poemasdamedidavelha_casadosaber

4
POEMAS DA MEDIDA VELHA BERNARDIM RIBEIRO Romance de Avalor ( Menina e Moça) Pola ribeira dum rio que leva as ágoas ao mar, vai o triste de Avalor; não sabe se há-de tornar. As ágoas levam seu bem, ele leva o seu pesar. Só vai e sem companhia, que os seus fora leixar; que quem não leva descanso, descansa em só caminhar. Descontra onde ia a barca, se ia o sol abaixar; indo-se abaixando o sol, escorecia-se o ar. Tudo se fazia triste quanto havia de ficar. Da barca levantam remos e, ao som do remar, começaram os remeiros do barco este cantar: “Que frias eram as ágoas! Quem as haverá de passar!” Dos outros barcos respondem: “Quem as haverá de passar, senão quem a vontade pôs onde a não pode tirar.” Trás a barca o levam olhos quanto o dia dá lugar; não durou muito, que o bem não pode muito durar. Vendo o sol posto contra ele, soltou os olhos ao chorar, soltou rédea a seu cavalo deu beira do rio a andar. E a noite era calada pera mais o magoar, ca o compasso dos remos era o do seu sospirar. Queres contar suas mágoas seria areas contar. Quanto mais se ia alongando, se ia alongando o soar; de seus ouvidos aos olhos a tristeza foi igualar. Assi como ia a cavalo foi pela ágoa dentro entrar, e dando um longo sospiro, ouvira longe falar: “Onde me ágoas levam alma vão também corpo levar.” Mas indo assi por acerto foi c’um barco n’ágoa dar que estava amarrado à terra e seu dono era a folgar. Salta assi como ia dentro e foi a amarra cortar; a corrente e a maré acertaram-no ajudar. Não sabem mais que foi dele, nem novas se podem achar. Sospeitou-se que era morto, mas não é para afirmar, que não no embarcou ventura para isso o só aguardar. Mas são as ágoas do mar de quem se pode fiar. Cantiga sua à senhora Maria Quaresma 1

Upload: renata-manica

Post on 05-Sep-2015

4 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

poemas

TRANSCRIPT

ROMANCE DE AVALOR

PAGE 2POEMAS DA MEDIDA VELHA

BERNARDIM RIBEIRO

Romance de Avalor (Menina e Moa)Pola ribeira dum rio

que leva as goas ao mar,

vai o triste de Avalor;

no sabe se h-de tornar.

As goas levam seu bem,

ele leva o seu pesar.

S vai e sem companhia,

que os seus fora leixar;

que quem no leva descanso,

descansa em s caminhar.

Descontra onde ia a barca,

se ia o sol abaixar;

indo-se abaixando o sol,

escorecia-se o ar.

Tudo se fazia triste

quanto havia de ficar.

Da barca levantam remos

e, ao som do remar,

comearam os remeiros

do barco este cantar:

Que frias eram as goas!

Quem as haver de passar!

Dos outros barcos respondem:Quem as haver de passar,

seno quem a vontade ps

onde a no pode tirar.

Trs a barca o levam olhos

quanto o dia d lugar;

no durou muito, que o bem

no pode muito durar.

Vendo o sol posto contra ele,

soltou os olhos ao chorar,

soltou rdea a seu cavalo

deu beira do rio a andar.

E a noite era calada

pera mais o magoar,

ca o compasso dos remos

era o do seu sospirar.

Queres contar suas mgoas

seria areas contar.

Quanto mais se ia alongando,

se ia alongando o soar;

de seus ouvidos aos olhos

a tristeza foi igualar.

Assi como ia a cavalo

foi pela goa dentro entrar,

e dando um longo sospiro,

ouvira longe falar:

Onde me goas levam alma

vo tambm corpo levar.

Mas indo assi por acerto

foi cum barco ngoa dar

que estava amarrado terra

e seu dono era a folgar.

Salta assi como ia dentro

e foi a amarra cortar;

a corrente e a mar

acertaram-no ajudar.

No sabem mais que foi dele,

nem novas se podem achar.

Sospeitou-se que era morto,

mas no para afirmar,

que no no embarcou ventura

para isso o s aguardar.

Mas so as goas do mar

de quem se pode fiar.

Cantiga sua senhora Maria Quaresma (Cancioneiro Geral de Garcia de Resende)s esperam a Quaresma

pera se nela salvar,

eu perdi-me nela mesma

pera nunca me cobrar.

Mas com esta perda tal

eu mhei por mui bem guanhado,

porque o milhor de meu mal

estaa todo no cuidado.

Os que cuidam qua Quaresma

nam pera condenar,

se a virem ela mesma,

mal se poderam salvar.

BERNARDIM RIBEIROVilancete seu(Canc. Geral de Garcia de Resende)Antre mim mesmo e mim

nam sei que salevantou

que tam meu imigo sou.

s tempos com grandengano

vivi eu mesmo comigo,

agora no mor perigo

se me descobre o mor dano.

Caro custa desengano

e pois meste nam matou

quam caro que me custou.

De mim me sou feito alheo,

antro cuidado e cuidado

estaa mal derramado,

que por mal grande me veo.

Nova dor, novo receo

foi este que me tomou,

assi me tem, assi estou.

S DE MIRANDACantiga(Canc. Geral de Garcia de Resende)Comigo me desavim,

vejo-mem grande perigo:

no posso viver comigo,

nem posso fogir de mim.Antes queste mal tevesse

da outra gente fugia;agora j fugiriade mim, se de mim podesse.

Que cabo espero, ou que fim,

deste cuidado que sigo,

pois trago a mim comigo

tamanho imigo de mim?

CAMES

RimasMOTEDe que me serve fingir

de morte, dor e perigo,

se me eu levo comigo?VOLTASTenho-me persuadido,por rezo conveniente,

que no posso ser contente,

pois que pude ser nascido.

Anda sempre to unido

o meu tormento comigo,

que eu mesmo sou meu perigo.E, se de mi me livrasse,nenhum gosto me seria,

que, no sendo eu, no teria

mal que esse bem me tirasse.

Fora logo que assi passe:

ou com desgosto comigo,

ou sem gosto e sem perigo.

Mas porm a que cuidados

A dona Francisca de Arago, mandando-lhe esta regra, que lha glosasse.

MOTE

Mas porm a que cuidados.

GLOSA

Tanto maiores tormentos

Foram sempre os que sofri,

Daquilo que cabe em mim,

Que no sei que pensamentos

So os pera que naci.

Quando vejo este meu peito

a perigos arriscados

inclinado, bem sospeito

que a cuidados sou sojeito:

mas porm a que cuidados?OUTRA [VOLTA] AO MESMO

Que vindes em mim buscar,

cuidados, que sou cativo

e no tenho que vos dar?

Se vindes a me matar,

j h muito que no vivo;

se vindes, porque me dais

tormentos desesperados,

eu, que sempre sofri mais,

no digo que no venhais:

mas porm a qu, cuidados?OUTRA [VOLTA] AO MESMO

Se as penas que Amor me deu

vm por to suaves meos,

no h que temer receos,

que val um cuidado meupor mil descansos alheos.

Ter nuns olhos to fermosos

os sentidos enlevados,

bem sei quem baixos estados,

so cuidados perigosos.Mas porm, ah! que cuidados!Carta que Lus de Cames mandou

a Dona Francisca de Arago,

com as glosas acima:Senhora

Deixei-me enterrar no esquecimento de vossa merc, crendo me seria assi mais seguro; mas agora que servida de me tornar a ressuscitar, por mostrar seus poderes, lembro-lhe que a vida trabalhosa menos de agradecer que a morte descansada. Mas se esta vida, que agora de novo me d, for para ma tornar a tomar, servindo-se dela, no me fica mais que desejar que poder acertar com este mote de vossa merc, ao qual dei trs entendimentos, segundo as palavras dele puderam sofrer: se forem bons, o mote de vossa merc; se maus, so as glosas minhas.

JOO RODRIGUES DE CASTELO BRANCOCantiga sua, partindo-se(Canc. Geral de Garcia de Resende)Senhora, partem tam tristes

meus olhos por vs, meu bem,

que nunca tam tristes vistes

outros nenhs por ningum.

Tam tristes, tam saudosos,

tam doentes da partida,

tam cansados, tam chorosos,

da morte mais desejosos

cem mil vezes que da vida.

Partem tam triste os tristes,

tam fora desperar bem

que nunca tam tristes vistes

outros nenhs por ningum.