plantar, "porque a terra nua não vale nada!"

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 8 • nº1637 Junho/2014 Plantar, “porque a terra nua não vale nada!” S eu Izaías e Dona Conceição são moradores da comunidade de Lagoa do Mato no município de Mucambo, semiárido cearense. A partir do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) conseguiram uma cisterna que lhes possibilitou o acesso à água de qualidade para o consumo de toda a família. Seguindo rumo à segurança hídrica de seu agroecossistema, a família conquistou uma cisterna enxurrada através do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), que possibilitou a implantação de um quintal produtivo em suas terras e ajudou a pequena criação de porcos. Hoje eles produzem cheiro verde, especialmente o coentro, tanto para o consumo, quanto para a venda no centro da cidade, para o abastecimento das barracas da feira e para encomendas. Em seu quintal passeia-se por entre os canteiros de coentros e por entre uma diversidade de plantas como a ateira, a mangueira, a mandioca, o pé de abóbora, o de limão, o de tomate, o de cajá, o de acerola, a plantação de abacaxis, os coqueiros, as bananeiras. E foi passeando por entre essa diversidade de plantas que Seu Izaías foi contando sua experiência de convivência com o semiárido através do uso de tecnologias como a cisterna de enxurrada e o plantio sustentável sem o uso de agrotóxicos. Seu Izaías conta como foi a construção da cisterna e as melhorias vindas com ela, repassou um pouco de seu conhecimento, na troca de experiência em reuniões com agricultores de outros municípios. Ele fala sobre as modificações vindas com a cisterna: “a água pra gente, é melhoria pra todo mundo, né. (...) porque aqui nós não tinha água nem pra beber antes de vir a cisterna pequena. Tomava água do poço ali que era salgada. O feijão cozinhava, mas era duro no prato, que água salgada não cozinha feijão, cozinha, mas não amolece. (...) e aí ficou melhor, né (...) a gente toma água boa. Serviu muito, eu agradeço a Deus, né, e a quem arrumou isso pra cá”. Ele também faz uso da tecnologia de irrigação por gotejamento, mas adaptou um pouco a técnica ao clima da região. Ele explica: “como aqui é muito quente, (...) quando era meio-dia era mesmo que brasa. Faz é matar. Eu fazia o que? Eu deixava a cova com um buraquinho. Botava o que? Dez minutos de manhã, pingava a água só pra encher as covas, né. E quando era à noite eu botava de novo". Mucambo Seu Izaías, Dona Conceição e o neto. Canteiro de coentro.

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Sistematização da experiência com quintal produtivo a partir do acesso à água com a tecnologia cisterna enxurrada de Seu Izaías e Dona Conceição na comunidade de Lagoa do Mato em Mucambo, Ceará.

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Page 1: Plantar, "porque a terra nua não vale nada!"

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 8 • nº1637

Junho/2014

Plantar, “porque a terra nua não vale nada!”

Seu Izaías e Dona Conceição são moradores da comunidade de Lagoa do Mato no município de Mucambo, semiárido cearense. A partir do

Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) conseguiram uma cisterna que lhes possibilitou o acesso à água de qualidade para o consumo de toda a família. Seguindo rumo à segurança hídrica de seu agroecossistema, a família conquistou uma cisterna enxurrada através do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), que possibilitou a implantação de um quintal produtivo em suas terras e ajudou a pequena criação de porcos. Hoje eles produzem cheiro verde, especialmente o coentro, tanto para o consumo, quanto para a venda no centro da cidade, para o abastecimento das barracas da feira e para encomendas.

Em seu quintal passeia-se por entre os canteiros de coentros e por entre uma diversidade de plantas como a ateira, a mangueira, a mandioca, o pé de abóbora, o de limão, o de tomate, o de cajá, o de acerola, a plantação de abacaxis, os coqueiros, as bananeiras. E foi passeando por entre essa diversidade de plantas que Seu Izaías foi contando sua experiência de convivência com o semiárido através do uso de tecnologias como a cisterna de enxurrada e o plantio sustentável sem o uso de agrotóxicos. Seu Izaías conta como foi a construção da cisterna e as melhorias vindas com ela, repassou um pouco de seu conhecimento, na troca de experiência em reuniões com agricultores de outros municípios.

Ele fala sobre as modificações vindas com a cisterna: “a água pra gente, é melhoria pra todo mundo, né. (...) porque aqui nós não tinha água nem pra beber antes de vir a cisterna pequena. Tomava água do poço ali que era salgada. O feijão cozinhava, mas era duro no prato, que água

salgada não cozinha feijão, cozinha, mas não amolece. (...) e aí ficou melhor, né (...) a gente toma água boa. Serviu muito, eu agradeço a Deus, né, e a quem arrumou isso pra cá”.

Ele também faz uso da tecnologia de irrigação por gotejamento, mas adaptou um pouco a técnica ao clima da região. Ele explica: “como aqui é muito quente, (...) quando era meio-dia era mesmo que brasa. Faz é matar. Eu fazia o que? Eu deixava a cova com um buraquinho. Botava o que? Dez minutos de manhã, pingava a água só pra encher as covas, né. E quando era à noite eu botava de novo".

Mucambo

Seu Izaías, Dona Conceição e o neto.

Canteiro de coentro.

Page 2: Plantar, "porque a terra nua não vale nada!"

Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

O uso dessas tecnologias de convivência com o semiárido melhorou também a renda familiar. Antes eles compravam a verdura na rua, agora Dona Conceição cuida de dez canteiros que servem para o consumo familiar e para a venda. “Isso aí incentiva muito e me serviu muito, porque antes eu comprava, né. E hoje a mulher faz é vender. Tem mês que ela apura R$ 100,00, tem mês que ela apura R$ 200,00. Da sobra do que a gente come, né”, coloca Seu Izaías. Quando não está cuidando da casa, dos canteiros ou vendendo, Dona Conceição aproveita para fazer artesanato em palha.

Ele explicou também como cuidar da plantação de forma natural, sem utilizar agrotóxicos e por isso o coentro que ele vende é muito procurado: “a gente pulveriza com urina de gado. Quando vai tirar o leite da vaca a gente apara. Pega uma tampinha de mais ou menos 40ml e bota em dez litros de água. Pronto. E é só pulverizar em cima que não vai matar. Tem gente que usa ureia no canteiro, fica dessa grossura aqui a cebola, um absurdo! Aquilo ali se botar na geladeira, aquilo vai se desmanchar, com dois dias se desmancha. Não tem nem como, porque aquilo é forçado. (...) Antigamente não botava nada, né. A gente não sabe, mas com os outros a gente vai aprendendo. (...) E eu aprendi isso ai lá numa reunião, lá no Pacujá. (...) Aí cê aprende também alguma coisa. A gente não é doutor de nada não, né, mas é agricultor também né, mas alguém vai aprendendo um com o outro, por isso que é bom, né, uma reunião com a participação de todo mundo pra melhorar o trabalho”.

Ele conta que com o projeto vieram algumas mudas e ele e sua esposa plantaram todas. “Tudo que me dão eu planto, né, embora não dê tudo. Porque a terra nua não vale nada”. “A gente planta e isso aí tá valorizando a terra”.

Para a implantação da cisterna e para cuidar da plantação eles tiveram trabalho, esforçaram-se, mas, como ele coloca “nada no mundo, nem o relógio trabalha de graça, tem que ter o carrego da bateria pra ter as horas. Então tem que trabalhar pra se ter as coisas. E eu tenho pelejado. E eu acho que melhorou muito. Pra mim que foi um incentivo muito bom. Eu melhorei a situação é, não vou mentir. Melhorou”.

Ele fala também da importância de cuidar da natureza e que isso se perpetua: “se você plantar um pé de pau hoje (...) e botar uma placa com o seu nome (...) alguém vai, olha e diz: olha aqui, fulano de tal é que plantou isso aqui em tal ano, já morreu, quantos anos não faz já que ele morreu! Seu nome não acaba nunca, que cê fez seu rastro e deixou feito, não vai se acabar. É por isso que eu digo, todo mundo tem que fazer um rastro e deixar aqui em cima da terra que a natureza agradece. Cê planta um pé de pau, se você corta um, plante dois, a natureza agradece a ti, eu acho importante”.

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Realização Apoio

Dona Conceição

Agricultotes/as em intercâmbio no quintal produtivo de Seu Izaías e D. Conceição.

Plantação de mandioca