política pública do comércio justo

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COMÉRCIO JUSTO E ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL E O PAPEL DA POLÍTICA PÚBLICA NA SUA PROMOÇÃO Haroldo Mendonça* 1 APRESENTAÇÃO Este artigo tem como objetivo apresentar a importância do comércio justo no Brasil para as estratégias do movimento da economia solidária e do comércio justo internacional e seu impacto para a política federal de economia solidária. Inicialmente será discutido o processo de construção do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SCJS), por meio da instituição do Decreto Presidencial n o 7.358, bem como a realidade dos empreendimentos solidários no que diz respeito às dificuldades encontradas no âmbito da comercialização de produtos de origem da economia solidária e do comércio justo. Em seguida, além das ações nacionais que a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) vem elaborando na promoção e desenvolvimento do comércio justo e solidário, são apresentados, de forma sucinta, os elementos centrais para entender o estágio atual em que se encontra o comércio justo no Brasil. Do ponto de vista metodológico, o artigo está definido em dois tópicos, além desta introdução. O primeiro se refere ao papel dos movimentos sociais e à importância da econo- mia solidária no comércio justo; o segundo se concentra no desenvolvimento das ações no âmbito do governo federal que levaram o comércio justo no Brasil à condição de instrumento de política pública, com a instituição do SCJS. 2 MOVIMENTOS SOCIAIS E COMÉRCIO JUSTO E A IMPORTÂNCIA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA Atualmente o comércio justo é uma iniciativa desenvolvida mundialmente e sua origem está em experiências iniciadas há pelo menos cinco décadas. Sua organização e articulação vêm se desenvolvendo ao longo desse período e têm como destaque as denominadas National Initiatives (NI), 1 reconhecidas em diversos países, em especial alguns do continente europeu, como Alemanha, Reino Unido, Holanda, França e Itália; além de Estados Unidos, Cana- dá, e Japão, entre outros. Em nível internacional, destacam-se instituições como Fairtrade Labelling Organizations International (FLO) e a World Fair Trade Organization (WFTO), conhecida anteriormente por International Federation of Alternative Trade (IFAT); European Fair Trade Association (EFTA) e Red European World Shops (NEWS). * Coordenador-geral do Comércio Justo e Crédito da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) e presidente da Comissão Gestora Nacional do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SCJS). 1. Pesquisa mundial de comércio justo/Johann Wolfgang.

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Política Pública do Comércio Justo

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  • COMRCIO JUSTO E ECONOMIA SOLIDRIA NO BRASIL E O PAPEL DA POLTICA PBLICA NA SUA PROMOO

    Haroldo Mendona*

    1 APRESENTAOEste artigo tem como objetivo apresentar a importncia do comrcio justo no Brasil para as estratgias do movimento da economia solidria e do comrcio justo internacional e seu impacto para a poltica federal de economia solidria.

    Inicialmente ser discutido o processo de construo do Sistema Nacional de Comrcio Justo e Solidrio (SCJS), por meio da instituio do Decreto Presidencial no 7.358, bem como a realidade dos empreendimentos solidrios no que diz respeito s dificuldades encontradas no mbito da comercializao de produtos de origem da economia solidria e do comrcio justo.

    Em seguida, alm das aes nacionais que a Secretaria Nacional de Economia Solidria (Senaes) vem elaborando na promoo e desenvolvimento do comrcio justo e solidrio, so apresentados, de forma sucinta, os elementos centrais para entender o estgio atual em que se encontra o comrcio justo no Brasil.

    Do ponto de vista metodolgico, o artigo est definido em dois tpicos, alm desta introduo. O primeiro se refere ao papel dos movimentos sociais e importncia da econo-mia solidria no comrcio justo; o segundo se concentra no desenvolvimento das aes no mbito do governo federal que levaram o comrcio justo no Brasil condio de instrumento de poltica pblica, com a instituio do SCJS.

    2 MOVIMENTOS SOCIAIS E COMRCIO JUSTO E A IMPORTNCIA DA ECONOMIA SOLIDRIA

    Atualmente o comrcio justo uma iniciativa desenvolvida mundialmente e sua origem est em experincias iniciadas h pelo menos cinco dcadas. Sua organizao e articulao vm se desenvolvendo ao longo desse perodo e tm como destaque as denominadas National Initiatives (NI),1 reconhecidas em diversos pases, em especial alguns do continente europeu, como Alemanha, Reino Unido, Holanda, Frana e Itlia; alm de Estados Unidos, Cana-d, e Japo, entre outros. Em nvel internacional, destacam-se instituies como Fairtrade Labelling Organizations International (FLO) e a World Fair Trade Organization (WFTO), conhecida anteriormente por International Federation of Alternative Trade (IFAT); European Fair Trade Association (EFTA) e Red European World Shops (NEWS).

    * Coordenador-geral do Comrcio Justo e Crdito da Secretaria Nacional de Economia Solidria (Senaes) e presidente da Comisso Gestora Nacional do Sistema Nacional de Comrcio Justo e Solidrio (SCJS).

    1. Pesquisa mundial de comrcio justo/Johann Wolfgang.

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    ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

    Essas organizaes, em especial, formaram a partir de 1996 um grupo de trabalho de-nominado FINE (composto pelas iniciais das entidades), que props um conceito comum sobre o comrcio justo expresso pela definio:

    (...) relao de troca, baseada no dilogo, na transparncia e no respeito, que busca maior igualdade no co-mrcio internacional. Contribui ao desenvolvimento sustentvel oferecendo melhores condies comerciais e assegurando o direito dos pequenos produtores e trabalhadores marginalizados, especialmente do Sul.

    No Brasil, diferentemente da maioria dos pases que estruturaram o comrcio justo sob orientao da relao histrica de exportao de produtos do Sul para o Norte ou o chama-do modelo internacional, o comrcio justo, aqui, surgiu e se desenvolveu num contexto de singularidades, cuja principal diferena est baseada na aprovao, em 2010, do Decreto Presidencial no 7.358, que instituiu, no mbito do governo federal, o SCJS, projetando assim a iniciativa a um patamar de poltica pblica e ampliando a viso do comrcio justo para alm de um nico tipo especfico de comrcio.

    A realizao de um conjunto de iniciativas desenvolvidas pelo governo federal em parceria com as principais organizaes da economia solidria e do comrcio justo, sob a coordenao da Senaes, levou em considerao principalmente a centralidade poltica de garantir por parte do Estado brasileiro o reconhecimento das prticas de comercializao com base nos princpios da solidariedade e da justia social, alm de garantir, por meio de seus instrumentos de poltica pblica, a sua promoo. Essa diretriz pode ser atestada, na leitura do Artigo 1o do Decreto Presidencial no 7.358, de 17 de novembro de 2010, que definiu assim o seu papel institucional:

    Art. 1o Fica institudo, no mbito do Ministrio do Trabalho e Emprego, o Sistema Nacional do Comrcio Justo e Solidrio - SCJS, para coordenar as aes do Governo Federal voltadas ao reconhecimento de prticas de comrcio justo e solidrio e sua promoo.

    Para compreender melhor essa construo necessrio considerar inicialmente as razes pelas quais organizaes sociais e governos, historicamente inseridos e compromissados com a promoo de mercados alternativos, foram levados deciso de aprofundar o seu engajamento por um tipo de troca comercial vinculada cada vez mais aos signos da justia social, da susten-tabilidade ambiental, da urgncia da afirmao do princpio da solidariedade e da cooperao entre seus pares e parceiros. Essa busca por uma relao comercial que reconhea essas organi-zaes socioeconmicas como portadoras de direitos e principais beneficirios dos resultados alcanados est baseada na imperativa necessidade dos produtores e seus empreendimentos de superarem, na cadeia produtiva, a histrica posio de subordinao e subalternidade.

    Para ilustrar essa realidade importante observar, a partir dos dados coletados pelo Sistema Nacional de Informao em Economia Solidria (Sies) que identificou nas cinco regies do Brasil 21,859 Empreendimentos Econmicos Solidrios (EESs), representando um universo de aproximadamente 1,8 milho de trabalhadores , elementos importantes que apontam a comercializao como o principal desafio a ser superado pela economia solidria, conforme o grfico 1.

    Como de conhecimento pblico, a comercializao, com a produo e o beneficia-mento so definidos como as trs etapas bsicas que caracterizam, de forma geral, uma cadeia produtiva. Porm, a comercializao, no contexto da economia solidria, tem se afirmado diferentemente das outras duas etapas. A comercializao o desafio maior a ser superado para garantir a viabilidade econmica dos empreendimentos solidrios.

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    ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

    De forma detalhada, as dificuldades dos EESs na comercializao podem ser notadas a partir da tabela 1, que retrata a situao da comercializao, ou melhor, da ausncia de uma logstica adequada a essa forma de organizao, no sentido de garantir o acesso dos produtos de origem da economia solidria e do comrcio justo aos mercados existentes, ou ainda, que propicie as estruturas de ambientes para a troca comercial entre os prprios EESs.

    TABELA 1

    Principais dificuldades na comercializao %

    Falta de capital de giro 33

    Logstica: estradas, armazns etc. 29

    Quantidade suficiente de clientes 24

    Manuteno irregular do fornecimento (escala e regularidade) 18

    Preo do produto inadequado (baixo) 15

    Falta de registro legal para comercializao 14

    Dificuldade em realizar vendas a prazo 14

    Fonte: Sies/Senaes.

    A tabela 1 revela, de forma abrangente, as vrias situaes de adversidade que h mui-to tempo vm enfrentando os empreendimentos econmicos solidrios e que vm sendo apresentadas nos registros de centenas de encontros, seminrios, reunies, oficinas e estudos que trataram e tratam do tema.

    Concomitantemente, o conjunto das organizaes da economia solidria e do comrcio justo vem considerando, no momento de organizar suas estratgias de atuao comercial e de sua incidncia nas polticas pblicas, no mnimo duas premissas. A primeira, que mobiliza principalmente as organizaes do campo religioso de uma parte importante do campesinato e de organizaes no governamentais (ONGs) reconhecidas por sua atuao nas lutas pela democratizao poltica e social a ideia de ressignificao do mercado, um mercado que estabelece relaes de troca com base na justia social e na solidariedade, um mercado solid-rio, cooperativo que se identifica historicamente com a expresso de mercados alternativos.

    A outra tem no movimento sindical progressista dos anos 1980 a sua fora mobilizadora, esse campo poltico e organizacional parte da ideia de que os empreendimentos coletivos e solidrios devem convergir suas estratgias comerciais principalmente na garantia ao acesso aos mercados j existentes, como forma de viabilizar o crescimento econmico dos seus empreendimentos.

    GRFICO 1

    Principais desafios da economia solidria(Em %)

    Fonte: Sies/Senaes.

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    Essas vises no necessariamente estabelecem diferenas fundamentais entre si, ao con-trrio, se consideramos como perspectiva as projees feitas pela FLO em seus informativos espera-se que (...) nos prximos 25 anos o conceito do comrcio justo deixar de ser uma prtica alternativa de nicho de mercado, passando a ser um conceito praticado globalmente, onde a aplicao dos seus princpios pelas empresas convencionais modifique toda a esfera produtiva e comercial internacional.

    Percebe-se, portanto, que a tendncia o entrelaamento daquelas duas premissas, pois, afinal, ambas so complementares na busca por uma melhor sustentabilidade socioeconmica e cultural dos empreendimentos.

    Portanto, para os atores do campo da economia solidria e do comrcio justo, o desafio no cair na frentica dicotomia de se afirmarem seja pelo endeusamento, seja pela demo-nizao do mercado.2 A necessidade de organizar arranjos inovadores de comercializao, com vistas a promoo, difuso e organizao de ambientes propcios existncia de relaes comerciais mais justas, solidrias, duradouras e transparentes desafio comum para todos os envolvidos, e o trabalho s est comeando, tornando fundamental a busca por estratgias que considerem a mxima da unidade na diversidade.

    3 O PAPEL DA SENAES NA PROMOO E DESENVOLVIMENTO DO COMRCIO JUSTO E SOLIDRIO

    Em um contexto de afirmao das polticas de economia solidria, a ao de apoio orga-nizao e difuso dos produtos e servios oriundos das iniciativas de economia solidria caracterizou-se por desenvolver polticas voltadas a contribuir com a busca da sustentabilidade socioeconmica e cultural dos empreendimentos econmicos solidrios. Essas polticas se consolidaram com a realizao da Segunda Conferncia Nacional de Economia Solidria cujo processo incluiu a realizao da primeira conferncia temtica de comercializao solidria cujos pressupostos fundamentais indicam, entre outros, o seguinte:

    atravs da comercializao, da transformao dos produtos em renda aos produtores, que se completa o circuito de dinamizao econmica de qualquer economia. Portanto para que a comercializao possa de fato permitir aos produtores a apropriao do valor por eles gerado, fundamental que se faa uma nova abordagem de gerao de trabalho e renda, sob uma tica no exploratria nas relaes de pro-duo, consumo, comercializao.

    Da a urgncia de se constiturem, no mbito da poltica pblica, aes estruturantes que possibilitem aos empreendimentos coletivos e solidrios acesso aos mercados e s compras pblicas, alm de fortalecer os intercmbios comerciais entre os prprios empreendimentos. Tais aes esto aliceradas, sob o ponto de vista da Senaes, em trs eixos programticos: i) promoo e difuso de produtos e servios das organizaes solidrias, em especial, nos espaos de venda direta ao consumidor; ii) apoio a projetos socioeconmicos voltados ao fortalecimen-to e constituio de redes de cooperao econmica e de colaborao solidria nas cadeias produtivas; e iii) desenvolvimento poltico-institucional de um sistema de reconhecimento e de promoo, em mbito nacional, das prticas de comercializao de base justa e solidria.

    Nos dois ciclos de gesto, a Senaes, por meio do Programa Economia Solidria em Desenvolvimento, vinculado s duas edies do Plano Plurianual (PPA) 2004-2007 e 2008-2011, desenvolveu aqueles trs eixos programticos de apoio comercializao solidria, com

    2. Sobre isso, ver o interessante artigo de ABRAMOVAY, R. Entre Deus e o Diabo mercados e interao humana nas cincias sociais. Tempo Social Revista de Sociologia da USP, So Paulo, 2004.

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    ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

    os seguintes projetos nacionais: i) Programa Trabalho e Cidadania Iniciativas Inovadoras de Polticas de Gerao de Trabalho, Emprego e Renda, que apoiou centenas de empreen-dimentos solidrios por meio de projetos voltados a organizao e consolidao de redes de cooperao econmicas e de colaborao solidria, alm de projetos de inovaes de arranjos em produo e comercializao solidria; ii) os projetos Apoio s feiras de economia soli-dria; e iii) Promoo do Consumo Responsvel e Comrcio Justo, que envolveu parcerias com a Fundao Banco do Brasil (FBB) e com o Instituto Marista de Solidariedade (IMS).

    No segundo PPA, a ao nacional de apoio comercializao ampliou o seu escopo e passou a denominar-se Organizao Nacional de Comercializao dos Produtos e Servios de Empreendimentos Econmicos Solidrios, na qual se destacou o projeto Apoio Co-mercializao Solidria no Brasil, que tem como parcerias fundamentais o IMS, o Frum Brasileiro de Economia Solidria (FBES) e o Frum de Articulao do Comrcio tico e Solidrio (Faces). Entre as a iniciativas anteriormente desenvolvidas, a organizao tem como meta apoiar a estruturao operacional do SCJS.

    Para acentuar um pouco mais a importncia da singularidade da construo do comrcio justo no Brasil diante das experincias internacionais, destacamos a seguir o processo par-ticipativo que envolveu a elaborao do SCJS.

    O SCJS foi concebido, conforme o Decreto Presidencial no 7.358, como um sistema ordenado de parmetros que visam promover relaes comerciais mais justas e solidrias, ar-ticulando e integrando os EES e seus parceiros colaboradores em todo o territrio brasileiro.

    Teve, nessa definio, o impacto de instituir no mbito do Estado brasileiro o reco-nhecimento das prticas de comrcio justo e sua promoo; dito de outra forma, o Estado brasileiro no s reconheceu legalmente o comrcio justo, como tambm delegou ao prprio Estado a responsabilidade na promoo das boas prticas comerciais, destinando recursos pblicos para as iniciativas. Provavelmente o primeiro governo no mundo que toma essa iniciativa, representando com isto uma vitria tambm ideolgica.

    O pioneirismo na coproduo de uma poltica pblica de comrcio justo, que, atravs de um sistema de convivncia mista (pblico e privado), incentiva o mercado de consumo nacional a adquirir produtos originrios da economia solidria de comrcio justo, possi-bilitou ao Brasil tornar-se um pas comprometido no tratamento das relaes comerciais domsticas do comrcio justo.

    Ao mesmo tempo, esse movimento pelo comrcio justo buscou estabelecer a base jurdica e poltica para a relao do governo com a sociedade civil organizada na conduo de polticas de promoo e de desenvolvimento dessa prtica comercial, e essa materializa-o se deu com a definio das atribuies dada Comisso Gestora Nacional (CGN) do referido sistema, possibilitando influenciar no planejamento das polticas pblicas voltadas, por exemplo, valorizao da produo local, gerao de renda, segurana, soberania alimentar e ao empreendedorismo.

    Para aferir o impacto desse estatuto o decreto presidencial aprovado pelo governo federal e garantir a sustentabilidade poltica do processo, que continua em curso aps aprovao do SCJS, dois vetores foram fundamentais.

    1) A capacidade de mobilizao e de pr-atividade das organizaes de economia so-lidria e do comrcio justo em representar as demandas do movimento diante das restries normativas do arcabouo jurdico brasileiro. Nesse processo destacam-se, entre outros, o Faces do Brasil e o FBES.

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    2) A capacidade do governo federal sob a coordenao da Senaes de dialogar com as organizaes sociais do campo da economia solidria e do comrcio justo, orientados por dois princpios:

    a) princpio da autonomia, voltado a garantir a boa relao poltica entre os entes envolvidos na construo coletiva das bases do SCJS; e

    b) princpio do compartilhamento de responsabilidades entre governo federal e as organizaes sociais na defesa da construo conjunta de um sistema pblico de comrcio justo, com a presena do Estado, de abrangncia nacional, com carter inclusivo, participao de consumidores, produtores e comerciantes, e acesso s polticas pblicas.

    Como demonstrao dessa capacidade de dilogo e de compartilhamento das responsabilida-des e de compromissos, constituiu-se no mbito do sistema a CGN, conforme definida a seguir:

    Art. 4o O SCJS contar com uma Comisso Gestora Nacional (...)

    Art. 5o Comporo a Comisso Gestora Nacional um representante de cada um dos seguintes Ministrios:

    I - do Trabalho e Emprego;

    II - do Desenvolvimento Agrrio; e

    III - do Desenvolvimento Social e Combate Fome.

    I - dois de entidades do segmento dos empreendimentos econmicos solidrios;

    II - dois de entidades do segmento de apoio e fomento ao comrcio justo e solidrio; e

    III - dois de entidades do segmento das redes da economia solidria.

    A instituio do SCJS trouxe ainda outro avano importante a ser destacado: Estado brasileiro, por meio do governo federal, reconheceu tambm as formas organizativas do comrcio justo e da economia solidria, ao definir o que um EES, garantindo assim a consolidao de um conceito que vem sendo construdo desde o incio da criao da Senaes:

    II - empreendimentos econmicos solidrios: so organizaes de carter associativo que reali-zam atividades econmicas, cujos participantes sejam trabalhadores do meio urbano ou rural e exeram democraticamente a gesto das atividades e a alocao dos resultados.

    Vale destacar que, para se chegar ao resultado obtido nesse processo, foi necessrio um longo ciclo de dilogos que envolveu um nmero de lideranas e de organizaes no seu processo de constituio, alm de encontros e articulao de reas do governo federal com vistas a orientar e disciplinar sua implantao, estabelecer competncias e responsabilida-des na sua gesto, definir as formas e os procedimentos de habilitao e permanncia dos participantes e nortear a gerao de credibilidade.

    Por isso foi criado, em audincia pblica do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE) de 8 de abril de 2006, o Grupo de Trabalho Sistema do Comrcio Justo e Solidrio, prin-cipal espao de concertao poltica entre o governo federal e o movimento social, composto em parte por dois membros de cada uma das seguintes articulaes da sociedade civil: Faces do Brasil, FBES, Organizao dos Produtores Familiares do Comrcio Justo e Solidrio (OPFCJS) e de outra parte por representantes do governo federal atravs da Senaes/MTE; da Secretaria da Agricultura (SAF) e da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT), ambas do Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA); e do Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Nacional).

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    ECONOMIA SOLIDRIA E POLTICAS PBLICAS

    A importncia do Grupo de Trabalho pode ser medida por ter sido ele o responsvel pela elaborao do principal documento de orientao Termo de Referncia do SCJS acordado entre governo e movimento, documento este que subsidiou a elaborao do decreto presidencial que criou o SCJS e orienta o processo atual sob a responsabilidade da CGN do SCJS na etapa de estruturao dos mecanismos operacionais para consolidao dos seguintes objetivos, definidos pelo decreto presidencial:

    I - fortalecer a identidade nacional de comrcio justo e solidrio, por meio da difuso do seu conceito, de seus princpios e critrios de reconhecimento de prticas de comrcio justo e solidrio e de seu fomento;

    II - favorecer a prtica do preo justo para quem produz, comercializa e consome;

    III - divulgar os produtos, processos, servios, bem como as experincias e organizaes que respeitam as normas do SCJS;

    IV - subsidiar os empreendimentos econmicos solidrios, os organismos de acreditao e de avaliao da conformidade e as entidades de apoio e fomento ao comrcio justo e solidrio, com base nacional de informaes em economia solidria e de empreendimentos econmicos solidrios com prticas de comrcio justo e solidrio reconhecidas pelo SCJS;

    V - contribuir com os esforos pblicos e privados de promoo de aes de fomento melhoria das condies de comercializao dos empreendimentos econmicos solidrios;

    VI - incentivar a colaborao econmica entre empreendimentos econmicos solidrios;

    VII - apoiar processos de educao para o consumo, com vistas adoo de hbitos sustentveis e organizao dos consumidores para a compra dos produtos e servios do comrcio justo e solidrio.

    Portanto, o desafio do comrcio justo no Brasil, com sua face de poltica pblica, somado perspectiva internacional de se transformar de prtica alternativa de nicho de mercado em um conceito praticado globalmente, coloca a experincia brasileira, ainda que iniciante, como uma referncia, no mnimo atrativa, que deve ser levada em considerao por outros pases. A experincia brasileira coloca disposio desses pases uma agenda de estratgias comerciais voltadas ao mercado domstico potencial mercado comprador de produtos oriundos do comrcio justo que se constitui em instrumento de incidncia nas polticas pblicas, com o envolvimento das foras sociais do campo da economia solidria e do comrcio justo.

    a construo de um caminho original, ainda que complexo, o qual tem possibilitado grandes conquistas no Brasil, tanto no que diz respeito dinamizao do mercado local quanto consolidao dos instrumentos democrticos de construo de polticas pblicas.

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