plataforma multi-atores embu das artes

18
Plataformas multi-atores e Aprendizagem Social: uma gestão ambiental efetiva na APA Municipal Embu Verde. Embu, São Paulo Filipe Alvarez de Oliveira (PROCAM - USP) Biólogo, Especialista em Gestão Ambiental e Mestrando em Ciência Ambiental [email protected] Dr. Paulo Antonio Almeida Sinisgalli (PROCAM / EACH- USP) Professor da Escola de Artes Ciências e Humanidades da USP, Pesquisador do PROCAM-USP Doutor em Economia Aplicada [email protected] Resumo Este estudo parte de uma perspectiva científica para analisar e entender os processos de gestão de recursos naturais, a partir dos trabalhos de implantação e funcionamento do recém criado conselho gestor da APA Embu Verde. A referida área de proteção ambiental foi criada pela lei municipal n° 108/11-12-2008 e teve seu conselho gestor regulamentado pela lei complementar n° 86/2009. A APA com 15,7 km² ocupa aproximadamente 22 % do território do município. Devemos levar em consideração que, uma grande dificuldade que as iniciativas de gestão integrada de recursos naturais enfrentam é a baixa capacidade de resolução de conflitos. A criação de um conselho gestor, mesmo com a participação da sociedade civil, não garante a conservação da área, e pensando em gestão participativa temos que nos remeter a processos democráticos que realmente tragam em seu bojo o diálogo, o debate e a representatividade. Assim, tentamos enquadra este conselho gestor numa categoria de espaços para negociação de conflitos e colaboração que pode ser chamado de plataforma multi-atores e, analisando seu funcionamento procuramos verificar se processos de Aprendizagem Social ocorrem. Palavras-chave Conselhos Gestores, APA, Plataforma de Multi-atores, Aprendizagem Social V Encontro Nacional da Anppas 4 a 7 de outubro de 2010 Florianópolis - SC Brasil

Upload: filipe-de-oliveira

Post on 18-Nov-2014

604 views

Category:

Education


0 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

Plataformas multi-atores e Aprendizagem Social: uma

gestão ambiental efetiva na APA Municipal Embu Verde. Embu, São Paulo

Filipe Alvarez de Oliveira (PROCAM - USP)

Biólogo, Especialista em Gestão Ambiental e Mestrando em Ciência Ambiental [email protected]

Dr. Paulo Antonio Almeida Sinisgalli (PROCAM / EACH- USP)

Professor da Escola de Artes Ciências e Humanidades da USP, Pesquisador do PROCAM-USP Doutor em Economia Aplicada

[email protected]

Resumo

Este estudo parte de uma perspectiva científica para analisar e entender os processos de gestão de recursos naturais, a partir dos trabalhos de implantação e funcionamento do recém criado conselho gestor da APA Embu – Verde. A referida área de proteção ambiental foi criada pela lei municipal n° 108/11-12-2008 e teve seu conselho gestor regulamentado pela lei complementar n° 86/2009. A APA com 15,7 km² ocupa aproximadamente 22 % do território do município. Devemos levar em consideração que, uma grande dificuldade que as iniciativas de gestão integrada de recursos naturais enfrentam é a baixa capacidade de resolução de conflitos. A criação de um conselho gestor, mesmo com a participação da sociedade civil, não garante a conservação da área, e pensando em gestão participativa temos que nos remeter a processos democráticos que realmente tragam em seu bojo o diálogo, o debate e a representatividade. Assim, tentamos enquadra este conselho gestor numa categoria de espaços para negociação de conflitos e colaboração que pode ser chamado de plataforma multi-atores e, analisando seu funcionamento procuramos verificar se processos de Aprendizagem Social ocorrem. Palavras-chave Conselhos Gestores, APA, Plataforma de Multi-atores, Aprendizagem Social

V Encontro Nacional da Anppas 4 a 7 de outubro de 2010 Florianópolis - SC – Brasil

Page 2: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

1 - Introdução

Este estudo parte de uma perspectiva científica para analisar e entender os processos de gestão de

recursos naturais, a partir dos trabalhos de implantação e funcionamento do recém criado conselho

gestor da APA Embu – Verde. Com base na premissa que a causa de boa parte dos problemas

relacionados à questão socioambiental está na incapacidade de construção de soluções

compartilhadas entre as partes envolvidas (MONTEIRO, 2009), o acompanhamento e a avaliação do

processo de gestão socioambiental conselho gestor da APA Embu – Verde torna o objeto um estudo

de caso bastante particular.

1.1 A área de proteção ambiental Embu-Verde e seu Conselho Gestor

A referida área de proteção ambiental foi criada pela lei municipal n° 108/11-12-2008 e teve seu

conselho gestor regulamentado pela lei complementar n° 86/2009. Esse conselho gestor terá caráter

deliberativo. A APA com 15,7 km² ocupa aproximadamente 22 % do território do município. Estudos

realizados pelo Instituto Florestal mostram que nesta região existem remanescentes de mata

atlântica, ricos em diversidade vegetal, animal e muitas nascentes e cursos d‟água, o que torna

urgente os esforços para sua preservação (FRANCO, 2006). Embu das Artes localiza-se dentro da

Reserva da Biosfera do cinturão verde da cidade de São Paulo e abrange em seu território três sub-

bacias da Bacia Hidrográfica Tiete - Guarapiranga. São elas: Bacia do Rio Pirajuçara, Bacia do Rio

Embu Mirim e Bacia do Rio Cotia. A Bacia Hidrográfica da Represa do Guarapiranga faz parte de

uma grande faixa da área Metropolitana de São Paulo denominada “Região de Proteção aos

Mananciais”. Com a idéia de “bacia”, amplia-se a percepção da interligação e interdependência dos

corpos hídricos da região: nos baixios passam os córregos e riachos, o “fundo da bacia”, já as bordas

ou partes altas formam o extremo do relevo, as “paredes da bacia”. Todo líquido que cair em qualquer

parte da bacia, segue para os córregos e deles para a represa. Por isso a importância de se

compreender a urgência de práticas de planejamento integrado e participativo que priorizem o

conceito de bacias hidrográficas e ao mesmo tempo instrumentalizem os moradores destas regiões

para a participação efetiva nos processos de planejamento (MELO e FRANCO, 2008).

Entendemos que, para a preservação e proteção desta área, não basta apenas a lei de criação da

APA. Há autores (JACOBI, 2006 MADRUGA, 2009; MONTEIRO, 2009;) que afirmam que devemos

levar em consideração que, uma grande dificuldade que as iniciativas de gestão integrada de

recursos naturais enfrentam é a baixa capacidade de resolução de conflitos. A criação de um

conselho gestor, mesmo com a participação da sociedade civil, não garante que a população, como

um todo, seja representada neste conselho, criando um primeiro ponto de geração de conflito. Além

Page 3: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

disso, as determinações geradas no conselho gestor podem ocasionar incongruências e conflitos

entre a política de gestão dos recursos naturais e as práticas diárias dos moradores da APA.

Portanto, este estudo investiga, sob a ótica da Aprendizagem Social, como os atores envolvidos no

Conselho Gestor da APA: ONG‟s, Associações amigos de bairro, moradores, poder público,

empresários etc. contrapõem suas demandas e percepções acerca de comi a gestão dos recursos

naturais existentes na referida área de proteção deve ser feita e, por conseguinte como são

negociados os conflitos advindos das diferentes demandas e percepções.

Para fundamentar a discussão que será conduzida neste texto, iremos agora discutir alguns aspectos

que julgamos fundamentais sobre a problemática socioambiental da atualidade e que serão os

alicerces de nossa argumentação.

2 - Bases teóricas

2.1 A problemática ambiental e sua origem social

A crise do meio ambiente, dos recursos naturais, a famosa “crise ambiental” é a crise de nossa

época. A pressão exercida pelo risco de colapso ambiental é um perigo evidente, quase às margens

do inexorável. Tal fato questiona os limites da sociedade humana: o limite econômico, o limite

populacional e também o limite do pensamento científico (LEFF, 2003).

Alguns autores afirmam que a percepção de que estamos e vivemos em uma sociedade de riscos, ou

seja, uma sociedade vivente em um mundo que sofre com ameaças oriundas da modernização e do

progresso não é nova. Porem o “reconhecer” esses riscos e tratá-los como algo alem de fenômenos

como mudanças climáticas, desastres ecológicos entre outros graves problemas deve estar ligado a

uma percepção de que vivemos em uma a sociedade que é em última análise, a principal causadora

destes riscos. (ZANIRATO et. al. 2008)

Sugere-se que crise ambiental seria produto do desequilíbrio causado pelo erro da inobservância dos

desdobramentos da forma de pensar o mundo, portanto a crise ambiental é na verdade, segundo

Enrique Leff, uma crise do conhecimento. A crise ambiental, enquanto crise do conhecimento,

obviamente não poderá encontrar uma solução no mesmo paradigma de conhecimento que a

produziu. A crise ambiental pede uma solução através da reformulação do conhecimento, em novas

bases (LEFF, 2003)

Nessa crítica radical das causas da crise ambiental nas formas de conhecimento do mundo, se

projeta um futuro aberto, com base na diferenciação dos sentidos do discurso ambientalista. Esta

reconstrução social se funda em um novo saber, a partir da pergunta pelas origens dessa

racionalidade em crise, pelo conhecimento do mundo que tem sustentado a construção de um mundo

Page 4: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

insustentável (LEFF, 2003:17).

O paradigma cartesiano, o chamado paradigma do ocidente, foi imposto pelo desdobramento da

história européia a partir do século XVII. Edgard Morin conceitua o paradigma cartesiano como um

fator de disjunção, separando “o sujeito do objeto, cada qual na esfera própria: a filosofia e a

pesquisa reflexiva de um lado, a ciência e a pesquisa objetiva de outro”. E mais adiante Morin

comenta que "um paradigma pode ao mesmo tempo elucidar e cegar, revelar ou ocultar. É no seu

seio que se esconde o problema-chave do jogo da verdade e do erro”. (MORIN, 2007:27).

À força dos paradigmas e modelos explicativos ainda se associa o determinismo de convicções e

crenças, que dentro de um sistema social impõem os antolhos do dogma e a castração do tabu,

fazendo com que prospere os conformismos cognitivos e intelectuais (MORIN, 2007). Morin aponta

ainda para o “imprinting cultural", ou seja, a imposição e a normalização, que marca os seres

humanos desde o nascimento. Assim, primeiramente com os aspectos da cultura familiar, escolar e

posteriormente com a vida universitária e/ou na vida profissional. Portanto, segundo Morin, para evitar

que caiamos no conformismo intelectual e continuemos a reproduzir um conhecimento estanque, que

é apontada como uma das causas de nossa atual crise ambiental devemos:

(...) aprender que a procura pela verdade pede a busca e a elaboração de

metapontos de vista, que permitam reflexividade e comportem especialmente a

integração observador-conceptualizador na observação-concepção e a

'ecologização' da observação-concepção. (MORIN, 2007:31).

A natureza está, portanto, ameaçada pela humanidade com sua forma de pensar o mundo e as ações

subseqüentes deste pensar, que como foi dito acima, produziram uma sociedade capaz de se colocar

em situações de grave risco (LEFF, 2003 e ZANIRATO, 2008).

Edgard Morin (2007) afirma que o ser humano é ao mesmo tempo biológico e cultural. Traz em si a

uni dualidade do natural/cultural, cerebral/psíquico e, devido a essa imensa complexidade de ser

humano, pôde desenvolver em si as potencialidades da vida e, desta forma o ser humano:

“Exprime de maneira hipertrofiada as qualidades egocêntricas e altruístas do

indivíduo, alcança paroxismos em êxtases e na embriaguez, ferve de ardores

orgiásticos e orgásmicos, e é nesta hiperatividade que o Homo sapiens é também

Homo demen" (MORIN, 2007:52).

O ser humano, portanto é um ser biológico/natural como parte integrante da natureza, porém por

meio de sua capacidade de pensar, de se expressar e de formar conceitos sobre si e sobre seu

Page 5: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

próprio meio, é também um ser cultural/psíquico. Enquanto ser vivente, o ser humano passou cada

vez mais de ser biológico/natural ligado e dependente do meio, da natureza, a ser cultural/psíquico

cada vez mais dependente de seus conhecimentos, de suas crenças. (MORIN, 2007).

Essa disjunção do ser humano fez com que cegamente e paroxisticamente negássemos nossa

parcela biológica de forma que, devido a nossa forma de enxergar o mundo, não concebêssemos a

relação ao mesmo tempo de implicação e de separação entre o homem e a natureza. Portanto, em

nossa uni dualidade complexa, somos seres em desequilíbrio, pois a dinâmica desequilibrada entre o

ser biológico/natural e o ser cultural/psíquico coloca em risco a vida humana na medida em que cria

um paradigma científico que impede que o ser humano se reconheça como um ser cultural/psíquico

dependente de sua parcela natural/biológica. Devido a essa impossibilidade de se perceber como um

ser uni-dual, o ser humano assalta e destrói a natureza. Porém, para que enquanto seres humanos

uni-duais, possamos nos aperceber como seres ligados e dependentes da natureza, devemos adotar

um novo paradigma científico, que leve em consideração a implicação/distinção/conjunção (MORIN,

2007).

Como já foi dito, a crise ambiental é uma crise de conhecimento, uma crise do pensar humano em

relação à natureza e a si próprio, em outras palavras, a crise ambiental é uma crise social (FOLCH,

2008). Sendo assim, como intervir na forma do pensar humano para lidar com essa crise? Para

Henrique Leff, devemos aprender a apreender a complexidade ambiental o que condicionaria a uma

re-apropriação do mundo sob novos pontos de vista, diferentes dos estabelecidos e consolidados até

agora (LEFF, 2003).

Ramon Folch (2005) afirma que a problemática ambiental, por se tratar de um problema

“socioecológico” deve ser tratada segundo este enfoque e que, portanto qualquer ator social está

legitimado para intervir e contribuir no debate e na busca por soluções. Procurando encaminhar essa

idéia de que qualquer ator social pode contribuir na busca por saídas para a crise ambiental,

abordaremos nas próximas linhas, a importância da participação de diversos atores sociais no debate

acerca da problemática ambiental.

2.2 A governança ambiental, democracia e a participação social

Pensar em gestão participativa é pensar em processos democráticos que realmente tragam em seu

bojo o diálogo, o debate e a representatividade. A palavra democracia significa em seu sentido

etimológico, o governo do povo ou o governo da maioria (SILVEIRA, 2009).

Como uma das formas de democracia, destacamos aqui a democracia deliberativa, que emerge da

coletividade que busca o reconhecimento, a participação e a redistribuição do poder nos arranjos

Page 6: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

coletivos que incluem as escolhas coletivas estabelecidas no diálogo livre e de pública argumentação,

sendo governados por essas decisões. A democracia deliberativa envolve valores como o

igualitarismo e a justiça social e pressupõe participação popular direta, e desponta como um novo

modelo de gestão pública, em que o cidadão, de posse de informações, debate e delibera sobre a

aplicação e gestão dos recursos públicos (SILVEIRA, 2009).

Desta forma, a exigência de um processo de deliberação política pode surgir da diversidade de

valores que devem ser articulados em prol da sustentabilidade ambiental. Uma das características do

ambientalismo contemporâneo é a diversidade de idéias, valores e atores que podem ser associados

(LENZI, 2009).

Assim, Giddens (1996) sugere que a tentativa de se preservar a natureza remete à necessidade de

deliberar, de uma forma aberta e pública, de modo que a restauração social e ambiental poderiam

estar ligadas à busca de valores positivos de vida (GIDDENS, 1996 apud LENZI, 2009).

Decantando as idéias de processos democráticos para a gestão e preservação da natureza, nos

deparamos com o conceito de governança ambiental. A idéia de governança vem da década de 80 do

século passado como um termo importante para discutir e analisar os modos de ação pública e da

gestão empresarial. Governança para muitos era a palavra que descrevia o processo de detecção de

um problema com a conseqüente definição de metas para solucioná-lo ou enfrentá-lo, a tomada de

decisões para dar cumprimento às metas e por fim, a implementação de políticas para a manutenção

desta “governança”. (GOVERDE, 2002 ; RICHARD, 2009).

Segundo GOVERDE (2002) esta é a representação clássica da forma de fazer política (de

“governança”), em que o governo é o corpo principal do processo e suas decisões seguem a lógica

“top-down”, onde outros atores (comunidades, comerciantes, empresários, ONG‟s, sindicatos etc.)

são apenas objetos de uma política.

Entretanto, se observarmos alguns autores que discutem a história recente da busca por soluções de

problemas socioambientais (FOLCH, 2008; KANIE, 2004; RICHARD, 2009; JACOBI, 2006;

KERSBERGEN e VAN WAARDEN, 2004; WARNER, 2005; GOVERDE, 2002), poderemos notar que

o termo governança vem dando conta de explicar outro tipo de processo, muito diferente daquele que

foi breve e sinteticamente descrito acima. Governança será entendida neste texto daqui para frente, a

partir do que foi entendido do que discutem os autores acima citados, e que aqui destacamos como o

processo que:

“Permite abarcar novas formas de moldar as políticas públicas, num contexto em

que as fronteiras entre as esferas públicas, privadas e associativas tendem a

Page 7: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

desaparecer além do fenômeno de moda e do seu uso ideológico pelas

organizações internacionais” (RICHARD, 2009:01)

E também trazemos a definição usada por Norichika Kanie,

“A soma de diversas formas, individuais e institucionais, públicas e privadas para

gerenciar assuntos de interesse comum” (KANIE, 109: 2004)

Nesse sentido, é importante frisar que nas últimas décadas a necessidade de lidarmos com

problemas sociais que se mostram cada vez mais complexos, vêm aumentando bastante. A questão

ambiental (poluição de água, ar e solo; escassez de comida; aquecimento global; perda de

biodiversidade) como um dos problemas sociais do nosso século, traz em si toda a complexidade e

profundidade que exemplifica essa necessidade de uma nova abordagem política (KANIE, 2004)

De acordo com as idéias de democracia deliberativa e da governança ambiental citados acima

destacamos as unidades de conservação como espaços emblemáticos para que tais processos

democráticos ocorram. A partir das próximas linhas procuraremos nos aprofundar neste ponto.

3 - As unidades de conservação: espaços para a participação social e governança ambiental

por meio da aprendizagem social

No Brasil, em 18 de julho de 2002, foi criado por meio de lei federal, o sistema nacional de unidades

de conservação da natureza, o SNUC. No texto da lei temos a seguinte definição para unidade de

conservação:

“Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo águas jurisdicionais com

características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Publico, com

objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração,

ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.” (BRASIL, 2000)

As unidades de conservação, definidas pelo SNUC, podem ser divididas em dois grupos. O primeiro é

o das unidades de conservação de proteção integral, e como o nome já diz, seu objetivo maior é a

preservação da natureza, sendo permitido, em alguns casos, apenas o uso indireto de seus recursos

naturais. O segundo grupo abarca as unidades de conservação de uso sustentável, que diferente do

Page 8: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

primeiro, permite o uso e a exploração dos recursos naturais contidos em suas unidades de

conservação, desde que de forma sustentável (BRASIL, 2000).

No grupo das unidades de conservação de uso sustentável, existem sete subtipos: Área de Proteção

Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva

de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Dentre esses, a Área de proteção Ambiental (APA) se mostra muito interessante para pensar a re-

apropriação da natureza por meio da participação. Uma APA é uma área em geral extensa, com

ocupação humana, dotada de atributos naturais, culturais importantes para a qualidade de vida e o

bem-estar das populações humanas, porém tem como objetivo principal proteger a biodiversidade por

meio da regulamentação e dos processos de uso e ocupação de seu território (BRASIL, 2000).

Dois pontos importantes que devem ser ressaltado em relação às APA‟s: As consultas públicas,

exigidas por lei para a criação das áreas de proteção ambiental, onde representantes de toda a

sociedade bem como do poder público devem ser informados, debater e discutir sobre a criação de

uma APA em determinado território seja ele municipal, estadual ou federal; e o outro ponto

importantíssimo é a figura do conselho gestor que constituído de forma paritaria, abriga

representantes da sociedade civil e poder público. Os conselhos podem ter caráter deliberativo ou

consultivo e, entre outras coisas são os responsáveis por determinar o plano de manejo das APA‟s

(BRASIL, 2002).

Os conselhos gestores, tanto os de unidades de conservação como os muitos outros existentes,

tiveram seu marco legal garantido pelo o texto constitucional de 1988, que trouxe em suas linhas a

síntese das aspirações de uma sociedade civil que exigia maior transparência por parte dos

governantes e que por isso, almejava uma maior participação nos processos de gestão pública

(SANTOS, 2008). É neste contexto de participação que entendemos os conselhos gestores, como

espaços aonde a democracia deliberativa, emerge da coletividade que busca o reconhecimento e a

participação, aonde a redistribuição do poder é estabelecidas por meio de novos arranjos negociação

e diálogo que se estabelecem entre os atores envolvidos.

Com intuito de aprofundar a discussão sobre estes espaços de participação, procuraremos, a partir

daqui, enquadrar os conselhos gestores de unidades de conservação em outra categoria, a das

plataformas de multi-atores, para com isso analisar as potencialidades e desafios destas estâncias

enquanto plataformas de participação.

Page 9: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

3.1 As plataformas multi-atores (PMA)

Uma definição para PMA que vem encontrando larga aceitação é “um corpo de decisão que congrega

diferentes atores, que têm interesses pela gestão ou solução de um problema relacionado a um

determinado recurso, com idéias particulares e muitas vezes distintas de como gerir esse recurso ou

um problema relacionados a ele e que, definem em conjunto estratégias comuns para essa gestão ou

solução de problemas” (WARNER, 2005).

É como uma mesa redonda, aonde pessoas contrapõem diferentes perspectivas sobre um mesmo

assunto. Quando isso acontece em uma plataforma definida, um comitê de bacia hidrográfica, ou um

conselho gestor de unidade de conservação por exemplo, ocorre um diálogo multi-atores. Um diálogo

deste tipo, não é somente uma conversação, mas sim uma troca interativa com intuito de deliberar

questões e resolver situações, dirimir conflitos, negociar acordos e promover a aprendizagem social

(WARNER, 2005).

Portanto, podemos definir que uma plataforma de multi-atores é o espaço que se constitui como um

fórum de negociação para tratar da tomada de decisão sobre um interesse comum, e que permite aos

atores que dela participam direitos iguais de decisão (WARNER, 2005).

3.2 Conselhos gestores como plataforma de multi-atores

Sabemos que em alguns casos, as relações entre Estado e sociedade civil que podem ocorrer em

espaços como os conselhos gestores de unidades de conservação podem permitir que alianças de

cooperação surjam através da negociação para solucionar conflitos originados pelas assimetrias

sociais. No Brasil, espaços que permitam a negociação de conflitos em torno da temática da

ambiental vêm se tornando cada vez mais importantes principalmente nas questões referentes à

gestão das águas (JACOBI & BARBI, 2007).

Assim, os conselhos gestores de unidade de conservação como espaços para negociação de

conflitos que surgem pelas diferentes demandas pelo uso de recursos naturais, podem ser chamados

então, de plataforma multi-atores aonde atores são entendidos como aqueles que participam da

definição de políticas e planos para a gestão da unidade de conservação e aqueles que são afetados

por essas políticas e planos. Isso inclui as prefeituras municipais, as agencias estaduais responsáveis

pela gestão de recursos naturais, o setor privado e as organizações não governamentais, bem como

os pequenos agricultores, famílias de pescadores, caçadores e outras comunidades que possam

depender de rios, lagos e florestas para sua subsistência.

Os membros de um comitê de um conselho gestor, por exemplo, têm a oportunidade de lidar com

demandas, percepções, interesses diferentes, de atores diferentes vindos de setores diferentes. O

Page 10: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

poder público deve estar representado dentro de um conselho gestor, por representantes do governo

estadual, dos municípios, de agencias reguladoras etc. Nota-se que dentro de um mesmo “grande

setor”, o poder público, temos diferes atores buscando interpor suas demandas advindas de

percepções e de escalas diferentes. O mesmo pode ocorrer, e na maioria dos casos ocorre, na

representação da sociedade civil. Aí podemos ter universidades, ONGs locais, regionais e talvez até

internacionais, associações de moradores, associações agricultores, representantes de indústrias e o

poder privado em geral entre muitas outras categorias.

Apesar dos avanços em direção a uma gestão descentralizada e participativa dos recursos naturais,

observam-se questionamentos em relação à representatividade dos participantes desses colegiados.

Deste modo, surge o desafio de garantir que esses espaços sejam efetivamente públicos, nos quais

os conflitos sejam inerentes ao arranjo proposto.

Além disso, a estrutura organizacional dos conselhos gestores de unidades de conservação deve

limitar as chances de abusos de poder, passando a ser trabalhadas e negociadas entre leigos e

peritos, prevalecendo à lógica de gestão sócio-técnica, substituindo a visão tecnocrática, o que,

contudo, só pode ser assegurado por meio da participação que é um dos elementos fundamentais

para a seqüência de negociações entre os múltiplos atores. (GUIVANT & JACOBI, 2003).

Nesse sentido, a participação da sociedade civil demanda maior consolidação (JACOBI et al., 2006),

principalmente em relação à representatividade, capacitação e compreensão do seu papel na

discussão de questões relacionadas aos recursos naturais envolvidos na gestão da unidade de

conservação. Para que haja essa consolidação, ferramentas teórico/práticas têm sido propostas e,

uma das mais promissoras é a Aprendizagem Social.

3.3 A Aprendizagem Social

O termo “Aprendizagem Social” (AS) foi introduzido por Bandura (1977) e se refere à aprendizagem

individual baseada na observação e interação social (aprendizagem cognitiva). Durante uma

experiência da União Européia para se colocar a AS em pratica, projeto HarmoniCOP, o conceito de

“aprendizagem social” foi adotado e testado no contexto da gestão de bacias hidrográficas. Dentro

desse contexto, a AS foi entendida como a capacidade crescente de entidades sociais executarem

tarefas comuns relacionadas a uma bacia (PAHL-WOST et al., 2008).

Pedro Jacobi (2006) afirma que os processos de Aprendizagem Social “implicam reconhecimento e

explicitação dos conflitos originários das questões ambientais, entendimento do meio ambiente como

bem público”. Desta forma, os conselhos gestores de unidades de conservação podem abrir espaços

para que diálogos ocorram de forma horizontal e, que os atores envolvidos possam participar dos

Page 11: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

processos de aprendizagem durante o exercício da democracia participativa, aonde diferentes

experiências de diferentes sujeitos e atores sociais locais se confrontam para construir projetos de

intervenção coletivos (JACOBI et al, 2006:6).

Portanto, o elemento central para a aprendizagem social é investir efetivamente no trabalho

cooperativo, promovendo a participação coletiva e o diálogo entre os atores envolvidos na gestão.

Isso envolve não somente o aprendizado dos atores, mas também a maneira como eles lidam uns

com os outros e suas interdependências, reconhecendo as estratégias uns dos outros e buscando um

campo sinérgico de negociação (JACOBI et al., 2006; MOSTERT et al., 2007; PAHL-WOSTL et al.,

2007; MOSTERT et al., 2008).

4 - Metodologia

Escolhemos como estratégia metodológica o estudo de caso da APA Embu – Verde, por se

configurar como uma estratégia que possibilita o exame de acontecimentos contemporâneos. O

estudo de caso abre oportunidade para que o pesquisador alcance o entendimento sobre questões

sociais complexas, como é o caso do objeto de estudo deste trabalho. Foi feita observação

participante em quatro reuniões preparatórias e em quatorze reuniões ordinárias do conselho gestor,

as atas de todas essas reuniões foram analisadas e quatro entrevistas com os atores chave do

processo foram realizadas. Para analisar os dados levantados partimos da estrutura conceitual da

Aprendizagem Social descrita no projeto Harmonicop (2005). A figura 1 esquematiza esse conceito.

Figura 1: Estrutura conceitual da Aprendizagem Social.

Fonte: HarmoniCOP WP5, Report Document, 2005.

Page 12: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

A aprendizagem social permeia o contexto em que em se dá o processo de debate, conflito e diálogo

que culminam em resultados que interferem novamente e imediatamente no contexto, e desta forma

retro alimentam o sistema. Segundo o projeto Harmonicop a aprendizagem social refere-se à

crescente capacidade de uma rede de múltiplos atores (neste caso, os integrantes do conselho

gestor) para desenvolver e executar ações coletivas relacionadas a um problema comum. O conselho

gestor da APA Embu-Verde, como uma plataforma de multi-atores permite uma interação dos atores

sociais de setores distintos, com interesses distintos. Juntos esses atores no contexto específico das

reuniões do conselho, identificam ou explicitam problemas, buscam soluções para os problemas

identificados, propõem as soluções, algumas chegam à fase de execução e acompanhamento do seu

resultado, dentro de um ambiente de confiança no processo.

Esse trabalho até agora, analisou quais são os atores envolvidos no processo de gestão da APA,

quais as interações entre eles e como elas mudaram ao longo do tempo bem como identificou o tipo

de representatividade que cada ator exerce.

5 - A criação da área de proteção Ambiental Embu-Verde

No município de Embu, a APA Embu-Verde foi criada em dezembro de 2008 tendo como premissa

para a sua criação a existência de um longo diálogo, por vezes tenso e conflituoso, entre grupos da

sociedade civil organizada e o poder público municipal. A criação da APA foi bastante marcada pelo

choque de interesses, mas principalmente pela desconfiança entre os atores que até então, raras

vezes tiveram que estabelecer um diálogo e uma negociação sobre um tema tão complexo: uma lei,

que em última análise, re-disciplinava o uso e ocupação do solo em 22% do município.

A discussão em torno desta lei nasceu do embate entre um grupo da sociedade civil residente um dos

bairros da atual APA e a prefeitura municipal que pretendia alterar a lei do plano diretor municipal

criando um corredor industrial em uma área considerada de uso predominantemente residencial/rural

no ano de 2006. Como contra medida à proposta de alteração no plano diretor, o referido grupo da

sociedade civil propôs a criação de uma APA que cobria aproximadamente 60% do território do

município. Esta proposta de APA sofreu alterações em reuniões e audiências e se consolidou na lei

atual que cria a APA Embu Verde.

5.1 A criação do Conselho Gestor

Após a promulgação da lei que criou a APA Embu-Verde o foco se voltou para a criação do conselho

gestor da referida unidade de conservação que foi regulamentado em junho de 2009. Antes dessa

regulamentação diversos grupos de interesse que não participaram do processo de negociação para

Page 13: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

a criação da APA surgiram. Para evitar uma tensão maior, um comitê para discutir o decreto que

regulamentaria a criação do conselho gestor foi criado. Esse comitê era composto por funcionários da

prefeitura, membros de ONGs, associações de moradores, entidades de classe, empresários e outros

interessados.

Esse comitê se reuniu quatro vezes e se propôs a revisar e trabalhar a minuta de lei que

regulamentaria a criação do conselho gestor. Nesse momento os diversos setores da sociedade civil

com seus diferentes interesses se viram obrigados a procurar arranjos favoráveis para poder negociar

com os segmentos da prefeitura que estariam representados no conselho e que se mostravam

organizados e prontos a defender seus interesses. Esse novo arranjo que aproximou setores da

sociedade civil com interesses antagônicos como empresários do ramo da mineração e ONG‟s

socioambientais e induziu uma organização para representação das associações de bairro e

condomínios, tornou o cenário de negociação política em torno da gestão da APA Embu-Verde bem

organizado com características que nos permitiram classificá-lo como uma Plataforma de Multi-

Atores.

Tendo sido revisada e discutida a lei de criação do conselho gestor, a versão final foi encaminhada ao

prefeito da cidade que algum tempo depois sancionou a lei que regulamentava o conselho gestor.

Abaixo no quadro 1, está a relação dos atores que compõe o conselho atualmente.

Quadro 1: Relação dos atores que compõe o conselho gestor da APA Embu-Verde

Ator Grupo Setor/interesse

Pedreira Embu AS Sociedade civil Mineração

Condomínio Parque das Artes Sociedade Civil Representação de Moradores

Sociedade Amigos de Bairro de Itatuba Sociedade Civil Representação de Moradores

SEAE - Sociedade Ecológica Amigos de Embu

Sociedade Civil ONG socioambiental

ACORDE Sociedade Civil ONG de assistência Social

Associação Bartira Sociedade Civil Representação de Moradores

ACEER – Associação comercial e empresarial de Embu e Região

Sociedade Civil Indústria e Comercio

ACISE – Associação comercial e serviços de Embu

Sociedade Civil Comercio e Serviços

SINIPEDRAS – Sindicato da Indústria de mineração de pedra britada do estado de São Paulo

Sociedade Civil Sindicato

EPARREH - Estudos e Práticas Agroecológicas e Reencantamento Humano

Sociedade Civil Agricultura popular

ABAC - Associação Brasileira de arte e cultura

Sociedade Civil Arte e cultura

Secretaria de Saúde Poder Público Município

Secretaria de Educação Poder Público Município

SABESP Poder Público Estado

GCM Poder Público Município

Page 14: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

Secretaria de desenvolvimento urbano Poder Público Município

Secretaria de Turismo Poder Público Município

Secretaria de Obras Poder Público Município

Secretaria de Meio ambiente Poder Público Município

Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo

Poder Público Estado

Policia Militar Ambiental Poder Público Estado

5.2 Da tensão à colaboração

Ao longo das quatro reuniões do comitê para a criação da minuta de lei que criaria o conselho gestor

e das quatorze reuniões ordinárias do próprio Conselho Gestor, à luz da bibliografia discutida nesse

trabalho, foi claramente observada uma mudança de cenário: inicialmente um cenário de tensão

aonde os interesses não estavam claramente colocados e a disputa se polarizava em torno de da

criação ou não da unidade de conservação.

De um lado um setor muito bem organizado da sociedade civil composto por representantes de

moradores e ONGs propondo a criação de uma APA que ocupava 60% do território do município, e

de outro, o governo municipal negando veementemente tudo o que se referia à APA e qualquer

negociação. Na medida em que esse quadro avançava, percebeu-se a importância de uma

negociação. A Secretaria de Meio Ambiente percebeu esta necessidade e juntamente com alguns

representantes da sociedade civil, redesenhou uma nova abordagem para o problema. A partir desta

iniciativa, a Prefeitura fez uma nova proposta de criação de APA, com um terço do tamanho

originalmente proposto.

O movimento da sociedade civil acatou a proposta e, a partir daí se iniciou uma aproximação que,

como já foi dito acima, ao longo das reuniões e fora delas foi crescendo mês a mês. Desde a primeira

reunião ordinária do conselho gestor da APA, nenhuma votação foi feita, todas as decisões tomadas

foram negociadas e chegou-se sempre ao consenso. Atualmente, atores da sociedade civil participam

como convidados, de processos dentro das secretarias municipais envolvidas no Conselho Gestor.

Por outro lado, técnicos das secretarias colaboram com projetos e iniciativas de setores da sociedade

civil, num arranjo de colaboração e confiança.

Isso pôde ser vivencialmente verificado quando das reuniões de um grupo de trabalho do Conselho

Gestor responsável por dar andamento ao Plano de Manejo e de uma Câmara Técnica que deveria

fiscalizar os projetos e obras dentro do território da APA. Na primeira situação, frente à escassez de

verba que prefeitura tinha para o Conselho Gestor, duas instituições da sociedade civil (uma ONG e

uma empresa) com representação no Conselho Gestor, contrataram uma empresa especializada

para a realização das primeiras etapas do Plano de Manejo. A empresa contratada trabalhou em

conjunto com os técnicos da prefeitura e de membros da sociedade civil vinculados ao Conselho

Page 15: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

Gestor no levantamento de informações e elaboração de relatórios. Houve aí cooperação técnica e

financeira entre setores anteriormente antagônicos da sociedade civil e entre a sociedade civil e

poder público. Na segunda situação, algo mais delicado ocorreu, já que a câmara técnica de

fiscalização de obras (composta essencialmente por atores da sociedade civil) conseguiu negociar

junto às secretárias de Obras, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, o acesso a documentação

referente aos empreendimentos que estavam sendo propostos para a área da APA. Essa câmara

técnica identificou irregularidades em alguns empreendimentos e as trouxe para o conselho. Os

empreendimentos foram discutidos em conselho, formou-se uma comissão mista para vistoriar os

empreendimentos in loco, desta vistoria elaborou-se um parecer que foi levado novamente ao

conselho. As medidas para notificar os empreendedores foram decididas consensualmente lavando

em consideração os diversos aspectos institucionais envolvidos.

Em ambos os casos os papéis de sociedade civil e poder público foram compartilhados por todos nos

grupos, na medida em que as soluções para cada problema encontrado foram sendo construídas em

conjunto, respeitando as limitações institucionais de ambos os lados, buscando um arranjo positivo

para todos.

6 - Considerações finais

Desde o início da discussão da criação de uma APA com o intuito de propor uma nova maneira de

disciplinar o uso do e ocupação do solo em uma região com importantes características ecológicas,

que vinha sofrendo uma pressão imobiliária crescente, a sociedade civil teve um papel

importantíssimo, pois conseguiu levar ao poder público um problema e transformá-lo em pauta da

agenda municipal. Todo o processo de negociação para a criação da APA possibilitou que arranjos

de cooperação surgissem entre atores da sociedade civil e criasse caminhos para negociação entre

poder público e sociedade civil.

A criação do Conselho Gestor, decorrente do processo de criação da APA, consolidou por fim, um

espaço aonde as demandas podem ser clara e abertamente negociadas. Os atores da sociedade civil

demonstram já nas primeiras reuniões do Conselho Gestor que, experimentados pelo processo de

discussão e criação da APA, começaram a entender que existem processos e protocolos

institucionais que o poder público deve cumprir, e de outro lado os atores do poder público passam a

ver a sociedade civil como colaboradores na medida em que passam a trabalhar lado a lado, como

nos casos do grupo de trabalho e da câmara técnica citados acima. Desta forma, o poder público

evita embates com a sociedade civil e, compartilhando seus problemas de gestão da área, permite

que soluções novas surjam advindas da própria sociedade, evitando gastos financeiros e custos

políticos.

Page 16: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

Trazendo esse caso para o conceito de aprendizagem social apresentado no Projeto Harmonicop

(2005) e entendendo que a dinâmica da aprendizagem social permeia o contexto ecológico e social

em que se dá o processo de debate, conflito e diálogo que culminam com os resultados que

interferem imediatamente no contexto, e desta forma retro alimentam o sistema, identificamos com o

que investigamos até o momento elementos que nos permitem indicar que o Conselho Gestor da

APA Embu-Verde, como uma plataforma de multi-atores, possibilita a Aprendizagem Social. Pois

tínhamos em um primeiro momento um contexto a onde a sociedade civil não estava organizada e

não participava dos processos decisórios ligados a gestão ambiental do município que, foi alterado

por uma nova situação política (a proposta de revisão do plano diretor). Daí novas relações entre os

atores da sociedade civil e do poder público surgiram amadurecendo em propostas e ações que, ao

serem implementadas modificaram o contexto sociopolítico, re-arranjando a estrutura da gestão

ambiental de 22% do território do município.

7 - Bibliografia

ARNSTEIN, S.R. 2002. Uma escada da participação cidadã. Revista da Associação Brasileira para o Fortalecimento da Participação – PARTICIPE. Porto Alegre/Santa Cruz do Sul, v. 2, n. 2, p. 4-13.

BANDURA, A. Social Learning Theory. Prentice Hall do Brasil, Rio de Janeiro, 1977

BRASIL. Decreto-Lei Federal N° 4.340, de 22 de agosto de 2002. Regulamenta artigos da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2002/D4340.htm. Acessado em 12 de setembro de 2009.

________. Lei Federal No 9985, de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9985.htm. Acessado em 12 de setembro de 2009.

FOLCH, R. Sociecologia y gobernabilidad: La subversion posindustrial. In: GRASA, R. e ULID, A. Medio Ambiente e Gobernabilidad: Diagnostico e sostentabilidade em mediterrâneo. Icaria Editoria, Barcelona 21-59, 2008.

FRANCO, G. A. D. C. “Avaliação Integrada de Remanescentes Florestais de Embu – SP”. São Paulo: Instituto Florestal, 2006.

GIDDENS, A. 1996. Para além da esquerda e da direita. São Paulo: UNESP.

GOVERDE, H. J. M. e NILISSEN, N. J. M. Networks as a new concept for governance. In: DRIESSEN P. P. J. e GLASBERGEN (ORGS). Greening Society. The paradigm Shift in Dutch Environmental Politics. Kluwer Academic Plublishers. Dordrecht, Boston, London. 2002.

HARMONICOP. 2005. “Good European Practices for Stakeholder Involvement – Lessons from Real Planning Processes: Case-studies and Experiments” HarmoniCOP WP5 Report Document –Disponível em: www.harmonicop.info

_____________. 2003. “Social Learning in River Basin Management” HarmoniCOP WP2 Reference Document – Disponível em: www.harmonicop.info

Page 17: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

JACOBI, P. R. et Al. “Aprendizagem Social, práticas educativas e participação da sociedade civil como estratégias de aprimoramento para a gestão compartilhada em bacias hidrográficas” São Paulo em Perspectiva, v. 20, n. 2, p. 5-18, abr./jun. 2006

__________. & BARBI, F. 2007. Democracia e participação na gestão dos recursos hídricos no Brasil. Rev. Katál. Florianópolis,v.10, n.2, p.237-244.

KANIE, N. “Global environmental governance in terms of vertical linkages” in: KANIE, N e HASS. P. M. (ORGS) “Emerging Forces in environmental governance”. United Nations Universit Press. Tokyo, New York, Paris 2004 pp. 87-111.

KERSBERGEN, K. V. e VAN WAARDEN, F. V. “„Governance‟ as a bridge between disciplines: Cross-disciplinary inspiration regarding shifts in governance and problems of governability, accountability and legitimacy”. European Journal of Political Research n° 43: 143–171, 2004

LEFF, E.(ORG) A complexidade ambiental. São Paulo: Cortez, 2003

LENZI, C.L. 2009. A política democrática da sustentabilidade: os modelos deliberativos e associativo de democracia ambiental. Ambiente e Sociedade, v.12, n.1, p.19-36.

MADRUGA, l. r. r. “Comportamento coletivo e interações sociais no comitê de gerenciamento da bacia hidrográfica do rio Santa Maria: Aprendizagem Social e emergência do empreendedorismo socioambiental”. 2009. 351 fl. Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Agronegócios , Universidade Federal do Rio Grande do Sul: 2009

MELO, M. A.; FRANCO, M. I. “Atlas Socioambiental de Embu. Embu – SP”. Embu: Prefeitura da Estância Turística de Embu, 2008.

MENEZES, M. A. de A. “Do método do caso ao case: a trajetória de uma ferramenta pedagógica”. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 1, Abr. 2009. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-022009000100009&lng=en&nrm=iso. Acessado em 26 de agosto de 2009.

MOSTERT, E.; PAHL-WOSTL, C.; REES, Y.; SEARLE, B.; TABARA, D.; TIPPETT, J. 2007. Social Learning in Europe river-basin management: Barriers and fostering mechanisms for 10 river basins. Ecology and Society, v.12, n.1.

MOSTERT, E.; CRAPS, M.; PAHL-WOSTL, C. 2008. Social learning: the key to integrated the water resources management? Water Res., v.33, n.3, p.293-304.

MONTEIRO, F. 2009. “Para além da participação: aprendizagem social na gestão dos recursos hídricos”. Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental – PROCAM, Universidade de São Paulo: 2009.

MORIN, E. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro.12 ed. São Paulo: Cortez, 2007.

PAHL-WOSLT, C., TÁBARA, D., BOUWEN, R., CRAPS, M., DEWULF, A., MOSTERT, E., RIDDER, D., TAILLIEU, T. 2008. The importance of social learning and culture for sustainable water management. Ecol. Economics, n.64, p. 484-495.

RICHARD, S., RIEU, T., DUCROT, R. Uma jornada para entender a governança de um território da água – Aplicação ao rio Drôme, França. In: JACOBI e SINISGALLI (ORGS). Governança da água na América Latina e Europa: atores sociais, conflitos e territorialidade. São Paulo: Annablume, 2009.

SILVEIRA, O. B. 2009. O fortalecimento da democracia deliberativa por meio dos conselhos gestores: O caso do Conselho Municipal de Educação do município de Poços de Caldas. Tese (Doutorado) – Programa de Pós Graduação em Administração das Organizações e contabilidade de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo: 2009.

WARNER, J. “Multi-stakeholder platforms: integrating society in water resource management?” Ambiente & Sociedade – Vol. 8 nº. 2 jul./dez. 2005

Page 18: Plataforma Multi-Atores Embu das Artes

YIN, R. K. “Estudo de Caso. Planejamento e Métodos”. 3 ed. São Paulo: Bookman, 2005.

ZANIRATO, S. H.; RAMIRES, J. Z. S.; AMICCI, A. G. N.; ZULIMAR, M. R.; RIBEIRO, W. C. Sentidos do risco: interpretações teóricas. Biblio 3W, Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales , Universidad de Barcelona, Vol. XIII, nº 785, 25 de mayo de 2008. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-785.htm>. [ISSN 1138-9796].