polÍtica e burocracia nos estados da Índia e do … · a Índia é um exemplo de como história,...

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69 RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, número suplementar, p. 69-92, ago. 2008 Felix G. Lopez POLÍTICA E BUROCRACIA NOS ESTADOS DA ÍNDIA E DO BRASIL 1 Recebido em 15 de setembro de 2006. Aprovado em 28 de janeiro de 2008. Este texto faz uma breve apresentação do sistema político indiano, analisando a gênese e o desenvolvimen- to do sistema de transferência de funcionários na administração pública da Índia e a interação deste com o sistema social, com a esfera política e com os interesses político-eleitorais dos parlamentares. A seguir, estabelece algumas comparações entre as características da relação entre a esfera política e a administra- tiva na Índia e as características do sistema de nomeações para cargos de confiança no Brasil, a partir do exemplo do Rio de Janeiro. Argumenta-se que tanto a lógica do sistema de transferências na Índia quanto o sistema de nomeações para cargos de confiança no Brasil mantêm legitimidade porque permitem que idéias associadas à eficácia administrativa e ao combate à corrupção sejam utilizadas para justificar decisões que são, muitas vezes, motivadas por interesses político-econômico-eleitorais. Argumenta-se tam- bém que a análise da relação entre política e administração pública em ambos os países deve considerar não apenas o desenho das instituições políticas e eleitorais e o postulado da racionalidade eleitoral, mas também os valores que se desenvolveram ao longo do processo de constituição das instituições políticas e das burocracias públicas. PALAVRAS-CHAVE: Índia; Brasil; administração pública; sistema político; patronagem; nomeações; car- gos de confiança. I. INTRODUÇÃO O processo de preenchimento de grande parte dos cargos da administração pública brasileira apre- senta fortes traços patrimoniais. Mesmo com o aprimoramento da accountability da burocracia nas últimas décadas, um aspecto marcante de nossa burocracia-patrimonial continua vigoroso: a dis- tribuição política de cargos públicos. O número de cargos de livre-nomeação política traduz bem a lógica personalista que é marca registrada de nosso sistema político. O governo federal dispõe de aproximadamente 21 mil cargos de livre-no- meação. O governo do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, possui quase 12 cargos (SARE, 2000). O poder Executivo e o Legislativo, nos três níveis de poder, utilizam os cargos como um po- deroso instrumento de barganha política para le- var à frente seus objetivos. Sem dúvida, apenas a referência à quantidade de cargos diz pouco so- bre a lógica que informa seu preenchimento. Tampouco é suficiente dizer que os cargos são preenchidos por “favoritos do partido” que con- quistam o poder (WEBER, 1999, p. 546), pois essa referência genérica não apresenta as fortes clivagens personalistas e faccionais que ensejam as intensas lutas entre os políticos para conquistar suas fatias de cargos na administração pública 2 . A despeito disso, e apesar do tema constar quase diariamente na pauta das páginas políticas da imprensa brasileira, é surpreendente observar quão poucos estudos acadêmicos tratam das ques- tões teóricas e empíricas associadas às nomea- ções para cargos de confiança. O objetivo deste artigo é dar uma contribuição comparativa nesse sentido. Para tanto, apresento e discuto o modo de funcionamento do sistema administrativo na Índia, o processo de preenchi- mento e transferência de funcionários públicos nos estados e seu entrelaçamento com o sistema polí- tico. A análise da relação entre política e burocra- cia naquele país guarda importância porque pode servir para investigações comparativas futuras com 1 Agradeço os comentários de Elisa Reis e João Trajano Sento-Sé, as sugestões bibliográficas de Pamela Price e va- liosas observações dos pareceristas da Revista de Sociolo- gia e Política. Agradeço também a Coordenação de Aper- feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Fun- dação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) que, em diferentes momentos, financiaram as pesquisas das quais o presente texto é um dos resultados. 2 Realizei um estudo de caso com esse objetivo em Lopez (2005, cap. 3).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 16, NÚMERO SUPLEMENTAR: 69-92 AGO. 2008

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 16, número suplementar, p. 69-92, ago. 2008

Felix G. Lopez

POLÍTICA E BUROCRACIA NOS ESTADOSDA ÍNDIA E DO BRASIL1

Recebido em 15 de setembro de 2006.Aprovado em 28 de janeiro de 2008.

Este texto faz uma breve apresentação do sistema político indiano, analisando a gênese e o desenvolvimen-to do sistema de transferência de funcionários na administração pública da Índia e a interação deste com osistema social, com a esfera política e com os interesses político-eleitorais dos parlamentares. A seguir,estabelece algumas comparações entre as características da relação entre a esfera política e a administra-tiva na Índia e as características do sistema de nomeações para cargos de confiança no Brasil, a partir doexemplo do Rio de Janeiro. Argumenta-se que tanto a lógica do sistema de transferências na Índia quantoo sistema de nomeações para cargos de confiança no Brasil mantêm legitimidade porque permitem queidéias associadas à eficácia administrativa e ao combate à corrupção sejam utilizadas para justificardecisões que são, muitas vezes, motivadas por interesses político-econômico-eleitorais. Argumenta-se tam-bém que a análise da relação entre política e administração pública em ambos os países deve considerarnão apenas o desenho das instituições políticas e eleitorais e o postulado da racionalidade eleitoral, mastambém os valores que se desenvolveram ao longo do processo de constituição das instituições políticas edas burocracias públicas.

PALAVRAS-CHAVE: Índia; Brasil; administração pública; sistema político; patronagem; nomeações; car-gos de confiança.

I. INTRODUÇÃO

O processo de preenchimento de grande partedos cargos da administração pública brasileira apre-senta fortes traços patrimoniais. Mesmo com oaprimoramento da accountability da burocracianas últimas décadas, um aspecto marcante de nossaburocracia-patrimonial continua vigoroso: a dis-tribuição política de cargos públicos. O númerode cargos de livre-nomeação política traduz bema lógica personalista que é marca registrada denosso sistema político. O governo federal dispõede aproximadamente 21 mil cargos de livre-no-meação. O governo do estado do Rio de Janeiro,por exemplo, possui quase 12 cargos (SARE,2000). O poder Executivo e o Legislativo, nos trêsníveis de poder, utilizam os cargos como um po-deroso instrumento de barganha política para le-var à frente seus objetivos. Sem dúvida, apenas areferência à quantidade de cargos diz pouco so-

bre a lógica que informa seu preenchimento.Tampouco é suficiente dizer que os cargos sãopreenchidos por “favoritos do partido” que con-quistam o poder (WEBER, 1999, p. 546), pois essareferência genérica não apresenta as fortes clivagenspersonalistas e faccionais que ensejam as intensaslutas entre os políticos para conquistar suas fatiasde cargos na administração pública2.

A despeito disso, e apesar do tema constarquase diariamente na pauta das páginas políticasda imprensa brasileira, é surpreendente observarquão poucos estudos acadêmicos tratam das ques-tões teóricas e empíricas associadas às nomea-ções para cargos de confiança.

O objetivo deste artigo é dar uma contribuiçãocomparativa nesse sentido. Para tanto, apresentoe discuto o modo de funcionamento do sistemaadministrativo na Índia, o processo de preenchi-mento e transferência de funcionários públicos nosestados e seu entrelaçamento com o sistema polí-tico. A análise da relação entre política e burocra-cia naquele país guarda importância porque podeservir para investigações comparativas futuras com

1 Agradeço os comentários de Elisa Reis e João TrajanoSento-Sé, as sugestões bibliográficas de Pamela Price e va-liosas observações dos pareceristas da Revista de Sociolo-gia e Política. Agradeço também a Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Fun-dação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj)que, em diferentes momentos, financiaram as pesquisasdas quais o presente texto é um dos resultados.

2 Realizei um estudo de caso com esse objetivo em Lopez(2005, cap. 3).

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o caso brasileiro, que faço de modo breve na par-te final do texto, a partir dos resultados de pesqui-sa realizada em outro momento3.

A escolha da Índia deve-se ao fato desse paíspossuir em sua administração pública um vastosistema de transferências dos ocupantes de car-gos que se entrelaça com o sistema político e comos interesses dos políticos. Em muitos aspectos,o exemplo da Índia é sugestivo de aspectos quesão constitutivos do sistema de transferências defuncionários públicos também no Brasil.

Procuro mostrar que para compreender o sis-tema de transferências naquele país é preciso con-siderar o processo de formação do Estado india-no, o sistema de valores culturais que permeiamos diversos estratos e segmentos da sociedade e aorganização institucional do sistema político atu-al. A Índia é um exemplo de como história, cultu-ra e o desenho das instituições articulam-se nadefinição das relações sociais existentes na esferapolítica.

As próximas seções do texto estão organiza-das da seguinte forma: a primeira seção (II) des-creve e analisa a organização do sistema políticoindiano em âmbito federal e estadual. A segundaseção (III) descreve o processo histórico de for-mação do serviço civil indiano contemporâneo; aterceira (IV) analisa o desenvolvimento do siste-ma de transferências de funcionários, suas moti-vações e alterações ao longo do tempo. A quartaseção (V) do texto procura mostrar como se de-senvolveu a manipulação política das transferên-cias de funcionários e a relação desse processocom as complexas normas sociais vigentes nasociedade e com a lógica da competição eleitoral.A última seção (VI) apresenta algumas brevesobservações comparativas entre o caso indiano eo caso brasileiro.

Para analisar o caso indiano, utilizo a biblio-grafia especializada. As observações comparati-vas com o caso fluminense derivam de dados einformações coletadas ao longo de uma pesquisade campo realizada na Assembléia Legislativa doEstado do Rio de Janeiro e na Secretaria de Esta-

do de Educação do Rio de Janeiro, entre os anosde 2002 e 20054.

II. O SISTEMA POLÍTICO INDIANO

A Índia é uma república federativa com siste-ma parlamentar de governo, formada por 28 esta-dos e sete territórios (cf. mapa do Anexo I). SuaConstituição, promulgada em 1950, foi influenci-ada por tradições institucionais britânicas, o quetornou o desenho de suas instituições, em algunsaspectos, muito similar ao da Inglaterra.

No sistema indiano, o parlamento federal é com-posto pelo Presidente da República, a Câmara Bai-xa (Lok Sabha) e o Conselho de Estados (RajyaSabha). O Presidente é o Chefe de Estado e no-meia o Primeiro-Ministro, responsável por montaro Gabinete, que é o núcleo decisório do governo.Os membros do Gabinete provêm do partido ou deuma coalizão de partidos que forma o governo.

O Presidente é eleito por membros de um co-légio eleitoral constituído por membros do RajyaSabha, do Lok Sabha e deputados das assembléi-as estaduais. As eleições parlamentares para o LokSabha são distritais e majoritárias. O país está di-vidido em 602 distritos eleitorais, definidos deacordo com o número de eleitores e as fronteirasdos estados.

Nos estados, o sistema político tem estruturasimilar. Cada estado tem um Governador indica-do pelo Primeiro-Ministro indiano. Os governa-dores têm pouco poder político, que está concen-trado nas mãos do Ministro-Chefe (MC) – equi-valente ao Primeiro-Ministro no âmbito estadual –e nas mãos dos membros do Conselho de Minis-tros, que são como o gabinete de governo nosestados.

O poder Executivo está, legalmente, nas mãosdos governadores, que têm mandato de cinco anos.Entretanto, o Primeiro-Ministro pode pedir suasubstituição quando desejar. O Governador tem aatribuição pro forma de escolher o MC, o qual lhe

3 A pesquisa que ensejou o presente texto foi realizadacom o intuito de compreender a lógica do preenchimentode cargos em uma secretaria do governo do estado do Riode Janeiro, além de analisar as percepções dos deputadosestaduais fluminenses sobre as indicações para “cargos deconfiança” na burocracia pública.

4 A pesquisa consistiu em entrevistas semi-estruturadascom 35 deputados estaduais que tratavam de questões so-bre cargos de confiança e nepotismo. A pesquisa na Secre-taria de Educação consistiu também em entrevistas comfuncionários e da análise de dados oficiais, que permitiuretraçar o preenchimento de todos os cargos daquela secre-taria em um período de seis anos e analisar o funcionamen-to efetivo do “sistema de espólio” na administraçãofluminense.

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sugere, posteriormente, a nomeação das pessoasque vão integrar o Conselho de Ministros. Este éformado por membros da Assembléia LegislativaEstadual, que é eleita por voto popular. A compo-sição do Conselho de Ministros tende a seguir aproporcionalidade das cadeiras obtidas pelo(s)partido(s) que forma(m) o governo no estado.

O Governador pode dissolver a Assembléia aqualquer tempo. Essas atribuições formais doGovernador, no entanto, não lhe dão muito poderpolítico, pois ele está, quase sempre, subordinadoao Conselho de Ministros. Em geral, as sugestõesfeitas por esse Conselho são obrigatórias na práti-ca e o Governador apenas empresta o seu nomepara as ordens executivas e medidas legislativas.

Quando o Primeiro-Ministro indiano define aindicação dos governadores dos estados, costu-ma seguir as preferências dos MCs estaduais. Masessa não é uma obrigação formal e não é raro queos primeiros-ministros façam escolhas mais dis-cricionárias, que levem em conta interesses pura-mente partidários5. Além disso, o Primeiro-Minis-tro pode recorrer à indicação de governadores comos quais tem vínculos pessoais como instrumen-to de controle político nos estados.

Nos estados, de forma geral, o MC e o Conse-lho de Ministros são a substância do governo e oGovernador o testa-de-ferro do sistema parlamen-tar. Nos termos de Ray (1986, p. 112), “thegovernor shall always act on ministerialresponsibility except in particular or specific ca-ses where he is empowered to act in his discretion”6.

O papel constitucional atribuído ao Governa-dor é de servir de mediador entre o governo esta-dual e a União. O direito de indicá-los é um instru-mento ao dispor do Primeiro-Ministro para man-ter relações harmônicas entre o centro e os esta-dos. Por isso, como expressou um dos constitu-intes indianos, a Constituição pressupõe que ogovernador deve ser “aquele que não se envolveem disputas partidárias ou faccionais nas provín-cias, mas que serve de vínculo estreito entre o

centro e as províncias” (RAY, 1986, p. 111). Esseinstrumento permite ao centro conciliar a com-plexa segmentação social (classe, castas, religião,línguas e tribos) e política (facções e outros for-mas de poder informal) que tornam os conflitospolíticos ou religiosos entre estados e União umaameaça à unidade territorial e política do país.

Um pré-requisito à escolha dos governadoresé que esses devem provir de estados diferentesdos estados para os quais são indicados. O objeti-vo é evitar a preexistência de laços pessoais,“raízes” políticas ou qualquer tipo de vínculo compartidos ou facções políticas locais e, portanto,aumentar as chances de neutralidade e imparciali-dade na relação com o governo estadual.

O MC é sempre escolhido a partir da Assem-bléia Estadual. Mas quando não há partidos oucoalizões majoritárias, o Governador pode inter-ferir no processo e escolher um MC à revelia dospartidos (cf. FADIA, 1991, p. 211). O Conselhode Ministros – State Council of Ministers – é es-colhido pelo Governador, após ouvir as sugestõesdo MC. Ele é composto pelos ministros do Gabi-nete, por ministros do estado e os deputiesministers. Os primeiros formam um corpo sepa-rado que é o próprio Gabinete, o núcleo do Con-selho de Ministros. É o setor com maior poderdentro do governo.

O número de ministros que integram o Conse-lho pode variar conforme a fragmentação partidá-ria na Assembléia. O Governador e o MC podemescolher tantos ministros quanto julgarem neces-sários, seja para contemplar a maioria parlamen-tar, seja para atender a grupos de interesses e fac-ções políticas7.

O MC é quem detém maior poder de nomea-ção e patronagem nos estados. Ele sugere a indi-cação dos juízes da Suprema Corte Estadual, no-

5 A manipulação na indicação dos governadores pelos pri-meiros-ministros e a utilização dessa prerrogativa paradesestabilizar alguns governos estaduais de oposição aogoverno central é discutida por Dua (1985) e Khilnani (1999,p. 55 e segs.).6 “O governador deverá agir sempre sob responsabilidadeministerial, exceto em casos particulares, em que é autori-zado a agir por sua própria conta”.

7 “The Council Of Ministers has of late been expanding inall the states irrespective of the administrative needs inorder to accommodate communal and regional claims andsatisfy personal ambitions” (“O Conselho de Ministrostem ultimamente se expandido em todos os estados, inde-pendente das necessidades administrativas, a fim de aco-modar demandas regionais ou comunais e satisfazer ambi-ções pessoais”) (FADIA, 1991, p. 260). Este aspecto lem-bra o processo de criação de novas Secretarias ou ministé-rios no Brasil, expediente ao qual o governo federal ou osgovernos estaduais costumam recorrer para atender novasdemandas por cargos de facções ou grupos políticos alia-dos ainda não contemplados com cargos.

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meia o Advogado Geral do Estado e os membrosda Comissão de Serviços Públicos Estaduais, res-ponsáveis por recrutar, mediante provas de quali-ficação, os funcionários da burocracia estadual.

Uma parte dos legislativos estaduais é bicameral,composta pela Assembléia Legislativa e pelo Con-selho Legislativo. A primeira é formada por depu-tados eleitos em eleições distritais (Members ofLegislative Assembly, doravante MLAs). Cada dis-trito elege um membro e seus mandatos são decinco anos.

O Conselho Legislativo, que tem função basi-camente consultiva, é formado por uma fraçãodos deputados eleitos para a Assembléia que cos-tumam ser escolhidos proporcionalmente ao ta-manho das bancadas nas Assembléias (FADIA,1991, p. 269-270).

A maioria dos deputados estaduais despendeseus maiores esforços na atividade clientelística ena distribuição de patronagem, antes que nas ta-refas parlamentares associadas à produçãolegislativa e às atividades em plenário. Uma dasfunções principais da atividade cotidiana do MLAé intermediar favores para indivíduos ou gruposem relação à burocracia, o que os torna, ao ladode funcionários que ocupam posições-chave naadministração, importantes mediadores políticosdos estados. Em um texto antigo, mas que pre-serva sua atualidade, Bailey (1963, p. 121) assi-nalou que o típico Deputado Estadual do estadode Orissa “[...] is not the representative of a partywith a policy which commands itself to them, noteven a representative who will watch over theirinterests when policies are being framed, but rathera man who will intervene in the implementation ofpolicy and in the ordinary day to dayadministration. He is there to divert the benefits inthe direction of his constituents, to help individualsto get what they want out of Administration, andto give them a hand when they get into troublewith officials”8.

Três décadas depois, Fadia (1991, p. 278) fezobservações semelhantes: “Most MLAs havestrong ties with their constituencies and it isthrough them that localism has come to dominatestate politics. The ‘legislative life’ of the MLA issecondary to his role as a political broker. Theaverage MLA come into his own not on the floorof the Assembly but in helping his constituents toget places in colleges, permits, licenses, and jobs.It is this kind of work that occupies most of histime and this that plays the greatest electoraldividends”9.

Porque a maioria dos parlamentares estaduaisapóia-se em práticas clientelísticas na política dodia-a-dia, o controle sobre cargos ou sobre o des-tino de seus ocupantes é um recurso de poderespecialmente valorizado.

Quanto aos partidos políticos, podem ser na-cionais ou estaduais. Os primeiros caracterizam-se por terem representação política em quatro es-tados da federação, no mínimo. Os demais sãopartidos estaduais. Há partidos nacionais compoder mais centralizado na cúpula nacional e par-tidos menos centralizadores, mais flexíveis nasestratégias de alianças políticas estaduais. Devidoàs diferenças na organização partidária em cadaestado, sempre há forte pressão para que os par-tidos nacionais sejam maleáveis nas negociaçõespartidárias e faccionais estaduais, já que a lógicadas disputas partidárias e das coalizões governa-mentais nos estados costuma refletir parte dasclivagens sociais, econômicas e culturais que sãoespecíficas a cada um10, e onde as castas sempretêm um papel determinante. Os três partidos na-

8 “[...] Não é o representante de um partido com umapolítica pública pela qual ele se orienta, nem mesmo umrepresentante que zelará por seus interesses quando aspolíticas estão sendo definidas, mas, antes, um homem queintervirá na implementação de políticas e na administraçãoordinária cotidiana. Ele está lá para orientar os benefíciosem direção aos seus eleitores, para ajudar indivíduos a con-seguir o que querem da administração e dar a eles uma‘mão’ quando têm problemas com oficiais”.

9 “A maioria dos MLAS tem fortes laços com seu eleito-rado e é através deles que o localismo veio a dominar apolítica estadual. A ‘vida legislativa’ de um MLA é secun-dária se comparada ao seu papel como mediador político.O MLA mediano é respeitado não por sua atuação no ple-nário da Assembléia, mas por ajudar seus eleitores a conse-guir vagas em faculdades, permissões, licenças e empregos.É esse tipo de trabalho que ocupa a maior parte de seutempo e que lhe rende maiores dividendos eleitorais”.10 As teorias que tentam explicar a grande fragmentaçãopartidária na Índia situam-se entre dois extremos teóricos:o primeiro explica a fragmentação partidária como um re-flexo da clivagem social; o segundo explica a fragmentaçãocomo reflexo das regras eleitorais, especialmente o tama-nho dos distritos eleitorais, o número de candidatos eleitospor distrito e o sistema de votação (listas abertas ou fecha-das) (cf. PALSHIKAR, 2004, p. 1 477; SRIDHARAN,2004). Um modelo alternativo está em Nikolenyi (2006).

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cionais mais importantes são o Indian NationalCongress Party (INC), o Bharatiya Janata Party(BJP) e o Communist Party of Indian (Marxist)(CPI-M)11.

Sridharan (2004) divide a recente história par-tidária e eleitoral indiana em três momentos. Oprimeiro, entre 1947 e 1967, foi de completahegemonia eleitoral do INC tanto em nível federalquanto estadual. A sólida hegemonia desse partidoeliminava as expectativas de alternância do poderem âmbito federal, apesar de as eleições ocorre-rem de forma regular e haver competição partidá-ria formal. Mas a competição era mais intensa entreas facções do INC do que entre esse e os partidosadversários.

O segundo período vai de 1967 a 1989. O anode 1967 marcou o início do fim da hegemonia doINC na política nacional e estadual. Seu percentualde votos para o Lok Sabha nas eleições daqueleano caiu para 40%, enquanto alguns partidos deoposição começaram a rivalizar em poder com oINC, especialmente o BJP, que conseguiu, dez anosdepois, nas eleições de 1977, 40% das cadeiras.Apesar de o INC restaurar parte de sua expressãoeleitoral no início dos anos 80 – em grande partecomo reflexo da fragmentação interna do BJP –um padrão de bipolaridade entre INC e outrospartidos nacionais, liderados pelo BJP, consolidou-se. Essa mudança ocorreu pari passu às transfor-mações sociais mais amplas na sociedade indiana.As eleições de 1977, 1980 e 1984 foram marcadaspela incorporação das massas ao debate político evalorização da representação de interesses comofundamento da política representativa. “Votersbecame more assertive and competitive, and theirappetites for resources from politicians grew.Interest groups crystallized and came increasinglyinto conflict, so that it became harder to operate apolitical machine that could cater to every organizedinterest, as the Congress had very nearly done inthe Nehru years”12 (MANOR, 2000, p. 104).

O terceiro período da evolução partidária indi-ana, situado entre 1989 e 1999, consolidou a po-laridade eleitoral em âmbito federal e o queSridharan (2004) denominou “bipolaridade múlti-pla” nos estados, i. e., o declínio do INC e a as-censão do BJP e dos partidos regionais como for-ças políticas regionais ou estaduais. No padrão de“bipolaridade múltipla”, o INC polariza-se, nas elei-ções estaduais, com o BJP ou com os diversospartidos estaduais. Cabe lembrar que, ao contrá-rio do âmbito federal, os estados apresentam po-larizações diversas, pois têm fragmentações par-tidárias e coalizões muito mais díspares, pelo fatomesmo de inúmeros partidos serem apenas esta-duais13.

III. O SERVIÇO CIVIL NA ÍNDIA E O “CAR-ROSSEL BUROCRÁTICO”

O Serviço Civil na Índia é organizado de for-ma hierárquica, com atribuição de competênciastécnicas e estruturado em torno do ideal de neu-tralidade burocrática. A estrutura da administra-ção é tripartite. O All-Indian Service é o serviçopúblico nacional, composto por três instituições.A mais importante é o Indian Administrative Service(IAS), criado em substituição ao Indian CivilService (ICS) do período colonial. No IAS, o tem-po de serviço e o mérito são os principais critéri-os de promoção na carreira. Apesar de os funcio-nários do IAS serem funcionários do governocentral (como nossos funcionários federais) elesprovêm sempre dos estados. Uma parte dos fun-cionários trabalha na capital para o governo fede-ral e a maior parte trabalha nos estados, servindoao governo central ou aos governos estaduais. Pelomenos metade dos quadros do funcionalismo doIAS lotado em um determinado estado deve ser

11 Os três partidos conquistaram, respectivamente, 28,3%,23,8% e 5,4% das cadeiras do Lok Sabha (Câmara Baixa)nas eleições parlamentares de 1999 (SRIDHARAN, 2004,p. 478). As eleições de 2004 demonstraram a clara polari-dade entre a coligação liderada pelo BJP e a coligação lide-rada pelo INC. As duas conquistaram, respectivamente,185 e 219 das 513 cadeiras no Lok Sabha (INDIA, 2004).12 “Os eleitores se tornaram mais assertivos e competiti-vos, e seus apetites por recursos provenientes dos políti-

cos cresceu. Grupos de interesse se cristalizaram e, de modocrescente, entram em conflito, por isso se tornou mais difí-cil operar uma máquina política que possa suprir cada inte-resse organizado, como o fizera quase inteiramente o Con-gresso nos anos de Nehru”.13 “Barring few states [...], all the states now have theirpolitical space divided between the all-India parties andsome state level party or parties” (“Exceto por alguns es-tados […], todos os estados agora têm seu espaço políticodividido entre os partidos nacionais [all-India] e algumpartido ou partidos estaduais”) (PALSHIKAR, 2004, p. 1477). Periodizações da história partidária indiana,com al-gumas diferenças, encontram-se também em M. P. Singh(1996) e Nikolenyi (2006, p. 203-204).

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formado por funcionários provenientes de outrosestados14.

A escolha dos quadros do IAS ocorre por meiode avaliações competitivas e são realizadas por umainstituição do governo central indiano, a UnionPublic Service Comission. Os State Services sãoos serviços públicos dos estados. Eles estão divi-didos em secretarias, órgãos com funções técni-cas e serviços relacionados ao governo local (noâmbito dos distritos eleitorais). Geralmente a ad-ministração do serviço público estadual é subor-dinada ao Secretário-Chefe do governo do esta-do, cujas funções são similares à de chefe doGabinete Civil nos nossos estados. Os estados têma sua própria agência para recrutar seus funcio-nários, a State Public Service Comission.

No quadro de funcionários dos estados há, aolado dos já mencionados funcionários pertencen-tes ao IAS, o quadro administrativo estadual, divi-dido em quatro classes de funcionários: I, II, III eIV. O Ministro-Chefe e o Secretário-Chefe têm aprerrogativa de transferir e nomear os funcionári-os do IAS dentro dos seus respectivos estados. Osministros estaduais – que compõem o Conselho deMinistros – são responsáveis pela transferência dosfuncionários classe I e II que se encontram dentrodos seus respectivos ministérios. Os secretáriossubordinados aos ministros (que são classe I) po-dem transferir funcionários classe III. No âmbitodos governos locais dentro dos estados (districtsPanchayat) os políticos locais e os funcionáriosclasse I têm a prerrogativa de autorizar e realizar astransferências do quadro administrativo local.

14 O IAS possui pouco mais de 5 061 funcionários portodo o território indiano. O número total de funcionáriosque compõem o serviço público na Índia, incluindo os esta-

dos e os distritos e superior a quatro milhões, (MISHRA,1997, p. 30). Uma análise da origem social dos funcionári-os do IAS está disponível em Goyal (2008)

FIGURA 1 – ÍNDIA: ESTRUTURA ADMINISTRATIVA E AS COMPETÊNCIAS PARA REALIZAR TRANSFERÊNCIAS

FONTE: o autor.

Quadro de funcionáriosdos estados

Transferências são dacompetência do ministro-chefe, com

auxílio do secretário-chefe

São transferidos por políticos doPanchayat em colaboração com

os funcionários classe I

Funcionários do IAS(recrutados pelo governo

central mas subordinados aogoverno estadual) ½ destes

funcionários provêm deoutros estados

Funcionários que compõem osserviços públicos estaduais

(secretarias, diretorias,órgãos técnicos). Divididos

em quatro classes, sãorecrutados por um órgão dopróprio estado, com base em

prova de qualificação econhecimento

Funcionários que formam oserviço público local (dos

District Panchayat)

Classe IIFuncionários dos ServiçosPúblicos de Competênciaexclusivamente estadual

Classe IIIQuadro de pessoal interno

dos ministérios

Classe IVOffice-boys, assistentes,

auxiliares etc.

Classe IFuncionários do IAS

Funcionários Recrutadospelo State Service

Commission (SSC)Nomeados Técnicos

recrutados pelo SSC oupromovidos por senioridade

Secretários dos ministros e chefes

de departamento (classe I) podem

transferir funcionários classe III

Min

istro

s sã

o re

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O quadro revela que mais de 50% dos funcio-nários do IAS permanecem menos de um ano noposto. O percentual é similar para funcionárioslotados nos estados ou na capital.

A maioria das transferências deve-se a mudan-ças de localidade, e não a promoções na carreira.Quando os funcionários são nomeados para umcargo, permanecem, em caráter definitivo, traba-lhando dentro do mesmo estado para o qual fo-ram originalmente nomeados. As transferênciassão sempre intra-estatais, mas ocorrem em todosos níveis e escalões da administração. Professo-res, enfermeiras e assistentes administrativos, porexemplo, que ocupam escalões mais baixos – fun-cionários de nível IV –, são transferidos commenor freqüência, mas seu tempo médio de per-manência no cargo não excede quatro anos. Es-sas transferências não são decididas pelos própri-os funcionários. Na maioria das vezes são os po-líticos ou funcionários do topo da hierarquia quedecidem. Mas os funcionários transferidos exer-cem pressões por meio de contatos pessoais, paraconseguir transferências que lhes sejam pessoal-mente vantajosas.

Funcionários do primeiro e segundo escalõesda burocracia devem permanecer no mínimo trêsanos e, no máximo, cinco anos no cargo. A partirdo terceiro escalão, não há tempo mínimo oumáximo de permanência no posto. Existe grandedificuldade em estimar o número de transferênci-

as dos funcionários dos serviços estaduais – aocontrário do IAS –, por não haver obrigatoriedadede registros formais. Nas entrevistas que DeZwart (1994, p. 76) realizou com políticos doestado de Gujarat, dos 300 000 funcionários pú-blicos existentes, o número de transferências es-timadas, ocorridas em um ano, variaram entre20 000 e 150 000.

As normas que regulam o funcionamento daadministração pública determinam que o funcio-nário deve permanecer ao menos dois anos noposto antes de qualquer transferência, mas elasnão são seguidas na prática. A freqüência em queas transferências ocorrem é consideravelmentemaior do que o permitido. O sistema de transfe-rências tornou-se, nas mãos dos políticos em ge-ral, e em particular, dos deputados, um importan-te mecanismo de manipulação política. Esta é fa-cilitada pelo fato de as disposições oficiais seremminuciosas em relação a quem e como as transfe-rências devem ocorrer, mas vagas quanto aosmotivos que as justificam.

Os estados são os responsáveis pela organiza-ção de sua própria burocracia e o grau de mani-pulação das regras e da prática das transferênciasé consideravelmente maior se comparada ao ser-viço público central. A burocracia pública nos es-tados caracteriza-se por altos índices de mobili-dade espacial de seus funcionários, e essa mobili-dade tem forte associação com a esfera política ecom os deputados estaduais.

TAMANHO DO QUADRO DO IAS TEMPO DE PERMANÊNCIA NO POSTO (EM %) ANO (JAN.) NÚMERO MENOS DE UM ANO 1-2 ANOS 2-3 ANOS MAIS DE 3 ANOS

1977 2901 54 28 11 7 1978 3084 58 26 10 6 1979 3236 55 30 10 5 1980 3404 49 32 13 6 1981 3373 60 22 11 7 1982 3539 52 31 9 8 1983 3734 51 29 13 7 1984 3797 56 26 12 7 1985 3910 51 31 11 7 1986 3970 58 25 12 6 1991 4497 58 25 10 6 1992 3951 56 27 11 6 1993 3991 49 31 13 8

QUADRO 1 – IAS: PADRÕES DE DESLOCAMENTO (1976-1993)

FONTES: Potter (1987); para os anos 1990: Mishra (1997).

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IV. AS ORIGENS SOCIAIS E AS RAZÕES OFI-CIAIS DO SISTEMA DE TRANSFERÊNCI-AS NA BUROCRACIA DA ÍNDIA

A transferência regular de funcionários da ad-ministração é uma prática que remonta ao séculoXVI, durante a dominação do Império Mongol(1526-1857). A partir do reinado do ImperadorAkbar (1556-1605), que fundou e desenvolveu oserviço civil no território que viria a constituir aÍndia, os príncipes obrigaram seus funcionáriosmais importantes, os mansabdars, a migraremcontinuamente de posto15. O principal intuito eraevitar a formação de coalizões entre os funcioná-rios ou com invasores estrangeiros, o que poderiaameaçar a estabilidade do reino16. Os mansabdarseram funcionários que controlavam um corpo defuncionários a eles subordinados (amils), e tinhamum exército pessoal. Permanecer muito tempo emuma mesma localidade permitia aos mansabdarsconstruir redes de relações sociais potencialmen-te perigosas. Ao lado dos mansabdars e seus amils,havia ainda os village accountants (karnams), queeram funcionários menos suscetíveis às transfe-rências – devido aos seus conhecimentos técni-cos locais –, porém igualmente propensos à for-mação de redes, muitas delas corruptas, que po-deriam, em alguns casos, desafiar a autoridadepolítica e administrativa do reino (FRYKENBERG,1968). As transferências regulares eram eficazespara evitar isso. A preocupação maior era com osfuncionários militares, para os quais a dispersãoterritorial e rotatividade geográfica foram os mei-os encontrados para evitar potenciais sediçõesdestes contra os príncipes.

As transferências dos mansabdars também ti-nham motivação financeira. Elas começaram aconsolidar-se como um instrumento de extraçãode recursos dos transferidos, que recebiam emtroca algo similar a um direito de uso do cargopara extrair rendas pessoais. Esse processo re-sultou em um incipiente sistema de compra de

transferências que se tornaria similar à lógica dastransferências de parte dos funcionários admi-nistrativos da Índia contemporânea.

Com o início do domínio britânico na região,as transferências continuaram: “Just like theMogul princes, the first British Governors-Gene-ral found it difficult to ensure the loyalty of theirpersonnel. And they too tried to promote the one-sided loyalty of their officials by regularlytransferring them and, in so doing, to create a gapbetween civil servants and the local population”17

(DE ZWART, 1994, p. 30-31).

Desde o período de domínio da Companhiadas Índias Orientais (1600-1857), surgiam ques-tões sobre a separação entre a esfera administrati-va (pública) e os negócios privados. Quando ogoverno britânico começou a apossar-se do terri-tório indiano, a partir de 1760, os administradoresdas possessões da Companhia foram transforma-dos em governadores das províncias. Na mesmaépoca, o governo britânico promulgou disposiçõesadministrativas para regular a conduta dos novosadministradores e separar assuntos comerciais deassuntos relacionados à administração civil. Le-vas crescentes de funcionários britânicos foramsubstituindo os funcionários indianos nos postoscentrais da administração da Companhia. Esse foium dos primeiros passos da Coroa Britânica nasdiversas tentativas de consolidar um aparato ad-ministrativo – ao menos no âmbito central – rela-tivamente autônomo de pressões políticas e pres-sões sociais provenientes do sistema social india-no (MISRA, 1986; MARSHALL, 1998).

Durante o domínio britânico, a partir de 1860,o serviço civil britânico foi introduzido, mas grandeparte ainda pertencia exclusivamente ao aparatocoercitivo inglês. As tentativas de padronizaçãodas condutas fracassaram por não haver códigosque unificassem os procedimentos entre as pro-víncias. Os funcionários britânicos podiam no-mear seus subordinados de acordo com interes-ses e preferências pessoais. Ainda assim, esseperíodo marca o início do desenvolvimento de umserviço civil indiano em moldes mais burocráti-15 A prática foi iniciada em 1569.

16 “Mogul princes were continually threatened byconspiring mansabdars, and their control over the statewas partly dependent on their ability to prevent suchcooperation” (“Os príncipes mongóis eram continuamenteameaçados por mansabdars conspiradores, e o controledaqueles sobre o estado dependia em parte de suas habili-dades para evitar tal a cooperação [entre mansabdars]”),observa De Zwart (1994, p. 18).

17 “Exatamente como os príncipes mongóis, os primeirosgovernadores gerais britânicos encontraram dificuldade emassegurar a lealdade de seu pessoal, e também tentarampromover a lealdade unilateral de seus oficiais transferin-do-os regularmente; assim fazendo para criar uma distânciaentre os servidores civis e a população local”.

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cos na administração central. Com todos os fun-cionários ingleses ou indianos treinados na Ingla-terra, a unificação das práticas e o controle dacorrupção foram relativamente bem-sucedidos,apesar de, no âmbito provincial, a realidade estarlonge das aspirações da metrópole. Nas provínci-as, o serviço público teve um histórico decorrupção que nunca foi seriamente desafiado.

O serviço público no âmbito central – ICS –apresentava níveis de corrupção relativamentebaixos se comparados às províncias, principal-mente após os esforços britânicos para minorá-los, a partir de 1855, quando a Comissão Macaulayeliminou o antigo sistema de patronagem utilizadopor diretores da Companhia das Índias Orientaispara indicar os funcionários de alto escalão naÍndia. No nível provincial, contudo, o sistema detransferências de cargos e seu entrelaçamento coma corrupção assemelhavam-se aos processos decompra e venda de cargos do período medieval,quando estes eram negociados como possessõeshereditárias.

B. B. Misra (1986) argumentou que o períodode administração britânica foi relativamente bem-sucedido em controlar o processo de corrupçãorelacionado às transações com cargos no âmbitodo governo central porque implantou um sistemaque exigia altas qualificações e treinamento dosnomeados. Entretanto, quando o governo britâni-co começou a aumentar o controle sobre a admi-nistração autônoma dos administradores provin-ciais da Companhia das Índias Orientais, por ra-zões econômicas, os interesses dos parlamenta-res britânicos estiveram indissociavelmente mar-cados pelos interesses em controlar a patronagemna Índia para atender interesses políticos na In-glaterra18.

Na segunda metade do século XIX a corrupçãoadministrativa entre os funcionários britânicos ti-nha sido consideravelmente reduzida, mas as trans-

ferências de funcionários continuavam. O princi-pal motivo foi a mudança na percepção dos funci-onários britânicos, que passaram a estigmatizar aocupação de cargos na Índia e pressionavam pararetornar à Inglaterra. Essas pressões resultaramem maiores concessões do governo britânico que,para atrair funcionários à Índia, ampliou os perío-dos de licença e o número de vezes que podiamretornar à Inglaterra, aumentando a necessidadede transferências para cobrir as brechas criadaspelos funcionários ausentes. O aumento na rota-ção dos funcionários civis passou a ser o resulta-do não pretendido do relaxamento nas regras delicença para os funcionários administrativos in-gleses.

A primeira metade do século XX foi marcadapor alterações nas regulações sobre as transfe-rências de funcionários. Em 1919, as provínciasganharam maior autonomia na gestão das trans-ferências, após as pressões dos próprios minis-tros provinciais, que contestavam a centralizaçãoadministrativa inglesa. Em 1923, com o estabele-cimento de eleições de representantes das provín-cias e o crescimento dos serviços provinciais, ainfluência dos políticos sobre os funcionários daadministração cresceu vertiginosamente, pois astransferências destes eram um dos recursos depoder mais importantes dos políticos sobre a bu-rocracia provincial.

O Indian Administrative Service surgiu em 1946para substituir o Indian Civil Service, do períodocolonial, como uma agência de regulação do fun-cionalismo em âmbito federal, sem interferênciaspolíticas. Tanto o recrutamento quanto o controlesobre as condutas dos funcionários deveriam serbaseados em avaliações profissionais quemensurassem o mérito, disciplina, eficiência, ho-nestidade e a diligência. Vínculos partidários ouqualquer outra consideração política estariam au-sentes. Porém, esses objetivos encontraram cir-cunstâncias desfavoráveis antes mesmos da suacriação, no período da II Guerra Mundial, poucoantes de a Índia conseguir independência formal econstituir seu próprio sistema administrativo.

Primeiro, a rápida expansão das oportunida-des de contratos e suprimentos de guerra ou ser-viços correlatos provocada pela II Guerra aumen-tou as oportunidades de negociações fraudulen-tas, por ser impossível elevar, na mesma propor-ção, o aparato de controle e fiscalização sobre asnegociações. As práticas corruptas na adminis-

18 De acordo com o historiador Kumar Ghosal, “[...] theimmediate tightening of parliamentary control over theCompany’s affairs in India was the eagerness of the Britishparty leaders to capture the large patronage at the disposalof the Company to consolidate their own position in homepolitics” (“[...] o imediato fortalecimento do controle par-lamentar sobre as relações da Companhia na Índia resulta-ram da avidez dos líderes partidários britânicos em captu-rar a ampla patronagem à disposição da Companhia, a fimde consolidar suas próprias posições na política domésti-ca”) (Ghosal apud DE ZWART, 1994, p. 39).

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tração aumentaram nesse período. “The War waswon, but the moral fabric of society andadministration was shaken to its veryfoundations”19 (MISHRA, 1986, p. 273; PADHY& MUNI, 1987, p. 34).

Segundo, logo após a independência, em 1947,ocorreu a retirada dos funcionários ingleses daadministração indiana. Sem meios de preenchertodos os cargos com funcionários indianos demesma qualificação, o governo rebaixou os ní-veis de exigência para a contratação.

Terceiro, no período posterior à independên-cia houve demanda por milhares de funcionáriospara preencher as novas funções econômicas in-corporadas pelo novo governo, o que ampliou anecessidade de pessoal para os novos setores,novamente, com qualificações rebaixadas.

Por fim, a forte compressão salarial do fun-cionalismo nos anos que se seguiram à indepen-dência deu estímulo adicional ao desenvolvimen-to da corrupção administrativa.

Ao lado das circunstâncias histórico-sociais delongo e curto prazo, deve-se considerar algunsvalores da sociedade indiana para compreender alógica de organização do sistema administrativo esua interação com o sistema político. A organiza-ção burocrática nos moldes weberianos sempreencontrou forte resistência na sociedade, e issoera tanto mais visível quanto mais se descia nosníveis da administração. Já foi mencionado que oestabelecimento de um sistema administrativo maisimpessoal só foi possível no nível central.

Dumont (1997) ressaltou a importância e aforça do princípio da hierarquia e sua origem reli-giosa e como ele atravessa todo o sistema socialindiano. O sistema político e as relações políticasna Índia, bem como as relações de poder dentrodas instituições políticas, são ininteligíveis semconsiderar o princípio da hierarquia que está nabase do sistema de castas. Ainda que a distribui-ção de poder político não equivalha ao principiohierárquico produzido pelo sistema de castas, estásubordinado a este. Por isso, diz Dumont, hierar-quia e poder são coisas diferentes, mas estão bas-tante ligados entre si. Apesar de, analiticamente,

podermos considerar a distribuição de poder polí-tico a partir dos conflitos enfeixados na esferapropriamente política, os próprios atores, indivi-duais e coletivos, que interagem nessa esferahierarquizam-se a partir de princípios que são pen-sados pela ordem cósmica, fornecida pela religião.“Na Índia, primeiro, toda totalidade se exprimesob a forma de uma enumeração hierárquica doscomponentes (tanto no Estado como no reino, porexemplo), a hierarquia marca a integraçãoconceitual de um conjunto, ela é de algum modoseu cimento intelectual” (idem, p. 312). Isso nãoquer dizer que os indianos não considerem hierar-quias seculares, hierarquias sociais, fundadas nopoder ou na riqueza. Mas é preciso distinguir ahierarquia religiosa das formas de distribuição depoder.

A concepção de mundo com base nessa lógicaé, de resto, um dos aspectos que atravessam aordem social indiana desde antes da ocupaçãoMongol. “Até nossos dias, a esfera política apare-ce na vida indiana real como um dos ramos cui-dadosamente enxertados de uma árvore imensa”(idem, p. 363; cf. também PRICE, 1999). É ne-cessário ressaltar, portanto, que as noções decorrupção política e administrativa só começam afazer sentido quando os modernos princípios daadministração burocrática, a separação entre es-fera pública e esfera privada, vão ganhando forçaa partir da administração colonial inglesa.

Nos estados – antigas províncias – os cargosda administração estiveram mais suscetíveis àsmanipulações políticas decorrentes de conflitosentre facções políticas – dos quais o MC participaativamente – dos interesses de grupos com leal-dades atribuídas ou adquiridas e mesmo por ne-cessidade de atender ao chamado “princípio dareserva comunal”, definido na Constituição pro-mulgada em 1950, que estabelece uma cota devagas na administração para as “scheduled castes”,“scheduled tribes” e “backward classes”, gruposhistoricamente social e economicamente excluí-dos.

O “princípio da reserva comunal” tornou osbaixos escalões da burocracia ainda mais suscetí-veis a receberem influências pessoais, porque osfuncionários que entraram por meio de cotas ti-nham formação e qualificação menor, o que setraduzia em maior tendência ao favorecimento doscidadãos da própria casta ou tribo. A parcialidadeem favor das castas já era informalmente aplicada

19 “A Guerra foi vencida, mas o tecido moral da sociedadee da administração foi abalado em suas próprias funda-ções”.

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em muitos setores da administração. A introduçãoformal do princípio da reserva comunal fortale-ceu esse aspecto, apesar de ter por objetivo am-pliar a inclusão de setores economicamente ex-cluídos. O revigoramento da casta como princí-pio de solidariedade na administração e na políticaestimulou uma mudança gradual da patronagemlaica para a patronagem fundada no princípio dacasta. Nos termos de Vithal, “[...] during an earlierperiod, an officer wishing to use political influencewould go to the minister with whom he workedor had previously worked, or who belonged tohis district. But, since the 1970s and 1980s thissituation has changed radically. Officers now goto ministers belonging to the same castes. Eachminister, whose appointment owes much to hisimportance as leader of his caste, considers himselfto be the protector of godfather of all the officialsin the government who belong to his caste. Thecivil servants, for their part, reciprocate such asentiment, though there are rare cases of choicerunning counts to such a practice”20 (VITHAL,1997, p. 225-226).

Ao lado dos vínculos verticais de autoridadena hierarquia administrativa e nas relações entrepolíticos e administradores, os vínculos horizon-tais de casta contribuíram para diversificar a lógi-ca das adesões e, no que aqui nos interessa, expli-car o sistema de transferências e indicações paracargos da burocracia nos diversos escalões dasadministrações estaduais.

Os fracionamentos religiosos, lingüísticos, decastas e classes são um grande obstáculo ao de-senvolvimento de regras e comportamentos im-pessoais e ao enraizamento do princípio da neu-tralidade burocrática na percepção de parte dosfuncionários da administração, dos políticos e dasociedade. Por mais que vigorem os princípiosformais de igualdade e impessoalidade, em gran-

de medida derivados do período da administraçãoinglesa e reforçados por princípios administrati-vos modernos em favor da profissionalização daadministração, sempre houve usos políticos e elei-torais dos cargos da administração. Nos estadose distritos, correm paralelas duas éticas burocrá-ticas: a ética da impessoalidade e a ética dos vín-culos primordiais – de castas, de parentesco, reli-giosos e tribais21.

Os princípios burocráticos da administraçãodos estados indianos foram re-apropriados e trans-

20 “[...] Durante período anterior, um funcionário quedesejasse se utilizar da influência política iria ao ministrocom o qual trabalhasse, havia trabalhado ou que pertences-se ao seu distrito. Contudo, desde os anos 1970 e 1980,esta situação mudou radicalmente. Funcionários agora iamaos ministros que pertenciam às suas próprias castas. Cadaministro, cuja indicação deve muito à sua importância comolíder de sua casta, considera-se ser o protetor ou padrinhode todos os funcionários no governo que pertencem a suaprópria casta. Os funcionários civis, por sua parte, retribu-em tal sentimento, ainda que existam casos raros em que aescolha vá de encontro a esta prática”.

21 “If I cannot occasionally help a friend, what use am I asa Minister?” (“Se ocasionalmente eu não posso ajudar umamigo, que uso eu tenho como Ministro?”). Essa passagemé sintomática da força que os valores personalistas possu-em na administração pública indiana (POTTER, 1996, p.44). Price (1999) e Ruud (2000) sublinham a importânciada compreensão dos códigos de conduta e valores dos gru-pos locais para um devido entendimento das práticas juri-dicamente definidas como corruptas. Códigos sobre os quaisas discussões sobre corrupção estabelecida por economis-tas e instituições como a Transparency International cos-tumam passar ao largo. Como argumenta Price (1999,p. 318) “[unwritten codes for conduct] constitute guidesto appropriate action for actor in families, clans, sub-castes,and sects, and affect economic and political exchanges inbroader arenas. The particularistic codes of clans, sub-caste,sects and different religious groups compete in variousways with the universalistic claims of rules of moderngovernance” (“[códigos de conduta não-escritos] constitu-em guias para ação adequada para atores em famílias, clãs,sub-castas, seitas, e afetam as trocas políticas e econômi-cas em arenas mais amplas. Os códigos particularistas dosclãs, sub-casta, seitas e diferentes grupos religiosos com-petem de diferentes modos com as exigências universalistaspresentes nas regras da governança moderna”). Noçõescomo corrupção política e administrativa só começam aganhar sentido quando determinadas categorias tais como ouniversalismo de procedimentos e a impessoalidade pas-sam a ser utilizadas como princípios normativos e analíti-cos para a compreensão de sistemas político-administrati-vos modernos. Contudo, tais categorias soam anacrônicasse transplantadas para a história passada da Índia e mesmoinadequadas quando cotejadas com o sistema de valores eos códigos de conduta dos diversos clãs, castas e grupospresentes na Índia contemporânea. Pode-se aplicar o mes-mo ao Brasil. Uma vez que definimos formalmente o que éuma prática corrupta, tal definição não altera – pelo menosno curto prazo –, obviamente, os valores e códigos de con-duta dos atores na vida cotidiana. Inúmeras condutas que,do ponto de vista jurídico-formal são corruptas, não sãoconcebidas como tal pelo atores que estariam a praticá-la.Há, portanto, uma dissonância entre norma e valor, masque a análise jurídica que não contempla as representaçõesnativas não capta. Sobre esse aspecto, cf. Bezerra (1995).Para o caso da Índia, cf. Price (1999) e Ruud (2000).

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formados por valores que conformam parte dasrelações sociais na sociedade. As clivagens soci-ais, religiosas, lingüísticas e de castas impedem ofortalecimento da cultura meritocrática e da neu-tralidade na administração, sobretudo porque aesfera política tende a espelhar a lógica da organi-zação social e dos valores socialmente comparti-lhados.

V. OS USOS POLÍTICOS DA TRANSFERÊN-CIA DE FUNCIONÁRIOS

A razão oficial para a manutenção do sistemade transferências é prevenir a formação de redesde clientela e corrupção na administração pública.O sistema permite, contudo, que tanto os políti-cos quanto os funcionários autorizados a realizaras transferências as utilizem para seus interessespolíticos e econômicos, construindo ou dissolven-do redes potenciais de poder e influência criadaspelos próprios funcionários ou por facções políti-cas adversárias.

As redes políticas e as redes de clientela naburocracia indiana estão em todos os níveis daadministração, mas nos estados e distritos têmmaior densidade. Brass (1965) e Bailey (2001)mostraram que elas são formadas por políticosque almejam construir círculos de poder com finseleitorais e/ou econômicos ou por funcionários dosaltos escalões que, quando não estão subordina-dos aos interesses desses políticos, podem arti-cular redes pessoais de poder com as mesmasfinalidades. É algo comum que funcionários quepermanecem em seus postos por um tempo lon-go desenvolvam redes sociais densas e extensas,das quais se utilizam no futuro para iniciar a car-reira política22.

Parte dos funcionários dos altos e médios es-calões da burocracia são brokers em potencial,que podem utilizar redes de influência e o mono-pólio parcial sobre a distribuição de alguns servi-ços como instrumentos de poder pessoal23.

A conjugação entre interesses privados dosburocratas e os interesses dos políticos em se

associar àqueles para usufruir dessas redes ou paradissolvê-las – em casos de rivalidades de podercom adversários – tornaram a burocracia dos es-tados indianos uma das mais corruptas do mun-do. Para S. K. Das, “corruption in India isentrenched – it is pervasive, organized andmonopolistic. Even more disturbing is howpatrimonial politics has colonized the entire publicbureaucracy”24 (DAS, 2001, p. 3).

Apesar da implantação de um sistemameritocrático ter sido tentada desde meados doséculo XIX, quando atos normativos da adminis-tração britânica limitaram a patronagem substitu-indo-a pelo mérito nas provas de admissão, a bu-rocracia pública continua a seguir uma lógica quesó exclui a interferência política no momento deentrada na carreira. Ademais, o princípio da pro-gressão por tempo de serviço é um dos elementosadicionais que inibem as promoções por desem-penho. “The promotion system in the stategovernments is not related to merit andperformance-indication at all, and in the centralgovernment […] the situation is marginallybetter”25 (idem, p. 129).

A transferência contínua e maciça de funcio-nários da administração por motivações político-eleitorais – que De Zwart (1994) denominoucarrossel burocrático – é tão importante na admi-nistração e também aos olhos da população, queos indianos utilizam o termo “indústria das trans-ferências” para descrevê-lo. “Transfers ofgovernment functionaries have in many states,virtually assumed the status of an industry.Officials at all levels are repeatedly shifted fromstation to station in utter disregard of the tenurepolicies or any concern about the disruption ofpublic services delivery and the adverse effect onthe implementation of development programs”26

(Ex-funcionário público indiano apud DAS, 2001,p. 130).

22 De resto, esse é um processo bastante familiar tambémao Brasil.23 Cf. Scott (1977), Silverman (1977) e Graziano (1977)para uma análise da importância do monopólio da distri-buição de bens e serviços na construção do poder dosbrokers, em particular, e das relações clientelistas, em ge-ral.

24 “A corrupção na Índia esta arraigada – ela é invasiva,organizada e monopolística. Ainda mais perturbador é comoa política patrimonial colonizou toda a burocracia públi-ca”.25 “Nos governos estaduais o sistema de promoção nãoestá, em absoluto, relacionado ao mérito e indicação pordesempenho, e no governo central [...] a situação é margi-nalmente melhor”.26 “Em muitos estados, a transferência de funcionários dogoverno tem alcançado o status de uma indústria. Funcio-nários em todos os níveis são repetidamente deslocados

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No nível estadual, existem três importantesmodalidades de transferências: a) aquelas anterio-res às eleições locais ou nacionais; b) transferên-cias massivas logo após as eleições; e c) transfe-rências de funcionários “indesejáveis”. As trans-ferências anteriores às eleições sãoremanejamentos de funcionários em postos, se-tores ou distritos de modo que os políticos do(s)partido(s) possam conceder favores especiais econseguir financiamento para suas campanhaseleitorais. Funcionários são transferidos para le-var à frente projetos e obras com objetivos eleito-rais. Ao mesmo tempo, espera-se dos funcionári-os que têm vínculos com os políticos dos parti-dos que canalizem recursos e investimentos emprogramas para favorecer esses políticos.

O segundo grande volume de transferênciasde funcionários ocorre em períodos posterioresàs eleições, em um processo semelhante às alte-rações nos cargos da administração observado nocaso brasileiro. Quando há alteração do partidono poder, a primeira medida do MC é transferir oSecretário-Chefe e o Diretor Geral da polícia,ambos considerados as figuras mais próximas eleais ao MC. O Secretário-Chefe é o responsáveloficial por realizar transferências no âmbito esta-dual. As mudanças continuam pela alteração doscollectors27 dos distritos e os superintendentes dapolícia. Funcionários que demonstram poucoempenho em favor da coalizão vitoriosa tambémsão punidos com transferências. Há, ainda, astransferências oriundas das filiações de castas ereligiosas, e que atendem às pressões dos própri-os funcionários por posições que lhes são maisfavoráveis.

Muitos funcionários insatisfeitos tentam cons-tantemente mobilizar os políticos para conseguirmelhores posições. Quando as mudanças ocor-rem, detona-se um processo de rearranjo cíclico,

e os funcionários que perdem boas posições co-meçam sua luta para conseguir suas transferênci-as para postos melhores. A institucionalização dastransferências em massa é tanto maior quanto maisfreqüente é a alternância de poder nos estados.

Por fim, as “transferências punitivas” são aterceira razão para a alta rotatividade dos funcio-nários nas administrações estaduais. Não há umacategoria específica de funcionários que se en-quadrem nesse tipo de transferência, mas as prin-cipais motivações para que elas ocorram relacio-nam-se à dissidência política ou aliança com par-tidos adversários, à recusa em participar de es-quemas de corrupção, à denúncia desses esque-mas e à recusa em atender pedidos de favor feitospor políticos influentes (cf. PINTO, 1996;BANDIK, 2001)28.

A indústria das transferências desenvolveu-sea tal ponto nos estados que os novos governosempossados consideram só ter assumido o poderde fato depois de terminadas as transferências emmassa de funcionários – isso, lembre-se, apesardas repetidas exortações dos manuais de organi-zação administrativa do governo contra a prática.Em regra, os partidos políticos vitoriosos nas elei-

um local a outro em completa desconsideração seja pelaspolíticas que definem um período de permanência [mínimona localidade], seja pela preocupação sobre adescontinuidade na entrega de serviços públicos e o efeitoadverso sobre a implementação de programas de desenvol-vimento”.27 Há um Collector do IAS em cada distrito indiano. Ocargo de Collector é um dos mais importantes politicamen-te. Entre outras coisas, são os responsáveis por decidir astransferências dos funcionários dos serviços classe III e IV.A importância política dos Collectors é discutida em Potter(1996, p. 222-223).

28 Marina Pinto observou que as transferências punitivascontribuem decisivamente para o desenvolvimento do queela chamou de “yes Minister syndrome”, que retrata a forteinclinação dos funcionários públicos atenderem aos dese-jos e interesses de seus chefes políticos. Um exemplo dadopela autora, ainda que excêntrico, ilustra como as transfe-rências punitivas caracterizam a relação entre políticos eburocratas na Índia: “P. K. Kochar, Assistant Comissionerin the Maharashtra Food and Drugs Administration (FDA),was transferred thrice in a year because his action ofpenalising a drug producer who tried to sell a veterinarypreparation for human consumption did not plesase hisminister. In another case, Arun Bathia of the FDA wastransferred because he pulled up a multinational forpermitting rejected drugs to find their way into the market.T. N. Seshan has the unique distinction of being transferredin 1962, six times between 10.30 a.m. and 5 p.m. – all in aday!” (“P. K. Kochar, assistente-chefe da Administraçãode Alimentos e Medicamentos (FDA) de Maharashtra, foitransferido três vezes em um ano por conta da punição queaplicou sobre um produtor de medicamentos que tentouvender um preparo veterinário para consumo humano, pu-nição que não agradou o ministro ao qual era subordinado.Em outro caso, Arun Bathia, da FDA, foi transferido porinterditar uma multinacional que permitiu medicamentosnão-autorizados a entrarem no mercado. T. N. Seshan tema distinção única de, em 1962, ter sido transferido seisvezes entre 10h30min e 17h – em um único dia!”) (PINTO,1996, p. 275).

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ções desdobram-se, por meio de seus políticos ecorreligionários, para re-ordenar as redes de po-der, quebrando as preexistentes e consolidandonovas redes mais afeitas aos seus interesses.

Assim, as transferências passaram a ser utili-zadas com finalidades distintas das funções origi-nais com as quais estão entrelaçadas. Gradualmen-te, as motivações administrativas originais quesustentam a necessidade das transferências fun-diram-se com as demandas impostas pelo siste-ma político cujas exigências eleitorais e econômi-cas incentivam a utilização dos cargos da admi-nistração para finalidades políticas, eleitorais, eco-nômicas e sociais.

O “carrossel burocrático” criou um mercadode cargos informal, que converteu os cargos emalgo similar a um título de posse, a partir de umsistema de preços de mercado e exigências depropinas correspondentes, que variam de acordocom a taxa de retorno esperada29. No mercadode cargos, os políticos cobram um valor propor-cional à rentabilidade esperada das propinas ex-traídas no posto para o qual transferem o funcio-nário; este se dispõe a pagar porque utiliza o mes-mo cálculo de rentabilidade. O interesse dos polí-ticos em obter dinheiro transacionando cargos estáassociado, em parte, à necessidade de amealharfundos para campanhas eleitorais e necessidadesclientelísticas. Não é raro que uma fração das pro-pinas continue a fluir para o político que indicou ofuncionário. A rede de comissões sobre as propi-nas recebidas estendem-se muitas vezes da baseao topo da hierarquia administrativa, integrandoum amplo circuito trocas30.

Wade (1982; 1989) mostrou, a partir da análi-se de um projeto de irrigação na região sul da Ín-dia, que há um reconhecimento tácito entre osatores de que as transferências de funcionários,corrupção e propinas estão vinculadas à acumu-lação de recursos para financiar campanhas elei-torais ou para a distribuição de recursosclientelísticos31. Akil Gupta argumentou que aspráticas corruptas nos níveis superiores e inferio-res da burocracia estão de tal modo articuladascom os políticos que se pode falar em corrupçãosistêmica. “Politicians raise funds through seniorbureaucrats for electoral purposes, seniorbureaucrats squeeze this money from theirsubordinates as wells as directly from projectsthat they oversee, and subordinates follow suit.The difference is that whereas higher-level stateofficials raise large sums from the relatively fewpeople who can afford to pay it to them, lower-level officials collect it in small figures and on adaily basis from a very large number of people”32

(GUPTA, 1995, p. 384).

Embora a corrupção política e administrativaestimule as transferências, estas continuam indis-pensáveis para evitar a formação de redes sociaisfundadas nos princípios de solidariedade étnica ede casta. Daí a legitimidade que o sistema man-tém. O paradoxo é que, surgido para evitar redesde clientela e corrupção, as transferências trans-formaram-se em instrumento de manipulação po-lítica, patronagem e acumulação de recursos fi-nanceiros, sem perder a sua relevância como meiooficialmente reconhecido de combate à corrupção.

29 Ao lado da rentabilidade esperada, outros fatores quecontribuem para majorar a atratividade do cargo são a quan-tidade de recursos que movimenta, a facilidade relativa paradesviar recursos e as condições de vida da localidade (áreaurbana ou rural, por exemplo) (cf. WADE 1982, p. 302-303).30 “The corruption network in India is so perfectlyorchestrated that there is a thriving internal economy linkingprincipal and agents. The principals (ruling politicians)provide the opportunity and protection, while the agents(civil servants) pay for their spoils by sharing the bribe”(“A rede de corrupção na Índia é tão perfeitamente orques-trada que há nela uma próspera economia interna que vin-cula os agentes e seu principal. Os principals [políticosgovernantes] fornecem oportunidade e proteção, enquantoos agentes (servidores civis) pagam seus espólios repartin-do a propina”) (DAS, 2001, p. 195).

31 “Everyone knows that corruption is common [...].Everyone knows that public officials are being transferredfrom post to post very frequently […]. And everyoneknows that huge amounts of money are typically requiredto compete for legislative office […]”(“Todos sabem que acorrupção é comum [...]. Todos sabem que funcionáriospúblicos são transferidos de uma posição a outra com bas-tante freqüência [...] E todo mundo sabe que grandes quan-tias de dinheiro são usualmente necessárias para competirpor um cargo legislativo [...]”) (WADE, 1989, p. 75).32 “Políticos levantam fundos através de burocratasseniores para finalidades eleitorais; os burocratas senioresextraem esse dinheiro dos seus subordinados e diretamentede projetos que supervisionam; subordinados fazem omesmo. A diferença é que enquanto funcionários de altoescalão levantam grandes somas de relativamente poucaspessoas que têm condições de pagá-los, funcionários demenor escalão arrecadam-na de cifras menores, porém, di-ariamente e sobre um número maior de pessoas”.

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Apesar do reconhecimento por parte de políticos,funcionários e setores da sociedade indiana que umaampla parcela das transferências estimula acorrupção, mudanças institucionais são difíceis. Ospolíticos estaduais, em aliança com os funcionári-os, resistem. As vantagens que as transferênciastêm para os políticos são dissimuladas, no discur-so oficial, por argumentos referentes às “necessi-dades administrativas” ou ao “interesse público”,palavras-chave que permitem transferir um servi-dor civil a qualquer momento. A fronteira turva entretransferências que se justificam por motivaçõesadministrativas, que resultam de vínculos primor-diais e aquelas com interesses político-eleitorais oueconômicos torna difícil a imposição de regras queevitem as transferências injustificadas do ponto devista administrativo, sem criar obstáculos para aque-las que de fato são necessárias.

As noções de “corrupção paroquial” e“corrupção de mercado” (SCOTT, 1972, p. 88-89) ajudam a compreender como as transferênci-as são, ao mesmo tempo, justificadas como ins-trumento de controle e meio de fomento dacorrupção política.

A corrupção paroquial descreve o favorecimentode parentes, amigos ou pessoas com vínculos pri-mordiais (religiosos, casta, tribais e étnicos). Foicontra ela que o sistema de transferências surgiu,já que a rede de laços pessoais ganha espaço à me-dida que o funcionário permanece mais tempo emseu posto, e constituem forte estímulo para práti-cas de favorecimento. Na Índia costuma-se postu-lar, naturalmente, uma relação direta entre o tempode permanência no posto e as chances desurgimento de práticas corruptas. “Corruption isseen as a virtually inevitable by-product of allpossible sorts of personal, diffuse relationships.Building up such relationships, however, takes time.And that is where transfers come in. If care is takenthat civil servants are always placed outside theboundary of their personal network, then thoseamong them with corrupt intentions are permanentlyhandicapped, both because they have less time tobuild extensive networks of contacts and becausethe time that they do have must be devoted toestablishing new networks to replace the oldones”33 (DE ZWART, 1994, p. 63).

A “corrupção de mercado” refere-se a um tipomais instrumental, com a venda direta de benefí-cios entre os quais se incluem os cargos. A distin-ção da natureza da corrupção – de mercado e pa-roquial – nos permite ver que a rotatividade noscargos surgiu para controlar a corrupção paro-quial e tornou-se um dos principais estímulos àcorrupção de mercado. Mas a corrupção paro-quial não diminuiu. A burocracia indiana está sub-metida às constantes pressões de indivíduos ougrupos que recorrem às relações pessoais paralevar adiante os seus objetivos. As obrigaçõesmorais que os funcionários experimentam, à me-dida que constroem laços pessoais no desempe-nho cotidiano de suas funções, são fundamentaispara entender por que, sob o prisma da eficáciaadministrativa, o sistema de transferência não podedeixar de existir.

O recurso às relações pessoais para obter ser-viços costuma ser uma estratégia eficaz, mas elanão se explica somente pela racionalidade instru-mental. É também uma forma de agir socialmenteimposta nas relações entre cidadãos e burocratas,políticos e burocratas e políticos e eleitores. Porvezes, demandas que passam por relações pesso-ais são mais ineficazes que as rotinas oficiais, masainda assim são postas em prática porque estãoinscritas na lógica da ação social dos indivíduos.“In a certain sense one is socially compelled tomake use of personal contacts. No one who has afriend, or a friend of a friend, working at therailway station buys train tickets at the booking-office even if it would be quicker and easier thanto suffer the obligatory rituals (drinking tea) andindebtedness that the help of a friend inevitablyentails. And for the friend (or friend of a friend) itwould be improper not to help with a ticket, evenif it cost him time and led to complaints from hisboss. Often both parties feel uncomfortable, butthe situation is somehow inescapable”34 (idem,p. 111-112).

33 “A corrupção é vista com um produto virtualmenteinevitável de todos tipos de relações pessoais, relaçõesdifusas. Entretanto, construir tais relações leva tempo e

aqui entram as transferências. Se houver cuidado para queos servidores civis fiquem sempre fora das fronteiras desuas relações pessoais, aqueles que nelas situam-se e quetenham intenções corruptas são permanentemente preju-dicados, tanto porque têm menos tempo para construirextensas redes de contatos quanto porque o tempo queefetivamente dispõem deve ser devotado ao estabelecimentode novas redes para substituir as antigas”.34 “De certa forma, há uma obrigação social de se fazeruso dos contatos pessoais. Ninguém que tenha um amigo,ou um amigo de um amigo, que trabalha na estação ferrovi-

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Já que as relações sociais de amizade ou deparentesco costumam ser suficientes para obri-gar um funcionário a atender um pedido de favor,as transferências como meio de prevenir essasobrigações fazem sentido do ponto de vista admi-nistrativo35. Muitos pedidos de transferências pro-vêm de funcionários que querem livrar-se dasobrigações sociais contraídas por sua longa per-manência em um mesmo cargo.

A própria noção de corrupção, em uma de suasinterpretações sociais, alude mais ao fato de o fun-cionário manter relações pessoais do que ter pra-ticado alguma ação legalmente indevida. “Usuallypeople understand corruption in the sense not ofa set of concrete transactions but of a network ofpersonal, diffuse relationships that, in general view,inevitably lead to illegal transactions”36 (idem, p.113)37.

Os estados indianos, por mais plurais que se-jam do ponto de vista de sua composição social,econômica, religiosa e política38, têm uma lógica

de organização dos cargos burocráticos – e suastransferências – similares entre si. A relação entreas MLAs e as transferências só apresenta distin-ções essenciais em estados administrados peloCommunist Party of the Indian Marxism (CPI-M) (CHOPRA, 1996; BANDIK, 2001).

O Ministro-Chefe tem papel primordial, pois éresponsável, em última instância, por autorizar astransferências, podendo delegar esse poder aosMLAs para atraí-los à sua rede política pessoal.

Apesar de o governo federal combater as trans-ferências politicamente motivadas e mesmo ori-entar alguns MCs a oporem-se às demandas dosMLAs, as pressões destes últimos sobrepõem-sea qualquer articulação contrária bem-sucedida.Mas a lógica da competição impede-os de abrirmão da luta política por transferências que aten-dam as suas demandas pessoais. Tanto o Primei-ro-Ministro, no nível central, quanto os ministros-chefes estaduais dependem do apoio dos mem-bros das assembléias legislativas estaduais.

De outro lado, os funcionários também lutampor suas próprias transferências e para isso reali-zam pressões constantes sobre os políticos, ape-sar destas ocorrerem quase sempre nos bastido-res. No agregado, as pressões dos funcionáriosconstituem um forte incentivo à continuidade das

ária compra bilhetes no guichê, mesmo que fosse mais rápi-do e mais fácil do que incorrer nos rituais obrigatórios (be-ber chá) e de endividamento que a ajuda prestada a umamigo inevitavelmente implica. E para o amigo (ou amigode um amigo) seria impróprio não ajudar com um bilhete,mesmo que se lhe custasse tempo e reclamações de seuchefe. Com freqüência, ambas as partes sentem-se incômo-das, mas a situação é de alguma forma inescapável”.35 Cientes de que os laços pessoais, de qualquer natureza,são importantes critérios para se obter serviços públicosou favores na Índia, as pessoas tentam sempre estabelecervínculos pessoais com os funcionários (cf. DE ZWART,1994, p. 65).36 “Normalmente as pessoas compreendem a corrupçãonão no sentido de um conjunto de operações concretas,mas de uma rede de relações pessoais e difusas que, naopinião geral, inevitavelmente leva a operações ilegais”.37 Para uma discussão sobre as modalidades de práticascorruptas arraigadas na administração e na política, assimcomo os motivos que as explicam, ver Bhatnagar e Sharma(1991), especialmente os textos de Bhatnagar (1991),Bhayana e Singh (1991) e Kohli (1991); cf., também, Dutt(1975) e Padhy e Muni (1987).38 Como menciona Harriss, “although the majority of thelabour force across the country remains agricultural, thereare important regional differences and differences betweenstates in terms of the organization of agriculture, the levelof development of capitalism, and of agrarian classstructures. There are differences between states in termsof the extent of industrial development, and hence in the

development of both the industrial bourgeoisie and theworking class. These differences may then be reflected, inturn, in variation in the nature and the extent of politicalmobilization, and of organization in civil society, both ofwhich are likely to be very significantly influenced, in theIndian context, by cast and other ethnic identities. Thesepolitical differences may exercise a significant influence onthe functioning of the various (state-level) ‘state-systems’”(“Embora a maioria da força de trabalho do país permaneçaagrícola, existem importantes diferenças regionais e dife-renças estaduais em termos de organização da agricultura,do nível de desenvolvimento do capitalismo, e das estrutu-ras de classe agrárias. Existem diferenças entre estados emtermos do grau de desenvolvimento industrial e, conse-qüentemente, no desenvolvimento tanto da burguesia in-dustrial quanto da classe trabalhadora. Essas diferençaspodem se refletir, por sua vez, na variação da natureza e dograu de mobilização política e de organização da sociedadecivil, ambos susceptíveis de serem influenciados de formamuito significativa, no contexto indiano, por identidadesde casta e outras identidades étnicas. Estas diferenças po-líticas podem exercer uma influência significativa sobre ofuncionamento dos diferentes (em nível estatal) ‘sistemas-Estado’”) (HARISS, 1999, p. 3 368).

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transferências e, aliadas aos interesses dos políti-cos, nutrem a reprodução do sistema39.

VI. O “CARROSSEL BUROCRÁTICO” NA ÍN-DIA E AS INDICAÇÕES PARA CARGOS NORIO DE JANEIRO

A burocracia pública brasileira, na esfera fe-deral, estadual e municipal, apresenta, historica-mente, forte relação de dependência e ingerênciados poderes Executivo e Legislativo no processode formação de seus quadros administrativos. Asanálises sobre a dinâmica de funcionamento daesfera burocrática do país, bem como sobre ospadrões de relação entre o poder Executivo e oLegislativo ou, ainda, sobre a relação entre políti-cos e eleitores, repetidamente acentuam apatronagem como um recurso valioso de que osatores políticos lançam mão para avançar os seusinteresses. Em estudo realizado no processo depreenchimento dos cargos na Secretaria de Edu-cação do Rio de Janeiro e sobre as percepçõesdos deputados estaduais sobre as nomeações paracargos de confiança (LOPEZ, 2005, cap. 2 e 3),procurei demonstrar que o processo de monta-gem dos quadros da burocracia envolve disputasque fazem pouco sentido se observadas apenasda ótica partidária. São as disputas pessoais efaccionais que dão sentido à lógica de preenchi-mento dos cargos. Ressaltei, ainda, que os parla-mentares concebem a disputa por nomeaçõescomo um meio legítimo de conseguir espaços derepresentação política na burocracia estatal, e essaé uma das razões para a grande relevância doscargos de livre-nomeação e de seu vigor ao longode nossa história político-administrativa. Além dis-so, o sistema eleitoral brasileiro constitui um po-deroso estímulo para que a luta por cargosreproduza-se a cada novo governo como um dosaspectos mais importantes da atividade políticacotidiana de nossos parlamentares (cf., entre ou-tros, CAREY & SHUGGART, 1994; SANTOS,1997; MAINWARING, 2001; AMES, 2003, cap.2). A imprensa tende a associar a disputa por car-gos apenas aos interesses econômicos e à neces-sidade de arrecadação de recursos para partidospolíticos. Essa é, de fato, uma dimensão essenci-

al para entender as disputas por cargos(JEFFERSON, 2006, cap. 8).

Uma qualificação mais precisa do processo denomeações para os cargos no estado do Rio deJaneiro demandaria um espaço maior que o de umartigo. As observações comparativas a seguir ser-vem, portanto, como explicações sobre traçoscaracterísticos do nosso sistema de nomeações edas representações sociais dos políticos que deleparticipam.

Há no “carrossel burocrático” da administra-ção pública da Índia traços comuns ao sistema deespólio da administração pública brasileira em ge-ral e ao sistema de preenchimento dos cargos deconfiança da administração pública do estado doRio de Janeiro40.

Como argumentei, a razão oficial da existên-cia do sistema de transferência de funcionáriosna Índia é contrapor-se aos valores culturais quese apóiam em laços pessoais atribuídos (família,casta) ou adquiridos (amizade, conhecimento, cli-entela) e que fomentam o desenvolvimento defavorecimentos prejudiciais ao funcionamento deum quadro administrativo apoiado no princípio daimpessoalidade e da neutralidade. As transferên-cias são um antídoto para a corrupção paroquial.“Most people in India are convinced that withoutregular transfers, corruption and the abuse ofpower would become more or less universal”41

(DE ZWART, 1994, p. 126). Esse alto grau delegitimidade social mantém as transferências numarotina administrativa que se aplica a quase todosos setores da administração, desde os primórdiosda constituição do serviço civil no que hoje é aÍndia, tendo sido amplamente utilizada no períododa administração colonial inglesa.

Simultaneamente, as transferências são reali-zadas com interesses econômicos ou político-elei-torais. Exatamente porque não há fronteiras cla-

39 A busca por transferências por parte dos funcionáriosestimulou o surgimento de brokers que se especializaramem estabelecer contatos entre os funcionários interessadosnas suas transferências e o político que tem “influência” nosetor ou departamento do governo para o qual o funcioná-rio deseja ser transferido.

40 É preciso notar, contudo, que no caso brasileiro umaparte das nomeações é de funcionários efetivos que apenasalteram suas funções dentro da burocracia ao sabor dasmudanças de posição nas configurações de poder entre osdiversos grupos e facções políticas, ao passo que na Índiaos funcionários são estáveis e não existem as “nomeaçõesde confiança” que estão presentes em quase todos os níveisda burocracia brasileira.41 “A maioria das pessoas na Índia está convencida quesem transferências regulares a corrupção e o abuso de po-der se tornariam mais ou menos universais”.

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ras entre rotina administrativa e manipulação polí-tico-econômica é difícil atacar os problemas as-sociados às transferências.

No caso fluminense – e brasileiro –, há umalógica semelhante. A indefinição das fronteiras queexistem nas nomeações de confiança impede aseparação das indicações que servem às finalida-des eleitorais ou econômicas dos deputados eaquelas que derivam dos interesses em montar umquadro administrativo afinado com as políticaspúblicas do governo no poder. As indicações po-dem ocorrer por todos esses motivos. Mas é sem-pre possível recorrer ao discurso da necessidadepolítica ou do interesse público para justificar asnomeações que possam, na origem, estar motiva-das por interesses privados de quem nomeia.

Nos dois casos o interesse pessoal pode fun-dir-se às necessidades administrativas e ambos selegitimarem por visões de mundo sobre a ativida-de política que dão sentido àquelas práticas.

A análise do caso fluminense ressalta que ointeresse em indicar para cargos é duplamentesustentado por pressões do sistema político e elei-toral e por percepções sobre a atividade políticaque associam participação no governo à indica-ção de nomes para cargos de confiança. Para osdeputados, participar do governo implica nomearpara cargos. A referência à participação no gover-no tem dois sentidos: participação político-parti-dária e participação pessoal. Na primeira acepção,participar significa ter influência na formulaçãodas políticas públicas, o que seria possível na ges-tão de algumas secretarias de governo pelo parti-do. A participação pessoal refere-se à conquistade um “espaço” em setores da administração, parainterferir pessoalmente na condução das políticasde governo e sociais. A princípio, essa visão im-plica na possibilidade de prescindir da formulaçãodas políticas públicas. Nessa concepção de parti-cipação, que é a mais freqüente, os deputadosconcebem as indicações como algo de sua com-petência e escolhem indicados que os representemna administração. Exatamente isso é que torna aproximidade pessoal e a confiança dimensões im-portantes das escolhas. Como “representantes” dodeputado na administração, os funcionários car-regam o nome e o prestígio deste no desempenhode sua função.

Nas entrevistas (LOPEZ, 2005, cap. 2), osdeputados descrevem repetidas vezes o risco en-volvido na indicação para cargos na administra-

ção. Os principais são a ineficiência e a corrupção.Nesse caso, tanto para encobrir quanto para evi-tar condutas indevidas é necessário que o indica-do tenha relações pessoais e confiem no indicado.Também não é por outro motivo que a discussãosobre cargos costuma ser tão cercada de segre-dos, ocorrendo antes nos bastidores do que noproscênio da política.

De forma geral, predomina a “fusão patrimonial”entre partido, Estado e poder pes-soal, que carac-teriza sistemas partidários pouco institucionalizados(MAINWARING, 2001). Em vez de o partido ser ainstituição que desempenha o papel de agregar erepresentar interesses de grupos da sociedade – talcomo se apresentam os modelos formais enormativos –, essa função é um atributo de cadaparlamentar individual, que persegue seus própriosnichos de representação nos setores do governoque cabem ao seu partido. A soma dos objetivosindividuais dificulta a formulação de políticas pú-blicas em termos partidários, ou seja, objetivos emetas comuns a alcançar, definidas por programaspreviamente estabelecidos. Nesse sentido, é pormeio da compreensão das redes sociais de depen-dência, cooperação e subordinação nas secretariasde governo – e fora delas – que se compreende adinâmica da administração e sua interação com aesfera política (cf. BEZERRA, 1999).

Os incentivos e motivações para as indicaçõesde funcionários à administração são variados epodem sobrepor-se. Neles se incluem retribuiçõespor ajuda prestada em campanha, vínculos deamizade, interesses de formação de aliança futu-ra, interesses econômicos, laços familiares, inte-resses eleitorais, interesses públicos e outros. Taismotivações só se separam analiticamente. Na basedessas possíveis motivações encontram-se, sus-tentando-as, dois qualificativos fundamentais natomada de decisão dos políticos: confiança pes-soal e conhecimento técnico.

A noção de confiança é utilizada principalmen-te como sinônimo de lealdade e serve como ins-trumento de resguardo contra traições. Para osdeputados a política é o terreno da desconfiança,da traição e das articulações veladas, o que tornaimprescindível a nomeação, quando há essa fran-quia, de pessoas cujas ações no governo sejamprevisíveis para quem as indicou. As relações deconfiança derivam do conhecimento passado e,quase sempre, de relações pessoais entre o políti-co e o indicado.

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A percepção da burocracia como um espaçode representação política – que se objetiva pormeio da distribuição dos cargos – demonstra quea lógica das nomeações não se resume a umaracionalidade transcendental invariável e não me-diada pela cultura. Isso se deve à interação de va-lores que foram consolidando-se no processo deformação das instituições políticas brasileiras e suainteração com o desenho das instituições políticase eleitorais (cf. DUARTE, 1939; QUEIROZ, 1976;GRAHAM, 1997; especialmente, OLIVEIRAVIANNA, 1987). Nessa interação, as instituiçõesformais importam porque definem padrões de re-lacionamento que, com o tempo, vão consolidan-do-se como um valor. Por outro lado, o própriodesenho institucional é influenciado por valoresque orientam os atores políticos e interferem nassuas decisões e nas disputas que se relacionam àsquestões sobre organização institucional.

Nesse sentido, o grande número de cargos deconfiança que está ao dispor das manipulaçõespolíticas na burocracia brasileira fica no plano doinquestionável. Pode-se mesmo argumentar queeles estão tão integrados ao modo de fazer políti-ca no país, que fazem parte dos esquemascognitivos e normativos que definem a concep-ção da atividade política e o comportamento coti-diano de uma parte importante dos atores políti-cos. O que não significa que, por estarem arrai-gados, sejam imutáveis.

Na Índia, as pressões dos MLAs sobre o Mi-nistro-Chefe42 e sobre funcionários do alto esca-lão da burocracia, responsáveis por transferênci-as de seus subordinados, resulta da conjugação

de interesses políticos, eleitorais e econômicos,de medidas orientadas por necessidades adminis-trativas e da percepção dos MLAs de que é intrín-seco à atividade do político responder às deman-das de grupos da sociedade com os quais ele man-tém vínculos primordiais, o que justifica parte dastransferências que contribuem para a reproduçãodo “carrossel burocrático”. Como descreveuBailey, “MLA should be effective, and by this theydo not mean that he should make a mark in thelegislature, but that he should be able to stand upto local officials in the interests of hisconstituents”43 (BAILEY, 1962). Adicionalmente, asmotivações políticas e eleitorais costumam viracompanhadas por pressões de casta, religiosas outribais. Somados, esses fatores mostram-nos quea capacidade de influir sobre decisões relacionadasàs transferências é um importante recurso de po-der. Nenhum dos atores pode abrir mão desses re-cursos porque são levados pelas pressões eleito-rais, econômicas e sociais e sabem que todos ado-tam estratégias similares. A descrição de um Depu-tado Estadual indiano sobre seu trabalho políticocotidiano, que se pode tomar como bastante repre-sentativa da atividade parlamentar em âmbito esta-dual, mostra que as transferências para cargos es-tão no cerne da política do dia-a-dia: “We areineffective in personal as well as official life. Personallife has no time, and work-wise, at our constituencywe are hassled with police, tehsil (revenue district),and thana (another term for police station) we areinundated with jobs and transfers requests. This isour main function”44 (MLA do estado de UttarPradesh apud CHOPRA, 1996, p. 332).

Isso torna a busca da neutralidade burocráticaum valor de pouca monta entre os políticos, poisele é constantemente desafiado pela “moralidadepersonalista” (STIRLING, 1963).

Em sua análise sobre as mudanças na lógicadas coalizões de governo em diferentes estados,

42 “Without the support of a considerable number of therank-and-file politicians of his own party in the stateparliament, a Chief Minister will be unable to keep hispost. So he must enter into transactions with an eye atconsolidating his support; and in that process transfers areamong the object of exchange. MLAs who have to maintainan electoral constituency and run expensive electioncampaigns demand among other things a quota of transfersin exchange for supporting a political leader” (“Sem o apoiode um número considerável dos políticos rank-and-file doseu próprio partido no parlamento estadual, um ministro-chefe é incapaz de manter seu cargo. Assim, ele deve entrarem transações com um olho na consolidação de seu apoio.Nesse processo, as transferências estão entre os objetos detroca. MLAs que têm de manter um círculo eleitoral e exe-cutar campanhas eleitorais caras demandam, entre outrascoisas, uma cota de transferência em troca de apoio a umlíder político”) (DE ZWART, 1994, p. 127).

43 “O MLA deve ser efetivo, e isto para ele não significadeixar sua marca na legislatura, mas ser capaz de defender,junto aos funcionários locais, o interesse de seus eleitores”.44 “Nós somos ineficientes em nossas vidas pessoais eoficiais. Não temos tempo para nossas vidas pessoais e,em relação ao trabalho, em nosso distrito eleitoral, somosperturbados pela polícia, pelo tehsil (órgão da receita pú-blica) e pela thana (outro termo para delegacia), somosbombardeados com pedidos de empregos e transferências.Essa é nossa principal função”.

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Harriss (1999) observou que apesar de apatronagem ser um padrão de organização deapoio político historicamente importante no siste-ma indiano posterior à independência, recentemen-te ganhou maiores proporções e tende a ser maismercantil, aumentando a corrupção política e ad-ministrativa e, ao mesmo tempo, a instabilidadepolítica dos estados. Para o autor, “[...]increasingly, through the history of independentIndia, political office has been sought in order toderive rents in various forms. One of theconcomitants of these general features of theIndian political system is that there is competitionfor ‘the spoils of office. Large majorities are oftennot a guarantee of stable and secure government,because it is then more difficult for those in powerto satisfy the aspirations of all their supporters.There is a built-in tendency towards factionalism[…]. And there is no major state which has notexperienced periods of instability as a result offactional in-fighting in ruling parties. Changes ofgovernment, […] often means nothing more thana reshuffling of personnel, and have absolutely noideological or policy implications”45 (HARRISS,1999, p. 3 370)46.

VII. CONCLUSÕES

A forma de interação dos funcionários da ad-ministração pública estadual indiana com os polí-ticos mostra que os processos históricos são im-

portantes para a compreensão da dinâmica do pre-sente. Diversos autores aqui citados ressaltaramas continuidades entre as instituições surgidas noséculo XVI e durante o período colonial e a orga-nização atual do sistema burocrático indiano (cf.POTTER, 1996). Ao mesmo tempo, a clivagemsocial da sociedade e da cultura indianas, marcadaspor divisões de castas, religiosas, lingüísticas ede classes, é fundamental para compreender asrelações sociais entre burocratas, políticos e elei-tores. Somente levando-se em conta a importân-cia dos vínculos primordiais atribuídos e adquiri-dos que é possível dar sentido à forma assumidapelas instituições políticas e administrativas, den-tro das quais parlamentares e funcionáriosinteragem.

Processos históricos, valores culturais e o de-senho das instituições políticas e eleitorais con-temporâneas conjugam-se na explicação da lógi-ca que organiza a relação dos deputados estaduaisindianos com a burocracia, e mostram a transfe-rência de cargos inequivocamente marcada porinteresses pessoais imediatos, mas cujainteligibilidade não pode prescindir das variáveissociais, culturais e da história institucional trilha-da pelo país.

Assim, a estrutura do sistema político ganhamaior sentido se inserido na estrutura de valoresque gradativamente articularam-se durante o pro-cesso de formação do Estado nacional indiano. Otema das transferências esteve em pauta desde oImpério Mongol, atravessou todo o período colo-nial britânico e é a espinha dorsal de funciona-mento da burocracia atual indiana, com as virtu-des e vícios que carrega. Potter (idem) mostroucomo as tradições da elite administrativa do perí-odo colonial (ICS) reproduziram-se – com mu-danças – até o presente no IAS, atual elite admi-nistrativa indiana. A continuidade das tradiçõesadministrativas dependeu acima de tudo do apoiopolítico da elite política que formava a cúpula dospartidos que governaram a Índia no período pos-terior à independência. O apoio político manteve

45 “[...] Cada vez mais, através da história da Índia inde-pendente, o cargo político tem sido procurado como meiopara obtenção de rendas em diversas formas. Um dos as-pectos concomitantes a essas características gerais do sis-tema político indiano é que não existe concorrência para‘os espólios do cargo’. Freqüentemente, grandes maioriasnão são garantia de um governo estável e seguro, porqueisto torna mais difícil para os detentores do poder satisfa-zer as aspirações de todos os seus apoiadores. Existe umatendência embutida ao faccionalismo [...]. E não há estadoimportante que não tenha experimentado períodos de ins-tabilidade resultantes de uma luta faccional interna nospartidos governantes. Mudanças de governo [...]freqüentemente não significam nada mais que oremanejamento de pessoal, sem que haja quaisquer impli-cações políticas ou ideológicas”.46 Os próprios políticos têm clara percepção de que acorrupção política contemporânea é maior que no passado.Chopra mostrou que à pergunta sobre se “a política é maiscorrupta agora do que no passado?”, a média dos deputa-dos estaduais – em cinco diferentes estados – que respon-deram afirmativamente foi de 88%. Além disso, 68% dosentrevistados achavam que a corrupção política ia aumen-tar no futuro (CHOPRA, 1996, p. 270-274). Uma pesqui-

sa histórica talvez observe maior tendência à mercantilizaçãode cargos de confiança também no Brasil. Certamente hácada vez maior publicização das negociações partidáriaspor cargos e as discussões, muitas vezes abertas, dos inte-resses econômicos que as norteiam. Toda a discussão pú-blica, por parte dos políticos, produzida pelo assim cha-mado “escândalo do mensalão” deu uma contribuição adi-cional nesse sentido.

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a estrutura e as normas que permitiam a continui-dade dos valores. A estrutura e as normas perma-necem porque as lideranças políticas estão infor-madas por valores que atribuem àquela estruturae por normas precedentes a desenhos alternati-vos. Valores que têm fortes vínculos genéticos nahistória indiana, vínculos que remontam mesmoao período anterior à colonização britânica(DUMONT, 1997).

O mesmo pode ser pensado do Brasil. As per-cepções dos deputados estaduais fluminenses so-bre as indicações para cargos e o preenchimentodos cargos da burocracia integram ações prag-

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ANEXO I – MAPA DA ÍNDIA

FONTE: World Map Finder (2008).

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POLITICS AND BUREAUCRACY IN INDIAN AND BRAZILIAN STATES

Felix G. Lopez

ABSTRACT: This text provides a brief presentation of the Indian political system, analyzing thegenesis and development of the civil servant transfer system within Indian public administration andhow this interacts with the social system, the political sphere and with parliament members’ politicaland electoral interests. This is followed by several comparisons that are established between thecharacteristics of the relationship between the political and administrative spheres in India and thoseof the system for naming people for high level positions in Brazil, taking Rio de Janeiro as ourexample. We argue that both the logic of the transfer system in India and the system through whichpeople are named for high level positions in Brazil maintain legitimacy insofar as they allow ideaslinked to administrative efficiency and combating corruption to be used in justifying decisions that areoften motivated by political, economic and electoral interests. We also argue that analyses of therelationship between politics and public administration in both countries should not only take thedesign of political and electoral institutions and the postulate of electoral rationality into account butalso the values that were developed throughout the process in which political institutions and publicbureaucracies were constituted.

KEYWORDS: India; Brazil; public administration; political system; patronage; nominations; highlevel positions.

POLITIQUE ET BUREAUCRATIE DANS LES ÉTATS D’INDE ET DU BRÉSIL

Felix G. Lopez

Ce texte fait une présentation rapide du système politique indien et à cet effet il analyse d’abord lagénèse et le développement du système de transfert de fonctionnaires dans l’administration publiqued’Inde et l’interaction de ce système avec le système social, le milieu politique et les intérêts politico-électoraux des parlementaires. Ensuite, l’article établit des comparaisons entre les caractéristiquesde la relation entre le milieu politique et celui de l’administration en Inde et les caractéristiques dusystème de nomminations aux postes de confiance au Brésil, à partir de l’exemple de Rio de Janeiro.On argumente que la logique du système de transferts en Inde et le système de nomminations auxpostes de confiance au Brèsil gardent leur légitimité parce qu’ils permettent que des idées associéesà l’efficacité administrative et au combat contre la corruption soient utilisées pour justifier les décisionsqui sont très souvent motivées par des intérêts politico-économiques et électoraux. On argumenteégalement que l’analyse de la relation entre politique et administration publique dans les deux paysdoit prendre en compte non seulement le dessin des institutions politiques et électorales et le postulatde rationalitié électorale, mais aussi les valeurs qui se sont mises en place au long du processus deconstitution des institutions politiques et des bureaucraties publiques.

MOTS-CLÉS : Inde ; Brésil; administration publique ; système politique ; patronage ; nomminations ;postes de confiance.