políticas e sistemas de saúde
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Polticas e Sistemas de Sade sob o capitalismo: alguns elementos para uma anlise crticaRogrio Miranda Gomes Professor da Universidade Federal do Paran Capitalismo e Sade - CEBES Cascavel, 2011
Servios de SadeOrigens Sculo XVII Lei dos Pobres (1601) 1 Poltica de Sade capitalista Expulso do campo; urbanizao Conteno do pauperismo
Servios de SadeOrigens Polcia Mdica (sc. XVIII) Estados Absolutistas: estatizao do corpo Polcia: Ordem; regulamentao financeira; Sade Reproduo fora de trabalho: exrcito e indstria Populao: estatsticas, inquritos, vigilncia
Servios de SadeOrigens Higienismo (Sc. XVIII-XIX) Cidade Doente espao urbano perigoso Pobreza, excesso de trabalho, m alimentao, falta de moral, ambientes insalubres Pobreza: doenas e revoltas Sociedade Saudvel (higienizada): controle/correo males sociais
Servios de SadeHigienismo Espao Fsico
Saneamento: gua, esgoto
Arquitetura: circulao ar; espacializao
Periferia: cemitrios; matadouros, hospitais, cadeias, fbricas, lixes, casa do pobre
Higienismo: reproduo da fora de trabalho (e do sistema) Normas de preveno de acidentes de trabalho Normas de restrio do trabalho de menores e mulheres Regras e fiscalizao da produo e comrcio de medicamentos, bebidas e alimentos
HigienismoMedicalizao SocialEspao Privado Urbanizar/civilizar o homem Difuso de normas higinicas, morais, de comportamento... Trabalho; moradia; educao; famlia; sexualidade Mdico: educador; guardio moral e bons costumes
IMPORTANTE:
At fins do sculo XIX predomina a interveno Estatal na dimenso coletiva da Sade-doena
Sucesso na reduo da morbi-mortalidade
EVOLUO HISTRICA DA TUBERCULOSETaxa x 10E6 4000
Taxas Mdias de Mortalidade por Tuberculose (Inglaterra e Gales)Identificao Bacilo
3000 2000
Quimioterapia BCG
1000 0
60 1838 80 1900 20 Fonte: Mckeown-The Role of Medicine
40
60
AnoJ. Breilh
SCULO XX: GENERALIZAO DA ASSISTNCIA Transio Epidemiolgica: fora de trabalho garantida
Corpo coletivo (social)
individual (orgnico)
Medicalizao Social: contradies sociais corpo orgnico
Reproduo da fora de trabalho dentro das condies de vida impostas Capitalistas diretamente no conseguiam faz-lo, ento o Estado assume tal funo Criar dentro das condies urbano-industriais um novo estilo de vida que combinasse pobreza e asseio, higiene e temperana. Para o que foi necessrio desenvolver as foras produtivas da medicina Ajudar a criar um estilo de vida saudvel: a tarefa dos SS
SCULO XX: GENERALIZAO DA ASSISTNCIA
Servios da Sade
acumulao (capital) X conquistas (trabalhadores)
Origens dos sistemas pblicos de sade Sculo XIX: urbanizao e industrializao Mtuas: trabalhadores criam sociedades de socorro mtuo para ajuda financeira em caso de morte, doena e desemprego Contribuio voluntria dos trabalhadores: benefcios em $ em caso de necessidade Eventualmente as Mtuas contratavam mdicos para prestar assistncia Fortaleciam luta poltica dos trabalhadores
Embries dos Sistemas de Sade Primeiras leis: governos tentando controle sobre movimento dos trabalhadores Reconhecimento governamental das sociedades de ajuda mtua implicava controle, aceito palas mtuas Subsdios governamentais muito baixos: Interesse era o controle da organizao dos trabalhadores e no a proteo sade
Seguro Social: Modelo Bismarckiano (1883) Financiamento: contribuies compulsrias de empregados e empregadores Inicialmente segmentados com benefcios diferenciados por categoria profissional, conforme importncia na economia Polticas sociais e de sade: Enfrentar o crescimento da esquerda; preservar o sistema poltico e econmico; aumentar a produtividade e satisfazer necessidades dos eleitores trabalhadores Prioridade s aes curativas individuais separadas das aes coletivas de sade (promoo, preveno, vigilncia...)
1 Onda Incio do sculo XX: Maioria da Europa implantou o modelo de seguros sociais O exemplo da Alemanha se difunde: ustria, Blgica, Frana, Holanda, Irlanda, Luxemburgo Em sua origem os seguros sociais cobriam apenas categorias de trabalhadores industriais de menor renda. Num contexto de expanso econmica e pleno emprego ocorre universalizao (1950-1970)
Seguro Social no Brasil Caixas de Aposentadorias e Penses (CAPs) - 1923 Institutos de Aposentadorias e Penses (IAPs) - 1930 Por categorias profissionais Contexto de cooptao e controle dos trabalhadores atravs da legislao trabalhista e sindical Depois unificados no Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS) em 1966
Seguridade Social: Modelo Semashko Pblico, universal, institudo na Rssia com a Revoluo Socialista de 1917 Financiamento fiscal e integralmente estatal Estatal: todos profissionais empregados do Estado Centralizado; estrutura vertical, organizao hierarquizada e regionalizada Difundido: demais pases da URSS, Leste europeu e Cuba
Seguridade Social: Modelo Beveridgiano (Sistema Ingls) NHS National Health Service (1946): universal; gratuito Financiamento: recursos pblicos provenientes de impostos gerais Rede pblica e estatal (95% dos hospitais estatizados) Maioria dos profissionais de sade so funcionrios pblicos Porta de entrada: mdico generalista (remunerado por sistema per capita) Quando o estado compra servios privados tem grande poder de controle
2 ONDA
Welfare State (Estado de BemEstar Social): ps-segunda guerra; sade, educao, emprego... Sade: direito universal de cidadania e dever do Estado Modelo Ingls: universalidade, integralidade, financiada por impostos gerais. Dinamarca, Espanha, Finlndia, Grcia, Itlia, Portugal, Reino Unido e Sucia
Modelo de Proteo Social Residual
EUA exceo: mtuas s/ suporte governamental, foram suplantadas pelos seguros privados de sade contratados pelas empresas No Universal: Estado protegendo apenas grupos mais pobres Grande parcela da populao fica descoberta Prevalece o mercado, com grande ineficincia, pela baixa regulamentao estatal, mirade de prestadores e provedores de seguros
Reformas contemporneas: origem na dcada de 70 crise econmica neoliberalismo (neo-conservadorismo)Diagnstico (neoliberal) da Crise
Propostas Neoliberais
Efeitos danosos sobre as economias nacionais da excessiva interveno do Estado nos negcios privados e altos impostos necessrios para sustentar as polticas sociais
Contra Welfare state (Estado de Bem Estar Social)) reduo substancial do Estado Provedor (e de suas responsabilidades sociais) Desmonte de polticas sociais (privatizaes) Desregulamentao e liberalizao da economia
Sobrecarga estatal frente s demandas exacerbadas pela crise econmica e pela fora dos grupos de interesse.
Neoliberalismo Recuperar a economia Reduzir gastos sociais Enxugar o Estado (privatizaes) Estado Mnimo Recomendaes: FMI e Banco Mundial (pacotes bsicose privatizao)
Diagnstico Neoliberal da crise dos servios de sade nos anos 70-80
Escassez de recursos pblicos: necessidade de restringir oferta, descentralizar e privatizar Sistemas flexnerianos (liberais): inflao devido incorporao tecnolgica irracional Desproporo custo X resultado na sade: necessidade de rever modelo, priorizando ateno bsica X hospitalar Crtica ao sistema centrado na assistncia mdica e no mdico
Diagnstico Neoliberal da crise dos servios de sade nos anos 70-80 Falta de compromisso dos prestadores de servio com os custos: restrio da autonomia profissional e introduo de mecanismos competitivos
Ausncia de co-pagamento gera excesso de demanda
Ausncia de liberdade de escolha do servio pelo usurio impede competio e preserva os servios ineficientes (fundamentalmente do setor estatal)
Agenda de reforma setorial dos anos 80-90: reduzir o Estado e ampliar o espao do Mercado Crise econmica: questiona universalizao e igualdade (dficit pblico) onde existem e pregam a impossibilidade de alcan-las onde esses objetivos ainda so uma inspirao Polticas de sade voltam-se para controle de custos Re-privatizao do bem pblico De Cidado a consumidor Eficincia gerencial Responsabilizao dos profissionais e usurios com os gastos Resposta s preferncias do consumidor Reequilbrio da alocao de recursos entre o governo e o mercado
Carter duplamente conservador das reformas:Inspirao poltico-ideolgica neoliberal centrada na perspectiva econmica, individualista e que no reconhece o direito sade como direito de cidadania
No propem mudanas substantivas no eixo organizador dos sistemas de sade (determinantes da sade, promoo da sade e preveno de doenas e no somente para a cura)
Concentrando-se apenas nas restries em relao assistncia mdica
Substituio do princpio de necessidades de sade pelo de risco, definido segundo a posio social e econmica do indivduo
Origem do dficit pblico e do gasto nacional de sade: pases do norte e do sul (pobres) Pases pobres (Sul): reforma no se d por excesso de gastos, MAS Pela necessidade imposta do supervit, pelas desigualdades que se exacerbam pela crise econmica pela retrao simultnea das polticas sociais pela emergncia das demandas at ento represadas pelos regimes ditatoriais.
Apesar destas divergncias abissais, os mesmos modelos de reforma foram preconizados.
Oramento Geral da Unio - 2006Judiciria 1,81% Essencial Justia 0,39% Administrao 1,31% Defesa Nacional 2,09% Segurana Pblica 0,44% Relaes Exteriores 0,18% Assistncia Social 2,70% Juros e Amortizaes da Dvida 36,70%
Legislativa 0,59%
Desporto e Lazer 0,04% Transporte 0,47% Energia 0,05% Comunicaes 0,06% Indstria 0,27% Comrcio e Servios 0,25% Agricultura 1,12%
Previdncia Social 25,73% Sade 4,82% Trabalho 2,17%
Outros Encargos Especiais 15,38%
Educao 2,27%
Gesto Ambiental 0,16% Habitao 0,01% Urbanismo 0,08%
Cultura 0,05% Direitos da Cidadania 0,10%
Organizao Cincia e Saneamento Agrria Tecnologia 0,00% 0,39% 0,38%
Oramento da Unio 2010
NOVOS MODELOS DE REFORMAPropostas:
Competio administrada (managed competition): EUA
Ateno gerenciada (managed care): EUA
Pluralismo Estruturado: Colmbia e Amrica Latina
A Ateno Gerenciada (managed care)
EUA a partir da dcada de 1980
Precursora da competio administrada
Modelo implantado pelos Seguros-sade
Planos de Sade com pr-pagamento per capita fornecendo pacotes de assistncia a grupos especficos
A Ateno Gerenciada (managed care)
Voltada para o controle da utilizao dos servios
Privilegia o nvel bsico (porta de entrada): obrigatria a passagem pelo mdicogeneralista para acessar servios especializados
Controla rigidamente a atuao profissional segundo protocolos de ateno elaborados pela empresa seguradora
Competio Administrada Inglaterra: implantado pelo Tatcherismo em 1991 O Mdico Generalista presta ateno bsica e, assim como as secretarias municipais, compra servios hospitalares Os servios de sade no teriam mais os oramentos garantidos, mas dependeriam de contratos que incluiriam avaliao de desempenho e cumprimento de metas Quase mercado, pois os compradores contratam a partir das necessidades dos consumidores e das disponibilidades de recursos
O princpio orientador dessa reforma a separao entre o prestador de servios e o financiador.
Competio administrada: resultados
Limitado impacto na reduo dos custos Nova forma de alocao de recursos aos clnicos gerais induzindo a seleo de riscos Possibilidade de utilizao dos saldos dos oramentos nos consultrios tem financiado a valorizao das clnicas privadas Custos administrativos so altos, resultando em restrio no nmeros de funcionrios do sistema
Pluralismo Estruturado (Colmbia) Carter pblico do financiamento Recuperao da idia do Seguro contribuio compulsria para os que podem pagar e subsdios para os que no podem Especializao das funes dos atores: Financiamento, Asseguramento, Prestao de servios Diferentes regimes de afiliao ao sistema: Contributivo (para os que esto no mercado formal de trabalho) Subsidiado (para os pobres) O co-pagamento nos dois regimes
Pluralismo Estruturado
Diferentes pacotes obrigatrios de servios O pacote de assistncia do regime subsidiado representa 1/5 do pacote do regime contributivo Quem no se filia a nenhum dos dois regimes ou perde a filiao quando desempregado so chamados vinculados e deveriam ser atendidos pelo setor pblico A lei autoriza pacotes complementares seja para riscos especficos seja para hotelaria o que estimulou a criao de mercados paralelos de seguros privados. Para contrapor a instabilidade poltica e garantir a continuidade foram assinados trs crditos junto ao BID e BM
Pluralismo Estruturado: principais resultados Empresas privadas envolvidas esto contendo custos sem melhora da ateno A implantao do regime subsidiado foi postergada Mesmo aumentando a cobertura para os mais pobres, no melhorou o acesso aos servios de sade No se alcanou a universalizao pretendida para 2001 e hoje apenas 54% da pop est coberta (regimes contributivo e subsidiado) e 46% no tem qualquer cobertura (vinculados) Desde a implantao observa-se reduo dos filiados ao regime contributivo e manuteno do nmero dos subsidiados Grande segmentao da populao Incremento dos custos administrativos Lgica do lucro e descompromisso com a sade Deteriorao das aes de sade pblica e controle de doenas atingindo principalmente os mais pobres Piora dos indicadores de morbimortalidade Aumento do percentual de custo da sade para os mais pobres Seleo de riscos e estmulo ao consumo de planos privados complementares pelas seguradoras
Apesar desses resultados, o modelo de pluralismo estruturado foi recomendado para a regio latino-americana como o mais efetivo para o alcance de melhores nveis de eficincia e equidade nos sistemas de sade(recomendaes do Banco Mundial para a sade)
Concluso
Aumento da eficincia
Aumento da eficincia
Aumento da eficincia
Reduo da equidade na perspectiva das reformas orientadas para o mercado Reduo do acesso aos servios com as medidas de conteno dos custos Perda da integralidade, e da universalidade
Alguns resultados das reformas contemporneas Situao dramtica em alguns pases pela reduo do financiamento e deteriorao das instituies pblicas No superao das desigualdades Em muitos casos agravamento na precria capacidade resolutiva Instituio de mecanismos para aumentar a autonomia de gesto (como fundaes pblicas de direito privado) Incentivo ateno bsica (seletiva) - focalizao
Alguns resultados das reformas contemporneas nos pases desenvolvidos Competio entre seguradoras Medicina baseada em evidncias, protocolos clnicos, auditorias clnicas, estudos de custoefetividade c/ restrio da autonomia dos profissionais Nos EUA gasto sanitrio continua subindo mais lentamente; baixssima cobertura Principal resultado das reformas um Estado mais intervencionista e regulador ao contrrio do que se preconizava
Para o terceiro mundo Reformas foram muito mais radicais e impostas por BM; desmonte do Estado Aumento dos gastos privados e reduo dos recursos pblicos ao contrrio da Europa Tendncia de focalizao da oferta pblica e prestao de servios bsicos de baixo custo para os pobres Segmentao do acesso Financiamento pblico de mercados privados de seguros de sade Descuido dos aspectos epidemiolgicos Baixa integrao dos nveis de assistncia
Brasil no ficou imune...
SUS X poltica neoliberal Subfinanciamento Focalizao na Ateno Bsica Financiamento pblico para seguradoras Organizaes sociais Fundaes
Concluso De Estado de Bem Estar Social para Estado Mnimo Reformas expressam a legitimao da poltica econmica restritiva e coerente com a mudana da funo do Estado (privilegiamento do setor privado , da diversidade, da competio, da concentrao da ao estatal no combate pobreza) Constrangimento da autonomia dos estados nacionais
O sculo XX viveu trs grandes ondas de reformas no setor sade1. Seguro Nacional de Sade (modelo alemo): implantao e difuso iniciada no final do sculo XIX
2.
Sistemas Nacionais de Sade (modelo ingls): ps 2 Guerra, com a consolidao de Sistemas Universais
3.
Reformas contemporneas. Dois momentos: Anos 60-70 expanso dos servios de assistncia mdica Crise desse modelo e formulao nos anos 80 de uma agenda neoliberal
Sade X Sistemas de Sade
A proteo sade ser tanto mais ampla quanto mais a sociedade entender a sade como um problema coletivo, no de cada indivduo ou famlia, mas de todos os cidados Funcionamentos e resultados dependem do quanto a sociedade toma para si a responsabilidade pela sade da populao Proteo sade mais ampla: sistemas universais, pblicos (sade como direito)
Por que a proteo sade implica sistemas de sade universais, pblicos e direito cidadania? Todos os seres humanos esto sujeitos a adoecer e necessitam manter e recuperar sua sade. As necessidades de sade no podem ser tratadas como mercadoria, acessveis a preos diferenciados, conforme a capacidade de pagamento individual. Como conseqncia, a sade no deve ser objeto de lucro. Deve ser responsabilidade solidria do Estado e dos cidados. Sistemas Universais e Pblicos: melhores indicadores de sade; mais eficientes (fazem mais com menos $) e equnimes
Alguns textos de Apoio LOBATO, L. V. C. e GIOVANELLA. Sistemas de Sade: origens, componentes e dinmica. In: GIOVANELLA, L. (org.) Polticas e Sistema de Sade no Brasil. RJ: Editora Fiocruz, 2008. P. 107 123
ALMEIDA, C. REFORMA DE SISTEMAS DE SADE: tendncias internacionais, modelos e resultados. In.: GIOVANELLA, L. (org.) Polticas e Sistema de Sade no Brasil. RJ: Editora Fiocruz, 2008.