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POLÍTICAS DE GOVERNO E A FALÊNCIA DO PROJETO UPP
FLUMINENSE
Danilo do Nascimento FAUSTINO1
Resumo
O presente trabalho busca analisar as denominadas Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs), as políticas de segurança pública realizadas nas favelas da cidade do Rio de Janeiro.
Avaliando os aspectos de seu fracasso, tendo em vista um recorte histórico desde a década de
90, tem como uma análise detalhada dos Decretos nº 44.177/2013 e Decreto 45.186/2015,
estes responsáveis por regular as UPPs, além de relacionar estes decretos com os projetos da
história da segurança pública demonstrando os jogos políticos que consolidaram por meio da
estigmatização da favela no imaginário coletivo, refletindo sobre a lógica da “guerra” e o
caráter militar da atividade policial, avaliando as questões do “estado de exceção
permanente”. Por fim, discute também as questões da forma que os possíveis programas
sociais foram implantados por meio das UPPs.
Palavras-chave: Polícia; Proximidade; Comunidade.
Abstract
The present work seeks to analyze the so-called Pacifier Police Units (UPPs), the
public security policies carried out in the favelas of the city of Rio de Janeiro. Evaluating the
aspects of its failure, considering a historical cut since the 90's, has as a detailed analysis of
Decrees nº 44,177 / 2013 and Decree 45.186 / 2015, these responsible for regulating the
UPPs, in addition to relating these decrees with the projects in the history of public security
demonstrating the political games that consolidated by stigmatizing the favela in the
collective imagination, reflecting on the logic of "war" and the military character of police
activity, evaluating the issues of "permanent state of exception". Finally, it also discusses the
issues in the way that possible social programs were implemented through the UPPs.
Keywords: Police; Proximity; Community.
1. INTRODUÇÃO
1 Tecnólogo em Segurança Pública e Social pela Universidade Federal Fluminense - UFF RJ. Subtenente da
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, na qual trabalha há 17 anos.
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O projeto governamental das Unidades de Polícia Pacificadoras fora criado no final de
2008, do qual por muito tempo, foi visto pelo estado brasileiro e pela sociedade um projeto
promissor de segurança pública no qual, diversos estudos e pesquisas indicaram melhorias
nos índices de violência nas áreas de risco, além de uma razoável aprovação dos moradores
dessas comunidades e da sociedade civil.
A ideia inicial era a presença permanente no interior da comunidade e passariam a
adotar os princípios da polícia de proximidade, nos moldes do policiamento comunitário,
onde os conflitos seriam descentralizados e resolvidos de maneira mais simples; é uma
estratégia na qual se aposta numa relação entre as populações e as forças de segurança, com a
finalidade de prevenir a criminalidade. (NETO, P. M. 2004)
Nas últimas décadas a cidade do Rio de Janeiro tornou-se mundialmente conhecida
por sua dramática contradição entre sua beleza natural, junto a sua forte cultura do carnaval e
suas belezas simbólicas como o Cristo Redentor, bem como seus elevados níveis de violência.
Ao longo dos anos 80 e 90 as taxas de homicídio atingiram valores muito próximos de
80 vítimas por 100.000 habitantes, valor este entre os piores do Brasil. O varejo do
narcotráfico teve como cerne de sua estrutura através do controle territorial das favelas, em
vista de ter capacidade de poder processar e vender as drogas. Vale ressaltar que o Instituto de
Segurança Pública é uma autarquia ligada à Secretaria de Estado de Segurança Pública do
qual, entre suas variadas funções, tem o papel de divulgar as estatísticas oficiais dos registros
de ocorrência da polícia civil, bem como o de responder a pedidos da mídia, de pesquisadores
e da população em geral acerca das estatísticas de eventos registrados que não são divulgados
no Diário Oficial.
No que tange o campo da segurança pública, de modo geral, a polícia foi,
historicamente, a única organização regular do Estado a entrar nas favelas, como aponta
Raquel Willadino em seu livro:
‘... E essa ação sempre teve como foco o ataque a grupos criminosos ou o
controle do território, nunca a perspectiva de respeito aos direitos dos
moradores, principalmente no campo da segurança pública. Assim, as ações
policiais sempre foram caracterizadas pela truculência, violência e pelo
sentimento de impunidade. Esse quadro se agravou e se tornou mais
complexo a partir da década de 80. No período, surgiram três fenômenos que
se entrelaçaram: na Colômbia, cartéis se organizaram e passaram a ter
capacidade de produzir e exportar a pasta de cocaína numa perspectiva
industrial. Com isso, os preços caíram de forma abrupta e a droga se tornou
uma commodity de alto valor e imensa presença no mercado internacional de
drogas ilícitas. (Raquel Willadino, 2018).
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A violenta disputa pelo território entre as variadas facções criminosas, e entre elas e a
polícia, se elevou de uma forma exponencial no que tange o número de vítimas e assim
introduziu a necessidade de armas de uma grande capacidade de poder de destruição.
As imagens simbólicas de grupos armados com fuzis controlando as favelas tornaram-
se corriqueira, bem como se tornou corriqueiro no imaginário da população, além dos
noticiários.
A intervenção do estado, em especial do Estado do Rio de Janeiro estava pautada por
um modelo militarizado, no qual teve contemplada uma série de invasões periódicas dos
territórios que se traduziam numa letalidade dos policiais, está sem precedentes vista antes na
história da república brasileira, mas que por outro lado não se desarticulavam as estruturas
criminais, e muito menos impediam o domínio do território pelos grupos criminosos.
Ainda sobre o estado do Rio de Janeiro, buscou experimentar outros modelos
alternativos de policiamento, como o Policiamento Comunitário, já citado aqui, no Morro da
Providência e também em Copacabana, posteriormente, o Grupamento de Policiamento em
Áreas Especiais (GPAE), todavia nenhum desses projetos recebeu investimento a altura de
suas necessidades, ou ainda teve a sua continuidade assegurada o tempo necessário para de
fato ter um impacto significativo na presença do estado nas regiões de interesse.
2. CONTEXTUALIZAÇÃO
No ano de 2009, o governo do Rio de Janeiro lançou a Unidade de Polícia
Pacificadora, conhecidas como UPP, a partir da experiência piloto no morro de Santa Marta,
em Botafogo. Os policiais, ao invés de invadirem periodicamente, ficaram dentro da
comunidade, com a intenção de retomar o controle do território e evitar os confrontos
armados. O contingente policial estava composto por policiais recém formados, inspirados
pela doutrina da polícia comunitária ou de proximidade. (“Os Donos do Morro”, 2012).
Os resultados divulgados pelo governo e pela imprensa foram positivos: cesse quase
total dos tiroteios e perda do controle sobre o território por parte dos grupos armados. Uma
série de pesquisas de opinião pública demonstrou o apoio social, e temos a iniciativa privada
buscando, pela primeira vez, se engajar de uma forma significava num projeto de tal natureza.
A título de exemplo, a própria eleição do Rio de Janeiro para sediar os Jogos
Olímpicos gerou multiplicadores acerca da visibilidade nacional e internacional do projeto,
bem como a sua importância estratégica, tornando-se o carro-chefe da política de segurança
do estado do Rio de Janeiro.
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2.1 Tema
Nesse sentido é possível avaliar um certo fracasso em algumas das tentativas de
Projeto de Polícia Pacificadora diante da falta de investimento do governo, seja no
policiamento, bem como na parte social, uma vez que somente a chegada das forças policiais
militares nas comunidades não foi uma solução concreta dos problemas estruturais de
violência nas comunidades; que essa questão deve combinar as políticas de segurança pública
e as políticas sociais, aliando cidadania e ação comunitária.
2.2 Problemas
Como temos atualmente ações presentes de intervenções de segurança pública,
especialmente naquelas onde vão sendo construídas de uma forma progressiva, como por
exemplo, os casos descritos no presente trabalho não existiam um plano de avaliação
desenhado a priori, seja pelo estado do Rio de Janeiro, seja por outras instituições de
interesse.
Nesse sentido, não existe ainda uma avaliação interna e sistemática dos projetos de
Unidade de Polícia Pacificadora - UPP, em especial para avaliar sua efetividade ao longo dos
anos. O Instituto de Segurança Pública (ISP) divulga em seu site, por mandato legal, as
variadas ocorrências mensais, que são registradas em cada uma das áreas de Unidade de
Polícia Pacificadora - UPP, estas correspondentes aos mesmos crimes que o governo tem por
obrigação divulgar de maneira regular para as delegacias, bem como para o conjunto do
estado brasileiro.
Em função desta alta visibilidade, bem como do interesse público, muitos
especialistas, bem como acadêmicos começaram a estudar as Unidades de Polícia
Pacificadora - UPPs, e suas tendências que deve continuar por um tempo razoável. Apesar de
se haver uma construção de um foco notável de pesquisa, as Unidades de Polícia Pacificadora
- UPPs estão ainda longe de estar consolidadas na literatura acadêmica especializada, por
variadas razões, em especial pelo fato de origem das Unidades de Polícia Pacificadora - UPP
serem recentes na sociedade brasileira e que pesquisas acadêmicas necessitam de
investimentos e tempo.
2.3 Hipótese
A questão hipótese a se problematizar aqui, passa através do discurso que promete a
tal “pacificação” de algumas determinadas áreas, no caso da cidade do Rio de Janeiro,
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responsável por fundamentar ações realizadas e empreendidas nos últimos anos pelo governo
do estado do Rio de Janeiro, por meio de projetos de segurança pública.
Onde as Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs é considerado o carro-chefe das
gestões do Governo do Estado, bem como da Secretaria de Estado de Segurança no combate à
violência, além da retomada de territórios ocupados pelo poder paralelo, este instituído pelo
crime organizado através do tráfico de drogas e armas, do qual hoje também alcança o roubo
de carga.
Tal discurso pode ser compreendido, bem como inserido num contexto mais amplo
fomentado, por um exercício de lógica que separa “violento” de “pacíficos” e “pacificados”,
desenhando-se como a recente versão tupiniquim das fronteiras erigidas entre “bárbaros” e
“civilizados”, tão corriqueiros na modernidade. (Fernanda Canavêz, 2012)
Por conseguinte é necessário em certo sentido, esclarecer que o presente trabalho
busca avaliar os diferentes discursos de adesão ou uma crítica combativa ao projeto das
Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs do que analisar as promessas normalmente de cunho
político de “pacificação”, bem como a lógica que a sustenta.
Tal discurso, mais do que os programas elaborados pelas políticas públicas que os
englobam, tem sua importância na medida em que se é possível criar um imaginário de se
ilustrar as apostas nas imunizações de uma pretensa violência, está com a tentativa de se
empoderar em nome de uma determinada concepção de paz.
Onde tal se coloca a serviço das ordenações do espaço social, bem como de um ideal
de educação, seja este a recair sobre aqueles que ocupam o referido território, no qual os
imperativos da ordem possam vir a acarretar os riscos da divisão que reserva a alguns as
benesses do Estado Democrático de Direito, ao mesmo passo que aos outros possam vir a
serem conferidos os ares de um Estado de polícia.
Os discursos que prometem uma dada “pacificação” das favelas do Rio de Janeiro será
evocado na busca de ilustrar a lógica que separa os civilizados, dos bárbaros, bem como se dá
o ensejo a diferentes tipos de intervenção no espaço social, em especial através do advento da
modernidade, uma vez que mesmo porque as favelas, ou simplesmente comunidades, são
comumente evocadas como “espelho invertido na construção de uma identidade urbana
civilizada”. (ZALUAR & ALVITO, 2004, p. 12)
2.4 Justificativa
Muitas das pesquisas feitas com o fim de compreender as influências da Unidade de
Polícia Pacificadora - UPP estão ainda em andamento, mas outras já foram veiculadas, seja
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através de relatórios de pesquisa, resumos executivos ou artigos científicos. Algumas
pesquisas também foram encomendadas por instituições públicas ou ainda privadas, com fins
específicos de interesse ou ainda de uma agenda política concreta.
Muitas destas pesquisas têm como base os ‘surveys’ de opinião entre os moradores
das comunidades incluídas nos projetos das Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs. Em
contrapartida têm-se os estudos de cunho qualitativo dos quais costuma se focalizar uma ou
ainda uma quantidade pequena de comunidades com Unidade de Polícia Pacificadora - UPP e
enfrentam nesse sentido certas limitações quanto a sua capacidade de generalização para
avaliar um todo sobre as Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs.
A grande maioria das pesquisas avaliadas no presente trabalho tem suas referências a
um único ator participante no projeto, como os moradores, por exemplo, ou os policiais, ou
simplesmente conta com uma única fonte de informação, ainda sim apesar de raras as
pesquisas até agora divulgadas que têm como objetivo estimar factualmente o impacto do
projeto na criminalidade.
2.5 Objetivo Geral
Os objetivos gerais do presente trabalho são as análises de referenciais bibliográficos
acerca dos possíveis erros e fracassos do Projeto de Polícia Pacificadora – UPP.
2.6 Objetivos Específicos
Os objetivos específicos do presente trabalho são a análise de referenciais
bibliográficos acerca das possíveis melhorias nos índices de violência nas áreas de risco, além
das aprovações dos moradores dessas comunidades, bem como da sociedade civil, a avaliação
das faltas de estrutura, e das propostas de reformulação completa e eficaz desse modelo de
policiamento, tendo em vista a retomada dos ciclos viciosos da violência.
3. REVISÃO DE LITERATURA
3.1 A Constituição de 1988, o Estado Democrático de Direito, o novo conceito de
segurança pública e os direitos e garantias fundamentais
Pode-se dizer que os principais direitos e garantias fundamentais encontram-se
expressos no texto legal, dividindo-se entre os direitos individuais e coletivos, os direitos
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sociais, direitos de nacionalidade, os direitos políticos, além dos direitos relativos a existência,
organização e a participação em partidos políticos.
Respectivamente, cada um desses direitos está ligado conceitos ligados a pessoa
humana em si, tais como sua vida, sua personalidade, direitos relativos à dignidade, liberdade,
vida, honra, propriedade e segurança, este último de suma importância no desenvolvimento do
presente trabalho.
Continuando, os direitos possuem ainda natureza e cunho de garantidor de liberdades
positivas, tais como educação, saúde, trabalho. Também direitos relativos à nacionalidade
(vínculo político entre Estado e indivíduo). Ou ainda direitos referentes a possibilidade de
exercício da cidadania pelo indivíduo. Nessa gama de direitos encontram-se ainda os
relacionados a possibilidade de participação em partidos políticos, garantindo-lhes autonomia
para tanto.
O respaldo legal de referidos direitos é constitucional dos artigos 5º a 17 da
Constituição Federal e possuem como características a sua historicidade, imprescritibilidade,
irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade, concorrência, efetividade,
interdependência e complementaridade.
Ressalte-se que todas as pessoas adquirem esses direitos no momento em que nascem,
devendo ser exigidos pela sociedade para que não sejam infringidos.
Nota-se que todos esses direitos vieram com o advento da Constituição Federal de
1988, com a instituição do Estado Democrático de Direito.
Acerca do novo conceito de segurança pública, objetiva-se nesse momento esclarecer
a sua previsão legal na Constituição Federal, bem como sua nova conceituação e órgãos
responsáveis pela sua garantia. Nota-se que dentro do ordenamento jurídico brasileiro prevê-
se a segurança pública no artigo 144 que dispõem:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,
é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 1988)
Conforme depreende-se da análise do dispositivo legal supra e de como se organiza a
segurança pública, que está intimamente ligada a conceitos como uma garantia, uma proteção,
que é um dever do Estado e de todo cidadão que nele reside.
Tem-se o raciocínio de MATOS (2013, p.20-21)
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A segurança pública, conforme estabelece a Constituição Federal e por extensão a
legislação infraconstitucional, para além das práticas políticas de gestão
administrativa dos governos que lhe caracteriza a gestão, relaciona-se de forma
plena e contínua com a atuação das polícias ostensiva e judiciária na defesa do
patrimônio, da vida, da incolumidade física e psíquica das pessoas, enfim, possui um
papel preponderante na proteção de fato das pessoas e dos bens públicos, dos valores
imprescindíveis a dignidade da pessoa humana, constituindo-se em um dos fatores
fundamentais de bem estar de uma sociedade politicamente organizada. (MATOS,
2013, p.20-21)
3.2 A criação e a ação das UPPs
Numa avaliação histórica e prévia as UPPs para que se gere um entendimento acerca
da construção das Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs temos que, as pressões midiáticas
tiveram um papel essencial na disseminação do imaginário de que o governo fazia excessivas
concessões quanto a não ingerência das forças policiais nas favelas, fazendo com que se fosse
permitindo a existência de um território controlado por criminosos.
Algumas mídias chegaram a apontar que quando o governo veio a proibir incursões
massivas das forças policiais nos morros da cidade estava na realidade concedendo uma
chamada ‘extraterritorialidade de fato’ aos criminosos que viviam nesses locais.
Nessa linha de reportagens e de pensamento é que houve a consolidação de um modo
de pensar essas regiões como territórios da pobreza onde o Estado estava ausente. Segundo
Silva, Leite e Fridman (2005, p.10):
À medida que os episódios de violência física cresciam em frequência,
intensidade e, principalmente, visibilidade no Rio de Janeiro, expressando
novas modalidades de criminalidade que ensejavam uma percepção
formulada a partir das metáforas da guerra e da “cidade partida”, o tema
passava a dominar os debates, as propostas de intervenção e as escolhas
eleitorais subsequentes.
No que tange às pesadas críticas negativas que sempre podem ser feitas a qualquer
gestão do estado, fato é que ocorreram alguns avanços através da chamada “terceira via”.
Além dos variados esforços para uma busca de geração de emprego e renda, e as iniciativas
voltadas ao campo da autoestima dos segmentos ditos como marginalizados da sociedade,
houve, também, segundo o relatório da Justiça Global (2005, apud. SILVA, LEITE E
FRIDMAN, 2005, p. 15) uma redução nos níveis de violência:
“a redução em 40% do número de civis mortos pela polícia, bem como a
redução do número de policiais mortos, além de uma apreensão recorde de
armas em poder dos criminosos: 9 mil”.
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No olhar jurídico sobre as Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs, o plano jurídico
de estruturação das UPPs, sem dúvida, pode ser considerado de fato tardio, uma vez que
somente após dois anos da primeira ocupação é que a “pacificação” foi regularizada pelo
estado.
A primeira ocupação, na favela de Santa Marta, fora feita como um “experimento”,
desvinculado de qualquer planejamento em longo prazo, sem sequer levar em consideração o
seu impacto sobre a dinâmica social das comunidades e sem estabelecer metas.
A base legal do programa de pacificação consiste em alguns decretos estaduais, sendo
estes:
● O Decreto nº 41.650 de 21 de janeiro de 2009 determina a criação, em termos
formais, das UPPs;
● O Decreto nº. 41.653 de 22 de janeiro de 2009, por sua vez, cria a obrigação de
se pagar uma gratificação mensal aos policiais lotados nas unidades;
● O Decreto nº 42.787, de 6 de janeiro de 2011, UPPs começaram a ganhar um
dimensionamento formal, no sentido de ser definido objetivos, ainda que
vagos, áreas priorizadas pelo projeto, entre outros aspectos.
Conforme Serra e Zaconne (2012, p. 29) o então policiamento comunitário tem em
suas bases algumas ideias como o fato das tentativas de que a autoridade do policial estar
atrelada ao apoio comunitário e não somente a uma questão de mera legalidade e
profissionalismo, esse policiamento também tem seus fundamentos nas prevenções de crimes
através da resolução de problemas do cotidiano da comunidade.
Vale frisar também que há uma grande interação entre a polícia e os moradores, de
forma que estes sejam sempre consultados acerca da atuação policial. Neste sentido as UPPs
falham, uma vez que a relação entre os moradores e a polícia ocorre de forma verticalizada,
gerando naturalmente um sentimento de desconfiança e medo, fomentado, por exemplo, por
meio dos casos de desaparecimento, como o do pedreiro Amarildo Dias de Souza.
No decreto atual permanece a imprecisão do que é a polícia de proximidade ou polícia
comunitária. No primeiro parágrafo do art. 2º, do Decreto de 2013, são definidas as áreas que
necessitam uma prioridade pelo programa: são as comunidades pobres, marcadas por uma
baixa institucionalidade estatal, alto grau de informalidade e que sejam ocupadas por grupos
criminosos.
Por outro lado ao que se define a norma, há pesquisas (CANO, 2012) apontando que
as localizações das UPPs estão relacionadas com a proximidade de certas favelas com bairros
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nobres e as regiões que são relevantes para as estruturas dos Jogos Olímpicos que ocorreram
no Rio de Janeiro.
No que tange os decretos ainda temos o Decreto de 2015 que não há qualquer menção
sobre áreas que devem ser priorizadas pelo programa.
Já no segundo parágrafo do art.2º, do antigo Decreto são relacionados três objetivos:
A. Consolidar o controle estatal sobre comunidades sob forte
influência da criminalidade ostensivamente armada;
B. Devolver a população local a paz e a tranquilidade pública
necessária ao exercício da cidadania plena que garanta o
desenvolvimento tanto social quanto econômico;
C. Aplicar instrumentos mais céleres, eficazes e plurais à resolução e
ao encaminhamento de ocorrências, com ênfase na mediação e na
destinação de tratamento diferenciado aos delitos de pequena
monta.
As variadas metas traçadas por meio de leis e decretos demonstram que, no aspecto
formal, o projeto visa a retomada do controle estatal sobre as favelas, na intenção de integrar
esse espaço à ordem sob a qual está submetida o restante da cidade, no mesmo passo em que,
de acordo com Leite (2015), visa impedir que estes territórios estivesse sobre os domínios
armados do crime violento ou ainda do narcotráfico, todavia não há nenhum documento
oficial, que explique de formas mais detalhada e explicativas, os objetivos o programa, além
disso, não há qualquer menção a um cronograma, para que as metas venham a ser alcançadas
e auto avaliadas, o que provoca uma gigantesca incerteza com relação ao modelo de
policiamento e da segurança pública pretendido, sendo este um ponto favorável a uma atuação
ambígua e ambivalente do Estado nas favelas:
Ambíguo por elas, só para elencarmos alguns exemplos, conterem elementos
aparentemente contraditórios como a realização de um “policiamento
comunitário” através de policiais armados para a “guerra”, ou pela sua
proposta de término da militarização da segurança baseada numa política de
ocupação territorial ainda com um molde fortemente militar. Da mesma
forma, as UPPs nos parecem ambivalentes dadas a gama de processos
relacionados direta e indiretamente à ocupação policial permanente de
favelas: a regularização do comércio e serviços em tais locais, a especulação
imobiliária do entorno e das áreas “pacificadas”, um controle policial mais
próximo sobre a vida da população favelada, seu papel na realização dos
“megaeventos” esportivos até 2016, a possibilidade de que novos exercícios
das Forças Armadas sejam feitos em áreas urbanas, entre outras funções.
(Rodrigues, 2013, p.57).
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O Decreto de 2015, nesse aspecto, vem a estabelecer os seguintes objetivos, expostos
no art. 3º:
I. Retomar territórios sob o jugo de grupos criminosos,
visando a extinguir a coação ilegal sobre seus
moradores;
II. Reduzir a violência armada, especialmente a letal;
III. Recuperar a confiança e a credibilidade dos moradores
na polícia; IV - Contribuir para uma cultura de paz,
regulando, de forma pacífica, os conflitos no interior das
áreas atendidas, sob a orientação de padrões não
violentos de sociabilidade.
Já o art.3º do Decreto 44.177/2013, vem por estabelecer as etapas de implantação do
projeto, sem, todavia ter uma definição acerca de sua duração.
Ainda de acordo com Rodrigues (2013, p. 58), as durações em cada comunidade
apresenta uma série de variações:
Dentro do universo das 30 UPPs, cada uma possui um tempo e um ritmo
diferente quanto ao andamento das iniciativas. Na Rocinha, por exemplo, a
“Fase II” demorou dez meses, enquanto na Providência ela durou pouco
mais de um. Enquanto a “Fase III” parece estar mais avançada em favelas
como o Santa Marta, outras localidades, como o Jacarezinho e Manguinhos
ainda só contam com a ocupação da polícia. (Rodrigues, 2013, p. 58).
Já para Brito (2013), qualquer análise feita sobre as UPPs é necessário que se
compreenda os atrelamentos entre a política de segurança pública, o planejamento urbano em
vigor, bem como o modelo empresarial de uma cidade, tendo em vista aquilo que de fato
possa atender a uma demanda de grandes negócios.
O autor também ilustra sua fala, com o exemplo do projeto do Porto Maravilha:
Um ilustrativo exemplo encontra-se na incumbência das UPPs instaladas em
favelas no centro da cidade de garantir a viabilização do projeto Porto
Maravilha que, pautado na privatização do espaço público e na venda dos
Certificados de Potencial Adicional Construtivo (Cepacs) no mercado
financeiro, promove a “financeirização” da cidade, aprofundando o processo
de “empresariamento” urbano numa área onde cerca de 70% do solo é
público. (BRITO, 2013).
A inovação trazida por esses tipos de ato militares e intervenções podem ser
analisados e inseridos no chamado “estado de exceção permanente”, onde os indivíduos por
ele enquadrados tornam-se privados de um “estatuto jurídico”, no qual os resguarde do amplo
arbítrio do poder estatal, havendo a exclusão dos sistemas de garantias fundamentais.
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Tornam-se o objeto de uma pura dominação que ocorre na realidade factual, indeterminada
seja de forma temporal, quanto em relação à sua própria natureza.
O direito, nesse sentido, inclui o indivíduo, para subjugá-lo a sua violência, mas ao
mesmo tempo acaba por excluí-lo, ao negar-lhe os direitos que o caracterizam como pessoa.
Nesse sentido, esclarece Ruiz (2011):
Sendo a exceção uma potência permanente do Estado, ela se torna uma
ameaça constante para a vida de todos. A vida humana nos estados de direito
não está livre da vontade soberana. Pelo contrário, continua a existir como
ameaça potencial que se mostrará real quando invocar a necessidade de
impor a exceção. A exceção revela o soberano oculto nos marasmos
institucionais e captura a vida humana pela exclusão inclusiva dos direitos
fundamentais.
3.3 O projeto das UPPs e seus reflexos na sociedade
A redemocratização que passa o Brasil desde a década de 80, resultando na nova Carta
Magna de 1988, pôs em ação uma complicada atividade que, contraditoriamente, fez com que
os progressos no aumento dos direitos sociais sejam seguidos por embaraços progressivos no
assentimento dos direitos políticos e civis. Realmente, todo compromisso delineado em 1988
e que Peralva (2000), com argumentos, conceitua como “desagregadora” é,
contraditoriamente, seguida pela Ascenção da violência e, mais detalhadamente, pela exibição
do povo das favelas à crueldade oriunda do sentido territorialista do tráfico, ao lado da
maneira inconsequente de ação da polícia, seja através do suborno – no linguajar próprio o
conhecido “arrego” – seja fazendo invasões nas favelas que quase sempre acarreta em uma
elevada quantidade de mortos e grande comoção. Assim, mesmo com a declaração gradativa
da garantia dos direitos fundamentais do homem, principalmente aclamado pelo art. 5º da
Carta Magna, o povo da favela convive com casos de total falta do direito civil mais
rudimentar, que é o direito à vida e a integridade da pessoa humana.
De outro lado, o aumento da força consumista dos habitantes das favelas que se
observa, acima de tudo, desde os anos 90, fornece vigor a um forte movimento econômico
imobiliário e de insumos nesse local. Imerso na informalidade e, habitualmente, na
ilegitimidade, esse movimento econômico prevalece de acordo com a “lei a do mais forte”,
consagrada pela milícia ou pelo tráfico. Estão aí, também, os direitos civis, dentre os quais o
consumidor, coberto pela Carta Magna de 1988 e, em particular pelo Código de Defesa do
Consumidor de 1990 são desapropriados de significativa parte dos habitantes das favelas que
neste momento possuem melhores possibilidades de ter bens que eram inatingíveis, porém
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sob a condição de morar sob a opressão de pessoas cada dia mais caracterizados por
transformar a força do território em força econômica e a econômica em territorial.
Por fim, o início da competição política causado pelo processo de redemocratização
também provocou que, contraditoriamente, os habitantes das favelas ficassem mais
suscetíveis a imposições políticas realizadas por máquinas dos partidos que não se afanam a
realizar acordos com responsáveis pelo tráfico de drogas – mais há pouco essa conjuntura foi
ainda mais agravada com o ingresso da milícia – privando de grande parte dos habitantes de
favelas os direitos políticos recém reconquistados pelo povo do Brasil.
A prova disso pode ser aferida na história do movimento associativo de favelas,
nascido na década de 1920, porém que passa a ter um nível maior de sistematização no final
da década de 1940, na batalha contra a retirada das favelas e por elementos essenciais de
urbanidade (FISCHER, 2008; GONÇALVES, 2010). Depois do crescimento observado no
começo da década de 1980, quando chegou a alcançar determinada consistência
organizacional, o associativismo da favela rapidamente passa a sofrer progressivo desgaste,
pela urgência da razão territorialista do tráfico, como também pela insistência das máquinas
políticas. A resposta disso foi sua evacuação que impossibilitou que o processo de
redemocratização se convertesse em um recebimento mais sólido nos bens sociais de seu
povo.
Nesse cenário, os moradores da favela vão ficando sem habilidade de verbalizar suas
procuras e vontades, e sem ser de maneira extraordinária. Não compõe o campo político, o
que não deixa de ser significativo o crescimento das igrejas, principalmente as
neopentecostais. E ao menos, nessa situação, não parece ter contradição na situação de grande
parcela dos vereadores do Rio de Janeiro se autodeterminarem como representantes de
comunidades características, diversas delas favelas. É que a política da cidade se organizou
com a territorialização do Rio, investigando o rompimento do tecido urbano e intimidando a
criação de redes que consentiam uma restruturação da própria percepção de garantia ao
município sob proteção da Constituição Federal de 1988 (BURGOS, 2005).
Assim é que, quando olhada sob a perspectiva do habitante das favelas, a
redemocratização do Brasil – e isto que é válido para as favelas do Rio, também é valido, em
menor ou maior grandeza, para as favelas de outros municípios do país, assim como pra
outros locais urbanos populares como os conjuntos habitacionais – distribui-se em um
processo dúbio, particularizado, por um aspecto, pelo compromisso de urbanização das
favelas e do real aumento do ingresso aos direitos sociais mais importantes, porém, por outro
aspecto, pela intimidação de seus direitos políticos e civis mais importantes. Não há surpresa,
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no entanto, que em sua pesquisa, Perlman (2010, p. 201) tenha encontrado determinada
sensação de “desilusão com democracia” entre os habitantes de favelas porque mesmo
admitindo que determinadas coisas se desenvolvem com a redemocratização, “identificam
pouca diferença na sua vida cotidiana, e sob alguns aspectos até mesmo uma piora”.
Um dos resultados mais severos desse processo é a criminalização dos povos das
favelas, o que é também a razão e a consequência da diminuição do conflito da segurança
pública relacionado à favela. Realmente, não dificilmente os habitantes de favelas vêm sendo
notados como coniventes com os traficantes, caso que os deixam constantemente apreensivos
com o que Leite (2008, p. 135) caracteriza como um emprenho de “limpeza moral”, “para se
diferenciarem, enquanto ‘trabalhadores’, dos ‘vagabundos’ e ‘bandidos’. Resumindo, mesmo
que as consequências da redemocratização e da Constituição Federal de 1988 venham
permitindo maior ingresso dos menos favorecidos economicamente aos direitos sociais, a
redemocratização também é seguida por sua condenação, aumentando, desta forma, a
separação urbana de seus territórios de habitação.
O fruto da diminuição do conflito da segurança pública à situação da favela na cidade
é a quase total locomoção da proporção regulatória do cerne da discussão, cabe falar, da
ligação entre direito e sociabilidade. Para fugir da diminuição da discussão seria preciso levar
em consideração que a ligação do direito com a sociedade presume acordos institucionais
hábeis de beneficiar a propagação de modelos globais de perspectivas, conduzidos por um
pudor banhado no direito. Porém, para acionar essa expectativa sobre o compromisso de
segurança pública seria necessário considerar as maneiras pelas quais se sistematizam os
modelos distintos de sociabilidade. Daí a relevância heurística no conceito de “sociabilidade
violenta”, inicialmente realizada por Silva (2008) que busca pôr no cerne da discussão
exatamente a situação de que o entendimento do que acontece na favela necessita que se dirija
a expectativa costumeira de enxerga-la pelo prisma da violência urbana que é uma classe
social pouco firme e de, ao contrário, observá-la como um território no qual precise regulação
pública e onde predomine a lei do mais forte.
É apenas porque não há mais contato com essa ideia mais abrangente de segurança
pública que se pode mostrar a UPP como uma outra forma de segurança pública, quando, na
realidade é, acima de tudo, um projeto, ainda em formação, de restruturação da ação policial.
O contraponto baseado em paradoxos e incertezas, longe de mostrar uma ideia
concorde a respeito das questões essenciais a uma política de segurança pública, ganha mais
clareza quando se leva em consideração as particularidades institucionais e históricas mais
relevantes da UPP. Primeiramente, a situação de ela ser oriunda de uma história política
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incoerente onde as vitórias da população vieram seguidas de intimidações que estremeceram
bastante a confiabilidade do povo na política e no governo de uma forma geral e,
principalmente, na polícia. Eis a questão: como transformar a polícia que, no decorrer de tanto
tempo foi apontada como um dos opressores do povo das favelas?
Um outro ponto, a situação da UPP ser praticamente uma vivencia policial que ainda
espera associação com a lógica do conflito, ou seja, pelo conceito de um rival (os traficantes)
que surge no olhar da própria polícia como dentro de uma teia de relações pessoais que se
misturam com a sociabilidade do habitante comum. Dessa maneira, a suspeita do povo da
favela devido à polícia, justapõe-se a suspeita da polícia em razão do povo da favela. Nesse
cenário de suspeitas recíprocas, como formar um ambiente de conversa e solidariedade?
Todo projeto ou política que tenha como foco a favela é, de certa maneira, forçado a
considerar que, diferente dos territórios comuns aos municípios, regidos por normas
internacionais, cada favela tem a sua particularidade, estabelecida por uma história que,
mesmo possuindo diversos fatores semelhantes das outras, foi formada em um cenário
particularizado pela informalidade, sob disposição do meio ambiente que incentivam a
formação de representantes sobre o local que, não à toa, habituam-se em reconhecer a sua
característica.
Porém, para mais do que existe de mais particular em cada favela, é relevante levar em
consideração que a representação sobre ela está assoberbada por um grupo de figuras que,
para os habitantes, tanto podem servir para requerer sua igualdade em ração dos outros locais
dos municípios, como para exigir sua particularidade, mesmo em razão de um outro local da
favela. Refere-se, afinal, de representações sobre a área que adquirem formas distintas.
Da perspectiva da observação, para lidar com essa conjuntura é necessário realizar um
ponto-de-vista hábil a enxergar a favela externa e internamente, de perto e de longe.
Analisando externamente e de longe, podemos dizer que as situações de favelas com
UPP pesquisadas possuem aspectos semelhantes. O mais nítido deles é a sua situação de
enclaves dentro de bairros mais ricos. Nesse âmbito, aos limites das favelas com os arredores
são sinalizados pela clara dissemelhança de classe social, caso ecológico que carrega várias
consequências relevantes, como a que se observa em aspectos de segurança pública: enquanto
uma invasão policial na favela pode acarretar um determinado sentimento de segurança entre
os cidadãos dos bairros que ficam nas adjacências, esse mesmo exercício costuma acarretar
momentos de muito temor entre os habitantes da favela.
As favelas também são semelhantes devido a situação de serem apropriações mais ou
menos inveteradas e sólidas; são muito relacionadas ao processo de modernização econômica
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do Brasil entre as décadas de 30 e 70 e que justamente por estarem situadas em áreas
principais do município, foram zonas concorridas e adquiridas com empenho de
movimentação popular dos cidadãos, sempre com a ajuda de segmentos relacionados à Igreja
e de instituições civis do município (BURGOS, 1998).
Outra questão em como se refere à vida associativa. Nas situações estudadas há uma
espécie de entidade conduzida para a batalha contra a retirada, a estabilização do ambiente
urbano através da aquisição de um pouco de urbanidade e, depois, um aumento do
compromisso com a batalha por recursos como escolas, unidades de saúde e zonas de
recreação. A batalha por segurança pública, mesmo fundamental, sempre esteve sufocada
pelas maneiras opressivas e tirânicas de sistematização do poder vigorante nas favelas.
Em todas as situações também estamos de frente com uma vida associativa que, no
decorrer da década de 1960, passou por um período de muita subalternidade ao governo,
quando as associações dos moradores agiam mais como mensageiras do Estado ao lado dos
moradores da favela que como representantes dos cidadãos ao lado do governo. Na década de
1980, até como reação à forte contenção dos militares nos anos anteriores, adquire destaque
uma vida associativa mais independente nas favelas e nos municípios de uma forma geral,
porém nos anos posteriores notamos uma progressiva submissão da vida associativa das
favelas ao poder público, assim como uma progressiva exibição a imposições sentidas pela
existência do tráfico de drogas.
Por fim, é fundamental ressaltar que, em todas as situações, seus habitantes estivessem
submetidos à conhecida sociabilidade violenta: até a década de 80, a pessoas que operavam
bens públicos como a acesso à luz e à água; e à polícia, que quase sempre de maneira
impertinente costumava fazer invasões nas favelas, na maioria das vezes de forma violente em
razão dos direitos fundamentais de sua população; e depois da década de 1980, quando os
traficantes adquirem um outro caráter, cada dia mais munidos de armas e cada dia mais
arrogantes em sua atuação de domínio do local.
Porém, se essas questões gerais possibilitam discutir a respeito da favela de uma forma
geral, é preciso vê-la internamente e de perto para poder enxergar as variantes e
particularidades que, de outra maneira, terminam reprimidas sob a separação bastante
chamada por Valladares (2005) “dogma da unidade da favela”.
Levando em consideração que a política da UPP foi primeiramente criada sob a
concepção de unidade, muito mais do que da de disparidade das favelas, adquire relevância
ressaltar a particularidade ecológica de cada situação, produto de caminhos particulares de
aquisição de áreas de morada e de táticas locais de ingresso ao município, assim como de
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casos inerentes de ligação da polícia com o tráfico de drogas. Afinal, sem considerar essa
perspectiva interna da favela, seria complicado entender a noção que a população vem
formando sobre a UPP, apontada por modelos diferentes de persistência e de suspeita em
razão do governo, da polícia e da política.
4. METODOLOGIA
Uma pesquisa traz como objetivo responder a perguntas que são propostas, utilizando-
se procedimentos científicos. A palavra pesquisar designa aquelas ações que buscam soluções
para um determinado problema, sendo a base racional, guiada por procedimentos
sistemáticos. Formula-se inicialmente um problema, que se trata de um fato, ou fenômeno,
dependendo do caso, que ainda não foi explicado, sendo a pesquisa aquela que pode trazer
uma solução para ele. Relatam-se então os objetivos e justificativas, bem como uma
fundamentação teórica e a metodologia utilizada. Segundo Lakatos e Markoni (2009), a
pesquisa descritiva toma a forma normalmente de um levantamento, onde se faz observações,
registros, análises e também uma correlação entre fatos, com o objetivo de apresentar as
características de uma determinada população ou fenômeno. Ocorre sempre o uso de técnicas
padronizadas para todas as fases do processo.
Primeiramente, realizou-se um levantamento bibliográfico, tanto em livros quanto
artigos, sites da internet relevantes e outros tipos de fonte sobre o tema, com o objetivo de
fundamentar tal estudo, sendo, a partir daí, realizada uma síntese, a qual tentou ser a mais
clara e objetiva possível, descrevendo os conceitos e informações essenciais.
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com os históricos da Segurança Pública no Rio de Janeiro, avaliados aqui
historicamente a partir da década de 90, é possível compreender, avaliar e perceber que a
noção de que se está em “guerra” contra a violência urbana trata-se de uma constante no que
tange o discurso de variados atores, além das atuações da polícia.
Mesmo embora que as UPPs tenham sido anunciadas como uma “polícia de
proximidade”, a forma factual de sua implantação tem sido gestada e estas somente
confirmam apenas que a “guerra” continua, mas com uma ostensividade sem precedentes
visto antes nas políticas de segurança pública.
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Para a instauração de cada UPP há uma movimentação conjunta de policiais
e militares, auxiliados pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais
(BOPE), e, se requisitado, pelas Forças Armadas, evidenciando uma
concepção de segurança pública, fundamentada no controle através da
ocupação territorial com uso de forças militares e uma tática bélica. (Thais,
2016).
Como explanado acima, temos que a guerra continua, é de fato, sem qualquer
surpresa, uma forma de percepção daquilo que os seus alvos permanecem os mesmos: as
massas empobrecidas, chamadas de uma “ralé urbana” que ocupa as “zonas selvagens” de
uma cidade (MALAGUTI BATISTA, 2012).
Um dos episódios que melhor demonstra tal dinâmica de guerra, e por consequência
demonstra a grande militarização da polícia, pode ser visto na ocupação do Complexo do
Alemão em 26 de novembro de 2010. Ao longo da semana que a ocupação ocorreu, todo o
efetivo da polícia da cidade do Rio, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, além das
Forças Armadas, foram acionadas, contabilizando o operativo de 22 mil homens. Esse número
de agentes corresponde a quase o dobro do que foi mobilizado na intervenção via ONU do
Haiti, 11.449 militares, de 31 países.
Além disso, durante a ocupação foram utilizados pelo estado brasileiro uma série de
tanques de guerra, helicópteros, sendo tudo transmitido ao vivo por diversas emissoras de
televisão (BRITO, 2013).
Já nos documentos sigilosos divulgados pelo Wikileaks, ao jornal “O Globo”
(AZEVEDO; FARAH, 2010), a avaliação do cônsul-geral dos Estados Unidos era de que a
ocupação feita na favela brasileira tinha inspirações nas táticas de contra insurgências
aplicadas pelos próprios americanos em sua guerra do Iraque e do Afeganistão.
Já no dia 28 de novembro, que ficou conhecido como o “dia D da vitória”, ocorreu a
cerimônia na qual foi hasteada a bandeira nacional no alto de um dos morros.
Tal batalha do Alemão foi vencida, mesmo com uma série de mortos, está fora
celebrada pela opinião pública como um novo tempo para os “cidadãos”, tendo em vista a
retomada do território este, até então dominado por criminosos. Já mais recentemente em
2011, o número de militares do exército empregado chegava a 1860 e os gastos públicos
aproximavam-se de 160 milhões de reais, até 2012 o exército permaneceu ocupando o
Complexo do Alemão, conforme aponta Brito, 2013.
Todos esses aspectos convergem para uma violação de direitos diária, conforme
avaliado no presente trabalho, também são descritas no estudo realizado pela pesquisadora
Juliana Farias (2014) da ONG Justiça Global:
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O cotidiano dos moradores das favelas pacificadas é marcado pela
permanente e ostensiva vigilância, não importando os meios utilizados para
isso. Nesse contexto é que foram “legitimados” os toques de recolher, a
proibição de bailes funks, festas de aniversário e qualquer atividade de lazer
que por arbítrio da polícia não deve ser realizada. O toque de recolher muitas
vezes se estende aos estabelecimentos comerciais, além de serem correntes,
também, as reclamações contra policiais que se negam a pagar por produtos
e serviços adquiridos no comércio local. As rondas e as revistas policiais que
deveriam ser procedimentos preventivos, tornam-se um ritual de humilhação
e desqualificação diária, há relatos de moradores que foram submetidos a
esse procedimento diversas vezes em um mesmo dia. Muitos moradores são
enquadrados por “desacato à autoridade” e “crime de desobediência” –
produzindo um aumento significativo do número de detenções arbitrárias ou
ameaças de prisão de quem habita esses territórios; essa informação
inclusive foi denunciada pela Justiça Global ao Grupo de Trabalho sobre
Detenção Arbitrária das Nações Unidas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As UPPs podem ser avaliadas como uma política que retoricamente implica um
investimento público em programas de bem-estar social, todavia ela ainda é um projeto
inegavelmente policial, sendo que a única atividade concreta das UPPs Sociais se resume
infelizmente ao mero registro das necessidades das demandas dos moradores das favelas
ocupadas.
Já na abordagem do processo da política de pacificação no aspecto de sua ausência, e
por uma perspectiva analítica da produção das margens sociais, o presente trabalhou buscou
avaliar as possibilidades pensar em dinâmicas e agenciamentos que são produzidos em outros
regimes territoriais de uma forma mais generalizadora, que não aqueles que originariamente
foram objeto dessa política, ou simplesmente, as favelas cariocas.
Foi possível perceber que as UPPs atingiram alguns objetivos até então, como
diminuir consideravelmente o domínio do crime organizado em alguns pontos da cidade do
Rio de Janeiro, mesmo que não se possa desconsiderar aqui a limitação geográfica do projeto
e a forma como a criminalidade se espalhou para outros territórios não “pacificados”.
De maneira geral, o projeto abriu e continua abrindo portas para uma reforma nas
políticas públicas de segurança na cidade e no Estado do Rio de Janeiro. Contanto que o
controle autoritário do crime organizado não seja apenas realocado a outras áreas ou
substituído pelo autoritarismo das forças do Estado, é viável e necessário que seu legado até
então seja estendido.
Da mesma forma em que alguns ambientes houve uma repulsa da população pelo
projeto, avaliamos aqui que é possível haver harmonia e respeito na relação dos moradores da
favela com a polícia pacificadora. Para isso, é necessário um longo processo de estudo do que
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é motivo de sucesso no projeto e do que não deu certo e não reflete em melhorias e sim
substituições ou realocações injustas com o trabalho policial, com a sociedade e o
desenvolvimento nacional.
Por fim, é possível compreender que o Estado está lá presente no modo como se
estruturou, como uma espécie de “mercado político” nas regiões, passando a ser
“pressionável” por meio de eventos das comunidades que ocorrem de tempos em tempos,
sobretudo em determinadas dimensões da criminalidade, em especial da percepção de um
processo migratório do crime, em especial pelo deslocamento de bandidos do Rio para a
Baixada como uma consequência perversa das UPPs.
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