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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO NOS ANOS 90 E O PARADIGMA

TOYOTISTA

Autor: Luis Claudio Trindade1

Orientadora: Márcia Bastos de Almeida2

RESUMO Este Artigo tem como principal objetivo contribuir para uma análise crítica do contexto histórico da contemporaneidade pautada no Paradigma Toyotista, no qual foram desencadeadas mudanças na base da estrutura produtiva capitalista, em nível global, que tiveram repercussão sobre as Políticas Públicas para a Educação implementadas no Brasil, nos anos 90, as quais, por sua vez, trouxeram a inserção mais acentuada dos recursos tecnológicos no cotidiano de trabalho dos Profissionais do Magistério da Educação Básica do Paraná. Ele faz parte da Etapa Final do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Turma 2010, da disciplina de Gestão Escolar, vinculada a Universidade Estadual de Londrina, no qual foi elaborado um Projeto de Intervenção Pedagógica referente à necessidade de buscar alternativas para a problematização inicialmente observada quanto à utilização dos recursos tecnológicos e instrumentos de informática à disposição dos Profissionais do Magistério lotados na Escola Estadual Mosenhor Josemaria Escrivá- Ens. Fundamental, na cidade de Londrina. Objetivou-se elaborar uma visão crítica sobre o contexto histórico mundial da contemporaneidade pautada no Paradigma Toyotista, analisando aspectos das mudanças na base produtiva do sistema capitalista e as articulações ideológicas delas derivadas e que acabaram por permear a Política Educacional Brasileira, tanto a nível Federal quanto Estadual. O Artigo faz também considerações sobre a existência da possibilidade institucional da Direção e da Equipe Pedagógica da Escola foco do Projeto traçarem estratégias para que haja uma apropriação mais efetiva, por parte dos Professores, do conhecimento necessário para uma utilização constante do instrumental tecnológico à sua disposição. O texto aborda ainda alguns aspectos das atividades desenvolvidas durante a fase de Implementação do Projeto no espaço institucional específico da Escola Estadual Monsenhor Josemaria Escrivá e das discussões desenvolvidas na modalidade EAD com os Educadores Cursistas do Grupo de Trabalho em Rede formado como atividade interativa do PDE. Palavras-chave: Política educacional. Capitalismo. Toyotismo. Tecnologia. Formação. 1 Introdução

1 Especialização em Administração, Supervisão e Orientação Escolar (UNOPAR), Licenciatura em

História (UEL), Docente da Escola Estadual Monsenhor Josemaria Escrivá- Ens. Fundamental em Londrina-PR

2 Mestrado em Educação Escolar, Especialização em Filosofia Política e Jurídica, Graduação em Filosofia, Docente em Filosofia e Educação na Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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Este Artigo tem como objetivo principal contribuir para uma análise crítica do

contexto histórico da contemporaneidade pautada no Paradigma Toyotista, no qual

foram desencadeadas mudanças na base da estrutura produtiva capitalista, em nível

global, que tiveram repercussão sobre as Políticas Públicas para a Educação

implementadas nos anos 90, no Brasil, as quais, por sua vez, trouxeram em seu bojo

a inserção mais acentuada dos recursos tecnológicos no cotidiano de trabalho dos

Profissionais do Magistério da Educação Básica do Paraná.

Ele faz parte da Etapa Final do Programa de Desenvolvimento Educacional

(PDE) da Turma 2010/2011, da disciplina de Gestão Escolar, vinculada a

Universidade Estadual de Londrina, no qual foi elaborado um Projeto de Intervenção

Pedagógica referente à necessidade de buscar alternativas para a problematização

inicialmente observada quanto à utilização dos recursos tecnológicos e ferramentas

digitais à disposição dos Profissionais do Magistério lotados na Escola Estadual

Mosenhor Josemaria Escrivá-Ens. Fundamental, na cidade de Londrina.

Observou-se inicialmente que nesse Estabelecimento de Ensino não ocorria a

utilização de maneira contínua e sistemática dos recursos tecnológicos e

ferramentas digitais por parte desses Profissionais, como meio para a busca do

conhecimento científico e como meio para preparar o material didático-pedagógico

visando socializá-lo e que, quando utilizados, por vezes, deixava-se de explorar ao

máximo o potencial que esses recursos oferecem, embora existam Políticas Públicas

e Programas Governamentais de inserção e utilização desse instrumental

tecnológico no cotidiano de trabalho dos Professores da Rede Estadual Pública de

Ensino do Estado do Paraná, desde os anos 90.

Em decorrência dessa situação e na tentativa de elucidá-la, foi formulada a

seguinte indagação: a modernização de recursos pedagógicos implementada

institucionalmente, a partir anos 90, no Estado do Paraná, sob a égide do ideário

neoliberal, foi eficaz ou adequada para gerar uma dinâmica de utilização frequente

do instrumental tecnológico como um dos recursos, tanto para o acesso ao

conhecimento científico/cultural, quanto para a diversificação das metodologias e

práticas de ensino por parte dos Profissionais do Magistério da rede Estadual, ou

seja: teria ocorrido efetivamente a incorporação do referido instrumental no cotidiano de trabalho desses Profissionais?

E ainda: haveriam fatores institucionais passíveis de reorganização ou

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normatização, neste Estabelecimento de Ensino, que poderiam contribuir para que

esses Profissionais pudessem apropriar-se do conhecimento necessário para a

utilização desse instrumental ?

Um dos objetivos do Projeto de Intervenção foi proporcionar aos Professores

da Rede Pública Estadual um referencial conceitual, para a reavaliação e o

aprimoramento de suas metodologias de ensino, no sentido da utilização mais

frequente dos recursos tecnológicos e ferramentas digitais à sua disposição, tanto

para a busca e acesso a fontes de conhecimento científico, quanto para a

diversificação de suas práticas de socialização desse conhecimento, a partir de uma

visão crítica em relação ao contexto histórico contemporâneo e à ideia de

“modernização” e proporcionar ao Gestor e Equipe Pedagógica, subsídios que

pudessem embasar ações concretas, passíveis de execução no âmbito deste

Estabelecimento de Ensino, visando fomentar uma dinâmica permanente de

diversificação das metodologias e práticas pedagógicas, aproveitando de maneira

mais constante esse instrumental tecnológico disponível.

Para a composição do referencial conceitual proporcionado aos Professores

procurou-se realizar uma análise crítica sobre o contexto histórico mundial da

contemporaneidade pautada no paradigma Toyotista, analisando aspectos das

mudanças na base produtiva do sistema capitalista e as articulações ideológicas

dela derivadas e que acabaram por permear a Política Educacional Brasileira, tanto

a nível Federal quanto a nível Estadual, nos anos 90, com ênfase na análise da

repercussão do ideário neoliberal sobre a Educação, mais especificamente sobre a

formação e qualificação dos Profissionais do Magistério e a inserção de recursos

tecnológicos em seu cotidiano de trabalho.

Outro objetivo do Projeto de Intervenção foi verificar a existência no Projeto

Político-Pedagógico (PPP) da Escola Estadual Monsenhor Josemaria Escrivá, de

elementos institucionais, passíveis de normatização ou reorganização, que

permitissem ao Gestor e Equipe Pedagógica, a tomada de ações concretas no

sentido de fomentar uma dinâmica permanente de diversificação da metodologia e

didática de Ensino na prática cotidiana dos Professores desta instituição escolar.

Havia também o objetivo, de promover a utilização mais freqüente do

instrumental tecnológico disponível para o acesso a fontes confiáveis de

conhecimento científico, explorando com discernimento crítico os Portais

Institucionais disponibilizados e outras fontes confiáveis e acessíveis na WEB para

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esta finalidade.

2 Desenvolvimento

Para a consecução dos objetivos acima descritos com relação à composição

do referencial conceitual efetuou-se inicialmente um resgate de produções de

autores que analisaram as transformações que ocorreram na base do sistema

produtivo capitalista, nas últimas décadas do século XX e aspectos do ideário

neoliberal que, na década de 90, incidiram sobre os currículos das disciplinas,

metodologias de Ensino e inserção de recursos tecnológicos no cotidiano de

trabalho dos Professores. Além dessas produções foram também tomados como

referenciais, aspectos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, das

Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná e do Projeto

Político Pedagógico da Escola Estadual Monsenhor Josemaria Escriva - Ensino

Fundamental.

Houve também a tomada de referencial bibliográfico no sentido de promover a

valorização do uso dos recursos tecnológicos à disposição, tanto como meios de

acesso ao conhecimento científico, assim como meios de diversificação de

metodologias e práticas pedagógicas.

Para averiguar as circunstâncias histórico-políticas nas quais a inserção de

recursos tecnológicos no cotidiano de trabalho dos Profissionais do Magistério do

Paraná ganhou destaque e passou a ser implementada institucionalmente nos anos

90, fez-se necessário pensar e discutir essa inserção articulada às ações

institucionais sobre a Educação que tiveram como base as premissas do ideário

neoliberal à respeito das dinâmicas sociais e educacionais.

O ideário neoliberal, por sua vez, articulou-se como expressão ideológica às

transformações ocorridas na base do sistema produtivo capitalista ocorridas nas

últimas décadas do século XX, em nível mundial, mais especificamente, a passagem

do sistema fordista de produção para o toyotista.

Foram analisados aspectos dessa mudança paradigmática no sistema de

produção capitalista em nível global e a expressão ideológica neoliberal articulada à

essa mudança, para então, buscar o entendimento das implicações que ela teve

sobre o campo das políticas educacionais nos anos 90 e mais especificamente

sobre o cotidiano de trabalho dos Professores da Rede Pública Estadual do Paraná,

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passando pela questão da inserção dos recursos tecnológicos nesse cotidiano.

Para isso, foram utilizados os autores Zygmunt Bauman (2001, Modernidade

Líquida), Sonia Alem Marrach (1996, Neoliberalismo e Educação), Pablo Gentili (1996, Neoliberalismo e educação: manual do usuário), Demerval Saviani (2008,

História das idéias pedagógicas no Brasil) e José Manuel Moran (2010, Ensino e

Aprendizado Inovadores com Tecnologias Audiovisuais e Telemáticas).

Sendo assim, retomaremos, neste Artigo, parte do referencial teórico que foi

utilizado para subsidiar o Projeto de Intervenção acima citado.

Bauman (2001), em sua obra intitulada “Modernidade Líquida” fez uma

análise considerada pertinente para o Projeto de Intervenção: o autor mostra-nos

qual é a marcante mudança nas relações de produção capitalistas, em nível

mundial, que ocorre no final do século XX e que traz consigo uma mudança de

paradigmas em vários campos, inclusive no campo educacional e que acabou por

incidir sobre as Políticas Públicas Educacionais nos anos 90 em nosso país.

Levando em consideração que a discussão empreendida por Bauman foi

pertinente para sustentar as argumentações contidas no texto do Projeto,

acompanhamos parte da análise empreendida pelo referido autor, buscando

compreender a natureza da grande reestruturação do sistema capitalista, em nível

mundial, que está em curso no final do século XX.

Bauman propõe que a utilização das categorias “fluidez” e “liquidez” seriam as

metáforas adequadas para captarmos a natureza da fase da história da

modernidade no final do século XX. Esta “fluidez” e “liquidez” poderiam servir como

metáforas para adjetivar desde as mais complexas relações de poder estabelecidas

no mundo do capital/trabalho até as mais elementares, entre as quais, as que se

estabelecem dentro das estruturas familiares e entre os indivíduos.

Nesse ponto pode-se assinalar que o que estava (e ainda está) em curso, no

final do século XX, é uma sutil, porém marcante, transformação na relação capital x

trabalho. Para Bauman (2001, p. 70):

Em seu estágio pesado, o capital estava tão fixado ao solo quanto os trabalhadores que empregava. Hoje o capital viaja leve – apenas com a bagagem de mão, que inclui nada mais que pasta, telefone celular e computador portátil. Pode saltar em quase qualquer ponto do caminho, e não precisa demorar-se em nenhum lugar além do tempo que durar sua satisfação. O trabalho, porém, permanece tão imobilizado quanto no passado – mas o lugar em que ele imaginava

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estar fixado de uma vez por todas perdeu sua solidez de outrora; buscando rochas, as âncoras encontram areias movediças.

Se antes havia uma ligação tensa e conflituosa, porém mais sólida, entre os

donos do capital e os donos da força-de-trabalho, pode-se começar a perceber a

tentativa dos primeiros de se desresponsabilizar do peso e dos custos de prover

essa mão-de-obra. Os donos do capital tentam livrar-se, dessa forma, da dolorosa

tarefa de enfrentamento direto e conflituoso com os agentes explorados, como por

exemplo nas lutas por melhores salários e condições de vida e de trabalho, muitas

vezes conduzidas de forma coletiva nos movimentos de reivindicação na esfera da

política institucional e das leis trabalhistas.

Pode-se afirmar, à partir da leitura de Bauman, que está em curso um

processo de descorporificação do trabalho, relacionada à uma ausência de peso

do capital, o que significa, na verdade, uma marcante mudança no perfil da relação

capital x trabalho, com implicações para a dinâmica de toda a sociedade:

O trabalho sem corpo da era do software não mais amarra o capital: permite ao capital ser extraterritorial, volátil e inconstante. A descorporificação do trabalho anuncia a ausência de peso do capital. Sua dependência mútua foi unilateralmente rompida: enquanto a capacidade do trabalho é, como antes, incompleta e irrealizável isoladamente, o inverso não mais se aplica. O capital viaja esperançoso, contando com breves e lucrativas aventuras e confiante em que não haverá escassez delas ou de parceiros com quem compartilhá-las. O capital pode viajar rápido e leve, e sua leveza e mobilidade se tornam as fontes mais importantes de incerteza para todo o resto. Essa é hoje a principal base da dominação e o principal fator das divisões sociais (BAUMAN, 2001, p. 141).

Pode-se aqui fazer uma breve apreciação das implicações deste novo

contexto no mundo do trabalho:

“Flexibilidade” é o slogan do dia, e quando aplicado ao mercado de trabalho augura um fim do “emprego como conhecemos”, anunciando em seu lugar o advento do trabalho por contratos de curto prazo, ou sem contratos, posições sem cobertura previdenciária, mas com cláusulas “até nova ordem”. A vida de trabalho está saturada de incertezas (BAUMAN, 2001, p. 169).

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É importante voltar a atenção para as implicações que esse novo contexto no

mundo do trabalho e essa mobilidade do capital vão trazer para a esfera política dos

governos dos países capitalistas, em nível mundial.

É possível afirmar que o fato do capital ter-se tornado “extraterritorial, leve,

desembaraçado e solto numa medida sem precedentes.” (BAUMAN, 2001, p. 172),

conferiu-lhe um nível de mobilidade suficiente, na maioria dos casos, para impor

condições às instâncias governamentais de vários países capitalistas.

A simples ameaça do capital de cortar os laços locais e transferir-se para

outro lugar, é algo que os governos passaram a ter que levar em consideração,

tratando-a com seriedade, passando também a tentar subordinar suas políticas de

modo a evitar a ameaça desse desinvestimento.

Como um governo não tem o poder de forçar o capital a vir e investir

maciçamente dentro do território de um país, ele acaba vendo-se obrigado à criar

condições que atraiam esse capital. Eis aqui a questão: qual foi a maneira

encontrada pelos governos para atrair esse capital leve e móvel e fixá-lo, pelo

menos por certo tempo, dentro do território de seus países?

Pode-se afirmar, em resposta, que a maneira encontrada, por muitos deles foi

a de ajustar o jogo político às regras da livre empresa, utilizando como referência

para respaldar nossa afirmativa as palavras de Bauman (2001, p. 172):

[...] isto é, usando todo o poder regulador à disposição do governo a serviço da desregulação, do desmantelamento e destruição das leis e estatutos “restritivos às empresas” de modo a dar credibilidade e poder de persuasão à promessa do governo de que seus poderes reguladores não serão utilizados para restringir as liberdades do capital; evitando qualquer movimento que possa dar a impressão de que o território politicamente administrado pelo governo é pouco hospitaleiro com os usos, expectativas e todas as realizações futuras do capital que pensa em age globalmente, ou menos hospitaleiro que as terras administradas pelos vizinhos mais próximos.

Um dos aspectos a considerar, nesse contexto, é a maneira com que certas

ações dos governos vão incidir no campo do mercado de trabalho.

Além de baixos impostos (ou concessão de subsídios e benefícios à

instalação de empresas estrangeiras) e menos regras, certos governos mobilizaram-

se no sentido de tornar o mercado de trabalho o mais flexível possível, isso

significando, em termos mais gerais “uma população dócil, incapaz ou não-desejosa

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de oferecer resistência organizada a qualquer decisão que o capital venha a tomar.”

(BAUMAN, 2001, p. 173).

Pode-se passar, nesse ponto desta reflexão, para a análise da construção de

todo um ideário que tentou impor-se como hegemônico e que buscou, no campo

ideológico, dar justificativa e sustentação às ações implementadas pelos governos

que tiveram que sujeitar-se às imposições desse capital leve e com grande

capacidade de mobilidade.

Para isso serão utilizados outros autores que também analisaram a

construção desse ideário, no contexto das mudanças na dinâmica do sistema

capitalista, à nível mundial, no final do século XX e suas implicações políticas.

Marrach (1996), em seu artigo intitulado “Neoliberalismo e Educação” discorre

sobre a incidência do ideário neoliberal sobre as Políticas Públicas para a Educação

nos anos 90 do Século XX, relacionando-a um movimento muito maior, em nível

mundial: o neoliberalismo teria tornado-se ideologia dominante numa época em que

os EUA detinham a hegemonia exclusiva perante os outros países do Planeta. Seria

uma ideologia que estaria procurando responder à crise do Estado Nacional

resultante de interligação cada vez maior das economias das nações

industrializadas, através do comércio e das novas tecnologias.

Dentro do ideário do liberalismo clássico, um dos direitos do homem e do

cidadão é a educação. Segundo Marrach (1996), no entanto, o ideário neoliberal

enfatiza mais os direitos do consumidor do que as liberdades públicas e

democráticas e contesta a participação do Estado no amparo aos direitos sociais. O

neoliberalismo partiria do pressuposto de que a economia internacional seria auto-

regulável, capaz de vencer as crises e, progressivamente, distribuir benefícios, pela

aldeia global, sem a necessidade de intervenção do Estado.

A liberalização do comércio, produtos internacionais, novas tecnologias de informação e comunicação e privatizações começam a modificar o desempenho dos

mercados de países latino-americanos, africanos e ex-países socialistas, nas últimas

décadas do século XX. Essas regiões passaram a estar articuladas por meio de uma

nova modernização.

Utilizando-se de Raymundo Faoro (1994), a autora distingue modernidade de

modernização e afirma que esta última seria uma reforma vinda de cima:

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Raymundo Faoro distingue modernidade de modernização. A primeira decorre de um movimento espontâneo da sociedade, da economia, capaz de modificar o papel dos atores sociais e de revitalizar a vida social, econômica, cultural e política dos indivíduos, grupos e classes sociais. A segunda é uma reforma do alto, implementada por um grupo ou classe dirigente que procura adequar a sociedade vista como atrasada ao modelo dos países avançados. Tem um caráter voluntarista, uma certa dose de imposição. Nas palavras de Raymundo Faoro, a modernização “chega à sociedade por meio de um grupo condutor que, privilegiando-se, privilegia os setores dominantes” (apud MARRACH, 1996).

Cabe assinalar que no decorrer de sua história, o Brasil passou por diversas

“modernizações”. A modernização em curso nos anos 90, pretendia, entre outras

coisas, fazer uma reformulação do Estado para transformá-lo em Estado-mínimo,

desenvolver a economia e fazer a reforma educacional, dentro do preceito neoliberal

de que deve haver um máximo de liberdade econômica, um respeito formal aos

direitos políticos e um mínimo de direitos sociais.

Nesse ponto houve a aproximação mais específica de um dos pontos cruciais

para o embasamento do Projeto de Intervenção, pois, a educação está entre os direitos sociais.

Marrach (1996) aponta que: “no discurso neoliberal a educação deixa de ser

parte do campo social e político para ingressar no mercado e funcionar a sua

semelhança”.

Quais seriam, pois os papéis que deveriam ser desempenhados pelas

instituições escolares e pelos professores, dentro da ótica neoliberal?

Nesta ótica, a própria escola deveria ser um meio de transmissão dos

princípios doutrinários neoliberais, adequando-se a eles e reproduzindo sua

ideologia, com o intuito de torná-la hegemônica. Deveria inclusive, tornar-se um

mercado para os produtos da indústria cultural e da informática.

Segundo Marrach (1996), enquanto o liberalismo político clássico colocava a

educação entre os direitos do homem e do cidadão, o neoliberalismo, conforme

Tomás Tadeu da Silva, promoveria uma regressão da esfera pública, na medida em

que aborda a escola no âmbito do mercado e das técnicas de gerenciamento,

esvaziando assim seu caráter de direito social, substituindo-o pelos direitos do

consumidor.

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Dessa forma, as escolas deveriam competir no mercado, pois essa seria a

única maneira de melhorarem a qualidade de seus serviços e atender às

expectativas de seus consumidores, ou seja, pais e alunos.

O aspecto central para o projeto neoliberal, nos anos 90, era a adequação da

escola e das universidades públicas e privadas aos mecanismos de mercado, de

maneira que a escola funcionasse à semelhança do mercado.

O termo qualidade total aproximaria, nesta perspectiva, a escola da

empresa, com o entendimento de que essa “empresa” tinha de ser administrada na

forma de um negócio capitalista, pois o raciocínio neoliberal é tecnicista,

equacionando problemas sociais, políticos e econômicos como problemas de

gerenciamento adequado e eficiente ou inadequado e ineficiente.

A noção neoliberal de qualidade traz uma visão tecnicista que acaba

reduzindo os problemas sociais à questões administrativas, esvaziando os campos

social e político do debate educacional e tratando os problemas da educação como

problemas de mercado e de técnicas de gerenciamento.

Nesse sentido, a inserção das novas tecnologias de informação e

comunicação faria a escola ir para o mercado seja através de financiamentos de

pesquisa, marketing cultural ou educacional, da mesma maneira que, segundo

Marrach, a arte foi e ficou no mercado, com as técnicas de reprodutibilidade do início

do século XX. No fundo, para a autora, ambos os processos seriam apenas

desdobramentos de um processo maior, o de racionalização ou “desencantamento

do mundo”, analisado por Max Weber (1992 apud MARRACH, 1996), em que

qualquer coisa pode se tornar uma mercadoria.

Segundo Marrach (1996), para a educação, o discurso neoliberal pareceu

propor um tecnicismo reformado. Os problemas sociais, econômicos, políticos e

culturais relacionados à educação se converteram em problemas administrativos,

técnicos, de reengenharia.

Na ótica neoliberal, a escola ideal seria a que tivesse gestão eficiente para

competir no mercado. Nessa ótica, o aluno transforma-se em consumidor do

ensino, e o professor em “funcionário treinado e competente para preparar seus

alunos para o mercado de trabalho e para fazer pesquisas práticas e utilitárias a

curto prazo.” (MARRACH, 1996).

Assinalou-se, no texto de nosso Projeto, que trata-se de uma ótica

reducionista, pois secundariza nas instituições escolares e principalmente na

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Educação sua finalidade de humanização, desenvolvimento do espírito crítico e de

busca do conhecimento, independente deste conhecimento ser utilizável ou não

dentro da cadeia de produção de mercadorias e consumo do sistema capitalista.

Outro autor utilizado para embasar o Projeto de Intervenção foi Pablo Gentili

(1996), cujo trabalho intitulado “Neoliberalismo e educação: manual do usuário”,

faz também uma análise crítica do ideário neoliberal aplicado às Políticas Públicas

para a Educação nos anos 90 do século XX. Suas considerações serviram para

aprimorar nosso entendimento e reflexão de como esse ideário repercutiu

concretamente nos sistemas educacionais e mais especificamente de que maneira

interferiu nas dinâmicas das instituições públicas de ensino.

Tomando-se, pois, o raciocínio de Gentili (1996) como referência, pode-se

afirmar que na visão neoliberal a crise de qualidade atravessada pelas instituições

escolares estaria ligada a uma inexistência de um verdadeiro mercado educacional.

Seria necessário introduzir a lógica competitiva na esfera educacional para criar as

condições culturais que facilitariam uma mudança institucional voltada para a

configuração de tal mercado.

E em decorrência disso, a construção desse mercado constituiu um dos

grandes desafios que as políticas neoliberais teriam assumido nos anos 90, no

campo educacional.

Pode-se afirmar, pois, que o grande objetivo estratégico do neoliberalismo foi

tentar retirar a educação da esfera da política e transferi-la para a esfera do mercado

questionando dessa forma seu caráter de direito e tentando reduzi-la a condição de

mercadoria-propriedade.

Segundo Gentili (1996): “É nesse quadro que se reconceitualiza a noção de

cidadania, através de uma revalorização da ação do indivíduo enquanto proprietário, enquanto indivíduo que luta para conquistar (comprar) propriedades-mercadorias [...]

sendo a educação uma delas.”

É possível afirmar também que essa visão capitalista da educação como

propriedade-mercadoria, acaba por empobrecer seu caráter de patrimônio universal

construído historicamente, que deve estar ao alcance de todos em uma sociedade

que pretende-se verdadeiramente democrática.

Para compreender a perspectiva neoliberal de como superar a crise

educacional faz-se necessário analisar um pouco mais a visão neoliberal sobre a

sociedade. A visão privatizante desse ideário estende-se inclusive para a esfera

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individual: o êxito ou o fracasso social seriam responsabilidades pessoais e não

dependeriam das desigualdades de chances reais geradas pelo sistema capitalista.

Cada um seria responsável pelo seu próprio êxito ou fracasso dentro do sistema e

se por ventura a maioria dos indivíduos tem um destino não muito gratificante é

porque não soube reconhecer as vantagens que oferecem o mérito e esforço

individual através do quais se triunfaria na vida.

Nessa ótica, seria necessário estar competindo o tempo todo e uma

sociedade moderna seria aquela na qual só os “melhores” triunfariam.

A superação da crise educacional passaria por inserir a lógica competitiva de

mercado na esfera educacional. Essa lógica, promovida por um sistema de prêmios

e castigos baseado em critérios meritocráticos seria capaz de criar as condições culturais que facilitariam uma profunda mudança institucional voltada para a

configuração de um verdadeiro mercado educacional.

Por outro lado, a função social da educação deveria ser criar no aluno a

capacidade flexível de adaptação individual às demandas do mercado de trabalho: a

chamada empregabilidade. A função social da educação esgotar-se-ia nesse

ponto. Seu limite seria o exato momento em que o indivíduo começa a lutar por um

emprego no mercado de trabalho. O papel da educação, do ponto de vista

neoliberal, seria apenas fornecer essa ferramenta necessária para que ele pudesse

competir nesse mercado.

Nesse ponto, fez-se no texto do Projeto, a seguinte indagação: qual seria então o papel de Professor perante o que os neoliberais esperavam da

educação e das escolas?

Pela ótica neoliberal, as instituições escolares deveriam funcionar como

empresas produtoras de serviços educacionais. A interferência estatal não poderia

atingir o direito de livre escolha que os consumidores de educação deveriam realizar

no mercado escolar. E seria através da inserção nesse mercado que as instituições

escolares poderiam obter níveis de eficiência baseados na competição e no mérito

individual e estariam a altura de satisfazer as exigências desse perfil de consumidor.

As instituições escolares deveriam adotar certos princípios que se mostraram

eficazes no mundo empresarial para obter certa liderança em qualquer mercado.

Princípios esses, que na perspectiva dos homens de negócios deveriam regular toda

prática produtiva moderna.

Nesse ponto, cabe citar novamente Gentili (1996):

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Na perspectiva dos homens de negócios, nesse novo modelo de sociedade, a escola deve ter por função a transmissão de certas competências e habilidades necessárias para que as pessoas atuem competitivamente num mercado de trabalho altamente seletivo e cada vez mais restrito.

No raciocínio neoliberal, caberia a educação escolar garantir as funções de

classificação e hierarquização dos candidatos aos futuros empregos. Essa seria,

para os neoliberais, a verdadeira função social da escola. E para que isso

acontecesse, o próprio mercado educacional, deveria ser uma instância de seleção

meritocrática, ou seja, deveria ser um espaço altamente competitivo.

Respondendo à questão sobre o papel do professor perante o que os

neoliberais esperavam da educação e das escolas, pode-se dizer que o processo de

tentar reduzir o caráter de instituição das escolas públicas à um caráter empresarial

teve reflexos também no campo do currículo das disciplinas e na formação dos

professores. No campo curricular, tornaram-se notórias as expressões

competências e habilidades. Seriam elas que norteariam os objetivos dos

professores ao elaborarem seus planejamentos. O conteúdo disciplinar tornou-se um

mero instrumento utilizado para promover o desenvolvimento de certas

competências e habilidades por parte dos alunos. O desenvolvimento dessas

competências e habilidades deveria ser o objetivo maior da relação pedagógica

entre professor e aluno e tornaria esse último, na visão neotecnicista, apto a

competir dentro do campo do aprendizado, assim como deveria competir no campo

do mercado de trabalho.

Na análise de Gentili (1996), as políticas de formação de docentes,

engendradas a partir da modernização neoliberal, acabaram por configurar-se como

pacotes fechados de treinamento, definidos por equipes de técnicos, experts e

consultores empresariais, planejados de uma forma centralizada, sem uma consulta

democrática aos grupos de professores que participaram dos processos de

formação e apresentando o que pode ser chamado de alta transferibilidade ou seja,

um treinamento passível de ser aplicado em diferentes contextos geográficos e em

diferentes perfis de profissionais do magistério , caracterizando-se como sistemas de

treinamento rápido com grande poder disciplinador e altamente centralizados em

seu planejamento e aplicação.

Uma outra estratégia neoliberal para dar ao campo educacional uma

característica de mercado foram as freqüentes formas de terceirização, tanto

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pedagógicas, quanto não pedagógicas, dos serviços prestados dentro das

instituições escolares.

Nesse ponto da discussão efetuada no Projeto de Intervenção, reafirmou-se

que a análise das políticas públicas para a educação nos anos 90 passa

necessariamente pela análise do processo de reestruturação à nível mundial do

capitalismo, ocorrido no final do século XX, processo este que acabou por incidir

sobre a educação e as instituições escolares. As reformas empreendidas no campo

educacional na última década daquele século devem ser pensadas dentro deste

contexto maior. Segundo as palavras de Gentili (1996):

A crise do fordismo e a configuração de um novo regime de acumulação pós-fordista permitem entender o caráter e a natureza das reformas impulsionadas pelos regimes neoliberais na esfera escolar. Na economia-mundo capitalista se articulam novos mapas institucionais cuja geografia do benefício produz e reproduz novas e velhas formas de exclusão e desintegração social. A escola não é alheia a esses processos; sua própria estrutura e funcionalidade é colocada em questionamento por tais dinâmicas. O processo mcdonaldização expressa essa mudança institucional dirigida a conformar as bases de uma escola toyotizada, uma escola de alto desempenho, a administrada pelos novos líderes gerenciais, os quais planejam formas de aprendizagem de novas habilidades exigidas por um local de trabalho reestruturado […]. De qualquer forma, é importante destacar que essa nova racionalidade do aparato escolar se constrói sobre aqueles princípios que regulavam a escola taylorista. Trata-se de um processo de reestruturação educacional onde se articulam novas e velhas dinâmicas organizacionais, onde se definem novas e velhas lógicas produtivistas através das quais a reforma escolar se reduz a uma série de critérios empresariais de caráter alienante e excludente.

A dinâmica social assumida pelo capitalismo contemporâneo expressa-se

dentro do campo educacional de forma a articular-se com outros profundos

mecanismos de discriminação na medida em que o aumento da pobreza e da

exclusão levam à sedimentação de sociedades marcadas pelas desigualdades

sociais extremas, nas quais o acesso às instituições educacionais de qualidade e a

permanência nas mesmas acaba por transformar-se em um privilégio das minorias

dirigentes.

Neste ponto da discussão empreendida no texto do Projeto de Intervenção

passou-se à utilização da análise empreendida por Demerval Saviani, em sua obra

intitulada “História das Idéias Pedagógicas no Brasil”, edição de 2008.

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Utilizou-se, principalmente, de sua análise sobre a reestruturação dos

processos produtivos, conduzida pela crise da sociedade capitalista que irrompeu na

década de 1970, que levou a uma transformação da base técnica da produção e que

acabou conduzindo à substituição do fordismo pelo toyotismo, com repercussão não

só nos sistemas produtivos industriais, mas também em várias outras áreas e

inclusive na educação.

Para que fosse possível apreender a mudança de visão do papel da

educação escolar, dos professores e dos alunos (aqui vistos como futuros

“possíveis” trabalhadores) fez-se necessário um maior aprofundamento no sentido

de compreender o perfil das mudanças na base produtiva capitalista que ocorreu

com a substituição do fordismo pelo toyotismo e quais as implicações disso.

Retomando-se pois a análise de Saviani (2008), pode-se dizer que o modelo

fordista de produção estava apoiado na instalação de grandes fábricas e operava

com tecnologia pesada de base fixa, com uma racionalização de trabalho baseada

nos métodos tayloristas; pressupunha a estabilidade no emprego e tinha como

objetivo a produção de objetos padronizados, em série e larga escala, com

acumulação de grandes estoques e dirigidos para o consumo de massa. O modelo

toyotista, no entanto, tem outras características:

Diversamente, o modelo toyotista apóia-se em tecnologia leve, de base microeletrônica flexível, e opera com trabalhadores polivalentes visando à produção de objetos diversificados, em pequena escala, para atender a demanda de nichos específicos do mercado, incorporando métodos como o just in time que dispensam a formação de estoques; requer trabalhadores que, em lugar da estabilidade no emprego, disputem diariamente cada posição conquistada, vestindo a camisa da empresa e elevando constantemente sua produtividade. Nessas novas condições reforçou-se a importância da educação escolar na formação desses trabalhadores que, pela exigência da flexibilidade, deveriam ter um preparo polivalente apoiado no domínio de conceitos gerais, abstratos, de modo especial aqueles de ordem matemática. Manteve-se, pois a crença na contribuição da educação para o processo econômico-produtivo, marca distintiva da teoria do capital humano. Mas seu significado foi substancialmente alterado (SAVIANI, 2008, p. 429).

É importante não deixar de perceber que as mudanças nas bases produtivas

do sistema capitalista geraram articulações ideológicas, que por sua vez, vão atingir

também as políticas educacionais.

16

Ocorreu a diminuição da importância da iniciativa do Estado e das instâncias

de planejamento em assegurar, nas escolas, uma preparação de mão-de-obra para

ocupar postos de trabalho definidos em um mercado que se expande na direção do

pleno emprego, visão que era típica da política do Estado de bem-estar ligada a

teoria originária do capital humano.

Uma outra visão passou a se impor como hegemônica: caberia agora, a cada

indivíduo exercer sua capacidade de escolha com o objetivo de conseguir os meios

que lhe permitissem ser competitivo no mercado de trabalho.

E o que esperar então da educação? Segundo Saviani (2008), o que o

indivíduo podia esperar das oportunidades escolares, já não era mais um acesso ao

emprego, mas somente conseguir o status de empregabilidade.

Para esse autor:

A educação passa a ser entendida como um investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis. O acesso a diferentes graus de escolaridade amplia as condições de empregabilidade do indivíduo, o que, entretanto, não lhe garante emprego, pelo simples fato de que, na forma atual do desenvolvimento capitalista, não há emprego para todos: a economia pode crescer convivendo com altas taxas de desemprego e com grandes contingentes populacionais excluídos do processo. É o crescimento excludente em lugar do desenvolvimento inclusivo que se buscava atingir no período keynesiano. A teoria do capital humano foi, pois, refuncionalizada e é nessa condição que ela alimenta a busca de produtividade na educação. Eis por que a concepção produtivista, cujo predomínio na educação brasileira se iniciou na década de 1960 com a adesão à teoria do capital humano, mantém a hegemonia nos anos 1990, assumindo a forma do neoprodutivismo (SAVIANI, 2008, p. 430).

Saviani (2008) chama-nos a atenção para o fato de que essa ordem

econômica está assentada na exclusão, na medida em que se admite,

preliminarmente, que nela não haveria emprego para todos e que incorporando

crescentemente a automação no processo produtivo, essa ordem dispensa, também

de maneira crescente, mão-de-obra. Além disso, o obsessivo estímulo à competição

e busca contínua de maximização da produtividade acabam conduzindo, por si só,

à uma exclusão deliberada de trabalhadores. Na verdade, o que se busca é o

incremento do lucro, a extração de mais-valia.

Para esse autor, teria ocorrido então, no campo educacional, a configuração

de uma espécie de “pedagogia da exclusão” que, poderia também funcionar como

17

estratégia ideológica, pois tratava-se de preparar os indivíduos para aumentar sua

condição de empregabilidade, através de sucessivos cursos dos mais variados tipos,

visando com isso, escapar da condição de excluídos e se não conseguissem

escapar dessa segunda condição, era-lhes ensinado a introjetar a responsabilidade

por sua própria exclusão, escamoteando dessa maneira os conflitos e contradições

do sistema capitalista. Nas palavras de Saviani (2008, p. 431):

Com efeito, além do emprego formal, acena-se com a possibilidade de sua transformação em microempresário, com a informalidade, o trabalho por conta própria, isto é, sua conversão em empresário de si mesmo, o trabalho voluntário, terceirizado, subsumido em organizações não-governamentais etc. Portanto, se diante de toda essa gama de possibilidades ele não atinge a desejada inclusão, isso se deve apenas a ele próprio, a suas limitações incontornáveis. Eis o que ensina a pedagogia da exclusão.

Nesse ponto da discussão empreendida no texto do Projeto, destacou-se que

esse ideário, característico do neoliberalismo, materializou-se no campo

educacional, através de práticas pedagógicas e configurou-se também

institucionalmente, através de parâmetros e diretrizes, que serviram de referência

para a elaboração dos currículos das disciplinas escolares, nos anos 90, no Brasil.

Dando prosseguimento à análise, e tendo como referência o pensamento de

Saviani, afirmou-se ser possível a percepção de que a reorganização do processo

produtivo na base do capitalismo teve reflexos concretos dentro da sociedade e das

escolas brasileiras, institucionalizando-se através da nova LDB (lei 9.394, de 20 de

dezembro de 1996), na década de 90 (BRASIL, 1996).

No caso das práticas pedagógicas, afirmou-se que a “pedagogia das

competências” tinha como objetivo ajustar o perfil dos indivíduos, como

trabalhadores e como cidadãos, ao modelo de sociedade resultante da

reorganização do processo produtivo na base do capitalismo.

É importante observar que o próprio papel do Estado, em relação à educação

e também em relação à sociedade de modo geral acaba redefinido, ou pelo menos,

pretendeu-se fazer essa redefinição.

Neste aspecto, o referencial conceitual utilizado dentro da educação, foi o da

pedagogia tecnicista. A base desta linha pedagógica são os princípios de

racionalidade, eficiência e produtividade, a partir dos quais formulam-se as

proposições relativas à obtenção do máximo resultado com o mínimo de gastos.

18

Na década de 70, tal objetivo era perseguido estando sob a iniciativa, controle

e direção direta do Estado. Na década de 90, porém, esse objetivo, agora regido

pelo ideário neoliberal, assume outra conotação: passa-se a defender a valorização

dos mecanismos de mercado, o recurso à iniciativa privada e às organizações não-

governamentais, a redução do tamanho do Estado e das iniciativas do setor público.

A reforma do ensino no Brasil, empreendida pelo Governo Federal entre 1995

e 2001, também seguiu essa orientação. As várias ações do MEC, apontam nesse

período, para essa direção, como percebe-se nas campanhas levadas a cabo,

apelando para a participação da iniciativa privada ou da população para o

provimento de recursos às escolas.

Deve-se relembrar também a intenção de fazer com que o Estado diminuísse

seu papel de principal provedor de recursos para a Educação e passasse a ter o

papel de avaliador, tendo como referência os critérios empresariais toyotistas de

eficiência e produtividade. Nas palavras de Saviani (2008, p. 439):

Redefine-se, portanto, o papel tanto do Estado como das escolas. Em lugar da uniformização e do rígido controle do processo, como preconizava o velho tecnicismo inspirado no taylorismo-fordismo, flexibiliza-se o processo, como recomenda o toyotismo. Estamos, pois, diante de um neotecnicismo: o controle decisivo desloca-se do processo para os resultados. É pela avaliação dos resultados que se buscará garantir a eficiência e produtividade. E a avaliação converte-se no papel principal a ser exercido pelo Estado, seja mediatamente, pela criação de agências reguladoras, seja diretamente como vem ocorrendo no caso da educação [...]. Trata-se de avaliar os alunos, as escolas, os professores, e, a partir dos resultados obtidos, condicionar a distribuição de verbas e a alocação dos recursos conforme os critérios de eficiência e produtividade.

O neotecnicismo passa a ser um referencial promovendo a busca pela

“qualidade total” na educação e a incorporação da “pedagogia corporativa”.

Segundo Saviani esse conceito de qualidade total está relacionado à

reconversão produtiva promovida pelo toyotismo ao introduzir a produção em

pequena escala dirigida às necessidades de pequenos grupos específicos de

consumidores dentro do mercado, altamente exigentes, no lugar da produção em

série e em grande escala visando a atender a necessidades do consumo de massa.

Faz-se necessário assinalar novamente que com a projeção, em nível global,

do toyotismo para a condição de método universal de fomento do capitalismo,

19

apareceram tentativas de fazer a transposição do conceito de qualidade total, da

esfera das empresas para dentro das escolas.

Com essa tentativa de transposição, manifestou-se a tendência a considerar

os professores como prestadores de serviço, os alunos como clientes e a educação

como uma espécie de produto que pode ser produzido com variações de qualidade.

O que ocorre porém, segundo a análise de Saviani (2008), é que dentro

desse referencial de qualidade total, o verdadeiro cliente das escolas tornar-se-ia a

empresa ou a sociedade e os alunos, por sua vez, tornar-se-iam uma espécie de

“produto” que os estabelecimentos de ensino forneceriam a seus clientes. É possível inferir que essa transposição leva a uma distorção do caráter da

escola pública como uma instituição do Estado, instituição essa que tem um papel

primordial perante a sociedade no aspecto da formação de cidadãos críticos e que a

ela deve prestar contas.

Saviani (2008), criticando a direção tomada pela política educacional para o

nível superior no Brasil, na década de 90, sob a influência da “pedagogia

corporativa”, chamada de diversificação de modelos, faz considerações que podem

ser também aplicadas ao que ocorreu com as escolas do então Ensino Fundamental

e Médio:

Nesse contexto o educador como tal, é ofuscado, cedendo lugar ao treinador: a educação deixa de ser um trabalho de esclarecimento, de abertura das consciências, para tornar-se doutrinação, convencimento e treinamento para a eficácia dos agentes que atuam no mercado [...] (SAVIANI, 2008, p. 441).

Levando em consideração a discussão retomada do Projeto, pode-se

acrescentar que um dos grandes problemas que o ideário neoliberal trouxe para a

Educação foi querer transplantar tacitamente teorias empresariais para reger

práticas pedagógicas, desconsiderando o caráter de instituições do Estado que os

Estabelecimentos da Rede Pública de Ensino possuem.

Tendo como base o pensamento dos autores analisados, pode-se reafirmar

que se as práticas pedagógicas forem regidas pura e simplesmente por teorias

empresariais, corre-se o risco de considerar os professores e alunos como meros

produtores e consumidores de educação, e de esta, por sua vez, ser tratada como

um produto.

20

Em contraposição, pode-se argumentar que as práticas pedagógicas devem

ser regidas por teorias pedagógicas, de preferência aquelas pensadas por

Educadores familiarizados com a noção de que as Escolas Públicas tem caráter

Institucional e que pertencem ao Estado. Educadores que tenham como objeto de

estudo e pesquisa a estruturação do intelecto do ser humano e a sua capacidade de

aprendizado, suas interações com os outros seres humanos e o meio social, a

elaboração do conhecimento científico (também entendido como elaboração cultural)

e as elaborações artísticas.

Iremos nos deter, agora, na análise de um aspecto singular para

compreendermos a questão levantada no início desse Artigo: qual a visão suscitada

pelas premissas do ideário neoliberal, na década de 90, com relação ao papel dos

recursos tecnológicos ou das chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação

(as TICs) na capacitação profissional dos Professores? Quais os requisitos

pretendidos para esses Profissionais?

Continua-se solicitando ao Professor que ele seja eficiente e produtivo, porém

ele não precisaria mais seguir um planejamento rígido, e os objetivos e as regras

também seriam flexibilizados. E assim como ocorre em outros setores do mercado

de trabalho capitalista, os professores passam a ser compelidos a aperfeiçoarem-se

dentro da lógica do aprender a aprender. É como se, de uma hora para outra, o

professor tivesse se tornado obsoleto, ultrapassado e então, acena-se para ele com

os cursos de reciclagem.

Pode-se inferir que essa foi uma forma de tentar adequar a atividade docente

ao que o mercado capitalista e seus representantes pareciam querer do Professor:

agilidade, leveza, flexibilidade.

A respeito desta pretendida formação docente diz-nos Saviani (2008, p. 449):

O mercado e seus porta-vozes governamentais parecem querer um professor ágil, leve, flexível; que, a partir de uma formação inicial ligeira, de curta duração e a baixo custo, prosseguiria sua qualificação no exercício docente lançando mão da reflexão sobre sua própria prática, apoiado eventualmente por cursos rápidos, ditos também “oficinas”; essas, recorrendo aos meios informáticos, transmitiriam, em doses homeopáticas, as habilidades que o tornariam competente nas pedagogias da “inclusão excludente”, do “aprender a aprender” e da “qualidade total”.

21

Faz-se necessário destacar, portanto, que o preceito das “competências e

habilidades” descrito nos planejamentos das disciplinas, em forma de objetivos a

serem desenvolvidos com os alunos, utilizando-se dos conteúdos como meios para

isso, foi também aplicado à formação dos próprios professores.

O discurso hegemônico das pedagogias com prefixo “neo” acabou por exercer

uma influência razoável sobre uma grande parte dos professores.

É possível, pois, considerar, que com isso, iniciou-se um processo de

tentativa de esvaziamento da função específica da escola, ligada ao domínio e

transmissão do conhecimento científico sistematizado. Os professores começaram a

ser induzidos a procurarem soluções instantâneas para os problemas inerentes ao

campo educacional, “do tipo reflexão sobre a prática, relações prazerosas,

pedagogia do afeto, transversalidade dos conhecimentos” (SAVIANI, 2008, p. 449),

colocando-se o saber científico em segundo plano.

Estabeleceu-se uma “cultura escolar” onde o utilitarismo e o pragmatismo

acabaram por sobrepor-se aquilo que Saviani chama de “trabalho paciente e

demorado de apropriação do patrimônio cultural da humanidade” (SAVIANI, 2008, p.

449).

Há também outro aspecto a considerar: os dirigentes, seguindo a concepção

neoprodutivista, passaram a esperar que o professor exercesse todo um conjunto de

ações com o máximo de produtividade e o mínimo de custo, ou seja, com modestos

salários. Entre essas ações, a participação na gestão da escola, na vida da

comunidade, além de orientar os estudos dos alunos. A alegação era a de que

haviam sido removidos os obstáculos que o regime ditatorial havia colocado às

atividades dos professores, e que, portanto, o êxito da escola e da política

educacional dependeria apenas da iniciativa e dedicação dos mesmos. Na prática,

porém, a própria dinâmica da necessidade de sobrevivência dos professores

acabava por limitar suas ações.

Pode-se aqui, pois, retomar um questionamento pertinente aos objetivos do

Projeto de Intervenção: os cursos de “reciclagem” ofertados aos professores foram

eficazes no sentido de gerar uma dinâmica permanente de diversificação de práticas

pedagógicas, inclusive com a utilização do instrumental tecnológico que começava a

ser inserido em seu cotidiano escolar?

Com relação a esse questionamento, é possível inferir que a “modernização”

de recursos pedagógicos iniciada nos anos 90, ocorridas sob a orientação do ideário

22

neoliberal, não foi eficaz ou adequada para gerar uma dinâmica permanente de

utilização do instrumental tecnológico como recurso para a diversificação das

metodologias e práticas de ensino dos Professores.

Poderíamos, inclusive, tentar discutir os fatores ou motivações que acabaram

por fazer com que os chamados cursos de “reciclagem” não obtivessem êxito no

sentido acima descrito. Poderíamos argumentar que foram impostos de maneira

autoritária. Porém, por outro lado, mesmo que fossem inseridos de forma

democrática no cotidiano da formação continuada dos Professores, isso por si só,

não seria a garantia do êxito desses cursos em gerar uma dinâmica a longo prazo

de diversificação contínua de metodologias. Sem dúvida, essa seria uma proveitosa

discussão, mas os limites desse trabalho nos restringem e não é possível, nesse

momento, estendê-la.

Pode-se inferir também que um dos objetivos dos protagonistas do ideário

neoliberal com relação à Educação era o da otimização da utilização dos recursos

tecnológicos (TIC’s) dentro da perspectiva do conceito anteriormente discutido de

“qualidade total”.

A título de contraposição é importante assinalar que durante a implementação

do Projeto de Intervenção e mais especificamente, durante a socialização da

Unidade Didática entre os Educadores que fizeram parte do Grupo de Estudos,

houve a percepção de que faz-se necessário pois ressignificar não só a idéia de

“modernização” mas também ressignificar o sentido da utilização das tecnologias

(TIC’s) dentro do próprio ambiente escolar, nas práticas pedagógicas. E isso só é

possível na medida em que o uso das mesmas seja efetuado dentro de uma prática

de busca, construção e apropriação crítica do conhecimento, independente do fato

desse conhecimento inserir-se numa lógica utilitarista de produção e consumo.

Faz-se necessário, pois, que a utilização dessas tecnologias proporcione a

possibilidade de que tanto os Educadores quanto os Alunos possam discernir

criticamente sobre os conteúdos veiculados nas diversas mídias. Daí também a

necessidade de proporcionar aos Educadores subsídios e orientações não só no

sentido de que saibam utilizar com êxito o aparato tecnológico dentro do próprio

ambiente de trabalho, mas também para que possam ser capazes de realizar uma

leitura crítica a respeito das diversas formações ideológicas que circulam

subjacentes aos conteúdos midiáticos veiculados por programas televisivos e na

WEB.

23

Nesse sentido, a produção da Unidade Didática intitulada “Uma Análise

Crítica de Conteúdos de Mídia e do Uso de Tecnologias”, empreendida como parte

da implementação do Projeto de Intervenção e sua socialização junto a um Grupo

de Estudos formado por Professores e Educadores, utilizando-se da TV Pendrive,

das salas de aula, do Laboratório de Informática e dos equipamentos disponíveis na

própria Escola foco do Projeto, proporcionou aos seus participantes uma

oportunidade de apropriarem-se de subsídios teóricos e práticos para a busca e

análise crítica de informações e discernimento de formações ideológicas ligadas ao

neoliberalismo que são veiculadas tanto em conteúdos televisivos como na WEB

(Internet).

A implementação da referida Unidade Didática contribuiu para a formação dos

Educadores no sentido de uma ressignificação crítica também da utilização das

tecnologias (TIC’s) dentro do âmbito do ambiente escolar e nas atividades

pedagógicas.

Paralelamente, percebeu-se que não só os Educadores, mas também os

Alunos devem poder dispor, dentro do ambiente escolar institucional, de meios

tecnológicos para o acesso frequente e individualizado às TIC’s, destacando-se a

navegação pela Internet, como meio de pesquisa e acesso ao conhecimento

cientifico.

Neste aspecto, vale destacar, que começou a ocorrer, desde o início deste

Ano Letivo um incremento da utilização do Laboratório de Informática por parte dos

alunos das séries finais do Ensino Fundamental da Escola foco do Projeto,

principalmente para a utilização da WEB como meio de acesso e pesquisa de

conhecimentos culturais e científicos ligados às Disciplinas do Currículo Escolar.

Passaremos agora a tratar de outra questão que foi levantada no início do

texto do Projeto de Intervenção, fazendo algumas considerações referentes a

existência de fatores institucionais passíveis de reorganização ou normatização,

dentro da Escola foco do Projeto, de forma a contribuir para facilitar ou romper

obstáculos para que os Profissionais do Magistério que nela atuam possam

apropriar-se mais efetivamente do conhecimento necessário para uma utilização

mais efetiva do instrumental tecnológico à sua disposição.

Pode-se verificar que, de acordo com as Ações de curto e médio prazo, com

relação aos Recursos Humanos, estabelecidas nas metas para a Gestão 2009-2011

do Plano de Ação da Direção que constam no Projeto Político Pedagógico e

24

Proposta Pedagógica, está enunciado o objetivo da Direção e Equipe Pedagógica de

fomentar a utilização dos recursos tecnológicos por parte dos Professores, conforme

segue especificado abaixo:

Introduzir dispositivos inovadores recomendando a reorganização das estruturas da Escola, através do seu Regimento Interno, de modo a poder tornar mais flexível a atividade das classes e dos professores. [...]. Promover o enriquecimento do processo de ensino/aprendizagem através dos novos recursos pedagógicos e das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) existentes na Escola: TV Pen drive/DVD, Pen Drive, uso do Laboratório de Informática pelos professores na Hora Atividade, acesso a programação da TV Paulo Freire, utilização dos retro projetores, máquina de xerox e digital, esqueleto humano, torso humano, mapas, Laboratório de Ciência, Biblioteca, etc. (ESCOLA ESTADUAL MONSENHOR JOSEMARIA ESCRIVÁ, 2010, p. 38).

Como pode-se constatar, existe, dentro do próprio Plano de Ação da Direção,

a abertura Institucional que permite a promoção de ações no sentido de fomentar o

uso das chamadas Tecnologias de Informação e Comunicação por parte dos

Professores deste Estabelecimento de Ensino.

Pode-se, portanto, traçar estratégias para que haja uma apropriação mais

efetiva, por parte dos Professores, do conhecimento necessário para uma utilização

mais constante desse instrumental tecnológico, de modo que isso possa contribuir

para o fomento de uma dinâmica permanente de diversificação da metodologia e

didática de Ensino na prática cotidiana dos referidos professores.

Levando em consideração o que foi discutido a partir da Revisão Bibliográfica

realizada para a elaboração do Projeto de Intervenção, podemos reafirmar a

necessidade de promover a ressignificação da ideia de “modernização” junto aos

Professores e Educadores, tentando desmistificá-la e valorizando a utilização dos

recursos tecnológicos à disposição no ambiente escolar, procurando também,

romper com os possíveis estereótipos ou visões pré-estabelecidas sobre essa

questão.

Nesse aspecto, há a utilização, como referência, na elaboração do Projeto de

Intervenção, do texto “Ensino e Aprendizagem Inovadores com Tecnologias

Audiovisuais e Telemáticas”, edição de 2010, de José Manuel Moran, no qual, além

de exemplos e propostas de estratégias metodológicas de utilização de Tecnologias

de Informação e Comunicação (TIC’s) em aulas e cursos presenciais, semi-

25

presenciais e à distância, on-line ou off-line, individuais ou em grupos, há também

considerações sobre a importância da ação do Poder Público para a democratização

ao acesso e utilização desse instrumental pelas classes populares.

Segundo Moran:

A educação escolar precisa compreender e incorporar mais as novas linguagens, desvendar os seus códigos, dominar as possibilidades de expressão e as possíveis manipulações. É importante educar para usos democráticos, mais progressistas e participativos das tecnologias, que facilitem a evolução dos indivíduos. O poder público pode propiciar o acesso de todos os alunos às tecnologias de comunicação como uma forma paliativa, mas necessária, de oferecer melhores oportunidades [...] e também para contrabalançar o poder dos grupos empresariais e neutralizar tentativas ou projetos autoritários (MORAN, 2010, p. 36).

É importante assinalar que esse autor reconhece a necessidade da

intervenção do Poder Público como elemento mediador e democratizante quanto ao

acesso por parte das classes populares ao instrumental tecnológico utilizável

atualmente na área educacional, que de outra maneira, poderiam não ter a

possibilidade de aprendizado através do referido instrumental.

Decorre daí, entre outras urgências, a necessidade de uma proposta de

formação continuada por parte do Poder Público que proporcione aos Professores

uma ressignificação do sentido da utilização das tecnologias (TIC’s) dentro do

ambiente escolar, nas atividades pedagógicas. E isso só é possível na medida em

que o uso das mesmas seja efetuado dentro de uma prática de construção crítica do

conhecimento.

Para Moran, além da própria instrumentalização do espaço institucional

escolar, tanto professores quanto alunos precisam ter facilitada a aquisição de seus

próprios computadores através de financiamentos públicos ou privados, com juros

baixos e também o apoio de organizações sociais e não governamentais.

Nesse aspecto, é importante salientar o papel do Estado como principal

provedor institucional das Escolas Públicas e também como instância capaz de

promover políticas que tenham como objetivo diminuir a desigualdade de chances

entre os que podem e os que não podem pagar por tecnologia, pois hoje, um

sistema de ensino, público ou privado, que se pretenda pelo menos razoável,

precisa dispor de acesso rápido, contínuo e abrangente às TIC’s.

Nas palavras de Moran (2010, p. 51):

26

A sociedade precisa ter como projeto político a procura de formas de diminuir a distância que separa os que podem e os que não podem pagar pelo acesso à informação. As escolas públicas e as comunidades carentes precisam ter esse acesso garantido para não ficarem condenadas à segregação definitiva, ao analfabetismo tecnológico, ao ensino de quinta classe.

Deve-se aqui também, reafirmar a importância do Estado como instância, em

uma sociedade democrática, que tem o papel de protagonizar políticas públicas de

diminuição das desigualdades sociais, sendo que uma das formas de contribuir para

a diminuição dessas desigualdades é possibilitando o acesso às TIC’s, por parte de

professores e alunos, dentro da rede de Escolas Públicas.

Faz-se necessário também, uma observação quanto ao uso dessas

tecnologias dentro das Escolas, na relação pedagógica entre professores e alunos:

por um lado não podemos esperar que o simples uso das TIC’s por parte dos

professores vá por si só resolver os problemas educacionais que enfrentamos

atualmente, mas por outro lado, faz-se necessário que os professores saibam utilizar

essas tecnologias a seu favor e em benefício da relação pedagógica com os

educandos.

Neste aspecto, destaca-se a análise de Moran, quanto às ações dos

professores no uso dessas tecnologias:

Faremos com as tecnologias mais avançadas o mesmo que fazemos conosco, com os outros, com a vida. Se somos pessoas abertas, iremos utilizá-las para nos comunicarmos mais, para interagirmos melhor. Se somos pessoas fechadas, desconfiadas, utilizaremos as tecnologias de forma defensiva, superficial. Se somos pessoas autoritárias, utilizaremos as tecnologias para controlar, para aumentar o nosso poder. O poder de interação não está fundamentalmente nas tecnologias, mas nas nossas mentes (MORAN, 2010, p. 63).

Deve-se, pois, ressaltar, que a utilização das TIC’s por parte dos professores

precisa ser promovida e organizada dentro das escolas públicas através de ações

dos Gestores e Equipes Pedagógicas; tais ações, por sua vez, precisam ter como

referência e apoio políticas públicas para a Educação empreendidas pelo Estado,

políticas essas, que tragam em sua concepção o entendimento de que a

instrumentalização tecnológica das escolas públicas é uma das possíveis formas de

27

diminuição das desigualdades de chances entre os que podem e os que não podem

pagar pelo acesso a essas tecnologias.

3 Estratégias de Ação

Como estratégia de ação para a Implementação do Projeto de Intervenção

houve a produção de uma Unidade Didática denominada “Uma Análise Crítica de

Conteúdos de Mídia e do Uso de Tecnologias”, que foi posteriormente socializada

junto a um Grupo de Estudos formado por Professores e Educadores, contendo

textos de fundamentação que forneceram subsídios para uma visão crítica do

contexto social atual da chamada modernidade e seu aparato tecnológico, incluindo

a análise de aspectos do ideário neoliberal que passaram a permear as condutas

individuais dentro de nossa sociedade e que disseminam-se através da mídia;

procurou-se, também, desmistificar e valorizar a utilização dos recursos tecnológicos

como meios de acesso a fontes confiáveis de conhecimento científico/cultural e

romper com possíveis estereótipos ou visões pré-estabelecidas sobre essa questão.

Com esse intuito foram utilizados mais autores como referencial de apoio para

a elaboração da referida Unidade Didática, dentre eles: Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl (2004, Videologias: ensaios sobre televisão), Giovanni Alves (2011, Trabalho

e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório), Joel Birman (2010, A predação e o mal na contemporaneidade) e novamente José Manuel Moran (2004, Os novos espaços de atuação do educador com as

tecnologias).

Efetuou-se também a análise e discussão, junto ao Grupo de Estudos, de

trechos de filmes, com o objetivo de subsidiar as discussões sobre paradigmas de

modernidade e como sugestão de prática pedagógica, incluindo para esse fim, uma

atividade de estruturação de um Plano de Aula, tendo esses filmes como referencial

de análise.

A referida Unidade Didática contém também orientações que permitem o

aprofundamento no sentido do discernimento e acesso de fontes confiáveis de

informações e conhecimento científico disponibilizadas na WEB.

Para isso, a Unidade Didática teve, como uma de suas referências, o Portal Institucional Dia a Dia Educação, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

28

Foram também apontadas, na referida Unidade Didática, algumas possíveis

medidas a serem tomadas, em nível institucional e organizacional, dentro do próprio

Estabelecimento de Ensino foco do Projeto, visando a diversificação das estratégias

didáticas e metodológicas por parte dos Professores, tendo como foco a utilização

das TIC’s.

Outra atividade realizada envolvendo os participantes do Grupo de Estudos,

foi a estruturação do Blog da Escola Monsenhor Josemaria Escrivá.

Mais especificamente como metodologia de trabalho para a Implementação

do Projeto de Intervenção e a socialização da Produção Didático Pedagógica, pode-

se relatar a formação do já mencionado Grupo de Estudos com Professores e

Educadores e a realização de um Curso de Extensão/Atualização intitulado “Uma Análise Crítica dos Conteúdos de Mídia e do Uso de Tecnologias” com a

realização de 24 horas de atividades, sendo 12 teóricas e 12 práticas, organizadas

em 06 Encontros e efetuadas da seguinte maneira:

Local dos Encontros: Escola Estadual Monsenhor Josemaria Escrivá- Ensino Fundamental. Londrina-PR. Cronograma dos Encontros: 1º Encontro – 3º Período - Ação: Estudo e Análise de Texto: Apresentação / A Mídia como instrumento de manipulação ideológica / A “ética” dos reality shows. 2º Encontro – 3º Período - Ação: Análise, discussão e atividades com trechos de Filmes: abordagem de ideias de Modernidade. 3º Encontro – 3º Período - Ação: Estudo e análise de Texto: O Paradigma Toyotista / Mídia e Massificação / O papel da Escola Pública perante as Tecnologias. 4º Encontro – 3º Período - Ação: Orientações para Navegação na WEB e utilização de arquivos na TV Pendrive – Noções de Direitos Autorais. 5º Encontro – 3º Período - Ação: Orientações e atividades com a utilização de Portais Institucionais para a busca de Conhecimento Científico. Destaque para o Portal Dia a Dia Educação-SEED (PR). 6º Encontro – 3º Período - Ação: Discussão e estruturação do Blog da Escola Estadual Monsenhor Josemaria Escrivá- Ens.Fund.

Também, como atividades de Implementação foram e continuam sendo

realizadas ações de assessoramento de Professores e Alunos no Laboratório de

Informática –PRD.

Em relação às discussões ocorridas no Grupo de Trabalho em Rede (GTR),

formado como atividade obrigatória prevista no PDE, foi possível perceber, de

maneira geral, que a discussão do Projeto de Intervenção e da Unidade Didática

despertou interesse na grande maioria dos participantes, porém com graus e níveis

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distintos de entendimento e participação, dependendo da área de conhecimento do

Professor participante e de sua formação acadêmica.

4 Conclusão

A elaboração do Projeto de Intervenção, da Unidade Didático Pedagógica e a

Implementação do mesmo, permitiu-nos fazer algumas observações e inferências.

Entre as quais é pertinente destacar que não se deve pensar a utilização das TIC’s

no campo da Educação da mesma forma que são pensados os recursos

tecnológicos em uma indústria privada, gerenciada sob os princípios do toyotismo,

pois a Escola Pública é uma instituição do Estado e tem uma função social e não o

simples objetivo de treinamento de mão-de-obra para o mercado de trabalho ou

tampouco a produção de conhecimento para que o mesmo se transforme em

“mercadoria” para ser vendido a uma “clientela”.

A formação tecnológica dos Educadores tem um caráter específico: os

Profissionais da Educação são pensadores e formadores de opinião. Daí a

necessidade de que essa formação caracterize-se não só por um treinamento, mas

também, como aprofundamento crítico sobre a própria utilização da Tecnologia no

ambiente Educacional, tendo como premissa que o instrumental tecnológico não

deve substituir a função e importância do Educador na relação ensino-aprendizagem

com o Aluno.

A utilização crítica das TIC’s também pode ser realizada através da busca e

organização sistemática do conhecimento, com discernimento sobre as formações

ideológicas e as intenções de caráter manipulatório que perpassam os conteúdos

midiáticos veiculados tanto pelas redes televisivas quanto na WEB (Internet).

REFERÊNCIAS

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