pompeu de sousa o jornalista que mudou o jornalismo...

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1 UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL ROSEMARY BARS MENDEZ POMPEU DE SOUSA O jornalista que mudou o Jornalismo Brasileiro SÃO BERNARDO DO CAMPO 2006

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL

ROSEMARY BARS MENDEZ

POMPEU DE SOUSA

O jornalista que mudou o Jornalismo Brasileiro

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2006

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ROSEMARY BARS MENDEZ

POMPEU DE SOUSA

O jornalista que mudou o Jornalismo Brasileiro

Tese apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Comunicação Social da

Universidade Metodista de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção do título de

Doutor em Comunicação Social.

Orientador: Prof. Dr. José Marques de Melo.

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2006

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079.81 MENDEZ, Rosemary Bars Pompeu de Sousa: o jornalista que mudou o jornalismo brasileiro São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2006. 339p. 1. Sousa, Pompeu. 2. Jornalismo. 3. Brasil, Roberto Pompeu de Sousa I. Título.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A tese: POMPEU DE SOUSA. O jornalista que mudou o Jornalismo Brasileiro,

elaborada por Rosemary Bars Mendez como requisito para a obtenção do grau de doutor em

Comunicação Social, na Universidade Metodista de São Paulo, área de concentração

Processos Comunicacionais, foi defendida dia _____, ______, ________ tendo sido:

( ) Reprovada

( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações sugeridas pela

banca examinadora.

( ) Aprovada

( ) Aprovada com louvor

Banca Examinadora:

Presidente:

Nome titulação assinatura instituição

Examinador(a):

Examinador(a):

Examinador(a):

Examinador(a):

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Para os pequenos

Matheus, Allan Yuri,

Felipe, Luiz Henrique

e Ana Luiza

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“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”

Fernando Pessoa, 1980

“Sem paixão não se faz nada”

Pompeu de Sousa

1916/1991

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AGRADECIMENTOS

Muitos caminhos me trouxeram até aqui. Em todos, os familiares, amigos e alguns

conhecidos acompanharem os passos que dei para escrever este trabalho. O apoio que recebi

possibilitou amenizar as dificuldades e permitir que a solidão, durante horas em frente ao

computador, fosse esquecida com momentos de descontração. Assim, quero agradecer a todos

que compartilharam comigo e me ajudaram a cruzar a linha de chegada, em especial ao Prof.

Dr. José Marques de Melo que sempre me incentivou a progredir na carreira acadêmica e na

pesquisa científica; a Othília Pompeu de Sousa, que me recebeu de braços abertos, e a todos

que permitiram a pesquisa em arquivos públicos e privados, concederam-me entrevistas e se

lembraram dos acontecimentos envolvendo Pompeu de Sousa, contribuições importantes para

a construção de sua trajetória na história do Jornalismo Brasileiro.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 013

1.1 Metodologia.............................................................................................................. 018

2 CAPÍTULO I - A IMPRENSA NO BRASIL .............................................................. 029

2.1 Influência dos Estados Unidos ................................................................................. 034

2.2 Modernização ........................................................................................................... 041

2.3 Industrialização da imprensa .................................................................................... 050

3 CAPÍTULO II – A VIDA NO RIO DE JANEIRO..................................................... 056

3.1 A carreira profissional .............................................................................................. 060

3.2 Intercâmbio Cultural ................................................................................................ 068

3.3 Campanhas no DC .................................................................................................... 072

4 CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA ................................... 078

4.1 A produção do manual de redação .......................................................................... 083

4.2 A reação às novas técnicas ...................................................................................... 088

4.3 A reforma do Diário Carioca ................................................................................... 099

5 CAPÍTULO IV – A MUDANÇA PARA BRASÍLIA ................................................ 108

5.1 Na UnB..................................................................................................................... 119

5.2 Demissão da UNB .................................................................................................... 131

5.3 A favor da arte .......................................................................................................... 140

6 CAPÍTULO V – DE VOLTA PARA A REDAÇÃO ................................................. 147

6.1 Fases na Veja ............................................................................................................ 163

6.2 Como senador ........................................................................................................... 167

7 CONCLUSÃO................................................................................................................ 184

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 194

9 APÊNDICES .................................................................................................................. 220

9.1 Entrevista com Eliane Catanhêde ............................................................................. 221

9.2 Entrevista com Nilson Lage .....................................................................................227

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9.3 Entrevista com Othília Pompeu, esposa de Pompeu de Sousa. ................................ 228

9.4 Entrevista com Ana Arruda Callado......................................................................... 234

9.5 Entrevista com o jornalista Armando Nogueira ....................................................... 238

9.6 Entrevista com o jornalista Hélio Marcos Prates Doyle........................................... 242

9.7 Entrevista com Orlando Cariello Filho..................................................................... 245

9.8 Entrevista com José Roberto Bassul, ex-assessor parlamentar. ............................... 248

9.9 Entrevista com o jornalista Armando Rollemberg. .................................................. 255

10 ANEXOS ...................................................................................................................... 262

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RESUMO

A proposta desta pesquisa é resgatar a trajetória do jornalista Pompeu de Sousa que, ao

introduzir a técnica do lide no Diário Carioca (1950), revolucionou o texto jornalístico de sua

época, sendo o responsável pelo primeiro Manual de Redação – Style Book – da imprensa

brasileira. Trata-se de uma experiência profissional que lhe abriu portas para a vida

acadêmica, primeiro na Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Artes, no Rio de Janeiro,

e para estruturar a Faculdade de Comunicação de Massa na Universidade de Brasília. Cassado

após o golpe militar de 1964, o jornalista retornou para a redação, desta vez como diretor da

Editora Abril, responsável pela sucursal da revista Veja entre 1968 e 1978. Senador

Constituinte, no mandato de janeiro de 1987 a janeiro de 1991, autor do parágrafo 1º, do

artigo 220, da Constituição Federal que prevê a liberdade de imprensa. O trabalho visa

mostrar a importância de Pompeu de Sousa na transformação do Jornalismo Brasileiro,

pesquisa histórica, com suporte na história oral.

Palavras–chave: Midiologia Comparada, Jornalismo Brasileiro, Ensino de Jornalismo.

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ABSTRACT

The projects main goal is an historical research about journalist Pompeu de Sousa's

career, who introducing the lead's technique at Diário Carioca newspaper, made a big

revolution in his time’s journalistic style. He was the first responsible for a Style Book in

brazilian press. This professional experience did opened wide doors for his academic life: first

at university Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Artes, in Rio de Janeiro, and then

for a remake at structuring the University of Communication of Mass at the Universidade de

Brasilia. With his civil rights lost after 1964 's brazilian military coup d'etat, journalist

Pompeu de Sousa went back to newsrooms, this time as director at publishing house Editora

Abril, where he was chair at Veja magazine's newsroom in Rio, between 1968 and 1978. He

was a congress man at Senate, from January 1987 to January 1991, author from the first

paragraph, article 220, from brazilian Federal Constitution, wich estipulates press freedom.

This work entends to show Pompeu de Sousa's importance in brazilian journalism

transformation, using historical research based at oral history.

Key words: Compared Midiologia, Brazilian journalism, Teaching of Journalism

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RESUM

Los proyectos la meta principal es una investigación histórica sobre periodista

Pompeu Sousa que introduciendo la técnica de la primacía al Diario Carioca, hecho una

revolución grande en el estilo periodístico de su tiempo. Él fue el primero responsable para un

Libro de Estilo en la prensa del brazilian. Esta experiencia profesional hizo las puertas anchas

abiertas para su vida académica: primero a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Artes,

en Río de Janeiro, y entonces para un rehaga el La universidad de Comunicación de Masa al

Universidade de Brasília. Él ha perdido sus derechos del polytical después del 1964 golpe

militar, periodista Pompeu de Sousa regresó a la escritura como director de Editora Abril,

como Veja revista rama gerente entre 1968 y 1978. Él estaba un hombre del congreso en el

Senado, de january 1987 al 1991 de enero, el autor del primer párrafo, artículo 220, del

brazilian la Constitución Federal, qué preve la prensa libre. El trabajo apunta la exhibición

Pompeu de Sousa el papel principal el periodismo brasileño cambiante, la investigación

histórica, basado en la historia oral.

Palabras de la llave: Midiologia comparado, Periodismo Brasileño, Maestro de Periodismo

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de uma intensa peregrinação em arquivos públicos e

particulares para recuperar documentos, artigos de jornais, cartas pessoais, discursos, fotos e

memórias de amigos e familiares sobre a vida de Roberto Pompeu de Sousa Brasil. Materiais

espalhados em três estados brasileiros: São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, recolhidos em

várias viagens, contatos telefônicos, horas a fio folheando livros, edições empoeiradas de

jornais das décadas de 40 a 90, conquistando fontes para as entrevistas que ajudaram a

reconstruir a trajetória de Pompeu na imprensa brasileira. Aos poucos descobri um homem

que tinha o espírito do jornalista, dono de uma personalidade irrequieta, ousada, alegre,

sempre em busca do novo, fosse no texto ou nas ações de quem sempre se envolveu com os

fatos da política nacional e que influenciaram a sua vida profissional.

Uma história rica em ações pragmáticas que alteraram padrões estabelecidos pela

imprensa e transformaram o Jornalismo Brasileiro, servindo de modelo para o ensino

universitário e beneficiando a imprensa na Constituição Federal. Uma história que começa

com um sonho, a de cursar Direito no Rio de Janeiro, como todo jovem que vivia no interior

do Brasil em sua época. Pompeu de Sousa era do Ceará e descobriu o Brasil ao ser jornalista,

profissão que lhe ajudou a caminhar sempre em frente.

A inexistência de documentos, ou de qualquer outro registro histórico, sobre a infância

no Ceará, deixa uma lacuna nesta trajetória. Nem as pessoas que conviveram de perto com

Pompeu, nem a esposa Othília Pompeu de Sousa, têm informações sobre seus primeiros 18

anos de vida, o que restringiu a construção de sua biografia a partir da vida profissional. Seus

filhos, principalmente as filhas do primeiro casamento, resistiram a falar sobre o jornalista.

Apenas Sonia Pompeu, que também é jornalista e trabalha na Rede Globo, no Rio de Janeiro,

contribuiu com este trabalho, ao encaminhar pelos Correios o livro Bilhetinhos a Jânio.

A construção desta trajetória mostra as ações de Pompeu de Sousa no Jornalismo

Brasileiro: sempre ágil, dinâmico, rápido e objetivo, um estilo próprio e único, de alguém

inquieto, intranqüilo com a realidade vivida, sempre procurando mudanças. Um perfil

composto por depoimentos de personagens que trabalharam ou conhecerem Pompeu de

Sousa, recortes de jornais com entrevistas que concedeu ou sobre eventos e movimentos que

participou, documentos sobre sua atuação parlamentar e política e a pesquisa nos arquivos do

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Diário Carioca e da revista Veja. Um quebra-cabeças difícil de ser recomposto pelo tempo

em que a pesquisa deveria ser concluída, pressionada pelo tempo acadêmico.

Muitos dos entrevistados e dos amigos que deram depoimentos publicados em livros

de memória, editados após sua morte em 1991, guardam a lembrança de Pompeu pelos

cabelos brancos, outros pelas gargalhadas, outros pela voz alta e firme que determinava como

deveria ser a matéria jornalística, as regras técnicas para a produção de texto informativo, sem

nunca perder a ternura dos gestos e o tom da voz. Ele esbravejava quando sabia de uma

repressão política, de algo que não concordasse, sem nunca ter sido agressivo com os

repressores. Tinha liderança e espírito de equipe e consagrou-se na política como senador da

República, o quarto do Ceará, seguindo a tradição de seu avô.

Pompeu de Sousa marcou a história do Jornalismo Brasileiro ao introduzir na

imprensa técnicas para a construção do texto com base na tradição norte-americana,

rompendo com os costumes europeus que imperavam nas redações até a década de 40. A

primeira pessoa a contar sua história para este trabalho foi sua esposa Othília Pompeu de

Sousa. Ela me recebeu em sua casa, pela primeira vez, no dia 14 de julho de 2004. Foram

cinco horas de conversa, entre o almoço na Praia de Copacabana e o chá da tarde, em seu

apartamento.

Encontrei uma mulher se preparando para passar as férias de julho em Paris, pois

queria rever as obras de Monet. Aos poucos foi revelando tudo que poderia se lembrar sobre

Pompeu. De sua memória apenas as datas foram esquecidas, não os fatos, nem as pessoas que

conheceu e com quem conviveu. Dona Othília falou sobre o passado como se tudo tivesse

acontecido recentemente, ontem ou há algumas horas, apenas. Tudo o que vez na vida foi por

Pompeu de Sousa. Tudo o que viveu está em sua memória, presente em cada frase que

pronuncia, em seu apartamento em Copacabana, nos objetos que preserva. Tudo lembra o

homem com quem viveu durante 41 anos.

Eles se conheceram na Confeitaria Colombo, onde sempre ia tomar o lanche da tarde,

comer doces ou simplesmente para ver Pompeu. Ela tinha 17 anos quando se encontraram

pela primeira vez no ano de 1949. Ele já era o editor do Diário Carioca e estava iniciando a

revolução nas técnicas jornalísticas. O sentimento foi mais forte do que as convenções sociais

e um ano depois estavam juntos. O casamento no civil aconteceu após a Lei do Divórcio, n°

6.515, de 26 de dezembro de 1977; e no religioso, depois que Pompeu ficou viúvo.

Othília Pompeu de Sousa lembra-se quando o marido, nos dias do carnaval de 1950,

produzia em casa o primeiro manual da imprensa brasileira – Regras de Redação do Diário

Carioca. Em sua pequena biblioteca no apartamento em Copacabana, guarda três exemplares,

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um deles doado para esta pesquisa. Ao lado do manual, estão discos, CDs e livros de

escritores admirados por Pompeu de Sousa. Um dos poetas que mais gostava era Manuel

Bandeira, com quem conviveu durante a juventude nas noites cariocas. Um dos versos que

sempre lia está no livro Itinerário de Pasárgada:

“Conversando a sós contigo Desfruto o prazer imenso De não pensar no que digo E de dizer o que penso E mais uma vez Afirmo Sem receio de que seja desmentido: - a maior felicidade É ser-se compreendido”.

Pompeu de Sousa era assim: dizia o que pensava, escrevia o que acreditava, mas

morreu sem ser compreendido. Depois de dedicar 55 anos de sua vida ao Jornalismo, e parte

deles ao ensino superior e ao mandato de senador constituinte, foi aposentado

compulsoriamente em 1991, pela Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília,

que ajudara a implantar em 1961, ao lado de Darcy Ribeiro. Ele tinha 77 anos, uma idade

considerada avançada demais para retornar às salas de aula.

A importância de suas ações para o Jornalismo Brasileiro começou na década de 50,

quando fez a reforma editorial no Diário Carioca, priorizando o texto informativo, ao

hierarquizar a importância das informações e ao eliminar dos textos as opiniões de seus

autores. Para esta reformulação, apoiou-se em dois eixos técnicos que transformaram o texto

do Jornalismo Brasileiro, adotado durante todo o século XX e ainda presente na imprensa

diária. Ele acabou com o nariz-de-cera, ao implantar a técnica do lide1, e definiu a atuação do

copidesque² nas redações.

Esta transformação resultou numa reforma gráfica no Diário Carioca, pela

preocupação com a apresentação da mensagem jornalística, com um novo formato, com

1 Na época se grafava lead, que foi aos poucos sendo incorporada a linguagem jornalístico, sendo aportuguesada para lide, segundo consta no dicionário Houaiss, como "linha ou parágrafo que apresenta os principais tópicos da matéria desenvolvida no texto jornalístico; cabeça; seção introdutória de uma reportagem". In: HOUAISS. Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa . Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, 1755 p. A grafia aportuguesada, lide, será a escolha adotada neste trabalho, excetuando-se as transcrições, mantidas fiéis à grafia originalmente usada. ² Na época se escrevia copy-desk, até que a palavra foi aportuguesada pelo uso constante, copidesque, tornando-se um chavão nas redações. Consta no dicionário Aurélio como sendo a “redação final de um texto com vistas à sua publicação; correção, aperfeiçoamento e adequação de um texto escrito às normas gramaticais, editoriais”. In: FERREIRA. Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa – 2a. edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986, 1838 p. Neste trabalho será utilizada a forma consagrada pelo uso no Brasil, copidesque, exceção feita às citações que permanecerão conforme o original.

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títulos diretos e objetivos, com a diagramação do texto e o uso da fotografia. Uma história de

vida recuperada nesta tese de Doutorado, cujo objetivo central foi o de traçar a trajetória de

Pompeu de Sousa na imprensa brasileira, ao mesmo tempo em que analisa a importância das

modificações realizadas por ele no Jornalismo. O trabalho traz à tona, para o conhecimento de

pesquisadores, estudiosos e profissionais da área, a vida do jornalista, suas realizações, seus

altos e baixos (VILAS BOAS, 2003, p.11).

A atuação de Pompeu de Sousa na chefia de redação, respaldado por dois jornalistas

que dirigiam o Diário Carioca – Danton Jobim, na direção do jornal, e Luís Paulistano, na

chefia de reportagem –, colocou os jornais brasileiros na era da modernidade, deixando de

lado o texto enfadonho, panfletário e repleto de nariz-de-cera, para uma linguagem mais

dinâmica, concisa, objetiva e informativa. O Diário Carioca é considerado pelos historiadores

da área como um jornal inovador por ter sido o primeiro veículo brasileiro a usar a técnica do

lide, o primeiro a contar com uma equipe de copidesque e a desempenhar papel de formador

de novos quadros na imprensa (ABREU, 1996, p.15).

Essa reforma completa e ousada na apresentação da notícia passou a ser copiada pelos

demais veículos de comunicação do país, num movimento contínuo que marcou uma fase de

transição da imprensa. Uma mudança que se espelhou na atuação da imprensa norte-

americana (LINS DA SILVA, 1991), estabelecendo novos parâmetros textuais para quem

escrevia nos jornais daquela época. No final da metade do século XX, a imprensa brasileira

viveu uma ampla reformulação. Passou da imprensa artesanal à imprensa industrial (SODRÉ,

1983, 391) e estabeleceu novos traçados para seu desenvolvimento. Porém, esse processo não

esteve ligado apenas aos equipamentos introduzidos nas redações dos jornais, agilizando a

impressão dos periódicos, por exemplo. Essas modificações aconteceram porque homens da

imprensa passaram a ter uma nova visão sobre o fazer jornalístico.

Nesse cenário está Pompeu de Sousa que iniciou um trabalho diferenciado já nos

primeiros anos de sua vida como jornalista. Traçar historicamente a sua trajetória, esquecida

no passado, trazendo-a para o tempo presente, permite que sua memória preencha um capítulo

da história sobre a imprensa.

Pela amplitude da influência de Pompeu sobre o mundo da Comunicação, fio condutor

deste trabalho científico, foi possível mapear o momento da transformação da linguagem

jornalística na imprensa brasileira e analisar sua atuação como o jornalista que inovou

também no ensino universitário, voltado para o mercado. Para transformar a linguagem

jornalística, Pompeu de Sousa adotou um style book - um folheto de 16 páginas, que se tornou

referência nacional pelas regras que foram estabelecidas e até hoje são referências básicas

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para a produção de um texto informativo, para a produção da notícia.

Desta forma, estão estabelecidas as fronteiras que delimitaram as ações do jornalista

Pompeu de Sousa com sua contribuição às modificações sofridas pelo Jornalismo Brasileiro

nos anos 50, no momento histórico da expansão dos meios de comunicação de massa no

Brasil. Uma história de vida a ser conhecida com este trabalho. Um território que tem espaço

no meio acadêmico, pelo esforço de se produzir conhecimento sobre o desenvolvimento do

Jornalismo no Brasil, com ênfase nos personagens que participaram de forma ativa na

constituição de novos paradigmas comunicacionais, já que esta produção se insere num

quadro maior, que procura resgatar a memória do Jornalismo Brasileiro.

Um projeto iniciado em 1992, pelo professor José Marques de Melo para analisar

comparativamente os processos jornalísticos e “verificar como os modos de produção da

notícia e dos seus comentários fluem dos centros metropolitanos internacionais para o Brasil e

como internamente os padrões difundidos são assimilados, adaptados e reproduzidos"

(MARQUES DE MELO, 2003, p. 9).

Nos anos 50, no pós-guerra, o Jornalismo buscava adquirir uma identidade própria,

“uma fisionomia singular, que se manifesta nos gêneros cultivados pelos seus produtores, mas

que transparece ainda na forma de organização do trabalho dos jornalistas dentro das

empresas” (MARQUES DE MELO, 1992, p.25), uma situação histórica que levou o professor

a definir um projeto para construir essa identidade, numa ação única para recuperar da história

eventos que possam explicar a prática jornalística contemporânea.

Com essa preocupação, as linhas do projeto elaborado por Marques de Melo foram

publicadas no Anuário Brasileiro da Pesquisa em Jornalismo, pela ECA/USP, visando

estabelecer o cenário do desenvolvimento da imprensa no Brasil, através de resgate e estudos

biográficos, num esforço acadêmico para se reconstituir a memória da imprensa. Este

Doutorado é uma das fatias desse empreendimento científico, que busca analisar as “histórias

de vida de personalidades para verificar a contribuição para a configuração dos processos

informativos dominantes em cada época” (MARQUES DE MELO, 2003, p.26). O resultado

imediato é o de preservar a memória da própria imprensa e desvendar para pesquisadores e

estudiosos da área os bastidores das transformações ocorridas no Jornalismo e na história do

ensino em Comunicação no Brasil.

Pompeu de Sousa foi um dos homens que se rendeu às técnicas da imprensa norte-

americana e, como profissional, se destacou em três fases importantes na história. Em 1950,

foi o reformulador das técnicas jornalísticas, tendo como instrumento de aplicação, de

experimentação, o Diário Carioca. Em 1960, envolvido pelo ritmo da expansão capitalista do

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governo Juscelino Kubitschek, partiu para Brasília onde ajudou a fundar a Universidade de

Brasília2, “resultado da intelectualidade brasileira projetando sua vivência pessoal”

(ALENCAR, 1975, p. 271). E, por último, na década de 80, como senador constituinte que

defendeu a liberdade da imprensa.

1.1 Metodologia

Ao mergulhar nos bastidores desta história, entendemos não apenas o indivíduo, mas

também suas interfaces, suas relações políticas e sociais para, assim, rever parte de nossa

cultura social, ampliando as informações que sustentam o universo do Jornalismo. A

importância desta pesquisa está na restauração das ações e realizações de Pompeu de Sousa,

ao narrar os eventos que participou para poder compreender o universo de sua vida e como

influenciou a prática jornalística no Brasil.

Uma metodologia que normalmente não recebe da academia brasileira a mesma

atenção que nos Estados Unidos. Enquanto há falta de prestígio para a história de vida no

âmbito científico no Brasil, por não apresentar dados convencionais da ciência social

(HAGUETTE, 2001), os norte-americanos a utilizam como principal instrumento de pesquisa.

A origem da produção biográfica está nas obras gregas que retratavam a vida de seus heróis,

como uma reverência aos grandes indivíduos inicialmente apresentados em mármores e

bronzes e, depois, perpetuados em livros, como A Ilíada e a Odisséia, réplicas de histórias

das vidas dos heróis gregos. Um gênero literário que se expandiu e se consagrou aos poucos

na história.

A palavra biografia foi usada pela primeira vez pelo historiógrafo real John Dryden,

em 1683, na introdução inglesa de Plutarco. Depois, o reconhecimento da importância em

realizar uma biografia veio dos alemães em 1709, seguidos pela academia francesa a partir de

2 A iniciativa de Darcy Ribeiro em fundar a Universidade de Brasília é apontada por José Marques de Melo como “um fator decisivo para criar no Planalto Central um pólo intelectual arrojado e inovador”. A organização da Faculdade de Comunicação de Massa coube a Pompeu de Sousa “amadurecido pela experiência profissional no país e no exterior (...) com um perfil consentâneo com a modernidade globalizante, ou seja, inspirado no modelo midiático emergente testado pela Universidade de Stanford (EUA)” In: MARQUES DE MELO, José. História do Pensamento Comunicacional São Paulo: Paulus, 2003c. p. 260-262. O curso de Comunicação Social é entendido por seus autores como uma faculdade profissionalizante, preparando o aluno para o mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que se respeita a diversidade de conhecimento da área. Na estrutura acadêmica, foi pensada no campo das Letras e das Artes, prevendo que “a formação profissional destes especialistas deve ser feita em curso de Comunicação Social cujo ensino prático seja proporcionado pelos órgãos complementares da universidade, como a editora e o Centro de Teledifusão”. In: RIBEIRO, Darcy. A Universidade Necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1975. 213 p.

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1762. Até 1975, a maioria dos pesquisadores biográficos americanos estava ligada

exclusivamente às universidades (VILA BOAS, 2002, p.27), uma realidade que se ampliou

gradativamente em outros centros de pesquisas pela importância que este tipo de trabalho vem

alcançando. Tornou-se, nos dias de hoje, uma prática principalmente de jornalistas que se

debruçam para definir, na linha do tempo, o trabalho de seus biografados. Essa tendência, que

se mostra híbrida, em fase de consolidação no meio científico brasileiro, representa um

método de pesquisa em busca de espaços que a reconheçam e compreendam a relação estreita

entre a história de vida e o contexto social em que está inserido o personagem.

No Brasil, o trabalho biográfico foi realizado inicialmente por Simão de Vasconcelos

que escreveu a vida dos padres João de Almeida e José de Anchieta, sem despertar interesse

dos leitores pelo conteúdo árido e repleto de fábulas e crendices populares. No século XIX

voltou a ser produzido pelo Conselheiro Pereira da Silva, também sem a devida valorização,

porém foi uma linha que se fortaleceu em direção à biografia política. Este Doutorado mostra

uma fatia dos acontecimentos de uma época, retratando-o de forma isenta, ao mesmo tempo

em que mantém um diálogo entre o passado e o presente, mesclando a descrição dos eventos e

sua contextualização.

Para isso, dois pontos metodológicos fundamentais sustentam este projeto que tem

como vértice a biografia de Pompeu de Sousa. Em primeiro lugar está o campo da

Comunicação, especificamente o Jornalismo, com ênfase para a Escola Latino-Americana

(MARQUES DE MELO, 2003c, p.48), teoria defendida em pesquisas científicas que a

referendam e a legitimam no espaço acadêmico.

“Não obstante ocupe um lugar privilegiado nas universidades latino-americanas em que existem estudos regulares de Comunicação, ao nível de graduação ou pós-graduação, a Escola Latino-Americana ainda não conquistou a hegemonia. O processo de sua difusão se faz lentamente, enfrentando barreiras do modismo teórico ou o preconceito de quantos seguem valorizando exclusivamente as metodologias que trazem o selo dos países metropolitanos” (MARQUES DE MELO, 1999, p.23).

Um cenário que vem se modificando aos poucos, com projetos de pesquisa que

reconhecem a teoria latino-americana, pensando questões próprias à realidade que envolve os

processos comunicacionais, no caso, brasileiro. Um cenário propiciado, principalmente, pela

criação do Ciespal, com apoio da Unesco, para incentivar o desenvolvimento dos países

latino-americanos. “O Ciespal exerceu papel preponderante na conformação de nosso campo

acadêmico” (MEDITISCH, 1999, p.129), possibilitando a consolidação de um novo status

para a Comunicação nas instituições de ensino. Nasce, assim, uma visão singular para as

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investigações científicas, com metodologias específicas que valorizam o conhecimento

produzido por pesquisadores da América Latina.

Dentro dessa perspectiva metodológica está o resgate da memória de personagens

importantes para a História da Comunicação na América Latina, propiciando a criação do

Acervo do Pensamento Comunicacional Latino-Americano, com o apoio da Cátedra Unesco

de Comunicação, instalada em 1996, na Universidade Metodista de São Paulo (MARQUES

DE MELO, 2001, p.17).

“As ciências da comunicação na América Latina, particularmente no Brasil, ganham cada vez mais reconhecimento internacional pela sua inovatividade e criatividade. Isso vem propiciando um colóquio em igualdade de condições acadêmicas com os nossos colegas de países que possuem maior tradição no campo. Trata-se agora de difundir esse espírito em nossas universidades” (MARQUES DE MELO, 1997, 21).

A perspectiva básica dessas pesquisas é levar em conta as singularidades da América

Latina, sua condição histórica, política, econômica e social que a distingue de outros

continentes, tendo como ponto de partida os conhecimentos paradigmáticos herdados de

correntes teóricas norte-americana e européia.

“Mostra-se evidente a hegemonia européia sobre o nosso embrionário pensamento comunicacional até a primeira metade do Século XX. No período pós-guerra, cresce a influência norte-americana. Ela reduz, mas não elimina o fascínio que as nossas elites intelectuais sempre demonstraram pelas idéias oriundas de metrópoles como Paris, Roma, Londres ou Berlim” (MARQUES DE MELO, 2003c, p.134).

Um espaço que vai se modificando aos poucos com as pesquisas realizadas por

cientistas latino-americanos, com atenção voltada especialmente para a realidade de seus

países.

“Os pesquisadores ensaiam pouco a pouco caminhos alternativos para superar a dependência (teórica e metodológica) a que se achavam submetidos. Imersos numa cultura marcada pela mestiçagem, não hesitam em praticar o sincretismo metodológico, combinando procedimentos herdados das Escolas de Chicago, Paris, Moscou, Roma ou Frankfurt” (MARQUES DE MELO, 1998, p.131).

Desta forma, o parâmetro metodológico leva em consideração que a iniciativa se

insere no campo que busca a consolidação das pesquisas fundamentadas na Escola Latino-

Americana, num esforço que visa contribuir para o crescimento dessa raiz teórica. Para este

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suporte teórico é preciso referendar os estudos relacionados ao Jornalismo Brasileiro

(MARQUES DE MELO, 2003), já que este trabalho resgata a trajetória de um jornalista com

papel fundamental nas transformações vividas pela imprensa na década de 50, com marcantes

influências no ensino e na prática jornalística, tendo como pressuposto a técnica norte-

americana.

A finalidade é

“entender igualmente as diferenças do Jornalismo peculiar a determinadas conjunturas brasileiras em relação às estruturas predominantes em países latino-americanos ou naquelas sociedades de expressão cultural portuguesa, cotejando-as com parâmetros hegemônicos no mercado internacional” (MARQUES DE MELO, 2003, p.09).

Uma perspectiva descrita nesta tese, pela posição de Pompeu de Sousa ao adotar os

princípios dos Estados Unidos para a imprensa brasileira. Isso, levando em consideração que

os norte-americanos definem Jornalismo como utilidade pública, com informações de

interesse público, tendo como pressuposto a teoria funcionalista (MARQUES DE MELO,

2003a, p.27), o que explica a utilização dos jornais diários como instrumentos de atualização

do conhecimento diário para o cidadão comum. “A instituição jornalística assume o papel de

observadora atenta da realidade, cabendo ao jornalista proceder como vigia, registrando os

fatos, os acontecimentos e informando-os à sociedade” (MARQUES DE MELO, 2003, p.29).

Esse suporte teórico tem sintonia com a História, segundo eixo metodológico, para

entender as ligações do passado e do presente e interpretar todo o contexto social ao descrever

o cenário nacional que marcou as modificações e o desenvolvimento do Jornalismo, “numa

ação articulada de modo a registrar sistematicamente a história imediata do Jornalismo

praticado no Brasil” (MARQUES DE MELO, 2003, p.13), para entender o processo de

assimilação do modelo norte-americano à tradição brasileira, através da construção de uma

história de vida.

“Para compreender as características fundamentais de certos problemas históricos, é necessário observar e analisar a paisagem atual, porque só ela dá as perspectivas de conjunto, das quais deveríamos partir para nosso estudo. As ligações profundas do passado e do presente exigem a eterna busca e compreensão da mudança, pois a História é a ciência da mudança” (RODRIGUES, 1969, p.36).

O recurso à metodologia histórica é importante por reunir os dados do passado que

possam explicar as ações do presente, num diálogo constante entre as duas temporalidades,

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permeando os sentidos objetivos e subjetivos existentes no processo da investigação e que

vêm à tona no momento de apresentar os acontecimentos recuperados desse processo até

então oculto. A história serve para aclamar o sentido do presente, oferecendo material para

entendermos a realidade. Para isso, a opção é pela chamada História Pragmática3

“pela fidelidade do método e pela pesquisa dos motivos que (se) observa entre os acontecimentos, assim como pelo raciocínio severo e imparcial das questões políticas, (...) seja ele (o acontecimento) reconhecido como útil por aqueles que desejam conseguir um claro conhecimento dos sucessos passados e, graças a ele, compreender bem aqueles processos que, segundo curso das coisas humanas, possam repetir-se no futuro do mesmo modo ou de modo semelhante” (RODRIGUES, 1969, p.48).

Por esta linha de raciocínio, a História ensina e edifica; valoriza os aspectos sociais,

para compreender os motivos, os pensamentos e os fins destes acontecimentos sociais. Com

este modelo, o projeto de pesquisa irá recuperar não apenas os eventos que marcaram a vida

de Pompeu de Sousa, mas ajudará a compreender as ações humanas no campo da filosofia e

da historiografia, com ênfase no historicismo que procura abordar toda a vida histórica.

“O historicismo não é só uma concepção do mundo, uma teoria do conhecimento filosófico, uma historização da vida. Significa que a vida é história (não historiografia) e não natureza, e só conhecemos através da História (passado e vida presente). (...) O historicismo procura estudar o mundo próprio da História, isto é, a estrutura íntima das operações e transformações das nações no tempo” (RODRIGUES, 1969, p.82).

Assim, é necessário levar em conta que a História é eterna mudança: pressupõe

transformações, evoluções, num curso contínuo, sem paradas nem retornos. É uma ciência

que segue em frente e faz amarrações entre os fatos, entre o tempo passado e o tempo

presente, entre o individual e o coletivo, entre o espaço privado e o espaço público.

Concepções que nortearam a vida de personagens importantes para a História, como a de

Pompeu de Sousa, pela singularidade de suas ações no mundo da Comunicação Social.

“Nenhum fato ou ato histórico existe isolado; eles aparecem sempre no

3 A definição é dada por José Honório Rodrigues, que recupera três linhas diferenciadas para o desenvolvimento da idéia de História, a narrativa, a pragmática e a genética. A narrativa é a descrição mais antiga e procura registrar os acontecimentos, a exemplo das narrativas de Heródoto, considerado pai da História. A genética, desenvolvida na Alemanha, no Século XIX, tem ligação com as ciências naturais e sofre a influência do Positivismo. Rompe com a evolução do pensamento histórico e reduz a pesquisa à colheita dos fatos para estabelecer as relações de causa e efeito, num mundo esquematizado com idéias gerais empiricamente fundamentadas. In: RODRIGUES, José Honório. Teoria e História do Brasil – introdução metodológica. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1969. 494 p.

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conjunto do processo histórico. Podem ser vistos e examinados isoladamente, mas funcionam em relações estruturadas, articulam-se com todos os componentes da realidade, conformam-se ao todo do sistema real” (RODRIGUES, 1969, 31).

Estas relações serão conhecidas no decorrer destas páginas. Uma operação complexa

que priorizou a análise de documentos que ajudaram na reconstrução desta história de vida

por trabalhar com dados que reconstruíram a atividade jornalística a partir da atividade

humana. A narrativa biográfica pressupõe, como José Honório Rodriguez aponta, uma

construção de crenças, sentimentos, decisões, erros e virtudes do biografado, mas também

reflete uma limitação pela própria dificuldade em compreender todo o universo em que o

biografado está inserido, próprio do método da História Social.

“Quando o biografado chefiou homens, dominou, esteve a serviço do poder ou contra ele lutou, influiu pela sedução de sua conduta e de suas idéias sobre a história de sua época, então estamos diante de um fato não só biográfico, mas também histórico, cuja descrição ajuda a compreender o curso histórico, dentro, naturalmente, das condições restritivas da unilateralidade e do fato de tratar-se de um objeto finito, porque tudo é feito em torno da pessoa” (RODRIGUES, 1969, p.147).

A biografia tem o caráter da retrospectiva, com uma avaliação crítica dos

acontecimentos narrados, sem o tributo ou a predominância dos fatos oficiais.

“A biografia é uma das mais difíceis tarefas. Estabelecer a relação entre a personalidade e o mundo que o rodeia, dizer o que aquela deve a este e este àquela, sem atenuar, sem maliciar, como queria Shakespeare, pressupõe grandes qualidades. Talvez se possa dizer que na biografia, mais que em qualquer outro campo da historiografia, o conhecimento histórico se aproxima muito da arte. E talvez em razão dos elementos artísticos ou estéticos que contém, porque apela para a imaginação e torna o passado mais concreto, mais real e mais vivido, a biografia é mais lida que a própria história, porque humaniza o passado e enriquece a experiência do presente...” (RODRIGUES, 1969, p.209).

Para a realização desta pesquisa, levando em conta a visão de Pompeu de Sousa sobre

Jornalismo, foram analisados documentos pessoais, documentos oficiais – publicados no

Senado Federal, pela imprensa oficial – reportagens, artigos e entrevistas, depoimentos de

familiares, amigos e profissionais que trabalharam com ele e ajudaram na construção de sua

trajetória. Esta busca permitiu a construção de uma parte da história da sociedade brasileira,

tendo a vida de Pompeu de Sousa como foco desse universo, numa tentativa de interpretação

sociológica, seguindo “os símbolos, os valores em vigor entre os que a viveram, um conjunto

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de fatos como expressão de uma época” (FREYRE, 1959, p.31), valores que definiram o

passado que se quer compreender, reconstituir, utilizando métodos qualitativos e

quantitativos.

Um fenômeno que auxiliou no procedimento de “identificar a correspondência entre

um fato social determinado e as condições necessárias de existência dentro do organismo

social, ao qual pertence” (MARQUES DE MELO, 2003b, p.28). Ou seja, identificar o

momento da transição da imprensa brasileira, a partir da biografia de Pompeu de Sousa,

dentro do processo de redemocratização e modernização do país, no período posterior a

Segunda Guerra Mundial.

Para esta construção, houve o respaldo do método da História Oral4 que utiliza a

técnica da entrevista, como forma de produzir conhecimento (FREITAS, 2002, 18), ao

recuperar lembranças de amigos, familiares e conhecidos que conviveram com o jornalista.

“A História Oral se descobre um processo de socialização de uma visão do passado, presente e futuro que as camadas populares desenvolvem de forma consciente/inconsciente (...) a capacidade de falar, de comunicar idéias é elemento determinante dessa historicidade” (MONTENEGRO, 1994, p.40).

O privilégio dessa capacidade é a de “narrar uma história, um fato, uma experiência ou

mesmo um sentimento”, condição associada à

“descrição dos detalhes, dos elementos que são projetados de forma tão viva e rica que se assemelha a um quadro, que vai sendo redesenhado às nossas vistas (...) à capacidade de recuperar o lado imaginário do que era vivenciado individual e coletivamente em relação ao acontecimento narrado” (MONTENEGRO, 1994, p.152).

Sônia Maria Freitas reconhece que a História Oral, enquanto método, recebe críticas

de pesquisadores pela “falibilidade das fontes orais” (2002, p.35), legitimando apenas as

construções históricas concentradas em documentos oficiais, uma tradição historiográfica do

século XIX. Para a autora, essa resistência existe pelo desconhecimento da academia

4 Em 1888, Fustel de Coulanges, na obra La Monarchie Franque, defendeu a tese de que a oralidade deveria ser considerada como fonte para regaste dos acontecimentos.. Porém, a sua maior contribuição foi no movimento coordenado por Marc Bloch e Lucien Febvre, em 1929, com a revista Annales, sendo mais tarde conhecidos como O Grupo dos Annales. Estes historiadores falavam da necessidade de se alterar a metodologia histórica, reconhecendo que todas as atividades humanas são histórias a serem reveladas, e não apenas a história política, por isso deveria contar com a colaboração de outras áreas do conhecimento. Com esse debate, a historiografia passou a reconhecer a história do cotidiano, a história econômica como procedimentos historiográficos, assim como a utilização da tradição oral e vestígios arqueológicos como novas fontes historiográficas. In: FREITAS, Sônia Maria. História Oral – possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas FFLCH/USP e Imprensa Oficial. 2002, p. 39-43.

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brasileira sobre a sofisticação teórica e diversidade temática existente nos Estados Unidos e na

Inglaterra. “A partir dessas experiências, a História Oral atingiu um nível de credibilidade nos

meios acadêmicos, tornando-se um campo de estudo com suas associações e revistas próprias,

de caráter inclusive internacional e multidisciplinar” (FREITAS, 2002, p.38).

Levando-se em consideração que a história oral limita-se pela parcialidade com que os

fatos são lembrados, mas sem deixar de seguir o caminho da História Oral, foi elaborado um

roteiro para a coleta dos depoimentos, com entrevistas planejadas e semi-estruturadas, porém

transformadas num diálogo (MEDINA, 2001) pela flexibilidade para se conseguir as

informações que ajudaram a traçar os passos do biografado5.

“A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas destes também recolher tradições e mitos (...). A história de vida constitui uma espécie de outras formas de informação, também captada oralmente, dada a sua especificidade, pode também encontrar um símile em documentação escrita. Assemelham-se às histórias de vida as entrevistas, os depoimentos pessoais, as autobiografias, as biografias; fornecem todas elas material para a pesquisa sociológica” (QUEIROZ, 1983, p.6).

A metodologia desta tese se enquadra na pesquisa qualitativa, por representar um

trabalho que se debruçou sobre a investigação para identificar a realidade social. Uma

metodologia que pode ser considerada um avanço, já que a tradição da pesquisa científica

condenava a pesquisa qualitativa, acusando-a de ser impressionista, não objetiva e não

científica (MOREIRA, 2002, p. 152).

“Os dados coletados nas pesquisas qualitativas são predominantemente descritivos. O material obtido nessas investigações é rico em relatos de pessoas, em situações e acontecimentos, incluindo transcrições de entrevistas e de depoimentos, além de fotografias, desenhos e vários outros tipos de documentos” (DENCKER & VIÁ, 2001, p.186).

O trabalho mantém ainda um olhar na estrutura sociológica para entender o contexto

social do qual estava inserido Pompeu de Sousa, tendo como base a necessidade de entender o

momento vivido, seu cotidiano, para esclarecer os fenômenos que o levaram a transformar o

Jornalismo Brasileiro, para que possamos ter a elucidação da realidade. O método que permite

essa abrangência é o qualitativo, pela abordagem sistemática para descrever a experiência de

vida do jornalista, ao mesmo tempo em que lhe dá significado diante do mundo científico.

Isso, porque, é a partir do conhecimento adquirido sobre as ações de Pompeu que se pode

5 Todas as entrevistas foram gravadas, transcritas e estão em anexo, na íntegra, para a avaliação da banca.

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descrever sua experiência e entender as razões de suas ações, de suas decisões e posturas que

adotou, tornando-o uma referência no mundo da Comunicação.

Com isso, os sentidos de seu cotidiano se materializam, pois revelam o movimento da

sociedade, no caso o movimento que levou às transformações do Jornalismo, sempre tendo

como apoio a história. Para garantir a cientificidade deste método, a busca pela informação

histórica foi sistemática, organizada e racionalmente analisada, um trabalho metódico para a

interpretação dos dados coletados, com ênfase para os procedimentos etnográficos, visto a

realização de entrevistas semi-estruturadas e de profundidade, próprias da pesquisa sobre

história de vida (MOREIRA, 2002). Com esse método, a pesquisa esteve respaldada na vida

cotidiana, procurando entender Pompeu de Sousa a partir de suas realizações como jornalista,

dando sentido a elas a partir da descrição dos acontecimentos e com a interpretação de seus

discursos, das idéias que defendeu e dos atos que praticou. “É o estudo da experiência vivida

de cada um e a experiência humana estriba-se nos sentidos, interpretações, atividades e

interações das pessoas” (MOREIRA, 2002, p. 46).

Desta forma, esta tese apresenta a trajetória do jornalista Pompeu de Sousa em cinco

capítulos. Os três primeiros têm como cenário principal o Rio de Janeiro, onde iniciou sua

carreira profissional ao lado de personagens importantes da história da imprensa, como

Danton Jobim, Nelson Rodrigues, Carlos Lacerda. Na imprensa carioca fez história como o

profissional que transformou o Jornalismo Brasileiro. Os dois últimos capítulos focam sua

atuação como o jornalista que se envolveu na política partidária, defendeu princípios

constitucionais e participou de movimentos da esquerda contra a ditadura militar, atuações

que desenvolveu em Brasília.

No primeiro capítulo está a contextualização histórica da época, para mostrar as

mudanças que aconteceram no Brasil entre as décadas de 40 e 50, período marcado pela

Segunda Guerra Mundial, e os reflexos na imprensa brasileira, influenciada pelo processo de

industrialização. Uma fase em que os jornais passaram por intensas reformulações, gráficas e

editoriais, como o Diário Carioca tendo como protagonista desta história Roberto Pompeu de

Sousa Brasil, ao estabelecer parâmetros técnicos para a linguagem jornalística. Uma ação que

não se dá isolada, mas com o respaldo de Danton Jobim, diretor do DC, e com o

envolvimento de Luis Paulistano, chefe de redação. É o momento em que a imprensa tem o

contato com a padronização do texto, que deixa de ser adjetivado para priorizar a informação

de forma clara, concisa, concatenada, objetiva, seguindo a tendência norte-americana para se

fazer Jornalismo. Este capítulo apresenta os profissionais da imprensa brasileira, que

pensavam o Jornalismo nosso de cada dia e os acontecimentos nacionais, ao mesmo tempo em

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que são identificados os personagens que atuaram como coadjuvantes neste cenário de

modificações dos padrões para o fazer Jornalismo antes e depois de Pompeu de Sousa.

Ressalta ainda a importância do DC e as ações do governo Getúlio Vargas que se aproximou

dos Estados Unidos, por interesses econômicos, e acabou por assinar um convênio de

cooperação envolvendo os dois países, respaldado pelo Office for Coordinaton of Commercial

and Cultural Relations between the American Republics. Uma decisão de governo que refletiu

nos costumes brasileiros. Pompeu de Sousa foi um dos jornalistas a se integrar a este

intercâmbio cultural, a partir de um convite recebido pelo DIP – Departamento de Imprensa e

Propaganda. Ele permaneceu nos EUA durante 22 meses.

A vida de Pompeu de Sousa, no segundo capítulo, mostra os passos dados por ele na

vida profissional como jornalista, sua apreciação pela literatura e pela música. Recupera

memórias de sua esposa Othília Pompeu de Sousa sobre as ações que teve na imprensa

brasileira. Pompeu começou a trabalhar em O Jornal, em 1939, mas afastou-se porque não

concordava com a linha editorial do periódico, oportunidade para que fosse contratado pelo

Diário Carioca, em 1940, e iniciasse a edição da coluna Guerra Dia a Dia. Neste período, ele

vai para os Estados Unidos e trabalha nas rádios NBC (National Broadcasting Company) e

CBS (Columbia Broadcasting System) e produz programas que eram retransmitidos para o

Brasil. Durante o intercâmbio, começou a comparar o Jornalismo praticado pelos norte-

americanos e, ao retornar, iniciou as modificações na linguagem utilizada pelos brasileiros,

oportunidade para fazer a transformação do Jornalismo Brasileiro. O cenário da hegemonia

americana foi fonte da inspiração jornalística para Pompeu.

O terceiro capítulo relata sua ascensão no Jornalismo carioca, com os primeiros

momentos de sua vida acadêmica, iniciada na Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e

Letras, ligada à Universidade do Brasil, como professor de Técnicas do Jornal e do Periódico,

ao lado de Danton Jobim. Foi o processo acadêmico que o levou a sistematizar seu

conhecimento na área jornalísticas, para que pudesse ensinar Jornalismo. A reforma que

realizou no Diário Carioca, com a introdução do lide e do copidesque, a partir da produção

do primeiro manual de redação da imprensa brasileira – Regras de Redação do Diário

Carioca –, é recuperada neste capítulo, assim como o impacto que causou, as mudanças

internas na redação do jornal, a transição da imprensa tendo em vista o processo de

industrialização. Além do papel de Pompeu de Sousa como jornalista, há sua performance

como político, que começa a ser desvendada em posturas políticas que adota à frente da

direção do DC. A mais contundente deixou-lhe uma marca histórica, como um dos

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responsáveis pelo suicido de Getúlio Vargas, pela pressão que fez ao participar da

investigação, ao lado dos militares da Força Aérea Brasileira, sobre o crime na rua Toneleros.

Sempre voltado para o novo, o moderno, Pompeu de Sousa não hesitou em apoiar

Juscelino Kubitscheck na construção de Brasília. Envolveu-se de corpo e alma na

transferência da capital brasileira e, com problemas editoriais no Diário Carioca, também se

transferiu definitivamente para o Distrito Federal, onde começou uma nova vida. Este é o

cenário do quarto capítulo desta tese, que acompanha o giro dado por Pompeu na região

central do país. Sua última cartada jornalística no DC foi contra o presidente Jânio Quadros, a

quem criticava diariamente em sua coluna Bilhetinhos a Jânio. Em Brasília, iniciou um novo

projeto, desta vez voltado para o ensino superior, ao participar da fundação da Universidade

de Brasília, ao lado de Darcy Ribeiro. Sempre inovador, implantou a primeira Faculdade de

Comunicação de Massa, com currículo específico para os cursos de Jornalismo, Tevê, Rádio e

Cinema e Publicidade e Propaganda. Um projeto que não foi concluído por causa do golpe

militar de 1964, quando Pompeu foi cassado, junto com outros 15 professores, o que gerou

uma crise na universidade. Pompeu foi secretário de Imprensa do primeiro-ministro Tancredo

Neves e integrou o Conselho Superior de Censura, como representante da ABI, e foi

integrante da bancada anticensura.

O quinto capítulo mostra os últimos anos de vida de Pompeu, que voltou às redações,

depois de ter sido cassado pelo regime militar e demitido da Universidade de Brasília, em

1961. Ele transitou entre Rio de Janeiro e São Paulo, com projetos alternativos, até fixar-se na

Editora Abril e tornar-se diretor da sucursal da revista Veja, que ajudou a implantar com

Mino Carta. Como editor da Veja tornou-se uma referência política importante em Brasília,

vivendo sob a égide da ditadura. Integrou o Cebrade - Centro Brasil Democrático, o Comitê

Brasileiro pela Anistia, a ABI – Associação Brasileira de Imprensa, ajudou a democratizar o

Sindicato dos Jornalistas, com a eleição de Carlos Castello Branco, ajudou jornalistas

perseguidos pelos militares e foi preso, por uma noite, por causa da capa da edição número 05

da revista Veja, de 18 de dezembro de 1968, logo após a publicação do AI-5, que mostrava o

ministro de Guerra do governo Castelo Branco e futuro presidente da República, Costa e

Silva, na Câmara dos Deputados, com o plenário vazio.

Quando deixou a Veja, em 1978, voltou-se inteiramente para a política, primeiro como

secretário de Educação e Cultura do governo de José Aparecido, depois como senador da

República, um curto mandato de quatro anos que deixou, porém, novamente sua marca de

ousadia, renovação das idéias e defesa de seus ideais: o artigo constitucional que estabelece o

direito de liberdade da imprensa.

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2 CAPÍTULO I – A IMPRENSA NO BRASIL

Na década de 50, o Brasil sentia as profundas transformações econômicas e políticas

no mundo. Partiu para a industrialização, solidificou o processo democrático e, ao mesmo

tempo, desenvolveu a indústria cultural. Foi uma década frutífera, com a presença de

intelectuais que pensavam, discutiam e apresentavam propostas políticas e econômicas para o

país. Obviamente a imprensa não poderia fugir deste movimento, utilizando os espaços

jornalísticos para os debates e propondo mudanças para o próprio sistema de funcionamento.

“Foram tempos do ISEB (1955)6, tempos de ESG (1948), ambas instituições voltadas para a formulação de projetos de desenvolvimento para o Brasil. Foram tempos de renovação do pensamento católico, com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB (1952), grande responsável pela orientação nas questões político-sociais. Foi uma década de concretizações de muitas idéias e projetos elaborados durante ou após a guerra, de realizações nos campos político, econômico, social e cultural. Período do funcionamento do regime democrático, o que evidentemente permitiu a livre expressão de idéias e o desabrochar da criatividade em todas as áreas do conhecimento” (ABREU, 1996, p.14).

Os anos 50 foram de transformação para eliminar os empecilhos ao crescimento da

produção e acumulação de riqueza para melhoria da qualidade de vida no Brasil: momento em

que se buscava a construção do novo – na cultura, nas artes plásticas e na poesia, no teatro e

na música. Foram os anos que abriram as portas para a modernidade.

“A imprensa, antes dos anos 50, dependia dos favores do Estado, dos pequenos anúncios populares ou domésticos – os classificados – e da publicidade das lojas comerciais. Foi exatamente a partir daí, no segundo governo Vargas (1950 - 1954), que o processo de industrialização do país se

6 O ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros – influenciou a sociedade brasileira nas décadas de 50 e 60, sendo o responsável pela formulação e divulgação das ideologias nacional-desenvolvimentista, subordinado ao Ministério da Educação e Cultura, com “autonomia e plena liberdade de pesquisa, de opinião e de cátedra. (...) Os isebianos, ao proclamarem a ideologia nacional-desenvolvimentista como a ideologia de toda a nação e endossaram - durante certo período – os padrões de desenvolvimento que se realizavam no país, não deixavam de se mover dentro dos quadros de pensamento da classe hegemônica (burguesia industrial, ainda que sob o controle do capital estrangeiro). Pode-se reconhecer – através das formulações (ou, mais propriamente, das intenções) de certos isebianos – que havia firme convicção no sentido de se realizar um desenvolvimento capitalista em bases estritamente autonomistas. Para tanto, julgava-se que significativas parcelas da burguesia industrial eram movidas por interesses nacionais autóctones. À ideologia, a ser forjada, caberia a função de esclarecer e de organizar tais setores (torná-los classes dirigentes) e convencer outras frações da classe dominante acerca de seus interesses objetivos para a efetivação de uma prática econômica e política mais racional e lúcida. Daí, criaram os isebianos a viabilidade e a necessidade histórica da ideologia nacional-desenvolvimentista”. In: TOLEDO, Caio Navarro. ISEB – Fábrica de ideologias. São Paulo: Ed. Da Unicamp, 1997. 197 p.

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tornou mais visível e, no governo Juscelino Kubitschek (1956-1960), mais acelerado e irreversível” (ABREU, 2002, p.09).

O Brasil de 1950, com 50 milhões de habitantes, iniciou um processo de

enriquecimento após a Segunda Guerra Mundial.

“Devemos ao imperialismo dos Estados Unidos a importação do capitalismo entre nós, não como idéia, ou até prática, porque existia em ambas as formas, embrionariamente, desde o Século XIX (...) a contribuição dos Estados Unidos foi a mística do acesso às benesses da produção em massa e a proposição de que esse acesso poderia ser geral, popular, que nós, pelo que Hollywood nos transmitiu poderíamos ser iguais às inúmeras cinderelas daquele país” (FRANCIS, 1985, p.83).

Em sua análise, Paulo Francis concluiu que o capitalismo entrou no Brasil de

forma clássica, importando barato e exportando caro. Em 1964, o Brasil contava com 78

milhões de habitantes.

“Nos anos 60 ninguém mais reconhecia as cidades brasileiras de 1945, não só pelo aumento populacional, como no que refletiam da expansão das forças produtivas do país” (FRANCIS, 1985, p.87).

Acompanhando o desenvolvimento industrial do país, a imprensa brasileira começava

a eliminar a resistência ao abandono de suas raízes e às influências européias no modo de

fazer Jornalismo mais opinativo e reflexivo do que informativo.

Nesse período, os jornais brasileiros passaram por reais transformações.

Primeiramente na estrutura administrativa para a organização da empresa comercial, momento

crucial para a consolidação da indústria cultural. Em segundo lugar, foram introduzidas

inovações técnicas, gráficas e editoriais para uma nova formatação do jornal, tanto em sua

aparência gráfica quanto em seu conteúdo editorial.

Uma verdadeira ebulição que envolveu jornalistas preocupados com a linguagem

panfletária, apaixonada, utilizada pela maioria dos que escreviam nos jornais brasileiros,

formados na prática da redação diária, mas sem o conhecimento específico, especializado e

aprimorado que o mercado editorial passaria a exigir com a indústria de comunicação de

massa.

Na imprensa, a transformação se dava através da linguagem e do design (FERREIRA,

1993). Neste contexto, o jornal Diário Carioca se destacou pela iniciativa de três jornalistas –

Pompeu de Sousa, Danton Jobim e Luís Paulistano - que se envolveram na reformulação

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interna do periódico, propondo a apresentação de um conteúdo jornalístico mais dinâmico e

objetivo: a introdução do lide e a presença de uma equipe de copidesque que revisava os

textos antes de serem publicados, para que estivessem de acordo com o manual de redação –

style book – que ditava as normas técnicas que deveriam ser seguidas.

Tal mudança era estimulada em parte pela influência da imprensa norte-americana

(LINS DA SILVA, 1991) através da experiência de jornalistas que viveram nos Estados

Unidos, entre eles Pompeu de Sousa, Danton Jobim, Samuel Wainer e Alberto Dines. Pompeu

e Danton levaram seus conhecimentos para o Diário Carioca; Wainer para a Última Hora e

Dines, para o Jornal do Brasil.

Aos poucos, a imprensa brasileira foi deixando de lado sua herança européia,

principalmente francesa, do Jornalismo de combate, de crítica, de doutrina e de opinião para

priorizar a linguagem objetiva, clara, concisa, dinâmica e informativa, separando-a da opinião

do autor da notícia, que passou a ganhar mais espaços em detrimento dos artigos e

comentários.

“A década de 50 constitui um verdadeiro marco na história de nossa imprensa, marco que assinalaria a virtual superação, entre nós, daquilo que autores como Habermas chamariam de fase do Jornalismo literário, e a entrada em definitivo nos quadros do chamado Jornalismo empresarial” (LATTMAN-WELTMAN, 1996, p.158).

O pesquisador Fernando Lattman-Weltman ao fazer uma análise comparativa sobre as

publicações do Rio de Janeiro nos anos 50, aponta que as páginas da imprensa carioca

passaram por profundas modificações, com caráter mais dinâmico e com o desenvolvimento

do padrão da objetividade jornalística (LATTMAN-WETTMANN, 1996, p.180).

Nos anos 50, uma nova mentalidade empresarial se formou no Brasil. Ao lado das

mudanças editoriais havia o incentivo aos investimentos publicitários e, com a implantação

das agências nacionais e internacionais de publicidade, os anúncios tornaram-se a nova fonte

de receita para os jornais. Os anunciantes passaram a representar 80% da receita publicitária

das empresas de comunicação e ajudaram no desenvolvimento tecnológico da imprensa

(BAHIA, 1990). O aporte financeiro deu os ajustes necessários para a aquisição de

equipamentos que modernizaram a parte gráfica e permitiram às empresas jornalísticas o

suporte técnico apropriado para a criação de um jornal massivo.

O período pós-guerra foi fundamental para a reestruturação das empresas jornalísticas

e marcou a transição da imprensa ideológica para a empresa de comunicação de massa. Os

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instrumentos para isso foram as reformas realizadas nos jornais, produto final desta cirurgia

modernizante, que ganharam uma nova plástica na forma e no formato.

O primeiro periódico a sofrer esta minuciosa e delicada operação para os padrões que

imperavam na época foi o Diário Carioca. Fundado por José Eduardo de Macedo Soares, em

1928, para fazer oposição ao governo de Washington Luís e tendo como objetivo servir ao

país, o Diário Carioca7 apoiou a Revolução de 1930 e tornou-se o ponto de encontro dos

líderes da Aliança Liberal como Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, João Pessoa, Lima

Cavalcanti, Café Filho, Getúlio Vargas e Juarez Távora. Em novembro de 1930, começou a

cobrar as promessas feitas pelo Governo Provisório e, em dezembro do mesmo ano, rompeu

com a situação e passou a ser censurado (BRAGA, 2003, p.18).

Em janeiro de 1932, Horácio de Carvalho Júnior assumiu o cargo de diretor-

presidente, reservando a Macedo Soares a orientação política do jornal, quando passou a ser

oposição ao governo de Getúlio Vargas e a criticar o Clube 3 de Outubro, associação

tenentista:

“A reação foi rápida. No dia 25 de fevereiro, um grupo de oficiais e três caminhões de soldados, chefiados pelo filho de Pedro Ernesto Batista (então interventor no Distrito Federal), depredou a redação do jornal, que ficava, então, na Praça Tiradentes. Além de grandes prejuízos materiais, dois empregados do jornal sofreram ferimentos. O Diário Carioca foi forçado a suspender sua circulação por algum tempo” (BRAGA, 2003, p.19).

O jornal voltou a circular no dia 5 de abril de 1932, com postura crítica ao governo de

Getúlio Vargas e Macedo Soares defendendo ardentemente a Revolução Constitucionalista de

São Paulo. Em 1933, Macedo Soares elegeu-se deputado pela bancada do Rio de Janeiro para

a Assembléia Nacional Constituinte e o jornal voltou novamente a fazer parte da situação

política brasileira. Foi oposição à Revolta Comunista de 1935, em defesa do Estado Novo,

declarando seu apoio ao governo (BRAGA, 2003).

Com a queda do Estado Novo, o Diário Carioca pregava o retorno ao regime

democrático e começou a capitanear a campanha eleitoral de Eduardo Gomes, contra o

candidato comunista Iedo Fiúza Macedo Soares. Escrevia artigos criticando o não-

7 Os objetivos editoriais do Diário Carioca estão no Dicionário de Verbetes da Fundação Getúlio Vargas, produzido por Carlos Eduardo Leal, disponível na página http//www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/58331.asp e acessado em 11 de novembro de 2003. Os dados sobre o Diário Carioca estão ainda na dissertação de Izamara Bastos Machado – A reforma do Diário Carioca na década de 50 – defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro e apresentado no Congresso da Rede Alcar, realizado no Rio de Janeiro, em junho de 2003. Evandro Carlos de Andrade também recupera esta fase histórica no livro: ABREU, Alzira Alves de, LATTMAN-WELTMAN, Fernando e ROCHA, Dora - Eles mudaram a imprensa. Rio de Janeiro: FVG Editora 2003. 397p.

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comparecimento de Getúlio Vargas, eleito senador em 2 de dezembro de 1945, à Assembléia

Constituinte.

Em meados de 1948, Macedo Soares e Danton Jobim alternavam o conteúdo da coluna

Nossa Opinião, publicada na primeira página, onde indicavam que a imprensa teria a missão

de ser a um só tempo porta-voz e orientadora da opinião popular. No processo sucessório do

general Eurico Gaspar Dutra, em 1950, o Diário Carioca apoiou a candidatura de Cristiano

Machado à presidência da República, pelo Partido Social Democrático (PSD), que teve

inexpressiva votação, traído pelos oligarcas que diziam apoiá-lo. (LAGE, 2004). “O jornal aproximou-

se também do brigadeiro Eduardo Gomes, candidato à Presidência da República pela União

Democrática Nacional - UDN, embora mostrasse reservas ante as ligações deste com o ex-

integralista Plínio Salgado” (BRAGA, 2003, p.38).

“Além dos proprietários principais – Macedo Soares e Carvalho Júnior – o jornal teve dois outros donos por curtos períodos – Arnon de Melo e Danton Jobim8. Foi empastelado uma vez por militares que participavam do movimento tenentista, quando rompeu com Getúlio Vargas, em 1932. Habitou quatro prédios, na Avenida Rio Branco, perto da Cinelândia; na Praça Tiradentes; na Praça Onze; e, finalmente, na sobreloja da Avenida Rio Branco, 25. Hospedou várias redações, a primeira delas com figuras de relevo na época, como Humberto de Campos, Virgílio de Melo Franco, Evaristo de Morais, Maurício de Lacerda, Marcial Dias Pequeno e Paulo Mota Lima – na maioria vindos de O Imparcial. Durante o Estado Novo de Vargas (1937-1945), quando a imprensa recebia subsídios e instruções diretas do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), geralmente sem reclamar (houve exceções, como O Estado de S. Paulo, que esteve sob intervenção), o Diário Carioca desobedecia freqüentemente ao script e dava dores de cabeça ao governo” (LAGE; 2004, p.5).

Na década de 50, com o retorno de Getúlio Vargas ao governo, o Diário Carioca

manteve-se seu opositor e moveu intensa campanha contra a Última Hora, jornal de Samuel

Wainer, na época acusado de corrupção (WAINER, 2003). O Diário Carioca apoiou a

proposta de impeachement levantada pela chamada "Banda de Música" da UDN contra

Getúlio Vargas, bem como O Manifesto dos Coronéis (1954), apresentado como um pedido

de aumento dos vencimentos dos militares, na verdade uma crítica ao regime visando

essencialmente à atuação de João Goulart, então ministro do Trabalho (CORREA, 1994).

O país vivia uma flagrante instabilidade política: a imprensa criticando a atuação de

Getúlio Vargas e uma crise acentuada com o atentado ao jornalista Carlos Lacerda, crítico

opositor ao governo de Getúlio Vargas, que resultou no assassinato do major-aviador Rubenz

Vaz, que atuava num grupo de oficiais da Aeronáutica que protegia Carlos Lacerda. O crime

8 Danton Pinheiro Jobim (1906-1978)

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aconteceu na rua Toneleros, em Copacabana, Rio de Janeiro, na madrugada do dia 4 de agosto

de 1954.

“Vargas consumiu a popularidade com o modelo de governo que não sustentou o carisma dos tempos de Estado Novo, protegido pela censura à imprensa. O escândalo do financiamento oficial favorecido à Última Hora, a implacável campanha de denúncias e raiva, liderada por Carlos Lacerda, o tiro da Toneleros que matou o major Rubem Vaz insuflaram a conspiração golpista, articulada às escâncaras, com maciço apoio da imprensa e da televisão Tupi, a pioneira, engatinhando, abreviaram o desfecho, encorajando Vargas contra a parede do Catete. O suicídio resgatou o desgaste, restaurou o carisma, consolidou o mito” (CORREA, 1994, p.19).

A opinião pública, liderada pela imprensa, influenciou decisivamente nos fatos

políticos que se sucederam, resultando no isolamento do presidente que se suicidou em 24 de

agosto, deixando para o país uma carta-testamento. “Com o suicídio de Vargas, a ascensão de

Café Filho à Presidência da República e o subseqüente desvio dos projetos da política

varguista, o Diário Carioca reaproximou-se do poder” (BRAGA, 2003, p.44).

Em 1955, o jornal defendeu a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek e

gradualmente mostrou sua decepção com o novo presidente, pela não-nomeação de alguns

jornalistas para cargos públicos. Apenas Danton Jobim, redator-chefe do Diário Carioca, foi

indicado para a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao final

do mandato de Juscelino, o Diário Carioca apoiou o Marechal Lott à Presidência da

República, na sucessão de Juscelino Kubitschek, contrário à campanha de Jânio Quadros,

refutando-o em seus editoriais.

Em 1961, Horácio de Carvalho Júnior vendeu o jornal a Arnon de Mello, que um ano

após, tornou a negociá-lo com Danton Jobim. Por apoiar Lott, esteve engajado no governo de

João Goulart. Nessa época, a tiragem do Diário Carioca começou a diminuir e, junto com a

redução do número de leitores, perdeu sua influência política. O declínio se estendeu até

1965, quando em 31 de dezembro, rodou seu último número, com pequena tiragem pelas

dificuldades financeiras porque passava (LAGE, 2004).

2.1 Influência dos Estados Unidos

Depois da inovação iniciada pelo Diário Carioca, os jornais brasileiros adotaram o

novo estilo, alterando seus padrões editoriais e enfrentando a concorrência nas ruas.

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“Nos anos 60, os jornais se modernizaram, adotaram um estilo mais direto, objetivo, seguindo o modelo americano, para a leitura do homem apressado (he who runs way read). As agências de publicidade implantavam técnicas de comunicação mais sofisticadas; o consumo aumentou com a difusão de eletrodomésticos, novos supermercados com o auto-serviço – self service. A geração coca-cola chegou ao apogeu. O uso de blue-jeans se generalizou. O ruído do rock-and-roll abafou a melodia do samba. Os canais de televisão invadiram os lares e as classes dominantes aderiram ao whisky, ao drink” (BANDEIRA, 1973, p.394).

A influência norte-americana sobre o Brasil foi meticulosamente planejada pelos

Estados Unidos, dentro de um plano de modificação dos padrões vigentes. Um processo que

começou a ser delineado no século XIX e ganhou força a partir da década de 30 do século

seguinte, mais especificamente entre 1939 e 1945, com a internacionalização da economia

brasileira. Houve uma mudança de paradigmas, com a modernização da vida na América, cuja

gênese ocorreu no governo de Getúlio Vargas (TOTA, 2000).

O plano de investimento dos EUA pressupunha dominar o território cultural para ter o

controle político e econômico sobre o continente americano. A presença dos traços norte-

americanos no Brasil ficou mais evidente a partir da década 40, com os filmes de Hollywood

e o som do jazz, apresentando os valores a serem seguidos (CICCO, 1979, p.37), ao mesmo

tempo em que retratavam os Estados Unidos como exemplo de modelo econômico bem-

sucedido. Começava a reinar nos ares brasileiros a idéia de manter “política de boa vizinhança

(...) num convívio harmonioso, possibilitando a troca de mercadorias, valores e culturas entre

Estados Unidos e o restante da América” (MOURA, 1993, p.8).

A difusão cultural ganhou maior espaço após a Segunda Guerra Mundial com a

exportação de padrões de comportamento, gostos musicais, hábitos de consumo. Na arte, na

ciência e na cultura brasileira predominaram as influências dos Estados Unidos, que

impuseram seus conceitos em detrimento dos costumes tupiniquins.

“A partir de 1941, o Brasil foi literalmente invadido por missões de boa vontade americanas, compostas de professores universitários, jornalistas, publicitários, artistas, militares, cientistas, diplomatas, empresários, todos empenhados em estreitar os laços de cooperação com brasileiros, além das múltiplas iniciativas oficiais” (MOURA, 1993, p.11).

Os homens de negócios no Brasil eram os americanos Nelson Rockefeller e George

Humphry, que planejaram a estratégia para garantir a ideologia norte-americana e também

conquistar o mercado brasileiro, de modo que os EUA representassem no continente

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americano um sistema central de poder internacional. De positivo havia o intercâmbio de

idéias, o conhecimento científico e o técnico em diversas áreas.

Essa articulação teve como pano de fundo a forte influência alemã sobre os brasileiros

e o fato de que, em 1933, o Partido Nazista da Alemanha passou a ter projeção internacional,

percebida na América Latina nas áreas econômica e política, alinhadas à propaganda

germânica, com a presença de embaixadas, consulados, empresas comerciais, linhas aéreas,

agências de notícias. Tudo para criar simpatias internas e difundir os valores germânicos,

enquanto se recrutavam alemães e seus descendentes residentes no Brasil para ingressarem no

núcleo do partido nazista.

A Alemanha representava o oposto dos Estados Unidos: o consumismo era atacado

por ser excessivamente materialista e mercantilista, enquanto que o potencial desse país

europeu deixava os membros do governo brasileiro entusiasmados com o estilo de autoridade

administrativa, uma posição que facilitava as relações comerciais entre os dois países (TOTA,

2000).

Essa situação preocupava os norte-americanos que procuravam transpor seus valores

culturais para todos os países do continente americano, processo que teve início no século

XIX com as declarações de independência política dos países latino-americanos. Os EUA

defendiam a não intervenção européia para interpor autoridade na América Latina, num

projeto de expansão de seus ideais, para minar qualquer ação contrária à sua ideologia de

interferência na economia e na cultura, no caso, brasileira.

A resistência da elite brasileira começou a ceder após a eleição do presidente Franklin

D. Roosevelt, em 1933, que anunciou uma nova política, a da boa vizinhança, com o

reconhecimento da igualdade jurídica entre as nações e com encontros periódicos para discutir

os problemas do continente e a cooperação para o bem-estar das nações (MOURA, 1993,

p.17). Os americanos mudaram os métodos, porém não os princípios ideológicos.

Estava pronto o receituário para que houvesse adesão à potência norte-americana, cujo

sistema de poder deveria imperar em todo o continente. Em 1933, quando Roosevelt chegou à

Presidência, o Brasil vivia o rescaldo da Revolução de 1930, que colocou Getúlio Vargas no

poder, e sentia os efeitos da revolta constitucionalista de 1932 (MOURA, 1993, p.27). Era

um período em que os bastidores da política brasileira se agitavam para definir os rumos a

serem seguidos, uma polarização vivida pela Ação Integralista Brasileira e pela Aliança

Nacional Libertadora, uma divisão que abriu espaço para o golpe militar de Getúlio Vargas,

em 1937, com o Estado Novo, ditadura que terminou em 1945, quando o Brasil passou a

respirar os novos ares da redemocratização.

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No início de seu governo, Getúlio Vargas buscava o fortalecimento de suas ações

através dos apoios interno e externo. “Vargas e seus colaboradores militares se aproveitavam

das lutas inter-imperialistas do Estado de equilíbrio em que se encontravam na época para

fortalecer o Estado Novo e sua infraestrutura (...) para o desenvolvimento do capitalismo no

Brasil” (SOLA, 1971, p.275).

No mapa dessa disputa estava a Segunda Guerra Mundial, quando aconteceu a virada

das relações internacionais. Os EUA mostravam sinais de que entrariam no confronto

internacional (CICCO, 1979, 42), enquanto governos latino-americanos nacionalistas e

autoritários simpatizavam com a Alemanha e insistiam nas relações comerciais. Tal situação

durou até que o bloqueio naval britânico encerrasse as linhas de comércio com a nação alemã,

que decaíram a partir de 1940 (MOURA, 1993, p.18).

Nesse momento, os Estados Unidos estruturaram o Birô Internacional – Office for

Coordinaton of Commercial and Cultural Relations between the American Republics,

instituído em 1940, destinado a promover a cooperação interamericana e a solidariedade entre

os hemisférios. Em 1941 foi inaugurado The Office of the Coordination of Inter-American

Affairs (TOTA, 2000). A finalidade principal era consolidar o estado norte-americano como

grande potência e enfrentar o Eixo Europeu.

O Birô, ligado à segurança nacional dos EUA, era subordinado ao Conselho de Defesa

Nacional dos EUA e administrado por Nelson Rockefeller9, coordenador das agências estatais

e privadas norte-americanas. Tinha por meta afastar da América Latina os produtos alemães e

uma de suas ações mais populares foi distribuir aparelhos de rádio no Brasil, a preço baixo,

para facilitar a difusão dos programas coordenados pelos Estados Unidos (SOUSA, 2004).

O Birô Internacional era dividido em quatro frentes: Comunicações – rádio, cinema,

imprensa, viagens e esportes; Relações Culturais – arte, música, literatura, publicações,

intercâmbio e educação; Saúde – problemas sanitários; e Comercial/Financeira – exportação,

transporte, finanças e desenvolvimento. A filosofia era orientada por especialistas, a maioria

das universidades, e fixava-se na idéia do pan-americanismo10, com ideais comuns para a

9 Nelson Rockefeller pertencia à família proprietária da Standart Oil e Chose Bark e pertencia ao Partido Republicano. In: COLBY, Gerard e DENNETT, Charlotte. Seja feita a vossa vontade. São Paulo. Record. 1988 1060 p. 10 A consciência pan-americana surgiu a partir de 1939, com a conferência realizada no Panamá, com a finalidade de criar uma área de segurança contra as ações de guerra, contra as ideologias antidemocráticas. Em 1942, no Rio de Janeiro, há a decisão de se romper com os países do Eixo, como medida de segurança nacional e contra ações anti-racistas, decisão tomada pelo Brasil após o ataque aéreo a Pearl Harbor, em 1941. Nessa época, os jornais brasileiros cobravam de Getúlio Vargas ações do governo sobre a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. PÍNSKY, Jaime – O Brasil nas Relações Internacionais. 1930-1945 – In: Carlos MOTA - Brasil em perspectiva (org. e introdução). 3a. edição. São Paulo: Difusão Européia do Livro. 1971.p. 337-349

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organização republicana do Estado; a aceitação da democracia; a defesa da liberdade e

dignidade do indivíduo, na crença de solução pacífica das disputas e na adesão aos princípios

da soberania nacional, pontos que integravam o programa de solidariedade hemisférica

(MOURA, 1993, p.24).

Estimulado pelo Birô Internacional, o radiojornal foi a primeira forma de programação

implantada, em abril de 1941, para a transmissão diária de um jornal para a América Latina,

com a verba inicial de 50 mil dólares. Os programas eram transmitidos pelo American

Telephone & Telegraph e distribuídos pela Internacional Telephone & Telegraph, grandes

corporações contratadas para combater a Alemanha (TOTA, 2000, p.76).

Na programação, entrevistas com artistas de Hollywood, hit parade, bandas militares e

as seções As Nações Unidas falam, Estamos em Guerra, As Américas em Guerra, A Marcha

do Tempo, Acredite se Quiser. “Os programas se encarregavam de difundir entre nós o modo

de vida americana, amparando-se quase sempre nas músicas e nos filmes” (TOTA, 2000,

p.77).

Os musicais ajudavam a proporcionar esta difusão. Havia uma variedade de

entretenimentos na grade das rádios, como Programas de Libertad, com música vocal e

orquestras; Para los amantes de musica, com músicas clássicas e entrevistas, produzidas em

espanhol e em português; Metropolitan Opera, com as gravações das óperas apresentadas no

Metropolitan; La Orquesta Sinfônica de la NBC, um programa que priorizava as

apresentações da Orquestra da NBC (SOUSA, 2004, 68).

O conteúdo político estava concentrado nas dramatizações. Os Estados Unidos y la

Industria en Guerra apresentava as realizações da indústria bélica norte-americana; El

Verdadero Enemigo retratava a suposta natureza selvagem e brutal dos inimigos; El

Misterioso, drama que descrevia e expunha a infiltração nazista na América Latina; Cuentos

de América, continha histórias escritas por autores norte-americanos; La ideal de Llídia

Morales, retratava a vida de uma garota latino-americana nos Estados Unidos (SOUSA, 2004,

69).

Os programas informativos e culturais não fugiam do propósito político norte-

americano. Arsenales de la Libertad continham cenas reais das fábricas de produtos bélicos e

entrevistas com os trabalhadores; Saludos Amigos era um programa de variedades; Desde

Hollywood em Guerra, com músicas de orquestras, apresentação de artistas de cinema e

dramatização da vida dos soldados na guerra (SOUSA: 2004, 69).

No Brasil, esses programas eram retransmitidos pelas rádios Cruzeiro do Sul, Mayrink

Veiga e Tupi (todas do Rio de Janeiro), Record, Cruzeiro do Sul, Cosmos, Cultura e Tupi

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(São Paulo), Farroupilha (Porto Alegre), Pampulha (Belo Horizonte) e Rádio Club de

Pernambuco (Recife). O Repórter Esso cedia, diariamente, cinco minutos de sua programação

para The Office of the Coordination of Inter-American Affairs (OCIAA), enquanto em sua

grade normal havia comentários políticos de Júlio Barata e Raimundo Magalhães, que foram

beneficiados com o intercâmbio cultural Brasil/Estados Unidos.

A área da Comunicação era a mais forte evidência da presença cultural norte-

americana. Usada de forma pedagógica, assegurava o processo de envolvimento ideológico

através dos filmes, da educação, da ciência e da imprensa como um todo, principalmente com

o rádio, pela massificação da informação. "O rádio ajudou a criar uma opinião pública

dinâmica no hemisfério ocidental, apoiando de forma contínua o esforço de guerra das

repúblicas americanas" (TOTA, 2000, p.73).

A imprensa paulista divergia, desde os anos 20, sobre as ações dos Estados Unidos,

procurando preservar uma identidade latino-americana, mas queria ver o Brasil como grande

potência.

“Após a eclosão da guerra, proliferou a idéia de que o continente de riqueza e liberdade sairia preservado do conflito (...). A proposta de solidariedade americana foi retomada e sustentou a crença de que a união de todos os países do continente beneficiaria os não desenvolvidos, especialmente o Brasil, por contar com maiores recursos a serem explorados (...). A América, continente da liberdade, do direito, do trabalho e da prosperidade, era contraponto à Europa” (CAPELATO, 1989, p.67).

No início da Segunda Guerra Mundial, as notícias internacionais eram recebidas

principalmente pelas agências italianas e alemãs. A política do Birô Internacional passou a

combatê-las e não poupou esforços para negociar o envio de informações pelas agências

United Press e Associated Press. O intercâmbio de notícias interessava não só aos Estados

Unidos, pois difundia no Brasil a visão norte-americana sobre os acontecimentos mundiais,

mas também à América Latina, que podia encaminhar notícias para a imprensa norte-

americana, promovendo nesse sentido a política de intercâmbio cultural.

O acordo possibilitou ao Rio de Janeiro a obtenção do primeiro aparelho de recepção e

transmissão de radiofotos. Assim, a primeira foto transmitida do Brasil para os Estados

Unidos mostrou Getúlio Vargas com o embaixador americano Jefferson Caffery (MOURA,

1993, p.34). O intercâmbio se consagrava com o convite para que jornalistas brasileiros

pudessem aprender as técnicas norte-americanas de fazer Jornalismo e tivessem acesso aos

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progressos editoriais dos Estados Unidos, ganhando, conseqüentemente, fortes adeptos da

ideologia pragmática.

Uma performance que conseguiu reunir nomes importantes da história do Brasil, entre

eles os jornalistas Orígenes Lessa, Júlio Barata e Raimundo Magalhães Júnior, Monteiro

Lobato, Pompeu de Sousa, Danton Jobim, Samuel Wainer e Alberto Dines. Eles participaram

do intercâmbio promovido pelos EUA, que operavam sua dominação cultural no continente,

refletida na imprensa brasileira. Uma ação que visava manter o controle com subsídios para a

os jornais e revistas, verbas publicitárias para a propaganda de produtos americanos e

facilidades para obtenção da licença de exportação de papel dos EUA, políticas que

asseguravam a reserva de mercado no continente após a Segunda Guerra Mundial (MOURA,

1993, p.35).

Nessa bem urdida estratégia ideológica entrou o cinema, que, com a aparência de

entretenimento, visava introduzir no Brasil os costumes norte-americanos. “Os tipos

cinematográficos daquela época correspondiam, cada qual a seu modo, ao herói norte-

americano, encarnação dos valores da cultura e concretização viva de seus anseios e

aspirações” (CICCO, 1979, p.49).

À semelhança do que ocorrera com a imprensa, foi adotado o modelo de intercâmbio

entre artistas dos dois países, a exemplo de Carmem Miranda, que acabou permanecendo nos

Estados Unidos. Hollywood levava para as salas de cinema produções comerciais

representativas da vida norte-americana. Nos documentários, imagens mostravam as riquezas

naturais brasileiras e, do outro lado, a capacidade industrial e bélica dos EUA. Os temas

relacionados à política interamericana eram dirigidos a escolas, clubes, igrejas, empresas,

sindicatos e organização rural (TOTA, 2000). O cinema tinha como função cumprir o papel

de difusor das idéias americanas, tendo os astros de Hollywood como mensageiros que

projetavam os ideais de seu país.

“O conflito cultural foi particularmente perceptível entre a geração nova e a geração velha nos anos 40, pois, com a repercussão do cinema norte-americano nos gostos dos brasileiros e a reinterpretação dos valores de sua cultura no Brasil, a juventude adotava uma maneira de ver as coisas inteiramente nova, enquanto a geração velha se apegava a seus padrões costumeiros e tradicionais. Na vida de cada dia, dentro das famílias se defrontavam duas concepções diversas, com inevitáveis conflitos” (CICCO, 1979, p.101).

Trabalhar com a nova geração era o artifício necessário para que os Estados Unidos

pudessem implantar novos valores, pregando a tese de mudanças, aliada ao conceito de

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modernidade. Alceu Amoroso Lima explica que “o americano apreciava a mudança pela

mudança”, por acreditar que “como o tempo está na base de toda a sua cultura de adaptação e

de oportunismo, tudo evolui com ele e o moderno é necessariamente superior ao antigo,

porque vem depois dele, o que é um dos dogmas invisíveis de todo o sociologismo norte-

americano” (LIMA, 1955, p.276).

2.2 Modernização

A cultura dos Estados Unidos estava ligada à modernização. Representou uma força

paradigmática para a imprensa brasileira, retirando-a do estado letárgico, acomodado no

espírito europeu, em que se encontrava desde seu nascimento no Brasil até a adoção e

expansão do modelo norte-americano, que atraiu a atenção de vários brasileiros que pisaram o

solo da América, como Gilberto Freyre e Monteiro Lobato.

No início do século XX, um dos primeiros jornalistas a se encantar com o estilo norte-

americano foi Gilberto Freyre11, que esteve nos Estados Unidos entre 1918 e 1923 e escrevia

regularmente para o Diário de Pernambuco. Ao pesquisar sua vida, José Marques de Melo

aponta ter sido ele o responsável pela primeira tentativa de implantar um manual de redação

na imprensa brasileira, quando dirigia o jornal A Província, em Pernambuco, entre os anos de

1928 e 1930 (MARQUES DE MELO, 2001).

A ousadia, para a época, possibilitou noticiário mais exato, com reportagens e

entrevistas que enfatizavam o Jornalismo de campo e não o de gabinete. “Em 1929 dizia que

faria de A Província um jornal diferente (...) nada de dizer progenitor ao invés de pai, nem

genitora ao invés de mãe” (MARQUES DE MELO, 2001, p.52). Era a primeira iniciativa, em

Pernambuco, para americanizar o estilo de fazer Jornalismo no Brasil, introduzindo no jornal

uma linguagem mais objetiva. “Ninguém lia n’A Província lugares comuns gritantes, palavras

gastas pelo uso indiscriminado que se fazia delas” (RABELLO, 1978, p.39).

Esta não seria, entretanto, uma ação isolada. No Rio de Janeiro, o jornalista José

Carlos Rodrigues também se mostrava adepto da linha editorial menos opinativa e mais

11Gilberto de Melo Freyre nasceu em Recife em 1900. Bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Baylor, Texas, em 1920, fez pós-graduação em Ciências Políticas, Jurídicas e Sociais pela Universidade de Columbia, também nos Estados Unidos. Era professor de Sociologia da Escola Normal de Pernambuco entre 1928 e 1930, quando foi convidado a lecionar na Universidade de Stanford (EUA) como professor-visitante. Os dados estão disponibilizados no site da Fundação Getúlio Vargas – Centro de Pesquisa e Documentação Histórica. www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/biografias/ev_bio_gilbertofreyre.htm - 7k Acesso em 13 de janeiro de 2004.

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informativa, utilizando notícias da agência Havas e de correspondentes nacionais e

internacionais para o Jornal do Commércio12. Ex-correspondente nos Estados Unidos,

Rodrigues assumiu a direção do periódico em 1891, quando iniciou as modificações editoriais

- com repórteres e redatores publicando colunas fixas, notícias, reportagens e pequenas notas;

- e administrativas, ao definir horário para fechamento da edição e distribuição nas ruas

(BARBOSA, 2000).

Tais iniciativas demonstram que os jornalistas não estavam unidos em torno de um

único estilo e que alguns, tendo como exemplo o estilo norte-americano, resistiam à

padronização européia na imprensa brasileira, procurando novos conceitos jornalísticos.

Nessa linha de inovadores está Monteiro Lobato que, ocupando o cargo de adido comercial do

Brasil nos Estados Unidos, em 1927, onde morou durante quatro anos, se encantou com o

progresso existente na América. Ele vibrou com o estilo american way of life e, imaginando o

mesmo para o Brasil, concluiu que “o país necessita de investimentos para seu

desenvolvimento industrial” (MARÇOLA e MARQUES DE MELO, 2003, p.60).

Monteiro Lobato, em seu livro América (1966), definiu que a Europa era o sinônimo

do ontem e que os Estados Unidos preservavam o hoje e seria o único país a ter o amanhã,

deixando claro seu entusiasmo pela civilização norte-americana e por sua política

desenvolvimentista. Durante período que permaneceu nos EUA, o escritor brasileiro observou

a vida do americano, os programas de rádio, o convívio nos restaurantes, nas bibliotecas e no

cinema e descreveu que os jornais e a literatura “satisfazem uma solicitação do povo” (54),

sempre em busca do novo.

“O novo está acima da loucura imaginativa de Júlio Verne. O rádio, a ligação de todo o continente por telefone, o cinema falado, a televisão, o aeroplano e o dirigível, a mass production, a máquina de multiplicar-se com velocidade que mal permite a adaptação do homem... O passado não mede, não define, não traduz o que criamos de novo” (LOBATO, 1966, p.160).

O encantamento de Monteiro Lobato foi desde o costume de se formar fila,

demonstrando um jeito disciplinar de viver, à simplicidade dos americanos ricos, por não

anunciarem a fortuna que possuem, “como certos indivíduos da minha terra, que, com apenas

12 A pesquisadora Marialva Barbosa narra as tentativas de José Carlos Rodrigues em americanizar a imprensa carioca no início do Século XX, com modificações que implementou no Jornal do Commércio, uma história registrada no livro Os donos do Rio – imprensa, poder e público, Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2000. 292 p. Parte desta história está no artigo José Carlos Rodrigues. Um jornalista que fez e desfez presidentes. Publicado na Revista Imprensa, edição de janeiro e fevereiro de 2002, em parceria com o Prof. Dr. Marques de Melo. P. 54-59

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algumas centenas de contos empatados em hipotecas, cheiram ou fedem a dinheiro a vinte

passos de distância” (LOBATO, 1966, p.220). Esta comparação, que chega a menosprezar o

estilo de vida brasileiro, revela que estava completamente influenciado pela elite européia.

Um exemplo a ser seguido, na opinião de Lobato, era Nelson Rockefeller13 que organizava e

patrocinava “obras de socialização (...). Quem é Rockefeller hoje senão um redistribuidor para

fins sociais?” (LOBATO, 1966, p.222).

Um encantamento que já se revelava no diário de viagem de Hipólito da Costa,

quando esteve nos Estados Unidos, em 1798, para estudar a economia agrícola daquele país,

atendendo solicitação de Portugal. O objetivo de sua viagem era verificar se as técnicas

utilizadas nos EUA poderiam ser adotadas na então colônia, um trabalho que lhe possibilitou

atuar como repórter, pesquisando, entrevistando e relatando suas experiências (MARQUES

DE MELO, 2001).

Na realidade, como aponta Moniz Bandeira (1973), os brasileiros olhavam para os

costumes, a política e o desenvolvimento econômico dos Estados Unidos desde o século

XVIII, país considerado como um modelo de governo, primeiro para a Independência

brasileira e, depois, para a Proclamação da República.

Um modelo que despertou também a atenção do francês Aléxis de Tocqueville,

quando esteve nos Estados Unidos entre 1831 e 1832 para conhecer o sistema penal e se

impressionou com o pensamento político norte-americano, pela igualdade de condições, pelos

direitos constitucionais, pela organização do poder judiciário e pelo fortalecimento do Estado

de Direito. “Os Estados Unidos combatem o duvidoso para manter o espírito de nação, de

interesse geral. Seu governante deve ter a visão do futuro” (TOCQUEVILLE, 1977, p.410).

Gilberto Freyre, quando analisou o desenvolvimento da sociedade brasileira em

Ordem e Progresso (1959) admitiu que houve assimilação dos modelos norte-americanos e

europeus, nos séculos XIX e início do século XX, “num desejo pelo progresso”. “Havia o

espírito pelo progresso e o sentimento de vergonha por sermos um país atrasado em progresso

técnico, científico e industrial” (FREYRE, 1959, p.62). Assim, se justificavam os

intercâmbios com os Estados Unidos para jovens que voltassem aptos a transformar o Brasil

num país industrial e comercial e de homens práticos.

Enquanto isso, os EUA olhavam o Brasil em termos comerciais (BANDEIRA, 1973,

p.19). Uma relação de interesses diversos que dividia a elite brasileira, alguns com

13O empresário Nelson Rockefeller esteve no Brasil após a Segunda Guerra Mundial atendendo aos interesses dos Estados Unidos, amparado pela CIA, no combate ao comunismo e na conquista do território, principalmente da Amazônia, para a expansão comercial norte-americana. In: COLBY, Gerard e DENNETT, Charlotte. Seja feita a vossa vontade. São Paulo. Record. 1998.1060 p.

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desconfiança da aproximação norte-americana pelas diferenças sociais e culturais e com

severas críticas ao espírito mercantilista. Uma reação antiamericana que se fortaleceu,

inicialmente, entre 1848 e 1855, contra a ocupação do Amazonas (BANDEIRA, 1973, p. 89)

e que prosseguiu durante o século XX.

O sentimento antiamericano sempre encontrou resistência em homens como Rui

Barbosa que pregava o progresso da democracia, da liberdade de imprensa e a

industrialização, tendo como exemplo a política republicana dos Estados Unidos. Rui Barbosa

esteve em Washington em 1876, quando conheceu o sistema político daquele país.

Depois da Proclamação da República14, o governo de Prudente de Morais se

desentendeu, em termos comerciais, com os EUA e se reaproximou da Europa, quando a

imprensa estrangeira noticiava que a Alemanha se preparava para apoderar-se da América do

Sul (BANDEIRA, 1973, p.168).

Os conflitos de interesses dos Estados Unidos, Europa (especialmente a Alemanha e a

Inglaterra) para com o Brasil foram intensamente discutidos por historiadores que buscavam

entender os acontecimentos da época.

“O Brasil atravessava, àquele tempo, uma fase de progresso, sob o impacto dos capitais que as nações imperialistas, como a Inglaterra, começavam a exportar. Os avanços da tecnologia e da ciência, promovidos nos Estados Unidos pelo capitalismo, contribuíram, decisivamente para a renovação do Rio de Janeiro e de São Paulo. O grupo Light & Power (canadense) implantou a eletricidade, invenção de Thomas Edison, utilizando, amplamente, o concurso de engenheiros americanos. Oswaldo Cruz, apoiado na doutrina e nos métodos americanos sobre a transmissão da febre amarela, empreendeu a tarefa de saneamento da capital do país. A crescente internacionalização da economia obrigava o Brasil a caminhar, igualava-o nas suas necessidades, mas, ao mesmo tempo, criava novos desníveis, reforçava o poder da oligarquia latifundiária, produtora de matérias primas e compradora de produtos manufaturados, e apertava os vínculos da servidão nacional ao capital financeiro” (BANDEIRA, 1973, p.184).

Para enfrentar as resistências internas, o avanço dos Estados Unidos sobre o Brasil era

meticuloso, paulatino. A política era comprar produtos brasileiros para mostrar a boa vontade

com o país. Tanto que em 1912, absorviam 36% das exportações do Brasil e compravam 60%

da produção do café e da borracha procedente da Amazônia.

No Brasil, os homens das décadas de 30 e 40 olhavam essas mudanças propostas com

desconfiança, resistindo a elas para salvaguardar a tradição européia. Os Estados Unidos 14 Gilberto Freyre afirma que mesmo antes da Proclamação da República, a cultura brasileira era influenciada pelos Estados Unidos, sempre sob o símbolo do Progresso. Tanto que os jovens que nasceram após 1889, principalmente em São Paulo, começam a estudar nos EUA, em detrimento das escolas européias. In: Ordem e Progresso. Rio de Janeiro. Editora José Olympio. 1959. 793 p.

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apresentavam-se como aliados comerciais, enquanto influenciavam culturalmente o povo,

introduzindo conceitos culturais, políticos e militares com o auxílio do cinema, que

proporcionava a propaganda de massa do american way of life e com o jazz nos programas de

rádio.

“O cinema introduziu a mentalidade da guerra, a idéia do heroísmo individual, sempre encarnado pelo americano, soldado, detetive ou cow boy. Apareciam os comics, as histórias em quadrinhos, o Super-homem e o Capitão América, símbolos do bem, do american way of life, consagrado, com a sua aparente pureza lúdica, fantástica, a ideologia da violência e da brutalidade, a mitologia do imperialismo. As crianças mascavam chicletes e bebiam coca-cola; as filhas fumavam e trocavam as saias pelos shorts e pelas calças; homens e mulheres ouviam jazz, dançavam swing e blues. O rádio divulgava a música americana; Hollywood, os ideais de beleza. A mercadoria americana ganhou prestígio. O cinema divulgava a literatura americana, as empresas de publicidade se instalavam no Brasil (T.W.Thompson, em 1930; Mc Cann Erickson, em 1935 e Grant, em 1941) e influenciavam nas opiniões dos jornais com anúncios e novas necessidades (de consumo)” (BANDEIRA, 1973, p.309).

Para essas ações, os Estados Unidos contaram com o apoio do Departamento de

Imprensa e Propaganda - DIP15, do Estado Novo, um instrumento de censura aos meios de

comunicação, que tinha por meta manter uma imagem positiva do presidente Getúlio Vargas

junto à população. A troca de favores, nesse sentido, era evidente e se fortaleceu a partir de

1941, principalmente após o rompimento diplomático do Brasil com a Alemanha, Itália e

Japão, em 1942 (MOURA, 1993, p.43).

15 As funções do Departamento de Imprensa e Propaganda eram as de coordenar, orientar e centralizar as propagandas interna e externa, censurar o teatro e o cinema, além das funções esportivas e recreativas, organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos, conferências e dirigir o programa de radiodifusão oficial do governo. Na imprensa, a uniformização das notícias era garantida pela Agência Nacional. Elas eram distribuídas gratuitamente pelo DIP, que monopolizava o noticiário. O órgão atuou para difundir o rádio nas escolas e nos estabelecimentos agrícolas e industriais, com a organização do programa oficial Hora do Brasil. Em agosto de 1941, foi criado o Repórter Esso, jornal radiofônico inspirado no modelo norte-americano com notícias procedentes da United Press International (UPI). Um dos reflexos da Segunda Guerra Mundial no Brasil foi uma campanha cultural do governo norte-americano destinada a barrar a influência alemã no país. O DIP colaborou nessa campanha, que marcou a presença dos Estados Unidos no Brasil, apoiando e desenvolvendo de projetos conjuntos com a agência norte-americana criada para esse fim. Foi nesse contexto que vieram ao Brasil artistas famosos como o cineasta Orson Welles, Walt Disney e o empresário Nelson Rockefeller. Entre 1939 e 1942, o DIP esteve sob a direção de Lourival Fontes, que já dirigira o DPDC e o DNP. Seus sucessores foram o major Coelho dos Reis, de agosto de 1942 até julho de 1943, e o capitão Amílcar Dutra de Menezes, que atuou até a extinção do DIP, em maio de 1945. In: CHAGAS, Carlos. O Brasil sem Retoques 1808-1964. A história contada por jornais e jornalistas. Volumes 01 e 02. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2001. 1215 p. e CARONE, Edgard. A Terceira República (1937 –1945) São Paulo. Editora Difel, 1974. 585 p.

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Para a imprensa brasileira, a estratégia era o fornecimento de notícias, monopolizando

as informações, através das agências internacionais United Press e Associated Press16. Tal

situação incomodava os jornalistas da América Latina e foi registrada no Primeiro Congresso

Pan-Americano de Jornalistas, realizado em 1926, em Washington. O encontro da imprensa

livre das Américas contou com a presença de 130 jornalistas latino-americanos, representando

20 nações, e reclamou da “má cobertura sobre a América Latina”17, indicando a necessidade

de se criar uma agência noticiosa na América Latina, com jornalistas locais, para a cobertura

dos acontecimentos (GARDNER, 1968).

Os sinais de americanização no estilo de vida do brasileiro se acentuaram na década de

30, com a política de boa vizinhança dos Estados Unidos com os demais países do continente

americano. Essa prática levava as idéias de democracia, de liberdade, de direitos individuais e

de independência, componentes ideológicos aliados a uma atuação sistemática para conquistar

o Brasil. A meta dos norte-americanos era estruturar um programa político contra a presença

dos alemães na América Latina, ao mesmo tempo em que fortalecia as relações comerciais:

um intenso aparato para a divulgação de sua ideologia (SOUSA, 2004). Neste processo, as

concepções de progresso, sustentavam-se no racionalismo, na abundância e na capacidade

crítica para o trabalho, a produção e o consumo (TOTA, 2000).

Moniz Bandeira (1973) descreve esse período como de lealdade aos Estados Unidos,

tendo Getúlio Vargas nutrido simpatia pelos acordos comerciais, uma situação acompanhada

de perto pela imprensa desde 1927, quando o Diário da Noite, de São Paulo, anunciava que os

EUA queriam assinar com o Brasil tratado de comércio sem privilégios, mas com

reciprocidade.

Para que esse acordo saísse do papel, o presidente norte-americano Franklin Delano

Roosevelt fez defesas públicas, procurando eliminar os restos de simpatia que alguns 16 A Associated Press, resultado de um acordo entre os principais jornais de Nova York, se fortaleceu como uma das principais agências de notícias dos Estados Unidos em 1900, enquanto que a United Press mantinha os serviços de informações desde 1882, com o trabalho de jornalistas independentes, representando a principal concorrência para AP. A competição aumentou com a cobertura da Segunda Guerra Mundial, com a aquisição de novos e modernos equipamentos para a transmissão da informação pelas agências. As duas agências representavam as principais fontes de informações sobre o conflito internacional para os países da América Latina e desempenharam os papéis de monopólio da informação e de combate às notícias produzidas pelos jornalistas de países aliados a Alemanha. In: EMERY, Edwin. História da Imprensa dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Editora Lidador Ltda. 1965, p. 585-59. 17 Nos Congressos de Imprensa Pan-Americana, realizados nos anos de 1943 e 1946, os jornalistas latino-americanos reforçaram a necessidade de se contratar jornalistas locais para a cobertura dos acontecimentos na América Latina, numa crítica ao trabalho realizado pelas agências estrangeiras, em especial as dos Estados Unidos, definindo que a cobertura realizada era “inadequada”. Apenas no congresso de 1942, realizado no México, houve uma proposta para a unidade continental e para contra-atacar a propaganda nazista, num movimento que visava afastar os regimes totalitários. Nesse ano, houve a proposta para que o Instituto Pan-Americana de Imprensa realizasse troca de notícias entre os jornais do continente. In: GARDNER, Mary A. The Inter American Press Association – Its fight for freedom of the press. 1926 – 1960. Austin: Texas. 1968. p.55

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brasileiros ainda nutriam pela Alemanha18, principalmente no sul do país, em razão da

comercialização de arroz, carne, couro e algodão.

Em contraponto, a colonização norte-americana avançou sobre São Paulo,

introduzindo técnicas de mecanização da lavoura, fundando cidades e vilas no interior do

estado, a exemplo de Santa Bárbara d´Oeste e de Americana, lugares povoados pelos

confederados em 1875. A condição de vida desses americanos foi narrada pelo jornal The

Saturday Evening Post, em 1940, em reportagem sobre as fábricas de carroças, as plantações

de algodão e sobre como introduziram a máquina de costura na vida dos brasileiros. Os

americanos mostravam “o ânimo progressista, a capacidade de ação e a competência técnica”

(MOOG, 1959, p.57).

Vianna Moog, em livro Bandeirantes e Pioneiros (1959), fez uma análise comparativa

entre o espírito do europeu (o bandeirante) e o do norte-americano (o pioneiro), mostrando a

superioridade dos Estados Unidos, por não estarem ligados ao passado e sempre voltados para

“a inventividade, a novidade e a adaptabilidade ao mundo em que vive” (MOOG, 1959,

p.178), enquanto que o europeu mantinha o espírito do conquistador, dilatando fronteiras em

nome do Império, num esquema predatório e de exploração.

“Nos Estados Unidos um capitalismo progressista, cada vez mais cônscio de suas responsabilidades sociais. No Brasil, um capitalismo do tipo europeu, que ainda acredita em trustes e cartéis, em pequena produção e preços altos e em que as relações com os trabalhadores ainda se nutrem nos conceitos feudais e paternalistas do Século XIX” (MOOG, 1959, p.284).

Esta comparação também realizada pelos brasileiros adeptos da teoria

desenvolvimentista norte-americana. Tanto que nos anos 40, os Estados Unidos apareciam

como o paradigma do liberalismo e da democracia e ganhavam o apoio da Divisão de

Imprensa e Publicações – DIP – do governo de Getúlio Vargas, para difundir informações

positivas sobre a política norte-americana, num contra-ataque à propaganda dos países do

Eixo. O sistema de comunicação brasileiro era o ponto principal para a difusão desta

18Moniz Bandeira relata que o embaixador Oswaldo Aranha tinha especial simpatia pelos Estados Unidos, enquanto que o ministro da Fazenda, Arthur de Souza Costa, apoiava a Alemanha, principal rival dos EUA, desde a Primeira Guerra Mundial, na conquista dos países da América Latina. O Brasil, em 1934, importava 23,67% dos produtos norte-americanos; 17,14% ingleses e 14% alemães. Em 1938 assinou acordo com a Alemanha e importou 25%, contra 24,2% dos EUA, 11,8% da Argentina e 10,4% da Inglaterra. Em 1939, com a guerra iniciada por Adolph Hitler, os alemães perdem espaço no Brasil. Nessa época, os produtos dos EUA representavam 33,5%, em 1940, 51,8% e em 1941, 60,3%. Enquanto isso, as importações de produtos brasileiros pelos EUA passaram de 32,2% em 1913 para 47,1% em 1927; de 53% em 1944 para 49,3% em 1945. In: Presença dos Estados Unidos no Brasil – dois séculos de história. São Paulo: Civilização Brasileira, 1973, páginas p.247-249.

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ideologia, enfrentando todas as resistências contrárias à mudança cultural que se apresentava

desde então.

O cenário da Segunda Guerra Mundial era propício para que os norte-americanos

angariassem apoio não só de brasileiros contrários à política dos alemães, mas também

daqueles preocupados com o enfraquecimento de países da Europa diante do avanço da

Alemanha. O Brasil rompeu com esse país em 1942, quando Getúlio Vargas se aproximou de

Roosevelt. “A penetração econômica e militar atingiu a superestrutura da sociedade,

modificou hábitos e costumes, padrões de comportamento, consciência e linguagem”

(BANDEIRA, 1973, p.309).

Neste período, o DIP mantinha sedes em Nova York e em Washington, tendo

funcionários como John M. Clark, editorialista da Washington Post, e depois Francis A.

Jamieson, da Associated Press. A função era emitir notícias sobre os Estados Unidos para o

rádio, para o cinema e para os jornais impressos da América Latina. “Os profissionais da área

tinham de contra-atacar o serviço de propaganda da Alemanha, presente na América Latina

com a Agência Transoceânica Alemã que fornecia notícias e fotos a preços insignificantes”

(TOTA, 2000, p.55).

O pesquisador Pedro Tota (2000) aponta que entre as publicações patrocinadas pelo

Office estavam a revista Seleções, produzida nos Estados Unidos para a divulgação da

ideologia norte-americana; e a revista Em Guarda, com reportagens sobre materiais bélicos,

serviços de enfermagem e notícias sobre as vitórias dos aliados, em 1945, cuja tiragem era de

500 mil exemplares para toda a América Latina.

Para sedimentar o espaço nos jornais brasileiros havia o investimento em propaganda

que passou gradativamente de 4 milhões de dólares, em 1941, para 20 milhões de dólares, em

1945. “A América Latina transformou-se numa região experimental para a nação mais

poderosa do mundo. Os Estados Unidos esperavam, com a política da boa vizinhança,

promover e melhorar o nível de vida dos países da América Latina, em especial o Brasil”

(TOTA, 2000, p.186), uma forma de combater o nacionalismo estatizante e a disseminação de

idéias comunistas.

O DIP tinha mais de 300 funcionários, como Orígenes Lessa, Marcelino de Carvalho,

Raimundo Magalhães e Carlos Cavalcante, responsáveis pela produção de fotos, discursos,

panfletos e documentos oficiais distribuídos para os jornais brasileiros. Roberto Pompeu de

Sousa Brasil, ainda jovem, deixou-se envolver pelo espírito conquistador dos Estados Unidos

e participou das ações patrocinadas pelo DIP. Ele atuou como jornalista em terras norte-

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americanas e se destacou como o disseminador das idéias modernizantes de fazer Jornalismo

no Brasil.

O modelo norte-americano, apontado por Carlos Eduardo Lins da Silva (1992) como

hegemônico para o Jornalismo Brasileiro, ganhou a adesão de Pompeu de Sousa, numa

trajetória que correspondeu aos anseios de uma época entregue aos sonhos de um novo tempo,

ao desenvolvimento econômico. Quando foi convidado para o intercâmbio cultural com os

Estados Unidos, entre 1942 e 1943, Pompeu de Sousa era editor de notícias internacionais do

Diário Carioca, onde começara a trabalhar em 1940, mesmo período em que acontecia a

Batalha da França contra os alemães.

“Vivíamos esmagados por essa expectativa do domínio nazista no mundo e, ao mesmo tempo, pela presença do Estado Novo, do fascismo caboclo aqui. Quer dizer do fascismo patriarcal, que não chegava a ser propriamente um fascismo, era uma ditadura patriarcal parafascista, que obtinha a sua autenticação através da vitória do fascismo no mundo. (...) Eu comecei a usar a minha coluninha A Guerra Dia a Dia, que deveria ser estritamente noticiosa e objetiva, de condensação dos fatos da guerra, para burlar o DIP, usando os fatos da guerra – a luta contra o fascismo no exterior – como forma de dirigir indiretas ao fascismo interno” (DUARTE, 1992, p.39).

Por outro lado, a todo instante, os Estados Unidos mostravam suas intenções na

organização mundial após Segunda Guerra Mundial, com a condição de que deveriam

prevalecer seus conceitos de desenvolvimento e de democracia, com a implantação de uma

disciplina internacional “compatível com a preservação do american way of life e em defesa

de seus interesses econômicos” (FURTADO, 1978, p.39), sem perder o terreno conquistado

na América Latina nas primeiras décadas do século.

“A expansão do capital norte-americano no Brasil, e países da América Latina em geral, assume a forma praticamente exclusiva de penetração dos grandes conglomerados. (...) Entre 1950 e 1965, os investimentos fixos norte-americanos em manufaturas latino-americanas aumentaram de 780 para 2.714 milhões de dólares, sendo 722 milhões no Brasil” (FURTADO, 1978, p.81).

Tais números evidenciam a supremacia dos Estados Unidos no continente latino

americano, sendo que estes acontecimentos, interligados a toda a estrutura de dominação

econômica, de influência política e modificações no sistema cultural, buscavam adeptos do

modelo de expansão do capitalismo norte-americano entoado na música do desenvolvimento,

da mudança, da substituição do velho pelo novo.

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2.3 Industrialização da imprensa

Com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda19, instituído em 1939, a

imprensa brasileira registrou um dos episódios mais marcantes na censura à sua liberdade de

expressão e de informação. A expansão industrial, no entanto, não era afetada, porque os

recursos governamentais empregados na publicidade dos atos oficiais beneficiavam as

empresas de comunicação, fator de fortalecimento da indústria de comunicação de massa no

Brasil.

A principal arma usada pelos países para a massificação de informação foi o rádio,

com propagandas sobre o governo americano. No início das atividades do Birô Internacional

no Brasil, os EUA tinham apenas 12 estações de rádio em ondas curtas na América Latina,

com pouca potência se comparadas às rádios inglesas, alemãs e italianas. De forma planejada,

os especialistas iniciaram uma pesquisa de opinião pública para montar o projeto de

transmissões radiofônicas em duas frentes, com transmissões diretas dos Estados Unidos e por

intermédio de estações locais. Uma estratégia que lhes rendeu a participação em 200 estações

de rádio em toda a América Latina para transmissão de informações, sendo 92 delas

brasileiras (MOURA, 1993).

O intercâmbio promovido e sustentado pelo Birô Internacional influenciava todas as

áreas do conhecimento e refletia na economia, na administração das empresas, na medicina e

na educação – com a expansão de escolas de inglês, por exemplo.

“Embora o intercâmbio sugerisse troca de experiência e de especialistas em bases igualitárias, o movimento assumiu duas características preocupantes, primeiro, o número de americanos que vieram para o Brasil durante a guerra era infinitamente superior aos brasileiros que iam aos Estados Unidos. Em 1942, já estávamos inundados de jornalistas, radialistas, editores,

19 O DIP, criado por Getúlio Vargas, atuava como canal de controle da imprensa brasileira. Nos primeiros anos de sua existência empregava escritores e jornalistas renomados como Graciliano Ramos e Vinícius de Morais. (In: DUARTE, Maria de Souza - Pompeu. Brasília. 1992. Pág. 41). Após o golpe de 1964, o DIP transformou-se no órgão de censura e perseguição aos jornalistas. Com a publicação do AI-5, o governo impôs total controle dos meios de comunicação de massa. Muitos jornais foram invadidos, depredados ou fechados pela Polícia. O Correio da Manhã e o Jornal de Brasil deixaram de circular; os diretores foram presos e as redações ocupadas por forças policiais e militares. O Correio da Manhã desapareceu de circulação. (In: Jéferson de Andrade e Joel Silveira (colaborador). Um jornal assassinado. Rio de Janeiro. José Olympio Editora. 1991). O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde tiveram suas edições apreendidas. A Tribuna da Imprensa foi submetida a atos de violência, entre os quais oito anos de censura prévia. Última Hora sobreviveu até 1971, quando Samuel Wainer foi obrigado a vendê-lo. A imprensa alternativa nesse período sofreu um rigor da censura ainda maior que a grande e média imprensa. O Pasquim teve seus diretores e principais redatores presos. Só após o fim do AI 5, com a liberdade de imprensa, a abertura política, a anistia e as eleições, nos anos 80, os meios de comunicação fizeram o balanço da tortura, do terrorismo, da censura e do autoritarismo que durou quase duas décadas. In: RIBEIRO, José Hamilton. Jornalistas – 1937 a 1997. SP. Imprensa Oficial do Estado: S.A. IMESP. 1998. 240 p.

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professores, cientistas, escritores, músicos, diplomatas, empresários, técnicos, estudantes, pesquisadores de mercado oriundos do norte – o que levou o ministro Osvaldo Aranha à tirada bem-humorada de que mais uma missão de boa vontade e declaramos guerra aos Estados Unidos! (...) Os especialistas americanos vinham à América Latina ensinar suas técnicas e exibir suas realizações, enquanto que os brasileiros (os latino-americanos em geral) eram favoráveis aos Estados Unidos, com um sentimento de amizade, de boa vontade. Em poucas palavras, os brasileiros iam aos Estados Unidos para aprender; os americanos vinham ao Brasil para ensinar” (MOURA, 1993, p.50).

O tratamento intensivo ao Brasil durou entre os anos de 1940 e 1946, mesma fase em

que se fortalecia a ditadura do Estado Novo, tendo como base a política de investimento dos

Estados Unidos nas mais diversas áreas. O fim do Birô Internacional, porém, não encerrou o

intercâmbio de informações oficiais e as conexões estabelecidas com os meios de

comunicação e com as universidades, institutos culturais e empresas. A estratégia adotada era

a de assegurar o espaço conquistado ao longo de seis anos de atuação sistemática sobre a

imprensa brasileira, através das agências de notícias, dos filmes de "mocinhos e bandidos" e

sobre a "perfeita" família americana traduzidas pela linguagem de Hollywood (MOURA,

1993).

Jacques Alkalay Wainberg (1997) avalia que o processo de industrialização da

imprensa brasileira foi letárgico, se comparado com o sistema comunicacional norte-

americano. “A partir de 1920, o Brasil caminha rumo à modernidade, realizando uma

trajetória que os Estados Unidos começaram com intensidade a partir da segunda metade do

século passado” (WAINBERG: 1997, 39). Para comprovar sua tese, o pesquisador aponta que

em 1937 o Brasil tinha 220 publicações, 15 delas como veículos noticiosos; em 1954,

somente no Rio de Janeiro circulavam 13 jornais matutinos e seis vespertinos e, em 1958, o

país contava com 192 jornais matutinos e 76 vespertinos.

O Diário Carioca integrou esta referência histórica de transformações da imprensa

brasileira e da política nacional, não apenas pelas posições editoriais que praticou durante os

seus 37 anos de existência. Sua marca inconfundível deveu-se, sobretudo, ao corpo de

jornalistas que se envolvia na produção jornalística inovadora e ousada.

O lado eminentemente jornalístico era formado por uma equipe coordenada por

Pompeu de Sousa e composta por jornalistas como Luís Paulistano, Carlos Castelo Branco,

Jânio de Freitas, José Ramos Tinhorão, Evandro Carlos de Andrade, Armando Nogueira e

Gílson Campos. Do lado empresarial estavam Horácio de Carvalho Júnior, proprietário do

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jornal, e José Eduardo de Macedo Soares, que dirigia a linha editorial do jornal e encampava

os interesses da elite econômica nacional (DUARTE, 1992).

O Diário Carioca introduziu significativas inovações na imprensa brasileira, com o

uso do lide e a presença de um corpo de copidesques em sua redação. Segundo Deodato Maia,

secretário do jornal de 1949 até o momento em que este encerrou suas atividades, a qualidade

de seu Jornalismo, se tomada em termos estritamente profissionais, podia ser atestada pela

presença de jornalistas que se destacaram na imprensa como um todo20.

Além dos jornalistas já citados, passaram pelo Diário Carioca os cronistas Paulo

Mendes Campos, Fernando Sabino, Antônio Maria, Rubem Braga, Otávio Bonfim, Otto Lara

Resende; os poetas Thiago de Mello e Vinícius de Morais; os cronistas sociais Jacinto de

Thormes e Jean Pouchard; os críticos Antônio Bento, Paulo Francis, Ricardo Galeno,

Francisco Pereira da Silva e Sábato Magaldi, além de Nilson Lage, Nilson Viana, Epitácio

Timbaúba, Américo Palha, Hélio Fernandes, Carlos Lacerda e José Carlos de Oliveira; o

comentarista internacional Newton Carlos e o redator político Hermano Alves, entre outros

(DUARTE, 1992).

Na direção da redação estava o jornalista que pensou no processo de atualização da

linguagem jornalística, Roberto Pompeu de Sousa Brasil. Sua ação pioneira teve como

cenário a década de 50, propícia para as inovações que aconteciam em todo o país, com o

processo de industrialização dos meios de comunicação.

O Diário Carioca foi o primeiro a aderir às técnicas norte-americanas, introduzindo

contribuições que até hoje são reconhecidas pelo Jornalismo moderno. Na realidade, a época

proporcionou um conjunto de modificações pelo estabelecimento definitivo da indústria

cultural, com a massificação do rádio, o surgimento da televisão, o cinema e os discos. “O

Brasil vai rompendo com as velhas estruturas, velhas relações de produção (...) O Brasil

atravessava uma fase de expansão capitalista (...) Em todas as áreas regidas pelas relações

capitalistas, a imprensa atingiu a etapa de empresa, a etapa industrial” (SODRÉ, 1983, p.392).

O desenvolvimento da imprensa no Brasil esteve ligado ao desenvolvimento

econômico do país, ou seja, houve condições específicas para aprimorar as técnicas utilizadas,

mais especificamente a forma sobre como divulgar um fato, a apresentação da notícia

(SODRÉ, 1983). É nesse momento que as redações exigiram investimentos tecnológicos, com

a aquisição de máquinas mais sofisticadas para darem conta da produção dos periódicos, pelo

20 Depoimento registrado no Dicionário de Verbetes da Fundação Getúlio Vargas – Centro de Pesquisa e Documentação Histórica – In: LEAL, Carlos Eduardo - Diário Carioca http, //www.cpdoc.fgv.br Acesso em 11 de novembro de 2003.

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crescimento do número de leitores. A divisão de trabalho nas redações passou a ser uma

necessidade intrínseca a este desenvolvimento empresarial, com a presença de profissionais

mais qualificados, de intelectuais que conseguissem transitar por várias áreas do

conhecimento para atender à demanda de um público sedento pelo saber e pela informação.

As informações circulando pelo rádio, desde seu nascimento em 1922, davam o

aspecto de modernidade que passou a mover a imprensa, que procurava agilizar o processo de

impressão dos periódicos. Até 1925, nos maiores centros urbanos do país, a Marinoni era a

rotativa usada para a impressão de jornais médios e pequenos. “Na época, as grandes tiragens

oscilam entre 30 mil e 60 mil exemplares. De 1928 em diante, com rotativas Man, a imprensa

diária e semanal generaliza a cor, os cadernos, os encartes e os suplementos” (BAHIA, 1990,

p.201), agilizando a impressão com uma única matriz, com reprodução de alto padrão.

A expansão industrial da empresa de comunicação estava inserida no contexto

nacional do fortalecimento do capital nas empresas brasileiras. A imprensa, para se firmar

neste território industrial, passou a buscar “novos consumidores de leitura” (BAHIA, 1990,

p.202). Dessa forma, estava sendo desenhado o caminho a ser trilhado pela imprensa a partir

dos anos 50, quando o sistema de comunicação estava em pleno desenvolvimento com o

funcionamento do telégrafo, dos correios, das ferrovias e rodovias, das linhas aéreas, além do

telefone e do telex (COSTELLA, 2002).

“O Jornalismo entrara, ainda que timidamente, numa faixa de operação industrial que contrasta com a tradição boêmia, ativista, idealista nas fases anteriores. O jornal mito, identificado com a visão personalista do seu proprietário, cede lugar ao jornal-empresa. O progresso da imprensa reflete a do país, a retificação de concepções, teorias e práticas que rompem com velhas fórmulas e redescobrem valores, caminhos, objetivos, inspirados nas suas imensas potencialidades naturais. As reformas em andamento na sociedade afetam o Jornalismo, onde atuam a elite intelectual e a classe política” (BAHIA, 1990, p.203).

O passo seguinte a esta modernização empresarial seria o da qualificação editorial,

para garantir as necessidades do novo perfil de leitor que a sociedade industrial produzia.

Pompeu de Sousa, que ficou um ano nos Estados Unidos realizando programas para as rádios

NBC (National Broadcasting Company) e CBS (Columbia Broadcasting System), trouxe na

bagagem um cabedal cultural que revolucionou as técnicas jornalísticas brasileiras. Somado à

prática redacional, adquirida no Diário Carioca durante a atuação como editor de

internacional, com a publicação da coluna A Guerra Dia a Dia, que sistematizava

informações fornecidas por várias agências de notícias sobre a Segunda Guerra Mundial,

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Pompeu de Sousa reuniu seus conhecimentos e produziu um novo padrão jornalístico para o

Jornalismo Brasileiro. Inicialmente, transformou o DC num jornal moderno na apresentação

dos fatos, com uma linguagem mais dinâmica e objetiva.

Seu esforço estava em seguir e fazer seguir rigidamente as regras do lide, uma

iniciativa que deu a Pompeu de Sousa o título do jornalista responsável pela reforma mais

ousada na história da imprensa. Em 1950 apresentou o Style Book – considerado o primeiro

manual de redação brasileiro, com indicações e padronizações técnicas da linguagem objetiva,

concisa, direta que até hoje é a base para a construção da notícia.

Na direção do Diário Carioca estava Danton Jobim, também adepto da técnica norte-

americana e um dos pais da objetividade jornalística na Brasil, com uma contribuição que

ajudou a colocar a imprensa brasileira na modernidade (LINS DA SILVA, 1992, p.14). Jobim

defendeu que o Style Book representava uma conseqüência das “condições impostas pelo

desenvolvimento da indústria jornalística mais do que do temperamento americano ou da

american way (JOBIM, 1992, p.83) e reconheceu as vantagens de adotar o manual de redação

devido ao melhor desempenho do repórter, “quando ele escreve dentro da medida padrão, do

cânone, imposto pelas exigências da tipografia e da paginação. O limite certo o obriga a

esquematizar as idéias e os fatos a narrar” (JOBIM, 1992, p.47).

Na chefia de reportagem, Luís Paulistano que, envolvido nesse espírito inovador,

acrescentou ao lide, o sublide. O resultado imediato se deu nas bancas: o jornal passou a

vender de 30 a 45 mil exemplares nos dias úteis e 70 mil aos domingos, um recorde para a

época (SODRÉ, 1983).

O Diário Carioca foi impresso por uma rotativa Marinoni durante toda sua existência.

Até a adoção do Style Book imperava em suas páginas o nariz-de-cera, assim como em todo

jornal brasileiro. Pompeu de Sousa, em depoimento aos jornalistas Aristélio Andrade, Luiz

Paulo Machado e Maurício Azevedo, em 1978, explicou o motivo que o levou a modificar os

padrões da imprensa brasileira. “O jornal inicial foi um panfleto em torno de dois ou três

acontecimentos que havia a comentar, mas não a noticiar. (...) Quando a complexidade dos

acontecimentos foi obrigando o jornal a se transformar num veículo de notícias (...) com a

ocupação e o dinamismo que foram tomando conta da vida, ninguém mais tinha tempo de ler

este tipo de noticiário (...) o leitor queria se informar”, (DUARTE, 1992, p.44).

A avaliação de Pompeu de Sousa sobre a expectativa do leitor e a necessidade de

transformar o Jornalismo numa linguagem mais informativa, a fim de acompanhar as

mudanças vivenciadas pela própria sociedade, comprova seu espírito inovador, sempre atento

às novas idéias e propostas. Tal percepção, aprimorada por sua experiência na redação do

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Diário Carioca e durante sua estadia nos Estados Unidos, criaram as condições que marcaram

sua trajetória profissional na imprensa brasileira.

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3 CAPÍTULO II - A VIDA NO RIO DE JANEIRO

A família de Pompeu de Sousa era preeminente no Ceará. Oligárquica, dominava a

política naquele estado, onde possuía uma fazenda. O bisavô, Tomás Pompeu de Sousa Brasil

(PLIB), nasceu em 1818, em Santa Quitéria. Foi deputado geral entre 1845 e 1847; deputado

geral federal, em 1848; e senador entre 11 de fevereiro de 1864 e 2 de setembro de 1876:

foram 15 anos de mandato público. Além de ter sido sacerdote, foi professor e, como

jornalista, ajudou a fundar o jornal liberal O Cearense, em 1846. Assumiu a direção de

Instrução Pública do Ceará e fundou o Liceu Cearense, sendo seu primeiro Doutor. Era

membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Societé de Geographie de Paris.

Como político, votou a favor da Lei do Ventre Livre. Quando assumiu a cadeira de senador

do Império, abandonou o sacerdócio, época em que teve o filho Antonio Pompeu de Sousa

Brasil, médico que também foi eleito deputado provincial do Ceará, pai de Roberto Pompeu

de Sousa Brasil.

Pompeu de Sousa nasceu em 22 de março de 1916. Chegou ao Rio de Janeiro com 15

anos, carregando na mala o sonho de fazer o curso de Direito. Um sonho que trouxera de sua

terra natal, o município cearense de Redenção21, o primeiro a libertar os escravos, quatro anos

antes do resto do Brasil. Foi educado em casa, pelo pai que, em função dos exames

probatórios, avançou a idade dele em dois anos. Quando morreu, tinha 75 anos biológicos e

77 anos oficiais.22

Aos 18 anos de idade, o filho de Antônio e Olímpia Pompeu de Sousa Brasil foi

professor interino de Língua Portuguesa no Colégio Pedro II23, considerado o colégio padrão

do país (DUARTE: 1992), entre 1936 a 1938. Na Escola Amaro Cavalcanti, da Prefeitura do

Distrito Federal, lecionou História da Civilização, no mesmo período. Aos 22 anos pisou, pela

primeira vez, na redação do Diário Carioca, onde ajudaria a construir parte da história da

imprensa e teria o estímulo para participar da política brasileira.

Era amigo de Assis Chateaubriand, que sempre lhe cobrava o fato de não ter ido

trabalhar nos Diários Associados.

21 Redenção é o seu nome, em homenagem à cidade que serviu de exemplo como primeiro município brasileiro a abolir a escravatura, cinco anos antes da princesa Izabel assinar a Lei Áurea. A cidade era conhecida como "Rosal da Liberdade", com uma área de 240,70 quilômetros quadrados, limitando-se ao norte com Palmácia e Guaiúba, ao sul com Aracoiaba, à leste com Acarape e Barreira e à oeste com Pacoti e Baturité. 22 Nesta tese, a idade de Pompeu de Sousa sempre estará respaldada no registro oficial de seu nascimento 23 O ensino no Colégio D. Pedro II era apontado como de primeira linha; teve em seu quadro docentes personalidades como Benjamin Constant e ajudou a formar a elite intelectual brasileira. In: FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1959. 352 p.

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“Nós mantivemos, ao longo de um período muito extenso da nossa vida, um namoro que nunca chegou em casamento, porque eu me tornara, de foca, primeiro em chefe de redação, depois diretor do Diário Carioca; mas Chateaubriand jamais me perdoou por não ter ido para os Diários Associados. Cada vez que nós nos encontrávamos, ele me exprobava com aquela sua voz característica: “Seu Pompeu, você é um comandante de longo curso, não pode comandar o Diário Carioca, tem que comandar um transatlântico, porque o Diário Carioca é uma falua, o Diário Carioca é uma falua!” (POMPEU, 1988, 25).

Quando Pompeu de Sousa conheceu Othília, ele já era pai de Ana Elizabete Pompeu

de Sousa e Luciana Pompeu de Sousa, filhas de seu primeiro casamento. Os amigos não

sabiam do romance que ele mantinha com Othília. Era um segredo. Com ela teve mais quatro

filhos: Sonia Regina Pompeu de Sousa, Roberto Pompeu de Sousa, Ricardo Pompeu de Sousa

e Ana Lúcia Pompeu de Sousa. Quando morreu, em 1991, tinha oito netos.

O romance começou em 1949, quando Pompeu tinha 33 anos e ela 17. Eles se

conheceram na Confeitaria Colombo, que ficava na rua Gonçalves Dias. Ela era professora de

datilografia na Escola Remington, que ficava na área central do Rio de Janeiro, se recorda

Othília Pompeu de Sousa. “O casamento foi por amor. Eu tinha uma admiração muito grande

por ele, pela inteligência dele, pelo que ele sabia, sabia tudo. Ele me dizia: ‘Meu amor, o

jornalista tem que saber de tudo um pouco’. E ele me dava livros para ler. Ele era bem

gordinho e eu não gostava de homem gordo. Primeiro foi a admiração intelectual”24. Um ano

depois, estavam vivendo juntos, um casamento que durou 41 anos.

Homem das artes e da cultura, Pompeu era apaixonado por literatura, cinema e música,

com um gosto especial por Guimarães Rosa e Graciliano Ramos. Apreciava Chico Buarque,

Cartola e Noel Rosa. Adorava os clássicos, principalmente Mozart, Beethoven e Bach. Mozart

40 era a sua sinfonia preferida, mas sempre ouvia o Adágio, de Romasco Abbinoni, e as

Bachianas Brasileiras, de Villa-Lobos. Quando via a televisão questionava: “Por que tanta

violência?"25

Nas páginas do Diário Carioca escrevia críticas de teatro, que eram publicadas na

primeira página e assinadas como Roberto Brandão. O pseudônimo era usado para que o

homem que apreciava o mundo das artes não fosse confundido com Pompeu de Sousa, o

jornalista político que acompanhava os passos do governo federal. Os leitores desconheciam

esta faceta literária e apenas a redação sabia a verdadeira identidade de Roberto Brandão.

24 Entrevista de Othília Pompeu a autora, em entrevista realizada em 14 julho de 2004, em seu apartamento em Copacabana, Rio de Janeiro. 25 Entrevista de Othília Pompeu a autora, em entrevista realizada em 14 julho de 2004, em seu apartamento em Copacabana, Rio de Janeiro.

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Com os amigos se encontrava na Confeitaria Colombo, no centro do Rio de Janeiro.

Neste círculo de amizades, Prudente de Morais Neto e Castelo Branco, Manuel Bandeira,

Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Ziraldo, Nelson

Rodrigues e Augusto Frederico Schmidt.

A amizade que nutria por Nelson Rodrigues não o impedia de discutir com ele sobre

futebol, sua terceira paixão. Nelson torcia pelo Fluminense e Pompeu, para o Botafogo. Como

jornalistas, tinham credencial para entrar no campo de futebol. Nelson, que havia perdido o

documento, emprestou a credencial de Pompeu e a perdeu. “Houve um desentendimento entre

eles”26, que acabou por separá-los. Pompeu conheceu Nelson Rodrigues em 1943, quando ele

publicou Vestido de Noiva. “Eu fiquei fascinado pelo teatro dele. Eu estava recém-chegado

dos Estados Unidos, onde tinha descoberto o teatro universal e, até então, o Brasil tinha um

teatrinho digestivo, para fazer a digestão depois do jantar”27.

Pompeu era um homem que admirava os poetas, os escritores brasileiros e

portugueses. O poema que mais gostava, Vou-me embora pra Pasárgada28, de Manuel

Bandeira, é um extravasamento poético com imagens tiradas de uma vida que o autor sonhou

e com a qual o jornalista de identificava: ir para Pasárgada e tornar-se "amigo do rei", num

passeio ilimitado pelo instante da poesia, rumo a um lugar utópico onde tudo é possível. Este

poema desvela a esperança de cada ser, transforma o cotidiano em reflexão social e filosófica.

Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da noiva que nuca tive

26 Entrevista de Othília Pompeu à autora, em entrevista realizada em 14 julho de 2004, em seu apartamento em Copacabana, Rio de Janeiro. 27 Entrevista “A história de um socialista apaixonado”, publicada por Cláudio Lysias e Luiz Augusto Gollo para Correio Braziliense edição de 16 de junho de 1991, uma semana após a morte de Pompeu de Sousa. 28 In: Antologia Poética de Manuel Bandeira RJ. Ed. Do Autor, 1961, 225 páginas. Pasárgada é um local imaginário, eleito por Manuel Bandeira para a realização de um sonho, onde "a vida inteira que podia ter sido e que não foi", mas que acaba sendo o próprio mundo da poesia e da emoção poética.

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E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei um burro brabo Subirei no pau de sebo Tomarei banhos de mar! E, quando estiver cansado, Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d’água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E, quando eu estiver mais triste, Mas triste de não ter jeito, Quando de noite me dar Vontade de me matar Lá sou amigo do rei Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada

Na pequena biblioteca de seu apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro, Othília

Pompeu guarda vários livros do jornalista. Uma forma que encontrou para manter viva a

presença de Pompeu, através das lembranças preservadas pelo tempo. Na prateleira, destaca-

se o livro As Canções (1956)29 com a dedicatória do poeta português Antonio Boto, assinado

em 23 de maio de 1957:

“Ao querido Pompeu, que é uma das mais belas razões da verdadeira imprensa mundial. No meu abraço amigo para sempre, Antonio Boto”.

Sua história de vida está repleta de ações contrárias à falta de liberdade de expressão, à

ausência de autonomia da imprensa. “Eu sempre lutei contra toda forma de censura, não só no

29 As Canções, de Antonio Boto, Santa Teresa, RJ: Livraria Bertrand, 1956. 138 páginas.

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teatro, no cinema, na imprensa. E sou um brasileiro, com todas as características dos

brasileiros, que não pode ver sem se entusiasmar com uma pelada de futebol, que não pode

ouvir sem batucar um samba ou um chorinho. Sou um amante da música brasileira de

sempre30”.

3.1 A carreira profissional

Pompeu de Sousa sempre se mostrou um apaixonado pelo Jornalismo e foi essa a

imagem que passou para todos os amigos e profissionais com quem trabalhou, inclusive como

professor e senador da República. Para ele, Jornalismo “é o sistema nervoso da sociedade.

Então, o jornalista precisa ter sentimento da coisa pública. E, acima de tudo, é preciso paixão.

Sem paixão não se faz nada de grande”.31

Em sua vida profissional, ele produziu grandes manchetes sobre a derrubada de duas

ditaduras militares: a primeira sobre a queda do Estado Novo, de Getúlio Vargas, que durou

oito anos; e, a segunda, sobre a queda da ditadura militar, que durou 20 anos e 11 meses “que

pegou a minha geração de 40. A derrubada de ditaduras é sempre a manchete mais desejada e

mais importante para um povo que luta pela liberdade32”. Teve ainda duas grandes decepções

na profissão. A primeira foi ter que deixar a direção do Diário Carioca, em 1961, por causa

da interferência do proprietário do jornal na linha editorial que imprimia ao periódico,

contrário às ações de Jânio Quadros e a favor da posse de João Goulart na Presidência da

República. Depois, em 1964, quando foi demitido na Universidade de Brasília, logo após o

golpe militar.

Seu primeiro emprego como repórter aconteceu no Jornal Meio Dia33, de Joaquim

Inojosa. Foi um dos fundadores do jornal, em 1939, ao lado de Oswald de Andrade, Jorge

Amado e Rafael Correia de Oliveira, onde permaneceu pouco tempo. Ocorreu que o

periódico, com problemas financeiros, aproximou-se da Embaixada Alemã, o que significou

30 Entrevista “A história de um socialista apaixonado”, publicada por Cláudio Lysias e Luiz Augusto Gollo para Correio Braziliense edição de 16 de junho de 1991, uma semana após a morte de Pompeu de Sousa 31 Declaração publicada na reportagem “Pompeu de Sousa: como o jornal pode ganhar da teve”, de Roberto Borges, Correio Brasiliense, edição de 27 de junho de 1986 32 Declaração publicada na reportagem “Pompeu de Sousa: como o jornal pode ganhar da teve”, de Roberto Borges, Correio Brasiliense, edição de 27 de junho de 1986 33 O jornal Meio-Dia foi fechado em 1940, por determinação do Departamento de Imprensa e Propaganda, na época dirigido por Lourival Fontes, simpatizante da política dos Estados Unidos e contrário ao nazismo. In: Lourdes Sola. O golpe de 37 e o Estado Novo. MOTTA, Carlos Guilherme (org. e introdução). Brasil em Perspectiva. 3a. edição. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971 p. 256-282.

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apoiar a política nazista da Alemanha. O jornal acompanhava atentamente as relações

internacionais do Brasil com os Estados Unidos e com a Europa, principalmente da nação

germânica. Na edição de quinta-feira, 09 de março de 1939, a manchete revelava que estava

Estabelecido o acordo final - Entendimento entre EUA e Brasil, transmitida pela Agência

de Notícias H, de Washington:

Informações coletadas junto ao Departamento de Estado ficou estabelecido acordo final entre o ministro Oswaldo Aranha e o sub-secretário de Estado Summer Wells durante reunião realizada na tarde de ontem. O texto do entendimento entre os dois paises será publicado logo depois do novo encontro entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil com as autoridades federais. Embora a redação final do acordo seja conservada secreta, os ciclos responsáveis afirmam que as principais posições se referirão a concessão de crédito destinado a descongelar no Brasil as contas comerciais atrasadas dos exportadores dos EUA; a concessão de créditos destinado a facilitar o desconto sobre as vendas dos produtos dos EUA; o auxílio destinado para a formação do Banco Central do Brasil. Um dos pontos mais importantes do acordo será, sem dúvida, esperar a cooperação do governo americano na concessão e facilidades para a colocação de determinados artigos no mercado brasileiro. Dentro esses, é preciso destacar em primeiro lugar o material ferroviário, pois aqui não é segredo que um dos pontos principais do grandioso plano qüinqüenal, instituído recentemente pelo presidente Getúlio Vargas, é o aumento e o aperfeiçoamento da rede ferroviária no Brasil, tidos como um fator preponderante para mobilizar em grande escala as incalculáveis riquezas do hinterland brasileiro, para quais parece iminente uma fase de progresso sem paralelo na história do Brasil. Antecipa-se outros que o acordo ianque brasileiro prevê um auxílio dos EUA no caso do Brasil resolver a criação do Banco Central. É possível também que o acordo faça referência para a criação de uma cooperação brasileira - Cooperação Industrial Ianque Brasileira.

Na página 2 da edição de 9 de março de 1939, Meio Dia destacava a informação de

que Brasil e EUA permanecem unidos para a defesa contínua da paz, tendo em vista o

conflito europeu. O acordo político era traçado por Carlos Martins Pereira e Sousa,

embaixador do Brasil, junto ao governo do presidente Franklin Roosevelt. A notícia mostrava

a intenção dos dois países em “em manter os ideais e aspirações pelos quais os EUA e Brasil

procuram manter o rigor do Direito Internacional para o estabelecimento da ordem e da

paz”.

Este acordo, com repercussão no noticiário do jornal Meio Dia, de 10 de março de

1939, explicava que havia a promessa do Brasil que “assumiu o compromisso de estabelecer

o pagamento de suas dívidas de 357 milhões de dólares em moeda ianque (...) e a virtuosa

soma de quase 20 milhões para a disposição da representação sul-americana pelo Banco de

Exportações e Importações”, para que o governo brasileiro “controlasse o movimento de

moedas estrangeiras no seu território”.

O Jornal Meio Dia se intitulava um jornal do povo e falava tanto para os homens

intelectuais do Rio de Janeiro quanto para a elite que administrava o país. Cobria desavenças

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trabalhistas, eleições de sindicatos, esportes, campeonatos locais de natação, futebol, hóquei,

os acontecimentos do meio artístico, programações nos cinemas e teatros, assim como

questões políticas e econômicas que envolviam o desenvolvimento do Brasil. Dava

orientações sobre saúde pública, como a matéria que saiu no dia 14 de março de 1939, página

05, com o título: Não beba o primeiro jato da torneira – “Cólicas intestinais, hepáticas,

vômitos e equitericeas, cefaléia etc são as graves conseqüências deste soluto, são de chumbo,

são venenos musculares”. O jornal explicava que a intoxicação no Rio de Janeiro era causada

pelos encanamentos de chumbo e recomendava à população que não bebesse “água do cano

de chumbo”.

As notícias sobre a Segunda Guerra Mundial eram oferecidas pela agência United

Press para o Meio Dia. No dia 25 de março de 1939, a manchete foi: Começou a guerra.

Aviões húngaros bombardearam a cidade de Zipeneutorf. Porém, aos poucos, o jornal

passou a dar mais espaço para as ações alemãs. Na edição de 20 de abril de 1939, página 3, a

prioridade foi o aniversário de Hitler, com o título: O povo alemão celebra hoje o

aniversário de seu Führer, com o subtítulo “Marcar-se-ão de grandiosidade inédita as

homenagens que serão prestadas hoje a Adolph Hitler”, com uma foto do líder nazista no

meio da página:

“A grande Alemanha tributa hoje oficialmente excepcionais homenagens a Adolph Hitler, chanceler do Riech e Führer do povo alemão. Sobressaindo entre as grandes figuras de seu tempo pela impetuosidade de as decisões com que vem agindo no cenário internacional, por mais infesso que se seja a ideologia que ele criou, a sua personalidade é dessas que atraem (...) O sr. Adolph Hitler completa hoje 50 anos e a efemeridade está sendo festejada com diversas manifestações em toda Alemanha. Os germanos gostam do kolossal e é compreensível que a ele recorram em se tratando de exaltar um homem que os vai conduzir no consenso deles para destinos pessoalmente magníficos. Lançando um olhar através da campina alpestre de Berchtesgaden, dizia o senhor Hitler em recente discurso: a sua emoção toda a vez que divizava a vizinha paisagem austríaca, onde seu pai vivera e lhe guiara os primeiros passos na vida. Que vertiginosa ascensão depois disso. A infância humilde, a adolescência sonhadora e a mocidade decorrida entre o estudo e a modesta profissão de pintor de portas e paredes e agora na maturidade como chefe supremo da grande Alemanha. Devemos convir que ao sr. Hitler só há razões para orgulhar-se e os alemães com ele (...)”.

A publicação da matéria marcou a mudança da linha editorial do jornal Meio Dia,

envolvendo-se favoravelmente às ações da Alemanha, com a divulgação das fotos de Hitler

para mostrar a ascensão da Alemanha sobre a Europa. Uma ação editorial que pode ser

percebida pela origem do material publicado. Na primeira página do dia 20 de abril de 1939, o

jornal anunciava que as notícias vinham “diretamente de Berlim” e, com o título Força!,

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mostrava as festas comemorativas do aniversário do Füher e o poder militar do Riech,

produzidas especialmente para o Meio Dia:

“O aniversário do Fürher está sendo comemorado com brilho extraordinário. As ruas de Berlim estão profusamente enfeitas com bandeiras da cruz gamada, com retratos do chanceler de todos os formatos e todas as cores. Esses retratos estão geralmente cercados de flores e folhagens e ontem à noite estiveram rodeados de velas acesas. As primeiras horas na Alemanha a circulação era dificultada por destacamentos de tropas e grupos de nazistas uniformizados que e dirigiam aos lugares das diversas manifestações e verdadeira multidão está seguindo desde as 8 horas da manhã para o lugar onde às 11 horas deve se realizar a grande parada. Muita gente carrega caixas e escadas para ver melhor e com mais comodidade o desfile das tropas. A guarda pessoal do Fürher, que encerrou as cerimônias de ontem, inaugurou também as de hoje. Às 8 horas, a banda da guarda tocou alvorada embaixo da janela do chanceler e às 9 horas realizou-se diante de Fürher o grande desfile. Após a guarda pessoal, seguiu-se o batalhão da honra da polícia. As cerimônias oficiais e as felicitações começaram logo em seguida”.

Todas as edições de maio de 1939 referem-se à Segunda Guerra Mundial, com notícias

e fotos produzidas em Berlim e encaminhadas para a redação pela agência Transocean. O

material era publicado sempre na primeira página, com destaque de que era exclusividade

para o Meio Dia. Na edição do dia 8 de junho de 1939, primeira página, há uma foto de

soldados nazistas sendo cumprimentados pelo alto escalão alemão. O marechal Goiring,

ministro do ar do Reich, distribuía condecorações aos voluntários da legião Kondor, que

combateram pela vitória de Franco, na Espanha, após a sua volta ao Reich. Na edição de 12

de julho de 1939, também na primeira página, as fotos mostram o poderio bélico da

Alemanha, com uma vista interna “da cabine do ultramoderno” avião de combate alemão

DOG 215. Mostra ainda uma foto do primeiro ministro da Bulgária, Kjosseivanoff, depois de

fazer uma visita ao Fuher Adolph Hitler.

A linha editorial, porém, estava vinculada à necessidade financeira que o jornal de

Inojosa enfrentava. A aproximação à Embaixada Alemã no Brasil permitiu ao Meio Dia

anunciantes alemães, principalmente os bancos. Na edição de 17 de novembro de 1939,

página 3, foi publicada a publicidade do Banco Germânico da América do Sul, com destaque

para o fundador: Dresdner Bank, anúncio conseguida com o apoio da Diplomacia Alemã do

Brasil. O mesmo anúncio foi repetido na edição de 21 de novembro de 1939; na edição de 21

de novembro, na página 5, novo anunciante: Banco Alemão Transatlântico, Deutsch

Ueberseeieshe Bank; na edição do 22 de dezembro de 1939, página 3, nova publicidade do

Banco Germânico.

Meio Dia era favorável à política alemã, em plena Segunda Guerra Mundial, o que

afastou Pompeu de Sousa de sua redação, o que lhe abriu oportunidade para trabalhar no

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Diário Carioca. Sua contratação aconteceu em junho de 1940. Nessa época, o jornal já tinha

disposição diferenciada para as matérias, com nova formatação gráfica, sem o joelho

(matérias quebradas, que continuam na página seguinte), alinhadas em colunas com começo,

meio e fim.

O Diário Carioca era um jornal com a aparência clara, com a impressão nítida das

matérias. Suas páginas tinham alinhamento, diagramação harmoniosa e as matérias principais

eram acompanhadas por boxes. Na década de 40, ensaiava a modificação gráfica e editorial

que passou a ser sua marca registrada a partir de 1950, uma forma de preparar o terreno para o

leitor, para as mudanças mais significativas na linguagem, com seus títulos mais fortes e mais

diretos.

A apresentação gráfica do DC demonstrava a preocupação de Danton Jobim com a

leitura do jornal, com o espaço e com a quantidade de informações que deveriam ser

publicadas. Danton Jobim procurava alternativas para que a imprensa priorizasse seu papel

informativo, com notícias curtas, concisas e objetivas para os leitores da década de 40. Uma

lição apreendida pelo aluno Pompeu de Sousa, que assimilou todo o ensinamento dado por

seu professor, superando-o na iniciativa de inovação técnica ao defender a transformação do

Jornalismo Brasileiro.

Entrar para a equipe do Diário Carioca representou uma guinada em sua carreira

jornalística. Pompeu de Sousa chegou à redação com o respaldo do dono do jornal, Horácio

de Carvalho Júnior, apresentado por seu contraparente Augusto Frederico Schmidt34, que

tinha como iniciativa patrocinar jovens que julgava talentosos.

“Quando entrei no Diário Carioca o Jornalismo era feito à base do nariz-de-cera, que era a introdução à notícia. Ninguém publicava em jornal nenhuma notícia que um garoto foi atropelado aqui em frente sem antes fazer considerações fisiológicas e especulações metafísicas sobre o automóvel, as autoridades do trânsito, a fragilidade humana, os erros da humanidade, o urbanismo do Rio. Fazia-se primeiro um artigo para depois, no fim, noticiar

34 O poeta Augusto Frederico Schmidt trabalhou, no começo da década de 1920, como balconista na Livraria Garnier, no Rio de Janeiro, e foi caixeiro viajante da Casa Carlos V. Pinto, fabricante de aguardente e álcool. Em 1928 publicou as obras poéticas Canto do Brasileiro e Cantos do Liberto. Conviveu com autores modernistas, como Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Em 1931 fundou a editora Schmidt, que publicou obras como Caetés, de Graciliano Ramos, e Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Entre 1948 e 1964 foram publicados seus livros O Galo Branco, Paisagens e Seres, Discurso aos Jovens Brasileiros, As Florestas, Antologia de Prosa e Prelúdio à Revolução. De 1956 a 1966, foi representante do Brasil na Operação Pan-Americana, delegado do Brasil na ONU e embaixador na Comunidade Econômica Européia. Publicou inúmeros livros de poesia, entre os quais Estrela Solitária (1940), Mensagem aos Poetas Novos (1950) e O Caminho do Frio (1964). Faleceu em 1965. Os dados sobre o poeta estão em BANDERIA, Manuel Bandeira - "Soneto em Louvor de Augusto Frederico Schmidt" In: Poesia completa e prosa. 4a. ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1990. p 745 e BANDERIA, Manuel Schmidt, poeta e economista. In: ANDRADE, Carlos Drummond (Seleção e coordenação de). In: Andorinha, andorinha. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1966. .385 p.

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que um garoto tinha sido atropelado defronte a um hotel” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.24).

O processo de construção do texto jornalístico representava a remanescência das

origens do Jornalismo, como reflexo da prática européia de comentar, explicar o fato e não

apenas noticiar.

“Uma das marcas do Jornalismo dos anos 50 foi a paixão política. O debate político conduzido pelos partidos de maior penetração nacional – de um lado o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de outro a União Democrática Nacional (UDN) – dominou o espaço de todos os jornais de grande circulação do período, o que os levou muitas vezes a ter papel ativo nas crises que sacudiram o país" (ABREU, 2002, 12).

Além da forma como o texto era produzido, Pompeu de Sousa revelou que havia um

desnível de qualidade do texto jornalístico e desorganização nas páginas dos jornais. Para

fugir destas formatações desequilibradas “o leitor acabou arranjando um processo de burlar o

nariz-de-cera: se ele queria se informar, lia o último parágrafo, fazia o lead, o lead às avessas”

(1978, p.24).

A tarefa de Pompeu na redação do DC era cuidar das notícias internacionais sobre a

Segunda Guerra Mundial. Escrevia a seção A Guerra Dia a Dia, estimulado por Danton

Jobim para produzir um noticiário “concatenado, ordenado, sistemático e coerente”35. Nesse

momento, o jornalista percebeu as diferenças dos textos jornalísticos utilizados pelas agências

de notícias e o texto produzido pelos brasileiros.

A publicação da primeira coluna aconteceu no dia 21 de maio de 1940, em primeira

página do jornal, edição 3658, terça-feira, dia de São Marcos. A proposta apresentada por

Danton Jobim era que Pompeu divulgasse os resumos das principais informações do dia,

fazendo uma síntese de todo noticiário recebido das agências de notícias, como descreve a

apresentação da coluna aos leitores:

“Iniciamos hoje a publicação diária da seção “A Guerra Dia a Dia” na qual procuraremos resumir e coordenar nosso amplo noticiário sobre as operações militares. Os nossos eleitores terão, assim, uma visão do conjunto dos principais acontecimentos da Frente, além do serviço normal de informações das agências telegraphicas nos enviam”.

35 Depoimento de Pompeu de Sousa a Aristélio Andrade, Luiz Paulo Machado e Maurício Azevêdo publicado inicialmente no jornal da Associação Brasileira de Imprensa, reproduzido no livro Pompeu, organizado por Maria de Souza Duarte, editado pelo Senado Federal, em 1992. O livro reúne uma série de textos com depoimentos de Pompeu de Sousa, de jornalistas e outros profissionais que o conheceram ou trabalharam com ele.

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Publicar as informações mais importantes sobre a Segunda Guerra Mundial

representava um processo, ainda incipiente, de edição das notícias recebidas pelas diversas

agências internacionais. Diante da quantidade de informações recebidas diariamente e da

forma como os jornalistas internacionais escreviam, teve a iniciativa, única, de editar as

matérias antes de serem publicadas pelo Diário Carioca. Despertava em Pompeu de Sousa a

sensibilidade do editor que burilava o texto jornalístico para deixá-lo mais fluente para os

leitores. E, assim, nasceu o espírito do jornalista preocupado com a qualidade da mensagem a

ser transmitida para o público. Pompeu de Sousa conta que:

“A guerra estava recém-começando, havia uma multiplicidade de informações tumultuadas e até contraditórias, porque vinham de várias frentes de luta e de várias procedências. A complexidade era tão grande que deixava o leitor em certa perplexidade. Danton queria que A Guerra Dia a Dia fosse um apanhado do noticiário do dia, mas concatenado, ordenado, sistemático e coerente. Comecei então a fazer essa coluna, lia os telegramas das agências, de todas as procedências, e extraía o principal, para desenvolvê-lo e apresentar o acontecimento do dia de forma ordenada, coerente” (DUARTE, 1998, p.38).

A coluna A Guerra Dia a Dia substituía a publicação da coluna Situação Mundial, que

era editada pelo próprio Danton Jobim. Era constituída por pequenas notas sobre a Segunda

Guerra Mundial, com intertítulos informativos para introdução aos fatos cotidianos, algumas

com fotos, como a apresentada no dia 21 de maio de 1940:

“De acordo com o que anunciara Reynald sobre seu propósito de mudar de métodos e para prosseguir a luta e ‘também como preconizou em seu discurso Winston Churchill sobre fazer uma guerra de assaltos ao invés de defensiva’, o governo dos maiores países aliados concordaram em alterar o comando supremo de seus exércitos e acertar a nova frase da guerra: a ofensiva invés de defensiva. E, assim, na noite do 10o. dia da gigantesca ofensiva alemã, as colunas motorizadas germânicas foram finalmente detidas pela vigorosa contra ofensiva iniciada pelas tropas francesas. As forças galegas sob novo comando do general Weygand refeitas já da surpresa dos primeiros momentos da tática adotado pelo inimigo, começaram a fazer sentir o seu forte potencial militar em defesa do território pátrio e nos primeiros passos de sua contra ofensiva”.

No dia 22 de maio de 1940, a coluna ressaltava que o objetivo era “resumir e

coordenar o nosso amplo noticiário sobre as operações militares”, o que possibilitaria ao

leitor “uma visão do conjunto dos principais acontecimentos da frente”. A apresentação era,

na realidade, uma forma de convencer o leitor que o resumo das notícias não iria interferir na

qualidade do material publicado, pois havia a garantia da qualidade do texto, priorizando a

informação, como na nota que compõe a coluna deste dia:

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“A ameaça da mancha

Retidas no seu avanço sobre o território francez, as columnas motorizadas no exercito do Reich atiram-se, desesperadamente, rumo aos portos do canal da Mancha, visando três objectivos claros: isolar as tropas anglo-belgas que lutam no território da Bélgica do grosso do exercito francez, cortar ou pelo menos difficultar as communicações marítimas entre a França e a Inglaterra e, possivelmente, atacar o território desta ultima, dada a extrema proximidade que estão conseguiriam da mesma”.

Sem espaço fixo para ser publicada, a coluna transitava em vários locais nas páginas

do Diário Carioca, vezes aparecendo em páginas pares, outras nas ímpares, abrindo ou não

uma página. O espaço ocupado também variava. A primeira coluna publicada tinha 15 cm de

altura por 26 cm de largura. No dia 22 de maio, seu tamanho era 17 cm de altura por 21 cm de

largura. A coluna do dia 23 de setembro, que foi publicada na parte inferior do jornal, ocupou

18 cm de altura por 19 cm de largura e a do dia 21 de novembro de 1940, 16 cm de altura por

21 cm de largura.

Estas oscilações eram comuns na imprensa da época, pelos recursos disponíveis para a

composição das páginas e pelo sistema de impressão dos jornais. Porém, é evidente que o

paginador procurava manter certa similaridade entre uma coluna e outra, já demonstrando que

o Diário Carioca buscava um padrão para a apresentação dos fatos cotidianos, procurando

aproveitar o espaço disponível para apresentar o máximo de informações para o leitor,

princípio que sempre foi defendido por Danton Jobim.

A coluna A Guerra Dia a Dia teve vida curta: deixou de ser publicada em 15

dezembro de 1940, encerrada por determinação do Departamento de Imprensa e Propaganda

que ameaçava fechar o jornal. É que Pompeu de Sousa mandava recados ao governo de

Getúlio Vargas, que era simpatizante do Nazismo, através das notas que publicava contra a

Alemanha.

“Durante o Estado Novo minha coluna levou um DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que era como designávamos na época uma intervenção da censura. Em resumo, minha modesta coluna valeu-se de três suspensões sucessivas. A terceira foi seguida de uma ameaça: ‘ou fecha a coluna ou fecha o jornal’. Fechou a coluna, é claro” (POMPEU; 1986, p. 40).

Para afastá-lo, o governo brasileiro oficializou o convite para Pompeu de Sousa

trabalhar nos Estados Unidos, através do intercâmbio cultural patrocinado pelo Birô

Internacional. Entre fevereiro de 1942 e outubro de 1943, o jornalista atuou nas rádios NBC

(National Broadcasting Company) e a CBS (Columbia Broadcasting System).

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3.2 Intercâmbio cultural

A partir da década de 40, os Estados Unidos passaram a incentivar e a desenvolver um

programa de intercâmbio cultural entre os dois países, com o aval do Departamento de

Imprensa e Propaganda, criado por Getúlio Vargas36, que administrava o País sob a égide do

Estado Novo. No cenário internacional, a Segunda Guerra Mundial fervilhava em terras

européias. Esses eram os ingredientes que aguçavam a curiosidade do jornalista Pompeu de

Sousa que começara a trabalhar como editor de notícias internacionais no Diário Carioca.

Pompeu de Sousa foi para os EUA indicado pelo Departamento de Imprensa e

Propaganda, onde permaneceu durante 22 meses. Neste período trabalhou nas rádios NBC

(National Broadcasting Company) e CBS (Columbia Broadcasting System), como

responsável por um noticiário de 15 minutos, além da produção de um radioteatro, que tinha

caráter político mais amplo e tratava do papel do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A NBC

estava instalada no prédio do Rockefeller Center e a CBS foi a primeira a ampliar o setor

radiofônico acompanhando a política de boa vizinhança dos Estados Unidos para com a

América Latina.

A Divisão de Rádio, comandada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda do

governo Getúlio Vargas, tinha como meta produzir programas com o apoio dos norte-

americanos para o Brasil, sob patrocínio de diversas empresas estadunidenses, como a

General Electric SA e a International Telephone da Telegraph Corp (SOUSA, 2004). O rádio

foi o instrumento de maior controle do DIP, pelo alcance populacional. Através da Hora do

Brasil, transmitia o noticiário governamental e o noticiário enviado de Nova York pela seção

brasileira do The Office of the Coordination of Inter-American Affairs (OCIAA).

Vários programas noticiosos eram produzidos nos Estados Unidos e retransmitidos

para o Brasil (SOUSA, 2004). Pompeu de Sousa integrou dois programas. No primeiro,

Brazilian News Broadcast, trabalhou junto com Júlio Barata, Raymundo Magalhães e

Orígenes Lesa. O conteúdo era enviado de Nova York por point-to-point e retransmitido pelas

estações governamentais no Brasil e para 89 estações locais, todas as noites, de segunda a

sábado. O segundo programa que contou com a participação de Pompeu de Sousa foi o Daily

36 O Departamento de Imprensa e Propaganda foi criado por decreto presidencial número 1.915, de 27 de dezembro de 1939, com o objetivo de difundir a ideologia do Estado Novo junto às camadas populares, porém sua origem está em 1931, quando foi criado o Departamento Oficial de Publicidade e, em 1934, com o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), conforme decreto 21.240 de 4 de abril de 1932. No Estado Novo, no início de 1938, o DPDC transformou-se no Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que deu lugar ao DIP, com setores de divulgação, radiodifusão, teatro, cinema, turismo e imprensa. In: CARONE, Edgard. A Terceira República (1937 –1945) São Paulo: Editora Difel, 1974. 585 p.

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Brazilian Reviuew, com comentário político em uma mesa redonda que discutia as notícias da

semana (SOUSA, 2004, 121). Também produziu os programas Este é o nosso inimigo, com

15 minutos de duração e divulgado todas as segundas-feiras; Estamos em Guerra e o

Radioteatro das Américas, programações de repúdio ao nazismo, O Canto das Américas, com

músicas dos cantores norte-americanos.

Além dos informativos, o jornalista organizava um radioteatro em programa semanal,

divulgando o sistema democrático dos EUA, numa contraposição ao regime nazista que fervia

na Europa, e tratava do papel do Brasil na Segunda Guerra Mundial. “A finalidade do grupo

era a produção de coberturas jornalísticas na América do Norte para serem transmitidas ao

Brasil, como parte das atividades do Departamento de Informação e Propaganda (DIP), órgão

criado pelo ex-presidente Getúlio Vargas” (PEREIRA, 2001, p.236), para centralizar,

coordenar, orientar e superintender a propaganda nacional interna e externa, e “servir,

permanentemente, como auxiliar de informações dos Ministérios e entidades públicas e

privadas, na parte que interessava a propaganda nacional” (SOUZA, 2003, p.108).

“Todo dia púnhamos uma peça no ar, uma peça de uma hora, que ocupava cinco ou seis dias de trabalho. Eu supervisionava todos os ensaios e a produção na cabine de controle com o diretor, e, além disso, escrevia e lia ao microfone um programa de 15 minutos sobre os acontecimentos do dia, as operações de guerra, isso na CBS, já que o radioteatro era alternado entre a CBS e a NBC. Havia ainda, no sábado, um programa de variedades. O hit parade dedicado aos grandes sucessos da música americana da época e no qual apareceu um jovem então desconhecido, Frank Sinatra” (PEREIRA. 2001, 236).

A ida de Pompeu de Sousa para os Estados Unidos aconteceu depois do bombardeio a

Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Ele começou a trabalhar, porém, em fevereiro de 1942.

Com ele estavam Orígenes Lessa, que era o responsável pela revista Planalto, publicação do

Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda – DEIP, em São Paulo, órgão do DIP;

Raimundo Magalhães Júnior, secretário de Lourival Fontes, que dirigia o DIP; e Júlio Barata,

diretor da Divisão de Rádio do DIP, que foi nomeado ministro do Trabalho durante o

Governo Médici.

“Eu estava entre quatro intelectuais brasileiros indicados para fazer um trabalho de aproximação Brasil-Estados Unidos, uma coisa bastante típica das contradições internas do Brasil. O governo americano pedira ao DIP a designação de quatro intelectuais brasileiros que deveriam ir para os Estados Unidos produzir programas destinados ao Brasil” (DUARTE, 1992, 40).

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Pompeu chamou a atenção do governo brasileiro quando era editor de internacional do

Diário Carioca, ou, como era chamado na época, chefe do Serviço Telegráfico, utilizando as

notícias sobre os países democráticos como forma de questionar o governo de Getúlio Vargas.

“A maneira de se livrar do adversário era oferecer oportunidades. Pompeu incomodava como editor de internacional do Diário Carioca, usava aquele noticiário internacional para chatear a ditadura, e a maneira doce de se livrar dele foi dar um jeito de mandá-lo embora. Então ele foi trabalhar na Voz da América” (ABREU e LATTMAN-WELTMAN, 2003, p.31)

Quando retornou dos EUA, Pompeu de Sousa iniciou uma nova jornada profissional.

No início de 1943, foi trabalhar na rádio Cruzeiro do Sul para noticiar os acontecimentos de

guerra, tendo como colaborador o tenente-coronel Humberto Castelo Branco, inicialmente

como observador militar e, depois, como comentarista político. “Eles eram amigos”, lembra-

se Othília Pompeu em entrevista para a autora. A Rádio Cruzeiro do Sul era pioneira no Rio

de Janeiro. Localizada na Cinelândia, no edifício da antiga gravadora Odeon, abrigava artistas

brasileiros como Grande Otelo, Chico Anysio, Ary Barroso, Emilinha Borba e mantinha

vários programas musicais37.

A experiência acumulada nos Estados Unidos, somada à iniciativa de fazer rádio no

Brasil, possibilitou ao jornalista uma nova visão sobre a produção da informação, permitindo-

lhe fazer comparações sobre as técnicas empregadas pela imprensa brasileira e a norte-

americana:

“Infelizmente, não pude freqüentar redações de jornais, porque estava fazendo rádio intensamente. Mas lia muito os jornais americanos e foi então que eu comecei a verificar que eles tinham uma diferença fundamental em relação aos brasileiros, eram escritos com objetividade, a notícia era só notícia, era só informação, pois as opiniões eram vinculadas nos editoriais. Voltei ao Brasil em 1943 e comecei a fazer algumas modificações no Diário Carioca, objetivando um Jornalismo mais dinâmico e mais moderno e menos nariz-de-cera. Senti que o Jornalismo Brasileiro precisava ser radicalmente reformado e então resolvi fazer aquilo que os americanos fizeram e que no Brasil ainda não se conhecia. A idéia era criar a coluna vertical de uma nova técnica de estruturação e uniformização da notícia e de sua redação, o copy-desk” 38.

37 Em 1935, a estação de Rádio Cruzeiro do Sul apresentava o primeiro programa de calouros do rádio. Comandado inicialmente por Edmundo Maia e Paulo Roberto. Um ano mais tarde, Ari Barroso assumiu a apresentação do Programa. 38 O depoimento de Pompeu de Sousa está registrado em Experiências do ensino de Jornalismo: Da Universidade do Brasil à Universidade de Brasília. In: Cadernos de Jornalismo e Editoração. S.Paulo: ECA/ISP, 1986. p. 40-45.

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O termo objetividade jornalística era desconhecido da imprensa brasileira, nascido nos

Estados Unidos em meados do século XIX, quando se iniciava a discussão sobre os princípios

de imparcialidade e de equilíbrio editorial.

“Esses princípios, estabelecidos por volta de 1850, preparavam o terreno para a introdução do termo objetividade, que só veio a ser empregado em relação à imprensa cerca de 80 anos mais tarde, depois da I Guerra Mundial (1914-1918). E, tal como aconteceu com os filósofos, era natural que a noção de objetividade também colocasse os jornalistas em campos teóricos opostos, provocando uma discussão que se desdobra até hoje” (AMARAL, 1996, p. 25)

No século XIX não havia a preocupação com a imparcialidade, já que a característica

básica da imprensa era ser partidária, uma posição clara para o leitor que ao adquirir um jornal

o fazia para saber qual a opinião sobre os fatos e não para ter informações sobre o

acontecimento. A concepção da notícia, como formato do gênero informativo, teve início com

a transformação “da imprensa politizante para a comercializada” (AMARAL, 1996, p. 26),

inicialmente com ensaios para a produção de textos imparciais, com estilos diretos, com

isenção de opinião, com neutralidade e distanciamento do autor para com a informação. Uma

passagem gradativa, possibilitada com o desenvolvimento industrial da imprensa e com a

expansão das agências de notícias, durante as duas guerras mundiais, que buscavam mercado

para as suas produções, apresentadas como neutras e imparciais.

“A disputa entre os objetivistas e subjetivistas marcaria bastante a imprensa americana, a partir da I Guerra Mundial, que tornou mais complexas as relações internacionais e representou o início da participação dos Estados Unidos nos assuntos mundiais. (...) A propaganda de guerra mostrou à comunidade jornalística as diversas maneiras como um fato pode ser apresentado, interpretado, manipulado – ou simplesmente criado” (AMARAL, 1996, p. 36).

O conceito de objetividade jornalística se fortalecia à medida que a interpretação dos

fatos sobre os conflitos de guerra distorcia a realidade, sendo defendida nos Estados Unidos

como princípios da verdade, por priorizar o fato, pela clareza, por ser objetivo e preciso. “Nos

Estados Unidos, foi muito grande a importância da objetividade como meta normativa da

atividade jornalística” (KUNCZIK, 2001, p. 227), caracterizando a reportagem objetiva como

isenta de sentimentos, de emoções, sem preconceitos e imparcial, ao apresentar o fato com

equilíbrio ao garantir um grau de identidade entre o fato e a sua descrição, garantindo a

qualidade do produto jornalístico.

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“A objetividade é própria do procedimento científico e define a possibilidade da verificação intersubjetiva. Essa definição da objetividade pode aplicar-se também ao Jornalismo, o que quer dizer que deve ser abandonada a noção freqüentemente discutida na literatura de que a objetividade esteja ligada à relação existente entre afirmação e realidade. Essa definição faz da objetividade uma marca da investigação e da informação profissional sempre e quando se procura separar notícia de comentário de modo desapaixonado, imparcial e não manipulador” (KUNCZIK, 2001, p. 230).

Como aponta Bernardo Kucinski (1998, p. 97) a objetividade jornalística “é um

atributo do texto final”, característica possível quando o jornalista possui um estilo claro e

conciso, com a meta de procurar “exaustivamente os fatos, manter com eles uma relação de

honestidade e saber hierarquizá-los”.

O termo copy-desk foi adotado por Pompeu de Sousa, que via a necessidade das

matérias serem reescritas, serem revisadas para que o estilo adotado pelo periódico pudesse

permanecer, independente do repórter que elaborasse a redação.

Pompeu de Sousa percebeu, ao trabalhar nos Estados Unidos, que a linguagem

jornalística passava por modificações enquanto procura modernizar-se diante das inovações

técnicas trazidas pela industrialização. Envolvido por estes princípios, começou a inserir

gradativamente os conceitos de imparcialidade, um processo que durou sete anos até ser

completamente implantando, tendo como suporte as páginas do Diário Carioca. A

estruturação acompanhou a necessidade do leitor, que também passaria a ter um novo ritmo

de vida. “Quando voltei, comecei a fazer pequenas modificações no Diário Carioca,

objetivando a um Jornalismo mais dinâmico e moderno e menos nariz-de-cera. Isso, muito

antes de qualquer escola” (POMPEU; 1986, p. 40).

3.3 Campanhas no DC

Em 1945, Pompeu, então com 29 anos, ajudou a fundar a UDN (União Democrática

Nacional), onde organizaria a esquerda democrática, que se tornaria o Partido Socialista

Brasileiro (PSB), junto com Hermes Lima, Rubem Braga, Leônidas de Rezende e Domingos

Velasco. Octávio Mangabeira era o presidente da UDN39.

39 Nilson Lage aponta que o partido UDN foi fundado na redação do Diário Carioca, quando Carlos Lacerda era o chefe de redação, cargo que ocupou durante dois meses. In: Diário Carioca. O primeiro

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“A gênese da UDN remonta ao famoso Manifesto dos Mineiros (de outubro de 1943), que reivindicava a democratização das instituições políticas nacionais. A UDN foi o único dos três maiores partidos brasileiros da Terceira República que não possuía vínculos com as estruturas remanescentes do Estado Novo, adotando uma plataforma liberal. Seus grupos parlamentares mais célebres foram os bacharéis da chamada Banda de Música, os reformistas reunidos na Bossa Nova e o grupo governista conhecido como Chapa Branca” ( SCHMITT; 2000 P. 16)

A UDN lançou a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes para presidente da

República, a fim de se contrapor ao governo de Getúlio Vargas, que apoiava o general Eurico

Dutra pelo PSD (Partido Social Democrático) e que se elegeu presidente em 1945. A UDN

tentou, novamente, em 1950, levar Eduardo Gomes para a presidência, sem sucesso; o eleito

foi Getúlio Vargas pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Dois anos depois, Pompeu

integrou os quadros do PSB, com a dissidência dentro da UDN, e passou a apoiar o nome de

Juscelino Kubitschek para a Presidência na campanha de 1955, pelo PSD, que já havia se

afastado de Getúlio Vargas. Em 1960, a UDN concentrou seu apoio à candidatura de Jânio

Quadros (SCHMITT; 2000).

Evandro Carlos de Andrade (POMPEU, 517) lembrou do perfil político de Pompeu de

Sousa e sua postura contrária ao governo de Getúlio Vargas, pois não apoiava sua política

ditatorial.

“Conspirou em vão com Canrobert Pereira da Costa, ministro da Guerra, para tentar impedir a posse do antigo ditador; depois, conspirando com a UND e os jovens da Aeronáutica para derrubar Vargas. Até que surgiu Juscelino e as coisas mudaram, o Diário Carioca deu-lhe um apoio incondicional, e Pompeu, depois de experimentar uma postura oscilante ao longo do breve e agitado governo Café Filho, mostrou-se no apoio a Juscelino Kubitschek, tão firmemente solidário quando fora encanzinado contra Vargas”. (POMPEU, 1998, 517).

Pompeu de Sousa não inovou apenas na técnica jornalística para a apresentação dos

fatos. Introduziu novidades também na linha editorial a ser adotada pelo Diário Carioca, que

passou a defender campanhas públicas, em favor da arte e da cultura brasileira e contra

qualquer tipo de censura ao pensamento e às idéias políticas e de artistas.

O cineasta Nelson Pereira dos Santos, que era ligado ao PCB, transformou Pompeu de

Sousa num dos personagens da história do cinema brasileiro, por seu envolvimento nos

degrau para a modernidade, texto apresentado no II Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho. Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004.

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movimentos culturais do país. Autor do primeiro filme de longa metragem - Rio, 40 graus -

obra inspirada no neo-realismo italiano, Nelson Pereira projeta no cinema brasileiro uma nova

estética, um marco para o Cinema Novo. As filmagens de Rio 40 Graus começaram em 20 de

março de 1954 e a última tomada foi em 29 de março de 1955, no gramado do Maracanã.

O filme mostra as contradições sociais do Rio de Janeiro, das praias de Copacabana

aos morros, as partidos de futebol. A história acontece num domingo ensolarado, com a

presença de cinco negros, vendedores de amendoim, mostrando cinco pontos turísticos da

cidade: Quinta da Boa Vista, Copacabana, Maracanã, Pão de Açúcar e Corcovado. O filme

recebeu liberação da Censura Federal em 26 de agosto de 1955, com proibição para menores

de dez anos (SALEM, 1987, p.114). No dia 23 de setembro, Nelson Pereira recebeu a

informação de que o filme teria sido proibido, por decisão do coronel Geraldo de Meneses

Cortes, chefe do Departamento Federal de Segurança Pública40, por suspeitas de que teria sido

produzido com verbas vindas de Moscou, e com a alegação de que o filme tinha “como fim a

desagregação do país” (SALEM, 1987, p.115). Cortes assistiu ao filme, numa sessão privada,

ao lado de Nelson.

Com essa decisão, começaram as repercussões contrárias à censura. Na edição do

Diário Carioca de 30 de setembro de 1955 há a declaração do coronel Cortes de que “o filme

só apresenta os aspectos negativos da capital brasileira, e foi feito com tal habilidade que

serve aos interesses políticos do extinto PCB”. O coronel se baseava no artigo 272 do

regulamento da polícia, que lhe permitia cassar a aprovação da Divisão de Censura. A

cobertura da entrevista coletiva com o coronel Cortes para explicar as medidas policiais foi

realizada pelo jornalista Pompeu de Sousa, chefe de redação do Diário Carioca, que acabou

por liderar um movimento favorável à liberação do filme.

“A presença de Pompeu - inesperada, porque geralmente entrevistas de chefes de polícia só compareciam repórteres do setor policial, com freqüência iniciantes, os “focos” – causou a maior confusão nos propósitos de Menezes Cortes. O coronel solicitara ao governo do presidente Café Filho que a coletiva fosse gravada e divulgada pela emissora oficial, a Rádio Nacional, justamente para que os seus pontos de vistas tivessem ampla repercussão. O tiro saiu pela culatra: Pompeu de Sousa travou implacável

40 Em 28 de março de 1944, no governo do Presidente Getúlio Dornelles Vargas foi publicado o Decreto-Lei nº 6.378, transformando a Polícia Civil do Distrito Federal em Departamento Federal de Segurança Pública - DFSP, com subordinação direta ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, dirigido por um Chefe de Polícia e com atribuições específicas a serem exercidas em duas áreas distintas: no Distrito Federal e no território nacional. Em 13 de junho de 1946 foi publicado o Decreto-Lei nº 9.353, o qual ampliava as atribuições do Departamento Federal de Segurança Pública, pela necessidade de melhor aparelhar o Estado na defesa das instituições e da ordem pública, em cooperação com os órgãos policiais dos Estados e Territórios. In: Serviço Público Federal. MJ – Departamento Polícia Federal - 60 Anos - 1944 – 2004.

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debate com Menezes Cortes, pondo a nu todo o absurdo de sua argumentação. Levado ao ar, o debate repercutiu sim, mas muito mal para o chefe de polícia, que aí se enraiveceu de vez” (SALEM, 1987, p.117).

Nelson Pereira conheceu Pompeu de Sousa dois dias depois da proibição do filme,

quando foi até à redação do Diário Carioca para conversar com o crítico de cinema Décio

Vieira Otoni. Ele estava acompanhado dos atores Jece Valadão e Glauce Rocha. Quando o

cineasta pediu que Pompeu visse o filme, ele cedeu ao apelo. “Fiquei comovido com os

meninos. Num primeiro momento, eu tinha tido uma atitude preconceituosa, de desconfiança,

pensando ‘tão novinho esse menino e já dando uma de Lulu de Barros’. Mas ele me comoveu,

com aquele ar súplice”. (SALEM, 1987, p.118). Depois que viu o filme, Pompeu se rendeu à

qualidade do roteiro, defendendo sua liberação, escrevendo ele mesmo um artigo em defesa

de Rio, 40 graus. Foi o início da mobilização da intelectualidade carioca a favor de Nelson

Pereira.

No dia 26 de setembro, o filme deveria fazer a pré-estréia na Associação Brasileira de

Imprensa para cerca de mil convidados, entre jornalistas, escritores, artistas de cinema e teatro

e cineastas. A exibição privada também foi proibida pelo coronel Menezes Cortes. Os

presentes elaboraram uma carta para ser entregue ao presidente Café Filho41 e ao ministro da

Justiça, Prado Kelly, solicitando a liberação. O movimento passou a envolver intelectuais do

Rio de Janeiro e de São Paulo, enquanto aconteciam as sessões privadas. “A cada projeção

realizavam-se debates calorosos. Uma grande assembléia teve lugar na ABI, criando-se uma

Associação de Defesa do Cinema Brasileiro, presidida por Pompeu de Sousa” (SALEM,

1987, p.121). A entidade, porém, não foi para frente, nunca mais se reuniu.

Todo o movimento contrário à ação policial acabou tendo sucesso apenas no governo

de Juscelino Kubitschek, eleito em 1955. No dia 10 de novembro daquele ano, aconteceu uma

nova exibição privada de Rio, 40 graus, no cinema do Cassino Icaraí, em Niterói, organizada

41 João Café Filho foi o décimo sétimo presidente do Brasil, no período de 1954 a 1955. Ajudou na derrubada do governo estadual na Revolução de 1930 e participou como chefe de polícia na interventoria do Estado. Fundou o Partido Social Nacionalista em 1933 e ficou no cargo de chefe de polícia até 1934, quando se elegeu deputado federal, ficando no Legislativo até a implantação do Estado Novo, em 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso Nacional. Neste período, ficou exilado em Córdoba, na Argentina, e retornou para o Brasil em 1938. Ficou longe da política até 1945, quando se elegeu deputado federal tornando-se líder do PSP (Partido Social Progressista). Participou como deputado da Assembléia Nacional Constituinte de 1946 e em 1950 participou como vice-presidente de Getúlio Vargas pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e pelo PSP. Com o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, Café Filho assumiu a Presidência da República. In: CARONE, Edgard. A Terceira República (1937 –1945) São Paulo: Editora Difel, 1974. 585 p.

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pelo deputado socialista Geraldo Reis, para os deputados estaduais do Rio de Janeiro.

Pompeu de Sousa estava presente. No dia 31 de dezembro de 1955 a Justiça Federal liberou o

filme, que foi lançado em março de 1956, em Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo

Horizonte (SALEM, 1987). A exibição aconteceu pela Columbia Pictures do Brasil, que

distribuiu o filme no país e no estrangeiro.

Outra campanha que Pompeu de Sousa realizou no Diário Carioca foi para a

construção de um hospital de câncer na Paraíba. Era 1951, quando o médico Napoleão

Laureano, de João Pessoa, Paraíba, desenganado pelos médicos dos Estados Unidos, foi se

tratar de um câncer no Rio de Janeiro. Em março daquele ano, aconteceu uma reunião no

Diário Carioca, com os jornalistas Danton Jobim, Pompeu de Sousa e os médicos Mário

Kroeff, Alberto Coutinho, Jorge de Marsillac, Osolando Machado, Antonio Pinto Vieira,

Adayr Eiras de Araújo, Sérgio de Azevedo, Turíbio Braz e Fernando Gentil.

Deste encontrou saiu a decisão de se fazer uma campanha para a construção do

hospital. As rádios Mayrink Veiga e Nacional também participaram. Para gerenciar os

recursos foi instituída a Fundação Laureano. Na época, Othília era secretária da direção do

Instituto Nacional de Câncer do Rio de Janeiro e se envolveu na campanha a favor da

fundação. Pompeu integrou a primeira diretoria, em 1951, como diretor presidente da

Fundação Laureano42.

Os passos dados por Pompeu de Sousa no início de sua carreira jornalística delinearam

sua personalidade, seu caráter e suas ações profissionais. A influência familiar, sempre

envolvida com a política nacional, refletiu em suas decisões ao definir como e quando deveria

se envolver na cobertura política, ao mesmo tempo que tomava posições partidárias ao lado de

outros jornalistas do Diário Carioca, na época uma forma indireta de participar do poder

político. Concomitantemente, desenvolveu e demonstrou sua apreciação pelo mundo da

cultura, até mesmo pela roda de amigos que integrava, sempre próximo da intelectualidade

brasileira pela afinidade que possuía e pelo respeito que Pompeu de Sousa tinha de seus pares

ao ser cronista literário e jornalista político.

Pompeu de Sousa se deixou seduzir pelos benefícios que o poder pode proporcionar,

ao aceitar o convite do DIP para trabalhar nos Estados Unidos, no intercâmbio entre os dois

países. Uma oportunidade rara para a época, é verdade, pelo controle que o governo de

Getúlio Vargas exercia sobre a imprensa. Contudo, o que poderia ser apontado como uma

vantagem e aproximação do governo federal, a viagem transformou-se numa experiência

42 Entrevista de Othília Pompeu à autora realizada em 14 de julho de 2004 em seu apartamento, em Copacabana, no Rio de Janeiro.

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única para o jornalista que soube aproveitar desta situação ao estar atento às ações da

imprensa norte-americana. O que lhe ampliou a visão sobre o fazer Jornalismo, sobre a prática

jornalística, ao ter acesso a um modelo que até então era negado, ignorado pelos jornalistas

brasileiros.

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4 CAPÍTULO III – A EXPERIÊNCIA EM SALA DE AULA

A necessidade de Pompeu de Sousa sistematizar seu conhecimento jornalístico se deu

em 1949, quando iniciou a carreira de professor de Técnicas do Jornal e do Periódico, na

antiga Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras, ligada à Universidade do Brasil e

transformada, em, 1967, na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, onde funcionou o primeiro curso superior de Jornalismo no país (DUARTE: 1992). A

Universidade do Brasil foi criada por lei oriunda do Poder Legislativo em 5 de julho de 1937,

ainda antes do Estado Novo, pois o governo pretendia implantar em todo o país um padrão

nacional de ensino superior e estabelecer um sistema destinado a controlar a qualidade desse

ensino.

Em 13 de maio de 1943, com o Decreto-Lei nº. 5.480, o governo instituiu o curso de

Jornalismo no sistema de ensino superior do país. Foi o primeiro passo para que a Faculdade

Nacional de Filosofia ministrasse o curso, com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa

e sindicatos representando os jornalistas e as empresas jornalísticas (MOURA, 2002).

Historicamente, o primeiro projeto para fundação de uma escola profissional para

jornalistas no Brasil foi apresentado em 1908 pelo então presidente da Associação Brasileira

de Imprensa, Gustavo Lacerda. Com sua morte, o projeto foi esquecido e só em 1918 foi

reapresentado durante o I Congresso Brasileiro de Jornalistas, realizado no Rio de Janeiro. “O

ensino profissionalizante ainda era uma inovação difícil de ser assimilada, num país dominado

pelo bacharelismo” (MARQUES DE MELO, 1997 a, p.6).

A necessidade de implantar faculdades de Jornalismo no Brasil tomou corpo nos anos

40 do século XX. Por iniciativa individual, Victoriano Prata Castello Branco organizou uma

apostila com normas jornalísticas e lecionou com o apoio da Associação dos Profissionais de

Imprensa de São Paulo - APISP, em auditório cedido pela entidade. Todo o material utilizado

em sala de aula foi transformado no livro Curso de Jornalismo, editado em 1945. Porém, o

curso foi denunciado pelo Sindicato dos Jornalistas ao DIP, por entender que era um curso por

correspondência (MARQUES DE MELO; 1974).

Como ensino superior, a iniciativa pioneira foi no Rio de Janeiro, na Faculdade

Nacional de Filosofia, que abriu o curso de Jornalismo com o decreto 5.480, elaborado em

1943, mas assinado por Getúlio Vargas apenas em 1948 (MATTOS, 1994, p.28). A

Universidade do Brasil foi idealizada em 1937 pelo ministro da Educação e da Saúde,

Gustavo de Capanema, nomeado por Getúlio Vargas em 1934.

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“Homem autoritário e obsessivo, demorou mais de dois anos para organizá-la no papel, a partir de 1935, com uma comissão que, ao invés de se ocupar da estrutura global e deixar que futuros responsáveis elaborassem os detalhes em suas especializações respectivas, enquanto a universidade crescesse, foi ao extremo de fazer descrição minuciosa de cada uma das faculdades, dos institutos e de outros organismos que a comporiam, incluindo até os programas das disciplinas a serem lecionadas. Assim, a Universidade do Brasil, antes de iniciar as suas atividades, foi apresentada como completa e estruturada de modo definitivo” (SALMERON, 1999, p.48).

Em 1944, Gustavo Capanema determinava em ato ministerial que os professores da

Universidade do Brasil seriam nomeados por autorização do presidente da República, Getúlio

Vargas, depois de ouvida a Seção de Segurança Nacional. As diretrizes pedagógicas do curso

de Jornalismo, que deveria acontecer em três anos, foram apresentadas em 1946 pelo então

ministro da Educação, Ernesto de Sousa Campos, estabelecendo a estrutura curricular que

deveria ser adotada.

Na estrutura curricular predominava as matérias culturais sobre as técnicas. Para

colocar em prática o projeto o pedagógico em prática, Gustavo Capanema contou com a

contribuição de professores da França e da Itália, que o ajudaram na estruturação pedagógica

da Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras.

“A integração forçada pela lei dos cursos de Jornalismo às Faculdades de Filosofia imprimiu à formação dos futuros militantes da imprensa e do rádio uma orientação sobretudo teórica e histórica. Preparavam-se antes homens de letras, eruditos e estilistas da pena do que homens de imprensa” (BELTRÃO: 1974, 186).

Esta situação foi criticada por Carlos Rizzini. Ao analisar os cursos de Jornalismo

existentes nos Estados Unidos e a implantação destes cursos no Brasil, defendia que os

estudantes deveriam saber fazer um jornal e “não apenas saber como se faz jornal” (1953, p.

55), a exemplo da Universidade de Missouri. Aquela instituição começou a funcionar em

1908, para formar bacharéis com o critério de que “se a profissão de jornalista exige cultura

superior, exige também o conhecimento de respectivos instrumentos de trabalho e das

condições técnicas e econômicas do seu funcionamento” (RIZZINI 1953, P. 26), para ser um

profissional completo:

“Nos cursos norte-americanos os alunos não aprendem como recolher um fato, reduzi-lo a notícia, dar-lhe título, ilustrá-lo com fotografias ou desenhos e situa-lo nas páginas do jornal; ou como escrever um artigo, uma crítica, um comentário e uma cabeça de reportagem; ou como se fixam os temas de publicidade, preparam-se as mensagens de venda, os textos e os títulos, e se

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elaboram os layouts. Os alunos executam, eles próprios, essas tarefas e acompanham pessoalmente a seqüência das operações mecânicas complementares: gravura, composição, prova, revisão, emenda, paginação, calandragem, fundição e, por fim, montagem e impressão” (RIZZINI: 1953, p. 55).

Após dez anos de funcionamento, a Faculdade Nacional de Filosofia estendeu o curso

de Jornalismo para quatro anos, prevendo matérias técnicas e gerais, porém, ainda

prevalecendo a formação cultural do aluno43:

1a. Série (o 1o. ano) 2a. Série (o 2o. ano)

Ética, História e Legislação de Imprensa Técnica de Jornal

Administração de Jornal Publicidade

Português e Literatura da Língua Portuguesa Português e Literatura da Língua Portuguesa

Geografia Humana Geografia do Brasil

História da Civilização História Contemporânea

História do Brasil Psicologia Social

3a. Série (o 2o. ano) 4a. Série (o 4o. ano)

Técnica de Jornal Técnica de Jornal

Radiojornalismo Técnica de Periódico

Português e Literatura da Língua Portuguesa Literatura Contemporânea

Sociologia História das Artes

Introdução à Educação Economia

Política e Administração Pública Criminologia

Danton Jobim, que acompanhou toda a transformação pedagógica do curso, criticou a

falta de envolvimento prático dos alunos de Jornalismo, apontando que havia uma deficiência

a ser sanada, apesar de reconhecer a necessidade de se manter a formação humanística do

profissional. “Em todas as matérias procuram os professores promover estágios sobre temas

da atualidade. Mesmo assim, entretanto, os alunos se queixam de que o ensino é

excessivamente acadêmico, o que em parte se deve à falsa noção de que o curso de Jornalismo

43 A grade curricular da Faculdade Nacional de Filosofia é recuperada por Danton Jobim para apresentação em seminário sobre Formação de Jornalismo, realizado em Quito, Equador, em 29 de setembro de 1958. In: Espírito do Jornalismo. São Paulo: Edusp, 1992, pág. 209 a 219.

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deve ser meramente profissional, reduzindo ao mínimo o tempo dispensado às matérias não

técnicas” (JOBIM; 1998 p.216).

Paralelamente ao desenvolvimento do ensino superior na então capital brasileira,

começa, em 1947, em São Paulo, a funcionar o curso de Jornalismo Cásper Líbero, vinculado

à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento. A aula inaugural, em 16 de março,

foi proferida pelo professor Leonardo Van Acker. A primeira turma diplomou-se em abril de

1950. Nessa época, a literatura recorrente em sala de aula era a estrangeira.

“Quanto ao material didático, inclusive livros, é precisamente inexistente. Os professores levam eventualmente seus alunos a redações e oficinas de jornais, onde lhes mostram o material usado no trabalho de rotina. Como os regentes de disciplinas técnicas são jornalistas, lhes é fácil levar às aulas algum material, como papel padronizado, para originais, papel centimetrado para espelhos, réguas de medidas gráficas, fotografias e negativos, catálogos de tipos etc. Os alunos se servem de apostilas geralmente elaboradas por eles mesmos, com apanhado taquigráfico das aulas, porque é paupérrima, praticamente inexistente, a literatura do ensino jornalístico em português” (JOBIM: 1992, 218).

A reação ante tal situação se deu com o corpo docente do curso de Jornalismo na

Cásper Líbero, tendo como professores Carlos Rizzini, Galvão de Sousa e Henrique de Brito

Viana que passaram a editar livros contendo a filosofia e a técnica do Jornalismo brasileiro

(BELTRÃO: 1974). Era o processo para a consolidação da área da Comunicação no Brasil.

“Havia uma demanda de pessoal habilitado para exercer profissionalmente um novo tipo de Jornalismo, seguindo padrões que contrastavam com o desempenho da imprensa na época. Logo, a escola de Jornalismo impunha-se como o instrumento necessário para solucionar tal impasse, treinando novas vocações, de acordo com a plataforma editorial, ética e política vigentes nas empresas” (MARQUES DE MELO, 1994, p.19).

Aos primeiros alunos da Faculdade Nacional de Filosofia era facultada a possibilidade

de, ao provar exercer a atividade de jornalista profissional, fazer o curso sem prestar

vestibular, uma situação considerada como “lastimável” por Pompeu de Sousa, já que alguns

foram considerados jornalistas apenas por trabalharem em repartições públicas. “Na época,

vários repórteres setoriais eram ligados à repartição como única forma de atuação. Conclusão:

eles não representavam a repartição no jornal, porque ganhavam muito mais lá do que no

próprio jornal. Isso era uma verdadeira praga” (POMPEU; 1986, p. 41).

Na edição do Diário Carioca de 19 de setembro de 1950, Danton Jobim defendia os

alunos de Jornalismo que estudavam na Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Artes,

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pois eles apenas receberiam o certificado pela conclusão do curso, conforme decreto

presidencial que regulamentou o funcionamento do curso. Para Danton, os alunos deveriam

ser considerados bacharéis, a exemplo dos formandos nas demais áreas, como Direito e

passou a defender a revogação do decreto para garantir o direito da titulação dos novos

formandos.

Pompeu demitiu-se da Faculdade Nacional de Filosofia em 1951, porque ele

considerou que “aquilo não era um curso de Jornalismo, não era Faculdade de Filosofia e

aquilo não era Universidade. Não se estudava, não se pesquisava, enfim não se renovava o

saber” (POMPEU; 1986, p. 42). Ele se envolveu no ensino de Jornalismo com o apoio de

Danton Jobim, que também fazia parte do corpo docente da Faculdade Nacional de Filosofia,

Ciências e Letras.

Entrar em sala de aula foi singular para a carreira de Pompeu de Sousa, pois acreditava

na pesquisa, na educação e na necessidade de se estabelecer novos parâmetros de educação, a

fim de se renovar conhecimento. Estar na posição de professor significou para ele ler diversos

manuais de redação de jornais norte-americanos e analisar as técnicas específicas da

linguagem utilizada para a construção do texto jornalístico. A sensibilidade do editor, que

modificou os textos recebidos das agências de notícias, se aprofundou quando assumiu pela

primeira vez a posição de professor de Jornalismo.

“Eu aprendi Jornalismo ‘de ouvido’, numa ‘por música’, e que observara a técnica do Jornalismo americano como leitor, comecei a ensinar. E para ensinar aprendi sistematicamente, o que havia sistematizado até então. Comprei os vários manuais e livros americanos sobre o assunto e acabei por descobrir duas coisas: uma grande quantidade de material didático sobre Jornalismo e algo que os americanos tinham descoberto em 1900, a mass communication, sobre a qual, até então, ninguém no Brasil jamais tinha falado” (POMPEU; 1987, p. 41).

Pela falta de literatura brasileira, de livros específicos sobre a área, havia um processo

de elaboração teórica relativa à prática, que deveria ser preparado para ser repassado

didaticamente aos estudantes, não mais de forma intuitiva, não mais fragmentada e nem

assistemática como acontecia na redação diária e, sim, ordenada.

“Eu achei que realmente era preciso sistematizar a claridade, a titulação e o texto justamente quando se criaram os cursos de Jornalismo, na antiga Faculdade Nacional de Filosofia, da então Universidade do Brasil, em 1949. Eu e Danton fomos ensinar Técnica de Redação. Percebi então que para ensinar Jornalismo eu tinha de aprender Jornalismo sistematicamente, tinha de estudar pelos livros as técnicas já codificadas, não era suficiente mais

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aquela forma intuitiva como eu tinha aprendido Jornalismo” (DUARTE, 1992, p.45).

4.1 A produção do manual de redação

Pompeu começou a estudar os textos jornalísticos, as produções da própria imprensa

brasileira da década de 40. Para lecionar a disciplina Técnicas do Jornal e do Periódico

focalizou, ainda, toda a prática adquirida na redação do Diário Carioca, somada à experiência

que trouxe dos Estados Unidos. Para ele, representou a possibilidade de analisar os textos

produzidos pela imprensa, fazendo uma comparação crítica sobre a linguagem jornalística.

“Percebi ainda que havia um processo de elaboração jornalística profundamente

conscientizada, não tão fragmentada nem tão assistemática e intuitiva como fazíamos até

então” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.24).

A constatação dessa demanda levou Pompeu de Sousa a reunir informações sobre as

técnicas de Jornalismo estabelecidas nos manuais de redação e livros sobre Jornalismo que

existiam na época, principalmente as obras editadas nos Estados Unidos. Estimulado por

Danton Jobim, adepto da objetividade, da clareza dos textos e do Jornalismo mais informativo

do que opinativo, Pompeu de Sousa empenhou-se na reestruturação da linguagem, da

construção do texto a partir das informações mais importantes, para sintetizar os fatos de

forma a atrair a atenção do leitor.

No carnaval de 1950, Pompeu de Sousa começou o trabalho para organizar todo o

conhecimento adquirido com a experiência acadêmica, com a atuação na redação diária e com

o trabalho realizado nas rádios norte-americanas. Assim, nascia o primeiro manual de redação

que transformaria os padrões da imprensa brasileira. Em sua casa, durante os quatro dias de

folia carnavalesca, o então chefe de redação do Diário Carioca, redigiu o Style Book44 -

Regras de Redação do Diário Carioca.

“Sentei na máquina e resolvi fazer uma adaptação do que me pareceu mais conveniente ao Jornalismo brasileiro naquela variedade de style book (...) cada jornal americano tinha o seu, porque todos querem preservar a sua identidade, o seu temperamento, a sua personalidade, a sua identidade jornalística. (...) Não criei nada, confrontei, via que uma coisa era interessante, outra não se aplicava ao Brasil, e, assim, rejeitando umas coisas, incorporando outras, redigi o primeiro Style Book da imprensa

44As regras existentes no Style Book elaboradas por Pompeu de Sousa foram publicadas por José Marques de Melo no livro Normas de Redação de Cinco Jornais Brasileiros. ECA/USP, 1972, 96 p e estão disponibilizadas no site www.gutenberg.com.br

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brasileira, que denominei Regras de Redação do Diário Carioca” (DUARTE, 1992, p.45).

O manual continha as regras gramaticais e os padrões técnicos para se escrever um

texto jornalístico informativo: um documento sintético, de 15 cm por 12 cm, contendo 16

páginas. Caía por terra o texto caricaturado, com nariz-de-cera, partidário e panfletário, para

nascer o texto informativo e objetivo, ensinado até hoje nas salas de aulas das universidades

brasileiras e utilizado pelas mídias do século XXI. Foi o primeiro e único passo do século XX,

que garantiu a transformação do Jornalismo brasileiro, quando introduziu a técnica do lide,

com as tradicionais cinco perguntas: O Quê? Quem? Onde? Como? Por quê? Quando? - o

que assegurava a personalidade do Diário Carioca, diferenciando-se dos demais jornais que

circulavam no Rio de Janeiro.

“Reforçadas pelo editor Pompeu de Souza, essas coordenadas abriram terreno para um novo jornalismo, preocupado com a objetividade - e, também, com a beleza do jornal, garantida durante um bom período pelo escultor Amílcar de Castro. Estava feito o jornal voltado para a Zona Sul do Rio e de texto sofisticado, com colunistas como Carlos Castelo Branco e Evandro Carlos de Andrade e redatores como Hélio Pólvora e Milton Coelho da Graça. Este, depois de passar nove meses na prisão por causa do golpe militar de 1964, foi acolhido pelo então editor-chefe Zuenir Ventura. Em dezembro de 1965, Milton presenciou o fechamento do jornal no qual iniciara a carreira seis anos antes” (VENTURA, 2004).

Os jornalistas do Diário Carioca, no final da década de 40, já tinham contato com

manuais de redação de jornais norte-americanos e de agência de notícias, iniciativa de Danton

Jobim que tinha contato com a imprensa dos Estados Unidos. Os jornalistas utilizavam como

referência o manual de redação da United Press International (UPI), com as técnicas da

pirâmide invertida (VENTURA, 2004), que ensinava o repórter a responder as seis perguntas

básicas de uma notícia: O quê? Quando? Quem? Como? Onde? Por quê? A adoção desse

referencial, porém, não era padrão, seu uso não era obrigatório, além do que não mantinha as

especificidades da imprensa brasileira. Pompeu de Sousa reverteu este quadro e revolucionou

ao determinar as técnicas mais convenientes para a imprensa brasileira:

“Havia vários style books. Cada jornal americano tinha o seu, porque todos querem preservar a sua identidade, o seu temperamento, a sua personalidade, a sua identidade jornalística. Há regras gerais, uniformes para todos os jornais, mas há regras específicas para cada um. Eu li todos aqueles que dispunha, uma meia dúzia, e fiz uma adaptação à imprensa brasileira. Não criei nada: confrontei, via que uma coisa era interessante, outra coisa não se aplicava ao Brasil, e assim, rejeitando umas coisas, incorporando outras

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redigi o primeiro style book” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.25).

Pompeu de Sousa, ao adaptar os conceitos de uma linguagem informativa, largamente

utilizados pela imprensa norte-americana, criou uma técnica redacional para a imprensa

brasileira. O manual estabeleceu linhas mestras para a organização do texto jornalístico, com

orientações para se usar uma lauda e como distribuir a informação entre matéria principal e

retrancas até a formatação de uma redação concisa, direta e sem a polêmica da opinião dos

jornalistas, a exemplo da “instruções gerais”:

“Escrever sempre à maquina, de um só lado da folha, no papel padronizado e em espaço dois. Começar todas as matérias no meio da folha, numerando, no alto, cada folha. Deixar uma margem de dois centímetros em cada lado da folha, e escrever em cada folha 30 linhas. Escrever uma palavra ou frase representativa do conteúdo da matéria (retranca) no alto da primeira folha e imediatamente abaixo o nome do autor. Usar a palavra “continua”, entre parêntesis, ao fim de todas as folhas exceto a última. Usar o símbolo X para significar conclusão da matéria e acrescentar parágrafo “X” ao número da última folha”. "Não começar parágrafo novo na última linha da folha" (REGRAS DE REDAÇÃO, 1950).

O manual – identificado como Regras de Redação do Diário Carioca – foi impresso

na própria gráfica do DC, sem data ou nome de seu editor. Dividido em sete itens, apresenta

normas para a redação, cabeças, números, tratamento, maiúsculas, abreviações e pontuação.

Sua principal característica está na definição de que a redação deve “ocupar o primeiro

parágrafo das notícias com

a) um resumo conciso das principais e mais recentes informações do texto, esclarecendo o maior número das seguintes perguntas relativas ao acontecimento: que? quem? onde? como? por quê? - ou b) um aspecto mais sugestivo e suscetível de interessar o leitor no acontecimento” (REGRAS DE REDAÇÃO, 1950).

A primeira regra textual já demonstra a preocupação de Pompeu de Sousa em atrair a

atenção do leitor, indicando o lide como fórmula para apresentação das principais respostas

para as perguntas mais corriqueiras que alguém pode fazer quando quer ser informado sobre

um acontecimento, apresentando os fatos principais no primeiro parágrafo e os demais, de

menor significado, em ordem decrescente. Porém, quando elaborou o texto do manual,

Pompeu não teve tempo para fazer sua revisão e só depois de impresso percebeu que havia

esquecido de acrescentar neste item a pergunta quando? - para informar o momento em que o

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fato aconteceu, situando o leitor, com exatidão, no tempo e no espaço da notícia. A alternativa

encontrada pelo jornalista foi acrescentar à mão, em caneta esferográfica, a palavra

quando?45

Sua ação tornou-se histórica na imprensa brasileira pela iniciativa única de comparar

as técnicas redacionais e perceber que no Brasil não havia um padrão a ser seguido pelos

jornalistas, como acontecia nos Estados Unidos onde os jornalistas respeitavam as regras.

Para fazer estas modificações, Pompeu de Sousa encontrou respaldo em Danton Jobim, com

quem aprendera a importância da concisão do texto logo no primeiro ano de trabalho no

Diário Carioca. Ao editar a coluna A Guerra dia a dia, estimulado pelo catedrático e amigo,

autor de colunas informativas a partir de “agosto de 1945, expondo, em linhas gerais, o

modelo de texto jornalístico que se espalhava por todo o mundo” (LAGE: 2005).

Nilson Lage, que começou a trabalhar no Diário Carioca em 1955, recuperou a

publicação da coluna Cartas a um foca, publicada nos dias 4, 7, 8, 9, 10 e 11 de agosto de

1945, com discussões sobre o texto jornalístico, com os títulos “Elementos da notícia”, “A

arte de opinar”, “Ser exato e poupado”, “Primeiro a concisão" e “O que é notícia” (2005, p.

60), numa época em que qualquer cidadão poderia escrever nos jornais, sem a necessidade de

se preocupar com estilos ou regras. A preocupação de Danton Jobim foi assimilada por

Pompeu de Sousa, um discípulo atento, que além de auxiliar na redação, começou em sala de

aula como professor assistente de Jobim na Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Artes.

“Foi no Diário que se eliminou o uso absurdo da palavra ‘indivíduo’ como sinônimo de criminoso e ‘indigitado’ (que quer dizer ‘apontado’) para mencionar exclusivamente o réu em um processo; trocou-se ‘homicídio’ por ‘assassinato’, latrocínio por ‘roubo’, ‘humilde’ por ‘pobre’ (já que a humildade é subjetiva e a pobreza objetiva), ‘homem de cor’ por ‘negro’. As pessoas passaram a morar ‘na rua x’ e não ‘à rua x’; as esposas tornaram-se ‘mulheres’, os advogados deixaram de ser ‘causídicos’, os médicos ‘facultativos’, os vereadores ‘edis’, os prefeitos ‘alcaides’, as prostitutas ‘damas da noite’, as casas de dois andares ‘mansões’, os automóveis quando passam depressa ‘bólidos’ etc. Os redatores do noticiário policial tiveram que aprender que corpos em ‘decúbito dorsal’ estão de costas, ao contrário daqueles em ‘decúbito ventral’, que estão de frente para o chão ou a cama. Tomaram contato com a tradução para a linguagem corrente de expressões da anatomia topográfica que aparecem nas fichas de hospitais: região inguinal, ínguino-crural e pubiana passaram a ser ‘virilha’; região glútea, ‘nádegas’; cintura escapular, ‘ombros’; cintura pélvica, ‘quadris’; tórax, ‘peito’; ventre, ‘barriga’; regiões occipital, frontal, occipto-frontal’ e ‘temporal’, crânio; e por aí em diante. Aos poucos, foi-se eliminando o costume de colocar sistematicamente entre parêntesis, após o nome de

45 Othília Pompeu de Sousa presenteou a autora com um exemplar do manual “Regras de redação do Diário Carioca”, onde está grafado pelo jornalista a palavra quando?. O manual foi escaneado e está em anexo.

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alguém envolvido em um evento policial (crime ou acidente), a idade, a nacionalidade, a residência e a cor do sujeito – dados dispensáveis e até inconvenientes numa cidade grande e o último deles, muitas vezes, impossível de precisar, na realidade étnica do Rio de Janeiro” (LAGE, 2004, p.10).

A introdução do lide na imprensa brasileira, através do Diário Carioca, estabeleceu a

pirâmide invertida como critério básico para a construção da notícia, escrita no modo

indicativo e em ordem direta, com vocabulário simples (LINS DA SILVA, 1991). Prioriza a

maneira como uma conversa acontece, ao se relatar algo de importante, de forma pragmática,

o que permite uma comunicação eficaz. O lide garante que o leitor tenha todos os elementos

de uma notícia, nomeando os agentes envolvidos no fato e definindo tempo e espaço deste

acontecimento.

Tais procedimentos são fortes indicadores da influência norte-americana sobre os

padrões da imprensa brasileira. Esta passou a criar editorias, investir em um novo visual

gráfico, a organizar a produção e a gerir a imprensa como uma empresa jornalística,

elementos que marcaram a mudança da imprensa artesanal para a indústria de comunicação de

massa, como aponta Carlos Eduardo Lins da Silva (1991).

A imprensa transitava pela fase artesanal, com um discurso mais político, panfletário e

ligado a interesses partidários. O Diário Carioca era um jornal pequeno, que sempre pagava

com atraso seus funcionários, mas conseguia reunir um dos melhores quadros de profissionais

da época. O diretor Danton Jobim comandava o jornal quando Pompeu de Sousa começou a

destacar-se em sua carreira jornalística. A equipe era homogênea, dedicada, afinada com os

princípios editoriais:

“O que nos atraía tanto numa redação cujo dia do pagamento era uma incógnita e, muitas vezes, estando o coleguinha na fila, o dinheiro acabava e ele teria que se conformar em esperar uma outra oportunidade? Creio que fosse o ambiente alegre, descontraído e, ao mesmo tempo, sério. O DC foi, sem dúvida, uma verdadeira escola de jornalismo. Graças à orientação de Pompeu, à elegância de Castelinho e à competência de Luiz Edgard de Andrade, por lá afinávamos nosso texto; aprendíamos a escrever e tudo isso num clima de camaradagem, de humildade, com os mestres fingindo que, também, aprendiam conosco” (BRAGA, 2003, p.77).

Nas páginas do periódico despontavam nomes como Armando Nogueira, Evandro

Carlos de Andrade, Hélio Fernandes, Jânio de Freitas, José Ramos Tinhorão, Maurício

Azevedo, Nilson Lage, Paulo Francis e Zuenir Ventura. Um rol de jornalistas que fazia frente

a qualquer um e se completava com Antônio Maria, Fernando Sabino, José Carlos de

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Oliveira, Nílson Viana, Paulo Mendes Campos, Sábato Magaldi, Sérgio Cabral, Stanislaw

Ponta Preta, Thiago de Mello, Carlos Castello Branco, Ferreira Gullar e Otto Lara Rezende46.

A primeira mostra de que o Diário Carioca iria transformar os padrões da imprensa

aconteceu em 1945 com a publicação do título “Sai Dutra, entra Góis”47. Na época, o título

tinha que ser solene, sério. O impacto produzido pela linguagem direta, sem rigidez ou

formalidade lingüística, gerou controvérsia.

“Desde o dia em que assumi a chefia de redação do Diário Carioca, eu comecei a fazer pequenas inovações. Prudente de Morais, neto, que era cronista de turfe do jornal, divertia-se muito com aquilo que ele chamava de as ‘galinhagens de Pompeu’. E dizia galinhagem em tom amistoso, porque ele apoiava inteiramente as novidades; aliás, quem mais gostava das inovações era ele. Então, começamos a fazer títulos com expressões entre parêntesis (...). Com freqüência, fazíamos galinhagens novas" (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.27).

4.2 A reação às novas técnicas

Pompeu logo passou a ser questionado pelas inovações técnicas. Quando publicou o

título “Sai Dutra, entra Góis” - resumo da notícia política de que o General Eurico Dutra,

então ministro da Guerra, deixava o cargo para concorrer à Presidência da República pelo

Partido Social Democrático (PSD), sendo substituído pelo General Góis Monteiro, na época

Chefe do Estado-Maior do Exército - houve um mal estar entre os militares citados na

matéria, pois a tradição jornalística determinava que o título deveria conter todas as honrarias

das pessoas e os textos, tratar as personalidades como Sua Excelência.

O proprietário e fundador do Diário Carioca, Macedo Soares, considerado um dos

mais importantes articulistas da política de sua época, durante almoço no Jóquei Clube, ouviu

dezenas de reclamações contra o título por representar um desrespeito às autoridades

46 A relação de jornalistas que trabalharam no Diário Carioca é recuperada por Izamara Bastos Machado, que defendeu a dissertação de mestrado sobre a reforma do Diário Carioca na década de 50, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A síntese de sua dissertação foi apresentada no Congresso da Rede Alcar, realizado no Rio de Janeiro, em junho de 2003, e está disponibilizada no site http//www.jornalismo.ufsc.br/redealcar/anais.htm Acesso em 11 de novembro de 2003. 47 O primeiro título com esse estilo foi dado em 2 de agosto de 1945: “Hoje: sai Dutra e entra Góis”. Tratava-se da substituição do primeiro, que iria concorrer à Presidência da República, pelo segundo, no Ministério da Guerra. O jornal apoiava o Brigadeiro Eduardo Gomes. Mas a contagem de letras conduziu a títulos até poéticos, após 1950, como este de Luís Paulistano, lembrado por Armando Nogueira, sobre uma série de tragédias que atingiu, em poucos dias, a vida de um cabo da Polícia Militar: “Sitiado de/ desgraças/ vive o cabo/ Valdemar”. In: LAGE, Nilson Teoria e Técnica do Texto Jornalístico. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2005. 188 p.

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nacionais. Exigiu de Pompeu de Sousa uma explicação, que respondeu simplesmente que o

título representava a síntese da informação (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978).

Pelo manual, os jornalistas do DC deveriam escrever os nomes próprios de pessoas,

com exceções para as abreviaturas de Dr./ sr./ sra., o que já era considerado uma revolução

para aquela época em que a formalidade do tratamento traduzia o respeito à autoridade e ao

profissional e deveria preceder o nome. No item “Números”, pode-se dizer que o manual do

Diário Carioca ainda é reproduzido pelos grandes jornais deste século, pois determina que os

números devem ser escritos "com letras de um a dez, com algarismos, de 11 em diante;

substituir os zeros de números redondos a partir de cem, pelas palavras cem, mil, milhões,

bilhões, trilhões etc"... (REGRAS DE REDAÇÃO DO DIÁRIO CARIOCA, p. 6), pela

necessidade de facilitar a leitura.

A mesma referência deve-se ao item “Maiúscula”, que passou a considerar as regras

gramaticais para escrever nomes próprios e comuns, indicando, por exemplo, que a função

“presidente ou general” deveria ser em letra minúscula, ou para não usar o maiúsculo quando

os nomes auxiliares não integrarem o nome próprio, dando como exemplo: “o colégio La-

Fayette” e “Instituto La-Fayett”. (REGRAS DE REDAÇÃO DO DIÁRIO CARIOCA, p. 9).

Ou, então, a orientação simples: “Em caso de dúvidas, não usá-las" (letras maiúsculas e ou as

abreviações)- (REGRAS DE REDAÇÃO DO DIÁRIO CARIOCA, p.8 e 10). O uso do

parêntesis passou a ser restrito para informações complementares ou para a indicação de

partido político. Pequenas regras que, ao serem usadas, passaram a dar estilo para o texto

jornalístico, padronizando a linguagem.

“O Pompeu trouxe para o jornalismo brasileiro a técnica moderna, americana, de noticiar um fato com o máximo de objetividade, respondendo as perguntas básicas Quem? O quê? Quando? Onde? Como? Por quê? - e elas acabaram com o nariz-de-cera. O Pompeu também trouxe outra contribuição muito importante que foi a utilização de siglas, que simplificava e popularizava o jornal, facilitando a composição da primeira página do jornal, a técnica da abreviação dos americanos, e a utilização dos dois pontos para simplificar a frase”48.

Era o início de uma carreira que projetaria Pompeu de Sousa em todo o país como o

jornalista que transformou o Jornalismo, um precedente ainda não superado, dado o impacto

que essas transformações ocasionaram em toda a imprensa nacional. O esforço pioneiro no

Diário Carioca lhe rendeu críticas, também. Uma das mais famosas foi a de Nelson

48 Entrevista de Armando Nogueira à autora em 16 de julho de 2004, em sua casa, na Lagoa, Rio de Janeiro.

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Rodrigues, que o chamou de “o pai dos idiotas da objetividade” (ANDRADE, MACHADO E

AZEDO, 1978). Na época, os notáveis jornalistas estavam brigados por causa da credencial

que Nelson havia perdido, e Pompeu não conseguira explicar-lhe a filosofia da reforma. “Ele

jamais entendeu, porque é jornalista daquela moda antiga, de dar ponto de exclamação etc”

(ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978).

Estas críticas perduram até os dias atuais: há profissionais que rejeitam a técnica do

lide por considerá-la uma camisa de força inibidora da criatividade do jornalista.

“O lead é a imposição da pressa. É filho da corda-bamba do mundo desvairado que inventou o stress, obesidade, distonia neurovegetativa. Nasceu para servir ao açodamento da era industrial, onde ninguém é dono de si o bastante para se permitir andar, ver, sentir. Ninguém dispõe de excedente de hora para entrar em loja, examinar artigo, chorar preço, curtir papo. O lead surgiu em socorro do povo apressado, que apenas corre olhos pelo jornal entre dois goles de café da manhã, ou pendurado em ônibus e metrô como traseiro de boi em açougue. Para esses velocistas era necessário criar a notícia-síntese, o retrato três-por-quatro do assunto” (PEREIRA, 1987, p. 7).

As reformas introduzidas por Pompeu de Sousa, porém, foram fundamentais para a

época e não há como negar que sua ação marcou a história pela inovação, pela ousadia, pela

criatividade e pela repercussão que produziu em todos os veículos de comunicação.

“O Diário Carioca era um jornal pequeno, embora de grande importância, grande influência política, porque nele escrevia José Eduardo Macedo Soares, que era o maior jornalista político brasileiro, maior escritor de jornal. Como era um jornal pobre, pequeno, que vivia nas maiores dificuldades financeiras, os grandes jornais deram de ombros e acharam graça e até ridículo naquele negócio. Inicialmente houve um momento de rejeição do organismo jornalístico, que reagiu com desprezo, com superioridade, àquele transplante, com a atitude de quem diz esses meninos não sabem o que fazem” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.25).

A reação positiva, contudo, começou nas bancas. O jornal, na época, passou a vender

de 30 mil para 45 mil exemplares nos dias úteis e 70 mil aos domingos (SODRÉ, 1983,

p.395), evidenciando a aceitação do leitor, que não mais necessitava buscar a informação

principal no corpo da matéria. Ela estava no primeiro parágrafo, pronta para ser digerida.

Entretanto, as elites cultural e política do país continuavam a protestar contra a nova técnica

para a apresentação da informação. Um deles foi o político Osório Borba, companheiro de

Pompeu na Esquerda Democrática e depois no Partido Socialista Brasileiro, que revelava sua

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indignação em todos os lugares freqüentados, a ponto de discutir em público as ações do

jornalista.

“O Pompeu acabou com o artigo, não existe mais O Brasil, A Argentina, é Brasil, Argentina, por causa da contagem de título. O Pompeu suprimiu os verbos, substituiu os verbos por dois pontos, está criando outra linguagem, não é mais a língua portuguesa, é outra coisa” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.26).

Independente das reações setorizadas, Pompeu de Sousa prosseguiu com as

transformações técnicas, inclusive com a determinação de que a composição do título deveria

ser da mesma família tipográfica. Isso porque a oficina não respeitava o estilo dos tipos,

usando o que mais lhe conviesse, de forma que o jornal era, até então, “uma salada de tipos,

com as mais diversas e diferenciadas famílias tipográficas” (ANDRADE, MACHADO E

AZEDO, 1978, p.24). Isso representava que o lide não foi a única surpresa para os jornalistas

da época, mas que deveriam prestar a atenção na nova harmonia tipográfica, no novo projeto

gráfico adotado pelo Diário Carioca, além da estrutura do texto jornalístico.

Com o lide - do inglês = “comando”, “liderar”, “guiar”, “encabeçar”, primeiro

parágrafo da matéria, a abertura de uma notícia ou reportagem, ficou caracterizado a

necessidade de se apresentar o fato principal ou mais importante, com base nas regras da

língua portuguesa, ao mesmo tempo em que negava a proposição por período, que dá aos

textos aspecto telegráfico. Ao mesmo tempo reconhecia a incorporação progressiva de

propostos, usado na literatura pelos modernistas de 1922. O objetivo era o de aproximar a

escrita da fala corrente brasileira.

Desta forma, com as novas regras para o texto, as pessoas deixaram de morar “à Rua

X para morar na Rua X” (REGRA DE REDAÇÃO DO DIÁRIO CARIOCA, p. 10). Para que

os redatores do DC tivessem como exemplo textos de qualidade, passaram a ser leitores de

autores modernos, particularmente Graciliano Ramos, um dos escritores brasileiros prediletos

de Pompeu de Sousa, indicado para que o estilo enxuto usado por ele passasse a ser modelo

para os jornalistas (SERQUEIRA, 2004).

Com a reforma gráfica e técnica, o Diário Carioca passou a produzir títulos de letras

contadas e textos com extensão medida, o que permitiu a padronização das páginas; começou

a distinção e a separação das matérias informativas e dos textos opinativos e a padronização

dos textos jornalísticos, a partir do trabalho do copidesque, garantindo estilo uniforme. Além

disso, permutou o nariz-de-cera pela técnica do lide, apresentando os acontecimentos de

maneira hierárquica decrescente - do mais importante para o menos importante -,

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estabelecendo uma ordem cronológica que garantia a presença de parágrafos autônomos,

permitindo o corte da matéria a qualquer altura do texto (de baixo para cima), pela oficina –

durante a montagem do texto – ou pelo leitor – ao decidir se queria ler a matéria na íntegra, ou

não.

O Jornalismo norte-americano já utilizava, desde o início do século XX, as técnicas do

lide, com princípios que se fundamentavam em buscar respostas às perguntas básicas: -

Quem? O quê? Onde? Como? Por quê? – conforme constatou Mônica Pergurer Caprino, em

pesquisa49 sobre a evolução do texto jornalístico durante o século XX. Assevera a

pesquisadora que os norte-americanos foram os responsáveis pela difusão universal do padrão

baseado na pirâmide invertida, um estilo que é anterior ao século XIX e que teria se

sustentado na retórica clássica.

Francisco José Karam vai mais longe ao afirmar que a “linguagem jornalística valeu-

se da tradição greco-romana em relação ao uso das palavras e ao discurso claro e

convincente” (KARAM, 2000). Segundo o pesquisador50, Platão, Aristóteles e Protágoras

(cerca de 400 anos antes da era cristã), na Grécia Antiga, já defendiam que o “discurso

deveria ser bem articulado e acessível às massas” e que a “técnica (technikós) representava a

habilidade em fazer, a arte de fazer e, hoje, situa-se como o “conjunto de regras práticas ou

procedimentos adotados em um ofício de modo a se obter os resultados visados" (JAPIASSU

e MARCONDES, 1991, p.232).

Desta forma, a argumentação retórica envolvia um modelo de organização do discurso

que expunha os fatos, depois os demonstrava e, então, concluía. No discurso, para os filósofos

gregos e, posteriormente, para os filósofos, oradores e juristas romanos antigos, havia três

qualidades essenciais que deveriam primar na linguagem escrita e falada: a brevidade, a

clareza e a verossimilhança (brevis, dilucida e verisimilis ou probabilis).

A difusão desse padrão teria se sustentado durante a Guerra de Secessão (1861 –1865),

quando os “jornalistas foram mandados ao campo de batalha e enviavam notícias via

telefone” (CAPRINO, 2002, p.99). Tal situação exigia que as informações fossem

49 O trabalho é resultado da sua tese de doutorado, defendida na Universidade Metodista de São Paulo em fevereiro de 2002 e a síntese está publicada na Revista Comunicação & Sociedade, no. 37 1º semestre de 2002, com o título Questões de estilo, o texto jornalístico e os manuais de redação. p.95-113. 50 Francisco José Karam recupera o trabalho do orador romano Cícero que reúne aspectos considerados essenciais para que o texto fosse completo, estabelecendo a necessidade de se responder as perguntas quem? (quis / persona) o quê (quid / factum, onde? (ubi / locus), como? (quemadmodum / modus), quando? (quando / tempus), com que meios ou instrumentos (quibus adminiculis / facultas) e por quê? (cur / causa). Um modelo utilizado séculos depois pelos norte-americanos. In: A Antigüidade greco-romana, o lead e a contemporânea narrativa jornalística. Artigo disponibilizado no site da Associação Brasileira de Imprensa www.abi.org. Acesso em 17 de maio de 2000.

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transmitidas de forma rápida e encadeadas, estruturando-se na pirâmide invertida. Um estilo

que envolveu toda a imprensa dos Estados Unidos, com um modo objetivo de escrever

(EMERY, 1965), e que chegou ao Brasil através dos telegramas das agências internacionais

de notícias, fazendo frente ao estilo rebuscado que se praticava no Jornalismo brasileiro.

As primeiras iniciativas para se alterar o texto brasileiro aconteceram na década de

1920, quando Gilberto Freyre foi para os Estados Unidos e começou a praticar a nova

estrutura textual no jornal A Província, em Recife (MARQUES DE MELO, 2001). O Brasil

começava a viver o espírito das inovações e da modernidade. O desenvolvimento urbano

proporcionava mudanças inerentes ao próprio momento histórico.

Inicialmente, a imprensa nacional rejeitou a padronização da linguagem, mantendo a

formalidade em seus textos mais ligados a opiniões e comentários e com enfoque mais

literário do que informativo, objetivo e conciso, como propunha o estilo Pompeu. Após causar

verdadeiro escândalo na imprensa brasileira, paulatinamente este estilo técnico consolidou-se.

O Diário Carioca era um jornal pequeno e produzia muito barulho na área

profissional. Como chefe de redação, Pompeu de Sousa tinha um legado da redação antiga, do

antigo Diário Carioca, que funcionava na Praça Tiradentes Na transição, ele não podia

eliminar os jornalistas da antiga, profissionais com talento, da velha guarda. Para consolidar

sua proposta de uma nova técnica para escrever, Pompeu tratou de contratar jovens

profissionais, alunos recém-saídos do curso da Faculdade Nacional de Filosofia, evitando os

jornalistas viciados no velho e enfadonho estilo (DUARTE, 1992). Nesse período, o DC

também mudou de endereço, instalando-se na Praça Onze.

O trabalho de selecionar os focas ficou para o jornalista Luís d’Orleans Paulistano

Santana51, enquanto Pompeu se empenhava na implantação do copidesque. Contratou

Armando Nogueira, Evandro Carlos de Andrade, Nélson Viana, Jânio de Freitas, José Ramos

Tinhorão, Thiago de Melo, Ferreira Gullar, Nilson Lage e Ary Coelho.

Estava pronta a redação que iria enfrentar a guerra dos estilos e que garantiria a vitória

da objetividade jornalística, como se lembra Armando Nogueira:

“Ele (Pompeu) tinha muita habilidade e se dava primorosamente bem com a redação. Eu, do ponto de vista de estilo, aprendi mais com Pompeu do que com Danton. Pompeu era uma espécie de neologo. Na prática, a técnica era com o Pompeu. Tinha o Luiz Paulistano, que era um homem da confiança de Pompeu, cravado no meio da redação. Eles estavam formando uma nova

51 Luiz d’Orleans Paulistano Santana faleceu em 1961, num desastre de helicóptero, com o então governador do Estado do Rio de Janeiro, Roberto Silveira, de quem era assessor. In: LAGE, Nilson. Teoria e Técnica do Texto Jornalístico. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda, 2005. 188 p.

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redação. Pompeu criou um time, um grupo de jovens que pertencia à intelectualidade carioca, que girava em torno de Pompeu”52.

Pompeu de Sousa contava que ao iniciar sua carreira no Diário Carioca, Luís

Paulistano já estava na trabalhando na redação do DC. Uma de suas primeiras medidas

administrativas foi a de promovê-lo a chefe de reportagem, com a responsabilidade de

orientar os novos estagiários do jornal a acompanharem as novas determinações editoriais.

“Na época, ele foi o melhor chefe de reportagem de qualquer jornal do País, com sua

admirável vocação para amestrador de focas, o maior da imprensa brasileira, porque

estabelecia um relacionamento humano tão completo que ninguém seria capaz” 53. Para

Pompeu, Luiz Paulistano tinha capacidade única de

“amestrar as focas, sobretudo porque estabelecia com o foca um relacionamento humano (...) à custa dos focas que Paulistano amestrou pude implantar o copy-desk com pessoas absolutamente estranhas à profissão, sem nenhuma experiência profissional; Armando Nogueira, que nunca tinha entrado numa redação de jornal; Evandro Carlos de Andrade, idem; Nelson Viana, que tivera uma pequena experiência de repórter de setor de fórum na Tribuna da Imprensa; Jânio de Freitas; José Ramos Tinhorão; Thiago de Melo, poeta sem nenhuma experiência jornalística; Ferreira Gullar; Nilson Lage; Ary Coelho, que era professor de Química e entendia de economia; como sabia redigir, tornou-se um copy especializado. Com esse pessoal, gente absolutamente jejuna de qualquer conhecimento jornalístico, implantou-se o copy-desk” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.25).

Apesar das funções definidas na redação do DC, Pompeu de Sousa também ensinava

aos focas as novas regras textuais. “Enquanto o Pompeu nos ensinava a escrever de forma

amplificada, porque o Pompeu era um superlativo, o Paulistano preferia a conversa reservada.

Eu nunca vi o Pompeu numa crise de fúria na redação, de cólera. O Pompeu era

absolutamente pitoresco, no melhor sentido da palavra. Ele era um frescor intelectual, muito

alegre, espirituoso, irrequieto. Eu estou vendo Pompeu... ”54.

Na implementação da reforma, Luís Paulistano fez sua contribuição à história ao

acrescentar ao texto jornalístico o sublide, com informações adicionais sobre o fato, deixando

a marca brasileira nesse novo estilo. Nelson Werneck Sodré, importante historiador da área,

52 Entrevista de Armando Nogueira à autora em 16 de julho de 2004, em sua casa, na Lagoa, Rio de Janeiro. 53 O depoimento foi para os jornalistas Aristélio Andrade, Luiz Paulo Machado e Maurício Azevedo, em 1978, publicado no Revista de Comunicação e reproduzido no livro Pompeu, organizado por Maria de Souza Duarte e publicado pelo Senado Federal, em 1992. 54 Entrevista de Armando Nogueira à autora em 16 de julho de 2004, em sua casa, na Lagoa, Rio de Janeiro.

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definiu que a reforma na linguagem jornalística “foi devida a Luís Paulistano, chefe de

reportagem” (SODRÉ, 1983, p.394) do Diário Carioca, pela criação do sublide.

“A reforma não era um transplante mecânico; tinha um quê nosso, abrasileirado, como o sub-lead inexistente na técnica americana que absorvíamos. Para essa criação contribuíram muito o Danton, que tinha muito carinho pelo aspecto gráfico do jornal, e o Paulistano, que foi quem denominou de sub-lead o segundo parágrafo que acrescentávamos à abertura do texto da técnica americana” (ANDRADE, MACHADO E AZEDO, 1978, p.29).

A técnica difundida por Pompeu de Sousa foi gradualmente absorvida pelos demais

jornais brasileiros, porque a apresentação dos fatos tinha uma organização coerente,

respeitando a ordem de importância dos fotos, atraindo a atenção do leitor por facilitar a

leitura, já que o lide compreende um processo lógico para a produção do texto jornalístico.

“Não é difícil entender a rapidez com que este novo modelo de concepção do texto

jornalístico fosse rapidamente incorporado por todos os demais jornais. O anacronismo do

velho nariz-de-cera estava sepultado em poucos anos. O país estava maduro para uma prática

de jornalismo moderna, urbana, industrial” (GENTILLI, 2003)55.

“O lead foi introduzido por mim para substituir o nariz-de-cera. Representou uma subversão na técnica redacional. Naquele tempo, a notícia ficava no pé da matéria. A abertura era um comentário, uma opinião, uma mistura de informação, interpretação e tudo mais, menos notícia. Aquilo precisa mudar” (LYSIAS, 1986, p.22).

O pioneirismo de Pompeu de Sousa foi assimilado pela grande imprensa na década de

70, quando os jornais O Globo, do Rio de Janeiro, e Folha de S. Paulo e O Estado de S.

Paulo, de São Paulo, adotaram algumas das normas de redação lançadas pelo Diário Carioca

e fixadas no Jornal do Brasil.

À atuação do copidesque na redação, Pompeu de Sousa conseguiu garantir a adoção

do novo estilo jornalístico, num processo de revisão contínua para a adoção das normas do

manual de redação e padronizando a linguagem jornalística. Foi um pioneiro nessa frente de

modernização da imprensa, apesar de declarações contrárias, como a de Ana Arruda Callado,

55 Victor Gentilli defendeu tese de doutorado na USP, no primeiro semestre de 2003, sobre as modificações por que o Jornalismo brasileiro passou durante o século XX. O artigo utilizado neste trabalho está disponibilizado no site do Observatório da Imprensa www.observatoriodaimprensa.com.br e foi apresentado no SIPEC, da Intercom, realizado em Vitória (ES). Acesso em 12 de dezembro de 2003.

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que trabalhou no Diário Carioca, em 1965, como chefe de reportagem, a primeira mulher a

ocupar este cargo na imprensa brasileira.

Ana Arruda atribui a paternidade dessas modificações a Danton Jobim, na época

diretor do Diário Carioca e que esteve na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos,

antes de Pompeu de Sousa (CALLADO, 2002, p.46). A pesquisadora afirma que Pompeu

apenas consolidou o uso do lide. Em sua avaliação, o jornalista teria sido o executor das idéias

que levaram o Jornalismo à linguagem informativa. Para ela, Pompeu de Sousa era um

jornalista “muito ousado”:

“Tanto que ele ficou com essa fama, injusta com o Danton (Jobim), de ter implantado o lead no Brasil. A técnica é americana, a idéia de dizer o que aconteceu ao leitor é americana, que tem o mito da imparcialidade e da objetividade jornalística. No Brasil nos anos 50, o Diário Carioca foi quem começou tudo. E o Pompeu era quem dirigia o Diário Carioca. Por que todos dizem que é Pompeu? Porque Pompeu foi para a Universidade da Columbia depois que o Danton passou por lá. Danton fez conferências e trouxe o lead de lá. E recomendou ao Pompeu que fosse para lá. Danton era o diretor do jornal. Pompeu era o chefe de redação. Pompeu era maravilhoso e um bom jornalista. Era ele quem falava com os jornalistas na redação. Foi ele quem implantou, não tenho dúvidas, se olhar a anterioridade de Danton Jobim em contato com a técnica americana. Mas quem ensinava e falava para os repórteres ‘tem que escrever assim’, era o Pompeu. O homem que fez foi o Pompeu, mas o mentor intelectual foi o Danton”56.

O jornalista e professor Nilson Lage mostra dúvidas sobre o responsável pela

modernização da linguagem da imprensa brasileira:

“O feito é atribuído (pelos outros e por ele mesmo) a Pompeu, mas sempre tive minhas dúvidas sobre a participação, no caso, de Danton Jobim. Estudioso do assunto, Danton era um articulador low profile (tanto que a maledicência juvenil da redação lhe atribuía o epíteto de "a vitória da preguiça"), mas escrevia bem e pensava com clareza, foi catedrático do curso de Jornalismo que funcionava na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil e Pompeu era seu assistente. Devem ter tramado aquilo juntos” (LAGE, 2004, p.1).

O fato concreto, até mesmo na visão de Lage, é que “Pompeu foi de fato o executivo

da inovação do texto, entre outras provas está aí o style book que escreveu, exemplo de

concisão e modéstia para os manuais detalhistas dos jornalões presunçosos de hoje” (LAGE,

2004, p.1). Porém, o próprio Danton Jobim reconheceu que a autoria da nova técnica

jornalística é de Pompeu de Sousa:

56 Entrevista de Ana Arruda Callado à autora em 15 de julho de 2004, em sua casa, em Botafogo, Rio de Janeiro.

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“O DC tinha como maestro inenarrável Pompeu de Sousa, sob cuja batuta nos juntávamos na maior zorra (...) Dos Estados Unidos ele trouxera a visão da imprensa moderna que iria inspirá-lo a fazer a grande reforma do Diário Carioca, ponto de partida para a modernização da nossa imprensa. Não foi só o lide nem a diagramação vertical (já praticada pelos Diários Associados) que ele introduziu. Quebrou, sobretudo, o formalismo dos títulos e das posturas” (JOBIM, 2003, p.99).

O jornalista Armando Nogueira, que entrou para o Diário Carioca em 1950 e lá

permaneceu durante dez anos, apontou que Danton Jobim contribuiu com as modificações

técnicas da linguagem, “mas quem punha a mão na massa era o Pompeu, era o chefe da

redação. As funções decorrentes de toda a modificação vinham do Pompeu, porque ele era

intuitivo, um homem falante, ele era um mobilizador57”.

Na realidade, as alterações vivenciadas pela redação do Diário Carioca foram

resultados da ação de Pompeu de Sousa, que na época era o chefe de redação, logo após seu

retorno dos Estados Unidos, no fim do governo ditatorial de Getúlio Vargas, como ressalta o

jornalista Evandro Carlos de Andrade, em depoimento aos pesquisadores Alzira Alves de

Abreu e Fernando Lattman-Weltman:

“A mudança foi feita pelo Pompeu de Sousa quando voltou dos Estados Unidos, no fim da ditadura de Getúlio Vargas. Tanto que o grande título que mudou o estilo de fazer Jornalismo aqui, na nossa visão, foi o ‘Sai Dutra e entra Góes’, referindo-se ao Ministério da Guerra, porque nunca se tinha tratado uma autoridade com essa intimidade, nunca se tinha feito uma coisa desse gênero. Esse foi o primeiro, vamos dizer, choque na maneira de lidar com a autoridade” (ABREU e LATTMAN-WELTMAN; 2003 p.23).

A instituição do lide no Diário Carioca acompanhava o processo de modernização que

passava o jornal, administrado por Danton Jobim, adepto da visão norte-americana para os padrões

técnicos da imprensa informativa. O jornal, na época, passou por toda uma mudança técnica,

eliminando de suas páginas as matérias quebradas, que precisavam ter continuação em páginas

subseqüentes.

O slogan adotado pelo DC, "O máximo de jornal no mínimo de espaço", já apresentava seu

estilo ousado, para abraçar o maior número de assuntos de interesse público num menor espaço

possível, o que exigência do autor da matéria a concisão, a objetividade e a linguagem direta, sem

rodeios, sem opiniões. Uma característica que o diferenciava dos demais jornais da época, com mais

assuntos a serem discutidos por seus leitores e com uma apresentação gráfica que facilitava a leitura.

57Entrevista de Armando Nogueira à autora em 16 de julho de 2004, em sua casa, na Lagoa, Rio de Janeiro.

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“O fato é que o início dos textos e títulos contados permitiu ao Diário Carioca uma composição de páginas próxima da concepção visual moderna: equilíbrio entre as massas de negro (título e texto, texto e texto, etc.), abolição dos inúmeros subtítulos e dos fios delimitando as matérias. O título em especial era algo que obedecia a certa rigidez. Deveria ser tudo no mesmo corpo, só que às vezes não cabiam as palavras necessárias. A solução era colocar um parêntesis e dentro dele uma expressão em duas linhas, que completava o sentido do título. A titulação contada exigia uma nova linguagem: era preciso dizer o máximo no mínimo de espaço. Assim, Pompeu inaugurou em 1945 o uso expressivo de dois pontos, parênteses e ponto e vírgula; introduziu também abreviaturas e acabou com a obrigatoriedade do artigo nos títulos. Foi o Diário Carioca o inventor de uma abreviatura famosíssima: JK” (MACHADO, 2003, 30).

Jânio de Freitas, articulista da Folha de S.Paulo, que trabalhou com Pompeu de Sousa

no Diário Carioca, disse em texto in memoriam ao velho jornalista, que Pompeu, como chefe,

exigia em um fino texto tudo o que era importante, num clima descontraído, de bom humor

permanente e inteligente, tratando todos de forma igualitária e humana, podia pedir um lide

"daqueles” às 9 horas da noite para ser a manchete do dia seguinte (POMPEU, 1998:492).

O jornalista Maneco Müller chegou ao Diário Carioca através de Prudente de Morais

Neto, com o pseudônimo Jacinto de Thormes, para ser cronista social. Depois, com a reforma

no DC, Pompeu o promoveu a colunista – uma função que não existia nem no dicionário, nem

nas redações brasileiras. Pompeu se espelhou nos columnist existentes nos jornais norte-

americanos e lançou moda no Brasil.

“Pompeu era um profissional que achava, já naquele tempo, que um jornalista é feito não somente da notícia verdadeira, da seriedade pública, do bom caráter e prestação de serviço, como também da criação do mito. E assim ele ajudou muito, naquele Diário Carioca, a que jornalistas como Castello Branco, Fernando Sabino, Vinícius de Moraes, Antônio Maria, Otto Lara Resende, Fernando Nogueira, Paulo Mendes Campos, Evandro Carlos de Andrade, Deodato Maia, Jânio de Freitas, Everaldo Guilhon, Fernando Lobo, Mister Eco, Timbaúba (repórter-detetive) se tornassem personagens, heróis de histórias em quadrinhos de suas próprias histórias. Figuras visualizadas como faz agora a televisão”. (POMPEU, 1998, 495).

Paulo Francis intitulou Pompeu de Sousa como o editor de “nossos sonhos”, por

permitir que os jornalistas escrevessem o que achassem melhor. Ele trabalhou no Diário

Carioca, contratado em 1957, como crítico de teatro.

“Qualquer que fosse a opinião que eu desse, e algumas me fazem enrubescer – mais ou menos – até hoje pela violência, não importa quão inortodoxa fosse, era publicada na íntegra. Um gosto forte de liberdade que até hoje é uma das raras razões plausíveis para que eu continue em jornalismo. Pompeu

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era a força criadora por trás desta liberdade. Tinha sido um crítico de teatro temível. Foi um dos raros jornalistas a não cair no embuste de Jânio Quadros em 1960. Considerava Jânio louco. Acertou no milhar” (POMPEU, 1998:497).

Outra inovação apresentada pelo Diário Carioca pelas mãos de Pompeu de Sousa foi a

publicação de fotos de perfis das pessoas, algo inconcebível para a época em que imperava a

formalidade dos atos públicos. A ousadia de Pompeu de Sousa transformou o DC na grande

escola de Jornalismo nos anos 50, como recorda Fabiano Villanova Machado, que trabalhou

no jornal de 1957 a 1965 e chegou a gerenciar a sucursal no Rio Grande do Sul. O

depoimento foi publicado nos Cadernos da Comunicação, editado pela Prefeitura do Rio de

Janeiro, série "Memória".

“No Brasil não apareceu um jornal melhor na formação profissional, O Diário foi uma grande escola de Jornalismo. Além do manual de redação do professor Pompeu, que nos obrigava a ser modernos e atuais, aprendemos a superar dificuldades como a falta de espaço para publicar as matérias. Assim surgia o slogan, ´O máximo de jornal no mínimo de espaço’, a maioria das matérias precisava ser condensada em aproximadamente 45 linhas” (MACHADO, 2003, p. 64).

4.3 A reforma no Diário Carioca

Com as novas técnicas jornalísticas, o Diário Carioca começou uma campanha

explicativa aos leitores sobre as mudanças que o jornal passaria a ter. Uma modificação que

foi anunciada na edição de 28 de maio de 1950, número 6.72358, domingo, no pé na primeira

página, com um anúncio sobre a mudança gráfica, acompanhada com o aumento do preço do

jornal, que passou de oitenta centavos para um cruzeiro:

“Diário Carioca a seus leitores

Iniciando nova fase, o Diário Carioca se dirige aos seus leitores. Estamos tentando adaptar nosso jornal a uma nova fórmula técnica que corresponde ao padrão dos mais modernos órgãos da imprensa mundial. Por isso, reunimos recursos técnicos de primeira ordem, montando uma oficina adequada a essa finalidade e remodelando nossa redação de serviço de noticiário de modo a atender o principal objetivo da imprensa em nossos dias, que é informar a tempo e a hora o seu público. Ainda não foi possível obter em nosso número a perfeição que o nosso pessoal técnico ambiciona. A edição do Diário Carioca, por exemplo, contém falhas de impressão que a dedicação de nossos mecânicos não podem eliminar. O mesmo poderá dizer de O Cariocinha, que não saiu desta vez a cores. Outros senão ainda encontrará, sem

58 Cópia da primeira página do Diário Carioca, edição 28 de maio de 1950, está em anexo.