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1 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA: ESTRATÉGIAS DE INSERÇÃO INTERNACIONAL Autores: Prof. Lucas Pedreira do Couto Ferraz (Coordenador) Prof. Emanuel Augusto Rodrigues Ornelas Prof. João Paulo Cordeiro de Noronha Pessoa Julho/2018

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA DE ECONOMIA DE SÃO PAULO

POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA: ESTRATÉGIAS DE

INSERÇÃO INTERNACIONAL

Autores:

Prof. Lucas Pedreira do Couto Ferraz (Coordenador)

Prof. Emanuel Augusto Rodrigues Ornelas

Prof. João Paulo Cordeiro de Noronha Pessoa

Julho/2018

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Sumário

1. Introdução ........................................................................................................................... 5

2. Diagnóstico do Grau de Abertura da Economia Brasileira ................................................. 9

2.1. Estrutura do comércio brasileiro...................................................................................... 9

2.2. Medidas de abertura da economia brasileira ............................................................. 12

2.3. O papel das firmas nas exportações brasileiras ......................................................... 19

2.4. Participação em acordos de livre comércio ............................................................... 25

2.5. Tarifas de importação ................................................................................................ 31

2.6. Estimativas de Barreiras Comerciais ......................................................................... 36

3. Política de Defesa Comercial Brasileira no Contexto Internacional................................. 42

3.1. Literatura Acadêmica ................................................................................................ 44

3.1.1. Motivações Econômicas para Dumping ........................................................... 44

3.1.2. Motivações para Medidas Antidumping .......................................................... 46

3.1.3. Os impactos das Medidas Antidumping ........................................................... 49

3.1.4. Estudos para o Brasil ........................................................................................ 53

3.1.5. O Impacto de Dumping e de Medidas Antidumping sobre o Bem-estar ......... 55

3.2. Tendências mundiais e no Brasil no uso de medidas antidumping ........................... 57

3.2.1. Fluxo de medidas antidumping ........................................................................ 57

3.2.2. Estoque de medidas antidumping ..................................................................... 64

3.2.3. Taxa de sucesso, duração do processo e tipos de medidas ............................... 66

3.2.4. Índices de número e valor das medidas antidumping ...................................... 70

3.2.5. Magnitudes e duração das medidas antidumping ............................................. 73

3.2.6. O uso de medidas antidumping no Brasil: sumário .......................................... 74

3.3. O processo decisório das medidas antidumping: Brasil e EUA ................................ 75

3.3.1. O processo nos EUA ............................................................................................ 76

3.3.2. O processo no Brasil ........................................................................................ 80

3.3.3. Comparação entre os processos brasileiro e americano ................................... 83

3.4. Propostas .................................................................................................................... 84

4. Análise da literatura entre produtividade e abertura comercial ........................................ 91

4.1. Realocação intra-setorial de recursos ........................................................................ 92

4.2. Complementaridade entre inovação e exportação ..................................................... 94

4.3. Difusão de ideias e pressão competitiva .................................................................... 96

4.4. Melhor e maior acesso a insumos e bens de capital .................................................. 97

4.5. Redução da incerteza sobre política comercial futura ............................................. 100

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4.6. Maior e melhor inserção em cadeias globais de valor ............................................. 102

4.7. Estudos sobre o caso brasileiro ................................................................................ 103

4.8. Comércio internacional, produtividade e crescimento econômico .......................... 103

5. Mercado de Trabalho e Abertura Comercial .................................................................. 110

5.1. Como se dá o Impacto no Mercado de Trabalho? ................................................... 112

5.1.1. Fricções na Busca por Emprego ..................................................................... 113

5.1.2. Salário-eficiência ............................................................................................ 115

5.1.3. Custos de Ajustamento ................................................................................... 117

5.2. Integração Comercial e o Mercado de Trabalho Brasileiro ..................................... 120

5.2.1. Liberalização Comercial Brasileira ................................................................ 120

5.2.2. Crescimento da China .................................................................................... 122

5.3. Efeito Líquido na Economia .................................................................................... 125

5.4. Diretrizes para a Redução dos Custos de Ajustamento ........................................... 128

5.4.1. O Caso Americano: Trade Adjustment Assistance ........................................ 128

5.4.2. Diretrizes para o Brasil ................................................................................... 130

6. Experiências Internacionais ............................................................................................ 135

6.1. Chile......................................................................................................................... 135

6.1.1. Liberalização Comercial ................................................................................ 136

6.1.2. Efeitos ............................................................................................................. 139

6.2. México ..................................................................................................................... 140

6.2.1. Liberalização Comercial ................................................................................ 140

6.2.2. Efeitos ............................................................................................................. 142

7. Análise de Impacto de Cenários de Abertura, via Modelagem de Equilíbrio Geral

Computável Dinâmico ............................................................................................................ 144

7.1. O Caso da Abertura Unilateral ................................................................................ 144

7.1.1. Análise de Impacto para a liberalização de Insumos no Brasil. ..................... 144

7.1.2. Aspectos da Modelagem ................................................................................ 149

7.1.3. Seleção de bens e desgravamento tarifário .................................................... 151

7.1.4. Resultados das Simulações ............................................................................. 153

7.2. Outros Cenários de Abertura Comercial ................................................................. 157

7.2.1. Análise de Impacto para a Liberalização Tarifária Total no Brasil ............... 157

7.2.2. Acordo Mercosul - União Europeia: Impactos sobre o Brasil, considerando-se

a negociação eventual de barreiras não-tarifárias. .......................................................... 161

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8. A Inserção da Indústria Brasileira nas Cadeias Globais de Valor, Serviços e Facilitação

do Comércio ........................................................................................................................... 171

8.1. Introdução ................................................................................................................ 171

8.2. Revisão da Literatura ............................................................................................... 173

8.3. Base de Dados e Metodologia Empregada .............................................................. 176

8.3.1. Indicadores Utilizados .................................................................................... 177

8.4. O Brasil e as Cadeias Globais de Valor ................................................................... 177

8.4.1. Alguns fatos estilizados sobre o desempenho comercial do Brasil no período

1995- 2011 ...................................................................................................................... 177

8.4.2. A evolução do panorama setorial no período 1995-2011 .............................. 184

8.4.3. Implicações de Política Pública ...................................................................... 189

8.5. Os acordos preferenciais de comércio ..................................................................... 192

8.6. O Comércio de Serviços .......................................................................................... 195

8.6.1. A barreiras regulatórias ao comércio de serviços no Brasil .................................. 204

8.6.2. Análise de impacto do refinamento da regulamentação brasileira do setor

financeiro, tendo em vista as melhores práticas internacionais ...................................... 213

8.7. A Facilitação do Comércio no Brasil ...................................................................... 218

8.7.1. Revisão da Literatura ..................................................................................... 220

8.7.2. Aspectos da Modelagem: Base de dados e seus cruzamentos ....................... 223

8.7.3. Modelo de Equilíbrio Geral Computável Utilizado ....................................... 231

8.7.4. Resultados ............................................................................................................. 236

8.7.5. Comentários Finais ......................................................................................... 243

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1. Introdução

Conforme a Convocação para a seleção do Projeto BRA/06/024 indica, a realização de

estudos aprofundados sobre política comercial brasileira, com a correta avaliação da situação

atual e a proposição de medidas capazes de levar o país a uma trajetória de maior inserção no

comércio internacional, permitirá uma reavaliação dos diferentes incentivos fiscais e creditícios

adotados pelo governo brasileiro para a indústria nacional. Isso possibilitará à Secretaria do

Tesouro Nacional contribuir para a melhoria do gasto público. Além disso, uma maior inserção

do Brasil no comércio internacional deverá trazer ganhos tecnológicos, possibilitando a redução

de custos de produção e reduzindo a necessidade de apoio do Estado, bem como atuando como

indutor da simplificação e redução da carga tributária.

Nesse sentido, a execução desse relatório tem como objetivo auxiliar a Secretaria do

Tesouro Nacional: i) Na análise da situação atual da participação brasileira no comércio

internacional, apontando os gargalos e limites que impedem sua maior inserção; ii) No

diagnóstico dos fatores que limitam a competitividade dos produtos brasileiros no comércio

mundial; iii) Na busca por alternativas para implantar um novo ciclo de abertura comercial no

Brasil que produza ganhos de produtividade e crescimento econômico; iv) Na proposição de

alternativas para aumentar a participação do país no comércio internacional por meio de acordos

comerciais.

Na Seção 2 analisamos a economia brasileira na perspectiva internacional e

descrevemos o seu grau de abertura. Fazemos uma breve descrição da estrutura do comércio

brasileiro, que deixa claro as vantagens comparativas do país. Avaliamos em seguida o grau de

abertura da economia, através de vários indicadores – de alguns muito simples a outros mais

elaborados. Independentemente da medida utilizada, fica claro que a participação do Brasil no

comércio mundial é muito reduzida e está muito aquém das suas possibilidades. Ainda na

mesma seção, detalhamos e explicamos os motivos dessa baixa inserção. Primeiramente,

avaliamos o desempenho das firmas exportadoras brasileiras. Através de uma série de

indicadores, fica claro que o setor exportador do país é muito pouco dinâmico, uma

consequência de altos custos de entrada no setor exportador.

Avaliamos também a participação do país em acordos de livre comércio. O cenário é

claro: o Brasil possui muito poucos parceiros em acordos de livre comércio e esses são também

relativamente pouco importantes para a economia do país. Ao mesmo tempo, nossas estimativas

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indicam que o potencial de expansão comercial brasileira via acordos de livre comércio é vasto.

Um dos mecanismos seria exatamente um aumento do dinamismo do setor exportador.

Além disso, as tarifas de importação no Brasil (que seguem a tarifa externa comum do

Mercosul) são muito altas na comparação global. Isso é verdade mesmo quando não

consideramos as tarifas preferenciais oferecidas a parceiros em acordos de livre comércio. Isso

também é verdade para as tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC),

que indicam o nível máximo até onde as tarifas podem ser elevadas sem que o país viole seus

compromissos multilaterais – uma proxy para o grau de incerteza da política comercial

brasileira. Além dos níveis altos, a estrutura tarifária do país também se descola do padrão

observado internacionalmente: a produção de insumos básicos e bens de capital, críticos para o

funcionamento do restante da economia, é especialmente protegida. Isso tem impacto deletério

para a produtividade da economia como um todo. A conclusão otimista é que há vasto espaço

para avanços.

Na Seção 3 exploramos políticas de defesa comercial. Tais políticas são utilizadas em

virtualmente todos os países do mundo, em maior ou menor escala, quando se identifica que

importações ameaçam a economia local e há evidência de “comércio desleal”. Tipicamente, as

ameaças mais consideradas e para as quais há maior reação é a prática de dumping, sendo o

instrumento de defesa mais comumente utilizado nesses casos as tarifas antidumping.1

Analisamos as nuances da prática de dumping, incluindo a caracterização formal da mesma, as

reações das autoridades investigadoras, e as suas consequências sobre as firmas e economias

envolvidas. Para tanto, revisaremos os principais estudos teóricos e empíricos da literatura

acadêmica sobre o tema.

Em seguida, avaliamos as tendências mundiais de aplicação de medidas antidumping,

com ênfase no comportamento do Brasil relativo ao resto do mundo. Para tanto, usamos uma

série de medidas e índices para obter uma compreensão completa do uso de medidas

antidumping no Brasil. Finalmente, fazemos uma comparação do processo decisório para a

introdução de tarifas antidumping nos EUA (que forneceu a base para a regulamentação de tais

medidas na OMC) e no Brasil. Terminamos a seção com propostas específicas para alterações

no processo decisório brasileiro.

1 Em defesa comercial, a prática de “dumping” configura-se quando uma firma cobra um preço menor no

mercado internacional que em seu mercado doméstico, ou quando ela exporta um produto a preços abaixo do seu

custo de produção. A aplicação de medidas antidumping visa a punição e prevenção de tais práticas, que

poderiam ser prejudiciais ao país importador.

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Na Seção 4 estudamos uma das principais formas pela qual uma abertura comercial

pode beneficiar um país: via seu impacto sobre a produtividade da economia. Dada a

importância de tal mecanismo, grande parte da literatura acadêmica recente, tanto teórica

quanto empírica, enfatiza exatamente essa relação. Vários mecanismos por trás dessa relação

são fortemente corroborados por análises empíricas de experiências de liberalização comercial

ao redor do mundo. Apresentamos os estudos que conectam abertura comercial e produtividade

de acordo com o seu mecanismo principal: i) Realocação intra-setorial de recursos; ii)

Complementaridade entre inovação e exportação; iii) Difusão de ideias e pressão competitiva;

iv) Melhor e maior acesso a insumos básicos e bens de capital; v) Redução da incerteza sobre

política comercial futura; vi) Maior e melhor inserção em cadeias globais de valor. Abordamos

cada um desses tópicos apresentando seu mecanismo teórico básico e seus principais resultados

empíricos. Além disso, fazemos uma revisão dos estudos sobre o processo de liberalização

comercial brasileiro dos anos 1990. Finalmente, concluímos essa discussão com um breve

sumário em que também indicamos que a ligação entre comércio internacional e produtividade

estende-se a crescimento econômico.

O mercado de trabalho é uma das dimensões mais salientes quando se discute qualquer

forma de abertura comercial. Portanto, na Seção 5 do relatório analisamos como políticas de

liberalização comercial afetam o nível e a distribuição da renda dos trabalhadores, e como o

nível de emprego responde a tais políticas. Nossa análise será composta de um breve resumo

de alguns dos mecanismos teóricos pelos quais o mercado de trabalho pode ser afetado pela

abertura comercial, e de uma discussão detalhada das recentes evidências empíricas de tais

efeitos, focando majoritariamente na experiência brasileira das últimas décadas.

Em nossa análise, evidenciamos como choques de liberalização comercial afetaram os

setores da nossa economia, as regiões que abrigam tais setores e os trabalhadores empregados

(ou que estavam empregados antes dos choques) nesses setores e regiões. Focaremos em dois

importantes episódios que tiveram um impacto considerável em nosso mercado de trabalho: i)

a liberalização comercial promovida pelo governo Brasileiro em meados da década de 1990; ii)

a integração Chinesa ao comércio mundial ocorrida nos anos 2000.

Além disso, detalharemos como a literatura avalia os ganhos líquidos de comércio para

o Brasil levando em consideração os efeitos no mercado de trabalho. Para tanto nos basearemos

em pesquisas acadêmicas publicadas em renomados periódicos internacionais cujas análises

empíricas refletem o estado da arte das ferramentas econômicas quantitativas. Por fim,

detalharemos como as conclusões desses estudos podem ajudar no delineamento de políticas.

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Na Seção 6 descrevemos dois processos de liberalização de relativo sucesso que

ocorreram na américa latina, já que um melhor entendimento de experiências de liberalização

comercial realizadas em outros países pode nos ajudar a compreender melhor os elementos

essenciais para o sucesso de uma eventual liberalização brasileira. O primeiro deles foi o

ocorrido no Chile a partir de meados da década de 1970, e o segundo foi o iniciado no México

na década de 1980 e que teve como seu principal episódio a ratificação do “North American

Free Trade Agreement” (com os Estados Unidos e o Canadá). Ambos foram relativamente

graduais, algo importante para a adaptação de firmas e trabalhadores a um eventual novo

cenário econômico. E cabe ressaltar que os dois processos foram acompanhados de diversas

outras reformas importantes, ou seja, outras políticas foram cruciais para o crescimento

observado nos países após a liberalização.

Já na Seção 7 do nosso trabalho utilizamos o estado da arte da literatura de comércio

internacional para determinamos o impacto de eventuais processos de abertura sobre a

economia brasileira. Mais precisamente, fazemos uso de um modelo de equilíbrio geral

computável para verificarmos como diferentes cenários de abertura comercial podem afetar a

nossa economia. Avaliamos os impactos econômicos (de longo prazo) de uma possível abertura

comercial unilateral, com destaque para a redução das tarifas de importação de bens de capital,

de informática e de telecomunicações. Em seguida, avaliamos os impactos de uma abertura

unilateral total para o Brasil, além de um possível acordo Mercosul – União Europeia. Em maior

ou menor escala, todos os cenários indicam um eventual aumento do PIB brasileiro decorrente

da maior inserção do país no comércio internacional.

Por fim, na Seção 8 discutimos o nível de inserção da economia Brasileira em cadeias

globais de valor, a importância dos serviços para a produtividade e para a competitividade das

exportações do Brasil (com análise de impacto e propostas de política), sobretudo em

manufaturas, além de um ampla discussão e análises de impacto sobre a importância da

facilitação do comércio para ao aumento da inserção internacional do país.

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2. Diagnóstico do Grau de Abertura da Economia Brasileira

Nesta seção analisamos a economia brasileira na perspectiva internacional e

descrevemos o seu grau de abertura. Inicialmente, fazemos uma breve descrição da estrutura

do comércio brasileiro, que deixa claro as vantagens comparativas do país. Avaliamos em

seguida o grau de abertura da economia, através de vários indicadores – de alguns muito simples

a outros mais elaborados. Independentemente da medida utilizada, fica claro que a participação

do Brasil no comércio mundial é muito reduzida e está muito aquém das suas possibilidades.

As demais subseções procuram detalhar e explicar os motivos dessa baixa inserção.

Primeiramente, avaliamos o desempenho das firmas exportadoras brasileiras. Através de uma

série de indicadores, fica claro que o setor exportador do país é muito pouco dinâmico, uma

consequência de altos custos de entrada no setor exportador.

Avaliamos também a participação do país em acordos de livre comércio. O cenário é

claro: o Brasil possui muito poucos parceiros em acordos de livre comércio e esses são também

relativamente pouco importantes para a economia do país. Ao mesmo tempo, nossas estimativas

indicam que o potencial de expansão comercial brasileira via acordos de livre comércio é vasto.

Um dos mecanismos seria exatamente um aumento do dinamismo do setor exportador.

Além disso, as tarifas de importação no Brasil (que seguem a tarifa externa comum do

Mercosul) são muito altas na comparação global. Isso é verdade mesmo quando não

consideramos as tarifas preferenciais oferecidas a parceiros em acordos de livre comércio. Isso

também é verdade para as tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC),

que indicam o nível máximo até onde as tarifas podem ser elevadas sem que o país viole seus

compromissos multilaterais – uma proxy para o grau de incerteza da política comercial

brasileira. Além dos níveis altos, a estrutura tarifária do país também se descola do padrão

observado internacionalmente: a produção de insumos básicos e bens de capital, críticos para o

funcionamento do restante da economia, é especialmente protegida. Isso tem impacto deletério

para a produtividade da economia como um todo.

A conclusão otimista é que há vasto espaço para avanços.

2.1. Estrutura do comércio brasileiro

O Brasil é, historicamente, um grande exportador de commodities e importador de

produtos industrializados. Como preveem os modelos tradicionais de comércio internacional,

tamanho e distância determinam fluxos bilaterais. Assim, o país vende mais para (e compra

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mais de) mercados ricos, como China, Estados Unidos, Holanda e Alemanha, e para países

vizinhos, como a Argentina.

Em relação às exportações, em 2016 o que Brasil mais vendeu ao mundo foi soja (in

natura e processada), minério de ferro, petróleo e açúcar.2 De forma mais geral, a Figura 2.1

mostra como variou, de 1997 a 2016, a composição das exportações brasileiras de bens entre

os principais setores em que o país exporta: alimentos e outros produtos de origem animal e

vegetal; metais e minerais; máquinas, eletrônicos e meios de transporte; e combustível, plástico

e outros produtos químicos.3

Figura 2.1: Composição setorial das exportações brasileiras, 1997-2016

Fonte:

Elaboração a partir de dados do WITS/Comtrade.

A figura deixa claro que o país exporta prioritariamente bens primários, como alimentos

e outros produtos animais e vegetais (carne, madeira etc.), além de minérios e minerais. É

2 Os códigos HS dos cinco produtos mais exportados, em ordem decrescente, são: 120100, 260111, 270900,

170111, 230400. Fonte: base de dados WITS (World Integrated Trade Solution), do Banco Mundial. 3 Setores (códigos HS) agrupados em cada grande setor: Alimentos e outros produtos de origem animal e vegetal:

01-24; 41-49. Metais e Minerais: 25-26; 72-83. Máquinas, eletrônicos e meios de transporte: 84-89. Combustível,

plásticos e outros produtos químicos: 27-40.

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esperado que seja assim. Dada a abundância de terra, solo fértil e rico, clima propício e avanços

recentes de produtividade, produzem-se alimentos e outros produtos animais e vegetais de

modo mais eficiente no Brasil que na maioria dos outros países. Ao longo dos últimos dez anos,

essa vantagem se aprofundou, de modo que esses produtos respondem hoje por 45% da pauta

de exportação. Além desses, há fatias substanciais da exportação a cargo das indústrias

petroquímica, extrativa e de transformação (14%, 16% e 18% em 2016, respectivamente).

Nesses setores, há alguns casos emblemáticos, de sucessos nacionais no mercado exportador,

como a Petrobrás e a Embraer, mas esses são relativamente raros.

Já em relação às importações, compramos relativamente poucos produtos primários e

muitos produtos que passam por algum tipo de transformação industrial. Em 2016, os produtos

mais importados pelo país foram derivados do petróleo, circuitos eletrônicos e medicamentos.4

De forma mais geral, a Figura 2.2 mostra como variou, de 1997 a 2016, a composição das

importações brasileiras de bens entre os principais setores em que o país importa. De certa

forma, pode-se interpretar a Figura 2.2 como o reverso da Figura 2.1. Os setores de

combustível, plástico e outros produtos químicos, e o de máquinas, eletrônicos e meios de

transporte alternaram-se, ao longo dos anos, no posto daquele que mais importa, e em 2016

apresentaram quase a mesma fatia, 37% e 38%, respectivamente. Por outro lado, alimentos e

outros produtos de origem animal e vegetal, e metais e minerais apresentaram fatias muito

inferiores, de 9% e 6,5%, respectivamente.

4 Os códigos HS dos cinco produtos mais importados, em ordem decrescente, são: 271000, 270900, 300490,

851790, 854219. Fonte: base de dados WITS (World Integrated Trade Solution), do Banco Mundial.

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Figura 2.2: Composição setorial das importações brasileiras, 1997-2016

Fonte: Elaboração a partir de dados do WITS/Comtrade.

Conjuntamente, as figuras 1 e 2 oferecem um desenho simples, mas claro, de onde estão

as vantagens comparativas da economia brasileira.

2.2. Medidas de abertura da economia brasileira

A medida mais básica (mas também mais utilizada) da importância do comércio

internacional para um país é a soma de importações e exportações relativamente ao seu produto

interno bruto (PIB) – sua “taxa de abertura comercial”. A Figura 2.3 traz a evolução dessa

medida (comércio de bens e serviços como porcentagem do PIB) para o Brasil, além de médias

(ponderadas pelo PIB de cada país) da mesma para a América Latina,5 países do Leste Asiático

e Pacífico, e países de renda alta, de 1960 até 2016.6

5 A média para a América Latina inclui dados sobre o Brasil. Se o Brasil não for incluído, os valores para a América Latina elevam-se. 6 A definição dos grupos de países é a utilizada pelo Banco Mundial no período.

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Figura 2.3: Taxas de Abertura Comercial (1960-2016)

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Mundial.

A figura deixa dois fatos explícitos. Primeiro, o Brasil possui, e sempre possuiu, um

baixo nível de abertura na comparação internacional. Naturalmente, o gráfico tem de ser

interpretado com cuidado. Afinal, economias grandes tendem a ser menos dependentes de

comércio internacional, por possuírem mercados internos robustos e recursos suficientes para

permitir especialização em um leque mais amplo de produtos e serviços, relativamente a

economias pequenas. Por isso, economias maiores de fato tendem a possuir taxas de abertura

mais baixas que economias menores. Entretanto, como veremos em seguida, o nível de abertura

comercial brasileira é baixo mesmo quando esse (e outros) aspecto(s) é (são) levados em conta.

O segundo fato que a Figura 2.3 deixa claro é que a diferença da taxa de abertura do

Brasil em relação ao resto do mundo se aprofunda ao longo dos anos. Há, naturalmente, picos

e vales ocasionais, correspondentes a momentos específicos da historiografia econômica

nacional. Mas o mais revelador é que a diferença entre a taxa de abertura no Brasil nos anos

1960 e hoje é de apenas 10 pontos percentuais (p.p.). Enquanto isso, países de renda alta

apresentam aumento de 37 p.p.; países do leste asiático e do Pacífico de 31 p.p.; e países da

América Latina de 21 p.p. Até os Estados Unidos, do qual pelo tamanho da economia se

esperaria uma baixa taxa de abertura, apresentaram o dobro de aumento no período.

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Portanto, ainda que a taxa de abertura comercial medida dessa forma seja uma estatística

simples, a figura mostra que o Brasil é e sempre foi relativamente fechado ao comércio

internacional, e que essa tendência se aprofundou nas últimas décadas.

Outra forma simples, mas instrutiva, de se analisar o nível de participação do Brasil no

comércio internacional é comparar o ranking do país entre os exportadores e importadores do

mundo. A Tabela 2.1 faz essa comparação para os dados mais recentes disponíveis. A tabela

mostra esse ranking para alguns países selecionados, em ordem decrescente de PIB. Via de

regra, a posição do país no ranking de PIB é similar ao seu ranking em exportações e

importações. Juntamente com a Argentina, o Brasil é o país que mais se distancia desse padrão:

sendo atualmente a nona economia do mundo, o Brasil é o 21º exportador e apenas o 27º

importador, deixando clara a sua baixa integração no comércio internacional.

Tabela 2.1: Ranking de PIB, Exportações e Importações Mundiais, Países Selecionados, 2016

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Mundial e WITS.

País PIB Exportações Importações

EUA 1º 2º 1º

China 2º 1º 2º

Japão 3º 4º 8º

Índia 7º 17º 15º

Brasil 9º 21º 27º

Coréia do Sul 11º 6º 12º

Rússia 12º 14º 21º

México 15º 9º 11º

Argentina 21º 43º 46º

África do Sul 39º 33º 38º

Colômbia 40º 51º 50º

Chile 42º 40º 44º

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15

Podemos, contudo, trazer evidência mais sistemática do nível de abertura da economia

brasileira dado o seu tamanho. Para tanto, estimamos valores previstos para a taxa de abertura

através de uma regressão relacionando taxa de abertura de diversos países a valores do PIB em

2016. Mais especificamente, estimamos a seguinte equação:

𝑇𝑥𝐴𝑏𝑒𝑟𝑡𝑢𝑟𝑎𝑖 = 𝛽1ln(𝑃𝐼𝐵𝑖) + 𝛽2[ln(𝑃𝐼𝐵𝑖)]2 + 𝑢𝑖 ,

em que 𝐴𝑏𝑒𝑟𝑡𝑢𝑟𝑎𝑖 é a taxa de abertura do país i em 2016, 𝑃𝐼𝐵𝑖 é o valor do PIB em 2016 a

preços correntes, e 𝑢𝑖 é um erro aleatório. A partir das estimativas dos coeficientes 1 e 2,

podemos calcular a taxa de abertura esperada para cada país a partir do tamanho da sua

economia.

Na Figura 2.4, os triângulos verdes são os valores previstos e os demais pontos trazem

valores observados para alguns países selecionados. Observe que os valores previstos formam

uma curva côncava – após a economia atingir um tamanho mínimo, a relação entre o tamanho

e a taxa de abertura comercial passa a ser fortemente decrescente, como mencionado acima. O

nível observado de abertura do Brasil fica muito abaixo da curva: enquanto a taxa de abertura

brasileira em 2016 foi de 24% do PIB, a abertura prevista pelo tamanho da sua economia é de

71%. São raros os países cuja diferença entre taxas previstas e observadas é tão significativa.

Considerando outros países emergentes ou com PIB semelhante, alguns ficam abaixo, mas

menos distantes do valor previsto, como África do Sul e Chile, enquanto outros superam o valor

previsto, como México e Coréia do Sul.

A regressão por trás da Figura 2.4 não considera, porém, outros fatores que afetam a

taxa de abertura dos países. Um deles é a distância entre os países. Como o Brasil é

relativamente remoto geograficamente, isso tende a fazer com que o país exporte e importe

pouco, dado o tamanho da sua economia. De forma similar, o nível de desenvolvimento de um

país também afeta o quanto ele tende a se relacionar comercialmente com o resto do mundo.

Finalmente, a análise anterior considera apenas o período mais recente para o qual se tem dados,

mas essas relações podem ser estimadas de modo mais preciso quando se utiliza uma amostra

mais longa.

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16

Figura 2.4: Taxa de Abertura Prevista pelo PIB

Fonte:

Elaboração e cálculos a partir de dados do Banco Mundial.

Assim, usando dados de 1948 a 2016, estimamos uma equação da seguinte forma:

𝑇𝑥𝐴𝑏𝑒𝑟𝑡𝑢𝑟𝑎𝑖𝑡 = 𝛽1 ln(𝑃𝐼𝐵𝑝𝐶𝑎𝑝)𝑖𝑡 + 𝛽2 ln(𝑃𝑜𝑝)𝑖𝑡 + 𝛽3 ln(𝐷𝑖𝑠𝑡𝑀é𝑑𝑖𝑎)𝑖 + 𝑣𝑡 + 𝑢𝑖𝑗𝑡 ,

em que 𝑇𝑥𝐴𝑏𝑒𝑟𝑡𝑢𝑟𝑎𝑖𝑡 representa, como antes, a soma de exportações e importações dividido

pelo PIB do país i no ano t; 𝑃𝐼𝐵𝑝𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡 é o PIB per capita do país i a preços correntes no ano t;

𝑃𝑜𝑝𝑖𝑡 corresponde à população do país i no ano;𝐷𝑖𝑠𝑡𝑀é𝑑𝑖𝑎𝑖 indica a média da distância do

país i em relação a cada parceiro comercial, ponderada pela sua população; e 𝑣𝑡 é um efeito

fixo para cada ano, que controla para ciclos econômicos internacionais.

A Tabela 2.2 mostra os resultados da regressão. Corroborando os resultados de uma

vasta literatura empírica sobre o assunto, “tamanho”, “distância” e “nível de desenvolvimento”

são muito bons previsores das taxas de abertura comercial.

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Tabela 2.2: Fatores explicativos da taxa de abertura

Obs.: Erros-padrão entre parênteses. *, **, *** indicam níveis de significância estatística:

10%, 5% e 1%, respectivamente. Dist. Média é a média ponderada pela população da

distância em relação todos os parceiros comerciais. A regressão inclui efeitos fixos para anos.

Fonte: Elaboração através de dados do Banco Mundial (abertura comercial) e CEPII Gravity

Database (demais variáveis).

Na Figura 2.5 representamos os valores das taxas de aberturas observadas e os valores

previstos obtidos a partir da estimação da equação acima. Para calcular as taxas de abertura

previstas para cada país e ano, usamos os coeficientes estimados na regressão. Calculamos

então a média por país entre 2011 e 2016 dos valores previstos pelo modelo e dos observados.

Abertura:

(Exp + Imp)/PIB

Ln(Dist. Média) -0.236***

(0.039)

Ln(População) -0.136***

(0.003)

Ln(PIB Per Capita) 0.068***

(0.005)

Obs: 8.118

R2 Ajust. 0,26

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Figura 2.5: Abertura Prevista vs. Abertura Observada (média 2011-2016)

Fonte: Elaboração e cálculos a partir de dados do Banco Mundial e do CEPII.

Os losangos azuis na Figura 2.5 indicam os resultados para cada país. Suas posições são

determinadas pela abertura comercial observado (eixo vertical) e pela prevista pelo modelo

(eixo horizontal) para cada país.7 As flechas apontam alguns países selecionados para facilitar

a comparação. Observa-se que, de forma geral, maior abertura observada associa-se a maior

abertura prevista.

Por outro lado, há (obviamente) diferença entre os dois dados. A linha vermelha, com

inclinação de 45 graus, divide países com abertura comercial observada maior que a prevista

(acima/à esquerda) daqueles com abertura comercial observada menor que a prevista (abaixo/à

direita) pelo modelo. Nota-se que o Brasil se encontra do lado de baixo do gráfico, e muito

distante da linha de 45 graus. Especificamente, o modelo prevê uma taxa de abertura para o país

para a primeira metade desta década de 56%, enquanto a taxa de abertura observada foi de

7 Há vários casos onde taxas de abertura previstas e/ou observadas superam 100%. A figura limita os eixos a 100%

para facilitar a visualização.

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%

Taxa

de

aber

tura

co

mer

cial

ob

serv

ada

Taxa de abertura comercial prevista

Linha de 45ºBRASIL

ARGENTINA

CHILE

CHINA

CUBA

ALEMANHA

CORÉIA DO SUL

MÉXICO

ÁFRICA

DO SUL

RÚSSIA

ÍNDIA

EUA

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apenas 25%. Portanto, o modelo diz que, de acordo com o nível de desenvolvimento do país,

da sua população e das suas características geográficas, a taxa de abertura do Brasil deveria ser

124% superior ao valor observado.

Observa-se também que, exceto pela Argentina – que em função do Mercosul segue

essencialmente a mesma política comercial brasileira – os demais países que podem ser

comparáveis ao Brasil – isto é, aqueles emergentes em semelhante estágio de desenvolvimento

– encontram-se muito mais próximos da linha de 45 graus que o Brasil. De fato, vários deles

possuem uma taxa de abertura observada superior à que o modelo prevê, dadas as suas

características (por exemplo, China, Índia, México e Coréia do Sul).

Finalmente, é importante notar que a especificação da regressão que gera a Figura 2.5

pode ser alterada de várias formas – por exemplo, adicionando termos quadráticos.

Naturalmente, especificações diferentes gerariam estimativas diferentes. Dependendo da

especificação, a previsão para o Brasil pode ser um pouco superior ou um pouco inferior a

indicada na Figura 2.5. Por outro lado, o ponto fundamental não se altera, independentemente

dos detalhes da regressão: as características do país indicam que a taxa de abertura da economia

deveria ser muito superior à observada.

2.3. O papel das firmas nas exportações brasileiras

Além de dados agregados descrevendo importações e exportações, estão disponíveis

hoje, para vários países, dados de firmas exportadoras. Informações com esse nível de detalhe

têm sido objeto de vários estudos na literatura econômica, e hoje se conhece um conjunto sólido

de fatos estilizados sobre o comportamento de firmas engajadas em comércio internacional em

diferentes contextos.8 A sua análise e comparação entre países pode ser usada para caracterizar

a inserção internacional brasileira.

A Tabela 2.3 traz informações sobre quantidade, tamanho e dinâmica de firmas

exportadoras no Brasil e em outros países em nível próximo de desenvolvimento para os quais

há dados disponíveis: Chile, Colômbia, México e África do Sul, em uma média de três anos

(2006-2008).9 O Brasil distingue-se em vários aspectos (em termos relativos aos demais países):

8 Veja, por exemplo, a detalhada discussão de Melitz e Redding (2014). 9 Fernandes et al. (2016) introduzem a base de dados que utilizamos aqui, que pela primeira vez incorpora

simultaneamente informações sobre firmas exportadoras de diversos países e vários anos. A Tabela 3 usa

informação de 2006-2008 porque há dados para mais países para esse período.

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(i) Possui um número de firmas exportadoras por habitante muito baixo;

(ii) Suas firmas exportadoras média e mediana vendem muito no mercado externo;

(iii) Suas maiores firmas exportadoras têm participação pequena no total de vendas externas

do país;

(iv) As taxas de entrada e de saída no mercado externo são baixas;10

(v) A probabilidade de uma nova firma exportadora continuar a exportar no ano seguinte à

sua entrada no mercado externo é alta.11

Tabela 2.3: Características de Firmas Exportadores – Média 2006-2008

Fonte: Fernandes et al. (2016).

À primeira vista, alguns desses fatos podem parecer positivos e outros negativos,

dificultando uma conclusão mais geral. Por isso, para interpretar esses fatos de forma mais

precisa, precisamos nos basear nos mecanismos desenvolvidos pela literatura acadêmica.

Quando uma firma doméstica considera a possibilidade de ingressar no mercado

internacional, ela considera dois grandes fatores: (a) a incerteza sobre a sua lucratividade no

mercado externo (em outras palavras, a incerteza se a incursão externa gerará lucros ou não); e

(b) os custos irrecuperáveis associados à entrada no mercado externo, que são associados a

vários fatores. Em países onde esses custos irrecuperáveis são altos (por exemplo em função de

burocracia complexa, de ineficiência e de corrupção), a existência de incerteza sobre a

lucratividade no mercado externo faz com que poucas firmas decidam “experimentar” como

exportadoras. A consequência é que a taxa de entrada no mercado externo nesses países é baixa,

mas também a taxa de saída é baixa. Isso ocorre porque as firmas que “experimentariam” a

10 A taxa de entrada é dada pelo número de firmas presentes no ano t não presentes no ano t-1, dividido pelo

número de firmas presentes no ano t. A taxa de saída é dada pelo número de firmas presentes em t-1 não presentes

em t, dividido pelo número de firmas em t-1. 11 Essa probabilidade é dada pela taxa de sobrevivência dos entrantes, que corresponde à soma de firmas presentes

em t e t+1, mas ausentes em t-1, dividido pelo número de entrantes em t.

País

Número de

firmas

exportadoras

Número de

firmas

exportadoras

por 1.000

habitantes

Exportações

por exportador

Média

(mil US$)

Exportações

por exportador

Mediana

(mil US$)

Participação

dos 5% maiores

exportadores

no total

Taxa entrada Taxa de saída

Taxa de

sobrevivência

dos entrantes

Brasil 19,375 0,1 8.539 233 82% 22% 23% 54%

Chile 7,314 0,44 8.317 49 94% 38% 35% 35%

Colômbia 9,768 0,22 1.957 58 81% 32% 31% 42%

México 34,382 0,31 6.588 44 91% 35% 36% 39%

África do Sul 21,721 0,45 2.699 29 92% 28% 26% 49%

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atividade de exportar são aquelas que, em média, não são especialmente produtivas (as muito

produtivas sabem que são lucrativas no mercado externo e exportam sempre).

O problema das baixas taxas de entrada (e de saída) é que várias das firmas que decidem

não “testar” o mercado externo seriam lucrativas nessa atividade: a média moderada de

produtividade inclui firmas muito pouco eficientes e outras muito eficientes. Por isso, entre as

firmas que começam a exportar em cada ano, muitas desistem rapidamente ao se descobrirem

incapazes de gerar lucro no mercado externo, mas várias outras têm desempenho oposto,

expandindo rapidamente suas vendas externas e vendendo para vários países após alguns

anos.12 De fato, Freund e Pierola (2015) mostram que, entre as firmas consideradas as export

superstars de um país (isto é, aquelas que têm participação significativa nas vendas externas do

país), várias começaram a exportar a relativamente pouco tempo e com volume baixo em seus

primeiros anos.

Em suma, o dinamismo do setor exportador de um país pode ser inferido por uma

rotatividade alta de firmas exportadoras, em que muitas firmas começam a exportar a cada ano,

um grande número desiste em pouco tempo, e as que não desistem crescem rapidamente como

exportadoras.

Os dados da Tabela 2.3 indicam que esse processo ocorre de forma muito mais morosa

no Brasil que nos demais países. Como os fatos (iv) e (v) apontam, o Brasil possui, entre todos

os países analisados, as menores taxas de entrada e saída e a maior taxa de sobrevivência dos

entrantes. Além disso, em linha com o fato (i), os altos custos irreversíveis implicam um baixo

número de firmas exportando: o número de firmas exportadoras por habitantes é, por exemplo,

mais de quatro vezes maior no Chile e na África do Sul que no Brasil. Por outro lado, como

poucas firmas entram no mercado externo, e as firmas entrantes são via de regra as que

exportam menores volumes (no momento em que elas entram), as exportações das firmas média

e mediana no Brasil são muito altas, como indica o fato (ii). Finalmente, em função da baixa

experimentação e dinamismo do setor exportador no país, geram-se poucos “superstars”, o que

explica o fato (iii).

A Tabela 2.4 faz uma comparação mais ampla entre países através de regressões que

relacionam dados sobre firmas ao PIB e à população dos países, além de um indicador para

12 Ver por exemplo Albornoz et al. (2012) para um modelo teórico detalhando esse mecanismo, e para evidência

empírica para o mesmo.

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países de alta renda. Os dados contém informações entre os anos de 1997 e 2014 para 70 países

em um painel não-balanceado.13 Seja i o país e t o ano, o modelo geral é dado por:

ln(𝑋)𝑖𝑡 = 𝛽1ln(𝑃𝐼𝐵𝑖𝑡) + 𝛽2[ln(𝑃𝐼𝐵𝑖𝑡)]2 + 𝛽3ln(𝑃𝑂𝑃)𝑖𝑡 + 𝛽4𝐴𝑙𝑡𝑎𝑅𝑒𝑛𝑑𝑎 + 𝑢𝑖𝑡.

A variável dependente 𝑋𝑖𝑡, específica para cada país i e ano t, varia entre as colunas. Na coluna

1, consideramos o número de exportadores; na 2, o valor médio de exportação por exportador;

na 3, o número de firmas entrantes; e na 4, o número de firmas que deixa de exportar. O modelo

é estimado por mínimos quadrados ordinários.

Tabela 2.4: Características de Firmas Exportadoras – Regressões

Observe na coluna 1 que PIB possui um efeito positivo e estatisticamente significativo

sobre o número de exportadores. Há, também, um efeito de segunda ordem negativo,

relacionado ao tamanho das economias e capturado pelos coeficientes de 𝑃𝐼𝐵2 e de população,

mas cuja magnitude é muito menor. A conclusão é que, de forma geral, economias maiores

tendem a ter mais firmas exportadoras. Note que esse efeito existe mesmo controlando-se pelo

número médio de firmas exportadoras em países de alta renda – de fato, tudo o mais constante,

13 A definição de países de alta renda é a utilizada pelo Banco Mundial em 2018.

(1) (2) (3) (4)

Exportadores Valor Médio de Exp. Entrantes Desistentes

PIB 2.782*** -0.460 3.085*** 3.428***

(0.520) (0.484) (0.889) (0.873)

PIB^2 -0.040*** 0.016 -0.048*** -0.054***

(0.010) (0.010) (0.018) (0.017)

População -0.122*** -0.087*** -0.059 -0.096**

(0.035) (0.033) (0.039) (0.039)

Alta Renda 0.324*** -0.092 0.405*** 0.341***

(0.097) (0.087) (0.103) (0.104)

Constante -33.95*** 17.66*** -38.65*** -42.82***

(6.59) (6.102) (11.27) (11.07)

Obs. 620 620 538 537

R2 Ajustado 0.824 0.354 0.763 0.772

Obs.: Todas as variáveis estão em log. Erros-padrão estão entre parênteses.

*, **, *** indicam níveis de significância estatística: 10%, 5% e 1%, respectivamente.

Fonte: Elaboração e cálculos a partir de dados do Banco Mundial (Firms Dynamics Database ).

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países desenvolvidos possuem mais firmas exportadoras. Ou seja, independente do grau de

desenvolvimento, espera-se que economias com dimensões maiores, como a do Brasil,

apresentem um número mais alto de exportadores.

A coluna 2 mostra que a variação nos valores médios de exportação por firma não

guarda relação clara com o tamanho das economias ou com o nível de desenvolvimento dos

países. Há somente uma relação negativa estatisticamente significativa com o tamanho da

população, mas esse efeito é muito pequeno economicamente. Esse resultado reforça o

argumento de que um número alto nesse indicador, como o Brasil possui, não é necessariamente

algo “positivo”. Ao contrário, tende a refletir ineficiências na alocação de recursos e a falta de

dinamismo do setor exportador, como apontado acima.

As colunas 3 e 4 mostram que países com PIB maior apresentam conjuntamente maiores

taxas de entrada e de saída do mercado externo. Os efeitos são maiores para países mais

desenvolvidos, mas existem para todos os tipos de economia. Como visto na Tabela 2.2, o Brasil

destoa desse padrão, com taxas de entrada e saída do mercado externo relativamente muito

baixas.

A Tabela 2.5 mostra como evoluiu o número e o tamanho de firmas exportadoras

brasileiras de 1998 a 2013 em intervalos de cinco anos. Apesar do aumento expressivo do

número e do tamanho médio dessas firmas entre 1998 e 2003, esse número permaneceu

essencialmente estável nos dez anos subsequentes. Ocorreu exatamente o inverso com a média

e a mediana de vendas externas por firma. Cresceu também o número médio de produtos

exportados por cada firma, passando de 5,43 em 1998 para 7,69 em 2013.

Colocando em perspectiva, a Figura 2.6 traz a evolução do número de firmas em cinco

países entre 2000 e 2012: África do Sul, Bélgica, Brasil, México e Turquia. Observa-se que até

meados dos anos 2000 o Brasil vinha apresentando uma trajetória de aumento consistente no

número de firmas exportadoras, chegando a ultrapassar a África do Sul e a Bélgica (um país

desenvolvido, mas menor). Contudo, essa trajetória foi revertida desde 2004. Esse movimento

contrasta com o observado na Turquia, por exemplo. O número de firmas exportadoras no país

quase dobrou no período, passando de 30 mil para 58 mil.

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Tabela 2.5: Características de Firmas Exportadoras – Brasil

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Mundial (Firms Dynamics Database).

Figura 2.6: Evolução do número de firmas

Fonte:

Elaboração a partir de dados do Banco Mundial (Firms Dynamics Database).

Analisando todo esse conjunto de informações, o diagnóstico é claro. O setor exportador

brasileiro é muito pouco dinâmico, na comparação mundial e com países com grau similar de

desenvolvimento. A consequência é o que o país tem poucas firmas que buscam os mercados

externos, e com isso raras firmas que se tornam “superstars” no mercado internacional. Esse

problema parece ter se agravado nos últimos 15 anos.

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2.4. Participação em acordos de livre comércio

Uma das formas de se intensificar o nível de abertura de um país é via participação em

acordos de livre comércio (ALCs). A definição padrão de um ALC é um acordo em que os

países membros concordam em eliminar as tarifas de importação entre eles sobre a maior parte

dos bens comercializáveis. O processo de liberalização intra-bloco é tipicamente escalonado no

tempo, com algumas tarifas eliminadas na assinatura do acordo e outras posteriormente. É

comum também haver exceções, em que a redução tarifária é apenas parcial e, às vezes,

inexistente para alguns produtos/setores.14

O Brasil não tem se mostrado um grande entusiasta desses acordos. A principal

iniciativa do Brasil nesse aspecto é o Mercosul, acordo que se iniciou em 1991 como uma área

de livre comércio e transformou-se em união aduaneira em 1995. Seus membros originais são

Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, com a Venezuela entrando no bloco em 2004.15 Os

demais parceiros de ALCs são aqueles que fizeram acordo com o Mercosul: Bolívia, Chile,

Colômbia, Israel e Peru. No total, hoje o Brasil tem ALCs com nove parceiros comerciais. Para

efeito de comparação, o país médio no mundo possui hoje 19,3 parceiros em ALCs, e esse

número tem subido de forma rápida16. A Figura 2.7 traz a evolução do número de parceiros

comerciais no Brasil e no resto do mundo (média), entre 1995 e 2015. O Brasil possuía três

parceiros comerciais em 1995 e chega a nove em 2015. No mundo, a média salta de 6,3 para

19,3 parceiros comerciais de ALCs nesse mesmo período.

14 Vários ALCs também incorporam, em graus diversos, questões não-tarifárias. Elas podem incluir regras de

investimento, regulação de propriedade intelectual, barreiras não-tarifárias e muitos outros aspectos, alguns deles

pouco relacionados a comércio internacional. Para uma discussão sobre as consequências dessas cláusulas

adicionais em ALCs, veja Baldwin (2011), Osnago et al. (2015) e Ruta (2017). 15 Em 2017, a Venezuela foi suspensa do processo decisório do Mercosul por violar a “cláusula democrática” do

acordo, que requer que todos os seus membros tenham um governo democrático. 16 Fonte: Baier & Bergstrand Database (Baier et al., 2014). Consideram-se aqui apenas acordos comerciais que

promovem liberalização comercial significativa entre os signatários. Na base de dados utilizada, esses acordos são

classificados como i) Área de Livre Comércio, ii) União Aduaneira, iii) Mercado Comum e iv) União Econômica.

Acordos com preferências mais limitadas não são considerados.

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Figura 2.7: Número de parceiros comerciais em ALCs

Fonte:

Elaboração a partir de dados da Baier & Bergstrand Database.

Naturalmente, embora úteis, esses números médios escondem muita heterogeneidade:

por exemplo, um acordo com os EUA e um com o Panamá têm impactos completamente

distintos. Para termos uma ideia mais precisa da importância da rede de acordos comerciais de

um país, é preciso considerar o potencial de comércio da mesma. A Figura 2.8 mostra a

importância do comércio dentro de ALCs para sete países selecionados: África do Sul,

Alemanha, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México. Faz-se a comparação internacional

através de duas medidas: importações de parceiros comerciais como proporção do seu total de

importações e como proporção do seu PIB a preços correntes.

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Figura 2.8: Importações de Parceiros de ALCs - 2015

Fonte: Elaboração a partir de dados do Banco Mundial e do FMI.

Os números do Brasil são baixos quando postos ao lado tanto de outros países em

desenvolvimento quanto de países desenvolvidos. As importações brasileiras dos seus nove

parceiros comerciais em 2015 representaram 13% das suas importações totais, equivalentes a

1,3% do PIB brasileiro. Em comparação, mais de dois terços das importações de Alemanha,

Chile e México vêm de seus parceiros de ALCs, o que representa quase um quarto de seus PIBs.

Mesmo países tradicionalmente menos abertos ao comércio internacional, como África do Sul

e Argentina, apresentam números mais expressivos que o brasileiro, com 35% e 28% do total

de importações ocorrendo dentro de ALCs, respectivamente. Em conjunto, esses dados

permitem classificar de modo mais preciso as parcerias comerciais feitas pelo Brasil até hoje:

além de poucas, são também pouco relevantes.

Uma possibilidade é que os formuladores de política comercial brasileira tenham

historicamente desprezado (relativamente ao resto do mundo) uma participação mais ativa em

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ALCs por vislumbrar um impacto limitado, que não compensasse os custos de negociação. Isso

pode ser estimado. Fazemos simulações precisas sobre o impacto de possíveis acordos para o

Brasil na parte final deste estudo. Mas podemos calcular, de modo preliminar, o impacto médio

da assinatura de um acordo genérico no país.

Para calcular esse efeito, estima-se uma equação de gravidade adicionando-se variáveis

que indicam a presença ou não de um ALC para um dado par de países em determinado ano.

Mais especificamente, o modelo é dado por:

ln(𝐼𝑚𝑝𝑜𝑟𝑡𝑎çõ𝑒𝑠)𝑖𝑗𝑡 = 𝛽1𝐴𝐿𝐶𝑖𝑗𝑡 + 𝛽2𝑖𝐴𝐿𝐶𝑖𝑗𝑡 ×𝐼𝑚𝑝𝑖 + 𝛾𝑖𝑡 + 𝜔𝑗𝑡 +𝜂𝑖𝑗 + 𝑢𝑖𝑗𝑡,

onde 𝐴𝐿𝐶𝑖𝑗𝑡 é uma dummy que vale 1 se i e j fazem parte do mesmo acordo comercial em t;

𝐼𝑚𝑝𝑖 vale 1 quando se trata do exportador i; 𝛾𝑖𝑡𝑒𝜔𝑗𝑡 são efeitos-fixos país-ano; 𝜔𝑗𝑡 é um efeito

fixo para os pares de países, e 𝑢𝑖𝑗𝑡 é um erro aleatório. Os efeitos fixos país-ano são utilizados

para controlar por todas as variações especificas a nível do país em cada ano, e os efeitos fixos

entre pares de países são utilizados para neutralizar problemas com a endogeneidade do acordo,

seguindo as melhores práticas recentes dessa literatura.17 Utilizam-se dados de comércio e de

ALCs entre 1950 e 2015.18

Portanto, estimamos o impacto médio agregado dos ALCs, que é dado por 𝛽1. Além

disso, estimamos o impacto diferencial para cada importador i; o impacto médio para o

importador i é dado pela soma 𝛽1 + 𝛽2𝑖. Isso permite que calculemos efeitos heterogêneos entre

os países, mostrando como a diminuição de custos comerciais através da assinatura de ALCs

afetou, em média, importações do país i de seus parceiros preferenciais. É possível traduzir esse

efeito em termos de alterações percentuais no volume de comércio através da seguinte fórmula:

∆𝐼𝑀𝑃_𝐴𝐿𝐶𝑖 = 𝑒(𝛽1+𝛽2𝑖) − 1,

onde ∆𝐼𝑀𝑃_𝐴𝐿𝐶𝑖 é a variação percentual média nas importações que i faz de seus parceiros

comerciais, comparando-se a situação com o ALC com a situação sem o ALC (e tudo o mais

constante).

A Figura 2.9 representa esses efeitos para cada país em ordem crescente.19 Na figura,

cada barra azul descreve, em porcentagem, como a formação de acordos preferenciais de

17 Head e Mayer (2014) explicam a fundamentação teórica do modelo e discutem as “melhores práticas” empíricas

em detalhe. 18 Fonte dos dados: FMI e Baier e Bergstrand Database. Em função do grande número de parâmetros, o modelo é

estimado através de Mínimos Quadrados Ordinários. 19 Para melhor efeito visual, alguns outliers foram omitidos da Figura 9.

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comércio impacta, em média, as importações de cada país vindas dos países parceiros. As

flechas laranjas apontam alguns países selecionados. A barra laranja aponta o efeito médio de

ALCs, ou seja, as estimativas do coeficiente 𝛽1 quando se excluem as interações do modelo

estimado.

Figura 2.9: Impacto de Acordos Preferenciais de Comércio

Fonte: Elaboração e cálculos a partir de dados da Baier & Bergstrand Database e do FMI.

Observe que ALCs geram muito mais impactos positivos que negativos, e há casos em

que eles mais que dobram o volume de importações. Em média, ALCs tendem a aumentar em

62% as importações de países signatários em relação a outros parceiros comerciais. Entre os

efeitos para países individuais, a figura destaca, primeiro, duas nações desenvolvidas, EUA e

Alemanha. O impacto dos seus acordos é positivo e economicamente importante, com médias

de 13% e 40%, respectivamente. Já o impacto sobre países em desenvolvimento é em geral

maior, como é o caso de Chile (100%), Argentina (140%) e Brasil (150%). É provável que o

alto impacto sobre Brasil e Argentina deva-se ao maior nível de tarifas e outras barreiras

comerciais nesses países – como veremos na seção seguinte. Por serem economias

-100%

-50%

0%

50%

100%

150%

200%

BRASIL

EUA

CHILE

ARGENTINA

ALEMANHA

Efeito Médio

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relativamente fechadas, os retornos tendem a ser altos em termos de aumento no volume de

comércio para novos acordos de liberalização preferencial.

Um canal importante pelo qual um país se beneficia com a formação de um ALC é um

maior mercado potencial para suas firmas. Esse é um benefício óbvio. Relacionado a esse ponto,

mas menos óbvio, é o fato de que as preferências em um mercado – especialmente se esse

mercado for relativamente grande – induz novas firmas a começar a exportar. Como indicado

anteriormente, algumas dessas firmas irão desistir rapidamente, mas outras se ajustarão às

novas oportunidades e crescerão no mercado externo. As que obtiverem mais sucesso entre

essas terão também incentivo a se expandir a novos mercados, onde o país não tem acesso

preferencial. Essa é uma das principais conclusões da análise teórica e empírica de Albornoz et

al. (2012), que investigam firmas argentinas. Assim, um ALCs serve como uma plataforma para

firmas começarem a exportar e (algumas delas) se expandirem para outros mercados. Essa pode

ser uma forma eficaz de reverter o baixo dinamismo observado do setor exportador brasileiro.

Dado o alto potencial de ganho é, portanto, surpreendente que o Brasil participe em

ALCs de modo tão tímido. Parte da explicação deve-se ao fato do Mercosul constituir-se uma

união alfandegária, e não uma área de livre comércio – ao contrário da maioria das iniciativas

nessa direção no mundo. Isso gera duas consequências importantes. Primeiro, nenhum membro

do bloco pode negociar isoladamente um ALC com outros países, pois isso feriria a união

alfandegária. Portanto, não apenas a entrada de novos membros, mas também acordos com

outros países exigem consenso de todos os membros. Naturalmente, isso impõe dificuldades

significativas à expansão da rede de parceiros comerciais de cada membro do Mercosul.

Segundo, como uniões alfandegárias (ao contrário de áreas de livre comércio) requerem

uma estrutura de tarifas externas comum, essa necessariamente tem de ser negociada entre os

membros do bloco. A princípio, esse fator poderia gerar uma tendência mais ou menos

protecionista em uniões alfandegárias. Contudo, há hoje uma literatura acadêmica teórica

consolidada que demonstra que as forças protecionistas em relação a importações provenientes

de fora do bloco tendem a se fortalecer no contexto de uniões alfandegárias. O inverso ocorre

em áreas de livre comércio, onde os incentivos protecionistas se reduzem, levando os membros

a liberalizarem não apenas dentro do bloco, mas também em relação aos países fora do bloco.20

20 As análises teóricas consideram questões estritamente econômicas, mas também as motivações de economia

política na determinação de política comercial. Especificamente, elas exploram como as interações entre interesses

econômicos e motivações políticas determinam a viabilidade da formação de blocos comerciais e os impactos

sobre a política comercial externa dos seus participantes. Veja, por exemplo, Ornelas (2005a, 2005b, 2005c, 2007

e 2008), e para uma discussão ampla da literatura, Freund e Ornelas (2010).

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Essas análises têm comprovação empírica em vários estudos sobre a experiência internacional

em países em desenvolvimento. Entre elas, algumas identificam explicitamente o diferencial

entre uniões alfandegárias e áreas de livre comércio em termos de liberalização externa, como

os estudos de Estevadeordal et al. (2008) e Crivelli (2016) para a América Latina. A conclusão

é a mesma: os países se tornam mais protecionistas quando engajados em uniões alfandegárias

que quando envolvidos em áreas de livre comércio.

Portanto, o Brasil tem participação relativa em ALCs muito baixa, o que ajuda a explicar

a baixa taxa de abertura do país e o baixo dinamismo do seu setor exportador. A baixa

participação é em certa medida explicada pelo formato do Mercosul: funcionando desde 1995

como união alfandegária (embora tenha sido criado como uma área de livre comércio em 1991),

o bloco impõe forte rigidez à expansão da rede de parceiros de ALCs de seus membros. Além

disso, esse formato de bloco induz tarifas externas relativamente altas. Como veremos na

próxima seção, isso é exatamente o que observamos na tarifa externa comum do Mercosul.

2.5. Tarifas de importação

A origem da baixa taxa de abertura do Brasil, assim como do baixo dinamismo do seu

setor exportador, pode ser traçada também ao nível e a estrutura das tarifas de importação do

país.

Em temos de níveis, a Figura 2.10 mostra as tarifas médias da “Nação Mais Favorecida”

(MFN, na sigla em inglês) aplicadas pelo Brasil, pelos EUA (que representam bem o perfil

tarifário dos países desenvolvidos) e por outros países em desenvolvimento.21 Enquanto a tarifa

média de países desenvolvidos, como os EUA, é inferior a 5%, a tarifa média de países em

desenvolvimento é usualmente entre 5% e 10%. Novamente, o Brasil é uma exceção, com uma

tarifa MFN média de 13,5%. Essa é, essencialmente, a tarifa média de todos os membros do

Mercosul.22 Como indicado acima, um dos motivos que levam as tarifas de importação a níveis

relativamente altos é precisamente a organização do Mercosul como união aduaneira.

21 As tarifas MFN são aquelas pagas sobre importações vindas de todos os países que não são parceiros em ALCs.

Os parceiros em ALCs usualmente, embora não sempre, pagam tarifas preferenciais, abaixo da MFN. 22 Há pequenas diferenças em função de exceções permitidas na tarifa externa comum do bloco para um número

limitado de produtos.

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Figura 2.10: Tarifa MFN Média, Países Selecionados

Fonte:

Elaboração a partir do WTO Tariff Profiles.

Observa-se que, embora a tarifa MFN média ofereça um retrato do nível de proteção de

um país, virtualmente todos os países do mundo participam em ALCs, e vários países o fazem

de maneira ativa. A implicação é que as tarifas efetivamente aplicadas por um país são, via de

regra, inferiores às suas tarifas MFN nominais. Quanto maior o número de parceiros em ALCs,

e quanto maior a importância dos mesmos, maior tende a ser a diferença entre as tarifas médias

MFN e aplicada. Como visto acima, a participação do Brasil em ALCs é muito tímida. Como

resultado, a diferença entre os níveis de proteção tarifárias brasileiras e o resto do mundo é na

realidade superior ao indicado na Figura 2.10.

Para avaliar a estrutura tarifária de um país, é importante observar também os níveis da

tarifa consolidada na OMC, que define o percentual máximo para as tarifas de cada bem, que

são negociadas multilateralmente. As tarifas consolidadas são importantes porque elas definem

a margem que um país tem para alterar suas tarifas de importação segundo os seus

compromissos na OMC.

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A Figura 2.11 replica a Figura 2.10, mas incluindo a tarifa consolidada média para cada

país. O primeiro ponto a notar é a grande diferença, de 20 p.p., entre a média das tarifas-teto e

a média das tarifas MFN no Brasil. Isso não acontece em países mais desenvolvidos, como os

EUA, onde a diferença é próxima de zero (e os níveis são muito mais baixos). Isso também não

é observado em países em desenvolvimento que ingressaram na OMC a partir de 1995, como

China e Rússia, cujos tetos são muito próximos das tarifas MFN e cujos níveis também são

relativamente baixos em geral.23

Essa diferença importa, porque gera incertezas à política comercial de um país,

precisamente por possibilitar a alteração de tarifas sem violar compromissos firmados na OMC.

Hoje se sabe, a partir da literatura acadêmica, que a existência dessas incertezas de política é

altamente nociva à inserção comercial de um país.24 Observe também que, embora essa margem

de ajuste tarifário pareça menor no Brasil que em países como Colômbia ou México, aqueles

países são altamente integrados em ALCs, como a Figura 2.8 mostra. Esses acordos impõem

limites rígidos sobre alterações de tarifas entre os parceiros. Portanto, embora aqueles países

tenham de fato maior margem para aumentar suas tarifas MFN, essas são muito menos

relevantes para eles. Consequentemente, a incerteza de política comercial em países fortemente

engajados em ALCs é severamente limitada pelos próprios acordos. Como vimos, esse não é o

caso do Brasil.

A diferença entre tarifas MFN e consolidadas no Brasil é alta para produtos agrícolas e

não-agrícolas, e para bens em todos os estágios da cadeia produtiva. Isso pode ser visto na

Tabela 2.6, que traz três indicadores de tarifas médias brasileiras: (i) a tarifa consolidada na

OMC; (ii) a média simples da tarifa MFN; e (iii) a média das tarifas MFN ponderada pelos

valores de importações para cada bem. Essas medidas são apresentadas por setor – agrícola e

não agrícola – e por tipo de bem – primários, intermediários, de consumo e de capital.

23 Como Ornelas (2016) mostra, há uma diferença sistemática nos níveis tarifários entre países em

desenvolvimento que ingressaram no GATT em suas primeiras décadas de existência e aquele que começaram a

participar formalmente do sistema multilateral de comércio a partir da Rodada Uruguai de negociações, concluída

em 1994. Como acesso ao GATT/OMC passou a exigir um compromisso de liberalização muito mais forte, os

“novos” membros, como China e Rússia, possuem tarifas consolidadas muito inferiores àquelas dos “velhos”

membros, como Brasil e Chile, que assinaram o GATT na sua criação em 1947, ou de países como Colômbia e

México, que ingressaram entre 1947 e 1994. 24 Veja a discussão em Limão (2016).

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Figura 2.11: Tarifa MFN e Consolidada Médias, Países Selecionados

Fonte:

Elaboração a partir do WTO Tariff Profiles.

Tabela 2.6: Perfil de Tarifas de Importação Brasileiras

Fonte: Elaboração a partir do WTO Tariff Profiles.

Além da diferença generalizada entre tarifas MFN e consolidadas, a Tabela 2.6 também

deixa clara a semelhança entre tarifas agrícolas e não-agrícolas. Em um primeiro momento isso

pode parecer surpreendente, já que o país é um eficiente produtor de produtos agrícolas, que

são os principais produtos da sua pauta de exportação. Porém, a média tarifária ponderada maior

Agrícola Não-Agrícola Primários Intermediários de Capital de Consumo

Consolidada - Simples 31.4  35.4  30.8  33,61 28,83 31,92 33,35

MFN aplicada - Simples 13.5  10.0  14.1  6,73 11,81 13,1 19,35

MFN aplicada - Ponderada 10.4  12.3  10.3  3,29 7,81 11,4 14,7

SetorTotal

Tipo de BensTipo de Tarifa

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que a média simples indica que o foco dessas tarifas são produtos de fato importados, e não

produzidos internamente.

A Tabela 2.6 também indica uma clara “escalada tarifária” na estrutura de tarifas

brasileira (isto é, do Mercosul), onde o posicionamento na cadeia produtiva tem implicações

fortes sobre o nível da tarifa nominal. Especificamente, bens primários possuem um nível

menor de tarifas aplicadas que bens intermediários e de capital, enquanto os bens de consumo

são os mais protegidos. Em certa medida, isso é comum no resto do mundo. O que não é comum

é o tamanho do ‘salto’ entre produtos primários e intermediários, e a existência de um salto

adicional para bens de capital. A implicação e que o nível de proteção efetiva na economia

brasileira é ainda mais alto que as tarifas nominais sugerem. Como uma de nossas propostas

específicas é precisamente no sentido de alterar essa estrutura, deixamos para a seção de

propostas a discussão mais detalhada sobre a mesma.

Finalmente, vale observar também a estrutura tarifária nos mercados para os quais o

Brasil exporta, para entender as barreiras encontradas pelas firmas brasileiras. A Tabela 2.7

traz a média simples e ponderada das tarifas MFN dos produtos efetivamente exportados (isto

é, a média exclui linhas tarifárias de produtos não exportados) por Brasil, México, Chile e China

para dois dos mercados mais importantes do mundo, EUA e União Europeia. Um destaque é a

diferença entre 20 e 30 p.p. da tarifa média (simples) que o Brasil e os outros países pagam nas

suas exportações agrícolas para aqueles mercados. Dada a eficiência na produção agrícola

brasileira, consegue-se exportar mesmo produtos que enfrentam barreiras comerciais altas nos

mercados importadores. Observe, porém, a diferença de quase 20 p.p. entre a média simples e

a média ponderada. Isso mostra que se exportam muito menos produtos dos quais se cobram

tarifas mais altas, como seria de se esperar. A magnitude dessa diferença indica potencial para

futuras negociações comerciais que venham a baixar os níveis tarifários de produtos que o

Brasil já exporta, por exemplo a nível de ALCs. Já no setor não-agrícola, as médias se

assemelham entre os países. Isso se deve ao fato dos países desenvolvidos já terem reduzido as

tarifas desses produtos no passado de forma generalizada.

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Tabela 2.7: Tarifa MFN de produtos comercializados - Médias (%)

Fonte:

Elaboração a partir do WTO Tariff Profiles.

Observa-se, porém, que vários países possuem vantagens na exportação não refletidas

pela tarifa MFN. Por exemplo, as exportações do Chile e do México para os EUA e para a

União Europeia não incorrem tarifas, dados os acordos preferenciais entre eles. Portanto, as

tarifas relevantes para Chile e México nos mercados americanos e europeus são (virtualmente)

zero. E embora a que o Brasil incorra possa parecer baixa em termos absolutos, a grande

diferença entre as tarifas médias simples e ponderada deixa claro que essas barreiras importam:

a maior parte das exportações do Brasil para aqueles mercados são de produtos que têm as

menores tarifas MFN.

2.6. Estimativas de Barreiras Comerciais Barreiras comerciais, sejam elas tarifárias ou não, são um componente crucial na determinação

dos fluxos de comércio ao redor do mundo. Portanto, mensurá-las e identificar oportunidades

para diminuí-las é algo fundamental para uma maior integração Brasileira ao comércio mundial.

Existem algumas formas de se estimar os custos de comércio enfrentados por países e setores,

ou pelo menos obter medidas que nos informem o quanto um país é fechado (ou ineficiente na

movimentação de seus bens no comércio mundial). O Banco Mundial, por exemplo,

disponibiliza um índice que tem como objetivo mensurar os desafios logísticos enfrentados

pelos países. É o índice de performance logístico, ou simplesmente LPI (de “Logistics

Performance Index”). O LPI é baseado numa pesquisa mundial com transportadores de

produtos globais, que disponibilizam informações sobre a eficiência logística dos países em que

operam. A pesquisa inclui não só informações detalhadas providas por estes operadores

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logísticos, mas também dados quantitativos sobre a performance de alguns componentes

logísticos mais relevantes.25

Tabela 2.8: Barreiras comerciais em 2011 e LPI 2016.

Fontes: Banco Mundial e cálculos dos autores usando WIOD.

A coluna 2 da Tabela 2.8 mostra o valor do (inverso do) índice para o Brasil, os países

do G7, o restante dos BRICS e alguns outros países em desenvolvimento, incluindo o Chile e a

Argentina, enquanto a coluna 3 mostra a posição do país no ranking do índice. A média do valor

do (inverso do) índice foi normalizada para 1 na amostra de países considerados em nossa

análise. Podemos ver que o Brasil é o 55º país no ranking, ficando atrás dos países do G7 e de

países em desenvolvimento como o África do Sul, Chile e Índia, mas em melhor situação que

Argentina e Rússia. De certa forma, os números corroboram a ideia de que o país ainda tem que

evoluir consideravelmente para melhorar sua inserção no mercado global.

Uma outra forma de estimar barreiras comerciais é utilizando dados de comércio

bilateral e equações de gravidade. Com base em ferramentas semelhantes, Novy (2012) propõe

25 Mais informações sobre a metodologia de construção do índice podem ser encontradas no link:

https://lpi.worldbank.org/about.

Valor Posição Importador Exportador

Alemanha 0,84 1º 0,60 0,54

Reino Unido 0,88 8º 0,74 0,81

EUA 0,89 10º 0,69 0,84

Japão 0,90 12º 1,07 0,82

Canadá 0,91 14º 0,77 0,67

França 0,91 16º 0,70 0,69

África do Sul 0,94 20º - -

Itália 0,95 21º 0,83 0,83

Coréia do Sul 0,96 24º 0,99 0,89

China 0,97 27º 0,79 0,87

Turquia 1,04 34º 1,20 1,08

Índia 1,04 35º 1,03 1,27

Chile 1,10 46º - -

México 1,14 54º 0,69 0,55

Brasil 1,15 55º 1,32 1,36

Indonésia 1,19 63º 1,16 1,32

Argentina 1,20 66º - -

Rússia 1,39 99º 1,18 1,31

Barreiras ComerciaisLPI Score 2016

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um método simples para obter barreiras comerciais (relativas) entre países. A barreira comercial

entre o exportador i e o importador j no setor k, 𝜏𝑖𝑗,𝑘, é dada por:

𝜏𝑖𝑗,𝑘 = (𝑥𝑖𝑖,𝑘𝑥𝑗𝑗,𝑘

𝑥𝑖𝑗,𝑘𝑥𝑗𝑖,𝑘)

12𝜆

− 1,

onde 𝑥𝑖𝑗,𝑘 é o volume financeiro exportado do país i para o país j no setor k (ou o volume

vendido localmente caso i seja igual a j) e 𝜆 mede a elasticidade dos fluxos (relativos) de

comércio com respeito à barreiras comerciais entre os países no setor. Para obter esta medida,

usamos dados de comércio bilateral disponíveis na World Input Output Database (WIOD) - ver

Stehrer, de Vries, Los, Dietzenbacher, e Timmer (2014) para mais detalhes da base de dados -

e estimativas de 𝜆 encontradas em Pessoa (2018a). Uma desvantagem dessa medida, no entanto,

é que conseguimos estimar apenas barreiras comerciais relativas (aos custos das barreiras

comerciais intra-países).26 Desta forma, normalizamos a média da nossa medida para 1

(considerando a amostra de 40 países disponíveis na WIOD).

As colunas 4 e 5 da Tabela 2.8 mostram médias ponderada27 desta medida considerando

o país em questão como o importador e o exportador, respectivamente. Um primeiro ponto

importante é que esta medida apresenta uma correlação razoavelmente alta com o LPI

(aproximadamente 60%). E mais uma vez, podemos constatar que o Brasil aparece como um

dos países com maiores barreiras comerciais. De fato, o Brasil é o país mais fechado entre os

considerados na Tabela 2., tanto para a exportação quanto para a importação.

A análise de Novy (2012) nos permite estimar não só barreiras comerciais no âmbito do

país, mas também no âmbito dos setores. A Tabela 2. mostra a média das barreiras comerciais

setoriais para o Brasil (considerando a mesma normalização e o mesmo tipo de ponderação

feitos anteriormente). Os setores disponíveis na base WIOD foram agregados em 5 grandes

setores: serviços, manufaturas de baixa, média e alta tecnologia e agricultura e outros

(mineração, extrativismo e energia) - ver Pessoa (2018a) para mais detalhes da agregação dos

setores.

Os setores estão ordenados por custo (considerando o Brasil como país exportador).

Naturalmente, as maiores barreiras comerciais setoriais estão em serviços, seguido pelo setor

26 Mais precisamente, em Novy (2012) a fórmula acima resulta da hipótese de que 𝜏𝑖𝑖,𝑘 = 𝜏𝑖𝑗,𝑘 = 1, ou seja, as

barreiras comerciais entre dois países em um determinado setor são determinadas relativamente às barreiras

intra-nacionais. Caso efetivamente soubéssemos os valores de tais barreiras, poderíamos estimar 𝜏𝑖𝑗,𝑘 em termos

absolutos pela fórmula acima. 27 A ponderação é dada pelo volume de comércio no nível importador-exportador-setor.

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de manufatura de média tecnologia (mid-tech), agricultura, manufatura de baixa tecnologia

(low-tech) e manufatura de alta tecnologia (high-tech), nesta ordem. A configuração que

considera o Brasil como país importador não é muito diferente. Entretanto, é interessante notar

que o setor em que o Brasil (provavelmente) detém sua vantagem comparativa e responsável

por grande parte de suas exportações, o de agricultura, possui barreiras comerciais

substancialmente maiores para exportação do que para a importação. Em primeiro lugar, isto

sugere que o sucesso de um setor não depende de medidas protecionistas que limitem a

competição com produtos estrangeiros. Em segundo lugar, isto mostra que ainda há espaço

considerável para um aumento de eficiência nas exportações Brasileiras deste setor e/ou

esforços para que os nossos parceiros comerciais diminuam suas barreiras de entrada aos bens

produzidos aqui.

Tabela 2.9: Barreiras Comerciais Setoriais Brasileiras.

Fontes: Cálculos dos autores usando dados da WIOD.

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Affect Trade Liberalization toward Nonmembers?” Quarterly Journal of Economics 123(4),

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Importador Exportador

Serviços 2,08 1,75

Manufatura Mid-tech 1,30 1,47

Agricultura e Outros 0,99 1,32

Manufatura Low-tech 1,23 1,13

Manufatura High-tech 1,04 0,94

Barreiras Comerciais

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40

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42

3. Política de Defesa Comercial Brasileira no Contexto Internacional

Políticas de defesa comercial são utilizadas em virtualmente todos os países do mundo,

em maior ou menor escala, quando se identifica que importações ameaçam a economia local e

há evidência de “comércio desleal”. Tipicamente, as ameaças mais consideradas e para as quais

há maior reação é a prática de dumping, sendo o instrumento de defesa mais comumente

utilizado nesses casos as tarifas antidumping.

Em defesa comercial, a prática de “dumping” configura-se quando uma firma cobra um

preço menor no mercado internacional que em seu mercado doméstico, ou quando ela exporta

um produto a preços abaixo do seu custo de produção. A aplicação de medidas antidumping

visa a punição e prevenção de tais práticas, que poderiam ser prejudiciais ao país importador.

Observa-se que existe na OMC uma cláusula de escape que permite o uso de

salvaguardas como proteção temporária em casos onde a indústria local esteja ameaçada por

um forte e inesperado aumento de importações. Apesar disso, medidas antidumping são

utilizadas de forma muito mais frequente que as salvaguardas como instrumento de proteção

temporária a indústrias especificas.

Isso ocorre por vários motivos, segundo Beshkar e Bond (2016). O mais importante é

que os requerimentos para se utilizar medidas antidumping, sem desrespeitar as regras da OMC,

são muito mais simples de se comprovar que aqueles necessários para aplicar salvaguardas. A

exigência de que a indústria local está sendo prejudicada é relativamente mais fácil de

demonstrar no caso de dumping. E há vários caminhos possíveis para a obtenção de evidências

de que os produtos importados estão sendo vendidos a um valor inferior ao “justo”. Além disso,

medidas antidumping (ao contrário das salvaguardas) podem ser discriminatórias, permitindo

que os países visem fontes específicas de importações. Como consequência dessas facilidades

institucionais, as ações antidumping tornaram-se populares tanto entre países desenvolvidos

quanto entre países em desenvolvimento. Dada a prominência de medidas antidumping entre

os instrumentos de defesa comercial, são elas o foco da nossa análise de defesa comercial.

O argumento econômico clássico motivando políticas que previnem ou remedeiem a

prática de dumping assume que ela acarretaria danos irreparáveis às firmas do mercado onde

ela ocorre, e que isso geraria uma redução da competição e preços mais altos para os

consumidores daquele país no futuro, gerando uma redução no seu bem-estar agregado. Em

suma, as medidas de combate ao dumping seriam justificáveis do ponto de vista social caso

exista um motivo estratégico intertemporal por parte dos exportadores, que vise causar danos

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às firmas domésticas e possivelmente a saída das mesmas do mercado para aumentar os seus

próprios preços e lucros no futuro, às custas do bem-estar do país importador. Nesse sentido,

preços baixos hoje seriam prenúncio de preços altos no futuro, quando as firmas predadoras

estrangeiras teriam dominado o mercado. As medidas antidumping teriam o propósito de

prevenir (ou remediar) tais práticas de dumping predatório.

Os critérios e procedimentos internacionais para identificação de dumping e aplicação

de medidas antidumping são definidos pela OMC. Contudo, eles são relativamente vagos e

flexíveis, deixando amplo espaço para discricionariedade para as legislações antidumping

nacionais. Especificamente, para que medidas antidumping sejam aplicadas, é necessário

provar que (i) os preços cobrados de fato são “injustos”, no sentido de estarem abaixo do custo

de produção ou dos cobrados no país de origem; e que (ii) houve prejuízos ao país importador

do bem em questão, por causa dos preços externos baixos. A mensuração e comprovação desses

dois pontos ficam, invariavelmente, sujeitas a interpretações por parte das autoridades

avaliadoras e estão cercadas de peculiaridades que dificultam a tomada de decisão.

Por exemplo, pode ser que o produto em questão não seja vendido em ambos os países

– ele pode ser comercializado em versões similares, mas não idênticas. Outra dificuldade está

na necessidade de comparar preços de transações relativamente contemporâneas, caso contrário

a análise seria prejudicada. Além disso, o volume de vendas do produto pode ser muito baixo

no país de origem, a ponto de ser viabilizar manipulações de preço a priori para evitar a

caracterização de dumping na sua comercialização em outros mercados.

Do ponto de vista conceitual, é importante notar que os motivos predatórios

mencionados acima não são sequer analisados nas análises de dumping, como apontam Tabakis

e Zanardi (2018). Consequentemente, a aplicação das medidas antidumping não depende da

existência do motivo predatório intertemporal – exatamente o que justificaria ações

governamentais contrárias.

Para compreender melhor essas nuances sobre a prática de dumping, a caracterização

formal da mesma, as reações das autoridades investigadoras, e as suas consequências sobre as

firmas e economias envolvidas, nós fazemos aqui um levantamento do que se sabe sobre a

prática de dumping, sobre a utilização de medidas antidumping, e sobre suas consequências de

tais medidas para as partes envolvidas. Para tanto, revisaremos os principais estudos teóricos e

empíricos da literatura acadêmica sobre o tema.

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Em seguida, avaliamos as tendências mundiais de aplicação de medidas antidumping,

com ênfase no comportamento relativo do Brasil relativo ao resto do mundo. Para tanto, usamos

uma série de medidas e índices para obter uma compreensão completa do uso de medidas

antidumping no Brasil. Finalmente, fazemos uma comparação do processo decisório para a

introdução de tarifas antidumping nos EUA (que forneceu a base para a regulamentação de tais

medidas na OMC) e no Brasil.

Baseados nas conclusões dessas três partes do estudo – discussão da literatura

acadêmica, diagnóstico das ações do Brasil no contexto internacional e processo decisório no

Brasil – elaboramos então propostas específicas par alterações no processo decisório brasileiro.

3.1. Literatura Acadêmica

3.1.1. Motivações Econômicas para Dumping

Uma das perguntas mais naturais quando se pensa em dumping é sobre os motivos pelos quais

as firmas escolhem realizá-lo. A explicação mais simples deve-se à diferente elasticidade da

demanda enfrentada em cada mercado, refletindo diferenças nos tamanhos dos mercados ou

nos níveis de competição em cada um (Blonigen e Prusa, 2016). Se, por exemplo, uma firma

monopolista no mercado interno enfrenta forte concorrência no mercado externo, ela tenderá a

cobrar um preço maior no seu mercado que em suas exportações, caracterizando dumping. Tal

discriminação de preços é resultado natural da maximização de lucro das firmas em cada

mercado.

De fato, é possível caracterizar dumping mesmo quando consideramos firmas operando em

duas economias idênticas. Para operar no mercado externo, as firmas consideram os custos de

transporte. Isso faz com que seja ótimo para elas cobrarem um preço, excluindo o custo de

transporte, abaixo do que cobram em seu próprio mercado, onde não há tais custos. Ou seja,

haveria “dumping recíproco, mesmo na total ausência de motivos dinâmicos estratégicos,

causado apenas como simples reação à existência de custos de transporte, como demonstram

Brander e Krugman (1983). Um resultado talvez ainda mais surpreendente é o de que, do ponto

de vista de bem-estar social, esse dumping recíproco pode ser benéfico. Apesar dos custos de

transporte, a concorrência que a firma estrangeira impõe sobre a doméstica tende a fazer com

que os preços aos consumidores caiam em ambos os mercados. Se os ganhos de bem-estar dessa

redução de preços superarem os custos de transporte, o dumping é benéfico para as economias

envolvidas.

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Dumping pode também estar ligado aos ciclos econômicos do país exportador e à dificuldade

em ajustar sua produção rapidamente. Se, por exemplo, o preço final do bem que determinada

empresa produz varia muito com o ciclo econômico, pode ser que em períodos de baixo preço

ela queira produzir menos - pois não compensaria manter a produção em um nível elevado. Da

mesma forma, em períodos cujo preço do bem final é alto, a empresa iria querer aproveitar para

elevar sua produção. Se, entretanto, a empresa não consegue ajustar rapidamente os insumos

do processo produtivo (ou se esse reajuste for muito custoso), pode ser ótimo para ela continuar

produzindo em um nível relativamente alto. Dessa forma, ela irá vender seu produto a um preço

abaixo dos custos de produção nos períodos em que o preço do produto final estiver baixo,

caracterizando a prática de dumping (Ethier, 1982).

Além de flutuações de preço, o dumping pode estar associado a flutuações de demanda e a

custos de estocagem (Staiger e Wolak, 1992). A intuição é a seguinte: uma firma doméstica

pode enfrentar períodos de baixa ou alta demanda em seu mercado. Nos períodos de alta

demanda, ela irá vender toda sua produção no próprio mercado; entretanto, em períodos de

baixa demanda, ela pode escolher vender seus produtos a um preço mais baixo, em mercados

estrangeiros, para não ter que incorrer em custos de estocagem. Nesse cenário, é possível que a

firma estrangeira diminua sua produção independentemente da demanda enfrentada para que,

quando a demanda for baixa, ela não inunde o mercado externo e fique suscetível a sanções

comerciais. Dessa forma, o fluxo de comércio entre dois países pode ser reduzido mesmo em

períodos em que não há qualquer aplicação de medidas antidumping.

Processos produtivos caracterizados por learning by doing também pode motivar práticas de

dumping, como mostra Gruenspecht (1988). Em um cenário em que a produção corrente da

empresa afeta seus custos futuros, pode ser ótimo para ela produzir mais no presente (cobrando

um preço menor que seu custo) para que, posteriormente, seu custo seja menor. Nesse sentido,

medidas antidumping podem inviabilizar a entrada de firmas em mercados em que o

aprendizado tem papel relevante na determinação de custos.

Em suma, a teoria diz que dumping pode ocorrer por diversas razões. Desde as mais simples e

imediatas, como custos de transporte e estruturas de mercado diferentes nos dois países, até as

mais complexas, como processos produtivos caracterizados por learning by doing. Assim, é

importante enfatizar que o simples fato de uma empresa cobrar um preço menor no mercado

externo que no mercado doméstico não é sinal de concorrência desleal. Como visto acima, há

inúmeros motivos que levariam a tais práticas, mas que não carregam consigo “cunho

malicioso”, no sentido das firmas que praticam dumping procurarem deliberadamente

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prejudicar as demais. Além disso, as consequências do dumping para o país importador não são

tão diretas e danosas como pode parecer à primeira vista. Mesmo que a firma exportadora de

fato esteja precificando abaixo dos seus custos ou do preço cobrado em seu mercado doméstico,

a concorrência gerada pode ser benéfica para os consumidores finais do bem. Afinal, eles terão

acesso ao bem por um preço menor.

Para que a prática de dumping seja deletéria ao país importador, o preço baixo temporário hoje

tem de estar associado a um preço alto permanente no futuro – após as firmas domésticas

sucumbirem à competição externa. Embora possível, note que em uma economia aberta esse

mecanismo seria altamente improvável, pois o mercado poderia sempre ser contestado por

outras firmas estrangeiras. Isso exerceria pressão permanente sobre os preços, mantendo-os

baixos no futuro. Como consequência, inviabilizaria os ganhos com o dumping predatório no

presente. Ou seja, a motivação que as políticas de defesa comercial procuram limitar podem ser

evitados pela simples competição externa.

Há, portanto, várias situações onde há lógica econômica na prática de dumping (segundo a

definição da OMC), mas em que não há qualquer consequência deletéria para o país importador

que requeira ação compensatória por parte dele. Como Blonigen e Prusa (2016) observam, não

há essencialmente nenhuma relação entre a base jurídica para a imposição de antidumping e o

entendimento econômico de dumping.

3.1.2. Motivações para Medidas Antidumping

Uma vez analisado e compreendido os mecanismos que levam empresas à prática de

dumping e suas consequências, é natural perguntar as motivações das medidas antidumping

aplicadas. À primeira vista, pode parecer mais simples e direto o objetivo de uma firma

doméstica que inicia uma ação antidumping contra uma estrangeira: proteger-se da

(possivelmente desleal) concorrência. Entretanto, pode haver outros incentivos guiando as

atitudes de firmas e países que iniciam ações antidumping.

Nas últimas décadas, as rodadas de negociações internacionais sob as áuspices do

GATT, juntamente com o monitoramento subsequente pela OMC, obtiveram sucesso em

reduzir as tarifas de importação em todo o mundo, diminuindo barreiras ao comércio e retirando

mecanismos de proteção tradicionais. As medidas antidumping podem se inserir nesse contexto

como uma forma de os países conseguirem novamente elevar tarifas e barreiras comerciais,

mesmo que para um conjunto específico de produtos ou setores (Prusa, 2005). Dessa forma, é

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possível que muitas ações antidumping sejam iniciadas mesmo que não haja evidências

concretas de concorrência desleal contra o mercado doméstico, numa tentativa de simplesmente

aumentar o nível de proteção dentro das regras da OMC.

Existe ainda um fator que tende a intensificar a busca por proteção via medidas

antidumping: a discricionariedade e subjetividade intrínseca à sua investigação, principalmente

no que tange a decisão sobre se há ou não prejuízo à economia doméstica causado pela

precificação de alguma empresa estrangeira. As empresas podem se aproveitar desse ambiente

para manipular dados de forma a caracterizar danos a seu mercado quando, na verdade, eles

não existem. Esse comportamento ajuda a explicar porque um grande número de empresas

requisita a aplicação de ações antidumping pelos seus governos.

Inserido nesse contexto de tentar conseguir proteção comercial legalmente dentro das

regras da OMC, ações antidumping podem também ser usadas de maneira estratégica por países

para fortaleceram acordos tácitos entre eles (Bagwell e Staiger, 1990). A intuição é a de que os

baixos níveis de proteção comercial observados são consequências de acordos entre os países,

como os formalizados na OMC. É possível que, em períodos de bonança no comércio

internacional, haja incentivos para que algum dos membros do acordo queiram usufruir do seu

poder de mercado e quebre o acordo. Nesse cenário, as medidas antidumping seriam uma forma

de ameaça crível de punição para quem pensa em deixar de cooperar. Assim, seria esperado

que o uso de medidas antidumping se intensificasse em períodos de crescimento do comércio

internacional, e se mantivesse estável nos períodos considerados normais em termos de

comércio. Bown e Crownley (2013) testaram empiricamente o modelo de Bagwell e Staiger.

Usando dados de diversas fontes para analisar os pedidos de ações antidumping norte-

americanos, os autores encontram evidências de que o aumento em um desvio padrão do fluxo

de importações bilaterais entre os EUA e outro país pode aumentar, em média, em 35% a

probabilidade de alguma ação antidumping ser iniciada.

Uma outra motivação para o uso de medidas antidumping é a retaliação. Um país pode

iniciar uma ação antidumping contra outro simplesmente como forma de tentar puni-lo por ter

também iniciado ações antidumping no passado. Estimativas usando dados da OMC do período

entre 1996 e 2003 indicam que um país tem, em média, 7% mais chance de preencher uma ação

antidumping contra outro país que também fez isso um ano antes. Entretanto, esse efeito não

existe quando consideramos apenas aqueles países considerados tradicionais no cenário

antidumping, isto é, aquelas que já tinham legislação antidumping na década de 1980 (Feinberg

e Reynolds, 2006).

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Devido à subjetividade pela qual as análises precisam ser feitas para determinar se um

dado preço é “justo” ou não, é possível que influências políticas sejam fatores relevantes para

a decisão, por parte das firmas, de requisitar uma ação antidumping, e para a definição e

aplicação da mesma, por parte das autoridades técnicas. Uma série de trabalhos empíricos foram

desenvolvidos sobre o assunto, e confirmam que de fato fatores políticos são relevantes nos

processos decisórios. Para os EUA, há evidências de que variáveis relacionadas à força política

doméstica – como concentração da indústria em questão e o número de funcionários na empresa

que iniciou a ação antidumping – afetam decisões sobre os danos causados pela precificação,

mas não quando a decisão é sobre o preço estar ou não abaixo dos custos. Por outro lado,

variáveis relacionadas a indicadores de custos da firma – salário médio e o tamanho das

economias de escala, por exemplo – são relevantes quando para explicar as decisões sobre o

preço ser ou não inferior aos custos (Sabry, 2000; Finger et al., 1982). Hansen e Prusa (1997)

encontram também que firmas inseridas em setores mais concentrados tendem a iniciar um

número maior de ações protecionistas.

É possível notar, também, certa interdependência de ações antidumping por uma mesma

indústria em diferentes países. Maur e Mondiale (1988) observam que a adoção de medidas

antidumping em um determinado país, para certa indústria, pode desencadear medidas similares

para essa mesma indústria em outros países: um “efeito cascata”, ou “eco”. Paralelamente a

esse efeito eco na proliferação de medidas antidumping, observa-se que certas firmas ou setores

concentram um maior número de casos de antidumping que outro, como aço ou produtos

químicos. Uma possível explicação para isso pode estar relacionada ao acúmulo de experiência

e expertise pelas firmas ou indústrias ao transitar pelo processo e pela legislação antidumping.

Ao analisar dados de pedidos norte-americanos para ações antidumping nas décadas de 1980 e

1990, Blonigen (2006) mostra que experiência anterior em realizar petições antidumping leva

a uma probabilidade de 2% a 9% maior de fazê-las no futuro, mesmo quando os casos

reportados posteriormente apresentarem uma margem de dumping menor. O motivo é que a

experiência prévia reduz os custos de preencher o pedido e transitar pela burocracia, levando o

país a reportar casos que geram menores danos comerciais, ou seja, casos com margem pequena

de dumping que antes não eram reportados.

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3.1.3. Os impactos das Medidas Antidumping

O principal questionamento quando se discute medidas antidumping é sobre seu

impacto. Bown e Crownley (2007) classificam quatro tipos de efeitos no comércio internacional

provenientes de medidas antidumping:

(i) Destruição de comércio: o efeito direto da medida. Ocorre quando o país exportador

reduz suas vendas ao importador por causa da ação imposta;

(ii) Desvio de comércio: o primeiro efeito indireto da medida. Ocorre quando o país

importador substitui as importações do país acusado por importações de outros países não

mencionados no processo;

(iii) Deflexão de comércio: o segundo efeito indireto da medida. Ocorre quando o país que

foi afetado pela medida deixa de exportar para o país que realizou a ação, mas passa a exportar

mais para outros países;

(iv) Depressão de comércio: o terceiro efeito indireto da medida. Ocorre caso o país

importador realize outra ação antidumping, contra outro país, e as exportações do país afetado

pela primeira ação para esse segundo país afetado também se reduzem.

Além desses efeitos, que ocorreriam após a implementação de uma tarifa antidumping, é

também possível que a simples possibilidade da aplicação da tarifa afete a política de preços de

uma firma exportadora. A intuição é simples. Suponha que a firma tenha uma certa expectativa

de lucros em determinado mercado externo e escolha seu preço de exportação, levando em

conta as características do mercado e dos seus custos de produção, para maximizá-lo. Chame

esse preço de p1. Suponha agora que a mesma firma exporte para um outro mercado de

características idênticas, mas onde há um histórico de medidas antidumping aplicadas. A firma

associará então uma probabilidade de ser afetada por medida similar, e essa probabilidade será

decrescente no seu preço, uma vez que a caracterização de dumping ocorre exatamente quando

o preço é suficientemente baixo. Considerando essa possibilidade – que pode ser devastadora

para os lucros da firma – a firma escolherá para aquele mercado um preço p2 superior a p1.

Portanto, a simples ameaça de aplicação de medidas antidumping (ou a ameaça implícita

decorrente de seu uso no passado) induz firmas exportadoras a elevar seus preços em um

mercado, com consequências negativas para seus consumidores.

Um método para se realizar a avaliação dos impactos é via modelos de equilíbrio geral

computável. Os trabalhos nesse sentido apontam, geralmente, para consequências similares

para o importador: redução de importações e perdas líquidas de bem-estar. Por exemplo,

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Gallaway et al. (1999) estimam que as perdas de bem-estar nos EUA em 1993 com medidas

antidumping foram da ordem de 4 bilhões de dólares, concluindo que, entre os programas que

restringem o comércio internacional norte-americano, as ações antidumping entre os mais

custosos.

Uma outra abordagem é a análise econométrica. Por exemplo, Brenton (2001) estima

um modelo simples para determinar a relevância do efeito de desvio de comércio associado às

ações antidumping da União Europeia. As estimações usam dados de medidas antidumping

iniciadas pelo bloco entre 1989 e 1994. A equação estimada é:

ln xi,tj = α + β1 ln xi,tj−1 + β2(ln xi,t−1 − ln xi,t−2)

+ λ1 ln Dutyi + λ2Nunnamedi + δ1jtdj + δ2jtdjDeci + ηjYeartj + εi,tj ,

onde xi,tj é o volume das importações do país importador (o acusador) no caso i no período tj;

t0 é o período em que a medida foi aplicada; e j varia até 4, isto é, são usados até 4 lags nas

variáveis no tempo. A variável Dutyimede o tamanho da sanção imposta pela medida

antidumping (por exemplo, o valor do imposto ad valorem equivalente que a medida estipula).

A variável Numnamedié uma dummy: vale 1 se o número de países mencionados na ação

antidumping i é maior que 2, e 0 caso contrário. A intuição é observar se o desvio de comércio

gerado por uma ação antidumping é maior quando um número maior de países é mencionado

na ação. O termo tdj corresponde a uma variável dummy para cada ano j, incluída na regressão

para capturar o efeito do desvio de comércio nos anos subsequentes ao início das investigações.

Por sua vez, Decié uma dummy indicando se a ação foi aprovada ou não. Por fim, Yeartj

corresponde a efeitos fixos de ano que capturam condições macroeconômicas do momento.

Com o intuito de separar o desvio de comércio entre países mencionados e não mencionados

nos processos antidumping, a amostra foi seccionada em quatro grandes grupos, de acordo com

a origem das importações: (i) importações de países mencionados nas investigações; (ii)

importações totais de países não mencionados; (iii) importações apenas de países da própria

União Europeia não mencionados; (iv) importações de países não mencionados fora da UE.

Foram encontradas evidências de que as importações provenientes de países mencionados nos

processos de fato sofrem um declínio no segundo e terceiro anos após o início da ação. Esse

efeito é agravado quando a ação é aprovada e as sanções são impostas. Já as importações

provenientes do grupo de países não mencionados aumentam consideravelmente dois anos após

o início das investigações, e quando se conclui que houve dumping. Além disso, esse aumento

no volume de importações é maior quando três ou mais países são mencionados nas petições

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antidumping. Essas evidências sugerem que possíveis ganhos da retirada de medidas

antidumping são dissipados, e beneficiam em grande parte países não mencionados nas ações.

Outros trabalhos empíricos corroboram a hipótese de que a mera ameaça de antidumping pode

surtir efeitos nos países envolvidos. Há evidências mostrando que metade dessa redução pode

ocorrer já na fase de investigação, sem que tenha havido qualquer conclusão acerca de possíveis

danos causados pela firma exportadora à economia doméstica (Staiger et al., 1994). Ou seja, há

fortes evidências apontando que medidas antidumping de fato prejudicam diretamente o

comércio internacional num nível acima do pretendido inicialmente pela sanção imposta.

As evidências sobre efeitos negativos indiretos de medidas antidumping não são menos

extensas. O principal efeito indireto a ser medido é o desvio de comércio para países não

mencionados na ação antidumping. A intuição é que, quando um país sofre uma medida

antidumping, os países que anteriormente importavam dele passam a importar de outras fontes,

externas ao processo. Ao analisar a série de tempo das importações de países mencionados e

não mencionados em todos as petições para ações antidumping entre 1980 e 1988, é possível

identificar tanto efeitos diretos quanto indiretos das medidas antidumping: além da redução no

fluxo de comércio dos países citados nas ações, foram encontradas evidências de que um

aumento médio de 22% nas importações provenientes de países não mencionados nos

processos, sugerindo que muitas nações podem se beneficiar da aplicação de medidas

antidumping em que não são mencionados (Prusa, 1997). De fato, há casos em que o aumento

de importações de outros países é maior que a redução das importações do país afetado, fazendo

com que determinada ação antidumping aumente o fluxo de comércio internacional. Apesar

disso, é necessário ter um olhar crítico sobre esse resultado: o desvio de comércio resultante de

ações antidumping pode beneficiar pontualmente determinado país, mas gera efeitos distorcivos

claros em termos de eficiência.

Carter e Gunning-Trant (2010) estimam o desvio de comércio para ações antidumping

relacionadas a produtos agrários. Os autores encontram que esse efeito é menor que o

encontrado em trabalhos voltados para bens manufaturados, e é relevante apenas para o ano

seguinte à adoção da medida. Tal evidência mostra que o efeito indireto das ações antidumping

apresentam heterogeneidade quanto ao tipo de produto sendo alvo das ações antidumping.

Possíveis motivos para esse resultado são especificidades geográficas da produção agrícola,

sazonalidade na produção e o fato de serem produtos perecíveis, o que limitaria a velocidade

de ajuste da produção quando uma ação antidumping é iniciada.

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Os processos regulatórios e as especificidades da legislação afetam as medidas antidumping.

Em 1984, por exemplo, a legislação antidumping norte-americana passou a permitir que

revisões anuais sobre a medida imposta se tornassem facultativas (antes elas eram obrigatórias).

Essas revisões periódicas criam, em teoria, incentivos para as firmas alterarem periodicamente

seus preços para que não seja caracterizado dumping novamente (Blonigen e Park, 2004). Elas

fazem isso de acordo com a probabilidade esperada de serem pegas no dumping, que está

diretamente ligada à qualidade e confiabilidade das autoridades. A teoria se aplica: os autores

mostram evidências de que as firmas que mais reduzem seus preços de exportação durante a

fase de revisão quando punidas por medidas antidumping são exatamente aquelas que tinham

uma menor expectativa de receber medidas antidumping ex ante.

Atrelado ao tópico de processos e legislação está a ambientação política por trás das medidas

antidumping, especificamente a captura por grupos de interesse de um processo cujo desenho

é complexo e burocrático. Políticos podem, por exemplo, alterar o processo administrativo das

ações antidumping via legislação. Hansen e Prusa (1996) estudam a mudança na legislação

antidumping norte americana ocorrida em 1984, que também estipulou que casos de dumping

para produtos semelhante vindos de diferentes países fossem acumulados e tratados como um

só, e não analisados e julgados separadamente, como ocorria antes daquele período. Os autores

encontram que essa aparentemente simples mudança na legislação aumentou a probabilidade

de se constatar dumping em aproximadamente 20% a 30%. Esse efeito é maior, quanto maior

for o número de países envolvidos e casos acumulados.

Devido à maior disponibilidade de micro dados nos últimos anos, tornou-se possível investigar

impactos de medidas antidumping a nível de firma. Por exemplo, essas medidas afetam a

produtividade das firmas envolvidas no processo? Estudos utilizando dados de todas as

manufaturas americanas apontam que proteção comercial via medidas antidumping está

associada à redução da produtividade das firmas afetadas. Esse efeito é tão maior quanto maior

for a proteção garantida pela medida. Também há evidências de que medidas antidumping estão

associadas a preços e mark-ups mais elevados: em média, cada 1 p.p. a mais de proteção

comercial aumenta o mark-up em 0,3 p.p. (Pierce, 2011). Estudos realizados usando dados da

União Europeia (Konings e Vandenbussche, 2008) e da China (Chandra e Long, 2013) apontam

para uma direção similar: firmas de baixa produtividade tendem a ficar mais produtivas após a

proteção, enquanto as firmas que já eram mais produtivas antes da medida tendem a ficar menos

produtivas após a proteção comercial – as ações antidumping são boas para firmas ruins, e ruins

para firmas boas. Esse efeito, a princípio neutro sobre as firmas como um todo, pode esconder

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uma importante distorção de incentivos: as firmas tendem a investir menos em tecnologia e

inovação ao antecipar o efeito das medidas antidumping e, com o tempo, a produtividade geral

da economia tende a se reduzir.

Outra questão que pode ser respondida com micro dados é sobre o efeito de medidas

antidumping sobre a probabilidade de saída de firmas do mercado. A evidência mostra que esse

é um problema concreto. Por exemplo, usando dados sobre medidas aplicadas a firmas chinesas,

Lu et al. (2013) mostram que grande parte da destruição de comércio causada por medidas

antidumping deve-se à saída de firmas do mercado afetado. As exportações do país afetado

caem em grande parte devido à saída das firmas menos produtivas. Conclusões parecidas são

encontradas Besedeš e Prusa (2017): medidas antidumping nos EUA aumentar em cerca de

50% a probabilidade de todas as firmas de um país afetado pararem de exportar o produto em

questão para o mercado americano. Esse efeito é heterogêneo: quando a medida propõe uma

penalidade grande ao país afetado, a maior parte das firmas saem já na fase de investigação;

quando a sanção proposta é relativamente pequena, as firmas tendem a sair apenas quando o

caso é de fato decidido. Portanto, é possível que as medidas antidumping diminuam

significativamente a concorrência nos países afetados. Se a concorrência é menor, os preços

tenderão a subir – e o país importador acaba por sofrer consequências tão ou mais negativas

que as que a medida antidumping estava inicialmente tentando evitar.

Vale ressaltar que o impacto de medidas antidumping pode afetar de maneira diferente firmas

do país beneficiado. Usando dados da União Europeia, Konings e Vandenbussche (2013)

mostram que, enquanto as firmas domésticas importadoras do país protegido de fato se

beneficiam diretamente com a medida, as firmas exportadoras daquele país podem sofrer danos,

principalmente se são empresas inseridas numa cadeia de valor global. Pelo fato dos preços

internacionais subirem quando medidas antidumping são impostas, as vendas e exportações

dessas firmas são reduzidas. Portanto, os efeitos líquidos de medidas antidumping sobre o país

beneficiado não são inequivocamente positivos, como pode-se pensar a princípio.

3.1.4. Estudos para o Brasil

Os trabalhos sobre medidas antidumping no Brasil são mais escassos. Recentemente,

Kannebley et al. (2017) fazem uma análise empírica sobre alguns indicadores das indústrias

brasileiras que são protegidas por medidas antidumping. Especificamente, eles medem a

produtividade do trabalho, a produtividade total dos fatores e o mark-up das indústrias nacionais

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54

que se beneficiaram de alguma medida antidumping. Eles utilizam a base de dados Global

Antidumping Database, mantida pelo Banco Mundial, para coletar informações referentes às

medidas antidumping peticionadas por indústrias brasileiras. Para o cálculo de mark-up e

produtividade das firmas, usam dados da Pesquisa Industrial Anual, do IBGE. As análises

econométricas foram feitas usando o método de diferenças-em-diferenças, levando em conta os

efeitos fixos das firmas.

A especificação estimada foi:

𝑃𝑟𝑜𝑑𝑖𝑡 = 𝛼𝑖 + 𝛾𝑡 + 𝛼1𝐴𝐷𝑖𝑡 + 𝛽𝑋𝑖𝑡 + 휀𝑖𝑡.

A variável dependente 𝑃𝑟𝑜𝑑𝑖𝑡 denota o índice de produtividade da empresa 𝑖 no ano 𝑡; 𝛼𝑖 é o

efeito fixo da firma 𝑖; 𝛾𝑡 são dummies de tempo para capturar variáveis específicas dos anos

em questão; 𝐴𝐷𝑖𝑡 é uma dummy indicando se a firma 𝑖 recebeu proteção antidumping no ano

𝑡; e 𝑋𝑖𝑡 é um vetor com variáveis de controle a nível da firma – variáveis defasadas e o logaritmo

da razão capital-trabalho. Os resultados indicam que a proteção antidumping causou uma

redução de cerca de 9% da produtividade e um aumento médio de 1,5% no mark-up das firmas

afetadas, relativamente a firmas não afetadas, no período entre 2003 e 2013. Portanto, os

resultados da experiência brasileira conformam-se com os resultados obtidos por Pierce (2011)

para os EUA.

Outros dois trabalhos brasileiros merecem destaque. Ferreira (2014) analisa a magnitude

do efeito de destruição e desvio de comércio provenientes das ações antidumping iniciadas pelo

Brasil. Usando um arcabouço de séries temporais, ele analisa a trajetória do valor das

importações brasileiras provenientes dos países nomeados e não nomeados nas investigações

iniciadas. Os resultados encontrados vão em linha com o que a literatura aponta: há destruição

significativa de comércio após a aprovação da medida, isto é, as importações brasileiras de

países nomeados nos processos se reduzem no segundo e terceiro anos após o início das

investigações. Há também evidências significativas de desvio de comércio – as importações

brasileiras de países não citados nos processos aumentam no mesmo período. Entretanto, o

efeito líquido é negativo: houve mais destruição que desvio de comércio.

Castilho (2006) faz uma análise das consequências para o Brasil das ações antidumping

iniciadas pelos EUA. A autora estima os quatro possíveis efeitos de medidas antidumping

apontados por Bown e Crowley (2007), usando a base de dados Global Antidumping Database,

entre 1992 e 2004. Os resultados apontam a existência de efeitos significativos de destruição e

desvio de comércio, mas inconclusivos sobre deflexão e depressão de comércio.

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55

3.1.5. O Impacto de Dumping e de Medidas Antidumping sobre o Bem-estar

A literatura teórica sobre dumping e medidas antidumping mostra que as implicações

de bem-estar são ambíguas: tanto a prática de dumping quanto a adoção de medidas para

combatê-lo podem aumentar ou reduzir o bem-estar na economia, dependendo de

especificidades dos mercados em que as firmas operam.28 Em grande medida, essa ambiguidade

reflete os vários motivos pelos quais as empresas podem praticar dumping: desde elasticidades

diferentes em cada mercado à sazonalidade da demanda, entre vários outros. De modo similar,

os objetivos dos governos implementando medidas antidumping também são muito diversos.

A despeito da ambiguidade teórica, quando se atenta às evidências empíricas sobre as

medidas antidumping, torna-se claro que o seu uso excessivo como forma de proteção comercial

traz mais custos que benefícios às economias que as aplicam. Distorção de incentivos, redução

de competição no mercado doméstico, motivações políticas e problemas com a legislação são

apenas alguns dos pontos negativos que a literatura econômica traz à tona sobre o assunto.

Naturalmente, há o benefício direto da proteção comercial às empresas importadoras, mas é

importante que o formulador de políticas públicas avalie se esses benefícios superam os custos.

Os resultados da literatura empírica mostram que, em geral, os custos sociais das medidas

antidumping são dominantes. De fato, embora o seu objetivo formal seja eliminar os efeitos

negativos de dumping em uma economia, Blonigen and Prusa (2003) concluem em uma análise

da literatura que, na prática, a aplicação de medidas antidumping não tem nenhuma relação com

a manutenção de um ambiente comercial “justo”; ao contrário, “antidumping tornou-se

simplesmente uma forma moderna de proteção”.

Um dos principais problemas está na caracterização da prática do dumping. Como

indicado acima, muito do que é visto hoje em dia como precificação predatória apenas reflete

uma interação natural entre firmas, que não geraria custos para a economia importadora como

um todo. Uma caracterização de dumping mais cuidadosa evitaria que custos desnecessários

sejam impostos às economias envolvidas. Dessa forma, parece crítico estipular regras mais

claras e amparadas na teoria econômica para a caracterização de dumping, ir além da simples

comparação contábil entre preços e custos das empresas acusadas, e considerar não apenas os

impactos sobre o setor diretamente afetado, mas também sobre os demais setores da economia

e sobre os consumidores.

28 A Tabela 1 resume a discussão sobre motivos para dumping e para ações antidumping, os padrões de incidência

e os impactos das medidas e da legislação sobre o tema.

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56

Tabela 3.1 - Literatura econômica sobre dumping e medidas antidumping (AD)

Tópico O que a literatura diz Referências

Diferentes elasticidades da demanda Blonigen e Prusa (2016)

Custos de transporte Brander e Krugman (1983)

Ethier (1982)

Staiger e Wolak (1992)

Learning by doing Gruenspecht (1988)

Proteção dentro da OMC Prusa (2005)

Bagwell e Staiger (1990)

Davies e Liebman (2006)

Bown e Crownley (2013)

Retaliação Feinberg e Reynolds (2006)

Sabry (2000)

Finger et al. (1982)

Hansen e Prusa (1997)

Ganhos de experiência Blonigen (2006)

Tipos de impactos Bown e Crownley (2007)

Gallaway et al. (1999)

Brenton (2001)

Staiger et al. (1994)

Prusa (1997)

Carter e Gunning-Trant (2010)

Konings e Vandenbussche (2013)

Lu et al. (2013)

Besedeš e Prusa (2013)

Pierce (2011)

Konings e Vandenbussche (2008)

Chandra e Long (2013)

Goldbaum e Pedrozo (2017)

Revisões periódicas Blonigen e Park (2004)

Acumulação de pedidos Hansen e Prusa (1996)

Impactos de medidas AD

Impactos de regulação e

legislação de AD

Motivações políticas

Efeito eco

Impactos diretos

Impactos indiretos

Produtividade e markup

Saída de firmas do mercado

Maur e Mondiale (1998)

Ciclos econômicos

Fortalecer acordos tácitos

Motivos para dumping

Motivos para aplicação de AD

Padrões de incidência AD

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3.2. Tendências mundiais e no Brasil no uso de medidas antidumping

3.2.1. Fluxo de medidas antidumping

O uso de medidas antidumping como forma de proteção comercial apresentou um

crescimento rápido em todo o mundo até o início dos anos 2000. A partir de então, houve uma

redução no uso dessas medidas, embora com pequena reversão após a crise de 2008, como

aponta a Figura 3.1, que mostra o número de processos AD iniciados no Brasil e no mundo

desde 1979.29 Na contramão dessa tendência mundial, nesse século o Brasil intensificou o uso

de ações antidumping como forma de política comercial.

Figura 3.1 – Número de processos antidumping iniciados

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

A Tabela 3.2 mostra essa evolução mais detalhadamente. O pico da participação

brasileira em termos de número de processos antidumping iniciados ocorreu em 2013 (54 novos

processos), e em termos de proporção do total mundial esse pico ocorreu no ano anterior: 23%,

ou quase um quarto de todos os processos iniciados no mundo. Esses valores não refletem anos

idiossincráticos. Comparando-se o período 2006-2015 com os dez anos anteriores, a

participação do Brasil nos processos antidumping iniciados no mundo passa de expressivos 4%

para surpreendentes 12,8%.

29 Os dados são da Global Antidumping Database, mantida pelo Banco Mundial. Eles foram acessados em abril

de 2018 via http://econ.worldbank.org/ttbd/gad/. Veja Bown (2015) para uma discussão detalhada da base de

dados.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

Total Brasil

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Tabela 3.2 – Número e proporção do total de processos antidumping iniciados, países

selecionados

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Outros países emergentes também são usuários ativos de medidas antidumping, como

mostram a Tabela 3.2 e a Figura 3.2. Por exemplo, a Índia é responsável por cerca de 15% de

todos os processos iniciados no mundo no período. A Argentina, parceira no Mercosul, também

é usuária ativa. Entretanto, não apresentou tendência de crescimento nas duas últimas décadas.

De fato, mesmo se adicionarmos à Argentina outros países similares ao Brasil, como México e

Indonésia, os três representariam juntos 11,8% do total de processos iniciados entre 2006-2015,

número inferior aos 12,8% brasileiros.

Ressalta-se que reportamos dados até 2015 por esse ser o último ano para o qual as

informações para todos os países na Global Antidumping Database estão disponíveis. Como o

nosso principal objetivo é analisar o comportamento do Brasil no contexto internacional, é

importante ter acesso aos dados globais. Informações para 2016 já estão consolidadas no

website da OMC, assim como informações preliminares para 2017, embora elas sejam menos

detalhadas que as do Global Antidumping Database. Entretanto, já é possível observar que

Ano1996

20052006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

2006

2015

111 12 13 23 9 38 16 47 54 35 23 270

4.0% 5.8% 8.0% 10.0% 4.1% 21.6% 10.1% 23.0% 18.8% 14.6% 10.0% 12.8%

8 5 1 12 8 1 9 1 0 7 1 45

0.3% 2.4% 0.6% 5.2% 3.7% 0.6% 5.7% 0.5% 0.0% 2.9% 0.4% 2.1%

408 30 44 54 32 41 19 21 29 38 30 338

14.8% 14.5% 27.2% 23.5% 14.6% 23.3% 11.9% 10.3% 10.1% 15.8% 13.0% 16.0%

136 10 4 14 17 8 5 9 11 7 11 96

4.9% 4.8% 2.5% 6.1% 7.8% 4.5% 3.1% 4.4% 3.8% 2.9% 4.8% 4.5%

190 4 6 3 2 0 4 1 10 2 0 32

6.9% 1.9% 3.7% 1.3% 0.9% 0.0% 2.5% 0.5% 3.5% 0.8% 0.0% 1.5%

153 10 7 19 28 14 7 12 19 6 6 128

5.6% 4.8% 4.3% 8.3% 12.8% 8.0% 4.4% 5.9% 6.6% 2.5% 2.6% 6.1%

11 1 1 1 1 1 1 1 4 0 2 13

0.4% 0.5% 0.6% 0.4% 0.5% 0.6% 0.6% 0.5% 1.4% 0.0% 0.9% 0.6%

24 14 1 8 3 2 2 1 10 6 5 52

0.9% 6.8% 0.6% 3.5% 1.4% 1.1% 1.3% 0.5% 3.5% 2.5% 2.2% 2.5%

77 6 3 1 2 2 6 4 6 14 9 53

2.8% 2.9% 1.9% 0.4% 0.9% 1.1% 3.8% 2.0% 2.1% 5.8% 3.9% 2.5%

59 5 1 7 7 3 6 7 14 12 6 68

2.1% 2.4% 0.6% 3.0% 3.2% 1.7% 3.8% 3.4% 4.9% 5.0% 2.6% 3.2%

114 8 6 23 6 2 2 14 6 12 16 95

4.1% 3.9% 3.7% 10.0% 2.7% 1.1% 1.3% 6.9% 2.1% 5.0% 7.0% 4.5%

291 35 9 18 14 15 15 13 4 14 12 149

10.6% 16.9% 5.6% 7.8% 6.4% 8.5% 9.4% 6.4% 1.4% 5.8% 5.2% 7.0%

364 8 28 18 20 4 15 11 40 18 43 205

13.2% 3.9% 17.3% 7.8% 9.1% 2.3% 9.4% 5.4% 13.9% 7.5% 18.7% 9.7%

207 240176 159 204 287

Brasil

Rússia

Índia

China

África do Sul

Argentina

Chile

Colômbia

México

Indonésia

Turquia

União

Europeia

EUA

Total 230 219 2302748 2114162

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globalmente não há grandes alterações nesses últimos anos em relação aos anteriores. Por outro

lado, no Brasil houve uma queda expressiva no número de processos iniciados em 2016 e 2017:

11 e 7, respectivamente, que podem ser comparados a 23 novos processos em 2015. Embora

sugiram uma possível reversão na tendência do uso de medidas antidumping, esses números

ilustram um outro padrão no uso dessas medidas no Brasil: a sua alta volatilidade. Em grande

medida, isso reflete o alto grau de discricionariedade do processo decisório de dumping e de

ações compensatórias no país—tema ao qual retornaremos na próxima seção.

Figura 3.2 – Proporção do total de processos antidumping iniciados (países selecionados,

acumulado no período)

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Outra característica que chama atenção sobre o comportamento brasileiro comparado

ao restante do mundo é que o Brasil é um país relativamente muito fechado ao comércio

internacional. Tipicamente, um país mais aberto economicamente, que importa muito, tende a

apresentar mais reclamações de dumping, enquanto um país mais fechado tende a apresentar

um número menor. Não é isso que observamos no caso do Brasil.

Um possível motivo por trás das ações antidumping brasileiras poderia ser o fato do país

ser muito acusado pelo resto do mundo – e faria o mesmo como forma de ‘retaliar’ tais ações.

A Figura 3.3 mostra a evolução dos BRICS na participação, como alvos, de medidas

antidumping. O fato mais saliente na figura é o “efeito China”: enquanto até os anos 1990 a

China representava cerca de 10% do total de acusações, esse número chega a incríveis 38,3%

em 2007 e fica em 30% em 2015. Por outro lado, embora o Brasil seja de fato acusado em um

00%

02%

04%

06%

08%

10%

12%

14%

16%

18%

Argentina Brasil Chile China Colômbia UniãoEuropeia

Índia Rússia EUA

1996-2005 2006-2015

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60

número não trivial de processos, os valores não apresentam tendência de crescimento e são

muito inferiores aos valores análogos do país como iniciador de processos. A Tabela 3.3 mostra

esses números em detalhes para países selecionados.

Figura 3.3 – Participação no total de acusações de dumping recebidas anualmente (BRICS)

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Como visto na discussão da literatura, há outros fatores que tendem a induzir a

intensidade do uso de medidas de defesa comercial de um país. Para deixar essa análise mais

precisa e definir melhor o que representa números “altos” e “baixos”, estimamos um modelo

econométrico simples para explicar o número de casos antidumping iniciados por cada país.

Utilizamos dados entre 1989 e 2016 para todos os 48 países que iniciaram alguma ação AD no

período.30 A equação estimada foi a seguinte:

𝐴𝐷𝑖,𝑡 =𝛽0 +𝛽1𝐴𝐷𝑐𝑖,𝑡−1 +𝛽2𝑀𝑖,𝑡 +𝛽3𝑋𝑖,𝑡 +𝛽4𝐺𝐷𝑃𝑖,𝑡 +𝛽5𝐸𝑚𝑖,𝑡 +𝛽6𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 +

𝛽7𝐸𝑚 ∗ 𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 + 𝛿𝑌𝑒𝑎𝑟𝑡 ,

onde 𝐴𝐷𝑖,𝑡 indica o número de casos antidumping iniciados pelo país 𝑖 no ano 𝑡; 𝐴𝐷𝑐𝑖,𝑡−1 é o

número de acusações antidumping iniciadas contra o país 𝑖 no ano 𝑡 – essa variável é usada

como controle para possíveis formas de retaliação, como indicado na revisão de literatura; 𝑀𝑖,𝑡,

30 Os dados de medidas antidumping até 2015 são da Global Antidumping Database. Como a GAD ainda não

consolidou os dados de 2016, para aquele ano usamos os dados da OMC.

00%

05%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

Brasil

China

Índia

Rússia

África do Sul

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61

𝑋𝑖,𝑡 e 𝐺𝐷𝑃𝑖,𝑡 são as importações, exportações e PIB do país 𝑖 no ano 𝑡, respectivamente31 –

essas variáveis são utilizadas porque, tudo o mais constante, o tamanho da economia e uma

maior inserção no comércio internacional geram um maior escopo para atividades de defesa

comercial; 𝐸𝑚𝑖,𝑡 e 𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 são dummies indicando se o país é considerado emergente32 ou faz

parte do grupo de usuários tradicionais de antidumping33, respectivamente; e 𝑌𝑒𝑎𝑟𝑡 são

dummies de efeito fixo para cada ano, utilizadas para capturar efeitos dos ciclos econômicos

mundiais.

Tabela 3.3 – Número e proporção do total de acusações de dumping recebidas anualmente

(países selecionados)

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

31 Os dados de importação e exportação são da base WITS (World Integrated Trade Solution). Já os dados de PIB

são do Banco Mundial. 32 De acordo com a classificação dada pelo FMI em seu relatório World Economic Outlook, de outubro de 2017,

disponível em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2017/09/19/world-economic-outlook-october-

2017. 33 Esses foram os primeiros países a adotarem uma legislação antidumping e utilizar tais medidas: Canadá,

Austrália, África do Sul, EUA, Japão, França, Nova Zelândia e Reino Unido.

Ano1996

20052006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

2006

2015

76 7 2 4 11 3 3 2 6 0 7 45

2.8% 3.4% 1.2% 1.7% 5.0% 1.7% 1.9% 1.0% 2.1% 0.0% 3.0% 2.1%

96 4 6 2 4 2 3 3 5 4 7 40

3.5% 1.9% 3.7% 0.9% 1.8% 1.1% 1.9% 1.5% 1.7% 1.7% 3.0% 1.9%

123 6 4 7 7 4 7 10 11 15 13 84

4.5% 2.9% 2.5% 3.0% 3.2% 2.3% 4.4% 4.9% 3.8% 6.3% 5.7% 4.0%

460 75 62 79 77 46 48 58 76 66 70 657

16.7% 36.2% 38.3% 34.3% 35.2% 26.1% 30.2% 28.4% 26.5% 27.5% 30.4% 31.1%

53 2 1 3 1 1 1 2 3 2 0 16

1.9% 1.0% 0.6% 1.3% 0.5% 0.6% 0.6% 1.0% 1.0% 0.8% 0.0% 0.8%

23 3 1 2 2 2 1 2 5 1 2 21

0.8% 1.4% 0.6% 0.9% 0.9% 1.1% 0.6% 1.0% 1.7% 0.4% 0.9% 1.0%

22 1 0 1 1 2 0 2 2 0 0 9

0.8% 0.5% 0.0% 0.4% 0.5% 1.1% 0.0% 1.0% 0.7% 0.0% 0.0% 0.4%

7 0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 2

0.3% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.0% 0.7% 0.0% 0.0% 0.1%

35 2 1 2 5 5 3 3 6 3 6 36

1.3% 1.0% 0.6% 0.9% 2.3% 2.8% 1.9% 1.5% 2.1% 1.3% 2.6% 1.7%

117 8 5 11 10 4 5 6 7 5 6 67

4.3% 3.9% 3.1% 4.8% 4.6% 2.3% 3.1% 2.9% 2.4% 2.1% 2.6% 3.2%

35 2 3 4 3 4 4 5 5 8 6 44

1.3% 1.0% 1.9% 1.7% 1.4% 2.3% 2.5% 2.5% 1.7% 3.3% 2.6% 2.1%

62 10 10 22 18 28 17 16 39 25 26 211

2.3% 4.8% 6.2% 9.6% 8.2% 15.9% 10.7% 7.8% 13.6% 10.4% 11.3% 10.0%

146 12 7 8 14 19 10 9 13 11 5 108

5.3% 5.8% 4.3% 3.5% 6.4% 10.8% 6.3% 4.4% 4.5% 4.6% 2.2% 5.1%

Brasil

Rússia

Índia

China

África do Sul

Argentina

Chile

Colômbia

México

2748

Indonésia

Turquia

União

Europeia

EUA

Total 219230162207 2114230159 204 287 240176

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A partir das estimativas da regressão, podemos calcular o número previsto de ações

antidumping iniciadas por cada país a cada ano, segundo as características observadas do país

naquele ano.34 A partir daí, podemos comparar a previsão com o valor observado. Usando esse

método, na Figura 3.4 mostramos a diferença percentual entre o valor observado de

investigações antidumping iniciadas pelo Brasil e o valor previsto pelo modelo. A partir de

2006, fica evidente que o Brasil passa a iniciar processos antidumping com intensidade

drasticamente superior ao que seria esperado segundo as características da sua economia – em

2012 e 2013 o “excesso” de processos iniciados é estimado em mais de 600% do valor previsto!

Além disso, observa-se que mesmo antes de 2006 o país já utilizava esse meio de defesa

comercial de modo muito mais ativo que as suas características econômicas preveem. Em 2016

e 2017, o Brasil passa a iniciar processos de modo mais compatível com as suas

características.35

Figura 3.4 – Diferença percentual entre processos antidumping iniciados e previstos, Brasil

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database, OMC, FMI e Banco

Mundial

Para contextualizar o que as diferenças observadas na Figura 3.4 representam, na Figura

3.5 nós mostramos, para cada país da amostra (alguns deles indicados pelas suas bandeiras), os

34 O resultado da estimação, implementada via mínimos quadrados ordinários, está reportado no apêndice deste

documento. Como pode ser visto na Tabela A1, de modo geral os coeficientes das variáveis críticas têm o sinal

esperado, de acordo com o indicado pela literatura. 35 Como ainda não há dados de processos antidumping iniciados para todos os países em 2017, para aquele ano

fizemos uma “previsão fora da amostra”, utilizando os coeficientes estimados na análise econométrica.

-200%

-100%

0%

100%

200%

300%

400%

500%

600%

700%

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63

valores acumulados do número de ações antidumping efetivamente iniciadas e previstas pelo

modelo para todos os 28 anos da amostra. A linha vermelha reflete a curva de 45 graus. Países

como África do Sul e Rússia estão muito próximos dela, indicando que o modelo prevê

acuradamente seus níveis de atividade antidumping. Pontos abaixo/à direita da linha indicam

países que iniciaram mais processos AD do que o modelo prevê. Pontos acima/à esquerda da

linha indicam países que iniciaram menos processos AD do que o modelo prevê.

Figura 3.5 – Número de processos AD iniciados e previstos pelo modelo; total acumulado

entre 1989-2016

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database, FMI e Banco Mundial

O Brasil se posiciona em uma região abaixo da linha de 45 graus e bastante distante da

mesma. Ou seja, faz parte do grupo de países que iniciam muito mais processos antidumping

do que previsto pelo modelo: enquanto o valor previsto de processos iniciados para o Brasil é

226, o valor observado é 466, ou 106% a mais que o valor previsto. Alguns países que

acompanham o Brasil nessa direção são a Índia e a Argentina. Por outro lado, países como

Japão, Nova Zelândia e China usam medidas antidumping numa intensidade menor do que o

modelo prevê. Ressalta-se que, por construção, o valor estimado do modelo é superestimado.

Isso ocorre porque utilizamos apenas dados dos 48 países que utilizam medidas antidumping.

Há ao menos cerca de 150 outros países que nunca utilizaram esse instrumento de política

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64

comercial. Se esses países fossem incluídos na análise, a diferença entre os valores previstos e

observados para o Brasil aumentaria ainda mais.

Portanto, quando olhamos para o volume de casos de antidumping iniciados, o Brasil

apresenta um padrão muito específico e, dado os custos econômicos dessas medidas apontados

anteriormente, alarmante. Historicamente, o uso de medidas antidumping pelo país é

incompatível com o seu nível de abertura comercial, apresenta tendência de crescimento na

última década oposta à mundial, e também não é compatível com o número de medidas

antidumping que as firmas brasileiras sofrem no resto do mundo.

3.2.2. Estoque de medidas antidumping

As estatísticas apresentadas até aqui se referem ao fluxo de novos processos iniciados

ao longo dos anos. Elas não nos fornecem, entretanto, noções sobre o estoque de medidas

antidumping em vigor em cada ano. É possível, por exemplo, que um processo antidumping

seja iniciado, mas ultimamente nenhuma medida seja imposta. É possível, também, que uma

dada medida antidumping aplicada permaneça em vigor por muitos anos – ou não. É, portanto,

importante levar em consideração essas variações.

Ao contrário do fluxo de processos iniciados, o estoque de medidas antidumping em

vigor apresentou crescimento acentuado nas últimas décadas. Os países do BRICS contribuem

com parcela crescente nesse crescimento, principalmente a partir dos anos 2000 (Figura 3.6).

Novamente, observa-se um aumento significativo no Brasil.

Quando olhamos para o estoque de medidas por país acusado, também observamos

padrões parecidos com os do fluxo, porém mais acentuados. Por exemplo, a China é o grande

destaque em termos de importância no estoque de acusações de dumping, proporção que tem

aumentado rapidamente desde 1993 (Figura 3.7).

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65

Figura 3.6 – Estoque de medidas antidumping em vigor por país proponente

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Figura 3.7 - Estoque de medidas antidumping em vigor por país acusado

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Quando nos atentamos ao estoque de medidas aplicadas e sofridas pelo Brasil, o cenário

de uso excessivo da política fica ainda mais evidente. Não apenas o país passou a ser um usuário

líquido de ações antidumping (acusando mais do que sendo acusado), como sua participação

no estoque total de processos em vigor tem aumentado muito nos últimos anos – tendência

oposta à participação no total de ações sofridas. Atualmente, mais de 10% de todas as ações

antidumping em vigor foram propostas pelo Brasil, ao passo que o país é alvo em menos de 2%

desse total (Figura 3.8).

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800ja

n-7

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Outros BRICS (outros) China Brasil EUA União Europeia

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set-

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0

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95

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v-0

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jul-

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set-

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no

v-1

1

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mar

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mai

-15

Outros BRICS ex China China Brasil EUA União Europeia

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Figura 3.8 – Estoque absoluto e relativo de medidas antidumping aplicadas e sofridas pelo

Brasil

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

3.2.3. Taxa de sucesso, duração do processo e tipos de medidas

Apesar do fluxo de processos iniciados e do estoque de processos em vigor fornecerem

uma boa perspectiva do cenário antidumping global, outros dados permitem uma visão mais

detalhada sobre o tema. Por exemplo, a taxa de sucesso dos pedidos de medidas antidumping

ao longo dos anos. No início dos anos 1980, era relativamente difícil para um processo

antidumping se transformar em sanção comercial. Contudo, embora leve, há uma tendência de

crescimento na taxa de sucesso agregada no mundo, que teve o seu pico em 2012 (73,5%) e

ficou em 58% em 2014 (Figura 3.9).

A taxa de sucesso dos casos antidumping propostos pelo Brasil tem flutuado ao redor

da média mundial, se aproximando bastante dela nos últimos anos. Portanto, o intenso uso de

acusações antidumping pelo país não é atenuado por uma eventual menor taxa de sucesso em

seus pedidos. Isso faz com que o Brasil seja, de fato, um agente relevante no cenário mundial

quando se trata de imposição de medidas antidumping.

0%

2%

4%

6%

8%

10%

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180Ações aplicdas Ações sofridas Ações aplicdas (%, dir.) Ações sofridas (%, dir.)

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Figura 3.9 – Taxa de sucesso dos processos antidumping

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

É interessante olhar também para o número de dias que os processos antidumping levam

entre suas etapas de aprovação. Tipicamente, há três processos decisórios preliminares e três

definitivos: a decisão sobre dumping (que consiste na análise acerca de preços e custos), sobre

danos (que determina se aquela precificação causou algum dano à economia doméstica), e sobre

a medida a ser imposta. O número de dias necessários até a adoção de alguma medida – seja

ela preliminar ou definitiva – muda relativamente pouco durante o período analisado (Figura

3.10). Na primeira metade do período (de 1980 a 1996), os processos demoravam em média

375 dias para que uma medida preliminar fosse imposta. De 1997 a 2014, essa média avançou

para 403 dias.

De forma similar, a média de tempo para imposição da medida final aumentou de 578

dias na primeira metade do período analisado para 608 na segunda metade. Ou seja, os

processos antidumping que chegam à fase final levam quase dois anos para serem decididos.

Tal morosidade na fase de investigação abre possibilidades como as descritas na revisão de

literatura, como saída de firmas e redução do fluxo de comércio entre os países envolvidos no

processo, uma vez que muitos dos efeitos indiretos das medidas antidumping ocorrem ainda na

fase de investigação.

00%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Total Brasil

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Figura 3.10 – Tempo médio (dias) para decisão sobre ação antidumping

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

Quando se coloca o Brasil em perspectiva, o cenário é novamente negativo. O país

demora, em geral, mais tempo que a média mundial para tomar uma decisão final. De 2000 até

2014, o tempo médio para a decisão final de dumping no Brasil só foi inferior à média mundial

em três dos quinze anos (2004, 2005 e 2014). Novamente, tal morosidade no processo permite

alguns dos efeitos negativos indiretos das investigações antidumping apontados na revisão de

literatura, amplificando as distorções causadas no país pelo uso excessivo de medidas

antidumping.

Outro padrão interessante que tem se desenvolvido ao longo do tempo é quanto ao tipo

de sanção comercial adotada nos processos antidumping. Há cinco tipos de medidas usualmente

adotadas:

1. Tarifa ad valorem – percentual a ser cobrado sobre o valor das exportações do país

acusado, de forma a neutralizar os ganhos auferidos previamente pela suposta precificação

desleal;

2. Tarifa específica – uma quantia fixa por unidade do produto;

3. Tarifa condicional ao preço – uma tarifa ad valorem é cobrada apenas se as firmas do

país acusado cobrarem preços abaixo de um determinado nível;

4. Compromisso de preços – as firmas do país acusado são obrigadas a cobrar um preço

mínimo nas exportações, mas sem a aplicação de tarifas sobre esse preço;

0

100

200

300

400

500

600

700

800Decisão final - Total Decisão preliminar - Total Decisão final - Brasil

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5. Acordo de suspensão – as firmas do país acusado concordam em ajustar o preço cobrado

em troca do fim das investigações; após o acordo, há ainda certo monitoramento por parte da

autoridade para verificar se o mesmo está sendo respeitado.

No início dos anos 1980, quase todas as medidas finais implementadas eram tarifas ad

valorem sobre os produtos em questão. Entretanto, a relevância dessa medida tem sido reduzida

ao longo dos anos, chegando a apenas 68,2% em 2014. As tarifas ad valorem deram lugar a

medidas específicas e a tarifas condicionais ao preço cobrado (Figura 3.11). O Brasil apresenta

um cenário extremo dessa tendência. Até 2001, praticamente todas as medidas finais impostas

pelo país eram também ad valorem. De 2002 para frente, o cenário se inverteu totalmente e

quase todas as medidas aplicadas pelo Brasil passaram a ser específicas (Figura 3.12).

Figura 3.11 – Tipos de medidas antidumping finais impostas

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

O principal problema de uma tarifa específica é que, se o preço cobrado pelo exportador

(líquido da tarifa) cair após a introdução da medida, a mesma eleva-se em termos percentuais.

Mas esse é exatamente o padrão que se espera – isto é, que o pass-through da tarifa para o preço

ao consumidor não seja completo. A consequência é que, ao observarmos o percentual

equivalente quando o Brasil decide aplicar uma medida antidumping, estamos efetivamente

subestimando sua real dimensão.

0%

10%

20%

30%

40%

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90%

100%

Ad valorem Específico Condicional ao preço

Compromisso de preço Acordo de suspensão Outros

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70

Figura 3.12 – Tipos de medidas antidumping finais impostas pelo Brasil

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database.

3.2.4. Índices de número e valor das medidas antidumping

Embora simples, o número absoluto de processos antidumping iniciados por um país

pode não refletir precisamente a relevância daquelas medidas para o seu comércio internacional.

Uma estatística mais precisa para mostrar a extensão com a qual o país se protege via barreiras

antidumping é a proporção de produtos importados afetados por tais medidas. Para computá-la,

é necessário saber, para cada ano, quantos produtos um país importa/exporta e, desse total,

quantos são afetados por medidas antidumping (Bown, 2011). Esse índice, que vai de 0 a 1, é

dado por

𝑃𝐴𝐷𝑡𝑘 ≡

∑ 𝑏𝑖,𝑡𝑘 𝑚𝑖,𝑡

𝑘𝑙𝑡𝑘

∑ 𝑚𝑖,𝑡𝑘

𝑙𝑡𝑘

,

em que 𝑙𝑡𝑘 é o conjunto de todos os códigos HS de 6 dígitos cujos produtos apresentam

importações positivas pelo país 𝑘 no ano 𝑡; 𝑚𝑖,𝑡𝑘 vale 1 se o país 𝑘 importou algum valor positivo

do produto 𝑖 no ano 𝑡; 𝑏𝑖,𝑡𝑘 vale 1 se o país 𝑘 aplicou alguma medida antidumping sobre o

produto 𝑖 no ano 𝑡 (no caso do índice de estoque) ou se o país 𝑘 iniciou alguma investigação

antidumping sobre aquele produto no ano 𝑡 (no caso do índice de fluxo). Em suma, o índice

𝑃𝐴𝐷𝑡𝑘 mostra a proporção dos produtos importados pelo país k no ano t que sofrem alguma

0%

10%

20%

30%

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20

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20

14

Ad valorem Específico Condicional ao preço

Compromisso de preço Acordo de suspensão Outros

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71

nova investigação ou são afetados por alguma medida antidumping naquele ano.36 Para a

construção desse índice, são necessários dados da base Global Antidumping Database e da UN

Comtrade, disponíveis via World Integrated Trade Solution (WITS).

O Brasil apresenta uma tendência de crescimento tanto no fluxo de investigações

iniciadas quanto no estoque de medidas em vigor (Figura 3.13), especialmente a partir de

2006.37 Contudo, o pico da medida de fluxo ocorre ainda em 2003, quando mais de 1% do

número dos produtos importados pelo país foi alvo de alguma medida. O estoque da quantidade

de produtos afetados por medidas antidumping mostra uma tendência ainda mais clara de

crescimento. Em 2005, 0,84% dos produtos importados pelo Brasil estavam sujeitos a medidas

antidumping. Desde então, esse percentual cresceu em um ritmo monotônico até alcançar o

máximo histórico de 2,39% em 2015.

Figura 3.13 – Índice do número de ações antidumping propostas pelo Brasil: processos

iniciados (fluxo) e medidas em vigor (estoque)

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database e WITS.

36 Note que se soma todos os produtos importados pelo país k, sem discriminar por país de origem. Caso

quiséssemos computar índices diferentes dependendo da origem das importações, faríamos um duplo somatório:

somaríamos, para cada país de origem, os produtos alvos de alguma investigação antidumping. 37 Observe que a medida de fluxo considera todos os casos antidumping investigados, e não apenas aqueles em

que ao final do processo tarifas são aplicadas. Por outro lado, a medida de estoque considera apenas casos em que

as medidas antidumping estão em vigor.

0,0%

0,5%

1,0%

1,5%

2,0%

2,5%

3,0%

0,0%

0,2%

0,4%

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0,8%

1,0%

1,2%

Fluxo (esq.) Estoque (dir.)

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72

A medida 𝑃𝐴𝐷𝑡𝑘 indica a proporção da cesta de produtos importados pelo país que sofre

medidas antidumping, mas não fornece um peso relativo à importância que cada produto tem

para o país. Por exemplo, é possível que certa medida antidumping aplicada sobre um único

produto seja mais relevante, em termos de valor transacionado, que muitas outras aplicadas a

produtos pouco consumidos. Para levar isso em consideração, Bown (2011) propõe uma outra

medida que atribui pesos distintos aos valores importados para cada produto. Esses pesos são

dados pelo valor das importações do produto 𝑖 pelo país 𝑘 no ano 𝑡 caso a ação antidumping

não tivesse sido imposta. Para definir esse valor, Bown assume que as importações dos produtos

que foram afetados por barreiras antidumping teriam crescido à mesma taxa daqueles que não

foram afetados.

Nós baseamo-nos no índice de Bown (2011), mas utilizamos uma metodologia

ligeiramente modificada: não levamos em conta o crescimento contrafactual dos produtos que

sofreram medidas antidumping no período. Ao invés, usamos diretamente o valor das

importações que sofreram medidas antidumping (ou tiveram processos iniciados) no período.

A vantagem da nossa abordagem em relação à de Bown (2011) é que ela não requer hipóteses

a respeito de qual seria o valor das importações contrafactuais de cada produto importado,

sendo, portanto, uma medida mais direta. A desvantagem do nosso índice é que ele tende a

subestimar o impacto total das medidas antidumping (uma vez que as importações

contrafactuais são via de regra maiores que as observadas).

Formalmente, o índice utilizado aqui é definido como

𝑉𝐴𝐷𝑡𝑘 ≡

∑ 𝑏𝑖,𝑡𝑘 𝑣𝑖,𝑡

𝑘𝑙𝑡𝑘

∑ 𝑣𝑖,𝑡𝑘

𝑙𝑡𝑘

,

onde 𝑣𝑖,𝑡𝑘 corresponde ao valor das importações do país 𝑘 referentes ao produto 𝑖 no ano 𝑡, e 𝑙𝑡

𝑘

e 𝑏𝑖,𝑡𝑘 são definidos como antes. Portanto, o índice 𝑉𝐴𝐷𝑡

𝑘 mostra a proporção do valor dos

produtos importados pelo país k no ano t que sofrem alguma nova investigação ou são afetados

por alguma medida antidumping naquele ano. Vale ressaltar que a diferença metodológica entre

o índice aqui calculado e o apresentado por Bown (2011) não causa grandes divergências

práticas, uma vez que a trajetória mostrada nos observados para ambos é bastante similar para

os anos analisados por Bown (2011), diferindo apenas no nível apresentado.

O índice 𝑉𝐴𝐷𝑡𝑘 para o Brasil apresenta uma tendência de crescimento particularmente

alarmante na última década, tanto no fluxo de processos iniciados quanto no estoque de medidas

em vigor (Figura 3.14). Embora o país seja historicamente muito ativo nessa dimensão, houve

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redução significativa no número de medidas iniciadas no início dos anos 2000. Contudo, tal

tendência reverteu-se fortemente a partir de 2006. Naquele ano, cerca de 1,1% do valor das

importações do país foi afetado por medidas antidumping em vigor, e apenas 0,3% daquele

valor foi afetado pelo fluxo de medidas iniciadas. Esses valores alcançaram 4,6% (pico histórico

para essa medida) e 1,3% ao fim de 2015, respectivamente. Ou seja, índices mais que quatro

vezes maiores em apenas nove anos.

Figura 3.14 – Índice do valor de ações antidumping propostas pelo Brasil: processos iniciados

(fluxo) e medidas em vigor (estoque)

Fonte: Elaboração a partir de dados da Global Antidumping Database e WITS

Portanto, a análise dos índices de fluxo de medidas iniciadas e de estoque de medidas

em vigor, tanto para a proporção de produtos afetados quanto para o valor que eles representam,

reforçam a narrativa desenvolvida anteriormente de que o Brasil é um país que usa intensamente

a política antidumping e que, desde 2006, esse uso tornou-se ainda mais intenso. Essa tendência

de crescimento acelerado na última década não é compartilhada por países similares ao Brasil,

como Argentina, China, Índia e África do Sul, e tampouco pelos países desenvolvidos.38

3.2.5. Magnitudes e duração das medidas antidumping

38 Cálculos dos índices PAD e VAD para esses e outros países não foram apresentados para limitar o tamanho do

texto, mas estão disponíveis com os autores.

0,0%

0,5%

1,0%

1,5%

2,0%

2,5%

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0,0%

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1,4%

1,6%

Fluxo (esq.) Estoque (dir.)

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74

As tarifas antidumping trazem dois outros aspectos que as tornam especialmente

danosas. Primeiro, as suas magnitudes tendem a ser muito maiores que as das tarifas MFN de

um país. Segundo, elas tendem a se manter em vigor por vários anos (como a análise anterior

de ‘estoque’ sugere).

Dados sobre magnitudes são esparsos. Um dos motivos é que várias medidas não são

ad valorem, e o cálculo do equivalente em ad valorem exige informações detalhadas sobre

preços. Por esse motivo, não fazemos aqui uma análise comparativa minuciosa, mas vários

estudos anteriores deixam claro que tarifas antidumping usualmente são quase uma ordem de

magnitude superiores aos níveis das tarifas de importação usuais. Para o Brasil, isso também é

verdade. Lembrando que a tarifa MFN média do Brasil é 13,5%, as tarifas ad valorem

antidumping médias aplicadas pelo Brasil em 2013 e 2014 foram, respectivamente, 82,9% e

74,7%, segundo dados da Global Antidumping Database.39 Naturalmente, as tarifas ad valorem

máximas são muito superiores: 638% em 2013 e 213% em 2014. Como o Brasil desde 2012

prioriza tarifas antidumping específicas, esses valores não são amplamente representativos

sobre o nível de restrição às importações criadas pelas suas medidas antidumping. Contudo,

eles deixam claro que esse tipo de medida tende a ser especialmente drástica no sentido de

restringir as importações do país.

Por outro lado, a duração das medidas antidumping, uma vez em vigor, tende a ser longa.

Não é possível trabalhar com os dados mais recentes (da última década) pelo simples fato de

haver “censura” estatística nos dados. Por exemplo, como essas medidas usualmente duram

mais de cinco anos, e muitas vezes mais que dez anos, se considerarmos as medidas iniciadas

em, por exemplo, 2014, observaremos o fim apenas daquelas poucas de duração muito curta. E

verificaremos aquelas que se findam após cinco anos apenas em 2020, e aquelas que duram dez

anos apenas em 2025. Por isso, notamos apenas que medidas antidumping tipicamente

permanecem em vigor por vários anos. Especificamente para o Brasil, historicamente a duração

média das suas tarifas antidumping flutua entre oito e dez anos.

3.2.6. O uso de medidas antidumping no Brasil: sumário

39 A média é calculada a partir das tarifas para cada par processo-firma. É possível que existam tarifas diferentes

para um mesmo processo AD, caso ele impacte mais de uma firma. Portanto, a média não é necessariamente por

processo, mas sim por processo-firma.

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Ao colocarmos todos os dados apresentados até aqui em perspectiva, fica claro como o

Brasil se encaixa no cenário internacional. O país é, e sempre foi, usuário muito ativo de

medidas antidumping como forma de proteção comercial, em nível desproporcional ao seu

tamanho e à penetração de importações em sua economia. Além disso, esse uso intensificou-se

muito na última década. Essa tendência não é observada por países similares ao Brasil e não é

justificada por uma maior abertura comercial do país ou por um aumento de medidas

antidumping contra o país pelo resto do mundo. Com isso, o país é hoje responsável por parcela

altamente desproporcional do fluxo e do estoque de medidas antidumping aplicadas no mundo.

Além disso, temos um processo decisório mais lento que a média mundial, o que aumenta a

possibilidade de efeitos secundários negativos (mencionados na revisão de literatura) serem

mais relevantes aqui que no restante do mundo. E uma vez em vigor, as medidas antidumping

têm magnitudes em média muito superiores às tarifas MFN e tendem a permanecer em vigor

por quase uma década. Por fim, há também grande variação ano-a-ano no número de ações

antidumping. Isso certamente não é reflexo de grande volatilidade nas políticas de preços das

firmas exportadoras estrangeiras, mas reflete principalmente a discricionariedade permitida

pelo processo decisório brasileiro.

As evidências, portanto, apontam para a necessidade de revisão do uso dessa política

pelo governo brasileiro, readequando o processo decisório de forma a deixar mais restrita e

objetiva a aplicação de medidas antidumping.

3.3. O processo decisório das medidas antidumping: Brasil e EUA

Desde a assinatura do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) em 1947, o

sistema multilateral de comércio possui diretrizes formais que balizam as definições de

dumping e as sanções para combatê-lo no comércio internacional. Com pequenos ajustes nos

critérios para determinação de “preços justos e comparáveis” e nos padrões pelos quais o

processo deve ser conduzido, tais diretrizes foram incorporadas pela OMC em sua criação em

1995.

As regras do GATT/OMC basearam-se no Antidumping Act norte-americano, de 1921.

Embora a legislação antidumping dos EUA tenha sofrido alterações desde então, ela pauta os

padrões internacionais vigentes até hoje, afetando não apenas as regras da OMC como também

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a legislação antidumping de muitos outros países.40 Por esse motivo, explicamos inicialmente

como funciona o processo decisório nos EUA, para em seguida explicar o processo no Brasil.

A partir daí, apontamos as semelhanças e diferenças entre eles, e sugerimos propostas

específicas para aprimorar o processo decisório brasileiro.

3.3.1. O processo nos EUA

O procedimento para petição, investigação e aplicação de medidas antidumping nos

EUA está a cargo de dois órgãos, que dividem as responsabilidades ao longo do processo: o

United States International Trade Commission (USITC), que é responsável pelas análises de

danos causados pela prática de dumping; e o United States Department of Commerce (USDC),

que identifica se houve ou não prática de dumping. O USDC está sob a égide direta do

Executivo norte-americano. Em contraste, o USITC foi criado com o intuito de ser um órgão

independente de influências políticas. Os seis integrantes da sua diretoria são indicados pelo

presidente da república, mas não pode haver quatro ou mais integrantes do mesmo partido

político. Além disso, seus mandatos são escalonados e não podem ultrapassar seis anos

(Dobson, 1976).

Conforme detalha o USTIC (2015), um pedido de investigação antidumping norte-

americano passa por cinco etapas:

1. Fase inicial de investigação pelo DC;

2. Fase preliminar de investigação pelo ITC;

3. Fase preliminar de investigação pelo DC;

4. Fase final de investigação pelo DC;

5. Fase final de investigação pelo ITC.

As fases 1 e 2 podem durar até 20 e 45 dias, respectivamente, após a petição inicial de uma

firma ou indústria que se sentiu prejudicada. A fase 3 pode se estender por até 115 dias após o

término da fase 2, enquanto a fase 4 pode durar até 75 dias após a fase 3. Por fim, a última etapa

pode durar até 120 dias após a fase 3 ou 45 dias após a fase 4 – o que levar mais tempo.

Esse processo está representado esquematicamente na Figura 3.15. Na fase inicial do

processo (que culmina na decisão representada pelo primeiro losango da figura), o DC precisa

40 Ver Lambert, M. (acessado em 31 de janeiro de 2018), “The History of Anti-Dumping and Countervailing

Duties”, disponível em https://traderiskguaranty.com/trgpeak/history-anti-dumping-countervailing-duties/.

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atestar que o pedido realizado contém informações suficientes para justificar o início da

investigação de dumping. Caso o DC conclua o contrário, o processo pode ser encerrado já

nessa etapa. Em caso afirmativo, o caso segue para o ITC, que determina se há indicativos

razoáveis de que a indústria nacional foi materialmente prejudicada (ou ameaçada) pela

precificação do exportador. Caso conclua o contrário, o processo também pode ser encerrado

nessa fase. Em caso afirmativo, inicia-se a fase de investigação preliminar pelo DC, que

determina se existe base razoável para acreditar ou suspeitar que o produto em questão está

sendo comercializado a preços “menores que os justos”. Se a determinação for positiva, o DC

ordena as empresas importadoras (que se beneficiaram dos preços “abaixo do normal”) a

depositar quantia equivalente à margem de dumping praticada. Se a determinação preliminar

do DC é negativa, essas sanções iniciais não são impostas mas o processo ainda assim continua

e chega à fase final de investigação.

Na última etapa de investigação do DC, é decidido definitivamente se os preços

praticados foram “menores que os justos”. Se ficar comprovado que não, o processo é

indeferido. Caso contrário, prossegue para a última etapa: a investigação final acerca de danos

causados à economia nacional. Nela, o ITC estabelece definitivamente se há prejuízos (ou

ameaças) às firmas domésticas diretamente afetadas. Se ficar determinado que não há, o

processo é encerrado e nenhuma sanção é imposta. Caso contrário, e desde que se conclua que

a introdução de uma medida corretiva não trará prejuízos para a economia como um todo –

incluindo consumidores e outras indústrias que possam ser afetadas indiretamente – os

importadores têm que depositar a diferença entre a margem de dumping estabelecida na fase

preliminar e a estabelecida na fase final.

Após a imposição das medidas antidumping, o processo fica sujeito às chamadas sunset

reviews, termo que se dá às revisões periódicas sobre o caso em questão. Essas revisões ocorrem

em até cinco anos após a decisão final do caso, e podem durar até um ano. Nelas, as partes

envolvidas são contatadas pelo ITC e pelo DC. Os órgãos se baseiam em todos os dados

coletados na investigação anterior e, com informações atualizadas, determinam se houve

novamente precificação abaixo dos valores justos (revisão feita pelo DC) ou quaisquer danos

materiais à indústria doméstica (feita pelo ITC). Se ficar comprovado que o dumping permanece

existindo ou que é muito provável que se repita em um futuro próximo, e que continuaria a

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causar dano, as sanções são estendidas por um período maior. Caso contrário, o processo é

encerrado.41

41 Na União Europeia, o processo decisório de ações antidumping assemelha-se ao americano em vários aspectos,

mas há diferenças. Uma delas é que a Comissão Europeia, que é subordinada ao poder executivo da União

Europeia, centraliza toda a investigação. Por outro lado, a Comissão é formada por integrantes de todos os 28

países membros, e a efetivação dos representantes precisa ser aprovada por todos os membros. Outros detalhes do

processo europeu podem ser encontrados em https://ec.europa.eu/info/about-european-

commission/organisational-structure/political-leadership_en#how-the-commission-is-appointed.

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Figura 3.15 – Processo de análise de dumping e medidas antidumping nos EUA

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3.3.2. O processo no Brasil

A legislação antidumping brasileira é muito mais recente que a norte-americana,

datando de janeiro de 1987. Assim como aquela, a legislação brasileira passou por algumas

modificações desde a sua criação (Goldbaum e Pedrozo, 2017, discutem essas mudanças em

detalhe). A alteração mais recente ocorreu com o decreto nº 8.058 de 26 de julho de 2013, que

teve o objetivo formal de promover melhorias sobre a legislação vigente até então. Essa é a lei

que atualmente regulamenta os procedimentos administrativos relativos à investigação de

dumping e à aplicação de medidas antidumping no Brasil.42

O processo envolve o DECOM (Departamento de Defesa Comercial), órgão

subordinado ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) via SECEX

(Secretaria de Comércio Exterior), e a CAMEX (Câmara de Comércio Exterior), representada

por um conselho de Ministros.43 O DECOM é responsável pelas análises de dumping e de danos

causados, enquanto a CAMEX, com base nas recomendações contidas no parecer do DECOM,

decide sobre a aplicação ou não das medidas sugeridas pelo DECOM.

O processo é parecido com o dos EUA em muitos aspectos, mas difere em alguns pontos

críticos. De maneira simplificada, o processo de análise de dumping no Brasil segue as

seguintes etapas:

1. Investigação inicial do pedido;

2. Investigação preliminar do pedido;

3. Investigação final do pedido.

Esse processo está representado esquematicamente na Figura 3.16. Analogamente ao

processo americano, na fase inicial (que culmina na decisão representada pelo primeiro losango

da figura) a SECEX atesta se o pedido realizado contém informações suficientes para justificar

o início da investigação de dumping. Isso ocorre em até 30 dias. Já nessa fase o processo pode

ser encerrado, caso ele esteja incompleto ou não seja suficientemente relevante. Caso aprovado,

inicia-se a fase de investigação, que pode durar até dez meses (prorrogáveis por mais seis

42 Decreto nº 8.056, de 26 de julho de 2013. Acessado em 07 de março de 2018. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8058.htm. 43 Especificamente, o conselho da CAMEX é composto por sete ministros (Casa Civil, MDIC, Relações

Exteriores, Fazenda, Transportes, Agricultura, Planejamento), além do Chefe da Secretaria Geral da Presidência

da República. Eles se reúnem no mínimo uma vez a cada dois meses, e nessas reuniões tomam as decisões finais

da CAMEX, para todos os âmbitos em que ela atua – incluindo ações antidumping.

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meses) e é toda realizada pelo DECOM – órgão responsável pela recomendação técnica à

CAMEX.

A investigação é, como nos EUA, dividida em duas etapas: preliminar e definitiva.

Contudo, no Brasil as análises de preços e de danos causados são feitas pelo mesmo órgão,

enquanto nos EUA essas tarefas são divididas entre o USDC e o USITC. O DECOM recolhe

informações das partes interessadas e, até quatro meses após o início da investigação, publica

um parecer provisório acerca do processo, definindo se houve ou não prática de dumping, se

houve ou não prejuízos à indústria doméstica e, em caso positivo para os dois eventos, o nexo

causal entre eles.

Se o DECOM concluir, nessa fase preliminar, que não houve prejuízos ou causalidade

entre o dumping e os prejuízos, o processo é encerrado – uma conclusão preliminar negativa

apenas quanto à precificação predatória não é suficiente para o encerramento, assim como nos

EUA. Entretanto, se a conclusão aponta para a caracterização de dumping, de prejuízos à

indústria e de nexo entre tais eventos, e se a CAMEX corrobora com essa avaliação, a SECEX

publica a decisão preliminar e as medidas são aplicadas. Tipicamente, a sanção preliminar é

uma tarifa ad valorem equivalente para anular a margem de dumping, e pode durar por até seis

meses, quando a margem de dumping é totalmente exaurida, ou nove meses caso contrário.

Após a fase inicial de investigação, o DECOM inicia a fase final. Como o processo de

investigação não pode durar mais que dez meses no total, a duração da etapa final fica restrita

à diferença entre os dez meses totais e os (no máximo) quatro meses da etapa preliminar. Nela,

o DECOM realiza outro parecer, dessa vez definitivo, sobre o mérito do processo e sobre as

ações cabíveis. O conselho de ministros da CAMEX decide então se segue ou não a

recomendação do DECOM. Se o processo é deferido, a SECEX publica a decisão e as medidas

são implementadas. Caso contrário, o processo é encerrado.

A legislação brasileira prevê a possibilidade de que o processo seja encerrado antes do

fim caso as partes envolvidas entrem em um acordo. Além disso, há a possibilidade de aplicação

de medidas específicas (isto é, um valor fixo por unidade do produto), diferentemente dos EUA,

onde a punição é sempre uma tarifa ad valorem. O processo de revisões é parecido com o dos

EUA. As revisões são facultativas e respeitam os mesmos prazos e fluxos do processo original.

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Figura 3.16 – Processo de análise de dumping e medidas antidumping no Brasil

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3.3.3. Comparação entre os processos brasileiro e americano

À primeira vista, os processos americanos e brasileiros podem parecer muito similares:

ambos são divididos em duas grandes fases – preliminar e final – e estabelecem prazos

específicos para cada etapa. Há, porém, pelo menos três diferenças importantes entre eles.

A primeira diferença é que no processo formal de análise de danos (e na subsequente

aplicação de medidas antidumping) nos EUA são levadas em consideração os efeitos

econômicos de curto e longo prazo de tais medidas – não apenas aqueles relativos à indústria

em questão, mas também para as demais indústrias do país, para os consumidores, e para o nível

de competição no país. Isso constitui uma abordagem muito mais ampla que a simples análise

de danos materiais que ocorre no Brasil, onde avalia-se apenas se a indústria teve queda nos

lucros ou se ocorreu redução no nível de atividade e emprego setorial.

Para ilustrar a relevância das análises de bem-estar no processo dos EUA, vale destacar

alguns trechos do Trade Act de 1974, documento que pauta o processo de medidas antidumping

no país (ênfase em negrito adicionada):

Seção 202 (f):

“The Commission shall include in the report required under paragraph (1) the following:

(i) the short and long-term effects that implementation of the action recommended under

subsection (e) is likely to have on the petitioning domestic industry, on other domestic

industries, and on consumers, and

(ii) the short and long-term effects of not taking the recommended action on the petitioning

domestic industry, its workers and the communities where production facilities of such

industry are located, and on other domestic industries.”

Seção 203 (a):

“In determining what action to take under paragraph (1), the President shall take into account:

(F) other factors related to the national economic interest of the United States, including, but

not limited to:

(i) the economic and social costs which would be incurred by taxpayers, communities, and

workers if import relief were not provided under this chapter,

(ii) the effect of the implementation of actions under this section on consumers and on

competition in domestic markets for articles (...)"

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A segunda diferença crucial entre os processos decisórios nos dois países refere-se ao

enquadramento administrativo do órgão responsável pelas análises de danos. Enquanto o órgão

brasileiro (DECOM) é um braço da SECEX, que é subordinada ao MDIC, o USITC foi criado

como uma agência independente: a equipe de seis integrantes não pode contar com maioria

partidária; o mandato dos integrantes é escalonado e uma possível renovação do mandato não

pode ocorrer caso o integrante tenha permanecido por mais de seis anos no cargo; e o orçamento

do órgão não está sob controle do Executivo, mas do Congresso. Esse arcabouço institucional

tem o propósito de neutralizar (ou, ao menos, limitar) as pressões políticas no processo de

análise de bem-estar sobre as decisões acerca das ações antidumping. Isso é essencial em função

dos vários interesses envolvidos e dos problemas relativos à subjetividade da caracterização de

danos e prejuízos.

A terceira diferença importante entre os processos americano e brasileiro é a divisão de

tarefas durante a fase de investigação. Enquanto nos EUA a determinação de dumping é

investigada pelo USDC e a de danos pelo USITC, no Brasil toda a investigação fica a cargo do

DECOM.44 Isso faz com que, no Brasil, as subjetividades às quais o processo está sujeito e o

poder decisório final fiquem concentrados em um só grupo. Observa-se que a literatura

acadêmica aponta que a decisão sobre a existência de dumping – isto é, se o preço cobrado é

“justo”, ou inferior aos custos de produção – é um exercício mais contábil que econômico,

enquanto a decisão sobre danos à indústria do país e sobre a desejabilidade de uma medida

antidumping é eminentemente econômica. Isso indica uma divisão natural de

responsabilidades, que poderia ser repartida entre agências distintas, como nos EUA.

3.4. Propostas

As nossas sugestões pautam-se pelo princípio de que as políticas públicas devem, de

forma geral, ter em vista os impactos sobre a economia do país como um todo, e não apenas os

interesses das firmas e indústrias diretamente afetadas pela política. Sob essa perspectiva, a

literatura acadêmica indica uma série de consequências negativas advindas da imposição de

ações antidumping, que se iniciam ainda no processo de investigação. Isso constitui um

problema na medida em que o número e a importância dessas medidas no mundo tornaram-se

44 Estritamente falando, como a Figura 16 indica, as responsabilidades durante a fase de investigação são do

DECOM e da SECEX. A SECEX faz a análise inicial, enquanto os processos decisórios referentes à identificação

de dumping, de prejuízos à indústria doméstica e de nexo entre os eventos estão sob a competência do DECOM.

Contudo, observe que o DECOM é subordinado à SECEX. Portanto, para fins práticos trata-se de um único órgão

tomando todas as decisões relevantes.

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relativamente altos. No caso do Brasil o problema é muito mais sério em função do ativismo

histórico do país nessa área. O país aplicou na última década um número de ações antidumping

absolutamente incompatível com o tamanho e as características da sua economia. E isso não é

um problema recente: apesar do forte aumento da última década, o Brasil usa medidas de defesa

comercial desproporcionalmente à sua economia há várias décadas.

As análises mostram que em parte o excesso de ações antidumping no mundo decorre

de distorções no processo de investigação e de aplicação de medidas antidumping. Grande parte

dessas análises concentra-se no processo decisório norte-americano, pela importância do

mesmo no sistema multilateral de comércio. Contudo, pode-se afirmar que todos os problemas

apontados para os EUA são acentuados no sistema brasileiro. Portanto, uma aproximação do

processo decisório brasileiro ao sistema formal norte-americano já aprimoraria

significativamente o sistema brasileiro. Mudanças nessa direção poderiam ser interpretadas

como um primeiro passo na direção de alterações futuras mais profundas, que busquem tornar

o processo de decisão sobre dumping e sobre medidas corretivas mais eficazes em seu objetivo

de servir o interesse nacional – algo que, como a literatura indica, não tem ocorrido.

Para tanto, sugerimos especificamente as seguintes mudanças:

(i) OBJETIVOS DO PROCESSO DECISÓRIO: Inclusão formal, no processo de análise

de danos, de critérios que incorporem o impacto de possíveis medidas antidumping

sobre o nível de concorrência no mercado brasileiro; sobre a competitividade de

indústrias que seriam afetadas indiretamente pelas medidas (por exemplo via cadeias de

valor); e sobre o bem-estar dos consumidores.

(ii) ESTRUTURA DO PROCESSO DECISÓRIO: Divisão das análises da avaliação da

prática de dumping, por um lado, e dos danos causados e do elo entre os dois, por outro

lado, entre dois órgãos distintos. O DECOM continuaria investigando a prática de

preços “justos”. Por outro lado, o órgão encarregado da análise de danos sobre a

economia e do elo entre danos e dumping teria autonomia administrativa. Para tanto,

pode ser necessária a criação de uma agência específica para essa atividade, mas seria

possível também adaptar as atribuições de um órgão existente (como o CADE, por

exemplo). As decisões sobre a aplicação ou não das medidas permanecem sob a égide

da CAMEX, que considerará os pareceres do DECOM e do novo órgão em suas

decisões.

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(iii) TRANSPARÊNCIA E ESTUDOS DE IMPACTO: O órgão responsável pela análise de

danos sobre a economia e do elo entre danos e dumping será responsável também por

analisar o impacto das possíveis medidas antidumping na economia. Esses estudos

oferecerão suporte para a decisão da CAMEX segundo os objetivos definidos no ponto

(i). Essa análise, incluindo simulações sobre os potenciais impactos de medidas

antidumping, deverá ser tornada pública pelo órgão responsável.

A proposta (i) é o ponto fundamental da reforma do processo decisório brasileiro.

Entretanto, a operacionalização da mesma seria facilitada pelas propostas (ii) e (iii). A

manutenção de todas as decisões concentradas em um órgão, sendo esse diretamente ligado ao

MDIC, dificultaria a efetiva implementação da proposta (i). Ao contrário, a divisão das

responsabilidades entre duas agências, sendo uma delas formalmente independente do poder

executivo federal, propiciaria as condições mínimas para que prevaleça a objetividade da

análise econômica e para que ela seja mais abrangente. A divulgação pública dos estudos que

norteiam as decisões fortaleceria essa objetividade.45 Essas alterações permitiriam que o

processo decisório descartasse mais prontamente medidas que trazem muitas distorções

indiretas consigo e geram mais custos que benefícios para a economia brasileira. Além disso,

aumentaria o grau de previsibilidade das ações antidumping a medida que limitaria a

discricionariedade do processo decisório.

Apêndice

Resultado da regressão

𝐴𝐷𝑖,𝑡 =𝛽0 +𝛽1𝐴𝐷𝑐𝑖,𝑡−1 +𝛽2𝑀𝑖,𝑡 +𝛽3𝑋𝑖,𝑡 +𝛽4𝐺𝐷𝑃𝑖,𝑡 +𝛽5𝐸𝑚𝑖,𝑡 +𝛽6𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 +

𝛽7𝐸𝑚 ∗ 𝑇𝑟𝑎𝑑𝑖,𝑡 + 𝛿𝑌𝑒𝑎𝑟𝑡 ,

onde a definição de cada variável está indicada no texto.

45 Por exemplo, o USITC divulga todas as publicações relativas às investigações antidumping desde 1995 em

https://www.usitc.gov/trade_remedy/publications/opinions_index.htm. O USITC divulga também outros

relatórios, paralelos às investigações, sobre impactos de medidas de restrição a importações

(https://www.usitc.gov/research_and_analysis/332_commission_publication.htm). Algumas dessas publicações

são periódicas e outras idiossincráticas, feitas por exemplo sob demanda do Congresso.

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Tabela 3.A1: Fatores explicativos do número de medidas antidumping iniciadas por um país

Obs.: Erros-padrão entre parênteses. *, **, *** indicam níveis de significância estatística: 10%, 5% e 1%,

respectivamente. A regressão inclui efeitos fixos para anos.

Fonte: Elaboração através de dados do Global Antidumping Database (medidas AD), WITS (importação e

exportação), Banco Mundial (PIB) e FMI (indicador para países emergentes). O indicador para usuários

tradicionais é 1 para os primeiros países a adotarem uma legislação antidumping e utilizar tais medidas: Canadá,

Austrália, África do Sul, EUA, Japão, França, Nova Zelândia e Reino Unido.

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Número de

pedidos AD

Pedidos AD no ano anterior 0,382***(0,0707)

Importações (US$ bn) -0,0178***(0,00415)

Exportações (US$ bn) -0,000258(0,00543)

PIB (US$ bn) 0,00254***(0,000557)

País emergente 1,298**(0,521)

País tradicional no uso de AD 6,071***(1,330)

Emergente x Tradicional 1.686(2,709)

Observações 1.090

R2 0,256

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91

4. Análise da literatura entre produtividade e abertura comercial

Uma das principais formas pela qual uma abertura comercial pode beneficiar um país é

via seu impacto sobre a produtividade da economia. Por esse motivo, grande parte da literatura

acadêmica recente, teórica e empírica, enfatiza exatamente essa relação. Vários mecanismos

por trás dessa relação são fortemente corroborados por análises empíricas de experiências de

liberalização comercial ao redor do mundo.

Tradicionalmente, os estudos empíricos relacionados ao tema sofriam de problemas de

má-especificação ou da necessidade de usar medidas de abertura comercial “contaminadas” por

efeitos institucionais com impactos independentes sobre produtividade (e crescimento), como

explicitado em Rodrigues e Rodrik (1999). Contudo, com a expansão das bases de dados, maior

acesso a informações em níveis desagregados, e novas teorias que conectam firmas

heterogêneas com comércio internacional, tornou-se possível uma avaliação melhor e mais

precisa do tema. Nosso foco aqui recai exatamente sobre essa literatura recente, que possui

base teórica sólida e em grande medida contornou as dificuldades de medida e de identificação

do efeito causal entre abertura e produtividade. Tipicamente, essa identificação é obtida pela

exploração de variações de políticas plausivelmente exógenas entre indústrias de um mesmo

país.

Para organizar melhor as ideias, apresentamos os estudos que conectam abertura

comercial a produtividade em partes, segundo o seu mecanismo principal:

1) Realocação intra-setorial de recursos;

2) Complementaridade entre inovação e exportação;

3) Difusão de ideias e pressão competitiva;

4) Melhor e maior acesso a insumos básicos e bens de capital;

5) Redução da incerteza sobre política comercial futura;

6) Maior e melhor inserção em cadeias globais de valor.

Abordamos cada um desses tópicos apresentando seu mecanismo teórico básico e seus

principais resultados empíricos. Além disso, fazemos uma revisão dos estudos sobre o processo

de liberalização comercial brasileiro dos anos 1990. Finalmente, concluímos com um breve

sumário onde também indicamos que a ligação entre comércio internacional e produtividade

estende-se a crescimento econômico.

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4.1. Realocação intra-setorial de recursos

O grau de abertura de uma economia afeta a produtividade média intra-setorial da

mesma via alocação de recursos entre firmas. Observe que esse resultado é inteiramente distinto

do argumento clássico, baseado em vantagens comparativas. Esse último (também corroborado

empiricamente) prevê que alguns setores se expandirão e outros se contrairão como

consequência de uma abertura comercial. Mas, além desse processo, há também reorganizações

dentro de cada setor.

A lógica do mecanismo teórico é que uma maior exposição ao comércio internacional

induz as firmas exportadoras a se expandirem no mercado internacional devido às novas

oportunidades de lucro. Além disso, algumas firmas que não participavam do mercado

internacional passam a ter incentivo a incorrer no custo fixo necessário para começar a exportar

(custos associados à pesquisa de mercado, a contato com importadores, etc.). A expansão desses

dois grupos de firmas exerce pressão sobre os fatores de produção no país, elevando seus

preços. Em particular, gera um aumento do salário real na economia. Isso faz com que firmas

que servem exclusivamente o mercado interno se contraiam, e algumas saiam do mercado.

A questão crucial do mecanismo é que as firmas que se expandem são as mais

produtivas, e as que se contraem ou saem do mercado são as menos produtivas do setor.

Sabemos disso porque as firmas não são distribuídas entre exportadoras e não exportadoras de

forma aleatória; ao contrário, essas são decisões que as próprias firmas tomam. E aquelas que

escolhem exportar são as que antecipam um lucro no mercado externo alto o suficiente para

compensar o custo fixo de exportar; ou seja, as mais produtivas. As firmas menos eficientes

sabem que não conseguirão cobrir tal custo e, assim, restringem-se ao mercado doméstico.

No processo há, portanto, uma realocação de recursos dentro de cada setor, das firmas

menos produtivas (que se contraem ou saem do mercado) para as firmas mais produtivas (que

se expandem, aumentando suas participações nos mercados nacional e internacional). A

consequência é um aumento da produtividade média do setor, assim como da indústria como

um todo. Esse processo de ajustamento intra-setorial foi inicialmente elaborado por Melitz

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(2003), e estendido subsequentemente por diversos outros autores.46 Ele pode ser ilustrado pela

figura abaixo.

Figura 4.1 – Efeitos de liberalização comercial sobre produtividade

Fonte: Melitz (2003).

O eixo vertical representa receitas no primeiro gráfico e lucros no segundo. O eixo

horizontal em ambos os casos representa os diferentes níveis de produtividade ao longo dos

quais as firmas estão distribuídas. Especificamente, φa* é o nível a partir do qual as firmas

produzem (tendo lucros positivos) em autarquia; φ* representa o nível a partir do qual as firmas

46 Por exemplo, Demidova e Rodríguez-Clare (2013) desenvolvem o mecanismo de Melitz (2003) examinando

uma abertura unilateral, ao contrário de uma abertura multilateral, como no artigo original, e consideram o impacto

tanto para países grandes quanto para países pequenos. Os resultados permanecem essencialmente inalterados.

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produzem após a abertura comercial; e φx* indica o nível mínimo de produtividade que

determina quais empresas conseguem arcar com os custos fixos de exportar.

Como descrito acima, após uma abertura comercial as firmas menos produtivas (entre

φa* e φ*) deixam o mercado e as moderadamente produtivas (entre φ* e φx

*) operam somente

no mercado interno. Elas obtêm menores lucros que em autarquia em função do salário real

mais alto. Dentre as firmas que exportam (φx* em diante), as menos produtivas veem seus lucros

caírem, porque a maior receita não compensa o maior custo, enquanto as mais produtivas obtêm

lucros mais altos devido à maior exposição da economia ao comércio internacional.

A teoria é não apenas elegante; ela também é amplamente corroborada por análises

empíricas. Por exemplo, segundo Pavcnik (2002), na abertura chilena entre 1979 e 1986, as

firmas que não sobreviveram à abertura comercial eram, em média, 8,1% menos produtivas que

as que continuaram operando. Ela estima que a produtividade agregada da indústria cresceu

19% durante os sete anos analisados. Desses, um terço veio do aumento da produtividade das

firmas (por mecanismos que discutiremos na próxima seção), enquanto dois terços decorreram

da realocação de recursos das firmas menos para as mais produtivas.

Há resultados qualitativamente similares para a Colômbia entre 1977 a 1991, com a

abertura comercial dos anos 1980, que tinha o objetivo de reduzir a dispersão tarifária, elevando

a produtividade tanto a nível das plantas quanto intra-setorialmente. Segundo Fernandes (2007),

cada redução das tarifas de importação de 10% implicou ganhos de produtividade que variaram

entre 0,8 a 1,2% ao nível das plantas. Por outro lado, mais que 2/3 dos ganhos de produtividade

da indústria como um todo vieram de realocações de recursos das firmas menos para as mais

produtivas.

O mesmo processo também é observado como consequência do acordo de livre

comércio entre Canadá e Estados Unidos. Segundo Trefler (2004), para o grupo de indústrias

canadenses mais afetados pelas reduções de tarifas, o impacto sobre a produtividade do trabalho

foi de 15%. Para a indústria como um todo (ambos países juntos), o impacto sobre

produtividade do trabalho do acordo foi de 7,4%.

Ressalta-se que há vários outros estudos que seguem a mesma abordagem e obtêm

resultados similares.

4.2. Complementaridade entre inovação e exportação

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A decisão de inovar depende da comparação entre o lucro esperado da inovação e o seu

custo, incluindo o custo de oportunidade (continuar operando com a mesma tecnologia). A

abertura tende a elevar o lucro potencial da inovação, uma vez que permite o acesso a um maior

mercado consumidor. Assim, pode aumentar o incentivo das firmas em inovar.

Esse mecanismo é especialmente saliente no contexto de acordos comerciais. Uma

redução nos custos variáveis para se exportar para os países parceiros aumenta a receita das

exportações daquelas firmas, tornando viável para determinadas empresas incorrer nos custos

fixos das mesmas. Isso eleva as receitas daquelas firmas e viabiliza a adoção de tecnologias de

ponta, aumentando suas produtividades endogenamente. Naturalmente, esse efeito é distribuído

de forma heterogênea entre as firmas de acordo com suas características.

Bustos (2011) estuda essa possibilidade no contexto da criação do Mercosul. Ela mostra

que o maior acesso ao mercado brasileiro (um mercado amplo em relação ao argentino, e que

reduziu em cerca de 24% as tarifas de importação para produtos argentinos) induziu firmas

argentinas a investir significativamente mais na adoção de novas tecnologias, que elevaram sua

produtividade. Esse efeito ocorreu predominante em firmas de setores onde a redução de tarifas

foi mais significativa, e para firmas com uma produtividade inicial relativamente elevada. Em

particular, o impacto agregado deveu-se em grande medida às inovações lideradas por firmas

que começaram a exportar por causa da abertura do mercado brasileiro.

Lileeva e Trefler (2010) obtêm resultado análogo para firmas canadenses após o acordo

de livre comércio entre EUA e Canadá, que abriu vasto mercado para as firmas canadenses. Os

autores estimam que, para as firmas canadenses que foram induzidas a exportar pelo acordo,

houve um aumento de 15,3% sobre a produtividade, representando um aumento de

produtividade do setor manufatureiro de aproximadamente 3,5%. Em termos agregados, o

acordo fez com que o aumento da produtividade ao nível das firmas contribuísse para uma

elevação de cerca de 5% da produtividade do setor manufatureiro canadense. Por outro lado, a

realocação de recursos entre plantas (expansão das mais produtivas e contração/saída das menos

produtivas) contribuiu para uma elevação de cerca de 8% na produtividade do setor.

O fator chave por trás desses resultados é a complementaridade entre exportação e a

adoção de novas tecnologias. Ambas requerem custos fixos significativos. Para algumas firmas,

só faz sentido econômico incorrer em cada um desses custos se eles ocorrerem conjuntamente.

Isto é, arcar com os custos iniciais para começar a exportar é vantajoso apenas se a firma tem

acesso a tecnologias modernas, que aumentam a lucratividade da inserção externa.

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Analogamente, incorrer nos custos para se adotar tecnologias modernas vale a pena somente se

a firma tem acesso a um mercado amplo (possível via um acordo de comércio, por exemplo),

que aumenta a lucratividade do investimento em novas tecnologias.

4.3. Difusão de ideias e pressão competitiva

De forma mais ampla, inovar é um processo que requer um investimento cujo retorno

não se sabe ao certo, isto é, existe um risco imbuído no processo de inovação. Após a inovação

ser gerada, o seu valor é determinado pelo lucro esperado da mesma ponderado pela

possibilidade, de se difundir para outros países e de não se tornar obsoleta (ou ser copiada).

Esses pontos são analisados por Eaton e Kortum (1999, 2001).

A probabilidade de se difundir para outros países é um fator diretamente conectado com

comércio internacional. De fato, usando cinco países em sua análise (Alemanha, França, Reino

Unido, Japão e Estados Unidos), Eaton e Kortum (1999) encontram que o tamanho das barreiras

impostas à difusão das ideias (podemos pensar parte delas como barreiras comerciais) é

suficiente para explicar a diferença de produtividade entre tais países. Por essa análise

observamos que a absorção da inovação gerada em outros países é elemento crítico para a

elevação da produtividade doméstica. Em especial, se os “insights” forem gerados

majoritariamente pela relação com os parceiros comerciais, a abertura para comércio permitiria

que mais inovação fosse gerada, elevando a eficiência tecnológica do país como um todo. Além

disso, como Eaton e Kortum (2001) mostram, a maior parte do capital do mundo é gerado em

um pequeno número de economias onde a maior parte de pesquisa e desenvolvimento no mundo

ocorre. O restante dos países tem acesso a novas tecnologias, portanto, prioritariamente via

importação de equipamentos que as incorporam.

Esse tema é discutido em detalhe por Buera e Oberfield (2016), que enfatizam que o

comércio internacional facilita o intercâmbio de ideias entre produtores e potenciais inovadores

em diferentes países. Utilizando dados de diversos países entre 1962 e 2000, eles estimam que

a redução dos custos de comércio (inferidos a partir de fluxos de bens e preços relativos) gerou

ganhos estáticos responsáveis por cerca de 8% do crescimento da produtividade total dos fatores

durante o período analisado. Por outro lado, os ganhos decorrentes do maior intercâmbio de

ideias forma aproximadamente duas vezes superiores.

Nesse contexto, o comércio internacional impacta a adoção de novas tecnologias ao

elevar o lucro das empresas mais produtivas (exportam mais) e reduzir o das menos produtivas

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(porque a abertura comercial leva a uma expansão das mais produtivas, elevando os salários da

economia, como visto acima. Assim, as empresas pouco produtivas comparam a opção de

adotar uma nova tecnologia com a de continuar operando com seu menor lucro. Para algumas

delas, isso eleva a propensão a adoção e, portanto, a velocidade da mesma na economia, criando

efeitos dinâmicos de ganho de produtividade.

De fato, o aumento de importações em um país decorrente de alterações de política

comercial pode afetar o incentivo das firmas em inovar via pressão competitiva. Usando o

crescimento das exportações da China após sua entrada na OMC como instrumento para estimar

esse efeito, Bloom et al. (2016) mostram que o acirramento da competição local causado por

um aumento de importações teve impacto positivo no volume de inovação, medida por patentes,

em diversos países europeus. Esse aumento ocorre prioritariamente nas firmas mais expostas a

aumentos das importações chinesas. Impactos similares são observados sobre a produtividade

total dos fatores, a intensidade de tecnologia de informação e as despesas de P&D dessas firmas.

Em particular, os autores estimam que o aumento da competição com importações oriundas da

China entre 2000-2007 foi responsável por 15% do aumento do número de patentes de empresas

europeias. Embora algumas firmas sucumbam à pressão competitiva, em termos agregados

observa-se uma melhoria tecnológica nos países analisados, oferecendo suporte para a hipótese

de que comércio internacional pode induzir mudanças tecnológicas positivas em uma

economia.

O aumento de produtividade ao nível das firmas causada por uma liberalização

comercial é observado empiricamente também via a redução de outras ineficiências produtivas

preservadas pela ausência de competição externa. Um exemplo é a adoção de melhores práticas

gerenciais, induzida pela maior competição após a redução de barreiras à importação de bens

finais – Bloom e Van Reenen (2007) obtêm essa conclusão em uma análise detalhada de

práticas gerenciais em vários países.

4.4. Melhor e maior acesso a insumos e bens de capital

Um outro canal pelo qual a abertura comercial afeta a produtividade das firmas é ao

aumentar a disponibilidade e o preço de insumos importados. O efeito decorre da redução do

preço dos insumos, que permite investir mais em inovação; da maior variedade de insumos

disponíveis, que gera uma maior diversificação do escopo de produção e, consequentemente,

novas combinações mais produtivas; e do acesso a insumos de melhor qualidade e a bens de

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capital que incorporam melhores tecnologias. O primeiro canal representa uma melhoria de

eficiência alocativa que pode gerar, via inovação, um aumento permanente de produtividade. O

segundo e o terceiro canais podem ser interpretados como um aumento na produtividade total

dos fatores nos setores que conseguem mais acesso a melhores insumos.

Esse efeito é observado para a Índia no período entre 1989 a 2003. A liberalização na

Índia em 1991 permite um ambiente propício para análises empíricas por dois motivos

principais. Primeiro, a redução média das tarifas de importação foi muito substancial e

heterogênea entre setores, facilitando a identificação estatística. Segundo, o processo de

abertura foi ao menos parcialmente exógeno, uma vez que respondeu a pressões de

organizações internacionais, em particular o FMI, facilitando a identificação econômica.

Nesse contexto, Goldberg et al. (2010) identificam um aumento significativo na

eficiência, na variedade e na qualidade da produção das firmas locais. Em particular, a redução

das tarifas sobre produtos intermediários foi responsável por mais de 30% dos novos produtos

introduzidos pelas firmas locais nos anos subsequentes. O motivo fundamental foi o acesso a

novas variedades de insumos, inviável economicamente antes da abertura. Além disso, há o

efeito direto da redução daquelas barreiras comerciais sobre o custo de produção das firmas

locais. De modo similar, Khandelwal e Topalova (2011) estimam que cada redução de 10% nas

tarifas de importação dos bens finais acarretou em média uma elevação de 0,32% na

produtividade das firmas na Índia, enquanto uma redução da mesma magnitude nos insumos

gerou uma elevação de 4,8% nas mesmas.

Amiti e Konings (2007) estudam questão similar no contexto de liberalização da

Indonésia, entre 1991 e 2001. Eles encontram que cada redução de 10% nas tarifas de

importação de insumos induziu um crescimento de 12% na produtividade das firmas que os

importavam. Já uma redução similar nas tarifas de importação sobre bens finais acarretou um

crescimento de produtividade limitado entre 1 a 6%.

Kasahara e Lapham (2013) estimaram os ganhos de liberalização para o Chile, no

período entre 1990 e 1996. Eles encontram que na situação de comércio pós-liberalização,

relativamente à situação hipotética de autarquia, o nível de produtividade é entre 1,7% (para

produtos alimentícios) a 8,4% (produtos plásticos) mais alto. Quando se leva em conta os

impactos adicionais sobre produtividade devido à importação de bens intermediários, esses

efeitos saltam para 8,6% e 21,4%, respectivamente, demonstrando o forte peso dos insumos na

inovação tecnológica.

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Já para o setor manufatureiro americano, uma redução nos custos variáveis de comércio

de cerca de 5% levaria a um incremento de 4,7% na produtividade. O principal mecanismo seria

por acesso a insumos mais baratos, seguido da saída das firmas menos produtivas, conforme

demonstrado por Bernard et al. (2003).

O crescimento da Coréia do Sul também pode ser explicado em parte pelo maior acesso

a insumos e bens de capital. De acordo com Connolli e Yi (2015), 17% de todo o catch-up da

Coréia do Sul veio das políticas comerciais de: 1) isenção de tarifas de importação para

insumos; 2) redução das tarifas de importação do país como um todo; 3) reduções de tarifas

multilaterais no âmbito do GATT. Entre esses três canais de política comercial, mais da metade

do efeito ocorreu devido à isenção de tarifas sobre insumos e bens de capital (o efeito é crescente

no nível das tarifas iniciais, como se esperaria).

Halpern et al. (2015) procuram identificar empiricamente, usando dados da Hungria

entre 1993 e 2002, e amparados por um detalhado modelo estrutural, os canais pelos quais

importações de insumos afetam produtividade. Eles demonstram teoricamente e identificam

empiricamente dois canais principais: melhor qualidade dos insumos na produção dos bens

finais, e substituição (imperfeita) dos insumos domésticos – isto é, um benefício via maior

variedade de insumos.

Os autores estimam que, se a fração de insumos importados de uma firma passar de zero

para 100%, a sua produtividade aumentaria em 24%. Naturalmente, esse é o aumento máximo

possível. Mas, assumindo uma linearidade do efeito, temos que, para cada elevação de um ponto

percentual na fração de insumos utilizadas por uma firma, a sua produtividade aumenta em

expressivo 0,24 ponto percentual. Tanto os canais de qualidade quanto de substituição

mostram-se importantes empiricamente.

A partir dos resultados da análise com micro dados, Halpern et al. (2015) fazem

simulações contrafactuais respaldadas pelo modelo estrutural. Os resultados são muito

significativos economicamente: de todo o crescimento da produtividade no setor industrial da

Hungria durante o período analisado, mais de um quarto (quase 6 pontos percentuais) é

atribuído à importação de insumos.

Analisando a possibilidade de uma redução de tarifas (lembrando que esse é um período

quando a Hungria ainda não fazia parte da União Europeia), Halpern et al. (2015) mostram que

o efeito depende da contribuição inicial das importações na economia. Especificamente, o

impacto sobre a produtividade será maior, quanto maior a participação inicial das importações

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nos insumos das firmas. Intuitivamente, uma participação maior das importações implica um

maior impacto de uma dada redução em tarifas sobre a redução de custos da firma. Isso tem

implicações diretas para outras medidas de liberalização. Por exemplo, se barreiras não-

tarifárias forem reduzidas, o efeito de uma redução tarifária sobre a produtividade será maior.

Ou seja, há complementaridade entre barreiras tarifárias e não-tarifárias.

Quando um setor da economia é liberalizado, espera-se que os produtores domésticos

daquele setor sejam prejudicados. Na maior parte das vezes, é exatamente isso que ocorre.

Halpern et al. (2015) alertam, porém, que isso não é necessariamente o caso com a importação

de insumos. Caso o principal benefício da importação de insumos seja a maior qualidade dos

mesmos, os produtores domésticos serão afetados negativamente por uma redução de tarifas.

Por outro lado, se o principal ganho for pelo aumento de variedades, o impacto de uma redução

de tarifas sobre os produtores domésticos é muito mais limitado. Além disso, há um outro fator

crítico: como os usuários dos insumos irão se expandir em função do acesso a mais e melhores

insumos, menores tarifas gerarão um aumento de demanda por insumos na economia. Em

alguns casos, isso pode inclusive resultar em uma expansão dos produtores locais.

Finalmente, é importante enfatizar que o melhor e mais amplo acesso a insumos

importados também é essencial para o desempenho do setor exportador: acesso a insumos

importados é fator determinante para o sucesso na exportação de bens finais. Vários estudos

comprovam esse resultado.47 O motivo principal é exatamente o apontado acima: os usuários

dos insumos têm seus custos reduzidos e produtividade elevada, aumentando assim suas

competitividades internacionais.

4.5. Redução da incerteza sobre política comercial futura

Outro canal importante é o efeito na economia da incerteza sobre política comercial.

Estudos recentes mostram que medidas que reduzem essa incerteza, mesmo se não afetarem

diretamente o nível das restrições a comércio internacional, tendem a impactar

significativamente as decisões dos agentes econômicos. Em particular, a redução dessa

incerteza tende a incentivar firmas a se engajarem em negócios internacionais, a inovar, e a

adotar novas tecnologias. A lógica do mecanismo é intuitiva: se o ambiente de negócios é

incerto, e existe o risco de que o custo das operações internacionais possa se elevar no futuro,

47 Por exemplo, Amiti e Konings (2007) apresentam evidência sobre a Indonésia, e Kasahara e Lapham (2013)

para o Chile.

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as firmas tendem a adiar decisões que envolvam custos fixos elevados e irreversíveis até que

essa incerteza seja eliminada. Com isso, investimentos são postergados, diminuindo a taxa de

adoção de novos projetos e tecnologias. A mesma ideia aplica-se para a decisão de exportar:

algumas firmas preferirão esperar até que incertezas sejam resolvidas para só então incorrer no

custo fixo para começar a exportar. Isso explica alguns resultados empíricos que indicam que

pequenas reduções tarifárias, quando associadas a uma redução da incerteza sobre política

comercial, têm fortes impactos sobre fluxos de comércio.

Estudos recentes indicam que esse é um canal essencial pelo qual política comercial

afeta a economia. Considere, por exemplo, a Rodada Uruguai de negociações multilaterais,

concluída em 1994. Durante a Rodada definiu-se critérios mais rígidos para a entrada de novos

membros na então-criada OMC, relativamente aos critérios utilizados para participação no

GATT, seu antecessor. Assim, ao acederem à OMC sob tais condições, os novos membros

“amarram suas mãos” quando se comprometerem com reformas liberalizantes significativas.

Isso reduziu a incerteza da política comercial futura. Ao analisar as consequências dessas

alterações, Tang e Wei (2009) identificam um aumento no investimento e no crescimento dos

novos países-membros que durou cerca de quatro anos após a entrada na OMC. Em termos

acumulados, a elevação do nível do produto daqueles países é quase 20% superior à do grupo

de controle. Portanto, compromissos de liberalização mais ambiciosos na OMC, ao reduzir o

escopo para alterações futuras do nível de abertura, levam a um aumento do investimento no

país, afetando positivamente sua taxa de crescimento.

Redução de incerteza de política comercial ocorre também via consolidação de tarifas

na OMC – isto é, o estabelecimento de níveis máximos para as tarifas. Handley (2014) mostra

o efeito da redução das tarifas consolidadas da Austrália na OMC durante os anos 1990. Mesmo

sem afetar as tarifas efetivamente cobradas pelo país, a redução da “margem de manobra” futura

das tarifas aplicadas provocou a entrada de novos produtos e de produtos advindos de novos

destinos de importação.

O mesmo mecanismo se manifesta via acordos preferenciais de comércio, desde que

esses sejam críveis para a sociedade. Isso ocorre em especial no contexto de acordos comerciais

com economias grandes e desenvolvidas, onde o custo de reversão do acordo tende a ser alto.

Por exemplo, Handley e Limão (2015) identificam impactos econômicos vultosos decorrentes

da redução da incerteza de política comercial associada à entrada de Portugal na Comunidade

Europeia. Embora Portugal já tivesse acesso preferencial aos mercados da Comunidade

Europeia, a sua entrada no bloco garantiu que os privilégios previamente estabelecidos para as

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exportações portuguesas se tornassem permanentes, eliminando a incerteza em relação à

possível revogação dos mesmos. Se o acesso tivesse apenas reduzido as tarifas aplicadas, ele

seria responsável por não mais que 20% do crescimento total da entrada de firmas e por menos

de 30% das exportações adicionais, de acordo com estimativas de Handley e Limão (2015).

Dessa forma, a eliminação da incerteza sobre barreiras comerciais no seu principal destino de

exportações teve um papel fundamental no processo, assim induzindo maiores investimentos

em novas tecnologias e no esforço de exportar.

De modo análogo, a ascensão da China à OMC é tratada como um fato que reduziu a

ameaça dos Estados Unidos de retirarem as condições favoráveis de comércio concedidas ao

país previamente. Segundo Handley e Limão (2017), o fim da incerteza sobre a aplicação de

tarifas MFN pelos Estados Unidos sobre produtos chineses explica cerca de 60% do número de

firmas que passaram a exportar naquele país, e 32% do crescimento das suas exportações após

a entrada na OMC.

4.6. Maior e melhor inserção em cadeias globais de valor

Outro canal pelo qual a produtividade de uma economia é afetada por alterações de

barreiras comerciais é via a fragmentação da produção. Por exemplo, usando um argumento

análogo ao clássico, de vantagens comparativas, mas aplicado a etapas de produção, Grossman

e Rossi-Hansberg (2008) mostram que um país obtém um ganho agregado de produtividade

quando se especializa nos estágios em que ele é relativamente eficiente.

Ao nível de firmas, Ornelas e Turner (2008) demostram que reduções tarifárias têm um

efeito magnificador sobre o comércio de bens intermediários especializados, para os quais não

há um mercado bem desenvolvido fora da relação bilateral comprador-vendedor. O motivo é

que a redução da tarifa aumenta o incentivo das partes em investir na relação bilateral. A

consequência é uma elevação da produtividade das mesmas.

Como Yi (2003, 2010) demonstra teórica e empiricamente, tais efeitos são acentuados

no contexto de cadeias globais de valor (CGVs), quando os estágios de produção se localizam

em diferentes países. Assim, uma abertura comercial faz com que ocorra uma especialização

nas etapas em que se é mais produtivo, tornando a organização da produção mais eficiente.

Uma consequência é que não se torna vantajoso para as firmas envolvidas estabelecerem etapas

de CGVs em países relativamente fechados.

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103

De fato, política comercial, e em particular participação em acordos preferencias de

comércio, é um fator determinante da inserção dos países em CGVs, como Johnson e Noguera

(2017) demonstram empiricamente.

4.7. Estudos sobre o caso brasileiro

Há relativamente poucos estudos sobre a relação entre abertura e produtividade para a

economia brasileira. Apesar disso, as análises existentes apontam para resultados análogos aos

discutidos acima.

Ferreira e Rossi (2003) estudam como a abertura comercial dos anos 1990 impactou a

produtividade setorial do país. Eles encontram que as reduções nas tarifas de importação até o

início da década de 1990 levaram a um aumento entre 8% e 12% na taxa de crescimento da

produtividade total dos fatores da indústria nacional entre 1985 e 1997. Já segundo Hay (2001),

cada redução de 1% na proteção nominal (que era em média cerca de 32% em 1988) entre 1980

e 1995 gerou um aumento de 0,9% na eficiência das firmas.

Mais recentemente, Lisboa et al. (2010) estimam que o aumento de produtividade na

indústria brasileira entre 1988-1998 acarretada pela liberalização comercial foi devido

prioritariamente à liberalização de insumos (especialmente em setores intensivos em capital e

tecnologia), e não de bens finais. Em grande medida, as estimativas de Lisboa et al. (2010)

refletem os resultados do cuidadoso estudo de Schor (2004) para o mesmo episódio de

liberalização no Brasil.

Portanto, em termos gerais as análises da relação entre abertura e produtividade para a

economia brasileira são diretamente alinhadas com os estudos análogos existentes sobre a

experiência internacional.

4.8. Comércio internacional, produtividade e crescimento econômico

Como Goldberg e Pavcnik (2016) indicam em survey recente sobre os efeitos de política

comercial, um dos resultados mais robustos nessa área de pesquisa é que a redução de barreiras

comerciais acarreta um aumento de produtividade a nível da indústria. Os mecanismos teóricos

pelos quais isso ocorre são claros, mas a sua importância relativa varia segundo o contexto.

Hoje há, em particular, consenso de que a maior participação no comércio internacional

de um país gera um aumento de produtividade em sua economia via realocação de recursos de

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104

firmas pouco produtivas para firmas mais produtivas em cada setor de atividade. Sabemos

também que inovação e exportação são atividades complementares; portanto, maior abertura, e

em particular maior participação em acordos preferenciais de comércio com economias que

possuem grandes mercados consumidores, tendem a fomentar inovação no país. Tais acordos

tendem a elevar a produtividade agregada da economia também ao reduzir incertezas da política

comercial e propiciar um maior e melhor engajamento em CGVs. Finalmente, hoje há uma forte

concordância na academia internacional de que uma redução nas tarifas sobre insumos básicos

e bens de capital provoca aumento significativo da produtividade de todos os setores que os

utilizam, e portanto da economia como um todo. A Tabela 4.1 apresenta de forma esquemática

esses e os demais mecanismos discutidos nesta seção, indicando também algumas das principais

análises empíricas que respaldam cada um dos mecanismos.

Tabela 4.1: Benefícios identificados empiricamente de abertura comercial sobre a

produtividade

Efeito sobre a economia Principais mecanismos Principais referências

empíricas

Aumento de

produtividade intra-

setorial

Realocação de recursos de

firmas pouco produtivas

para firmas mais produtivas

Fernandes (2007) –

Colômbia

Pavcnik (2002) – Chile

Trefler (2004) – Canadá

Aumento de inovação

via acordos comerciais

Complementaridade entre

exportação e adoção de

novas tecnologias

Bustos (2011) – Argentina

(Mercosul)

Lileeva e Trefler (2010) –

Canadá e EUA (CUSTA)

Aumento da inovação e

melhores práticas

gerenciais via maior

pressão competitiva

Pressão competitiva de

importações induzindo

melhor utilização de

recursos e maior incentivo a

inovar

Bloom et al. (2016) –

vários países europeus

Bloom et al. (2007) –

vários países

Aumento de

produtividade das firmas

via menores barreiras

sobre insumos e bens de

capital

Melhor acesso a insumos e

bens de capital aumentando

a eficiência alocativa,

diversificando o escopo de

produção e permitindo o

acesso a melhores

tecnologias

Amiti e Konings (2007) –

Indonésia

Connolli e Yi (2015) –

Coreia

Goldberg et al. (2010) –

Índia

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105

Halpern et al. (2015) –

Hungria

Aumento de

investimentos via

acordos comerciais

Redução de incerteza sobre

política comercial futura

Handley (2014) –

Austrália

Handley e Limão (2015) –

Portugal

Tang e Wei (2009) –

vários países

Aumento de

produtividade via melhor

inserção em cadeias

globais de valor

Especialização em etapas da

cadeia produtiva em que o

país e as firmas são mais

produtivos

Yi (2010) – vários países

Johnson e Noguera (2017)

– vários países

Aumento de

produtividade decorrente

da liberalização da

economia brasileira

Especialmente maior acesso

a insumos importados

Ferreira e Rossi (2003)

Hay (2001)

Lisboa et al. (2010)

Schor (2004)

Essas conclusões refletem a forte ênfase acadêmica sobre a relação entre abertura

comercial e produtividade. O motivo de todo esse esforço de pesquisa é simples: crescimento

sustentável é alcançável apenas com o crescimento da produtividade do país. Sendo

crescimento uma questão eminentemente macroeconômica, ela também é mais difícil de se

examinar criteriosamente a nível empírico; volta-se então para os efeitos sobre produtividade a

nível das firmas e setores, que ultimamente definem a produtividade agregada da economia – e

seu potencial de crescimento.

Ainda assim, é importante questionar se os efeitos sobre a produtividade efetivamente

se traduzem em maiores taxas de crescimento econômico. As evidências disponíveis apontam

para uma relação positiva: abertura comercial tende a provocar uma aceleração do crescimento

econômico. Frankel e Romer (1999) encontram que um maior nível de comércio internacional

tem impacto causal positivo e relativamente alto sobre a renda do país. Wacziarg e Welch

(2008) mostram que, entre 1950 e 1998, países que liberalizaram seu comércio tiveram uma

taxa de crescimento do produto e de investimento quase dois pontos percentuais maior que

antes da liberalização. Mais recentemente, Estevadeordal e Taylor (2013) mostram que, de fato,

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106

países que se abriram durante os anos 1980 e 1990 cresceram mais que outros países similares,

mas que não se abriram (ou o fizeram mais timidamente). Eles identificam que os principais

canais pelos quais uma abertura comercial acelera o crescimento são via reduções de barreiras

comerciais sobre bens de capital (que induzem mais inovação, tendo efeito similar a um

aumento da taxa de poupança do país) e sobre bens intermediários (que levam a uma maior

eficiência produtiva, tendo efeito similar a um aumento na produtividade total dos fatores).

Portanto, alguns dos mecanismos pelos quais sabemos que comércio internacional eleva a

produtividade de uma economia também se refletem diretamente sobre o crescimento da mesma

– como se esperaria.

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110

5. Mercado de Trabalho e Abertura Comercial

O mercado de trabalho é uma das dimensões mais salientes quando se discute qualquer

forma de abertura comercial. A preocupação é legítima, já que o processo de abertura da

economia à competição internacional certamente acarreta a perda de alguns postos de trabalho,

inclusive em ocupações de alta remuneração. Por outro lado, a mesma política também gera a

criação de postos de trabalho, alguns deles também em setores bem remunerados. Além disso,

haverá alteração dos salários relativos na economia. Tudo isso é esperado, em função da

realocação de fatores entre setores e também entre firmas dentro de cada setor.

Figura 5.2: Importação e Taxa de Desemprego em 2016

Fonte: Banco Mundial

Por outro lado, não há previsões claras sobre o impacto líquido da liberalização

comercial sobre o nível do emprego e do salário agregado da economia, especialmente no longo

prazo. Isso pode ser visto na Figura 5.2, que mostra a taxa de importação (ajustada pelo PIB) e

a taxa de desemprego para diversos países em 2016. Claramente não há nenhuma relação

positiva forte entre importação e desemprego como argumentam diversos opositores de

processos de abertura comercial. O Brasil, por exemplo, é um país extremamente fechado que

possui uma taxa de desemprego relativamente alta.

Além disso, a política comercial é apenas um dos muitos fatores que afetam o mercado

de trabalho de uma economia, como podemos ver na Figura 5.3, que mostra a taxa de

desemprego média em 2016 nos países membros da União Europeia (UE). Todos os países

BRA0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

0 5 10 15 20 25 30

Imp

ort

ação

/PIB

(%

)

Taxa de Desemprego (%)

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111

seguem políticas comerciais idênticas, porém têm taxas de desemprego dramaticamente

diferentes. Portanto, são necessários métodos empíricos com forte sustentação teórica que

permitam isolar o efeito da abertura, evitando, assim, conclusões incompletas ou mesmo

equivocadas.

Figura 5.3: Taxa de Desemprego UE 2016 (em pontos percentuais)

Fonte: Eurostat.

Nesta seção do relatório analisaremos como políticas de liberalização comercial afetam

o nível e a distribuição da renda dos trabalhadores, e como o nível de emprego responde a tais

políticas. Nossa análise será composta de um breve resumo de alguns dos mecanismos teóricos

pelos quais o mercado de trabalho pode ser afetado pela abertura comercial, e de uma discussão

detalhada das recentes evidências empíricas de tais efeitos, focando majoritariamente na

experiência brasileira das últimas décadas.

Em nossa análise, evidenciaremos como choques de liberalização comercial afetaram

os setores da nossa economia, as regiões que abrigam estes setores e os trabalhadores

empregados (ou que estavam empregados antes dos choques) nesses setores e regiões.

Focaremos em dois importantes episódios que tiveram um impacto considerável em nosso

mercado de trabalho: i) a liberalização comercial promovida pelo governo Brasileiro em

0

5

10

15

20

25

lgic

a

Bu

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ia

Rep

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Rei

no

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ido

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meados da década de 1990; ii) a integração Chinesa ao comércio mundial ocorrida nos anos

2000. Além disso, detalharemos como a literatura avalia os ganhos líquidos de comércio para

o Brasil levando em consideração os efeitos no mercado de trabalho. Para tanto nos basearemos

em pesquisas acadêmicas publicadas em renomados periódicos internacionais cujas análises

empíricas refletem o estado da arte das ferramentas econômicas quantitativas. Por fim,

detalharemos como as conclusões desses estudos podem ajudar no delineamento de políticas.

5.1. Como se dá o Impacto no Mercado de Trabalho?

As primeiras gerações dos modelos econômicos em comércio internacional ignoravam

as consequências da implementação de políticas comerciais sobre o emprego dos trabalhadores.

Típicas hipóteses utilizadas eram a de pleno emprego e salários equivalentes à produção

marginal dos trabalhadores. Tais hipóteses eram justificadas pela ideia de que a análise era

focada no longo prazo, e nesse horizonte de tempo o emprego é determinado por políticas

macroeconômicas e instituições do mercado de trabalho, e não por políticas comerciais. Desta

forma, o comércio internacional afeta os trabalhadores apenas como consumidores nesses

modelos, através dos efeitos em seus salários reais.

Por exemplo, um modelo Ricardiano típico considera apenas um fator de produção, o

trabalho. Como o comércio internacional leva ao aumento de eficiência, todos os trabalhadores

se beneficiam através do aumento do salário real. No modelo Heckscher-Ohlin, com dois

fatores de produção, trabalho e capital, os trabalhadores beneficiados são aqueles que vivem

em países com abundância de mão-de-obra. Mesmo assim, o desemprego está ausente, com

todos os ajustes de curto-prazo ocorrendo através de mudanças nos preços dos fatores de

produção.

Para caracterizar os mecanismos que estão por trás dos efeitos do comércio internacional

sobre o mercado de trabalho, é preciso invocar algum tipo de fricção ou falha no mercado.

Naturalmente, as fricções e as falhas de mercado estão presentes em todas as economias,

incluindo a brasileira. Contudo, determinar a importância relativa das mesmas em conjunto com

um processo de abertura comercial é tarefa laboriosa.

Apesar da literatura em comércio internacional tradicionalmente ignorar muitos

aspectos cruciais para o mercado de trabalho, existem algumas exceções. Felizmente, tais

exceções estão se tornando mais comuns, e estamos testemunhando atualmente a formação de

um novo conjunto de estudos focados nos efeitos de processos de abertura comercial sobre o

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mercado de trabalho. Nessa seção do relatório, descreveremos brevemente alguns dos

mecanismos teóricos pelos quais os mercados de trabalho podem ser afetados por políticas

comerciais.

5.1.1. Fricções na Busca por Emprego

Na economia do trabalho, uma forma de estudar o desemprego involuntário é

modelando as fricções existentes no mercado de trabalho. Isto significa que firmas querem

contratar e trabalhadores desempregados querem trabalhar, mas os dois agentes não se

encontram instantaneamente. Em outras palavras, informação incompleta sobre oportunidades

de trabalho por um lado, e sobre a disponibilidade de trabalhadores por outro, leva os agentes

a gastarem tempo e recursos para se encontrarem. Embora o estudo dessas fricções seja comum

na economia do trabalho, apenas recentemente elas começaram a ser introduzidas com mais

destaque em modelos de comércio internacional.

A principal exceção é uma série de estudos conduzidos por Carl Davidson, Steven

Matusz e demais coautores. Davidson, Martin e Matusz (1988) foram os primeiros a introduzir

fricções no mercado de trabalho em modelos de equilíbrio geral de comércio internacional. No

modelo, há dois fatores de produção e dois setores, e um destes apresenta fricções. O principal

objetivo é estudar como tais fricções afetam o equilíbrio de um modelo tradicional. Os autores

mostram que fricções podem levar a profundas mudanças nos efeitos distributivos gerados por

comércio internacional. Mais precisamente, quando o setor com fricções é um setor

relativamente pequeno e é o setor importador, a curva de oferta relativa pode ser negativamente

inclinada. E nesse caso a relação de Stolper-Samuelson (ou seja, a visão de que a liberalização

comercial beneficia o fator de produção usado intensivamente no setor exportador) fica

invertida. Assim, uma diminuição em tarifas de importação num setor relativamente pequeno

que apresenta fricções no mercado de trabalho leva a um aumento do salário real no setor

protegido. O desemprego também pode crescer, dependendo da magnitude de dois efeitos

contrários – os dois setores passam a ser mais assimétricos, o que aumenta o desemprego na

economia, mas o setor importador sujeito às fricções diminui em tamanho, diminuindo o

desemprego agregado.

Davidson, Martin e Matusz (1999) usam a análise anterior como base para avaliar como

fricções no mercado de trabalho afetam alguns resultados teóricos tradicionais da literatura de

comércio internacional. Sua principal conclusão é que os determinantes de vantagens

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comparativas Ricardianas devem passar a incluir também alguns aspectos do mercado de

trabalho, como a duração do tempo no emprego. Intuitivamente, se a duração de um posto de

trabalho é mais alta (ou a duração do tempo desempregado é mais baixa) em um determinado

setor/país, salários neste setor/país poderiam ser mais baixos já que melhores condições de

emprego já funcionariam como fonte de atração para os trabalhadores.

Davidson et al. (1999) também mostram que existe uma versão estendida do teorema de

Stolper-Samuelson aplicada a um ambiente com fricções, descrevendo como o comércio

internacional afeta os trabalhadores desempregados. No entanto, em tal ambiente, o teorema

não se aplica diretamente a trabalhadores empregados. Neste caso, os efeitos Stolper-

Samuelson e Ricardo-Viner operam simultaneamente. Nas indústrias em que a rotatividade é

baixa, os retornos dos trabalhadores empregados tendem a ter um componente altamente

específico da indústria. Mas em indústrias em que a rotatividade é alta (ou seja, trabalhadores

têm pouca conexão com a indústria em questão), os efeitos Stolper-Samuelson explicam a maior

parte dos impactos sobre os salários.

O efeito do comércio internacional sobre o desemprego depende das características da

economia do país. Por exemplo, quando um grande país com relativa abundância de capital

começa a comercializar com um pequeno país abundante em mão-de-obra, e o grande país tem

vantagens comparativas no setor com custos de busca, que se expande com a liberalização

comercial, os trabalhadores desempregados sofrem perdas de bem-estar e o desemprego

agregado aumenta no país grande. No entanto, o contrário é verdade se o país grande tem

vantagem comparativa no setor que não tem custos de busca. Em outras palavras, em geral, o

desemprego pode subir ou descer após a liberalização do comércio, e qualquer que seja esse

efeito, ele tende a se prolongar no longo prazo.

Assim, uma vez que as fricções no mercado de trabalho variam tanto entre países como

entre setores dentro de um mesmo país, é quase inevitável que o comércio internacional, ao

transferir recursos entre setores e entre países, afetará o desemprego agregado, tanto no curto

como no longo prazo. Por exemplo, o desemprego aumentaria se a liberalização do comércio

induzisse os recursos a mudar de setores com baixas fricções para setores com altas fricções no

mercado de trabalho. Porém, o desemprego diminuiria após a liberalização comercial sob o

cenário alternativo. Contudo, enquanto modelos teóricos não podem dar uma resposta definitiva

à questão de quão grande é o impacto do comércio internacional sobre o desemprego, os

resultados de Ahsan, Hasan, Mitra e Ranjan (2014) indicam que ele tende a ser pequeno. Hasan

et al. estudam a relação entre taxas de desemprego e proteção comercial usando dados do grande

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episódio de liberalização comercial na Índia durante a década de 1990. Eles encontram um

pequeno efeito sobre o desemprego, embora também encontrem que o desemprego diminui em

estados com mercados de trabalho mais flexíveis, nos estados com indústrias exportadoras

dominantes, e nas áreas urbanas

Mais recentemente, vários artigos incorporaram o mercado de trabalho de forma mais

proeminente nos modelos de comércio internacional. A maior parte dessas novas análises usa

uma estrutura que segue a abordagem iniciada por Melitz (2003), modelando como empresas

heterogêneas em termos de produtividade decidem se devem ou não entrar em mercados

estrangeiros. Neste arcabouço, o fato de que firmas exportadoras têm de pagar um custo

afundado para acessar mercados estrangeiros implica que estas serão mais produtivas do que as

empresas não-exportadoras. Isso significa, por sua vez, que os exportadores pagam salários

mais altos, desde que haja participação nos lucros dentro da empresa, ou seleção baseada em

características não observáveis através de processos de seleção. O resultado de que os

exportadores pagam salários mais altos já foi documentado em diversos estudos empíricos (ver

Bernard, Jensen, Redding e Schott, 2007, por exemplo). As mais proeminentes análises dentre

os estudos recentes são as de Helpman e Itskhoki (2010), Helpman, Itskhoki e Redding (2010),

e Felbermayr, Prat e Schmerer (2011). Esses autores adotam e ampliam a ideia de incorporar

fricções do mercado de trabalho em modelos de comércio internacional, como os de Davidson

et al. (1988, 1999), para contextos onde as empresas são heterogêneas em seus níveis de

produtividade.

5.1.2. Salário-eficiência

Uma implicação de alguns dos mecanismos discutidos anteriormente é que

trabalhadores igualmente habilidosos podem ganhar salários diferentes se trabalharem em

firmas distintas. Uma fonte importante dessa diferença salarial é a impossibilidade de as firmas

observarem o esforço e a dedicação do trabalhador em seu emprego, ou pelo menos sem

incorrerem em consideráveis custos para realizar este monitoramento. Isso abre a possibilidade

para o que se chama de “salário-eficiência”: as empresas têm incentivos para pagar salários

acima do equilíbrio de mercado. Isso gera simultaneamente remunerações extras para os

trabalhadores empregados e desemprego involuntário na economia. E é este medo de ficar

desempregado que induz os trabalhadores a se esforçarem em seus postos de trabalho.

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Davis e Harrigan (2011) desenvolvem um modelo em que firmas diferem não somente

em seus níveis de produtividade como em Melitz (2003), mas também em seus custos de

monitoramento: empresas detectam a ociosidade de seus trabalhadores de forma heterogênea.

Isso leva salários a variarem entre as diferentes firmas, mesmo que os trabalhadores sejam

idênticos. Consequentemente, em equilíbrio existem “bons empregos”, que são oferecidos por

empresas com altos custos de monitoramento (e que por isso precisam prover mais incentivos

para seus trabalhadores se esforçarem) e “empregos ruins”, que são oferecidos por firmas com

baixos custos de monitoramento que induzem esforços por parte de seus funcionários através

de simples fiscalização. Claramente, para os trabalhadores a perda é maior caso sejam demitidos

de um “bom emprego”.

No contexto do modelo de Davis e Harrigan (2011), a abertura do país para o comércio

internacional afeta o nível médio das distorções salariais, e consequentemente o nível de

desemprego. O efeito, no entanto, é ambíguo e depende da distribuição conjunta dos parâmetros

que determinam as produtividades das firmas e suas respectivas capacidades de monitoramento.

Além disso, os autores apontam que para valores razoáveis desses parâmetros, em geral o

comércio internacional tem impacto mínimo na taxa de desemprego da economia.

Por outro lado, a liberalização tem consequências explícitas e importantes para a taxa

de rotatividade, incluindo a distribuição de “bons empregos” e “empregos ruins”. Fixando-se a

média da distorção salarial (e, portanto, o emprego agregado), a abertura comercial leva à saída

de algumas firmas do mercado, à contração de outras e ao crescimento das restantes (aquelas

mais envolvidas no setor exportador). O que determina o destino de uma empresa é seu custo

marginal (quanto mais alto, maior a probabilidade de saída ou contração da firma). Se um

trabalhador mantém seu emprego, seu salário nominal não muda. Isso é o que ocorre com todos

os que trabalham nas firmas que expandem. Por outro lado, todos são obviamente demitidos

em caso de saída da firma do mercado, enquanto os trabalhadores empregados nas firmas que

contraem apresentam probabilidade positiva de demissão.

A maneira mais esclarecedora de analisar esses resultados é “fixando-se” a

produtividade da empresa. Para um determinado nível de produtividade, as empresas que têm

custos marginais mais altos são aquelas com maiores custos de monitoramento. Estas são as

empresas que são mais susceptíveis a saírem do mercado (ou diminuir de tamanho) após a

liberalização comercial. Mas estas são precisamente as empresas que oferecem "bons

empregos", uma vez que precisam pagar altos salários para incentivar o maior esforço do

trabalhador. Por outro lado, para uma dada produtividade, as empresas com baixo custo

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marginal (baixo custo de monitoramento) se expandem após a liberalização comercial, e são

estas que oferecem empregos relativamente "ruins".

Assim, fixando-se a produtividade, a liberalização comercial levaria à criação de

“empregos ruins” e à eliminação dos “bons empregos”. Embora seja verdade que a liberalização

do comércio possa destruir os melhores postos de trabalho condicional a algum nível de

produtividade, vale lembrar que as empresas mais produtivas são as que se expandem com a

abertura comercial, e, portanto, é possível que o salário médio da economia aumente com a

liberalização. Além disso, o comércio traz mais variedade e menor nível agregado de preços,

aumentando a renda real média dos trabalhadores. E ainda, de acordo com o modelo de Davis

e Harrigan, a existência de "bons empregos" decorre de uma ineficiência na economia, algo que

diminui a renda agregada. A falha de mercado neste contexto é a incerteza sobre o nível de

esforço empregado por um trabalhador em suas tarefas; a ineficiência associada a esta falha no

mercado é maior quanto mais empresas com altos custos de monitoramento há na economia.

Usando simulações, Davis e Harrigan (2011) encontram que 15% dos "bons empregos"

e 19% dos "empregos ruins" são destruídos quando a economia passa de uma autarquia para o

livre comércio. Juntamente com uma diminuição no índice de preços, essas mudanças implicam

numa melhoria significativa no bem-estar médio dos trabalhadores. No entanto, há também um

efeito distributivo importante, com realocação substancial das rendas do trabalho entre os

empregados.

5.1.3. Custos de Ajustamento

Um aspecto importante do mercado de trabalho é que os fluxos brutos inter-setoriais de

trabalhadores são significativamente maiores do que os fluxos líquidos. Nos dados disponíveis

para os Estados Unidos, por exemplo, o fluxo bruto é cerca de uma ordem de grandeza maior

do que o fluxo líquido. Em outras palavras, é provável que um grande número de trabalhadores

se mova em direções opostas entre dois setores em um dado instante do tempo. Este aspecto é

importante para estudar o custo associado ao período de ajuste em direção a um novo equilíbrio

após um choque comercial. Em modelos que levam em consideração custos de ajustamento, a

realocação de trabalhadores após a liberalização do comércio é gradual porque leva tempo para

que os trabalhadores encontrem empregos nos setores em expansão.

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Surpreendentemente, tal aspecto é bastante negligenciado pelos modelos de comércio

internacional. Há poucos artigos que analisam os custos de ajustamento para um novo equilíbrio

da economia após um choque comercial levando em consideração as diferenças entre fluxos

brutos e líquidos de mão-de-obra. Exceções importantes são os artigos de John McLaren e

coautores, onde o elemento central na análise é o reconhecimento de que estes fluxos diferem

significativamente. Como observam Artuç, Chaudhuri e McLaren (2010), a principal

implicação da discrepância entre os fluxos brutos e líquidos de trabalhadores é que os motivos

idiossincráticos para os trabalhadores mudarem de indústrias devem ser maiores do que suas

motivações relacionadas às características dos mercados. Como resultado, é possível que o

bem-estar e os salários dos trabalhadores em cada indústria se movam em direções opostas após

um choque comercial.

O modelo utilizado por Artuç et al. (2010) assume pleno emprego, ou seja, não se destina

a explicar o desemprego. A sua principal inovação é a introdução de custos (que variam com o

tempo) para os trabalhadores mudarem de indústrias: em cada período, um trabalhador pode

escolher passar de sua indústria atual para outra, mas deve pagar um custo para fazê-lo. O custo

tem um componente constante e um componente idiossincrático. O primeiro não varia ao longo

do tempo e é comum para todos os trabalhadores, enquanto o último varia com o tempo e é

específico do indivíduo, refletindo os possíveis motivos não relacionados à diferença entre

salários de cada setor para que os trabalhadores mudem de emprego.

Artuç et al. (2010) simulam seu modelo usando dados dos EUA e observam que tanto a

média quanto o desvio padrão dos custos de mudança dos trabalhadores entre setores são muito

grandes. Isso implica que, embora os trabalhadores americanos mudem de indústria com

frequência, esses movimentos não são motivados por diferenças de salários entre setores. Tais

movimentos refletem principalmente choques idiossincráticos. Isso tem duas implicações

relevantes para o impacto de choques de comércio sobre o mercado de trabalho. Primeiro, o

mercado de trabalho ajusta-se lentamente após um choque comercial. Nas simulações de Artuç

et al. (2010), a economia pode precisar de quase uma década para alcançar seu novo equilíbrio.

Em segundo lugar, a liberalização comercial aumenta salários em alguns setores, mas também

produz quedas acentuadas e persistentes de salários nos setores que concorrem com produtos

importados. Ainda assim, isso não significa que os trabalhadores dos setores que estão

contraindo perdem com a abertura comercial. Devido à sua elevada mobilidade (associada ao

alto componente idiossincrático dos custos de mudança entre setores), a simples possibilidade

(futura) destes trabalhadores se moverem para setores da economia que se beneficiaram com a

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liberalização comercial aumenta o bem-estar dos trabalhadores, e esse efeito pode prevalecer

sobre o efeito negativo decorrente de salários mais baixos nesses setores.

De um modo geral, a principal mensagem da análise de Artuç et al. (2010) é que, para

os trabalhadores que enfrentam custos de mudança idiossincráticos relativamente baixos, a

liberalização do comércio provavelmente será uma benção. Por outro lado, para os

trabalhadores com custos de movimentação idiossincráticos relativamente elevados, a

liberalização do comércio será benéfica somente se eles estiverem nos setores "certos" (isto é,

voltados para a exportação). A análise de Artuç et al. (2010) também destaca como diferentes

tipos de liberalização comercial podem ter impactos distintos no mercado de trabalho de um

país. Em particular, os autores mostram que anunciar previamente a abertura comercial tende a

reduzir os potenciais custos para os trabalhadores dos setores importadores e os potenciais

ganhos para os trabalhadores dos setores exportadores. A razão para isso é que um aviso prévio

induz uma mudança antecipada de trabalhadores dos setores afetados negativamente para os

setores beneficiados, aumentando o nível salarial no primeiro tipo de setor e aumentando os

salários no segundo antes mesmo que a liberalização ocorra.

Davidson e Matusz (2002) também modelam explicitamente os custos de ajustamento

dos trabalhadores que mudam de setor. Os autores consideram um modelo de equilíbrio geral

de comércio internacional incluindo a rotatividade de trabalhadores na economia.

Trabalhadores diferem em habilidade, e diferentes empregos exigem diferentes níveis de

qualificação. Trabalhadores escolhem vagas maximizando sua renda esperada ao longo da vida.

Eles alternam entre períodos de emprego, desemprego e treinamento, com a duração de cada

período determinada pelas taxas de rotatividade de trabalhadores em cada setor. O principal

aspecto desse modelo é o detalhamento explícito dos processos de treinamento e procura por

emprego, permitindo aos autores contabilizarem os custos dessas fricções. O objetivo de

Davidson e Matusz é estimar o tamanho e o escopo desses custos quando associados a uma

política comercial. Mesmo considerando hipóteses otimistas sobre o tempo e recursos

dispendidos em atividades de retreinamento, eles apontam que os custos de ajustamento são

consideráveis e podem corresponder de 30% a 90% dos benefícios de longo prazo oriundos da

liberalização comercial.

Davidson e Matusz (2000) fazem uma análise semelhante. Eles mostram que os países

que mais aproveitam os potenciais ganhos trazidos pela liberalização comercial são aqueles

com mercados de trabalho mais flexíveis. Em resumo, o impacto de políticas comerciais numa

economia depende profundamente da estrutura do seu mercado de trabalho.

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5.2. Integração Comercial e o Mercado de Trabalho Brasileiro

5.2.1. Liberalização Comercial Brasileira

Até o final dos anos 1980, a política comercial Brasileira era orientada por uma política

de substituição de importações. Isso significava que diversas barreiras tarifárias e não-tarifárias

protegiam as firmas nacionais da competição externa, como aponta Abreu (2004). Além disso,

uma fração relevante de produtos era simplesmente proibida de entrar no território nacional.

Vislumbrando a falta de sustentabilidade de tais políticas no longo prazo, o governo Brasileiro

implementou uma primeira série de reformas em junho de 1988, removendo barreiras não-

tarifárias e reduzindo o nível das tarifas. Entretanto, esta primeira reforma implicou apenas

numa pequena redução da proteção efetiva concedida às firmas nacionais, uma vez que ainda

vigorava no Brasil um sistema aduaneiro especial. Este sistema concedia acesso preferencial a

alguns tipos de produtos e o corte nas tarifas procurou apenas eliminar parte da redundância

tarifária na época (Kovak, 2013).

Em março de 1990, uma reforma mais profunda foi implementada. O governo aboliu as

barreiras não-tarifárias que entendeu serem mais relevantes (incluindo uma redução substancial

na lista de produtos suspensos e o fim da maioria dos regimes aduaneiros especiais). Além

disso, as tarifas foram reduzidas em fases entre 1991 e 1994, observando-se uma redução tanto

na média quanto na dispersão das mesmas. Como mostra Kovak (2013) em sua análise

reproduzida aqui na Figura 5.4, a tarifa média no Brasil era aproximadamente igual a 55% em

1987 e possuía grande dispersão entre as indústrias, variando de 16% até mais de 100%. Além

disso, a figura mostra que as mudanças tarifárias foram negativamente correlacionadas com os

níveis tarifários pré-liberalização, ou seja, em média as tarifas caíram mais fortemente nos

setores que eram mais protegidos.

Neste contexto, Kovak (2013) busca entender como o processo de liberalização

comercial afetou os trabalhadores Brasileiros. Baseado nas diferentes configurações industriais

de cada micro-região do Brasil, ele verifica como os trabalhadores nas diversas micro-regiões

foram afetados por diferentes cortes de tarifas. Ele conclui que trabalhadores inicialmente

empregados em regiões que sofreram com maiores cortes tarifários médios foram mais

negativamente afetados em termos relativos, ou seja, um trabalhador numa região que observou

um corte médio nas tarifas de 10 pontos percentuais viu seu salário aumentar 4 pontos

percentuais menos quando comparado a trabalhadores em regiões menos afetadas.

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Figura 5.4: Relação entre tarifas pré-liberalização e mudanças nas tarifas no Brasil.

Fonte: Kovak (2013)

Dix-Carneiro e Kovak (2017) analisam a evolução do processo de liberalização

comercial Brasileiro. Seus resultados mostram prolongadas quedas na fração de trabalhadores

formais e no salário real médio das regiões que sofreram com maiores cortes tarifários

(relativamente a outras regiões). E surpreendentemente, eles também mostram que os efeitos

de longo prazo (20 anos após a liberalização) sobre a renda nas regiões afetadas são três vezes

maiores que os efeitos de médio prazo (10 anos após a liberalização), ou seja, disparidades

regionais oriundas do choque ficam mais fortes com o passar do tempo. Entretanto, cabe

ressaltar que os artigos de Kovak (2013) e Dix-Carneiro e Kovak (2017) falam apenas dos

efeitos relativos entre regiões e trabalhadores, respectivamente. Nenhum deles consegue

mensurar qual foi o impacto líquido do choque comercial no Brasil. Além disso, não levam em

consideração nenhum dos potenciais efeitos positivos de um choque comercial como, por

exemplo, a expansão de setores exportadores.

Já Paz (2014) estuda não somente como a redução das tarifas de importação Brasileiras

afetaram o mercado de trabalho local, mas também os impactos gerados pela redução das tarifas

impostas aos produtos Brasileiros por outros países (reduções estas não diretamente ligadas à

reforma comercial Brasileira), ou seja, leva em consideração alguns dos aspectos positivos de

uma maior abertura comercial. Ele analisa como essa maior integração comercial modificou a

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taxa de informalidade do mercado de trabalho Brasileiro, assim como o salário médio dos

trabalhadores formais e informais. Paz argumenta que o Brasil atravessou uma fase de

liberalização nos anos 1990 sem que ocorressem ao mesmo tempo reformas trabalhistas, como

aconteceu no Chile, por exemplo, o que lhe permite encontrar efeitos “mais limpos”

relacionados somente a políticas comerciais.

Paz encontra que uma redução de um ponto percentual nas tarifas de importação

Brasileiras aumentou em 0.129 pontos percentuais a fração de trabalhadores informais, além de

aumentar os salários dos trabalhadores informais (em aproximadamente 0.06%) e diminuir os

salários no setor formal (em aproximadamente 0.05%). Entretanto, uma redução de mesma

magnitude nas tarifas impostas aos produtos Brasileiros no exterior reduziu a fração de

trabalhadores informais em 0.151 pontos percentuais, aumentou o salário dos trabalhadores

formais (em aproximadamente 0.32%) e diminuiu o salário no setor informal (0.34%). Isto

mostra que há perdedores e ganhadores em processos de integração comercial. Além disso, o

autor argumenta que o efeito líquido médio sobre os trabalhadores nos setores formal e informal

resulta num aumento do gap salarial formal-informal (lembrando que em média o salário real é

maior no setor formal).

5.2.2. Crescimento da China

A ascensão da China é um dos eventos mais importantes da economia mundial nas

últimas décadas. Seu crescimento econômico vertiginoso teve enormes implicações dentro do

próprio país, tirando da pobreza milhões de cidadãos chineses. Entretanto, diversos economistas

já documentaram que a competição gerada pela expansão industrial de um determinado país

pode afetar consideravelmente os trabalhadores no setor de manufaturas em outros países.

Considerando o espetacular crescimento da China nas últimas décadas, Autor, Dorn e Hanson

(2013) documentam que o número de empregos diminuiu mais rapidamente em áreas dos

Estados Unidos que produziam bens que passaram a ser importados da China. Efeito semelhante

também foi observado em países da Europa. Por exemplo, Pessoa (2018b) mostra que

trabalhadores do Reino Unido inicialmente empregados em indústrias que competem com

produtos chineses ganharam menos e ficaram mais tempo desempregados no início dos anos

2000. Mais uma vez, ambos os artigos consideram apenas efeitos relativos (entre trabalhadores

e/ou setores) e estudam apenas aspectos negativos da maior integração comercial Chinesa.

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Entretanto, uma maior integração comercial de um certo país também pode ser uma boa

oportunidade para o crescimento de determinados setores da economia de outros países. A

própria China além de ser uma grande competidora para países industrializados também se

tornou uma voraz compradora de produtos produzidos mundo afora. Em particular, o apetite do

rápido crescimento chinês alimentou o boom mundial de commodities no início da década

passada.

Isto teve um grande impacto em países emergentes cujas pautas de exportações para a

China passaram a ser dominadas por matérias-primas, como bens agrícolas, minérios e petróleo.

As exportações de países de baixa e média renda para a China cresceram doze vezes entre 1995

e 2010. Em comparação, suas exportações para todos os outros países dobraram no mesmo

período. A China, então, se tornou um parceiro comercial crucial para o mundo em

desenvolvimento.

Em 1995, commodities representavam apenas 20% das modestas exportações desses

países para a China. Já em 2010, commodities representavam cerca de 70% das exportações

dos países em desenvolvimentos para a China. Enquanto isso, as crescentes importações desses

países de produtos chineses consistiam quase inteiramente em produtos manufaturados.

Naturalmente, o espantoso crescimento Chinês e a maior integração da China ao

comércio mundial geraram impactos no Brasil. Costa, Garred e Pessoa (2016) usaram o Censo

Demográfico brasileiro de 2000 e 2010 para investigar como a situação dos trabalhadores em

diferentes regiões e indústrias no Brasil evoluiu durante o boom de comércio com a China.

O caso Brasileiro não foi uma exceção e a evolução comercial do Brasil com a China

nos anos 2000 seguiu o padrão dos demais países não-desenvolvidos. Em primeiro lugar, o

comércio bilateral entre os dois países explodiu: a China era o destino de apenas 2% das

exportações Brasileiras em 1995 e esse número subiu para 15% em 2010. Em segundo lugar, a

pauta de exportações para a China foi se concentrando em poucas commodities (Erro! Fonte

de referência não encontrada.A). Em 2010, mais de 80% das exportações brasileiras para a

China eram majoritariamente soja e minério de ferro. Entre 2000 e 2010, praticamente todo o

crescimento na demanda por soja e minério brasileiro veio da China. Por fim, da mesma forma

como o resto dos países em desenvolvimento, as importações brasileiras da China cresceram

rápido e quase exclusivamente de bens industrializados (Erro! Fonte de referência não

encontrada.B).

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Assim como em alguns países desenvolvidos, Costa, Garred e Pessoa (2016)

verificaram que durante esse período a competição das importações chinesas afetaram

negativamente os trabalhadores da indústria. Nas regiões do Brasil que produziam bens

manufaturados que vieram a ser importados da China (por exemplo, eletrônicos), o salário na

indústria cresceu sistematicamente abaixo das demais regiões entre 2000 e 2010. O salário na

indústria em uma região, entre as 20% mais afetadas pela competição chinesa, cresceu 0.8

pontos percentuais abaixo do salário na indústria em uma outra região entre as 20% menos

afetadas pelas importações chinesas.

Figura 5.5: Fração de commodities no comércio do Brasil

Notas: ‘Commodities’ incluem produtos agrícolas, florestais, pesca, setores mineradores e

petróleo. Dados de comércio de CEPII BACI. Fonte: Costa, Garred e Pessoa (2016)

Entretanto, os autores do trabalho também confirmaram que algumas regiões e setores

no Brasil ganharam com o crescimento do comércio com a China. Os salários cresceram

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relativamente mais nas regiões que se beneficiaram do crescimento da demanda chinesa,

principalmente regiões produzindo soja e minério de ferro. O salário médio em uma região entre

as 20% mais beneficiadas pela demanda chinesa cresceu 0.9 pontos percentuais acima do salário

médio em uma região entre as 20% menos afetadas pelas exportações para a China.

Eles também verificaram que a fração de trabalhadores em empregos formais cresceu

mais nas regiões mais expostas ao crescimento da demanda chinesa. Diferentemente de

empregos no setor informal, obviamente, um trabalhador formal tem acesso a seguro

desemprego, licença médica remunerada e outros benefícios. Dessa forma, esse crescimento

em formalização pode ser interpretado como um aumento na compensação não-salarial desses

trabalhadores.

5.3. Efeito Líquido na Economia

Apesar dos estudos sobre o Brasil apresentados até aqui considerarem os efeitos do

comércio internacional sobre o nosso mercado de trabalho, nenhum deles mede o efeito líquido

de uma expansão comercial brasileira levando em consideração tais efeitos. Em outras palavras,

será que o crescimento chinês das últimas décadas e a liberalização comercial ocorrida na

década de 1990 aumentaram o bem-estar social no Brasil mesmo levando-se em consideração

eventuais custos de ajustamento? Para se mensurar tais efeitos, é necessário o uso de

sofisticados modelos econômicos de comércio internacional que considerem imperfeições no

mercado de trabalho. E felizmente, a fronteira da literatura de comércio internacional vem

incorporando tais imperfeições para quantificar os ganhos de comércio de forma mais precisa.

Por exemplo, Dix-Carneiro (2014) usa dados Brasileiros (RAIS) para estudar um

choque de comércio em um modelo com fricções de mobilidade entre setores e trabalhadores

heterogêneos. Apesar dos custos de ajustamento, o autor conclui que o bem-estar social

aumenta em média no Brasil. Ele também encontra que: (i) os custos (medianos) de mobilidade

são altos, variando entre 1.4 e 2.7 vezes o salário médio anual dos trabalhadores; (ii) a duração

do período de transição para o novo equilíbrio depende de hipóteses sobre a mobilidade de

capital físico da economia, podendo durar entre 9 e 30 anos (para perfeita mobilidade ou

imobilidade, respectivamente); (iii) custos de ajustamento podem corresponder de 11% a 26%

dos potenciais ganhos advindos da liberalização, dependendo novamente do grau de mobilidade

do capital físico; (iv) os custos da readequação ao novo equilíbrio dependem das características

observáveis e não observáveis dos trabalhadores – mulheres, pessoas mais velhas ou com pouca

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educação, e aqueles que trabalham em setores industriais de alta tecnologia tendem a ter os

maiores custos de mobilidade entre setores; (v) um subsídio variável condicional ao tamanho

dos custos de realocação dos trabalhadores pode funcionar como uma melhor política de

compensação para os “perdedores” da liberalização do que programas de treinamento.

Caliendo, Dvorkin e Parro (2017) introduzem custos de mobilidade entre setores em um

modelo de comércio com múltiplos países e regiões e conexões insumo-produto. Eles estudam

como o recente crescimento chinês afetou diversos países ao redor do mundo, focando no efeito

sobre os Estados Unidos. Os autores encontram substancial heterogeneidade nos efeitos sobre

as regiões dentro dos Estados Unidos (dependendo de suas composições setoriais), mas

concluem que os Estados Unidos ganham como um todo (em termos de bem-estar). Além disso,

os autores mostram que o Brasil também se beneficia moderadamente: há um aumento de

aproximadamente 0.2% no bem-estar do trabalhador Brasileiro médio.

Já Pessoa (2018a) introduz não apenas fricções de mobilidade entre setores, mas

também fricções de busca por emprego, ou seja, em seu modelo trabalhadores podem ficar

involuntariamente desempregados. O autor analisa como o crescimento da China afetou outras

economias ao redor do mundo. Apesar das fricções no mercado de trabalho, o autor encontra

que todos os países se beneficiaram da expansão chinesa, seja pelo acesso a produtos mais

baratos ou pela possibilidade de exportar mais para China.

E em análises adicionais utilizando o modelo econômico de Pessoa (2018a), podemos

verificar que o Brasil também se beneficiou de tal choque, obtendo um ganho de bem-estar de

aproximadamente 1.3%. Este ganho, no entanto, é heterogêneo. Por exemplo, os trabalhadores

na agricultura têm os maiores ganhos em termos de salário real, enquanto trabalhadores em

setores de manufatura de alta tecnologia obtêm os menores (e até leves perdas durante o período

de transição).

Artuç, Lederman e Rojas (2015) analisam o impacto do crescimento chinês no mercado

de trabalho do Brasil e de outros países da América Latina e do Caribe. De modo similar a

Costa, Garred e Pessoa (2016), Artuç e coautores tratam o crescimento da China como um

choque positivo para os produtores de commodities (setores de mineração agricultura) devido

à alta demanda criada pela China nesse período, e como um choque negativo para o setor

manufatureiro/industrial dos países latino americanos, já que tais setores passaram a competir

com produtos importados chineses.

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Artuç, Lederman e Rojas atribuem índices de vulnerabilidade e oportunidade para cada

país a fim de medir o tamanho do choque gerado pela entrada da China no mercado mundial.

Eles encontram fortes efeitos negativos nos setores manufatureiros no Haiti, Honduras e

México, efeitos positivos nos setores agrários voltados para a exportação no Paraguai,

Argentina, Brasil, Guiana, e Uruguai, e efeitos positivos nos setores de mineração no Brasil,

Chile, Honduras e Peru.

Os autores fazem uma análise mais detalhada para Brasil, Argentina e México. Eles

utilizam um modelo econômico similar ao de Artuç, Chaudhuri e McLaren (2010), mas levando

em consideração que há trabalhadores formais e informais no mercado de trabalho dos países

em questão. Com este modelo, os autores conseguem estimar os custos de mobilidade dos

trabalhadores de um emprego/setor/carreira para outro, incluindo os custos associados às

transições entre os setores formal e informal. Tais estimativas lhes permitem avaliar como o

equilíbrio no mercado de trabalho dos três países é reajustado após o crescimento chinês. De

forma geral, foi encontrado que o maior custo enfrentado pelo trabalhador ocorre quando ele

muda de setor e decide se formalizar, enquanto o menor custo ocorre quando, permanecendo

num mesmo setor, o trabalhador passa a ser informal. Em geral, os custos são menores quando

um empregado permanece no mesmo setor.

Tais custos de mobilidade são altos e limitam o número de trabalhadores absorvidos

pelos setores exportadores durante as transições das três economias após o choque comercial

chinês. E como as firmas que se expandem em geral estão no setor formal, os custos também

limitam a redução da informalidade, algo que traria benefícios adicionais. Ainda assim, para

Brasil e Argentina, Artuç, Lederman e Rojas concluem que os choques positivos na agricultara

e na mineração superaram os negativos na indústria, mantendo o nível de emprego e salários

estáveis no longo prazo.48

Em resumo, podemos ver que diversos estudos na fronteira da literatura mostram que

uma maior integração comercial tende a beneficiar os países envolvidos, especialmente para o

Brasil, mesmo levando em consideração os custos de ajustamento enfrentados pelos

trabalhadores. Esta é uma mensagem importante que deve ser considerada seriamente pelos

delineadores de políticas econômicas. Entretanto, podem existir formas de se diminuir as perdas

enfrentadas pelos trabalhadores, como veremos em seguida.

48 Já no México, a magnitude do choque negativo na indústria foi muito elevada para ser compensada por

qualquer choque positivo, levando à redução do emprego e dos salários no longo prazo.

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5.4. Diretrizes para a Redução dos Custos de Ajustamento

Conforme mostramos anteriormente, custos de ajustamento no mercado de trabalho são

um importante componente na determinação de ganhos de bem-estar decorrentes de episódios

de integração comercial. Se por um lado a pura existência de tais custos não impede que um

país se beneficie de uma maior abertura, certamente os ganhos seriam ainda maiores caso os

custos fossem menores ou inexistentes. De forma geral, uma maior mobilidade de trabalhadores

entre regiões, setores e firmas da economia tornaria mais fácil a apropriação de ganhos

decorrentes de processos de abertura comercial.

Nesta parte do trabalho, começaremos analisando um programa implementado nos

Estados Unidos que tinha entre os seus objetivos diminuir parcialmente tais custos de

ajustamento. Baseado nas conclusões dos artigos que avaliaram o programa americano e nos

estudos apresentados anteriormente, proporemos algumas diretrizes de políticas que busquem

diminuir os custos de ajustamento no mercado de trabalho decorrentes de processos de abertura

comercial no Brasil.

5.4.1. O Caso Americano: Trade Adjustment Assistance

Experiências internacionais mostram que programas focados na compensação de

trabalhadores (e firmas) prejudicados por processos de abertura comercial têm eficácia

duvidosa. Um exemplo é o Trade Adjustment Assistance (TAA), que foi implementado

inicialmente pelo governo americano em 1962 com o objetivo de garantir o apoio dos

trabalhadores na rodada Kennedy de negociações multilaterais de comércio.

O TAA visa promover: (i) a compensação dos trabalhadores afetados pela abertura

comercial; (ii) o subsequente ajuste de mercado; (iii) o ambiente necessário para expansão do

comércio. O programa oferece desde ajuda financeira (uma espécie de seguro desemprego) até

treinamentos e benefícios de deslocamento para outras regiões. O programa se estende não só

a trabalhadores como também a empresas, porém a parte mais expressiva do mesmo se

concentra no primeiro. Desde a sua criação, o programa foi modificado diversas mudanças

foram feitas. Nos anos 80, devido aos volumosos gastos com o TAA, o governo restringiu sua

aplicabilidade. No início dos anos 2000, no entanto, o programa foi ampliado, passando a

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129

abranger não só setores afetados diretamente pelo comércio como também os afetados

indiretamente. Além disso, outros benefícios foram incluídos.

Os potenciais benefícios do programa são claros: compensar trabalhadores que

perderam seus empregos e facilitar a mudança destes para outros postos de trabalho. Além

disso, ao diminuir o custo efetivo de busca por oportunidades, tal programa facilitaria o

encontro de “bons empregos” por parte dos indivíduos. Do lado dos custos, além dos gastos

diretos com o programa, é necessário avaliar se ele de fato cumpre o seu objetivo. Uma pura

compensação financeira, por exemplo, pode desestimular o trabalhador a buscar novas

oportunidades de emprego, ou seja, poderia simplesmente aumentar as fricções no mercado de

trabalho.

Naturalmente, avaliar o balanço do programa como um todo seria uma tarefa

extremamente complexa, já que envolveria medir os benefícios para os EUA de uma maior

abertura comercial com o programa e comparar este caso com um contrafactual em que o

processo de abertura ocorre sem o TAA. Isso levaria em conta potenciais ganhos estáticos e

dinâmicos oriundos do processo de abertura, assim como os benefícios (ou custos) gerados pelo

TAA ao potencialmente facilitar a realocação de trabalhadores dentro da economia.

Diante de tal complexidade, a maior parte da literatura sobre o assunto busca avaliar a

eficácia do programa em diminuir as fricções de mobilidade dos trabalhadores, assim como a

qualidade dos novos empregos encontrados por eles. Em particular, Marcal (2001) mostra que

o TAA não proporcionou maiores ganhos salariais aos indivíduos participantes. Isto quer dizer

que independentemente de ganhar a ajuda extra do TAA e/ou participar do programa de

treinamento (treinamento para recolocação profissional), os salários obtidos subsequentemente

pelos beneficiados não diferiram significativamente dos salários dos indivíduos que perderam

seus empregos e não foram ajudados pelo TAA. Em contrapartida, os que participaram do

treinamento tiveram 6% a mais de chance de encontrarem emprego.

Palatucci e Reynolds (2011) analisam uma pergunta semelhante. Eles utilizam técnicas

econométricas para criar um grupo de controle de trabalhadores que não participaram do TAA

mas possuem características semelhantes aos que participaram.49 Eles estimam que o TAA

aumentou a chance dos participantes de encontrarem novos empregos, em especial quando estes

tomam parte nos programas de treinamento. Entretanto, os novos empregos dos participantes

são de pior remuneração. Suas estimativas sugerem que os desempregados que participaram do

49 Utilizam um “propensity score matching”.

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130

programa obtiveram um salário 10 pontos percentuais menor do salário dos indivíduos que não

participaram do TAA. Eles argumentam que esses resultados devem ser levados em

consideração pelos governantes. Apesar do TAA prover uma rede de proteção social para os

trabalhadores desempregados e até mitigar sentimentos protecionistas, sua eficácia é altamente

questionável.

Como sugerido pelos artigos anteriores, o treinamento parece um componente

importante na determinação da efetividade do programa. Park (2012) busca medir o quão

efetivo é o treinamento fornecido em termos de alinhamento (se o emprego conquistado após o

treinamento está em linha com o treinamento recebido) e como isso afetou os salários dos

trabalhadores. Eles encontram que o treinamento aumenta a chance do participante de encontrar

um emprego em quase 5 pontos percentuais. O autor também mostra que os trabalhadores que

obtiveram sucesso em termos de alinhamento (após aprenderem novas técnicas e

conhecimentos com o treinamento) se beneficiaram em termos gerais, sugerindo que o

treinamento é de fato parte chave do programa. Porém, muitas vezes os cursos oferecidos não

estão alinhados com a demanda do mercado, e os autores argumentam que um ajuste mais fino

nessa dimensão poderia melhorar a eficácia do TAA como um todo.

Cabe ainda ressaltar que Baicker e Rehavi (2004) questionam a existência de um

programa focado apenas em trabalhadores afetados pelo comércio internacional, argumentando

que não há uma razão clara para se direcionar benefícios a um grupo específico de

desempregados. Eles também questionam a duração do benefício, indicando que prover

benefícios pelo período considerado pelo programa (2 anos e meio na época) pode ter impacto

líquido negativo na prospecção profissional do indivíduo, mesmo quando considerados os

treinamentos realizados (necessários para extensão do benefício).

5.4.2. Diretrizes para o Brasil

Com base na literatura de comércio internacional que leva em conta fricções no mercado

de trabalho, para se diminuir parte dos custos de ajustamento no mercado de trabalho, deve-se

facilitar a mudança dos trabalhadores empregados em setores afetados negativamente para os

setores que estão crescendo. E notem que qualquer medida que aumente a fluidez do mercado

de trabalho vai ajudar nessa dimensão. Ou seja, deve-se buscar políticas que facilitem a

realocação de trabalhadores entre firmas, setores e regiões, seja esta realocação necessárias por

conta de políticas comerciais ou não. Este último aspecto é extremamente importante e

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corrobora a ideia apresentada por Baicker e Rehavi (2004) de que programas focados em

trabalhadores afetados por políticas comerciais são questionáveis.

De forma geral, pode-se dizer que o mercado de trabalho brasileiro é pouco flexível.

Obviamente, isto dificulta a mobilidade de trabalhadores e torna mais difícil a apropriação de

ganhos decorrentes de processos de abertura comercial. Desta forma, políticas públicas que

facilitem a realocação dos trabalhadores brasileiros podem ajudar a aumentar os ganhos de bem-

estar em processos de abertura. Com base nas análises feitas para o TAA nos EUA, um

programa de requalificação de desempregados parece ser uma opção relativamente eficaz,

especialmente se as qualificações ofertadas nos treinamentos estiverem sendo demandadas por

setores em expansão.

Como sugerido por Kalout et al. (2018), no Brasil já há programas que podem ser

modificados de forma a requalificar profissionalmente os trabalhadores, e consequentemente

aumentar a mobilidade dos mesmos entre firmas, setores e/ou regiões da economia. Além de

potenciais custos financeiros menores, Kalout et al. argumentam que adaptar políticas ou

programas já existentes tem um custo político menor do que criar novas estruturas.

Os autores sugerem que reformulações no Programa Nacional de Acesso ao Ensino

Técnico e Emprego (Pronatec) cumpriria parte desse papel. Seria necessário, por exemplo,

incorporar duas (novas) variáveis ao programa. Em primeiro lugar, seria importante entender

que regiões e setores sofrerão e se beneficiarão com o choque comercial. Em segundo lugar,

seria fundamental mapear quais novas habilidades serão demandadas pela economia depois do

choque. E notem que apesar dos autores estarem analisando um choque de liberalização

comercial, as mesmas diretrizes poderiam ser aplicadas a outros tipos de choque (por exemplo,

um choque tecnológico em algum setor).

De posse das informações acima, é fundamental que o governo possibilite o acesso dos

trabalhadores ao treinamento das habilidades demandadas pelos setores em expansão. Kalout

et al. sugerem que os cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) seriam uma boa

alternativa. Os cursos FIC buscam capacitação e aperfeiçoamento de habilidades de forma

rápida (3-6 meses) e desde que estejam alinhados às demandas da economia, permitiriam um

rápido retorno dos trabalhadores ao mercado. Os autores também mencionam que há

instituições de ensino capacitadas para tais ensinamentos (SENAI, SENAC, etc). Por fim,

Kalout et al. apontam que os programas devem ser alvos de avaliação contínua para verificar

se seus benefícios superam seus custos.

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132

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6. Experiências Internacionais

A maior parte da literatura de comércio internacional mostra que processos de

liberalização comercial geram ganhos de bem-estar para sociedade. Entretanto, processos de

liberalização são extremamente complexos, envolvendo diversos agentes com potenciais

interesses distintos. Além disso, certamente haverá perdedores e ganhadores, como mostramos

em nossa análise do impacto de aberturas comerciais sobre o mercado de trabalho.

Desta forma, um melhor entendimento de experiências de liberalização comercial

realizadas em outros países pode nos ajudar a compreender melhor os elementos essenciais para

o sucesso de uma eventual liberalização brasileira. Tais experiências poderiam nos ajudar, por

exemplo, a lidar com os perdedores, a facilitar a realocação de (alguns) recursos (como visto

em nossa análise sobre o mercado de trabalho), a maximizar os ganhos de produtividade, etc.

Nesta parte do relatório, descrevemos dois processos de liberalização de relativo

sucesso que ocorreram na américa latina. Começamos analisando o caso do Chile, que iniciou

seu processo de liberalização em meados da década de 1970. Vários acadêmicos apontam que

a liberalização foi possivelmente o principal fator por trás do crescimento econômico

considerável observado no país (principalmente a partir do início da década de 1990).

Entretanto, cabe ressaltar que a liberalização chilena foi acompanhada de diversas outras

reformas importantes, ou seja, outras políticas foram cruciais para o crescimento observado no

país. Entre os diversos benefícios decorrentes da liberalização, vale destacar o aumento de

produtividade documentado por Pavcnik (2002).

Também analisamos o processo de liberalização ocorrido no México. A liberalização

no México começou na década de 1980 e teve como seu principal episódio a ratificação do

“North American Free Trade Agreement” com os Estados Unidos e o Canadá. A liberalização

comercial mexicana também pode ser considerada um sucesso, promovendo o aumento das

exportações, do crescimento econômico e do bem-estar da população. Entretanto, a

desigualdade no país provavelmente aumentou em decorrência do processo (apesar de todas as

camadas da sociedade terem possivelmente se beneficiado). Este é um aspecto importante que

deve ser levado em consideração pelos delineadores de políticas no Brasil.

6.1. Chile

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6.1.1. Liberalização Comercial

Desde o início da década de 1980 até o fim dos anos 2000, o Chile obteve uma

integração substancial com o resto do mundo em termos de comércio exterior. Segundo Monfort

(2008), desde a implementação de uma ambiciosa agenda de reformas em meados da década

de 1970, a taxa anual de crescimento do comércio do Chile com o restante do mundo foi de

aproximadamente 8%, mais de 2 pontos percentuais acima do segundo colocado na américa

latina, o México. Entre 1990 e 2007, taxa de abertura chilena (calculada como o volume

exportado mais o importado sobre o PIB) aumentou de 49% para 65%.50 Este (e outros efeitos

que ainda serão discutidos) podem ser vistos na Figura 6.1, que compila quatro figuras de

Monfort (2008).

Essa tendência de crescimento do comércio do Chile com o resto mundo reflete diversas

políticas comerciais relevantes para o país, incluindo uma redução substancial das tarifas. Entre

1998 e 2002, o Chile gradualmente reduziu suas tarifas de 11% para 6%. E notem que esta tarifa

é uniforme (Schiff, 2002), algo que diminui consideravelmente potenciais pressões de alguns

grupos sobre o governo.

Além disso, Monfort (2008) aponta que o Chile assinou diversos tratados comerciais, o

que levou a uma tarifa efetiva de 2% em 2007, substancialmente menor do que a tarifa nominal.

Na segunda parte da década de 1990, o Chile firmou diversos acordos, principalmente com

países vizinhos. E a partir de 2003, o Chile ratificou diversos acordos de livre comércio com

seus parceiros majoritários (União Europeia, Estados Unidos, China e Japão). Desde então, a

fração de comércio chileno coberta por acordos comerciais saltou de 25% no fim de 2002 para

83% no fim de 2007.

Schiff (2002) argumenta que o Chile buscou ativamente tratados de comércio com seus

parceiros “do Norte”, que são aqueles que potencialmente gerariam o maior aumento de bem-

estar para o país. Adicionalmente, o Chile buscou não somente aumentar seu “market share” no

comércio com seus parceiros ou se aproveitar dos produtos mais baratos vindos do exterior. O

país também procurou atrair investimento externo direto (IED) e se tornar um hub de exportação

para aliados comerciais.

50 Monfort (2008) observa que um dos principais responsáveis por esse crescimento significativo foi o aumento

do preço do cobre, um dos principais componentes das exportações chilenas. Entretanto, mesmo excluindo-se o

cobre e efetuando alguns outros ajustes, a taxa de abertura comercial do Chile cresceu 12 pontos percentuais

durante o período considerado.

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Figura 6.6: Processo de abertura comercial no Chile.

Fonte: Monfort (2008).

Monfort (2008) mostra que o comércio chileno se expandiu com o boom do cobre,

mesmo com uma apreciação da moeda chilena. Cabe ressaltar que as exportações chilenas se

diversificaram para além do cobre antes da década de 1990, ainda que o cobre tenha

permanecido como o principal produto de exportação do Chile, representando 2/5 do valor das

exportações antes de um considerável aumento no preço do produto em 2003. Apesar da

apreciação, notem que o volume de exportações do Chile continuou a crescer entre 2003 e 2007

(e isto inclui a parte das exportações que não leva em consideração o cobre).

Entre as lições aprendidas durante o processo de liberalização, Soto (1996) destaca a

importância de um esforço sistemático para a implementação e aprofundamento das reformas

mesmo diante das resistências enfrentadas e dos resultados de certo modo imprevisíveis das

reformas, imprevisibilidade que se deve a choques nacionais e internacionais não esperados.

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Soto lembra que as reformas foram interrompidas no começo da década de 1980. Devido ao

caos oriundo do colapso do sistema financeiro na época, tarifas aumentaram e controles sobre

fluxos de capitais foram instaurados. Críticos das reformas se multiplicaram e alguns até

clamavam pela volta do sistema de substituição de importações. A estatização de uma parte

relevante do sistema bancário e financeiro marcou o fim do processo de privatização e a volta

do governo ao setor produtivo.

Entretanto, as autoridades persistiram com o objetivo de desregular e abrir a economia

do país. Elas declararam a intenção de reprivatizar bancos e instituições financeiras. O aumento

das tarifas também foi anunciado como temporário: as tarifas deveriam voltar para 15% num

breve horizonte de tempo. Uma vez que os débitos externos foram renegociados, os controles

sobre os fluxos de capitais foram extinguidos. Por fim, o programa de privatizações foi

retomado.

Uma segunda lição mencionada por Soto (1996) é que um sistema de reformas paralelo

é necessário para complementar e reforçar os benefícios da liberalização comercial. Os

benefícios em termos de aumento de eficiência e de crescimento decorrentes de uma maior

abertura requerem um ambiente macroeconômico estável, mercado de fatores livres de

restrições, e um ambiente institucional que reduza o risco e provenha uma estrutura adequada

de incentivos para investimentos privados. A experiência chilena também mostra que regulação

e supervisão de atividades financeiras é crucial para evitar externalidades negativas oriundas de

novas oportunidades criadas.

O caso chileno também mostra que o custo das reformas pode ser muito alto.

Consequentemente, medidas para diminuir o impacto sobre os grupos mais vulneráveis se

fazem necessárias para que o apoio às reformas seja mantido. Mesmo não sendo uma restrição

relevante no caso do Chile, (falta de) apoio político para as reformas pode se tornar um fator

crucial para o avanço das mesmas. Como discutido em outras seções do nosso relatório, o

mercado de trabalho tende a ser uma variável importante nesse processo decisório.

Soto (1996) ainda menciona outros dois fatores importantes para o sucesso de um

processo de abertura. O primeiro deles é um “redesenho” do governo, algo que incluiria o seu

afastamento do setor produtivo acompanhado de uma regulamentação adequada para evitar que

agentes privados incorram em práticas não competitivas. O segundo é a credibilidade da

estratégia da reforma, incluindo-se a habilidade do governo de implementar a mesma. Mais

precisamente, o sucesso da reforma depende substancialmente de uma mudança de atitude dos

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agentes privados: eles devem mover-se de atividades ineficientes, de baixa lucratividade ou

socialmente não produtivas, para áreas mais eficientes. Para que estas mudanças ocorram, a

credibilidade das reformas é fundamental.

6.1.2. Efeitos

Além de Monfort (2008), que mostra que a liberalização comercial chilena teve um

impacto significativo na expansão das importações e exportações do país, outros artigos

estudam o efeito da liberalização comercial sobre a economia do Chile. Soto (1996), por

exemplo, aponta que o processo de liberalização foi responsável por um período considerável

de crescimento sustentável no Chile.

Agosin (1999) relata que há pouca dúvida de que a liberalização que começou em

meados da década de 1970 foi a razão principal do crescimento chileno observado desde então.

Segundo o autor, o crescimento econômico do país pode ser melhor entendido se dividido em

cinco sub-períodos: i) 1960-1970, marcado pela substituição de importações e domínio do

cobre, responsável por mais de 80% das exportações; ii) 1971-1973, correspondente ao

“experimento sociliasta”; iii) 1974-1981, quando o regime militar implantou reformas na

direção de um mercado mais livre que tiveram um impacto sobre o comércio exterior; iv) 1982-

1989, marcado por um grande pragmatismo na formulação de políticas e v) o período que

começa em 1990 com o retorno da democracia (ver Tabela 6.1 retirada do mesmo artigo).

Desde 1974, o crescimento das exportações manteve-se acima do crescimento do PIB.

Somente a partir de 1989, no entanto, o crescimento das exportações foi acompanhado por um

forte crescimento do PIB e da taxa de investimento. Agosin (1999) mostra evidências de que o

caso chileno é um exemplo de “exportação que leva ao crescimento”, e não o contrário. O autor

argumenta que um dos componentes do sucesso chileno está no surgimento de um diversificado

grupo de exportadores que produziam uma grande variedade de produtos (de acordo com a

vantagem comparativa chilena). No entanto, o autor coloca que esse não foi o único fator por

trás do sucesso. Outras políticas também foram cruciais para o crescimento observado (este

argumento é similar ao de Soto, 1996).

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Tabela 6.1: Processo de abertura comercial no Chile.

Fonte: Agosin (1999).

Já Pavcnik (2002) estudo o efeito da liberalização sobre a produtividade no Chile. Ela

utiliza um modelo estrutural para estimar os parâmetros da função de produção das firmas, o

que permite à autora recuperar as produtividades das mesmas. Com estas estimativas, Pavcnik

estuda o impacto da abertura comercial chilena sobre a produtividade das firmas. Ela encontra

que a produtividade aumentou nos setores que sofreram com mais competição de produtos

importados (possíveis mecanismos são a adoção de novas tecnologias e a redução de

ineficiências). Ela também mostra evidência de que aumentos agregados de produtividade após

a liberalização decorreram da realocação de recursos das firmas menos produtivas para as mais

eficientes.

6.2. México

6.2.1. Liberalização Comercial

O México é um outro exemplo de liberalização comercial de relativo sucesso. Nicita

(2004) aponta que a liberalização comercial no país pode ser dividida em quatro fases, como

mostra a Figura 6.2 (retirada do mesmo artigo). A figura mostra a evolução do grau de abertura

(importações mais exportações sobre o PIB) e o nível médio das tarifas (ponderadas pelas

importações) da economia Mexicana entre 1985 e 2000.

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Figura 6.7: Grau de Abertura do México.

Fonte: Nicita (2004).

De acordo com Nicita, o México começou seu processo de abertura comercial em 1985

com a eliminação de uma parte substancial das licenças de importação. No entanto, esta

primeira fase não implicou num aumento significativo das importações já que no mesmo

período as tarifas aumentaram, a taxa de câmbio depreciada tornava os produtos locais mais

atraentes e os bens que continuaram sob controle do governo (através das licenças) eram os que

enfrentavam a maior (potencial) ameaça de produtos estrangeiros.

O segundo estágio, que começa com a adesão ao ``General Agreement on Tariffs and

Trade’’ (GATT) em 1986, foi marcado por uma redução significativa das tarifas. É durante esta

segunda fase que as importações mexicanas começaram a crescer substancialmente, passando

de aproximadamente 17 bilhões de dólares em 1986 para 42 bilhões em 1989. Apesar disso,

alguns setores permaneceram altamente protegidos.

A terceira fase é marcada pelo começo das negociações do “North American Free Trade

Agreement” (NAFTA) em 1990, e vai até a sua implementação em 1994. Esse foi um período

de forte crescimento econômico (aproximadamente 4% ao ano) e aumento significativo no

comércio internacional.

Por fim, a implementação do NAFTA marca o começo da quarta e última fase. O acordo

de livre comércio norte americano reduziu gradualmente as tarifas (de 9% para cerca de 4% em

2000) e aumentou o nível de integração com os Estados Unidos através da desregulação de

alguns setores chaves, da harmonização de padrões e facilitação de fluxos de capital. Foi nessa

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142

fase que os fluxos de comércio aumentaram mais fortemente, saltando de aproximadamente 60

bilhões de dólares em 1994 para cerca de 170 bilhões em 2000.51

6.2.2. Efeitos

Diversos artigos estudam o efeito da liberalização mexicana sobre a sua economia

durante a década de 1990, focando, portanto, no efeito do NAFTA. De uma forma geral, os

artigos apontam efeitos positivos sobre o bem-estar geral da população, mas um crescimento

da desigualdade no país.

Por exemplo, Nicita (2004) mostra que a liberalização reduziu os preços de diversos

produtos agrícolas e industriais. Logo, apesar de todos os cidadãos mexicanos terem se

beneficiado com o acesso a uma cesta de consumo mais barata, famílias que eram provedoras

líquidas de bens agrícolas foram prejudicadas pela queda na renda. Nicita também mostra que

apesar de todas as faixas de renda da população terem se beneficiado com a liberalização, esses

benefícios se distribuíram de forma heterogênea, com a maior parte dos benefícios ficando com

a parte mais rica da população. Logo, podemos dizer que houve um aumento de desigualdade

decorrente do processo de liberalização. O autor ainda mostra que houve efeitos regionais

substanciais: estados mexicanos mais próximos dos mercados importadores (e exportadores) se

beneficiaram mais (em termos de aumento da renda real das famílias).

Hanson (2003) estuda o efeito do NAFTA sobre o mercado de trabalho mexicano. Ele

aponta que o NAFTA aumentou os retornos sobre qualificação do trabalho. Ele argumenta que

isso se deveu em parte ao aumento do fluxo de capital para o México, já que trabalho qualificado

e capital são complementares e, portanto, um maior fluxo de capital tende a aumentar a

demanda por qualificação e consequentemente seus retornos. Hanson mostra que entre 1980 e

1994 o IED correspondia a apenas 1.3% do PIB mexicano. Já entre 1995 e 2000 esse número

pulou para 2.8%. E cerca de dois terços deste valor vem dos Estados Unidos. A criação de

setores de montagem no México voltados para a exportação (indústrias “maquiladoras”) por

firmas dos Estados Unidos (com subsidiárias no México) aumentou o comércio de bens

51 Nicita (2004) ainda aponta que no ano 2000 aproximadamente 80% das linhas tarifárias já haviam sido

removidas. E as 20% restantes seriam eliminadas dali em diante. Besedes et al. (2015) apontam que em 2003 a

maior parte das tarifas restantes já haviam sido retiradas.

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143

intermediários.52 Em 2000, 47.7% das exportações e 35.4% das importações mexicanas eram

feitas por “maquiladoras”.

Assim como Nicita (2004), Hanson mostra que durante a década de 1990, os retornos

sobre a qualificação aumentaram no México, assim como as disparidades regionais de salários.

Os ganhos salariais foram maiores em regiões mais expostas a comércio internacional, IED e

oportunidades de migração para os Estados Unidos. Os ganhos foram maiores para indivíduos

mais qualificados vivendo mais perto dos Estados Unidos, e menores para indivíduos menos

qualificados morando no sul do país. Além disso, há pouca evidência de uma eventual

convergência salarial entre os Estados Unidos e o México (como parte da literatura teórica de

comércio internacional prevê).

Referências:

Agosin, M. R. (1999): “Trade and growth in Chile,” CEPAL Review 68.

Besedes, T., Tristan Kohl e James Lake (2015): “Phase Out Tariffs, Phase In Trade?,”

mimeo.

Hanson, Gordon (2003). “What Has Happened to Wages in Mexico since NAFTA?

Implications for Hemispheric Free Trade,” NBER working paper.

Monfort, B. (2008): “Chile: Trade performance, Trade Liberalization, and

Competitiveness,” IMF working paper WP/08/128.

Nicita, A. (2004): “Who Benefited from Trade Liberalization in Mexico? Measuring the

Effects on Household Welfare,” World Bank Policy Research Working Paper 3265, World

Bank.

Pavcnik, N. (2002): “Trade Liberalization, Exit, and Productivity Improvements:

Evidence from Chilean Plants,” The Review of Economic Studies, Volume 69, Issue 1.

Schiff, M. (2002): “Chile’s Trade Policy: an Assessment,” Central Bank of Chile

working paper 151.

Soto, R. (1996): “Trade Liberalization in Chile: Lessons for Hemispheric Integration,”

ILADES Documento de Investigación #95.

52 No setor de montagem mexicano, IED quase sempre aumenta o comércio do México com o resto do mundo diretamente, já que o setor é focado em exportação.

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144

7. Análise de Impacto de Cenários de Abertura, via Modelagem de Equilíbrio Geral Computável Dinâmico

Os cenários de abertura comercial, a serem analisados nesta seção, buscam delinear o

conjunto das principais alternativas ora disponíveis para a economia do Brasil, tendo em vista

o aumento de sua inserção internacional. Em primeiro lugar, serão avaliados os impactos

econômicos (de longo prazo) de possíveis cenários de abertura comercial unilateral, com

destaque para a redução das tarifas de importação de bens de capital, de informática e de

telecomunicações. Em seguida, serão avaliados os impactos econômicos de uma abertura

unilateral total para o Brasil, além do acordo Mercosul – União Europeia.

7.1. O Caso da Abertura Unilateral

7.1.1. Análise de Impacto para a liberalização de Insumos no Brasil.

Motivada pelos resultados amplamente reportados na literatura empírica (nacional e

internacional) sobre os benefícios de uma maior liberalização de insumos, esta análise parte da

constatação de que o Brasil (assim como a Argentina) está entre os países do mundo que

aplicam as maiores tarifas de importação para bens de capital (doravante BK), e para bens de

informática e telecomunicações (doravante BIT). Além disso, a atual estrutura tarifária dos

principais sócios do Mercosul conserva as mesmas características do período de substituição de

importações, em contraste com um mundo em que a estrutura tarifária se modificou, tendo em

vista a formação de cadeias globais e regionais de valor. Neste sentido, mesmo concorrendo

com bens que são, cada vez mais, produzidos “made in the world”, a estrutura tarifária no

Mercosul continua a seguir a lógica do adensamento das cadeias locais de produção.

Em 2016, as importações de bens de capital do Brasil representaram cerca de 35,30%

da importação total de bens do país. Este valor está abaixo da média da América Latina

(38,71%) e bem abaixo de países como o México (46,72%), República Checa (41,54%) ou

mesmo a China (42,58%), os quais possuem forte integração em cadeias globais/regionais de

valor.

Em uma perspectiva mais ampla, as Figuras 1 e 2 reportam os 30 maiores importadores

de bens de capital e intermediários do mundo, em 2016, de acordo com a sua participação nas

importações mundiais. O Brasil, a despeito de estar posicionado entre as 10 maiores economias

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145

do mundo, ocupa a 27a e a 22a posições, respectivamente, nestas classificações. De forma geral,

os dados apresentados parecem não corroborar a tese, comumente veiculada, de que a indústria

Brasileira estaria sofrendo um “surto” de importações nesta categoria de bens.

Figura 7.1. Ranking dos 30 maiores importadores de bens de capital em 2016 (%)

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

A Figura 7.3 reporta a média (simples) da tarifa aplicada para bens de capital no Brasil,

em 2016, em uma perspectiva comparada, envolvendo outros países em desenvolvimento e a

média mundial. Como observado, a tarifa aplicada no Brasil e na Argentina está

significativamente acima dos valores reportados para outros países em desenvolvimento, assim

como para a média mundial.

0,82

0,83

0,86

0,90

0,98

1,03

1,04

1,20

1,23

1,27

1,32

1,35

1,39

1,44

1,53

1,57

1,66

1,84

2,27

2,64

2,73

2,77

2,87

3,01

3,04

3,27

6,11

7,11

11,37

14,73

Suiça

Austria

Indonesia

Brasil

Australia

República Checa

Turquia

Emirados Árabes

Rússia

Polônia

Bélgica

Tailândia

Malásia

Vietnam

Espanha

India

Italia

Taiwan

Singapura

Coréia do Sul

Canadá

Holanda

Japão

França

Reino Unido

México

Alemanha

Hong Kong

China

EUA

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146

Figura 7.2. Ranking dos 30 maiores importadores de bens intermediários em 2016 (%)

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Figura 7.3. Média simples (%) da tarifa aplicada e MFN para bens de capital, em 2016.

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

0,80

0,80

0,84

1,01

1,09

1,25

1,26

1,28

1,29

1,42

1,46

1,49

1,61

1,80

2,01

2,16

2,23

2,43

2,52

3,02

3,10

3,10

3,12

3,16

3,20

3,72

4,65

6,19

9,30

10,18

República Checa

Austrália

Rússia

Áustria

Malásia

Indonésia

Emirados Árabes

Singapura

Brasil

Taiwan

Polônia

Turquia

Tailândia

Espanha

Vietnam

Canadá

México

Coréia do Sul

Japão

Hong Kong

Itália

Suíça

Bélgica

India

Alemanha

França

Reino Unido

Alemanha

China

EUA

12,12 12,02

6,425,66

3,87

2,21 1,901,30 1,06

0,37

13,10 13,07

8,21 7,87

5,88

2,91

5,89

2,00

5,93

2,11

Brasil Argentina India China Mundo México Coréia África do

Sul

Chile Turquia

Aplicada MFN

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147

Já a Figura 7.4 reporta valores para a média simples das tarifas de importação aplicada

sobre bens intermediários, também em uma perspectiva comparada. Como observado, as tarifas

de importação aplicadas no Brasil estão significativamente acima da média aplicada no resto

do mundo.

De forma geral, os dados das Figuras 3 e 4 revelam barreiras tarifárias persistentemente

altas no Mercosul, que colocam Brasil e Argentina em clara desvantagem competitiva na

absorção de insumos mais baratos e com maior conteúdo tecnológico para a sua indústria, assim

como no que tange a uma possível integração de suas cadeias produtivas com as demais

existentes nos países do resto do mundo.

Figura 7.4. Média simples (%) da tarifa aplicada e MFN para bens intermediários, em 2016.

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Contudo, os altos valores reportados para a média das tarifas aplicadas em bens de

capital e intermediários no Mercosul, quando analisados em seu conjunto, compõem uma

estrutura de incentivos de caráter ainda mais protecionista. Como observado na Figura 7.5, a

estrutura tarifária no Mercosul apresenta a chamada “escalada tarifária”, a qual ocorre quando

os valores médios das tarifas aplicadas crescem, a medida em que os estágios de processamento

agregam mais valor. Tal estrutura tarifária foi predominante entre os países que praticaram

políticas de substituição de importações até o final dos anos oitenta, como os países da América

Latina. Contudo, com o crescente comércio de bens intermediários e de bens de capital, a partir

dos anos noventa, tal estrutura tarifária vem perdendo relevância mundialmente, conforme

sugerido na Figura 7.5. O México, por exemplo, que praticava escalada tarifária até o início dos

anos noventa, é atualmente um país que oferece proteção efetiva menor que a observada nas já

10,69

9,60

7,76

6,355,34

4,673,66 3,55

1,951,07

11,81 11,72

10,56

7,73

11,44

7,40

3,95

5,46

6,896,00

Brasil Argentina India China Coréia Mundo México África do

Sul

Turquia Chile

Aplicada MFN

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148

modestas tarifas nominais aplicadas, tanto para bens intermediários, quanto para bens de

capital53.

Figura 7.5. Média simples (%) da tarifa aplicada por estágio de processamento, em 2016.

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Figura 7.6. Escalada tarifária no Brasil (%)

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

53 A argumentação descrita não exclui a possibilidade de que, em níveis de desagregação menores, ainda seja

possível identificar a presença de escalada tarifária em vários países do mundo. Contudo, chama a atenção o fato

de que, na desagregação por estágios de processamento utilizada neste trabalho (com dados provenientes do Banco

Mundial), os países do Mercosul figurem entre os únicos, em uma amostra de mais de 200 países, a apresentar tal

estrutura de tarifas.

4,93,5

6,85,5

9,4

4,3

2,0

8,2

10,79,6

3,7

6,47,8

5,7

3,64,7

12,1 12,0

2,2

5,76,4

2,61,3

3,9

18,0

16,4

10,5 10,711,7

6,8

11,8

8,6

Brasil Argentina México China India Russia África do

Sul

Mundo

Matérias primas Intermediários Bens de capital Bens de Consumo

20,1

39,941,7

51,8

10,6

21,728,3

35,2

4,9

10,712,1

18,0

Matérias primas Intermediários Bens de capital Bens de Consumo

1989 1991 2016

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149

A Figura 7.6 ressalta o fato de que, mesmo após a reforma tarifária de 1991, o Brasil

continuou a praticar o mesmo tipo de estrutura tarifária dos anos de substituição de importações

(com escalada tarifária), a despeito da ocorrência de todo o processo de fragmentação

internacional da produção, que ganha fôlego particular a partir dos anos noventa.

7.1.2. Aspectos da Modelagem

O modelo de equilíbrio geral computável dinâmico GDyn foi utilizado nas simulações

a seguir. O modelo GDyn é um modelo global de equilíbrio geral dinâmico aplicado em

competição perfeita. Em sua versão mais recente (base de dados GTAP 9), o modelo identifica

57 setores em 140 regiões do mundo. Seu sistema de equações é baseado em fundamentos

microeconômicos que fornecem uma explicação detalhada dos comportamentos dos

consumidores e das firmas perfeitamente competitivas existentes em regiões individuais, além

da descrição das relações comerciais e de investimentos externos diretos entre regiões. Assim

como sua versão estática (modelo GTAP), o modelo GDyn também reconhece custos globais

de transporte.

O modelo GDyn se classifica como do tipo Johansen, que estima os impactos de

choques externos (por exemplo, ganhos e perdas advindas de acordos preferenciais de

comércio) por meio de modelagem em estática comparativa (antes e após a aplicação do

choque). Como na sua versão estática, os resultados do modelo GDyn são obtidos por meio da

solução de um sistema de equações em sua versão linearizada. Um resultado padrão, por

exemplo, mostra a variação percentual no conjunto pré-estabelecido de varáveis endógenas

(PIB, importações e exportações, etc.) após a aplicação de choques em políticas comerciais,

comparando os valores finais com os presentes no equilíbrio inicial. A apresentação

esquemática das soluções de Johansen para tais modelos é padrão na literatura (ver Dixon et al

(1992) e Dixon e Parmenter (1996)).

O modelo GDyn trabalha com dinâmica recursiva (não há perfect-foresight) e

expectativas adaptativas. Para tanto, projeta uma trajetória “baseline” para o futuro, a qual é

alimentada com dados de projeções para PIB, força de trabalho e população, provenientes de

fontes diversas, como Banco Mundial, FMI e CEPII. De forma simultânea, o modelo projeta

uma trajetória “policy” (que considera o impacto do choque de abertura comercial). O resultado

da política em questão é dado pela diferença entre a trajetória “policy” e o “baseline”, para cada

variável endógena que se queira avaliar, no período de 2017 até 2030.

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150

A base de dados GTAP 9 combina dados detalhados acerca de comércio bilateral,

transporte e proteção comercial, de modo a caracterizar as relações comerciais entre 140

regiões, juntamente com dados individuais de insumo-produto para cada país, que consideram

relações inter-setoriais entre regiões. A base de dados é harmonizada e completada por fontes

adicionais como Banco Mundial e FMI, que fornecem a descrição mais realista da economia

mundial em 2011 (a última base de dados disponibilizada para o GTAP). A partir de 2011, a

base de dados é atualizada até o ano de 2017. O modelo GDyn projeta a trajetória “baseline”

desde 2018 até 2030.

O modelo Gdyn possui dois tipos de fechamentos básicos:

Curto-prazo: Livre mobilidade inter-setorial de mão-de-obra; Capital, terra e recursos

naturais são fatores fixos;

Longo prazo: Livre mobilidade inter-setorial de mão-de-obra e capital, com mobilidade

imperfeita de recursos naturais e terra (Fechamento utilizado neste estudo);

Intrinsecamente ao fechamento de longo prazo está a hipótese de que a taxa de

desemprego de uma economia é resultante do conjunto de políticas macroeconômicas

implementadas pelo governo, e não de políticas comerciais. Estas, por sua vez, tendem a ser

neutras, tanto do ponto de vista dos saldos comerciais como proporção do PIB, quanto do seu

impacto sobre as taxas de desemprego agregadas.

Quando aos investimentos no modelo Gdyn, os mesmos são distribuídos de forma a

igualar as taxas de retorno em cada região, tendo-se em conta os fatores de risco inerentes às

mesmas. Assim, de forma distinta à modelagem estática, o modelo Gdyn incorpora o aumento

do estoque de capital advindo dos investimentos (domésticos e estrangeiros, líquidos da

depreciação), sendo que os mesmos são absorvidos pela demanda setorial das firmas, de acordo

com a rentabilidade do capital (diferença entre o aluguel do capital e o custo unitário do bem

de investimento).

Desta forma, na formulação padrão do modelo Gdyn, os ganhos de bem-estar advindos

da abertura comercial são determinados pelo impacto na eficiência alocativa dos fatores de

produção domésticos, nos termos de troca, e no aumento do estoque de capital advindo do

investimento.

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151

7.1.3. Seleção de bens e desgravamento tarifário

A Tabela 7.1 reporta os códigos da nomenclatura comum do Mercosul (NCM), a 8

dígitos, para bens de capital - seguidos de desgravamento tarifário de 4 anos – que foram

utilizados como referência neste estudo. Como observado, a lista de bens de capital inclui,

majoritariamente, bens que pertencem à tarifa externa comum (TEC) do bloco, seguido de uma

pequena fração de bens (0,77%) que fazem parte da lista de exceção à tarifa externa comum

(LETEC).

Tabela 7.1. NCMs para desgravação de bens de capital.

Devido à ausência de correspondência entre os 57 setores da base de dados GTAP9 e a

nomenclatura comum do Mercosul a 8 dígitos, optou-se por trabalhar aos 6 dígitos do sistema

harmonizado54, mantendo o cronograma de desgravamento da Tabela 7.1 como referência.

Já a Tabela 7.2 reporta os códigos de bens intermediários que também sofrerão redução

tarifária neste exercício de simulação. Os códigos estão originalmente reportados a 8 dígitos,

mas, pelas razões já levantadas, a correspondência com os setores da base GTAP9 foi feita a 6

dígitos.

De forma complementar, simulou-se também a redução tarifária para uma dezena de

bens do setor de siderurgia, os quais estão reportados na Tabela 7.3.

54 O sistema harmonizado e a NCM coincidem até o sexto dígito, permitindo, assim, a devida

correspondência com os 57 setores da base de dados GTAP9.

TEC-BK LETECNº de

NCMs2018 2019 2020 2021

8% 2 6% 4% 4% 4%

10% 19 8% 6% 4% 4%

14% 879 10% 8% 6% 4%

14% 2 10% 8% 6% 4%

20% 1 12% 8% 6% 4%

25% 1 14% 10% 6% 4%

30% 2 14% 10% 6% 4%

35% 1 14% 10% 6% 4%

Desgravação para BK

TOTAL 907 NCMs

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152

Tabela 7.2. NCMs para a desgravação de bens de informática e telecomunicações.

Tabela 7.3. NCMs para a desgravação de bens do setor siderúrgico.

Os códigos reportados nas Tabelas 1,2 e 3 foram devidamente identificados em seis

macro setores da indústria de transformação brasileira, do total de cinquenta e sete setores

representados na base de dados GTAP9, conforme Tabela 7.4. Em termos relativos, o setor de

“Máquinas & Equipamentos” tende a ser o mais atingido pela redução tarifária (61% dos

códigos HS6 são afetados), especialmente concentrados em bens de capital. Os setores de

“Equipamentos Eletrônicos”, “Veículos & Partes” e “Outros equip. de transporte” também são

significativamente afetados pelo corte tarifário (em % de linhas atingidas). Contudo, enquanto

no primeiro setor os cortes estão concentrados em bens de informática e telecomunicações, nos

dois últimos setores as reduções tarifárias estão concentradas em bens de capital.

TEC-BIT LEBITNº de

NCMs2018 2019 2019 2020

6% 8 4% 4% 4% 4%

8% 24 6% 4% 4% 4%

10% 5 8% 6% 4% 4%

12% 85 10% 8% 6% 4%

14% 23 10% 8% 6% 4%

16% 63 12% 8% 6% 4%

12% 24 10% 8% 6% 4%

16% 1 12% 8% 6% 4%

20% 1 14% 10% 6% 4%

25% 1 14% 10% 6% 4%

Desgravação para BITs

TOTAL 235 NCMs

NCM TEC-SID jan/18 jan/19 jan/20 jan/21

7210.49.10 12% 10% 8% 6% 4%

7210.61.00 12% 10% 8% 6% 4%

7207.12.00 8% 6% 4% 4% 4%

7210.12.00 12% 10% 8% 6% 4%

7225.40.90 14% 10% 8% 6% 4%

7210.70.10 12% 10% 8% 6% 4%

7210.50.00 12% 10% 8% 6% 4%

7220.20.90 14% 10% 8% 6% 4%

7225.11.00 14% 10% 8% 6% 4%

7209.16.00 12% 10% 8% 6% 4%

Desgravação para SD

TOTAL 10 NCMs

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153

A Figura 7.7 reporta os valores das tarifas médias aplicadas e das tarifas efetivas

(calculadas sob a ótica do valor adicionado) para um grupo de bens da indústria de

transformação, segundo Castilho (2015). Os setores reportados, ainda que não exatamente

idênticos, em sua composição, aos setores da Tabela 7.4, revelam que a escalada tarifária no

Brasil confere proteção efetiva significativamente acima da tarifa nominal.

Tabela 7.4. Parcela dos setores atingida pela redução tarifária (HS6).

Fonte: Elaboração própria.

Figura 7.7. Comparativo entre média simples da tarifa nominal e efetiva (2014).

Fonte: Castilho (2015).

7.1.4. Resultados das Simulações

A Figura 7.8 reporta os impactos dinâmicos sobre o PIB, da redução tarifária dos bens

BK/BIT/SD, conforme desgravamento tarifário sugerido nas Tabelas 1,2 e 3. No longo prazo,

como efeito da redução dos preços dos insumos industriais importados, espera-se um

incremento permanente do PIB nacional da ordem de 0,43%. Quando a evolução da

Setores GTAP BK BIT SD Total Setor

Máquinas & Equipamentos 58,2% 2,8% 0,0% 61,0%

Equipamentos eletrônicos 9,1% 30,6% 0,0% 39,7%

Veículos & Partes 18,9% 1,9% 0,0% 20,8%

Outros equip. de transportes 41,5% 0,0% 0,0% 41,5%

Produtos metálicos 8,3% 0,0% 0,0% 8,3%

Ferro & Aço 0,0% 0,0% 4,6% 4,6%

16,7 17,7

31,7 32,7

10,7 11,8

16,9

12,2

Outros equip. de

transportes

Máquinas & Equipamentos Peças & Acessórios para

veículos

Eletrônicos &

Comunicações

Tarifa Efetiva Tarifa Nominal

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154

produtividade total dos fatores (PTF)55 do Brasil é acomodada pelo modelo, o impacto final do

PIB alcança 0,5%.

A redução de custo dos insumos industriais tende a aumentar a rentabilidade dos

investimentos na economia Brasileira (no modelo Gydn, a taxa bruta de retorno dos

investimentos é dada pela diferença entre o preço de aluguel do capital e o custo médio do “bem

de investimento”, produzido por um setor à parte). Como reportado na Figura 7.9, o incremento

da taxa bruta de retorno do capital é acompanhado dos incrementos de abertura até o ano de

2021, ponto de máximo sobre o impacto no volume de investimentos e término do ciclo de

desgravamento tarifário. A partir de então, a taxa bruta de retorno do capital tende a convergir

para a taxa de equilíbrio de longo prazo especificada para o Brasil (composta por uma taxa

internacional livre de risco, acrescida da depreciação do capital e de uma taxa de risco país),

por meio de uma dinâmica adaptativa. Em 2030, já exauridos os ganhos de produtividade

trazidos pela abertura, espera-se que o volume de investimentos para a economia Brasileira seja

1,21% maior (1,37%, com PTF variável) em relação ao projetado no cenário baseline.

Figura 7.8. Impacto da liberalização de insumos industriais sobre o PIB (%).

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

55 O impacto na TFP foi estimado a partir de do trabalho de Halpern, Koren e Szeidl (2015) “Imported Inputs and

Productivity”. American Economic Review, 105(12), 3660-3703. Este trabalho está descrito na revisão da

literatura deste projeto. Basicamente, parte-se do princípio de que 10% de aumento nos insumos importados por

uma firma no setor industrial, causa um aumento de 2,4%, em média, na sua PTF.

0,03

0,07

0,13

0,20

0,26

0,31

0,350,38

0,400,42 0,43 0,43 0,43

0,03

0,08

0,14

0,22

0,28

0,33

0,38

0,420,45

0,470,48 0,49 0,50

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

PTF constante PTF variável

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155

Figura 7.9. Impacto da liberalização de insumos industriais sobre o volume de investimentos

agregado (%).

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Dada a poupança agregada da economia do Brasil, o estímulo inicial ao volume de

investimentos requer absorção adicional de poupança externa, o que se traduz em uma

contribuição negativa para a balança comercial da economia até o ano de 2023, quando, a partir

daí, os ganhos de produtividade advindos da abertura passam a ter efeito predominante sobre o

comportamento da balança, no sentido da geração de superávit comercial. Em 2030, espera-se

que o volumes exportados e importados sejam 2,85% (2,84%, com PTF variável) e 1,54%

(1,64%, com PTF variável) maiores que os projetados pelo cenário baseline, respectivamente

(Figuras 10 e 11).

Figura 7.10. Impacto da liberalização de insumos sobre o volume exportado (%).

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Como esperado, a abertura à concorrência externa na produção de insumos, se por um

lado tende a trazer benefícios generalizados para setores à jusante nas diversas cadeias

produtivas, tende a forçar uma realocação dos fatores de produção, de setores menos eficientes

0,77

1,60

2,45

3,29 3,293,15

2,92

2,64

2,33

2,03

1,73

1,451,21

0,78

1,64

2,51

3,37 3,39 3,263,04

2,77

2,47

2,17

1,881,61

1,37

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

PTF constante PTF variável

-0,33

-0,62 -0,81 -0,88-0,55

-0,08

0,43

0,95

1,44

1,89

2,27

2,60

2,85

-0,35

-0,65 -0,86 -0,93-0,61

-0,15

0,37

0,89

1,39

1,85

2,24

2,57

2,84

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

PTF constante PTF variável

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156

que a fronteira internacional, para setores que se beneficiam com a abertura e sofrem expansão.

A Figura 7.12 reporta o impacto da abertura no PIB setorial para os 42 setores produtores de

bens do modelo utilizado. Dentre ganhos generalizados para quase todos os setores reportados,

destaca-se a queda de participação no PIB nacional para o setor de “máquinas e equipamentos”

(-3,9%), o qual é atingido em mais de 60% dos códigos HS6 que o compõem. O contrário

ocorre, por exemplo, com “outros equipamentos de transporte”, setor que embora fortemente

atingido pela abertura, sofre expansão de 2,1%56.

Figura 7.11. Impacto da liberalização de insumos sobre o volume importado (%)

Figura 7.12. Impacto da liberalização de insumos sobre o PIB setorial, em 2030 (%)

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

56 Ester setor compreende, entre outros, o setor aeronáutico Brasileiro, que é sabidamente competitivo

internacionalmente e, com a abertura em insumos, tende a uma expansão adicional.

0,95

1,93

2,90

3,82 3,70

3,473,19

2,88

2,57

2,272,00

1,751,54

0,97

1,96

2,94

3,88 3,773,55

3,27

2,972,67

2,37

2,101,85

1,64

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

PTF constante PTF variável

1,94

1,121,37

0,971,28 1,26

0,600,83

0,52

2,26

1,16 1,10

0,38 0,29

1,12

0,25

1,39

1,82

1,00

0,39

1,43

0,69

2,70

0,440,73

2,12

-3,89

0,71

PTF constante PTF variável

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157

7.2. Outros Cenários de Abertura Comercial

7.2.1. Análise de Impacto para a Liberalização Tarifária Total no Brasil

Mesmo com a forte liberalização tarifária ocorrida em 1991, O Brasil continua como

uma das economias mais fechadas do mundo (ver Figura 7.13). Já em 2016, enquanto a média

simples da tarifa aplicada no Brasil estava em 13,7%, este valor correspondia a 6,2% para a

média mundial.

A evolução recente da penetração das importações sobre o PIB é reveladora de um país

que comercializa menos que a média da América Latina e muito menos do que a média mundial,

conforme ilustrado na Figura 7.14.

Figura 7.13. Média simples das tarifas aplicadas em 1990 e 2016.

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Para o caso de uma liberalização tarifária total e unilateral, com desgravamento tarifário

com queda uniforme no intervalo 2018-2021, simulações com o modelo GDyn apontam, no

cenário onde a PTF da economia varia ao logo do tempo, para um incremento no PIB do Brasil

da ordem de 1,5%, no longo prazo.

Com relação ao volume de investimentos, assim como no caso da liberalização em

BIT/BK, nota-se a formação de um ciclo inicial de investimentos, com impacto permanente, no

longo prazo, da ordem de 4,0%.

33,5

55,0

16,5

33,5

14,3

28,1

13,910,2

13,711,2 9,9 8,9

6,2 5,4 4,9 3,8

Brasil Sul da Ásia ÁfricaSubsaariana

A. Latina &Caribe

Mundo OrienteMédio& N.

África

Leste Asiático Europa e Ásiacentral

1990 2016

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158

Figura 7.14. Evolução da penetração das importações (Importações totais/PIB).

Fonte: World Integrated Trade Solution (WITS)

Figura 7.15. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o PIB (%)

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Figura 7.16. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o volume de

investimentos (%).

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

14,07

22,77

28,68

0,00

5,00

10,00

15,00

20,00

25,00

30,00

35,00

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

Brazil América Latina Mundo

0,11

0,25

0,42

0,60

0,75

0,881,00

1,101,17

1,22 1,25 1,26 1,26

0,12

0,28

0,46

0,65

0,82

0,98

1,12

1,231,32

1,391,44

1,47 1,49

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

PTF constante PTF variável

2,00

4,23

6,57

8,91 8,928,55

7,95

7,22

6,42

5,614,82

4,08

3,41

2,07

4,37

6,77

9,17 9,258,93

8,38

7,696,93

6,14

5,38

4,66

4,00

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

PTF constante PTF variável

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159

As Figuras 17 e 18 ilustram os impactos da liberalização unilateral sobre o volume

exportado e importado, respectivamente. Quando as variações (positivas) de PTF são

acomodadas pelo modelo, nota-se uma ligeira tendência de aumento do volume importado, em

detrimento do volume exportado, reflexo do maior aumento do volume investido na economia,

sobre a poupança doméstica disponível. Contudo, de forma distinta à liberalização de BIT/BK,

a pressão inicial sobre o câmbio real no Brasil é menor no caso da liberalização total unilateral,

pois os preços domésticos são impactos negativamente de forma mais forte, desde o início, dada

a maior amplitude desta liberalização (ver Figura 7.20). Por outro lado, em consonância com o

cenário de liberalização de BIT/BK, nota-se uma tendência de aumento do saldo comercial ao

longo do tempo. No longo prazo, espera-se expressivo aumento da corrente de comércio do

Brasil, particularmente do lado do volume exportado, com incremento da ordem de 14,8%.

Figura 7.17. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o volume exportado (%).

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Figura 7.18. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o volume importado (%).

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

0,491,34

2,76

4,925,81

7,05

8,42

9,79

11,09

12,26

13,2814,14

14,83

0,431,23

2,62

4,74

5,62

6,85

8,22

9,60

10,92

12,1313,18

14,0814,81

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

PTF constante PTF variável

3,53

7,39

11,50

15,83 15,52 14,9114,18

13,3812,58

11,8211,11

10,479,90

3,58

7,49

11,66

16,04 15,7715,20

14,4913,71

12,9212,17

11,4610,82

10,26

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

PTF constante PTF variável

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160

Como todo processo de abertura comercial, haverá ganhadores e perdedores no Brasil.

A Figura 7.19 sugere que os ganhos de comércio (em termos de PIB setorial) são predominantes

em boa parte dos setores produtores de bens na economia. A perdas, por outro lado, estão

concentradas nos setores “Têxtil” (-11,23%), “Vestuário” (-6,49%) e “Couros” (-4,80%). Os

setores mais beneficiados da indústria de transformação são “Metais não-ferrosos” (13,81%) e

“Outros Equipamentos de Transporte” (11,61%), sendo que este último inclui o setor produtor

de aeronaves no país.

Figura 7.19. Impacto da liberalização tarifária total, unilateral, sobre o PIB setorial, em 2030

(%).

Fonte: Gdyn. Elaboração própria

Por fim, a Figura 7.20 ilustra um comparativo entre as duas estratégias de abertura

comercial unilaterais (BIT/BK x Total) sobre o nível de preços ao consumidor privado. Como

esperado, ambas as políticas têm impacto negativo sobre a inflação, com destaque para a

abertura total unilateral, que, dada sua maior abrangência, propicia uma maior participação dos

bens importados na sexta de consumo das famílias.

2,29

8,24

2,491,58

4,813,87

-0,83

3,96

2,11

5,62

-0,27

3,442,47

-1,06

2,38

-0,50-0,13

3,39

1,63

10,76

4,13

-0,20

1,08

4,75

0,930,24

-11,23

-6,49-4,80

3,41 3,11

0,861,96 2,44

4,07

13,81

-0,13

0,25

11,61

0,86

-0,58-0,56

PTF constante PTF variável

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161

Figura 7.20. Impacto sobre o índice de preços ao consumidor privado (PTF variável)

Fonte: Gdyn. Elaboração própria

7.2.2. Acordo Mercosul - União Europeia: Impactos sobre o Brasil, considerando-se a negociação eventual de barreiras não-tarifárias.

Esta seção do projeto tem por objetivo avaliar os impactos econômicos do Acordo

Mercosul – União Europeia sobre a economia do Brasil. Para tanto, além da redução das tarifas

de importação e flexibilização de quotas para agricultura, consideraremos também os possíveis

impactos da redução de barreiras não-tarifárias, como medidas TBT/SPS e eficiência portuária.

Data a complexidade das considerações mencionadas, adotaremos a hipótese simplificadora de

que o Brasil negocia o acordo sem a participação dos demais membros do Mercosul. Para a

análise em questão, utilizaremos o modelo Gdyn.

7.2.2.1. Barreiras Regulatórias ao comércio

Uma importante tendência das últimas décadas em políticas comerciais tem sido a

notável redução de barreiras tarifárias impostas ao comércio internacional. Tal padrão é

resultado de diversas rodadas de liberalização comercial no âmbito do GATT/OMC e, mais

recentemente, consequência da explosão de acordos comerciais regionais em todo o mundo. Só

nos últimos 20 anos, foram notificados mais de 400 acordos preferenciais de comércio à OMC.

Durante esse mesmo período, no entanto, o sistema multilateral de comércio também

presenciou um crescente número de notificações sobre barreiras não-tarifárias, como TBT

(barreiras técnicas ao comércio) e SPS (medidas sanitárias e fitossanitárias), sendo submetidas

0,12 0,23 0,30 0,34 0,23 0,08

-0,10 -0,28 -0,46 -0,62 -0,77 -0,90 -1,01

-0,12 -0,36-0,78

-1,42-1,70

-2,09

-2,52

-2,96

-3,38-3,78

-4,14-4,46

-4,74

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

Unilateral BIT/BK Unilateral total

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162

pelos países membros, com seus fundamentos legais sendo baseados em ambos os acordos de

TBT e SPS firmados durante a Rodada Uruguai da OMC.

Apesar de que se espere que notificações de medidas de TBT e SPS sejam

fundamentadas em padrões internacionais pré-existentes e evidências científicas, a

disseminação generalizada dessas medidas entre países membros da OMC tem suscitado

preocupação acerca de uma nova onda de protecionismo, agora disfarçada sobre o “guarda-

chuva” de regulação comercial em padrões de produção, qualidade e segurança.

Surpreendentemente, há uma escassa literatura acerca dos efeitos de tais regulações no

comércio internacional, particularmente com relação aos seus possíveis efeitos heterogêneos

entre países com diferentes níveis de renda. Já existe, no entanto, metodologia econométrica

para se estimar equivalentes tarifários para tais barreiras, o que torna possível a análise dos

efeitos das mesmas nos fluxos de comércio bilaterais entre Brasil com os demais parceiros.

7.2.2.2. TBT e SPS

Segundo a OMC (Organização Mundial de Comércio), medidas sanitárias e

fitossanitárias (SPS) podem ser definidas como quaisquer medidas que se aplicam para: (1)

proteger a vida humana e animal de riscos derivados de aditivos, contaminantes, toxinas ou

organismos causadores de doenças em seus alimentos; (2) proteger a vida humana de doenças

transmitidas por animais e/ou plantas; (3) proteger a vida de animais e plantas com relação a

pestes, doenças ou doenças causadas por micro-organismos; (4) prevenir ou limitar danos a

países, provenientes da entrada, estabelecimento e disseminação de pestes. De maneira similar,

barreiras técnicas ao comércio (TBT) incluem regulamentos, normas técnicas ou padrões

voluntários e procedimentos que garantam os objetivos pretendidos. Incluem desde segurança

automobilística a aparelhos para conservação de energia, até mesmo ao formato de embalagens

alimentícias. Medidas TBT podem cobrir, também, tópicos relacionados à saúde humana, como

restrições farmacêuticas ou o empacotamento de cigarros, alegações e preocupações

nutricionais e regulações de qualidade e empacotamento.

Medidas de TBT e SPS são comumente classificadas como medidas não-tarifárias

(MNTs). A maioria dos estudos empíricos acerca dos efeitos de MNTs em fluxos bilaterais de

comércio é baseada em modelos gravitacionais convencionais. Independentemente dos

objetivos reais da imposição de medidas não-tarifárias como as TBT e SPS por países

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163

importadores, os diversos estudos existentes apontam para os possíveis impactos negativos das

mesmas sobre o comércio (Leamer, 1990; Moenius, 2004; Disdier et al, 2008; Kee et al, 2009).

Foram realizadas estimativas das barreiras não-tarifárias para os setores de agricultura,

agronegócios e indústria, por meio de regressões de Poisson sobre dados em painel, as quais

possibilitam o cálculo dos respectivos equivalentes ad-valorem. Depois de estimados, os

equivalentes ad-valorem são utilizados como inputs para a simulação de acordos regulatórios

entre as partes mencionadas, por meio de ganhos de eficiência no comércio bilateral via

modelagem de equilíbrio geral computável (CGE). O racional para ganhos de eficiência é

fundamentado na possível negociação de acordos de reconhecimento mútuo, harmonização de

procedimentos e convergência regulatória, entre outros, os quais impactam nas preferências dos

consumidores (importadores).

Fluxos bilaterais de importações (em dólares correntes), assim como dados de tarifas de

importação, foram obtidos a partir do World Integrated Trade Solutions (WITS) do Banco

Mundial. Os dados são anuais de 2005 a 2013, de acordo com a classificação do GTAP. Dados

tarifários utilizados neste estudo são médias simples setoriais, cuja vantagem de utilização – ao

invés de médias ponderadas de fluxos comerciais – é a possibilidade de contornar possível

endogeneidade no procedimento de estimação. Dados de PIB encontram-se em dólares

correntes e também foram obtidos a partir do Banco Mundial.

A maior parte das medidas de TBT e SPS impostas pelos países foi obtida a partir do

site da Organização Mundial de Comércio (OMC). Uma quantidade significativa de

notificações reportadas à OMC, no entanto, não necessariamente informa os códigos de

produtos afetados por tais notificações. Desta maneira, a base de dados utilizada neste estudo

precisou ser complementada com informações disponíveis em outras fontes, como o Instituto

Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e o Centro de Estudos da OMC da

Índia (CWS). Enquanto o Inmetro nos forneceu códigos de produtos para notificações de TBT,

o CWS forneceu códigos para as notificações de SPS. Essas informações encontram-se

disponíveis na classificação de quatro dígitos do sistema harmonizado (HS04). De maneira a

combinar esses dados com outras variáveis ao nível do GTAP, utiliza-se correspondência entre

a classificação setorial do GTAP e o sistema HS04. A medida para barreiras não-tarifárias foi

construída como a proporção de setores no nível HS04 que compõem um setor do GTAP, que

possuem pelo menos uma barreira não-tarifária (tanto de TBT, quanto SPS).

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164

7.2.2.3. Modelo Econométrico

O modelo gravitacional utilizado na estimação dos equivalentes tarifários das medidas

TBT/SPS foi especificado conforme abaixo, via regressão de Poisson:

𝑦_𝑖𝑗𝑠𝑡 = 𝛼_𝑖𝑗 + 𝜐_𝑠 + 𝜂_𝑡 + 𝛾_𝑠𝜏_𝑖𝑠𝑡 + 𝑋_𝑖𝑗𝑠𝑡𝛽 + 𝛼_𝑠𝑁𝑇𝐵_𝑖𝑠𝑡 + 𝛼_𝑖𝑗𝑠𝑁𝑇𝐵_𝑖𝑠𝑡 × 𝟙{𝑖

= 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙𝑎𝑛𝑑𝑗 = 𝑘𝑜𝑟𝑖 = 𝑘𝑎𝑛𝑑𝑗 = 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙} + 휀_𝑖𝑗𝑠𝑡, 𝑘 = {𝐸𝑈28}

onde 𝑖 denota o país importador57, 𝑗 denota o país exportador, 𝑠 o setor e 𝑡 o período de

tempo. Portanto, 𝑦𝑖𝑗𝑠𝑡 denota o valor (CIF) das importações do país 𝑖 provenientes do país 𝑗, do

setor 𝑠 no período 𝑡. As variáveis dummy 𝛼𝑖𝑗, 𝜐𝑠 and 𝜂𝑡 controlam pelos efeitos fixos de pares

de países, setor e ano, respectivamente. O vetor 𝑋𝑖𝑗𝑠𝑡 representa o logaritmo do PIB de ambos

os países importadores e exportadores. A variável 𝑁𝑇𝐵𝑖𝑠𝑡 controla pela existência ou não de

medidas impostas pelo importador 𝑖 no setor 𝑠, que ainda estão ativas no ano 𝑡. Esta variável é

definida como a proporção de setores ao nível HS04 - compondo um dado setor do GTAP –

que possuem ao menos uma medida TBT/SPS ativa. τist denota a tarifa de importação aplicada

pelo importador 𝑖 no setor 𝑠 no ano 𝑡. 𝟙{𝑖 = 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙𝑎𝑛𝑑𝑗 = 𝑘𝑜𝑟𝑖 = 𝑘𝑎𝑛𝑑𝑗 = 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙} é

uma variável indicador que identifica o fluxo bilateral de comércio entre Brasil e a UE28.

Para a estimativa do equivalente tarifário das medidas TBT/SPS incidentes sobre o fluxo

bilateral de comércio entre o Brasil e os países do bloco Europeu (EU28), em nível setorial

correspondente à classificação GTAP, tem- se que: 𝑇𝐸𝑖𝑗𝑠 =exp(αs+αijs)−1

𝛾𝑠.

Dado que a variável NTB equivale a uma proporção (por construção), a tarifa

equivalente será uma medida correspondente à diferença entre a proporção “zero” (ausência de

medidas ao nível HS04 dentro de um setor GTAP) e 1 (quando todos os setores ao nível HS04,

que compõem um dado setor GTAP, possuem, ao menos, uma medida TBT/SPS).

7.2.2.4. Resultados para estimação de barreiras não-tarifárias em fluxos bilaterais entre Brasil e União Europeia

57 Para os efeitos de medidas TBT/SPS sobre os fluxos bilaterais de comércio entre Brasil e a UE28, foram

considerados como importadores o Brasil e os seguintes países Europeus: Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia,

Chipre, República Checa, Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália,

Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha,

Suécia e Reino Unido, tendo por base as respectivas datas de acesso ao bloco Europeu.

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165

A amostra para a estimativa Brasil x UE28 apresenta 696 989 observações, com quase

50% das mesmas correspondendo a fluxos de importação iguais a zero. Utilizamos apenas os

anos ímpares entre 2005 e 2013 de modo a intervalar os efeitos e melhor identificá-los na

regressão de Poisson. As estimativas para os equivalentes tarifários são apresentadas na Tabela

7.5 abaixo. A primeira coluna da tabela apresenta os setores no nível do GTAP, enquanto a

segunda e terceira colunas apresentam os equivalentes tarifários para as importações da UE

provenientes do Brasil e do Brasil provenientes da UE, respectivamente. Equivalentes tarifários

não reportados significam que ou o impacto calculado sobre os fluxos bilaterais de comércio

era positivo ou era estatisticamente não diferente de zero.58

Tabela 7.5. Equivalentes ad-valorem (%) para BNTs no comércio bilateral – Brasil e UE28.

Setor UE-BRA BRA-UE

Arroz

Trigo 26.05

Cereais em grãos 5.60

Vegetais/frutas 9.99

Sementes oleaginosas 2.76

Cana-de-açúcar

Fibras de plantas 3.13

Culturas agrícolas 3.06

Gado, cavalos, ovelhas 1.63 2.17

Produtos animais

Leite não pasteurizado

Lã, casulo de bicho-da-seda 2.41

Silvicultura 1.27 1.38

Pesca 0.99 1.39

58 Equivalentes tarifários são calculados por meio do impacto estimado das BNTs sobre os fluxos de comércio,

conforme explicado no item 3.2. Quando o impacto estimado é negativo, depreende-se que a BNT é, de fato, um

obstáculo ao comércio e, portanto, passível de negociação tendo em vista a redução dos seus efeitos para o

exportador (caso dos equivalentes tarifários reportados na Tabela 1. Quando o impacto estimado é positivo, a BNT

existente incentiva as exportações, ao invés de obstruí-las. Isso ocorre, por exemplo, quando o impacto positivo

da demanda pelo produto no país importador supera o impacto negativo sobre a oferta no país exportador. Para

estes casos, e para os casos onde o impacto detectado é nulo (estatisticamente não diferente de zero), pressupõe-

se que não serão alvos de demanda por negociação por parte do setor privado.

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166

Carvão 1.39 1.35

Petróleo 1.03 1.36

Gás 1.39 0.51

Outros minerais 1.26

Carne: Gado, ovelhas cavalos 4.31

Produtos de carne 0.72

Óleos vegetais e gorduras

Laticínios 2.33

Arroz Processado 4.69

Açúcar 10.89

Outros prod. Alimentícios 6.32

Bebidas, prod. do tabaco

Têxteis 55.02 52.81

Vestuário 6.75 6.91

Produtos de couro 6.79

Produtos de madeira

Papel

Derivados de petrol./carvão 3.08 2.50

Químicos, borracha/plást. 4.47

Produtos minerais 3.78

Metais ferrosos 3.31

Metais 8.22

Produtos de metal 7.15

Veículos motorizados/peças 3.95

Outros equip. de transporte 4.98 6.92

Equipamentos eletrônicos 6.85 6.70

Outros maquinários 13.98

Outras manufaturas 6.95 6.95

Nota: (UE-BRA) são os equivalentes tarifários das BNTs que incidem sobre as exportações do Brasil

para a UE. Já (BRA-UE) são os equivalentes tarifários das BNTs que incidem sobre as exportações da

UE para o Brasil.

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167

7.2.2.5. As exportações do Brasil em Laticínios

Conforme observado na Tabela 7.5 acima, as barreiras não-tarifárias impostas pela

UE28 às exportações Brasileiras em Laticínios equivalem a uma tarifa adicional de 2,33%. Este

ponto merece um detalhamento maior, uma vez que é sabido que as exportações bilaterais neste

setor são próximas de zero. Desta forma, a barreira estimada refere-se apenas aos sub-setores –

dentro do macro setor do GTAP denominado “Laticínios” – que possuem exportação positiva

(independentemente da magnitude) para a UE28 no período de 2005 a 2013. Ao nível HS6,

portanto, correspondem aos seguintes setores para o ano 2011 (baseyear da base GTAP 9

utilizada neste estudo) : HS-040110; HS-040120; HS-040130; HS-040210; HS-040221; HS-

040291; HS-040299; HS-040310; HS-040620; HS-040690; HS-170211; HS-170219; HS-

210500.

7.2.2.6. Facilitação do Comércio

Hummels & Schaur (2013) desenvolvem metodologia para o cálculo do equivalente

tarifário devido a atrasos portuários, para cerca de 5000 produtos importados pelos Estados

Unidos no intervalo 1991-2005. Segundo estimativas dos autores, cada dia em trânsito custa,

em média, entre 0,6 % a 2,1 % do valor da carga comercializada. Além disso, Hummels &

Schaur apontam que a sensibilidade ao tempo do comércio para produtos manufaturados (partes

e componentes, por exemplo) é cerca de 60 % maior, quando comparada a outros produtos.

A ideia central do artigo de Hummels e Schaur é a existência de um custo de

oportunidade em cada dia adicional que uma mercadoria demora para ser entregue ao

importador. Para estimar os equivalentes tarifários dos atrasos alfandegários, os autores partem

da tomada de decisão de exportadores entre utilizar transporte marítimo ou aéreo. A

metodologia consiste em explorar o trade-off dos maiores custos de frete por via aérea, contra

os benefícios de se agilizar a entrega de um produto. Dito de outra forma, a proposta é extrair

a disposição dos consumidores a pagar mais caro pelo tempo salvo via exportação aérea, tendo

como alternativa o transporte marítimo, mais barato, porém mais lento.

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Figura 7.21. Equivalente ad-valorem médio das barreiras portuárias por faixa de renda

Fonte: Ferraz et al (2017).

Para este trabalho, utilizaremos a média mundial setorial, de acordo com a classificação

de renda dos países pelo Banco Mundial, calculada a partir das estimativas de Hummels and

Schaur (2013) e aplicada em Ferraz et al (2017), conforme mostrado na Figura 7.21. Na

classificação de renda do Banco Mundial, o Brasil está incluído no grupo de países Upper-

medium e a UE, por sua vez, em High income.

No presente relatório, a melhoria da eficiência portuária no comércio bilateral (BRA-

UE28) foi considerada como um choque de 10% de redução nos custos dos atrasos portuários,

a partir dos resultados reportados por Hummels and Schaur (2013) e sintetizados no gráfico

acima.

7.2.2.7. Resultados

No cenário em questão foi considerada a negociação bilateral entre Brasil e UE28,

conforme os parâmetros de negociação tradicionais59, além de uma redução de 20% nas

59 Redução de 100% das tarifas bilaterais em 10 anos, começando em 2018. Além disso, o setor de etanol foi

considerado fora da oferta da EU-28 e, para o setor de carnes, foi considerada uma ligeira flexibilização da quota

europeia da ordem de 2%. O setor de laticínios foi considerado fora da negociação bilateral, além do setor de

couros, que foi considerado fora da oferta Brasileira. Portanto, acreditamos que se trata de um cenário conservador,

porém realista, dadas as características defensivas de cada região.

3.1 3.3

0.1

5.54.5 4.9

0.4

9.1

1.7

6.5

0.4

19.4

1.5

7.7

0.5

18.2

0

5

10

15

20

25

Agriculture Agribusiness Extrac ve Manufacturing

High Upmed Lowmed Low

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169

barreiras TBT/SPS (conforme Tabela 7.5), além de uma redução de 10% nas barreiras

portuárias (conforme Figura 7.21).

Figura 7.22. Impacto do acordo sobre o PIB do Brasil (%)

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Figura 7.23. Impacto do acordo sobre o volume de investimentos no Brasil (%)

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

Figura 7.24. Impacto do acordo sobre o volume de comércio no Brasil (%)

Fonte: Gdyn. Elaboração própria.

0,020,04

0,070,11

0,150,19

0,24

0,29

0,34

0,390,43

0,470,49

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

0,36

0,76

1,18

1,59

1,98

2,34

2,672,97

3,233,45

3,16

2,8

2,41

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

-0,09 -0,16 -0,15 -0,07

0,13 0,430,84

1,36

1,97

2,683,2

3,734,23

0,57

1,17

1,79

2,4

3,01

3,6

4,19

4,76

5,33

5,95,49

5,044,58

2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 2030

Volume Exportado Volume Importado

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170

Figura 7.25. Impacto do acordo sobre o PIB setorial no Brasil, em 2030 (%)

Fonte: Gdyn. Elaboração própria

Referências

Dixon, P. and Pearson, K. “Notes and problems in applied general equilibrium economics”.

North-Holland Amsterdam, 1992.

Hertel, T. “Global trade analysis: modeling and applications”. Cambridge university press,

1998.

Hummels, D. and Schaur, G. “Time as a Trade Barrier”. American Economic Review, vol. 103,

issue 7, december, 2013.

Ianchovichina, E.I.; Walmsley, T.L. “Dynamic Modeling and Applications for Global

Economic Analysis”. Cambridge university press, 2012.

0,621,79

1,39

2,3

0,69 0,6

-0,42

1,79

0,77

6,43

0,03

2,2

0,77 0,05

-0,65-0,80

0,500,35

12,68

1,06 0,841,37

0,54

-2,15-0,86

2,671,46

0,270,231,38

0,31

2,24

-0,63 -0,66

2,771,41

-1,86

0,36

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171

8. A Inserção da Indústria Brasileira nas Cadeias Globais de Valor, Serviços e Facilitação do Comércio

8.1. Introdução

Há muito se tem advogado que o Brasil é um país fechado, pouco inserido nas Cadeias

Globais de Valor (CGV) e com um número relativamente pequeno de Acordos Preferenciais de

Comércio (APC). No entanto, apesar dos diversos trabalhos sobre esses temas, ainda são

escassas as propostas que procuram enxergá-los de maneira conjunta e quantitativa. Nesse

sentido, a falta de estudos recentes que visam compreender de modo amplo a inserção brasileira

no mercado internacional contribui para que seja dificultada a criação de políticas públicas

específicas, dentro do contexto de um comércio internacional cada vez mais alicerçado na

fragmentação e na especialização em estágios produtivos.

Este tópico do projeto de pesquisa tem dois objetivos centrais. O primeiro deles é traçar

um panorama quantitativo da recente evolução do comércio internacional brasileiro, com foco

em bens intermediários, nas perspectivas agregada e setorial, tendo por base seu nível de

integração às cadeias globais de valor. Esta análise se diferencia das comumente encontradas

na literatura empírica uma vez que busca avaliar o desempenho comercial brasileiro (e global)

sob a ótica do valor adicionado. Esta perspectiva, além de inovadora, encontra-se mais

adequada para a análise de um mundo em contínuo processo de fragmentação da atividade

produtiva, onde cada vez menos os fluxos de comércio bruto se correlacionam com os ganhos

de bem-estar advindos da atividade comercial. O segundo objetivo deste artigo é contribuir para

o debate de políticas públicas sobre o papel do governo no aprimoramento das condições

necessárias para ampliar a integração do setor produtivo brasileiro às cadeias globais de valor.

Para tanto, tendo por base a evidência empírica internacional, é analisada a importância da

realização de um número maior de acordos preferenciais de comércio, além do papel da

estrutura tarifária, dos serviços e da facilitação do comércio.

As principais conclusões deste estudo podem ser sintetizadas da seguinte forma: (1) A

fragmentação internacional da atividade produtiva aumentou significativamente nas décadas

recentes até o período pré-crise internacional, em 2008. Ao menos em seu conjunto, este

processo tem beneficiado em maior grau os países emergentes, em detrimento dos países

desenvolvidos; (2) A constatação de que o Brasil (e o Mercosul) não está inserido de modo

relevante nas CGV advém, tanto da análise de indicadores tradicionais de abertura comercial,

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172

quanto da análise de indicadores específicos para CGV, os quais sugerem que a estrutura

produtiva do Brasil é ainda muito verticalizada para padrões globais, mesmo quando o foco da

análise é voltado para a indústria de transformação, excluindo-se o setor agrícola; (3) A análise

setorial aponta que, no período recente, houve um aumento significativo na participação de

insumos importados para todos os setores da economia brasileira. Contudo, quando confrontada

com a evidência internacional, a penetração dos bens intermediários (partes e componentes)

importados na indústria brasileira é ainda relativamente baixa. Além disso, o crescimento da

participação dos bens intermediários importados foi relativamente maior em setores mais

intensivos em tecnologia; (4) No que tange à produção de bens intermediários, a economia

brasileira vem direcionando seus recursos produtivos para a produção e exportação de bens

intermediários em setores menos intensivos em tecnologia. Para setores mais intensivos em

tecnologia, a análise dos dados sugere que o Brasil tem se especializado na produção e

exportação de bens finais; (5) O conceito de “parceiro natural de comércio”, já estabelecido na

literatura econômica de Integração Regional, pode ser adaptado para o caso da análise de

acordos preferencias de comércio sob a lógica das CGV. Sua utilidade consiste no mapeamento

ex-ante dos parceiros comerciais do Brasil, com os quais o padrão bilateral de comércio segue,

o mais próximo possível, a lógica das CGV. Este exercício revelou que, para o Brasil, estes

parceiros são: a União Europeia (EU_28), o NAFTA e a China. Para o caso da UE_28, este

resultado é corroborado por meio da simulação de um acordo de livre comércio hipotético,

envolvendo o Mercosul e a UE, onde os índices de conexão em CGV são comparados antes e

depois do acordo.

Os resultados desta etapa do projeto foram, em parte, construídos a partir do uso de

medidas em valor adicionado. Essa abordagem permite estimar as fontes de valor adicionado

na produção de mercadorias e serviços para a exportação e importação, além de reconhecer a

importância das trocas de bens intermediários. Assim, fazendo-se uso de medidas em valor

adicionado, de interpretações com dados brutos de comércio e utilizando técnicas de insumo-

produto, compôs-se diversos indicadores que possibilitaram extrair as conclusões deste

trabalho.

Além desta introdução, esta etapa do projeto está estruturada em mais 6 seções. A seção

(8.2) apresenta uma revisão bibliográfica da mais recente literatura empírica e teórica sobre

cadeias globais de valor. A seção (8.3) descreve os principais aspectos metodológicos utilizados

para a construção dos indicadores de CGV apresentados neste trabalho. A seção (8.4) apresenta

os fatos estilizados da evolução do comércio brasileiro e mundial nas últimas décadas, com

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foco em cadeias globais/regionais de valor. As implicações de políticas públicas são discutidas

na seção (8.5) na qual o caso dos acordos preferenciais de comércio (APC) é apresentado. A

seção (8.6) descreve um panorama sobre o setor de serviços, com foco particular no setor de

serviços financeiros e, por fim, a seção (8.7) discute a importância da facilitação do comércio

para o Brasil.

8.2. Revisão da Literatura

Pode-se definir Cadeias Globais de Valor (CGV)60 como o conjunto de atividades que

firmas e trabalhadores desempenham para levar um produto de sua concepção até o consumidor

final (Gereffi & Fernandez-Stark 2011 apud Backer & Miroudot, 2013). Alternativamente,

também é possível defini-las como a coleção de todas as atividades necessárias para produzir e

entregar um produto a esse mesmo consumidor (Timmer et al, 2013).

A qualificação do processo como cadeia de valor advém do fato de a produção se dar em

estágios que agregam valores adicionados. Em cada estágio o produtor adquire seus insumos e,

então, emprega fatores de produção (capital, terra e trabalho) cujas remunerações correspondem

ao valor adicionado por ele. Este processo se repete no próximo estágio, de tal sorte que o valor

adicionado anteriormente se transforma em custo para o próximo produtor (Koopman et al,

2014). O conjunto dessas atividades pode ser desempenhado dentro de uma mesma firma ou

em firmas distintas. Quando tais ações são divididas em mais de um país ou região, temos uma

cadeia de valor que é global (Backer & Miroudot, 2013).

O fenômeno de terceirização de estágios produtivos não é algo novo no mundo. Antes dos

anos 80 já é possível encontrar exemplos de CGV. Àquela época, porém, a importância das

CGV para o comércio era bem menos significativa, sendo estruturadas, predominantemente,

entre nações desenvolvidas (comércio Norte-Norte). O interesse da literatura econômica pelo

assunto cresceu à medida que alguns padrões foram se alterando: 1) os fluxos decorrentes de

CGV passaram a representar uma parcela significativa do comércio mundial (Backer &

Miroudot, 2013); e 2) esses fluxos de comércio começaram a ocorrer entre nações

desenvolvidas (Norte) e nações em desenvolvimento (Sul) (Baldwin & Lopez-Gonzalez, 2013)

60 Trata-se de um conceito mais amplo do que o de cadeia internacional de suprimentos. Este último, compreende

tipicamente os estágios físicos necessários para produção de um bem, não abarcando os serviços utilizados para

produção e entrega do produto. Assim, CGV compreendem um conjunto de serviços anteriores à produção, tais

como P&D, software, design, branding, financiamento, sistemas de integração de atividades; serviços de pós-

produção (logística) e serviços de pós-venda (Timmer et al 2013). No entanto, outros autores como Koopman et

al (2014) utilizam os conceitos de CGV e cadeias internacionais de suprimentos como sinônimos.

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174

o que, em princípio, tem sido benéfico para alguns países emergentes, de acordo com a

evidência empírica recente. Tal movimento foi capaz, inclusive, de impulsionar uma nova

forma de industrialização por meio da associação a CGV, a exemplo da China e, mais

recentemente, de países do leste europeu, como República Checa, Hungria e Polônia.

Segundo Grossman & Rossi-Hansberg (2006) o processo de integração das estruturas

produtivas dos países (também conhecido na literatura econômica como offshoring) sofreu forte

impulso com a significativa redução dos custos de transporte e avanços alcançados em

tecnologia da informação, ao longo das últimas décadas. É importante ressaltar que este

processo beneficiou, em maior medida, o comércio de bens intermediários manufaturados,

sobretudo pela menor correlação destes produtos com a dotação relativa de fatores de produção

existente nos países, como terra e recursos naturais. Por trás desta constatação está a lógica de

que, em princípio, um bem manufaturado pode ser produzido em qualquer região

economicamente ativa do planeta, o que não ocorre com a produção de um bem agrícola, por

exemplo.

Dentre os diversos aspectos da fragmentação da atividade produtiva em nível mundial, é

importante ressaltar que a mesma ocorre, com mais intensidade, entre países localizados no

entorno das grandes economias industriais do mundo, como os EUA, Alemanha e Japão61, o

que destaca o caráter marcadamente regional das CGV (Johnson & Noguera, 2012). Contudo,

tendo em vista a continuidade dos avanços tecnológicos, Timer et al (2014) apresentam

evidência empírica de que as cadeias regionais de valor estão se tornando, cada vez mais

globais, incorporando países de várias regiões distintas do mundo. Este processo, contudo,

parece perder impulso a partir do início da crise financeira internacional de 2008, ainda que não

se tenha, até o momento, qualquer evidência sólida de reversão do mesmo.

Segundo Baldwin (2016), as cadeias globais de valor não se restringem apenas a um maior

fluxo de bens e serviços entre as fronteiras dos países, mas também se verifica um aumento da

mobilidade internacional de conhecimento gerencial e produtivo, ou seja, as firmas estrangeiras

levam aos países de montagem não só as partes para serem montadas, aproveitando-se de custos

mais baixos, mas também o conhecimento de como montá-las, de como gerir a firma montadora

e de como entregar o produto gerado (Baldwin & Lopez-Gonzalez, 2013). Neste sentido, as

cadeias globais possibilitaram um processo de arbitragem entre países com custos de mão-de-

obra distintos, por meio da transmissão de know-how do país de maior salário, para aquele de

61 Estas economias são chamadas por Baldwin et al (2013) de “headquarters”, caracterizando-se por serem grandes

fornecedoras de bens intermediários intensivos em tecnologia.

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175

menor salário. Desta forma, mais além do aumento do fluxo internacional de bens

intermediários, cadeias globais de valor possibilitaram ganhos significativos de spillovers

tecnológicos em escala global.

As implicações teóricas da fragmentação da atividade produtiva sobre os preços dos fatores

de produção foram primeiramente discutidas nos trabalhos de Kohler (2004) e Antràs et al

(2006), com abordagens variadas sobre a mobilidade dos fatores de produção. O trabalho de

Grossman & Rossi-Hansberg (2008) propõe um modelo em competição perfeita, onde o

comércio bilateral em estágios de produção (offshoring) surge de forma endógena. Em termos

de suas implicações, a relevância do trabalho de Grossman & Rossi-Hansberg (2008) reside no

fato de que foi o primeiro artigo a formalizar a analogia entre a terceirização da atividade

produtiva e um choque de progresso técnico. De acordo com os autores, é teoricamente possível

que os ganhos de produtividade auferidos pelo país que optou por terceirizar parte de sua cadeia

de produção para um país estrangeiro, seja de tal ordem de magnitude que eleve o salário e

aumente o nível de emprego na cadeia doméstica remanescente.

Os resultados das análises de insumo-produto realizadas em Timer et al (2013) sugerem

que, para o caso da Alemanha, a terceirização de parte de suas atividades de produção para as

economias do leste europeu, como Hungria, Polônia e República Tcheca foi feita com perda de

emprego em setores diretamente envolvidos nestas atividades, porém com forte aumento de

emprego em outros setores integrantes da cadeia de produção doméstica, em particular no setor

de serviços. No geral, houve aumento líquido das vagas de emprego na Alemanha. A análise

de Timer et al (2013), portanto, parece dar sustentação aos resultados teóricos encontrados em

Grossman & Rossi-Hansberg (2008). Mais recentemente, estudo publicado pela OCDE (2016),

utilizando base de dados mundial em painel, sugere que as cadeias globais de valor contribuíram

para diminuir a desigualdade salarial nos países mais integrados às mesmas, a despeito do

aumento da desigualdade de renda observado na maior parte do mundo.

O novo paradigma produtivo estabelecido pelas CGV também tem auxiliado a melhor

compreensão e abordagem de alguns fenômenos recentes da economia mundial, tais como: 1)

o impulso à fragmentação produtiva e interdependência dos países, ocasionado pela redução

significativa dos custos de transação, fazendo com que o conceito de produtividade deixe de

ser um conceito local, para ser global; 2) a especialização dos países em tarefas e funções nas

quais a competição relevante não se dá entre o produto doméstico e o produto estrangeiro, mas

sim, entre quais papéis desempenhar dentro da cadeia de valor; e 3) a nova estrutura de

governança global do comércio, visto que a análise das CGV possibilita a compreensão sobre

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176

quais firmas e atores controlam e coordenam as atividades produtivas ao longo de uma cadeia

(Backer e Miroudot 2013). Além disso, o aumento da importância das CGV no comércio

mundial também acentua problemas encontrados nas estatísticas usuais de comércio, tais como:

1) problemas de múltipla contagem e o potencial superdimensionamento da importância das

exportações/importações para a geração de emprego e renda em um país; 2) a dificuldade de se

compreender o real peso das relações comerciais entre países; e 3) a dificuldade de se mensurar

a importância do setor de serviços para o comércio (OECD-WTO 2012).

Dado que as trocas comerciais ao longo das CGV se dão prioritariamente entre bens

intermediários, ou seja, bens que serão utilizados como insumos no processo produtivo de

outras nações, a análise das CGV pressupõe a devida identificação destes fluxos. Contudo, estes

dados não estão disponíveis diretamente nas bases de dados de comércio. Assim, para que se

consiga tais informações, deve-se utilizar matrizes de insumo-produto que rastreiam os fluxos

de usos.

8.3. Base de Dados e Metodologia Empregada

A estratégia adotada nesta etapa do trabalho é a de utilizar matrizes de insumo-produto

mundiais. Essas matrizes são fruto da estimação de fluxos contábeis entre indústrias de diversos

países. De forma precisa, elas contêm as inter-relações entre produtores de bens e serviços

(indústrias) e aqueles que utilizam tais produtos e serviços (OECD-WTO 2011).

A construção das matrizes de insumo-produto é extremamente dado-intensiva. Além disso,

as informações necessárias para a estruturação dessas mesmas matrizes envolvem diferentes

países. Conjuntamente, essas duas características fazem com que tais tabelas sejam elaboradas,

em sua maioria, por projetos de grande envergadura, geralmente liderados por organismos

multilaterais. Nesse trabalho, foram utilizadas as matrizes de insumo-produto provenientes de

três projetos: Global Trade Analysis Project (GTAP), OECD Inter-country Input-Output

database (OECD-WTO), World Input-Output Database (WIOD)62.

62 Tabela adaptada de OECD-WTO 2011.

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177

8.3.1. Indicadores Utilizados

A construção dos indicadores utilizados neste estudo está baseada na recente literatura

empírica de insumo-produto aplicada à análise das cadeias globais de valor (Hummels et al

(2001), Daudin et al (2011), Jonhson & Noguera (2012), Koopman et al (2010, 2014)). São

eles: 1) A exportação em valor adicionado, a qual parte do conceito de “comércio em valor

adicionado” desenvolvido por Johnson & Noguera (2012). Esse indicador busca captar o quanto

de valor adicionado doméstico um dado país exporta para outro embutido nos bens finais

consumidos pelo último (Stehrer 2012)). 2) Ainda seguindo Johnson & Noguera (2012), utiliza-

se a decomposição das exportações a fim de evidenciar algumas triangulações comerciais entre

países de um dado bloco ou região; 3) Seguindo Koopman et al (2010, 2014), considera-se o

conteúdo importado das exportações de um dado país (VS) o qual, de acordo com Backer e

Miroudot (2013), é possível de ser interpretado como um índice de ligação backward nas

cadeias de valor (ou encadeamento upstream); e por fim, tem-se 4) a proporção da exportação

total correspondente a bens intermediários domésticos que serão reexportados (VS1), o qual

também de acordo com Backer e Miroudot (2013) pode ser interpretado como índice de ligação

forward (ou encadeamento downstream).

8.4. O Brasil e as Cadeias Globais de Valor

Esta seção apresenta uma perspectiva comparada do desempenho comercial da

economia do Brasil nas últimas décadas, tanto sob o ponto de vista macro, quanto sob o ponto

de vista setorial. Dado o objetivo de se identificar canais de integração às CGV, o foco das

análises realizadas está fortemente direcionado para o comércio de bens intermediários e para

a quantificação e segregação, por origem, do valor adicionado das exportações brutas.

8.4.1. Alguns fatos estilizados sobre o desempenho comercial do Brasil no período 1995- 2011

A primeira questão a ser investigada é relativa às evidências existentes quanto a

possíveis sinais de integração do Brasil às cadeias globais de valor. Para tanto, num primeiro

momento, será analisada a evolução recente do comércio global e sua relação com essas cadeias.

Como mencionado na seção 8.2, ao longo das últimas décadas, ao menos até 2011, percebeu-

se um contínuo processo de fragmentação da produção entre os países. Esse aumento, por sua

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178

vez, resultou em um maior comércio internacional de bens intermediários (insumos em geral),

o que pode ser visto no painel direito da Figura 8.1. Nele também verificamos que a exportação

de bens intermediários correspondeu, em 2011, a mais de dois terços das exportações mundiais

e que, entre 1995 e 2008, essa participação cresceu cerca de 8%. Ademais, há evidências de que

esse processo foi benéfico aos países em desenvolvimento, ao menos em termos agregados. Tal

indicativo pode ser observado no painel central da Figura 8.1, que apresenta a evolução da

participação dos países de renda alta e de renda média63 no valor adicionado gerado pelas

exportações globais. Verifica-se, pois, que os países com renda média aumentaram sua

participação em cerca de 10 pontos percentuais no valor adicionado gerado pelas exportações

mundiais, e que esse aumento ocorreu em detrimento da participação dos países de renda alta.

Um resultado esperado do crescimento da fragmentação da atividade produtiva no

mundo é o aumento da parcela de conteúdo importado nas exportações domésticas, o que

significa menos geração de valor adicionado doméstico para cada unidade de valor exportada.

No painel esquerdo da Figura 8.1 pode-se notar que, no caso da China, um país notoriamente

integrado às CGV, para cada dólar exportado, 61 cents correspondem ao pagamento de fatores

domésticos, sendo o restante (39 cents) correspondente ao pagamento de fatores de produção

utilizados em outros países. No caso brasileiro, apenas 13 cents remuneram fatores estrangeiros,

número próximo ao da Rússia, que remunera somente 10 cents64.

Figura 8.1 – Valor adicionado por exportações brutas, evolução da exportação de BI e

evolução da participação da renda com exportação

Fonte: OECD-WTO e WIOD. Elaboração Própria.

63 De acordo com classificação do Banco Mundial. 64 Por serem grandes exportadores de commodities, é esperado que Brasil e Rússia tenham um menor conteúdo

importado em suas exportações. O mesmo não seria esperado para as exportações de manufaturados destes países,

caso a indústria de transformação doméstica fosse, de fato, integrada em CGV.

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179

Em resumo, os dados da Figura 8.1 sugerem que o processo de fragmentação

internacional da produção evoluiu continuamente nas décadas recentes e que, em paralelo a

isso, houve um crescimento relativo dos ganhos de comércio por parte dos países em

desenvolvimento. Dadas essas constatações, cabe-se indagar sobre em que medida o Brasil se

inseriu nesse processo. Como uma primeira abordagem, nota-se que Brasil e Rússia são aqueles

que, dentre os BRICS, possuem os mais elevados índices de valor adicionado doméstico em

suas exportações brutas, o que vai na contramão do esperado, dentro do novo contexto de

fragmentação internacional da produção. Vale a ressalva, porém, que para a análise mais

rigorosa de grandes exportadores de commodities, como o Brasil e Rússia, faz-se necessário

controlar pelo tamanho da importância destes setores em suas exportações agregadas, haja visto

que são setores estruturalmente menos integrados em CGV, pela ótica do conteúdo importado.

A partir da matriz de insumo-produto fornecida pelo projeto da WIOD, foram calculadas

algumas estatísticas diretas (Figura 8.2) que nos auxiliam a compreender o posicionamento do

Brasil no contexto das CGV65, tendo por foco o desempenho da sua indústria de transformação.

Figura 8.2 – Evolução IBI/PIB, EBI/PIB, CID/CIT das manufaturas

Fonte: WIOD. Elaboração Própria

65 Uma ressalva importante é que em grande parte desse trabalho computaremos estatísticas apenas para o setor de

indústria de transformação (manufaturas). Isso se justifica porque tais indústrias são as mais propensas ao processo

de fragmentação internacional (Timmer et al 2012) e logo são aquelas que mais nos interessam.

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180

A primeira estatística calculada é a importação de bens intermediários manufaturados

sobre o PIB da indústria de transformação (IBI/PIB). A análise do perfil deste indicador para

um conjunto de indústrias de transformação de vários países, ao longo do período 1995-2011,

revela que, de forma geral, há uma tendência de elevação deste indicador (painel esquerdo da

Figura 8.2). Em específico para o Brasil, nota-se que o país apresentou um IBI/PIB, apesar de

ligeiramente crescente, ainda abaixo de outros países que são comumente identificados na

literatura como economias altamente integradas a CGV, tais como China, Coréia, Alemanha e

México. No caso analisado, o IBI/PIB brasileiro é próximo daqueles encontrados em países

desenvolvidos e altamente eficientes que, por consequência, tem uma indústria verticalizada,

como Japão e EUA.

Os dados das exportações de bens intermediários manufaturados sobre o PIB da

indústria de transformação (EBI/PIB) são apresentados no painel central da Figura 8.2.

Verifica-se, novamente, a mesma debilidade para o Brasil. Enquanto que, para países como

Alemanha e Coréia, esse índice chegou a quase 100% em 2011, no Brasil o mesmo índice não

passa de 30%. O comportamento da indústria do Brasil é, portanto, corroborado pela evidência

empírica de que países que importam pouco, também exportam pouco.

O baixo nível do comércio internacional de bens intermediários praticado pela indústria

de transformação no Brasil, é consistente com a análise do comportamento do indicador de

participação dos bens intermediários domésticos no total de bens intermediários consumidos

pela indústria de transformação (CID/CIT) (painel direito da Figura 8.2). Apesar da tendência

de queda mundial ao longo do período analisado, este indicador alcança cerca de 87,5% para a

indústria de transformação no Brasil em 2011, distante dos valores encontrados para indústrias

consideradas referências em fragmentação, tais como Alemanha e México, com valores

próximos a 65%.

Outro indicador importante na avaliação do grau de conexão de uma indústria às CGV

refere-se ao conteúdo importado de suas exportações. Na Figura 8.3 são apresentadas

informações deste indicador (VS), a partir dos dados fornecidos pela OECD-WTO. Nota-se que

o Brasil continua apresentando resultados muito baixos e descolados de outros países

emergentes, o que reforça o indicativo de que a economia brasileira é fechada e pouco integrada

às cadeias globais de valor. Além disso, nota-se que as economias emergentes aumentaram

significativamente seu VS entre 1995 e 2009, enquanto que o Brasil permaneceu estagnado em

11%, valor cerca de quatro vezes menor que o da Coréia, em 2009. Para os 55 países

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181

considerados pela OECD, o Brasil está posicionado no 53º lugar, só ficando à frente de Arábia

Saudita e Federação Russa.

Figura 8.3 – Conteúdo Importado das Exportações de Manufaturados (VS)

Fonte: OECD-WTO. Elaboração Própria.

Quando considerado o Mercosul, principal projeto de integração comercial brasileiro

nos últimos 27 anos, as evidências de fragmentação e especialização das atividades produtivas

também não inspiram otimismo. Em primeiro lugar, o índice de ligação backward do segundo

país mais importante do bloco, a Argentina, é apenas uma posição acima do brasileiro (Figura

8.3) o que é um indicativo de que a Argentina também é um país relativamente pouco integrado

em cadeias de valor internacionais. Em segundo lugar; os indicadores de importações de bens

intermediários manufaturados sobre o PIB e de importações totais de bens manufaturados sobre

o PIB, medidos para as indústrias de transformação do Brasil e da Argentina são bastante baixos

em uma perspectiva comparada com 133 países, como pode ser visto na Tabela 8.1 (ano 2007).

Estes resultados, portanto, também reforçam a impressão geral de que o Brasil e Argentina são

países ainda pouco abertos ao comércio internacional. De acordo com a Tabela 8.1, a indústria

de transformação no Brasil chega a ocupar a posição 132º, em um total de 133 países, com

relação à penetração total das importações (M/PIB).

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Tabela 8.1 – Indicadores de Integração Produtiva para os principais países do Mercosul

(ano=2007)

Fonte: GTAP 9.1. Elaboração Própria.

Por fim, com o objetivo de avaliar até que ponto há, de fato, uma cadeia de valor em

formação no MERCOSUL, foram construídas tabelas de “triangulação”. Seguindo a proposta

contida em Johnson & Noguera (2012), tem-se a decomposição das exportações em três termos:

1) o primeiro é chamado de absorção, pois captura a porção das exportações bilaterais de um

país que são absorvidas e consumidas em um país de destino, incluindo tanto bens finais do

país de origem, quanto intermediários do país de origem que estão embutidos no consumo dos

próprios bens produzidos pelo país de destino; 2) o segundo termo é chamado de reflexão, pois

captura os bens intermediários que voltam embutidos nos bens exportados pelo país de destino;

3) o terceiro termo é chamado de redirecionamento e captura o somatório dos bens

intermediários do país de origem embutidos nos bens exportados por um outro país e

consumidos em todos os demais países (Johnson & Noguera 2012).

Além do caso do MERCOSUL, foram calculadas outras triangulações como as do

NAFTA (North American Free Trade Agreement), da União Europeia e uma cadeia

denominada de “trans-pacífica”, tendo em vista o estabelecimento de um padrão relativamente

amplo de comparação.

Tabela 8.2 - Tabelas de Triangulação Mercosul (ano=2011)

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183

Tabela 8.3 - Tabelas de Triangulação Regionais e Trans-Regionais (ano=2011)

Fonte: GTAP 9. Elaboração Própria.

A análise da Tabela 8.2 sugere que a reflexão (reexportação do bem intermediário

importado de volta para o país de origem) e o redirecionamento (reexportação do bem

intermediário importado para países terceiros) do comércio do MERCOSUL são relativamente

baixos se comparado com as demais cadeias analisadas. Como exemplo, para cada 100 dólares

exportados do Brasil para a Argentina, somente 32,80 dólares são redirecionados para outros

países, dos quais apenas 5,5 dólares voltam para o Brasil (reflexão), embutidos nos produtos

exportados pela Argentina. Quando se compara ao NAFTA (Tabela 8.3), cuja reflexão é de

cerca de 20%, e ao redirecionamento da cadeia europeia que, no caso das exportações da

Alemanha para a República Tcheca, chega a 48% (com a reflexão incluída), nota-se o quão

pouco integrada é a cadeia do MERCOSUL. Já para a cadeia “trans-pacífica”, dos 100 dólares

exportados da Coréia do Sul para a China, cerca de 38 dólares são redirecionados para outros

destinos, embutidos nas exportações chinesas, dentre os quais 11,2 dólares para os EUA.

Em resumo, baseado nos dados apresentados, é possível concluir que o comércio mundial

se alicerçou numa crescente fragmentação da atividade produtiva, ao menos até o ano de 2011.

O Brasil, contudo, a julgar pelos dados de comércio em valor adicionado mais recentes, não foi

capaz de se inserir nesse movimento. Esta impressão advém, tanto da análise de indicadores de

abertura comercial em geral, quanto da análise do grau de integração do Brasil com seu bloco

regional, o MERCOSUL. Na próxima seção será analisado como esses movimentos agregados

operaram em nível micro-setorial.

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184

8.4.2. A evolução do panorama setorial no período 1995-2011

Essa seção abordará três perguntas específicas, quais sejam66: 1) Qual o nível de

participação e distribuição dos bens intermediários importados na atividade setorial do Brasil?

2) Está havendo alguma tendência de especialização da produção nacional de bens

intermediários em setores específicos da economia brasileira? 3) É possível inferir como está

evoluindo a produção setorial no Brasil em termos de estágios de maior ou menor valor

adicionado?

Para a abordagem da primeira questão, a Figura 8.4 (painel esquerdo) representa a

evolução dos bens intermediários importados para 14 setores da indústria de transformação no

Brasil, entre 1995 e 201167, medido como a parcela destes bens no total de bens intermediários

consumidos setorialmente. É possível constatar que, entre 1995 e 2011, a participação dos bens

intermediários importados aumentou para todos os setores da economia brasileira, com

destaque para os setores manufatureiros mais sofisticados, os quais apresentaram maior

aumento dessa razão. Em particular, vale destacar o setor de Equipamentos Elétricos e Ópticos,

o qual apresenta, tanto o maior nível de insumos importados no total de insumos utilizados ao

final do período (26,4%), quanto o maior crescimento relativo ao longo do período analisado

(cerca de 15 pontos percentuais). Uma observação importante é a de que, apesar da evolução

significativa, a participação dos bens intermediários domésticos ainda é predominante para

todos os setores da economia do Brasil (mediana, do consumo de insumos domésticos sobre o

consumo total é de 86,7%68) e acima do esperado em uma perspectiva comparada internacional,

como discutido na seção anterior. Como complemento a essas informações, o painel direito da

Figura 8.4 permite identificar a origem dos novos insumos importados utilizados, e em troca de

quais países eles passaram a ser consumidos. Conforme sugerido pelos dados, a China foi o

país que mais ganhou espaço enquanto supridor de insumos importados pelo Brasil, tendo papel

destacado em todos os setores da economia brasileira. Além disso, o aumento da presença da

China se deu, predominantemente, em detrimento da participação doméstica. Dessa forma,

observa-se que houve um aumento na integração produtiva brasileira, sob a lógica do comércio

de bens intermediários, a qual se deu, em grande parte, por uma maior integração comercial

com a China.

66 A análise desta seção segue parcialmente a abordagem apresentada em Baldwin et al, 2013, para o caso

específico da China. 67 Consideramos aqui 17 setores: os 14 setores da indústria de transformação disponíveis na WIOD, 1 setor de

Serviços agregado, 1 setor de Agricultura e mais 1 setor de Indústria Extrativa. 68 Dados disponíveis perante solicitação.

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Figura 8.4 - Razão de intermediários importados (1995 vs 2011)

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

O próximo ponto a ser verificado é se o Brasil desenvolveu algum tipo de vantagem

comparativa setorial na produção de intermediários ao longo do período analisado, controlando-

se pela evolução da economia mundial no mesmo período. Para tanto, seguindo a análise feita

em Baldwin et al 2013, foi utilizado o conceito de Vantagem Comparativa Revelada na

Produção de bens Intermediários (RIPA - Revealed Comparative Intermediate Production

Advantage). O cálculo da RIPA é dado por: RIPA = (% do setor i no total da produção doméstica

de intermediários) - (% do setor i na produção global de intermediários). Os resultados dos

cálculos da RIPA, para os anos de 1995 e 2011, podem ser observados na Figura 5.2 (painel

direito). De acordo com os resultados reportados, o Brasil tem desenvolvido vantagens

comparativas, de forma geral, na produção de bens intermediários em setores de baixa

tecnologia e desvantagens em setores mais sofisticados, o que vem se acentuando ao longo do

período analisado. Em particular, setores mais sofisticados, tais como Equipamento de

Transporte, Químico e Equipamentos Elétricos e Ópticos estão cada vez mais perdendo

vantagem comparativa na produção de bens intermediários. Esta realocação produtiva

corrobora a observação já feita de que as importações de bens intermediários foram mais

significativas nos setores mais intensivos em tecnologia da economia brasileira, em comparação

com as importações de bens intermediários nos setores de baixa tecnologia. Assim, de acordo

a evidência encontrada, é possível afirmar que a economia do Brasil vem se especializando,

ainda que de forma lenta, na produção de bens intermediários menos intensivos em tecnologia.

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186

Este processo está claramente correlacionado com uma maior participação de bens

intermediários importados na economia Brasileira, principalmente em setores mais intensivos

em tecnologia, como Equipamento de Transporte, Químico e Equipamentos Elétricos e Ópticos

(Figura 8.4). Vale ressaltar também que, no período analisado, houve forte realocação setorial

no sentido de uma maior especialização na produção de insumos relacionados a serviços. Em

2011, este setor foi responsável por cerca de 50,1% da produção total de bens intermediários

no Brasil, acima da média internacional de 48,5% (Figura 8.5, painel esquerdo). Em 1995, a

média internacional superava a média do Brasil em cerca de 4 pontos percentuais.

Figura 8.5 - Vantagem Comparativa Revelada na Produção de Intermediários (ano=2011)

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

Um outro conceito utilizado em Baldwin et al 2013 é o de vantagem comparativa

revelada em cadeia de suprimentos (RSCA - Revealed Supply Chain Advantage). À semelhança

do índice anterior, o cálculo da RSCA também é bastante simples: RSCA = (Participação dos

intermediários nas exportações totais do setor doméstico i) - (Participação dos intermediários

nas exportações globais do setor i). Os resultados dos cálculos da RSCA para os anos de 1995

e 2011 estão representados na Figura 8.6, na qual é possível verificar que o Brasil tem, em geral,

aumentado sua vantagem comparativa no suprimento de bens finais para setores manufaturados

sofisticados, ao passo que também tem aumentado sua vantagem comparativa no suprimento

de bens intermediários nos setores manufaturados menos sofisticados. Dessa forma, estes

resultados parecem guardar uma coerência com os resultados anteriores. Primeiro, nota-se que,

para aqueles setores em que o Brasil tem apresentado crescimento de vantagem comparativa na

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187

produção de bens intermediários (RIPA positiva), também é possível perceber que houve

aumento de vantagem comparativa no suprimento destes bens via exportação (aumento de

RSCA). Segundo, para os setores em que o Brasil vem perdendo vantagem comparativa na

produção de intermediários, há uma tendência para uma maior especialização na exportação de

bens finais (decréscimo de RSCA), que são exatamente aqueles setores mais intensivos em

tecnologia e que estão apresentando maior penetração de insumos importados.

Figura 8.6 - Vantagem de Cadeia de Fornecimento Revelada

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

Diante da mudança estrutural em andamento, a próxima questão a ser analisada é se a

economia do Brasil vem “subindo” ou “descendo” degraus nas cadeias de valor. Quando se diz

que um dado país “subiu” na cadeia de valor, quer-se denotar que o país está mais especializado

em tarefas de maior valor agregado por unidade produzida.

Na Figura 8.7 é possível verificar em que medida os setores produtivos brasileiros

evoluíram em termos de valor adicionado por unidade de produto69. Espera-se que, ao menos

em parte, as mudanças na razão valor adicionado por unidade de produto observadas, guardem

correlação com as mudanças estruturais na produção de bens intermediários ora em curso na

economia brasileira e já reportadas anteriormente. Por um lado, observa-se que o setor de

Equipamentos Elétricos e Ópticos, que sofreu forte aumento da participação de intermediários

importados ao longo do período 1995-2011, “subiu” na sua cadeia, apresentando uma evolução

positiva na razão valor adicionado por unidade de produto, fato que sugere um movimento na

69 Vale ressaltar que se trata de uma análise aproximada, na medida em que outros fatores, não necessariamente

relacionados ao processo de fragmentação da atividade produtiva, podem estar afetando a produtividade dos

setores relacionados na Figura 8.7. Até o ponto em que estes outros fatores afetam os setores de forma homogênea,

é possível atribuir os efeitos observados ao processo em estudo.

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direção da produção de partes mais sofisticas. Outros setores igualmente sofisticados, como

Equipamentos de Transporte e Químicos, sofreram queda na razão valor adicionado por

unidade de produto, sugerindo especialização em estágios menos “nobres” de suas respectivas

cadeias. O setor de equipamentos de transporte inclui empresas como a Embraer, que está

profundamente inserida em CGV. Outros setores que sofreram forte aumento da penetração de

bens intermediários importados também “desceram” degraus em suas respectivas cadeias

internacionais de suprimentos, como parece ser o caso do setor Têxtil e Vestuário,

especializando-se em estágios possivelmente menos nobres das cadeias. Por fim, o setor de

serviços, de importância estratégica para a indústria de transformação, também apresentou

perda de valor adicionado por unidade produzida, sugerindo especialização em estágios de

menor nível de sofisticação.

Figura 8.7 – Crescimento anual do valor adicionado por unidade de produto (1995-2011)

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

Em síntese, as evidências apontam que na última década parece ter havido uma melhora

da integração produtiva de todos os setores do Brasil, no que tange à participação de produtos

intermediários importados. Esse aumento foi relativamente maior em setores de tecnologia mais

avançada e a principal fonte desses bens foi a China, a qual ganhou espaço em detrimento da

2,193%

1,100%

,443%

,320%

,315%

,298%

,039%

-,132%

-,136%

-,291%

-,429%

-,453%

-,514%

-,639%

-,663%

-,758%

-,968%

-1,500% -1,000% -,500% ,000% ,500% 1,000% 1,500% 2,000% 2,500%

Couro, Produtos do Couro e Calçados

Coque, Refino e Combustível Nuclear

Equipamentos Elétricos e Ópticos

Celulose, Papel, Impressão e Publicação

Indústria Extrativa

Borraça e Plásticos

Reciclagem e Indústrias Diversos

Metais Básicos e Produtos do Metal

Serviços

Indústria Textil e Vestuário

Outros Máquinas e Equipamentos

Outros Minerais Não-metálicos

Equipamento de Transporte

Agricultura e Extrativismo

Alimentos, Bebidas e Tabaco

Madeira e Cortiça

Químicos e Produtos Químicos

Descendo na cadeia

Subindo na cadeia

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produção doméstica brasileira. Outro ponto é que o Brasil apresenta vantagem comparativa

revelada crescente na produção de bens intermediários com viés para os setores de baixa

tecnologia. Ademais, quando analisada a vantagem comparativa revelada em cadeia de

suprimentos, há a sugestão de que, no Brasil, houve crescimento na exportação de bens finais

em setores de maior tecnologia, como também na exportação de intermediários em setores de

menor tecnologia. Por fim, até onde as mudanças estruturais em curso guardam correlação com

o comportamento dos setores em termos de valor adicionado por unidade de produto, setores

intensivos em tecnologia, como Equipamentos de Transporte e Químicos, parecem caminhar

para especialização em estágios menos nobres das cadeias nas quais estão inseridos. Evidência

contrária foi obtida para o setor de Equipamentos Elétricos e Ópticos, que parece caminhar para

uma maior especialização em tarefas que geram maior valor adicionado por unidade de produto.

Por fim, vale ressaltar que as análises realizadas nada afirmam sobre a geração ou destruição

de empregos tanto intra-setorialmente, quanto inter-setorialmente. Como sugerido por

Grossman e Rossi-Hanberg (2008) e Timmer et al (2013), para o caso da Alemanha, é possível

que o tímido processo de integração a que vem se submetendo a economia do Brasil seja, ao

final, liquidamente criador de empregos. Para a realização de tal análise, o conceito de cadeia

de valor deve ser colocado em uma perspectiva ampla, envolvendo setores direta e

indiretamente relacionados com a produção do bem final. Esta, seguramente é uma agenda de

pesquisa promissora e altamente relevante para o Brasil.

8.4.3. Implicações de Política Pública

O crescimento das cadeias globais de valor deu novo impulso ao debate sobre políticas

industriais no Brasil e no mundo. Antigos paradigmas, como o imperativo do adensamento das

cadeias de produção domésticas, ou mesmo a essencialidade da exportação de produtos de alto

valor agregado para o crescimento de um país, foram cada vez mais colocados à prova, diante

do dinamismo alcançado por economias emergentes da Ásia e do Leste Europeu. Ao contrário,

o modelo de industrialização perseguido por estas economias pressupôs a fragmentação

internacional da atividade produtiva e o consequente aumento do conteúdo de bens

intermediários importados em suas exportações, resultando em menos valor adicionado

doméstico por unidade de produto exportada. Por outro lado, os ganhos de competitividade

auferidos, os quais se refletiram em expressivo aumento do volume exportado por estas

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economias, possibilitou o crescimento de suas participações no valor adicionado global gerado

pelas exportações mundiais.

Os dados mais recentes do comércio internacional de bens intermediários apontam para

um arrefecimento do processo de fragmentação internacional da produção nos anos seguintes à

crise internacional de 2008 (Ver Figura 8.8). Segundo a OMC (2016), este fenômeno pode ser

entendido como uma conjunção de fatores que se acumularam no período pós-crise,

compreendendo desde o próprio processo de maturação das cadeias globais, com o crescimento

do custo unitário do trabalho na Ásia, como até mesmo a mudança do padrão de crescimento

chinês, que vem progressivamente se deslocando do investimento para o consumo interno. É

prematuro, contudo, afirmar que o processo de fragmentação internacional da produção

encontrou seu equilíbrio final, uma vez que continentes como África e América Latina (à

exceção do México) ainda se encontram significativamente distantes desta realidade, dados

seus altos custos de transação, principalmente no que tange à logística comercial. Neste sentido,

é possível que, no longo prazo, reformas que promovam uma maior inserção internacional

destas economias conduzam a uma nova onda de fragmentação mundial/regional da produção,

sendo a recente aprovação do Acordo de Facilitação de Comércio, no âmbito da OMC, apenas

um exemplo a ser observado. Por outro lado, é também possível que o avanço tecnológico

futuro, simbolizado na chamada Indústria 4.0, promova incentivos contrários ao da

fragmentação da atividade produtiva, na medida em que relativize a importância do custo do

trabalho nos processos produtivos. Sem negar a sua possibilidade, claro está que o processo de

integração às cadeias globais e regionais tem, hoje, um custo significativamente maior para os

chamados “latecomers”, como é o caso da Economia do Brasil.

Figura 8.8. Fração de bens intermediários nas exportações globais

59.7%59.1% 59.1%

59.7%

60.5%

61.3%61.9%

62.3%

63.8%

62.6%

63.4%

64.5% 64.7%65.1%

64.6%

56%

57%

58%

59%

60%

61%

62%

63%

64%

65%

66%

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

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191

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

Uma vez reconhecida a importância da integração da estrutura produtiva da economia

brasileira às cadeias globais/regionais de valor, o debate local passou a se concentrar na criação

de mecanismo de incentivos governamentais, os quais permitiriam o desenvolvimento local de

estágios de produção de alto valor agregado, preferencialmente em setores criadores de

externalidades tecnológicas positivas, tais como o aeroespacial, eletroeletrônicos e

telecomunicações. São exemplos destes mecanismos a criação do RECOF70, que permite a

isenção tributária sobre insumos importados destinados às exportações, para setores

específicos, assim como uma maior rapidez no desembaraço aduaneiro, fundamental para o

funcionamento just in time das cadeias globais de valor. Por outro lado, é importante ressaltar

que muitas das políticas industriais postas em prática pelo governo nos anos recentes, como

exigências de conteúdo local e outros incentivos ao adensamento das cadeias de produção

domésticas, parecem ir contra a própria lógica de funcionamento das cadeias globais de valor,

que pressupõe flexibilidade na escolha de fornecedores internacionais por parte das firmas

locais.

Seria pouco razoável esperar que exista um único requisito fundamental para a

integração de um país às cadeias globais de valor. Contudo, parece haver sim um conjunto de

condicionantes capazes de criar os incentivos necessários para uma maior integração, de acordo

com a realidade de cada país, sem garantir, contudo, a sua suficiência. Para o caso do Brasil,

mais importante que políticas industriais voltadas para setores específicos da economia, parece

ser a implementação de políticas públicas de cunho horizontal. São exemplos de tais políticas

aquelas focadas na redução generalizada dos altos custos de transação existentes no país,

refletidos em uma infraestrutura logística que dá claros sinais de esgotamento, no seu

persistente isolacionismo comercial, com a consequente permanência de altas barreiras

tarifárias e não-tarifárias, além da má qualidade do ambiente de negócios doméstico e a

insuficiência de mão-de-obra qualificada.

Sem negar a importância estratégica de políticas de cunho setorial, para setores onde há

claras externalidades a serem incentivadas, é pouco provável que as mesmas alcancem a

plenitude dos objetivos a que se propõem, sem a melhoria expressiva do quadro geral de

negócios do país. Dito de outra forma, o impacto esperado das políticas setoriais tende a ser

70 Regime Aduaneiro de Entreposto Industrial sob Controle Informatizado, criado em 1997.

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192

muito reduzido em um ambiente de baixa eficiência sistêmica no uso dos recursos produtivos

de uma economia. A melhoria da eficiência sistêmica, pois, é matéria para as políticas públicas

de cunho horizontal, quais sejam, aquelas capazes de impactar positivamente todos os setores

da economia, incentivando o aumento da produtividade total dos fatores de produção.

De forma ilustrativa, esta seção trata de algumas das principais condicionantes

apontadas na literatura empírica recente, todas elas necessárias para a integração de um país às

cadeias globais de valor: os acordos preferenciais de comércio, a influência da política tarifária

(descrito no relatório de análise de impacto), o papel dos serviços e da facilitação do comércio.

8.5. Os acordos preferenciais de comércio

A literatura empírica sobre Acordos Preferenciais de Comércio (APC) e Cadeias

Globais de Valor (CGV) também é relativamente recente e, de forma geral, busca identificar

uma possível relação causal entre a formalização de APC e a formação de CGV. São exemplos

desta literatura os trabalhos empíricos de Blyde et al 2013, Hayakawa & Yamashita 2011 e

Orefice & Rocha 2011, que tem encontrado correlações positivas entre APCs e linkages

produtivos entre países. Contudo, segundo Blyde et all (2013), boa parte dos modelos

econométricos tratados pela literatura sofrem de causalidade reversa (APC induzem a formação

das CGV, mas a integração produtiva existente também pode criar a demanda para a formação

de um APC). Mais recentemente, Johnson e Noguera (2017), trabalhando com matrizes de

insumo-produto globais, com 42 países mais o resto do mundo, no período entre 1970 a 2009,

apontam que acordos preferenciais de comércio teriam sido responsáveis por 15% do declínio

global (de 10%) na razão entre valor adicionado exportado e exportações brutas.

Segundo Baldwin et al (2012) os possíveis canais que fazem com que APC gerem maior

integração em CGV são: 1) redução de tarifas de importação e 2) Estabelecimento de disciplinas

comuns (integração profunda) em investimentos, serviços, eliminação de barreiras não

tarifárias e facilitação de comércio.

Considerando que tais indicativos empíricos presentes na literatura sejam causais e que

o Brasil esteja interessado no fortalecimento de sua integração produtiva via formação de APC,

quais parceiros comerciais deveriam ser priorizados pelos formuladores de política no Brasil?

Esta questão poder ser abordada por meio de uma extensão do conceito de “parceiros naturais

de comércio” advindo da literatura de integração regional (Wonnacott e Lutz, 1989; Krugman,

1991; Venables, 2003; Ferraz et al, 2018), segundo a qual a formalização de acordos

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193

preferencias com os fornecedores mais eficientes, em detrimento dos menos eficientes, tende a

ser criadora de comércio ou bem-estar social. Para o caso de cadeias de valor, a extensão deste

conceito pode ser feita por meio do rastreamento dos indicadores de ligação backward e

forward, como destacado em Ferraz et al (2018). Para o caso do primeiro indicador, quanto

maior a relevância de um dado país como fonte de intermediários para a exportação do Brasil

(backward linkage), maior será o potencial de criação de uma cadeia internacional de

suprimentos envolvendo o Brasil. De forma similar para o segundo indicador, porém sob a ótica

da utilização das exportações de bens intermediários do Brasil, quanto maior a relevância de

um parceiro comercial como demandante de bens intermediários do Brasil, a serem empregados

em suas exportações (forward linkage), maior será o potencial para a criação de uma cadeia

internacional de suprimentos envolvendo o Brasil (neste caso, como fornecedor de bens

intermediários, ao invés de demandante dos mesmos).

A decomposição dos índices de ligação pode ser visualizada na Figura 6.1. No painel

esquerdo da figura, verificam-se as ligações para trás (backward) encontradas. As evidências

mostram que China, o NAFTA e a União Europeia respondem por mais de 54% do conteúdo

estrangeiro presente nas exportações brasileiras, sendo que, em média71, a região mais

importante na composição do conteúdo estrangeiro é a UE, com cerca de 25%. Já no painel

direito (ligações para frente ou forward linkages), verifica-se que essas mesmas três regiões

recebem, em média, mais de 60% dos bens intermediários exportados pelo Brasil, que serão

posteriormente processados e reexportados. Novamente, a União Europeia se destaca como a

região mais relevante, sendo destino de quase 38% dos intermediários exportados pelo Brasil.

Os dados apresentados na Figura 8.9 sugerem que, caso os formuladores de política

decidam incentivar a formalização de acordos preferenciais de comércio, como forma de

incentivar a integração do Brasil às cadeias globais de valor, os parceiros mais propícios

(naturais) para o alcance desta meta seriam a União Europeia, a região do NAFTA e a China.

Vale ressaltar que estes são também “parceiros naturais” de comércio do Brasil, pela ótica

Vineriana tradicional (Viner, 1950)72.

71 Média simples tomada entre os setores. 72 Poder-se-ia argumentar que os resultados obtidos são viesados para a UE devido ao fato de que a base de dados

utilizada possui quase majoritariamente países europeus, o que estaria causando um viés de agregação em favor

da UE. No entanto, efetuamos os mesmos cálculos para o ano de 2007 com uma agregação muito menos

concentrada na Europa utilizando a IOT estimada através dos dados do GTAP e chegamos a essa mesma conclusão.

Esses resultados estão disponíveis perante solicitação.

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194

Figura 8.9 - Decomposição por região dos Backward e Forward Linkages para o Brasil

(ano=2011)

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

O fato de a UE ser um parceiro natural de comércio do Brasil, também sob a lógica das

cadeias globais de valor, gera expectativas ainda maiores quanto à possível conclusão de um

APC entre o Mercosul e a UE, ora em negociação. Simulações de um APC entre a União

Europeia e o Mercosul foram analisadas em Ferraz et al (2014b), por meio da utilização de

modelos de equilíbrio geral computável (EGC). Para o caso específico da análise causal entre

APC e CGV, os autores argumentam que a utilização de modelos EGC é mais adequada que a

análise econométrica, na medida em que a realização de um APC pode ser caracterizada como

um fenômeno exógeno, por construção. O potencial de integração em cadeias de valor foi

medido por meio da simulação de um corte hipotético de 100% das tarifas e quotas bilaterais

de comércio entre os países dos dois blocos. As ligações backward e forward foram medidas

antes e após a simulação do acordo. Para o primeiro indicador, as simulações sugerem que a

UE aumentaria sua participação no conteúdo importado, presente nas exportações de

manufaturas brasileiras, de 24% para cerca de 32%. Por outro lado, para o segundo indicador,

do total de bens intermediários exportados pela indústria do Brasil, que seriam utilizados em

reexportações no resto mundo, a parcela correspondente à UE aumentaria de 32% para 37%.

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195

8.6. O Comércio de Serviços

A Recente Evolução do Comércio de Serviços no Mundo

A recente fragmentação internacional da produção em nível global colocou em

evidência o comércio internacional de serviços. Bens que cruzam fronteiras várias vezes, aliado

ao significativo aumento das transferências de dados e informações entre os países, levaram ao

aumento dos fluxos de serviços de conexão, como os serviços de transportes marítimo e aéreo,

além dos serviços de telecomunicações, dos serviços bancários, de engenharia e negócios em

geral.

Com o advento das cadeias globais, os fluxos de comércio bruto se tornaram menos

representativos do real valor adicionado exportado entre os países. Para além de problemas de

dupla contagem nas estatísticas tradicionais de comércio, há também um fator relacionado à

relativização da real importância dos serviços no volume de comércio mundial. Conforme

ilustrado na Figura 8.10, a participação dos serviços nas exportações brutas mundiais alcançou

cerca de 28% do total exportado, em 2014. Contudo, quando avaliado sob a ótica do valor

adicionado exportado, a participação dos serviços sobe para 49% do total mundial. A Figura

8.10 revela que o crescimento da participação dos serviços é feito em claro detrimento da fração

do valor adicionado exportado pelas manufaturas, colocando em evidência o fato de que parcela

significativa dos serviços mundiais são exportados de forma indireta, embutidos nas

exportações manufatureiras. Há, portanto, uma crescente correlação entre a competitividade

dos serviços e a competitividade dos bens industriais.

Figura 8.10. Participação dos serviços nas exportações mundiais, em valor bruto e adicionado

(ano 2014)

Fonte: WIOD. Elaboração Própria.

28

61

11

Exportações Globais (%)

Serviços Manufaturas Primários

49

35

16

Exportações Globais em valor adicionado (%)

Serviços Manufaturas Primários

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196

O aumento da participação e relevância dos serviços no comércio mundial também pode

ser observado pela quantidade de novos acordos comerciais envolvendo cláusulas para o

comércio de bens e serviços, conforme ilustrado na Figura 8.11.

Figura 8.11. Evolução do número de acordos regionais com compromissos para o comércio

de serviços.

Fonte:OMC.

Ainda no que tange ao comércio mundial de serviços, é importante ressaltar que as

cadeias globais induziram a formação de um novo padrão de comércio internacional, onde as

regiões mais desenvolvidas do mundo se tornaram mais especializadas nas exportações de

serviços de alto valor agregado, enquanto o continente asiático se tornou mais especializado em

exportações de bens manufaturados, de baixo valor agregado (Ferraz e Bertini, 2018; Timer et

al, 2014). A este respeito, os dados reportados na Tabela 8.4 revelam algumas regularidades

importantes sobre o padrão de comércio e especialização da economia global no período entre

1995 e 2008, auge do processo de fragmentação internacional da produção. Em primeiro lugar,

a importância dos empregos relacionados à cadeia doméstica manufatureira perdeu importância

no total da mão-de-obra empregada no mundo, à exceção da China, e com maior velocidade

nos países desenvolvidos (colunas 2 e 3). Em segundo lugar, cerca de 50% dos empregos

envolvidos nas cadeias de manufaturados domésticas estão fora da própria indústria

manufatureira. Para o Brasil, em particular, cerca de 65% dos empregos estão fora da indústria

de transformação (colunas 4 e 6), ressaltando a importância e maior eficiência de políticas de

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197

cunho horizontal, quando o objetivo é aumentar a produtividade da indústria. Em terceiro lugar,

a coluna 8 revela como os empregos diretos, na indústria, perderam importância relativa nas

cadeias de manufaturados dos países desenvolvidos. Por fim, as colunas 7, 8 e 9 evidenciam

como a produção manufatureira se tornou mais intensiva em serviços, particularmente nos

países desenvolvidos, mas também no Brasil, ainda que este último tenha se mantido pouco

integrado às cadeias globais e regionais de valor, até o presente momento. Como será visto mais

adiante, o caso da “servicificação” (de baixo valor agregado) Brasileira, diferente dos demais

países/regiões representados na Tabela 6.1, parece ter sido consequência direta da perda de

competitividade relativa do setor industrial, dado o seu isolamento da nova arquitetura mundial

do comércio.

Tabela 8.4. Emprego relacionado à atividade manufatureira em várias regiões do mundo

Fonte: WIOD. Elaboração Própria

O Setor de Serviços no Brasil

Há cerca de quatro décadas o setor de serviços vem aumentando continuamente a sua

participação no PIB do Brasil - processo que ficou conhecido como “servicificação” da

economia – em detrimento da participação do setor manufatureiro. No final dos anos setenta,

por exemplo, a participação da indústria no PIB do Brasil alcançou cerca de 23%, próximo ao

nível de países da OCDE no mesmo período. Atualmente, a indústria de transformação

corresponde a cerca de 10% do PIB nacional, enquanto o setor de serviços perfaz cerca de 70%

do mesmo. Vale ressaltar que o fenômeno da “servicificação” teve amplitude mundial e está

País 1995 2008Agricultura

(% total)

Manufaturas

(% total)

Serviços

(% total)Agricultura Manufaturas Serviços Total

Europa Ocidental 24.40 20.40 5.60 49.90 44.50 -35.30 -12.90 21.40 -2.50

Europa do Leste 31.20 28.20 17.30 53.80 28.90 -34.30 -3.50 18.70 -6.10

EUA 16.04 11.12 6.77 52.38 40.85 -22.43 -26.24 -14.17 -21.47

Japão 22.55 19.36 10.64 53.18 36.19 -37.96 -25.53 3.47 -19.04

Canada 20.76 16.02 5.64 41.00 53.36 -39.52 -10.69 15.00 -1.60

Coréia do Sul 29.69 22.83 12.18 49.20 38.62 -41.67 -21.74 33.77 -11.20

Taiwan 30.95 29.23 3.73 62.48 33.79 -64.31 9.12 22.25 4.89

Mexico 30.26 24.45 23.18 50.43 26.38 -12.42 29.70 53.76 21.19

China 31.73 33.35 46.96 33.89 19.15 8.95 30.58 31.90 19.65

India 27.92 27.27 45.85 33.19 20.96 3.80 35.10 36.10 18.85

Brasil 29.60 28.70 30.18 34.31 35.51 -7.79 34.81 72.19 26.90

Trabalho na cadeia de manufaturas Trabalho na cadeia de manufaturas por setor (2008) Evolução do emprego na cadeia de manufaturados 1995-2008 (%)

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198

intrinsecamente relacionado ao fenômeno da fragmentação internacional da produção. No caso

da Ásia, por exemplo, região que foi - e ainda é, em menor escala - destino de investimentos

relacionados à terceirização de etapas de processos produtivos desenvolvidos alhures, a

participação da indústria no PIB da região aumentou de 22% para 28%, entre 1984 e 2010.

A importância do setor de serviços para a produção de bens pode ser avaliada sob as

óticas da produção total doméstica e das exportações. Sob a ótica da produção doméstica, a

Figura 8.12 ilustra a fração dos serviços na produção da indústria têxtil, para um grupo de

países.

Figura 8.12. Participação dos serviços no valor adicionado: Setor Têxtil

Fonte: WIOD. Elaboração Própria

Nota-se que, não apenas para o Brasil, mas como para todos os países da amostra, os

serviços representam parcela significativa do valor adicionado da produção, somado à

participação dos bens intermediários importados. Para este último, é notória a sua baixa

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Brasil

Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Mexico

Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Alemanha

Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Coréia do Sul

Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Hungria

Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

República Tcheca

Têxteis Outras manufaturas Serviços Importados

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199

relevância para o caso da indústria têxtil Brasileira, o que corrobora o claro isolamento do setor,

no que tange à sua integração às cadeias de suprimentos internacionais.

Sob a ótica das exportações Brasileiras, a Figura 8.13 revela a importância dos serviços

domésticos para as exportações de bens do país. Nota-se que, em consonância com a tendência

mundial, a participação dos serviços é mais alta no setor exportador de bens manufaturados,

chegando a perfazer 31% do valor adicionado exportado.

Figura 8.13. Participação dos serviços domésticos nas exportações setoriais do Brasil

Fonte: WIOD. Elaboração Própria

Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC, 2016), a despeito de estar entre

as 10 maiores economias do mundo, o Brasil figurou na 32a posição entre os maiores

exportadores de serviços em 2016, com uma participação de 0,7% nas exportações mundiais.

O maior exportador de serviços do mundo, os EUA, participaram com 15,2% das exportações

mundiais, seguidos pelo Reino Unido, com participação de 6,7%. No que tange às importações,

o Brasil figurou na 21a posição entre os maiores importadores de serviços do mundo, com uma

participação de 1,3% das importações mundiais. O maior importador de serviços do mundo, os

EUA, participou com 10,3%, seguido da China, com participação de 9,6%.

A Figura 8.14 ilustra a evolução recente da participação dos serviços no total exportado

e importado pelo Brasil. Em 2016, os serviços representaram 15% do total exportado pelo

Brasil, contra 30,6% do total importado. Vale ressaltar que tanto a pauta de exportação do

Brasil, quanto a pauta de importação, são altamente concentradas em poucas posições e países.

14%13% 13%

17% 16% 16% 17%15%

20%

23%

21%19%

17%

22%

18%19%

29% 29%

27%

31%30%

31% 31% 31%

2000 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014

Agriculture Mining ManufacturingAgricultura Extrat. Manufaturas

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200

Por exemplo, em 2016, os cinco principais serviços exportados pelo Brasil foram: serviços

profissionais, técnicos e gerenciais (11% do total exportado); serviços gerenciais e de

consultoria gerencial (10,8%); serviços auxiliares aos serviços financeiros (8,2%); serviços de

manuseio de cargas (5,9%) e serviços de transporte aquaviário de cargas (5,6%), perfazendo

41% do total exportado pelo país. Quanto à pauta de importação, os cinco principais serviços

importados foram arrendamento mercantil operacional (38,4% do total importado pelo Brasil

em 2016); licenciamento de direitos de autor (7,8%); serviços de transporte aquaviário de cargas

(7,8%); serviços financeiros (5,3%); serviços profissionais, técnicos e gerenciais (3,7%). As

cinco principais posições representaram 63% do total importado pelo Brasil.

Figura 8.14. Participação (%) dos serviços no valor exportado/importado pelo Brasil

Fonte: MDIC

Em 2016, o Brasil teve como principais mercados de destino para suas exportações de

serviços os Estados Unidos (33% do total exportado pelo Brasil), Países Baixos (6,7%), Reino

Unido (6,3%), Alemanha (6,1%), e Suíça (5,5%). Apenas esses cinco países absorveram 57%

de nossas exportações de serviços. No que tange às importações, os principais mercados

fornecedores de serviços para o Brasil foram Estados Unidos (30,1%), Países Baixos (25,5%),

Reino Unido (7,5%), Alemanha (5,9%) e Noruega (3,2%). Apenas estes cinco países

corresponderam a 72% das importações brasileiras, sendo 55,6% somente para os dois

primeiros (MDIC, 2016).

Dada a sua baixa participação no comércio internacional de serviços, e dado que os

serviços de maior valor adicionado são, via de regra, os serviços transacionáveis, não

12,113,3 13,1

14,8 14,8 15,0

23,825,2 25,2

27,128,5

30,6

2011 2012 2013 2014 2015 2016

Exportações Importações

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201

surpreende que a produtividade dos serviços no Brasil esteja muito abaixo da média mundial.

Como representado na Tabela 8.5, a produtividade dos serviços no Brasil (medida em paridade

de poder de compra) é cerca de 3 vezes mais baixa que a média mundial e cerca de 5,4 vezes

menor que a produtividade dos serviços nos EUA. Vale ressaltar que o setor de serviços nos

EUA é cerca de 4,4 vezes mais produtivo que a própria indústria Brasileira, o que sugere que a

baixa produtividade é generalizada entre os setores da economia Brasileira (Veloso et al, 2016).

Tabela 8.5. Produtividade setorial do trabalho, estimada para um grupo de países, em PPC.

Fonte: Veloso et al, 2016.

Figura 8.15. Produtividade do Trabalho: Serviços tradicionais x serviços modernos

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202

Fonte: Veloso et al, 2016. Elaboração própria.

Quando os serviços são desagregados em serviços tradicionais e serviços modernos (de

maior valor agregado, em geral transacionáveis), a Figura 8.15 revela que mesmo os serviços

considerados mais sofisticados no Brasil são menos produtivos que os serviços tradicionais em

uma série de países mais desenvolvidos.

A importância do comércio de serviços para o aumento da produtividade

A baixa produtividade dos serviços no Brasil é, possivelmente, um problema

multifatorial, abrangendo temas relacionados ao “custo Brasil”, como complexidade tributária,

carência de mão-de-obra qualificada e infraestrutura precária, só para citar alguns exemplos.

Adicionalmente, a questão da “pressão competitiva” aparece como um tema recorrente na

literatura empírica de estudos setoriais sobre produtividade (Duarte e Restuccia, 2010). Uma

vez que serviços são, em geral, menos transacionáveis que bens manufaturados, há,

naturalmente, uma tendência de que serviços sejam menos submetidos às pressões competitivas

de mercado, o que possivelmente ajuda a explicar o diferencial de produtividade entre serviços

e manufaturas, observado mundialmente.

Uma vez que a abertura comercial em bens, via de regra, não gera a necessária pressão

competitiva nos mercados de serviços, fatores adicionais, como a questão do ambiente

regulatório do país e seus compromissos assumidos no GATS (General Agreement on Trade in

Services), aparecem como temas potencialmente relevantes para explicar a produtividade dos

serviços em uma dada economia (Baily e Solow, 2001).

55.3 51.2 54

46.2 53.8

45.1

30.4

17.7 12.7

10.9 18.9

168.04

130.7

119.7

108.2

97.3

87.2

69.3 63.9

53.3

33.8 28.8

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

EUA Irlanda França Australia Japão Reino Unido

Coréia México China Brasil India

Serv_Tradicionais Serv_Modernos

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203

Potenciais barreiras regulatórias às importações de serviços estão possivelmente

correlacionadas ao desempenho das próprias exportações do setor, conforme ilustrado na Figura

8.16, para uma amostra de 135 países, extraídas da base de dados GTAP9. A Figura sugere que

não há precedente na economia global, de um grande exportador de serviços, que não seja

também um grande importador. Desta forma, a redução das potenciais barreiras regulatórias às

importações de serviços é, também, fator de estímulo as suas exportações, ao impactar a

competitividade dos serviços exportados.

Outro aspecto destacado na literatura empírica recente é a causalidade entre abertura

comercial em serviços (via redução das barreiras regulatórias às importações) e o estímulo às

exportações de produtos manufaturados (ver, por exemplo, Barone & Cingano, 2011; Bas,

2014; Hoekman & Shepherd, 2017) Como já destacado nas Figuras 8.12 e 8.13, dada o alto

conteúdo de serviços domésticos nas exportações de bens manufaturados, é razoável esperar

que o aumento da pressão competitiva via importações, seja um fator de estímulo adicional para

as exportações de bens, particularmente manufaturados.

Figura 8.16. Exportações e Importações totais de serviços (ano base:2011).

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria, 135 países.

France

India

Spain

Italy

Holand

Japan

Brazil

Canada

Belgium

Ireland

Russia

Indonesia

Singapore

Austria

Australia

Exportações Totais (US$ milhões)

Imp

ort

açõ

esT

ota

is (

US

$ m

ilh

ões

)

0 25000 50000 75000 100000 125000 150000

02

00

00

40

00

0

80

00

0

1

20

000

1

60

000

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204

8.6.1. A barreiras regulatórias ao comércio de serviços no Brasil

Dada a intangibilidade do setor de serviços, barreiras ao comércio do setor são

principalmente de natureza regulatória (Whalley, 2004; Dee, 2005). De maneira a propriamente

avaliar os prováveis ganhos advindos de uma liberalização comercial em serviços, torna-se

necessário, pois, estimar os equivalentes ad-valorem das barreiras regulatórias impostas nas

fronteiras dos países e que, em maior ou menor grau, constituem impeditivos ao fluxo de

comércio do setor.

Embora a literatura em comércio de serviços ainda seja relativamente escassa em

comparação à literatura tradicional de comércio de bens, existe um número crescente de estudos

empíricos particularmente concentrados na identificação e estimação de barreiras regulatórias

para o comércio de serviços. O trabalho de Deardoff e Stem (1998) classifica as existentes

metodologias para a estimação de equivalentes ad-valorem de barreiras regulatórias para

comércio em serviços em três categorias: (i) métodos qualitativos baseados em índices de

cobertura e frequências; (ii) métodos baseados em diferenças de preços; (iii) métodos

quantitativos baseados em equações gravitacionais. Devido aos níveis inerentemente elevados

de arbitrariedade incorporados aos métodos qualitativos, os mesmos têm sido frequentemente

criticados e vêm progressivamente perdendo espaço na literatura empírica73. Métodos baseados

em preços74, no entanto, comparam diferenças pré-existentes entre preços domésticos e

externos, de modo a acessar potenciais barreiras regulatórias de fronteiras, sendo responsáveis

por contribuições substanciais na literatura empírica.

Desde a publicação de Tinbergen (1962), equações gravitacionais têm sido utilizadas

intensivamente na literatura empírica internacional sobre comércio, devido a sua aderência

particularmente notável para fluxos comerciais de bens. No que tange aos seus fundamentos

teóricos, uma literatura relativamente recente tem mostrado que equações gravitacionais podem

ser derivadas de uma diversidade de modelos teóricos de comércio, baseados em diferentes

premissas75.

73 Ver Hoekman (1995) and Hardin & Holmes (1997) para exemplos de abordagens qualitativas. A Australian

Productivity Commission (APC) também possui diversos estudos setoriais específicos: Kalijaran (2000) para o

setor de distribuição; McGuire e Schuele (2000) para o setor de transporte marítimo e Warren (2000) para

telecomunicações; Mattoo et al. (2006) avaliam tanto telecomunicações como setores de serviços financeiros. 74 Ver Francois and Hoekman (1999), Dihel and Sheperd (2007) e diversos estudos setoriais específicos da APC:

Nguyen-Hong (2000) para serviços de engenharia, Trewin (2001) para telecomunicações e Kalijaran et al. (2001)

para o setor bancário. 75 Ver Anderson (1979), Helpman & Krugman (1985), Bergstrand (1990), Deardorff (1998), Feenstra (2002,

2004), Anderson & van Wincoop (2003), Helpman et al. (2008), Melitz & Ottaviano (2008) and Costinot and

Rodríguez- Clare (2014).

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205

A literatura empírica sobre modelos gravitacionais aplicados ao comércio de serviços

ainda se encontra nos seus estágios iniciais. Os trabalhos de Francois (2001, 2005), Kimura e

Lee (2006) e Walsh (2006), no entanto, já demonstraram o poder explicativo significativo das

equações gravitacionais quanto ao comércio de serviços. Para a estimação de equivalentes ad-

valorem de barreiras regulatórias ao comércio de serviços, utilizando-se abordagens

relativamente simples de mínimos quadrados ordinários, o artigo de Fontagné et al. (2011)

discute diversos aspectos metodológicos e limitações na literatura existente sobre o tema,

começando pela ausência de estimativas confiáveis para as elasticidades em comércio de

serviços76.

Park (2002) estima os equivalentes ad-valorem de barreiras regulatórias para sete

setores de serviços em 62 países, utilizando a base de dados do GTAP para 1997. Fluxos de

comércio bilaterais para serviços são explicadas de acordos com os PIBs dos países, distância,

índices de preços para importadores e exportadores e um conjunto de variáveis dummy

incluindo língua comum e contiguidade. O autor mostra que países asiáticos tendem a impor

barreiras regulatórias menos restritivas para serviços. Fontagné et al (2011) estende o trabalho

de Park (2002), incluindo um novo conjunto de variáveis nas equações gravitacionais, como

dummies para RTAs (se os países são (ou não) membros de um acordo regional de comércio) e

vínculos coloniais. Utilizando-se de uma base de dados mais recente do GTAP (ano base 2004),

os autores calcularam os equivalentes ad-valorem baseados nos efeitos fixos estimados para

importadores, para sete setores de serviços em 65 países. Os autores mostram que países

desenvolvidos impõem barreiras regulatórias para serviços menos restritivas. Em se tratando de

barreiras regulatórias em nível setorial, os autores mostram que o setor de transportes – com

um equivalente ad-valorem médio de 26% - é o menos restritivo da amostra. Por outro lado, o

setor de construções apresenta as barreiras mais elevadas, com um equivalente ad-valorem

médio de 75%. De maneira geral, os equivalentes ad-valorem estimados por Fontagné et al

(2011) são mais elevados que aqueles estimados por Park (2002). Os autores concluem que

estimativas de equivalentes ad-valorem baseados nos resíduos de regressões gravitacionais

(como em Park (2002)) podem ser viesados para baixo. Ambos os estudos utilizam fluxos de

dados de serviços do balanço de pagamentos de diferentes fontes.

O presente relatório seguirá a metodologia de efeitos fixos desenvolvida por Fontagné

et at (2011). Baseando-se nos recentes avanços na literatura acerca de modelos gravitacionais,

76 Outros aspectos negativos são: falta de consenso claro acerca da abordagem correta para estimações

gravitacionais (resíduos x efeitos fixos) e a frequentemente baixa qualidade de dados para comércio de serviços.

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206

no entanto, decidiu-se por trabalhar com dados em painel, utilizando estimações em Poisson

(ver Silva e Tenreyro, 2006, 2011; Baldwin e Taglione, 2006; Head e Mayer, 2014).

Nesta seção, estimamos barreiras regulatórias setoriais para uma amostra ampla,

compreendendo o Brasil e seus possíveis parceiros comerciais. As estimativas resultantes

correspondem a equivalentes ad-valorem obtidos a partir dos efeitos fixos dos importadores,

convertidos, em seguida, utilizando-se a definição estrutural de custos de comércio (ver

Anderson e Wincoop, 2003).

Comparado à estimativa de barreiras não-tarifárias para o comércio de bens, a avaliação

quantitativa de barreiras regulatórias para o comércio de serviços apresenta novos desafios.

Primeiramente, não existe uma base de dados global para serviços que forneça informações

confiáveis sobre todos os módulos de serviços existentes. Dessa forma, a maioria dos trabalhos

empíricos anteriores são baseados em informações sobre fluxos agregados de serviços

provenientes das contas de balanço de pagamentos dos países, o que exclui o módulo 3

(presença comercial). Ademais, diferentemente do comércio de bens, não existem tarifas para

o comércio de serviços, o que torna necessário, a rigor, a estimativa das elasticidades setoriais.

Este relatório utilizou dados de duas fontes principais. Os dados para exportações de

serviços, por dupla de países, têm origem no GTAP e referem-se aos anos 2004, 2007 e 2011.

Dados do GTAP referem-se ao comércio de serviços para os módulos 1, 2 e 4 (ou seja,

excluindo investimento estrangeiro direto) e são baseados nos dados do Eurostat, Nações

Unidas e FMI. Os dados para as variáveis gravitacionais tiveram origem no CEPII. As variáveis

gravitacionais utilizadas na presente estimação foram distância bilateral (em logs, ponderadas

por população), contiguidade, língua comum e colonização, além dos PIBs dos países

exportadores e importadores. A base de dados para esse estudo é, portanto, composta de fluxos

de comércio entre o Brasil e seus parceiros comerciais. Serviços são divididos em 14 setores e

os dados estão disponíveis para 3 anos, fornecendo em torno de 130 000 observações no total.

Algumas questões importantes sobre a base de dados do GTAP podem dificultar a

comparabilidade das estimações com outros estudos empíricos. Em primeiro lugar, a maneira

como serviços são classificados no GTAP não permite que se realize uma comparação direta

com outras classificações apresentadas em estudos prévios utilizando dados da OCDE. De fato,

é necessário fazer uma correspondência aproximada entre as classificações do GTAP e do

EBOPS por meio dos códigos ISIC, o que torna algumas categoriais incompatíveis devido a

decisões de agregação. Para a validade externa dos resultados, comparamos os setores com a

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207

mesma ou a mais próxima correspondência. Em segundo lugar, até mesmo os dados de fluxos

comerciais para categorias comparáveis podem variar em grande medida de uma base de dados

para outra. Por fim, a amostra dos parceiros comerciais consideradas nas estimativas é outra

dimensão potencialmente importante, que faz com que os resultados não sejam diretamente

comparáveis: os coeficientes de interesse, para cada país e setor, são uma média entre parceiros

comerciais e, portanto, são potenciais fontes de diferenças, quando da comparação com

estimativas, por exemplo, que utilizam subconjuntos de amostras.

A estratégia de estimação utilizada nesse estudo baseia-se em uma regressão de Poisson,

assumindo que uma média condicional para os fluxos comerciais bilaterais é dada de forma

exponencial, abordando tanto a possibilidade de uma grande quantidade de fluxos nulos nos

dados, quanto a possibilidade de heterocedasticidade nos resíduos, o que pode gerar viés em

uma simples regressão MQO utilizando logs (ver Silva e Tenreyro, 2006).

A seguinte equação foi estimada:

𝑋𝑖𝑗,𝑡𝑘 = exp[𝛽1

𝑘𝑙𝑛𝐺𝐷𝑃𝑖,𝑡 + 𝛽2𝑘𝑙𝑛𝐺𝐷𝑃𝑗,𝑡 + ∑ 𝛽𝑚

𝑘4𝑚=3 ln𝐷𝐼𝑆𝑇𝑖𝑗,𝑚 +𝛽5

𝑘𝐶𝑁𝑇𝐺𝑖𝑗 + 𝛽6𝑘𝐿𝐴𝑁𝐺𝑖𝑗 +

𝛽7𝑘𝐶𝐿𝑁𝑌𝑖𝑗 + 𝜂𝑖 + 𝜃𝑗 + 𝛿𝑡] + 휀𝑖𝑗,𝑡 (1)

Na qual 𝑋𝑖𝑗,𝑡𝑘 são fluxos de exportações de serviços no setor k, do país i para o país j no

ano t. As variáveis explicativas (gravitacionais) são tradicionais da literatura empírica: log-PIBs

de exportadores e importadores, DIST (em log, ponderado pela população) é a distância entre

pares de países da amostra, a qual foi dividida entre as distâncias abaixo e acima da mediana

da amostra, de modo a permitir efeitos não-lineares; CNTG é uma dummy para contiguidade;

LANG é uma dummy para língua comum e CLNY é uma dummy para relação colonial.

Controlou-se, também, para os efeitos fixos anuais e de país, tanto exportadores, quanto

importadores. Resíduos foram agrupados em clusters, de forma a acomodar possíveis

correlações entre pares de países.

Para o cálculo dos equivalentes ad-valorem, seguiu-se a literatura empírica e foram

utilizados os efeitos fixos dos países importadores. É necessário definir o benchmark para cada

setor (o país mais aberto), ou seja, o importador com o efeito o mais elevado, de modo que este

seja, na média, mais propenso a importar. Relativamente a este benchmark, calculamos os

equivalentes tarifários para cada país e setor, de acordo com a fórmula:

ln(1 + 𝑡𝑗𝑘)

1−𝜎= 𝐹𝐸𝑗

𝑘 − 𝐹𝐸𝑏𝑒𝑛𝑐ℎ𝑚𝑎𝑟𝑘𝑘 (2)

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208

Na qual 𝑡𝑗𝑘 é o equivalente ad-valorem, FE são os efeitos fixos do benchmark para cada setor e

σ é a elasticidade de substituição, assumida como 5.6, seguindo a literatura empírica (Park,

2002, Fontagné et al, 2011).

Os resultados das estimativas por meio da equação (1) estão reportados nas Tabelas 8.6

e 8.7. Como nas regressões tradicionais envolvendo o comércio de bens, as variáveis

gravitacionais como língua, contiguidade, acordos de comércio e colônia são significativas e

apresentam os sinais esperados na maior parte dos casos. Por outro lado, vale destacar que, para

o comércio de serviços, o modelo gravitacional tende a relativizar a importância da variável

distância e do PIB das economias envolvidas. Dada a característica de intangibilidade de muitos

serviços comercializados, esse resultado não parece de todo surpreendente.

Tabela 8.6. Regressões de Poisson para Serviços

Setor Aéreo Telecom Construção Eletricidade Dist. Gás Seguros Negócios

PIB exp. (log) 0.296*** 0.088 0.242*** -0.168 1.232 0.036 0.235***

(0.078) (0.072) (0.066) (0.262) (0.953) (0.071) (0.061)

PIB imp. (log) 0.207*** 0.113 0.343 -0.130 -0.603*** 0.083 0.325***

(0.073) (0.074) (0.261) (0.391) (0.187) (0.140) (0.077)

Distância (log) -0.003 -0.095 0.109 -0.656*** 0.005 0.288* 0.041

(0.079) (0.081) (0.105) (0.116) (0.222) (0.153) (0.0750)

Dist>mediana

(log)

-0.024 -0.011 -0.021 0.084*** -0.021 -0.023 -0.014

(0.016) (0.021) (0.025) (0.026) (0.030) (0.024) (0.023)

Contiguidade 0.643*** 0.856*** 0.707*** 2.439*** 1.075** 1.161*** 0.622***

(0.105) (0.092) (0.107) (0.190) (0.456) (0.258) (0.083)

Língua

comum

0.260** 0.216** 0.350 1.189*** 1.422*** 0.584*** 0.341***

(0.127) (0.092) (0.215) (0.325) (0.252) (0.163) (0.106)

Colônia 0.291* 0.106 0.594*** -0.075 -0.165 -0.133 -0.205*

(0.172) (0.147) (0.142) (0.266) (0.294) (0.179) (0.106)

Acordo

Comércio

0.877*** 0.833*** 0.789*** 0.604*** 0.581 0.570*** 0.857***

(0.117) (0.144) (0.281) (0.212) (0.386) (0.192) (0.194)

Obs

8,112

0.613

8,112

0.638

8,112

0.612

8,112

0.780

8,112

0.857

8,112

0.819

8,112

0.700 Nota: Exportador/importador/ano. Efeitos fixos incluídos em todas as especificações. Erro padrão robusto em

parênteses (cluster de importador). *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Page 209: POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA: ESTRATÉGIAS DE INSERÇÃO ... · abertura da economia, através de vários indicadores – de alguns muito simples a outros mais elaborados. Independentemente

209

A Figura 8.17 reporta a média ponderada (pelos fluxos de comércio) dos equivalentes

ad-valorem estimados para cada modalidade de serviços da amostra, em cada país. Os valores

estimados sugerem que o Brasil está melhor posicionado que a média da América Latina, mas

ainda muito acima da média Europeia e dos EUA.

Já a Figura 8.18 faz um comparativo das barreiras de serviços estimadas para 13

modalidades, entre Brasil, e as médias ponderadas dos países da América Latina e dos países

da OCDE. Como observado, o Brasil é mais aberto ao comércio de serviços que a média da

América Latina, mas significativamente mais fechado que a média dos países da OCDE,

particularmente para as importações de serviços financeiros, construção civil, transportes

terrestres e telecomunicações e correios.

Tabela 8.7. Regressões de Poisson para Serviços

Setor Financeiro Ad.

Pública

Rod./Ferrov. Cultura/Lazer Comérv Transp.

Mar

Dist

Água PIB exp. (log) -0.035 0.360*** 0.118 0.295*** 0.046 0.192 0.270**

(0.166) (0.096) (0.104) (0.093) (0.074) (0.121) (0.108)

PIB imp. (log) 0.018 0.158 0.117 0.200*** 0.040 0.140* 0.163

(0.151) (0.130) (0.076) (0.074) (0.078) (0.081) (0.103)

Distância (log) 0.170** 0.054 -0.092 -0.083 0.046 0.226** -

0.244*** (0.067) (0.193) (0.119) (0.079) (0.093) (0.114) (0.081)

Dist>mediana(log) -0.050* 0.010 -0.017 -0.040** -

0.064***

-

0.087***

-0.012

(0.026) (0.016) (0.012) (0.017) (0.023) (0.023) (0.017)

Contiguidade 0.646*** 1.361*** 1.130*** 1.106*** 0.839*** 0.610*** 1.130***

(0.159) (0.232) (0.124) (0.108) (0.145) (0.114) (0.098)

Língua Comum 0.679*** 0.577*** 0.270*** 0.494*** 0.565* 0.431** 0.593***

(0.178) (0.191) (0.081) (0.109) (0.305) (0.186) (0.135)

Colônia 0.129 0.032 0.272* 0.116 -0.029 0.278 0.285***

(0.189) (0.174) (0.153) (0.094) (0.174) (0.220) (0.094)

Acordo Comércio 1.140*** 0.944*** 0.568*** 0.739*** 0.961*** 0.959*** 0.727***

(0.223) (0.158) (0.125) (0.148) (0.176) (0.162) (0.134)

Obs

8,112

0.824

8,112

0.579

8,112

0.573

8,112

0.727

8,112

0.820

8,112

0.821

8,112

0.670 Nota: Exportador/importador/ano. Efeitos fixos incluídos em todas as especificações. Erro padrão robusto em

parênteses (cluster de importador). *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

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210

Figura 8.17. Equivalente ad-valorem das barreiras regulatórias às importações em serviços

Fonte: Elaboração própria, baseado nos resultados das regressões.

Figura 8.18. Equivalente ad-valorem das barreiras regulatórias às importações em serviços

Fonte: Elaboração própria, baseado nos resultados das regressões.

Dado a baixa produtividade em serviços e a já amplamente reportada causalidade entre

a abertura em serviços e o aumento das exportações de bens manufaturados, como já citado na

literatura empírica recente, cabe avaliar um eventual cenário de liberalização comercial em

serviços para a economia do Brasil.

Uma vez que o governo Brasileiro já manifestou seu interesse em aderir à OCDE, é

razoável esperar que haja uma tendência de convergência regulatória entre o Brasil e os

membros desta organização, em vários setores. Portanto, um cenário relevante a ser considerado

seria o de avaliar os possíveis impactos sobre a economia do Brasil, caso o país decidisse alinhar

suas barreiras regulatórias às importações de serviços, às regulações impostas pelos países da

5,2%

24,6%

44,3%

71,5%

0,0%

50,0%

100,0%

150,0%

200,0%

250,0%E

UA

Ale

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Rei

no

Un

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Jap

ão

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ia

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ia

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ia

Ma

lta

Pa

na

Ilh

as

Mau

ríc

io

Cost

a R

ica

Pa

ragu

ai

55,9

98,1

181,2

142,9

110,5

67,2

123,5

100,9

56,648,6

83,6

38,2

53,541,4

96,1

189,1180,7

102,3

39,4

82,777,1

38,932,7

53,7

28,639,6

17,424,3 26,1

96,4

40,8

17,9

32,7 30,521,8 17,3

24,3 20,6 16,9

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

A. Latina Brasil OCDE

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211

OCDE. Conforme representado na Figura 8.18, uma forma de emular quantitativamente este

cenário seria considerar que o Brasil reduzisse os valores de seus equivalentes ad-valorem

setoriais às médias setoriais encontradas na OCDE. A Figura 8.19 reporta os resultados

encontrados para algumas das principais variáveis macroeconômicas Brasileiras, por meio de

uma simulação com modelo de equilíbrio geral computável estático (GTAP). Como observado,

o alinhamento regulatório do Brasil nas importações de serviços, às práticas do OCDE,

impactaria positivamente o PIB do país no longo prazo (0,47%), o volume de investimentos

(0,60%), o comércio internacional e o salário dos trabalhadores, particularmente os mais

qualificados. Como revelado na Figura 8.20 e em consonância com a recente literatura empírica,

a abertura em serviços estimula particularmente as exportações de produtos manufaturados, que

utilizam em grande volume os serviços comercializáveis, de maior valor agregado. Esta

realocação de fatores explica porque os salários dos trabalhadores mais qualificados sofrem um

impacto (positivo) maior, vis à vis os trabalhadores não-qualificados.

Figura 8.19. Impacto da convergência regulatória Brasileira na importação de serviços para o

padrão regulatório da OCDE

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Por fim, um aspecto relevante desta análise seria avaliar qual a contribuição de cada

choque setorial (redução do equivalente ad-valorem setorial do Brasil aos níveis das médias

setoriais da OCDE) para o desempenho positivo das variáveis macroeconômicas representadas

na Figura 8.19. A Figura 8.21 traz esta decomposição, numa escala de 0 a 100% para todas as

variáveis reportadas. Em primeiro lugar, vale ressaltar a importância da redução das barreiras

0,47

1,67

2,32

0,600,50 0,43

0

0,5

1

1,5

2

2,5

PIB Vol. Exportado Vol. Importado Investmento Salários

(qualificados)

Salários (não-

qualificados)

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212

regulatórias às importações de serviços de “transportes” em geral, que chega a representar cerca

de 27% do crescimento das exportações e 36% do crescimento do salário dos trabalhadores

qualificados. Em segundo lugar, a redução das barreiras regulatórias às importações de serviços

relacionados a “negócios” (consultorias, serviços gerenciais, arrendamento mercantil, etc..) tem

impacto relevante sobre todas as variáveis macroeconômicas. No caso do impacto sobre a

demanda por investimento, chama a atenção a importância da liberalização dos serviços de

construção civil.

Figura 8.20. Impacto da convergência regulatória: exportações setoriais do Brasil (%)

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Figura 8.21 Contribuição de cada choque de abertura em serviços, por variável macro

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

2,65

1,691,56

0,68

0,37

Manufaturas Serviços Agronegócio Ind. Extrativa Agricultura

Vol. Exportado

0,32 0,35 0,30 0,23 0,200,37

0,230,27

0,14 0,36

0,26

0,09

0,16

0,10

0,03

0,120,090,06

0,07

0,07

0,08

0,080,070,04

0,10

0,42

0,04 0,020,06 0,10

0,23 0,070,17

0,10 0,16 0,16 0,09

0%

20%

40%

60%

80%

100%

PIB Vol. Exportado Vol. Importado Investimento Salário(qualificado)

Salário (não-qualificado)

Negócios Transportes Serv. Financeiros Seguros

Telecom&Correios Construção Serv. Públicos Demais serviços

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213

A clara conexão entre abertura em serviços e desempenho do setor de bens

manufaturados é sugestiva de que, países com maiores barreiras regulatórias em serviços, terão

mais dificuldade no aumento de sua inserção internacional via cadeias globais de valor (que são

majoritariamente em bens manufaturados). Para o caso da economia do Brasil, a análise

realizada chama a atenção para a relevância dos serviços de conexão (transportes), de negócios

em geral, dos serviços financeiros e construção civil. Por fim, vale ressaltar que as barreiras

regulatórias aqui estimadas também podem incluir eventuais tributos relacionados à atividade

importadora. Tributos relacionados à importação de serviços são particularmente altos no caso

do Brasil.

8.6.2. Análise de impacto do refinamento da regulamentação brasileira do setor financeiro, tendo em vista as melhores práticas internacionais

O objetivo desta seção é avaliar, de forma isolada, os possíveis impactos de um eventual

refinamento da regulamentação Brasileira no comércio de serviços financeiros. Para tanto,

como na seção anterior, assumiremos como melhores práticas internacionais o padrão

regulatório vigente nos países da OCDE.

Como já mencionado no exercício anterior, o equivalente tarifário das barreiras

regulatórias ao comércio de serviços, estimadas para este estudo, captam, apenas, os módulos

existentes no balanço de pagamentos dos países, ou seja: módulo 1 (comércio transfronteiriço),

módulo 2 (consumo no exterior) e módulo 4 (movimento temporário de mão-de-obra). De

acordo com os indicadores de restrição ao comércio internacional de serviços financeiros,

estimados pela OCDE (STRI - Services Trade Restrictiveness Index)77, em uma amostra de 44

países (todos os países da organização mais os BRICS) o Brasil está entre as 3 economias mais

fechadas do grupo, atrás de Índia e Indonésia, mas à frente de China, México, Rússia e África

do Sul, além de todos os demais países da OCDE. O indicador estimado destaca ainda a

importância das barreiras regulatórias ao comércio de serviços financeiros no módulo 3

(presença comercial), representando cerca de 45% do valor final estimado para o índice

Brasileiro. Obviamente, a parcela complementar corresponde aos módulos 1,2 e 4. Dada a

complexidade intrínseca em estimar - e simular - a redução de barreiras regulatórias para fluxos

de investimento externo direto, caso do módulo 3, este potencial canal de abertura comercial

não será explorado nesta análise.

77 Acessar http://www.oecd.org/tad/services-trade/services-trade-restrictiveness-index.htm

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214

Com base na classificação ISIC Rev.3.1 (International Standard Industrial

Classification of All Economic Activities), o setor de serviços financeiros da base de dados do

GTAP, a ser utilizado nesta análise, inclui: 1. Intermediação monetária; 2. Atividades próprias

de Central Banking, tais como manejo de depósitos compulsórios, gerenciamento das reservas

internacionais, supervisão do sistema financeiro, etc..; 3. Leasing, Intermediação financeira e

Crédito imobiliário de quaisquer instituições (tomadoras de depósitos ou não); 4. Oferta de

crédito de longo prazo para indústria e crédito a consumidores; 5. Investimento externo em

títulos, ações, atividades de hedge, etc...Portanto, trata-se de um setor em que a redução das

barreiras regulatórias ao comércio externo implicará, necessariamente, em maior oferta de

liquidez internacional para a economia doméstica e, por consequência, maior concorrência no

mercado de crédito Brasileiro.

8.6.2.1. Aspectos da modelagem

Conforme ilustrado na Figura 6.11, o equivalente tarifário das barreiras regulatórias ao

comércio de serviços financeiros foi estimado em 82,7% para a economia Brasileira e 32,7%

para a média dos países da OCDE. Para simular o refinamento da regulação Brasileira às

melhores práticas internacionais, utilizou-se um modelo de equilíbrio geral computável

(modelo GTAP em sua versão estática), aplicando-se um choque de eficiência nas importações

mundiais de serviços do Brasil, em valor proporcional à redução de 82,7% para 32,7%.

8.6.2.2. Resultados

Figura 8.22. Impacto da convergência regulatória Brasileira na importação de serviços

financeiros para o padrão regulatório da OCDE

0,04

0,260,24

0,030,05

PIB Vol. Exportado Vol. Importado Investimento Salário real

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215

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Os resultados do refinamento regulatório Brasileiro no comércio de serviços financeiros, para

as principais variáveis macroeconômicas, estão indiretamente apresentados na Figuras 8.19 e

8.21. No intuito de facilitar a visualização dos resultados, os mesmos estão reportados (de forma

direta), na Figura 8.22

Como observado na Figura 8.22, o alinhamento regulatório Brasileiro com os países da

OCDE, no que tange às importações de serviços financeiros, tem impacto positivo (ainda que

muito pequeno) no PIB real da economia do Brasil. Por outro lado, como já sugerido na

literatura, é notória a causalidade entre aumento das importações de serviços (no caso, serviços

financeiros) e o desempenho exportador do país.

A Figura 8.23 revela quais os setores da economia do país tendem a ser mais

beneficiados com o aumento do acesso a serviços financeiros internacionais, sob o ponto de

vista das exportações de bens. Corroborando o dado empírico sobre a alto emprego de serviços

nas exportações de produtos manufaturados no Brasil (cerca de 32% do valor adicionado

exportado), nota-se que são estes os setores cujas exportações são as mais beneficiadas com a

maior abertura do setor de serviços financeiros.

Figura 8.23. Impacto da convergência regulatória Brasileira com a OCDE, em serviços

financeiros internacionais, sobre as exportações setoriais (%)

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Com relação ao impacto sobre o PIB setorial, nota-se que os resultados são qualitativamente

similares, como observado na Figura 8.24, ou seja, a redução das barreiras regulatórias às

-0,38

-0,09 -0,07 -0,05

0,01 0,02 0,04 0,05 0,05 0,07 0,08 0,09 0,10 0,11 0,13 0,14 0,14 0,15 0,17 0,190,27 0,30 0,31 0,32 0,32 0,33 0,34 0,34

0,39 0,42 0,44 0,44 0,470,53 0,55 0,55 0,57

0,63 0,63 0,650,73

0,91

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216

importações de serviços financeiros tende a ser mais benéfica, em média, para os setores mais

intensivos em capital.

Figura 8.24. Impacto da convergência regulatória Brasileira com a OCDE, em serviços

financeiros internacionais, sobre o PIB setorial (%)

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

Com a diminuição das barreiras regulatórias às importações de serviços financeiros, espera-se

uma redução do custo médio destes serviços no mercado doméstico, tanto para empresas como

para consumidores. Este impacto médio está representado na Figura 8.25. Corroborando o

melhor desempenho observado para os setores manufatureiros, nota-se uma maior redução do

custo médio para setores, em geral, capital intensivos. Para o consumidor das famílias, o modelo

projeta uma redução do custo médio dos serviços financeiros da ordem de -0,27%.

Figura 8.25. Impacto da convergência regulatória Brasileira com a OCDE, em serviços

financeiros internacionais, sobre o custo médio destes serviços (%)

Fonte: GTAP9, 2011. Elaboração própria.

0,010,02 0,03 0,03 0,03 0,03 0,04 0,04 0,04 0,04 0,04 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,06 0,06 0,07 0,07 0,08 0,08 0,08

0,10 0,11 0,11 0,11 0,11 0,11 0,12 0,12 0,12 0,13 0,14 0,14 0,160,18 0,19

0,23

0,27 0,28

0,45

-0,52 -0,54 -0,56 -0,61 -0,63 -0,68 -0,71 -0,74 -0,77 -0,82-0,91 -0,95 -1,00 -1,02 -1,05 -1,09 -1,10 -1,15 -1,16 -1,20 -1,21 -1,21 -1,22 -1,27 -1,28

-1,39 -1,40 -1,45 -1,49 -1,50 -1,50 -1,52 -1,56-1,64 -1,68

-1,77 -1,78-1,92

-2,06

-2,26 -2,32 -2,32

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217

8.6.2.3. Implicações de Política

Segundo o índice de restrição ao comércio de serviços financeiros da OCDE, estimado para o

Brasil, a composição (subjetiva) do mesmo é pode ser descrita como: 11,03% (restrições ao

movimento de mão-de-obra temporária); 19,78% (barreiras discriminatórias); 23,35%

(transparência regulatória); 28,54% (barreiras à competição). Aplicando-se essa distribuição

(subjetiva) ao equivalente tarifário estimado para este estudo, seria possível, em escala

aproximada, ter uma estimativa preliminar do real custo destas barreiras para o importador

Brasileiro. Esta distribuição é proposta na Figura 8.26.

Figura 8.26. Decomposição qualitativa do equivalente tarifário estimado para as importações

de serviços financeiros no Brasil, com base na OCDE

Fonte: OCDE. Elaboração própria.

Segundo a Figura 8.26, as restrições ao movimento de mão-de-obra temporária em serviços

financeiros, existentes no Brasil, representam um custo adicional de 11% na importação dos

mesmos. Trata-se de um conjunto de restrições pertencentes ao módulo 4 de serviços, sendo,

de forma mais geral, um dos módulos do GATS mais regulados do mundo. A existência de

regulações que impõem “barreiras à competição”, por sua vez, representa um equivalente

tarifário, em média, da ordem de 28,54% para o importador Brasileiro de serviços financeiros.

Neste quesito, segundo a OCDE, os principais entraves existentes à importação de serviços

financeiros internacionais no Brasil são: 1. Forte presença do estado na oferta de serviços

11,03

19,78

23,35

28,54

82,7

Mão-de-obra temporária

Barreiras discriminatórias

Transparência regulatória

Barreiras à competição

Total

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218

financeiros, com significativo “market-share”; 2. Intervenção do estado nas taxas de juros

cobradas em casos de “default” de crédito; 3. Existência crédito direcionado; 4. Existência de

controle discricionário do governo sobre o “funding” da agência supervisora do mercado

bancário (Banco Central); 5. Inexistência de mandatos fixos (em lei) para diretoria do Banco

Central, entre outros. Para o caso das “barreiras discriminatórias”, a OCDE aponta os seguintes

“gargalos regulatórios” para a importação de serviços financeiros no Brasil: 1. Tratamento

discriminatório na oferta de serviços financeiros por fornecedor estrangeiro, no caso de

impostos e subsídios; 2. Preferência por fornecedores locais de serviços financeiros, no caso de

compras governamentais (papel dominante do Banco do Brasil); 3. Existência de restrições a

empréstimos e depósitos em moeda estrangeira; 4. Existência de restrição a empréstimos a não-

residentes por bancos locais, entre outros. Para o caso dos gargalos regulatórios relativos à

“transparência regulatória”, a OCDE aponta os seguintes pontos: 1. Inexistência de obrigação

legal de comunicação prévia com o mercado (inclusive fornecedores estrangeiros), em tempo

adequado, sobre eventuais mudanças regulatórias no setor; 2. Elevada burocracia para emissão

de visas e registros de empresas estrangeiras, etc...

8.7. A Facilitação do Comércio no Brasil

A baixa qualidade da infraestrutura logística no Brasil há muito é apontada por

especialistas como uma das possíveis causas da fraca participação do país no comércio

internacional de bens e serviços, somada a sua localizacão geográfica desfavorável e a

existência de barreiras tarifárias (e regulatórias) em patamares relativamente elevados para

padrões internacionais.

Mais recentemente, no âmbito do sistema multilateral de comércio, foi aprovado o

Acordo de Facilitação de Comércio de Bali78, primeiro acordo multilateral firmado desde a

criação da OMC em 1995. Este acordo se concentra, fundamentalmente, no aumento da

eficiência dos processos aduaneiros. Uma vez que suas diretrizes sejam seguidas, espera-se que

as economias percebam aumento substancial nos fluxos de importação e exportação de

mercadorias, sobretudo no caso dos países pobres ou em desenvolvimento, onde a logística

portuária tende a ser menos eficiente.

Ao mesmo tempo em que o número de acordos preferenciais de comércio evolui em

78 Para detalhes do acordo, ver: www.wto.org/english/tratop_e/tradfa_e/tradfa_e.htm.

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219

escala global e as tarifas efetivas de importação são significativamente reduzidas, o tema da

facilitação do comércio, encenado de forma geral pelos atrasos aduaneiros, é destacado pela

literatura empírica de comércio internacional como uma barreira não tarifária cuja redução tem

importância crucial para a continuidade do crescimento do comércio mundial. Mais

recentemente, com o significativo aumento das exportações de bens intermediários

manufaturados, o fator tempo se tornou condição necessária para a integração das economias

às chamadas cadeias globais de valor.

Considerando esses aspectos, e tendo em vista as características da estrutura aduaneira

brasileira, esta etapa do projeto busca estimar os possíveis impactos das reduções dos atrasos

portuários sobre a economia do país. Além disso, busca-se também entender os desdobramentos

específicos para os diferentes setores produtivos da economia doméstica, em particular para a

sua indústria de transformação, a qual, como será visto mais adiante, tende a ser mais sensível

aos atrasos portuários vis à vis os demais setores da economia.

Tais objetivos serão perseguidos utilizando-se como ferramenta primária a modelagem

em equilíbrio geral computável, tendo por base dados consolidados e estimativas recentes de

custos diários de atrasos para uma ampla gama de mercadorias, sob duas perspectivas centrais:

em primeiro lugar, da aderência unilateral do governo brasileiro a ações que visem a facilitação

do comércio, resultando em queda significativa dos atrasos portuários no Brasil e, em segundo

lugar, sob a hipótese de que as demais economias do mundo também procedam a uma redução

proporcional dos atrasos em seus portos, em consonância com os compromissos assumidos no

Acordo de Bali.

Os resultados obtidos neste estudo sugerem que os atrasos aduaneiros são hoje, para o

Brasil, barreiras ao comércio mais relevantes que as próprias barreiras tarifárias de importação,

tanto domesticamente, como em seus principais destinos comerciais. Além disso, sugere que os

atrasos portuários são particularmente prejudiciais para a indústria de transformação, haja vista

a maior sensibilidade ao tempo para os bens capital-intensivos vis-à-vis os demais bens da

economia. Neste sentido, aponta que a melhoria da logística de comércio no Brasil, como uma

política pública de cunho horizontal, é potencialmente capaz de aumentar a inserção da indústria

brasileira no comércio internacional.

Este estudo está organizado em mais cinco seções. Na seção 8.7.1 é feita uma revisão

da literatura. Na seção 8.7.2 é apresentada a base de dados utilizada. A seção 8.7.3 discute os

principais aspectos e premissas da modelagem em equilíbrio geral. Na seção 8.7.4 são

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220

apresentados os resultados e algumas implicações de política pública. A seção 8.7.5 apresenta

as principais conclusões do estudo.

8.7.1. Revisão da Literatura

Para a estimativa dos impactos econômicos da facilitação de comércio79 , predominam

na literatura empírica a utilização de modelos econométricos gravitacionais (Anderson, 1979;

Anderson & Wincoop, 2003; Yotov et al., 2016) e modelos de equilíbrio geral computável

(Ginsburg & Keyzer, 1997; Hertel, 1997; Dixon & Jorgenson, 2013). Sobre a primeira vertente

da literatura, Wilson et al. (2005) estimam o impacto da facilitação por meio de um modelo

gravitacional com dados em painel, para uma amostra de 75 países. Os autores trabalham com

quatro medidas de facilitação do comércio (infraestrutura portuária aérea e marítima, qualidade

das aduanas, ambiente regulatório e e-business) e estimam ganhos potenciais da ordem de $377

bilhões em exportações adicionais, quando os indicadores nacionais de facilitação são

aproximados em 50% em relação às respectivas médias mundiais. Iwanow e Kirkpatrick (2007)

empregam um modelo gravitacional clássico, estendido para um grupo de indicadores

relacionados à facilitação do comércio, qualidade do ambiente regulatório e da infraestrutura,

a fim de estimar seus respectivos impactos sobre as transações bilaterais, utilizando uma

amostra representativa de países. Os resultados estimados sugerem que uma melhora da ordem

de 10% no indicador de facilitação de comércio levaria a um aumento médio das exportações

em 5%. Melhorias percentuais idênticas nos indicadores de qualidade regulatória e

infraestrutura resultariam em aumentos médios dos fluxos bilaterais de comércio da ordem de

9-11% e 8%, respectivamente. Os autores concluem que, embora importante sob o ponto de

vista individual, o aumento da eficiência portuária deve vir acompanhado de reformas que

também envolvam melhorias mais amplas nas cadeias logísticas do comércio internacional.

Empregando metodologia similar, porém com um detalhamento mais amplo, o relatório

da OCDE (2013) apresenta estimativas dos impactos de vários indicadores de facilitação de

comércio sobre os fluxos bilaterais, para um grupo de 106 países não membros da OCDE. No

79 Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o termo facilitação de

comércio se refere à "políticas e medidas voltadas para redução dos custos de comercialização por meio do

aumento da eficiência em cada estágio das transações internacionais". Já de acordo com a definição da OMC

(Organização Mundial de Comércio), facilitação de comércio é a ’simplificação de procedimentos de troca’,

entendido como ’atividades, práticas e formalidades envolvidas na coleta, apresentação, comunicação e

processamento de dados necessário para a movimentação de bens nas trocas internacionais’

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221

relatório são construídos dezesseis indicadores de Facilitação de Comércio80 (IFCs), cujos

impactos são estimados a partir de um modelo gravitacional clássico, estendido para incluir tais

indicadores e inferir suas respectivas elasticidades. Os exercícios econométricos realizados pela

OCDE sugerem que as medidas de facilitação com maior impacto sobre o volume

comercializado estão relacionadas à (i) disponibilidade de informação, (ii) harmonização e

simplificação de documentos, (iii) automação de processos e gestão de riscos, (iv) simplificação

dos procedimentos de fronteiras e (v) boa governança e imparcialidade. Como pode ser

observado, todas estas medidas estão fortemente correlacionadas com os atrasos portuários, o

quais serão objeto central do presente trabalho.

Por meio de uma equação gravitacional em diferenças e dados de exportações bilaterais,

em conjunto com o tempo despendido no processo de exportação da fábrica ao porto para uma

amostra de 98 países, Djankov et al (2010) sugerem que o efeito de um dia de atraso pode

significar cerca de 1% a menos em exportações para um país. Em uma perspectiva equivalente,

os autores sugerem que cada dia de atraso corresponde, em média, a um distanciamento

adicional de 70km do país exportador ao país de destino. Já Persson (2008) sugere que a redução

do tempo de exportação (importação) em um dia, implicaria incremento das exportações

(importações) de magnitude equivalente a 1% (0.5%), consistente com as estimativas de

Djankov et al (2010). Nordas e Piermartini (2004), por sua vez, ressaltam a importância do

tempo para a conexão das indústrias nacionais às cadeias globais de valor, colocando a

qualidade logística de um país como condição necessária para a sua integração ao comércio de

bens intermediários, ainda mais importante que eventuais cortes tarifários. Sobre a variedade

de bens exportados, Dennis e Shepherd (2011) sugerem que a melhoria dos indicadores de

facilitação de comércio atua no sentido de ampliar a diversificação da pauta exportadora de um

país, contribuindo não somente para a expansão da margem intensiva do comércio, como

também para a sua margem extensiva.

Quanto a abordagem via modelos de equilíbrio geral computável, estudo realizado pela

APEC (1999), utilizando a versão dinâmica do modelo GTAP – Global Trade Analysis Project

(Ianchovichina & Walmsley, 2012), aponta que uma redução de 1% nos custos alfandegários

80 Mais especificamente, cada um dos indicadores busca mensurar os seguintes determinantes: disponibilidade de

informação, envolvimento da comunidade comercial, resoluções antecipadas, procedimento de recursos, taxas,

formalidades - documentação, automação e procedimentos, cooperação interna, cooperação externa,

consularização, governança e imparcialidade, taxas de trânsito, formalidades de trânsito, garantias de trânsito e

acordos e cooperação de trânsito.

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222

(diretos e indiretos)81 para países industrializados, e de 2% para países em desenvolvimento,

implicaria em um ganho anual de PIB de até 0,25 p.p para a região da APEC (Asia-Pacific

Economic Cooperation). O trabalho de Dee (1998) utiliza um modelo EGC dinâmico, em

competição imperfeita, também para o caso dos países da APEC. O autor estima que uma

redução uniforme de 5% nos custos alfandegários (diretos e indiretos) é capaz de gerar

incrementos de renda da ordem de 1,1% de PIB para os países do bloco.

Para estimar os impactos da facilitação do comércio em nível global, Francois et al.

(2003) utiliza uma versão estendida do modelo GTAP estático (Hertel, 1998), incorporando

uma estrutura de mercado em competição monopolística no setor de bens manufaturados.

Assumindo uma redução de 1,5% e de 3% nos custos alfandegários totais (diretos e indiretos),

os autores estimam um incremento nas taxas de crescimento anuais do PIB global da ordem de

0,25% e 0,52%, respectivamente. Já o relatório da OECD (2003), utilizando a estrutura básica

do modelo GTAP (estática e com competição perfeita), estima que a redução de 1% nas

barreiras alfandegárias traria um impacto estimado da ordem de 0,26% sobre o crescimento

anual do PIB global. O trabalho de Hertel et al (2001) estima os impactos econômicos esperados

para o acordo preferencial de comércio entre Japão e Singapura, via modelagem EGC dinâmica.

Considerado um acordo “New Age”, a negociação previa, para além dos instrumentos

tradicionais do GATT, como cotas, tarifas e subsídios, também a negociação de barreiras não-

tarifárias, sobretudo em facilitação de comércio, onde os autores reportam ganhos potenciais

significativos. A contribuição metodológica mais importante do trabalho de Hertel et al (2001),

contudo, reside na simulação da redução dos atrasos portuários como ganhos potenciais de

eficiência no comércio bilateral, os quais podem ser também entendidos como choques

positivos de demanda, quando ao fator tempo é atribuído uma dimensão de qualidade capaz de

influenciar o comportamento do consumidor-importador.

A maior parte das análises de impacto reportadas na literatura empírica de facilitação do

comércio, realizadas por meio de modelos de equilíbrio geral computável, estão baseadas,

contudo, em estimativas ad hoc dos custos implícitos (indiretos) dos atrasos aduaneiros. No

caso do presente estudo, foram utilizadas estimativas de custos dos atrasos portuários para o

Brasil baseadas primariamente por estudo científico realizado por Hummels & Schaur (2013).

Em seguida, estas estimativas foram incorporadas em um modelo EGC global de larga escala,

81 Custos diretos envolvem desembolsos efetivos (ex. taxas portuárias), enquanto os custos indiretos se referem

aos atrasos aduaneiros. Este trabalho estará focado, pois, nos custos indiretos relacionados à facilitação do

comércio.

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223

possibilitando a captação dos prováveis ganhos de comércio em um arcabouço de equilíbrio

geral.

Alguns dos principais resultados de Hummels e Schaur (2013) são úteis para o

entendimento das discussões que se seguirão ao longo deste estudo. Por exemplo, os autores

destacam que os custos associados aos atrasos na entrega podem ser magnificados para bens

associados a cadeias globais/regionais de valor. A ideia é que o atraso na entrega de um dado

bem intermediário pode afetar negativamente todos os estágios de produção envolvidos na

fabricação de um bem final, causando spillovers negativos ao longo de toda a cadeia de valor

global. Outro resultado importante, e consequência do resultado mencionado anteriormente, é

a significativa heterogeneidade nas estimativas dos custos dos atrasos em função do tipo de

produto em questão. No que tange ao Brasil, os resultados encontrados por Hummels e Schaur

são sugestivos de que, para além dos problemas de produtividade setorial relativa, o custo dos

atrasos portuários domésticos pode ter impactos não desprezíveis sobre a composição da pauta

de comércio brasileira, contribuindo, por exemplo, para o declínio da participação de produtos

de alto valor agregado no total exportado pelo país.

Como será avaliado nas próximas seções, atrasos portuários representam barreiras

comerciais potencialmente mais relevantes que as barreiras tarifárias, sendo particularmente

prejudiciais para a competitividade dos bens manufaturados produzidos e exportados pela

indústria Brasileira, comprometendo seu potencial de integração em cadeias globais/regionais

de valor.

8.7.2. Aspectos da Modelagem: Base de dados e seus cruzamentos

Esta seção apresenta a base de dados utilizada neste estudo, os tratamentos realizados

para adequação ao seu escopo, a definição dos aspectos da modelagem e das premissas

utilizadas.

Base de Dados

As simulações realizadas neste estudo utilizaram três fontes primárias de dados: (1) a

matriz de insumo produto global do GTAP 9; (2) o custo diário dos atrasos, estimados para

vários produtos por Hummels & Schaur (2013); (3) a média nacional dos atrasos portuários,

estimadas para vários países pelo Doing Business (Banco Mundial).

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224

A base de dados global GTAP 9 combina informações de comércio bilateral, custos de

transporte e proteção tarifária, caracterizando as ligações econômicas entre 140 regiões e 57

setores por região, a partir das matrizes de insumo produto nacionais fornecidas por cada país

representado na base. Adicionalmente, a base de dados contém informações sobre as relações

de insumo-produto por regiões individuais, as quais revelam as conexões inter-setoriais dentro

de cada região. O conjunto dos dados é harmonizado e completado com fontes adicionais de

informações, descrevendo a economia mundial para o ano base 2011.

Cálculo do equivalente tarifário dos atrasos portuários

Para cada uma das 140 regiões e 57 setores considerados neste estudo, têm-se, a partir

das estimativas realizados por Hummels & Schaur (2013) para cerca de 5.000 produtos ao nível

de desagregação HS6, os custos dos atrasos (por dia) referenciados pelo seu equivalente ad

valorem. A multiplicação destes valores pelo tempo médio para exportar e importar no Brasil,

a partir dos dados do Doing Business (Tabela 1), permite a estimativa do equivalente ad valorem

referente aos atrasos portuários totais no Brasil, tanto para as exportações, quanto para as

importações.

O procedimento para o cálculo do equivalente tarifário dos atrasos portuários é realizado

em três etapas. Na primeira etapa, descrita com detalhes em Hummels & Schaur (2013), estima-

se o custo de um dia de atraso para cerca de 5000 produtos. Para tanto, os autores utilizam uma

base de dados ampla, a partir de duas fontes de informações distintas. A primeira delas reporta

os produtos importados pela economia americana ao nível HS6, no período 1991-2005, com

valores mensais, quantidades, modal de transporte utilizado (aéreo ou marítimo, com os valores

dos respectivos fretes), desagregados por produto, porto de entrada e país exportador. A

segunda fonte de dados reporta o tempo de comercialização (shipping times) entre os portos de

saída (países exportadores) e os portos de entrada na economia americana82. A ideia é explicar

a escolha da via aérea em função do prêmio pago por esta via, além do tempo em dias

economizado83. Hummels & Schaur estimam um custo implícito em cada dia adicional que uma

mercadoria demora para ser entregue ao importador, na forma do seu equivalente tarifário. Para

tanto, os autores partem da tomada de decisão de exportadores entre utilizar transporte marítimo

82 Port2port Evaluation tool, fourth quarter 2006, Compair data, Inc. 83 No modelo econométrico de Hummels & Schaur (2013) o tempo de translado aéreo é aproximado para 1 dia,

qualquer que seja o par produto-país exportador. Portanto, por construção, os dias economizados por via aérea

corresponderão aos dias necessários para o translado marítimo, subtraídos da unidade.

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225

ou aéreo. A metodologia consiste em explorar o trade-off dos maiores custos de frete por via

aérea, contra os benefícios de se agilizar a entrega de um produto. Dito de outra forma, a

proposta é extrair a disposição dos consumidores a pagar mais caro pelo tempo salvo via

exportação aérea, tendo como alternativa o transporte marítimo, mais barato, porém mais lento.

Segundo estimativas dos autores, cada dia em trânsito custa, em média, entre 0,6 % a 2,1 % do

valor da carga comercializada. Além disso, Hummels & Schaur apontam que a sensibilidade ao

tempo do comércio para produtos manufaturados (partes e componentes, por exemplo) é cerca

de 60% maior, em média, quando comparada a outros produtos. A segunda etapa do

procedimento consiste na adequação dos custos diários dos atrasos, originalmente estimados ao

nível HS6, para os (macro) setores correspondentes da base GTAP 9. Esta última, como já

mencionado, contém 57 setores, sendo 42 referentes a bens e 15 a serviços. Portanto, tendo por

base a “quebra” setorial de cada um dos 42 setores da base GTAP 9 em seus respectivos códigos

HS6, foi possível construir uma média ponderada setorial, tanto para exportação, quanto para

importação, para cada um dos 140 países e cada relação bilateral de comércio existente na base

GTAP 9. Por construção, o valor das médias ponderadas setoriais será função da pauta de

exportação/importação ao nível HS6 de um determinado país, para o resto do mundo. Por

exemplo, países que exportam majoritariamente bens manufaturados, como é o caso dos países

da OCDE, tenderão a ser mais penalizados por atrasos portuários vis à vis países

majoritariamente exportadores de commodities, como é o caso dos países da OPEP. Isto porque,

segundo Hummels & Schaur, o custo diário de atrasos para bens manufaturados tende a estar

entre os maiores dentre todos os estimados em sua amostra, contendo cerca de 5000 produtos84.

84 Apesar de trabalharem com dados de importação da economia americana, as estimativas de custo diário dos

atrasos, realizadas por Hummels & Schaur, não são, a priori, país-específicas. No modelo desenvolvido pelos

autores, o parâmetro equivalente ao custo diário dos atrasos capta a desutilidade do importador com eventuais

atrasos de entrega, representando uma dimensão da qualidade média atribuída ao produto importado, que pode ter

origem em países os mais diversos. No cálculo feito pelos autores, esta dimensão de qualidade é capturada “livre”

da influência da elasticidade de substituição entre os bens consumidos pelos importadores americanos, a qual é,

claramente, país-específica. Portanto, como os próprios autores deixam claro nas conclusões do seu artigo (página

2958), a base de dados estimada por eles pode ser potencialmente utilizada para estudos de facilitação de comércio

em outros países: “With our estimates of the value of each day saved one can then calculate the monetary benefits

of these initiatives and how they compare to the cost incurred”.

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226

Tabela 8.8. – Atrasos Portuários: Exportação/Importação (2012)

Fonte: Adaptado de Doing Business (2013)

Nota: A média leva em conta os intervalos de tempo gastos para completar todos os

procedimentos necessários para a exportação ou para a importação de um container de 20ft.

Caso alguns desses procedimentos possam ser acelerados (ainda que implique em custos

adicionais), são escolhidos os procedimentos legais mais rápidos.

Por fim, a terceira etapa do procedimento consiste em estimar o equivalente tarifário

“total” para cada um dos 129 países e respectivos fluxos bilaterais de comércio. Para tanto, uma

vez calculadas as médias ponderadas da etapa 2, multiplicou-se os valores médios diários pelo

tempo médio dos atrasos portuários (nacionais) estimados pelo Doing Business (Trading Across

Borders, Banco Mundial), conforme ilustrado na Tabela abaixo, para uma pequena amostra de

países, incluindo o Brasil85.

A Tabela 8.8 reporta o tempo médio gasto nos portos, conforme categoria de

procedimentos, para uma amostra de países/regiões. A obtenção de documentação vai desde a

elaboração e o processamento de documentos, até a preparação para o desembaraço, o que

abrange inspeções anteriores ao carregamento. Desembaraços e inspeções tratam da verificação

de documentação, controles e inspeções técnicas e sanitárias. O manuseio portuário refere-se

às atividades desenvolvidas dentro do porto, como a espera para carregar os containers nas

embarcações. O manuseio interno envolve a obtenção e o carregamento de containers, o

85 Para detalhes sobre a metodologia para a estimativa do tempo médio dos atrasos portuários ver

www.doingbusiness.org/methodologysurveys/tradingacrossborders.aspx. Tratam-se de médias de atrasos

nacionais, compatíveis com a estrutura de representação do modelo GTAP, a qual, em seu estado padrão, não

possibilita a incorporação de heterogeneidades portuárias em nível micro-regional. Vale ressaltar que as médias

nacionais reportadas para os diversos países são referendadas por especialistas locais.

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227

transporte até a fronteira, espera para carregamento, espera para cruzamento de fronteira, e

transporte da fronteira até o porto (Djankov, Freund e Pham, 2010).

O tempo gasto no Brasil em procedimentos anteriores ao carregamento é praticamente

equivalente ao tempo total dos demais procedimentos, o que ocorre também para demais países

em desenvolvimento. Os maiores intervalos de tempo totais aparecem na África Subsaariana.

Também merece destaque o longo intervalo de tempo necessário para a documentação de

importações na Argentina, que leva em média 22 dias.

Comparando-se com os demais países reportados no ranking do Doing Business

(amostra de 189 países/regiões), o tempo médio de exportação para o Brasil toma a posição de

número 64, sendo similar ao tempo encontrado para países como Arábia Saudita, República

Dominicana, El Salvador, Romênia e Turquia. Para o tempo médio de importação, o Brasil fica

na posição 87, em conjunto com a Arábia Saudita, além da Bulgária, Jamaica, Paquistão, Peru,

e República Tcheca.

O Custo do tempo para as relações comerciais do Brasil

As Figuras 8.27 e 8.28 ilustram o equivalente ad valorem dos atrasos aduaneiros

calculados para um grupo de países, incluindo o Brasil, a partir das bases de dados utilizadas e

discutidas no item acima. O resultado encontrado é tanto função do tempo médio de atraso nos

portos, assim como da composição setorial da pauta de exportação/importação de um dado país.

Desta forma, tudo o mais constante, quanto maior o tempo médio de atraso em portos, maior

será o equivalente ad valorem de um dado país, tanto para suas exportações, quanto para suas

importações. No que tange à composição setorial da pauta comercial, tudo o mais constante,

quanto maior a participação de produtos manufaturados nas suas exportações e importações,

maior será o equivalente ad valorem e, portanto, a relevância dos atrasos portuários para o seu

desempenho comercial.

Como observado nas Figuras 8.27 e 8.28, o Brasil é o país mais bem posicionado dos

Brics (grupo de países envolvendo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Ainda que o

tempo médio para exportar na Alemanha (9 dias) seja mais baixo que no Brasil (13 dias), o

maior equivalente ad valorem obtido para o primeiro é função da composição de sua pauta de

exportação, fortemente concentrada em produtos manufaturados. Vale ressaltar a menor

magnitude do custo dos atrasos portuários para os Estados Unidos, tanto para exportação,

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228

quanto para importação, consequência direta da alta eficiência média de seus portos (6 e 5 dias

de atraso médio, respectivamente), em que pese a predominância de produtos capital intensivos

em sua pauta de exportação.

As Figuras 8.29 e 8.30 representam o equivalente ad valorem dos atrasos portuários por

parceiro comercial do Brasil, para as exportações e importações de produtos manufaturados

(indústria de transformação). Enquanto a Figura 3 faz um comparativo com as tarifas médias

impostas às exportações de produtos manufaturados Brasileiros por país de destino, a Figura 4

faz um comparativo com as tarifas médias de importação impostas pelo Brasil por país/região

de origem.

Conforme observado, os equivalentes ad valorem dos atrasos aduaneiros tende a ser

maior que a tarifa de importação aplicada, tanto para as exportações bilaterais de produtos

manufaturados pelo Brasil, quanto para as suas importações bilaterais.

Este resultado sugere a importância do tempo para o desempenho comercial da indústria

brasileira e, mais importante, que a melhoria deste desempenho pode ser alcançada, em

princípio, por medidas unilaterais de caráter regulatório como, por exemplo, a redução da

burocracia portuária e a melhor coordenação dos órgãos anuentes envolvidos nos

procedimentos de importação e exportação no país.

As Figuras 8.31 e 8.32 reportam o equivalente ad valorem dos atrasos portuários nas

exportações e importações do Brasil, respectivamente, para 42 setores da economia,

compreendendo (da esquerda para a direita) 13 setores agrícolas, 6 da indústria extrativa e 23

setores da indústria de transformação. Conforme observado, tanto para as exportações, quanto

para as importações, os setores que compõem a indústria de transformação, por serem capital

intensivos (Hummels & Schaur, 2013), são os mais sensíveis aos atrasos portuários. Desta

forma, uma vez reduzido o tempo dos atrasos nos portos do Brasil, conforme previsto no acordo

de facilitação do comércio da OMC, é esperado que os setores que compõem a indústria de

transformação sejam relativamente mais atingidos por esta medida, por meio do aumento da

sua inserção no comércio internacional.

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229

Figura 8.27. Equivalente Ad Valorem dos

atrasos nas exportações totais (2012).

Fonte: Elaboração própria.

Figura 8.28. Equivalente Ad Valorem dos

atrasos nas importações totais (2012).

Fonte: Elaboração própria

Figura 8.29. Equivalente Ad Valorem dos

atrasos nas exportações de manufaturados

e tarifa aplicada no destino (2012).

Fonte: Elaboração própria. Nota: Mena

(Oriente médio e norte da África); ASS

(África subsaariana)

Figura 8.30. Equivalent Ad Valorem dos

atrasos nas importações de manufaturados

e tarifa aplicada por origem (2012).

Fonte: Elaboração própria. Nota: Mena

(Oriente médio e norte da África); ASS

(África subsaaria

24,13

17,7515,48

9,93 9,74 9,27 8,546,09

0

5

10

15

20

25

30

Perc

entu

al d

o v

alo

r fin

al

Custo do atraso em exportações

Custo do atraso

33,0728,80 26,97

18,9516,00

13,19

6,04 4,09

05

101520253035

Perc

entu

al d

o v

alo

r fin

al

Custo do atraso em importações

Custo do atraso

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62

Figura 8.31. Equivalente ad valorem das exportações setoriais (2012)

Fonte: elaboração própria

Figura 8.32. Equivalente ad valorem das importações setoriais (2012)

Fonte: elaboração própria

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231

8.7.3. Modelo de Equilíbrio Geral Computável Utilizado86

O modelo utilizado neste estudo foi o GTAP (Global Trade Analysis Project). Trata-se

de um modelo de equilíbrio geral computável global, que considerada estruturas de mercado

em competição perfeita. Em sua versão mais recente, o modelo representa 57 setores produtivos

em 140 regiões do mundo. Seu conjunto de equações é totalmente baseado em fundamentos

microeconômicos, contendo uma descrição detalhada do comportamento das famílias e firmas

pertencentes a cada uma das regiões modeladas, além dos fluxos de comércio inter-regionais.

O GTAP se qualifica como um modelo do tipo Johansen, no qual as soluções são obtidas

resolvendo-se um sistema de equações linearizadas do modelo. A apresentação sistemática das

soluções de Johansen para tais modelos é padrão na literatura (ver Dixon et al (1992) e Dixon

e Parmenter (1996)).

Os três principais módulos do modelo GTAP são detalhados nos itens que seguem87.

Consumo das famílias

O modelo GTAP assume um consumidor representativo em cada região, o qual

maximiza sua utilidade de maneira a alocar a renda regional entre consumo privado, serviços

governamentais e poupança, em proporções fixas. A demanda privada do consumidor

representativo é do tipo CDE (Constant Difference of Elasticities). Seguindo a tradicional

hipótese de Armington (1969), bens domésticos e estrangeiros podem ser diferenciados por

origem.

Oferta das Firmas

As firmas são price takers e maximizam lucro em uma estrutura de mercado

perfeitamente competitiva. O comportamento “tomador” de preços, típico de mercados de

commodities, fará com que cada preço reflita o custo marginal de produção do bem associado.

Os 57 setores representados no modelo operam com tecnologia de retornos constantes de escala,

seguindo uma mesma lógica de estrutura aninhada de produção. De maneira geral, no último

estágio de produção uma dada commodity será produzida a partir da combinação de 57

compostos de inputs intermediários e um único composto de fatores primários de produção

86 Ver Brockmeier (1996) ou Hertel (1997) para um exposição detalhada do modelo GTAP. 87 A descrição dos módulos segue Zhang e Fung (2006), mas com uma maior riqueza de detalhes.

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232

(trabalho, capital, terra e recursos naturais), segundo uma tecnologia Leontief (proporções

constantes). O composto de fatores primários é formado a partir de uma tecnologia CES

(Constant Elasticity of Substitution), combinando cada um dos fatores de produção

mencionados, supondo-os substitutos imperfeitos. Cada um dos 57 compostos de inputs

intermediários será também formado a partir de uma CES, subdividida em dois estágios. No

primeiro estágio, o produtor doméstico poderá escolher entre os diversos fornecedores

estrangeiros, os quais oferecem inputs substitutos imperfeitos, diferenciados a partir de sua

origem. No segundo estágio, a escolha é feita entre o input similar doméstico e o composto de

inputs similares importados, também por meio de uma CES. Portanto, não só a diferenciação

entre produtos importados e domésticos, como também a diferenciação entre importados por

origem, segue a hipótese de Armington (1969).

Fechamento

Todos os fatores de produção (trabalho, capital, terra e recursos naturais) são

considerados em pleno emprego e com mobilidade zero entre as regiões. Seguindo o

fechamento clássico do modelo GTAP, capital e trabalho possuem livre mobilidade entre

setores, mas o estoque de ambos é fixo por região. Já os fatores terra e recursos naturais possuem

mobilidade intersetorial parcial, sendo que seus estoques também são considerados fixos por

região, assim como a tecnologia das firmas. Todos os fatores de produção são homogêneos. No

equilíbrio final, as taxas de retorno do investimento são equalizadas entre as regiões do modelo.

Modelagem dos choques de eficiência portuária

A fundamentação teórica do modelo econométrico proposto por Hummels and Schaur

(2013) parte de uma função demanda, derivada a partir da maximização de utilidade de um

consumidor representativo sobre diferentes variedades de um bem k, produzido pelo exportador

j, de acordo com uma função CES (Constant Elasticity of Substitution):

(1) 𝑈 = (∑ ∑ 𝜆𝑗𝑘

𝑘𝑗 (𝑞𝑗𝑘)𝜃)1/𝜃

onde 𝜃 = (𝜎 − 1)/𝜎, e 𝜎 é a elasticidade de substituição entre as distintas variedades do bem

k, com origem nos diversos exportadores j.

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233

Um parâmetro chave no modelo de Hummels e Schaur é 𝜆𝑗𝑘, que captura uma dimensão

de qualidade atribuída ao bem k, exportado pelo país j. A ideia central dos autores é associar os

atrasos à qualidade do bem em questão, de modo que 𝜆𝑗𝑘 é definido como:

(2) 𝜆𝑗𝑘 = 𝑒−𝜏

𝜅𝑑𝑖𝑎𝑠𝑗

Desta forma, o aumento de um dia no tempo de translado de um dado bem k reduz a sua

percepção de qualidade em 𝜆𝑗𝑘 = 𝑒−𝜏

𝜅. A resolução do problema do consumidor resulta na

seguinte função demanda:

(3) 𝑞𝑗𝑘 = (

𝑝𝑗𝑘

𝜆𝑗𝑘)

−𝜎

𝐸𝑘 =(𝑝𝑗𝑘

𝑒−𝜏𝜅𝑑𝑎𝑦𝑠𝑗

)−𝜎

𝐸𝑘

onde 𝐸𝑘 corresponde às despesas reais do importador com o bem k, 𝑝𝑗𝑘 é o preço do bem k,

exportado por j e pago pelo consumidor (importador) representativo, incluindo os custos de

produção, transporte, e o lucro da firma. Hummels & Schaur (2013) estimam o equivalente ad

valorem dos atrasos portuários - representado pelo parâmetro 𝜏𝜅 - a partir da função demanda

por importação representada em (3). Depreende-se, pois, que variações noS atrasos portuários

para a entrega de um determinado bem k impliquem em variações nas preferências (utilidade)

do importador pelo mesmo bem. Desta forma, fica clara a correspondência entre choques de

eficiência portuária – os quais alteram o tempo de atraso para a entrega de um bem – e choques

de demanda pelo produto importado k, com origem em j. Ademais, a especificação da demanda

por bens importados (equação (3)) segue a hipótese de Armington (1969), sendo consistente

com a função de demanda por bens importados para o consumidor regional representativo,

proposta no modelo GTAP.

A abordagem adotada neste trabalho seguirá, pois, a metodologia desenvolvida em

Hertel et al (2001) para choques de eficiência portuária com o modelo GTAP, a qual também

pode ser compreendida como um choque de demanda por importação e, desta forma, é capaz

de representar variações na percepção de qualidade de um bem importado a partir de alterações

no prazo de entrega, como proposto por Hummels e Schaur (2013). Hertel et al (2001) se

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234

baseiam em custos de transporte iceberg e introduzem o conceito de "preço efetivo" de uma

commodity i, importada de um país r aos preços domésticos no mercado de destino s, 𝑃𝑀𝑆irs∗ .

Por sua vez, este preço efetivo se relaciona com o preço observado𝑃𝑀𝑆𝑖𝑟𝑠, de acordo

com 𝑃𝑀𝑆∗ = 𝑃𝑀𝑆/𝐴𝑀𝑆. A variável de ajuste AMS é não observável e, no equilíbrio inicial,

vale 1, situação na qual o valor implícito do custo dos atrasos portuários é integralmente

repassado aos agentes da economia.

Para uma variação positiva de AMS, correspondente ao equivalente ad valorem

estimado para o custo do atraso portuário de importação, haverá uma queda do preço efetivo da

mercadoria importada (𝑃𝑀𝑆irs∗ .), consequência da redução integral dos atrasos portuários.

Variações parciais de AMS corresponderão a reduções parciais, de igual proporção, dos custos

dos atrasos portuários nas importações da commodity i, proveniente do país r, destinadas ao

país s.

Quando esta teoria é incorporada ao modelo GTAP, e os preços de importação e as

equações de demanda são totalmente diferenciados e reescritos como variações porcentuais,

obtém-se as seguintes equações:

(4) 𝑞𝑥𝑠𝑖𝑟𝑠 = −𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 + 𝑞𝑖𝑚𝑖𝑠 − 𝜎𝑚𝑖 . [𝑝𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 − 𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 − 𝑝𝑖𝑚𝑖𝑟𝑠]

O preço composite das importações é definido por:

(5) 𝑝𝑖𝑚𝑖𝑠 =∑ 𝜎𝑖𝑘𝑠𝑘 . [𝑝𝑚𝑠𝑖𝑘𝑠 − 𝑎𝑚𝑠𝑖𝑘𝑠]

onde:

𝜎𝑚𝑖 = elasticidade de substituição entre os bens i importados;

𝑞𝑥𝑠𝑖𝑟𝑠 = variação porcentual das exportações bilaterais do bem i, provenientes de r, destinadas

a s;

𝑞𝑖𝑚𝑖𝑠 = variação porcentual das importações totais do bem i, por s;

𝑝𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 = variação porcentual no preço das importações do bem i, provenientes de r, com destino

a s;

𝑝𝑖𝑚𝑖𝑠 = variação porcentual no preço médio das importações do bem i, por s;

𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠 = variação porcentual no preço efetivo do bem i importado por s, proveniente de r,

devido a custos de transação não observáveis.

Das equações (4) e (5) é possível compreender de que forma choques na variável 𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠

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são repassados aos agentes da economia. A equação (4) revela que um aumento de 𝑎𝑚𝑠𝑖𝑟𝑠,

correspondente ao aumento da eficiência portuária na importação do bem i, pelo país s, diminui

o preço efetivo do bem importado i, proveniente de r, tornando este país relativamente mais

competitivo em relação ao resto do mundo, de acordo com a elasticidade de substituição 𝜎𝑚𝑖 .

Ao mesmo tempo, e de forma compensatória, dado que a quantidade efetiva aumenta, menos

importações são requeridas para suprir a demanda do país s. Já a equação (5) revela que, com a

redução dos atrasos na importação do bem i, proveniente de r, o preço médio das importações

totais de i, com destino em s, tende a cair, aumentando a quantidade importada do bem i, em

detrimento da produção local88.

Análise de Sensibilidade

Com o intuito de testar a robustez dos resultados obtidos, procedeu-se a uma análise de

sensibilidade sistemática (SSA na sigla em inglês) dos resultados obtidos nas simulações. O

objetivo é avaliar quão sensíveis são as soluções do modelo a variações nos valores de alguns

parâmetros adotados, considerados de fundamental importância para os resultados obtidos.

Como de praxe na modelagem EGC, possíveis erros de estimativas nas elasticidades de

substituição entre bens domésticos e importados serão aqui avaliados.

Os resultados da SSA correspondem a estimativas do valor médio e do desvio padrão

de cada variável endógena do modelo, obtidos por meio da resolução do mesmo repetidas vezes

para diferentes valores de parâmetros, selecionados através da quadratura de Strouds89 com

distribuição triangular simétrica90. Estas estimativas permitem a inferência do intervalo mais

provável de valores para cada uma das variáveis. O intervalo de confiança, por sua vez, é

elaborado de forma conservadora utilizando-se a desigualdade de Chebyshev91, dado o

desconhecimento quanto à distribuição de probabilidade das variáveis endógenas do modelo.

88 Para uma ampla discussão sobre formas alternativas de modelagem de choques de eficiência portuária ver

Fugazza e Maur (2008), cujas conclusões corroboram a estratégia adotada neste estudo. 89 A quadratura de Strouds é um caso particular da quadratura gaussiana, utilizada para tornar discretas as

distribuições contínuas de variáveis. Os primeiros momentos idênticos entre a curva contínua e a discreta, que

definem a ordem da quadratura, nesse caso são 3. 90 Distribuição simétrica de probabilidade que varia linearmente de um valor máximo (max) até a média (med),

com inclinação -1/(𝑚𝑎𝑥 −𝑚𝑒𝑑)2 e da média até um valor mínimo (min) com inclinação1/(𝑚𝑒𝑑 −𝑚𝑖𝑛)2 91 A desigualdade de Chebyshev afirma que, independentemente da distribuição da variável Y em questão, para

cada número positivo k, a probabilidade de que o valor de Y não esteja dentro de k desvios padrões (D) da média

(M) é inferior a 1/𝑘2. Assim, com 95% de certeza (1 − 1/4,472), a média está dentro do intervalo entre (M-

4,47*D) e (M +4,47*D).

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236

8.7.4. Resultados

8.7.4.1. O Impacto da Facilitação do Comércio

Foram estudados três cenários distintos para a estimativa do impacto econômico da

facilitação do comércio sobre a economia do Brasil. No primeiro cenário, avaliou-se o impacto

do aumento da eficiência portuária de forma unilateral. No segundo cenário, foram

considerados ganhos de eficiência portuária não apenas no Brasil, como também em seus

principais parceiros comerciais92. Já no terceiro cenário, considerou-se um aumento de

eficiência portuária em escala global.

Para a análise em questão, e em todos os cenários avaliados, foram desprezados os

tempos médios de atrasos com a obtenção de documentos, tanto para exportação, quanto para

importação. Este procedimento segue observação feita em Minor & Tsigas (2008) e se justifica

pelo fato da existência, segundo os autores, de vários documentos de natureza periódica e,

portanto, não necessários marginalmente, ou seja, para cada ordem de exportação/importação

realizada. Uma vez que neste estudo os choques de eficiência portuária têm natureza marginal,

a introdução do tempo de documentação poderia levar a distorções nos resultados obtidos.

Portanto, as estimativas aqui realizadas são conservadoras, na medida em que tendem a

subestimar o real tempo despendido com os procedimentos burocráticos.

Por fim, foi considerado que, de forma realista, os ganhos de eficiência portuária

levariam a uma redução de cerca de 50% dos atrasos médios nas aduanas. Esta, portanto, seria

uma conjectura sobre o máximo de redução esperado para o tempo médio de atrasos, após a

implementação do Acordo de Facilitação do Comércio de Bali, no contexto da atual rodada

Doha de negociações multilaterais de comércio da OMC93.

Sob o ponto de vista da economia do Brasil, na medida em que mais países resolvem

implementar as reformas de facilitação do comércio previstas no acordo de Bali, dois efeitos se

contrapõem. Se por um lado haverá mais competição por parte de países exportadores que

concorrem com as exportações Brasileiras, por outro lado o aumento da eficiência aduaneira

nos países importadores tende a operar como um choque de demanda positivo para as

92 Principais países considerados: EUA, China, Argentina, Alemanha, França, Itália e Holanda. 93 O programa Portal Único de Comércio Exterior, ora implementado pelo MDIC e Receita Federal do Brasil,

almeja a redução em cerca de 40% no tempo médio dos atrasos nas aduanas do Brasil. Este programa, embora

correlato, é uma iniciativa unilateral do governo brasileiro, independente das diretrizes firmadas no Acordo de Bali

da OMC, em dezembro de 2013.

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237

exportações do Brasil. Como pode ser visto na Tabela 8.9, pelo impacto nos termos de troca do

país, o resultado líquido destes dois efeitos tende a ser positivo para o Brasil, muito embora a

maior contribuição dos termos de troca para o aumento da renda do país ocorra no cenário 1,

quando o Brasil é o único país a auferir ganhos de eficiência portuária.

Sob o ponto de vista do estímulo ao crescimento do PIB, os ganhos para o Brasil tendem

a ser maiores, quanto maior o número de países que implementam reformas de facilitação do

comércio. Dado o impacto observado para o custo relativo dos fatores, o teorema de Stolper

Samuelson94 sugere que os ganhos de termos de troca refletem o aumento dos preços de bens

manufaturados exportados (capital intensivos), demandantes de mão de obra qualificada, em

detrimento dos bens exportados intensivos em terra (em geral, bens agrícolas). Mais ainda,

sugere um aumento das taxas de crescimento da economia induzidas por exportações de bens

intensivos em capital, para todos os cenários avaliados.

A Tabela 8.10 reporta os resultados das simulações para as exportações/importações

setoriais do Brasil. Para todos os cenários avaliados, a redução dos atrasos aduaneiros causa

impacto positivo nas importações do país, principalmente para os produtos relativamente

capital intensivos. Quanto às exportações, há clara tendência para um aumento da participação

dos produtos manufaturados na pauta exportadora do país, quanto maior o número de países

que aderem às reformas de facilitação do comércio. Este resultado tem forte impacto de política

pública, na medida em que a contínua primarização da pauta exportadora do país tem sido alvo

de preocupação e debate entre policy makers do governo brasileiro. Em resumo, a redução dos

atrasos portuários, para todos os cenários avaliados, altera os preços relativos de forma

favorável aos bens manufaturados produzidos no Brasil95.

A Tabela 8.11 ilustra os resultados obtidos para as demais regiões do mundo, no que

tange ao impacto da facilitação do comércio sobre o PIB e os termos de troca. Como esperado,

quando as medidas de facilitação do comércio são implementadas apenas no Brasil (Cenário1),

o impacto no resto do mundo tende a ser próximo de zero. Para os demais cenários (cenários 2

94 A relação entre o custo relativo dos fatores e os termos de troca foi originalmente explicada no artigo clássico

escrito por Wolfgang Stolper e Paul Samuelson “Protection and Real Wages”, Review of Economic Studies, 9,

Novembro, 1941, pp.58-73. 95 Dado que os maiores custos dos atrasos estão concentrados em bens de maior valor agregado, e os choques

aplicados foram uniformes entre os setores (50%), este resultado era, ao menos qualitativamente, esperado.

Choques heterogêneos (por países e setores) certamente aproximariam melhor a realidade dos efeitos esperados

para o Acordo de Bali. Contudo, dado o viés existente na distribuição dos custos dos atrasos – com maior

penalização para bens de alto valor agregado – as implicações qualitativas deste trabalho parecem ser robustas a

possíveis estratégias alternativas para os choques.

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238

e 3), na medida em que as reformas são progressivamente implantadas no resto do mundo, os

impactos sobre o PIB e os termos de troca passam a ser relevantes.

Os números reportados sugerem que as reformas tendem a estimular o crescimento do

PIB em todas as regiões representadas. Para os termos de troca, contudo, os resultados são

menos uniformes. Em particular para o cenário 3, a América do Norte e a EU_28 são as únicas

regiões do mundo onde o impacto nos termos de troca contribuem negativamente para a criação

de renda e bem-estar. Entre outros fatores, o maior estímulo causado às exportações de produtos

manufaturados nos países em desenvolvimento, que estão relativamente mais distantes da

fronteira de eficiência portuária, exerce impacto negativo sobre o preço das exportações dos

países desenvolvidos.

Tabela 8.9. Resultado Macroeconômico

Fonte: Elaboração Própria. Modelo GTAP

Tabela 8.10. Comércio Setorial do Brasil

Fonte: Elaboração Própria. Modelo GTAP

Cenário 1 (%) Cenário 2 (%) Cenário 3 (%)

PIB 0,52 0,64 1,14

Termos de troca 1,69 0,86 1,40

Trab. n/qualificado 0,77 0,77 1,25

Trab. qualificado 0,97 0,98 1,69

Retorno do Capital 0,71 0,73 1,21

Retorno da Terra -4,52 -2,11 -4,79

Setor Cenário 1 (%) Cenário 2 (%) Cenário 3 (%)

Exp Imp Exp Imp Exp Imp

Agricultura -2,30 4,00 0,60 1,51 -5,00 2,56

Ind. Extrativa -3,26 1,56 -3,97 0,66 3,58 7,81

Agronegócio -8,16 12,29 -7,52 11,53 -5,65 12,42

Manufaturas 11,6

1 12,05 12,67 11,95 17,56 20,13

Serviços -9,13 5,39 -5,69 3,62 -7,87 5,09

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Tabela 8.11. – Desempenho da Economia Internacional

Região Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3

PIB Pexp/Pim

p

PIB Pexp/Pim

p

PIB Pexp/Pim

p

Oceania 0,00 0,00 0,16 -0,69 1,10 1,22

Leste Asiático 0,00 -0,03 0,16 -0,17 0,98 0,33

Sudeste Asiático 0,00 -0,01 0,28 -0,47 2,16 0,65

Sul Asiático 0,01 0,03 0,10 -0,43 2,12 2,07

América do

Norte

0,01

-0,03

0,41 -0,46 0,54

-0,70

América Latina 0,10 -0,09 0,34 -0,73 1,61 1,23

EU_28 0,00 -0,02 0,37 -0,51 0,71 -0,49

Resto do Mundo 0,01 -0,01 0,35 -0,71 1,87 0,58

Fonte: Elaboração própria. Modelo GTAP. Para o cenário 2, o desempenho das

regiões não inclui os principais parceiros comerciais do Brasil. Para estes,

considerando-se o PIB e os termos de troca, respectivamente, os resultados são: China

(1,57; 0,70), EUA (0,28; 0,31), Argentina (1,28; 1,65), França (1,01; 1,03), Itália (1,24;

1,78), Holanda (0,71; 0,69), Alemanha (0,82; 0,97).

Análise de sensibilidade

Para verificar a robustez dos resultados obtidos, analisou-se o impacto de

variações nos parâmetros de elasticidade do modelo GTAP, sobre as variáveis endógenas

PIB e termos de troca do Brasil. Para tanto, assumiu-se que os parâmetros de elasticidade

do modelo (elasticidade de substituição entre produtos domésticos e importados para os

diversos setores analisados)96 são variáveis aleatórias com distribuição triangular

simétrica no intervalo de +/- 25% do valor original da elasticidade empregada97. A análise

sistemática retorna o primeiro e segundo momentos das variáveis endógenas de interesse,

permitindo, de forma conservadora, a estimativa de um intervalo de confiança por meio

da desigualdade de Chebyshev. Os resultados reportados na Tabela 8.12 revelam que,

com 95% de probabilidade, os resultados estimados para o crescimento do PIB e termos

96 Na base de dados GTAP9, os valores estimados para as elasticidades de substituição setoriais são:

Agricultura: 2,44; Indústria Extrativa: 5,12; Agronegócio: 2,84; Manufaturas: 3,33; Serviços: 1,94. Dado

que o canal de transmissão primário dos choques de eficiência portuária se dá por meio das trocas

comerciais entre os países/regiões, estes parâmetros são de fundamental importância para os resultados do

modelo. 97 Uma outra possibilidade, obviamente menos realista, seria considerar uma distribuição uniforme.

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de troca do Brasil estão compreendidos em intervalos de confiança relativamente

próximos da média, a qual é idêntica aos valores simulados para cada cenário. Portanto,

eventuais incertezas sobre os parâmetros de elasticidade do modelo não parecem ser

capazes de modificar, ao menos qualitativamente, os resultados obtidos para o Brasil, a

partir das simulações realizadas.

Tabela 12 – Análise de sensibilidade

Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3

Produto Interno Bruto

Média Inter. Conf. Média Inter. Conf. Média Inter. Conf.

0,52 [0,43;0,61] 0,64 [0,55;0,73] 1,14 [0,96;1,32 ]

Termos de Troca

Média Inter. Conf. Média Inter. Conf. Média Inter. Conf.

1,69 [1,47;1,91] 0,86 [0,73;0,99] 1,40 [1,13;1,67 ]

Fonte: Elaboração própria. Modelo GTAP.

Implicações de Política Pública

O crescimento das cadeias globais de valor vem dando novo impulso ao debate

sobre políticas industriais no Brasil e no mundo. Antigos paradigmas, como o imperativo

do adensamento das cadeias de produção domésticas ou mesmo a essencialidade da

exportação de produtos de alto valor agregado para o crescimento de um país, foram cada

vez mais colocados à prova, diante do dinamismo alcançado por economias emergentes

da Ásia, como a China e Vietnã, ou mesmo do leste Europeu, como a República Tcheca

e a Hungria. Ao contrário, o modelo de industrialização seguido por estas economias

pressupôs a fragmentação internacional da atividade produtiva e o consequente aumento

do conteúdo de bens intermediários importados em suas exportações, resultando em

menor valor adicionado doméstico por unidade de produto exportada. Por outro lado,

ganhos de competitividade e volume exportado significativos, que mais que superaram a

queda do valor adicionado por unidade exportada.

Para o caso do Brasil, tão ou mais importante que políticas industriais voltadas

para setores específicos da economia, parece ser a implementação de políticas públicas

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241

de cunho horizontal. São exemplos de tais políticas aquelas focadas na redução

generalizada dos altos custos de transação existentes no país, refletidos em uma

infraestrutura logística que dá claros sinais de esgotamento, no seu persistente

isolacionismo comercial, com a consequente permanência de altas barreiras tarifárias e

regulatórias, além da má qualidade do ambiente de negócios doméstico e a insuficiência

de mão-de-obra qualificada.

Sem negar a importância estratégica de políticas de cunho setorial, para setores

onde há claras externalidades a serem incentivadas, é pouco provável que as mesmas

alcancem a plenitude dos objetivos a que se propõem, sem a melhoria expressiva do

quadro geral de negócios do país. Dito de outra forma, o impacto esperado das políticas

setoriais tende a ser muito reduzido em um ambiente de baixa eficiência sistêmica no uso

dos recursos produtivos de uma economia. A melhoria da eficiência sistêmica, pois, é

matéria para as políticas públicas de cunho horizontal, quais sejam, aquelas capazes de

impactar positivamente todos os setores da economia, incentivando o aumento da

produtividade total dos fatores de produção.

Sob o ponto de vista das implicações de políticas públicas de cunho horizontal, os

resultados deste estudo oferecem ao menos duas contribuições. Em primeiro lugar, é

oferecida uma perspectiva comparada da magnitude das barreiras aduaneiras (sob o ponto

de vista dos atrasos de importação e exportação) para várias regiões do mundo, com

destaque para o Brasil e seus principais parceiros comerciais. Para além das tradicionais

tarifas de importação, os valores estimados proporcionam ao formulador de política uma

visão mais detalhada sobre as barreiras aduaneiras mais relevantes, por origem e destino,

impostas ao comércio exterior no Brasil. Em segundo lugar, com base nas barreiras

aduaneiras estimadas para o país, é feita uma análise de impacto acerca dos possíveis

benefícios para a economia brasileira, caso os atrasos domésticos sejam reduzidos em

50%, sobretudo diante da expectativa de implementação futura do Acordo Mundial de

Facilitação do Comércio. Os resultados reportados revelam alta sensibilidade do

comércio exterior brasileiro às barreiras aduaneiras, principalmente para produtos de

maior valor agregado, fato que sinaliza a importância da melhoria da eficiência aduaneira

para a integração da indústria brasileira ao comércio mundial, sobretudo às cadeias

globais de valor.

Dada a natureza marcadamente regulatória dos atrasos portuários no Brasil,

simbolizada por excesso de burocracia e ineficiência micro gerencial de procedimentos,

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242

os resultados deste estudo sugerem que medidas de custos relativamente baixos e rápida

implementação podem ter impactos significativos sobre a produtividade da economia

brasileira, por meio do aumento da sua participação no comércio internacional e melhoria

da eficiência na alocação dos fatores produtivos.

O tema da facilitação de comércio ganhou destaque no debate econômico

internacional com a celebração do Acordo de Bali, em dezembro de 2013, no âmbito da

OMC, e sua aprovação final pelos membros da organização em dezembro de 2014. De

forma geral, o acordo de Bali propõe um cronograma ambicioso de medidas para os países

membros da OMC, com foco na redução de duas categorias de custos de transação ao

comércio internacional: os custos diretos e indiretos. Como já mencionado, os custos

diretos ao comércio se caracterizam pelo consumo de recursos reais na movimentação de

bens, sendo representados por encargos e taxas aduaneiras em geral, além de taxas de

carga, descarga e armazenamento de mercadorias. Já os custos indiretos são aqueles

relacionados ao custo econômico dos atrasos nas aduanas, devido à existência de

procedimentos ineficientes. Como já mostrado nas seções anteriores, a redução dos custos

indiretos é potencialmente mais significativa para o comércio mundial que a própria

redução das tarifas de importação atualmente aplicadas.

A análise detalhada do texto final do Acordo de Bali permite concluir que a maior

parte do seu conjunto de medidas se refere à redução dos custos indiretos (atrasos) nas

aduanas dos países membros da OMC, seja pelo aumento da informatização dos

procedimentos aduaneiros em geral, pela maior racionalização dos procedimentos de

inspeção e requerimentos de segurança, além de medidas relacionadas a maior

transparência e implantação de mecanismos de facilitação de acesso à informação

relevante. Segundo a OMC (WTO, 2015) o Acordo de Facilitação de Comércio, uma vez

implementado, pode aumentar as exportações globais em cerca de um trilhão de dólares

por ano.

Aqui, no Brasil, em consonância com o Acordo de Bali, o programa “Portal Único

de Comércio Exterior”, ora em implantação, visa a reformulação de processos de

importação, exportação e trânsito aduaneiro no Brasil. De acordo com as informações

disponibilizadas pelo governo98, a implantação do programa resultará na redução do prazo

98 Ver http://portal.siscomex.gov.br/conheca-o-portal/programa-portal-unico-de-comercio-exterior.

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243

médio de exportação de 13 para 8 dias (38%), como também na redução do prazo médio

de importação de 17 para 10 dias (40%) nas aduanas brasileiras, percentuais próximos

aos simulados neste artigo. Conforme reportado na seção 5, dada a magnitude relativa das

barreiras dos atrasos aduaneiros no Brasil, é possível inferir que a implantação do

programa resulte não só em significativo estímulo à corrente de comércio do país como

um todo, mas que este efeito seja particularmente relevante para a indústria de

transformação brasileira. Além da montagem e operacionalização do guichê único,

previsto pelo Acordo de Bali, o programa brasileiro também abordará outros tópicos

previstos no Acordo e que estão majoritariamente voltados para a redução dos atrasos,

tais como: 1. Disponibilidade de informação (Artigos 1 e 2); 2. Formalidades e

Documentos (Artigos 7 e 10); 3. Formalidades e Automação (Artigos 7 e 10); 4.

Cooperação interna entre aduanas (Artigos 9 e 12); entre outros.

Por fim, outra iniciativa relevante ora sendo implementada no Brasil, ainda que

de forma preliminar e em relativo atraso com relação ao resto do mundo, refere-se ao

programa “Operador Econômico Autorizado” (OEA). Trata-se de um programa de

certificação dos intervenientes da cadeia logística de um produto a ser comercializado,

que representam baixo grau de risco em suas operações comerciais, tanto em termos de

segurança física da carga, quanto ao cumprimento de suas obrigações aduaneiras. O

programa é de adesão voluntária e objetiva, até 2019, atingir a meta de 50% das

declarações de exportação e de importação registradas no país, por empresas certificadas

OEA. Segundo estimativas do governo, a implantação do programa OEA trará redução

adicional de custos totais de exportação/importação da ordem de 20% para as empresas

certificadas.

Como sugerido pela análise ex-ante realizada neste artigo, tanto o programa Portal

Único de Comércio Exterior, quanto o programa OEA, ao abordarem “gargalos”

burocráticos relevantes nas aduanas Brasileiras, são ferramentas potencialmente valiosas

para impulsionar o comércio exterior do país, caso sejam de fato implementadas em sua

integralidade. Cabe, pois, fiscalizar a devida implementação destes dois programas.

8.7.5. Comentários Finais

Este estudo ressalta a importância do tempo como fator relevante para o aumento

da competitividade da indústria brasileira. Ao penalizar em maior grau o comércio

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internacional de bens manufaturados, a deterioração da logística portuária no Brasil

parece contribuir, ao menos em parte, para o fenômeno da primarização da pauta de

exportação do país. De forma mais geral, constitui barreira significativa a uma maior

inserção internacional da indústria de transformação brasileira na economia global,

limitando, portanto, seu potencial de ganhos de produtividade.

O forte crescimento do comércio global por via aérea, observado nas últimas quatro

décadas (cerca de 2,5 vezes mais rápido que o comércio por via marítima),

concomitantemente ao crescimento do comércio internacional de bens intermediários,

que hoje representam cerca de 66% das exportações mundiais, ressaltam a importância

do fator tempo para as relações de comércio atuais, as quais são fortemente baseadas na

integração das capacidades produtivas das economias em escala global.

Com as cadeias globais de valor, o conceito de produtividade deixa de ser local e passa a

ser global. É fundamental, pois, que a indústria brasileira, visando assegurar sua

competitividade no longo prazo, busque aumentar a sua inserção internacional. No

sentido mais amplo, os resultados deste artigo sugerem que políticas públicas de cunho

horizontal, voltadas para a melhoria da logística de comércio exterior do Brasil, podem

contribuir, de forma significativa, para este fim. Em particular, o tema da facilitação

comercial, objeto do recente Acordo de Bali e de políticas ora em curso no Brasil, passa

a ter caráter estratégico para a agenda de crescimento econômico nacional.

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