poemas de egídio assis de andrade

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POEMAS DE EGÍDIO ASSIS DE ANDRADE Hontem e Hoje Quando moço tive sonhos, Via diante de mim A vida em quadros risonhos Qual primavera sem fim. Minh’alma, louca creança Sempre feliz e contente, Beijada pela esperança Sorria constantemente. Em tudo achava um encanto, Som, harmonia e belleza ; A viração era um canto, Tinha voz a natureza. Adorava a Deus, no sol Via sua magestade, Vi seu riso arrebol, Na noite sua bondade. No céo, nas trevas, no dia, No mar, na aragem, na flor, Em tudo emfim eu sentia De Deus o sofro de amor. Então minh’alma voava Para as plagas d’amplidão E em cada astro entoava Mil hymnos a creação. Como seria ditoso Se n’essa quadra morresse ! Se subisse ao summo goso Sem que o mundo conhecesse ! Mas não ; trouxeram-me os annos A lucta pela existencia ; Os meus sonhos ? Desenganos ; O mundo ? Lepra, intelligencia. Vi-me só, e fui então Do homem a historia aprender ; Vi Caim matando o irmão, Judas a Christo a vender. Vi papas, principes e reis

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Page 1: Poemas de Egídio Assis de Andrade

POEMAS DE EGÍDIO ASSIS DE ANDRADE

Hontem e Hoje

Quando moço tive sonhos,Via diante de mimA vida em quadros risonhosQual primavera sem fim.

Minh’alma, louca creançaSempre feliz e contente,Beijada pela esperançaSorria constantemente.

Em tudo achava um encanto,Som, harmonia e belleza ; A viração era um canto,Tinha voz a natureza.

Adorava a Deus, no solVia sua magestade,Vi seu riso arrebol,Na noite sua bondade.

No céo, nas trevas, no dia,No mar, na aragem, na flor,Em tudo emfim eu sentiaDe Deus o sofro de amor.

Então minh’alma voavaPara as plagas d’amplidãoE em cada astro entoavaMil hymnos a creação.

Como seria ditosoSe n’essa quadra morresse !Se subisse ao summo gosoSem que o mundo conhecesse !

Mas não ; trouxeram-me os annosA lucta pela existencia ;Os meus sonhos ? Desenganos ;O mundo ? Lepra, intelligencia.

Vi-me só, e fui entãoDo homem a historia aprender ;Vi Caim matando o irmão,Judas a Christo a vender.

Vi papas, principes e reis

Page 2: Poemas de Egídio Assis de Andrade

Nadando em mar de riquezaSugada, por torpes leis,Dos suores da pobreza.

Vi Nero, o monstro, no throno,No poder a falsidade,A virtude em abandono, O povo sem liberdade.

Vi pae com a fronte rugadaE a dôr impressa no rosto,Vender a fouce, a enxadaPara pagar o imposto.

Por toda parte a orphandade, Gemidos, corrupção,Creanças em tenra idadeMorrendo à falta de pão.

Mesmo em teu nome, Senhor,Todo amor, todo bondade, Quanto crime, quanta dôrTem soffrido a humanidade !

1º de Maio

Proletarios do universo,Este dia todo vosso,Por mais que á rima do versoQueira cantal-o não posso.

Sinto-me tão pequeninoPerante ideias tão grandes,Que bem pareço um meninoDe joelhos junctos aos Andes.

Proletarios, sempre unidos,Como contas d’um rosário,Todos nós somos remidosPelo sangue do Calvário.

Esquecei-vos d’amargura,N’estes momentos festivos,De vossa sorte, tão duraPor serdes ainda captivos.

Por tanto tempo sugadoPela mão do ouro-rei,O vosso suôr sagradoReclama agora uma lei.

Page 3: Poemas de Egídio Assis de Andrade

Finda a festa, mãos a obraCom todo ardor e vontade,Ante vós já se desdobraO painel da liberdade.

Devaneios

Filhos da doce harmonia,O nascente já cobertoDa rubra côr que annunciaQue o rei dos astros vem perto,Vos brada : aves, é hora,Tangei a Lyra sonora.

Deixai os tépidos ninhos,Risonhas grutas do amor,Deixai dormindo os filhinhosDa fonte ao brado rumor,Que já desponta no ceoDa aurora o Candido veo.

Vede ; o brilho feneceDas estrellas luminosas ;O firmamento pareceUm grande lago de rosas ;E a viração matutinaJá corre pela campina.

Como tem luz no horizonte !Como os campos flores têm !Que aroma nos traz do monteA brisa que de lá vem !Que poesia nos ninhosOnde dormis, passarinhos !

Quem me dera por instantesVer a minh’alma embaladaEntre as nuvens cambiantesDe que se veste a alvorada,Por um momento esquecidaDos soffrimentos da vida !

Vós sois a nota animada,Que faz vibrar a floresta,Corda de harpa afinadaQue os ares enche de festa ;Cantai, cantai, que o arrebolIndica a vinda do sol.

Page 4: Poemas de Egídio Assis de Andrade

Assim... E’ doce esse canto !Quanta saudade me traz !De meus olhos brota o pranto,Meu coração mudo jaz !Minh’alma geme e suspira,Aos acordes d’essa lyra.

Feliz quem tem a venturaDe morrer a esta hora,Fitando no céo a puraDeslumbrante luz da aurora,Ouvindo as notas suavesDos castos hymnos das aves.

A’...

Talvez que agora chorosa,Com a face triste na mão,Fitando a lua formosa,Qua bóia pela amplidão,Em mim tu penses saudosa,Virgem do meu coração.

Também por ti suspiro,Única luz de minh’alma,E quando teus olhos miroNos astros d’um céo em calma Da lyra as cordas eu firo.Para cobrir-te de palma.

A Saudade

Já Ella vem chegando vagarosa A compassiva amigaQue meus pezares com amor mitiga ;Não tarda nunca, approximar-se a vejo A hora sempre certa, De leve como um beijoQue nos lábios do filho adormecido Depõe mãe carinhosa Com receio de acordal-oNo seu berço de rendas revestidos.Bem vida sejas ; minha probre almaEntre seus braços com effusão te aperta, Amavel companheira ;Horas e horas do passado faloRecordando comtigo a passageiraQuadra da infância tão serena e calma. ____

Page 5: Poemas de Egídio Assis de Andrade

Tu és, saudade, a minha bem amada,Unica flor que na aridez recende De minha soledade ;Quando dos valles o negror ascendeQue a terra envolve e que a tristeza desceComo densa motalha desdobradaSobre a cidade muda, é no teu seioFeito de mel, de corações e prece, Que minh’alma, saudade,Pesarosa procura sem receioPara abrigar-se socegado asylo,Onde possa o pranto livrementeVerter, que a magua e dôr nos allivia. Sereno somno então Affavel e tranquillo Os olhos lentamenteMe cerra já cançados de velar,E commigo adormece a nostalgiaQue me devora o triste coração Exhausto de penar.Depois me vêm os sonhos :- lindo bando De gentis creancinhas Brinca contente á margem d’um regato Ouvindo as avesinhas Que cantam lá no mato...Como seria doce assim morrer ! Em teu seio sonhando E’ que sinto viver.

____

E’ triste o meu viver sempre sosinho,Juncto de mim só reina a solidão ;De minha terra e da familia ausente, Meu pobre coração Tão cheio de carinhoSoffre em silencio sem que haja um enteCom quem compartilhe do soffrer a taça.Cedo roubou-me a inexoravel morteA fiel companheira de meus dias ;D’improviso o destino mortal chagaEm nosso peito abre e despedaçaCom mão brutal as nossas energias ;O teu orgulho abate, só é forte Homem, quem não tem alma ; Da sorte o vendavalN’um só momento tudo te esmaga ;A esposa, os paes, as affeições sinceras, Tudo a morte desfaz.

Page 6: Poemas de Egídio Assis de Andrade

Ah ! como são austerasE tão creis as leis da natureza !Do lar o riso, a santidade, a calma,O amor, o goso, a verdadeira paz Da noite par ao dia Se tornam em funeral E tumular tristeza !Do coração então o passarinho,Que tem o doce nome de – alegria, Que ali vive a cantar,Sentindo-o agora como o gelo frio, N’um doloroso pio Abandona o seu ninho Para não mais voltar.

_____

Ter se uma esposa amavel que procuraAdivinhar os nossos pensamentos,Que com amor, affecto e com doçuraDe nossa mente maguas afugenta ; Seus olhos sempre attentosA’s mais subtis occupações do lar ;Companheira fiel que nos alentaCom seus sorrisos de celeste enteO coração no labutar da vida ; Que com um terno olharNos lê no rosto o que nossa alma sente ;Vel-a depois do soffrimento presa,Planta minada para o chão pendidaPor mãos austeras de fatal doença,Que zombando implacável da sciencia,De nossas orações, de nossa crença, Dos mais santos desvelos, Da propria natureza,Lhe vai sugando a seiva da existência ;Aquelles olhos d’antes mais que bellos,Sempre animados por perenne luz,Vel-os agora a divagar tristonhos Pela celeste esphera,Como que antevendo alem, em sonhos, Da sepultura a cruz ;Aquella bocca, ninho onde cantavamBandos de risos que brotavam assimNaturalmente como brota a florNa festiva estação da primavera,Na campina, no Valle e no jardim,Em vez dos risos de christal, agoraSó ter gemidos de pungente dor ;Aquella fonte altiva, illumindada

Page 7: Poemas de Egídio Assis de Andrade

Pelos reflexos de uma alma sã,Revestida de cores que imitavam As cores da manhã,Vel-a depois desfeita e descorada,Pallida imagem do que foi out’ora ;Ver um por um seus dotes se extinguindoComo as estrellas no cerúleo espaço Quando o sol no oriente vem surgindo ;Ver a morte que me chega lentamente,Labios abertos n’um sorrir ferozSem que possamos embargar-lhe o passo,E’ a dor mais profunda que se sente, E’ um suplicio atroz.Depois... uma lagrima, um gemido,Um olhar de eterna despedida... O seo martyrio cessa... E para nós começa A agonia da vida.Que mais te resta, coração vencido, N’este mundo soffrer ?Um martyrio maior : - inda viver.Ah ! Não poder o coração amigo Ao coração fielDesputal-o das garras do jazido, Meo Deos, como é cruel.

____

E’ n’estes transes, compassiva amiga,Que tu descendo da mansão celeste,Etherea plaga onde teu ser se abriga, Vens balsamo sagradoQue de consolo o coração revesteEm nossas chagas derramar, saudade.E a tempestade que nos ruge n’almaQual indomavel oceano irado, Com o teu doce afago Torna-se tão calma Como um sereno lago.Do soffrimento então a chamma ardenteQue do peito as fibras nos estala,Vai-se transformando lentamenteEm perenne pungir, porem suave Como uma nota grave De orgam que se cala,Filha do céo, do desgraçado amiga,E’s o laço com que a DivindadeAs nossas dores ao seu throno liga.

Recordações

Page 8: Poemas de Egídio Assis de Andrade

Eis o que me resta do amor primeiroQue com meu coração brincou,Um amor infantil e bandoleiro,Mas que tantas saudades me deixou.

Somente este retrato que pendenteDo meu pescoço trago em mim guardado,Como se fora um talisman sagrado,Ou de mãe, ao morrer, final prsente.

Eu sinto, quando o beijo, que uma calmaLanguida e doce me adormece o ser ;Hoje abençôo do fundo de minh’almaTudo quanto fizeste-me soffrer.

Ambos creanças ; que loucura a minhaEm ter ciúmes do botão da rosa,Que mal abrindo na manhan formosaDa primavera despontando vinha.

Não me queixo de ti, pois fui eu mesmoDe tudo a causa que soffrido tenho ;Phantasma, vago pela vida a esmoComo n’um lago carcomido lenho.

O impulso voraz da mocidadeDe ver, anjo travesso, me impediaQue a inconstância que tanto me affligiaEra propria da tua tenra idade.

E n’um delírio de ciumes, cego, Saudoso ente, quanto mal nos fiz !Para sempre matei nosso socego,Dos nossos sonhos o floral matiz.

Fui mais deshumano, fui cruelNa hora e que te dei o adeos eterno,Mas tinha a alma transformada em infernoE tinha o peito a transbordar de fel.

Prostada aos meus pés, como eu sorriaDo fragil ente que vencido tinha...O sol alem, no occaso, succumbia,A lua cheia despontando vinha.

Tu foste mais feliz, não resististePor muito tempo o dissabor profundo ;Descansa em paz, e vague eu n’este mundoDe saudades a morrer, sosinho e triste.

Page 9: Poemas de Egídio Assis de Andrade

A esmola

D’uma lagryma que rolouPela face de Jesus,Quando o suspiro exhalouFinal nos braços da cruz,Uma florzinha nasceoEm cuja tenra corolla,Um anjo que veio do CEOGravou a palavra : - esmola.

N’um album

Dizem, senhora, que a poesia sóNo coração do moço tem morada,Que o velho quase a reduzir-se a póNão tem no templo de Apollo entrada.

Que completa illusão ; a poesiaNão existe no homem, vem de foraEm su’alma actuar, como a harmoniaDe tua voz celestial, senhora.

Quem, ouvindo o teu canto, o peito logoNão sinta em chamma qual voraz vulcão ?Põe aqui tua mão, vê com que fogoInda bate o este velho coração.

Póde pungil-o da desdicta a mão,Orgão onde reside o sentimento,Tanto mais se apura o coração,Quanto mais o maltratca o soffrimento.

Fira a emoção ao velho os seus sentidos,Logo das causas o myterio sonda,E n’um rugir de palmas ou gemidos,Entra-lhe n’alma a poesia em onda.

Se d’uma vaga o som plangente vem No peito a fibra lhe acordar magua,N’elle vê que o mar em si contemAlguma cousa mais que simples água.

E’ captivo que vive a lamentarN’esse leito profundo, onde opprimidoFoi pela mão de Deus, o grande mar,Por ver seu dorso pelas náos ferido.

Se vem mimosa borboleta agora,

Page 10: Poemas de Egídio Assis de Andrade

Em torno as azas lhe adejar dolente,N’ella contempla a alma por quem choraHa muitos annos de querido ente.

Sómente o modo de sentir variaAs emoções no homem com a idade,O que ao moço exalta a phantasiaProduz no velho cantos de saudade.

Pois é, minha senhora, a poesia Não reside no homem, que sómenteReproduz, como o echo a serrania,As impressões externas como as sente.

N’um álbum

Pedes-me versos ! Meus cantosSão muito tristes, creança ;Não se pede á dôr encantos,Nem ao sepulchro esperança.

Gemidos sem harmoniaQue se perdem n’amplidão,Só reflectem a noite friaQue reina em meu coração.

Ninguem os ouve, e o mundoCom seus gemidos que importa ?Gemidos que vêm do fundoDe tanta esperança morta.

Meus versos vêm de tristezaEncher teu album, creança,Da sepultura a friezaNão tem com o berço alliança.

No jardim da mocidadeOnde está tudo a cantar,Não tem logar a suadade,A triste flor tumular.

Mas como pedes-me tanto,Me curvo á tua vontade,Aqui te deixo este canto,Signal d’eterna amizade.

Soneto

Tu és de minha vida a primavera,

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E’s de minha alma a nuvem de alvorada,Um riso, um gesto, um simples nada,Um que de santo do meu peito gera.

Nos lábios de tua mãe um beijo dera,E tu foste a semente abençoadaD’esse osculo puro que regadaPelo orvalho do amor á luz viera.

Deus te abençôe, oh ! minha fragil hera,Consolo da velhice antecipadaQue a desdita da vida m’impuzera.

Vejo em tuas feições retratadas,Qual se viva ao meu lado inda estiveraAquella sempre por nós dois chorada.

Relendo Casimiro de Abreu

Ainda ouço os gemidosQue tu soltavas, cantor,Nos versos sempre relidosDas <<Primaveras>> em flor ;E triste choro comtigo,N’elles revendo a paixão,Que passo a passo lobrigoRasgando o teu coração,Bem como o pranto vertidoPor poetas teres sido.

O Genio contrariadoPelo poder paternal,Que achava mais acertadoImpor-te à vida real;As tristezas, a saudadeQue, longe do teu Brasil,Augmentaram a soledadeDa tua alma infantil,Em cada pagina externasDas <<Primaveras>> eternas.

Naquelle tempo era feioNão saber ganhar dinheiro;Foi-se esse tempo, outro veioTrazendo o mesmo letreiro ;E chamavam de dementeQuem fosse a fronte abrasadaBanhar na clara correnteDe Castalia celebrada ;Pois ainda assim se chama

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Quem as Musas hoje ama.

Sim, diz o mundo, é loucuraViver a alma a scismarNos segredos lá d’altura,Que nada dão a ganhar ;Que vale um riso d’aurora ?O casto rumor d’um beijo ?Ouvir a rôla que choraDo vergel no rumorejo ?E tudo mais que completaOs prazeres do poeta ?

Tudo isso é patacoada,Dizem os homens de bem,Que não vale uma pitadaQuando a gente fome tem ;Até na religiãoIsso é dogma verdadeiro,Pois não ha missa sem pão,Reza ou latim sem dinheiroNão ha <<Telhado d’egrejaAdaggio sempre gotteja>>.

A phantasia !... consisteEm render culto ao thesouro ;Que vale a << Minha’alma é triste>>Ao pé d’um pouco de ouro ?Com este tem-se o conforto,Dos grandes nobres offertas,E tambem depois de morto,Francamente tem-se abertasAs portas que dão entradaPara a celeste morada.

Melhor fora que tivessesApollo ás favas mandando,E ao trabalho te dessesDo balcão afortunado ;Em vez de cantos teriasAos teus legado brazão,Porque em pouco seriasCommendador ou barão,Com importancia realNo mundo commercial.

Por isso teu pai que eraDe todo avêsso ao ideal,A tua ida impuzeraPara o velho Portugal ;

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Mas debalde, actos ferinosNão podem a lyra quebrar,E a patria em versos divinosLá te puzeste a cantar,Fazendo-a mais que princezaSobre um <<throno de belezza>>.

Não obstantes essas peias,Teu genio subiu de mais,Rompeste, vate, as cadeiasQue te ligavam aos mortaes ;O genio é um raio divinoN’alma do homem lançado,Nada o detem, seu destinoE’ erguer-se, erguer-se arrojadoA’s regiões sempre em florDe Deos, da Patria e do Amor.

Tenho saudades de ti

Quando brillham no céo as estrellas,Quando o vento de manso murmura,Quando a lua seus raios desprendeN’essas horas de tanta amargura ; Quando o mocho soluça na cruz Que se ergue na margem da lousa ; Quando geme tristonho o cypreste No recinto em que a morte repousa ;

Então triste, velando sosinho,Me apparece tua imagem gentil,Como nuvem no céo vagarosa,N’uma tarde serena d’Abril.

Nessas horas de magua e pavor, Em que o mundo parece catado, Sente muita saudade de ti O meu peito de dor estalado.

Devaneando

Ter a fonte em socego adormecida No collo da mulherQue não nos sahe do pensamento, em vida, Um momento sequer ;

Ter sempre um coração cheio de afago Junto ao nosso a bater

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Contente, como o cysne em manso lago As aguas a fender ;

Uns labios onde paire franco o riso De quem se sente bem,A nos offerecerem um paraiso Nos beijos que contêm ;

Uns olhos que nos fitam com a ternura De quem almeja verNo ser adora perennal ventura ; Isto sim, é viver.

Assim é a nossa vida, em nosso lar, Companheira fiel,Não sentimos dos annos o passar N’esta união de mel.

Ergue-te amiga, é dia, mas cautela, Q’está fria a manhã,Põe, antes de chegares á janella, O teu fechú de lã.

Assim. Podes agora sem receio O teu rosto gentilExpor ao ar e contemplar o enleio D’uma aurora d’Abril.

Que linda madrugada ! Que belleza Do céo na rubra cor !Em seu pleno esplendor a natureza Sauda o nosso amor.

Dá-me agora o teu braço e juntos vamos Percorrer o jardim...Como as aves balaçam-se nos ramos ! Como cheira o jasmim !

Como aos cuidados a natura é grata ! Bem poucos dias háQue tu plantaste este botão de prata Que tão crescido está.

E estes lindos beijos ! Causa espanto O viço que lhes vai ;As sementes trouxeste ha mez, si tanto, Da casa de teu pai.

Como está carregada esta roseira ! Com tanto peso até...

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Olha, está nos chamando a cozinheira, Vamos tomar café.