políticas públicas e mercado das artes visuais: o programa brasil

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POLÍTICAS PÚBLICAS E MERCADO DAS ARTES VISUAIS: O PROGRAMA BRASIL ARTE CONTEMPORÂNEA E SEUS DESDOBRAMENTOS. Mariana Queiroz Fernandes 1 RESUMO: O Programa Brasil Arte Contemporânea (BAC) foi uma política pública implementada pelo Ministério da Cultura (MinC) em 2007 com o objetivo de estabelecer instrumentos para a internacionalização da arte contemporânea brasileira e, pontualmente em 2008, promover a participação das galerias brasileiras na 27ª Feira Internacional de Arte Contemporânea de Madri, chamada Arco’08. Investigarei como o MinC durante o governo do PT, autor de políticas públicas de clara e decidida opção por ações que contemplem os segmentos sociais desfavorecidos (as classes populares, as minorias étnicas etc.), se dispôs a patrocinar espaços comerciais que beneficiam quase exclusivamente, comerciantes de arte que servem clientelas economicamente ricas. PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas; Internacionalização; Mercado de Arte. A FEIRA DE MADRID Simultaneamente ao Ano Ibero-Americano de Museus, o Brasil foi convidado para ser o país homenageado na 27ª Feira Internacional de Arte Contemporânea de Madrid, Arco’08. A feira aconteceu entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 2008 e foram representadas, ao todo, 257 galerias de 34 países, sendo 32 galerias brasileiras 2 . A feira foi organizada pela Instituição de Feiras de Madrid (Ifema), instituição ligada ao governo espanhol, responsável também por organizar feiras e salões relacionados a diversos setores da economia, de carros a calçados. O Ministério da Cultura propôs uma ação semelhante ao Ano da França no Brasil, criando um grupo de trabalho com a missão de definir como seria a participação 1 Universidade de São Paulo Escola de Artes, Ciências e Humanidades, [email protected], mestranda em Estudos Culturais. 2 Esse é um número recorde de participação de galerias nacionais em uma feira de arte contemporânea internacional. Até então a maior quantidade de galerias brasileiras em uma feira foi em 2002, na Arco, onde participaram nove galerias (Fortes Vilaça, Luisa Strina, Casa Triângulo, Brito Cimino, Gabinete Raquel Arnud, Milan, Thomas Chon, Marilia Razuk e Valu Oria). (Fialho, 2005, p. 327)

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Page 1: políticas públicas e mercado das artes visuais: o programa brasil

POLÍTICAS PÚBLICAS E MERCADO DAS ARTES VISUAIS: O

PROGRAMA BRASIL ARTE CONTEMPORÂNEA E SEUS

DESDOBRAMENTOS.

Mariana Queiroz Fernandes1

RESUMO: O Programa Brasil Arte Contemporânea (BAC) foi uma política pública implementada pelo Ministério da Cultura (MinC) em 2007 com o objetivo de estabelecer instrumentos para a internacionalização da arte contemporânea brasileira e, pontualmente em 2008, promover a participação das galerias brasileiras na 27ª Feira Internacional de Arte Contemporânea de Madri, chamada Arco’08. Investigarei como o MinC durante o governo do PT, autor de políticas públicas de clara e decidida opção por ações que contemplem os segmentos sociais desfavorecidos (as classes populares, as minorias étnicas etc.), se dispôs a patrocinar espaços comerciais que beneficiam quase exclusivamente, comerciantes de arte que servem clientelas economicamente ricas. PALAVRAS-CHAVE : Políticas Públicas; Internacionalização; Mercado de Arte. A FEIRA DE MADRID

Simultaneamente ao Ano Ibero-Americano de Museus, o Brasil foi convidado

para ser o país homenageado na 27ª Feira Internacional de Arte Contemporânea de

Madrid, Arco’08. A feira aconteceu entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 2008 e foram

representadas, ao todo, 257 galerias de 34 países, sendo 32 galerias brasileiras2. A

feira foi organizada pela Instituição de Feiras de Madrid (Ifema), instituição ligada ao

governo espanhol, responsável também por organizar feiras e salões relacionados a

diversos setores da economia, de carros a calçados.

O Ministério da Cultura propôs uma ação semelhante ao Ano da França no

Brasil, criando um grupo de trabalho com a missão de definir como seria a participação

1 Universidade de São Paulo – Escola de Artes, Ciências e Humanidades, [email protected], mestranda em Estudos Culturais. 2 Esse é um número recorde de participação de galerias nacionais em uma feira de arte contemporânea internacional. Até então a maior quantidade de galerias brasileiras em uma feira foi em 2002, na Arco, onde participaram nove galerias (Fortes Vilaça, Luisa Strina, Casa Triângulo, Brito Cimino, Gabinete Raquel Arnud, Milan, Thomas Chon, Marilia Razuk e Valu Oria). (Fialho, 2005, p. 327)

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brasileira no evento. Em parceria com a Fundação Bienal de São Paulo (FBSP) e a

Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o MinC

disponibilizou 2,6 milhões de reais para organizar um plano de ação onde foram

custeados os gastos parciais dos stands das galerias selecionadas, além das ações

de comunicação, assessoria de imprensa e confecção de material promocional3.

Para seleção das galerias, foram convidados dois curadores: Moacir dos Anjos4

e Paulo Sérgio Duarte5. Paulo Sérgio Duarte contou à revista Bravo! como foi o critério

de seleção da curadoria:

(...) em primeiro lugar, a seleção dos artistas de uma lista inicial que passava dos 200. Escolheram 102 nomes que ambos consideraram os mais representativos do panorama da arte contemporânea no Brasil, cobrindo todas as tendências e regiões. A partir dessa definição, buscaram as galerias que os representavam para vir à feira. (Mesquita, 2008).

Durante e após a feira, houve na imprensa várias divergências sobre o tipo de

impacto que essa visibilidade poderia gerar para a valorização da arte brasileira no

mercado internacional. O ex-ministro Gilberto Gil, na abertura da Arco’08, quando

perguntado sobre o ministério ter investido dinheiro em uma feira comercial, que,

afinal, iria reverter lucro principalmente para as galerias, ele respondeu que "as feiras

existem para aproximar a criação do mercado" e que é papel do MinC "fazer as

mediações" entre a cultura e o eixo econômico (Molina, 2008).

Já a galerista Raquel Arnoud, que também recebeu incentivos do BAC para

participar na Arco e da ArtBasel, em depoimento à revista Istoé em 20 de fevereiro de

2008 declarou:

Não será mais uma homenagem que irá provocar o descobrimento do Brasil. A arte nacional já foi descoberta nos anos 1960. Waltercio Caldas foi convidado para o Pavilhão Itália da Bienal de Veneza, Iole de Freitas para a Documenta e Carmela Gross para o El Matadero, em Madri, todos por méritos próprios e não por delimitações geográficas. (Alzugaray, 2008)

3 (Molina, 2008) 4 Moacir dos Anjos foi diretor geral do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam) de Recife, entre 2001 e 2006, e membro da equipe de coordenação curatorial do programa Itaú Cultural Artes Visuais, de 2001 a 2003. Em 2005, foi cocurador da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, junto com Paulo Sério Duarte e curador da bienal Panorama da Arte Brasileira, do Museu de Arte Moderna de São Paulo. É autor de Local/Global: arte em trânsito (2005). Desde 1989, atua como pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, órgão vinculado ao Ministério da Educação brasileiro. 5 Crítico de arte e professor (EAV/Parque Lage e Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro). Projetou e implantou o programa Espaço Arte Brasileira Contemporânea – Espaço ABC (Funarte, 1980-1982). Foi Diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas (Funarte, 1981-1983), Assessor-Chefe do RioArte (1983-1985) e primeiro diretor geral do Paço Imperial, de 1986 a 1990. Também trabalhou com Moacir do Anjos como curador geral da 5ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, 2005).

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No ano de 2009, sem os incentivos ficais do MinC e com a crise financeira na

Europa, o Brasil participou com 13 galerias6 e em 2011 apenas 6 galerias estiveram

presentes7.

O PROGRAMA BRASIL ARTE CONTEMPORÂNEA

As ações para participação do Brasil na Arco’08 integraram um programa

maior, o Programa Brasil Arte Contemporânea (BAC), que foi oficializado em 2009 no

Diário Oficial da União, pelo então ministro da Cultura Juca Ferreira (Brasil, 2009, p.3),

mas, o projeto e suas parcerias haviam se iniciado em dezembro de 2006, na gestão

anterior do ministro Gilberto Gil. Dentro do BAC há o Programa Setorial Integrado de

Promoção às Exportações da Arte Contemporânea Brasileira, que tem como um de

seus objetivos a participação em feiras de arte internacionais. Dentre as diretrizes do

programa para a internacionalização das artes visuais brasileiras estão: crescimento

do volume de negócios; ampliação do conhecimento do cenário artístico brasileiro e

aumento da visibilidade das galerias e dos artistas de todo o Brasil8.

Após o evento, o BAC passou a ser gerido e financiado pela ApexBrasil que

incorporou o programa ao projeto setorial de Economia Criativa9. A ApexBrasil faz

parte de uma política pública do Ministério do Desenvolvimento, Industria e Comércio

Exterior (MDIC), criada com o intuito de unir forças entre o empresariado de vários

setores da economia brasileira para suprir a carência de cooperativismo e fortalecer –

ou em alguns casos criar - associações para diversos setores da economia.

6 GIOIA, Mario: “Brasileiros veem feira da Arco 2009 como vitrine” reportagem do jornal Folha de São Paulo do dia 11/02/2009. Participaram da ARCO’09 a Galeria Leme, Dan, Nara Roesler, Vermelho, Raquel Arnaud, Novembro e Gentil Carioca. Outras galerias tradicionais participantes da Arco, como as paulistanas Casa Triângulo e Baró Cruz, ficaram ausentes dessa edição. 7 http://www.ifema.es/ferias/arco/default2.html (última visualização 21/08/2012) 8 “Ampliar o volume de negócios gerados pela exportação de artes visuais brasileiras.Possibilitar a ampliação do conhecimento do cenário artístico brasileiro por parte dos colecionadores, críticos, curadores e formadores de opinião internacionais. Aumentar a visibilidade direta e indireta das galerias e dos artistas de todo o Brasil, como interesse e em condições de internacionalizar suas obras e seus artistas, apresentado em alguns mercados alvo a diversificada oferta do setor de artes plásticas brasileira.” Texto sobre o Programa Setorial Integrado de Promoção às Exportações da Arte Contemporânea Brasileira. (Fundação..., 2012). 9 “Projeto Setorial Integrado para Promoção das Artes Contemporâneas Brasileiras. Entidade parceira: Abact – Associação Brasileira de Arte Contemporânea. Objetivo: Ser o líder da América Latina em visibilidade e exportações de obras de arte contemporânea, ampliando nossa participação no mercado internacional com ações de impacto, principalmente nos países formadores de opinião. Público-alvo: galerias de arte brasileiras.” Disponível site da ApexBrasil http://www2.apexbrasil.com.br/exportar-produtos-brasileiros/como-podemos-ajudar/promocao-de-negocios-e-imagem?acordeon=promocao-comercial (Acesso em 05 maio 2013).

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Criada em 21 novembro de 1997 pelo Decreto Presidencial nº 2.39810, a

ApexBrasil funcionou como uma agência subordinada ao conselho deliberativo do

Serviço Brasileiro de Apoio às Micro Empresas (Sebrae), até o decreto ser revogado

em 2003, quando ela se tornou um Serviço Social Autônomo11. Hoje a ApexBrasil é

integrante do Sistema S12 expressão utilizada para identificar o conjunto de entidades

paraestatais. Seus recursos ficam alocados no orçamento do Sebrae e são

repassados na proporção de 12,25% (Brasil, 2004). Os recursos do Sebrae são

oriundos de uma contribuição parafiscal compulsória de 1,5 % presente na folha de

pagamento dos trabalhadores do comércio, serviço e indústria. Com os recursos

financeiros disponibilizados pela ApexBrasil as associações conveniadas montam um

projeto setorial bianual, composto por um calendário de atividades que visa promover

o respectivo segmento no mercado internacional, no caso do BAC, o setor da

Economia Criativa.

Em um artigo intitulado “Public goods and private status” (“Bens públicos e

status privado”, tradução nossa), Monsen & Downs (1971) enfrentaram a questão de

saber por que a sociedade americana era “rica na vida privada, mas pobre em

serviços públicos”. Em seu artigo, eles fizeram uma distinção entre dois modos de

fornecimento de bens e serviços, que resultam em produtos diferentes: um é público e

coletivo, administrado pelas autoridades estatais; o outro é privado e individual,

mediado pelos mercados.

Comparada aos modos mais tradicionais de integração social, a socialização

por meio das escolhas do consumidor parece mais voluntária, resultando em laços

sociais e identidades menos restritivas, mais “livres de obrigações” e mais superficiais.

10 “Decreto nº 2.398, de 21 de novembro de 1997, foi revogado no dia 6 de fevereiro de 200310, quando passou a ser denominada. Dispõe sobre a criação, no âmbito do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE, da Agência de Promoção de Exportações – APEX” (Brasil, 1997). 11 “Serviço Social Autônomo: são entes instituídos por lei, com personalidade jurídica de direito privado, com a finalidade de ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, mantidos por contribuições parafiscais compulsórias incidentes sobre o montante da remuneração paga aos empregados dos estabelecimentos comerciais, industriais, de transportes rodoviários, etc. Os Serviços Sociais Autônomos, como entes de cooperação, do gênero paraestatal, vicejam ao lado do Estado e sob seu amparo, mas sem subordinação hierárquica a qualquer autoridade pública, ficando apenas vinculados aos órgãos estatais relacionados com suas atividades, para fins de controle finalístico e prestação de contas dos dinheiros públicos recebidos para sua manutenção” (CGU, 2009). 12 “Sistema ‘S’ é atualmente constituído pelas seguintes instituições:Serviço Social da Indústria – SESI;Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) ;Serviço Social do Comércio(Sesc) ;Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) ;Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – SENAR;Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) ;Serviço Social do Transporte (Sest) ;Serviço Social do Cooperativismo (Sescoop);Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) ; Agência de Promoção de Exportações (ApexBrasil);Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI)” (CGU, 2009).

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Assim, a socialização pelo consumo é monológica e não dialógica, voluntária e não

obrigatória, individual e não coletiva. Como argumenta o sociólogo Wolfgang Streeck,

a criação de uma variedade de produtos para serem substituídos conforme a “moda”,

visava salvar o capitalismo da estagnação e da saturação dos mercados nos anos 70.

Isso afetou profundamente as relações entre o fornecimento de bens pelo Estado e o

fornecimento de bens pelo mercado:

O movimento dos mercados de um objetivo de satisfação das necessidades para o objetivo de atendimento dos desejos se estendeu muito além dos automóveis. Outras indústrias que se expandiram depois do fim do fordismo incluíam as de bens de luxo – de perfumes e relógios da moda –, todas seguindo o mesmo padrão de diferenciação crescente e rotatividade acelerada dos produtos (...) Nos anos 80, a produção de vinho seguiu o exemplo da indústria automobilística quase passo a passo, quando os vinicultores abandonaram a prática de elaborar misturas genéricas com diversas uvas de vários locais e voltaram a produzir uma gama de produtos diferentes, cada um com seu caráter individual e sua origem identificável. (Streeck, 2012)

A esse novo setor da economia, responsável em atender e criar “desejos”

chamou-se de Indústria ou Economia Criativa, mas as definições não são

consensuais. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura Unesco trabalha com o conceito de indústria cultural a Conferência das

Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) começou tratando do

tema como indústrias criativas e atualmente o aborda como Economia Criativa.

A temática das Indústrias Criativas surgiu, a rigor, na Austrália, em 1994, a

partir do desenvolvimento do conceito de Creative Nation, idéia-base de uma política

voltada para a requalificação do papel do Estado no desenvolvimento cultural do país.

O conceito alcançou rapidamente o Reino Unido onde, em 1997, o New Labour, ou

seja, o novo Partido Trabalhista Inglês, ao relatório UK’s Creative Economy (A

Economia Criativa do Reino unido), publicado pela Secretaria de Cultura britânica em

1997. Elaborada nos primeiros anos do recém-eleito governo Tony Blairno seu

manifesto pré-eleitoral, identificou as indústrias criativas como um setor particular da

economia e reconheceu a necessidade de políticas públicas específicas que

estimulassem seu crescimento. No caso brasileiro segue a seguinte definição do

MinC:

(...) os setores criativos são aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social. (Ministério da Cultura, 2012)

Grosso modo, o setor engloba a moda, o design, a gastronomia, a publicidade,

a arquitetura, os mercados de arte e antiguidades, o artesanato, o filme e vídeo, os

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softwares interativos de lazer, a música, as artes performáticas, as publicações, a

televisão e o rádio. Pesquisas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam

em 2011 uma participação de 7% de bens e serviços culturais no PIB mundial, com

crescimento anual previsto em torno de 10% a 20%. No Brasil, o crescimento médio

anual dos setores criativos (6,13%) foi superior ao aumento médio do PIB nacional

(cerca de 4,3%) nos últimos anos.

“A economia criativa é o espaço de re-encontro entre a lógica da necessidade da economia e da liberdade típica da criatividade cultural. Sua dinamização na forma de política pública permite reinventar funções políticas e simbólicas do estado. Dessa forma, comércio e intercâmbios, embora realizados nos mercados e por agentes culturais autônomos, deveriam, por princípio e também por necessidade política, se submeterem à lógica do bem público e dos processos democráticos da concentração e de accountability. Interesses particulares ganham espaço na dimensão pública da política nos quadros de valorização, reconhecimentos da diversidade cultural e de sua associação com o desenvolvimento integral.” (Frederico Barbosa, 2013, p. 110-111)

De acordo com Miguez (2012) no Brasil, o debate sobre a temática das

indústrias criativas chegou muito recentemente, aportado por conta do Ministério da

Cultura. Sua chegada tem como marco a realização em São Paulo, em junho de 2004,

da XI Conferência Ministerial da UNCTAD. No entanto em 2002, a ApexBrasil, já havia

firmado um acordo com a associação Brasil Música & Artes (BM & A), criando o

Música do Brasil, Projeto Setorial Integrado de Exportação da Música do Brasil.

O Estado, durante o governo do PT, com políticas públicas culturais com uma

clara e decidida opção de contemplar prioritariamente os segmentos sociais

desfavorecidos através do programa Cultura Viva, os Pontos de Cultura, a criação do

Sistema Nacional de Cultura (SNC) programas implantados com ou intuito de diminuir

as desigualdades de incentivo à Cultura entre os Estados. Como explica Ortellado

(2012):

“O direito autoral, na sua dimensão patrimonial, é o direito de uso exclusivo de uma obra pelo criador. Esse direito, originalmente do autor, é normalmente cedido a um intermediário que dispões de capital para exploração comercial da obra. É assim que a lei de direito autoral que regula, em última instância, os contratos que repartirão entre criadores e intermediários os recursos que advém da exploração da obra” (Ortellado, 2012, p.129)

No entanto a criação do BAC vai à direção contrária a essa política de

distribuição dos equipamentos culturais, visto que os maiores beneficiados são as

galerias, representantes de uma elite financeira do país, que não depende desses

recursos para promoverem seus negócios e ainda que funcionam como intermediários

dos artistas. Hoje o setor de Economia Criativa da ApexBrasil apoia nove projetos de

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promoção a exportação13, todos conveniados com associações de empresários dos

setores responsáveis pela distribuição dos bens culturais.

O MERCADO DE ARTES VISUAIS BRASILEIRO

O primeiro salão de artes plásticas no Brasil data de 1829 e foi realizado pela

Academia Imperial de Belas Artes. Nele, fez-se surgir os primeiros negócios para a

venda de quadros e antiguidades. Como escreve o pesquisador Tadeu Chiarelli:

O circuito artístico brasileiro foi se constituindo de maneira singular, tendo de um lado a Academia, o Estado e um pequeno setor da burguesia (...); do outro, artistas de origem predominantemente popular, mais artesãos que artistas eruditos (...) (Chiarelli, 1999, p.14).

Ao mesmo tempo em que os pensionistas da Academia Imperial de Belas Artes

afinavam-se em técnicas e nos assuntos característicos do neoclassicismo, a corte do

Rio de Janeiro recebia bom número de pintores europeus atraídos pela prosperidade

da economia do café e por seus desdobramentos ao nível da formação da classe

dirigente.

Entre a segunda metade do século XIX, devido ao ritmo de acumulação da

economia cafeeira, houve uma mudança notável de hábitos de consumo na classe alta

proprietária brasileira. Abriu-se um grande mercado de retratos e decorações murais a

ser explorado pelos artistas nacionais e estrangeiros.Em 1870, no Rio de Janeiro, já

existiam alguns estabelecimentos comerciais que vendiam quadros, gravuras e

estampas. Existiam também algumas “galerias” ativas como a Galeria Vieitas, a

Moncada e (La) Glace Élégante14. Lojas, ateliês fotográficos, antiquários, livrarias e

charutarias eram pontos que os pintores dispunham para exibir e tentar vender no Rio

de Janeiro e em São Paulo, até aproximadamente os anos 1940.

Após a segunda Guerra houve um significativo crescimento do mercado de arte

nacional que, sem as importações de arte europeia, precisou se profissionalizar.

Durante a guerra, o Brasil recebeu a ajuda para efetuar essa profissionalização de um

contingente de imigrantes já habituados ao seu consolidado mercado europeu. Como

declarou Maria Lucia Bueno:

13 Projeto Setorial de Promoção das Exportações de Instrumentos Musicais e Equipamentos de Áudio do Brasil; das Artes Contemporâneas Brasileiras de Exportação da Indústria Brasileira de Audiovisual; de Conteúdo Editorial; Indústria Brasileira de Audiovisual - Cinema; Serviços de Design Brasileiro; Obras Audiovisuais; Franquias Brasileiras no Exterior e da Música do Brasil. 14 “A Galeria Vieitas é na verdade um estabelecimento de importação e exportação de artigos manufaturados (...). Entre 1886 e 1887 havia duas outras galerias de pintura a Clément e a De Wild, além do atelier fotográfico Insley Pacheco, onde também se expunham e vendiam quadros.” (Durand,1989, p.45).

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A maior parte dos galeristas e dos colecionadores de arte moderna no País, entre 1947 e o final da década de 1960, eram estrangeiros que aqui se fixaram por causa da guerra. Desempenharam um papel fundamental na construção dos fundamentos de uma cultura artística modernizada não só nas artes plásticas, mas também no teatro, no cinema, na televisão (Bueno, 2005, p.382).

Nos anos 1950, várias iniciativas políticas e econômicas estimularam o

desenvolvimento do país e, consequentemente, do mercado de arte. Naquele

momento, São Paulo vivia um período de ebulição econômica e cultural. Surgiram as

primeiras iniciativas institucionais direcionadas para a arte moderna, como a criação

do Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1947, do Museu de Arte Moderna de São

Paulo (1948) e da 1ª Bienal de São Paulo (1951), que integraram a cidade na

vanguarda da produção artística mundial e ampliaram o campo das galerias.

Nesse período as artes plásticas não alcançaram uma autonomia no mercado

e eram comercializadas como elemento decorativo, em lugares que misturavam lojas

de móveis modernos com galeria de arte. Os espaços de exposições comerciais,

centrados na produção moderna, em São Paulo e no Rio de Janeiro, eram de caráter

alternativo e foram fundados, em sua maioria por arquitetos, designers ou europeus

que se fixaram no país no Pós-Guerra.

Entre 1959 e 1964 organizou-se no eixo Rio-São Paulo um mercado de

galerias de arte moderna apoiado em bases mais profissionais, mas ainda restrito.

Giovanna Bonino, fundadora junto ao marido da galeria Bonino (1960-1980) uma das

primeiras galeristas a trabalhar exclusivamente com obras de arte, declara:

Não havia mercado. Havia pessoas que compravam, os mecenas, que compravam diretamente do artista. O quadro não tinha um endereço certo. Havia algumas galerias, mas não exclusivas (...). Tanto que, no começo, as pessoas que não conheciam bem diziam: “Mas vai vender só quadros, só esculturas, como é que vai viver? (Bueno, 2005, p.393)15

Em 1969, mesmo com o Ato Institucional nº 5 (AI-5) provocando o fim das

liberdades democráticas do país, o chamado “milagre econômico” e a regulamentação

do mercado de capitais, na gestão do ministro Delfim Netto16 incentivou o

15 Trecho retirado de entrevista do arquivo pessoal de Maria Amélia Bulhões Garcia. 16 “O sistema de distribuição do mercado passou, a partir da Lei nº. 4728, a ser exercido pelas Bolsas de Valores, pelas Sociedades Corretoras, pelas Sociedades Distribuidoras e pelos Bancos de Investimentos. (...) Este segundo objetivo, ao longo dos anos de vigência do DL 157, teve pouco êxito. A maior parte das críticas que hoje se fazem ao DL 157 refere-se ao fato de não ter criado o hábito de aplicações em ações, dado que as pessoas vêem no DL 157 apenas uma concessão do Estado, sem qualquer preocupação quanto à rentabilidade da aplicação" (Luna, 1981, p.6).

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financiamento oferecido pelos bancos17, fazendo da obra de arte em uma boa opção

de investimento. Como escreve Walter Zanini:

Os anos 60, e sobretudo 70, assinalaram-se pela proliferação das galerias de arte, quase sempre profissionalmente despreparadas, campeando geralmente no meio os exclusivos interesses financeiros. O mercado criou condições artificiais de valor/preço para as obras de alguns artistas mais conhecidos. Instituíram-se leilões que contribuíram, ainda mais, para a amarelização do produto artístico, transformado na época em seguro investimento de capital (Zanini, 1983, p.732).

Em um levantamento das galerias de arte de São Paulo, feito em 1977,

constatou-se que num total de 46 estabelecimentos, 2 haviam sido fundados nos anos

1950, 10 nos anos 1960 e os demais 34 nos anos 1970 (Durand, 1990, p.111). Até

esse momento o mercado de arte no Brasil era direcionado principalmente para o

mercado interno e se consolidou usando a produção contemporânea como fachada,

mas realizando-se comercialmente através da venda dos grandes nomes do

modernismo brasileiro. Como declarou o ex-galerista Ralf Camargo, um dos primeiros

a vender arte contemporânea:

A Lygia Clark e o Hélio Oiticica são hoje grandes valores econômicos, mas, naquela época, eles só representavam despesas. Pagava-se tudo e ainda comprava-se boa parte das obras expostas. Eu tive um trauma e não queria mais ver aquilo pela frente. Eu paguei o preço por vir antes de todo mundo (Fioravante, 2001).18

Fundadas principalmente no eixo Rio-São Paulo as galerias evoluíram em

torno de uma arte local e de uma clientela também local. Como reconta Ana Letícia

Fialho:

Há uma anedota contada por Luisa Strina a Michel Nurydsany que ilustra bem esse fato: nos anos de 1970, um marchand francês chegado ao Brasil com várias obras de Picasso, Chagalls, entre outras, tinha também um Portinari, comprado por 3 mil dóllares. E o único quadro que ele chegou a vender, foi o Portinari por 100 mil dóllares. Me parece que o marchand partiu e nunca mais voltou (Fialho, 2006, p.331, tradução nossa).

A partir dos anos 1990, as galerias de arte contemporânea começaram a

investir mais intensamente na difusão internacional de seus artistas. Das galerias

atuantes até 2012, e que hoje participaram de feiras internacionais, três foram

17 Isso motivou um novo desenvolvimento do mercado, mas também provocou o maior escândalo de que se tem notícia no meio das artes: a Galeria Collectio. A morte de Businco provocou uma séria retração no mercado de arte, que viu exposta toda a sua fragilidade. 18 Ralph Camargo foi um dos primeiros galeristas de arte contemporânea do país, comprou a galeria Art Art (1966-1969), e depois fundou ainda duas outras galerias, a Ralph Camargo (1970-1973) e a R e R (1975-1978).

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fundadas durante a década de 1970, quatro na década 1980, três na década de 1990

e oito na década de 2000.19 (Fialho, 2006, p.327-36).

O notável crescimento do mercado de arte contemporânea brasileiro nos

últimos 20 anos, fez com que o setor ganhasse visibilidade, profissionalização e até

mesmo políticas públicas. A partir dos anos 2000 foram criadas mais de 30% das

galerias associadas à Abact20, entre 2010 e 2011 o volume de negócios nas galerias

aumentaram 43,5%, e entre 2011 e 2012 65% das galerias apontaram para um

aumento de cerca de 30% de seu volume de negócios. O preço médio das obras de

arte praticamente dobrou de 2011 a 2012; a média de preços das obras de valor mais

baixo era de R$1.000,00 em 2011 e foi para R$2.000,00 em 2012. A média de preços

das obras de valor mais alto em 2011 era de R$400.000,00 aumentando para

R$710.000,00 em 2012 (Fialho, 2013).

A internacionalização das artes visuais contemporâneas vem se mostrando

imprescindível para sobrevivência do setor, onde o valor do produto/obra está

vinculado à legitimação atribuída ao artista pelas instituições e pelo mercado

internacional. No entanto, em uma apresentação sobre o Projeto Latitude (nova

nomenclatura do BAC21), a gerente de projetos da Abact-ApexBrasil Ana Letícia Fialho

(2013), quando perguntada sobre os possíveis motivos do crescimento do mercado o

principal motivo apontado pela pesquisa, a resposta foi o aumento de colecionadores

brasileiros.

No entanto, entre 2011 e 2012, 70% do volume de negócios foram compras de

colecionadores privados brasileiros, 12% colecionadores estrangeiros, 5% Instituições

culturais brasileiras (incluindo as doações feitas por particulares), 3% instituições

culturais internacionais, 5% de empresas nacionais e 5% empresas internacionais,

fundo de investidores entre outros (Fialho, 2013). De acordo com pesquisa realizada

pelo MinC em 2010, apenas 5 das 80 principais instituições de artes visuais no país

tem políticas de aquisição22.

19 Década de 1970, Gabinete de Arte Raquel Arnaud19 (1973), Luisa Strina (1974), Dan Galeria (1972). Década de 1980, Thomas Cohn (1983- 2012) Galeria Millan (1986), Nara Roesler (1989), Casa Triângulo (1988). Década de 1990, Brito Cimino (1997), Fortes Vilaça (1992), Marília Razuk (1992). Após 2000, Baró Cruz (2001), Laura Marsiaj (2000), H.A.P. (2001), Leme (2004), Léo Bahia (2004), Theodor Lindner (2004), Vermelho (2002),Virgílio (2004). (Fialho, 2005, p.336-49). 20Hoje são ao todo 45 galerias inscritas no Projeto e 32 delas foram usadas para a atualização da pesquisa. 21 No dia 08 de fevereiro de 2013, no site da ApexBrasil, o convênio com a Abact foi publicamente oficializado e o BAC passou a se chamar também de Projeto Latitude. 22 “Embora 35 equipamentos possuam acervo próprio, o que equivale a 67% dos respondentes, apenas 20 informaram ter uma política de aquisição de acervos, o que representa 38% da amostra. Dentre as instituições que afirmaram possuir uma política de aquisição de acervos, somente 16 a detalharam. Entre os equipamentos que indicaram ter uma política de aquisições bem estruturada – ou seja, baseada em critérios técnicos como lacunas do acervo e identidade

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Os dados das pesquisas explicitam o abismo qualitativo e quantitativo que vem

se acentuando entre o público e o privado. Podemos notar que o mercado de arte vem

assumindo um papel excessivamente importante, mas que o pilar institucional

brasileiro encontra-se bastante frágil e ainda não se beneficiou dessa dinâmica

econômica do mercado.

O direcionamento da pesquisa para o setor das galerias explicita a

preocupação dessa política pública. A tríade do sistema da arte formado pelo produtor

(artista que produz obras sem apelo comercial), distribuidor (instituições públicas

culturais) e público (sociedade como um todos) é preterido em relação à outra tríade

também possível, representado pelo produtor (artista que produz obras vendáveis),

distribuidor (galerias) e público (compradores de arte contemporânea).

O termo “arte visual contemporânea brasileira” ou simplesmente “arte

contemporânea”, para o BAC, não é uma nomenclatura temporal que circunscreve a

produção das artes visuais nos últimos 30, 20 ou 10 anos, e também não faz parte da

chamada cultura de massa ou popular, trata-se antes de uma produção vinculada à

cultura erudita e ao mercado de luxo, produzida e consumida por um meio restrito e

endógeno e comumente ligada à elite financeira do país.

De acordo com Pierre Bourdieu a “cadeia fechada” da produção erudita se

diferencia do campo da indústria cultural (cultura de massa), primeiramente, pois é

direcionada à um público de produtores que consomem os produtos criados a partir de

seus próprios critérios e normas, rompendo relações com o “grande público” de não-

produtores. Dessa maneira a autonomia do campo da produção erudita constitui

“sociedades de admiração mútua”, fazendo surgir uma “solidariedade entre o artista e

o crítico”, fechada a concorrência, garantindo assim, a inteligibilidade das obras e o

“monopólio da consagração cultural” (Bourdieu, 1982, p.105). Esse sistema não

permite a formação de um público, pois o artista produz para agradar o crítico, que

escreve para agradar a galeria que expõe para agradar os colecionadores que são

muitas vezes galeristas e críticos.

O crítico literário Antonio Candido em seu célebre “A formação da literatura

brasileira”, fala da inexistência de um “sistema literário” anterior ao século XIX, já que

o público era também formado pelos próprios produtores e críticos. No século XXI, não

vemos um “sistema das artes visuais” estruturado, pois como aponta Bourdieu, “o

campo tende a rejeitar toda e qualquer definição externa de sua função” e qualquer

da instituição, em vez de apenas depender das preferências da diretoria ou do conselho consultivo – estão a Pinacoteca do Estado de São Paulo, a Associação Cultural Videobrasil, o Instituto Itaú Cultural, a Fundação Joaquim Nabuco, o MAM/Bahia, o Museu da Imagem e do Som e a Casa das Onze Janelas.” (Fialho & Goldstein, 2012, p. 261).

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oposição ou divergência se “expressa espontaneamente na linguagem da

excomunhão recíproca” (Bourdieu, 1982, p. 108).

O mercado brasileiro de arte contemporânea vem crescendo, o volume de

negócios, galerias, artistas e o setor vem ganhando políticas públicas, mas como esse

crescimento vem estruturando um sistema das artes visuais no país? Embora a

ApexBrasil e a Abact estejam desempenhando um papel no fortalecimento da posição

competitiva do mercado de arte contemporânea brasileira no cenário internacional,

elas também tem constituído um obstáculo para a governança democrática e a

responsabilidade política.

A ApexBrasil criou um convênio com a FBSP para gerenciar o BAC durante as

duas primeiras gestões bianuais (2007/2009 e 2009/2011), até que a Associação

Brasileira da Arte Contemporânea (Abact) pudesse ser estruturada. O estímulo do

Estado (representado pela ApexBrasil) para construção da Abact, fez com que as

principais galerias do país, já familiarizadas com o mercado internacional , se

propusessem a criar a associação, recebendo em troca financiamento do governo

para participar de feiras internacionais. Por exemplo, em 2007 o BAC destinou 65 mil

dólares para levar nove galerias nacionais às feiras no México (Zona Maco), na Suíça

(ArtBasel). Esse financiamento se perpetuou até 2012, estendendo-se para outras

feiras como a ArtBasel Miami e a Arco Madrid, mas restrito as oito galerias

fundadoras23.

A gerente do BAC, Mônica Novaes Esmanhotto, quando perguntada sobre quais

fatores levaram a criação da Abact, admitiu não poder afirmar com certeza quais foram,

mas acredita que tenha sido a “demanda” da ApexBrasil e o oferecimento de um “apoio”

e de uma “oportunidade única” o que levou oito, das principais galerias do Brasil a

fundar a associação24 e também de uma demanda da parte das galerias, que graças a

SP-Arte “fez com que esses galeristas se entendessem como um setor da economia”.

No entanto, não podemos veicular a criação da SP-Arte com a “conscientização”

das galerias como um setor da economia, já que a feira constituiu uma ação individual

23 “Um impulso para participar desses eventos vem de parceria da ApexBrasil (Agência de Promoção de Exportações e Investimentos) com a Fundação Bienal para financiar até 30% dos custos de participação em feiras internacionais. São gastos que variam de US$ 20 mil a US$ 40 mil para cada galeria. O projeto ‘Brasil Arte Contemporânea’ é a primeira ação conjunta para o setor e já destinou até agora US$ 65 mil para levar nove galerias nacionais a feiras no México e na Suíça - a galeria Nara Roesler foi a primeira a receber o benefício quando participou, em abril, da Maco (México Arte Contemporâneo), feira realizada na Cidade do México.” (Martí, 2007). 24“E muitas outras demandas, até que veio essa demanda definitiva de assim, ‘olha isso aqui é uma oportunidade única e vocês vão receber todo esse apoio para receber o mercado lá fora, mas vocês precisam se organizar’”. As oito galerias que fundaram a Abact em 2008 fora,: Casa Triangulo, Nara Roesler, Leme, Gentil Carioca, Luciana Brito, Luiza Strina, Fortes Vilaça e Vermelho (Esmanhotto, 2013).

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da empresária Fernanda Feitosa que, em 2004, começou a angariar fundos para o

projeto da feira através de leis de incentivo culturais (como a Lei Rouanet) e da venda

de parte da sua coleção particular de obras de arte. Tanto que no primeiro ano da feira

em 2005 a Galeria Luisa Strina, uma das fundadoras da Abact, não participou da feira.

A iniciativa vinda do próprio governo para a implementação de uma política

pública, cujo objetivo é beneficiar os empresários, nos revela primeiro a falta de

mobilização existente em alguns setores da economia brasileira; e segundo, a

manutenção das práticas “particularistas” citadas por O’Donnell (2010) que

desfavorecem a governança democrática. A “Governança democrática bem-sucedida",

definida por Mainwaring et al. (2010), emerge e tende a reforçar uma ordem política

mais responsável; quanto mais transparente as ligações entre o governo e suas redes,

mais democrática é a governança. No entanto, o processo de tomada de decisão

permanece isolado e os trabalhadores e sindicatos ainda não desempenham um papel

na administração e supervisão desse sistema. As pesquisas que vem sendo

produzidas pela Abact e pela ApexBrasil, bem como a utilização dos recursos

financeiros não é disponibilizada ao público (por exemplo através do portal da

transparência) ou divulgadas em seus sites oficiais, muito menos os processos

decisórios passam por representantes dos sindicatos dos artistas e funcionários.

Entre os anos de 2007 e 2013 a verba da ApexBrasil foi utilizada e/ou

gerenciada apenas pelas oito galerias fundadoras que já participavam,

independentemente do subsidio do governo, de feiras internacionais. Como coloca

Rodrigues (2013) ao analisar o Sistema “S”:

Como as redes não são necessariamente democráticas (Aguillar Vilanueva 2009), em contextos nos quais a representação política é precária e o Estado carece de uma institucionalidade democrática, os governos tendem a direcionar as políticas para as classes / setores econômicos que estão dispostos a emprestar ou apoio político ou os recursos adequados para financiar políticas que eles querem ver implementadas. (Rodrigues, 2013, p. 3, tradução nossa)

A importância dada à internacionalização da arte e a ausência de políticas

públicas para as instituições, deflagra um crescimento fragilizado que privilegia a saída

de recursos financeiros do país e a construção de grandes coleções de arte

particulares. As políticas públicas devem responder aos interesses de distintas classes

sociais, econômicas, e os atores políticos; seus processos de implementação devem

ser transparentes, e os seus resultados devem garantir e / ou estender os direitos dos

cidadãos.

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CONCLUSÃO

O mercado brasileiro de arte contemporânea vem crescendo, o volume de

negócios, galerias e artistas o setor vem ganhando políticas públicas, mas como isso

tudo está influenciando na criação de cultura? Como esse crescimento vem

estruturando um sistema das artes visuais no país? Se por um lado o BAC colabora

para um crescimento no setor de galerias, o processo de tomada de decisão

permanece isolado e os trabalhadores e sindicatos ainda não desempenham um papel

na administração e supervisão desse sistema.

Se é papel do Estado "fazer as mediações" entre a cultura e o eixo econômico

como afirmou o ex-ministro Gilberto Gil, é importante que essa mediação beneficie

prioritariamente os atores que se encontram fragilizados, para que exista um equilíbrio

de forças entre instituição, mercado e artista, e para que o sistema da arte no Brasil

possa se consolidar. Como colocou Barbosa (2013), “o comércio e intercâmbios,

embora realizados nos mercados e por agentes culturais autônomos, deveriam, por

princípio e também por necessidade política, se submeterem à lógica do bem público e

dos processos democráticos da concentração e de accountability”. Deve-se investir em

políticas públicas que não só colaborem com o crescimento da economia, mas que

também ofereçam resoluções democráticas eficazes para problemas coletivos,

melhorando a prestação de contas, transparência e os valores democráticos.

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