. 170.

    A 13'

  • ter igualmente acusado o simpsio de conformismo, ouseja, de ter consagrado o triunfo' da linha hbil e inteli-gente de Giorgio Amendola" - observa em certo ponto:Se excetuarmos' as exposies de Norberto Bobbio, amais original e estimulante, e de Massimo L. Salvadori[. . .], as outras foram confiadas a estudiosos que no po-diam provocar [. . .] uma real confrontao de pontos devista, uma dialtica de interpretaes, que vitalizassem odebate fazendo-o escapar dos lugares-comuns, das banali-dades cannicas, das falsas batalhas entre exegetas de ftogliattiana e de f nenniana." Ainda mais marcadamen-te "apologtico", o comentrio de Romano Luperini con-tinua, completa e acentua o juzo dos dois anteriores: Nosimpsio gramsciano de Cagliari, ocorrido em abril, a ni-ca contribuio original foi trazida por Norberto Bob-bio; a excepcional importncia e at mesmo o 'alcance re-volucionrio' de sua exposio foram justamente acentua-dos por Luigi. Cortesi [. . .]. Essa -interpretao analtica-mente correta de Bobbio no tem valor apenas pela vira-da que representa no campo da anlise terica e dos estu-dos z gramscianos, mas tambm pela luz que lana sobretoda a cultura de esquerda do ps-guerra."' Por fim, gos-taria ainda de citar o juzo de Robert Paris, o qual, comoos anteriores, vai bem alm das minhas intenes e mefaz um elogio que creio imerexzido, e que devo confessar,com candura, que nada t fiz para atrair sobre mim: "''Ade-mais, no creio - como outros o fizeram -- que Gramsciseja um terico do aparelho de Estado. Considerei exce-lente a interveno de Bobbio no siinpsio gramsciano de1967, na qual ele mostra como Gramsci no sabia distin-guir entre sociedade poltica e 'sociedade civil, erro comum

    - 14. S. Sechi, Antonio Gramsci ovvero 'del modo di produzione idealis-tico' , in Nuovo impcgno, n.' 78, maio-julho, de 1967, pp. 91-97, que cito dovolume Cultura e ideologia della nuova sinistra, aos cuidados de G. Becbelloni,Eriizioni di comimiia, Milo, 1913, p. 112. _

    15. R. Luperini, Bobbio. Gramsci ed alcune ipotesi sul 'marxismo cri-tico, in Nuovo impcgno, n.' 8, maio-julho de- 1967, pp. 91-97, que cito dovolume Cultura e ideologia dello nuova sinistra, cit., P- 717-

    1 4 i

    a alguns tericos maostas, 1 que nos falam da China e di-zem que a luta de classe faz parte das superestruturas, umerro que nem sequer hegeliano, mas idealista. Bobbio ex-plicou isso ao falar de Gramsci, que no faz uma teoriamarxista, j que assume uma espcie de osmose, de con-fuso permanente entre sociedade civil e poltica."' '

    Como se pode ver por tais citaes, tanto os crticosquanto os defensores tiveram em comum a -convico deque o resultado da minha anlise consistia em retirar opensamento de Gramsci da tradio genuna do marxis-mo; ou seja, apresentaram -- ainda que com finalidadesopostas - a mesma interpretao dada pelo meu primei-ro interlocutor. Partindo da mesma convico, formularamum juzo negativo os que consideraram que a tese segundoa qual Gramsci no um verdadeiro marxista uma su-bestimao da importncia e do significado histrico do seupensamento; e formularam um juof positivo os que con-sideram que a mesma tese, ao contrrio, uma justa ava-liao desse mesmo pensamento e uma mais exata colo-cao do mesmo no contexto histrico. O que me inte-ressa sublinhar que tanto o juzo negativo quanto o po-sitivo partiram de uma idntica interpretao do ensaio,considerado como uma demonstrao do no-marxismo deGramsci: no-marxismo que, para uns, para os que consi-deram o marxismo de Gramsci um fato inquestionvel, eraa prova do meu erro; e que, para outros, para os que fa-ziam da desvalorizao de Gramsci um elemento de suapolmica poltica contra os tericos do .Partido Comunis-ta, era, ao contrrio, uma prova do fato de que Gramsciera precisamente o que eles queriam que fosse, no o mar-xista que os ortodoxos pregavam, mas um idealista, umsubjetivista, um estruturista etc. Todavia, repito que --embora no me movesse a menor preocupao de saber seGramsci era marxista (mesmo porque eu dava 'essa con-

    16. La sinistra francese ha scoperto Gramsci, entrevista com G. Martinet.R. Paris, C. Buei-Glucksmann, in Mondoperaio, 1975, ii.' 2, p. 65.

    O 15

  • dio como pressuposta) - minha anlise, se tem algumsignificado, unicamente o de ter sublinhado alguns pon-tos caractersticos do sistema terico gramsciano, no in-terior da tradio do pensamento marxista, que abarca bemmais coisas do que habitualmente esto dispostos a admitir,ainda que por razes opostas, tanto os ortodoxos quantoos heterodoxos. Uma crtica mais pertinente, talvez, tenhasido a que me foi dirigida mais recentemente por um es-tudioso que se coloca em atitude polmica em face tantodo gramscianismo oficial quanto do antigramscianismo danova esquerda; uma crtica que, mesmo aceitando a minhatese segundo a qual a sociedade civil em Gramsci algodiverso do que era em Marx, reprova-me por ter feito deuma diferena terminolgica uma diferena substancial,quase como se Gramsci houvesse transportado para oplano superestrutura] no s o termo 'sociedade civil, mastambm os contedos que esse termo tinha na terminolo-gia marxiana.".

    t Entre os estudiosos de Gramsci desses ltimos anos,o que me parece ter levado em maior conta o meu ensaiofoi Hugues Portelli, ao qual remeto para a apresentaodas teses em contraste e tambm para uma soluo dessaproblemtica central de qualquer interpretao do pensa-mento gramsciano. 'Cito uma das .passagens conclusivas:Portanto, um falso problema o do primado de um pu deoutro elemento do bloco histrico, j que - se se levaem conta a articulao desse bloco - toma-se evidente queo elemento decisivo representado pela sua estrutura s-cio-econmica; mas igualmente evidente que, em cadaprocesso histrico, as contradies de fundo se traduzeme se resolvem no nvel das atividades superestruturais. Arelao entre esses dois elementos, portanto, uma rela-o ao mesmo tempo dialtica e orgnica."' Em vez de

    537. G. Bonomi, Partto e rivoluzone in Gramsci, Feltrinelli, Milo, 1973.p. .

    18 -H. Portelli, Gramsci e il blocco storico, Laterza, Bri, 1973, p. 60.

    16 E

    empenhar-se na demonstraao de que Gramsci apenasmarxista ou apenas leninista, ou, ao contrrio, comprazer-se com o fato de que algum finalmente conseguiu demons-trar que Gramsci no nem marxista nem leninista, Por-telli afirma -- guisa de concluso - que parece quea anlise gramsciana completa a de Marx e a de Lnin: ade Marx porque, atravs da anlise dos intelectuais, fome-ce uma traduo concreta, com precisas implicaes so-ciais, para o nexo orgnico entre estrutura e superestrutu-ra; a de Lnin porque, como foi de resto observado pelamaioria dos intrpretes, Gramsci tem em vista as socie-dades ocidentais mais evoluidas e mais complexas do queas orientais, nas quais Lnin operou. V

    No uma crtica, mas uma complementao e confir-mao, o que recolho, finalmente, da interveno de Va-lentino Gerratana ao simpsio de 1967, que chamou aateno para a importncia das passagens, de resto conhe-cidssimas, mas que eu no citara, nas quais Gramsci --aplicando a distino entre guerra de movimento e guerrade posio teoria da revoluo -- distingue entre os es-tgios mais avanados, onde a 'sociedade civil' tornou-se uma estrutura muito complexa e resistente s 'irrupescatastrficas do elemento econmico imediato (crises, de-presses etc.)' e onde o Estado era apenas uma trin-cheira avanada por trs da qual estava uma robusta ca-deia de fortalezas e casamatas, por um lado, e, por ou-tro, o Estado dos pases orientais, onde o Estado era tudoe a sociedade civil era primitiva e gelatinosa. Essas pas-sagens servem para confirmar a importncia que assumenas reexes gramscianas a categoria da sociedade ci-vil, enquanto categoria intermediria entre a base t eco-nmica e as instituies polticas em sentido estrito, tan-to em seu uso historiogrfico quanto em seu uso poltico.

    Aproveito a oportunidade da republicao do ensaiosobre a sociedade civil para recolocar em circulao tam-

    19. Ibi., p. 163. , _20. Gramsci e Ia cultura contemporanea, cit., vol. I, p. 172. V

    r 11

  • bm um outro ensaio que escrevi sobre Gramsci, Nota so-bre a dialtica em Gramsci, de muitosl anos atr, e que, diferena do primeiro, passou comp etamente esperce-bido. O leitor que ir l-lo pela primeira vez ver que omtodo que chamei de analtico , com o qual examineio conceito de dialtica em Gramsci, o mesmo que em-preguei muitos anos depois para estudar a sociedade civil.Ver tambm, desde as primeiras linhas, que o fato deser Gramsci um pensador marxista foi sempre para mimuma coisa pacfica.

    N. B.1. de janeiro de 1976

    4

    21. Publicado em Studi gramsciani. Atti del ccmvegno renato a Roma neigiomi 11-13 gennaio 1958, Editori Riuniti, 1958; pp. _73-86, e tambm emSociet, XIV, 1958, pp. 21-34. 5

    18

    1

    GRAMSCI E A coNcEPo DA soc1EDADE clvn.1

    1. Da sociedade ao Estado e do Estado sociedade

    tl O pensamento poltico moderno, de Hobbes a Hegel,caracteriza-se pela constante tendncia -- ainda que no in-teriorde diferentes solues - a considerar o Estado ousociedade poltica, em relao ao estado de natureza (ou so-ciedade natural), como o momento supremo e definiti-vo da vida comum e coletiva do homem, ser racional; comoo resultado mais perfeito ou menos imperfeito daquele pro-cesso de racionalizao dos instintos ou das paixes ou dosinteresses, mediante o qual o reino da fora desregrada setransforma no reino da liberdade regulada. O Estado con-cebido como produto da razo, ou como sociedade racio-nal, nica na qual os homem poder ter uma vida ,confor-me razo, ,isto , conforme sua natureza.-*Nessa tendn-cia, encontram-se e mesclam-se tanto as teorias realistas, quedescrevem o Estado tal como (de Maquiavel aos teri-cos da razo de Estado), quanto as jusnaturalistas (de Hob-bes a Rousseau e a Kant), que propem modelos . ideais deEstado, que delineiam o Estado tal como deveria ser a fimde realizar seu prprio fim. O processo de racionalizaodo_ Estado (o Estado como sociedade racional), que pr-pno das teorias jusnaturalistas, encontra-se e confunde-secom o processo de estatizao da Razo, que prprio dasteorias realistas (a razo de Estado). Em Hegel, que repre-senta a dissoluo e, ao mesmo tempo, a realizao dessa

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  • histria, os dois processos confundem-se: na Filosofia dodireito, a racionalizao do Estado celebra o seu prpriotriunfo e, simultaneamente, representada no mais comoproposta de um modelo ideal, porm como compreensaodo movimento histrico ' real; a racionalidade do Estadono mais apenas uma exigncia, porm uma realidade;no mais apenas um ideal, mas um evento da phistriaf Ojovem Marx captou de modo exato esse carter da filoso-fia do direito hegeliana quando, no seu comentrio juve-nil, escreveu: O que se deve lamentar no t que .Hegeltenha descrito o ser do Estado-moderno tal como , magque apresente o que como sendo a .essncia do Estado.

    ll. A racionalizao do Estado ocorre mediante a utili-zao constante de um modelo dicotmico, que contrapeo Estado enquanto momento positivo sociedade pr-es-tata1_ou antiestatal, degradada a momento negativo. No in-terior desse modelo, podem-se distinguir -- ainda que 00111um certo esquematismo -- trs variantes pr1nc1pa1s:_ o Es-tado como negao radical e, portanto, como elimlnaaoe inverso do estado de natureza, isto , como renovaaoou restaurao ab imis com relao fase do desenvolvi-mento humano anterior ao Estado (modelo Hobbes-Rous-seau); o Estado como- conservao-regulamentao da so-ciedade natural e, portanto, no mais como alternativa,porm como realizao verdadeira ou aperfeioamento emrelao fase que o precede (modelo Locke-Kant); go Es-tado como conservao e superao da sociedade pr-es-tatal (Hegel), no sentido de que o Estado um momentonovo e no apenas um aperfeioamento (diferentemente do

    modelo Locke-Kant), sem porm constituir uma negaaoabsoluta e, portanto, um/E alternativa ( diferena do mo-delo Hobbes-Rousseau)/ nquanto o Estado hobbesiano e

    _ \_

    1. Para maiores detalhes, cf. meu ensaio Hegel e il gtusnaturallsmo.in Rivista di filosofia, LVII-I, 1966, p. 397. _ _ _ _ _

    2. K. Marx, Critica della filosofia hegeliana del dtrtttc. 511 09" W030'ficha giovanili, trad. italiana de G. Della Volpe. d101'1 Rllllllil. ROIIIB, 1963p. 77.

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    rousseauniano exclui definitivamente c estado de natureza,o Estado hegelano contm a sociedade civil (que a histo-ricizao do estado de natureza ou sociedade natural dosjusnaturalistas): contm e supera essa sociedade, transfor-mando uma universalidade meramente formal (eine for-melle Allgemeinheit, Enciclopdia, 517) numa realida-de orgnica (organische Wirklichkeit), ao contrrio do Es-tado lockeano, que contm a sociedade civil (que em Lockeainda se apresenta como sociedade natural) no para trans-cend-la, mas para legitimar suas exigncias e finalidades/

    Com Hegel, o- processo de racionalizao do Estadoatinge o ponto mais alto da parbola. Nos mesmos anos,atravs dos escritos de Saint-Simon - que, registrando aprofunda transformao da sociedade produzida no pelarevoluo poltica, mas pela revoluo industrial, previamo advento de uma nova ordem regulamentada por cientis-tas e industriais, em contraste com a velha ordem dirigi-da por metafsicos e militares* ---, iniciava-se a parboladescendente: a teoria, ou apenas a crena (o mito), do ine-vitvel desaparecimento do Estado. Essa teoria ou cren-a tomar-se-ia um trao caracterstico das ideologias pol-ticas dominantes -no sculo XIX.*Marx e Engels fariam delaum dos fundamentos do seu sistema: o Estado no maisa realidade da idia tica, o racional em si e para si, mas- conforme a famosa definio de O Capital- violn-cia concentrada e organizada da sociedade.* A anttese tradio jusnaturalista que culmina em Hegel no podiaser mais completa. Em contraste com o primeiro modelo,o Estado no mais concebido como eliminao, mas simcomo conservao, prolongamento e estabilizao do es-tado de natureza: no Estado, o reino da fora no supri-mtdo, mas antes perpetuado, com a nica diferena de que

    303. Cf., por exemplo, Saint-Simon, L'organisateur, in (Euvres, v. IV,p. . ~

    4. K. Marx, Il Capitale, Editori Riuniti, Roma, 1964-1966, vol. I, p. 814god. irasileira: O Capital, Ed. Civilizao Brasileira, Rio de 9 Janeiro. 1968-1974,

    vo s.].

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  • a guerra de todos contra todos foi substituda pela guerrade uma parte contra a outra parte (a luta de classes, da qualo Estado expresso e instrumento) Jlm contraste com osegundo modelo, a sociedade da qual o Estado o supremoregulador no uma sociedade natural, conforme na-tureza eterna do homem, mas uma sociedade historicamen-te determinada, caracterizada por certas formas de produ-o e por certasrelaes sociais; e, portanto, o Estado -enquanto comit da classe dominante -, em vez de ser aexpresso de uma exigncia universal e racional, ao mes-mo tempo a repetio e o potenciamento de interesses par-ticularistasif (Finalmente, em contraste com o terceiro mo-delo, o Estado no se apresenta mais como superaao dasociedade civil, mas como o simples reflexo dela: se a so-ciedade civil assim, assim o Estado. O Estado_contma sociedade civil, no para resolv-la em outra coisa, mas para conserv-la tal qual ; a sociedade civil, historicamen-te determinada, no desaparece no Estado, mas reaparecenele com todas as suas determinaoes concretas// _

    \\_ Dessa trplice anttese, podemos extrair os trs elemen-tos fundamentais da doutrina marxiana e engelsiana do Es-tado: 1) o Estado como aparelho coercitivo, ou, como dis-semos, violncia concentrada e organizada da sociedade":ou seja, uma concepo instrumental do Estado, que ooposto da concepo finalista ou tica; 2) o Estado -comoinstrumento de dominao de classe, pelo que o poderpoltico do Estado moderno no mais do que um comite,que administra os negcios comuns de toda a burguesia:ou seja, uma concepo particularista do Estado, oposta concepo universalista que prpria de todas as teoriasdo direito natural, inclusive Hegel; 3) o Estado como mo-mento secundrio ou subordinado com relao sociedadecivil, pelo que no o Estado que condiciona e regula

    5. Marx-Engels, Manifesto del partido comunista, in Opera scelte, EditoriRiuniti, Roma, 1966, p. 297 [ed. brasileira: in Obras Escolhidos, Ed. Alfa-Omega, So Paulo, 1978, vol. 1].

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    a sociedade civil, mas asociedade civil que condiciona eregula o Estado: ou seja, uma concepo negativa do Es-tado, que o oposto da concepo positiva prpria. dopensamento racionalistai' Como aparelho coercitivo, parti-cularista eo subordinado, o Estado no o momento ltimodo movimento histrico, algo que no possa ser ulterior-mente superado: o Estado uma instituio transitria.Assim, a inverso das relaes entre sociedade civil e so-ciedade poltica tem como conseqncia uma completa in-verso na concepo do decurso histrico: o progresso nomais se orienta da sociedade para o Estado, porm, ao con-trrio, do Estado para a sociedade. O processo de pensa-mento que se inicia com a concepo do Estado que supri-me o estado de natureza termina quando surge e ganha for-a a teoria segundo a qual o Estado, por sua vez, deve sersuprimido. ___

    NA teoria do Estado de Antonio Gramsci -- refiro-me,em particular, ao Gramsci dos Cadernos do Crcere -pertence a essa novahistria, para a qual, em resumo, oEstado no um fim em si mesmo, mas um aparelho, uminstrumento; o representante no de interesses univer-sais, mas particulares; no t uma entidade superposta sociedade subjacente, mas condicionado por essa e, por-tanto, a essa subordinado; no uma instituio perina-nente, mas transitria, destinada a desaparecer com a trans-formao da sociedade que lhe subjacente. No seria di-fcil encontrar, entre as milhares de pginas dos Cadernos,passagens em que ecoam os quatro temas fundamentais doEstado instrumental, particular, subordinado, transitrio.//

    Todavia, quem quer que tenha adquirido uma certafamiliaridade com os textos gramscianos sabe que o pen-samento de Gramsci tem traos originais. e pessoais, queno permitem as fceis esquematizaes, quase sempre ins-piradas em motivos de polmica poltica, do tipo Gramsci

    6. F. Engels, Per la storia della lega dei comunisti, in Il partito e l'Inter-nazionale, Edizioni Rinascita, Roma, 1948, p. 17.

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  • marxista-leninista, ou mais leninista que marxista,ou mais marxista que leninista, ou no nem mar-xista nem leninista, como se os conceitos de marxismo,leninismo, marxismo-leninismo fossem conceitos cla-ros e distintos, com os quais se pudesse resumir essa ouaquela teoria ou grupo de teorias, sem deixar margens deincerteza, e ser usados como se usa um fio de prumo paramedir o alinhamento de uma parede. A primeira tarefa deuma investigao acerca do pensamento gramsciano a dedestacar e- analisar esses traos originais e pessoais, semoutra preocupao que no a de reconstruir as linhas deuma teoria que .apresenta _. fragmentria, dispersa, nosistemtica, com algumas oscilaes termiiiolgicas, aindaque apoiada -- especialmente nos escritos do crcere -numa unidade de inspirao fundamental. Uma reivindi-cao (por vezes excessivamente detalhada) de ortodoxiaem relao a uma determinada linha de partido suscitou,como reao, a atitude oposta dos caadores da heterodo-xia, quando no mesmo da apostasia. A apologia apaixo-nada est alimentando, se no me engano, uma atitude -ainda subterrnea, mas j perceptvel por alguns indciosde mal-estar -- at mesmo iconoclstica. Mas, assim comoortodoxia e heterodoxia no so critrios vlidos para umacrtica filosfica, do mesmo modo exaltao e irrevernciaso predisposies enganosas e desviantes para a compre-enso de um momento da histria do pensamento.

    if2. Asociedade civil em Hegel e em Marx

    li Para uma reconstruo do pensamento poltico deGramsci, o conceito-chave, o conceito do qual devemospartir, o de sociedade civil. Deve-se partir do conceito desociedade civil, e no do de Estado, porque mais no pri-meiro caso do que no segundo que o emprego gramscianodesses conceitos se afasta tanto do emprego hegelianoquanto do marxiano e engelsiano.//

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    ' Desde o momento em que o problema da relao He-gel-Marx deslocou-se do confronto entre os mtodos (o usodo mtodo dialtico e a chamada inverso) para o con-fronto tambm entre os contedos -- e, para essa novaperspectiva, foi fundamental a obra de Lukcs sobre o jo-vem Hegel --, os pargrafos dedicados por Hegel anli-se da sociedade civil passaram a ser estudados com maiorateno: a maior ou menor quantidade de hegelianismo emMarx agora avaliada tambm pela maior ou menor me-dida em que a descrio da sociedade civil em Hegel (maisprecisamente, da primeira parte sobre o sistema das neces-sidades) pode ser considerada como uma prefigurao daanlise e da crtica marxiana da sociedade capitalista. Foiog prprio Marx quem revelou esse nexo entre a`anlisemarxiana da sociedade capitalista e a anlise hegeliana dasociedade civil, numa conhecida passagem do Prefcio Contribuio critica da economia politica, quando escre-ve que sua reviso crtica da filosofia do direito de Hegelchegou concluso de que tanto as relaes jurdicasquanto as formas do Estado no podem ser compreendidasnem a partir de si mesmas, nem atravs da chamada evo-luo geral 'do esprito humano, mas tm as suas razes,ao contrrio, nas relaes materiais de existncia, cujo con-junto abarcado por Hegel -- segundo o exemplo dos ingle-ses e dos franceses do sculo XVIII - sob o nome de 'socie-dade civil'; e que a anatomia da sociedade civil deve serbuscada na economia poltica."'Mas, de fato, por um lado,os intrpretes da filosofia do direito de Hegel tenderam aconcentrar sua ateno na teoria do Estado e a negligenciara anlise da sociedade civil -- cuja importncia emerge nosestudos hegelianos efetuados em torno dos anos 20 --; poroutro, os estudiosos de Marx tenderam, durante muito tem-po, a considerar o problema das relaes com Hegel ex-

    7. K. Marx, Per la critica delfeconomia politiaa, Editori Riugiz %m-1969, p. 4 [ed. brasileira: Para a critica da economia politica, 111 03 ',dores, Abril Cultural, So Paulo, 1974, vol. XXXVI- .

    na _ t 25

  • clusivamente luz da assimilao do mtodo dialtico porMarx. Sabe-se que, nos maiores estudiosos italianos deMarx -- como Labriola, Croce, Gentile e Mondolfo -,alguns dos quais eram hegelianos ou estudiosos de Hegel,no se encontra nenhuma referncia ao conceito hegelia-no de sociedade civil (embora se encontre em Sorel).Gramsci o primeiro escritor marxista que, em sua an-lise da sociedade, serve-se do conceito de sociedade civil,inclusive, como veremos, com uma referncia textual aHegel. - f A

    il Desse modo, ao contrrio do conceito de Estado, quetem atrs de si uma longa tradio, o conceito* de socieda-de civil - que deriva de Hegel e reaparece atualmente,em particular, na linguagem da teoria marxiana da socie-dade -- usado, at mesmo na linguagem filosfica, demodo menos tcnico e rigoroso, com significaes oscilan-tes, que exigem uma certa cautela na comparao e algu-mas precises preliminares./?'Acredito ser til fixar algunspontos, que mereceriam uma anlise bem mais aprofunda-da do que a posso e_ sou capaz de fazer.

    (l a) Em toda a tradio jusnaturalista, a expresso So-cietas civilis, em vez de designar a sciedade (pr-estatal,como ir ocorrer na tradio hegelano-marxista, sinni-mo -- segundo o uso latino -- de sociedade poltica, ouseja, de Estado: Locke usa indiferentemente um e outrotermo. Em Rousseau, tat civil significa Estado. TambmKant, que -- ao lado de Fichte -- o autor mais prximode Hegel, quando fala (nas Idee zu, einer all gemeinen Ges-chichte in weltbuergerlicher Asicht) da tendncia irresis-tvel que a natureza impe ao homem no sentido da cons-tituio do Estadfo,.chama essa meta suprema da naturezaem relao espcie humana de biirgerliche Gesellschaftf

    | ' ,

    8. Ed. Vorlrider, p. 10. NaMetaphysilc der Sitten, brgerliche Gesellschaftquer dizer status civilis, ou seja, Estado no sentido tradicional da palavra (II,1, 43 e 44).

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    U b) Na tradio jusn_atui*1isfa, como se sabe, os doistermos da anttese no so - como na tradio-hegeliano-marxista - sociedade civil/sociedade poltica, mas sim es-tado de natureza/estado civil. A idia de um estgio pr-estatal da humanidade inspira-se no tanto na anttese so-ciedade/Estado quanto na anttese natureza/civilizao.Ademais, vai abrindo caminho, inclusive em escritores jus-naturalistas, a idia de que o estado pr-estatal ou naturalno um estado associal, ou seja, de guerra perptua, masuma primeira forma de estado social, caracterizado pelapredominncia de relaes sociais reguladas por leis natu-rais (como eram -- ou se acreditava que fossem -- as re-laes familiares e econmicas).U Essa transformao dostatus naturalis em uma societas naturalis evidente na pas-sagem de Hobbes-Spinoza a Pufendorf-Locke. Tudo o queLocke" encontra no estado de natureza, ou seja, antes doEstado, juntamente com as instituies familiares, as rela-es de trabalho, a instituio da propriedade, a circulaodos bens, o comrcio etc. revela que -- embora ele cha-me de societas civilis o Estado -- a imagem que tem dafase pr-estatal da humanidade muito mais uma anteci-pao da biirgerliche Gesellschaft de Hegel do que umacontinuao do status naturae de Hobbes-Spinoza. Essemodo de entender o estado de natureza como societas na-turalis prossegue, tanto na Frana quanto na -Alemanha,at bem perto de Hegel. A contraposio entre socit na-turelle, entendida como sede das relaes eqonmicas, e aSocit politique um elemento constante dadoutrina fisio-crtica. Numa passagem da Metafsica dos costumes deKant, obra deonde Hegel parte para sua primeira crticas doutrinas do direito natural, afirina-se claramente queo estado de natureza tambm um estado social, e, portan-to, o oposto do estado de natureza no o estado social,mas o estado civil (biirgerliche), porque pode muito bemexistir sociedade no estado de natureza, mas no uma so-ciedade civil; e, por sociedade civil, entende-se aqui a so-ciedade poltica, ou seja, o Estado, aquela sociedade --

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  • como explica Kant - que garante o meu e o teu atravsde leis pblicas.

    ti c) A inovao -de Hegel com relao tradio jus-naturalista radical: na ltima redao do seu elaborads-simo sistema de filosofia poltica e social, tal como apare-ce na Filosofia do direito de 1821, ele se decide a chamarde sociedade civil -- ou seja, com uma expresso que, atseus imediatos predecessores, servia para indicar a socie-dade poltica - a sociedade pr-poltica, isto , a fase dasociedade humana que era at ento chamada de socieda-de natural. Essa inovao radical com relao tradiojusnaturalista, porque Hegel, ao representar a esfera dasrelaes pr-estatais, abandona as anlises predominan-temente jurdicas dos jusnaturalistas, que tendiam a redu-zir as relaes econmicas s suas formas jurdicas (teoriada propriedade e dos contratos), e, desde os .anos juvenis,serve-se dos economistas, especialmente ingleses, para osquais as relaes econmicas constituem o tecido da socie-dade pr-estatal e nos quais a distino entre o pr-estatale o estatal figurada cada vez mais como distino entrea esfera das /relaes econmicas e a esfera das institui-es polticast' costuma-se remontar esse uso obra deAdam Ferguson, An Essay on History of Civil Society(1767), traduzida na Alemanha no ano seguinte, e que He-gel conhecia; mas, nela, a expresso e civil society (traduzi-da em alemo como brgerliche Gesellschat) pretende de-notar mais uma anttese como sociedade primitiva doque com sociedade poltica (como em Hegel) ou comsociedade natural (como nos jusnaturalistas), no sendocasual que -- num contexto anlogo - seja substitudapor Adam Smith pela expresso civilized society. Enquan-to o adjetivo civil tem em ingls (como igualmente emfrancs e em italiano) tambm o significado de no-br-

    9. Metaphysilc der Sitten, que cito da edio italiana: I. Kant, Scrittil`ti" Utet Turim 1956, . 422.P0 l 01, i , P . _

    10. A. Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth ofNations, Methuen, Londres, 1920, p. 249.

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    baro, ou seja, de civilizado, na traduo alem -- aotornar-se brgerliche (e no zivilisierte) - eliminada aambigidade entre o significado de no-brbaro e de no-estatal, continuando porm a se conservar a outra e maisgrave ambigidade, a que d lugar o uso hegeliano, ou seja,entre pr-estatal (enquanto anttese de poltico) e esta-tal (enquanto anttese de natural).

    d) lA inovao terminolgica de Hegel ocultou fre-qentemente o verdadeiro significado de sua inovao subs-tancial, que no consiste - como foi vrias vezes repeti-do -+- na descoberta e na anlise da sociedade pr-'estatal(j que essa descoberta e essa anlise j haviam sido intro-duzidas pelo menos desde Locke, ainda que sob o nomede estado de natureza ou sociedade natural), mas sim nainterpretao que a Filosofia do direito nos oferece de talsociedade: a sociedade civil de Hegel, ao contrrio da so-ciedade desde Locke at os fisiocratas, no mais o reinode uma ordem natural, que deve ser libertada das restri-es e distores impostas por ms leis positivas, mas, aocontrrio, o reino da dissoluo, da misria e da corrup-o fsica e tica; e esse reino deve ser regulamentado,dominado e' anulado na ordem superior do Estado. Nessesentido, e somente nesse sentido, a sociedade civil de He-gel - e no a sociedade natural dos jusnaturalistas, deLocke a Rpusseau e aos fisiocratas --- um conceito pr-marxista//pesar' disso, deve-se ainda advertir que o con-ceito de sociedade civil em Hegel , sob certo aspecto, maisamplo e, sob outro, mais restrito do que o conceito de so-ciedade civil tal como ser acolhido na linguagem marx-en-gelsiana, que depois se tomou a linguagem corrente. Maisamplo porque, na sociedade civil, Hegel inclui no apenasa esfera das relaes econmicas e a formao das classes,mas tambm a administrao da justia e o ordenamentoadministrativo e corporativo, ou seja, dois temas do direi-to pblico tradicional; mais restrito porque, no sistema tri-

    11. G. W. F. Hegel, Philosophie des Rechte, _ 185.

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  • cotmico de Hegel (no dicotmico como o dos jusnatura-listas), a sociedade civil constitui o momento intermedi-rio entre a famlia e o Estado, e, portanto, no inclui -ao contrrio da sociedade natural de Locke e da socieda-de civil no uso moderno predominante -- todas as rela-es e instituies pr-estatais, inclusive a famlia. A so-ciedade civil em Hegel a esfera das relaes econmicase, ao mesmo tempo, de sua regulamentao externa, segun-do os princpios do Estado liberal; e conjuntamente socie-dade burguesa e Estado burgus: Hegel concentra nela acrtica da economia poltica e da cincia poltica, inspi-radas respectivamente nos princpios da liberdade naturale do Estado de direito.//

    e) A fixao do significado de sociedade civil comoalgo que se estende a toda a vida social pr-estatal, comomomento do desenvolvimento das relaes econmicas, queprecede e determina o momento poltico, e, Prtanto, comoum dos dois termos da anttese sociedade-Estado, essa fixa-o ocorre em Marxff A sociedade civil toma-se um dos ele-mentos do sistema conceitual marx-engelsiano, desde os estu-dos juvenis de Marx (como A questo judaica, no qual areferncia distino hegeliana entre brgerliche Gesel-lschaft e politischer Staat o pressuposto da crtica so-luo dada por Bauer ao problema judaico) at os escri-tos mais tardios de Engels, como o ensaio sobre Feuerbach,que contm uma das passagens justamente mais citadas,por causa de sua incisiva simplicidade: O Estado, a or-dem poltica, o elemento subordinado, enquanto a socie-dade civil, o reino das relaes econmicas, o elemento

    O Estado poltico completona espcie em contraposio

    dessa vida egostaScritti politici gtovamll, Eimudi, Turim, 1950Marx, Manoscritti economico-filocoficl del 1844,cit.:Asociedade-talcomoapareceaoeconomista-s(p. 246).

    30)

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    'v 0 3, 'If o ' ^ , Q u decisivo. 1' A importancia da antitese sociedade civil/ES-tado deve ser relacionada, tambm, ao fato de que umadas formas na qual se apresenta a anttese fundamental dosistema, ou seja, entre estrutura e superestrutura-: se ver-dade -que a sociedade poltica no esgota o momento su-perestrutural, igualmente verdade que a sociedade civilcoincide -- no sentido de que tem a mesma amplitude -com a estruturad Na mesma passagem da Critica da eco-nomia poltica onde Marx se refere anlise hegeliana dasociedade civil, ele especifica que a anatomia da socie-dade civil deve ser buscada na economia poltica; e, logoaps, examina a tese da relao estrutura/superestruturanuma de suas mais famosas formulaes. Sobre isso, con-vm citar e ter continuamente em mente um dos trechosmarxianos mais importantes sobre a questo: A forma de-terminada de relaes das foras produtivas existentes emtodos os estgios histricos que se sucederam at hoje, eque 'por sua vez as determina, a sociedade civil [. .'.]. lse pode ver aqui que essa sociedade civil o verdadeirocentro, o teatro de toda histria; e pode-se ver como ab-surda a concepo da histria at hoje corrente, que selimita s aes de lderes e de Estados e deixa de lado asrelaes reais [. . .]. A sociedade civil compreende todo oconjunto das relaes materiais entre os indivduos, no in-terior de um determinado grau de desenvolvimento das for-as produtivas. Ela compreende todo o conjunto da vidacomercial e industrial de um grau de desenvolvimento e,portanto, transcende o Estado e a nao, embora, por ou-tro lado, tenha novamente de se afirmar em relao ao ex-

    13. F. Engels, Ludwig Feuerbach e il punto d'approdo della filosofiaclassica tedesca,_ Editori Riuniti, Roma, 1969, p. 68 [ed. brasileira: in ObrasEscolhidas, Alfa-Omega, So Paulo, vol. 31. _ _ _

    14 O con to dessas relaes de produo constitui a estrutura =:>____'mica da sociedadiir ou seja, a base real sobre a qual se_ eleva uma e:r_i;;__=_I____jm-[digg e politica e i qual correspondem formas determined di "social (ed. cit., pp. 10-11). A

    8 si

  • terior como nacionalidade e de se organizar em relao aointerior como Estado.' as

    3. A sociedade civil em Gramsci

    U. A anlise sumria do conceito de sociedade civil, des-de os jusnaturalistas at Marx,* terminou com a identifi-cao -- realizada por Marx -- entre sociedade civil emomento estrutural. Essa identificao pode ser considera-da como o ponto de partida da anlise do conceito de so-ciedade civil em Gramsci, j que -- precisamente na iden-tificao da natureza da sociedade civil e de sua, colocaono sistema -- a teoria de Gramsci introduz uma profundainovao em relao a toda a tradio marxista. A. socie-dade civil, em Gramsci, no pertence ao momento da es-trutura, mas ao da superestrutura. i)Apesar das numerosasanlises a que o conceito gramsciano de sociedade civil foisubmetido nos ltimos anos, esse ponto essencial - sobo qual assenta todo o sistema conceitual gramsciano -no me parece ter sido suficientemente sublinhado, aindaque no tenham faltado estudiosos que puseram em des-taque a importncia superestrutural desse sistema." Bas-tar citar uma passagem fundamental de um dos textosmais importantes dos Cadernos: Podem ser fixados, porenquanto, dois grande planos superestruturais: o que podeser chamado de 'sociedade civil, ou seja, o conjunto de or-ganismos habitualmente ditos privados, e o da sociedadepoltica ou Estado. E eles correspondem funo de hege-monia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade;e do domnio direto ou de comando, que se expressa no1$

    . 15. K. Marx -- F. Engels, L'ideologia tedesca, Editori Riuniti, Roma, 1967,pp. 26 e 65-66. . i

    A 16. Para indicaes mais precisas, remeto ao meu artigo Sulla nozionedi societ civile, in- De homine, 1968, n.= 24-25, pp. 19-36.

    17. Em particular, ao que eu saiba, G. Tamburrano, Antonio Gramsci,Lacaita, Manduria, 1963, pp. 2-20, 223-224.

    32 3

    Estado e no govemo jurdico. E, como reforo, aduz umgrande exemplo histrico: na Idade Mdia. 8 S0C0C1d C'vil , para Gramsci, a Igreja, entendida enqueI110 8Pa1'0-lho de hegemonia do grupo dirigente, que 1150 tinha 11111aparelho prprio, isto , no tinha uma organizao cultu-ral e intelectual prpria, mas sentia como tal a organiza-o eclesistica universal.* Parafraseando a passagem su-pracitada de Marx, seramos tentados a dizer qriella socie-dade civil compreende, para Gramsci, no mais todo oconjunto das relaes materiais, mas sim todo o conjuntodas relaes ideolgico-culturais; no mais OO 0_01'l'junto da vida comercial e industrial, mas todo o conjuntoda vida espiritual e intelectualf Ora, se verdade que asociedade civil , como diz Marx, o verdadeiro centra,o teatro de toda histria, esse deslocamento do signifi-cado de sociedade civil em Gramsci no n0S leva H 0010031'imediatamente a questo se no ter ele. Pf\l_mU_1`a 'locado o verdadeiro centro, o teatro de toda histria emoutro lugar'?lPode-se apresentar o problema da relaao en-tre Marx (e Engels) e Gramsci tambm do seguinte _modo,aindamais ntido: tanto em Marx como em Gramsci a so-ciedade civil -- e no mais o Estado, como em Hegfl "-representa o momento ativo e positivo do desenvolvimen-to histrico. De modo que, em Marx, esse momento ativoe positivo estrutural, enquanto em Gramsci e superestru-tural. Em outras palavras: ambos colocam o acento naomais sobre o Estado, como o fazia Hegel, pondo fim a tra-dio jusnaturalista, mas sobre a sociedade civil: ou seja,em certo sentido, eles invertem Hegel. Mas com a seguin-

    . Gl' ' t ll tt al' l' i zione della cultura. illd. T11l'I1._19_9-p. 9 ld. brnsilleieraf Os linetelgdtgfdisza a organizao da Cllllf. Ed- 1V1112;'=\Brasileira. Rio de janeiro, 1968]. Existem tambm passagens naa__r_1uaia__a_oc_-dade civil considerada como um _momento d_o Estado em__S8e_n 3 a__aP________-A. Gramsci, Lettere dal _:arere,_ Einaudi,_Turim, 1947. P-_ _96i_ N___ suiCartas do crcere, Civilizaao Brasileira, Rio de l1_{11__0. _ __;____ noMachiavelli, sulla politica e sullo _Stato moderno, Emau 1. E1'lI_1:1_. ___ a ig- B_____[ed. brasileira: Maquiavel, a politica e 0 Estado mo_dem0_. . _ W112 9 72sileira. Rio de janeiro, 1968]; Passato e presente, Einaudi, Turim, 1951, p. -

    19. Machiavelli, cit., p. 121.

    33

  • te diferena: a inverso de Marx implica a passagem domomento superestrutural ou condicionado ao momento es-trutural ou condicionante, enquanto a inverso em Gramsciocorre no prprio interior da superestrutura 3 Quando se dizque o marxismo de Gramsci consiste na reavaliao das so-ciedade civil com relao ao Estado, esquece-se de dizer oque sociedade civil significa, respectivamente, para Marxe para Gramsci. Fique bem claro que, com isso, no pre-tendo absolutamente negar o marxismo de Gramsci, maschamar a ateno para o fato de que a reavaliao da so-ciedade civil no o que o liga a Marx, como poderiaparecer a um leitor superficial, mas precisamente o queo distingue dele.

    4 Na realidade, ao contrrio do que se cr, Gramsci de-riva o seu conceito prprio de sociedade civil no de Marx,mas declaradamente de Hegel, ainda que atravs de umainterpretao um pouco forada, ou pelo menos unilate-ral, do pensamento hegelano. Numa passagem de Passatoe presente, Gramsci fala da sociedade civil como en-tendida .por Hegel e no sentido em que freqentementeempregada nestas notas; e, logo aps, explica que se tra-ta da sociedade civil no sentido de hegemonia poltica ecultural de um grupo social sobre toda a sociedade, comocontedo tico do Estado. Essa breve passagem servepara esclarecer dois pontos muito importantes: 1) o con-ceito gramsciano de sociedade civil pretende-se derivado dode Hegel; 2) o conceito hegelano de sociedade civil, talcomo Gramsci o concebe, um conceito superestrutural.Esses dois pontos levantam uma sria dificuldade: por umlado, Gramsci deriva sua tese da sociedade civil comoparte da superestrutura (e no da estrutura) a partir deHegel; mas, por outro lado, tambm Marx se vaiera da so-ciedade civil de Hegel, como vimos, quando identificaraa sociedade civil com o conjunto das relaes econmicas,isto , com o momento estrutural. Como se explica esse

    20. Passato e presente, cit., p. 164.

    34

    contraste? Creio que a *nica explicao possvel deva serbuscada na prpria Filosoa do direito de Hegel, onde -como notamos - a sociedade civil compreende no apenasa esfera das relaes econmicas, mas tambm as suas for-mas de organizao, espontneas ou voluntrias, isto , ascorporaes e sua primeira e rudimentar regulamentaono Estado de polcia. Essa interpretao corroborada poruma passagem gramsciana, na qual se enuncia o proble-ma da doutrina de Hegel sobre os partidos e as associa-es como trama privada do Estado, resolvendo-se talproblema mediante a observao de que Hegel, sublinhan-do de modo particular em sua doutrina do Estado aportncia das associaes polticas e sindicais, embora atra-vs de uma concepo ainda vaga e primitiva da associa-o, que se inspira historicamente num s exemplo acaba-do de organizao, o corporativo, supera o puro constitu-cionalismo (ou seja, o Estado no qual indivduos e gover-no encontram-se uns em face do outro sem sociedades in-termedirias) e teoriza o Estado parlamentar com o seuregime de partidos. E inexata a afirmao de que He-gel antecipa o Estado parlamentar com seu regime de par-tidos: no sistema constitucional acolhido por Hegel, quese limita representao dos interesses e no aceita a re-presentao polticaf* no h lugar para um parlamentocomposto por representantes de partidos, mas to-somentepara uma cmara baixa corporativa (ao lado de uma c-mara alta h'ereditria).^*Mas extremamente exata -- qua-se diria: literalmente exata - a rpida anotao na qualGramsci, referindo-se a Hegel, fala da sociedade civilcomo contedo tico do Estado: literalmente exata,digo, se se reconhece que a sociedade civil hegeliana que

    21. Machiavell, cit., p. 128.22. Ibd.23. Para uma interpretao distorcida de Hegel, j salientada por Sichirollo,

    veja-se a passagem sobre a importncia dos intelectuais na filosofia de Hegel(lntellettual, cit., pp. 46-47).

    24. G. W. F. Hegel, Philosophe des Rechts, 308 ss.25. Passato e presente, cit., p. 164.

    35

  • Gramsci tem _em mente no_ o sistema das necessidades(de onde partiu Marx), ou seja, as relaes econmicas, massim as instituies que as regulamentam, das quais Hegeldiz que, tal como a famlia,-constituem: a raiz tica doEstado, que se aprofunda na sociedade civil; ou, em ou-tro local, a base estvel do Estados, as pedras funda-mentais da liberdade pblica. Em suma.: a sociedadecivil que Gramsci tem em mente, quando se refere a He-gel, nao a do momento inicial, no qual explodem as con-tradioes que o Estado ir dominar, mas a do momento fi-nal ein que, _atraves da organizaao e da regulamentaodos diversos interesses (as cprporaoes), so postas as basespara a passagem ao Estado. 8,1/

    4. O momento da sociedade civil na dupla relaoestrutura/superestrutura e direo/ditadura

    Entende-se que, se a sociedade civil se identifica emMarx com a estrutura, o deslocamento da sociedade civiloperado por Gramsci -- fazendo-a passar do campo daestrutura para o da superestrutura -- no pode deixar deter uma influncia decisiva sobre ia prpria concepogramsciana das relaes entre estrutura e superestrutura.-*Oproblema das relaes entre estrutura e superestrutura emGramsci no foi at agora examinado como deveria tersido, levando-se em conta a importncia que of prprioGramsci lhe atribui. Creio que a determinao do local quea sociedade civil ocupa nessa relao possibilita assumira_perspectiva justa para uma anlise mais aprofundada. Asdiferenas fundamentais entre a concepo marxiana e aconcepao gramsciana das relaes entre estrutura e su-perestrutura me parecem ser essencialmente duas.

    \-

    zs. G. W. F. i-izgz1,Pz'z fz' a R fz , 225.21. Jia., zs. 'mp le es ec 'S 28. Ibid., 256, no al d' , t 6 d " if

    sociedade civil transbordaqililo tadl?ue 3 mv S a corporaao' a esfera da

    36

    l Em primeiro lugar: dos dois momentos, ainda quesempre considerados em relao recproca, o primeiro em Marx o momento primrio e subordinante, enquantoo segundo o momento secundrio e subordinado, pelomenos se nos referirmos leitura sempre bastante clara dostextos e no ficarmos imaginando o que ele pretendia di-zer. Em Gramsci, precisamente o inverso. Recordemos,de Marx, a clebre tese do Prefcio Contribuio-scrtica da economia poltica: O conjunto dessas relaesde produo constitui a estrutura econmica da sociedade,ou seja, a base real sobre a qual se eleva uma superestru-tura jurdica e poltica e qual correspondem forinas de-terminadas da conscincia social.'29/

    Contra as simplificaes das interpretaes determi-nistas do marxismo, Gramsci teve sempre uma clarssimaconscincia da complexidade das relaes entre estrutura esuperestrutura. Num artigo de 1918, escrevia: Entre apremissa (estrutura econmica) e a conseqncia (consti-tuio poltica), as relaes no so absolutamente sim-ples e diretas: e a histria de um povo nao documentadaapenas pelos fatos econmicos. A) explicitao das causa-lidades complexa e intrincada; e, para desintrinc-la, noh outra soluo alm do estudo aprofundado e amplo detodas as atividades espirituais e polticas.3 E j anteci-pava a colocao dos Cadernos quando afirmava que no a estrutura econmica que determina diretamente a aopoltica, mas sim a interpretao que se tem dela e daschamadas leis que governam o seu movimento.3* Nos Ca-dernos, essa relao representada por meio de uma sriede antteses, das quais as principais so as seguintes: mo-mento econmico/momento tico-poltico, necessidade/li-berdade, objetivo/subjetivo. O trecho mais importante, emminha opinio, o seguinte: Pode-se empregar o terino

    29. K: Marx, Per Ia critica delfeconomia politica, cit., p. 5.30. Scritti govanil, Einaudi, Turim, 195-8, pp. 280-281.31. Ibid., p. 281.

    '37

  • 5 ii Qcatai-`se_ para indicar a passagem do momento meramenteef1P1100 (011 8Sa'Passional) para o momento tico-politico, ou seja, a elaborao superior da estrutura em su-perestrutura na conscincia dos homens. Isso significa tam-bm a passagem do objetivo ao subjetivo e da necessidade liberdade.

    Em todas essas antteses, o termo que indica o mo-mento primrio_e subordinante sempre o segundo.UDeve-se. notar, ademais, que - dos dois momentos superestrutu-als. o momento do consenso e o_ momento da fora, um

    os ,quais tem uma conotaao positiva e o outro negativa- e sempre considerado, nessa anttese, apenas o primei-ro. A superestrutura o _momento da catarse, ou seja, ollitcilemlque a necessidade se resolve em liberdade, en-E essa trfiiaiente como consciencia da necessidade.

    '_ ao ocorre por obra do momento tico-politico. A necessidade entendida como conjunto das con-dies materiais que caracterizam uma determinada situa-o histrica assimilada ao passado histrico, tambm eleconsiderado como parte da estrutura. Tanto o passadohistrico quanto as relaes sociais existentes constituemas condioes objetivas, cujo reconhecimento obra do su-jeito histrico ativo, que Gramsci identifica com a vonta-de_ coletiva: s atravs do reconhecimento das condiesobjetivas que o sujeito ativo se torna livre e se pe emcondioes de poder transformar a realidade. Alm disso,no momento mesmo em que as condies materiais so re-onhecidgs degradam-se a instrumento de uma finalidade

    esejada. A estrutura, de fora externa que esmaga o ho-mem, que o assimila a si, que o toma passivo, transfor-ma-se em meio de liberdade, em instrumento para criaruma nova forma tico-poltica, em origem de novas ini-

    32. Il materialismo storico e la filosofia di Beiiedetto Cr ' '. _ _ __ _ _ _ faa, Einaudi, Tu-r1m._19_49. p._ 40 [ed. brasileira: Coricepao dialtica da histria, Ed. CivilizaoBrasileira, Rio de janeiro, 1966].d 33. estrutura. precisamente passado real, j que o testemunho, o

    ocumento incontroverso do que foi feito e continua a subsistir como condiodo presente e do futuro (ibid., p. 222).

    :ss

    ciativas. relao estrutura-superestrutura - que, con-siderada de modo naturalista, interpretada como relaode causa e efeito e leva ao fatalismo histrico - inverte-se, quando considerada do ponto de vista do sujeito ativoda histria, da vontade coletiva, emuma relao meio/fim.O reconhecimento e a busca desse fim ocorrem pela aodo sujeito histrico, que opera na fase superestrutural ser-vindo-se da estrutura, a qual -- -de momento subordinan-te da histria -- toma-se momento subordinado. Resumin-do esquematicamente as passagens de um significado paraoutro da anttese estrutura/superestrutura, podem-se fixaros seguintes pontos: o momento tico-poltico, enquantomomento da liberdade entendida como conscincia da ne-cessidade (isto , das condies materiais), domina o mo-mento ecorimico, atravs do reconhecimento que o sujeito-.ativo da histria faz da objetividade, reconhecimento quepermite transformar as condies materiais em instrumen-to de ao e, portanto, alcanar o objetivo desejado/

    5 Em segundo lugar, anttese principal entre `estru-tura ie superestrutura, Gramsci acrescenta uma anttese se-cundria, que se desenvolve na esfera da superestrutura,entre o momento da sociedade civil e o momento do Es-tado.z/Desses dois termos, o primeiro sempre o momen-to positivo e o segundo o momento negativo, como resultaclaramente desse elenco de opostos que Gramsci prope,ao comentar a afirmao de Guicciardini, segundo a qualso absolutamente necessrias ao Estado as armas e a re-ligio: A frmula de Guicciardini pode ser traduzida emvrias outras frmulas, menos drsticas: forca e consenso;coero e persuaso; Estado e Igreja; sociedade poltica e

    34. Ibid., p. 40.35. Para uma interpretao e uma crtica do fatalismo, cf. Passato e

    presente, cit., p. 203. 36. Tamburrano me fez observar que, mais do que uma anttese, temos

    d di tnco A-- no caso da relao entre sociedade civil e Esta o - uma s _ .observao aguda. Mas eu seria tentado a respon_de_r que a caracterstica dopensamento dialtico consiste em transformar as distines em antteses, P0depois proceder superao delas.

    39

  • sociedade_civil; poltica e moral (histria tico-poltica deCroce); direito _e liberdade; _ ordem e disciplina; ou, comum juizo implicito de sabor libertrio, violncia e fraude."

    No parece haver dvida de que Gramsci aludia concepo marxiana do Estado quando, numa carta do cr-cere (7 de setembro de 1931), falando de sua pesquisasobre os intelectuais, afirma: Esse estudo leva tambm acertas determinaes do conceito de Estado, que habitual-mente entendido como sociedade poltica (ou ditadura, ouaparelho coercitivo para conformar a massa popular se-gundo o tipo de produo e de economia de um determi-nado momento), e no como um equilbrio entre socieda-de poltica e sociedade civil. E verdade que, no pen-Samento de Marx, o Estado -- ainda que* sempre entendi-do como fora coercitiva -- no ocupa todo o momento dasuperestrutura, j que dessa tambm fazem parte as ideo-logias; mas tambm verdade que, na passagem citada(e conhecida por Gramsci) do Prefcio Contribuio critica da economia poltica -- passagem da qual Gramsciteria encontrado ampla confirmao na primeira parte deA ideologia alem, se tivesse podido conhec-la -, asideologias aparecem sempre depois das instituies, quasecomo um momento reflexo no mbito do prprio momen-to reexo, na medida em que so consideradas em seu as-pecto de justificaes pstumas e mistificadas-mistifican-tes do domnio de classe. Essa tese marxiana recebera umainterpretao cannica, pelo menos no marxismo tericoitaliano, na obra de Labriola, o qual explicara que a es-trutura econmica determina em primeiro lugar e direta-mente. os modos de regulamentao e de sujeio dos ho-

    37. Macliiavelli, cit., p. 121. .38. 1 Lettere dal carcere, cit., p. 481.39. As idias da classe dominante so, em todas as pocas, as idias

    dominantes: ou seja, a classe que a fora material dominante da sociedade, ao mesmo tempo, a sua fora espiritual dominante. Logo ps, d o exem-plo da doutrina da diviso dos poderes como reflexo ideolgico de uma so-ciedade na qual o poder realmente - ou seja, na realidade - dividido(K. Marx, Bideologia tedesca, cit., p. 43).

    40

    . 6 ' ' ' - a moral - emens pelos homens (ond Seia, aa glifiliiretamente os obje-- mseunoug ' e..-O ESad0) ea e g ... d ll laotivos da fantasia e do pensme, na P1'0dUa _3 1fe_ge da cincia stlfgm Gramsci, a relao entre instituioes e

    ' E " ' ocaideologias, ainda que no esquema de uma aao recipr _,aparece invertida: as ideologias tornam-se o momento pri-mrio da histria enquanto asinstituies passam a sero momento secundrio. Uma vez considerado o momentoda sociedade. civil como o momento atraves do qual se rea-liza a passagem da necessidade liberdad_e,_ as ideologias-- das quais a sociedade civil e a sede-historica -- sao vis-tas no mais apenas como justificaao postuma de um po-der cuja formao histrica depende das_condioes mate-riais, mas como foras formadoras e criadoras de novahistria, colaboradores na formao de um poder que sevai constituindo e nao tanto como justificadoras de umpoder j constitudo./f

    ` " Uso historiogrfico e uso prtico-polticodo conceito de sociedade civil

    O lugar verdadeiramente singular da sociedade civilno sistema conceitual gramscianoopera, portanto, nao ape-nas uma, mas duas inverses com relao ao modo escolas-tico tradicional de entender o pensamento de Marx e En-gels: a primeira consiste no privilgio concedido a s_upere_s-trutura com relao estrutura; a segunda, no privilgioatribudo, no mbito da superestrutra, ao momento ideo-lgico com relao ao institucional. Em comparaao coma dicotomia simples, de onde partimos -_- sociedade civil-Estado --, que se tornou esquema conceitual corrente nasinterpretaes histricas que se inspiram em Marx, 0 Bs-quema gramsciano mais complexo, no sentido de que uti-

    40. A. Labriola, Saggi _siil materialismo storico, _Editori Riuniti, Roma,1964, pp. 136-137 [ed. brasileira: Ensaios sobre o materialismo histrico, M0118Editora, So Paulo, s/d]- .

    41

  • liza -- sem que o leitor nem sempre o perceba com cla-reza - duas dicotomias que s em parte se superpem:entre necessidade e liberdade, que corresponde dicoto-mia es_trutura/superestrutura, e entre fora e consenso, quecorresponde dicotomia instituies/ideologias. Nesse es-quema mais complexo, a sociedade civil , ao mesmo tem-po, o momento ativo (contraposto a passivo) da primei-ra dicotomia, e o momento positivo (contraposto a nega-V0) da Segunda. Nisso me parece residir verdadeiramen-te o elemento central do sistema. /J . f n ssa 11'P1'0 P0de ser provada, com os textos

    3 11130. o servando-se as consequencias - que Gramsci ex-gsdgnfrequente ff. variado uso' que faz das duas dicgtg.creio ser IXO.a)ii'cei~1.iias. Para maior clareza,cotomias. um met gut hi s Ji erentes usos de tais . di-tomi _: T amen e storiogrfico, no qualuas dico-

    _as sao uti izadas como canones de interpretaao/expli-03930 histrica; e outro mais diretamente prtico-polticono qual as mesmas dicotomias so utilizadas como cri:trios para distinguir o que deve e o que no deve ser feitolss

    _ geral P1'eCe'1Tl0 PSSvel dizer que, no uso histo-1`181'f10 gramsciano, a primeira dicotomia -- entre mo-io econoimco e momento _tico-poltico - serve para

    ar os e ementos essenciais do processo histrico; aSegunda -- entre o momento tico e o momento poltico --v Par? dlslgl-llr. no processo histrico, fases de as-metao e ases de decadencia, conforme predomine o mo-

    positivo ou o momento negativo. Em outras pala-vras: partindo do conceito verdadeiramente central no pen-Smento gramsciano, o de bloco histrico com o qual

    ' . 0 iv 9 , .Gramsci pretende designar uma situaao histrica global,que compreende tanto o elemento estrutural quanto o su-P1f_S1"-1111121. a primeira dicotomia serve para definir edelimitar um determinado bloco histrico, enquanto a se-gunda serve para distinguir entre um bloco histrico pro-gressista e outro reacionrioriVejamos alguns exemplos. Aprimeira dicotomia o instrumento conceitual. com o qual

    42

    Gramsci indica no partido dos moderados, e no no Par-tido de Ao, o movimento que guiou a obra da uiiifica-o italiana, que um dos temas fundamentais das notassobre o Risorgimento; a segunda dicotomia serve para ex-plicar a crise da sociedade italiana no primeiro ps-guerra, na qual a classe dominante deixou de ser a classedirigente, crise que - pela fratura aberta; entre governan-tes e governados - s pode ser resolvida mediante o puroexerccio da fora".('O maior sintoma da crise - ou seja,da dissoluo de um bloco histrico -G est no fato deque ele no consegue mais atrair para Gsi os intelecutais, queso os protagonistas da sociedade civil; os intelectuaistradicionais fazem pregaes morais. enquanto os- novosconstroem utopias. Ou seja: uns e outros giram no vazio./J

    L Sob o aspecto no mais historiogrfico, porm prti-co, ou seja, da ao poltica, o uso ~ da primeira dicoto-mia est na base da contnua polmica de Gramsci con-tra o economicismo, isto , contra a pretenso de resolvero problema histrico com que se defronta a classe opri-mida` operando exclusivamente no terreno das relaeseconmicas e das foras antagnicas que elas liberain (ossindicatos); o uso da segunda uma das maiores (se noa maior) fontes de reflexo dos Cadernos, onde a conquis-ta estvel do poder por parte das classes subalternas sempre considerada em funo da transformao a se rea-lizar, em primeira instncia, na sociedade civil. Somentese se leva m cont_a a superposio das duas dicotomias,consegue-se dar uma explicao da dupla frente em que semove a crtica grainsciana: contra a considerao exclu-siva do plano estrutural, que leva ai classe operria a umaluta estril ou no decisiva; e contra a considerao exclu-siva do momento negativo do plano superestrutural, queleva a uma conquista efmera e tambm no decisivdi Olocal dessa dupla batalha , mais uma vez, a sociedade ci-

    41. Passam e presente, cit., p. 38.42. Machiavelli, cit., pp. 150-151.

    43

  • vil, uma de cujas faces se volta para a superao das con-dies materiais que operam na estrutura, enquanto a ou-tra se volta contra a falsa superao dessas condies atra-vs da pura dominao sem consenso. A no-utilizao (oua m utilizao) de uma ou de outra dicotomia leva a doiserros tericos opostos entre si: a confuso entre socieda-de civil e estrutura gera o erro do sindicalismo, enquanto aconfuso entre sociedade civil e sociedade poltica leva aoerro da estatolatriafw

    6. Direo politica e direo culturalEnquanto a primeira polmica contra o economicis-

    mo se liga ao tema do partido, a segunda - contra a di-tadura que no se faz acompanhar por uma reforma dasociedade civil - faz emergir o tema da hegemonia. Asanlises anteriores, portanto, colocam-nos em melhorescondies para compreender que partido e hegemoniaocupam um lugar central na concepo gramsciana da so-ciedade e da luta poltica: com efeito, eles so dois ele-mentos da sociedade civil, seja enquanto essa se ope comomomento superestrutural estrutura, seja enquanto seope como momento positivo da superestrutura ao seumomento negativo, o Estado-fora. Partido e hegemonia- em unidade com o tema dos intelectuais, que, de resto,liga-se a ambos - so, como se sabe,dois temas funda-mentais dos Cadernos: e so, ao mesmo tempo, os temasque melhor permitem uma comparao entre Gramsci eLnin.

    No curso da elaborao do conceito de hegemoniarealizada nas reflexoes do crcere, Gramsci presta v-rias vezes homenagem a Lnin, precisamente enquantoterico da hegemonia. Mas no habitualmente obser-

    ~.43. Passato e presente, cit., p. 165.44. Materialismo sforico, cit., pp. 32, 39, 75, 189, 201; Lettere dal carcere,cit., p. sis.

    44

    vado que o termo "hegemoiii'a'rio pertence lingua-gem habitual de Lnin, embora pertena de Stlin,o qual, por assim dizer, canonizou o termo. Liiin pre-feria falar de direo (rukovodstvo) e dirigente s(ruko-voditel): numa das raras passagens em que aparece otermo hegemnico (gegemon), ele usado indubitvel-.Imente como sinnimo de dirigente. Tambm na lingua-gem gramsciana, o termo hegemonia e seus derivadospassaram a aparecer com certa constncia muito tarde, emdois escritos de 1926 (na Carta ao Comit Central do Par-tido Comunista Sovitica e no escrito inacabado sobre Al-guns temas da questo meridional) ,* ou seja, nos ltimosescritos anteriores aos Cadernos, sendo bastante raros nosescritos inspirados diretamente em Lnin e que ocupam operodo que vai de 1917 a 1924.

    Naturalmente, importa menos a questo lingsticado que a questo conceitual. Pois bem: do ponto de vistai___-i

    45. "Enquanto nica classe conseqentemente revolucionria da socieda-de contempornea, [o proletariado] deve ser o dirigente lrukovodteleml,o hegemonista [gegemonon] na luta de todo o povo por uma completatransformao democrtica, na luta de todos os trabalhadores e exploradoscontra os opressores e os exploradores. O proletariado revolucionrio namedida em que tem conscincia e- pe em prtica essa idia de hegemonia(XI, 349). Devo essa e outras informaes lingsticas do pargrafo gentilezade Vittorio Strada. Na nica passagem de Lnn at agora citada, ao que eusaiba, pelos estudiosos de Gramsci, e na qual aparece o termo hegemnico'(Lnin, Due tattiche della socialdemocrazia nella rvoluzione democratica, 'inOpere scelte, Editori Riuniti, Roma, 1965, p. 319 [ed. brasileira: in ObrasEscolhidos, Ed. Alfa-Omega, So Paulo, 1979, vol. 11; cf. o prefcio de G.Ferrata a Duemila pagina di Gramsci, Il Saggiatore, Milo, 1964, vol. I. p. 96),o termo realmente usado por Lnin no hegemnico, mas dirigente(rukovoditel). Para a linguagem de Stlin, cf. Dal colloquio com la prima de-legazione operaia americana, no qual - enumerando as questes em que Lninteria desenvolvido a doutrina de Marx -- Stlin, entre outras coisas, diz:Ein quarto lugar, a questo da hegemonia do proletariado na revoluo etc.(Lnin, Opere scelte, Moscou, 1947, vol. l, p. 35).

    46. Duemila pagine, cit., vol. I. p. 799 e pp. 824-825 [ed. brasileiras:Sobre as lutas internas no Partido Comunista Sovitico. in C. N. Coutinho,Gramsci, L & PM Editores, Porto Alegre, 1981, pp. 170-175; e Alguns te-mas da questo meridional, in Temas de Cincias Humanas, Grijalbo, SoPaulo, 1977, vol. 1, pp. 19-451. '

    47. Ferrata recorda, porm, o artigo La Russia potenza mondiale (14de agosto de 1920), no qual aparece a expresso capitalismo hegemnico.Ragionieri, no simpsio, chamou a minha ateno para o fato de que o termohegemonia aparece tambm num escrito gramsciano de 1924.

    45

  • conceitual, ,o termo hegemonia nos Cadernos (e nas Car-tas) no tem mais o mesmo significado que nos dois es-critos de 1926. Nesses, ele empregado, de acordo com osignificado predominante oficial dos textos soviticos, emreferncia aliana entre operrios e camponeses, ou seja,no sentido .de direo poltica; nos Cadernos e nas Car-tas, adquire tambm -- e predominantemente -- o signifi-cado de direo cultural. Nessa modificao de signi-ficado, de modo algum negligencivel, mas que geral-mente negligenciada, reside a novidade do pensamentogramsciano: de modo que hoje, apesar da homenagem queGramsci presta a Lnin enquanto terico da hegemonia, oterico por excelncia da hegemonia -- em seu significa-do mais rico no debate contemporneo acerca do marxis-mo - no Lnin, mas sim Gramsci.lEsquematicamen-te, podemos dizer que a modificao de significado ocorreuatravs de uma inconsciente (mas nem por isso menos re-levante) distino entre um significado mais restrito, se-gundo o qual hegemonia significa direo poltica (e osignificado dos escritos gramscianos de 1926 e o que pre-domina na tradio do marxismo sovitico), e um signi-ficado mais amplo, pelo qual significa direo cultural./

    *Digo tambm porque, nos Cadernos, o segundo signifi-cado no exclui o primeiro, mas o inclui e o completa: naspginas programticas dedicadas ao moderno Principe (pu-blicada no incio das Notas sobre Maquiavel), Gramsciprope dois temas fundamentais para o estudo do parti-do moderno, a saber, o da formao da vontade coleti-va (que o tema da direo poltica) e o da reforma in-

    48. So colocados em discusso o princpio e a prtica da hegemoniado proletariado; so prejudicadas e postas em perigo as relaes fundamentaisde aliana entre operrios e camponeses (Sobre as lutas internas no PCUS,ed. bras. cit., pp. 173-174). O proletariado pode se tornar classe dirigentee dominante na medida em que consegue criar um sistema de alianas declasse (Alguns temas da questo meridional, ed. bras. cit.. p. 26).

    49. Lettere dal carcere, cit., p. 616: O momento da hegemonia ou dadireo cultural. Tambm direo intelectual e moral": cf. Il Risorgimento,Einaudi, Turim, 1945, p. 70.

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    teleotual e moral (que o tema da direo cultural) .5 In-sisto na diferena entre esses dois significados de hegemo-nia porque, em minha opinio, os termos de uma compa-rao conclusiva entre Lnin (e, em geral, o leninismo ofi-cial) e Gramsci s podem ser postos se levarmos em con-ta que o conceito de hegemonia foi se ampliando na pas-sagem de um para o outro, at o ponto de compreenderem si o momento da direo cultural; e se reconhecermosque, por direo cultural, Gramsci entende a introduode uma refornia, no sentido orte que esse termo possuiquando referido a Luna transformao dos costumes e dacultura, e em anttese ao sentido fraco que ele adquiriuna linguagem poltica (do que resulta a diferena entrereformador e reformista).

    Poder-se-ia dizer que, em :Lnin, prepondera o signi-ficado de direo poltica, enquanto em Gramsci predo-mina o de direo cultural. Mas preciso acrescentar queessa diversa predominncia assume dois aspectos diversos:a) para Gramsci, o momento da fora instrumental e,artanto, subordinado ao momento da hegemonia, enquan-to em Lnin, nos escritos da revoluo, ditadura- e hege-monia procedem de pari passu e, de qualquer modo, o mo-mento da fora primrio e decisivo; b) para Gramsci, aconquista da hegemonia precede ea conquista do poder, en-quanto em Lnin a acompanha e mesmo a sucede. Po-rm, embora importantes e baseadas nos textos, essas duasdiferenas no so essenciais, j que ambas podem ser ex-plicadas levando-se em conta a profunda diferena das si-tuaes histricas em que as duas teorias foram elabora-

    50. Machiavelli, cit., pp. 6-8. g _51. Referimo-nos s conhecidas passagens nas quais Gramsci expliea_ o

    sucesso da poltica dos moderados no Risorgimento (cf. Il Rzsorgunento, cit.,pp. 70-72). Para Lnin, importante examinar a passagem do seu Informepoltico ao XI Congresso do Partido (1922), no qual ele lamenta adade da cultura comunista diante da cultura dos adversrios: Se o povoconquistador tem um nvel cultural superior ao do povo vencido, impe aesse ltimo sua prpria cultura: se 6 o contrrio. ocorre que o povo vencido

    a irpria cultura ao vencedor (Lnin, Opera complete, cit., vol. 33., p. . s

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  • das: a de Lnin no momento de uma luta em andamento,a de gramsci no momento de uma retirada depois da der-rota. diferena essencial, a meu ver, outra: no umadiferena de mais ou menos, de antes ou depois, mas umadiferena de qualidade. Quero dizer que a diferena noest na diversa relao entre o momento da hegemonia eo da ditadura, mas -- independentemente dessa relao,cuja diferena pode tambm ser explicada historicamen-te - na extenso e, portanto, na funo do conceito nosdois respectivos sistemas. Com relao extenso, a he-gemonia grainsciana (compreendendo, como vimos, almdo momento da direo poltica, tambm o da direo cul-tural) abarca, como suas entidades portadoras, no s opartido, mas todas as outras instituies da sociedade ci-vil (entendida em sentido gramsciano) que tenham umnexo qualquer com a elaborao e a difuso da cultura???Com relao funo, a hegemonia no visa apenas for-mao de uma vontade coletiva capaz de criar um novoaparelho estatal e de transformar a sociedade, 1 mas tam-bm elaborao e, portanto, difuso e realizao deuma nova concepo do mundo. De modo mais sintticoe preciso: a teoria da hegemonia liga-se em Gramsci noapenas a uma teoria do partido e do Estado, a uma novaconcepo do partido e do Es'tado, mas engloba a nova emais ampla concepo da sociedade civil, considerada emsuas diversas articulaes e - no preciso sentido que de-limitamos nos pargrafos precedentes - considerada comomomento superestrutural primrio. 7

    Com isso, mais uma vez reconhecido o posto centralque o momento da sociedade civil assume no sistemagramsciano: a funo resolutiva que Gramsci atribui he-gemonia com relao mera dominao revela, com todaa fora, a posio preeminente da sociedade civil, ou seja,do momento mediador entre a estrutura e o elemento su-

    52. Lettera dal carcere, cit., p. 481, onde se fala \de hegemonia de umgrupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida atravs das organiza-es ditas privadas, como a Igreja, os sindicatos, as escolas etc..

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    perestrutural secundrio. A hegemonia o momento davinculao entre determinadas condies objetivas e a do-minao de fato de um determinado grupo dirigente: essemomento de vinculao ocorre na sociedade civil. Do mes-mo modo como s em Gramsci (e nocm Marx), conformevimos anteriormente, reconhecido a esse momento de vin-culao um espao autnomo no sistema, precisamente oda sociedade civil, assim tambm s em Gramsci (e noem Lnin) o momento da hegemonia, graas ao fato de que-se amplia at ocupar, o espao autnomo da sociedade ci-vil, adquire -uma nova dimenso e um mais amplo con-tedo.

    7. Sociedade civil e lim do EstadoO ltimo tema gramsciano em que o conceito de so-

    ciedade civil 'desempenha um papel primrio o do fimdo Estado. A extino do Estado na sociedade sem classes uma tese constante nos escritos de Lnin durante a re-voluo, e um ideal limite do marxismo ortodoxo. Nos Ca-dernos, escritos quando o novo Estado j. est solidamen-

    53. Dessa nova dimenso e _desse contedo mais amplo, poder-se-iamretirar duas provas decisivas examinando-se o modo _ pelo qua_l Gramsci trate'do problema dos sujeitos ativos da hegeriioma (os mtelectuais) e entende ocontedo da nova hegemonia (o tema do ' nacional-popular). Mas, j que setrata de dois amplos temas, que serao de resto objeto de outras exposies.limitar-me-ei a essas duas observaes: a) no que se refere ao problema dosintelectuais, a argumentao de Gramsci - que certamente se _i_nspira emLnin na reflexo sobre a tarefa do intelectual nvo que se identifica com odirigente do partido -' no pode ser compreedld 5 _ 5 POW! 1'-jm N13'o com a discusso em torno da fun90 408 10113 ml 9159'-15'aberta de um modo dramaticamente sem_ P1'd5 P1' _V 9 ,193 gggfanos da grande crise poltica e econmica (Benda. 1927. Mll111h__1111 1 Ortega, 1930), ainda que o interlocutor cgnstante de Grlglsel 8013 NPBenedetto Croce; b) com a refl_ex_o sobre o_ nalell-PP\__lf WM '"tico da historiografia de oposiao anti-histria da Itha._miGfml_ 11lfbl_problema da revoluo social nrfiroblema da revolu 1 0ma da reforma inte ectual_ e mo acompanha 88 . ' mmrl Mda Itlia, desde o Renascimento ao Risorgtmento, e tem comodo boctldcom relao ao priineir_. Maquiavel, e. com relI; 0 '3 L? emGioberti (cuja importncia na pesquisa das fontes gramscianos. S0 91gano. foi sublinhada at agora somente por Asor Rosa)-

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  • te constitudo, o tema est presente, mas de forma margi-nal. Na maioria das poucas passagens que a ele se referem,o fim, do Estado concebido como uma reabsoro dasociedade poltica na sociedade civil.' 'l sociedade semEstado, que Gramsci chama de sociedade regulada, re-sulta assim da ampliao da sociedade civil e, portanto, domomento da hegemonia, at eliminar todo espao ocupadopela sociedade poltica. Os Estados que existiram at hojeso uma unidade dialtica de sociedade civil e sociedade po-ltica, de hegemonia e dominao. A classe social que conse-guir tomar sua hegemonia to universal a ponto de tomarsupruo o momento da coero ter colocado as pre-missas para a passagem sociedade regulada. Em certotrecho, sociedade regulada considerada mesmo comosinnimo de sociedade civil (e tambm de Estado -tico) :ou seja, de sociedade civil liberada da sociedade politica//Embora se trate de uma acentuao diversa e no de umcontraste, poder-se-ia dizer que, na teoria de Marx e En-gels, acolhida e divulgada por Lnin, o_ movimento que leva extino do Estado fundamentalmente estrutural (su-perao dos antagonismos de classe at chegar sua su-presso), -enquanto- em Gramsci principalmente superes-trutural (ampliao da sociedade civil at sua universaliza-o).Em Marx, Engels e Lnin, os dois termos da antteseso: sociedade com classes/sociedade sem classes; emGramsci, sociedade. civil com sociedade politica/sociedadecivil sem sociedade poltica. O fato (para o qual chamei aateno repetidas vezes) de que a sociedade civil umtermo de mediao entre a estrutura e o momento negati-vo da superestrutura iinplica uma conseqncia relevanteno que se refere ao prprio movimento _ dialtico que leva

    54.' Machiavelli, cit., p. 94. Cf. tambm p. 130 (128). Em Materialismostorlco. cit., p. 7