poderes do juiz e visÃo cooperativa do processo i

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    PODERES DO JUIZ E VISO COOPERATIVA DO PROCESSO I

    Carlos Alberto Alvaro de OliveiraProfessor Titular de Processo Civil da Faculdade de Direito daUFRGS

    Doutor em Direito pela Universidade de So Paulo

    1. fora de dvida que o direito processual, c omo fenmeno cultural, constituproduto exclusivo do homem, sendo, por conseqncia, inevitavelmente empolgado peconceito, um tanto fludico, verdade, de liberdade. Por isso mesmo, o tecido interno d

    processo forma-se pela confluncia das idias, projetos sociais, utopias, interesseconmicos, sociais, polticos e estratgias de poder reinantes em determinada sociedade, conotas especficas de tempo e espao.

    Constitui, portanto, um grave equvoco, assimil -lo, apesar de seu carteformal, a um mero ordenamento de atividades, dotado de cunho exclusivamente tcniccomposto por regras estabelecidas de modo totalmente arbitrrio pelo legislador. A estrutumesmo do processo civil no moldada pela simples adaptao tcnica do instrumenprocessual a um objetivo determinado, mas especialmente por escolhas de natureza polticem busca dos meios mais adequados e eficientes para a realizao dos valores, especialmeos de contedo constitucional. Esses valores, no fundo, que estruturam a vida jurdicacada povo, de cada nao, de cada Estado.

    Nessa perspectiva, o tema dos poderes do juiz constitui um dos maisfascinantes da dogmtica processual civil, porque se vincula estreitamente natureza e

    funo do processo, maior ou menor eficincia desse instrumento na realizao de seobjetivos e, ainda, ao papel que atribudo ao magistrado, na conduo e soluo do procesem consonncia com os fatores acima mencionados.

    Impe-se, na verdade, estabelecer uma soluo de compromisso, que permiao processo atingir suas finalidades essenciais, em razovel espao de tempo eprincipalmente, com justia. Ao mesmo tempo, importa estar atento para que o podconcedido ao juiz no redunde em arbtrio ou comprometa sua necessria e imprescind

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    imparcialidade. Em tal contexto, ressalta com fora o estgio civilizatrio, a fora dainstituies e do exerccio da cidadania em determinada sociedade. S se levando em conessas variveis, ser possvel aquilatar a convenincia de serem ou no r eforados os podedo juiz, engrandecidos ou diminudos os das partes.

    Toda essa discusso, portanto, influenciada ao fim e ao cabo pela justa eexata ponderao de que qualquer simplificao processual no domnio das formas, a maiou menor liberdade do juiz, non possible se non in proporzione della fiducia che in un datomomento lordine giudiziario ispira ai cittadini. . Confiana que s ser adquirida se houver

    compreenso mtua entre a cidadania e a magistratura, eficincia e competncia des ta exerccio de suas altas funes.

    2. Numa viso de conjunto, ainda introdutria, revela -se importante tepresente as duas mais importantes concepes no trato do problema e seus desdobramentos longo da histria do direito processual e as princip ais idias desenvolvidas a respeiTambm conveniente perquirir se no possvel uma terceira via, que potencialize dmaneira mais efetiva a realizao do direito material e a obteno de justia, em temprazovel.

    A concepo liberal, ainda no imbuda claramente do carter pblico doprocesso, atribua s partes no s amplos poderes para o incio e fim do processo e estabelecimento de seu objeto, como tambm sujeitava exclusiva vontade destas o sandamento e desenvolvimento, atribuindo -lhes total responsabilidade no que diz respeitoprpria instruo probatria. Os poderes do rgo judicial eram, portanto significativamenrestringidos.

    Sintomaticamente, um dos mais representativos expoentes do processo civil dsculo XIX, poca de completa aceitao deste modelo, principalmente em razo de ser enconcebido o processo como instituio destinada realizao de direitos privados, acentuaproduzir o domnio das partes sobre o objeto do litgio o domnio das partes sobre a relaem litgio, seu comeo, continuao e contedo, justificando o princpio dispositivexclusivamente pela falta de interesse do Estado no objeto da controvrsia!

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    Como em outros campos, acreditava-se no livre jogo das foras sociaisconquistando corpo a idia de que o prprio interesse da parte litigante no direito alegaconstituiria eficaz catalisador para a mais rpida investigao da situao jurdica .

    Hoje, contudo, o carter privado no corresponde mais concepo dominantsobre a natureza e funo do processo civil, pois a experincia desmentiu a crena neficincia do trabalho desenvolvido pelos participantes do processo. Basta pensar em queaplicao do princpio dispositivo em sua concepo clssica, impondo exclusiva contribuidas partes no aporte ao processo da matria de fato, relativiza alm do desejvel a apreciada verdade pelo juiz, forando-o a se contentar passivamente com a verso trazida pelpartes. Tambm restringe a liberdade do rgo judicial de maneira inconveniente a adoo

    chamado sistema da prova legal ante a rigorosa regulao da apreciao da prova, cuexemplo mais acabado fornecido pelo direito comum.

    No extremo oposto, coloca-se a instituio de um processo civil para asrelaes de direito privado com plena excluso do princpio dispositivo e absoluto imprio princpio da oficialidade em prol de ampla investigao da verdade real e objetiva, como

    aconteceu nos pases do mundo socialista , o que acarretaria a quase total absoro do direcivil pelo direito pblico .

    Realmente, a radicalizao nessa matria pode implicar exageradapublicizao do processo, levando at absoro da justia na administrao como chegou

    a ser sugerido no plano doutrinrio na Alemanha nazista, com ilimitada atribu io de podeao juiz na investigao probatria e conseqente enfraquecimento das garantias e segurandos direitos individuais.

    Lembre-se, outrossim, a reforma prussiana, sob a inspirao de FREDERICOII, O GRANDE, a determinar ampla investigao of iciosa dos fatos pelo juiz em qualquer tde processo. Alis, de modo contraditrio e surpreendente, embora em postura mais consoancom o autoritarismo prussiano, fosse retirada ao magistrado qualquer liberdade para apreciao da prova colhida!

    Todavia, mesmo com o emprego desses mtodos ultrapassados que contmem si, alm de tudo, as desvantagens prprias do processo de tipo inquisitrio no se pode

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    ter a iluso de que a verdade material possa sempre ser alcanada. E a isso vem se acrescprincipalmente depois do fracasso do socialismo real, certo ceticismo em face da autoridadeda tutela oferecida pelo Estado, refutando -se sua interveno na esfera da autonomia priva(embora a direo do processo pelo magistrado tenha por fim conduzir a controvrsia modo objetivo, de modo a se alcanar em tempo razovel a emanao de um julgamentomais prximo da verdade).

    A busca de outro mtodo de trabalho, mais condizente com a natureza doprocesso atual, capaz de obter maior eficincia na aplic ao e realizao do direitconsubstancia-se especialmente na reforma processual realizada por FRANZ KLEIN nustria, ao apagar das luzes do sculo XIX.

    Depois de sublinhar o alto conceito do valor social e pblico do processoresultante da histria, destaca KLEIN a necessidade de ser rapidamente extirpado, da manemais simples e barata, esse autntico mal social (sozial bel). Nesse contexto, os

    princpios processuais da oralidade, da publicidade e da livre valorao da prova, constitueapenas meios, tcnicas diramos ns, para atingir-se o escopo do processo, entendido ecomo ajuda segura e imediata (Gegenwartshilfe), um indispensvel instituto de bem estar

    social. Dessa premissa extrai, sobretudo, a necessidade de mais aguda atividade do juinstado a participar de forma mais intensa no processo e em particular na investigao dfatos. Trata-se de confiar-lhe direo efetiva e no apenas formal do processo.

    Confessadamente, a preocupao de KLEIN centrava -se na idia de criar umprocesso civil no qual a parte menos hbil, menos culta, menos dotada de recursos (sepossibilidade de pagar um defensor eficiente e capaz) viesse a se encontrar em p digualdade material e no apenas formal em relao ao adversrio. Da o fortalecimento d

    poderes do rgo judicial, a ponto de se impor a este no apenas a faculdade mas o dever advertir os litigantes das irregularidades e lacunas de seus pedidos e alegaes, no exerccde uma verdadeira funo supletiva e auxiliar. O juiz ultrapassa, a ssim, a posio de mrbitro fiscalizador da observncia das regras do jogo, para alcanar status de ativo

    participante, com vistas a evitar a perda da causa pela escassa habilidade da parte ou de srepresentante. Por isso, KLEIN reputa o processo c ivil uma Wohlfahrtsenrichtung, ou seum instituto destinado a promover o bem estar coletivo, considerando -o principalmente cofenmeno social de massa. Seria um erro, pondera KLEIN, pensar que a inatividade do juiz

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    a atividade exclusiva das partes constituiriam no processo a ltima concluso de toda sapincia humana.

    Analisando-se criticamente essa viso social do processo impe -se advertir, eprimeiro lugar, que aumento dos poderes do juiz no deve significar, necessariamentcompleta indeterminao desses poderes. De modo nenhum a pretendida restaurao autoridade do poder estatal no processo haver de implicar renncia a se normatizar o sdesenvolvimento. Tal soluo transferiria ao rgo judicial o poder de criar a seu bel -prazcaso por caso, a regra processual mais apropriada para o desenvolvimento do procedimenconduzindo a total indeterminao e imprevisibilidade. Incrementar -se-ia, assim, de fortotalmente desnecessria, o arbtrio do poder estatal dentro do processo. No obs tante

    funo social do processo, o excesso de poderes do rgo judicial poderia desembocar nuprocesso substancialmente privado de formas, conduzido segundo a livre discricionariedado juiz, com provvel prejuzo igualdade substancial das partes e v iolao do princpiocerteza jurdica, sem falar do eventual menosprezo ao nexo entre o direito material e processual.

    Se KLEIN tinha completa razo ao constatar que o processo civil integradpor normas para a proteo do interesse da coletivida de e dos bens jurdicos do indivduimpossvel desconhecer, por outro lado, as garantias dos cidados e das pessoas em gercontra o arbitrrio e ilimitado exerccio do poder estatal e at o interesse do prprio Estado realizao do seu direito objetivo, interesse que tambm poderia periclitar ante o arbtrabsoluto.

    Ao mesmo tempo no h como fazer retroceder o ativismo judicial resultanteda evoluo social, poltica e cultural de nossa poca, j tornado chose faite, e que

    realmente pode contribuir para mais acabada realizao da tutela jurisdicional. Por sinRelatrio relativamente recente sobre o ativismo judicial extrai da situao atual, dentro deslinha de pensamento, as seguintes concluses: a) declina o sistema inquisitorial de tipsocialista, enquanto aumenta de maneira contnua o poder do juiz (na direo do processo, seu ordenamento e no domnio das provas); b) confirmado, por quase todos os relatornacionais, o crescimento do ativismo do juiz em seu sistema processual nac ional, comanuteno do princpio dispositivo; c) verifica -se uma aproximao dos sistemas angamericano e europeu no domnio da richterliche Rechtsforbildung e o mesmo fenmeno

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    ocorre no mbito do processo; d) o ativismo do juiz exibe -se perfeitamente concilivel comativismo das partes, conscientes e cooperadoras.

    Esse ativismo em grande parte decorre da tomada de conscincia de que o jui tambm um agente poltico do Estado, portador do poder deste e expresso da democracindireta praticada nos estados ocidentais contemporneos, inexistindo portanto razo paenclausur-lo em cubculos formais do procedimento, sem liberdade de movimentos e copouqussima liberdade criativa. O excesso de formalismo conduziria, por outro lado, exaltao das prescries formais como fim em si mesmo, de modo manifestamenincompatvel com as finalidades sociais do processo moderno.

    Por outro lado, essas consideraes colocam no tablado das discusses oprprio paradigma de processo civil hoje vigorante ent re ns, baseado numa concepo qinduz o rgo judicial a assumir uma posio dominante e superior em relao s partes e serepresentantes, fundamentada especialmente na autoridade, na hierarquia e na lgicburocrtica.

    Para bem se entender o problema revela-se de magna importncia comparar modelo tradicional de processo dos dias que correm com a idia de iudicium vigorante atsculo XVII.

    O chamado ordo iudiciarius era fartamente influenciado pelas idias expressana retrica e na tpica aristotlica, concebido e pensado como ars dissedendi e ars opponenet respondendi tudo com vistas a resolver o problema, que ocupava o centro da discusso. Nlgica do provvel, pressuposta por tal concepo, a investigao da verdade no sapresentava como o resultado de uma razo individual, mas do esforo combinado das part

    revelando-se implcita uma atitude de tolerncia em relao aos pontos de vista do outro e ocarter de sociabilidade do saber. Como o iudicium era imposto pela prtica judici riamargem da autoridade estatal, decorrente apenas da elaborao doutrinria, sem qualquassento em regra escrita, reclamava de maneira intrnseca uma paritria e recprocregulamentao do dilogo judicirio. Essa ordem isonmica, e o ponto assaz importante,visava a garantir a igualdade entre governantes e governados, entre o juiz e as partes e entreprprias partes.

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    A mudana de perspectiva, introduzida pela lgica de PETRUS RAMUS(1515-1572), antecipa uma alterao de rumo que busca inc orporar ao direito os mtodprprios da cincia da natureza, um pensamento orientado pelo sistema, em busca de umverdade menos provvel, com aspiraes de certeza, a implicar a passagem do iudicium processus.

    A partir do sculo XVII, o novo panorama metodolgico se potencializa com estatizao do processo, com a apropriao do ordo iudiciarius pelo soberano, pelo prncipque passa a reivindicar o monoplio da legislao em matria processual, tendncincrementada depois pelas idias do ilumin ismo e pelo verdadeiro terremoto produzido pRevoluo francesa. Perde-se, assim, a dimenso retrica do processo. Mais do que isso

    intromisso estatal no processo judicial vem a se refletir nos poderes do juiz e o novo ordapresenta um carter assimtrico, privilegiando a posio da autoridade em face dos

    cidados, introduzindo um paradigma que s recentemente passou a ser posto em xeque.

    Essa linha de inflexo comea a ganhar corpo com a renovao dos estudos dlgica jurdica, a partir dos anos cinqenta do sculo XX, e com a nfase emprestada sentido problemtico do direito, elementos que em certa medida iniciam o resgate da antidimenso retrica e dialtica do processo. No se pode deixar de acentuar que tal fenmeocorreu exatamente quando j prenunciando o ps-modernismo mais agudos eprementes se tornavam os conflitos de valores e mais imprecisos e elsticos os conceitos.

    Alm do mais, no se pode desconhecer, hoje, que a aplicao do direito baseada fundamentalmente em conceitos jurdicos indeterminados, tais como os princpiAlis, o novo Cdigo Civil brasileiro, em vigor desde 11.1.2003, recorre constantementeconceitos jurdicos indeterminados e a juzos de equidade (v.g., arts. 317, 413, 421, 422, 47

    944).

    A colocao do problema no centro das preocupaes hermenuticas, com oemprego de lgicas mais adequadas especificidade do fenmeno jurdico e o freqenemprego de princpios, conceitos jurdicos indeterminados e juzos de equidade, emdetrimento de uma viso puramente formalista na aplicao do direito, haveria obviamente se refletir no processo. Decorre da, em primeiro lugar, a recuperao do valor essencial dilogo judicial na formao do juzo, que h de frutificar pela cooperao das partes c om

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    rgo judicial e deste com as partes, segundo as regras formais do processo. O colquio assestimulado, assinale-se, dever substituir com vantagem a oposio e o confronto, dando aao concurso das atividades dos sujeitos processuais, com ampla co laborao tanto na pesqudos fatos quanto na valorizao da causa.

    As diretivas aqui preconizadas reforam-se, por outro lado, pela percepo duma democracia mais participativa, com um conseqente exerccio mais ativo da cidadaninclusive de natureza processual.

    Alm de tudo, revela-se inegvel a importncia do contraditrio para oprocesso justo, princpio essencial que se encontra na base mesma do dilogo judicial e

    cooperao. A esse respeito, MARCEL PROUST em A lombre des jeunes filles en fleur,com a sua finssima sensibilidade, sublinha de maneira exemplar que Uma idia forte

    comunica um pouco de sua fora ao contraditor. Como participa do valor universal doespritos, ela insere-se, enxerta-se no esprito daquele a quem refuta, em me io de idadjacentes, com auxlio das quais, retomando alguma vantagem, ele a completa e retifictanto assim que a sentena final de algum modo obra das duas pessoas que discutiam. Na

    perspectiva judicial, diria que a sentena final s pode resulta r do trabalho conjunto de todos sujeitos do processo.

    Ora, a idia de cooperao alm de implicar, sim, um juiz ativo, colocado nocentro da controvrsia, importar seno o restabelecimento do carter isonmico do procespelo menos a busca de um pont o de equilbrio. Esse objetivo impe -se alcanado pefortalecimento dos poderes das partes, por sua participao mais ativa e leal no processo formao da deciso, em consonncia com uma viso no autoritria do papel do juiz e mcontempornea quanto diviso do trabalho entre o rgo judicial e as partes. Aceitas es

    premissas axiolgicas, cumpre afastar a incapacidade para o dilogo estimulada pela atuconformao do processo judicial brasileiro, assentado em outros valores.

    No se trata, bem entendido, de propriamente restabelecer o ordo isonmicmedieval, mas de inserir o processo na poca ps -moderna, de modo a se legitimplenamente o exerccio da Jurisdio mediante melhor e mais acabada comunicao do rg judicial com os atores do processo e pela procura de um razovel equilbrio dos poderes juiz em relao aos poderes das partes e de seus representantes .

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    Dentro desses balizamentos, alis, pautou -se a notvel alterao introduzida nCdigo de Processo Civil portugus pelos dec retos-lei 329-A, de 12 de dezembro de 1995180, de 25 de setembro de 1996, a adotar como linha mestra o princpio da cooperao, ereforma do processo civil francs inspirada pelo relatrio COULON, de 1997, ressaltandoequilbrio e o dilogo.

    Da a necessidade de estabelecer-se o permanente concurso das atividades dosujeitos processuais, com ampla colaborao tanto na pesquisa dos fatos quanto nvalorizao jurdica da causa. Colaborao essa, acentue -se, vivificada por permanendilogo, com a comunicao das idias subministradas por cada um deles: juzos histricovalorizaes jurdicas capazes de ser empregados convenientemente na deciso. Semelhan

    cooperao, ressalte-se, mais ainda se justifica pela complexidade da vida atual.

    Entendimento contrrio padeceria de vcio dogmtico e positivista, mormentporque a interpretao da regula iuris, no mundo moderno, s pode nascer de umcompreenso integrada entre o sujeito e a norma, geralmente no unvoca, com forte carga subjetividade. E essa constatao ainda mais se refora pelo reconhecimento de que toddireito litigioso apresenta-se incerto de forma consubstancial.

    Exatamente em face dessa realidade, cada vez mais presente na rica econturbada sociedade de nossos tempos, em perma nente mudana, ostenta-se inadequadinvestigao solitria do rgo judicial. Ainda mais que o monlogo apouca necessariamena perspectiva do observador e em contrapartida o dilogo, recomendado pelo mtoddialtico, amplia o quadro de anlise, const range comparao, atenua o perigo de opinipreconcebidas e favorece a formao de um juzo mais aberto e ponderado. A faculdaconcedida aos litigantes de pronunciar -se e intervir ativamente no processo imped

    outrossim, sujeitem-se passivamente definio jurdica ou ftica da causa efetuada pergo judicial. E exclui, por outro lado, o tratamento da parte como simples "objeto" dpronunciamento judicial, garantindo o seu direito de atuar de modo crtico e construtivo sobo andamento do processo e seu resultado, desenvolvendo antes da deciso a defesa das surazes. A matria vincula-se ao prprio respeito dignidade humana e aos valores intrnsecda democracia, adquirindo sua melhor expresso e referencial, no mbito processual, nprincpio do contraditrio, compreendido de maneira renovada, e cuja efetividade nsignifica apenas debate das questes entre as partes, mas concreto exerccio do direito d

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    defesa para fins de formao do convencimento do juiz, atuando, assim, como anteparolacunosidade ou insuficincia da sua cognio.

    Mesmo a iniciativa do rgo judicial no campo dos poderes instrutrios devser entrevista num quadro de dimenses mais amplas, de modo a permitir a adequadformao da convico do julgador. Inadmissvel , por tais razes, submetam-se os litiganpura e simplesmente ao impulso do rgo judicante e ao seu empenho em chegar a umcorreta definio da causa, ou restrinja -se este a apaticamente recolher o resultado da atuadas partes. Em vez do juiz ditador, dono de um processo inquisitrio e autoritrio, ou de uprocesso totalmente dominado pelas partes, como anteparo ao arbtrio estatal a exemplo dosucedido na idade mdia com o processo romano -cannico , importa fundamentalmente o

    exerccio da cidadania dentro do processo, ndice da colaborao das partes com o juiigualmente ativo, na investigao da verdade e da justia.

    No se trata, portanto, de superar a idia de KLEIN, mas de reformul -lmediante o necessrio reforamento dos poderes das p artes, dentro de uma viso mcontempornea do problema . E, realmente, nos quadros dessa direo, parece haver hoconsenso quanto s linhas do apogeu do processo ps -moderno nesse incio do sculo Xevoluindo-se para o que se convencionou chamar de mxima da coopera(Kooperationsmaxima), acima mencionada.

    Postas essas premissas, passo a investigar como se comportam, no quadro duma viso cooperativa do processo, a apreciao do direito, as questes ligadas prova dalegaes fticas e apreciao dos fatos, bem como o limite formal representado peprincpio dispositivo.

    3. Exatamente porque a funo judicial encontra -se intimamente ligada aplicao do direito, tem-se mantido mais ou menos linear no curso da histria a atribuiconcedida ao rgo judicial de dizer o direito aplicvel ao caso trazido a sua consideraCuida-se aqui de interesse de carter geral, circunstncia a possibilitar ao juiz a investigaoaplicao das regras jurdicas adequadas ao caso, sem nenhum risco d e parcialidade.

    A soluo tradicional, j presente no direito romano, expressava -se noprincpios da mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia, no sentido de que a parte dever

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    suscitar o fato jurdico do qual decorresse o seu direito e o rgo jud icial aplicaria o direitesse fato. A mxima, alis, custou a se fixar nos sistemas jurdicos ocidentais, tornandooperante apenas no sculo XIV, porquanto na especulao medieval a questo de direito npertencia ao domnio do certo, mas do provvel. Toda cincia do direito reduzia-se, entouma cincia da prova, e o prprio direito no existia independentemente dela.

    Na conceituao tradicional, o princpio iura novit curia no s impe ao juiconhecer o direito e investig-lo de ofcio, caso no o conhea, mas torna tambm o rg judicial totalmente independente na sua aplicao, desvinculando -o dos pedidos e alegadas partes a respeito. Nem a aceitao da existncia de determinada norma jurdica, neminvestigao de seu sentido e contedo, nem a subsuno dos fatos introduzidos no proces

    podem ser impostos pelas partes ao juiz . De tal sorte, quanto posio da norma jurdica juiz h de se ater estritamente realidade (da ordem jurdica): no pode colocar uma norma

    que no exista, ainda que afirmado pelas partes, nem pode omitir uma norma que exista, ainque elas silenciem a respeito. Este aspecto de sua atividade reduz -se, portanto, a um problede conhecimento da ordem jurdica.

    De outro lado, mesmo estando os litigantes de acordo quanto validade ddeterminado negcio, proposta a demanda lcito ao rgo judicial, em face da sua nature jurdica, examinar ainda contra a vontade dos interessados se ocorreu violao aos bocostumes ou boa f ou se seria usurrio. Po r isso, no vincula o juiz um ajuste das parsobre o julgamento de carter jurdico. Este sempre poder extrair do material ftico constando processo as concluses jurdicas no aportadas pelas partes.

    Assaz relevante, outrossim, mostra-se a importncia da liberdade atribuda a juiz na aplicao do direito, pois atua como instrumento de grande valia para o equilbrio d

    partes e garantia da paridade de armas, na medida em que a ignorncia do direito, seudesconhecimento ou errnea interpretao podem frustrar a tutela jurisdicional .

    Dentro da viso cooperativista, antes ressaltada, nada obstante a liberdadedesfrutada pelo rgo judicial na valorizao jurdica da realidade externa ao processo, pode devem as partes aportar a sua cooperao a respeito. Investigao dessa espcie de monenhum pode constituir, hoje, labuta exclusiva do rgo judicial.

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    Explica-se, por isso, a interveno do revel no processo, apesar doreconhecimento a implicado da verdade dos fatos alegados pelo autor (CPC , artigo 322parte). E isso porque a revelia restringe -se matria de fato, com abstrao das questes direito, em relao s quais permite -se parte procurar persuadir o rgo julgador. Do ifornecido pelos prprios litigantes, e no s pelo ju iz, trata expressamente o artigo 300 CPC, determinando competir ao ru, na contestao, a alegao de toda a matria de defeexpondo as razo de fato e de direito. Na mesma linha, admitem-se alegaes das partessobre questes de fato e de direito (v.g., artigo 454, 3, do CPC).

    Entendimento contrrio significaria transformar o juiz numa mquina, poiscomo j se ressaltou com agudeza, dentro de uma concepo puramente silogstica, o ju

    diria s partes date mihi factum e s leis date mihi jus e, recebidos tais elementos, emitirideciso com mecnica indiferena, como um aparelho emissor de bilhetes a toda introdude duas moedas .

    A expectativa de sucesso final na causa evidencia, na verdade, o interesseprimordial da parte em dar conhecimento ao tribunal, consoante o seu interesse, da norm jurdica a ser aplicada. O mesmo se passa, em relao ao convencimento do rgo judicsobre a adequao da soluo jurdica preconizada. E isso porque pode haver o risco, mesmem se tratando de direito nacional, risco esse intensificado pela complexidade da vidmoderna, de o juiz no descobrir a norma jurdica favorvel ao litigante, ou de no a

    interpretar corretamente.

    Em tal seara, a colaborao das partes com o juzo encontra sua razo d e senum plano mais amplo, na medida em que no se cuida apenas de investigar a normaplicvel ao caso concreto, mas de estabelecer o seu contedo e alcance, no s evitan

    surpresas mas tambm as conseqncias negativas da decorrentes para o exerccio do dirde defesa e da tutela de outros valores, como a concentrao e celeridade do processo equalidade do pronunciamento judicial .

    No se trata, contudo, de um nus da parte, pois, da falta de enunciao daregra jurdica, adequada para a soluo do caso, nem sempre decorre um prejuzo (geralmeat improvvel, porque iura novit curia !) .

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    Demais disso, no admissvel que os litigantes sejam surpreendidos pordeciso que se apie, em ponto fundamental, numa viso jurdica por eles no ap ercebidatribunal deve, portanto, dar conhecimento prvio de qual direo o direito subjetivo corperigo, aproveitando apenas os fatos sobre os quais as partes tenham tomado posio. Desforma, as partes estaro melhor aparelhadas para defender o se u direito e influenciar deciso judicial .

    Dentro da mesma orientao, a liberdade concedida ao julgador na eleio dnorma a aplicar, independentemente de sua invocao pela parte interessada, consubstanciano brocardo iura novit curia, no dispensa a prvia ouvida das partes sobre os novos rumoserem imprimidos ao litgio, em homenagem, ainda aqui, ao princpio do contraditrio .

    hiptese no pouco comum porque so freqentes os empecilhos enfrentados pelo aplicaddo direito, nem sempre de fcil soluo, dificuldade geralmente agravada pela posinecessariamente parcializada do litigante, a contribuir para empecer viso clara a respeito drumos futuros do processo.

    Alis, a problemtica no diz respeito apenas ao interesse das parte s, maconecta-se intimamente com o prprio interesse pblico, na medida em que qualquer surprequalquer acontecimento inesperado, s faz diminuir a f do cidado na administrao d justia.

    O dilogo judicial e a cooperao, acima preconizada, torna m-se, no fundodentro dessa perspectiva, autntica garantia de democratizao do processo, a impedir quepoder do rgo judicial e a aplicao da regra iura novit curia redundem em instrumento opresso e autoritarismo, servindo s vezes a um mal expl icado tecnicismo, com obstruefetiva e correta aplicao do direito e justia do caso.

    4. Mais complicado e em constante modificao revela -se o problema do papa ser desempenhado pelo juiz na investigao dos fatos e sua apreciao, questo inti mamevinculada diviso de trabalho entre o rgo judicial e as partes. A questo, por longo tempfoi tratada em conjunto e at confundida com o chamado princpio dispositivo.

    J so milenares os conhecidos aforismos da mihi factum, dabo tibi iusequod non est in actis, non est in mundo, a obrigar o juiz a sentenciar, como se expressavam

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    os glosadores, secundum allegata et probata e no secundum conscientiam. Tal

    concepo advirta-se, nada tinha a ver com o problema do livre convencimento do juiz, mcom a cincia privada dos fatos pelo magistrado, tanto que o princpio contraposto

    obrigava-o a julgar apenas secundum allegata et probata .

    A aplicao extremada desta concepo da diviso do trabalho entre os sujeitoprocessuais impe no s a inadmissibilidade do conhecimento ou da cincia privada do juquanto ao fato, como tambm seja considerado to somente o fato alegado pelas partes e pelas provado, com os meios que requererem.

    O direito processual moderno, contudo, vem const antemente evoluindo n

    sentido do abrandamento da ltima restrio, de modo a liberar o juiz dessas cadeiaformalsticas atribuindo-lhe poderes intensificados para a investigao probatria, facultandlhe de conseguinte melhor conhecimento dos fatos, pon to importante na formao de sconvico. Dentro dessa nova perspectiva, proposta a demanda e delimitados os seucontornos essenciais, constitui dever do juiz controlar o rpido, regular e leadesenvolvimento do processo, assumindo inclusive os meios p robatrios, dentro claro dlimites fticos extremados pela parte autora para a causa.

    Nesse terreno, cumpre destacar, alm da mencionada reforma de FRANZKLEIN na ustria, em fins do sculo XIX, outra mais antiga e bem menos comentadidealizada por BELLOT.

    Ao elaborar o projeto do Code de Procdure Civile do canto de Genebra, lesancionada em 29 de setembro de 1819, esse jurista teve a glria da primazia de retirar o juda posio passiva na investigao dos fatos da causa, que at ento ocupa va. BELLOT

    movido no pela preocupao com a demora do processo, como sucedera com o legisladprussiano, mas sobretudo pelo anseio de estimular a busca e a investigao da verdadmaterial. Emblemtico, neste sentido, o artigo 150 do Code facultando ao juiz, se a cauestivesse ainda sem condies de ser julgada no mrito, determinar de ofcio por ordenance

    prparatoire o interrogatrio das partes ou de uma delas, juramento, ouvida de testemunhas,

    percias, exame de documentos e inspees, ou qua lquer outro ato processual probatprevisto em lei, em matria no esclarecida de modo suficiente depois de realizada instruo, quando necessrio investigao da verdade.

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    A elaborao dogmtica mais recente procura estabelecer as bases doutrinriapara essa interveno do rgo judicial no plano ftico e na elaborao da prova. Importanpara esse fim, apresenta-se a constatao de que o processo, embora predestinado tute jurisdicional dos direitos, arma-se de exigncias prprias, impondo a seus participanadaptao ao seu mecanismo interno, ordenador de suas atividades.

    Decorre da a necessidade de distinguir, nada obstante a recproca influnciaentre umas e outras, entre normas, poderes, deveres, faculdades e sobretudo atos referentespedido de tutela jurisdicional, e normas, poderes, deveres, faculdades e atos correspondentetcnica e estrutura interna do procedimento. Quando do aforamento da ao, a parte dispdo seu interesse material (afirmado in status assertionis) e, po r conseqncia, do poder

    pedir a tutela jurisdicional. J dentro do processo, tomam -se as iniciativas, especialmentecontedo probatrio, vista da tcnica prpria do instrumento processual, na medida de sadequao com a finalidade desejada .

    Todavia, de modo nenhum podem ser confundidos o momento inicial,consistente na alegao dos fatos jurdicos, que do substrato pretenso sub judice, commomento posterior, interno ao processo, concernente s demonstraes de cunho probatrO primeiro, cumpre esclarecer, no se exaure to somente numa declarao de cartinformativo, mas numa declarao de vontade, que estabelece o elemento essencial do direou do contradireito o elemento constitutivo causal , com o qual a parte age ou se ope aoagir de outrem, vinculando o juiz e forando -o a exercer o seu ofcio. Instaurado pormprocesso, o seu modo, ritmo e impulso escapam disponibilidade das partes, elementos qdevem ser disciplinados por normas legais cogentes, no sendo despiciend o no entanto poo juiz em certas hipteses levar em conta as exigncias concretas do caso. Da, o equivoco colocar-se no mesmo plano as iniciativas do juiz em tema de prova (operantes apenas n

    plano da formelle Prozessleitung) e as que incidem por sua vez sobre as alegaes, queconcernem efetivamente ao plano da matria ou seja ao objeto do processo .

    Em realidade, a confuso embaraaria a necessria distino entre os planos ddireito material e do processual. No primeiro, a faculdade de iniciar a demanda e fixar o scontedo deixada ao exclusivo alvedrio dos sujeitos do direito, qualquer que seja a natureda pretenso material. Ao rgo judicial no se outorga poder para fazer cessar a demanda modificar o pedido ou a causa de ped ir, porquanto tal atividade comprometeri

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    irremediavelmente a imparcialidade prpria de seu ofcio. No segundo, vinculado de moinextricvel ao prprio exerccio da funo jurisdicional, o interesse pblico exige prolatadadeciso apenas quando formada a convico do juiz, assentada esta o mais possvel verdade dos fatos, porque em exerccio de tarefa prpria de seu ofcio, devendo o legisladestabelecer como se processar tal investigao, disciplinando do mesmo passo os poderinstrutrios do juiz.

    As consideraes at agora desenvolvidas mostram -se suficientes, a meu juzpara evidenciar o no comprometimento da parcialidade do magistrado com a assuno dmeios probatrios, desvio esse que, ademais, poder ser perfeitamente controlado pecontraditrio, dever de motivao e possibilidade de reexame da deciso em segundo grau

    jurisdio.

    Tudo, portanto, recomenda a quebra do monoplio das partes na instruo dacausa, mesmo em se tratando de interesses puramente privados, pois no h po r que alteraestrutura do processo em funo da natureza disponvel ou indisponvel do direito litigiosInsustentvel continuar-se tolerando o juiz inerte, de braos cruzados, e que encarava processo como coisa exclusiva das partes.

    Na viso cooperativista defendida neste ensaio, cumpre alertar, porm, que sema colaborao do advogado mesmo o juiz mais competente no estar inteiramente habilitaa conduzir um processo complicado do ponto de vista prtico. Ainda com a melhor bovontade, faltar-lhe- tempo e o mesmo interesse dos representantes das partes para classifio material por estas trazido, process -lo e form-lo com independncia. De tal sorconquanto lcito ao rgo judicial agir sponte sua com vistas a corrigir os fatoinveridicamente expostos ou suprir lacunas na matria de fato, a iniciativa das partes po

    exibir valor inestimvel e merece ser estimulada de modo a possibilitar a mais rpida e seguverificao do material probatrio. Volta a cena, assim, a necessidade da coope rao tanvezes mencionada: a atividade probatria haver de ser exercida pelo magistrado, no esubstituio das partes, mas juntamente com elas, como um dos sujeitos interessados resultado do processo . Claro est, porm, a total diversidade de i nteresses entre o rg judicial e as partes. O processo civil no atua no interesse de nenhuma das partes, mas pmeio do interesse de ambas. O interesse das partes no seno um meio, um estmulo, paque o Estado, representado pelo juiz, intervenha e conceda razo a quem efetivamente a te

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    concomitantemente satisfazendo o interesse pblico na atuao da lei para a justa composidos conflitos.

    Objeta-se que se o juiz determina, de ofcio, com absoluta liberdade, o tipo dprova a ser produzida e o faz no momento processual que lhe aprouver, estar jogando pterra toda a possibilidade de apreciao dos fatos sob o prisma da direo dada pelo nus fazer a prova (ou arcar com as conseqncias de opo por no produzi -la) ou poder cbastante freqncia desrespeitar a ocorrncia de precluso. A assertiva desconhece, nentanto, por um lado, o verdadeiro sentido do dogma do nus da prova, destinado como regde juzo a permitir a soluo da controvrsia somente quando no suficientemente provados fatos, hiptese possvel at em processo de corte exclusivamente inquisitivo. E esbarra, p

    outro, com o entendimento generalizado no sentido de inexistncia de precluso no tocanteiniciativa judicial ex officio para a realizao da prova, cuja n ica finalidade deve consiem melhor formar a convico do rgo julgador, matria de ordem pblica concernenteprpria atividade jurisdicional. Se, no entanto, os meios probatrios so empregados sesucesso, impe-se a aplicao da regra de juzo, seguro limite contra o arbtrio do juiz e mesmo tempo freio contra o esprito de litigiosidade das partes.

    A verdade que, em face da tomada de conscincia quanto ao inafastvecarter dialtico do processo, modificou -se de forma significativa o alcance do antibrocardo da mihi factum, dabo tibi ius.

    Antes de nada, afigura-se algo arbitrrio valorizar abstratamente a disquisiou o juzo sobre o fato, como se totalmente divorciados do juzo de direito. No somente exibe artificial a distino entre fato e direito porque no litgio fato e direito seinterpenetram , mas perde fora sobretudo no tema ora em exame, em virtude da

    necessidade do fato na construo do direito e da correlativa indispensabilidade da reg jurdica para determinar a relevncia do fato .

    Ademais, mostra-se evidente a relatividade da primeira parte do aforismo. Aindicao do material ftico da causa deixou de constituir tarefa exclusiva das parteCertamente, devem elas contribuir com os fatos essenciais, constituti vos da causa petencomo acima se assinalou. No recomendvel, contudo, proibir a apreciao dos fatosecundrios pelo juiz, dos quais poder, direta ou indiretamente, extrair a existncia ou mo

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    de ser do fato principal, seja porque constem dos auto s, por serem notrios, ou pertenceremexperincia comum. Conveniente, ademais, seja processada a apreciao dos fatos princippor iniciativa exclusiva do rgo judicial quando se refiram: a) a situao de direito pbliou de ordem pblica (assim, v.g., a matria concernente aos pressupostos processuais e chamadas condies da ao); b) a fatos jurdicos extintivos e impeditivos, incompatveis coa pretenso exercida (v.g., pagamento, confuso etc.), salvo se representativos de verdadeexceo em sentido substancial. E isto sem falar dos fatos constitutivos, modificativos extintivos do direito, capazes de influir no julgamento da lide, passveis de considerao p juiz at de ofcio no momento de proferir a sentena.

    5. Outro ponto extremamente sensvel concernente aos poderes do juiz liga -se

    valorizao do material ftico recolhido para prova das alegaes das partes, matria que curso da histria tem sido objeto de regulao ora mais ora menos rigorosa, de molde restringir ou facilitar a liberdade do rgo judicial no desempenho de tal tarefa, emconsonncia quase sempre com a confiana nele depositada e os valores imperantes na poc

    Em seu modelo ideal mais acabado o sistema da prova legal significa aminuciosa determinao dos critrios de apreciao da prova e concomitante limitao excluso a priori de determinadas provas, a que se subtrai crdito formal perante magistrado, com vistas a restringir ao mximo a liberdade judicial.

    Nos ordenamentos mais remotos, a exempl o do antigo processo germnico, sistema da prova legal refletia um enraizado sentimento de superstio mstica, incumbinao juiz a exclusiva funo de controlar com sua presena a regularidade da realizao dprovas, de modo a garantir acatamento ao resultado alcanado por meio da autoridade prpde seu ofcio. Nenhuma relevncia exibia ento a convico judicial, pois era crena geral

    que a prpria divindade decidia sobre justia e injustia na prova da cruz.

    Significativamente, por mais de quinhentos anos a praxe dos processositalianos observou e conservou princpios essencialmente peculiares ao antigo procesgermnico.

    A evoluo histrica voltou a atribuir ao juiz, a partir do sculo XII, com aintroduo do chamado processo romano -cannico ou comum, certa funo valorativlimitando contudo sua liberdade de juzo, observao e crtica pessoal . Semelhan

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    formalismo foi fortemente influenciado pela fragmentao do Estado e a debilitao da idde jurisdio como funo estatal, pul verizada entre diversos processos (populares, rgiimperiais, feudais, eclesisticos, comunais), sem falar na necessidade de obter o juiz a adessocial do grupo que representa.

    Papel importante deve ser tributado, ainda, ao hbito escolstico de pen sar argumentar imperante entre juristas, filsofos e naturalistas: o amor das distines sutis sobretudo, a tendncia de raciocinar por meio de dedues de princpios preestabelecidos, edetrimento da observao dos fatos, deveria necessariamente fav orecer a construo sistema probatrio totalmente apriorstico e formal, como o das provas legais. Dessa forma,

    buscava-se restringir o livre exerccio da funo judicial em face da doutrina escolstica

    imperfeio do homem e de sua natureza corrup ta, assim como da real periclitao honradez e da independncia jurisdicional nos embates polticos e econmicos daqueltempos.

    Em retrospectiva histrica, impossvel negar o grande aperfeioamento naadministrao da justia conquistado com a adoo do novo sistema de apreciao da proespecialmente em face do processo primitivo germnico, repleto de arbitrariedades prejuzos, por largamente contribuir para substituir a superstio pelo formalismo rigorosopermitir o controle formal do procedimento. No lugar da fora e do acaso, do duelo e d juzos de deus, passam a ser considerados elementos bem mais racionais e humanos. Mesmrigor formal, assinale-se, encontrava plena justificativa nas condies culturais e scieconmicas ento dominantes. Imperioso reconhecer, outrossim, que, em sociedade de modo estruturada, a fixao de certas normas de valorao numrica e formal das provaconquanto representasse, de um lado, uma espcie de codificao das desigualdades e determinados prejuzos e supersties, por outro tambm exprimia uma forma de barrei

    contra os excessos, ainda piores, que poderiam decorrer do arbtrio dos juzes e ao mesmtempo garantia contra a decadncia dos costumes judicirios da poca.

    Esse quadro s viria a se alterar com a cultura iluminstica e a renovao dmtodo cientfico, a incentivar mais acurada observao dos fatos e assim a livre investigado rgo judicial, fator acompanhado da progressiva superao do feudalismo e conseqenrestaurao da idia de Estado, com reflexo imediato na concepo moderna do procescomo relao de direito pblico, a avultar a dimenso do ofcio judicial.

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    Essa linha ascendente ganhou grande incentivo com a revoluo francesaaniquiladora da velha ordem, notadamente d o carter patrimonial e corrupto da jurisdiCom isso abriu-se espao ao futuro Code de Procdure Civile de 1806, de natureza clarasingela, caudatrio da oralidade e da publicidade, do princpio da soberania do juiz e dagilidade das formas, determinante por essas razes de enrgica reao contra o procescomum em quase todos os estados europeus.

    Cumpre, porm, advertir que o sistema francs, mesmo em sua culminnciano chegou a implantar plenamente o princpio da livre apreciao da prova. So mendiscusses doutrinrias posteriores, travadas ao ensejo da elaborao dos ordenamentprocessuais civis da Alemanha e da ustria, em vigor respectivamente em 1879 e 1898, n

    quais se introduziu a idia fundamental da oralidade, com todas suas conse qnci(concentrao, imediao, imutabilidade do juiz, livre apreciao da prova), conduziriamdefinitiva superao do modelo do processo comum, de carter escrito, diludo eminumerveis termos, fragmentado em mltiplos pronunciamentos parciais e res pectivpossibilidades de impugnao, inimigo jurado do contato direto do juiz com as partes e provas.

    Ademais, na passagem do direito comum s codificaes, o sistema da provlegal, alm de perder as caractersticas de fenmeno cultural e doutrinr io, ganhando feinormativa, sofre poderosa simplificao deixando de ser sistema para compreender apenas

    alguns meios de prova, com o que adquire fora o princpio geral do livre convencimento.

    Aspecto significativo, que em grande medida colabora para melhor entender passagem do sistema da prova legal doutrinria para a codificada, reside na diferena da

    apreciao realizada pelo rgo judicial. Se no direito comum o sistema da prova leg

    eliminava a discricionariedade subjetiva do juiz na atr ibuio de valor aos elementsingulares de prova, em compensao a estrutura do clculo por ele efetuado correspondiaestrutura da situao probatria especfica, geralmente aproximada situao processuverificada no caso concreto. Fenmeno semelha nte, porm, no ocorreu com a prova lecodificada ou com o seu maior ou menor resduo nos Cdigos que passaram a surgir.

    Certamente, comea-se a desconhecer as distines analticas e complicadas entre tipossubtipos, assim como as gradaes e fra es de valor, por meio dos quais os juristmedievais buscavam racionalizar a diversidade dos casos concretos. Por outro lado, porm

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    prova legal passa a fundar-se numa tcnica muito mais rgida e formalstica, embora cograndes caractersticas simplificadoras, na medida em que impe resultados vinculantesincontestveis a determinados tipos de prova. Elimina -se assim o problema do juzo de fatoque no ocorria com o sistema da prova legal do direito comum, embora procurasse este

    reduzir a margem de variabilidade subjetiva. No fundo, portanto, num primeiro momenpassa-se da racionalizao do sistema das provas para a formalizao vinculante da eficcda prova individual.

    A evoluo posterior manifesta -se totalmente no sentido de liberar cada vemais o juiz dessas cadeias, de sorte a lhe possibilitar mais livre apreciao da prova. Retornse, assim, racionalizao do sistema, mas em outro nvel qualitativo, com a manifes

    inteno de fazer cessar os vnculos formais na apreciao do mater ial probatrio, mediaprevalncia da verdade emprica extrada dos fatos da causa por meio da lgica e de critricientficos.

    Claro est, outrossim, que o problema do controle da livre apreciao da provaconsubstancia de forma aguda um evidente c onflito entre a liberdade do rgo judicial edireito de cidadania processual.

    Indubitvel, por um lado, que no se mostra admissvel, no presente estgiocivilizatrio, qualquer retrocesso no sentido de tarifar a apreciao do fato pelo juiSemelhante retrocesso traria como inafastvel conseqncia um indesejvel aumento dformalismo, distanciando o julgamento da verdade real ou material, ideal que deve ser sempbuscado.

    Por outro lado, impe-se adotar, como salvaguarda para melhor

    estabelecimento da verdade e paralelo anteparo contra o abuso da liberdade judicial a respeio controle da sociedade imbuda de valores democrticos.

    Em outras palavras, a cooperao exerce tambm aqui um papel relevante. Tase instrumentaliza por meio dos princp ios, garantias e tcnicas formadores do prprprocesso. E, realmente, visam eles, exatamente, no s facilitar o trabalho judicial, comtambm incrementar a colaborao das partes, a exemplo da imediatidade no debate e nrecepo da prova oral, do contraditrio e da presena dos interessados na produo d

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    provas . Ao mesmo tempo, o dever de motivar a sentena, o atendimento s formalidadestabelecidas em lei para a realizao da prova, a publicidade do procedimento, possibilidade de recursos em geral e o duplo grau de jurisdio, servem como anteparo arbtrio judicial, por limitar o carter pessoal da deciso e melhorar a sua objetividade.

    6. Finalmente, cumpre examinar questo de grande relevncia terica e prticaque diz respeito convenincia ou no de se conceder ao rgo judicial poderes para dispmais ou menos livremente, sobre o direito da parte. Nessa matria ressalta com fora a clatenso entre o direito processual e o direito material, porquanto corre este o risco de sucumem virtude de consideraes puramente formais . Trata -se, no fundo, de investigar o liamexistente entre a atividade judicial e o princpio dispositivo em sentido imprprio, ainda m

    que a participao exacerbada do rgo judicial pode conduzir a ab uso. E isso porqueprincpio dispositivo revela-se fundamental para a exata apreciao da dimenso dos podede iniciativa do juiz e das partes.

    Constitui princpio assentado de longa data caber parte a exclusiva iniciativde iniciar o processo e determinar a res in iudicium deducta, razo para j no direito romamedieval ter assumido foros de cidadania a mxima tradicional nemo iudex sine actore.

    Razes de poltica judiciria, em que ganha destaque o valor fundamental dimparcialidade, determinam a convenincia do total afastamento do rgo judicial tanto pedido quanto da indicao da causa petendi, pouco importando a natureza do direito ecausa, salvo contadas excees.

    Fundamento diverso, hoje um tanto descuidado e pouco mencionado, co nsisna prpria liberdade do indivduo, cuja iniciativa no agir perante a administrao judici

    impe-se totalmente independente do poder estatal: o cidado livre deve ficar plenamendesimpedido para alar o vo mais conveniente na defesa de seus dire itos.

    Associam-se a esse condicionamento da jurisdio provocao da parteatualmente denominado princpio da demanda, o princpio da exceo material (exceptioniuris), o de no poder o rgo judicial conceder tutela aqum, alm ou de natureza dive rsacontida no pedido da parte (ne eat judex ultra petita partium), o princpio da impugnao sentena s pelas partes e o princpio da disponibilidade privada do processo, para formar e

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    seu conjunto o que se convencionou denominar em doutrina prin cpio dispositivo em

    sentido material ou prprio. Todos representam limites formais aos poderes de que desfrutargo judicial, na verdade a maior barreira formal sua atividade.

    Outro aspecto relevante nessa seara, fundamentalmente informado pelaeconomia processual, desemboca na inalterabilidade do pedido e da causa de pedir, de fortradio no direito brasileiro. Ressalta aqui o interesse pblico em que a demanda trazida juzo seja resolvida o mais rapidamente possvel, e tambm o prprio carte r ordenador processo, a correr o risco de se transformar num novelo inextricvel se deixado ao alvedrdas partes a mudana do pedido ou da causa de pedir a qualquer hora.

    O interesse pblico manifesta-se no sentido de que a administrao da justise realize com presteza e funcionalidade, objetivo que poderia ficar inteiramentcomprometido se permitida a alterao, pois a nova demanda h de ser necessariamendiscutida no processo, reabrindo-se inclusive a possibilidade de prova a respeito, sob pe naa inovao causar surpresa e violar o princpio do contraditrio.

    Todavia, a experincia histrica mais moderna tem estabelecido brechas nessrigorismo formal, procurando coorden-lo com o princpio da economia processuaemprestando assim maior agilidade ao processo.

    Tpico exemplo desta orientao representado pelo 263 da OrdenanaProcessual alem, na redao de novela de 1933, ao permitir a modificao da demandindependente de anuncia do adversrio, se entendido pelo Tribunal estar a tendido o requida oportunidade (Sachdienlichkeit). A doutrina germnica considera decisivos para a

    aplicao desse conceito o interesse pblico no rpido desenvolvimento do processo ou

    exigncias de economia do juzo.

    Na mesma esteira, o 235, 3, da Ordenana Processual austraca, autoriza juiz a permitir a modificao da demanda se no de temer um retardamento relevante e

    um agravamento no desenvolvimento do processo .

    Tambm a Ordenana Processual de Berna, 94, admite a alterao da ao oda reconveno, sem o consentimento da parte contrria, se apoiada em causa de ped

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    semelhante anterior pretenso ou conexa com a exercida, desde considere o juiz ndecorrer da considervel agravamento ou demora no andamento da causa.

    Em tema de alterao do pedido, mantida a mesma causa de pedir, a lei alem ainda mais liberal, pois, consoante os trs incisos do 264 da Ordenana Processual, hipteses seguintes no configuram alterao da demanda: I puro e simples suprimento ouesclarecimento das alegaes de ordem ftica ou jurdica; II extenso ou limitao dopedido de fundo ou relativamente a algum crdito acessrio; III se, em virtude demodificao sucedida posteriormente, em lugar do objeto originariamente exigido pl eiteum outro objeto ou interesse. Consoante autorizada fonte doutrinria, no primeiro casinexiste conceitualmente qualquer modificao, pois, apesar da alterao das consideraes

    fato e de direito, o direito exercido permanece o mesmo. No segu ndo, compreendidopleito de juros da dvida j aforada pelo autor, no curso do processo, assim como transformao de ao declaratria em condenatria. Admite -se tambm o requerimento pretenses resultantes da mesma causa de pedir, das quais apena s uma havia sido aforaPor ltimo, acentua-se que o inciso III concerne a alteraes materiais ocorridas duranteprocesso, a exemplo do perecimento da coisa durante a litispendncia, permitindo -sesucessivo pedido de perdas e danos no mesmo process o.

    Nessa mesma perspectiva insere -se a interessante e original soluopreconizada na ampla e profunda reforma introduzida no processo civil portugus ocorrida e1995 e 1996 , em que se faculta, mesmo sem concordncia da outra parte (CPC portuguart. 273, incisos 1 a 6): a) a alterao ou ampliao da causa de pedir na rplica, se o procesa admitir, a no ser que a alterao ou a ampliao seja conseqncia de confisso feita peru e aceita pelo autor; b) a alterao ou ampliao do pedido na r plica, podendo, alm diso autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e ampli -lo at o encerramento da discusso

    1 grau de jurisdio se a ampliao consistir em desenvolvimento ou conseqncia do pediprimitivo; c) a ampliao ou alterao do p edido de aplicao de sano pecunircompulsria no caso de obrigaes de prestao de fato infungveis, ao abrigo do disposto art. 829, I, do Cdigo Civil, respeitados os termos do art. 273, 2, do CPC; d) ao autor requenas aes de indenizao fundadas em responsabilidade civil, at o encerramento da audinde discusso e julgamento em 1 grau de jurisdio, a condenao do ru em forma de renvitalcia ou temporria (art. 567 do Cdigo Civil), mesmo que inicialmente tenha pedido

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    condenao daquele em quantia certa; e) a modificao simultnea do pedido e da causa pedir, desde que tal no implique convolao para relao jurdica diversa da controvertida.

    Alis, em havendo acordo das partes, j a reforma de 1967, dando novaredao ao art. 272 do CPC portugus, autorizara a alterao ou ampliao do pedido e causa de pedir em qualquer altura do processo, tanto em 1 quanto em 2 grau de jurisdisalvo se ocorresse perturbao inconveniente da instruo, discusso e julgamento do p leito

    O direito brasileiro mostra-se bem mais rgido, porquanto realizada a citaoprobe-se o autor de modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do ru (a264, 1 parte, do CPC). Alm disso, depois do saneamento do processo em nenh uma hipt

    ser permitida tal alterao (art. 264, 2 parte, do CPC). Nada impede, porm, dentro dpermissivo legal do artigo 284 do CPC, antes da citao e mesmo por ordem do juiz, v.g.,adaptao da petio inicial de ao executiva para processo de conhecimento, ou vice-vepois, conforme o artigo 264 do CPC, o autor pode promover semelhante modificao.

    Do ponto de vista cooperativo, no estgio atual da histria brasileira, j estmais do que em tempo de se comear a pensar na reforma da legi slao processual, ppermitir-se a alterao do pedido e da causa de pedir nos termos da recente legislaprocessual portuguesa. Dessa forma, estimular -se-ia mais uma vez o desejvel dilogo entrrgo judicial e as partes, quebrando-se ao mesmo tempo um formalismo excessivo, que ntem mais razo de ser.