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A D IVERSIDADE DA G EOGRAFIA B RASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 4255 PLANEJAMENTO BIORREGIONAL E DESENVOLVIMENTO DE BASE CONSERVACIONISTA NO MOSAICO SERTÃO VEREDAS PERUAÇU, NORTE DE MINAS GERAIS GERALDO INÁCIO MARTINS 1 JOÃO CLEPS JUNIOR 2 Resumo: A política dos Mosaicos de Áreas Protegidas, proposta recente da política ambiental brasileira, reconheceu muitos mosaicos no Brasil, entre eles o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu- MSVP, situado na região Norte do Estado de Minas Gerais, em 2009. Junto ao reconhecimento do MSVP aprovou-se também o Plano de Desenvolvimento de Base Conservacionista- Plano DTBC, principal instrumento de planejamento, desenvolvimento e gestão do mosaico. Acreditamos que o MSVP reflete a tentativa de um planejamento biorregional, a partir disso elaboramos algumas questões: Quais são as características do planejamento biorregional no MSVP? Como ele foi construído? De que forma o planejamento biorregional do MSVP pode se tornar uma alternativa de desenvolvimento de base conservacionista? As questões apontadas levam-nos ao presente texto, cujo objetivo é o de analisar as principais características do planejamento biorregional no MSVP, bem como, os eixos de desenvolvimento e as estratégias para aliar a conservação e o desenvolvimento. Palavras-chave: Planejamento biorregional; Mosaico Sertão Veredas Peruaçu; Plano DTBC. Abstract: The Protected Areas Mosaics are a recent proposal by the brazilian environmental policy, which recognized many mosaics in Brazil, including the Mosaic Sertão Veredas-Peruaçu-MSVP, situated in the North of Minas Gerais, in 2009. Next to the recognition of MSVP was also approved the Base Development Plan Conservationist- DTBC Plan, main instrument of planning, development and management Mosaic. We believe _ the MSVP reflects the attempt of a bioregional planning, from that we developed some questions: What are the characteristics of bioregional planning MSVP? How was it built? How can the bioregional planning MSVP become a development alternative of conservationist basis? The mentioned issues lead us to this text, whose aim is to analyze the main features of bioregional planning in MSVP, as well as the development axis and strategies to ally conservation and development. Keywords: Bioregional Planning; Mosaic Sertão Veredas-Peruaçu; DTBC Plan. 1 Introdução 3 As políticas de conservação da natureza mediante a criação de espaços territorialmente protegidos (as Unidades de Conservação UCs) vêm evoluindo constantemente no cenário brasileiro. Isto se deve, entre outros fatores, ao arcabouço jurídico e normativo promulgado com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza SNUC. O SNUC além de demarcar teoricamente as 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail de contato: [email protected] 2 - Professor Associado do Instituto de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail de contato: [email protected] 3 - Este texto é uma versão resumida de um trabalho mais amplo submetido ao VII Seminário Internacional Dinâmica Territorial e Desenvolvimento Socioambiental.

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

4255

PLANEJAMENTO BIORREGIONAL E DESENVOLVIMENTO DE BASE CONSERVACIONISTA NO MOSAICO SERTÃO VEREDAS PERUAÇU,

NORTE DE MINAS GERAIS

GERALDO INÁCIO MARTINS1

JOÃO CLEPS JUNIOR2

Resumo: A política dos Mosaicos de Áreas Protegidas, proposta recente da política ambiental brasileira, reconheceu muitos mosaicos no Brasil, entre eles o Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu-MSVP, situado na região Norte do Estado de Minas Gerais, em 2009. Junto ao reconhecimento do MSVP aprovou-se também o Plano de Desenvolvimento de Base Conservacionista- Plano DTBC, principal instrumento de planejamento, desenvolvimento e gestão do mosaico. Acreditamos que o MSVP reflete a tentativa de um planejamento biorregional, a partir disso elaboramos algumas questões: Quais são as características do planejamento biorregional no MSVP? Como ele foi construído? De que forma o planejamento biorregional do MSVP pode se tornar uma alternativa de desenvolvimento de base conservacionista? As questões apontadas levam-nos ao presente texto, cujo objetivo é o de analisar as principais características do planejamento biorregional no MSVP, bem como, os eixos de desenvolvimento e as estratégias para aliar a conservação e o desenvolvimento. Palavras-chave: Planejamento biorregional; Mosaico Sertão Veredas Peruaçu; Plano DTBC. Abstract: The Protected Areas Mosaics are a recent proposal by the brazilian environmental policy, which recognized many mosaics in Brazil, including the Mosaic Sertão Veredas-Peruaçu-MSVP, situated in the North of Minas Gerais, in 2009. Next to the recognition of MSVP was also approved the Base Development Plan Conservationist- DTBC Plan, main instrument of planning, development and management Mosaic. We believe _ the MSVP reflects the attempt of a bioregional planning, from that we developed some questions: What are the characteristics of bioregional planning MSVP? How was it built? How can the bioregional planning MSVP become a development alternative of conservationist basis? The mentioned issues lead us to this text, whose aim is to analyze the main features of bioregional planning in MSVP, as well as the development axis and strategies to ally conservation and development. Keywords: Bioregional Planning; Mosaic Sertão Veredas-Peruaçu; DTBC Plan.

1 – Introdução3

As políticas de conservação da natureza mediante a criação de espaços

territorialmente protegidos (as Unidades de Conservação – UCs) vêm evoluindo

constantemente no cenário brasileiro. Isto se deve, entre outros fatores, ao

arcabouço jurídico e normativo promulgado com o Sistema Nacional de Unidades de

Conservação da Natureza – SNUC. O SNUC além de demarcar teoricamente as

1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail

de contato: [email protected] 2 - Professor Associado do Instituto de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da

Universidade Federal de Uberlândia. E-mail de contato: [email protected] 3 - Este texto é uma versão resumida de um trabalho mais amplo submetido ao VII Seminário Internacional

Dinâmica Territorial e Desenvolvimento Socioambiental.

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categorias de manejo e planejamento das UCs, coloca em cena outras modalidades

de planejamento e manejo, como por exemplo, os Mosaicos de Áreas Protegidas.

A inovação subjacente à proposta dos mosaicos está na indissociabilidade entre

a conservação da natureza e criação de mecanismos alternativos de desenvolvimento

para aquelas populações atingidas ou envolvidas diretamente na conservação da

natureza. Todo mosaico reconhecido a partir do SNUC tem como base um plano de

desenvolvimento, o Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista – o

Plano DTBC. Este orienta as estratégias de planejamento e gestão da conservação,

além daqueles mecanismos voltados para a criação de estratégias de desenvolvimento

com base sustentável. Dado as suas características, os Planos DTBC podem ser

considerados como instrumentos de planejamento, gestão e desenvolvimento

biorregional.

Neste texto consideramos como principal material de trabalho o Plano DTBC do

MSVP, e a partir dele elaboramos algumas questões fundamentais: Quais são as

características do planejamento biorregional no MSVP? Como ele foi construído? De

que forma o planejamento biorregional do MSVP pode se tornar uma alternativa de

desenvolvimento de base conservacionista? As questões apontadas nos levam ao

presente texto, cujo objetivo é analisar as principais características do planejamento

biorregional no MSVP, bem como, os eixos de desenvolvimento e as estratégias para

aliar a conservação e o desenvolvimento de base conservacionista.

Este trabalho é resultado das pesquisas de campo realizado entre os anos de

2009 e 2014 na região Norte de Minas Gerais a respeito da criação, dos conflitos e

das estratégias territoriais envolvidas nas UCs. Em tais pesquisas a orientação

seguida são as entrevistas não estruturadas, análise de portarias, planos de manejo,

plano de desenvolvimento do MSVP e a participação observante em comunidades

envolvidas na área do mosaico.

2- O Mosaico

A ideia normativa de gestão integrada por intermédio de mosaicos foi prevista

inicialmente pelo SNUC. De acordo com este instrumento jurídico “quando existir um

conjunto de unidades de conservação de categorias diferentes ou não, próximas,

justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas e privadas,

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constituindo um mosaico, a gestão do conjunto deverá ser feita de forma integrada e

participativa” (BRASIL, 2000, s/p). Além disso, a normativa jurídica dispõe sobre a

necessidade de compatibilizar a biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e

o desenvolvimento sustentável no contexto regional.

Nesse sentido, a proposta de reconhecimento dos mosaicos é uma inovação

na política ambiental brasileira. Isto porque busca compreender os sistemas

ecológicos integrados aos sistemas econômicos e sociais, “incorporando de forma

explícita toda a complexidade das inter-relações espaciais de seus componentes,

tanto naturais quanto culturais” (GIDSICKI, 2012, p. 16). Milano (1997), refletindo

sobre o planejamento em Áreas Protegidas, avalia as consequências negativas

quando não se considera os interesses, os conflitos e, sobretudo, os anseios das

comunidades locais e dos vários sujeitos envolvidos com a conservação e com o

planejamento.

É dada ao fato dos espaços destinados a conservação da natureza vincularem

diretamente aos contextos econômicos, históricos e culturais mais amplos que todos

os sujeitos devem participar efetivamente na condução dos mecanismos de

planejamento destas áreas. A ideia subjacente aos Mosaicos de Áreas Protegidas é

justamente a de romper com este efeito de ilha construído em torno das UCs. Nos

mosaicos, as UCs são consideradas como partes integrantes dos sistemas culturais,

econômicos e ecológicos, enfim, considerando que as UCs matem relações variadas

com seu entorno, é preciso integrá-lo as estratégias de planejamento e

desenvolvimento em contexto regional.

Enquanto projeto de gestão integrada e participativa, as motivações por

detrás da proposta de um mosaico podem ser multivariadas. Estas motivações,

geralmente, são os elementos que dão estrutura ao Plano de DTBC. Segundo

consta no Edital 01/2005 que selecionou os projetos de mosaicos para

financiamento no Brasil, o Plano DTBC é um mecanismo no qual se mesclam e se

articulam os interesses dos variados sujeitos envolvidos com a conservação da

natureza por meio das UCs (sindicatos, associações, cooperativas, ONGs, e etc.),

cujo intuito é construir mecanismo de desenvolvimento econômico baseado em

“cadeias produtivas conservacionistas”. Além disso, estas atividades devem levar a

criação de “uma identidade” de gestão e devem funcionar como incremento de

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“capital social” das comunidades envolvidas na arquitetura espacial dos mosaicos.

Em outras palavras, um Plano DTBC é um mecanismo de ordenamento que tem a

pretensão de tornar os mosaicos, e as UCs sob sua influência, economicamente

sustentáveis e interessantes para os agentes econômicos (MMA/FNMA, 2005, p.

25).

Quando se conjuga conservação e desenvolvimento, duas imagens surgem

imediatamente. Desenvolvimento envolve “a geração de renda e a melhoria da

qualidade de vida”, além da “eliminação, ou pelos menos, a redução da pobreza”.

Contrariando este movimento, a conservação associa-se a ideia de “estagnação

econômica e não como [elemento de] dinamização territorial” (WEIGAND JR., 2005,

p.1-2[tradução livre]). A ideia de desenvolvimento territorial de base

conservacionista, presente nos Planos DTBC, visa justamente tornar indissociável a

conservação da natureza e políticas de desenvolvimento.

Para que se efetivem os Planos DTBC e seus instrumentos de

desenvolvimento, é preciso operar algumas mudanças fundamentais. A primeira

delas é encarar a conservação não como mecanismo gerador de gastos ou

empecilho ao desenvolvimento, ao contrário, deve-se situá-la dentro de um quadro

político regional de desenvolvimento. O segundo grande desafio é fazer com que

estes serviços ambientais gerem renda para as populações envolvidas no território

dos mosaicos, e mais, que estes se mostrem mais viáveis economicamente do que

aquelas tradicionalmente praticadas, como a agricultura, a pecuária e a produção do

carvão vegetal.

O projeto do MSVP entrou em execução em 2006 e foi reconhecido

oficialmente em 2009, por meio da Portaria do MMA de n°128, de 24 de abril. Este

mosaico tem uma área total de 1.500.000 hectares. É formado por quatorze UCs,

administradas pelo Instituto Mineiro de Florestas – IEF e Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade – ICMBIO. Entre as quatorze UCs, há também

quatro Reservas do Patrimônio Particular Natural sob a gestão de empresas e

fazendeiros, três Áreas de Proteção Ambiental, uma Reserva de Desenvolvimento

Sustentável e cinco unidades de proteção integral (Parques Nacionais e Estaduais).

O território é constituído por onze municípios, dez no Estado de Minas Gerais e um

no Estado da Bahia.

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Nesse sentido, o fio condutor do MSVP é a gestão integrada e participativa, isto

é, criar mecanismos no qual tanto os gestores das UCs, quanto as populações

atingidas pela criação de unidades de proteção integral ou aquelas em unidades de

uso sustentável, as comunidades do entorno, os quilombolas e os povos indígenas

possam efetivamente participar/definir as estratégias de conservação. Evidentemente

que compatibilizar os diversos anseios e interesses se coloca como o principal desafio

na construção deste pacto para a conservação expresso, sobretudo, no Plano DTBC.

2- Características do planejamento biorregional

O planejamento biorregional parte da biorregião como escala de ação. Esta

escala não é determinada de uma vez por todas, mas conforme o reconhecimento ou

vínculo da comunidade local ou dos objetivos de manejo e conservação da natureza.

Nesse sentido, “é provável que uma biorregião com dezenas a centenas de milhares de

hectares seja apropriada para alguns ecossistemas”, mas em contrapartida “poucos

milhares de hectares podem ser suficientes para manejar e recuperar alguns habitats”

(MILLER, 1997, p. 75). Apesar da maleabilidade das escalas da biorregião para o

planejamento, é preciso ter a ciência que uma biorregião “reflete a percepção da

comunidade humana residente, através de seu senso de territorialidade ou de terra

natal” (MILLER, 1997, p. 19).

Partindo da biorregião, o planejamento biorregional “é um processo

organizacional que capacita as pessoas a trabalharem juntas, a adquirir

informações, a refletir cuidadosamente sobre o potencial e problemas de sua região”

(MILLER, 1997, p. 19). A partir deste prognóstico inicial, os grupos interessados no

planejamento definem as atividades necessárias para atingi-lo, implementa projetos

e ações acordados por meio de diálogos entre os múltiplos sujeitos envolvidos. O

planejamento biorregional associa a base física (ou a base ecológica) sobre o qual

os homens reproduzem o seu modo de vida, considerando a sua complexidade e

dinamismo dos processos sociais e ecológicos, criando medidas para proteger,

recuperar e sustentar a natureza e os modos de vidas a ela associado.

Subjaz a ideia de planejamento biorregional “conservar a natureza e os

recursos naturais, sem desprezar a possibilidade de produção de bens e serviços

que possam ser desenvolvidos sustentavelmente” (GONZAGA, 2013, p. 53). Aliado

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a este primeiro princípio, o autor acredita que junção entre a conservação e a

produção de bens e serviços ambientais permite ampliar os programas de

conservação da natureza, abrangendo ecossistemas inteiros. Trata-se de uma

abordagem iminentemente política, considerando que a conservação não faz isolada

dos processos sociais, culturais e econômicos.

O planejamento biorregional é essencialmente dialógico e participativo. Isto

quer dizer, entre outras coisas, ter em consideração tanto os “marcos institucionais e

políticos” no qual os governos, comunidades e corporações e interesses privados

criem espaços de mediações para debater e encontrar soluções para os problemas

da biorregião. Este movimento de mobilização é essencial para encorajar todos os

grupos sociais a participarem efetivamente da proposta de planejamento. Sem o

envolvimento das comunidades locais, sem determinação clara dos problemas e das

soluções possíveis, ou caso os interessados não aceitem ou não se envolva

efetivamente nas ações, as possibilidades de falhas são evidentes.

Para Miller (1997), a democratização das informações é o principal

mecanismo e principal desafio no que se refere à participação dos diversos grupos

que atuam na biorregião. Mas isto é enfrentado quando há “manutenção de

negociações justas e fornecimento de informações, de modo equitativo, a todos os

grupos (...)” (MILLER, 1997, p. 81). Não podemos esquecer-nos de um elemento

essencial a mais subjacente às estratégias de planejamento biorregional: conservar

a natureza e, ao mesmo tempo, criar mecanismos de desenvolvimento. Conforme

Miller (1997, p. 80), “as metas para a conservação da biodiversidade dificilmente

podem ser apartadas das necessidades e perspectivas dos componentes locais”.

O grande interesse do planejamento biorregional é a conservação da

natureza ou adequação da produção nas metas de manejo. Isto quer dizer que

práticas agrícolas, turísticas, madeireiras, pesqueiras, etc., de algum modo devem

ser alteradas para atender os objetivos propostos. É preciso compensá-los por tais

serviços, Miller (1997) cita alguns exemplos bem sucedidos, como pagamento pelos

serviços ambientais, criando estratégias de incrementação do turismo, etc.

O quadro cultural, biofísico, humano e econômico deve ser pensado em seu

intricamento. Esta é, talvez, a maior diferença entre a proposta do planejamento

biorregional e as demais perspectivas: o fato de pensar a biorregião em todas as

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dimensões. Disso resulta a conclusão de que não é possível criar estratégias de

conservação da natureza diante de um quadro de pobreza, falta de mecanismo de

geração de renda e de empoderamento das pessoas. Resulta ainda que os

problemas ditos ecológicos envolvem outros, tais como, as questões econômicas,

sociais e culturais.

3- Planejamento biorregional e o Plano DTBC

A principal característica do Plano DTBC elaborado pela Funatura junto com o

Conselho do mosaico é a visão ecossistêmica sobre a biorregião do MSVP. Embora, o

principal objetivo seja o de encontrar estratégias para se pensar a conservação da

natureza para além das UCs, isto é, pensar a conservação como parte integrante da

biorregião, outros elementos aparecem de forma ímpar. Isto pode ser observado no

objetivo geral do Plano DTBC que é o de “promover o desenvolvimento da região em

bases sustentáveis e integrado ao manejo das Unidades de Conservação e demais

áreas protegidas do Mosaico Sertão Veredas – Peruaçu” (SANTO, 2012, s/p).

Há que se considerar também aqueles objetivos ligados a conservação e

gestão das UCs, como, por exemplo, a promoção da gestão integrada das UCs e

demais áreas protegidas e, bem como, considerar as estratégias de

desenvolvimento de base conservacionista. Isto é, a “implementação de práticas

voltadas para o extrativismo vegetal racional, geradora de renda para os produtores

e compatíveis com a proteção das unidades de conservação; e “o desenvolvimento

do turismo ecocultural sustentável na região, de forma a valorizar as tradições

culturais e as riquezas naturais” (SANTO, 2012, s/p).

A preparação e a aprovação do Plano DTBC foi pré-requisito do edital

FNMA/MMA para a aprovação do financiamento dos projetos de mosaico. Apesar

destas pré-condições, todo o processo de planejamento ficou a encargo da instituição

proponente do projeto de mosaico, no caso do MSVP, como afirmamos em linhas

precedentes, a Funatura foi a responsável pela coordenação dos trabalhos. Aqui se

expressa à primeira característica da estratégia do planejamento biorregional, a

descentralização das atividades de planejamento. Embora o Estado esteja presente

no financiamento, este se processa na biorregião e com sujeitos e instituições que

nela atuam.

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Nesse sentido, a construção do Plano DTBC foi dividida em cinco etapas. Na

primeira realizou-se a apresentação dos projetos a comunidades e aos interessados,

além de contratar equipe técnica para gerenciar os trabalhos de planejamento. Este

primeiro momento pode ser compreendido como etapa da preparação no qual o

principal objetivo era o de encontrar os parceiros suficientemente envolvidos com a

questão da conservação da natureza e com estratégias de desenvolvimento de base

conservacionista. Na segunda etapa realizou-se a atividade reconhecimento da área

de abrangência do MSVP, ou melhor, os trabalhos deram-se no sentido de

reconhecer os limites da biorregião do mosaico. Para isto, foi necessária a

elaboração do material cartográfico, levantamento das condições socioeconômicas,

além de pesquisas relativas ao turismo ecocultural e relativas às atividades de

extrativismo vegetal, além do levantamento das condições de cada UC pertencente

ao MSVP.

A terceira etapa de desenvolvimento do Plano DTBC ocorreu no intuito de

sistematizar as pesquisas realizadas nas etapas anteriores. Além disso, este foi o

momento de adequação do material cartográfico e dos limites do MSVP. A quarta

etapa do trabalho teve como produto a primeira versão do Plano DTBC (este

primeira versão foi elaborada em uma oficina na cidade de Januária em novembro

de 2007). Após a construção desta versão preliminar realizou-se uma oficina interna

para debater as características dos eixos de desenvolvimento, apontar as fraquezas

e contradições e, bem como, encontrar soluções para os impasses que surgiram ao

longo do processo. Vencidos estas etapas, os processos seguintes foram à

elaboração da versão final do plano e, finalmente, no Encontro dos Povos do Grande

Sertão Veredas em 2009, divulgaram-no para o público em geral (FUNATURA,

2008).

O trabalho dos GTs que “contaram com a participação da comunidade” foi

fundamental na elaboração do Plano DTBC, sobretudo, porque o conhecimento

técnico estava aliado ao conhecimento das comunidades sobre as características da

biorregião (SARAIVA 2008, p. 87). A importância dos GTs não se resume a parte

prática, a elaboração do Plano DTBC, mas, sobretudo, por envolver e permitir a

efetiva participação das comunidades biorregionais em todas as etapas do trabalho.

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Enquanto trabalho feito a muitas mãos, os GTs deram a complexidade e

profundidade necessária ao Plano DTBC.

Neste sentido, quando analisamos o eixo extrativismo vegetal sustentável

(resultado do trabalho de um GT com o mesmo nome) fica em evidência a

compreensão da multiplicidade de usos possíveis do “Cerrado para a alimentação,

indústria de cosméticos, geração de energia limpa e fins medicinais” (SARAIVA,

2008, p. 87). Subjaz a este eixo a ideia do grande potencial de desenvolvimento com

a conservação do Cerrado, potencial que pode ser explorado de maneira sustentável

por meio das práticas extrativistas. Além da importância biológica, quando se

propõem o aproveitamento dos serviços ambientais do Cerrado, propõem-se

também a valorização de elementos culturais típicos da biorregião. Isto porque estas

atividades fazem parte das gramáticas sociais das comunidades biorregionais, como

bem reconhece um dos relatórios da Funatura, quando observa que “praticar o

aproveitamento de produtos do cerrado (...) não é algo tão distante da prática das

populações do território do mosaico” (FUNATURA, 2008, p. 14).

Dado o êxitos das atividades de desenvolvimento, o interesse dos grupos

envolvidos aumentam, conforme o Jornal do Mosaico, sobretudo no que tange

aquelas atividades de “desenvolvimento regional sustentável a partir de projetos com

frutos e plantas medicinais”. Entre os êxitos “estão à troca de informações a partir

das experiências adquiridas com os encontros, o aumento do número de

proprietários interessados na criação e implementação de reservas particulares”

(JORNAL DO MOSAICO, 2010, p. 4). Os resultados aumentam ao longo do tempo,

conforme indica reportagem do Jornal do Mosaico “um dos aspectos positivos da

iniciativa é o fortalecimento das parcerias e a oportunidade de negócios para os

pequenos produtores rurais e artesãos, que utilizam as flores e os frutos da região

na elaboração de seus produtos, o que demonstra o verdadeiro valor do „Cerrado

em pé”. Este processo favorece a economia local, a preservação dos recursos

naturais e a geração de renda (JORNAL DO MOSAICO, 2010, p. 5).

Além do extrativismo, o Plano DTBC propõem outras atividades ligadas à

conservação e ao uso sustentável, sobretudo, aquelas ligadas ao turismo ecocultural

(resultante também da atuação de GT). A aposta no ecoturismo dá-se, sobretudo,

porque este remete aos elementos da natureza e também cultura em sua formação.

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Com isto, busca-se “atrair turistas interessados em comprar os serviços que

permitam contemplar, conviver e usufruir, aprender e intercambiar com os

patrimônios culturais e naturais” da biorregião do MSVP (FUNATURA, 2008, p. 31).

Quando se pensou a estratégia do turismo ecocultural como mecanismo de

desenvolvimento de base conservacionista para o biorregião do MSVP, três grandes

questões foram colocadas em análise. A primeira delas refere-se a “compartilhar a

presença da biodiversidade – considerando que esta é um direito de todos”. A

segunda questão tange a “valorização da sociodiversidade”, sobretudo porque

adotaram o “entendimento de que a diversidade biológica é indissociável da

diversidade cultural”, valorizá-los é, sem sombra de dúvida, um modo de promover o

desenvolvimento de base conservacionista. A terceira questão remete a necessidade

de “desenvolvimento sustentável em contexto regional” que deve respeitar as

particularidades locais, agregar benefícios “às formas sociais dos sujeitos envolvidos”.

Para nós, o eixo do ecoturismo encarna alguns princípios fundamentais do

planejamento biorregional, a capacidade das biorregiões, enquanto agentes ativos, de

promover o seu próprio desenvolvimento. Isto fica em evidência quando o Plano

DTBC coloca as razões pelas quais o ecoturismo é uma estratégia de

desenvolvimento. Dada à diversidade paisagística, histórica e biológica da biorregião,

como por exemplo, o complexo de Cavernas do Peruaçu, as trilhas do Grande Sertão,

o turista teria a oportunidade “de conhecer um processo humano singular, o sertanejo,

incluindo biomas singulares (...) - Cerrado e a Caatinga, perpassando atrativos

turísticos, naturais e culturais” (FUNATURA, 2008, p. 31).

A rigor, o Plano DTBC reconhece todos estes elementos como

potencialidades, “porém esses não se constituem ainda tecnicamente, ainda, em

atrativos turísticos, porque há ausência quase total de equipamentos e serviços” que

permitam o pleno desenvolvimento do ecoturismo. Para esta potencialidade tornar-

se efetiva, é necessária a construção de roteiros turísticos (os Circuitos Turísticos

Regionais) para a biorregião do MSVP, além da necessária infraestrutura. Apesar

disso, conforme a proposta de reconhecimento da Estrada-Parque Guimarães Rosa,

“um dos meios para o desenvolvimento econômico na região está vinculado ao

turismo ecocultural, não como uma solução imediata, mas somado a outras

iniciativas, que indiquem um caminho norteado por ações propostas em bases

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sustentáveis para a melhoria da qualidade de vida das comunidades”. (FUNATURA,

2012, p. 22).

Todos estes processos de desenvolvimento passam por um conjunto de

atividades que pensam a biorregião como uma totalidade. Nesse sentido, “os

processos das relações humanas, políticas e administrativas devem estar

relacionados à garantia da manutenção das unidades de conservação e dos demais

ambientes naturais, à proteção da diversidade da flora e da fauna e de todos os

aspectos culturais existentes” (FUNATURA, 2012, p. 22). Notamos com isto que o

Plano DTBC demanda a capacidade de inovação, ao sugerir novos mecanismos de

desenvolvimento, além disso, demanda a capacidade de solucionar problemas

sociais, físicos, econômicos e ambientais. E como tal, ele coloca a necessidade da

capacidade de negociação, mediação e construção de compromissos entre os

diferentes sujeitos. Para nós, estas características dotam o Plano DTBC de

estratégias típicas do planejamento e gestão biorregional.

CONSIDERAÇÕES

Neste trabalho defendemos a ideia que o Plano DTBC do MSVP representa

uma estratégia de planejamento biorregional. Planejamento biorregional tem por

característica a capacidade de negociação, inovação e de mediação, além de ser

eminentemente construído com a participação das comunidades biorregionais.

Neste planejamento, os aspectos sociais, históricos e culturais são pensados em

sua indissociabilidade como aqueles de ordem ecológica.

Além disso, demonstramos que a proposta dos mosaicos, em geral, e do

MSVP mais especificamente, é um instrumento de mediação de políticas de

desenvolvimento, e visa romper com ideia de que a conservação da natureza atua

como antítese às políticas de desenvolvimento. Com o MSVP, parte-se do princípio

de que conservar a natureza pode-se tornar uma atividade que melhora as

condições de vida e gera renda para as comunidades locais. Mas, para isto, é

preciso encontrar mecanismo de equilíbrio entre conservação e desenvolvimento.

Em outras palavras, o Plano DTBC do MSVP visa encontrar alternativas de manejo

aplicáveis à conservação da natureza associada à produção de bens e serviços para

as comunidades locais.

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