polÍtica, participaÇÃo social e diversidade cultural

38
POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL Novembro 2016 BOLETIM ODC #63 POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL Novembro 2016 BOLETIM ODC #63

Upload: vodieu

Post on 07-Jan-2017

217 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURALNovembro 2016BOLETIM ODC #63

POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURALNovembro 2016BOLETIM ODC #63

Page 2: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

PATROCÍNIO

REALIZAÇÃO

PARCEIROS

814/2013 FPC: Manutenção das Atividades - Observatório da Diversidade Cultural

Realizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte

Grupo de PesquisaObservatório daDiversidade Cultural

Programa dePós-Graduaçãoem Comunicação Social

Programa dePós-Graduaçãoem Artes BOLETIM ODC #63

POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURALNovembro 2016

Page 3: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

BOLETIM ODC #63POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

Novembro 2016

Page 4: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL
Page 5: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

SUMÁRIO

Giordana Santos

Núbia Braga Ribeiro

Kátia Costa e Plínio Rattes

Renata Melo

07152024

343638

PRIMAVERA SECUNDARISTA OU POR QUE OCUPAR?

O CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA DA BAHIA E OS DESAFIOS FUTUROS

DA SÉRIE ‘RELATOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FRANÇA E NO BRASIL’: ENTREVISTA COM A CONSEILLÈRE DEPARTAMENTA-LE, SILVIA CAPANEMA, DO DEPARTAMENTO SEINE- SAINT-DENIS, ARREDORES DE PARIS

SOBRE OS COLABORADORES DESTA EDIÇÃO

SOBRE O OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL

SOBRE O BOLETIM DO OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL

QUAL PARTICIPAÇÃO SOCIAL TEMOS E QUAL QUEREMOS?

Kátia Costa e Plínio Rattes 29 PROGRAMA MUNICÍPIOS CULTURAIS: UMA INICIATIVA PARA A INSTITUCIONALIDADE DA CULTURA NO ESTADO DA BAHIA

Page 6: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL
Page 7: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

7

QUAL PARTICIPAÇÃO SOCIAL TEMOS E QUAL QUEREMOS?

Giordanna Santos*

11 de novembro de 2016: Dia Nacional de Greve, por nenhum direito a menos. Movimentos sociais e sindicais. Mobilizações populares nas ruas. Mobilizações populares “em rede” e na Rede. Para compreender essas ações que vêm ocorrendo principalmente a partir de 2012, que tiveram o ápice em 2013 e novamente neste ano, sejam elas “à esquerda” ou “à direita”, é preciso, primeiramente, questionarmo-nos:

“Qual participação vivenciamos no auge da chamada Nova República? E o que ela tem a ver com atual a participação que temos hoje no país? Afinal, qual a participação social temos atualmente? Ou melhor, podemos falar em exercício efetivo da participação social no país? Por fim, qual a participação buscamos?”.

Para responder a esses questionamentos, começo com uma citação do filósofo e professor livre-docente Vladimir Safatle:

“O fim da ditadura foi feito através da capacitação das forças democráticas a um modelo de conciliação política que serviu para paralisar todo ímpeto mais profundo de mudança. Modelo que serviu apenas para degradar todo ator político que aparecesse como gestor dos novos consórcios de poder. Por isso, é certo dizer que nossa derrota vem de longe. Ela vem de 1964”, (2016, p. 19, grifo meu).

Dessa maneira, importante compreender que mesmo com interesses comuns, as mobili-zações que culminaram nas chamadas “Direitas Já” e na Assembleia Constituinte de 1987, e consequentemente na Constituição Federal de 1988 (a intitulada Constituição Cidadã), integraram um contexto político maior, que tem como engrenagem a “conciliação política”.

* Pós-Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Estudos de Cultura Contemporânea, da Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO/UFMT). Doutora em Cultura e Sociedade, Universi-dade Federal da Bahia (UFBA), integrante do Observatório da Diver-sidade Cultural.

Page 8: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

8

Tais “ímpetos mais profundos de mudança”, isso é ações de participação social, tiveram reflexos e/ou contribuíram, por óbvio, para o fim da ditadura militar e em termos, ao menos teoricamente, para a formação de uma Constituição Cidadã. Constituição esta que é mista, ou seja, prevê um modelo democrático representativo e também participativo.

No entanto, nesses quase 30 anos de Constituição Federal de 1988, os instrumentos par-ticipativos expressamente previstos (plebiscito, referendo e iniciativa popular) poucas vezes foram utilizados nacionalmente ou em esferas estaduais e municipais, se compararmos o período que o Texto Maior está em vigor. Outro problema é que, somente dez anos depois da promulgação da Constituição, foi criada a legislação infraconstitucional para regular tais institutos (Lei nº 9.709/98).

Ademais, desses mecanismos previstos na Constituição, houve um plebiscito nacional em 1993, um plebiscito no estado do Pará em 2011 e um plebiscito sobre distrito em Campi-nas em 2014; um referendo em 2005 sobre a questão do desarmamento; bem como um referendo sobre o horário para o estado do Acre, em 2010. Com respeito as iniciativas populares, até 2014, só existiam quatro projetos que foram convertidos em lei.

A Lei de Ficha Limpa (LC nº135/2010) é um exemplo de iniciativa popular e foi o quarto projeto dessa natureza aprovado no Brasil. Os outros três são: Lei nº. 8930/1994, conhe-cida como Projeto de Iniciativa Popular Glória Perez e que resultou na modificação da Lei de Crimes Hediondos; Lei nº. 9840/1999, conhecida como “captação de sufrágio”, que trata da compra de votos eleitorais; e, por fim, a Lei nº. 11.124/2005, também conhecida como “fundo nacional para habitação popular”, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social.

A Constituição Brasileira também prevê outras formas de participação popular como os conselhos de políticas, entre outros instrumentos. Há também alguns instrumentos partic-ipativos nas políticas públicas no Brasil, são eles: orçamento participativo, Plano Diretor Municipal; Ouvidoria (ombudsman); conferências de políticas. ‘Conciliação política’ x Participação

Na verdade, as engrenagens da tal “conciliação política” puderam ser vistas durante o período neoliberal, mas não somente nesse período, como veremos a seguir.

Page 9: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

9

Nos anos 2000, após as derrotas desse modelo neoliberal e dos partidos de direita, só restava a opção da esquerda no poder. Foi então a aposta de vermos encerrado o jogo da “conciliação política”. Mas será que isto ocorreu? E a participação social, como foi vista e colocada em prática em um governo “de esquerda”? Afinal, teoricamente, pressupõe-se que nos governos democráticos populares os instrumentos e espaços participativos sejam efetivados. Para tal análise, vamos por partes.

Primeiramente, cabe esclarecer que o Partido dos Trabalhadores (PT) no poder não colo-cou o fim aos mecanismos de conciliação política. Pelo contrário, como vimos em várias Operações como “Mensalão” e “Lava Jato”. De qualquer maneira, não podemos deixar de observar avanços ocorridos, mesmo com alguns vícios políticos, tais como clientelismos, corrupção etc.

Em segundo lugar, cabe analisar o contexto dos anos 2000 no que diz respeito à participação social. A partir de 2003, observa-se no Brasil uma mudança na gestão pública, quando Luiz In-ácio da Silva, do PT, assumiu a presidência da República. Após 13 anos de governo neoliberal,

Audiência pública realizada dia 10 de novembro de 2016, no Ministério Público Fed-eral, em Brasília, para de-bater as recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre as populações indí-genas no Brasil. Crédito: Mídia Ninja

Page 10: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

10

o país passa a ter uma administração voltada para a vertente de governo democrático popular (SANTOS, 2016). Como o escopo de análise das políticas públicas é muito amplo, traremos aqui a área da cultura, a título de exemplo.

Tal área é uma das que mais podemos ver uma nítida diferença entre as administrações tucana e petista; ou seja, entre modelos neoliberal e democrático popular. Enquanto o primeiro baseou-se no slogan “Cultura é um bom negócio”, o segundo teve as diretrizes fundadas no documento “A Imaginação a serviço do Brasil” (PT, 2002). Esse projeto de campanha trazia como princípios norteadores a “gestão democrática”, “cultura como política de estado”, “cultura como direito social básico”, dentre outros. Entre as políti-cas propostas estavam a criação de um Sistema Nacional de Política Cultural, que du-rante sua implantação, na gestão Lula, foi denominado por Sistema Nacional de Cultura (SNC).

Assim, desde o início, ainda no projeto de campanha, a concepção desse sistema foi an-corada no federalismo cooperativo, com base nos princípios constitucionais, principalmente o de soberania popular. Logo, um dos elementos essenciais para a efetividade desse modelo é a participação social. Dessa maneira, o SNC propunha e propõe (se é que ainda podemos falar nisso, mas esta análise ficará para uma conversa posterior) instâncias participativas, seja de escuta social esporádica, como conferências, ou permanentes, que é o caso dos conselhos de políticas. Para subsidiá-los, podem contar com comissões, comitês, grupos de trabalho e colegiados setoriais. Estes espaços são constituídos por atores da sociedade civil e poder público, que atuam de modo consultivo, deliberativo, normativo, executivo ou fiscalizatório, a depender do que rege a norma.

Sem nos aprofundarmos nesses instrumentos e espaços participativos, cabe destacar que, enquanto os institutos participativos expressos na Carta Magna foram pouco instituídos ou efetivados, os mecanismos de participação citados acima tiveram “vez” nas gestões petis-tas, sobretudo, nos governos do ex-presidente Lula. Ou seja, ocorreu a abertura ao diálogo junto aos movimentos sociais e sindicais. Porém, se fizermos uma análise mais aprofundada de tal efetividade da participação social nesses espaços, podemos verificar que a quanti-dade não é (e não foi) o mesmo que qualidade de participação social.

A título de exemplificar esta visão, trazemos um caso nacional, para mostrarmos (brevemente) o que consideramos como efetividade e necessidade de avançar no que diz respeito à participação social.

Page 11: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

11

Entraves da participação social nas instâncias conselhistas

Se por um lado tivemos poucos referendos, plebiscitos e iniciativas populares, entre 2003 a 2014, tivemos inúmeros conselhos de políticas públicas, conferências, orçamentos participa-tivos, consultas e audiências públicas. Há de se destacar ainda que alguns desses instrumen-tos ou espaços participativos já estavam presentes durante o período neoliberal, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), tais como conselhos, que, obviamente, tinham diferenças em sua atuação e normas, ou nos casos dos orçamentos participativos que surgiram no início da década de 1990, principalmente, em esfera municipal de governos petistas.

Voltando ao contexto nacional nos anos 2000, a título de ilustrar a atuação e analisar muito rapidamente a efetividade de instâncias conselhistas, trazemos o exemplo do Colegiado Setorial de Culturas Populares, que também fez parte da pesquisa de douto-rado “Participação Política no Colegiado Setorial de Culturas Populares, do Ministério da Cultura (MinC): uma análise a partir dos canais participativos”.

O Colegiado de Culturas Populares é um ente da estrutura do Conselho Nacional de Políti-ca Cultural (CNPC); este último é dividido por setoriais de cada área temática da cultura. A composição de ambos é paritária e com assentos destinados a sociedade civil – estes são representantes eleitos por seus pares em espaços participativos – e poder público – escolhidos pelo Presidente da República, por meio de gestores do Ministério da Cultura.

O Colegiado iniciou suas atividades em 2010, durante a Pré-Conferência de Culturas Populares, evento realizado pelo Ministério da Cultura para discussão de políticas culturais e no qual se elegeram representantes da sociedade civil para a formação do primeiro mandato do órgão. Dessa maneira, o órgão está em seu terceiro biênio.

Sem nos detalharmos e nos aprofundarmos nos dados desse trabalho doutoral, cabe aqui trazer algumas indagações feitas a partir da pesquisa empírica, que, de certa forma, re-spondem as perguntas iniciais deste artigo. São elas:1) A questão da representatividade;2) A questão dos interesses pessoais e privados acima dos interesses coletivos;3) A emergência da mobilização social, de modo crítico, colaborativo e integrado e tendo em vista o bem comum e não (reforçamos novamente) o bem ou interesse privado.

Page 12: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

12

Com relação ao primeiro tópico, os conselhos e os colegiados setoriais são uma forma de o Poder público construir, de modo colaborativo com a sociedade, políticas públicas setoriais. Porém, para se chegar a esses espaços a sociedade civil é representada. Nesse sentido, assim como os políticos – representantes eleitos para o Executivo e o Legislativo – deve-riam colocar em prática mecanismos de accountability1, os conselheiros eleitos também deveriam ter e manter contato com suas bases, prestando contas de suas ações enquanto representantes setoriais. No entanto, observou-se que muitos não conseguiam dar e ter esse retorno aos atores sociais das culturas populares em sua localidade e, sobretudo, de sua região; ou seja, há a fragilidade desta representatividade. Como consequência, a maio-ria dos atores sociais do segmento, a exemplo do Colegiado de Culturas Populares, alega não conhecer essa instância.

A partir desse caso, acredita-se que a maioria dos conselhos e colegiados sofre com a questão da representatividade. Analisou-se que a representatividade desses conselheiros é limitada, pois há fatores que interferem na efetividade representativa, como mobilização da sociedade civil, acesso às informações públicas do setor, dentre outros problemas específicos de cada área/segmento.

Manifestação contra a PEC55, em Vitória, Espírito Santo, dia 11 de novembro de 2016. Crédito: Mídia Ninja

1 Accountability refere-se, de modo resumido, a concepção de responsabilização dos agentes políticos, ou melhor, ao cumprimento de responsabili-dades dos governantes para com os governados. Nesse sentido, poderíamos considerar como prestar contas à sociedade dos atos dos gestores na admin-istração pública. O conceito também está relacionado com a ideia de controle feito aos governantes, sejam eles do tipo internos, externos ou feitos pela sociedade.

Page 13: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

13

Além disso, a atuação política dos conselheiros pode ser vista como restrita e ligada (mui-tas vezes) aos interesses mais próximos e imediatos da organização a que se vincula ou, até mesmo, a interesses pessoais, regionais ou privados.

Conclui-se que, mesmo diante da relevância do órgão, sua efetividade é comprometida por fatores externos e internos ligados à sua atuação, quais sejam: descontinuidades; prob-lemas de ordem de gestão pública (equipe, organização, estrutura interna da instância); disputas pessoais, internas e partidárias; fragilidade da representatividade; subutilização de canais de comunicação (necessidade de efetivar a transparência pública).

Por conseguinte, é preciso haver: maior institucionalidade, aprimoramento e facilidade de acesso aos dados e aos mecanismos de transparência pública dos Conselhos e do Colegiados (e é claro do próprio Governo); e também, sobretudo, maior mobilização do segmento das culturas populares e maior articulação entre representantes e representados (SANTOS, 2016).

Reflexões finais

Infelizmente, observamos que assim como “A Nova República foi fundada na exigência de integrar o arcaísmo ao poder, com suas relações empresarias espúrias e suas blindagens midiáticas”, (SAFATLE, 2016, p.19), os conselhos e os colegiados, enquanto mecanismos de participação social, na maioria dos casos, trazem em si uma cultura política “viciada” tal qual ocorre na política nacional.

Vimos, assim, que mecanismos de participação social previstos na Constituição são pouco utilizados e os espaços participativos trazem vícios de nossa cultura política nacional, ba-seada em apatia política, clientelismos, corrupção, interesses privados acima dos coletivos etc. Logo, qual seria o caminho?

A partir de 2012 e, principalmente, de 2013, notamos que a “saída” está sendo a rua e as redes e mídias sociais. Quer dizer, as mobilizações em redes sociais virtuais e físicas. As ruas estão sendo, sejam por movimentos de direita ou de esquerda, o novo palco ou espaço par-ticipativo brasileiro. Soma-se a isso, a nova “Ágora”: as mídias sociais, com seu poder de mobilizar diferentes atores sociais em um contexto quase imediato. Além das mobilizações nas ruas, as chamadas “Ocupações” também integram esses novos contextos, pós-2013.

Page 14: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

14

Esse movimento, em construção e diversificado em suas “bandeiras”, deve ser analisado. Mas para fazê-lo, com certeza, a conversa será mais longa, e sendo necessário o contex-to histórico e político mais pormenorizado da “Nova República”, já que, de certa forma, retomamos – com a eleição geral de 2014 e a vitória de Dilma Rousseff para assumir a presidência em 2015, a “conciliação política”.

Por fim, um dado a ser integrado a esse cenário: as eleições municipais de 2016, na qual “a rua” foi o principal palco da campanha do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Mesmo derrotado em importantes cidades, como Rio de Janeiro (RJ), Belém (PA) e Sorocaba (SP), este partido vem se despontando como o principal propagador de políticas sociais, participativas e inclusivas, assim como encabeçando os movimentos sociais e a “nova esquerda” brasileira. Aliás, outro assunto para conversa posterior: precisamos falar sobre a “esquerda” no Brasil e sobre qual participação social que queremos.

Referências

SAFATLE, Vladimir. “A derrota é algo que se constrói a frio”, maio de 2016, Revista Cult, nº 212, ano 19, p.18-21.

SANTOS, Giordanna. Participação política no Colegiado Setorial de Culturas Populares, do Ministério da Cultura (MinC): Uma análise a partir dos canais participativos. Revista Inter-nacional de Estudios Políticos, Cívicos y Comunales. Volumen 1, Número 1, 2016, www.las-humanidades.com. ISSN: 2471-8653 (Versión Impresa) 2471-8661 (Versión Electrónica)

Page 15: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

15

PRIMAVERA SECUNDARISTA OU POR QUE OCUPAR?Núbia Braga Ribeiro*

A PEC 241 surge quando o poder executivo apresenta ao Congresso Nacional, no dia 15 de junho, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a finalidade de estabelecer um novo regime fiscal e, com isso, equilibrar as contas públicas. Diante de um Congresso reacionário, o mais desde os tempos violentos da ditadura militar no Brasil, era de se espe-rar que a Câmara dos deputados acolhesse tal proposta que no momento se encontra para votação no Senado “travestida” de PEC 55.

A PEC 241 (agora PEC 55) é uma total afronta aos direitos sociais, pois deflagra um golpe na educação, na saúde e na assistência social, justificada por meio de um discurso absurdo, de controlar as despesas públicas, defende-se a ideia de “cortes necessários do Estado” ou o que se denomina de “novo teto para o gasto púbico” camuflando, assim, suas aberrações. Dentre seus disparates, a PEC 55 limita e congela os investimentos, que já eram escassos, por 20 anos em áreas fundamentais. Por esse caminho, causa um impacto sobre os recursos voltados para educação, saúde, assistência social, além de recair sobre os trabalhadores e servidores públicos, pois até o salário mínimo está na sua mira (ou na sua geladeira).

Diante deste contexto, diversos manifestos de sindicatos, instituições, institutos, categorias de trabalhadores, de professores e de estudantes no Brasil inteiro protestam contra os mandos e desmandos do governo que tem como uma de suas bandeiras a PEC 55 para “salvar” o país da crise.

Golpe atrás de golpe, não para por aí. A Medida Provisória 746 (MP 746), de 22 de setembro de 2016, apresentada pelo governo federal e o Ministro da Educação ao Congresso, impõe uma drástica reforma no Ensino Médio.

*Doutora em História Social pela USP/SP. Professora da Faculdade de Políticas Públicas da UEMG, membro do grupo de pesquisa ODC e mem-bro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania.

Page 16: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

16

Conforme publicação no blog do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, os jovens estudantes secundaristas da Escola Estadual Ari da Franca e de outras escolas ocupadas da região de Venda Nova, panfletaram, no dia 2 de novembro de 2016, no centro de Belo Horizonte. O impresso distribuído pelos estudantes denuncia os danos que a MP 746 pode causar à educação: “Essa MP, que não foi debatida com os professores e nem com estudantes, estabelece que as dis-ciplinas de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia deixam de ser obrigatórias e ainda prevê a contratação de professores sem a exigência de diploma para todas as redes de ensino.

Acreditamos que a retirada destas disciplinas demonstra uma nítida intenção de tirar das escolas o debate crítico sobre a sociedade e a formação humana. Isto significa mais precarização para os professores, assim como o rebaixamento do nível de qualidade do ensino para os estudantes.” (PANFLETO apud http://institutohelenagreco.blogspot.com.br/).

Além de pôr fim a obrigatoriedade das disciplinas de Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia tão fundamentais para a formação humana e cidadã, a MP 746 é uma propos-ta que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96) prevendo turno integral e ensino profissionalizante. Mas que turno integral sem as devidas condições e que ensino profissionalizante são estes? Volta e meia está a resposta à nossa frente: formar técnico autômato, coisificado, tão enaltecido nos tempos da ditadura civil-militar pelos governos autoritários. Ou seja, a ideia é de negação/desconstrução: educar para não pensar, educar para não questionar. Tudo ao contrário do que aprendemos com Paulo Freire (1988), afinal, a educação é prática da liberdade e não prática da dominação. Assim sendo, na concepção de Freire, se revela o caráter libertador e não domesticador da educação, porém a MP 746, forjada pelo governo e pelas elites desejosos de adestrarem a sociedade, é um projeto político de educação que contraria a liberdade, a criatividade e o debate.

No entanto, os jovens nas ocupações e no chão das ruas, na contramão do autoritarismo, estão provando, muito mais que reivindicando, que é na práxis que se aprende, é na ação exercida que se educa e ao se educar se liberta o sujeito de toda opressão, assim como Paulo Freire defendeu por toda sua vida.

Page 17: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

17

Ainda lembrando Paulo Freire, a educação que liberta é um ato dialógico, em que o ato de conhecer e de pensar estão intimamente relacionados. E, é por isso, que ocupar é necessário e urgente! Ou, ainda, podemos lembrar Maria da Glória Gohn, que analisa a importância dos movimentos sociais como práticas também educativas, como parte iner-ente a educação, pois os “movimentos sociais e educação têm um elemento de união, que é a questão da cidadania” (p.11, 2005). Afinal, segundo a mesma autora, “a educação ocupa lugar central na acepção de cidadania. Isto porque ela se constrói no processo de luta que é, em si próprio, educativo” (p.16, 2005). Por esses e tantos outros motivos que é na prática e na realidade que emerge o processo de libertação e que ocupar é um exemplo de luta e de participação social ativas para além das barreiras institucionais e instituídas. É nesse cenário caótico e assustador – com a presença do Estado violência, inaugurado com o neoliberalismo, que bate em professor e em estudantes, do endurecimento da ultradireita e de setores extremamente conservadores da sociedade e, diga-se de passagem, violentos também –, que ocupar e resistir é uma questão vital, de sobrevivência e de dignidade.

As ocupações de escolas pelos jovens estudantes têm sua origem (na história recente do país) na luta contra o sucateamento da educação, como exemplo, em São Paulo, em 2015,

Crédito: Núbio Rodrigues

Page 18: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

18

contra o projeto de “reorganização” da rede paulista de ensino. Entretanto, não find-aram aí, pois a primavera secundarista avançou na luta desde outubro de 2016, com expressividade no Paraná e com força total em todo o Brasil, contra a PEC 55 e a MP 746. Os jovens protagonistas, do Brasil inteiro, já ocuparam mais de 1.000 escolas e no caso das universidades os estudantes ocuparam mais de 160, até então, contra as arbitrariedades do governo. Esses jovens representam um exemplo de cidadania e de luta por direitos que não podem nos ser roubados. E a esperança é que a primavera floresça independente, autônoma, autogestionária, ou melhor, nas palavras de Pablo Neruda: “rompió la tierra, estableció el deseo, hundió sus propagandas germinales y nació en la secreta primavera.”

A luta é clara e legítima ao som das vozes desses jovens que exigem que se garanta uma educação pública e de qualidade e que, portanto, a PEC 55 e a MP 746 conge-lam avanços, negam conquistas de lutas históricas e impõem retrocessos. Por tudo isso, ocupar é se fazer escutar, é um processo de aprendizagem, de experimentar e experenciar a cidadania.

Afinal, a PEC 55 e a MP 746 ameaçam frontalmente extinguir um direito consagrado na Constituição Cidadã de 1988. Elas significam apagar de nossas lutas o texto que deu origem ao artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ademais, fere o artigo 208 que declara como dever do Estado a Educação, pública e gratuita, em seus diferentes níveis, o seu compro-metimento em garantir, ainda, a pesquisa e a criação artística que são dimensões importantes na formação do sujeito crítico e autônomo.

Portanto, a educação para cidadania é o caminho para a constituição de uma sociedade justa no combate às desigualdades e em prol da diversidade. A educação como direito tem íntima relação com a cidadania. Dessa forma, só é possível pensar na construção de uma sociedade mais humana e justa se a educação estiver compromissada com a formação do cidadão. Por tudo dito aqui, que o grito dos jovens, nas ocupações por este país a fora e no chão das ruas, deve ser respeitado e ecoado como uma primavera: ocupar e resistir!

Page 19: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

19

Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil,1988. Brasília, Senado. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaoc-ompilado.htm> Acesso em 09 de setembro de 2016

Entenda o que está em jogo com a PEC 241. 07/10/2016. Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/politica/entenda-o-que-esta-em-jogo-com-a-pec-241> Acesso em 02 de novembro de 2016.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1995. GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Educação. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2005.

NERUDA, Pablo. Canto General. Disponível em: < http://www.neruda.uchile.cl/obra/canto-general.htm> Acesso em 02 de novembro de 2016.

PANFLETO das Escolas Estaduais ocupadas em Venda Nova, Belo Horizonte/MG Disponível em: <http://institutohelenagreco.blogspot.com.br/> Acesso em 15 de novembro de 2016.

Crédito: Núbio Rodrigues

Page 20: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

20

O CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA DA BAHIA E OS DESAFIOS FUTUROS

Kátia Costa* e Plínio Rattes**

O Conselho Estadual de Cultura da Bahia (CEC) completará 50 anos de criação no próximo ano, 2017. Quando lá chegarmos, terá se passado meio século desde que a Lei 2.464, de 13 de setembro de 1967, instituiu-o em plena ditadura militar, período trágico da democ-racia e história brasileiras.

Guardadas as devidas proporções, motivações e contexto histórico, não há como não lem-brar daquele momento e associá-lo à atual situação vivida no país nesse último ano, em que também houve a deposição de um presidente democraticamente eleito. Dessa vez, o método utilizado foi um golpe institucional, midiático e jurídico, e, assim como na década de 1960, teve expressiva colaboração de setores da sociedade brasileira.

A tensão e polarização político-partidária, agravada por uma crise econômica que tem solapado os investimentos sociais realizados nos últimos anos, coloca os canais e mecanis-mos de participação social como espaços institucionalizados que são, tanto essenciais no processo de consulta e controle, bem como de articulação para uma defesa mais efetiva dos interesses sociais.

No caso dos Conselhos de Política Cultural, esses têm caráter normativo e consultivo com finalidade de contribuir para a formulação e implementação das políticas culturais. Na Ba-hia, após mudança regimental, o CEC passou a ser formado por dois terços de integrantes eleitos em uma consulta pública. São agentes culturais que representam os territórios de identidade cultural e os setores da cultura. O outro um terço é formado por indicações do poder público. Nos últimos dois anos, o conselho tem realizado, de forma inédita, plenárias

*Mestranda do Pro-grama Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Socie-dade (IHAC/UFBA). Especialista em Gestão Cultural pelo Itaú Cultura e Universidade de Girona, atualmente atua com assistente técnica do Projeto Planos Municipais de Cultura em Ambiente de Aprendizagem à Distância, inicia-tiva do MinC, com coordenação da Escola de Administração da UFBA e como consultora na área de elaboração de planos municipais de cultura. É pesquisadora do Observatório da Diver-sidade Cultural.

Page 21: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

21

** Mestrando do Pro-grama Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (IHAC/UFBA). Exerce atualmente o cargo de professor substi-tuto da Faculdade de Comunicação/UFBA e atua como produtor cultural do Teatro Sesc Senac Pelourinho, em Salvador-BA, desde 2011. É pesquisador do Observatório da Diversidade Cultural.

itinerantes, como as realizadas no Subúrbio Ferroviário, em Salvador, nas cidades de Feira de Santana e Juazeiro.

Essas mudanças têm buscado aproximar mais o CEC da sociedade civil, segundo os atuais presidente e vice-presidente, Márcio Ribeiro e Emílio Tapioca, respectivamente, com quem conversamos sobre a atuação do conselho, seus posicionamentos diante do atual cenário político e econômico e as políticas culturais em desenvolvimento no estado.

Questionados sobre a percepção que têm da participação da sociedade civil organizada no desenvolvimento das políticas públicas de cultura e a qualidade desta participação, Ri-beiro comenta que “a efetividade dessas instâncias se dará à medida que a sociedade civil estiver disposta a interagir com esses canais, começando pela reivindicação de que essas estruturas sejam fortalecidas”. Tapioca, por sua vez, pontuou que “a partir de 2007, com o advento das Conferências de Cultura e a implantação do Sistema Nacional de Cultura, a participação se tornou mais efetiva e consistente, principalmente, quanto ao fomento do que chamamos de CPF da Cultura, constituídos nos âmbitos federativos pelos Conselhos, Planos e Fundos de Cultura”.

Nesse quesito, no entanto, notamos que os números do CPF baiano ainda são pouco ex-pressivos, tendo em vista o número de municípios que possuem órgãos gestores de cultura, 93%, ou seja 389 dos 417 municípios do estado. Dados de 2015 indicam que destes 93%, apenas 36% possui conselhos de cultura; 30% possui lei de sistema; 18% possui lei de fundo de cultura; e 5% possui planos de cultura. Até o momento, 49% dos municípios da Bahia aderiram ao Sistema Nacional de Cultura (SNC) . Vemos que ainda há muito a avançar.

Sobre trabalhos integrados entre o CEC e os Conselhos de Política Cultural dos Municípios (CPCM), os conselheiros comentaram iniciativas como o Fórum de Conselheiros Municipais de Cultura, que tem apoio da Secretaria de Cultura do Estado, e é realizado anualmente dentro do Encontro de Políticas e Gestão Culturais. Além disso, conselheiros territoriais e setoriais do CEC, em sua maioria, também exercem, enquanto agentes culturais, as funções de conselheiros de cultura municipais em seus territórios de origem. Segundo Tapioca, “esse é um cenário que tem permitido amplo diálogo e participação”, e que tem buscado aproximar, em alguma medida, o CEC dos CPCMs.

Quando abordamos o tema diversidade cultural, os conselheiros pontuaram ser um desafio

Page 22: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

22

garantir investimentos para toda as expressões culturais produzidas por um estado de 417 municípios. Para Tapioca, há duas realidades que precisam ser consideradas, “de um lado, a ampla diversidade cultural da Bahia e do outro, uma estrutura de Estado que, apesar de todos os esforços, trabalha com orçamento abaixo do necessário para contemplar a pluralidade dos 27 Territórios de Identidade Cultural”. Embora citem os editais e o Fundo de Cultura como ações que evidenciam a tentativa do estado em atingir um número maior de territórios, eles reconhecem que é nítido que as ações não conseguem dar conta da dimensão do estado.

Ribeiro e Tapioca enfatizaram ainda que as contenções orçamentárias têm comprometido a agenda de trabalho do conselho. Para eles, embora tenhamos avançado na participação da sociedade civil, ainda continuamos com entraves no setor orçamentário, pois o aporte governamental previsto e aprovado nos diversos momentos de participação coletiva, como o Plano Plurianual (PPA) e Conferências Estaduais de Cultura, ainda estão aquém das ne-cessidades. Para Tapioca, “é preciso compreender que essa política gera emprego e renda, movimenta de forma consistente a economia e ocupa espaços fundamentais da sociedade,

Hector Julio Paride Carybe

Page 23: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

23

cujo contingenciamento de recursos tem-se tornado o seu maior entrave”.

As dificuldades financeiras são recorrentes nas falas dos conselheiros, o que se apresenta como um desafio não apenas para a manutenção das atividades básicas do conselho, que são suas reuniões ordinárias, mas, para além disso, enfraquece uma estrutura que tem potencial de articulação e mobilização em torno de políticas culturais que cumpram a Lei Orgânica da Cultura e os Sistema e Plano Estadual de Cultura.

Sabemos, no entanto, que o problema orçamentário é apenas um dos problemas enfren-tados por essas instâncias. Embora inúmeras iniciativas no campo da participação social na implementação, formulação e avaliação de políticas públicas tenham surgido no país desde a década de 1990, e muito tenha se avançado até aqui, é preciso se questionar, so-bretudo, a qualidade dessa participação. As questões chaves que envolvem hoje os canais institucionalizados de participação é justamente saber quem participa, que desigualdades subsistem na participação e como se dá o processo de construção do interesse coletivo no âmbito desses dispositivos (MILANI, 2008:552).

É uma pena que questões orçamentárias, embora importantes, ocupem muitas vezes o centro do debate, empanando a discussão sobre a efetividade da participação. O CEC, que logo mais entrará na sua quinta década de existência, faria um bem enorme a si próprio e à sociedade ao levantar essa bandeira e fazer repercutir esse debate.

Referência

MILANI, Carlos. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-americanas e europeias. Revista de Administração Pública; Rio de Janeiro 42(3):551-79, maio/jun. 2008

RIBEIRO, Márcio; TAPIOCA Emílio. Concelho Estadual de Cultura do Estado da Bahia. En-trevistas concedidas ao Observatório da Diversidade Cultural em 23 e 27.10.2016.

Page 24: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

24

DA SÉRIE ‘RELATOS SOBRE A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA FRANÇA E NO BRASIL’: ENTREVISTA COM A CONSEILLÈRE DEPARTAMENTALE, SILVIA CAPANEMA, DO

DEPARTAMENTO SEINE- SAINT-DENIS, ARREDORES DE PARIS.

Renata Melo*

Dando continuidade à série de entrevistas sobre participação social em ambientes de gestão compartilhada na França e no Brasil, entrevistamos Silvia Capanema, brasileira de Belo Horizonte, jornalista graduada na UFMG, com mestrado e doutorado na área de história, e com uma passagem na área de lLetras. A pesquisadora realizou os estudos na Ecolle des Hautes Etudes em Sciences Sociales em Paris e, atualmente, é professora da Universidade Paris 13 na área de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira, ministrando au-las sobre a América Latina e Portugal. É também militante do Partido Comunista Francês, da Frente de Esquerda, e recentemente foi eleita para o cargo de Vereadora, em 2014, e de Conseillère Départamentale em 2015.

ODC: A intenção da nossa conversa é extrair um relato sobre a experiência de partici-pação institucionalizada, a participação social, que já vem sendo utilizada como termi-nologia em pesquisas, para a elaboração de política pública. A ideia é analisar como se dá essa participação social na França. Entretanto, em primeiro lugar, gostaria que você contextualizasse falando sobre a cidade onde mora, o cargo que exerce e descrevesse as atividades que exerce em função do cargo, bem como, qual o seu papel na formulação/implementação de políticas públicas para a cidade onde mora.Silvia: Recentemente fui eleita para o cargo de vereadora, em 2014, e de conseillère départamentale [uma espécie de deputada estadual] em 2015. Em março de 2014, por meio da participação no partido e nos movimentos feministas aqui, em Saint-Denis, fui eleita numa lista que era encabeçada pelo prefeito atual, que é um prefeito do Partido Comunista Francês, com uma composição de frente de esquerda, ecologistas e alguns socialistas dissidentes. Aqui na França as eleições são bem diferentes do Brasil. Primeiro,

* Pesquisadora do Observatório da Diversidade Cultur-al. Doutoranda em Cultura e Sociedade na UFBA. [email protected].

Page 25: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

25

as eleições são em lista. Aquele que tem a maioria elege a maioria, os cargos dos parlam-entares, e a oposição ficam com a minoria. Outra grande diferença é que você pode acu-mular cargos e funções. O prefeito compõe o executivo dele com os próprios vereadores. Alguns parlamentares têm uma tripla função: secretariado, legislativo e executivo. Além disso, na entrevista com Celso Libânio2, ele diz claramente que existem as aglomerações. Alguns desses políticos, vereadores, são nomeados na aglomeração. Na época eu fui no-meada na aglomeração de Plaine Commune, que é a grande aglomeração daqui, com nove cidades da periferia. Nós estamos falando da segunda maior cidade da periferia parisiense, Saint-Denis, com 111 mil habitantes, o que representa uma grande cidade para a França. Dentro dessa aglomeração, são 450.000 habitantes, com nove cidades de periferias populares. O espírito dessa aglomeração, que foi uma das primeiras Plaine Commune e é até referência, é fazer o renascimento dessa área, que era industrial. Com a desindustrialização, que começa nos anos 70, 80, 90, foi uma área que sofreu muitos abandonos, lugares fechados, muita indústria fechando, desemprego, falta de um projeto urbano... E essa reindustrialização vai acontecer na área chamada La Plaine, onde está o Estado de France. Em 2015 teve outras eleições, que foram para o Departamento 93. Tenho uma função no executivo e o departamento é maior, são 1.500.000 habitantes, é a Seine-Saint-Denis, o mais popular e também um dos mais pobres da França, muito ur-bano, são 22 cidades. Meu cargo seria, então, uma secretaria de juventude e luta contra discriminações e ao mesmo tempo um cargo de parlamentar nesse departamento e um cargo de parlamentar na cidade de Saint-Denis. A população dessa periferia hoje é muito pobre, muito estigmatizada, porque é uma população de imigrantes. Tenho dados de que 30,8% da população de Saint-Denis é estrangeira; e que 37,7% são imigrantes (nascidos no exterior e de nacionalidade estrangeira no nascimento). Dados de 2013.

ODC: Em se tratando de participação social, você considera que há alguma experiência no ambiente institucional na França? As pessoas se envolvem nas decisões do poder público? Elas têm pretensão de opinar sobre a política pública da cidade onde moram?Sílvia: Não, na verdade, este movimento está muito fraco. Houve uma época boa, e principalmente aqui também em Saint-Denis, teve uma parceria com Porto Alegre, que gerou inclusive um livro que analisa de forma comparada a democracia local em Porto Alegre e Saint-Denis, foi quando desenvolveram o orçamento participativo, nos anos 90, início dos anos 2000... e depois se apagou um pouco. Hoje, a questão da participação social aqui se faz muito por meio das associações e dos movimentos sociais associativos. Essas associações são financiadas, em grande parte, pelos poderes públicos. E é bem com-

Page 26: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

26

partilhado entre o município, as aglomerações, os departamentos, as regiões e o estado. Re-centemente surgiu uma lei que redefiniu as competências para otimizar os gastos. Inclusive acho que o que propõe essa lei tem que ser repensado, mas, em princípio, pode funcionar. Então essas associações são o que faz “viver” esse tecido local, e para a gente é muito im-portante. Entretanto, algumas cidades “e regiões de direita” estão cortando muitas verbas das associações, e isso está criando mais desemprego, menos presença de tecido social, menos participações. Seriam como as ONGs no Brasil. E, a partir de determinado momento, estas associações se encontram numa condição muito fácil de serem criadas, através da lei nº 1.901. Algumas associações são muito conhecidas, outras menos, muitas são próximas de um partido ou de outro. Este é um dos níveis da participação. Cada prefeitura tem um secretário, que é de diálogo com o mundo associativo, mas tem outro secretário, responsável pela política cultural. Surgem então as políticas que são decididas e que são instauradas, entretanto, tudo é decidido pelo Executivo. Há pouca participação, em termos de democracia participativa, que conjugue a política cultural e a iniciativa popular.

ODC: Outro ponto importante a questionar é se, além dessa participação por meio das associações, que podemos considerar como um movimento não institucionalizado, existe alguma estrutura institucionalizada de participação em política cultural, como uma espé-cie de conselho, que tenha paridade entre membros do Poder Público e sociedade civil? Sílvia: Dentro da política pública, não que eu conheça. As associações são semi-in-stitucionalizadas, porque são financiadas sempre em parceria com o Poder Público. Por

CZA Photografie CR

Page 27: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

27

exemplo, nós vamos fazer uma festa aqui em Saint-Denis que é a Fête des Tulipes, uma festa no parque. É uma festa linda, que planta tulipa até a chegada da primavera. E quem faz a festa junto com a prefeitura são as associações. Qualquer iniciativa que a gente quer fazer, a gente fala “vamos fazer com as associações, nós não vamos fazer sozinhos”. Tudo é associa-tivo. Quem cuida desses serviços para a população são as associações. É assim que funciona. Então é um semi-institucional. Hoje, a grande instância de democracia local é a que foi criada, para renovar, porque a democracia local está frágil, os habitantes fazem muitas reuniões de bairro, mas eles não vão, são desmotivados, os jovens não vão, não participam, não vão votar. Alguns grupos desses espaços de cidadania estão muito complicados...

ODC: Mas você acha que é descrença?Sílvia: Eu acho que é descrença. Acho que, às vezes, a gente é até vítima de uma prosper-idade que existe aqui... A vida é boa mesmo. A distância do Poder Público com as pessoas, e a própria relação dos parlamentares que viram políticos profissionais, e que fazem um jogo político, para manter o poder, e as brigas estão entre eles, entre os grupos, entre os partidos, e não chega à população, a população não tem esse espaço, e, muitas vezes, eles nem querem dar espaço, porque é um momento de ouvir críticas, de se desgastar, quando você abre para a participação popular. E os políticos têm horror a isso, desse desgaste, porque pode se perder a eleição, e o poder é muito dividido. De certa forma, eu até me interrogo se os políticos não se beneficiam de uma abstenção, que chega a 60% ou 70%. Se no fundo é diferente.

ODC: Poderíamos supor então que eles não estimulam essa participação justamente para isso não mudar?Sílvia: É. Eu acho que tem um lado de desconfiança... Então a nova questão que foi cri-ada para a democracia participativa hoje é no nível que se chama, aqui na nossa região, de Conseils Citoyens, Conselhos Cidadãos, que é no nível da política da cidade e é, na verdade, uma política do Estado Francês de privilegiar as zonas mais pobres, em termos de verbas. Eu até chamo isso de uma forma de ação positiva, afirmativa, mas com verbas, o que é importantíssimo, que é dar um dinheiro para essas áreas que são mais pobres. É a chamada política da diversidade, e é justamente onde tem muita moradia social. Agora foi criado o Conselho Cidadão, e esse Conselho é imposto pelo Estado Francês e tem que ter uma série de regras, e uma delas é que os parlamentares [os políticos locais] não podem participar. E isso deixou muita desconfiança no nível local. Entretanto, esses Conselhos são formados por três colégios: no primeiro, os habitantes são sorteados, no segundo, os habitantes são voluntários, e, no terceiro, são membros das associações locais. É bacana.

Page 28: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

28

ODC: Poderia se afirmar que há uma tendência ao desenvolvimento desses conselhos cidadãos na França?Sílvia: Aqui na França, a tendência também pode ser uma combinação de poderes, de instâncias. Eu proporia isso, porque trabalhei muito com a democracia local, ter tipo um quarto colégio; temos os eleitos, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário... e um quarto poder, que poderia existir. Seria como um poder cidadão, e sairia desses Conselhos. Mas isso é uma coisa que tem que desenvolver, porque seria um verdadeiro poder, ia existir inclusive para contrabalancear as decisões de Executivo e Legislativo, que representam partidos, organi-zações, todos têm uma história, têm uma lógica... mas o outro seria mais ligado à sociedade. [...] A cultura, apesar de tudo, no Departamento, é uma das prioridades. E a cultura é, então, financiar as associações culturais e os grandes eventos culturais. E as associações vão desde uma escola de arte até uma associação que trabalhe esporadicamente, um grupo de artistas e os eventos. E uma das conquistas que obtivemos através da nossa Secretária de Cultura foi não mexer no orçamento da cultura. Esse orçamento, nos dois primeiros anos, ficou estável. Isso foi uma boa conquista que a gente defende ainda.

ODC: Diante de tudo que foi falado, você consegue dimensionar a efetividade desses espaços, mesmo que semi-institucionalizados, como uma espécie de mecanismo efetivo dentro das políticas públicas na França?Sílvia: É um combate político, porque é efetivo sim, é como funciona hoje, mas pode se perder, porque se a política de austeridade, ou outro governo com outras prioridades, ou com as mesmas, e com essas prioridades começarem a cortar a verba... isso tudo não tem um valor institucional, não é lei, não tem uma garantia pela lei, é muito variável, né? Varia de acordo com os interesses de quem está no poder. Isso fragiliza, pois fica de acordo com a boa vontade dos governos e da mobilização que, por sua vez, faz pressão.

ODC: Você acredita então que, se toda essa estrutura tivesse uma institucionalização através de lei, isso pudesse ser uma garantia?Sílvia: Eu acho. Uma garantia perenizada. Claro que sim. Em 1968, a última das rev-oluções francesas, foi uma revolução da juventude com os operários. E que teve con-quistas, e conquistas perenes, as universidades públicas, o sistema de universidades, a expansão universitária vem daí. Depois, muita coisa se perdeu, a esperança de que aquela geração ia chegar no poder e que ia fazer alguma coisa mudar o mundo... mas não, aquela geração chegou no poder e não fez, esqueceu tudo.

Page 29: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

29

A consolidação articulada dos Sistemas de Cultura, no âmbito dos três níveis de governo, tem sido um dos grandes desafios enfrentados pela União, Estados e Municípios brasileiros. Referendando tal afirmação, dados do Ministério da Cultura (MinC) apontam que, mais de quatro anos após a instituição do Sistema Nacional de Cultura (SNC), apenas 40% dos municípios brasileiros realizaram a sua adesão ao SNC (MINC, 2016).

Vale lembrar que, a partir de 2003, com base numa visão ampliada de cultura e consid-erando as dimensões simbólica, cidadã e econômica, o MinC realizou debates por todo território nacional, com ampla participação da sociedade, visando à formulação e desen-volvimento de políticas públicas para o campo da cultura, levando-se em conta toda a di-versidade e complexidade inerentes a este setor. Daí, resultaram o SNC e Plano Nacional de Cultura (PNC), instrumentos que visam nortear as políticas de cultura no país, promovendo a institucionalidade do setor e fortalecendo a relação federativa.

Com o mesmo objetivo, dentre diversas outras iniciativas, a Secretaria de Cultura do Es-tado da Bahia (Secult) lançou, em agosto de 2016, o Programa Municípios Culturais, cujo objetivo é “contribuir para o desenvolvimento cultural dos municípios, fortalecendo a sua gestão através dos sistemas municipais de cultura, em alinhamento institucional com o Sistema Estadual de Cultura e o Sistema Nacional de Cultura” (Secult, 2016). O evento de lançamento, realizado em Feira de Santana, mesmo em meio ao processo eleitoral munici-pal, contou com a presença de mais de 300 municípios baianos, gerando uma expectativa positiva quanto ao sucesso do programa.

PROGRAMA MUNICÍPIOS CULTURAIS: UMA INICIATIVA PARA A INSTITUCIONALIDADE DA CULTURA NO ESTADO DA BAHIA

Kátia Costa* e Plínio Rattes**

*Mestranda do Pro-grama Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Socie-dade (IHAC/UFBA). Especialista em Gestão Cultural pelo Itaú Cultura e Universidade de Girona, atualmente atua com assistente técnica do Projeto Planos Municipais de Cultura em Ambiente de Aprendizagem à Distância, inicia-tiva do MinC, com coordenação da Escola de Administração da UFBA e como consultora na área de elaboração de planos municipais de cultura. É pesquisadora do Observatório da Diver-sidade Cultural.

Page 30: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

30

Segundo Sandro Magalhães , Superintendente de Desenvolvimento Territorial, da Secult, tal ini-ciativa compõe o processo de institucionalização da cultura na Bahia, cujos pilares são a Lei Orgânica e o Plano Estadual de Cultura. O dirigente afirma que a principal motivação para criação do programa foi a necessidade de estruturação da relação institucional entre o Estado e os mu-nicípios baianos, com a organização dos respectivos sistemas e definição das responsabilidades, de forma articulada entre os níveis de governo, quanto a programas, projetos e ações no campo da cultura.

O Programa Municípios Culturais está ancorado em duas linhas de atuação: fortalecimento do Sistema de Cultura e apoio ao desenvolvimento de ações culturais nos municípios. A primeira tem por base a adesão ao programa até março de 2017, com a necessária adesão ao Sistema Estadual de Cultura e a elaboração, com suporte técnico da Secult, de plano de trabalho que visa organizar, preferencialmente por meio de lei, a estrutura mínima para efetivação das políticas culturais, composta pela formalização do órgão gestor de cultura, do Fundo Municipal, do Plano de Cultura e de instância de participação social, como o Conselho de Política Cultural. A expecta-tiva da Secult é de que 60% dos municípios baianos adiram ao programa no prazo estabelecido.

Os municípios que cumprirem ao menos 50% dos compromissos constantes do plano de trabalho estarão aptos a firmar termos de cooperação da segunda linha do programa, que prevê ações compartilhadas, alinhadas às diretrizes da política cultural do Estado, com responsabilidades definidas para cada ente. Serão aplicadas ações de fortalecimento da cultura, as quais envolvem consultorias, assessorias, oficinas, formações dentre outras, distribuídas em sete categorias: Formação; Fomento; Institucionalização cultural; Arquivo e biblioteca; Linguagens artísticas; Patrimônio cultural; e, Grupos identitários e tradicionais.

Magalhães explica que os municípios escolherão até cinco ações dentro de qualquer das sete categorias e destaca, ainda, que determinadas ações são exclusivas de alguns mu-nicípios, por exemplo a “sensibilização sobre o samba de roda”, característica dos mu-nicípios do Recôncavo da Bahia, ou a “oficina de conselhos municipais”, direcionada para municípios que possuem tal instância. Os termos de cooperação definem, além das re-sponsabilidades, contrapartidas e respeitam as capacidades orçamentárias e de gestão de cada município, podendo contar ainda com a articulação transversal e intersetorial com outras secretarias de Governo do Estado em ações direcionadas aos municípios.

A gestão do programa está estruturada em três comitês: Comitê Gestor, Comitê de Ex-

** Mestrando do Pro-grama Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (IHAC/UFBA). Exerce atualmente o cargo de professor substi-tuto da Faculdade de Comunicação/UFBA e atua como produtor cultural do Teatro Sesc Senac Pelourinho, em Salvador-BA, desde 2011. É pesquisador do Observatório da Diversidade Cultural.

Page 31: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

31

ecução e Acompanhamento e Comitê de Monitoramento. Chama atenção o fato de que esses comitês são compostos exclusivamente por representantes da Secult e suas unidades vinculadas. Questionado quanto a isso, Magalhães reconheceu que era um ponto a ser revisto para inclusão de representação tanto da sociedade, através dos colegiados e dos conselhos de política cultural, quanto dos próprios municípios, por meio da Associação dos Dirigentes Municipais de Cultura da Bahia (ADIMCBA).

Outro ponto ressaltado pelo superintendente da Sudecult é que o programa possui uma característica típica de ações continuadas, englobando etapas de articulação, mobilização, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas de cultura. Ele ressalta que as ações de mobilização e articulação vêm de anos, adotadas a partir de decisão política no primeiro Governo Wagner (2007-2010), dando como exemplo os eventos da Semana de Gestão e Políticas Culturais, que envolve o Fórum de Conselhos Municipais de Cultura.

A estruturação do programa prevê a construção de uma plataforma digital, onde estarão reg-istrados todos os compromissos firmados pelos municípios e as ações efetivamente realizadas. Espera-se que tais registros permitam, ao longo do tempo, a construção de indicadores rel-ativos ao campo da cultura, além do fortalecimento da transparência pública, com o efetivo acompanhamento dos compromissos e ações pela sociedade, afirma o superintendente.

Em que pese todas as ações previstas, não se observa no Projeto de Lei Orçamentária Anual para o ano de 2017 (SEPLAN, 2016) qualquer rubrica orçamentária que dê suporte ao pro-grama, o que pode ser um componente de risco para a sua efetiva realização e para o seu

Carybé

Page 32: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

32

sucesso. Segundo o dirigente, a proposta inicial é associá-lo a ações em curso na Secult e suas vinculadas, aproveitando-as como elementos de partida para o programa.

Na justificativa para o programa, a própria Secult apresenta dados que exibem um pan-orama institucional desbalanceado dos municípios baianos: enquanto cerca de 90% dos municípios têm órgão gestor de cultura e 70% contam com Fundo de cultura, somente 5% possuem planos de cultura (SECULT, 2016). Questionado sobre tal fato, Magalhães elenca problemas de âmbito municipal reconhecidos, mas que ainda persistem e provocam desestabilização institucional, como a falta de estrutura funcional dos órgãos de cultura, a falta de legislação específica e a descontinuidade nas pastas, questão esta que afeta diretamente o planejamento da área da cultura, o que explicaria, em certa medida, o baixo percentual dos municípios com planos de cultura.

Outra questão é que há uma descontinuidade nas pastas, então os municípios não continuam; e plano é um instrumento que depende de continuidade, depende de pensar as ações de governo como ações do município. Não só governamentais, mas institucionalizadas. (MAGALHÃES, 2016)

O dirigente reconhece que não há uma organização sistêmica entre União, Estados e Municípios, na lógica do pacto federativo, para o campo da cultura. Como exemplo, ele cita que um bom número de municípios baianos tem a lei do sistema municipal de cultura, mas que, na opinião dele, “na verdade, nasce morta”, pois se observa que, em muitos desses municípios, a instituição da lei não vem acompanhada de ações efetivas de políticas para o campo da cultura.

Ao ser abordado sobre a relação entre o programa e a questão da Diversidade Cultural, Magalhães afirma que o seu principal objetivo é a organização do campo da cultura. Res-salta, porém, que o programa é orientado a partir das diretrizes da política cultural do Estado. Como, dentre as diretrizes, está a valorização da Diversidade Cultural, ele entende que ela será contemplada pelo programa.

Um ponto de atenção é o atual cenário político nacional, em razão das importantes dif-erenças de entendimento, em nível federal, das gestões anteriores e da atual no tocante à efetivação e à garantia dos direitos sociais e culturais. A cultura vive momentos de tensão e resistência, vez que políticas que visam estruturar o campo da cultura poderão ser forte-mente impactadas, a partir de possíveis mudanças de diretrizes e ações do Governo Federal.

Page 33: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

33

Com o Programa Municípios Culturais, a Bahia dá um importante passo em relação à institucionalidade da cultura, pois reconhece o município como o ambiente propício para o desenvolvimento cultural e estabelece a importância dos compromissos assumidos por ente, valorizando a relação federativa no desenvolvimento de programas, ações e proje-tos necessários para alavancar a cultura em nosso país. Como destaca Buarque (2008), o desenvolvimento local depende de um ambiente político e social favorável e a convergên-cia em torno de prioridades, levando em conta as potencialidades e especificidades da matriz cultural de cada localidade ou território.

Deste modo, o Programa Municípios Culturais se apresenta como uma iniciativa positiva, que torna evidente a importância dos municípios e governos locais na estruturação de um sistema público de cultura, mas também no contexto do desenvolvimento dos estados e do país. O estímulo trazido pelo programa bem como o suporte oferecido pela Secult no seu planejamento e execução, poderão, sim, contribuir para a efetiva institucionalização da cultura nos municípios baianos, além de, pela ação compartilhada, dar eficácia ao uso de recursos públicos estaduais e municipais na gestão e execução das políticas culturais. Vale acompanhar de perto os desdobramentos desse programa.

Referências

BUARQUE, Sérgio C. Construindo o desenvolvimento local sustentável. Rio de Janeiro: Ga-ramond, 2008, 4ª ed.;

MINC, Ministério da Cultura. Adesão dos municípios e estados ao SNC -10/10/2016. Dis-ponível em http://cultura.gov.br/documents/1305219/0/2016.10.10+-+Quantitativo+de+-Munic%C3%Adpios+e+Estados.pdf/1532a319-1193-4075-b88e-3dae93ec4a13. Acesso em 14/11/2016;

SECULT, Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. Programa Municípios Culturais. Disponível em http://www.cultura.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=132. Acesso em 14/11/2016;

SEPLAN, 2016. PLOA – Projeto de Lei Orçamentária Anual para 2017. Disponível em http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=25. Acesso em 14/11/2016.

Page 34: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

Pós-Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Estudos de Cultura Contemporânea, da Universidade Federal de Mato Grosso (ECCO/ UFMT). Doutora em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia (UFBA), integrante do Observatório da Diversidade Cultural.

Doutora em História Social pela USP/ SP. Professora da Faculdade de Políticas Públicas da UEMG, membro do grupo de pesquisa ODC e membro do Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania.

Mestranda do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (IHAC/ UFBA). Especialista em Gestão Cultural pelo Itaú Cultura e Universidade de Girona, atualmente atua com assistente técnica do Projeto Planos Municipais de Cultura em Ambiente de Aprendizagem à Distância, iniciativa do MinC, com coordenação da Escola de Administração da UFBA e como consultora na área de elaboração de planos municipais de cultura. É pesquisadora do Observatório da Diversidade Cultural.

Mestrando do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (IHAC/ UFBA). Exerce atualmente o cargo de professor substituto da Faculdade de Comunicação/ UFBA e atua como produtor cultural do Teatro Sesc Senac Pelourin-ho, em Salvador-BA, desde 2011. É pesquisador do Observatório da Diversidade Cultural.

Pesquisadora do Observatório da Diversidade Cultural. Doutoranda em Cultura e Sociedade na UFBA. [email protected].

SOBRE OS COLABORADORES DESTA EDIÇÃO:

34

Page 35: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL
Page 36: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

O O Observatório da Diversidade Cultural – ODC – está configurado em duas frentes complementares e dialógicas. A primeira diz respeito a sua atuação como organização não-governamental que desenvolve programas de ação co-laborativa entre gestores culturais, artistas, arte-educadores, agentes culturais e pesquisadores, por meio do apoio dos Fundos Municipal de Cultura de BH e Estadual de Cultura de MG. A segunda é constituída por um grupo de pesquisa formado por uma rede de pesquisadores que desenvolve seus estudos em várias IES, a saber: PUC Minas, UEMG, UFBA, UFRB e USP, investigando a temática da diversidade cultural em diferentes linhas de pesquisa. O objetivo, tanto do grupo de pesquisa, quanto da ONG, é produzir informação e conhecimento, gerar experiências e experimentações, atuando sobre os desafios da proteção e promoção da diversidade cultural. O ODC busca, assim, incentivar e realizar pesquisas acadêmicas, construir competências pedagógicas, culturais e gerenciais; além de proporcionar experiências de mediação no campo da Diversidade Cultural – entendida como elemento estruturante de identidades coletivas abertas ao diálogo e respeito mútuos.

Desenvolvimento, orientação e participação em pesquisas e mapeamentos sobre a Diversidade Cultural e aspectos da gestão cultural.

Desenvolvimento do programa de trabalho “Pensar e Agir com a Cultura”, que forma e atualiza gestores culturais com especial ênfase na Diversidade Cultural. Desde 2003 são realizados seminários, oficinas e curso de especialização com o objetivo de capacitar os agentes que atuam em circuitos formais e informais da cultura, educação, comunicação e arte-educação para o trabalho efetivo, criativo e transformador com a cultura em sua diversidade.

Produção e disponibilização de informações focadas em políticas, programas e projetos culturais, por meio de publica-ções e da atualização semanal do portal do ODC e da Rede da Diversidade Cultural – uma ação coletiva e colaborativa entre os participantes dos processos formativos nas áreas da Gestão e da Diversidade Cultural.

Prestação de consultoria para instituições públicas, empresas e organizações não-governamentais no que se refere às áreas da cultura, da diversidade e da gestão cultural.com a temática da diversidade cultural refletem sobre a complexi-dade do tema em suas variadas vertentes.

SOBRE O OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL:

36

Page 37: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

36

Page 38: POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO SOCIAL E DIVERSIDADE CULTURAL

O Boletim do Observatório da Diversidade Cultural é uma publicação mensal em que pesquisadores envolvidos com a temática da diversidade cultural refletem sobre a complexidade do tema em suas variadas vertentes. Para colaborar com o Boletim, envie textos para: [email protected]

Coordenação geral: José Márcio Barros

Conselho Editorial:Giselle Dupin – MINC – http:// lattes.cnpq.br/ 2675191520238904Giselle Lucena – UFAC – http:// lattes.cnpq.br/ 8232063923324175Humberto Cunha – UNIFOR – http:// lattes.cnpq.br/ 8382182774417592Luis A. Albornoz – Universidad Carlos III de Madrid – http://portal.uc3m.es/portal/page/portal/grupos_ investigacion/ tecmer-in/ tecmerin_ investigadores/Albornoz_LuisNúbia Braga – UEMG – http:// lattes.cnpq.br/ 6021098997825091Paulo Miguez – UFBA – http:// lattes.cnpq.br/ 3768235310676630

Coordenação editorial: Camila Alvarenga, José Márcio Barros e Giuliana Kauark

Revisão editorial e revisão de texto: Carlos Vinícius Lacerda

Projeto gráfico: Dânia Lima e Júlia Roscoe

boletim@observatoriodadiversidade.org.brwww.observatoriodadiversidadecultural.com.br

SOBRE O BOLETIM DO OBSERVATÓRIO DA DIVERSIDADE CULTURAL:

38