política de investigação científica para a saúde em portugal · investigação aplicada É...
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PolíticadeinvestigaçãocientíficaparaasaúdeemPortugal
Guerreiro CS#, Hartz Z#, Sambo L#, Conceição MC#, Dussault G#, Russo G#, Viveiros M#, Ferrinho P#,
# GHTM R&D Unit, Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Universidade Nova de Lisboa
RESUMOO debate global sobre a política de investigação científica para a saúde humana tem sido liderado pela
OMS com contribuições importantes de outros stakeholders como o COHRED, o Banco Mundial e o
Fórum Global para Investigação em Saúde, dominado recentemente pelas agendas temáticas de grandes
financiadores globais. Existe um crescente interesse mundial em fazer melhor uso da evidência resultante
da investigação científica para saúde, nas tomadas de decisão relacionadas com a definição de políticas
de saúde. Na Europa verifica-se porém a existência de uma complexidade inerente à interação entre a
investigação e a tomada de decisão política.
Após cerca de 40 anos de democracia e 30 anos de integração europeia, Portugal superou o atraso
científico estrutural. Contudo, a análise desta matéria à luz das políticas de investigação definidas a nível
global e europeu mostra que há ainda um longo caminho a percorrer quando se fala em investimento
global em Investigação & Desenvolvimento. A investigação para a saúde em Portugal tem tido tutela
partilhada entre a FCT e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, sendo que esta matéria não tem
sido uma prioridade - a realidade demonstra a não existência de um plano de investigação científica para
a saúde em Portugal, o qual possa pôr em franca articulação os diferentes atores intervenientes.
Na convicção de que adotar uma estratégia de incentivo à investigação em saúde consiste uma mais-valia
para o sistema de saúde português, os autores propõe cinco sugestões estratégicas em matérias de
investigação para a saúde em Portugal.
ABSTRATThe global debate on the scientific research policy to human health has been led by WHO with important
contributions from other stakeholders such as COHRED, the World Bank and the Global Forum for Health
Research, recently dominated by the thematic agendas of major global financiers. There is a growing
worldwide interest in making better use of evidence resulting from scientific research to health, in making
2
decisions related to the definition of health policies. In Europe there is however a complexity inherent in
the interaction between research and political decision-making.
After about 40 years of democracy and 30 years of European integration, Portugal has overcome the
structural scientific backwardness. However, analysis of this matter in the light of the defined global and
European research policies shows that there is still a long way to run when it comes to overall investment
in R & D. The research for health in Portugal has had shared custody between FCT and the National
Institute of Health Dr. Ricardo Jorge, and this matter has not been a priority - the reality demonstrates the
lack of a scientific research plan for health in Portugal, which might pose a frank articulation the different
actors.
Convinced that adopting a health research incentive strategy is an asset for the Portuguese health
system, the authors address five strategic suggestions for research for health in Portugal.
PALAVRAS-CHAVEInvestigação científica, Investigação para a saúde, Estratégia, Política de investigação para a saúde,
Portugal
KEYWORDSScientific research, health research, strategy, research policy for health, Portugal
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INTRODUÇÃOO presente trabalho pretende apresentar uma visão global da política de investigação científica para a
saúde em Portugal, contextualizando-a no cenário europeu. Elabora-se uma breve resenha histórica da
experiência portuguesa em matéria de política de investigação científica e, especificamente, para a
saúde, apresentando os atores envolvidos, a qual permite uma leitura da realidade atual. Desta discorre
um conjunto de sugestões que acreditamos podem contribuir para a definição de uma política de
investigação para a saúde em Portugal.
Este artigo começa portanto com a apresentação de uma perspetiva global, seguida de uma perspetiva
europeia e da descrição da situação em Portugal nesta matéria, terminando com sugestões estratégicas.
PERSPETIVAGLOBALAs políticas de investigação científica assentam cada vez mais em princípios definidos pela UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) sobre ciência e uso do
conhecimento científico na Conferência “Ciência para o Século XXI – Um novo compromisso” e coligidos
na Declaração de Budapeste de 1999. Nela se declara que a ciência deve ser feita para o progresso, para
a paz, para o desenvolvimento, na e para a sociedade. A(s) ciência(s) deve(m) assim estar ao serviço da
humanidade como um todo, e deve(m) contribuir para proporcionar a todos uma compreensão mais
profunda da natureza e da sociedade, uma melhor qualidade de vida e um ambiente sustentável e
saudável para as gerações presentes e futuras1.
O debate global sobre a política de investigação científica para a saúde humana tem sido liderado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) com contribuições importantes de outros stakeholders como o
Council on Health Research for Development (COHRED), o Banco Mundial e o Fórum Global para
Investigação em Saúde, dominado recentemente pelas agendas temáticas dos grandes financiadores
globais da investigação em saúde como a Fundação Bill e Melinda Gates, Global Fund for AIDS,
Tuberculosis and Malaria, União Europeia (UE), USAID, Global Innovation Fund, Wellcome Trust e
Fundação Aga Khan.
Uma das preocupações do debate global tem sido o desenvolvimento de sistemas nacionais de
investigação para a saúde fortes e sustentáveis. Daí a recomendação que o desenvolvimento de uma
política nacional de investigação em saúde deveria ter como ponto de partida o conhecimento de como
funciona o sistema nacional de investigação em saúde (SNIS), identificando as componentes que se
4
reconhecem como parte desse mesmo sistema. O COHRED identifica uma tríade que todos os países
necessitam para desenvolver o seu SNIS:
• A estrutura de governação e gestão da investigação – que decida, execute, coordene,
financie, negoceie, medeie e avalie;
• Um conjunto de prioridades que garanta o enfoque do sistema nas necessidades de saúde da
população e na contribuição nacional para a saúde global e que oriente as agendas das
instituições de investigação e das entidades financiadoras. Apesar de existirem diversas
metodologias para o estabelecimento de prioridades de investigação em saúde2-4, é mais
cauteloso reconhecer que não é possível fazê-lo de forma uniforme e sistematizada. Daí a
recomendação de um processo a que o COHRED chama de “espiral de aprendizagem” em
que se ressalva a importância de garantir “voz” a cientistas, profissionais, comunidades das
mais diversas, assegurando-se a interface entre agendas nacionais e internacionais.
• Um quadro de referência para desenvolver uma política de investigação em saúde
conducente ao reforço do sistema nacional de investigação para a saúde e à consecução das
prioridades identificadas. Esta
política deve ser geralmente
partilhada entre vários
ministérios tais como ciência,
tecnologia, ensino superior,
saúde e outros envolvidos em
atividades de investigação; e
inscrever-se nas políticas de
desenvolvimento nacional. Deve estabelecer a entidade de governação da investigação, o
equilíbrio desejado entre investigação aplicada e básica, as orientações estratégicas para
reforço de capacidades, para práticas éticas e para comunicação dos resultados. Finalmente
ela deve reconhecer o caráter internacional da investigação científica.5.
A OMS contribui para o debate sobre políticas de investigação para a saúde com dois documentos
recentes6,7, no seguimento de declarações emanadas de conferências internacionais no México (2004),
Bamako (2008), e dos I, II e III Global Symposium on Health Systems Research, organizados com a Alliance
for Health Policy and Systems Research (AHPSR) em Montreux (2010), Pequim (2012) e Cape Town
Fig.1.CondiçõesnecessáriasaodesenvolvimentodeumSistemaNacionaldeInvestigaçãoemSaúde,adaptadodeCOHRED
5
(2014). A AHPSR é uma colaboração internacional organizada pela OMS, criada em 1999 com o objectivo
de promover o desenvolvimento de políticas de saúde e sistemas de investigação como um meio para
melhorar os sistemas de saúde dos países de baixa e média renda.
Na sua estratégia de investigação
para a saúde6 a OMS identifica: três
princípios orientadores - qualidadea,
impactob e inclusãoc; cinco objetivos
- organizaçãod, prioridadese,
capacidadef, padrõesg e translaçãoh;
e cinco áreas genéricas de atividade
- medir a magnitude e distribuição
dos problemas de saúde,
compreender as causas e
determinantes dos problemas
observados, desenvolver soluções ou
intervenções para prevenir ou mitigar
o problema, implementar as soluções através de políticas e programas, avaliar o impacto das soluções na
magnitude e distribuição do problema.
Alguns mecanismos identificados como importantes incluem a articulação entre entidades financiadoras,
a definição de agendas de trabalho, a gestão do conhecimento, comités de ética, normas e regulamentos
para ensaios clínicos, biossegurança laboratorial (biosafety) e segurança biológica (biosecurity),
interligação com os sistemas de informação em saúde, repositórios open-access, comunicação sobre a
investigação realizada, indicadores do desempenho dos sistemas nacionais de investigação, e promoção
de parcerias nacionais e internacionais6. Para apoiar esta estratégia discute-se a iniciativa de desenvolver
um Observatório Investigação em Saúde Global (Global Health R&D Observatory) 8.
a Investigação que é ética, apreciada por pares, eficiente, eficaz, acessível e monitorizada e avaliada. b Investigação com o maior potencial para garantir a segurança da saúde global, acelerar o desenvolvimento dependente da saúde, corrigir desigualdades em saúde e contribuir para a consecução dos ODM 2015. A investigação em saúde é considerada, no Relatório Mundial da Saúde de 2010, como um importante instrumento para contribuir para o acesso universal a cuidados de saúde de qualidade (WHO, 2013 a). c Parcerias, multissetorial, com a participação das comunidades e da sociedade civil. d Reforço da cultura de investigação nas organizações de saúde. e Centradas nas necessidades de saúde consideradas prioritárias. f Contribuindo para o reforço dos sistemas nacionais de investigação em saúde. g Encorajando boas práticas. h Reforçando os laços entre a investigação em saúde e a definição de políticas e as práticas profissionais.
Fig.2.EstratégiaparaainvestigaçãoemSaúde,adaptadodeOMS,2012
6
Quanto à intencionalidade da investigação a OMS recorre à terminologia de investigação básica ou
fundamental, investigação aplicada, investigação operacional ou de implementação, investigação
translacional e investigação em políticas e sistemas de saúde, conforme descrito no quadro 1.
Conceito
Investigaçãobásicaoufundamental
É investigação experimental ou teórica que tem como principal finalidadeadquirir novos conhecimentos sobre os fundamentos subjacentes aosfenómenosefactosobserváveis,semteremmentenenhumaaplicaçãofutura.Pode referir-se a fenómenos biológicos, psicológicos, socioeconómicos,químicos ou físicosmas também ametodologias emedições, e a recursos einfraestruturas(WHO,2013,a).
Investigaçãoaplicada É investigação realizadaparaadquirir conhecimentosúteispara finspráticos(WHO,2013a).
Investigaçãooperacionaloudeimplementação
É a investigação que procura melhorar o conhecimento sobre estratégias,intervençõesouinstrumentosparaaumentaraqualidadedosoucoberturadossistemasdeserviçosdesaúde(WHO,2013a).
Investigaçãotranslacional
É a Investigação quemobiliza o conhecimento da investigação básica para odesenvolvimentodeaplicaçõespráticaseúteis–dabancadaaosbeneficiários(doentes,ouindivíduosoucomunidadesemrisco)(WHO,2013a).
Investigaçãoempolíticasesistemasdesaúde
Éa investigaçãoque tentacompreendercomoéquea sociedadeseorganizapara a realização de finalidades coletivas de saúde (WHO, 2013 a). Tem umhorizontetemporalmaisalargadoqueosoutrostiposdeinvestigação,daíquetenha sido ignorado ou negligenciado nas agendas de investigação ou pelasfontesdefinanciamento(TheLancet,2008).
Quadro1.ClassificaçãodaterminologiadeInvestigaçãoquantoàsuaintencionalidade,segundoaOMS
A OMS faz ainda a diferenciação entre research for health (investigação para a saúde) e health research
(investigação em saúde)7, nomenclatura também adotada por Carvalho-Oliveira et al (2014)9. Research
for health tem um âmbito mais alargado do que health research, reconhecendo que a saúde é também
determinada por eventos externos ao sector da saúde7.
Existe um crescente interesse mundial em fazer melhor uso da evidência resultante da investigação
científica em e para saúde, nas tomadas de decisão relacionadas com a definição de políticas de saúde. A
política baseada na evidência científica é uma abordagem que assegura o fundamento da decisão sendo
caracterizada pelo acesso transparente e sistemático às bases factuais que são por sua vez avaliadas e
7
introduzidas como insumos do processo de formulação de políticas10. Infelizmente, e segundo os mesmos
autores, a realidade é que muitas vezes as políticas de saúde não são bem fundamentadas na evidência,
sendo um dos motivos que pode contribuir para problemas de eficácia, eficiência e equidade dos
sistemas de saúde.
PERSPECTIVAEUROPEIAA possibilidade de uma política europeia de Investigação e Desenvolvimento (I&D) está presente desde o
tratado fundacional da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e tem vindo a ser reforçada em todos
os tratados desde então. Ganhou um forte ímpeto em 1972-73 com o desenvolvimento de uma política
comum de ciência e tecnologia e com a aposta da Estratégia de Lisboa (2000) na construção de uma
economia baseada no conhecimento. A estratégia “Europa 2020” de junho de 2010 (para um crescimento
inteligente, sustentável e inclusivo), a iniciativa emblemática “União da Inovação” e a primeira
conferência ministerial sobre “Espaço Europeus de Investigação”, consagrada ao tema “Capital Intelectual
– Impacto Criativo” em Julho de 2011, atualizam este reforço.
A ação europeia tem desempenhado um papel dinamizador do investimento em I&D, reforçando o
triângulo do conhecimento (educação, investigação, e inovação), articulando-se com os sistemas
científicos nacionais, promovendo a excelência científica e construindo uma base forte de investigação
pública que atrai o envolvimento do setor privado 11.
As iniciativas no Reino Unido (RU) têm sido influências importantes no pensamento europeu. As
prioridades para investigação em saúde foram, até 1991, estabelecidas de uma forma ad hoc entre
académicos e o setor industrial, que sugeriam às entidades financiadoras os projetos a financiar12. Com o
estabelecimento do programa do National Health System sobre I&D o peso de projetos comissionados
com base nas necessidades de saúde aumentou13. Uma nova política de investigação no início do
milénio14 passou a refletir a aposta no desenvolvimento do RU como uma economia baseada no
conhecimento15. A investigação em saúde começou a ser vista como um meio importante de produzir
riqueza e ganhos em saúde16,17, transitando de uma ciência virada para a descoberta e produção de
conhecimento académico para uma ciência cada vez mais transdisciplinar, orientada para um
conhecimento que satisfaça as necessidades do mercado e possa também ser conduzida fora de centros
universitários.
8
Sistemasdeclassificaçãodeinvestigaçãoparaasaúde
São vários os sistemas de classificação da investigação para a saúde sendo que não existe ainda nenhuma
taxonomia uniforme e consensual 18. Como a OMS e outros paísesi, a European Science Foundation
recomenda o recurso à classificação adotada no RU – Health Research Classification System. Trata-se de
uma classificação bidimensional. Numa dimensão estão definidas 21 categorias de saúde que agrupam as
doenças, enfermidades ou temas de saúde a estudar. Estas 21 categorias abordam os tradicionais temas
de medicina (sangue, cancro, problemas cardiovasculares, doenças congénitas, etc. por ordem
alfabética), verificando-se que apenas a 20ª categoria (Generic Health Relevance) inclui investigação que
não seja específica de doenças ou condições individuais - em saúde pública, investigação epidemiologica
e serviços de saúde e estudos biológicos, psicossociais, económicos ou metodológicos (porém a
classificação oferece alguns outros pontos de entrada para a pesquisa em saúde pública em temas, como
o tabaco, projeto de investigação e política)18. A segunda dimensão classifica a atividade de investigação
com 48 códigos em oito categorias: básica ou fundamental; etiológica; prevenção das doenças ou
enfermidades ou promoção do bem-estar; deteção, rastreio e diagnóstico; desenvolvimento de
tratamentos ou intervenções terapêuticas; avaliação de tratamentos e intervenções terapêuticas; gestão
das doenças e enfermidades; investigação sobre políticas e sistemas de saúde19,20.
São necessários mais esforços para desenvolver e consensualizar classificações abrangentes da
investigação para a saúde, bem como para melhorar a recolha de informação e dados que permita
comparações sistemáticas e o reconhecimento da importância desta investigação, com uma melhor
precisão da “investigação em saúde pública” 18 e das novas áreas de investigação que vão emergindo.
AplicaçãodaevidêncianadefiniçãodepolíticasdesaúdenaEuropa
Os decisores políticos são confrontados diariamente com processos de tomada de decisão nem sempre
recorrendo a informação de qualidade21. Vários são os trabalhos que se debruçam sobre a questão da
aplicabilidade da evidência, resultante da investigação científica, na definição de políticas, concretamente
de saúde. Os resultados de investigação científica podem dar contributos em pelo menos três fases da
definição de políticas: definição da agenda, formulação de políticas e sua implementação17,22. Verifica-se
porém a existência de uma complexidade inerente à interação entre a investigação e a tomada de
decisão política devido à natureza da informação científica, muitas vezes abundante, de qualidade
i Canadá, Hong Kong, Irlanda, Noruega, Singapura Suécia,
9
diversificada e inacessível para os decisores ou quando acessível, apresentada de uma forma inadequada
para apoiar a tomada de decisão22,23.
Um trabalho desenvolvido de 2009 a 201121, na Europa, permitiu apresentar a experiência variada de
alguns países no que concerne à aplicação do conhecimento científico na definição de políticas de
saúde21. Este conhecimento científico seria proveniente do trabalho de atores diversos desde
organizações da sociedade civil a universidades, os quais colocariam o resultado da sua investigação à
disposição dos decisores políticos. A experiência de Inglaterra21, por exemplo, salientou que neste país a
tomada de decisão ao nível da definição de políticas de saúde provém de uma interação dinâmica entre
contributos provenientes de partidos políticos, organizações da sociedade civil, organizações
independentes e universidades. Neste país, um grande número de instituições são envolvidas na
produção de conhecimento em/para a saúde, sendo para isso disponibilizados recursos e solicitados
trabalhos concretos. Dado o crescente número de atores neste domínio, é feita a sugestão de as
universidades apostarem na inovação da forma como apresentam os resultados dos seus trabalhos aos
decisores políticos e salienta-se que estas poderão ter muito a aprender sobre comunicação com
organizações não académicas a operar em investigação em Inglaterra.
Por outro lado, a experiência da Noruega lembra que, para que a investigação científica tenha impacto
nas políticas de saúde, a apresentação da evidência precisa de ser sistemática, transparente e oportuna.
Sugere ainda a importância da investigação científica em/para a saúde estar enraizada em redes
internacionais, contribuindo para o desenvolvimento de capacidades e competências, bem como recurso
a informação produzida fora do país, que possa trazer contributos importantes às políticas de saúde
nacionais21.
De referir ainda a experiência da Bélgica que sugere que as entidades que, de forma independente
produzam evidência, estejam perto do poder político e dos processos e elaboração de políticas, sem
porém perderem a sua autonomia que garanta a sua legitimidade21.
Referindo a diversidade de cenários encontrados a nível europeu, no que diz respeito à aplicação da
evidência na definição e políticas de saúde, o referido trabalho21 salienta que reconhecer a possibilidade
de envolver uma diversidade de atores na produção de conhecimento que possa contribuir para a
definição de políticas de investigação para a saúde requer nesses países uma mudança cultural e não
apenas de estrutura.
10
POLÍTICAPORTUGUESADEINVESTIGAÇÃOPARAASAÚDEPara abordar a política de investigação para a saúde em Portugal, optamos por fazer uma breve resenha
histórica da política de investigação que a enquadre especificamente, relacionando-a depois com os
atores envolvidos. A cronologia dos acontecimentos encontra-se descrita na figura 3.
PolíticadeInvestigaçãoemPortugal,perspetivahistórica
Se até 1967 se verificava uma fraca manifestação de uma base científica em Portugal24, com a criação da
Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) ficou marcado o início do planeamento
científico moderno em Portugal. A revolução de 1974 vem lentamente dar ímpeto à investigação
científica em Portugal, que ganhará um ritmo mais acelerado com a adesão de Portugal à Comunidade
Económica Europeia (CEE) em 198624.
A evolução da ciência e tecnologia é caracterizada por uma dimensão e articulação consideravelmente
reduzidas até à década de 90, sendo que somente a partir de 1996 as instituições científicas começam a
ser sujeitas a avaliações independentes, o que constituiu um acontecimento chave no âmbito da efetiva
abertura da comunidade científica e da construção do sistema científico português24. Heitor (2015)
identifica seis principais períodos que caracterizaram a evolução recente do sistema português de Ciência
e Tecnologia24 (consultar figura 3, (a)).
11
Segundo o ERAWATCHj desde 2000, três objectivos estratégicos regem a política científica em Portugal25:
• Trazer a ciência portuguesa para os níveis de excelência de países líderes em diferentes áreas
disciplinares;
• Promover a internacionalização da comunidade académica portuguesa;
• Criar um mecanismo de apoio ao sistema de investigação.
Na sequência do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)26
sobre o ensino superior em Portugal, o programa de governo em 2006 identifica num “Compromisso com
a Ciência para o Futuro de Portugal – vencer o atraso científico e tecnológico” o desenvolvimento
científico e tecnológico de Portugal como prioridade nacional. Este documento marcou o ponto de
j ERAWATCH é a plataforma de informação da Comissão Europeia sobre os sistemas e as políticas europeias, nacionais e regionais de investigação e inovação.
Fig.3.EnquadramentohistóricodainvestigaçãoemPortugal:principaisacontecimentosemPortugal,noINSAeFCT,relacionandocomdespesatotalemPortugalenaEuropa
12
partida para uma significativa evolução do sistema científico nacional e definiu metas e indicadores desse
desenvolvimento, assumindo cinco grandes orientações, nomeadamente apostar:
• No conhecimento e na competência científica e técnica, medidos ao mais alto nível internacional;
• Nos Recursos Humanos e na Cultura Científica e Tecnológica;
• Nas Instituições de I&D, públicas e privadas, no seu reforço, responsabilidade, organização e
infraestruturação em rede;
• Na Internacionalização, na exigência e na avaliação;
• Na valorização económica da investigação27.
Assumindo que em 2000 Portugal se encontrava ainda claramente abaixo da meta europeia de a despesa
total em I&D representar 1% do PIB, há que salientar que o final da primeira década do novo século foi
marcado pela interrupção da anterior tendência de relativa lentidão ou intermitência de investimento em
investigação, atingindo níveis de desenvolvimento inéditos até então. De facto, o orçamento público total
de I&D cresceu 11% entre 2004 e 2009, salientando-se que foi em 2007 que se alcançou o marco
histórico de cumprir a meta de 1% do PIB investido em I&D24. Este progresso não pode porém ser
confundido com garantia da maturidade científica mas visto sim como um importante passo na
recuperação de um despertar tardio e de uma trajetória lenta e intermitente24. O nível de investimento
público em investigação entre 2005 e 2010 não era porém sustentável numa época de restrições
orçamentais severas enfrentadas por Portugal desde então25.
Assim, este reforço da base científica nacional é abruptamente interrompido em 2011, quando a crise
internacional e as alterações políticas em Portugal levam a um corte significativo do apoio público a essa
base24. O foco passou a ser financiar “a excelência” e aumentar a seletividade no acesso à ciência.
De acordo com o ERAWATCH25, em 2014, o Programa do Governo inclui os seguintes objectivos para a
política de investigação:
• Prestar apoio privilegiado a atividades de I & D de excelência;
• Investir no capital humano e no desenvolvimento das capacidades individuais, sem deixar de lado
as condições institucionais;
• Garantir condições que permitam os investigadores exercer a sua atividade em Portugal, e ao
mesmo tempo atrair pesquisadores do exterior, com base na excelência;
• Promover parcerias entre organizações de investigação e empresas, a fim de levar a cabo
programas de investigação aplicada e promover o emprego.
13
No entanto, a prática seguida não foi consistente com esses objetivos. Em particular, o objectivo de
investir "em capital humano e no desenvolvimento de capacidades individuais" parece ter-se invertido,
com um declínio significativo nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. O foco parece ter
mudado para um reforço do apoio às organizações de investigação25. O principal desenvolvimento da
política de investigação em Portugal no final de 2013 / início de 2014 foi o animado debate público sobre
a política de recursos humanos para a ciência25. Daí que a necessidade de qualificar ainda mais recursos
humanos e aumentar a massa crítica das unidades e redes de I&D continue a ser fundamental24.
Atualmente a despesa global em I&D por habitante em Portugal atingiu cerca de 65% do valor médio da
UE, ou seja, a contribuição da população portuguesa para a ciência é ainda reduzida quando comparada
com essa contribuição noutros países europeus e da OCDE24.
Foram certamente vencidos muitos desafios importantes a nível nacional. Porém, com a Cimeira Europeia
de Lisboa - a qual definiu novos objectivos de referência para a Europa em termos de inovação e
desenvolvimento - e a Estratégia Europeia para 2010 - a qual enquadra o desafio de perenizar o esforço
em ensino e investigação, o desenvolvimento científico e tecnológico português enfrenta hoje novos
desafios para continuar a reforçar o seu papel no espaço Europeu, assim como para melhor valorizar a
dimensão Atlântica de Portugal24.
Em 2013, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) procedeu a um Diagnóstico do Sistema Nacional
de Investigação e Inovação (SNI&I) português28, com o intuito de contribuir para a definição posterior de
uma Estratégia de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente (EI&I) do país e das suas
regiões de âmbito mais geral, a qual foi definida em Novembro de 201429. Em resposta aos desafios
identificados pelo referido diagnóstico, foram definidos cinco objectivos estratégicos estruturantes e
cinco eixos temáticos que agrupam as quinze prioridades estratégicas "inteligentes" onde Portugal revela
vantagens competitivas existentes ou potenciais.R2 Saúde, Bem-estar e Território constitui um dos cinco
eixos temáticos, sendo a Saúde uma das quinze prioridades definidas.
A construção da EI&I esteve centrada sobre a contribuição dada por stakeholders, oriundos em partes
iguais da Academia e das Empresas, que refletiram sobre duas questões fundamentais: uma sobre as
capacidades que emergem para a promoção de sinergias que potenciem a criação do conhecimento, a
inovação e a progressão nas diversas cadeias de valor de cada tema, e a outra sobre as medidas e
instrumentos de política a mobilizar para uma intervenção pública eficiente.29
Uma estratégia de médio prazo para o SI&I corresponde a uma necessidade sentida por todos os atores e
stakeholders envolvidos. A estratégia identifica as grandes apostas em torno das quais o investimento
14
deverá ser preferencialmente direcionado, maximizando os benefícios de uma intervenção coordenada
nos diferentes espaços com que o sistema se interliga, sejam estes o Espaço Europeu de Investigação, o
internacional, ou as grandes iniciativas de cooperação com os países de expressão oficial portuguesa, o
espaço ibero-americano, mediterrânico, entre outros. Para além da oportunidade de construir uma
estratégia alinhada temporalmente com a maioria dos grandes programas e estratégias Europeias de
2014-2020, nomeadamente a Europa 2020, cumpre-se a condicionalidade ex-ante relativa ao Acordo de
Parceria Portugal /União Europeia. 29
AInvestigaçãoparaasaúdeemPortugal
A investigação para a saúde em Portugal seguiu naturalmente a tendência nacional descrita do
subcapítulo anterior. Por exemplo, os investigadores em Portugal na área de Ciências Médicas e da Saúde
aumentaram em número absoluto de 4223 em 2000 para 13493 em 2012 (OCDE, 2014)24, sendo que a
maior amplitude de variação ocorreu até 2010. Por outro lado, relativamente a bolsas de doutoramento
atribuídas pela FCT na área das Ciências Médicas e da Saúde, verifica-se que estas eram 46 em 1998,
aumentando para 80 em 2000 e para 243 em 2007, sofrendo depois um decréscimo nos anos seguintes,
registando-se me 2012 um total de 200 bolsas atribuídas à referida área de investigação científica24.
Segundo o Plano Nacional de Saúde (PNS) 2004-201030, o sistema de saúde português não tem sido
tradicionalmente suportado por uma forte componente de conhecimento científico baseado no contexto
nacional.
A mesma fonte refere que os financiamentos estatais, e portanto, a coordenação da investigação em
saúde não estão maioritariamente sob o controlo do Ministério da Saúde mas sim do Ministério da
Ciência e do Ensino Superior, através de instituições como a FCT, salientando o papel fulcral das
instituições da sociedade civil na promoção de uma investigação virada para os problemas de saúde no
país. Instituições internacionais, nomeadamente, as da UE, são referidas como promotoras de projetos de
investigação em redes internacionais abordando as grandes problemáticas da saúde na UE, com
importância em termos temáticos, em termos de cultura de colaboração interinstitucionais e em termos
de desenvolvimentos metodológicos.
No início do novo milénio, foram publicados dados de 2001 pelo Observatório da Ciência e Ensino
Superior, os quais revelam que as ciências da saúde representaram apenas 10,5% da despesa nacional em
I&D, ficando em último lugar entre as diferentes áreas científicas (relativamente, por exemplo, aos 11,1%
15
das ciências agrárias e veterinárias, aos 15,3% das ciências naturais ou aos 25,3% das ciências da
engenharia e tecnologias) 30,31.
Por altura da redação do PNS 2004-2010 a investigação não é contemplada como uma necessidade, nem
sequer de prioridade secundária, tendo as atividades de investigação um baixo peso nos critérios
contemplados na evolução dos profissionais de saúde nas suas carreiras30,31. Por outro lado, e segundo a
mesma fonte, verificava-se então ainda uma grande diversidade temática sem uma priorização adequada,
uma grande dispersão de recursos e um persistente subfinanciamento.
O debate sobre políticas de investigação para a saúde em Portugal tem sido inconclusivo e sobretudo
inconsequente, sendo que esta matéria carece de uma análise aprofundada que permita ler os dados
disponíveis numa perspetiva de melhoria futura.k
Embora na lei n.º56/79, que criou o Serviço Nacional de Saúde (SNS), seja referido como órgão central de
natureza instrumental o “Departamento de Ensino e Investigação”, tendo como missão “promover e
coordenar as atividades de ensino e investigação no campo da saúde” e “propor as medidas destinadas à
uniformização de objetos de idênticas atividades dependentes de outros ministérios”, a investigação para
a saúde em Portugal tem tido tutela partilhada entre a FCT e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo
Jorge.
AFCTeainvestigaçãoemsaúde
A Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) é o organismo que, tutelado pelos ministérios que têm
assumido a Ciência e Tecnologia (geralmente em associação com o Ensino Superior), tem gerido a política
científica em Portugal, apoiada por quatro Conselhos Científicos (CC) com uma função consultiva,
nomeadamente das:
• Ciências Exatas e da Engenharia;
• Ciências da Vida e da Saúde (CCCVDS);
• Ciências Naturais e do Ambiente;
• Ciências Sociais e Humanidades30.
A FCT iniciou atividades em agosto de 1997 sucedendo à JNICT. Desde 1 de março de 2012, a FCT sucede
à UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento, I.P. na responsabilidade pela coordenação das
k Nos trabalhos de extensão do atual PNS até 2020, está em curso a realização de uma nova análise especializada sobre investigação para a saúde. http://pns.dgs.pt/roteiros-de-intervencao-do-plano-nacional-de-saude/
16
políticas públicas para a Sociedade da Informação em Portugal. Em 1 de outubro de 2013, assumiu as
atribuições e competências da Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN).
A missão da FCT é “Promover continuadamente o avanço do conhecimento científico e tecnológico em
Portugal, atingir os mais elevados padrões internacionais de qualidade e competitividade em todos os
domínios científicos e tecnológicos, e estimular a sua difusão e contribuição para a sociedade e o tecido
produtivo”. De acordo com o site institucional (acedido a 26 de outubro de 2015), a FCT prossegue a sua
missão:
a) Através da atribuição, em concursos com avaliação por pares, de bolsas e contratos a
investigadores, financiamento a projetos de investigação e desenvolvimento, apoio a centros de investigação competitivos e a infraestruturas de investigação de ponta.
b) Assegurando a participação de Portugal em organizações científicas internacionais, promove a
participação da comunidade científica nacional em projetos internacionais e estimula a transferência de conhecimento entre centros de investigação e a indústria.
c) Coordenando as políticas públicas para a Sociedade da Informação e do Conhecimento em Portugal, em estreita colaboração com organizações internacionais.
d) Assegurando o desenvolvimento dos meios nacionais de computação científica, promovendo a
instalação e utilização de meios e serviços avançados e a sua articulação em rede.
De uma posição em que a ciência serviria para aumentar o conhecimento, motivada pela curiosidade
científica, a FCT tem evoluído para uma posição mais próxima da política científica do Reino Unido, e mais
recentemente da UE, de que a ciência deveria servir para aumentar a relevância nacional e a
competitividade em termos internacionais e de que os financiamentos públicos não deveriam apoiar
investigação que não seja economicamente útil (i.e. com impacto social) ou de referência – criação de
valor através da exploração económica do conhecimento32.
Ao invés do anterior encorajamento de muitos pequenos projetos executados por pequenos grupos
espalhados por muitas unidades de investigação, com a finalidade de aumentar o número de cientistas de
base académica, a FCT tem progredido para uma política de financiamento de um menor número de
projetos e equipas de investigação de maiores dimensões, e integrando várias vertentes de investigação
em objetivos de referência comum, facilitando a mobilidade entre o tecido educativo e empresarial. Esta
abordagem levou também à redução do número de bolsas de estudo para programas de doutoramento
tradicionais, para as concentrar em novos programas de doutoramento que assegurem a aquisição de
competências comportamentais apreciadas pelo tecido empresarial, mais apropriadas para que o
17
doutorado crie a sua oportunidade de trabalho ou se integre mais facilmente no mercado de trabalho
internacional32.
Considerando que o grosso do financiamento tem sido dirigido para a atividade científica do projeto, é de
salientar que têm aparecido indícios de uma maior preocupação com o financiamento de infraestruturas
e equipamentos, bem como com a contratação de pessoal técnico (p.e. técnicos de laboratório) e
administrativo32.
A FCT financia projetos de investigação em e para a saúde e tem aberto concursos para financiamento de
projetos de investigação de dois em dois anos desde 2000 e todos os anos desde 2008. Recentemente
definiu o Portuguese Roadmap of Research Infrastructures 2014-2020 que apoia o estabelecimento de 9
infraestruturas para a investigação em ciências biológicas e médicas 33.
A participação da FCT nas atividades na área da investigação para a saúde já vem de longa data com a
criação do CCCVDS. Inicialmente esta participação incidiu no financiamento de projetos, de
infraestruturas e de bolseiros a vários níveis, para além da criação dos Laboratórios Associados, e das
Unidades de Investigação acreditadas pela FCT34.
Alguns elementos da história deste envolvimento são descritos na figura 3.
OINSAeainvestigaçãoemsaúde
INSA é uma instituição fundada em 1899. No ano de 1971, no âmbito de uma reforma global dos
Serviços de Saúde, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge recebeu a designação que atualmente
ostenta, e foi caracterizado como órgão de investigação e ensino (Dec-Lei 413/71 de 27 de Setembro).
Neste mesmo Decreto-Lei, artigo 22, lê-se que compete ao INSA coordenar, no âmbito do Ministério da
Saúde (MS), as atividades de investigação no setor da saúde; efetuar, promover e estimular a realização
de estudos e trabalhos de investigação científica relativa à saúde em colaboração com os demais serviços
do ministério. Estas responsabilidades são reconfirmadas em novas leis orgânicas em 1993, 2007 e 2011.
O Decreto-Lei n.º 125/99 de 20 de Abril veio reforçar as responsabilidades na área da investigação ao
atribuir-lhe o estatuto de Laboratório de Estadol do setor da saúde35. Enqanto organismo do MS, a sua
missão e atribuições estão descritas no quadro 1.
l Um laboratório de Estado é uma instituição pública de investigação criada e mantida com o propósito explícito de prosseguir objetivos da política científica e tecnológica adotada pelo Governo, mediante a prossecução de investigação científica e desenvolvimentos tecnológico e de outras atividades científicas e técnicas que as respetivas leis orgânicas prevejam. São formalmente consultados pelo Governo sobre a definição dos programas e instrumentos da política científica e tecnológica nacional (Carvalho-Oliveira, Calheiros e Pereira Miguel, 2014).
18
Quadro2.MissãoeatribuiçõesdoInstitutoNacionaldeSaúdeDoutorRicardoJorge.
A capacidade de intervenção do INSA na indução da investigação para a saúde por instituições do Serviço
Nacional de Saúde tem sido limitada por financiamentos escassos face ao necessário, pelo que grande
número de projetos de investigação são autofinanciados pelas entidades públicas ou financiados por
fontes externas ao MS como a FCT, o Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN), Fundações,
fundos europeus, indústria, entre outros9.
A FCT e o INSA têm vindo a discutir a questão da definição de áreas prioritárias na investigação para a
saúde. A FCT defende uma perspetiva “bottom-up”, i.e., que consiste em considerar que a investigação
de valor nasce da iniciativa individual e da curiosidade dos bons investigadores, muitas vezes oriundos de
quadrantes inesperados, e não sendo orientada a partir de diretrizes superiores. Esta contrasta com a
perspetiva “top-down” do INSA, em que é necessário definir áreas prioritárias de acordo com as políticas
de Saúde Pública, considerando a FCT que a perspetiva “top-down”, cujos elementos têm de ser muito
cuidadosamente definidos, não deve dominar o conjunto de atividades nesta área. Tal significa para a FCT
InstitutoNacionaldeSaúdeDoutorRicardoJorge(INSA)
Missão Atribuições
ÉolaboratóriodoEstadoquetempormissãocontribuirparaganhosemsaúdepúblicaatravésdainvestigaçãoedesenvolvimentotecnológico,atividadelaboratorialdereferência,observaçãodasaúdeevigilânciaepidemiológica,bemcomocoordenaraavaliaçãoexternadaqualidadelaboratorial,difundiraculturacientífica,fomentaracapacitaçãoeformaçãoeaindaasseguraraprestaçãodeserviçosdiferenciados,nosreferidosdomínios.
a)Promoveredesenvolveraatividadedeinvestigaçãocientíficaorientadaparaasnecessidadesemsaúdepública,procedendoàgestãocientífica,operacionalefinanceiradosprogramasdeinvestigaçãodosectordasaúdepública,ecapacitarinvestigadoresetécnicos;b)Promover,organizarecoordenarprogramasdeavaliação,noâmbitodassuasatribuições,nomeadamentenaavaliaçãoexternadaqualidadelaboratorialecolaborarnaavaliaçãodainstalaçãoefuncionamentodoslaboratóriosprivadosqueexerçamatividadenosectordasaúde;c)Asseguraroapoiotécnico-normativoaoslaboratóriosdesaúdepública;d)Prestarassistênciadiferenciadaemgenéticamédicaparaprevençãoediagnóstico,emserviçoslaboratoriais,bemcomoplaneareexecutaroprogramanacionaldediagnósticoprecoce;e)Colaborarnarealizaçãodeatividadesdevigilânciaepidemiológicadedoenças,transmissíveisenãotransmissíveis,edesenvolverouvalidarinstrumentosdeobservaçãoemsaúde,noâmbitodesistemasdeinformação,designadamentegarantindoaproduçãoedivulgaçãodeestatísticasdesaúdepública,epromovendoosestudostécnicosnecessários,semprejuízodasatribuiçõesdaDGSedaACSS,I.P.,nestamatéria;f)Procederàmonitorizaçãodoconsumodeaditivosedaexposiçãodapopulaçãoacontaminanteseoutrassubstânciaspotencialmentenocivaspresentesnosalimentos,incluindoosingredientesalimentarescujoníveldeingestãopossacolocaremriscoasaúdedosconsumidores;g)Assegurararecolha,compilaçãoetransmissãoparaaAutoridadeEuropeiadeSegurançaAlimentardosdadosanalíticosrelativosàcomposição,incluindocontaminanteseoutrassubstânciasquímicas,dosgénerosalimentíciosealimentosparaanimais;h)Avaliaraexecuçãoeresultadosdaspolíticas,doPNSeprogramasdesaúdedoMS;i)Prestarassessoriacientíficaetécnicaaentidadespúblicaseprivadas,nassuasáreasdeatuação;j)Desenvolveraçõesdecooperaçãonacionaleinternacional,denaturezabilateraloumultilateral,noâmbitodasatribuiçõesqueprossegue.
19
que as iniciativas “top-down” devem restringir-se a aspetos de carácter geral, tal como a criação de
infraestruturas científicas e de programas de formação específicos em áreas científicas consideradas
prioritárias34. As duas perspectivas porém não se excluem mutuamente, podendo completar-se, pois, a
abordagem “top-down” deveria enquadrar as iniciativas “bottom-up”.
Agendanacionaldeinvestigaçãoparaasaúde
Apesar dos propósitos e tentativas de construção de uma agenda nacional de investigação em saúde,
sobretudo associada à diretriz do PNS, segundo a qual os programas de saúde específicos deverão
explicitar as principais lacunas de conhecimento a requerer mais esforço de I&D36, a realidade é que
nunca foi finalizada uma agenda nacional de investigação e o INSA não conseguiu dinamizar as propostas
e orientações sobre investigação aprovadas no âmbito dos Planos Nacionais de Saúde.
O referido diagnóstico do SNI&I efetuado pela FCT em 2013, refere a importância do setor da saúde no
sistema científico e tecnológico nacional, tendo-se verificado um crescimento médio anual da distribuição
da despesa de I&D de 45,3% na área das Ciências Médicas e da Saúde.37
No âmbito da referida EI&I, o desafio que se coloca a Portugal no sector da saúde é o da definição de
prioridades estratégicas, de acordo com os recursos disponíveis, as áreas de excelência e os problemas de
saúde que carecem de maior enfoque pela sua prevalência e pelos custos que representam para os
indivíduos e para o Estado. Refere ainda que esta etapa é essencial para permitir, por um lado um maior
bem-estar das populações e melhoramento da saúde pública, e por outro, uma resposta sustentável às
oportunidades geradas pelos mercados, tornando o país mais competitivo no sector da saúde. 37
Outrosatoresrelevantes
As agendas de investigação para a saúde têm sido marcadas também pelos contributos da Entidade
Reguladora da Saúde (ERS), por várias entidades do Ministério da Saúde e de Universidades, Fundações e
outras Organizações da Sociedade Civil, incluindo o setor empresarial. Por exemplo, e tendo por base
apenas a Lei de Bases da Saúde de 2011, outros organismos do MS para além do INSA, com missões
muito distintas, têm nas suas atribuições atividades relacionadas com a investigação para a saúde, como
se pode ver no quadro seguinte.
20
Missão AtribuiçõesrelacionadascomInvestigação
Direcção-GeraldaSaúde(DGS)Art.12º
Regulamentar,orientarecoordenarasatividadesdepromoçãodasaúdeeprevençãodadoença,definirascondiçõestécnicasparaaadequadaprestaçãodecuidadosdesaúde,planeareprogramarapolíticanacionalparaaqualidadenosistemadesaúde,bemcomoasseguraraelaboraçãoeexecuçãodoPlanoNacionaldeSaúde(PNS)e,ainda,acoordenaçãodasrelaçõesinternacionaisdoMS.
Asseguraracoordenaçãonacionaldadefiniçãoedesenvolvimentodeprogramasdesaúde,combasenumsistemaintegradodeinformação,articulandocomosdemaisserviçoseorganismosdosistemadesaúde,designadamentecomoInstitutoNacionaldeSaúdeDoutorRicardoJorge,I.P.,emmatériadeinvestigaçãocientíficaelaboratorial.
Administração
CentraldoSistema
deSaúde(ACSS)
Art.14º
AsseguraragestãodosrecursosfinanceirosehumanosdoMSedoSNS,bemcomodasinstalaçõeseequipamentosdoSNS,procederàdefiniçãoeimplementaçãodepolíticas,normalização,regulamentaçãoeplaneamentoemsaúde,nasáreasdasuaintervenção,emarticulaçãocomasadministraçõesregionaisdesaúdenodomíniodacontrataçãodaprestaçãodecuidados.
Coordenarecentralizaraproduçãodeinformaçãoeestatísticasdosprestadoresdecuidadosdesaúde,nomeadamenteprodução,desempenhoassistencial,recursosfinanceiros,humanoseoutros.
INFARMED-AutoridadeNacionaldoMedicamentoeProdutosdeSaúdeArt.15º
Regularesupervisionarossectoresdosmedicamentosdeusohumanoedosprodutosdesaúde,segundoosmaiselevadospadrõesdeproteçãodasaúdepúblicaegarantiroacessodosprofissionaisdasaúdeedoscidadãosamedicamentoseprodutosdesaúdedequalidade,eficazeseseguros
Exercer,anívelnacionaleinternacional,noquadrodosistemacomunitáriodeavaliaçãoesupervisãodemedicamentosedarededeautoridadescompetentesdaUniãoEuropeia,asfunçõesde:(…)iii)Laboratóriodereferênciaparaacomprovaçãodaqualidadedemedicamentosnocontextodaredeeuropeiadelaboratóriosoficiaisdecontrolo(OMCL).
InstitutoPortuguêsdoSangueedaTransplantação(IPST)Art.17º
Garantireregular,anívelnacional,aatividadedamedicinatransfusionaledetransplantaçãoegarantiradádiva,colheita,análise,processamento,preservação,armazenamentoedistribuiçãodesanguehumano,decomponentessanguíneos,deórgãos,tecidosecélulasdeorigemhumana.
Promovereapoiarainvestigaçãonosdomíniosdaciênciaetecnologiadasáreasdamedicinatransfusional,transplantaçãoemedicinaregenerativa,emarticulaçãocomoInstitutoNacionaldeSaúdeDoutorRicardoJorge,I.P.,eoutrasinstituiçõesnacionaiseinternacionaisconsideradasestratégicasparaosobjectivospropostos;
ServiçodeIntervençãonosComportamentosAditivosenasDependências(SICAD)Art.13º
Promoverareduçãodoconsumodesubstânciaspsicoactivas,aprevençãodoscomportamentosaditivoseadiminuiçãodasdependências.
Desenvolver,promovereestimularainvestigaçãoemanterumsistemadeinformaçãosobreofenómenodadrogaedastoxicodependências;.
Quadro3.OrganismosdoMScomatribuiçõesrelacionadascomInvestigação&Desenvolvimento,deacordocomaLeiOrgânicadoMinistériodaSaúde,DLn.º124/2011,de29deDezembro
É de salientar o papel da Comissão de Ética para a Investigação Clínica (Portaria 57/2005 de 20 de
Janeiro) bem como as Comissões de Ética nas diferentes unidades de saúde (DL 97/95 de 10 de Maio).
São ainda de realçar algumas medidas avulsas, como a criação da Comissão de Fomento da Investigação
em Cuidados de Saúde que funcionou entre 1991 e 2008. Na forma de projetos, apoio a atividades de
21
formação, financiamentos ou prémios estas iniciativas não têm, até agora, sido estruturantes do debate
sobre políticas de investigação em/para a saúde, com exceção dos contributos de algumas Fundações, da
ERS e do Health Cluster Portugal (HCP).
AsFundações
As Fundações, através de bolsas, prémios, concursos gerais ou específicos – particularmente a Fundações
Calouste Gulbenkian, Luso Americana e Champalimaud – têm tido um contributo particularmente
importante para a internacionalização da investigação em saúde em Portugal11.
Recentemente, a Fundação Calouste Gulbenkian comissionou um relatório sobre “Um Futuro para a
Saúde” em Portugal38. Este relatório destaca que a investigação biomédica teve progressos notáveis em
Portugal na última década, devido a uma intervenção intensiva na educação científica, nomeadamente
através de doutoramentos internacionais e da criação dos chamados “Laboratórios Associados” do
Ministério da Ciência. No entanto, considera que a articulação entre a investigação básica e a
investigação aplicada e a promoção de uma “medicina de translação” mais eficaz ainda não se
concretizaram de forma satisfatória. O que, de certo modo, reflete o declínio generalizado do chamado
“médico�cientista”. Deveria também ser dada maior atenção ao desenvolvimento de programas de
investigação no interior das unidades de cuidados de saúde, em especial nas áreas clínicas e de saúde
pública. Há necessidade de promover investigação com uma abordagem adequada, com vista à
implementação das políticas para os cuidados de saúde. A indústria, a academia e o SNS têm capacidades
relevantes para a investigação e o desenvolvimento de novas terapias, e meios que podem beneficiar a
saúde e os cuidados de saúde. Daí que os dirigentes do SNS, da comunidade científica e da indústria
devessem colaborar para a criação de centros nacionais que, trabalhando em conjunto com os cidadãos,
promovam o desenvolvimento de novas práticas, tecnologias e serviços. O Relatório recomenda ainda o
reforço do Programa de Investigação sobre saúde e das estratégias nacionais para a saúde pública
(incluindo a promoção da saúde, a protecção da saúde e a prevenção da doença) para darem resposta
aos grandes desafios da saúde, a nível nacional e da UE. Deverão ser assegurados quer o financiamento
quer os recursos necessários para a investigação em saúde pública, incluindo a área dos serviços de saúde
(um mínimo de 25% do financiamento para investigação sobre saúde deverá ser atribuído à saúde
pública), tendo em conta a sua contribuição para o desenvolvimento económico do país38.
EntidadeReguladoradaSaúde
Através de “estudos e pareceres” e com recurso ao Sistema Nacional de Avaliação em Saúde (SINAS), a
ERS tem adotado um papel de liderança no desenvolvimento da investigação avaliativa no setor da saúde,
22
assumindo a investigação como um elemento essencial para conhecer o sector da saúde e os seus
problemas, para orientar corretamente as atividades de supervisão comportamental dos regulados,
desenhar intervenções regulatórias que visam moldar o comportamento dos agentes, promover a
diminuição de assimetrias de informação e apoiar a decisão política39.
HealthClusterPortugal
O HCP foi criado em 2008 como uma organização privada sem fins lucrativos com o objetivo de:
“transformar Portugal num parceiro competitivo na investigação, conceção, desenvolvimento, fabrico e
comercialização de produtos e serviços relacionados com a saúde, em mercados selecionados e em
nichos tecnológicos, tendo como referência os mercados internacionais mais exigentes e relevantes,
baseando-se no reconhecimento da sua qualidade, nível tecnológico e competência nas áreas de
inovação”. Este Cluster é composto por mais de 120 entidades, incluindo hospitais, empresas e
instituições científicas e tecnológicas. As suas atuais áreas de interesse estratégico incluem a saúde e o
envelhecimento ativo, a medicina personalizada, o turismo de saúde e a e-Saúde. O HCP sugeriu à
Comissão sobre “Um Futuro para a Saúde” 38 que se reforce a investigação em colaboração com a
indústria através da:
• Promoção da participação das universidades e dos hospitais, colaborando entre si e com
empresas, em projetos de investigação e de desenvolvimento nacionais ou transnacionais,
em áreas selecionadas de especialização.
• Promoção de iniciativas destinadas a conseguir que as infraestruturas de investigação, a
especialização e as tecnologias de universidades e hospitais sejam mais acessíveis a
investigadores externos e a empresas, incentivando-se assim a transferência de
conhecimentos/tecnologias, bem como a contratação de empresas de serviços de
investigação e de desenvolvimento de ensaios clínicos.
• Melhoria dos níveis de qualificação e formação de recursos humanos / equipas a trabalhar
em universidades e hospitais portugueses, no desenvolvimento de projetos de investigação
translacional e clínica, bem como na gestão de inovação, propriedade intelectual,
transferência de tecnologia e empreendedorismo.
AinvestigaçãoemsaúdenosPlanosNacionaisdeSaúde
Desde o fim do século XX que a preparação e elaboração de PNS tem vindo a ser coordenada pela Direção
Geral de Saúde e/ou Alto Comissariado da Saúde (organismo extinto em 2011).
23
Num primeiro PNS – Saúde um Compromisso: a estratégia de saúde para o virar do século (1998-2002) –
a investigação tem direito a capítulo próprio. Estipula que “no que respeita a investigação em saúde
torna-se necessário reavaliar todos os dispositivos e projetos de investigação em curso no âmbito do
Ministério da Saúde, colaborar com os Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia no seu
desenvolvimento, incentivar a investigação em reforço da Estratégia de Saúde”. Compromete o
Ministério da Saúde com o desenvolvimento de uma política nacional de investigação em saúde.
Identifica como prioritários estudos seroepidemiológicos para monitorizar o plano nacional de vacinação,
investigação epidemiológica relativa à hepatite C, investigação sobre os determinantes dos carcinomas do
trato intestinal, estudos comportamentais relativos às dependências, estudos sobre determinantes das
desigualdades em saúde no país, investigação sobre serviços de saúde. Aponta a necessidade de
desenvolver um Observatório Nacional de Saúde no INSA e de integrar a formação em investigação clínica
nos internatos das especialidades médicas40.
Em outubro de 2003, no âmbito dos trabalhos preparatórios do Plano Nacional de Saúde 2004-2010, foi
realizada uma Reunião Temática sobre Investigação em Saúde, na sequência da qual se incluíram no PNS
textos que por um lado enquadram a I&D em saúde na história do SS português e por outro lançam
importantes pistas de reflexão/ação para um futuro próximo30,31. O esquema seguinte sintetiza a análise
da atualidade feita na altura e a definição de intervenções e estratégias de futuro.
De salientar que, independentemente da decisão sobre a política de I&D em ciências da saúde a seguir, se
considerou, prioritária a realização de projetos sobre doenças crónicas e particularmente prevalentes
e/ou incapacitantes, como as doenças cardiovasculares, o cancro, a SIDA e outras doenças infecciosas,
doenças mentais (incluindo comportamentos aditivos e problemas com eles relacionados) e sobre
determinantes de saúde, como os estilos de vida ou as causas dos acidentes (de viação, trabalho e
Fig.4.SituaçãodaI&DemPortugaleorientaçõesestratégicas.AdaptadodePNS2004-2010.
24
domésticos e de lazer). Foram ainda definidas outras áreas de investigação importantes nos contextos
português e europeu atuais:
• Análise estratégica e prospectiva da evolução do sistema de saúde;
• Estudos da avaliação do desempenho dos serviços de saúde (acesso, qualidade, eficiência,
resultados) em geral e dos seus recursos humanos em particular;
• Configuração e avaliação de sistemas de regulação e contratualização de saúde;
• Desenvolvimento da qualidade organizacional dos serviços de saúde;
• Análise da gestão da informação e do conhecimento em serviços de saúde;
• Estudo das percepções e da satisfação do cidadão em relação aos serviços de saúde, ao acesso à
informação, e ao desempenho dos sistemas de reclamação.
No referido documento31 ficou ainda definido, sob a responsabilidade do Departamento de
Modernização e Recursos da Saúde a operacionalização destas decisões:
• Contemplar, no percurso formativo dos profissionais de saúde, um período formal, obrigatório,
de formação em Investigação Clínica;
• Na avaliação dos serviços de saúde deverão valorizar as atividades de investigação desses
mesmos serviços.
Na preparação do PNS 2011-2016, para além do parecer solicitado à FCT e referido na figura 3, foi
realizada uma análise especializada sobre “Investigação Científica e Plano Nacional de Saúde” (Roteiro de
Intervençãom), a qual41 pouco influenciou o texto de um Plano com referências superficiais à investigação.
As principais recomendações do PNS 2012-2016 quanto à investigação são as que são especificadas no
âmbito dos programas nacionais prioritários (Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do
Tabagismo; Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável; Programa Nacional para as
Doenças Cérebro-cardiovasculares; Programa Nacional para as Doenças Oncológicas; Programa Nacional
para a Diabetes; Programa Nacional para a Saúde Mental; Programa Nacional para as Doenças
Respiratórias; Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida; Programa Nacional de Prevenção e Controlo de
Infeção e Resistência aos Antimicrobianos).
m Os Roteiros de Intervenção são estudos de Autor solicitados a peritos nacionais com o objetivo de contribuir com a melhor evidência e conhecimentos para o Plano Nacional de Saúde (PNS) 2012-2016. Este Roteiros são documentos, de Autor, que fornecem um Modelo Concetual, um Ponto de Situação e Recomendações para cada um dos temas. As informações expressas nos mesmos traduzem os conhecimentos e opiniões dos seus autores, não tendo sido alvo de qualquer alteração pela Direção-Geral da Saúde. (http://pns.dgs.pt/roteiros-de-intervencao-do-plano-nacional-de-saude/)
25
CONCLUSÕESERECOMENDAÇÕESApós cerca de 40 anos de democracia e 30 anos de integração europeia, Portugal superou o atraso
científico estrutural24. Contudo, a análise deste progresso à luz das políticas de investigação definidas a
nível global e europeu mostra que há ainda um longo caminho a percorrer quando se fala em
investimento global em I&D. Segundo o ERAWATCH25, Portugal tem evidenciado uma capacidade
insuficiente para conceber e implementar, de forma participativa, uma política de investigação e ciência.
A despesa bruta em I&D em percentagem do PIB atingiu 1,55% em 2010, tendo sido alcançada a meta
europeia. O nível de investimento foi ainda relativamente reduzido quando analisado no cenário
europeu, verificando-se a sua redução nos últimos 4 anos (figura 3).
Verifica-se a não existência de acordo sobre os elementos que deveriam integrar uma política nacional e
o debate tem-se centrado nas áreas temáticas da investigação, no seu financiamento, e nas suas
aplicações, realçando a importância de parcerias entre investigadores e o setor dos serviços ou
empresarial.
As orientações estratégias do PNS 2004-2010 são as que mais se aproximam de uma política de
investigação para a saúde sem que, no entanto, as questões então abordadas tenham sido desenvolvidas
de uma forma abrangente ou à posteriori implementadas pelas instituições que têm responsabilidades
sobre a investigação científica no setor da saúde.
A investigação para a saúde não tem sido uma prioridade e o impacto desta insuficiência pode tomar
proporções consideráveis, afetando os processos de tomada de decisão, a identificação precisa dos
grupos de risco e grupos-alvo para determinadas intervenções, a abordagem às doenças e, por exemplo,
a efetividade associada a determinada intervenção30,31.
Muito poucas das reformas mais importantes, em Portugal, foram precedidas de documentos de análise,
evidenciando o conhecimento existente que fundamenta as decisões, estabelecendo resultados
esperados, de forma objetiva e quantificada, estabelecendo a forma a adoptar para avaliar o impacto
dessa reforma ou ainda beneficiaram de debate técnico e publico alargado. A ausência destas linhas de
referência compromete a monitorização e avaliação prospectiva e enfraquece a implementação42.
Importa salientar que a reflexão sobre esta matéria tem sido crescente. Ilustram-no por exemplo os já
citados documentos Diagnóstico do Sistema de Investigação e Inovação: desafios, forças e fraquezas
rumo e 2020 e Estratégia Nacional de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente EI&I
2014-202028, 29. Concretamente no domínio da saúde, a criação do Fundo para a Investigação em Saúde
26
que atribuiu recentemente, em Novembro de 2015, os primeiros fundos destinados a investigação, como
resultado de uma cooperação profícua entre o MS e o Ministério da Educação e Ciência (através da FCT),
apresenta-se como um dos instrumentos para estimular a investigação em saúde em Portugal43. Por
outro lado, a determinação de que os hospitais do SNS tenham um serviço de Serviço de Investigação,
Epidemiologia Clínica e de Saúde Pública Hospitalar44 demonstra a consciência da necessidade de haver
uma grande intervenção do MS na promoção da investigação para a saúde em Portugal43.
Em Portugal tem vindo a crescer a tomada de consciência de que a solução para os problemas da
sustentabilidade e relevância dos sistemas de saúde requer uma melhor compreensão da relação
complexa entre determinantes da saúde, novas tecnologias em saúde e a economia, compreensão essa
que depende de um investimento racional na investigação em e para a saúde45. Essa investigação deverá
estar enquadrada num SNIS, o qual deve estar integrado na política científica do país, em particular na
política de investigação para a saúde, e cuja finalidade principal é produzir novos conhecimentos de
elevada qualidade que possam ser usados para promover, restaurar e/ou manter o estado de saúde de
indivíduos ou populações, incluindo os mecanismos para encorajar a utilização da investigação46.
A realidade demonstra a não existência de um plano de investigação científica para a saúde em Portugal,
o qual possa pôr em franca articulação os diferentes atores que intervêm nesta matéria. Por outro lado, a
ausência de uma análise aprofundada do que se tem feito em investigação científica para a saúde, de
uma avaliação do que se tem implementado ao longo dos tempos, dificulta a identificação dos aspetos
chave que podem trazer contributos fundamentais ao processo de produção de uma política de
investigação para a saúde.
Na convicção de que adoptar uma estratégia de incentivo à investigação e desenvolvimento em saúde é,
por excelência, uma mais-valia para o sistema de saúde português que poderá ter reflexos importantes
no capital de saúde da população30,31, com base nas considerações tecidas nas páginas anteriores, e
considerando as recomendações a níveis global e europeu, os autores propõe cinco sugestões
estratégicas em matérias de investigação para a saúde em Portugal:
1. Avaliação dos planos de investigação para a saúde e aplicação das evidências científicas nos
processos de decisão do Governo e instituições envolvidas na execução da política nacional de
saúde;
2. Definição de uma política nacional de investigação para a saúde com princípios orientadores e
prioridades decorrentes do contexto do país;
27
3. Aplicação de uma abordagem transversal e abrangente que cubra não somente os aspectos
biomédicos e dos sistemas de saúde, mas também as determinantes ambientais, económicas e
sociais da saúde;
4. Estabelecimento de planos institucionais e programas de investigação interdisciplinares que
tenham em conta a pluralidade metodológica e que criem oportunidades para iniciativas de
investigadores de disciplinas afins;
5. Desenvolvimento de uma classificação consensual de investigação para saúde em Portugal,
inspirada nas recomendações a nível global e europeu.
Agradecimentos
Ana Cristina Garcia, Cláudio M. Soares, Henrique Silveira, Pedro Pita Barros, pela colaboração na redação
do artigo.
Rosa Ferrinho pelo apoio à pesquisa bibliográfica.
Ana Rocha pela elaboração das figuras.
28
Bibliografia1. UNECO. A ciência para o seculo XXI – uma nova missão e uma base de acção. Texto baseado na
"Conferência Mundial sobre Ciência, Santo Domingo, 10-12 mar, 1999" e na "Declaração sobre Ciências e
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2. de Haan S, Devlion M, Montorzi G. Priority setting for health research – accumulating global knowledge
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