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0 0 1 7 6 4 3 1 6 2 0 1 3 4 0 1 3 6 0 0 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO Processo N° 0017643-16.2013.4.01.3600 - 1ª VARA FEDERAL Nº de registro e-CVD 00029.2014.00013600.2.00569/00033 Processo nº: 17643-16.2013.4.01.3600 (distribuído por dependência ao processo 13839- 40.2013.4.01.3600) Classe 7100 : Ação Civil Pública Autor : Ministério Público Federal Réus: IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e Empresa de Pesquisa Energética – EPE DECISÃO Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE) e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS MINERAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, objetivando provimento jurisdicional para determinar a suspensão do processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de São Manoel, sob pena de multa, bem como para impedir que o empreendimento vá a leilão. O MPF afirma, na inicial, em síntese, que a Usina Hidrelétrica (UHE) São Manoel está prevista para ser implantada na divisa dos Estados do Pará e Mato Grosso, no Rio Teles Pires, entre as hidrelétricas Teles Pires e Foz do Apiacás, em local situado a menos de 1 Km da Terra Indígena Kayabi (e próxima às Terras Indígenas Munduruku e Apiaká do Pontal e Isolados). Explica o Autor que na TI Apiaká do Pontal vive uma comunidade que optou pelo isolamento voluntário como estratégia de sobrevivência, em decorrência da traumática relação travada com não-índios. Sustenta ainda, que o Estudo de Componente Indígena da UHE São ________________________________________________________________________________________________________________________ Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006. A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207. Pág. 1/32

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PODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO

Processo N° 0017643-16.2013.4.01.3600 - 1ª VARA FEDERALNº de registro e-CVD 00029.2014.00013600.2.00569/00033

Processo nº: 17643-16.2013.4.01.3600 (distribuído por dependência ao processo 13839-

40.2013.4.01.3600)

Classe 7100 : Ação Civil Pública

Autor : Ministério Público Federal

Réus: IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis e Empresa de Pesquisa Energética – EPE

DECISÃO

Trata-se de ação civil pública, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela,

ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de EMPRESA DE PESQUISA

ENERGÉTICA (EPE) e INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E RECURSOS

MINERAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, objetivando provimento jurisdicional para determinar a

suspensão do processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de São Manoel, sob pena

de multa, bem como para impedir que o empreendimento vá a leilão.

O MPF afirma, na inicial, em síntese, que a Usina Hidrelétrica (UHE) São Manoel

está prevista para ser implantada na divisa dos Estados do Pará e Mato Grosso, no Rio Teles Pires,

entre as hidrelétricas Teles Pires e Foz do Apiacás, em local situado a menos de 1 Km da Terra

Indígena Kayabi (e próxima às Terras Indígenas Munduruku e Apiaká do Pontal e Isolados).

Explica o Autor que na TI Apiaká do Pontal vive uma comunidade que optou pelo

isolamento voluntário como estratégia de sobrevivência, em decorrência da traumática relação

travada com não-índios. Sustenta ainda, que o Estudo de Componente Indígena da UHE São

________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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Processo N° 0017643-16.2013.4.01.3600 - 1ª VARA FEDERALNº de registro e-CVD 00029.2014.00013600.2.00569/00033

Manoel e Foz do Apiacás revelou que a movimentação constante, nos arredores das Terras

Indígenas Kayabi e Pontal do Apiaká, à construção de barragens, poderá provocar aumento da

competição por recursos naturais, propiciando incremento de tensão entre os próprios grupos

indígenas. Nesse cenário os isolados ostentariam maior vulnerabilidade, bem como haveria um

componente capaz de acirrar ainda mais os conflitos socioambientais. Não bastasse isso, ainda

haveria aumento de contaminação com inúmeras doenças como leishmaniose, dengue, febre

amarela, malária e outras, causando contaminações que podem provocar epidemias. Estas, por seu

turno, podem reduzir significativamente o número de indivíduos desses grupos.

A título de remate, assevera que a construção vai romper o isolamento e impactar

direta e irreversivelmente os povos indígenas da TI Apiaká do Pontal e Isolados, impedindo-se o

direito das comunidades de conservar o autogoverno sobre o modelo de desenvolvimento que

reputem adequado.

Acompanham a inicial os documentos de fls. 22/93.

Antes de apreciar o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, determinou-se a

manifestação dos requeridos no prazo de 72 horas (f. 96).

Intimado, o IBAMA se manifestou às fls. 108/132, e juntou os documentos de fls.

137/180, oportunidade em que sustentou que houve efetiva participação da FUNAI no processo de

licenciamento da UHE São Manoel, de modo que os aspectos envolvendo os índios isolados foram

considerados no EIA/RIMA. Com isso, foram estabelecidas medidas mitigadoras, suficientes a

excluírem, de plano, a necessidade de paralisação do empreendimento. Salienta, ainda, que os

estudos não apontaram riscos. Não obstante, se futuramente forem vislumbrados riscos potenciais,

as medidas necessárias serão imediatamente incorporadas ao licenciamento.

Argumenta, também, que, apesar das considerações descritas no Estudo do

Componente Indígena da UHE São Manoel e Foz do Apiacás, não foram apresentados impactos

específicos relacionados aos índios isolados. Ressalta, entretanto, que, em atendimento às condições

impostas pela licença prévia, estão sendo realizados estudos sobre os índios isolados no âmbito do ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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licenciamento da UHE Teles Pires, cujos fatores se aplicam, da mesma forma, em relação à UHE

São Manoel, vez que se localizam na mesma microbacia hidrográfica.

Destaca, ademais, a regularidade do procedimento para a concessão da licença

prévia sob o aspecto formal e substantivo. Argumenta que nas ações civis públicas n. 14.123-

48.2013.4.01.3600 e 13.839-40.2013.4.01.3600, ajuizadas para discutir os impactos causados aos

povos indígenas presentes na região de instalação das usinas hidrelétricas, o TRF da 1ª Região

deferiu a suspensão dos efeitos da antecipação de tutela concedida na 1ª instância. Nas decisões, de

deferimento das suspensões, ficou consignando que caberia ao IBAMA avaliar a necessidade de

realização, ou não, de estudo de componente indígena. Por fim, repisa que a FUNAI participou do

procedimento de licenciamento da UHE São Manoel desde o início dos estudos, sendo que os

possíveis impactos foram devidamente considerados - não havendo que se falar em danos - pois o

empreendimento encontra-se na fase de licença prévia.

Intimada, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE se manifestou às fls. 183/201,

oportunidade em que colacionou aos autos os documentos de fls. 205/340, e, posteriormente, às fls.

343/361, apresentou contestação. Na sua manifestação sobre o pedido de antecipação dos efeitos da

tutela, a EPE alega que não há índios isolados na região onde será instalada a UHE São Manoel.

Afirma que os vestígios da suposta existência de índios isolados foram encontrados em uma

distância de 209 km do local da instalação da usina, de modo que a possibilidade de impactos sobre

as TI Apiaká do Pontal e Isolados é reduzida.

Aduz que, em 28/08/2013, encaminhou à FUNAI a Revisão dos Impactos dos

Estudos do Componente Indígena na UHE São Manoel, com a descrição e avaliação de todos os

impactos. Ainda houve a proposição de medidas e programas de controle, mitigação e

compensação, tendo sido incluído no estudo: (a) o impacto denominado ameaça física aos índios

isolados, (b) o Plano de Gestão Ambiental Indígena, que deverá estabelecer um comitê de

gerenciamento de risco para monitorar a possibilidade de interferência com os índios isolados. Esta

deverá ser comunicada imediatamente à Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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da FUNAI, cuja ação não é especifica em relação à TI Apiaká, mas também se aplica aos índios

isolados de maneira geral.

Assevera, ainda, que segundo o Resumo do Relatório de Identificação e

Delimitação da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados os vestígios de índios isolados mais

expressivos foram encontrados na porção central da TI, próximos aos cursos d’água que, na

realidade, pertencem à Bacia do Rio Juruena e não à Bacia do Rio Teles Pires. Desta forma, a

inclusão de estudos de impacto sobre essa comunidade indígena representa mais um alerta sobre a

necessidade de monitoramento desses grupos do que propriamente a identificação de um impacto

provocado pela usina.

Consigna ainda que o empreendimento não está localizado em terras indígenas,

motivo pelo qual prescinde de autorização do Congresso Nacional, com oitiva das comunidades

atingidas, como prevê o art. 231, § 3º da CF. Argumenta que a suspensão do processo de

licenciamento pode acarretar efeitos danosos. Estes vão desde o adiamento indevido da construção

da usina - que produzirá efeitos diretos na contratação da energia impedindo que se atenda à

demanda informada pelas concessionárias de distribuição - até o custo final da operação, pois a

substituição por outras fontes de energia possuem custos mais elevados. Isso, inexoravelmente, gera

o aumento da tarifa para o consumidor final. Tudo isso, caracterizaria o periculum in mora inverso

com a eventual concessão da medida liminar.

Sem embargo da argumentação já expendida, explica que o atraso implicará a

utilização da energia produzida pelas usinas térmicas, que, por usar combustível fóssil, emitem

gases poluentes que geram conseqüências muito mais danosas ao meio ambiente. Conclui dizendo

que o 2º Leilão de Energia A-5/2013 realizou-se em 13/12/2013, tendo ocorrido a perda do objeto

em relação a tal pedido.

Às fls. 383/398, a União requereu a sua integração na lide como litisconsorte

passiva. Na mesma oportunidade juntou os documentos de fls. 399/511. Ao se manifestar sobre o

pedido de antecipação dos efeitos da tutela, a UNIÃO sustentou que o licenciamento ambiental visa ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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a evitar danos irreparáveis, mitigar danos aceitáveis e eliminar danos desnecessários. Nesse

diapasão, os impactos eventualmente causados com a construção da UHE São Manoel aos indígenas

isolados estão sendo avaliados no processo de licenciamento ambiental, com a participação dos

órgãos competentes.

Afirma que diante dos vestígios de índios isolados encontrados na região, restou

determinada a realização de estudos no âmbito do licenciamento da UHE Teles Pires, que se

aplicam integralmente para a UHE São Manoel. Destaca que o ponto mais próximo entre o

empreendimento e a TI Apiakás é de 73 km. Esta distância supera o limite de 40 km fixados no

anexo II, da Portaria Interministerial n. 419/2011, quanto à presunção de interferência em terra

indígena. Aduz, ainda, que toda a estrutura e movimentação, para a construção da usina, estarão

voltadas para as cidades de Paranaíta, Alta Floresta e Cláudia, localizadas em sentido oposto ao das

terras indígenas. Argumenta que, diante da responsabilidade pelo fornecimento de energia elétrica,

lhe compete avaliar as alternativas existentes para o atendimento ao mercado nacional. Para isso,

precisa optar por medida que ofereça, simultaneamente, os menores impactos socioambientais e a

menor tarifa. Tudo de modo a compatibilizar tanto a preservação do meio ambiente, quanto os

interesses econômicos decorrentes da geração de energia de modo sustentável.

Conclusos os autos à apreciação do pedido liminar.

É o relatório. Fundamento e decido.

Na demanda vertente, a concessão da medida liminar, para o efeito de suspender o

licenciamento da UHE São Manoel, é medida que se impõe.

Senão vejamos.

Nos termos do disposto no art. 273, do Código de Processo Civil, a tutela

antecipada deverá ser concedida quando, existindo prova inequívoca hábil a convencer o

magistrado da verossimilhança das alegações deduzidas pela parte, houver fundado receio de dano

irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o

manifesto propósito protelatório do réu. ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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Prevê o § 2º do aludido dispositivo legal a impossibilidade de concessão da tutela

antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. O § 6º dispõe que

a medida poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles,

mostrar-se incontroverso.

Segundo Ernane Fidélis dos Santos:

“Conclui-se, pois, que, para a tutela antecipatória, diz-se que convencimento de

verossimilhança nada mais é do que um juízo de certeza, de efeitos processuais

provisórios, sobre os fatos em que se fundamenta a pretensão, em razão de

inexistência de qualquer motivo de crença em sentido contrário. Provas existentes,

pois, que tornam o fato, pelo menos provisoriamente, indene de qualquer dúvida.” 1

Carreira Alvim sublinha na mesma esteira:

“Esse trinômio – alegação, fato e prova – está indissoluvelmente ligado, para fins

de antecipação de tutela, porquanto, quando se fala em verossimilhança da

alegação tem-se por verossímil também o fato a que se refere e, igualmente, a

prova em que se apóia, ainda quando não haja necessidade de ser provado, em

face de alguma circunstância externa ao próprio fato (fato incontroverso, notório,

coberto por presunção legal absoluta, etc.)” 2

O fundamento da pretensão do MPF, de suspender o processo de licenciamento

ambiental da Usina Hidrelétrica de São Manoel, se assenta na necessidade de proteção de índios

isolados das comunidades presentes na Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados. Isso porque,

segundo afirma, a construção da usina hidrelétrica São Manoel, vai romper o isolamento e impactar,

direta e irreversivelmente, os povos indígenas da TI Apiaká do Pontal e Isolados. Tal

1 SANTOS, Ernane Fidélis. Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro, 1ª ed., 2ª tir., Belo Horizonte: Del Rey, p. 30 – sem grifos no original.2 ALVIM, Carreira. Código de Processo Civil Reformado, Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 110 – ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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empreendimento gerará o aumento de competição por recursos naturais, além da contaminação por

inúmeras doenças.

Com efeito, por ocasião da apreciação das medidas liminares - no âmbito das

ações civis públicas ajuizadas para discutir os impactos causados pela construção da usina aos

povos indígenas da região (Processos n. 14123-48.2013.4.01.3600 e 13839-40.2013.4.01.3600) -

salientei que, em questões como a posta no caso em liça, a interferência do Poder Judiciário, na

decisão administrativa de licenciamento do empreendimento, reveste-se de excepcionalidade.

Nessa senda, igualmente ao ocorrido naqueles autos, cumpre consignar que a

presente decisão liminar não visa a sindicar o mérito do ato administrativo: a opção governamental

pela matriz energética nacional.

Com efeito, a vontade do Poder Executivo, com legitimidade haurida do voto

popular, em linha de princípio, é infensa à apreciação judicial. Não se questiona a conveniência de

expedir licenças prévias e realizar os leilões com celeridade. Ao revés, se almeja, tão somente,

resguardar interesses legítimos das partes afetadas (stakeholders): tanto dos povos indígenas,

quanto dos investidores interessados no empreendimento.

Por isso, naquelas ocasiões, consignei que, a meu ver - na esteira da decisão do

Supremo Tribunal Federal na ADPF 45 - somente cabe o exame do mérito dos atos e decisões

administrativas em hipóteses excepcionais. Estas podem se dar em caso de grave afronta dos

direitos de minorias, em que não pode o Poder Judiciário se abster de efetivar o seu papel

contramajoritário, no contexto do paradigma pós-positivista, como ocorre no caso de violação de

direitos dos povos indígenas.

Destarte, da análise dos argumentos expendidos pelas partes, e da documentação

acostada aos autos, entendo que o deferimento da medida liminar pleiteada é medida que se impõe à

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Processo N° 0017643-16.2013.4.01.3600 - 1ª VARA FEDERALNº de registro e-CVD 00029.2014.00013600.2.00569/00033

proteção dos índios isolados, malgrado as alegações dos Réus com a tese da ausência de ocorrência

do impacto do empreendimento sobre os povos indígenas isolados.

Conforme o Resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação

da Terra Indígena Apiaká do Pontal e Isolados, publicado no Diário Oficial da União de 20/04/2011

(fls. 72/75), “Atualmente os Apiaká do Pontal ocupam mais intensamente as margens dos rios Teles

Pires e Juruena, no curso baixo, enquanto os vestígios da presença de índios isolados foram

encontrados em número mais expressivo na porção central da área, entre as cabeceiras e o curso

médio do Rio São Tomé e os igarapés da Eufrásia, das Almas, do Anil, São Tomezinho, São

Florêncio e Bração, esboçando-se a coexistência de dois padrões de ocupação em relação de estreita

complementaridade.”

Por sua vez, a UHE São Manoel tem previsão de instalação no trecho médio do

rio Teles Pires, na divisa entre os estados do Pará e Mato Grosso.

Segundo o relatório de Revisão e Complementação dos Estudos do Componente

Indígena da UHE São Manoel e Foz do Apiacás, de julho de 2011 (CD-ROM de fls. 77), os

principais impactos causados pela construção da UHE São Manoel sobre os componentes indígenas

presentes na região foram analisados segundo critérios de natureza do impacto, prazo de

permanência, reversibilidade, probabilidade de ocorrência, intensidade, significância e importância.

Relativamente à Comunidade Indígena Apiaká, transcrevo os impactos identificados, segundo os

critérios empregados no estudo:

1 - Interferência sobre a fauna e flora terrestre e os recursos

de caça: natureza do impacto - negativa; prazo de permanência -

permanente; reversibilidade – irreversível; probabilidade de ocorrência –

pouco provável, intensidade – baixa; significância – alta; importância –

baixa.

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2 - Interferência sobre a disponibilidade dos recursos de

pesca à jusante da barragem: natureza do impacto - negativa; prazo de

permanência - permanente; reversibilidade – irreversível; probabilidade de

ocorrência – certa, intensidade – alta; significância – alta; importância –

alta.

3 - Alteração da dinâmica fluvial - natureza do impacto -

negativa; prazo de permanência - permanente; reversibilidade –

irreversível; probabilidade de ocorrência – certa, intensidade – baixa;

significância – alta; importância – média.

4 - Aumento da Incidência de doenças na população

indígena: natureza do impacto - negativa; prazo de permanência -

permanente; reversibilidade – reversível; probabilidade de ocorrência –

provável, intensidade – baixa; significância – alta; importância – média.

5 - Criação ou intensificação de conflitos territoriais:

natureza do impacto - negativa; prazo de permanência - permanente;

reversibilidade – reversível; probabilidade de ocorrência – pouco provável,

intensidade – baixa; significância – alta; importância – média.

6 - Alterações nas relações dos índios com as atividades

econômicas - natureza do impacto - ambivalente; prazo de permanência -

permanente; reversibilidade – reversível; probabilidade de ocorrência –

provável; intensidade – baixa; significância – baixa; importância – baixa.

7 - Alterações na paisagem e perda de referenciais

socioespaciais e culturais - natureza do impacto - negativa; prazo de

permanência - permanente; reversibilidade – irreversível; probabilidade de

ocorrência – certa, intensidade – baixa; significância – alta; importância –

média.________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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No tocante à contaminação por doenças e possibilidade do surgimento de

conflitos, destaco excerto do Estudo de Componente Indígena da UHE:

“3.4 Aumento da incidência de doenças na população

indígena

3.4.1 Descrição do Impacto

Este impacto específico sobre o componente indígena está

associado à exposição dos povos indígenas a vetores de contaminação.

Contempla a sua fragilidade em relação a doenças comuns aos não índios,

seja por contágio direto (doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo)

ou indireto (doenças de veiculação hídrica, entre outras). A partir dos

possíveis impactos sobre a saúde identificados nos Estudos de Impacto

Ambiental das UHE de São Manoel e Foz do Apiacás, foram avaliadas as

possíveis consequências para os índios, naturalmente potencializadas pelas

alterações na dinâmica demográfica.

Uma das questões preocupantes no contato das populações

indígenas com não índios é a sua exposição a novos agentes de contaminação,

para os quais podem não possuir qualquer tipo de imunidade. No caso dos

novos empreendimentos, esse contato tende a aumentar significativamente,

em função dos contingentes populacionais atraídos e do conseqüente aumento

na circulação de pessoas nas proximidades da Terra Indígena Kayabi.

No que se refere aos recursos hídricos, a deterioração da

qualidade da água a jusante das barragens pode expor os índios a

contaminações de diversas naturezas, uma vez que se trata de um recurso

importante para muitas atividades, inclusive para o consumo humano direto.________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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Na avaliação também é levada em conta a possibilidade de

maior disseminação de doenças nos arredores dos empreendimentos. O

processo de desmatamento que tem início na fase de implantação das usinas,

a entrada de pessoas em ambiente de mata e a posterior formação do

reservatório tendem a aumentar a possibilidade de incidência de doenças

como malária, leishmaniose, dengue, febre amarela e outras. Diante da maior

proximidade entre índios e não índios e do possível aumento da prostituição,

pode aumentar o risco dos índios contraírem doenças sexualmente

transmissíveis.

Neste contexto, deve-se conceder atenção ainda maior aos

índios isolados na área do Pontal, naturalmente mais frágeis aos novos

vetores de contaminação. Apesar de mais distantes das áreas dos

empreendimentos, as mudanças previstas os colocam em uma situação de

maior risco, uma vez que é possível o deslocamento de outros grupos

indígenas que tenham tido contato com não índios.

Trata-se, então, de um impacto de natureza negativa que

tem início na fase de planejamento, a partir da atração dos primeiros fluxos

migratórios. Acentua-se na fase de implantação, por conta das condições

favoráveis à proliferação de insetos durante a construção, da maior exposição

de trabalhadores à contaminação e do contato mais freqüente dessas pessoas

com os índios. Na fase de operação este impacto pode se atenuar, com a

redução do número de trabalhadores em contato com os índios. É um impacto

permanente e reversível. Sua intensidade e a probabilidade de ocorrência

variam de acordo com o porte dos empreendimentos e o número de

trabalhadores durante as obras, a distribuição e concentração dos Kaiabi,

Munduruku e Apiaká nas proximidades dos empreendimentos, bem como as ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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relações estabelecidas entre cada uma das etnias e os não índios. (fls.

266/267).

(...)

3.5 Criação ou intensificação de conflitos territoriais

3.5.1 Descrição do Impacto

Este impacto está relacionado à disputa por território entre

os índios e os não índios presentes nas proximidades das Terras Indígenas, e

aos conflitos pelo uso dos recursos naturais disponíveis na região. Trata-se de

um contexto fundiário complexo, conforme descrito de forma detalhada na

Revisão do Conteúdo Antropológico e também exposto a frentes de ameaça

pela expansão de atividades produtivas, como indica a Caracterização de

Microbacias e Indicação das Áreas de Vulnerabilidade (uma das frentes de

ameaça identificada exerce pressão ao Sul da TI Kayabi). De um lado, a luta

dos índios pela demarcação e homologação das terras que afirmam ocupar há

mais de dois séculos e, do outro, a reivindicação de não índios para que seja

reconhecida a legitimidade de suas atividades e o direito à propriedade de

áreas que, no passado, foram incentivados a ocupar.

Além do alcance político desta questão, que extrapola o

âmbito regional, tais conflitos se traduzem, localmente, em ocupações

irregulares e invasões, ou na extração ilegal e uso de recursos disponíveis

dentro dos limites das Terras Indígenas, em um ambiente de ameaças e

crescente tensão. Os conflitos obedecem a uma dinâmica particular de uma

rede de relações complexas entre as diversas etnias e entre índios e não índios

que desenvolvem diferentes atividades na região, como pousadeiros,

garimpeiros, posseiros, fazendeiros e madeireiros.

Acredita-se que a introdução de um novo vetor de ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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desenvolvimento em uma região tensa e frágil, do ponto de vista fundiário,

poderá desencadear novos conflitos e acirrar aqueles existentes, uma vez que

provoca um aumento significativo da população e tende a estimular as

atividades ali presentes, como a pecuária, o turismo, a pesca, o garimpo e a

extração de madeira, assim como a compra e venda de terras para fins

especulativos.

Trata-se de um impacto negativo, que tem início na fase de

planejamento dos empreendimentos e se estende pelas fases de implantação e

operação. Todavia, a tendência é que este impacto seja mais intenso na fase

de implantação, em função da presença de um maior número de trabalhadores

e da realização simultânea de diversas atividades. Este impacto é permanente,

mas reversível. A intensidade e a probabilidade de ocorrência foram avaliadas

de acordo com a proximidade das usinas em relação à área em que se

concentram os principais conflitos, a situação fundiária das Terras Indígenas

envolvidas e a sua distância dos empreendimentos4, a distribuição e

concentração de aldeias das diferentes etnias, bem como o grau de

envolvimento de cada uma delas nestes conflitos. (fls. 271/272).

Portanto, em que pese os isolados se encontrem mais distantes do local onde será

construída a usina São Manoel, certo é que sofrerão os impactos da implantação do

empreendimento.

Nesse contexto, a análise do impacto sobre os povos isolados não pode se limitar

à tacanha e matemática verificação da distância geográfica da TI em que estão localizados os índios

isolados e a usina. Há a possibilidade de impactos diretos e indiretos mesmo com centenas de

quilômetros de distância, conforme se extrai da leitura do Estudo do Componente Indígena, que foi

produzido por uma das Rés, Empresa de Pesquisa Energética. ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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Vale ressaltar ainda a fundamentalidade de análise dos impactos globais,

produzidos pelo conjunto de empreendimentos da região, já que a Usina Hidrelétrica São Manoel é

apenas uma das diversas usinas que estão sendo programadas para serem instaladas na bacia do rio

Teles Pires. Com efeito, prevê-se a execução de um complexo hidrelétrico formado por, pelo menos,

sete empreendimentos: UHE Teles Pires, UHE Colíder, UHE Sinop, UHE São Manoel, UHE Foz do

Apiacás, UHE Magessi e UHE Salto do Apiacás.

Com essas razões, tenho que, os fatos trazidos na presente ação mostram-se aptos

a robustecer e corroborar a verossimilhança das alegações das demais ações ajuizadas nesta Vara

(Processos n. 14123-48.2013.4.01.3600 e 13839-40.2013.4.01.3600) e o periculum in mora, capaz

de impossibilitar ou tornar ineficaz a prestação jurisdicional ao final do processo, ante o fato

consumado da construção do empreendimento.

De outro turno, já registrei em decisão anterior que não se pode olvidar a

necessidade de novas fontes de geração de energia para o país. Nesse contexto, obras de infra-

estrutura que viabilizem o crescimento econômico do país têm sido realizadas; inclusive no bojo da

política governamental denominada “Programa de Aceleração do Crescimento”, como a usina São

Manoel.

No entanto, o Poder Judiciário não pode tolerar, sob o pretexto da necessidade de

desenvolvimento célere, fazer tábula rasa do marco regulatório vigente à construção de usinas -

mormente a Resolução 01/86 do CONAMA e o princípio da precaução - em que haja povos

indígenas afetados.

Nesse caso, é inadmissível a imposição da aceleração de um procedimento

complexo de licenciamento, que ignore os impactos socioambientais sobre as comunidades com

povos indígenas isolados.

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Ressalto, conforme já sustentei nas decisões anteriores, que o complexo

hidrelétrico que se pretende construir, põe em certa medida, de forma contraposta, importantes

valores que precisam ser harmonizados a partir de um amplo processo de debate, comunicação,

publicização e negociação.

De um lado estão os valores do necessário e preciso desenvolvimento econômico,

com a geração não só de energia elétrica, mas de toda uma cadeia de riquezas oriunda da

infraestrutura decorrente do complexo hidrelético, que tem enorme potencial não só de alavancar a

economia local, mas também colaborar para a consolidação da matriz energética do País.

De outro lado, estão valores de igual grandeza, quais sejam, não só a preservação

ambiental, que tem como característica ínsita o aspecto intergeracional, ou seja, pode produzir

impactos entre diversas gerações, bem como a necessidade de se preservar e respeitar os direitos das

comunidades indígenas, que são afetadas pelos impactos diretos e indiretos do complexo

hidrelético.

Postos em relevo tais valores (necessidade do desenvolvimento econômico e

formatação de uma matriz energética; preservação ambiental; e respeito aos direitos indígenas),

importante se faz a modulação da atuação estatal, a fim de que toda e qualquer ação, seja tomada

com a mais absoluta reflexão, visando ao afastamento dos riscos previsíveis.

Quanto ao afastamento dos riscos é preciso que as decisões, seja do IBAMA, ao

deferir a Licença Prévia, da EPE, ao habilitar tecnicamente o projeto, e da FUNAI, ao opinar sobre

o Estudo de Componente Indígena, sejam fundadas na melhor informação científica disponível.

Em reforço à argumentação já expendida, trago à baila os itens 9 e 10 da ementa

do julgado paradigmático, exarado pelo Supremo Tribunal Federal, no caso Raposa Serra do Sol em

que restou consignado que o desenvolvimento sempre deve levar em conta os direitos dos índios a

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partir da efetiva consideração do modo de vida das minorias:

9. A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO

AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. Os arts. 231 e 232

da Constituição Federal são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária,

própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo

tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o proto-

valor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de

desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais

de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que

lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente

poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural. Processo de

uma aculturação que não se dilui no convívio com os não-índios, pois a

aculturação de que trata a Constituição não é perda de identidade étnica, mas

somatório de mundividências. Uma soma, e não uma subtração. Ganho, e não

perda. Relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos culturais

incessantemente cumulativos. Concretização constitucional do valor da inclusão

comunitária pela via da identidade étnica.

10. O FALSO ANTAGONISMO ENTRE A QUESTÃO INDÍGENA E O

DESENVOLVIMENTO. Ao Poder Público de todas as dimensões federativas o

que incumbe não é subestimar, e muito menos hostilizar comunidades indígenas

brasileiras, mas tirar proveito delas para diversificar o potencial econômico-

cultural dos seus territórios (dos entes federativos). O desenvolvimento que se ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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fizer sem ou contra os índios, ali onde eles se encontrarem instalados por modo

tradicional, à data da Constituição de 1988, desrespeita o objetivo fundamental do

inciso II do art. 3º da Constituição Federal, assecuratório de um tipo de

“desenvolvimento nacional” tão ecologicamente equilibrado quanto humanizado e

culturalmente diversificado, de modo a incorporar a realidade indígena.

Nesse contexto, tem-se por inconstitucional desenvolvimento sem ou contra os

índios.

De toda forma, no contexto de busca de equilíbrio e conformação entre

desenvolvimento, meio ambiente sadio, e preservação de direitos dos povos indígenas isolados,

torna-se também imperioso lançar-se mão do princípio da precaução: ou seja, havendo incerteza

científica e em decorrência, inexistindo segurança das prováveis consequências de uma atividade,

há de se repensar ou, no mínimo, adiar tal atividade.

Por isso, não se pode admitir, no presente momento, a continuidade do

licenciamento da UHE São Manoel, sob pena de malferimento dos artigos 216 e 231 da

Constituição, a permitir um etnocídio da minoria dos índios isolados pela sociedade envolvente.

Nessa quadra, a vontade da Constituição é de preservação e fomento do

multiculturalismo; e não da produção de um assimilacionismo e integracionismo, de matriz

colonialista, impostos pela vontade da cultura dominante em detrimento dos modos de criar, fazer e

viver dos índios isolados (art. 216, II, da Constituição).

Ainda, repiso que, a meu ver, no caso da UHE São Manoel, se mostram ilógicas e

açodadas, do ponto de vista do princípio da precaução, tanto a expedição de licença prévia quanto a

realização de leilão, já efetivados, em vez de envidar esforços para sanar todas desconformidades

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existentes e já identificadas.

Os índios isolados possuem relação intrínseca com a terra e o meio ambiente em

que vivem. Por isso, a invocação do princípio da precaução.

O princípio da precaução orienta o direito ambiental e visa a garantir a atuação

cautelosa com relação a intervenções no meio ambiente, evitando impactos ambientais e

socioculturais adversos, que muitas vezes são irreversíveis. Tal princípio foi originariamente

previsto no Princípio n.º 15 da Declaração do Rio de 1992, nos seguintes termos:

“Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo

com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos

sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica total

como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para

evitar a degradação ambiental”.

Da mesma forma, tal princípio, alia-se ao já mencionado e conhecido aspecto da

intergeração do Direito Ambiental, previsto no inciso IV do §1º do art. 225 da Constituição Federal,

que assim dispõe:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder

Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e

futuras gerações.

(...)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente

causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de

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impacto ambiental, a que se dará publicidade;

A razão de tal previsão é o fato de a maioria dos danos causados ao meio ambiente

serem irreparáveis. E, por via de consequência, com os danos ambientais, os danos socioculturais da

comunidade indígena que optou pelo isolamento da sociedade majoritária. Portanto, diante do

duvidoso, deve prevalecer o meio ambiente equilibrado e a higidez do modo de vida da comunidade

indígena isolada afetada, em detrimento do lucro.

Em termos de perigo da demora, cumpre consignar que, após a realização do

leilão e com a continuidade do processo de licenciamento, o governo afiança ao mercado que todas

as etapas anteriores à Licença Prévia já foram superadas, sendo que os impactos sobre os índios

isolados, comprovados por meio dos Estudos do Componente Indígena, estão sendo ignorados.

Além do argumento econômico e consequencialista, o dano sociocultural e

ambiental, pode vir a se tornar irreversível, com o início das obras.

A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, ratificada

pelo Decreto Legislativo nº 143, de 20/06/2002 e promulgada pelo decreto nº 5051, de 19/04/2004,

garantiu a participação dos povos indígenas em ação que visa proteger os seus direitos, ao dispor

em seus arts. 2º e 6º o seguinte:

Art. 2º

1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a

participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com

vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua

integridade.

2. Essa ação deverá incluir medidas:

a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos

demais membros da população;

(...)

Art. 6º

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados

e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que

sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-

los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam

participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da

população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições

efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas

políticas e programas que lhes sejam concernentes;

(...) – (grifei)

Impende ainda trazer à baila o artigo 13 da referida Convenção, que exige dos

órgãos governamentais, inclusive do IBAMA e da Empresa de Pesquisa Energética, o respeito para

valores culturais do habitat ocupado pelos indígenas.

Artigo 13

1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os governos

deverão respeitar a importância especial que para as culturas e valores espirituais ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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dos povos interessados possui a sua relação com as terras ou territórios, ou com

ambos, segundo os casos, que eles ocupam ou utilizam de alguma maneira e,

particularmente, os aspectos coletivos dessa relação.

2. A utilização do termo "terras" nos Artigos 15 e 16 deverá incluir o

conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat das regiões que os

povos interessados ocupam ou utilizam de alguma outra forma.

Registre-se, por oportuno, que a Emenda Constitucional nº 45/2004 equiparou os

tratados internacionais que versam sobre direitos humanos aprovados em cada casa do Congresso

Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos, às emendas constitucionais. A despeito da

Convenção nº 169 da OIT não ter sido submetida ao referido quórum de votação, o STF firmou

entendimento no sentido de considerá-la de caráter supralegal (RE 349703, Rel. Min. Carlos Britto,

Tribunal Pleno, 03/12/2008).

O e. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no que se refere à UHE Teles Pires,

na mesma região do caso vertente, censurou a apressada política governamental, que desconsidera o

supracitado princípio da precaução, bem como, a possível interferência nas comunidades indígenas

Kayabi, Munduruku e Apiaká.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO, AMBIENTAL E

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXPLORAÇÃO DE

RECURSOS ENERGÉTICOS EM ÁREA INDÍGENA. UHE TELES

PIRES. LICENÇA DE INSTALAÇÃO. AUTORIZAÇÃO DO

CONGRESSO NACIONAL E AUDIÊNCIA PRÉVIA DAS

COMUNIDADES INDÍGENAS AFETADAS. INEXISTÊNCIA.

VIOLAÇÃO À NORMA DO § 3º DO ART. 231 DA CONSTITUIÇÃO

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FEDERAL. EIA/RIMA VICIADO E NULO DE PLENO DIREITO.

AGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA DA

IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE AMBIENTAL (CF, ART. 37,

CAPUT). ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. CONCESSÃO. VIOLAÇÃO AO

ART. 2º DA LEI Nº. 8.437/92 E AO ART. 63 DA LEI Nº. 6.001/73. NÃO

OCORRÊNCIA. CONTROLE JUDICIAL DO ATO IMPUGNADO EM

SEDE DE SUSPENSÃO DE SEGURANÇA E DE AGRAVO DE

INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE PREJUDICIALIDADE.

DESISTÊNCIA RECURSAL. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

E DIFUSO. INDEFERIMENTO. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL.

EMPREENDIMENTO HIDRELÉTRICO DE ABRANGÊNCIA

REGIONAL. PRELIMINARES DE NULIDADE PROCESSUAL POR

AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO

NECESSÁRIO E DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. REJEIÇÃO.

(...)

IX - Na ótica vigilante da Suprema Corte, "a incolumidade do meio

ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar

dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se

se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina

constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais,

àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que

traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de

meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de

meio ambiente laboral (...) O princípio do desenvolvimento sustentável,

além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra

suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as

exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a

invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre

valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja

observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos

mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio

ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser

resguardado em favor das presentes e futuras gerações" (ADI-MC nº

3540/DF - Rel. Min. Celso de Mello - DJU de 03/02/2006). Nesta visão de

uma sociedade sustentável e global, baseada no respeito pela natureza, nos

direitos humanos universais, com abrangência dos direitos fundamentais à

dignidade e cultura dos povos indígenas, na justiça econômica e numa

cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida,

numa perspectiva intergeracional, promulgou-se a Carta Ambiental da

França (02.03.2005), estabelecendo que "o futuro e a própria existência da

humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio

ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo

sua preservação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses

fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da

pessoa humana e o progresso das sociedades estão sendo afetados por certas

modalidades de produção e consumo e pela exploração excessiva dos

recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do

princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um

desenvolvimento durável.

X - A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda

coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia

qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso

comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos

normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o

potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a

decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção

(pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa,

ela deve ser evitada). No caso concreto, impõe-se com maior rigor a

observância desses princípios, por se tratar de tutela jurisdicional em que se

busca, também, salvaguardar a proteção da posse e do uso de terras

indígenas, com suas crenças e tradições culturais, aos quais o Texto

Constitucional confere especial proteção (CF, art. 231 e §§), na linha

determinante de que os Estados devem reconhecer e apoiar de forma

apropriada a identidade, cultura e interesses das populações e comunidades

indígenas, bem como habilitá-las a participar da promoção do

desenvolvimento sustentável (Princípio 22 da ECO-92, reafirmado na Rio +

20).

XI - Nos termos do art. 231, § 3º, da Constituição Federal, "o

aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a

pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser

efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as

comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados

da lavra, na forma da lei".

XII - Na hipótese dos autos, a localização da UHE Teles Pires encontra-

se inserida na Amazônia Legal (Municípios de Paranaíta/MT, Alta

Floresta/MT e Jacareacanga/PA) e sua instalação causará interferência ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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direta no mínimo existencial-ecológico das comunidades indígenas

Kayabi, Munduruku e Apiaká, com reflexos negativos e irreversíveis

para a sua sadia qualidade de vida e patrimônio cultural em suas terras

imemoriais e tradicionalmente ocupadas, impondo-se, assim, a prévia

autorização do Congresso Nacional, com a audiência dessas

comunidades, nos termos do referido dispositivo constitucional, sob

pena de nulidade da licença de instalação autorizada nesse contexto de

irregularidade procedimental (CF, art. 231, § 6º).

XIII - De ver-se, ainda, que, na hipótese dos autos, o EIA/RIMA da

Usina Hidrelétrica Teles Pires fora elaborado pela empresa pública

federal - EPE, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com

capital social e patrimônio integralizados pela União (Lei 10.847, de

15/03/2004, arts. 1º e 3º), totalmente comprometida com a realização do

Programa de Aceleração Econômica (PAC) do Poder Público Federal,

que é o empreendedor, o proponente e o executor desse projeto

hidrelétrico, licenciado pelo Ministério do Meio Ambiente, através do

IBAMA, como órgão da administração indireta do próprio Governo

Federal. Nesse contexto, o licenciamento ambiental das usinas

hidrelétricas situadas na bacia hidrográfica do Rio Teles Pires, na

Região Amazônica, é totalmente viciado e nulo de pleno direito, por

agredir os princípios constitucionais de ordem pública, da

impessoalidade e da moralidade ambiental (CF, art. 37, caput).

XIV - Agravo de instrumento desprovido, para restabelecer a eficácia plena

da decisão recorrida, na dimensão do artigo 512 do CPC. Numeração Única:

AG 0018341-89.2012.4.01.0000 / MT; AGRAVO DE INSTRUMENTO, r.

Des. Fed. Souza Prudente, 10/08/2012 e-DJF1 P. 823, grifos nossos________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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Ainda, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, recentemente, no mesmo

sentido da presente decisão, também não se furtou em reconhecer a

necessidade de consideração pelo Poder Judiciário da preservação do modo

de vida das comunidades indígenas afetadas, na hipótese de construção de

usinas hidrelétricas.

No mesmo sentido caminhou o e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no que

se refere à UHE Mauá.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. UHE MAUÁ. COMUNIDADES

INDÍGENAS. AFETAÇÃO. COMPROVAÇÃO. PODER JUDICIÁRIO.

RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. LICENCIAMENTO

AMBIENTAL. ENTIDADE ATRIBUÍDA. IBAMA. VALOR DA CAUSA.

CRITÉRIOS OBJETIVOS. MPF. INTERESSE DE AGIR. NULIDADE

PROCESSUAL. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. DANO

MORAL COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. EXTENSÃO.

AMPLITUDE. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OFENSA A

PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROVA DA MÁ-FÉ.

INEXISTENTE. TERMO DE REFERÊNCIA. EIA/RIMA. EXISTÊNCIA.

CADASTRO TÉCNICO FEDERAL. CANCELAMENTO.

DESNECESSIDADE.

1. Havendo elementos probantes seguros acerca da influência indígena na

região de instalação da Usina Hidrelétrica de Mauá, sobretudo na Bacia do

Rio Tibagi, prudente se apresenta o reconhecimento da irregularidade tópica

na obtenção do licenciamento ambiental pela entidade empreendedora do

complexo, que desconsiderou os gravames (ou alterações do modo de vida e

das tradições) incidentes sobre as comunidades indígenas atingidas ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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(Mococa, Queimadas, Apucaraninha, Barão de Antonina, São Jerônimo,

Pinhalzinho, Laranjinha e Yvyporã-Laranjinha).

2. Verificada a influência das obras da UHE Mauá sobre área indígena,

não há como afastar a possibilidade de reconhecimento, pelo Poder

Judiciário, da necessidade de preservação das respectivas culturas, uma

vez que a CRFB, em seu artigo 231, assevera que "são reconhecidos aos

índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e

os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,

competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os

seus bens".

3. Não cumprindo a União com o seu dever constitucional de demarcar

áreas indígenas (aliás, inobservando prazo constitucional - artigo 67 do

ADCT), cabe ao Poder Judiciário atuar em prol dos direitos fundamentais

das comunidades impactadas por relevante empreendimento energético, na

forma do artigo 5º, XXXV, da Carta Política.

4. A intervenção judicial, em hipóteses tais, encontra amparo tanto na

CRFB, quanto em norma internacional convencional que se compatibiliza

com os preceitos da Carta Magna pátria (Convenção OIT n. 169).

5. Apurada a existência de reflexos das obras de instalação da UHE Mauá

sobre áreas indígenas e reconhecido que a localidade objeto de estudo se

caracteriza como território indígena, sobreleva-se a atribuição do IBAMA

para o respectivo licenciamento ambiental, nos termos da Lei n. 6.938/1981

e da Resolução CONAMA n. 237/1997, interpretadas na esteira da CRFB

(sobretudo quando verificadas irregularidades no licenciamento levado a

efeito por entidade ambiental estadual).

6. Quando a valoração da causa encontra amparo em documentos acostados ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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aos autos, denotando a observância, pelo autor, de critérios objetivos na

apuração dos reflexos econômicos da demanda, inexiste ofensa às

disposições do artigo 259 do CPC.

7. O provimento jurisdicional postulado pelo autor é útil (pois os efeitos da

sentença prolatada vão ao encontro da proteção do meio ambiente e da

comunidade indígena impactada) e necessário (pois inexistente meio menos

invasivo de obtenção do resultado prático equivalente). Há, portanto,

interesse de agir, na forma do artigo 3º do CPC.

8. A razão de ser do ajuizamento da demanda originária está contida nas

irregularidades verificadas na obtenção do licenciamento ambiental (UHE

Mauá) pelas partes envolvidas. Ou seja, havendo indícios de ilegalidade (ou

ausência de juridicidade), não há como deixar de reconhecer o interesse de

agir do autor e a plena viabilidade de exame judicial da matéria

(inteligência, ademais, do enunciado n. 473 da súmula de jurisprudência

dominante do Supremo Tribunal Federal).

9. A utilização de elementos de convicção não constantes dos autos como

mera forma de reforço de argumentação não ofende o contraditório e a

ampla defesa, mormente quando a fundamentação esta baseada, à exaustão,

em provas produzidas em contraditório judicial.

10. Verificada a omissão da empreendedora em abranger, nos estudos

prévios, os impactos do empreendimento sobre o modo de vida das

comunidades indígenas atingidas, mostra-se de rigor a respectiva

condenação ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais

coletivos, pois inexistente causa excludente de responsabilidade na

situação concreta em apreciação.

11. A natureza da responsabilidade reconhecida na origem, ademais, é ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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objetiva, consoante redação expressa do artigo 14, §1º, da Lei n.

6.938/1981.

12. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o dano

ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente

falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão

do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios

processos ecológicos em si considerados).

13. Quando a fixação do quantum indenizatório está em acordo com a

extensão do dano moral coletivo, inviável a respectiva redução, sob pena de

ofensa à legislação ordinária, à revelia de base fática ou axiológica.

14. A extensão subjetiva do dever de indenizar decorre das disposições

expressas do artigo 927, caput, do Código Civil: "Aquele que, por ato ilícito

(arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

15. A mera cumulação de cargo público e função em Conselho Fiscal de

entidade privada, por si só, não é suficiente para impor ao administrador o

sancionamento delineado na Lei de Combate à Improbidade Administrativa,

pois o próprio Supremo Tribunal Federal, em julgado paradigmático, já

indiciou a regularidade de atuação cumulativa em hipótese similar (ADI n.

1.485/DF).

16. Para o reconhecimento do atuar ímprobo, faz-se necessária a

demonstração concreta, em juízo, da má-fé do agente público, sob pena de

indesejada responsabilização objetiva. Precedentes.

17. A normatização ambiental de regência (Resolução CONAMA 01/1986,

artigo 6º, parágrafo único; e Resolução CONAMA 237/1997, artigo 10, I)

não faz menção a "Termo de Referência", referindo-se apenas à definição,

pelo órgão ambiental competente, com a participação do empreendedor, dos ________________________________________________________________________________________________________________________Documento assinado digitalmente pelo(a) JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO ILAN PRESSER em 28/04/2014, com base na Lei 11.419 de 19/12/2006.A autenticidade deste poderá ser verificada em http://www.trf1.jus.br/autenticidade, mediante código 5413223600207.

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documentos, projetos e estudos ambientais necessários para analisar a

viabilidade ambiental do projeto, devendo o órgão ambiental competente

fornecer informações adicionais que se fizerem necessárias.

18. Embora tenham sido reconhecidas deficiências em EIA/RIMA

(sobretudo por conta da incorreta definição da área de influência do projeto

da UHE Mauá, especialmente no tocante aos impactos sobre as populações

indígenas e sobre os levantamentos de impactos sobre a qualidade da água e

o abastecimento dos municípios da Bacia do Tibagi), não há necessidade de

reconhecer-se a inexistência do próprio documento ou a nulidade do

despacho ANEEL n. 433, uma vez que o próprio IBAMA, por meio de

Informação Técnica, assegurou que os limites definidos no Estudo não são

imutáveis.

19. A atualizada redação do artigo 11, caput, da Resolução n. 237/1997 do

CONAMA expressa que "os estudos necessários ao processo de

licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente

habilitados, às expensas do empreendedor". Ou seja, não mais se exige que a

equipe técnica responsável pelo projeto seja independente do proponente.

Apelação Cível, 5012980-68.2012.404.7001, Terceira Turma, 04/09/2013

Por isso, ainda no que se refere ao perigo da demora, a questão posta aos autos

visa a justamente evitar a ocorrência de um licenciamento feito de forma viciada, como ocorreu no

caso supracitado da Usina Hidrelétrica Mauá, cf. itens 1 e 10 de sua ementa.

Nessa esteira, quanto ao pleito de impedir que a UHE São Manoel vá a leilão de

energia A-5/2013, resta prejudicado o pedido, tendo em vista que o certame ocorreu em 13/12/2013.

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Nada obstante isso, a suspensão do licenciamento concedido mostra-se viável,

para evitar o avançar da marcha do processo de licenciamento. Com isso, se evita que a construção

do empreendimento acarrete às comunidades indígenas isoladas os danos previstos no Estudo de

Componente Indígena e outros não anotados naquele documento.

Com essa decisão impede-se, ainda, que as questões, discutidas nos presentes

autos, se resolvam em futuras compensações meramente patrimoniais, diante da irreversibilidade da

construção do empreendimento, com a consumação de um etnocídio, culminando-se em crônica de

uma tragédia anunciada.

Estas eventuais indenizações, seja para os índios, seja para um possível

arrematante, além de onerar o erário (já que o empreendedor e proponente do projeto é a EPE, ente

público), a depender do estado em que a obra chegar, sequer teriam o condão de gerar uma

reparação específica aos interesses dos povos afetados, de molde que podem vir a gerar dano

sociocultural irreparável aos índios isolados.

Tal dano virá de encontro tanto à vontade constitucional - máxime em seus artigos

216 e 231 – quanto à supralegal, nos termos da Convenção 169 OIT, cujo descumprimento pode,

inclusive, gerar a condenação da República Federativa do Brasil em instâncias internacionais.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de antecipação dos efeitos da tutela,

determinando:

a) a suspensão do licencimento da UHE São Manoel, até que seja julgado

o mérito da presente ação.

b) fixo multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) a ser suportada pelos

réus, em caso de descumprimento desta decisão liminar.

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Acolho a integração da UNIÃO na lide, na qualidade de litisconsórcio passivo.

Citem-se o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis (IBAMA) e a UNIÃO à apresentação de contestação.

Após, ao MPF para réplica.

Em seguida, vista às partes para a especificação de provas.

Apensem-se estes aos autos aos autos dos processos n.º 14123-48.2013.4.01.3600

e 13839-40.2013.4.01.3600.

Intimem-se.

Cuiabá, 28 de abril de 2014.

Assinatura digital

ILAN PRESSER

Juiz Federal Substituto no exercício da titularidade da 1ª Vara/MT

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