poemas de amor
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COISA AMAR
Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói.
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
Manuel Alegre, Coisa Amar, 1976,
in 30 Anos de Poesia, Lisboa, Dom Quixote, 1997
COISAS DE AMOR
A Tesoura bem andava
à procura de marido.
Nunca mais o encontrava:
era um Tesouro escondido...
A bela Bola amarela
sofria de um amor tolo:
gostava muito de um Bolo
(mas ele não gostava dela).
Uma Casa arredondada
casou com um Caso bicudo.
Para as Casas um tecto é tudo,
casam por tudo e por nada!
Manuel António Pina, Poesia Reunida,
Lisboa, Assírio e Alvim, 2001
PARA ATRAVESSAR CONTIGO O DESERTO DO MUNDO
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento.
Sophia de Mello B Andresen, Livro Sexto,
Lisboa, Ed,.Salamandra, 1964
URGENTEMENTE
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Eugénio de Andrade, Antologia Breve,
Fundação Eug. de Andrade
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo amor?
Camões, Sonetos escolhidos por Eugénio de Andrade,
Lisboa, Assírio e Alvim
CANTIGA
Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém
Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora de esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
João Ruiz de Castell-Branco, Cancioneiro Geral de Garcia de Resende,
vol.I, Lisboa, IN-CM.
SER POETA
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morrer como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além-Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca, Sonetos, Lisboa, Pub. Europa-América
Este Inferno de Amar
Este inferno de amar – como eu amo! –
Quem mo pôs aqui n'alma...quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói –
Como é que se veio a atear,
Quando - ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez... – foi um sonho –
Em que paz tão serena a dormi!
Oh!, que doce era aquele sonhar...
Quem me veio, ai de mim!, despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei... dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez ela?, eu que fiz? - Não no sei;
Mas nessa hora a viver comecei...
Almeida Garret, Folhas Caídas,
Lisboa, Pub. Europa-América, Lda., 1999