política do corpo e política de vida: a tatuagem e o body piercing como expressão corporal de uma...

36
etnográfica novembro de 2007 11 (2): 291-326 Política do corpo e política de vida: a tatuagem e o body piercing como expressão corporal de uma ética da dissidência Vitor Sérgio Ferreira A estética da divergência, que caracteriza a corporeidade extensivamente marcada com recurso à tatuagem e ao body piercing, configura uma forma de demarcação estilística através da qual alguns jovens constroem e dão a (re)conhecer não só a sua identidade pessoal, mas também o modo como percebem e se relacionam com o mundo. Implica uma performance estética que excorpora uma homóloga atitude ética, consubstanciando um sentido de desafiliação perante a ordem cultural e social estabelecida. Trata-se de uma ética de dissidência que reclama uma remoralização da vida quotidiana no sentido de conquistar um espaço social de existência no mundo, onde seja possível viver o compromisso com um corpo, uma identidade e um estilo de vida que se pretende «alternativo» aos disponibilizados pelo actual «supermercado de estilos», em condições de auten- ticidade, respeito e liberdade individual. PALAVRAS-CHAVE: corpo, marcas corporais, jovens, política de vida, cidadania cultural. 1. O CORPO COMO OPERADOR SOCIAL A incorporação tem surgido como conceito-chave na tradição sociológica a pro- pósito do corpo, dando conta do processo corporal de «interiorização não ver- bal, inconsciente, mimética, automática, de certas disposições de desigualdade e de poder; mas não só como interiorização – também como reprodutor dessas realidades, seu confirmador constante pelo simples facto de estar lá, de apare- cer, de ser» (Vale de Almeida 2004: 30). Nesta linha, a corporeidade tem sido tratada como lugar de inscrição simbólica, lugar sígnico que reflecte posições sociais na estrutura de relações de poder (que podem ser de classe, de género,

Upload: rodrigo-saturnino

Post on 25-Nov-2015

24 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Política do corpo e política de vida: a tatuagem e o body piercing como expressão corporal de uma ética da dissidência.Vítor Sérgio Ferreira

TRANSCRIPT

  • etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    Polticadocorpoepolticadevida:atatuagemeobody piercingcomoexpressocorporaldeumaticadadissidncia

    Vitor Srgio FerreiraAesttica da divergncia,quecaracterizaacorporeidadeextensivamentemarcadacomrecursotatuagemeaobody piercing,configuraumaformadedemarcaoestilsticaatravsdaqualalgunsjovensconstroemedoa(re)conhecernosasuaidentidadepessoal,mastambmomodocomopercebemeserelacionamcomomundo.Implicaumaperformanceestticaqueexcorporaumahomlogaatitude tica, consubstanciandoumsentidodedesafiliaoperante aordemculturale socialestabelecida.Trata-sedeuma tica de dissidnciaquereclamauma remoralizao da vida quotidiana no sentido de conquistar um espaosocialdeexistncianomundo,ondesejapossvelviverocompromissocomumcorpo,umaidentidadeeumestilodevidaquesepretendealternativoaosdisponibilizadospeloactualsupermercadodeestilos,emcondiesdeauten-ticidade,respeitoeliberdadeindividual.

    PAlAvrAs-chAve: corpo,marcas corporais, jovens, poltica de vida, cidadaniacultural.

    1. OcOrPOcOmOOPerAdOrsOcIAl

    Aincorporaotemsurgidocomoconceito-chavenatradiosociolgicaapro-psitodocorpo,dandocontadoprocessocorporaldeinteriorizaonover-bal,inconsciente,mimtica,automtica,decertasdisposiesdedesigualdadeedepoder;masnoscomointeriorizaotambmcomoreprodutordessasrealidades,seuconfirmadorconstantepelosimplesfactodeestarl,deapare-cer,deser(valedeAlmeida2004:30).Nestalinha,acorporeidadetemsidotratadacomolugardeinscriosimblica,lugarsgnicoquereflecteposiessociaisnaestruturaderelaesdepoder(quepodemserdeclasse,degnero,

  • 292 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    de raa, etc.). enquanto fenmeno incorporado, o social deixa de ser daordemdaabstraco,paracorresponderaoimplcitoexpressopelocorponodecorrerinteractivodaaco()atravsdoqualseautoconstrieseauto-mantmavidasocial(drulhe1987:6).

    Ocorpoassumeassimoestatutodeoperador social,ondeosocialsetornapossveleonde,consequentemente,serevelaaeficciadosocialsobreoindiv-duo.estavisoestruturalpressupeaincorporaocomoduplomovimentodeinteriorizaodaexterioridade(isto,dascondiesobjectivasdeexistnciadoagenteincorporado)edeexteriorizaodainterioridade(sobaformadepercepes,representaes,esquemasdeclassificaodarealidadeeprticaspor parte do agente incorporado). Pressente-se aqui uma incarnao sobres-socializada,investindonaprticaprincpiosorganizadoressocialmentecons-trudoseadquiridosnodecorrerdeumaexperinciasocialsituadaedatada(Bourdieu1998:120).

    emboraBourdieuconcedaaocorpoumestatutoepistemolgicofundamental,enquantoformadoagentesocialsereestarnomundo,nosentidodeperten-ceraomundo,esseestatutopressupeumarelao de posse docorpoporpartedomundo(social),relaoondenemoagentenemoobjectosocolocadosenquantotais(Bourdieu1977:51).Ocorpofica-secomooperadoratravsdoqualosujeitoapreendeosocialereproduzaordemdomundo,lugardenaturalizaodoarbitrrioculturalesocial.destafeita,acabaporseraestenvelmicro,quaseimperceptvel,daincorporaodosesquemasdediferenaededesigualdade,quesejogaumapolticadebaixaintensidade,umapolticadedifcilintervenoporpartedausualmacropoltica.apolticadofaceaface,doencontrocasualderua,davisibilidadeconfirmadoradoquenosrodeia(valedeAlmeida2004:30).

    Ocorpopermanece,nestaperspectiva,aprisionadopelacircularidadedaincorporaosocialmentedeterminada.corpodomesticado,decertaforma(lopes2002:61).maselepodetambmser(inter)subjectivamentevividoeagenciadoe,porconsequncia,analiticamenteconstrudocomolugardeoposio,resistnciaeemancipaosocial,nomeadamentequandooindivduoinvestenasuarealidadecorprearegimes1 imagticosecinticosquetentamdesafiaraordemcorporalesocialexistente.daque, emtermosconceptuais, amobilizaosocialdocorponodevaserreduzidaaosmecanismosqueope-ramnosentidodasuasujeioeconteno.Ocorpotambmpassveldesersocialmenteapropriadoenquanto instncia de contrapoder,namedidaemqueneletambmhlugarreaco.

    1 Utilizamosaquioconceitoderegime corporalnaacepodegiddens,aqualserefereaos compor-tamentosregularesqueimplicamocontrolosobreasnecessidadesorgnicaseoshbitospessoaisdeautodisciplinacorporalque,organizadosereguladosdeacordocomdeterminadasconvenessocio-culturaiseestratgiasdeproduoidentitria,sejamrelevantesparaacontinuidadeoupromoodetraoscorporaisdeordemperformativaouimagtica(1997[1991]:58).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 293

    Olugar corporal,enquantoespaoquedelimitaepermiteoreconhecimentodosujeitonomundo,nopode,portanto,serolhadoapenascomoespaodeincorporao,ouseja,espaodereproduonatural(lizada)dedisciplinasenormatividadesproduzidasporsaberesepoderesdenaturezainstitucionalouinformal.Opoderquemicrofisicamenteimpregnaocorpo,tambmdesignadodebiopoder,2 tantopodemanifestar-se emaces socialmente constrangidas,comoemacessocialmentelibertrias,potencialmenteprodutorasdeefeitostransformadores.Ocorpotemsempre,empotncia,essaduplacapacidadedeserevelarlugardeconformao econfrontao social,decontroloeresistncia,deautoridadeesubverso,decontenoeexcesso,dedisciplinaetransgresso,depodereevaso,dealinhamentoeoposio,dereproduoeinovao,dedominaoeagenciamento,desubordinaoeemancipao.

    Aanlisedasdimensesdeexercciodobiopodernoimplicaapenas,assim,tomaremconsideraoosdispositivosdevigilncia,disciplinaedominaoque integra. Importa tambm, cada vezmais, fazer sair da clandestinidadeosdispositivosatravsdosquaisoscorpossubvertemaordemquepretendeprogram-los(cruz2002:163).seaanlisedosprocessosdeincorporaotemproporcionadoumconhecimentoprofundosobreaformacomoosmecanis-mosdedocilizaoeareproduosocialactuamatravsdocorpo,valeapenaagoraolharmaisatentamenteparaassuasdinmicasdeexcorporao.

    estascorrespondemaprticas de exibioeostentaopblicadocorpo,quematerializaminvestimentosexpressivosdecorrentesdeopesedecisesdosujeito,conscientementeponderadaseplaneadas,relativamenteaosusosque fazdo corpo.somanifestaes que, dada a suanatureza intencional,voluntriaealtamentereflexiva,denotamactos de vontadeindividuaisquenodeixam,porm,desersocialmentecontextualizados.Aperformatividadeeaagnciaimplicadanamobilizaodessasprticaspermitirassim,atravsdasuaanlise,encontrarmecanismoseestratgiasdereacoeinovaosocialancoradosnocorpo.

    Olharpara a corporeidadepela pticada excorporao, implica tomarocorpona sua condio expressiva (crossley 1997; Polhemus eBenthall 1975;radley1998).Umacondio,porm,quenosevreduzidasimbolizaodecorrentedeprocessosdecategorizao, incorporadaporviadaatribuiodesignosporpartedeoutremaocorpodoprprio.enquantolugardemedia-osimblica,nocorpojustape-seummundodesignificadosmuitasvezescontraditriosentresi,ondeascodificaesinvestidaspeloagenteincarnado(gramticadeproduocorporal)sepodemobservarresistentesscodifica-es exteriores (gramtica de recepo corporal),mesmoquemaioritrias e

    2 Ou seja, a capacidadede agir sobre o corpode outreme/ou sobre o corpodoprprio, comoobjectivodeosubmeteraumadisciplinadeoptimizaodassuascapacidadeseutilidades(foucault1979).

  • 294 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    tacitamenteaceites.enquantomeiodeexpressoexcorporada,ocorpolugardesimbolizaosubjectivamenteintentadaegeridapeloprprioagenteincar-nado,considerandonoapenasossentidosporeleinvestidossobreatributosfsicosjpossudos(fenotpicos),mastambmsobreatributosposteriormenteacrescentados(diacrticos).

    Acondioexpressivadaincarnao,acrescente-se,transcendeasfronteiraspropriamentefsicasdoself,namedidaemqueevocafronteirasidentitriasedeestilosdevidaqueremetemparacertosmundossociaisespecficos.Aestilizaoexcorporadapelocorpocorresponde,portanto,aumaestilizaodavida,convocasimbolicamenteummundosocialquecontextualizacertaformadeser,emconsonnciaoudissonncia,conformeocorpousadoparaaderirsnormasdacorporeidade modal3erespectivavariao,oupararecusarou distorcer os atributos carnais que definem os grupos sociais, atravs daapropriaodemorfologiasnonormativas,formasexpressivasderesistnciacorporalquetentamescaparsestruturasdoscdigosmoraisquetendemadominarsobreoscorposnumadadacultura somtica(Boltantsky1975).

    2. cOrPOseNTre-vIsTOs

    Ocorpoextensivamente tatuadoeperfurado tomado,nesteartigo, comoumcasoexemplardeexcorporao,ouseja,deexpressodeumregimecor-poral reflexivamente projectado pelos respectivos portadores, resultante deumacadeiadeactosdevontade,ondesedenotaumaintenodesubversoface corporeidademodal.4 em termosmetodolgicos, a informao aquiapresentada e analisada conta, sobretudo, com relatosobtidos em situaodeentrevista,semiestruturadanasuapreparao,esemidirectivanasuaaplicao(ghiglione ematalon1978:57-58;colognese emelo1998:144;ruquoy(1997[1995]:87).

    foramefectuadasquinzeentrevistasindividuaisem profundidade,denaturezabiogrfica,aportadoresdecorposextensivamentemarcados,multitatuadosemultiperfurados,profissionaisouapenasconsumidoresdetatuageme/oubody piercing.Oitodessas entrevistas foramefectuadas emduas sessesdistintas,dadaalongaduraomdiadecadauma,queoscilouentreomnimodecercadetrshorasemeiaeomximodeseishoras.Preferiu-se,portanto,menosunidades observveis,massusceptveisdeencapsularumamaiordensidadedeinformao,aobservaesmaisnumerosasmassusceptveisdeproduzirmate-riaisrelativamentemaispobresemtermosdadensidadesimblicaebiogrfica

    3 Acorporeidade modalcorrespondeaumdeterminadoconjuntodetraoscorporaisvalorizadosnumadadaformaosocial(Berthelot1983:128).4 esteartigoreproduzemparteasconclusesdatesededoutoramentodoautor,nomeadamenteasquerespeitamproblemticadapolticadocorpomarcado,devendooleitorinteressadoemaprofun-darotemaconsultarorespectivotrabalhonantegra.verferreira(2006a).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 295

    captada.emvezde se amplificar ahomogeneidadedo conjuntodeentre-vistados,edeapostarnamultiplicaoexcessivadoidntico,preferiu-seaescolha intencionaldediversidades tpicas, estrategicamente recolhidasetratadas emprofundidade: uma colecodemateriais, ainda que restrita,podeproporcionarasuasaturaoantesatdeestarmaterialmenteesgotada;oseu restoserentoumluxoparaverificao(hiernaux1997[1995]:172,174),comoqual,namaiorpartedasvezes,ostemposeosoramentosdisponveisparaprojectosdeinvestigaonosecompadecem.

    Osentrevistadosforamrecrutadosemestdiosdetatuagemebody piercingdelisboaearredores,semnuncautilizarotradicionalmtododeboladeneveentreentrevistados,porformaaevitarefeitosdehomogeneizaodaamostraemdecorrnciadadependnciaderedesdesociabilidadepreviamenteestabele-cidas.Oprocessodeselecodosentrevistadosnofoialeatrio,outo-somenteresultante das convenincias, constrangimentos e facilidades pragmticas doinvestigadornoacessoaouniversoobservvel,comomuitasvezesacontecenousodetcnicasqualitativas(PayneeWilliams2005:308).enquantoamostra estratgica e intencional,conceptualmenteconduzidaetipologicamenterelevante,5aselecodosindivduosentrevistadosfoisubmetidaaintenesexplcitas.

    entreestasfoiconsiderada,emprimeirolugar,asuaexemplaridadeemter-mosdoobjectodeestudo(ruquoy1997[1995]:103),enquantoportadoresvisveisdeprojectosextensivosdetatuagemebody piercing,tomandoaextensoeavisibilidadedassuasmarcascorporaiscomocritriosindicativosdograuderadicalidadedoprojectocorporal.fez-setambmpordiversificaraamostradecasosentrevistadosemtermosdevariveis sociodemogrficas clssicas,geral-mente utilizadas em estudos extensivos, como o gnero, grau de instruo,origemsocial,condioperanteotrabalho,mastambmumaoutravarivel estratgica(ruquoy(1997[1995]:104),relativapertenadessesindivduosadiferentesgrupos de estilo.6

    Trata-se,evidentemente,deumaamostracujarepresentatividadevlidamaisdeumpontodevistadapertinnciaeconveninciasociolgicadoscasosseleccio-nados(considerandoalgunsprincpiossocioestruturaistipicamenteindutoresdevariaocomportamentalerepresentacional),doquepelasignificnciaesta-tsticadoscasosacumulados,resultandodasaturaodoscasosquerepetemamesmaestruturadeumdeterminadofenmeno,quenodoforopsicol-gico,masrelevadouniversosocial(lalanda1998:878).Aintencionalidadequepresidiusuaconstruo,maisdoquemediredeterminarquantitativamente

    5 Ouseja,umaamostraquevalemaispelaprofundidade analticaquepossibilitasobreouniversoobservado,doquepelasuaprofundidade morfolgica,considerandoonveldedescrioegeneralizaoquepermitir(Pais2001:110).glaserestrauss(1967)chamaram-lhetheoretical sample.6 entrevistaram-seindivduosque,duranteasuatrajectria,seidentificamoujseidentificaramnopassadocomgruposdeestilomotard/byker, rockabilly,heavy metal,black metal,punk, skinhead,gtico,hard-core,straight edgeetechno.

  • 296 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    propores,prevalnciasouprobabilidadesgeneralizveissobreosfactoresqueinfluemnaexperinciasocialdasmarcas(lieberson1992:106-109),foiadeacederidentificaoecompreensodasestruturasdesentidoreivindicadaseatribudasacorposextensivamentemarcados,assimcomosformascomoestasforamsendosocialmenteproduzidasnasbiografiasdosseusportadores.PartilhandodaposturadePais,entreoutrosautores,7aoestudar-seumcaso,oobjectivonorepresentaromundo;bastaarepresentaodocaso.Alis,umcasonopoderepresentaromundo,emborapossarepresentarummundonoqualmuitoscasossemelhantesacabamporsereflectir(2001:109).

    considerandoesseobjectivo,onmerodeentrevistasformalmenteefectu-adasrevelou-sesuficienteparareconheceravariabilidadedeperspectivasedesignificadosconstrudosporpartedequemtemocorpoextensivamentemar-cado,que,paratodososefeitos,nosevislumbroumuitodistinta.Oefeitodesaturao da informao (Bertaux1997;hiernaux1997[1995]:173)foideno-tadoquandoseobservouqueosentrevistados,comrecrutamentos, traject-riasecondiessociaismuitodiferenciadas,enomantendoqualquerrelaoentresi(ouseja,noconstituindoumgruposocialestruturadoemtornodeinterconhecimentosesociabilidades),recorrentementeproduziamumdiscursomuitocoerenteehomogneo,invocandoquadrossimblicosmuitosemelhan-tesapropsitodosusos,sentidoseefeitossociaisdeumcorpoextensivamentemarcado.Ouseja,quandoapartirdosseusdiscursoscomeouadenotar-seaexistnciadeumanarrativa sociologicamente convergente nosentidodeumacertaestruturadesentidosecontextosdeproduo(Abbott1992:69).

    Almdisso,ouniversosujeitoobservaoeanlisemaissistemticacentra-senumuniversosocialultraminoritrio,queconsubstanciaumcasoestatistica-menteraro,atpicoemarginal,reflectindoquadrossimblicosemodosdevidadeumncleodurodeindivduosque,depoisdeteremexperimentado,conti-nuamatatuareaperfuraroseucorpoemlargaextenso.diferentedocasodosjovensque,emmaiornmero,selimitamatatuarumpequenoapontamentonumazonarelativamentediscretadocorpo,ouacolocarumououtropiercingnumdos lugares j socialmente legitimadose consagradosparaaperfurao.Asintenesinvocadas,assignificaesinvestidas,osprpriosrecrutamentoseefeitossociaisdecorrentesdousodosmesmosrecursosporunseporoutros,masemquantidadesdiferentes,sosubstancialmentediferentes(ferreira2004c).

    Partedestaamostra(cincocasos)constitudaporprofissionaisdedica-dosprticadatatuagem(um)edobody piercing(restantesquatro),comgrausdeenvolvimentoededependnciaprofissionalmuitodiferenciados.socasosexemplaresqueacabampornoenviesar(biased)aamostra,namedidaemqueasuacondioprofissionalresultasempredeumacondioprviadeconsumi-dordurveldessesrecursos(ferreira2006b),sendoestaomoteprincipaldas

    7 ver,porexemplo,harper(1992).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 297

    respectivasnarrativas.emboraalgunsdessesprofissionaisestejamintegradosemescalesetriosdificilmenteconotadoscomacondiojuvenil,havendosido inicialmente solicitados sobretudo na condio de informante privile-giado,cedonosapercebemosdariquezabiogrficadosseustrajectosdevida,nomeadamentedasuavivnciaenquantojovens.Apardisso,assuastrajec-triassoexemplaresdomodocomoestetipodecorpossetraduzemmodosdevidarelativamenteestabilizados,indobastantealmdameramanifestaocorporaldeumacertairrevernciatradicionalmenteatribudafasejuvenildociclodevida.datermosprivilegiadoosseusrelatosapardosrelatosdosseusclientes,independentementedaidadequeapresentavam.

    Ocontedodiscursivodasentrevistas,justificaonicadasmesmas,semaqualoencontronoteriarazodeser,foiintegralmentegravado,transcrito(porcolaboradores)evalidado (pelo investigador).Posteriormentetranscrioevalidaodosdiscursosobtidos atravsdas entrevistas, estes foram sujeitosaprocedimentosanalticosdosrespectivoscontedos,segundouma lgica de anlise qualitativa(maroy1997[1995]:117),nosentidodeestilhaar,dedesa-tar(Pais1993:86;2001:125;2002:150)asunidadesdesentidoexpressaseencadeadaspeloactorsocial,edevoltaraunific-las,aat-lasdeumaformaanalticaesociologicamenteconceptualizada.Istonamedidaemqueasestru-turasde sentidos subjacentes aomaterial discursivo recolhidono tmqueseguir, inevitavelmente, a ordem de inteligibilidades imposta pelo entrevis-tado.Ailuso da transparncia dosdiscursosdosindivduossobreelesprprios(Bourdieu1968),ouseja,acrenadequeosentrevistadostmacapacidadedeconhecerereproduzirascondiesrelativassuaaco,umatentaoemquefcilcair,quando,defacto,oqueosactorestestemunhamsobreassuasprticas,acesetrajectriasnosomaisdoqueassuasprpriasrepresenta-esevaloraessobreasmesmas,lgicassimblicasemgrandemedidasocial-menteproduzidas,inconscientementeinculcadas,quemuitasvezesescapamsuareflexividadeenarratividadeimediata.

    3.mArcArOcOrPOcOmOAcTOdereBeldIA

    Acorporeidadeextensivamentemarcadacomrecurso tatuagemeaobody piercingconfiguraumprojectodecorpoque,nalinhadasuatradiohistricanoOcidente, continuaa ser activamente apropriado como regime corporalnoalinhado,resultantedeumacadeiadegestossimblicosdeirrevernciaetransgressoperantedeterminadasesferasdecontrolosocialederelaesdepoder.Aparcaminoriadejovensque,emPortugal,mobilizaactualmenteprojectosextensivosdemarcaocorporal,8persisteemproduzirereproduzir

    8 menosde1%dapopulaoentre15e29anos,considerandoosjovensqueafirmamjterfeitomaisdeumatatuagemoucolocadomaisdeumpiercing.verferreira(2003:323).

  • 298 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    entendimentossobreasmarcascomomanifestaodeumaesttica da diver-gncia euma tica da dissidncia, expresso incarnadade estilosde vidaquese pretendem escapatrios (Pais 2001: 71) massificao e normativizaovislumbradanosestilosdevidadominantes,9olhadoscomoviasprescritivasesaturadasdevivereestilizaravida.

    A esttica cultivada pelos usurios de corpos extensivamente marcados,orientadaporvaloresdeoriginalidadeepelocultodoneobarroquismoedobizarro,confrontaeinterpelaaestticanaturalistahegemonicamentepro-duzidaereproduzidapelosmecanismosdominantesdepoderederegulaocorporal.simultaneamente,desafiaaticadominantequedisciplinaocorpocontemporneo,equevalorizaamaleabilidadeeaaberturadestearecursospautadospelaefemeridadeepelasuperficialidadenacarne,emcontrastecoma permanncia e a invasividade que caracterizamos projectos demarcaocorporal(ferreira2004b).

    nestaperspectivaqueoactodemarcarapele,quandoempreendidoemcontextosjuvenis,descritonasnarrativasdosjovensentrevistadoscomodecor-rentedeumtraodepersonalidadecomqueseidentificamequelhessocial-mentereconhecido,arebeldia.fazerumatatuagemoucolocarumpiercingcomeaporconfigurarumacto de rebeldia10peranteasnormatividadesque(pre)tendemprescrevereestandardizaraimagemcorporaldojuvenile,emltimainstncia,peranteasconvenesqueinformamasacralizaodeumcorponatural(izado).emsimultneo,assumeaformadedesafio peranteasinstnciasquepersonificamsocialeinstitucionalmenteoexercciodeautoridadesobreoscorposeasbiogra-fiasjuvenis,representadaspelospais,agenteseducativose/ouempregadores.

    eueraumbocadomalucaerebelde...()eununcapudefurarasore-lhas.eeuachoquearespostaeeusvezesdigoistoagozar,masachoqueasriofoi,eumalfiz18anosfureiasorelhastodas!Alis,porqueeuestive18anosesperaparapoderfurarasorelhas,eentoquandofurei,eucostumodizersenometivessemproibido,secalharnotinhacadoneste

    9 Umestilo de vidapodedefinir-secomoconjuntodeprticasatravsdasquaisos indivduosseesforamporestilizarasuavida,isto,fazendocorresponderdiferentesaspectosdasuavida(alimenta-o,vesturio,habitao,etc.)commodelosquenoemanamnecessariamentedaculturadominanteoudasuaprpriacultura(Pais1998:23).10 h que distinguir os actos de rebeldia das prticas de resistncia perante as relaes de poder, osfundamentosdocontrolosocialeasfigurasdaautoridade.Osprimeiros,situadosnumtempoenumespaorestritos,correspondemaaces pontuaisemaisoumenosimpulsivas,semqualquertipodereflexividade transformadoraassociada,muitasvezesdiscutidasporrefernciaaosjovenscomocondutascaractersticasdasuaidadeenaturalizadascomofazendopartedoseuprocessodecrescimentoedeautonomizao.emcontrastecomosactosderebeldia,asprticas de resistnciapressupemacesdota-dasdealgumaintencionalidadetransformadora,umaconscinciaoposicionalqueprocuraromperouganharposionoqueoactorpercebeseremasrelaesdepoder,sendopreconizadascomconscinciadosefeitospessoaisesociaisquedelaspodemadvir.ver,entreoutros,raby(2005);giroux(1992).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 299

    exagero,no?Assimcomoas tatuagens,pronto,nunca...foiumacoisasempreodiadaerepudiadanomeiodaminhafamliaetudo.eeu,comoachoquesecalhartenhoumbocadinhoatendncia,oudantestinhamaisdoqueagoraessascoisastambmdesaparecemcomasidades,sempretiveumbocadoa tendnciaaserdocontraeaserdiferente,entoachoquecanesseexageroprecisamenteporquenuncativemuitaliberdadeparafazerestascoisas.(Profissionaldebody piercing,9.anodeescolaridade,sexofeminino,34anos)

    ...sempremeviramcomoumgajoesquisito,cheiodebrincos,comumcabelo esquisito, com roupas esquisitas, participavanestas coisas, andavaporrada, chegava a casa todonegro. ()mesmomudandoumbocadode estilos, eram sempre coisas rebeldes, porque eu sempre tive esse ladorebelde,()desercontraascoisasqueasociedadequer.(fieldearmazm,8.anodeescolaridade,sexomasculino,23anos)

    Aincarnaodetatuagensebody piercingemlargaextensoestilhaa,efecti-vamente,oscdigosquefundamentamanatural(izada)discriodocorpo.este sai da relativa indiferena a que est quotidianamente acantonado, emanifesta-seatravsdeumtipodeornamentaopoucohabitual,inusitada,historicamenteexotizadaesobsuspeita(ferreira2004a;Peixoto1990;rocha1985;steward1990).Quandoasmarcassopublicamenteostentadas,captamaatenodoOutro,atradopelarupturacomosabsolutosnaturalistasque,hegemonicamente,dominamasactuaisconstruessociaisdocorpoocidentaleconstituemasuareferncianormativa.

    emvirtudedasuadivergnciaesttica,asmarcascontinuamaapelaraoolhar e a deter a capacidade simblica de desconcertar (hebdige 1988: 18),obrigandoosquecomelassecruzamarealizaradiferenaentreocorpoqueseveoqueseriaesperadover.Nadistnciaentreocorpomarcadoeocorponatural(izado)criadoumespao de confronto simblicoqueforaoOutroareconhecereatomarposioperanteocorpoquev,nosentidodereavaliarourejeitaromodelodecorporeidadecomquesedepara.Nesseespao,ospro-jectosdemarcaocorporal,aosalientaremarelatividadeeaarbitrariedadedocorponatural(lizado),padronizadosegundoasconvenesdeaparnciaocidentais,soobjectivamente investidosdeumpoder disruptivodosordena-mentossemiticosemoraissobreocarnal(hardin1999:91).

    essepoderdisruptivoquefundamentaovalor de choque social dasmarcascorporais,oqualsertantomaiselevadoquantomaiorforadistnciaentreasgramticasdeproduoeasgramticasderecepo(vrons/d)que,numaespciedeguerrilhasemitica(hebdige1986[1979]:17-18),secon-frontamperanteomesmocorpo.Ouseja,numplanoestritamentesemitico,quantomaior for odesajustamento entre os cdigos investidosnoprojecto

  • 300 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    demarcaocorporalporpartedequemopromove,eoscdigosdeleituraeinterpretaoquepresidemsuapercepoexterior.

    eu geralmente nunca tenhomuita tendncia a fazer o que os outrosfazem...No por contradio, percebes? () [usarpiercing e tatuagem]Nomeafligeabsolutamentenada, independentementeda sociedademecriticar,oudelhesrepugnarporquelhesrepugna,emboraestejamelhoragoraporqueelesachamque...esecalharissotambmmedumcertogozo,umcertodesafio,percebes?Porquetambmachoqueumbocadoaqueladoespritoguerreiroqueeutenho.Achoquemedumcertodesafio,percebes?()Almdeserumgrandeactodecoragemtuusarespiercingsnacaraeiresremarcontraamar...(gerentedeestdiodetatuagemebody piercing,9.anodeescolaridade,sexofeminino,39anos)

    [Aprimeiratatuagemfeitaporumprofissionalfoi]Umlogtipoespe-cial,enumazonamuitovisvel,queeraaquinacabea,bemvistadetodaagente.Naaltura,haviamuitopoucagenteaterouaostentartatuagenscemPortugal.muitomenosnumazonacomoacabea,queeradechoqueparatodaagente.foimesmochoque!eaideiaeramesmoessa,dechocar!econsegui,conseguirchocartodaagente!Apartirda,nosanosseguintes,fizmaisemaistatuagens,e...()[fi-lopel]Aprocuradadiferena,sim.edepoisoprazerqueadvmdeapessoapodervereaguentarochoquesocialqueadvmdeusaralgoquecondenadoporquasetodaagente.()eu,comoqualqueradolescente,limitava-meafazeroopostodaquiloquemeeraaconselhado.vl,noimposto,nemobrigado,masnormalmente,comopartedosadolescentesrebeldessemcausafazem,ircontraquiloquelhessugerido,ouproposto,ouimposto,sejaloquefor.(Profissionaldebody piercing,frequnciauniversitria,sexomasculino,25anos)

    Aexperinciavividapelosjovensentrevistadosdemonstracomo,apesardacrescenteaindaquereduzidadifusoelegitimidadesocialdatatuagemebody piercing(ferreira2003;2004a),aacodemarcarocorpocontinuaaserinvestida,nasuagramticadeproduo,deumaauradeinconformismo,deumsentidodeno-conformidade,detransgressodoespaodepossibilidadeslegtimas de utilizao decorativa do corpo, de ruptura com as convenessomticaseasautoridadesqueasexercemsobreocorpojuvenil.

    Noobstanteaprogressivavisualizaoefamiliaridadesocialcomasprticasdemarcaocorporal,amplamentetelevisionadasepublicitadasprocessoatra-vsdoqualtmvindoasergradualmentelicenciadasetoleradas,sobretudonassuasversescorporalmentemaismoderadas,asuavitalidadetransgressivanosetemperdido.Particularmentequandoosobjectosetintascomeamacoloni-zarlargasextensesepidrmicas(ferreira2004c),projectoscorporaisdotados

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 301

    depropriedadessimblicasqueinsistememvalidaroactodemarcarocorpocomoprtica oposicional(Benson2000:242),prtica divergente(Brito2002:43)ouprtica subversiva(Pitts2003:23),isto,prticaqueseconstriapartirdadiscordnciaedesidentificaocomosvaloresecdigosdominantes.

    Numasociedadedeconsumoque,sobaformadeciclosefmeros,tendepadronizaoeestandardizaodosvisuais,eondeocorpojuvenilobjecti-ficadocomoconsumidorprivilegiadodeobjectosefmerosemassificados,ocorpoextensivamentemarcadoassumeoestatutonoapenasdeeixoestrutu-rantedaconstruodadiferena individual,comotambm,simultaneamente,desuporteplsticoderesistnciasocial.11 Atravsdamarcaocorporalextensiva,comrecursotatuagemebody piercing,algunsjovensdeethosmaisinsurrectoencontram uma forma de semanifestar expressivamente contra a homoge-neizaomassiva e opressiva da diferena e de confrontar as foras sociaisque tentam estandardizar ou docilizar, para empregar uma expresso cara afoucault(1999[1975]),oscorposjuvenisnasuaimagem.

    4.mArcArOcOrPOcOmOAcTOdeemANcIPAO

    Apretensodessesjovensemresistirliteralmenteincarnadacomrecursoaobjectoseatcnicassecularesdeinscriocorporal,cujaleiturasocialdomi-nanteestdesdehlongotempoassociadaatraosestigmticosdemargi-nalidade, contestao, agressividade, loucurae mutilao (ferreira2003:336-338).Alegitimidadedesseactodetransgresso,estesjovensencon-tram-na no apenas na sua ancestralidade e universalidade, mas tambm,sobretudo,naconvicosubjectivadeexerceremumdireitoincondicionaldeintervenosobreoseuprpriocorpo,onicoepreciosobemcapitalizvelquesentemcomoverdadeiramenteseu,sempredisponvelsuaacoecomoqualsemprepoderocontar.

    comefeito,muitasvezesmaterialmentedespojadosdeoutroscapitais,numcontextovivencialmarcadopelaflexibilidade,instabilidadeeprecariedadedeoutrasformasdepropriedade,algunsjovensencontramnocorpoumtoposper-manentederealizaoeexpressopessoal,dotadodeumvalorpatrimonialeauto-referencialsemparnaactualsociedadeocidental,susceptveldesercapita-lizadosobmltiplasformas.Aomesmotempoqueapropriadocomoespaoliso(deleuze1980)propcioaperformancesderesistncia social,enquantoter-renoexpressivodedivergnciaedeconfrontaodoOutro,tambmreclamadocomosuportedemanifestaesde existncia individual,nosentidodepermitirexpressarexercciosdereivindicaodopoderdesiprpriosobresimesmo.

    11 Nodehojeautilizaodatatuagemcomosmboloderesistncia.Jemcontextosprisionaisestaprticatraduziaumaformaderesistnciadodetidofacesituaodesujeioeuniformizaocorporaldecorrentedaencarcerao.vercunha(1996);demello(1993);Kent(1997);schrader(2000).

  • 302 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    Nestecontexto,aluta pelasubjectividade(mcdonald1999),inerenteformu-laodeprojectosdemarcaocorporal,traduz-senumalutapelapropriedade privadadopatrimniocarnal.Peloenvolvimentontimoeperenequemantmcomoseusuporte,ainscriodeumatatuagemoudeumpiercingnocorpoafirma-secomoformaprivilegiadaerelativamentedemocratizadadeexercciododireito sobreapropriedadedocorpo.Numapocaemqueestaquestoestnaordemdodiaemdebatesvrios,denaturezalegal,ticaepoltica,12amarcaoinvasivaevoluntriadaepidermeconcedeaquemaempreendeumprofundosentidodeposse,representandoumgestoinstauradordasoberaneidade dojovemnoprocessodetomadadedecisosobreumpatrimniosobreoqualeleentendedispordodomnioabsolutoeincondicional.

    O acto de tatuar ou de perfurar o corpo tem efectivamente subjacenteumareivindicaododireitodeintervirexpressivamentedeformacontrriasconvenesestticaseticasdominantes,sobreumpatrimnioquetidopelo jovemcomopessoal, inalienvel e insubstituvel.nessepressupostoque,muitasvezes,talactoagenciadoreveliadoconhecimentooudasopi-niesdosrepresentantesdasociedadedecontrolopresentesnosquadrosde interaco nucleares dos jovens (pais, professores, empregadores, etc.).reclamandoocorpoatravsdaauto-intervenovoluntria,oprojectodemarcaocorporalrestauraumsentidodeautodeterminaodojovemsobreoseucorpo.

    nestapticaqueoscontornosdesseprojectosurgemnarradospelosseusprotagonistascomoexclusivamentedependentesdasuadeliberao,empe-nhoegostopessoal,opes voluntriasereflectidasdeintervenocorporal,actos de vontadeque sepretendempraticamente libertosdequalquer tipodeconstrangimentosexteriores.13enquantopequenatransgressosocialmenteconsentida,ojovem,aotatuar-seouperfurar-se,temapossibilidadedecons-truirparasiprprioumaficodeconquistadepodersobreoseuprpriocorpo,enquantosujeitosocialautnomonassuasacesedecisesindivi-duaisacercadeste,nabasedoqueacreditaseroexercciodeumdireitofun-damentaldeusufrutosobreumpatrimnioquetemcomosuapropriedadeprivada,capitalizvelsemrestriesquenoapenasasquesodefinidasporsimesmo.

    12 Apropsitodetemascomoamanipulaogentica,aamputaogenital feminina,aviolnciadomstica,ahomossexualidade,aprostituio,adoaodergosearecolhadeprodutoscorporais,oabortoouaeutansia,entremuitosoutrostemas.Paraumadiscussoanalticasobreahistriasocialdosdireitosdepropriedade,privacidadee intimidadecorporal, ver,porexemplo,fontenay (1972);Borrillo(1994);richards(2001).13 enfatizamosotermopraticamentenamedidaemque,paraosjovensmenoresde18anos,ostatua-doresebody pierciersprofissionaisassumementresitacitamenteanormadenofazerintervenessemoconsentimentoprvioeporescritodosrespectivospais,aindaqueemPortugalnoexistaregulamen-taooficialqueosobrigueatal.

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 303

    Oquequetutensteu?vamosver:comprasumcarro,pedistedinheiroaobancoouaumconcessionrio,comprasteumacasapedistedinheiroaobanco,quisesteelectrodomsticos,tensdepedirdinheiroaobanco,oquequetutensdeteu?Notensnada,notensnada.Tensocorpo.ento,setensocorpo,anicacoisaquetupodesusareabusarequetua.etumexesenopagasnadaaningum,porqueteuetupodesfazerdeleoquequiseres.euachoquetamosnumasociedadeemquenotemosnadadenosso,temosquetrabalharpapagartudo,percebes?Oquequetemosnosso?Ocorpo!()d-lhesmaisprazer[spessoas],secalhar,gastarsetemilequinhentosescudosnumpiercingdoquecomprarumat-shirt,percebes?Porquemaisdelas.()eusoucapazdeverumindivduotodoqueimadoporquefezumascarification,e,paramim,soucapazdedizerquehorror,eunoeracapazdefazerisso!Quehorror!ep,maseledevetertidoummotivo,oqualeunomeinteressa,nemquerosaber.eleldeveternacabeadele,elelivredepensaraquiloqueelequiser!ehp,eleusaeabusadoseucorpo,emaisningumtemavercomisso,percebes?(gerentedeestdiodetatuagemebody piercing,9.anodeescolaridade,sexofeminino,39anos)

    euqueseioquequeaquiest.Istoestnaminhapele,eminhapeleeuqueseioquequetenhodefazerdela.()Porqueocorponosso,ns fazemosdeleoquequisermos, apesardeno sernosso em todososstios.mas,prontos,enquantoelefornossoepudermosfazer,achoquenodevemosestarafazercoisasiguais.(...)hvriospasesemqueocorpononosso!Porexemplo,emmarrocos()mesmoassim!mesmoumabocacaladaquenopodedizernada,porquenointeressaaopiniodessapessoa!Paraosoutroselanoexistenasociedade,umparasitaqueandaali.(Tatuador,8.anodeescolaridade,sexomasculino,24anos)

    Amarcao extensiva do corpo satisfaz, portanto, o exerccio plenodessedireitodepropriedadecorporal, concedendoao jovemummodo de governo docorporelativamentefcildeagenciar,pelasuadisponibilidadecomercial.Ador-narextensivamenteocorpocomtatuagensebrincosimplicaumconjuntodeacesquefuncionamsimbolicamenteparaquemasagenciacomoreivindicaodeautoridadeeliberdadedeintervenosobreacarne.subjacentesuainten-odeproduo,estumsentidoderesgatedaautonomianocontrolosobreumpatrimnioqueojovemconsideraexclusivamenteseu,relativamentesins-tnciasque,emvriosdomniosdavidasocial(familiar,educativo,profissional,religioso,mdico,jurdico,meditico,etc.),estoinstitucionalmenteautorizadasaexerceropoderdeproduzireregularafiguraeogestodocorpojuvenil.

    O desenvolvimento de um projecto extensivo demarcao corporal notraduz,porm,apenasavontadedojovemdetomarparasiaplenapossedoseucorpo.Talcomodescritapelosentrevistados,aexperinciadamarcao

  • 304 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    corporal revela-se imbuda de um sentimento de agenciamento ou de puissance,comolhechamariamaffesoli(2002[1992]),sentimentoessemanifestopelojovemquandorealaasuacapacidadeindividualemdecidirmarcarocorpoemcondiesdeliberdadeeautodeterminao.encarandoocorponoape-nascomobem primeiro mastambmcomoextenso visvel de identidade pessoal,enquanto expresso idiossincrtica e concreta do eu, o jovem, ao marc-loextensivamente,tambmdemonstrametaforicamenteodireitoalargadopro-priedadede si prprio, ondequalquer violaodoque entende seroplenoexercciodosseusdireitos de autenticidade, diferena e singularidade,atingeocernedoseuprojectodeidentidadeedevida.

    marcar extensivamente o corpo configura, assim, uma tomada de possesobreaconstruodasuaidentidadeebiografiapessoal,celebrandodeformasimblica, perante si prprio e os outros, o poderde (auto)determinao e(auto)controlosobreasuaprpriaacopoderessequeojovemsabefrgilevulnervelperanteoscondicionamentosimpostospordeterminadasinstitui-essociaisguardisdanormalidadedacorporeidadeemodosdevidajuve-nis(laeProth2002:5).nestaperspectivaque,talcomogiddensaponta,oproblemadapossedocorponassociedadesdamodernidadetardiaconvoca,entreoutros,osproblemasquesegeramemtornodadefiniodepessoa,devidoaoduploenvolvimentodesistemas abstractos (medicina,religio,estado)edeprojectos reflexivos nasopesqueosindivduostomamrelativamenteaosregimescorporaisaadoptar(giddens1997[1991]:202).

    [aminhaprimeiratatuagem]minha!fuieuqueafiz.fuieuqueaescolhi.fuieuquedecidiqueaqueriafazer.()euaindaconheomuitoscasosdepessoasquetmfilhosemidadesrelativamentenovas,quevofurarasorelhasscriancinhasnumaourivesaria,acriancinhanotemamnimahiptesededizerquenoquer,quenolheapetece,quenogosta,eestoaexporacrianaaalgoquepodeserprejudicial. ()[As tatuagens]sominhas!eunopossoexercerpossesobrealgum.maspossoexercerpossesobreomeucorpo.Ocorpomeu.()Ocorposnosso.Apesardaquiloaqueestamoscondicionados,ouseja,pelotrabalho,pelasociedadeemquevivemosnopodemosandarnus,temosasnossascondicionantesmasaquiloquefazemoscomonossocorposansnosdizrespeito.encararumpoucoascoisascomoaprostituio.Aprostituiooqu?ovender-mosocorpo.Ocorpospertencemulherqueovende.eningumpodejulgaroqueelafazounocomocorpo.Amimtantosemed.Ningummepoderamimquererdizeroquequeeufaoouoquequeeudeixodefazercomomeucorpo!meu,acimadetudo![oentrevistadomuitoafirmativo,quasesoletrasilabicamenteasfrasesquevaidizendo]Nodaminhame,nodomeupai,quesoosresponsveisporeuestarvivo.elesmuitomenossoaquelesquepoderocontrolaroqueeufaoounofao.

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 305

    Apenaseu,maisningum,podedizeroquequeeufaocomomeucorpo!issoqueaspessoastmqueseaperceber.muitaspessoasnofazemumatatuagemounofazemumpiercingpeloreceiodoqueosoutrospoderoviradizer,ouquaisasconsequncias.Ocorpouminvlucro.Uminvlucroquens representamosduranteo tempo todoque c estamos.equenspodemosutilizarcomonsquisermos!maisnada!()Apessoaquerfazeressamodificaoporqueachaquesevaisentirmaisvontade,ouquesevaisentirmelhorcomelamesma,eningumestnodireitodeaimpedir.Notemqueaceitar!mastambmnopodeimpedir!Ocorpo,lest,altimafronteira.sobreonossocorposnsquesabemos,snsquedecidimos,snsque temosapossibilidadede fazerounoaalterao,conformeaquiloquepensamos.()soasminhasconquistaspessoais,simsenhora,elas servemcomoquestode afirmao,mas afirmaopessoal, noumaafirmaoperanteosoutros,comoformadeprovaralgumacoisaaalgum,aterceiros.sominhas!meu!euquesei!()euvoltoainsistirnoaspectodequeisto[asmarcas]soconquistaspessoais.Aspessoasfazem,algumasporquestodeafirmao.enohmelhormaneiradenossentirmosbemconnoscomesmo do que podermos, ou sermos os nicos a legislar sobreaquiloquesomosns.Oupelomenossobreonossoinvlucro.(Profissionaldebody piercing,frequnciauniversitria,sexomasculino,25anos)

    enquantoactopotencialmentesubversivodasconvenescorporaisdomi-nantes,marcarocorpoconfiguraumgesto de emancipao,isto,umaacoqueapontaparaareivindicaoeconquistadeumamargemdeautonomiapessoaldojovemnoprocessodetomadadedecisosobreaconstruodesiprprioedasuavidaperanteosplossociaisdeautoridadequeaatravessam.Aoper-mitirrestituiraojovemumsentidodecapacidadedeagenciamento,aacodemarcarcorpoconstriumaficodeliberdadeeautonomiapessoalquevisaodireitofundamentalausufruirdele[ocorpo]comoquisermos,enfati-zandoasuapossessoindividual(Ortega2004:255).expressaaliberdadedetomarumaposioedecidirsobreoqueentendeserumapropriedadenatu-ralmentepessoale intransmissvel,mesmoquesereconheaocorpocomolegadomaterialdospais.nestesentidoque,nostermosnativos,oactodemarcarocorpotomaaformadiscursivadeafirmao pessoal,confirmandoojovemnasuaconquistadeindependncia,eexpressando-asocialmenteatravsdasuaostentaopblica.

    5.mArcArOcOrPOcOmOAcTOdedIssIdNcIA

    Tatuar-se ou perfurar-se, enquanto prtica de resistncia, reflecte tensessociaiseculturaismaisamplasqueasquetocamocorpo,manifestandoumaatitudededistanciamento simblicoperantepadresdominantesnaactualordem

  • 306 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    social.Quandoastatuagensepiercingsatingemumalargaextensonocorpo,oprojectodemarcaocorporaltendeaimplicarumprocessodedensificaodoinvestimentosimblico(ferreira2004c),representandoconvices,valoreserepresentaesqueultrapassamasfronteirasdocorpo,equetocamqueromodocomoojovemsedefineasiprprio,queromodocomoestesedefineperanteasociedadeactual.

    nestapticaqueseencontramcombastanteregularidade,narbitadosncleossociaisdeproduoedifusodasprticasdemarcaocorporal,infla-madosdiscursoscrticosdirigidosaformasdeorganizaosocialederelaesdepoderdifusamentedescritascomosistemacapitalista,sociedadedecon-sumo,sociedadeindividualistaousociedadetecnocrtica,bemcomoaosvaloresquelhesassociam:materialismo,consumismo,narcisismo,buro-craciamais doque as instituies que constituemessa entidadediludaquemuitosdestes jovensdesignamdesistema(omercado,as instituiespolticas,afamlia,asclassessociais,etc.),essesmesmosdiscursosatacamosprocessossociaisqueresultamemconvenesculturaiseconsensossociaisins-talados(massificao,globalizao,individualizao,desumanizao,consumismo,tecnologizao,polarizaosocial,etc.),vividoscomoumaculturamainstreamquereduzaexperinciapessoalesocialaumprodutodacomunidadeouaumconjuntodemercadorias.14

    muitasvezes,asrefernciasideolgicasqueservemdebaseaessesdiscursoscrticosservemigualmente,aosjovensqueosenunciam,demoteiconogrficoparasignosagravarnapele:smbolosnacionalistas,nacional-socialistas,punks,msticos,herticos,etc.Utilizadacomoexpressoderesistnciaaumacertaordemsocial,amarcaoextensivadocorpoacabaporserapropriadacomorecursoquepodemosdesignardecontra-modernidade:porumlado,estrategica-menteutilizadapelosseusagentescomoformadedemarcaopessoalperantedeterminadanoodevidaemsociedade,vistasobaperspectivadarwinistadametforadaselva,ondeocorreumaconstantelutaentreosmaisfortese osmais fracos, alheia s profundas consequncias ecolgicas e humanasqueprovoca;poroutro,sendoumrecursoculturalmenteancestraleuniversal,serve tambmcomo formadedemarcao simblica face s actuais noesdeprogressooudesenvolvimentooperadaspelaradicalizaodasformassociaiscapitalistas,que,segundoestesjovens,elegemosucessoeconmico,oconsumismoeoindividualismomaisnarcisistacomoformasprivilegiadasderealizaopessoal,epremeiamacapacidadedeadaptaodoagentescon-tingnciaseexignciasdosistema,interpretadacomoformadecorrosodocarcter(sennett1998).

    14 JTouraineadvertiaparaofactodeatransformaodoindivduoemsujeitoresultardacombinaodeduasafirmaes:nassuaspalavras,adoindivduocontraacomunidadeeadaconvicocontraomercado(1995:29-30).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 307

    Nopressupostodaimagemqueconstroemsobreaactualsociedade,ofuturoque lhe vislumbramnebuloso e visto comapreenso, caractersticodeumcenrio distpicoquetendeaoscilarentreumavisodefatalismo apocalptico,queapontaparaumaimagemcaticadoeclodirdomundo,eumavisodeniilismo cptico,ondeadoptadaumaposturadesuspensoeindeterminaoperanteotempovindouro.Peranteumfuturoolhadocompessimismoeincerteza,acons-truoeexpressodassubjectividadesdestesjovenstendeaserprojectadasobreoquetmcomosendoomaisestvelrepresentantedesiprpriosocorpo,efocalizadanassolicitaesegratificaessensuaisdotempopresente.

    fATAlIsmOAPOcAlPTIcO

    Ofuturoincerto,nosei...(...)vaiserocaos,mesmo.vaihaverumagrandeconfuso.()seil,istovaiacabar,istoaltadestruio,maiscedooumaistarde.()Acenaestcadavezatornar-semais...buesquisita.Achoquenovaiserassimmuitopositivo,honestamente.masquandodigoo caos, a cenaqueparamimanaturezaemsiningummandanela, eelaacabaporsevingar,directaouindirectamente.(estudanteuniversitrio,sexomasculino,20anos)

    euachoqueistovairebentar.sabes,euhmuitosanosviunsdesenhosanimadosqueeramdemais: eraumvelhinhoqueeradoplanetamega.Pronto, a terra evoluiu, evoluiu, evoluiu, evoluiu, at que se chegou aoespao.eumdiaohomemvirou-secontratudoecontratodos,evoltouacultivarpacomer.eissoficou-medememria,essesdesenhosanimados...epensomuitas vezes que isso vai acontecer, sabes, isto vai chegar aumpontovaiestourar.(gerentedeestdiodetatuagemebody piercing,9.anodeescolaridade,sexofeminino,39anos)

    NIIlIsmOcPTIcO

    Ofuturolevadodiaadia.Nempessimismo,nemoptimismo.emcertaparte,soueuquefaoofuturo,no?Tentarqueelesejaporreiro.(Profis-sionaldebody piercing,estudanteuniversitrio,sexofeminino,27anos)

    eunogostodefazerprevisesacercadofuturo.masnoprevejoassimnadadebom...No!Nosoupessimista,sou...comoquehei-dedizer?...sou...agnstico.souagnstico.(Profissionaldebody piercing,frequnciauni-versitria,sexomasculino,25anos)

    Noprolongamentodaatitudededistanciamentocrticoperanteaordemsocialsubjectivamentevivenciada,osjovensentrevistadosrevelamaindaumprofundosentimentodedistnciaaopoder(cabral1997),expresso,porumlado,numafortedesconfianaperanteofuncionamentodosistemapoltico,asinstituiese

  • 308 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    aspessoasqueorepresentam,bemcomo,poroutro,nodesinteresse,oumesmonarecusa,pelaadesoaformastradicionaisealinhadasdeexercciodacidada-niapoltica,comosejamaparticipaoeleitorale/ouassociativa.manifestam,ainda,algumadificuldadeemseposicionarnoespectropoltico-partidriopor-tugus,bemcomoemlidarcomatradicionalclivagemesquerdadireita,cadavezmaisfrgilenquantoplodeidentificaopolticaesecundarizadaemfavordenovasformasdeolhareordenaropoltico,oideolgicoeosconflitossociais(Beck2000:41).Aquelesqueseposicionam,tendemademonstraralgumasim-patiapelosnovospequenospartidosdeesquerda(comooBlocodeesquerda),portadores deuma agendapolticamais prximadas preocupaes e valoressociaiscaractersticosdaculturapolticadessesjovens.

    Asaturaodemonstradaporestesjovensperanteaformasocialepolticaestabelecida(maffesoli2002[1992]):xiii),apresentamodulaesatitudinaisdiversas,asquaistendemasergeralmente interpretadasporobservadoreseanalistassociaiscomoexpressodeindiferena,resignaoeinrciasocial.15sempremcausaalegitimidadedosistemademocrtico,estesjovenstendemaoscilarentreumaatitudededescontentamento(caracterizadapelodesencantocom omodo de funcionamento da democracia, das suas instituies e dasautoridadesconcretasqueasdirigem,bemcomopelainsatisfaocomasfor-masdeactuaodosgovernoserespectivosoutputspolticos)eumaatitudededesafeiopoltica(estacaracterizadaporumapercepodeseparaoedesin-teressemtuosentreomundodapolticaeoscidados,expressanumasn-dromadesentimentospartilhadosporestesltimosrelativamenteaoprimeiro,quepassampelaalienao,desconfiana,cepticismo,fatalismo,hostilidadeeimpotnciaperanteaineficcia,irresponsabilidadeeexploraoqueatribuemaopoderpoltico).16

    ATITUdededescONTeNTAmeNTO

    eusemprefuiumbocadodessaondaderebeldia,tivesempreessetoque,sempre fuiPsr,Blocodeesquerda,eagoravouvotarBlocodeesquerdaoutravez.setudocorrerbemeseconseguir,atvouparticiparnacampa-nhadeeleiodeles.Nosoucomunistanemsoudeextrema-direita,soudeextrema.()seaspessoasparassemepensassemumbocadinho,oqueogoverno?comealogopora,oquequeelesfazem?edepoissurgemascomparaesdegovernoparagoverno:oquequeunsfizerameoqueoutrosfazem?Quemqueomaissrio?Porquenumacampanhaeleitoral,

    15 Talinterpretao,contudo,sfazsentidosenoslimitarmosapensaraacopolticanostermosemqueesta formatadana esferapoltica tradicional, seguindoo respectivomodelouniversalista,macroscpico,normativo,burocrtico,racional,contratualevinculativoderepresentao,organizaoeintervenosocial.16 Padroque,deresto,reproduzomodeloatitudinaldominantedapopulaoportuguesaperanteosistemapolticoquearepresenta.vermagalhes(2004).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 309

    oqueelesfazemtentarmostrarquemomaissrio,queagenteacreditenelesenonosoutros. ()OPs,emmeiadziadeaninhos, jatribuiumaisdedezmilcargos.Ocavacoemdezanos,noestouadizerquesouafavordele,masocavaco,emdezanos,atribuiutrsmil.estegovernoPsqueaindanochegouacincoanos,emtrsanosdeudezmilcargos,ousejadezmilparasitasaviveremminha,tua,paladetodososportugas.masosportuguesessotointeligentesquenosepreocupamcomisso:caganisso,agenteandadeBmtambm!OgajoqueandadeOpelcorsanointeressa.amentalidadedestepovoeesquecem-sequeestoagastar,adarmilhesagajosquenofazemnpia,svivemstuascustaseandamcomumAudi,umBm,comaquelasgrandesmquinasqueeuprovavelmentetambmgostariadetersetivessedinheiroparaaster.()[Ofuturo]Negro.Novamosporissocairporterra,baixaracabeaedeixardeacre-ditarsejanoquefor,hmaismotivaes.Porexemplo,paramim,euvoubusc-lavindadapessoaqueeuamo.elaveiodelondresenovaivoltarparal.veiodevez.lindo!Poderoso!AchoqueissoforasuficienteparaeuacreditaremmaisdoqueemNostradamus.(fieldearmazm,8.anodeescolaridade,sexomasculino,23anos)

    ATITUdededesAfeIO

    Nempercotempoafalardepolticas.euquemetenhodesafar.eueaquiemcasa.Agoraosoutrosestomesmoemsegundoplano.Nofuieuquefiz,voutermesmoquemeadaptardamelhormaneirapossvel.assimqueeuvejo,sejaqualforogoverno!sejaqualfor...epsejadedireitaoudeesquerda,peuandoaossss.()Politicamentenemdiscuto.souapoltico,notenhonadaavercomessascoisas.Nopassocarto.Nemseisesouapoltico,tsaver.oquejmechamaram.cadavezquemeouvemafalardepoltica,oquemechamamapoltico,massecalharnemissosou,eusimplesmentenemfalo.[Nuncavotaste?]No,nunca.Nuncanavida,nemmevoudaraessetrabalho.ep,soucapazdeconcordarcomumascoisasdeuns,comoutrascoisasdeoutros,masnohnenhumquemefaa:euvoto,euconcordocontigo.No!Unspodemsermuitobonsnumascoisas,daremmuitacoisa.mas,seforpreciso,jfazemoutrasqueeujnocurto.()souafavordademocracia,masnemlheligo.assim:euestoumesmoacagarparaasociedade!Osmeusvaloressosnaquelesquemerodeiam,aqueeugostodeverademocracia.Quandohalgumproblema,ento...Olha,tiponabanda.Ademocracia,ondecostumousarotermo,namsica.Porexemplo,umgajofazumamsicaehunsquenogostam.entoagentevamosvotar,amaioriadecideeassimquehorespeito,tsaver.Assimjustoparatodos.eseempatarvamossorte,tambmjusto,tsaver?Ademocraciaparamim,quandofalodedemocracianoprecisoserlogoafalardopasedepoltica.Ademocraciaachoquetemdecomearemcasa,

  • 310 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    seforpreciso.Primeiroassimnogrupodeamigos,sentoque...ecomoissoeunovejo,porissopoucomediz.Polticaparamimnemconversa,euachoquenemseifalardepoltica.Amimssemeperguntaremoquequeachasbemeoquequeachasmal.(electricistanaconstruocivil,8.anodeescolaridade,sexomasculino,28anos)

    Adificuldadeem lidar comosmecanismos e instituies representativasdomodotradicionaldeexercciodacidadaniapolticacaractersticadacul-turapolticadestes jovens,no implica, contudo,a suaalegadadespolitiza-onosentidodainrciaouresignaopassivaperanteosactuaisproblemassociaisepolticos,ounosentidodainexistnciadereflexividade,discussoeempenhamentopoltico.17Pelocontrrio,aatitudecrticaque,descontentesedesafectos,assumemperanteaacoeinstituiespolticasconvencionais,indiciamumaforteconscinciacvicaporpartedestesjovens,mesmoquandoestaimplicareacesdesada comorespostaestratgicaaomododefunciona-mentodosistema(hirschman1970).sadas,designadamente,emdirecoaespaosdesocialidades alternativas(maffesoli2002[1992]:85)ouretiros sub-culturais (rucht1990:162),quenodeixamdeseranimadosporumalgicadedivergnciareformistadasfundaessociais,polticasmorais,edetransfor-maodasmesmas.

    semuitasvezesasnovasgeraesnegligenciamesemostramalienadasdasagendas,dascausasedas formasdeacopolticamais institucionalizadas,doscentrosdepoderedecisotradicionais,emalgunsdessesjovensessesen-timentodealienaocorrespondeaumaposturaconscienteecultivada,namedidaemquepretendemjustamenteescaparaessaesferadeacotradicionalrumandoemdirecoaoutras.Aalienaoaquientendidanonosentidomarxista do termo,mas no sentido da partilha de um sentimento de aliendentrodassociedadesmodernas,ouseja,umsentimentodedistanciamentocrtico perante omundo que os rodeia, percebido comdesencanto e pessi-mismo,umsentimentodedemarcaodosistemaemquesevemimplicados,nasuaordemcultural,socialeeconmica.

    Alienar,do latimalienare, querdizer tornar-se alheio, alhear-se, transferirparaoutremodomniode.Ora, oque estes jovens fazem: alheiam-sedomundorealqueconhecem,deixandoo seudomnioaocuidado(inglrio,na sua perspectiva) dos polticos profissionais, e transferem-se para outrosdomniossociaismaisapetecveis,sedutores,receptivosaosseusvaloresmaisprofundos e conectados com as suas experincias de vida, onde maneiras

    17 conjuntodeatitudesedecomportamentosqueostradicionaisautoresdacinciapolticavmadesignarcomoneglignciapoltica,nosentidodosilncio,inaco,abandono,reduodeesforoedeatenoaoexercciopolticoinstitucionaleaosproblemassociaisaqueesteacorre.vermagalhes(2004:356-357).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 311

    radicalmentediferentesdepensar,deveredesernomundopodemserexpe-rimentadasedesenvolvidas.sempreassimfoi,desdeosbomiosromnticosdosculoXX.

    distantesdofusionismoorganizativo,daplanificaoestratgica,davisocolectivista,bemcomodasprticasedas causaspolticasancoradasna real politik, alguns jovens encontraram nas microculturas18 que povoam o under-ground, espaos socialmente descomprometidos e informais,mais sociativosque associativos, onde com facilidade se podem hospedar em permannciaoutemporariamente.soespaosqueestes jovenssentememconexocomasuaprpriaexperinciavivida,sentindo-ostambmdisponveisvivnciadaexperimentao,explorao,descoberta,partilha,celebraoelegitimaodeprticas,emoes,reflexes,atitudesperanteavidaeasociedade,deumaformacriativaeinovadora.

    esses ensaios envolvemmuitas vezes usos disruptivos das categorias degostoecdigosdeconsumodominantepromovidospelasindstriasculturaissobredeterminados recursos expressivos, comoamsica, a escrita,odesigngrficoeoprpriocorpo.nestapticaqueasmicroculturasjuvenisofere-cemoenquadramentoparaos jovensdramatizaremasuaprpriacorporei-dade sobagidedadivergncia, tentandovisuais excntricoseexplorandoosseuslimites,providenciandoosmecanismossociaisnecessriosparaumasocializaoinclusivaelegitimadora,comganhosacrescidosdeauto-estimaereconhecimentoidentitrionosentidodaindividualidade(serdiferente),autenticidade(sereuprprio)eautonomia(serlivre).

    6. ArefleXIvIdAdeTrANsfOrmAdOrAdOAcTOdemArcArOcOrPO

    AsmicroculturasjuveniscresceramimpressivamenteemPortugaldesdeosanos80,numcontextodedesencantamentocomasinstnciaspolticastradicionaisseguido euforia doperodops-revolucionrio, de crescimento econmicoeconsequentemaiorpropensoaoconsumoeao lazer,deaberturaculturalaoexterior,comaconsequentedemocratizaodoespaopblicoerelativaliberalizaodoscostumes,demassificaoeprolongamentodaescolaridade

    18 dadaa controvrsiamantidaacademicamente sobre a actual validadeheursticados conceitosdesubcultura(queprivilegiaoeixoanalticodopoder),contracultura(queprivilegiaoeixoanalticodaaco),neo-triboecena(privilegiaoeixoanalticodaforma,daencenaoimagticae/ouperformtica)nombitodasociologiaeantropologiadajuventude,opta-senestetrabalhoporumtermoconceptu-almentemaisneutroparadesignarestetipodecontextoseculturasjuvenisdepequenaescala,odemicroculturas,nosentidodefluxodesignificadosevaloresmanejadosporpequenosgruposdejovens[enos]navidaquotidiana,atendendoasituaeslocaisconcretas(feixa1998:270).Aomesmotempo,valoriza-seumaabordagemsobretudomicadessascategorias,deixandoqueelasfluamdosdis-cursosdosentrevistados,averiguandoosrespectivoscontedossimblicos.Paraumaabordagemsobreosestudosps-subculturais,vermuggleton(2000[2002]);muggletoneWeinzierl(2003);BennetteKahn-harris(2004);hesmondhalgh(2005).

  • 312 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    obrigatria,quecolocaosjovensnumasituaodemoratriadeintegraocvicaedependnciaparentalmaisprolongada.Nestecontexto,ascenasouondas juveniscomosseusvalores,prticaserecursosestilsticostiveramoportunidadededifundir-senaszonasurbanasdopas,encontrandoumlugarreceptivonoscorposementesdemuitosjovensdesafectadose/oudesencanta-doscomosformatosmaisortodoxosdeparticiparsocialmente.

    Objectivamentemargemdoscentrosdepoderedosprocessosinstitucio-naisdetomadadedeciso,enovendonelesrepresentadososseusinteres-ses e preocupaes, alguns jovens encontram nesses espaosmicroculturaisoportunidadedesefazeremrepresentarsocialmentecomotal,configurandoformas sociabilsticasespecificamente juvenisdeparticipao, socializaoeprotagonismosocial,comlinguagensecdigosprpriosparaseexpressaremenquantosujeitosdesiprprios,paraproduzirememanifestaremassuasopi-nieseaspiraessobreomundo(Blackmanefrance2001;Blackman2005).Aelesdeixamdeconstituirvtimasquenecessitamdecuidadosinterven-cionistas(comoacontecenosespaospolticostradicionaisorientadosparaosjovens),oumerosagentesdeconsumo(comosucedenoespaodaseconomiasquetmosjovenscomopblico-alvo),encontrandopossibilidadesconcretasdeparticiparsocialmentenosentidodegerirenegociarosseusprpriosinte-resseseexpectativas.

    sovriososautoresquelocalizamolugarcadavezmaisprivilegiadocon-cedidoaocorponombitodesses movimentos juvenis, atravsdapoten-cializaoexpressivadassuasdimensesimagticasecinticas.19socialmenteencorajados(eresponsabilizados)agerirasuaformaeimagemfsicacadavezmaiscedo,algunsjovens,nessescontextossociais,tmoportunidadedetomarocorpo(apardeoutrosrecursosexpressivoscomoamsica,porexemplo),comolugardeintervenosocialedeprotagonismopblico,comolugardeexerccio de cidadania,nosentidoemquesobreelemobilizamumconjuntoderecursos e procedimentos que expressam assunes e reivindicaes sociais,produtoresdecontroversasdiscussessobredireitoseresponsabilidadespes-soais(Uleerener2001:274).

    Otipodemanifestaesqueoperamsobreocorposomaispraxeolgicasque discursivas.Nas suas performances semiticas,motoras ou sensoriais, ocorpomanifesta-seetorna-seeleprpriomanifesto(valedeAlmeida2004:35).Ummanifestoquesedavermaisqueafazer-seouvir.fragilizadosnousodadiscursividade,peladificuldadedeacessoquetmaoscanaisdasuatransmisso,estesjovensmenosprezamodebateafavordocombate,adiscusso

    19 A este propsito ver, por exemplo, mcKay (1996). veja-se ainda a anlise empreendida pormcdonald(2002;2004)sobreoscasosdosmovimentospr-anorticosourelativosprticadochi kung.semqueostrateaprofundadamente,omesmoautorreferenciaainda,attulodacentralidadedolugardocorponestescontextosjuvenis,aexperinciadadana,dastatuagensepiercingsedosdesportosradicais(2004:586-589).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 313

    embenefciodaaco.As inscriescorporais tomama formadepalavra,tornandoapelenumaproclamaosilenciosadosprincpiosqueorientamaexistnciadessesjovens.muitosdelesnospintameperfurampermanen-tementeocorpo,mastambmnooalimentamatravsdaingestodepro-dutosdedeterminadasmarcasconesdosistemacapitalistaedasociedadedeconsumo,outo-somentedecarneeseusderivados,ouaindanoocobremcompelesdeanimais,porexemplo.soactosqueremetemparaestratgiasdeboicoteaoconsumo,ouseja,ondeopoderdocidadoenquantopotencialconsumidor,narejeiodousodedeterminadobemouservio,exercidonosentidodacontestaoscondiesdeproduo,distribuioe/oucomerciali-zaodessesmesmosbensouservios.20

    em todos estes actos,o corpo reflexivamentemobilizadoe experimen-tadoenquantolugarquotidianodeexercciodeautodeterminaoeemanci-pao,ondesecruzamlgicasestticaseticassusceptveisdecurto-circuitarasconvenesculturaisdominantes,nosentidodorespectivoalargamentoediversificao.enquantolugardeexpressopblicadeumaatitudededistan-ciamentosimblicoecrticosobreosordenamentossociais,bemcomosobreomododefazeredepensartradicionalmenteaacopoltica,ocorpo,aosersucessivamentemarcado,vemreflectirumaestratgia de confrontao socialcadavezmaisinformada,conscienteereflexivaacercadospotenciaisefeitostrans-formadoresdecorrentesdessamesmainterveno.

    Apesar de poderem conter intenes e efeitos disruptivos, a reflexividade transformadora(Pais2004:20)subjacenteaestesactostendeaserpoucoambi-ciosaemtermosdeobjectivosdemudanasocial.Notmpretensesdedarvozacolectivosuniformes,consubstanciando intenes(quesepretendem)individualizadas, tendo como ambio transformadora uma escala que vaipoucomais almdas intersubjectividadesquedensificamomundode vidadoactorqueasagencia(raby2005:153-154).semperderoseupropsitocontestatrio, no sentidodo agir emno-conformidade, so estratgias quetendemaassumirmaisaformadedemarcao pessoal peranteosmodelospres-critivosda sociedadeglobal(izada)doquede imposio colectivadeumdadomodelo, enquanto tentativadedominaoporpartedeumdadogruponosentidodeimporatodososoutrososeumodolegtimodeidentificao.Asuareflexividade transformadora estmais direccionadapara, atravs dodesafioqueadvmdaoposioeconfronto,garantirumespaosocialparaaexistnciadasuadiferenaespecfica,daraconheceradiversidadedemodelosdecorpo-reidadealternativoseestilosdevidaminoritrios,desconstruirosesteretipos

    20 estetipodeacesmanifestaaconscinciadequeoactodeconsumo,enquantoformadeacosocial,seencontraprofundamenteimplicadonaorganizaopolticaeeconmicadasrelaesdepoder,permitindocriarumailusodeeficciadeliberativaedeparticipaoactivanavidacolectiva,emboraancoradanoforodavidaprivada.vercanclini(1995);friedman(1999);Orlie(2002).

  • 314 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    quesobreestesrecaeme,emltimainstncia,tentaroseureconhecimento socialenquantopossibilidadeslegtimasdecorpoedevida.

    Nestaperspectiva,apolticaquesubjazaosprojectosdemarcaocorporalempreendidosporestesjovensnopropriamenterevolucionria,nosentidodetentarsubstituirosmodelosdominantespelosseusprpriosmodelos.Nosero,portanto,expressodeprticas aniquilatrias,nosentidoemqueoferecemapossibilidadedemudaromundo,enquantoestratgiasdelutacomoobjectivodedestruiraordemsocialvigenteeimporumanovaordemsubstitutiva,masprticas predatrias,ouseja,prticasqueaproveitamoespaoeosmeiosqueaactualordemsociallhesdisponibilizanosentidodese(a)firmaremesefazeremreconhecerenquantopossibilidadesalternativas,apardeoutras,tentandodestemodo expandir as fronteiras culturais da expresso e da criatividade pessoal(atravsdocorpo,daindumentria,damsica,dapalavra,daimagem,etc.).

    [Aminhaprimeiratatuagemfoi]Umatatuagemumpoucodendolepoltica,quejnaalturamostravaomeudesagradopelaformacomoseorien-tavaasociedade.()Nomeucaso,[amarcaodocorpo]foiprecisamenteodesafiodeestaratrazeralgodenovoenosusarporumaquestodeafirmao.tambmsaberporquequeoestouafazer,criartambmumaantiesttica,ouumaantimoda,esaberdefenderosmeuspontosdevista.utilizar,saberporquequeestouautilizar,darumaboaargumentaoparaaquiloqueestouafazer,edefenderomeupontodevistaperanteosoutros.eissoatagoraconsegui.conseguifazercomqueosoutrosacei-tassem,apesardepoderemnoconcordar,tiverammesmoqueaceitar,nomodus vivendiemodus operandi.()[Asmodificaesnocorpo...]Nomeucaso,emtermosde intervenopoltica,noserbem,v l,a formadepassarumamensagem.sermaisumapostura,odesprezopeloesteretipo,masserumaposturaquecontestaosvaloresimpostos.Nopropriamenteircontraoesteretipo,masneg-lo.Ouseja,comoafirmareupossocon-tinuarasertobomquantoosoutros,semquereraparentarcomotodososoutrosoqueremfazer.Ouseja,semseguiromodeloexistente.lest,oquequeacontece?semuitagenteadoptaraminhaideia,passaaseresseomodeloexistente.eentoaascoisasinvertem-seedeixamdetersentido.Nessaaltura,jmevaiserimpossvelretirarastatuagenstodas,portanto,mantenhoaminhafilosofia,continuoadizerqueelassoasminhas,soasminhasconquistaspessoais,simsenhora,elasservemcomoquestodeafir-mao,masafirmaopessoal,noumaafirmaoperanteosoutros,comoformadeprovaralgumacoisaaalgum,aterceiros.sominhas!meu!euquesei!(...)Talvezoquehajasejaumanecessidadeporpartedaspessoasdesedemarcaremdestasociedadeditamoderna.Aodizernoestamosdeacordocomisto,entoprocuramosoutrasmaneirasdeestar.(Profissionaldebody piercing,frequnciauniversitria,sexomasculino,25anos)

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 315

    denota-se,alis,nosdepoimentos,aexistnciadeumsentimentocomum-mentepartilhadodeimpotncia peranteahiptesede,colectivamente,mudaromundo,nosentidodequalquermodelodeorganizaosocialdefinido,demar-cando-seda lgicadeaco socialdemovimentos juvenisdopassado.essaintenonemsequerequacionada.emboradescontentesoudesafectosaomodelo social existente, no existe qualquer tipo de programa social estru-turadopordetrsdosgestosdequeexcorporam,nosentidodeexpressarumimaginriodesociedademelhorousociedadeideal,comaspiraesfuturasdeigualdade,harmoniaejustia,comoaconteceemgrandepartedosprogramassociaisdenaturezautpica.

    Os jovens entrevistadosno vm,de facto, armadosdenovos artefactossociaisparatentarinstituircolectivamenteumanovaordemsocial.Pelocontr-rio,hdasuaparteumarecusaiconoclastadasmaquetassociaisquedenotem,partida,talambio.Osprogramassociaisutpicosquealguns(re)conhecem(comoaanarquia,ocomunismoouonacional-socialismo,porexemplo)so,porvezes,invocadossobaformadechavo,masmaisnoargumentriocrticoqueproporcionamrelativamentesrecentesformasdeorganizaosocialdassociedadesocidentais,quenadimensoprepositivaeprogramticaqueosseusmanifestostendemaprescreverparaofuturosocietrio.estesjovensdenun-ciammaisqueanunciam,diagnosticammaisdoqueprognosticam.

    A sociedade ideal no existe.No h nada ideal, paramim os ideaismorreramhmuito.()creioemmim.Pronto.deresto,nocreioassimemmuitomaiscoisas.creiotiponasforascsmicas.Quesouumaformiganomeiodonada,masque,aomesmotempo,eusoutudo,porquevivoparamimacimadetudo.emesmoassim.noqueeucreioacimadetudo.(estudanteuniversitrio,sexomasculino,20anos)

    euachoquenohsociedadesideais.()eunotenhonenhumafr-mulamgica,nemaqueroter,percebes?eusoumaisumadessaspessoasqueandama. ()No sounada!soumaisumagotinha,queestaquidentrodaminhacasaedaminhavida,faceminhasociedade!()Porissoqueeu,nomeudia-a-dia,tentofazeromelhorpossveldaminhavida,paviverfelizaminhavida,enopensarnistotudo,no?Quandopagoosimpostoseessascoisasaoestado,logopensoneles.P,agoranaminhavidaenaminhafamlia,p,tentolevaromelhorpossvel,efazerascoisasminhamaneira,paranoterquesofrer,no?()cadaumnassuasprpriascasas.ep,ounasuafamlia,ounasuavida,hqueseprotegeretentarviveromaispacificamente.()enocompeace and lovequevamosconseguirmudarascoisas!Nocomguerras,mastambmnocompeace and love,no?ep,pronto,eachoqueseoshippiesdosanos60vivessemagora,morriamtodossidosos.sinceramente,aideiaqueeutenhodeles,

  • 316 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    sinceramente(risos).(gerentedeestdio detatuagemebody piercing,9.anodeescolaridade,sexofeminino,39anos)

    longedomilitantismocolectivistaeprogramticoquecaracterizavaalgunsdosmovimentosjuveniscontestatriosdosanos70e80chega-seaironizaraacosocialdestesmovimentosculturais,comoosmovimentoshippieepunk,estesjovensnopretendemmaisdoquemarcarperformativamenteasuadistn-ciapessoalperanteoordenamentosocialepolticoquepercepcionamnasocie-dademoderna,eneledemarcarumespaoalternativodeexistnciasocial.estaformade(re)acosocialempreendidajnonumsentidoidealistaeholista,orientadaporelaboradossistemas ideolgicosemfunodobemcomum,masnosentidopragmticoemicroscpicode,to-somente,mudaromundo de vidadoagente,essesectordomundoquotidianoqueestaoseualcanceeque,doseupontodevista,seordenaespacialetemporalmenteemvoltadesi,comocentro(Pais2002:89).21

    descrentesdapossibilidadedetransformaromundo,estesjovensreque-rem,sim,liberdadeeespaodeacoparatransformarasuaexistncia,asuavidae,nombitodesta,ocorpodequesesentemproprietrios.Ou,comocolocaOrtega, nopodendomudaromundo, tentamosmudaro corpo, onicoespaoquerestouutopia,criao.Asutopiascorporaissubstituemasutopiassociais(Ortega2004:252).marcarextensivamenteocorpo,por-tanto,umaformaderesistnciaquesemobilizacompropsitosmaisindividua-listas,quepretendeaconstruopessoalereivindicaosocialdeumespaoautnomoeemancipadodesubjectividade,gestoquesimbolizaaaspiraodojovemconquistadeumabsolutosentidodeindividualidade,autenticidadeeliberdadedeaco.

    daareivindicaodosseuscultoresporumacultura moral22queprivilegiedireitos culturais particularistas, regida por valores de liberdade e respeito pelasexpressesvoluntriasedistintivasdeindividualidade,princpiosorientadoresdaestratgiaderemoralizaodavidaquotidianacaractersticadasuarefle-xividadetransformadora.Umaculturamoral,portanto,nombitodaqualaacodemodificaodocorposejaisentanoapenasdosconstrangimentosnormativosquetendemsuapadronizaosobagidedeumaimagemcon-formadadocorpojovem,comotambmlivredassanessociaisaquesevemsujeitosdiariamente,emfunodacondioculturalmentemarginaldos

    21 em contraste com a zona das coisas distantes (mead 1963 [1933]; Blumer 1969), omundo devidacorrespondeaomundo de alcance efectivodoindivduo,suazona de operaoquotidiana(schutzeluckmann1977:54-55),organizadaemtornodoaquidomeucorpoedoagoradomeupresente.esteaquieagoraofocodaatenoqueprestorealidadedavidaquotidiana(luckmanneBerger1999[1966]:39-40).22 Paraempregarotermodelalivedepinay(1992),queodefineenquantosistemadecrenas,signi-ficadosevaloresorientadoresdemodosdevidaecomportamentosindividuais.

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 317

    estilosdevidaquemanifestamequeencontramnocorpoenosvisuaisoseusuporteexpressivo.maisdoqueumaatitudederelativismocultural,as rei-vindicaesdestesjovensapontam,claramente,paraumaticadepluralismocoexistencial,nosentidodeverinstitudaumadesordemdamoralexpressanaexistnciademltiplasmoralidades,frequentementeconflituantesentresi(Pais2004:14).

    [sou]Anarquista!sequiseres...Noanrquico,anarquista.Anarquista,eistoaminhaprpriaexplicao,nobaseadanememfilsofos,nempen-sadores.Anarquistaquandosepretendepromoverafilosofia.Anrquicoquandopretendepromoveraacoemsi.Ouseja,asminhasletrasnotmcomoobjectivo incentivarasmassasdestruiodaordem imposta,massimfaz-laspensarpelacabeadelas.()livredepreconceitos,livredetabus.livredebarreiras.()Nestemomentodou-mecomgentemaisnova,comocomgentemaisvelha,comgentedevriascorrentesliterrias,devriascorrentesfilosficas,devriascorrentesdepensamento.enuncasegregueiningumporqueistoouporqueaquilo,ouporquetemaspi-raesaserouporquejdeixoudeseristoouaquilo.Nememtermosdeescolhassexuaiseufaodiscriminaes.Tenhoamigoseamigascomasmaisvariadascoresecomosmaisvariadosfeitios.Noaborreoningum.desdequeno semetam... l est, o grandeprincpioda anarquia aminhaliberdadeacabaondecomeaaliberdadedooutroevice-versa.Apartirdomomentoemquenocomecemaquererinterferircomomeumundo,eurespeitoomundodosoutros.Abarconomeumundotodosaquelesqueeuachoquedevemparticipardele.Quandoalgumcomeaaforaraentrada,eusouoprimeiroamand-loparatrs. (Profissionaldebody piercing, fre-qunciauniversitria,sexomasculino,25anos)

    eeuvireiumbocadoparaobjectivosumbocadoanarquistas,masaquelaanarquia...utpica,de,p,eurespeitoosoutros,respeitem-meamim.Porqueseno,senomerespeitaremamim,semepisamospezinhos,esttudolixado!()eunoligopoltica.eutentorespeitarosoutrosetentoqueosoutrosmerespeitem.()[maslsobrasanarquistas,coisasassim?]No.P,partilhosopensamentonaquelabasederespeito,maisnada.Alis,eupoltica,futebol,religio,metertudonumsaco,porquenormalmenteaspessoasquefalamsobreissosofanticoseprovocamdiscusso.Porqu?Porquenorespeitamaopinio.()[valoresfundamentais]respeito.P,lest,aquestodasguerras,imaginas:umapessoaquemepiseosdedos,ouseja,quemefaaalgumacoisademal,p,sseeutivermuitobemdis-postaquenovoupisarosdeles,no,porqu?porquepisou-me,omeuespao,aminhapessoa.Agora,porideaisdeconjunto,noligoassimtanto.Agora, individualmente ligoumbocadomais,porque...Querdizer,

  • 318 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    porra!Avidasuma,aminhavida,evo-meestaraquiadizernofaas?!(Profissionaldebody piercing,estudanteuniversitria,sexofeminino,27anos)

    nestaperspectivaquepodemosolharparaosregimesdemarcaoexten-sivadocorpocomoexpressodoquegiddensdesignadepoltica de vida,umapolticaquenodizrespeitoprimariamentescondiesquenoslibertamdemodoafazermosopes:elaumapolticadaopo,daescolha(giddens1997[1991]:198),consubstanciadacomfinsemeiosquevisamalargarascondiesdeexercciodasdecises de vida,quepretendeconquistarnopoderpolticonasuaesferadeexercciotradicional,masespaosocialdemanobraparanovasformasdeprotagonismoquepermitamaauto-realizaoidentitriaeapossibilidadedeformularprojectospessoaisdeestilodevidaqueintegremcoerenteereflexivamenteexperinciaspassadasecircunstnciasexternas.

    7. cONsIderAesfINAIs

    Amobilizaodatatuagemedobody piercingemgrandeextensocorporalnodenota,portanto,umprojectointeiramenteapoltico,comopropeOrtega(2004: 247). Ou um projecto de pura estetizao (mendes de Almeida2000: 103), traduzido numa sucesso de gestos ornamentais, superficiais,frvolos, ldicosepardicos,designosdeconsumo(Turner1999).Porumlado,manifestaumprocessode construoe emancipao socialdo jovemenquantosujeitodotadodeumespaodeexercciodasuasubjectividadeedasualiberdadeperanteasformasdecontroloerestriesestruturaisaquevsujeitaasuavida,fazendorecairsobreoseuprpriocorpoaelaboraoeestilizaodeumaactividadenoexercciodoseupoderenaprticadasualiberdade(foucault1979:23).Poroutro,emborasefaapassarporumpro-jectoensimesmado,permanecendofirmementeentrincheiradonumapolticadevidaque lutaporumespaodesingularidadee liberdade individual,osjovensqueomobilizamambicionamoreconhecimentosocialdasuapolticadevida,elegendoocorpocomoterrenoprivilegiadodeexpressoeinterven-opblica.

    Ora,comopropegilbertovelho,sendo[projectos]conscientesepotencial-mentepblicos,estodirectamenteligadosorganizaosocialeaosprocessosdemudanasocial.Assim,implicandorelaesdepoder,sosemprepolticos.sua eficcia depender do instrumental simblico que puderemmanipular,dosparadigmasaqueestiveremassociados,dacapacidadedecontaminaoedifusodalinguagemqueforutilizada,maisoumenosrestrita,maisoumenosuniversalizante.Nemtudonosprojectospoltico,mas,quandosocapazesdeaglutinargruposdeinteresses,hqueprocurarentendersuariquezasimb-licaeseupotencialdetransformao(velho1987[1981]:34).

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 319

    Afinal,senocorpoquemuitosjovensmaisintensamenteexperimentamevivemquotidianamenteocontrolosocialeosrespectivosmecanismosdiscipli-naresesancionadores,tambmnasuperfciedapelequealgunsencontramumespaolisodisponvelprojeco,celebraoelutapelaconstruoereconhecimentodeumaidentidadeimaginadacomosingular(serdiferente),autntica(sereuprprio)eemancipada(serlivre),estendidanumestilodevidaquesepretendeescapatriosfrmulasestilsticaseitinerriossociaisnormativizados.Numsistemaondealgunsjovenspercebemasuaexperinciasocial sujeitaaconstrangimentoseprescriesnosentidodamassificaoehomogeneizaocultural,vemnarecriaoemodificaopermanentedoseucorpo,atravsdousoextensivodatatuagemedobody piercing,umaformaesti-lsticadereacoque,atravsdadissidncia,lhespermiteassinalarestetica-menteasuapresenaindividualnomundoeprotagonizarperformativamenteumaformadeexistncianomundo.

    destemodo,aomesmo tempoqueestes jovensvoconstruindoas suasidentidades pessoais enquanto identidades somticas ou bioidentidades (Ortega2004),vo-seassumindocomocidadosemcujocorponaturalestemjogooseuprprioserpoltico,()erguendoumapolticadocorpoqueextravasaascategoriasdodiscursopolticoclssico,repressivoouemancipador,namedidaemquenoseguemummodelodenormalidadeoudecorrecopoltica,umaqualquerlinhajusta,paraseconstruremcomomodoouestilodevida,comu-nidade,identidadeecultura(cascais2004:48-52).

    Jemfoucaultencontrvamosumaabordagemdofenmenopolticoqueoafastavadonveldeanlisedoestadoeolocalizavanoutrasesferasdeacosocial, fornecendo-nosalgunsinstrumentosconceptuaisparaacompreensodaintercepodarealidadecorporalcomofenmenopolticonassociedadescontemporneas.hoje,porsuavez,soinmerososautoresqueenfatizamaviragem cultural (Nash2001)ocorridanasociologiapolticaedosmovimentossociais,aolocalizardiversostiposdereivindicaeseformasdeactivismojnonaesferadapolticatradicional,masnaesferadaproduoculturaledasidentidades.Apartirdaqui,aacopolticapode,potencialmente,existireseranalisadaenquantotalemqualquercontextodavidasocialemqueopoderopere(sobaformaderesistnciaoudesubordinao),envolvendoacontesta-odeidentidadeserelaessociaisnormalizadas,nasquaisumindivduoougruposevejasubordinadoaoutro,sejaemquezonasocialfor.

    AesteprocessoBeckchamadereinveno da poltica (2000),fazendo-ocor-responderre-politizaodereasetemastradicionalmenteforadasinstnciasburocrticaseformaisdoexercciopolticoesuasinstituiesrepresentativasnumcontextodemodernizaoreflexiva.maffesoli,porsuavez,designaessemesmoprocessodetransfigurao do poltico (2002[1992]),mostrandoqueequi-valedestafeitaaorecentealargamentodapaletadeformasecontedospol-ticosaprticas,causasevaloresalternativosaosinstitucionalmenteimpostos,

  • 320 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    processoessequevemacompanhadodatransfernciadoslugarestradicionaisdeexercciodecidadaniaedeparticipaosocialparaosespaosintersticiaisquepululamnoactualcontextodeneotribalizaodomundops-moderno.Peranteestesespaosh,efectivamente,ademonstraodeumdesejodepar-ticipaosocialporpartedealgunsjovens,nosentidoemquehumavontadedepartilhacomosoutros,desituaes,eventos,interesses,eatdificuldadeseproblemas(deinsero,deprofissionalizao,deproteco,etc.).

    Qualquerquesejaadesignaoquetomam,soprocessosquedocontadaemergnciadeconflitosqueradicamemestatutoseidentidadesquetmemcomum,entresi,aespecificidadedeviver,voluntriaouinvoluntariamente,emzonasmarginais e, por vezes, subterrneasnummundo social cada vezmaisfragmentado,apartirdeondeosseusactorespretendemafirmarecons-truirsubjectividadesqueprocuramnoserreduzidasacategoriasfuncionaisoudisfuncionaisdosistema,masque,pelocontrrio,buscamorespeito,reco-nhecimentoeadignificaosocialdasuadiferenaculturale/oupessoalespe-cfica.

    Acrtica imanente vida social(nassuasordenssocietal,econmicaecultu-ral) de que so agentes produtores e reprodutores e que vem fundamentara sua aco social e os laos sociais que eventualmente os venham a unir,jnorepousasobreimperativoscategricosqueprocuramaigualdadenouniversalismo,massobreimperativosatmosfricos,deordemparticularistaerelativista(maffesoli2002[1992]:16-17).Queristodizerquearecusadoestatutodeidentidadesubordinadaeodesenvolvimentodeestilosdevidaeconfiguraesderelaessociaismaisigualitrios,prefiguram-seequacionadosnonoquadrotradicionaleuniversalistadecidadania,quepressupeomesmoconjuntodeliberdadeseresponsabilidadescvicasparatodososcidados,masnumquadrodediversidadesocial,culturaleticaqueimplicaummodelodesociedademaispluralista,recusandoosentendimentosdominantesenorma-tivossobreavidaemsociedadequecategorizamocomportamentoindividualdentrodeumcdigoexclusivodevaloresevirtudespblicas,erecolocando-oscomopossibilidadeentretantasoutras.

    estesjovenspretendemfazerreconhecerocorpomarcadocomoumapos-sibilidade de corporeidade entre outras possveis, em conjunto com outrasestticasedecisesestilsticas.Trata-sedeumaposturaestticaquetrazcon-sigoumaposturaticahomloga,tentadoabrircaminhoparaaconvivncianadiferena(enoapenascomadiferena)eparaorespeito(enoapenasa tolerncia). A luta pelo reconhecimento do seu espao de subjectividade emcondiesdeigualdade,respeitoedignificaodoparticularismoindividual,travadaquotidianamentepelos jovensentrevistadosnoquadrodeinterac-esquefundaedensificacadaumdosseusmundosdevida.Trata-sedeumexercciodecidadania rasante,informal,socialmentemicrolocalizado,umaformadeculturacvicaquetemporobjectivoainterpelaosocialatravsdo

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 321

    cultodoexcesso,doextravagante,dobizarro,nosentidodetomaraatitudedooutronasuaparticularidade,queambicionaumaremoralizaoculturalda vida quotidiana no sentido de promover estruturas de reciprocidade oumutualidadeintersubjectiva,desaberreconhecereinternalizarasperspectivasdeoutrosgeneralizados.

    esta,nodizerdecrossley,amaiscentraldasrazespelasquaisacidada-niadeveservistadopontodevistadomundodevidaedaintersubjectividade(2001:37),paraquem,apardeoutrosautores(elliott2001;Turner1993,2001;stevenson2001),hquealargarouniversodeobservveisdacidada-niaparaalmdaabordagemsistmicaeholistaqueatemcaracterizado,bemcomoarespectivaanliseparaalmdaformalidadelegalqueaassociaaomeroexercciodelutaereivindicaodeconjuntodeprticaslegaisepolticas.

    A cidadania, enquanto conjunto de estratgias e recursos orientados nosentidodaparticipaosocialefectivaecriativa,actualmente,cadavezmaisexercidaereivindicadanaesferacultural.enoapenasnoplanodalutapelademocraciacultural(giroux1992:246)nosentidodediminuirosimpactesdocapitalismotardioedoconsequentecrescimentomassivodeidentidades,actividadeseartefactosnasesferasdaproduoculturalemsentidoestrito(dosprodutosdas indstriasculturaisouprovenientesdocampoartstico),mas tambmdedar a conhecer e a fazer reconhecer todoumconjuntodequestesassociadasadeterminadas imagens, representaes, crenasepr-ticas sociais que so vistas como exclusivas e particulares dedeterminadosgrupos.

    nestaperspectivaqueanoodecidadaniatemvistorecentementealar-gadaasuaesferadaacoedereflexo,integrandonoapenasasestratgiasquevisama incluso formal,mas tambmas lutas simblicas epoucovis-veispeloreconhecimentodamesmadignidadeaformaserecursosculturaisdiferentesdoslegtimos,peladesconstruodasnoesdenormalidadequeconstrangemacriatividade,pelagarantiadasmesmascondiesderespeitoedignidadeperanteaquelesquearadicalizamenquantoformadedistintividadeindividualvoluntariamenteconstruda.

    Ovalorsocialdocorpo,porviadasuaexposionoespaopblicoesocial,enquanto lugar no apenas de classificao e discriminao, mas tambmmeioprivilegiadodeexpressoerecriaoidentitria,torna-oumdosmaispopulares recursos expressivos no mbito destes novos activismos. como?Atravsdasubversoquerdasnormasecdigoscorporaisdominantes,querdascrenasevaloresque,apartirdocorpoedosseustraosfenotpicose/oudiacrticos,proporcionamosuporteideolgicoparaasconstrueshegemni-casdegnero,sexualidade,raa,classe,idade,etc.subversoessaconseguidaatravsdaproduoculturaldepossibilidadeserepresentaesalternativas,criadorasdeummundodediversidadesquevemdesmistificareestilhaartaisconstrues.

  • 322 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    BiBliografia

    ABBOTT,Andrew,1992,Whatdocasesdo?somenotesonactivityinsociologicalanaly-sis,emcharlesc.raginehowards.Becker,What is a case?Exploring the Foundations of Social Inquiry.cambridge,cambridgeUniversityPress,pp.53-82.

    BecK,Ulrich,2000,Areinvenodapoltica.rumoaumateoriadamodernizaorefle-xiva,emUlrichBeck,Anthonygiddensescottlash,Modernizao Reflexiva. Poltica, Tradio e Esttica no Mundo Moderno.Oeiras,celta,pp.1-51.

    BeNNeTT,Andy,eK.Kahn-harris(orgs.),2004,After Subculture.londres,Palgrave.BeNsON,susan,2000,Inscriptionsof theself: reflectionsontattooingandpiercing in

    contemporaryeuro-America,emJanecaplan(ed.),Written on the Body: The Tattoo in European and American History.Princeton,PrincetonUniversityPress,pp.234-254.

    BerTAUX,daniel,1997,Les Rcits de Vie.Paris,Nathan.BerThelOT,Jean-michel,1983,corpsetsocit.Problmesmthodologiquesposspar

    uneapprochesociologiqueducorps,Cahiers Internationaux desociologie,vol.lXXIv,pp.119-131.

    BlAcKmAN,shane,eAlanfrance,2001,Youthmarginalityunderpostmodernism,emNickstevenson(org.),Culture and Citizenship.londres,sage,pp.180-197.

    BlAcKmAN,shane,2005,Youthsubculturaltheory:acriticalengagementwiththecon-cept, itsoriginsandpolitics, fromthechicagoschool toPostmodernism, Journal of Youth Studies,vol.8,n.1,pp.1-20.

    BlUmer,herbert,1969,Symbolic Interactionism. Perspective and Method.NovaIorque,Pren-tice-hallenglewoodcliffs.

    BOlTANTsKY,luc,1975,lesusagessociauxducorps,Annales conomies, Socits, Civili-sations,vol.26,n.1,pp.205-233.

    BOrrIllO,daniel,1994,estatutoyrepresentaciondelcuerpohumanoenelsistemajuri-dico,Revista Espaola de Investigaciones Sociolgicas,n.68,pp.211-222.

    BOUrdIeU, Pierre,1998, O conhecimento pelo corpo, Meditaes Pascalianas. Oeiras,celta,pp.113-144.

    ,1977,remarquesprovisoiressurlaperceptionsocialeducorps,Actes de la Recherche en Sciences Sociales,n.14,pp.51-54.

    ,1968,Le Mtier de Sociologue.Paris,mouton.BrITO,roberto,2002,Identidadesjuvenilesypraxisdivergente:acercadelaconceptua-

    lizacindelajuventud,emAlfredoNaterasdomnguez(ed.), Jvenes, Cultura e Iden-tidades Urbanas.mxico,UniversidadAutnomametropolitana(UAm)ymiguelngelPorra,pp.47-48.

    cABrAl,manuelvillaverde,1997,Cidadania Poltica e Equidade Social em Portugal.Oeiras,celta.

    cANclINI, Nestor garcia, 1995, Consumidores e Cidados. so Paulo, companhia dasletras.

    cAscAIs,Antniofernando,2004, corpo,poderedesigualdade,Manifesto,n.5,pp.36-55.

    cOlOgNese,slvio,eJosluizBicademelo,1998,Atcnicadeentrevistanapesquisasocial,Cadernos de Sociologia,n.9,pp.143-159.

    crOssleY, Nick,2001, citizenship, intersubjectivity and the lifeworld, em Nickstevenson(ed.),Culture and Citizenship.londres,sage,pp.33-46.

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 323

    crOssleY,Nick,1997,corporealityandcommunicativeaction:embodyingtherenewalofcriticaltheory,Body & Society,vol.3,n.1,pp.17-46.

    crUZ, rossana reguillo, 2002, cuerpos juveniles, polticas de identidade, em carlesfeixa,didelmolinaecarlesAlsinet(eds.),Movimientos Juveniles en Amrica Latina. Pachu-cos, Malandros, Punketas.Barcelona,Ariel,pp.151-165.

    cUNhA,manuela,1996,corporecludo.controloeresistncianumaprisofeminina,emmiguelvaledeAlmeida(ed.),Corpo Presente. Treze Reflexes Antropolgicas sobre o Corpo.Oeiras,celtaeditora,pp.72-86.

    dePINAY,lalive,1992,Beyondtheanatomy:workversusleisure?Theprocessofculturalmutation in industrial societiesduring the twentieth century, International Sociology,vol.7,n.4,pp.379-412.

    deleUZe,gilles,1980,Mille Plateaux.Paris,minuit.demellO,margo,1993,TheconvictBody:tattooingamongmaleAmericanprisoners,

    Anthropology Today,vol.9,n.6,pp.10-13.drUlhe,marcel,1987,lincorporation,Socits,n.15,pp.5-6.ellIOTT,Anthony,2001,Thereinventionofcitizenship,emNickstevenson(ed.),Cul-

    ture and Citizenship.londres,sage,pp.47-61.feIXA,carles,1998,De Jvenes, Bandas y Tribus.Barcelona,Ariel.ferreIrA,vtorsrgio,2006a,Marcas que Demarcam. Corpo, Tatuagem e Body Piercing em

    Contextos Juvenis,tesededoutoramento,lisboa,IscTe.,2006b,corpo,trabalhoeestilodevida:aconcretizaodeumprojectoidentitrio

    entreosprofissionaisdatatuagemebodypiercing,emAdolescncia(s): Percurso(s) de um Tempo Inventado. lisboa,casaPia de lisboa,diviso deeducao eensino eAcosocial.

    ,2004a,dorenascimentodasmarcascorporaisemcontextosdeneotribalismojuve-nil,emJosmachadoPaiseleilamariadasilvaBlass(eds.),Tribos Urbanas: Produo Artstica e Identidades.soPaulo,Annablume.

    ,2004b,Aexpressoestticadasmarcascorporaisemcontextosdeneotribalismojuve-nil,emJosmachadoPaiseleilamariadasilvaBlass(eds.),Tribos Urbanas: Produo Artstica e Identidades.lisboa,Imprensadecinciassociais.

    ,2004c,daexperinciaaovcio:aconstruodeumprojectodemarcaocorporal,OBS,n.13.

    ,2003, Atitudesdos jovensportuguesesperanteo corpo, em JosmachadoPais emanuelvillaverdecabral(eds.),Condutas de Risco, Prticas Culturais e Atitudes perante o Corpo.Oeiras,celtaeditora,pp.265-366.

    fONTeNAY,elisabeth,1972,corpsetbiens.Notessurlecorpspropreetlapropritpri-ve,Tropique, Revue Freudienne,n.9-10,pp.109-138.

    fOUcAUlT,michel,1999[1975],Vigiar e Punir. Histria da Violncia nas Prises.Petrpolis,editoravozes.

    ,1979[2.edio],Microfsica del Poder.madrid,laPiqueta.frIedmAN,monroe,1999,Consumer Boycotts: Effecting Change Through the Marketplace and

    the Media.londres,routledge.ghIglIONe,rodolphe,eBenjaminmatalon,1978,Les Enqutes Sociologiques Thories et

    Pratique.Paris,Armandcolin.gIddeNs,Anthony,1997[1991],Modernidade e Identidade Pessoal.Oeiras,celtaeditora.gIrOUX,henryA.,1992,Border Crossings.londres,routledge.

  • 324 vTOrsrgIOferreIrA etnogrfica novembrode2007 11(2):291-326

    glAser,Barney,eAnselml.strauss,1967,The Discovery of Grounded Theory: Strategies for Qualitative Research.chicago,AldinePublishingcompany.

    hArdIN,michael,1999,ma(r)kingtheobjectedbody:areadingofcontemporaryfemaletattooing,Fashion Theory,vol.3,n.1,pp.81-108.

    hArPer,douglas,1992,smallNsandcommunitycasestudies,emcharlesc.raginehowards.Becker,What is a case?Exploring the Foundations of Social Inquiry.cambridge,cambridgeUniversityPress,pp.139-158.

    heBdIge,dick,1988,Hiding in the Light. On Images and Things.londres,routledge.,1986[1979],Subculture. The Meaning of Style.londres,methuen.hesmONdhAlgh,david,2005,subcultures,scenesortribes?Noneoftheabove,Jour-

    nal of Youth Studies,vol.8,n.1,pp.21-40.hIerNAUX,Jean-Pierre,1997[1995],Anliseestruturaldecontedosemodelosculturais:

    aplicaoamateriaisvolumosos,emAA.vv.,Prticas e Mtodos de Investigao em Cincias Sociais.lisboa,gradiva,pp.156-202.

    hIrschmAN,AlbertO.,1970,Exit,Voice and Loyalty: Responses to Decline in Firms, Organiza-tions and States.cambridge,mA,harvardUniversityPress.

    KeNT,david,1997,decorativebodies: the significanceof convicts tattoos, Journal of Australian Studies,n.53,pp.78-88.

    lA,Jean-franois,eBrunoProth,2002,lesterritoiresdelintimit,protectionetsanc-tion,Ethnologie Franaise,vol.32,n.1,pp.5-10.

    lAlANdA,Piedade,1998,sobreametodologiaqualitativanapesquisasociolgica,An-lise Social,vol.33,n.4,pp.871-883.

    lIeBersON,stanley,1992,smallNsandbigconclusions:anexaminationofthereaso-ningincomparativestudiesbasedonasmallnumberofcases,emcharlesc.raginehowards.Becker,What is a case?Exploring the Foundations of Social Inquiry.cambridge,cambridgeUniversityPress,pp.105-118.

    lOPes,JooTeixeira,2002,razo,corpoesentimentonateoriasocialcontempornea,Sociologia,n.12,pp.57-64.

    lUcKmANN,Thomas,ePeterBerger,1999[1966],A Construo Social da Realidade. Tratado de Sociologia do Conhecimento.lisboa,dinalivro.

    mAffesOlI,michel,2002[1992],La Transfiguration du Politique. La Tribalisation du Monde Postmoderne.Paris,laTablemoderne.

    mAgAlhes,Pedro,2004,democratas,descontentesedesafectos:asatitudesdospor-tuguesesemrelaoaosistemapoltico,emAndrfreire,marinacostaloboePedromagalhes(eds.),Portugal a Votos. As Eleies Legislativas de 2002.lisboa,Imprensadecinciassociais,pp.333-361.

    mArOY,christian,1997[1995],Aanlisequalitativadeentrevistas,emAA.vv.,Prticas e Mtodos de Investigao em Cincias Sociais.lisboa,gradiva,pp.117-155.

    mcdONAld, Kevin,2004, Oneself as another: from social movement to experimencemovement,Current Sociology,vol.52,n.4,pp.575-593.

    ,2002,fromsolidaritytofluidarity:socialmovementsbeyondcolectiveidentitythecaseofglobalizationconflicts,Social Movement Studies,vol.1,n.2,pp.109-128.

    ,1999,Struggles for Subjectivity: Identity, Action and Youth Experience.cambridge,cam-bridgeUniversityPress.

    mcKAY,george,1996,Senseless Acts of Beauty. Cultures of Resistance Since the Sixties.londres,verso.meAd,george-herbert,1963[1933],LEsprit, Le Soi, La Socit.Paris,PUf.

  • POlTIcAdOcOrPOePOlTIcAdevIdA 325

    meNdesdeAlmeIdA,mariaIsabel,2000,Nadaalmdaepiderme:aperformanceromn-ticadatatuagem,Psicologia Clnica,vol.12,n.2,pp.100-147.

    mUggleTON,david,erupertWeinzierl,2003(orgs.),The Post-Subcultures Reader.Oxford,Berg.

    mUggleTON, david, 2002 [2000], Inside Subculture. The Postmodern Meaning of Style.Oxford,Berg.

    NAsh,Kate,2001,Theculturalturninsocialtheory:towardsatheoryofculturalpoli-tics,Sociology,vol.35,n.1,pp.77-92.

    OrlIe,melissaA.,2002,Thedesireforfreedomandtheconsumptionofpolitics,Philo-sophy & Social Criticism,vol.28,n.4,pp.395-417.

    OrTegA,francisco,2004,modificaescorporaisebioidentidades,Revista de Comunica-o e Linguagens,n.33,pp.247-263.

    PAIs,Josmachado,2004,Quotidianoereflexividade,ActasdovcongressoPortugusde sociologia, organizado pela Associao Portuguesa de sociologia e realizado naUniversidadedominho, sobo tema sociedadescontemporneas:reflexividade eAco.

    ,2002,Sociologia da Vida Quotidiana.lisboa,Imprensadecinciassociais.,2001,Ganchos, Tachos e Biscates. Jovens, Trabalho e Futuro.Porto,mbar.,1998,Introduo,emJosmachadoPais(ed.),Geraes e Valores na Sociedade Portu-

    guesa Contempornea. lisboa, secretaria deestadoda Juventude/Institutodecinciassociais,pp.17-58.

    ,1993,Culturas Juvenis.lisboa,ImprensaNacional/casadamoeda.PAYNe,geoff,emalcolmWilliams,2005,generalizationinqualitativeresearch,Socio-

    logy,vol.39,n.2,pp.295-314.PeIXOTO,rocha,1990,AtatuagememPortugal,Etnografia Portuguesa.lisboa,Publica-

    esdomQuixote.PITTs,victoria,2003, In the Flesh: The Cultural Politic of Body Modification.Nova Iorque,

    Palgravemacmillan.POlhemUs,Ted,eJ.Benthall(eds.),1975,The Body as a Medium of Expression.londres,

    Allenlane.rABY,rebecca,2005,Whatisresistance?,Journal of Youth Studies,vol.8,n.1,pp.151-

    -171.rAdleY,Alan,1998,displaysandfragments.embodimentandtheconfigurationofsocial

    worlds,emhenderikusJ.stam(ed.),The Body and Psychology.londres,sage,pp.13--29.

    rIchArds,david,2001,IsmyBodymyProperty?,Social Research,vol.68,n.1,pp.83-101.

    rOchA,m. A. Tavares, 1985, Antropologia criminal, emCem Anos de Antropologia em Coimbra 1885-1985.coimbra,museuelaboratrioAntropolgico.

    rUchT, dieter, 1990, The strategies and action repertoires of new movement