poesia - academia brasileira de letras · um câncer social se adivinha, se avizinha. as calçadas...

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Poesia

IVAN JUNQUEIRA

O que me coube

Pois foi só o que me coube:o que eu quis e nunca houve.o sonho que se fez logro,como o daquele, o do Horto,que na cruz pendeu exposto.

Foi só isto. E mais o açoiteque me vergasta o do aço do osso,o vinagre, o fel na boca.o céu ao reverso, torto,e Deus, déspota, deposto.

Foi o sabor que me soube:o da maçã, que era insossa,o do vinho (azedo) no odree o do pão, estrito joiosem trigo nenhum no miolo.

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Poeta, críticoliterário etradutor, IvanJunqueira émembro da ABL(Cadeira 37).Trabalhou naimprensa carioca,foi diretor doNúcleo Editorialda UERJ eeditor da revistaPoesia Sempre. Suapoesia, desde Osmortos (1964) atéA sagração dos ossos(1994), está emPoemas reunidos(Editora Record,1995).

Foi só isto o que me trouxea vida (essa morte em dobroa quem faço ouvidos moucos),além de uns parcos amores,de um Pégaso avesso ao vôo,de uma flébil flauta doce,do corvo a chorar Lenorae de Apolo aquele torsoa transmutar-se num outro.Foi só. Mais nada. Acabou-se.

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IVAN JUNQUEIRA

Marcelo Diniz*

Ócio

O sono não aguarda pautase, no espelho, um canto de quarto,uns retratos que ninguém olha.O sol novamente se arrasta,

confere o cálculo e se afastasem deixar vestígio de glória.As palavras todas na páginae aquele mesmo armário aberto,

aquele mesmo espelho absorto.Se a luz traduzisse em segredoa distensão dos semitons,

cada nuança de sua incidênciaoblíqua e filtrada, a modorrateria o dorso de uma fêmea.

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* Poeta, letrista eprofessor,doutorando emLetras pelaUFRJ.

Marcelo DinizMarcelo Diniz

Agulhas

Não precipitemos ascoisas; essa vertigemque parece insuflarfôlego, palpitaçãoao inanimado aindaé muda, saibamosperceber esse estado.Não devotemos aindaàs pedras ou a qualqueroutro ente que nesseperímetro nos afeteo discurso esperadodo cosmos, não estimemosapelos dos astros no queainda é simples vibraçãoinaudita e presentenesse íntimo espanto.Sintamos apenas – nãodenominemos o amor –na língua as agulhasdo instante translúcido,o conteúdo evanescenteapós estourada a finaesfera de toda metáfora.

224

Marcelo Diniz

Lena J e su s Ponte*

Soneto volátil

Pra onde vão os seus olhos, pra que pontos de fuga,ariscos galopes em savanas africanas?Pra onde escorre esse rio sem leito, incontido,por que grotas se infiltra, rolando entre seixos?

Pra que estranhos planetas seus olhos viajamde inabitáveis mundos, inóspitas paisagens?Em que profundos universos abissaisnadam fosforescentes enguias submarinas?

Como escapam, mercúrio, dos dedos fugindo...Segredos ou medos por trás das cortinaspreservam cativos sentimentos despidos.

Saltitam seus olhos por sobre reticências...não param no ponto onde habitam meus olhos,meninos aflitos rompendo distâncias...

� Neve sobre brasa

A pele da matéria vidadescasca ao sol.Sem protetor, se expõe por inteiro

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* Formada emLetras (UFRJ),professora deLínguaPortuguesa,publicou entreoutros livros:Meu mundo(1965), Revelação(1983) e O corpoda Poesia (1992).

Lena Jesus PonteLena Jesus Ponte

a cidade suada, em carne viva.Um câncer social se adivinha,se avizinha. As calçadas gritam.

Em gabinetes refrigerados,o ar condicionado dos economistastransforma em estatísticao que se mostra víscera.Agoniza o corpo urbanosob o olhar gelado das teorias.

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Lena J e su s Ponte

I ldá s i o Tavare s*

Restos

Há um resto de noite pela ruaque se dissolve em bruma e madrugada.

Há um resto de tédio inevitávelque se evola na tênue antemanhã.

Há um resto de sonho em cada passoque antes de ser se foi, já não existe.

Há um resto de ontem nas calçadasque foi dia de festa e fantasia.

Há um resto de mim em toda a parteque nunca pude ser inteiramente.

I

O pavãoé cauda e cor

em ação,tumulto de luz em desperdício.

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* Poeta, contista,romancista,tradutor e críticobaiano. Entreoutros livros,escreveu O cantodo homem cotidiano,Roda de fogo, Nossoscolonizadoresafricanos, O amor éum pássaro selvagem.

Ildásio TavaresIldásio Tavares

Passo de pose, orgulho ao solbeleza em vão

entre os demais,o pavão

faz burguesia nos quintais.

II

O Pavãocome do milho em comunhão

para um depois degarbo

e só.Carne também,

destino ao prato,o pavão

(enquanto assiste à degola, à depenação)garante a vida

por decoração.

228

I ldá s i o Tavare s

Hildeberto Barbo sa F i lho*

Distonia poética

Por mais que escavea caverna dos fonemas;por mais que exploreas entranhas da linguagem.

Por mais que revolvaas vísceras da página,

não há palavraspara o poema.

Nem mesmo o tédioque se estende às tardesde domingo;

nem mesmo a distoniaque me alaga a malditasegunda-feira

devolvem-me o sabordas frescas imagenscom que devo lavar e polira pele do poema.

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* Poeta eensaísta,diplomado emCiênciasJurídicas eSociais e emLetras. Algunsensaiospublicados:Aspectos de Augustodos Anjos, AscendinoLeite: paixão de ver ede sentir, Aconvivência crítica eAs ciladas da escrita:aspectos da literaturaparaibana.

Hildeberto Barbosa FilhoHildeberto Barbosa Filho

É cruzar os braços e sucumbirante a impotência dos vocábulose uma vez maismorrer de silêncio.

Insônia

Todas as noites pastoreioas novilhas da insôniaem pastas de morto leito.

Toco suas mandíbulas de onçadevassa que me devasta o sanguee a alma.

Conto os algarismosde sua garupa insensata,nervo de canina ruminação.

Meu pensamento bóianas cisternas da insôniacomo um peixe sufocado e órfão.

Como salvar-medessa gleba desolada?

EsculpindoImagens de outra amadaou plantando estacas de salna carne do poema.

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Hildeberto Barbo sa F i lho

Foed Castro Chamma*

Inverno

Juntos viajamos ao confim dos temposdesfrutando o sabor de teu hálito e o toquedelicado das mãos que me fogemquais aves transparentes neste invernoque pede o teu calor análogo ao mosteirocercado pelo gelo de uma Sibéria polonesae sobre o banco a monja deitada e o exorcistaa imprecar ao demônio que a abandone reeditandoa mística da Dor. O aconchego no invernoatrai o fogo da carne ao amoroso que a vidacelebra na matéria onde germina o bálsamoque vivifica as forças combalidas pelo geloda mortificação, o gelo de uma amora acesaem ímpetos de labaredas invisíveisque se ocultam e são as rosas de um jardimflorescente que Deus aguarda e rega as folhastépidas de Joana a negar o fragor crepitantedo gelo entre os galhos encobertospela fria, dolorosa estação.

Rompe os parâmetros que se impõem ao Fogoo ímpeto avassalador da Aliança concebidaentre os pares que no aconchego dos corpos

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* Poeta, ensaísta,membro doGrupo Jornal dePoesia. PublicouMelodias do estio,Iniciação ao sonho,O poder da palavra,Labirinto, Oandarilho e aaurora, Pedra datransmutação, Sonsde ferraria, Naviofantasma e oensaio Filosofia daarte.

Foed Castro ChammaFoed Castro Chamma

suprem a imposição polar da álgida calotade uma Antártida a reeditar o fogo brancoda Patagônia da nossa solidãosombria em que afundamos exauridosda ausência da alma e a liturgia necessáriaao conforto dos lábios afogueados sob o pêlode uma áfrica que o Continente de cocadae sumo interminável a metáfora agasalhaqual imagem afogueada de assombroe rapto ao confim dos temposno leito que convém aos corpos insubmissosvoltados para a dança e seus quadrantesamorosos que as estações renovama cada inverno, a cada cantoconsagrado ao rito da Naturezaque os anos celebram, os momos, as legiõescom suas listas de duas cores como as zebras.

Visões da fé não aquecem o corpo místicoda Dor que os braços enlaçadosbuscam suprir na viagem sem retornoafogueada do desejo e a impressão caninada fome que avassala os nossos corposna contradição terrível que acompanha o Amore o inverno não aplaca em seus desígniosparalelos. O brilho do diamante é de uma estrelaem miniatura que o pensamento induzà relação do espírito a transfigurar-sena compleição do homem tal um deuscuja remota salvaguarda é a virtudedo herói que transforma o Arquétipoem mito.

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Foed Castro Chamma

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Foed Castro Chamma

O Inverno (c.1786)Francisco Goya (1746-1828)Óleo sobre tela, 275 x 293Madri, Museu do Prado

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Foed Castro Chamma

França JúniorPaisagem (1877)Óleo s/madeira, 16 x 24 cm

José Joaquim da França Júnior (Rio de Janeiro, RJ, 1838 – Poços de Caldas, MG, 1890) éo patrono da Cadeira 12 da ABL.

Exerceu a advocacia, ocupou cargos públicos e dedicou-se ao jornalismo, à produção defolhetins e textos teatrais e, a partir de 1873, começou a se interessar pela pintura,tornando-se excelente paisagista. Participou da Exposição Geral de Belas Artes de 1884, emParis, e realizou mostras individuais, em 1889, na Casa de Wilde e na Galeria GlaceÉlégante, no Rio de Janeiro.

Geraldo Holanda Cavalcant i *

� FIM DE VERÃO EM ITAIPAVA

1.

O azul é mais limpotem mais viço o espaçose é início de marçoLeio os verdes da mataque a montanha escalae de aquarela faço

Um gavião no altoabre seu paraglidee finge que flutuamas a sombra na relvaa presa amedrontaque célere se oculta

Uma cigarra insisteum cachorro protestauma andorinha passasussurra o pintassilgoa cambaxirra piana asa do ipê

* Poeta,diplomata.Membro doPEN Clube.Publicou Omandiocal de verdesmãos (1964), Oelefante de Ludmila(1965) e Poesiareunida (2000).

Geraldo Holanda CavalcantiGeraldo Holanda Cavalcanti

Impertinente o sabiádesafiando o poetacanta no lugar certoe o meu verso infecta

2.

Minha piscina imita David Hockneye a cada instante espero ver soltar-se]da teia de luz a presença numinosaque faz do instante inopinadaepifania

3.

Uma rapsódia de cores invade o arSão as trombetas da solaridadesurgindo do pomar;um oboé se esgueira,um corne inglês despertaum bandolim se afinasão a cadenza da nêspera,o smorzando do abacatee na miçanga escarlateo pizzicato das pitangas

Mas Zora se agacha e mija em minha frente

4.

Uma lagartixa me reptadas divagações cromáticas

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Geraldo Holanda Cavalcant i

com impacientes meneiosdesvia-me o tentoHá outro cenário ocultoparece dizer-mee atrás da escada some

E em vez da mata claraoutro mundo descubroonde o meio-dia é escuromundo cujos ruídosnão são para meus ouvidos,onde mais curto é o diálogoentre a luz e a sombrae outro metro definea proporção dos seresNeleum grilo manco se esbateprisioneiro exanguede um harém de formigas

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Geraldo Holanda Cavalcant i

Helena Ort i z *

� Ante-sala

A noite passa lenta e fluorescentepurgam feridassobre a cama metálicaequipada para gestos mínimos

o corpo é vasto para delíriose flutua infladopelos limites do quartoonde se esgotaúmidocada vez mais longeda porta

* Coordenadorado projetoPanorama daPalavra, queapresentatalentos dapoesia brasileirae o jornal deliteraturaPanorama.Publicou o livrode poesia Ímpar,na série Pintorese Poetas (daTelemar).

Poemas

Paulo Bomfim

Apelo

...Mas deixai-me poetarEm nome dos que não sonham,Dos que calçam desesperoEm percursos cotidianos,Dos que cruzam confluênciasCom pára-brisas de tédio,Dos fugitivos, nos bares,Dos vencidos que se amam,Dos inocentes que esperam....Mas deixai-me poetarNeste esvair sem sentidoCom palavras indomadas,Ou com vocábulos mansos.– Que eu cante a vida que passaE os destinos sem destino– Que eu cubra de redondilhasAs damas da madrugada,

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Jornalista epoeta, estreouem 1947 com olivro AntônioTriste (prefáciode Guilherme deAlmeida). Autorde vária obra,traduzida para oalemão, francês,inglês, italiano eespanhol. É odecano daAcademiaPaulista deLetras.

E meus versos sejam potrosOnde as crianças galopem,Lona de circo estelanteVestindo a fome do mundo,Valsa brisa em realejoNa esquina dos desencontros.Sei da lógica das máquinas,Das avenidas neuróticas,Do roubo das alvoradasE dos anjos que se matam.Sou feito de tudo e nada....Mas deixai-me poetar!

Canto-cântaro

De que argila foste feitoCanto cântaro de amor?Em que torno te tornasteDona e duna, chão e pluma!Com que mármore marcasteO perfil das alamedas?Céu de selva onde caminhoSem possíveis salvações!Qual o sol por soletrarTeus bizarros compromissos?Ah! cilada tão silente,Tecla solta em cravo rubro!Fiandeira onde me fioDedos-dédalos danando:– Se sou chuva é porque morro,Canto-cântaro de amor!

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Paulo Bomfim

Soneto I

Não busco especiarias, sou apenasUm corpo transformado na paisagem,Barco de amor e morte, céu de penas,Vôo tinto de rumos e ancoragem.Se pastoreio estas contradiçõesQue são agora carne e pensamento,É porque trago a noite e seus violõesA percorrer os quarteirões do vento.Dos passos estrangeiros crio o mapaE a bússola escondida na lapela,O resto é chuva desenhando a capaQue jogo sobre o corpo da procela.

Não busco especiarias. Sou somenteA mesa posta e o convidado ausente.

Soneto X

Os dormentes da estrada inda galopam.Não são potros, nem rios, nem fazendasOnde chegar com malas e moendasDe triturar vazios, e onde tocam

Sanfonas em varandas que hoje evocamOs mortos, as partilhas, as contendas.São apenas dormentes, quase lendas,Demandas e fronteiras que provocam

O cismar de meninos já crescidos.Só paisagens subindo na mangueira,E apitos em mourões apodrecidos.

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Poemas

Não são rios, nem potros, são criançasÉ fumaça vestida à marinheira:– Sonhai, dormentes! silenciai, lembranças!

Soneto XIII

A legenda se impõe e os alaúdesSalmodiam os feitos de ninguém,O périplo dos dias se deremEm trirremes de nobres atitudes.

Submersas as canções e os rostos rudes,As ânforas partidas não retêmO elã de continuar, e tudo alémÉ ímpeto morrendo nos açudes.

Na túnica do mundo vagos sóisRelembram faunos, armas, inventivas,E sortidas de deuses e de heróis.

A voz do coro é um eco desumano.Captamos no desterro e nas derivas,Algo sagrado e muito de profano.

Soneto XVIII

Nós, senhores de léguas, donatáriosDo tempo que é sertão; de muitas milhasDe costa, herdeiros recebendo as filhasDa terra descoberta em rumos vários

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Paulo Bomfim

Mal sabemos de nós, os perdulários,Os que esbanjam lonjuras em guerrilhas,Fidalgos de alma ruiva, reis de quilhasE proas aportando calendários.

Nós, senhores de léguas, e mendigosDa chama de um momento onde pervagamOs serros, os cocares inimigos.

E o fim, senda e regresso, pluma a arderNo gorro audaz, e os passos que se apagamEm sesmarias do deixar de ser!

Soneto XX

Um rei sem dama surge do baralhoE põe-se a galopar pela campina.Nem a cota de malha nem a finaArmadura retém-no sob o pálio

De nuvens que relincham pelo atalhoDe chuva. Só a espada desatinaOs elementos, brilho que destina,Metal de caos que ordena o impulso falho.

Cerco de olhares, lanças que fulguram!Algo salta o baralho e em realezaSuplanta seus barões e a rude tropa.

Senhor e palafrém se transfiguram:(Os jogadores são de pedra à mesa)Coroado de si mesmo um Rei galopa.

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Poemas

Soneto XXII

Inspiro a casa, os livros, e este vento,As formas e as essências que hoje habitamO chão do inundo. As forças que me ditamSeus destinos de carne e pensamento.

Pelos caminhos do ar, renovo e inventoA vida que me cerca. Noites gritamNos olhos estrelados, que me fitam,Desperto em mim, e esse acordar é lento.

Recrio o amor, as árvores frondosas,O castelo perdido, o pão, a bruma,A idéia do cristal, o som das rosas.

Quando sinto que o sol desperta a imagem,Morro com ar que se tornou espuma,Sopro a palavra no papel paisagem.

Soneto XXIV

Agora, peço muito que me ajudesA retornar ao ponto de partida,Novos olhos revejam minha vidaAntes que ela transborde dos açudes.

Despirei nesse instante as atitudes,Minha roupa de estrelas já cerzida,O chapéu de alvoradas e a esquecidaCapa de chuvas e de ventos rudes.

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Paulo Bomfim

Comigo ficarão unicamenteOs versos que escrevi e as derradeirasFlores que desfolhaste em minha mente.

Depois, no grande espelho, a tarde é calma:– Saber que passo além destas fronteiras,Com meus disfarces já cobertos de alma!

De tudo quanto amamos

De tudo quanto amamos o que resta,O riso desbotado dos retratos,A talagarça dos momentos gratosOu a tristeza desse fim de festa?

Ficou por certo a ruga em nossa testaInventariando feitos e relatos,E vozes e perfis somando fatos,E a desfocada imagem da seresta.

E tudo o fogo aluga em canto findo,Este porque de coisas devolutas,E o tempo nômade que foi partindo.

Ficou de quanto amamos nos escolhosA restinga das horas dissolutas,E o mar aprisionado em nossos olhos!

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Poemas

Do menino

O menino, caminho de lembranças,Bate a bola do mundo pela rua;Traz cafezais nos bolsos, traz a lua,E não encontra mais outras crianças!

Indaga das esquinas de águas mansas,Do espectro dos sobrados, da falua,Dos fastos que se foram, da alma nuaQue se vestia outrora de esperança.

O neto se disfarça em seus avós,Retrato de memórias redivivasE cantochão dos que ficaram sós.

Um menino entardece em suas fugas:Que mãos o aprisionaram, tão esquivas,Pássaro-tempo no alçapão das rugas!

Um dia

Um dia partirei com minhas malas,(Espaços que carrego pela vida),Com pássaros-gravatas e a medidaDo verde exato para tantas galas.

E quando me cansar de carregá-las,Nelas colocarei a despedida,A cantiga de amor mais pressentida,O vôo do silêncio e as grandes falas.

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Paulo Bomfim

Irão cheias de sol, de bom agouro,Com vastas solidões e meus remédios,E bois pastando a mansidão do couro.

E quando alguém gritar na noite nua:– Lá vai o poeta carregando tédios!Deixai-me prosseguir de rua em lua.

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Poemas