plataforma vimeo, coletivo garapa e a economia criativa: questões em curso

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    Anais do Simpsio Internacional de Inovao em Mdias InterativasGoinia: Media Lab, 2016

    Plataforma Vimeo, Coletivo Garapa e a economia criativa: questes em

    curso

    Lara Lima SatlerAlice Ftima Martins

    RESUMOA plataforma Vimeo opera como meio aberto de distribuio de contedosaudiovisuais: fazem uso dela tanto amadores como realizadores margem dasredes de salas de cinema comerciais e/ou festivais de filme independente. AGarapa, sediada na capital paulista, se apresenta como um coletivo que renefotgrafos e realizadores profissionais em multimeios. A opo feita pelaGarapa em se autoafirmar coletivo implica no esforo em se vincular aocoletivismo artstico, um fenmeno que apesar de no ser de origemcontempornea nas artes tem caractersticas peculiares nos dias atuais.

    Algumas destas caractersticas envolvem o exerccio da experimentao

    multimiditica contando com uma rede de especialistas em reas distintasmediados por tecnologias de comunicao e informao e por princpios comorelaes horizontais e fragmentadas em torno de projetos pontuais. Em 2013, aGarapa contou com a aprovao do seu projeto intitulado Correspondnciaspela Fundao Nacional de Artes (FUNARTE). Tal aprovao implicou noapoio financeiro para realizao de um projeto que construiria redes comartistas de cinco capitais brasileiras, mas tambm na chancela para asprodues originadas dele e distribudas pela plataforma Vimeo de umainstituio que representa as polticas culturais nacionais. A Garapadesenvolveu uma metodologia de trabalho, envolvendo a observao spolticas culturais nacionais e princpios coletivistas a fim de produzir umaudiovisual independente, sendo financiado e chancelado. Tendo em vista oprimeiro esboo desse contexto, neste trabalho a proposta abordar asseguintes questes: Em que consiste a metodologia de trabalho da Garapa?De que modo ela dialoga com o aporte da economia criativa? As pistas paraessa discusso sero buscadas a partir de entrevistas realizadas com osparticipantes do coletivo que desenvolveram o projeto Correspondncias(2013) e da anlise dos documentos e produes que o envolvem. Comoresultado, interessa-nos contribuir para as discusses relativas economiacriativa.

    Palavras-chave:Garapa; coletivo; polticas culturais; economia criativa

    ABSTRACT

    The Vimeo platform works as an open media to promote audiovisual products.Between its users, there are non-professional video makers, video makers whowork outside the commercial system, as well as those who do not participate infilm festivals, mainly the independents. Based in So Paulo, the Garapa namesitself as a collective. Photographers and filmmakers that work with multimediaresources form it. This framework involves an effort in order to stablish arelationship with artistic collectives. The artistic collectives phenomenon is not

    new in the arts field, but it presents singular characteristics nowadays. Some of

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    these involve multimedia experimentation inside a network of specialists indifferent fields mediated by technologies of information and communication,and by principles such as horizontal and fragmented relations around specificprojects. In 2013, Fundao Nacional de Artes (FUNARTE) approved theGarapas Project Correspondncias. With financial support, it was possible

    develop the project, organized in nets of artists working in five Brazilian cities, infive different administrative regions. In this way, the cultural policies and thesystem of Arts have legitimized their work. The Garapa members havedeveloped a methodology that observes the Brazilian cultural policies andcollective orientations in order to produce an independent work with video,although with financial support and institutional legitimation. In view of thiscontext, the following questions are the axis of this study: Which are theelements that form the methodology of work adopted by Garapa? Is it possibleto link this methodology with the notion of the creative economy? In what way?Interviews with members of the Garapa who worked in the Correspondncias

    Project (2013), and analyze of documents and products were themethodological strategies of research adopted. We hope the results of this workmay bring some contributions to the studies about creative economy.

    Keywords:Garapa; collective; cultural policies; creative economy

    1. A Garapa grupodidata

    Em 2013, a Garapa contou com a aprovao do seu projeto intitulado

    Correspondncias pela Fundao Nacional de Artes (FUNARTE). Talaprovao implicou no apoio financeiro para realizao de um projeto queconstruiria redes com artistas, comunicadores, fotgrafos, designers, arquitetose estudantes com perfis afins, de cinco capitais brasileiras. Implicou ainda nachancela de uma instituio que representa as polticas culturais nacionaispara as produes originadas no projeto e distribudas pela plataforma Vimeo.

    A plataforma Vimeo opera como meio aberto de distribuio de contedosaudiovisuais: fazem uso dela tanto amadores como realizadores margem dasredes de salas de cinema comerciais e/ou festivais de filme independente. AGarapa (2013d) distribuiu, em um canal exclusivo do projeto, asexperimentaes audiovisuais produzidas pelos participantes doCorrespondncias.

    No projeto, a Garapa desenvolveu uma metodologia de trabalho, envolvendo aateno s polticas culturais sem desconsiderar seus princpios coletivistas afim de produzir um audiovisual independente, sendo financiado e chanceladonacionalmente. Mas no que consiste essa metodologia de trabalho?

    Em outro momento (SATLER, 2016a), detalhamos as etapas da metodologiade trabalho utilizada pela Garapa, dentro do projeto Correspondncias.

    Resumidamente, nos interessa retomar que: os participantes das cinco capitais

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    puderam se relacionar, antes das oficinas, por meio de plataformas digitais derelacionamento, como Facebook e Tumblr; em cada capital que recebeu asoficinas multimdia, um coletivo distinto se constituiu; as oficinas multimdiaoperaram como espao do encontro/ pretexto para o coletivo se encontrar eproduzir; a ateno dada liberdade criativa de cada coletivo exigiu a

    alterao do formato um documentrio para vinte microdocumentrios; cadacoletivo produziu quatro microdocumentrios com narrativas prprias.

    Figure 1: Frames da vinhetas Correspondncias (Autoria Garapa, 2013)

    A figura 1 apresenta frames da vinheta, de abertura e fechamento, doCorrespondncias, feita pela Garapa. Uma vez que se tornou invivel aproduo de um nico documentrio pelos cinco coletivos, mesmo que elesestivessem conectados em rede, a vinheta cumpriu a funo de unificar asvinte narrativas distintas originrias do Correspondncias, segundo Fehlauer(2013a).

    Com apenas esses frames como referncias, encontramos pistas sobre ametodologia de trabalho da Garapa. Por eles, sabemos que o projeto seinteressou por temas urbanos (com forte interesse para a mobilidade, a

    agilidade e as grandes obras, como as vias de acesso rpido de veculos). O

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    borro das imagens traduzem a velocidade dos objetos, as grandes pontes evias largas nos contam sobre um fluxo intenso de carros.

    O projeto usou mapas e pontos semelhantes aos cones do servio delocalizao da Google Maps. A relao entre alta tecnologia de imagem dos

    satlites e a artesania de um desenho mo, afixado no tronco de uma rvore,sugere uma provocao deliberada e desejada entre as imagens tecnolgicase artesanais.

    Pelas linhas dos fios de alta tenso, h um interesse em explicitar ascorrespondncias do projeto. As correspondncias podem significar o ato decorresponder, trocar cartas, bilhetes, telegramas, e-mails, fotografias, vdeosetc. por meios de informaes digitais, o 0 e 1, que cabos e fios conduzem pelarede virtual de computadores, bem como sugerem uma correspondncia, umarelao de simetria ou proximidade, por exemplo.

    Neste sentido, a distribuio das narrativas na plataforma digital Vimeo implicaem sobrepor s imagens, cones que convidam o espectador/internauta aemitir uma opinio sobre ela (clicando no Like, gostar), a guard-la para assistirmais tarde (ou novamente), a usar a narrativa como correspondncia(compartilhando-a com sua rede de contatos).

    Por fim, o coletivo Garapa possui o mesmo peso visual que a FUNARTE, oMinistrio da Cultura e o Governo Federal do Brasil. Ao se colocar em paraleloe com o mesmo tamanho das representaes grficas dessas instituies,

    como so as logomarcas que assinam as narrativas, a Garapa transmite amensagem de igual importncia.

    Quando questionado o que significa trabalhar em coletivo, Fehlauer (2013a,grifos nossos), um dos representantes da Garapa responde,

    Bom, primeiro porque no nosso trabalho a gente se autodenomina umcoletivo e um trabalho que tem uma... pressupe uma horizontalidadenasrealizaes dos projetos. Ento na Garapa no tem cargos: so trs sciose os trs tm a mesma funo, ou seja, todas. Os trs fazem praticamentetudo. E ento isso t muito... essa produo em grupo de forma horizontal

    t embrenhada no que o nosso trabalho. Tanto no trabalho autoral,quanto no comercial, a gente desenvolve dessa forma: um processodediscusso constante, um debate constante na produo e h sempre umanegociao, uma conversa constante pra chegar a um acordo sobre o quea gente vai fazer no trabalho. Ento isso t muito presente no nosso dia adia. E como processo uma coisa que nos interessa muito levar paraoutros meios, outros ambientes. por isso que quando a gente levaoficinas para outros lugares, ns tentamos sempre criar grupos: 1)selecionar pessoas de perfis bastante diferentes; ento nesse caso doCorrespondncias tinha... era super aberto... tinha arquiteto, jornalista,fotgrafo, gente do vdeo, das artes (era bem amplo o espectro de pessoas)

    e na hora de produzir e montar os grupos de produo mesmo, no existia

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    necessariamente uma funo, as pessoas passavam por todas as etapasassim (claro que de acordo com o interesse de cada um tambm), mas noexistiu uma. A gente tenta - quem tem mais interesse na captao deimagem acaba fazendo isso fazer com que o grupo trabalhe de formahorizontal tambm e crie a partir desse encontro, n, um encontro com

    pessoas de vrias reas diferentes e que cada um tem alguma coisa acontribuir ali. E ento no tem um diretor, um diretor de fotografia, no temum assistente, sabe, a gente no designa papis. um grupo que vaiproduzir junto. Dependendo da experincia, a gente faz grupos maiores oumenores assim, mas sempre a ideia de que o grupo vai produzir emconjunto a partir dessa conversa, n, desse debate interno que pertence aogrupo.

    Dos trechos acima, a produo multimdia no coletivo Garapa pressupe

    observar a horizontalidade das relaes entre seus membros; a negao defunes fixas e pr-determinadas dos participantes; a observncia a umprocesso contnuo que envolve o debate e a negociao; por fim, o encontrocomo pretexto para o fazer.

    A partir da breve anlise dos framesda figura 1 aliado ao trecho da entrevista,afirmamos que a Garapa levou para os cinco coletivos, constitudos dentro dascinco oficinas, sua prpria metodologia coletiva de trabalho. Trata-se de umsaber fazer, um know-how que ela construiu por meio da experimentao desaberes e fazeres e sua correspondente validao em grupo, o seu prprio

    coletivo (de fotgrafos e vdeo makers). A essa metodologia temosdenominado de grupodidatismo.

    Em oposio a figura do autodidata, daquele que aprende por si mesmo, a dogrupodidata reconhece a potencia do grupo para a construo deconhecimento, de saberes que aprimoram os fazeres dos seus membros e, porisso, so hbeis para aperfeioar o know-howde cada um tambm.

    A metodologia de trabalho da Garapa se constitui grupodidata por considerarque seu saber-fazer, seu know-how, lhe possvel se construdo em grupo.Desse modo, de onde vem essa noo de potencia de grupo na qual ela sefundamenta?

    2. Coletivismo, economia criativa e Garapa: aproximaes possveis?

    Segundo Crusco (2013), uma srie de manifestaes que tomaram conta doBrasil em 2013 - como as cenas de abuso da fora policial transmitidas ao vivopela Mdia Ninja, vinculada ao circuito Fora do Eixo - trouxe ao debate pblicoa questo dos coletivos. Ele resume, os coletivos so grupos de pessoas quese unem por um objetivo comum, seja ele poltico, artstico ou puramenteprofissional.

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    Stimson e Sholette (2007) argumentam que atualmente um novo coletivismotem nascido nas artes, mas frequentemente com pouco ou nada que o vinculea um grande ideal, como foi, por exemplo, o comunismo para grupos artsticosconstitudos logo aps a Segunda Guerra Mundial. Os autores argumentamque o coletivismo ocupa distintas posies ao longo da histria. Assim,

    defendem a necessidade de periodiz-lo, compreendendo as diferenas docoletivismo em cada poca para ento contrap-las ao modelo emergente.

    Resumidamente, afirmam os autores, o coletivismo modernista foi o primeiroempreendimento para desenvolver uma alternativa social de vida comunitriaem termos culturais, de modo que h uma adoo do coletivismo at aSegunda Guerra Mundial, no qual artistas ambicionavam falar em nome danao, classe ou humanidade. Neste contexto, o singular se esvaneceu na vozcoletiva, implicando que os objetivos comuns se sobrepunham aos individuais.Trata-se de um coletivismo do termo Homem, como se ela abarcasse toda

    diversidade humana.

    Aps a Segunda Guerra Mundial, o sonho coletivista nas artes se tornousombrio. Com a ascenso do socialismo e existncia da Guerra Fria entre aURSS e USA, como adversrios representantes, artistas, especialmente nospases hegemonicamente contrrios ao ideal comunista, que se reuniram emgrupos e defendiam uma posio poltica comum so costumeiramenteperseguidos.

    No entanto, neste mesmo perodo, entre 1945 e 1989, que ocorre a cultural

    turnou virada cultural em que a cultura torna-se gradativamente um modo dereorganizao da vida cotidiana. Emergem discusses acerca das minorias, oque implicou discutir a poltica no apenas da perspectiva das opresses declasse, mas tambm de gnero, raa, sexo etc. No contexto da virada cultural,a questo da diferena e da diversidade entram em pauta e ganhamvisibilidade.

    Os autores argumentam que com as transformaes da agenda neoliberalaps o onze de setembro, o coletivismo emerge com um inovador pensamentode grupo inovative groupthink e uma sensibilidade vanguarda eletrnica,que se traduz pela descentralizao das aes de grupo e sua propagao emovimentao social por meio da Internet.

    Obviamente, argumentam os autores, pretender periodicizar o coletivismo nahistrica no implica em propor que grupos cujos formatos de organizao eprincpios polticos se assemelham muito ao coletivos modernistas coexistamcom grupos que defendam a diversidade. preciso compreender que hojecoexistem grupos com ideais comunistas com coletivos que mesmo seorganizando por meio da Internet, negam a diversidade cultural.

    Alm disso, preciso ressaltar que os autores percebem duas faces do

    coletivismo dos dias atuais: uma delas se organiza em uma comunidade anti-

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    imperialista e constri suas estratgias pensando em nome de um ideal morale contrria a suposta imoralidade do mercado global; aqui o coletivismo operacomo um fetiche.

    A outra face do novo coletivismo minimamente regulado, se esfora por

    substituir antigos ideais comunitrios como o cristianismo, islamismo,nacionalismo e comunismo pelas novas mdias e novas tecnologias. Esteltimo, trata-se de um coletivismo ao estilo do sloganthink outside the box,que representa uma classe criativa (STIMSON; SHOLETTE, 2007, p. 13,grifos dos autores).

    A partir da discusso do primeiro item, observamos que a Garapa opera comoum coletivo ao estilo think ouside the box, ou seja, no pretende defendergrandes ideais comunitrios, nacionalistas, tampouco defende grande ismos.

    Ao contrrio, a Garapa atua por meio das plataformas digitais interessado em

    jogar fagulhas da criao coletiva em outros contextos (SATLER; MARTINS,2014). O sentido de difundir a criao coletiva est muito mais associado construo de redes de colaborao do que a construo de uma comunidade.

    Delgado (2007) argumenta que o sentido terico do termo comunidade estassociado s organizaes que tem como inspirao a famlia, suas relaesde intimidade e confiana, bem como suas hierarquias e sanes. Ao contrriodisso o conceito de coletivo, que pressupe a reunio de indivduos quecompreendem a convenincia de estarem juntos para obter determinadosobjetivos. Da que alia ao termo comunidade noo de comunho e ao termo

    coletividade de comunicao, sugerindo que para ela se manter, preciso secomunicar.

    Neste sentido, a Garapa se interessa por disponibilizar aos participantes doCorrespondncias diversas plataformas digitais de comunicao a fim demanter a possibilidade do dilogo aberto, mesmo considerando as distnciasfsicas dos participantes. A proposio da Garapa em jogar fagulhas da criaocoletiva em outros cenrios alm de traduzir poeticamente o interesse do gruposugere uma criao de redes de colaboradores, a qual para se experimentarprecisou de uma metodologia, uma inovao grupodidtica que articulasaberes e fazeres para produzir multimdia junto.

    Em busca de estabelecer conexes entre o coletivismo da Garapa e aeconomia criativa, pensemos agora os princpios basilares desta. SegundoMarinho (2013), a perspectiva da economia criativa considera o talentoindividual como componente fundamental para as organizaes e suadiferenciao competitiva. Para a autora, o termo sintetiza criatividade eeconomia ao apostar em um modelo de desenvolvimento que se fundamentano conhecimento, no talento individual, na cultura e tecnologia.

    Cunhado em 2001, no Reino Unido, ela argumenta, o termo economia criativa

    busca relacionar inovao e tradio em modelos de negcios, como o

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    desenvolvimento de produtos e servios envolvendo as indstrias criativas(abarcando o setor de mdia, informao, cultura e artes); a economia dacultura e a culturalizao da economia.

    Bayardo (2013) afirma que o termo indstrias criativas se apresenta como

    substituio e continuao da noo de indstrias culturais. Assim, observaque a rpida institucionalizao das indstrias criativas nos mbitos estatais,privados e associativos bem como a sua visibilidade nas agendas e naspolticas culturais denotam maior ateno ao setor cultural e uma mudanaconceitual para seu fomento.

    Sua crtica s indstrias criativas se fundamenta em uma suposta retrica dacriatividade, que envolve os aspectos criativos e os criadores do setor cultural,uma teoria etrea que omite reflexes anteriores em polticas culturais a fim delegitimar novas polticas pblicas.

    Considerando que as polticas culturais eram compreendidas como polticas degoverno e que passaram a ser entendidas como polticas pblicas, isto , noapenas dos Estados, mas tambm originrias da interveno de agentes domercado e sociedade civil, argumenta que mais do que nunca faz-senecessrio informaes precisas e conhecimento slido capaz de munir oplanejamento estratgico das intervenes, interveno, acompanhamento eavaliao, que delinearo novas polticas culturais.

    Neste cenrio, o autor relembra que as polticas culturais esto fundamentadas

    na democratizao de bens e servios culturais; na descentralizao queconsidera necessidades locais e comunidades diversas; no desenvolvimentoque observa os bens simblicos atrelados s identidades; e na diversidadecultural que reconhece a existncia de semelhanas e diferenas entre grupose dos seus valores e contribuies comuns para a espcie. Seu argumentoconcerne que para considerar a expanso das indstrias culturais, preciso terem mente tais fundamentos.

    A Garapa, sediada na capital paulista, se apresenta como um coletivo querene fotgrafos e realizadores profissionais em multimeios. J discutimos emoutro momento (SATLER; MARTINS, 2016b) que a opo feita pela Garapaem se autoafirmar coletivo implica no esforo em se vincular ao coletivismo,um fenmeno que apesar de no ser de origem contempornea nas artes temcaractersticas peculiares nos dias atuais.

    Algumas destas caractersticas esto presentes no exerccio multimdia daGarapa quando ela conta com uma rede de especialistas em reas distintasmediados por tecnologias de comunicao e informao e por princpios comorelaes horizontais e fragmentadas em torno de projetos pontuais.

    Ser coletivo para a Garapa implica na noo de rede de parceiros e

    colaboradores. No contexto da sua metodologia, essa rede que gera

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    abundncia de saberes e fazeres multimdia. O termo rede neste sentidoenvolve tambm um pensamento em rede, ou seja, uma ideia de que executarprojetos multimdia em coletivo requer ao mesmo tempo manter as redesexistentes e disseminar a ideia da sua importncia, em outras palavras,disseminar o pensamento coletivo em rede.

    A noo de um pensamento coletivo em rede implica na valorizao dossujeitos envolvidos, isto , na observao aos seus desejos como indivduoque tem um fazer e um saber multimdia e no seu envolvimento como coautordo projeto executado.

    Neste sentido, a horizontalidade das relaes em grupo fundamental paraque todos os partcipes dessa rede se percebam em iguais condies dedirecionar os rumos que o projeto multimdia vai tomar. tambm essa noode horizontalidade que vai garantir aos membros da rede a escolha das

    funes com as quais quer ou pode contribuir.

    neste sentido que a atuao do indivduo no projeto multimdia pode serpontual e fragmentada. Uma vez que a execuo de projetos envolvendomuitas mdias requer uma srie de especialidades, compreensvel que cadamembro do coletivo atue naquilo que mais sabe ou se interessa por fazer, ouseja, que tem mais know-how.

    O que vincula os indivduos, ento? Em primeiro lugar, o pensamento de queproduzir em coletivo pode emergir uma troca de desejos, saberes e fazeres;

    em segundo, o de que essa troca, alm de enriquecedora, prazerosa para osenvolvidos quando permite que o singular de cada indivduo se realize, masno se perca no projeto do grupo. Esse singular se realiza na autodescobertade saberes e fazeres, que ao se apresentarem em grupo tornam-sedescobertas percebidas pelo coletivo e validadas por ele.

    Neste sentido, o grupo opera como um potencializador de descobertas desaberes e fazeres individuais, mas no apenas isso. O grupo pode negarautodescobertas, o que implica na necessidade do indivduo em reelabor-lade outro modo, ceder um tanto e negociar outro tanto e at deixar o projeto,caso a validao lhe seja fundamental (SATLER, 2016a).

    Ao contrapor os alguns princpios da economia criativa (MARINHO, 2013) como coletivismo disseminado pela Garapa, h no seu pensamento coletivo umarecusa noo de que o talento individual seja o diferencial competitivo, poisnem o talento visto como um know-how unicamente individual, j que sevalida no coletivo, tampouco h um interesse em reiterar a lgica dacompetio, mas disseminar a da colaborao.

    Por outro lado, preciso reconhecer que a Garapa ao se afirmar coletivo nodeixa de ser tambm uma miniprodutora multimdia como j discutimos em

    outro momento (SATLER; MARTINS, 2014). Alm dos trabalhos autorais,

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    como o Correspondncias, a Garapa desenvolve narrativas comerciais.Poderamos argumentar que nestas ltimas ela reitera a lgica da competio?

    No que tange ao seu discurso, no, pois afirma que constri narrativas emparceria (GARAPA, 2013f) com seus clientes, o que implica em uma relao

    distinta da prestao de servio para o outro, o seu cliente, mas em umacoautoria ou coparticipao com este na elaborao.

    Por ltimo, interessa-nos pensar no interesse da Garapa pela chancela daFunarte. Para tanto, o dilogo com Bayardo (2013) pode ser esclarecedor.Para sua sobrevivncia enquanto grupo independente, a Garapa busca aaprovao de seu projeto de rede artstica na Funarte, sendo esta ao mesmotempo a financiadora e a chancela de que a produo multimdia dos cincocoletivos e da Garapa so Arte com A maisculo. Ento, ao obterem aaprovao da Funarte, obtm tambm o reconhecimento oficial de que fazem

    Arte, mesmo estando margem de museus e galerias, ou seja, mesmodistribuindo suas produes na plataforma digital Vimeo.

    Quando consideramos que a Garapa se afirma coletivo no contexto daascenso da economia criativa, observamos que ela faz uso das polticasculturais nacionais para no apenas sobreviver da sua produo multimdia,mas tambm para obter reconhecimento da mesma como Arte. No caso daGarapa, as polticas culturais da Funarte democratizaram a produo destecoletivo, especialmente em razo da sua proposta se esforar por tornardemocrtico o acesso artstico multimdia, de norte a sul do Brasil. Ento trata-

    se de um know-howda Garapa falar Funarte quilo que ela se interessa emouvir. Se isso vai de fato significar democratizao do acesso, no sabemos,mas preciso reconhecer que h um esforo neste sentido.

    3. Consideraes

    A Garapa ao se afirmar coletivo, vincula-se ao fenmeno do coletivismocontemporneo, o qual tem se destacado por princpios de horizontalidade dasrelaes, a inexistncias de cargos e funes pr-determinadas e fixas, ointeresse pela disseminao de um modo de produo coletiva Brasil a fora,que considera o processo mais do que o produto final e faz uso insistente deferramentas de tecnologia da comunicao e informao, propiciadoras daconstruo de redes de colaboradores.

    Por consequncia, no possvel replicar sua metodologia a outros grupossem considerar que ela requer ser construda por meio da participao coletivados seus membros. Em outras palavras, no se trata de tomar tal mtodocomo uma receita, mas possvel considerar seus saberes grupodidticos.

    Alguns aspectos desses saberes dizem respeito ao interesse da Garapa peladisseminao da produo multimdia de seus coletivos sob a chancela da

    Funarte. Neste sentido, a Garapa goza de um know-how ao se adequar s

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    polticas culturais nacionais para obter reconhecimento para suas produes.Para tanto, apresenta como contrapartida social do seu projetoCorrespondncias a oferta de cinco oficinas de norte ao sul do Brasil. H aquium deliberado interesse por propiciar acesso, ao mesmo tempo em queconstri redes.

    A Garapa desenvolve seu grupodidatismo ao conciliar interesses, articulando-os em grupos distintos, sabendo ouvir e se adaptando s diversidades deles.Certamente, seu contnuo exerccio de negociao interna possibilitou aocoletivo sua inovao grupodidtica, seu know-howque possibilita contemplara diversidade de interesses e ainda assim concluir seus projetos, mesmo quefiquem menos palatveis (Fehlauer, 2013a), no sentido de menos digerveis aopblico externo.

    Neste sentido, a chancela da Funarte torna-se fundamental. Uma vez que seus

    projetos no gozam de sucesso de pblico, h como conforto oreconhecimento institucional. Talvez por isso que a Garapa se interesse tantopor trabalhar por meio de projetos, para continuar construindo redes edisseminando seus princpios coletivistas e ainda ser reconhecida por isso.

    Referncias:

    BAYARDO, R. Indstrias criativas e polticas culturais: perspectivas a partir docaso da cidade de Buenos Aires. In:CALABRE, L. (Org.). Polticas culturais:informaes, territrios e economia criativa. So Paulo: Ita Cultural; Riode Janeiro: Fundao Casa Rui Barbosa, 2013. 244 p.

    CRUSCO, Srgio. A vida em um coletivo. Maire Claire, So Paulo, n. 273, p.94-104, dez.2013.

    DELGADO, M. Lo comn y lo colectivo.Barcelona, Universitat de Barcelona,2007. Disponvel em:. Acesso em: 14.mar.2015

    FEHLAUER, Paulo. Entrevista concedida a Lara Lima Satler. So Paulo.11.dez.2013a.

    GARAPA. Correspondncia no Vimeo. Mar. 2013d. Disponvel em:. Acesso em: 22.nov.2015d.

    GARAPA. Quem somos.Mar. 2013f. Disponvel em: . Acesso em: 22.nov.2015f.

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