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Plural e Singulares Shauara David

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“Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita possibilidade de tempos, nossos

tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o encontro.”

Rubem Alves

“O Homem distingue-se dos homens. Nada se diz de essencial acerca da catedral se apenas falarmos das pedras. Nada se diz de essencial a

respeito do Homem se procurarmos defini-lo pelas qualidades humanas.”

Antoine de Saint-Exupéry

“ A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida” Vinicius de Moraes

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Índice

(2009 a 2011)

Carlos Drummond, 2

Ordem da verdade, 3

Soneto Infantil ,4

Acróstico Olavo, 5

Cortando a literatura, 6

As horas absurdas,7

Domingo de páscoa, 8

Desencontro de sangue, 10

Pe(s)car, 11

Há uma gota de sangue, 12

Eis o que és, 13

Gêmeos, 14

Existência (in) sólida, 15

A casa amarela, 16

Flor da paixão, 17

Espanca alma, 18

Acróstico Silbat, 19

Aos doentes e abandonados, 20

Ausência de ninar, 21

A paixão segundo SC, 22

Corpo coberto de tinta, 23

Balé, passos em escrito, 24

( 2012 a 2015)

Pétalas ao vento, 25

Intemperança modernista, 26

Fosse bom, 27

Anauá, árvore florida, 28

Anonimato, 29

A cada encontro far-te-ei poesia, 30

Maurício, 31

Sylvia Plath, 32

Teorias inúteis, 33

Bem aventurados os delicados, 34

Os anos tais, 35

O aprendiz de espantos, 36

Clóvis, 37

A S. Silva, 38

Pedra do infinito, 39

Ressaca, 40

Ingênua paixão, 41

Você... 42

Soneto monogâmico, 43

Luck, 44

Maternidade, 45

Os versos de Cecília Meireles, 46

Destino das mares, 47

Triste euforia, 48

Wagner, o caso- A Nietzsche, 49

Aprendizaje, 50

Os signos de Bernardo, 51

Singela homenagem, 52

Cem anos de solidão, 53

Fantasmagórica realidade, 54

Universo paralelo, 55

O doce amargo, 56

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Carlos Drummond A poesia de Drummond me soa como uma música hipnotizante, um barco distante sem despedidas no porto vem como cidades, engajadas nos braços os discursos inúteis uma pedra na retina fatigada, um anjo torto anunciando a morte do leiteiro os poucos beijos, as ruas sinuosas, a máquina do mundo... É tudo teu, Drummond, esse nome que funde língua e lábio na delicadeza cruel da poesia, e faz de ti mais forte o quanto nem imaginavas... Ah! Drummond, como me faz bem repetir teu nome! é a confirmação que a festa acabou, por que houve festa em nenhum momento permaneceste desarmado contasses as casas mais nostálgicas e nem precisaste catar o verme nem curar a sarna. Teu peito de artista incha, sem que a flor desapareça não te esqueças, meu caro, que a sentença do poeta é ver que além do orfanato, do muro os segredos anunciam-se ligeiramente enquanto as palavras refugiam-se na noite, mas não canso! Ainda procuro a mesma flor que rompeu o asfalto; façamos silêncio! Ele avisa: Através das buzinas nasce o medo, para que ruas tão retas? Porque ruas tão largas? Ah Carlitos! Não esconda tua rosa do povo! mesmo em Itabira, percorreste o mundo; vida dupla, tripla, infinitas vidas... Devias estar certo: A solidão de Deus é incomparável triste como a riqueza da poesia ser um sinal de menos, infinda quanto o insuportável cheiro da memória porque a vida é gorda, oleosa, mortal mas permaneceste vivo nos áureos tempos, coisa rara! Ainda mais escasso é colher versos das boas árvores colocá-las num cestinho verde e degustar sem urgência essa tarde branda ausente. 2011

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Ordem da verdade Ao Ney Kelson Linhares Tu que sempre buscou a verdade numa roda de amigos falavas tão conciso tuas Palavras! Firme era teu olhar tão doce era teu olhar... tantas tardes procuramos... tantas luas observamos atrás de descobrir as verdades do mundo das pessoas de tudo. Aonde andas amigo? aonde anda tuas ideias bíblicas teus passos longos teu abraço! teu abraço... E teu sorriso de goiaba? tão verdadeiro, tão doce como eras tu tão surreal como tua verdade nossa amizade minha saudade. 2007

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Soneto infantil A Cinthia Danielle Ah! Se essa menina deixasse sementinhas; os caminhos seriam flores de primavera os sorrisos doces, infantis, semblantes brandos não se regaria ali, a violência! É tão frágil essa menina, quase não suporta as desumanidades deste mundo! Quase não anda, quase não chora ama e obedece à alma, ao cansaço e ao sono; Tão linda, minha menina... irradia à minoria através do abraço sincero dom de anjo no brilho dos olhos... Ah! Se essa menina deixasse sementinhas; a vida não seria mais que sonhos transbordaria Luz na união dos povos!

• Poema escrito em 2011. Cinthia difundiu-se em Luz dois anos depois.

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Acróstico Ao Olavo Oliva O homem das teorias, das habilidades Louças e trouxas sobre a mesa Alguns resquícios do dia anterior... Vasta percepção o rodeia O “cigarrinho” de sempre e suas manias... O inquietamento não falta nas rimas Líder e livre de tudo Inteligência é mais um ponto Vá Artista! Mas volte logo a nos ensinar Alguma planta que depois de bem tratada volta sempre a nos tratar. 2009

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Cortando a Literatura Aos literatos brasileiros Traga aqui a faca mais potente para eu cortar da literatura todas as póstumas escrituras a prosa boa e o verso latente. Apuro depressa Bandeira o cidadão de Itabira e os capitães de areia devoro Graciliano, mastigo o Machadiano não me escapam Adélia Prado, Hilda Hilst ou Nelson Rodrigues Vinícius, qual a chave do segredo? Cruz e Souza simbolista Quintana e os modernistas ou a perfeição de Álvares de Azevedo? Traga aqui a faca mais potente para eu comer da literatura Raquel de Queiroz, Ariano Suassuna Augusto dos Anjos e todas as sementes... 2010

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As horas absurdas Ao Fernando Pessoa A nau traga junto ao leito dos abandonos seus vícios insanos, as tarjas de pranto alimentam os mares e por um engano qualquer trafegam à segurança da loucura e do tédio. Creio que entrará alguém pela porta perdida (trazendo um candelabro pomposo, relíquia arruinada pelo novo) e então, chorará pelo tempo perdido; engolido pelos leões e outros signos cravando em Pessoa suas tantas outras pessoas... Soam passos! Ouço gritos e o relógio avisa: a vida não deixa sobra e sobra tempo exilado em fatos inconstantes e confusos, como sou agora a transitar pelos portos, pelos leitos das infinitas verdades tudo está em ruínas e os palácios sumiram talvez nem tenham existido. Como as cidades; ruídos da inquietude, da ganância inata somos sós, nas horas das horas das horas das horas... Quem sabe se no fundo da caverna não há abrigo? Quase intacto pela dizimação externa voam pernas apressadas, sem chão inteiro contentam-se em mostrar que ao menos entendem estão a salvo, por um momento inseguro. Precisamos dessa filosofia, embora seja inútil o pensamento vago e distante como ilhas e desertos fico deserta e sigo fingindo medos, atrasando desencontros mas no momento preciso dou um giro a árvore cai, cai a chuva vertical e o vaga lume ilumina cá dentro, descanso de uma longa caminhada... O desespero só ensurdece e cega, nega a si a próxima etapa um corpo entorpece e desmorona quem se importa que nesta escura multidão uma estrela esteja morta e ainda brilhe? Exibe a confirmação: loucura e lucidez são a mesma terna certeza simulada pelo inverso... Agora peço que enriqueça a alma, aturdida e tão abstrata quanto a sétima empatia dos que se atraem, o que explicaria os céus a um ser inofensivo? As pedras não passam de objetos naturais e os pássaros obras ainda mais divinas? Quanto ao homem foram inventadas as horas... desde então rachamos o espelho, numa manhã estranha e vivemos claustrofóbicos, sem saber de nós.

2010

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Domingo de páscoa (e a despedida dum outro grande homem) Ao avô paterno João David I Fecha teus olhos e descansa não serão desmanchados os ensinamentos das tuas crianças hoje adultas, promovem triste enterro com as mais belas flores; vertem lágrimas de desespero e saudade do tempo em que pouco sorriste e quando fluía nos sinceros risos o amor e fidelidade aos teus; construía da alma a própria realidade. II Ao cortejo, o silêncio das tuas lembranças não me dizia nada além do que não soube a face endurecida, as mãos gélidas pálida estava sua pele de menino o terno e as flores brancas... As dores tantas... As ternas lembranças! Traços delicados de uma velhice quase não aceita permanecendo no gesto oculto, um ensinamento que simplesmente não posso exprimir e nem preciso! Apenas sinto com a perda e a dor no momento de te ver partir... III Seu passado e história estão escritos nas trilhas urbanas do trem das cinco anunciava o fim da tarde, a despedida e uma sisudez fingida por não saber se valia extrair as dores da ausência as ruas que vagou feito mendigo um pão e um copo de água um trabalho e uma personalidade de felino os calos feitos pela fuga do abandono e da existência.

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IV E não apenas fugiu por falta de causa além da causa, além do medo uma vontade de se tornar o braço direito e constituir uma família linda de gente forte e fina... O patriarca, o grande nome da família! Respeitado pela honra de o ser por imposição menos que por respeito e então se dedicou por inteiro ao povo que muito bem cresceu além de não sair de perto do seu leito. V Fecha teus olhos e descansa não será deserdado teu legado os sete palmos contados, as pás de terra sobre teu frágil corpo... Aliás, tinhas razão; tudo vira terra! Mas valeu a pena o teu concreto teu eterno semblante de marrento e infantil coração de protetor e amante apenas dos teus... Só para os teus... 2009

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Desencontro de sangue A Tainah David Bateu a porta, à meia noite, a minha irmã (tão linda!) e eu enclausurada no cubículo que me abrigava acordada pela penitência da manhã insone das tardes sem nome e sem milagres que me salve os pecados de fugir da realidade pois não tenho para onde ir! Lágrimas salgadas demarcavam no rosto os traços de uma história incompreensível; enquanto a culpa tem um princípio desconhecido o ódio desperta numa dualidade idosa. Bateu francamente à porta, e por sorte, ainda não estava morta. Levantei e fui abrir; de encontro ao desencontro dos sangues Fui sem esperança, sem sofrimento ou mágoa sem a carga aprisionada em nossos sobrenomes... Não sei o porquê, mas nos abraçamos nada precisou ser dito, os corações colados encontravam conforto no pulsar desesperado passado o desconforto, ela se foi por ali fiquei, mal dormi, e logo o céu acuou. Mudou de paisagem, era neblina e vento e o intento também era outro. 2010

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Pe(s)car Ao Rodrigo Sena Nossa saudade não compreende o espaço em que nos encontramos agora tu me querias levar, pelas águas para ficar perto de ti (havíamos combinado) teu ciúme transformou minha liberdade: tenho ainda mais desespero em voar se não me engano, estás intermediando aquilo que houve de breve entre eternidade e clausura; como uma carta aberta em abrupta complacência. Roubei a carência de outros homens para construir um trono, sugar o leito da impossibilidade: Nós, perdidos dentre as vaidades tentando preencher as horas que não nos cabem mais, tu morreste, herdei o encontro a qualquer hora e a dúvida: Quem me garante que foi real? Porque inexiste data e espaço no deserto da saudade adiantada desde que nos vimos pela primeira vez, não importa quantas humanidades existam os olhos diferentes sempre se reconhecerão a gente só vai perdendo a coragem de encarar, de fato aqueles que permanecerão. 2011

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Há uma gota de sangue em cada poema Ao Mário de Andrade Assim como há resquício de barro nas estradas asfaltadas e ruínas pelo impacto das guerras e catástrofes há em cada poema uma lágrima; Assim como ecoa aplausos e vaias da grande semana! Onde sobram pedaços mastigados na antropofagia Mário não desperdiçaria uma ideia sem que esfacelasse fontes, rituais e oferendas. Há uma gota de suor em cada letra e em cada verso um gozo de dor por que sempre a dor do poeta? Simples... É exatamente aí que sucumbe as mágoas de exprimir pelo dom; e despedir a força vital paulatinamente... Mas há de deixar cada poeta, em cada página seca a ata boêmia, razão difusa e sua vida latente! 2011

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Eis o que és Ao Alex Beigui Sei o que você pensa, suas intenções está tudo tão claro! És um artista! És um momento meu, e de cada qual que te observa e te imita. É ousadia ser você, mas é também cômodo e convencional ser só tudo e ainda ser de pó ser ou não ser, eis o que és... Eis o que és então! (ririas de mim!) Te copio; te mancho chamo-te; beijo e te fumo mas tua percepção me encontra eis a mim pois em ti; distante, presente, uma pobre tonta! 2009

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Gêmeos Ao Cosme e Damião O sangue ladino que perpassa entre eles mostra o cheiro do abismo proporciona a graça espelhada na imagem distorcida o choro, o despregar umbilical e o bordão “pra sempre interligados!” Mas o tempo agoniza. Noite e dia experimenta-se solidão na companhia; calma na correria, infância na maturidade... Juntos, tropeçam os pés pelo caminho no delírio fatal da intimidade. Omi! Omi! O domingo insípido e lúgubre chama a alegria das crianças; não sou o corpo, mas o gesto; diz um não sou a escolha, mas o passo; retruca o outro além dos doces, as cores: azul verde e rosa traduzem os sons ambíguos vagamente sonorizados pelos anjos, protetores da cumplicidade útero, história, família, genética, mas não os desejos... Pois não sendo os mesmos diante o vazio cristalizado, uma teoria; a vida não se traduz no espelho! 2009

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Existência (In) sólida- Ao Luís Carlos Guimarães Meu coração é muito frágil para só ter saída numa porta de vidro não posso costurar verdades num lugar abandonado não há nada moderno em ser a voz dentro de uma imagem imprecisa... O mundo não precisa desse mal, bastasse que fossem mais coloridas as casas menos cinza atemporal seus moradores... Meu coração é um poço. Oásis de pedras enquanto o mar revolto se desequilibra conflitando os seres da mesma espécie inútil disputa: quem ganha mais solidão? O deserto me vence a prova, me desafia; o amor se conforta nos olhos azuis e não há perdão em quem se desconfia! A vida é essa página virada no impulso na escolha de gastar as horas, passam tantas tardes... Vagam mudos os sentenciados, em terna adoração aos que partiram; fazem-se os “narcisos espíritas” reconstruindo e exaltando suas outras vidas. Meu coração não me percebe nunca quase sem razão, faz a pauta do dia sem consulta com toda autoridade de me ser ah! Lula Guimarães, o teu miocárdio deixou uma certa ponte de safena desavisada sujeita à tropeções de um dia festivo. O mesmo dia que torna extinto, passa... Ninguém escapa poeta, atravessas a ponte que confirma nossa inexistência. 2011

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A casa amarela Ao avô materno João Câmara O dia só tem vinte e quatro horas e me perdi das casas amarelas que costumava construir meu avô reflexivas ruas antigas onde ele caminhou cheio de pensamentos; Preocupado com o que hoje não passa de descanso a criação preta e branca de seus filhos embaçaram os fatos com o tempo. O dia só tem vinte e quatro horas e as horas realmente passam em pouco viram anos, séculos e nunca estou preparada alheia a tudo, não me importa nada apenas encontrar a casa dentro do beijo do meu avô que se inclinava até a testa e saía... (indiferente e carinhoso) O dia só tem vinte e quatro horas e vejo que termino sempre só meus pais embarcaram no último trem sorrindo e acenando com as mãos eles brigavam, mas o cordão umbilical foi desproposto e amarelado como a casa que nem cheguei a visitar pois estava sem luz, sem móveis e sem a ideia de construção e cimento O dia só tem vinte e quatro horas gira mundo em meu redor à toa colorido, cinza, verde, talvez amarela como a espera de voltar à felicidade que faltou mas os risos ainda bem funcionam raspa... Passa... Para... Desaba só não a casa amarela que construiu o meu avô. 2009

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Flor da Paixão À flor do maracujá "A flor é o mistério único das flores... formou a natureza como um teatro dos mistérios da redenção do mundo” A trepadeira foi criada por Deus (flor roxa, branca, estranha maravilha!) para perpetuar a lembrança do sacrifício do calvário com os instrumentos da paixão de Cristo: coroa, açoites, cravos, chagas... a esta por isso é conhecida ‘paixão’ maracujá para encher a cuia dos nativos fazer doce, remédio, chá, suco... Trazer a Paz! Iluminada graça; branda e nobre alma caminha calma ao coração... Pois enquanto Ele findava na cruz seu sangue descia pela madeira para fundir ao solo infértil vingou na terra que não possuía virtude tornou-a de poderoso espanto. A passiflora vive e morre com o sol ostenta beleza, brilho e encanto! 2010

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Espanca alma A Florbela Espanca Flor tão bela anda perdida e penso tão parecido a sua dor vim ao mundo pra conhecer-te, Flor! a visão que sonhei, enlouquecida. 2008

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Acróstico Ao Rodrigo Silbat Receba em versos a razão de um sentimento! O Amor que por ti sinto, a alegria de te ver... Demasiadamente não cansarei de pronunciar em Risos, em lágrimas que escondo ao te ver dançar Imagino que antes de ti, jamais fui feliz, és Grito que me dói em ausência, és amigo e O ouro que a criatividade alcança Sim! Nossas mãos entrelaçadas, teus olhos! Imagina! Nossos sonhos perpetuados eternamente em Liberdade de todos os gestos exagerados Basta! Cansa-me repetir as lamúrias doentias da Amizade que brotou feito flor bonita, e tu Tatuado em meu peito; por toda minha vida! 2009

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Aos doentes e abandonados Aos ausentes da saúde: aos inocentes da barra dura não se preocupem em falar o importante é ouvir e não ser artista Aos carentes abandonados: e ainda contentes por maus tratos antes ser morador das vilas sujas catador das ruas e vielas imundas que ser um poeta ser um técnico, um médico um profeta que se renega em nome de Deus antes ser o próprio deus em favor e nome dos seus. Aos que são como eu: pensamentos em turbilhão um mundo de planos e enganos a doença crônica o pouco tempo que resta as etapas de cada palavra serão estudadas e devolvidas ao silêncio intituladas inúteis e incompreensíveis O tempo de sobra não renova meu leito nem contempla meus dedos palhaços se aposentam dos risos e minhas lágrimas não param como um rio violento São esses meus votos aos sofridos filhos vencidos , abandonados são esses meus versos brancos sem mantos para abrandar o frio travados na indiferença de um poema falido. 2009

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Ausência de ninar Ao Rômulo Stânrley Desde quando a única flor do jardim murchou a angústia me faz derrotado e vencido e por onde passo, sozinho o chão gélido o terraço de areia o marrom dos dias nos meus braços um filho cujo o amor não reconheço os traços o sangue o leite da mãe o leito e meu berço antigo. 2009

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A paixão segundo S. C A Clarice Lispector Eu entendia que o meu reino é deste mundo, pelo lado do inferno em mim, pois vi como é o inferno, comia a vida e era comida por ela, o inferno é a dor do gozo da matéria.

Tentara eu apagar o cigarro no plástico, e o cigarro entrava, assim como entrava em mim; o trago, a lágrima de regozijo. O riso é o próprio sangue inaudível e o tempo iluminado do tempo torna- se infinito e remoto, e assim torno-me remota, inalcançável alma. Somos uma máscara de hereditariedade, e o que é dito torna-se visível, e o que é lido torna- se agora uma forte perfeição no olfato, pois vejo na parede a tua luz branca, a tua alma inexistente preta e ainda todos os pensamentos que por ti passaram, sinto um horrível odor daquilo que descreveste, talvez tenha sido a própria barata que te descreveu, no deserto silencioso estamos como a noite de um eterno verão. Ah! aquela imortal noite que matou o verão! O inferno é meu máximo inumano e dele já não quero sair, nele sinto minha alegria horrível e assustadora, abraço o demônio sem piedade e com amor, vivo aqui por te sido jogada e esquecida como eterna menina feliz...

Ser humano é o orgasmo da natureza, Clarice entenderia e mais ninguém, pois o cheiro de vida e também do seu fim, reina em meu nariz, tenho qualquer coisa para esquecer do inferno que é aquela barata. A barata é o mundo infinito e iluminado, elas são palhaços que nos fazem chorar e sorrir, e no fundo do riso há uma tristeza de noite de natal, pois a noite alegre é minha vida em parte triste, uma vez que a noite se cala, a minha loucura resplandece e logo após o regozijo ela ascende sem me deixar lembranças.

A loucura é o sinônimo da liberdade, a livre alma de um corpo louco preso ao mundo, e esse momento jamais será com cor, intensidade, velocidade, luz, dor, medo, alegria e eternidade, pois o momento eterno é passado e único, jamais ele se repetirá. 2008

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Corpo coberto de tinta Ao Olavo Oliva Quis me conhecer e consegui! Pintei a alma de cores diversas até que atravessou o corpo extravasou num sopro ao ouvido uma fala docemente amansada: sobre as dúvidas e quantas almas; meus pés e a calma que refleti... Quis me conhecer e não entendi! O corpo nu, no entanto a mente coberta de tudo que vivi mil latas de tintas... risos ligeiros dentre os devaneios, os dias perdidos as telas que fiquei por colorir e os brancos que foram escondidos. Quis me conhecer e permaneci sem decifrar quais cores me cobriam sem me importar se alguém via ou se a sede de mudar o piso era aviso de pouca moeda. Assim passei anos e anos de tintas das histórias tantas que restam. 2009

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Balé, passos em escritos Aos versos (tem coisas que penso e não escrevo, há outras que nem sei se penso e acabo escrevendo...) Como se a escrita me tomasse pela mão e dissesse: compõe-me em versos! Cochichando em meu ouvido conduzindo o poema com cautela e compromisso esquiando com facilidade e sem maiores barreiras! Apenas dançando magicamente em outras existências... Tem tantas coisas... Mas me encolho me belisco! É verdade?! Já não arrisco e me escondo, não percebo... mas ela volta e me toma pela mão delicadamente contornando sua doçura em meus dedos... Acariciando meus nervos a calma de uma nova dança. 2009

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Pétalas ao vento Ao Juliano Petrovich Uma pétala se desvencilha de seu encanto em minhas mãos. No interior amarelado é possível entender das paixões, embora tantas, não há motivo que culmine traição pois se permitir vivê-las é como versejar: expor silêncios para aliviar o nada um tropeço onde se desconstrói o amor. Ah! Nosso amor de incensos, areia e pedras tanto mais repele a sensatez das mágoas inevitáveis, aumenta necessário o desejo (ainda que absurdo) revestido de consciência à entrega de dúvidas e distâncias... Do branco do jasmim apenas a proeza inútil dos cheiros agradáveis, quem sabe soprar em fim de tarde as mentiras dos livros engolidos por nós, embaixo de árvores frondosas, testemunhas cruéis de que a maciez do tato seja também o doce inferno de caminhar no amanhã incontestavelmente solitário (embora não desprovido de ternura) não precisam nos explicar à noite, é canção jogar ideias sem desferir palavras não nos indaguem sobre a paz, é caos como tais tormentos nos deixam mais leves a tatear o céu apenas nos embriague a natureza com a calma pueril de conformar o entendimento pois não é preciso entender o irresistivelmente inusitado, nem questionar a verdade de um falso arco-íris palpável; já que o amor se torna flor. E retorna vento.

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Intemperança modernista Ao Manuel Bandeira quanta tristeza nos espreita, Manuel Bandeira teu olhar tênue e pernambucano se estende no nariz longo e completa-se dentuço tua boca carnuda, o teu semblante puro! É do beco provinciano, essa coisa que tens de não se fazer mal a ninguém... O café, o cigarro e as mulheres que amaste não desfeitos, mas imersos no passado de alusões, nostalgias das perdas precoces saturado de ausências. Ficasse só, mais cheio de tudo tal qual varria o vento; as canções de tua vida... Tal qual caminhava nas ruas a libertinagem trazia alumbramentos junto ao mau destino, nem foi tão ruim assim! Cada coisa em seu lugar, te lembras? Quando tudo parecia impregnado de eternidade as tosses cessaram trouxeram as reminiscências da infância como se fosse outra vida.

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Fosse bom Ao Bernardo Silva Dispersas de ti a honrosa luxúria intelectual na autenticidade sábia do simples: “Cada cabeça é um mundo em extinção” Bem verdade, meu amigo Berna. Tu tão leve passas inteligentemente impregnado de sorrisos aliviados e breves conversas roucas. Fosse bom apaixonar a dor seria prêmio Fosse bom o amor, desentender obviamente não seria nada demais. Porque sempre haverá divergências. É alerta que os livros causam precipitações internas bem percebi o quanto nada te atormentas, meu amigo Berna, tua beleza é clara chama viva afoita feito chuva e neve. Caminhar sobre essas ruas servem para não se abster das pedras, mas refazer memórias... imprevisto foi apagar antigos amores, choros sem consolos, dores sem porquês agora me faz falta o domínio dos outros; fosse bom sentimentalizar não se fazia poesia do sangue, seria vinho embebedar angústias. A amizade há de conter o desejo, em pleno fim poucos souberam que acabaria o mundo. Fosse bom o inútil progresso, não fecharíamos os olhos pensando noutras divindades. É estado de alegria dispensar as legendas, uma visão me sucedeu a tirania, são precisos flores não mais algemas. Flores nascidas no asfalto, no constante sorriso do amigo Bernardo. Plantar jarros, depenar o sol, desprender a pele fluir à noite sem violência ou medo. É preciso suspender o medo na janela do vizinho mas sem arranhar o vizinho. É preciso, tá se vendo o quanto domingos ressacados de semanas, apenas Berna, meu amado amigo, sutilmente nos encanta.

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Anauá, árvore florida “Não há o que se ensinar às crianças, mas delas aprender tudo.” Dostoievski Não te precipites minha pequena com os contratempos da família o porvir é tão pontual que cerca teu riso sereno, o corpinho preguiçoso inunda de brilho na sabedoria dos teus olhos que sabem de tudo! Ah, meu doce anjo, de tudo sabes... (nem imaginas, esquecerás um dia?) Lembro-me de tuas pequenas mãos e tenho que rir; não demais, a sociedade nos corrompe a longo prazo, mas nãos os culpe, não deve haver esse sintoma não julgues, não percas teu tempo! Inexiste ódio se te abrandas o verão inexiste dor se te consola a chuva; não chore em vão, mas por motivo ausente é boa a solidão se as lágrimas te sentem há um jardinzinho na tristeza frutifica com o silêncio (preza-o bem!) floresce no perdão e à passos leves então torna amor o que te parecer estranho não confia nos normais, mas nos insanos porque apesar de ti havia o passado eu inocente, declarando pergaminhos quando o presente é um sudário não o santo, mas o viciado em sentimentos expondo a carência da humanidade e a inutilidade do mundo (mortos os conselhos!) experiências constroem as lembranças: únicas chances de sabermos da vida (admitir o quão nada sabemos!) pensamento é perfeito, felicidade é o caminho do meio enfim, faz o que bem queres deste vazio fragmentado que te escrevo.

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Anonimato Aos anônimos Na esquina do mundo bifurcam becos; tiros, vácuos, bichos, braços, casais e anônimos barrigas soltas carregam, além dos quadris, sacolas ovos, pães, bolachas, algumas roupas e uma incrível transparência. Existem também as traições e Silva Neto; o funcionário da farmácia, dos olhos inquietos apenas uma noticia: Foi atropelado mal fechou as mãos e substituíram o coitado a quem mais perto chegou da dor, os vizinhos durou os poucos instantes em que reconheciam seus destinos, o silêncio, a solidão e o aterro invisível; Logo em seguida uma procissão de anônimos sofridos, porém enaltecidos pela fé seguem cômodos um caminho pré-determinado pela ordem do bem infalível: o cansaço anunciado nas pálpebras carregando a despedida dos anos... Sem aparatos comoventes, sem sementes para frutificar esperança em seus quintais bem cuidados, armazenando o sabor da terra nas mesas, fruteiras e bacias. Mas eles também vão até o centro; as cidades caminham para acomodar os seus os cheiros se misturam e formam-se num só; cheiro dos anônimos, das ruas, ruas do anonimato o chão anda o mesmo, as paredes apenas sujam em algumas casas o dia amanhece, outras, no entanto o sol esquece de anunciar a liberdade sentenciada aos carmas insanos; doenças, brigas comuns, os mesmos dilemas; e as casas vão dominando tudo no pouco desse mundo sem dono mas os becos não se esquecem de existir energizados pelas quedas alheias; conversas nas calçadas atravessam muros acrescentando-lhe um pouco de nada já que a Terra anda perdida de sua rotina e nenhum buraco é coberto na estrada.

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Os meninos correm pela rua, as mães instalam um grito armado de terror e cuidado os mais delicados esperam despreocupados que tarde, e fiquem apenas as sombras dos gatos se entreolhando abusados, desatentos! Os últimos bêbados, os mais fiéis ao desleixo conversam sem que pareçam ser vistos o jeito é ficar de qualquer jeito ratos, formigas, escorpiões e baratas também obedecem às suas funções, velhos anônimos de bueiros, não se extinguem esses animais! Na esquina do mundo bifurcam mil universos alinhados na diferença de cada cabeça um tufão, uma tempestade, um tsunami as placas tectônicas se movimentam sem nome empurram-se cansadas de carregar o mar... Ah, Natureza anônima! Mãe Terra, Deus mar... A diversidade mata a individualidade das espécies; a biografia do sapo? Do lagarto? Do jacaré? instintivamente permanecem anônimos sem genealogia, signo ou data de comemorações a poesia não, se isenta das tragédias, das alegrias vive presa no quartinho sem número, na penumbra sem expectativa de encontros, debilmente desarmada, vestindo um par de asas quebradas e o quebranto dos fins de tardes, madrugadas. A solidão gera poesia escondida, concentrada já as pessoas são todas estranhas surreais, insistentes de si mesmas na esquina do mundo bifurcam becos outros surgirão, bastam alguéns em algures está pronta uma cidadezinha! fofocas e intrigas que não cabem nas avenidas nem nas cidades, nas poltronas, nos países aonde vão parar os tantos? Não cabem nos continentes! não cabem nas camas, nos carros, nas filas não cabem na poesia. Em locomotivas não cabem borboletas, só a revolução e seus bens preteridos os telégrafos desistiram de comunicar-se já que o anonimato dominou o planeta.

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A cada encontro far-te-ei poesia Ao Juliano Petrovich Não vou sobrecarregá-lo meu bem com abordagens vãs, já conhecemos o desejo atraído pelo outro, o estranho nos espreita para dizer que o ideal não existe então aceita o acaso e torna sincero o infinito do momento. A cada encontro dar-te-ei poesia sente a magia plantar também a arte? Não te precipites, me é dispensável respostas; tua boca pequena já sussurra silêncios conversas ao mar os pensamentos infindos e isso satisfaz perguntas e não promessas desconhecemos o futuro, mas o seguimos fielmente pisando coisas arrastando o chão tropeçando sentimentos Não quero sobrecarregá-lo, amor com minhas desventuras, é suave tua cor e se tua coluna reclama onde minha mão não alcança, que águas desnudas hão de aliviar tuas súplicas? Levita que a grama nos acomoda essas noites a lua testemunha o esmorecer do encanto mas teu semblante, a cada encontro bem servirá por tu a alimentar a poesia.

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Maurício “tem pessoas que se cabem” Não tenha medo de jogar teu passado o que nos pertence são apenas lembranças. O concreto se desfaz fragilmente à ação do tempo tão inadequado quanto a felicidade; o que são tempo e felicidade diante o mar? Por que o abstrato é imutável, imortal fragmenta-se em meus braços teu abraço cru e teu sorriso de menino. O mundo é teu, embora não percebeste... É importante questionar, ainda mais é não se envolver na poeira dos outros; é insana a ideia de cidade, busca tua felicidade onde a busca não se alcança descansa. Não espera, respinga nada traduz, também não há enigmas somente nosso silêncio, sem constrangimentos porque criamos portas e jogamos fora as chaves até as engolimos com espasmos sem que escape qualquer suspiro de cansaço, mas estamos cansados. Aprendemos-nos esta noite convém ao amanha nos reinventar.

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Sylvia Plath Um sonho azul de faísca retido na madrugada alguém, em outra história, ferida da morte de si mesma alguém; comportadamente esquizofrênica alcança as primeiras luas isso não basta! Uma taça sem brinde, poema pega a folha, anota, abre aspas sem reticências, joia rara feita de papel e nuvem e mais umas besteiras. Não foi acidente, morrer é uma arte três décadas aniquiladas, uma a uma na excepcional vocação de nunca mais querer voltar... Não há jeito; Sylvia o teu sono atravessa séculos.

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Teorias inúteis Ao Marcel Arthur e Jady Tariane Naquela casa aonde ia o acaso de vizinhos companheiros conversas ligeiras e uns vinte minutos de drink calmamente ia, em períodos constantes, até colidir com os mais reservados em que se faz necessário parar manter uma convivência agradável (por isso sofrem os casais!) Inclusive, naquela casa que ia dizendo, morava um casal. Comungávamos teorias físicas e existenciais checávamos, analisávamos, discutíamos criávamos planetas , astros e estrelas; café e casaco nas cordilheiras do Himalaia ervas proibidas nos coffee shops de Amsterdam contemplação artística no museu do Louvre jazz em New Orleans, a Bossa de Copacabana escalávamos metodicamente as pirâmides do Gizé catando cogumelos em tribos indígenas remanescentes entre outras substâncias descerradas havíamos feito um tour pelo universo, buraco negro no fim, estávamos sentados, contemplando os olhos dilatados, os gestos decididos do gato.

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Bem aventurados os delicados Ao Elly Lima Sosseguei meu contrato com a pressa de engolir a boemia, quando aos trinta e três foi me dado um pouco mais. Descanso autenticamente aos quarenta porque não quero atropelar o próximo passo legado de família: O olhar de martelada, nordestinamente determinado. Serenidade amadurecida, atenta talhada numa juventude perfeita. Fui o décimo segundo anônimo de uma descendência impaciente (reminiscências do cangaço) na poeira da prateleira que adornava a cozinha todo dia, o quilo de arroz, outro de feijão e bastante farinha. A verdade ética de cada conceito permitiu-me viver a revelia, tornei-me autodidata e impreciso na idade digna de minha barba preta abdicaria da própria existência para ser só das mulheres essa vida e se não sinto a minha se esvaindo é porque fui me intimando um não suicida minha filha não merece ver luzir as chamas que livrou a dor de meu avô; Por isso superei o talento de família deixei de manusear volantes pesados para colecionar as estórias mais inéditas dentro de meus carros velhos; culpa da vitrola que emana músicas dando vida aos meus três mil discos. Nos incontáveis pedaços do mundo (careta) me destaquei apenas com a ilusão, meu velho pai tinha razão; estou reduzido a ossos de borboleta.

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Os anos tais Ao Ailton Medeiros Diga ao amigo dos velhos tempos que lhes deixo um ok. Basta em entender que a pressa de fugir do futuro, ainda sentencia minha mania de regar pedras e espinhos em vez de flores; elas fustigam os asfaltos para talvez amarelecerem, quem sabe te sirva de uma quase morte para rejuvenescer contrariedades? Diga ao amigo que não me escapa saudade me entedia a clausura das histórias no entanto, vos deixo um abraço desses distantes, sinceramente libertos de sentimentos passados outrora hostilizados, agora negligenciados pela maturidade do conformismo outros fatos é que são importantes veja bem; ao redor é festa, mas eles não sabem andar sozinhos. Uma idiotice a mais, abafando espaços onde piso. O amigo perdoa os trocadilhos já vai anoitecer e nem serão empalhados os teus tesouros. Tuas taças de vidro antipatizadas pela escolha de nossos casamentos as mulheres não podiam nos suportar mas cuidado amigo, não quer dizer nada demais as tais malditas palavras: são farpas, não sinais são altares, não carnavais.

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O aprendiz de espantos Ao Mário Quintana “O tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira - em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira". Eu que nem sei quantos minutos são porque pouco importa se atrás da porta chove ou faz sol. Venho do sul desde prematuro não sou tímido, tenho senso só não pude voar sozinho porque embora mudem as andorinhas não muda o meu amor, e se tu me amas, ama-me baixinho e deixa que eu faça das tuas cartas barquinhos de papel pois o tempo trama as expectativas faz agilizar as pendências urgentes nas horas certas, porque as coisas se controlam sem nós, são elas que comandam os destinos dos que passarão à passarinho. Um poeta satisfeito não satisfaz. Há duas idades; ou se está vivo ou morto no último caso é idade demais já que nos foi prometido a eternidade aliás, além dos tais, me libertei; despeço-me, não das letras, mas do cansaço posso enfim, estar deitado de sapatos.

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Clóvis A Juliana Câmara I Ela sou eu com a liberdade que julgava ter. Ela ri de mim porque me reconhece, apenas nós identificamos essa lucidez ela ri, vê em mim outras pessoas mania de associações permanecemos em cima da linha que divide dois grandes abismos; distorcer imagens de rostos, propositalmente para testar a capacidade de adivinhar retratos; a loucura nos permite caminhar por incontáveis realidades na genialidade de fugir do óbvio o infinito transforma as perturbações em fragmentos de nós três, ímpar contemplação estremece mas não isenta os dias de ressaca. II Não é engraçado os acontecimentos, Clóvis? enquanto a cidade se excita, pinta a cara umas horas de conversa marcham de dia eu canso, Clóvis, só de imaginar! Bem conheces o tanto sou preguiçosa! Conhece, ou não, as tuas criações? Somos tão nômades enraizados nessa coragem de ser deus! me encarece tua grave inocência! Espanta o agito de tuas perseguições o que não vês, o que não sabes? III Eu só devia te tratar diferenciado, Clóvis se fosse por reverência,

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mas a tua soberba anula o meu orgulho depois, só posso contra teu nome nenhum desabafo, ah! Clóvis... quase o vomito, quase o devoro

enquanto exercito complexos

tive de ser outra pessoa por causa do meu nariz, por causa de ti. Observo a sinuosidade da tua leitura e adquiro uma percepção extraordinária quanto mais grávida estivesse mais linda seria, mas tu condenou o amor a vestir mentiras verdes desde então o ar tornou-se sufocante; lembra Clóvis? Diante às farsas tornava-me cúmplice na abstração na única intenção de me prejudicar! Como pode tanto atrevimento? a esquizofrenia criou para me rotular não é justo Clóvis, a difamação, é desnecessário. (do riso ao choro, petulância tua!) vigiar tanto, ao ponto de fundir a mim essa tua psicologia besta! Controlas a humanidade através da luz mas ainda não consumiu toda infelicidade. IV Fui me tornando menos vaidosa mais musical minha voz macia mas só em pronunciar meus nomes deixo de identificá-la, tenho saudade dela, que fizeste com ela? Sabes o quanto me irrita não saber de quem é a voz na qual estou falando! Depois dei para ficar distraída não posso fugir, sequer me mover

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tenho perdido minhas coisas e rido da leveza que é não tê-las sozinha, como se mantivesse a dor de dar boa noite a alguém que não existe. Começo a crer teus absurdos! Se me obriga a admitir, Clóvis sinto que teu lado esquerdo causa-me certo desconcerto, logo percebo que absolutamente (tudo) cada gesto teu é combinado na genialidade da manipulação; entrego-te o troféu, Clóvis, tu vences; ninguém é mais inteligente! V Nem sempre minha lucidez acerta às vezes ela entra no beco e some ou é tua voz sangrando em algum lugar? Não preciso que me encarem, Clóvis, até parece! Estuprar meus pensamentos... Não tem mais o que fazer? Esse Clóvis! Chantageia até o cão! Quem dá credibilidade a ti corre o risco de ser sugado vai, Clovis, exímio pescador não descuida a pescaria, cabe-me a função de fazer o peixe deixar de ser peixe; diria a tu ainda, Clóvis, no auge do delírio que me fizeste: Deus pode ser a pintura pichada no muro o coqueiro, a grama, pode ser a tua cara; aniquilada minha identidade tu ri, inexpressivamente enquanto rumo ao arco de teu céu.

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A Sueli Silva Nunca aprendeu a ler, mas sabia identificar qualquer número de qualquer pessoa na agenda telefônica. Desde os quinze trabalhava numa casa de família, tradicionalmente antiga hora de dormir, comer e chorar determinadas pelos donos com direito a um banho por dia, meia hora de rádio e apenas noticiários no qual assistia distante, sem se sentir parte, senão pela dor. Não era bonita. Faltavam-lhe dois dentes o que não lhe privava a vaidade cedo perdeu o pai a mãe sofria de pobreza extrema morria de medo de lagartixa e nada lhe emocionava a formação das teias nunca aprendeu a escrever, mas era boa em história de vida dinheiro não lhe despertava interesse tanto quanto fazer reluzir a panela da patroa. Um dia faria da panela de sua casa o objetivo de polir a própria família.

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Pedra do infinito Ao Juliano Petrovich Caminhava pela praia ao encontro do mar pra desmedir segredos. Se a busca racionaliza, e a racionalização afasta como podia conter minha sanidade? não fiquei sem respostas uma pequena e branca pedra me encontrou tão logo sentia em meus dedos seu infinito. Percebi que era você, macio (como as nuvens dispersas) os cabelos desgrenhados barba mais cumprida e um gênio sagaz compatível com o meu; irônicos me perguntaste o que era “o nada” o nada é aquela palavra que não pede questionamentos mas como você inverte os interesses, completo: nada se faz tudo quando somos juntos nesses momentos raros, infinitos.

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Ressaca A Zila Mamede Da outra vez que me arrependi não foi tão ruim; rodopiava ensandecida pela areia (porque a diversidade de suas cores?) clamando anonimamente àquela que só existia em íntimo desconhecimento, enquanto agonizava a existência de clichês buscava adaptar os anseios comuns aos navegos conformados do mar. Estava só. Até que esbarrando na ressaca do feriado, me vi (imaginei) rodeada de pessoas amadas, fortes ausentes (é preciso não tê-las perto para senti-las!) de repente a melancolia salina envolvia a névoa da tarde em memória falha, antiga não bastava a preguiça de arar o corpo ao relento alheia aos afogamentos inerte às ideias tratando de emergir a carcaça calma dos problemas... Hesita o sol se o tempo nos abriga noutros tantos dias; quando o tédio assume e surta qualquer esperança; não permaneces nem passas flutuas cada vez mais tranquila em mistérios.

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Ingênua paixão Ao Daniel César Tão ingênuo acreditar que sempre haverá você! tal qual nos permite a sucessão de instantes pulsando o veludo alaranjado de cada espera, entrega obliqua não dissimulada peregrinando no limbo de nossas distâncias. Assusta a natureza do bom entendimento (risonhos, estaqueados, esquizofrênicos...) tão bonito pensar nesses momentos; O tempo quente aconchega a dor futura inexistente nos dias de choro a chuva delgada vem com a necessidade clichê de derreter-me em seus braços e ver bailar na tua boca perturbadora a voz tão suave, tão máscula! Aceitar tua doçura é conviver o vendaval de teu outro eu um amor inteiro me prende à liberdade na chance de rodopiar os amores imperfeitos.

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Você... Ao Daniel César Em mais um amanhecer de lua espectro encarando a realidade do meu desejo, caos de sentimentos encarnados na promessa de um futuro perfeito. Você, perfeito, na masculinidade bruta de um sorriso infantil o vulto que desperta ciúmes alheios o surto que funde minha lucidez estranho exílio de nobres purezas percorrendo comigo nos antigos trilhos das incertezas; Você... Martírio sutil de acontecimentos um céu de infinito engarrafamento no encontro desmarcado da aurora orvalho em flor, rejuvenescer de timidez basta um corte inaudível na pele para sobressaltar teu beijo. Você, no festejar pulsante de fim de ano sem a melancolia das luzes acesas um rio carregado, sem porém, mergulhar tristezas autenticidade dos alvoroços passageiros mel da minha dor, dúvida dos meus segredos olhos de amendoim tocando no porvir, desarma -me a bruxaria no embriagante trago de curandeiro; Você! Cálice levemente febril pecado fatal das mais escondidas angústias em meu doce reino de sal as mil e uma noites apenas nós e todo o resto de nada sem pronunciar palavras permitindo-nos o deleite da contemplação.

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Soneto Monogâmico Aos amores verdadeiros Meus amantes são muitos tantos que quase não os reconheço! e me atormento, ah, tanto sofro! Pois tão sincero herdou tal sentimento! Eles não fazem fila, não se bicam são especiais em seus momentos com cor, cheiro e horas específicas (as horas quem dita sou eu!) me chamam petulante, mesquinha planejo com cuidado os futuros sinceros e assumo cada pelo de defeitos, mas aos meus amores sou fiel a cada qual um amor único e verdadeiro.

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Luck, meu filho Teus olhinhos de brinquedo desarmam a maldade do mundo inteiro teus olhinhos de jabuticaba inundam a existência e torna-a intacta ah, como brilham teus olhinhos de longe os vejo arrancando meu riso orgulhoso, materno. Luck, meu filho meu amor eterno.

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Maternidade A Jady Tariane Uma forte ventania anunciava a sombra de alguém que viria, tomou um susto, a pobre moça fragilizada! Deixou-se derreter o corpo em choro como julgar uma perseguição invisível? Logo outros adiantavam suposições das mais diversas, sendo concreta a audácia da surpresa: nada haveria de ser o mesmo! Seria outro piso, outro teto, outro lar o cheiro de talco substituiria o odor dos animais, a rua ladrilhada teria nome de pássaro ou flor os gritos novos, euforia das novidades! Longa agitação internamente calma experiência única (diriam algumas mães desafogadas das frustrações no amor de seus filhos) outras descordariam tensas afinal, foram tantas primaveras que tornou-se comum o florir. Confirmada a gravidez, a mãe suspira descansada às boas-novas, nova vida.

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Os versos de Cecília Meireles (Não posso mudar teus poemas, Cecília, nem creia que desejo fazê-los! São tão perfeitos os teus versos... )

Mesmo onde não há poesia esconde-se um verso branco por detrás dessas montanhas são versos das grandezas dos tamanhos aos ínfimos grãos das areias estão os versos escorrendo da chuva, inundando o universo nas histórias reais onde jamais imaginava poesia, estão teus versos simplesmente uma aparição embaraçosa um cisco, um presságio não convém procurá-lo, o verso porque ele não se esconde, ao contrário, se mostra ali, na nuvem, nas cores, no segredo das sensações remotas o verso explora um sentido descontente, necessário, livre o verso é livre porque aquele que é preso, é fingido e foge de si mesmo o verso não foge, ele galga a frente contemplado, silencioso, eterno; este é o verso, sagrado como a natureza se basta e se alimenta da própria leveza não é preciso buscá-lo, na dormência que precede o sono está o verso insone, inquieto.

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Destino das marés Ao Juliano Petrovich A vaidade e languidez da multidão reafirmam o abismo da tua ausência porque perto nos fazemos tão longe? Teu lado menos sutil responde faminto: Não há sentimento em ti, senão o desejo de consumir apenas os bons frutos! Se pouco te conheço, mais te vejo esfumaçado, assumindo vários rostos os quais reconheço em pedaços... Há algo em nós que permanece resignado será desperdiçar o contexto, desejados pelo resto dos outros, despejar as cinzas dos momentos? Será zelo das lembranças variar lábios, nos ansiando em vão na correnteza dos dias que não são? Talvez não lembrasse, não mais ansiava só contemplava o nada sem porém, proferir palavras na contrapartida de produzir insultos, sentidos recíprocos de individualidade tu na rede, eu nas pedras; (mesma hora, em nadas diferentes) ambos colecionando um amor egoísta balançando exauridamente o verão incomodando a falta do que não houve suavizado, porém, pela originalidade da fuga porque nada se eleva diante os clichês; nem teus olhos, nem teus pés (já não os mesmos) inconcluem o destino das marés.

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Triste euforia Ao Alexon Fonseca “ Trata-se de um amor puro, simplesmente, ameaçado pelo toque das coisas humanas. Assim, céticos de nascença o definiriam como transcendental e por um instante creriam no entrelaçamento de almas” Que sentido nos inunda, senão identificarmo-nos? Resolvi que não leria aquele capítulo nem outra coisa qualquer que confundisse mais a madrugada; pilares sustentam lembranças recentes apenas gosto de você porque não me sinto tão só nadando contra a corrente. Felizes nós que conseguimos sentir o cheiro da noite, carimbado na dispersa languidez social caminho doído, irrecobrável ou se quer dizer amor, logo tu harmoniza a dor à descoberta e cai na triste euforia do endeusamento! Bem te disse, não há consolo na fome da criança: atenuamos o tédio por ingenuidade matamos as estrelas por descompromisso; e o céu fica omisso a nós, um fumaceiro branco, impreciso.

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Wagner, o caso Ao Nietzsche “ Somente a arte pode transfigurar a desordem do mundo em beleza e fazer aceitável o que há de terrível na vida” O eterno retorno do mesmo é teu, nasceste póstumo para fragilizar as certezas e ainda indagamos pra que, Nietzsche? teus olhos me assaltam quando distraída vejo duas bolas imensas, submersas na brancura infantil entre as pálpebras como negras ilhas gêmeas desarmadamente preparadas e ainda equipada de um fatalismo paradoxal Ah, Wagner! Como queria pronunciar alto teu nome! quem incitou essa vontade nos diria tão bem como tudo é nada e o vice versa a música resplandece nas veredas do amor; com nós não, foi a poesia que nos encarnou quem sabe, Wagner, apaixonamo-nos por vício, egoísmo ou procura talvez até desejo e incerteza percebes a malícia perfeitamente cruel de sua boa escrita, Nietzsche? Quiseste matar a tua dor, ao contrário eternizaste-a de boca em boca, permeando quase todos graus de cultura e até asneiras teu nome estático, difícil, malhado quem há de nos defender? Formamos um trio desconhecido, distantes de datas, corpos e línguas. Ninguém há de tomar nossas dores mas embebedam-se delas, a procurar preencher um vazio que só aumenta.

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Aprendizaje Ao Gilberto Antonio Gorrichátegui Vásquez Falei que tu devias comer maçã todo dia. A rouquidão de tua alegria paira na sala com o brilho de uma estrela inofensiva. Amanhã de manhã, por favor, te lembras! Não é preciso colher as rosas sem que tenha chegado a hora depois, que te vale acumular sorrisos? É pertinente a desintegração para recompor saúde tuas cordas vocais priorizaram o aprendizado qualquer intervenção teria sido inútil! Tomas nota; falar outras línguas embaralha o idioma, mas expande a linguagem: Dá-me um guia para escrever meus versos e entrego-te essa homenagem.

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Os signos de Bernardo Ao Bernardo Silva Tudo em ti revela a naturalidade do tom o porto ilha, no mar de Areia Branca registra teu descontraído passo, Bernardo mostra teus signos, conta teus casos tua vivacidade torna o movimento do mundo bem mais interessante, teus dentes grandes calmo estar, vasto horizonte! pensar em ti é submergir em águas tranquilas (com os pássaros dos mais variados cantarolando!) estar contigo é abrir um caminho de flores tua beleza é tanta que te confunde ao santo que a luz intensa do luar abençoe sempre o teu caminho e que caminhemos juntos!

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Singela homenagem Ao Anchieta Rolim Anchieta é um projeto artístico em plena desconstrução um bom coração, inquieto à eterna busca do inacabado. Ávido por justiça farto de talento, fácil de sorriso delicado com provocação. Atento, obstinado, rebelde, emocionado; criança frágil de uma alma forte (feliz ambiguidade!) sua principal fonte brota da sinceridade.

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Cem anos de solidão- A família Buendía “ não se morre quando se deve, mas quando se pode."

O casal deixou Riohacha, mas não se livrou do fantasma que José Arcadio Buendia um dia matou, Prudêncio Aguilar, e Macondo fundou. Sonhador e visionário, obcecado pela alquimia, morreu louco, amarrado ao castanheiro da família. Melquíades cigano, sábio, louco e santo! com as novidades do mundo; o gelo, a dentadura e os misteriosos pergaminhos, imortalizou-o. A coragem lúcida e as peripécias numa casa de loucos, fizeram da matrona centenária , uma cega que via tudo. Morre Úrsula Iguarán, numa branda tarde depois da grande chuva em Macondo... O coronel das 32 revoluções, dos 17 filhos nasceu de olhos abertos e nunca conheceu o amor; morreu sozinho em casa com seus peixinhos de ouro. A solidão impenetrável da virgem rancorosa, Amaranta; atadura na mão e a penitência ao suicídio de Pietro Crespi. O saco de ossos dos pais à incompletude da bastarda ávida por cal e terra; Rebeca. A doença da insônia, o sangue que atravessou as ruas, um forte eterno cheiro de pólvora... A puta amada, Pilar Ternera, via o futuro nas cartas. Remédios, de tão bela, matava os homens de amor ascendeu ao céu com o lençol, sem saber seu esplendor! A esposa trocada pela concubina, Fernanda del Carpio, perfeccionista e neurótica, uma fanática religiosa, e seu penico de ouro. Pelo telhado do banheiro, Maurício Babilônia sofre um tiro sua invalidez não espanta as borboletas, Meme foi grávida para um convento. Os gêmeos idênticos trocados de identidade; Josés Arcadios impulsivos e determinados Aurelianos estudiosos pacatos, tristes e ensimesmados. Santa Sofía de la Piedad vai para a sua cidade, após a morte dos três filhos. Um emaranhado de acontecimentos, mortes e nascimentos, aos segredos da estirpe e de seu povo. Dos amantes que não conheciam seus laços de sangue e concretizaram a maldição da família: Nasce um com rabo de porco e é morto por formigas.

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Fantasmagórica realidade Ao tio Beto A lembrança da tua calma é bem mais forte que a ausência de nossas falas. Emudeces em distintas situações na discreta evidência de tua presença; sei que a ti foi dado o dom de perceber por isso o silêncio de conhecer aquela íntima resposta (protegido aos serenos, exposta nos desesperados) quando rememoras o cuidado de teus pais o amor aflora em lágrimas de gratidão, ternura e saudade. As voltas colidem e bifurcam nossa estrada mas para sempre hei de carregar o teu nome: O amado, o preferido de sorriso largo miúda, diante de teu passo, meu respeito! Assim sempre te vejo, na mais fantasmagórica realidade.

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Universo Paralelo Ao Psilocybe Cubensis O silêncio, a música, a interação, a contemplação. Absolutamente tudo se sincroniza, porque tudo é amor. Há uma movimentação surpreendente no mundo marítimo e toda superfície esconde uma intensa potencialidade: A putrefação que aduba a terra, o singular mundo estrelar, o submundo dos mundos a incrível naturalidade dos ciclos. Tudo é amor. A flor, o pasto, o boi, o cuidado, a crudelíssima nitidez das pedras compartilha a real imponência das montanhas. As pétalas que voam, borboletas a nascente, a geleira, o mangue, o deserto, a capacidade de pulsar. Tudo é amor. Em cada partícula invisível há vida a vida é plena em transformação e o homem quando se nega à própria natureza não se permite amor. O sol na chuva, a beleza de todas as coisas que já são, que se mostram incansavelmente a cada instante de forma que transcende ao tempo. E por isso não amadurece, visto que é soberano porque é espaço, é imagem Porque é. Simplesmente. Sem perguntar a quem, sem revidar nem detestar nem planejar, o amor ecoa como uma trovoada e expande magnificamente de cima para baixo (de dentro para fora) Tudo é amor. O cardume é sempre nômade? Como pouco se percebe a divindade da água?

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O passado do céu é permanecer céu? de onde veio as areias, até onde se estendem? e o exuberante verde que rastejam as iguanas? Ah, se não fosse tudo repleto de cor no amor havia menos sentido. Felicidade tem mais haver com brandura. Fora da ilusão há verdade. A diversidade de peles, texturas, aromas, infinitas vidas invisíveis, discretas, sensatas, calmamente acontecidas na surpresa imprevista da vida. Todos os mundos se cabem, porque existem; são complementos, são partes, e é o todo (todas as frutas são primas?) tudo se faz família! Os esporos voam. A água engravida. O sol dá a luz. Até a lua é luz. E alcança tudo. Tudo é dor. Mas a dor compensa o amor. Sejamos nítidos como a expansão da praia livres como o fluir do rio, e o bater de asas sejamos, apenas sejamos! Serenos, transparentes, em desarmados silêncios porque a paz é inteira e a vaidade é uma arma e nenhuma arma pode fazer bem ao homem. Não existem necessidades, já que somos todos supridos a natureza se serve de si mesma, porque o banquete está sempre posto. O universo inteiro e sua inexplicável variedade pulsa. Pulsa e pulsa, ciclicamente; isso é amor. Pura originalidade.

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O doce amargo Ao Jânio Lima O equilíbrio foi uma conquista depois de muitos anos de chumbo meus ombros também curvaram acumulando o peso do mundo confortável é aceitar os fatos e deixar que eles escorram sem apegar-se a dor do que não foi nem à glória do embevecer desde quando a estrada é uniforme? Caminhar ainda que os calos reclamem descansar ainda que o tempo apresse sempre haverá pedras no sapato e cinza entre as cores mais alegres doces amargos invisíveis a decomposição renasce de almas penhascos e pontes existíveis.