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S U M Á R I O ORIGINAL Avaliação clínica e radiológica do quadril em risco de luxação em pacientes com paralisia cere- bral ..................................................................................................................................................... 4 Claudio Sousa Castro, José Fernandes Boaventura Cavalcante, Leandro Hinhug Vilarinho, João Alírio Teixeira da Silva Júnior, Grimaldo Martins Ferro (Instituto Ortopédico de Goiânia – IOG e Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo – CRER, Goiâ- nia, GO) Avaliação do membro superior na paralisia cerebral: somente a análise clínica é suficiente? ......... 10 Ana Paula Tedesco, Renata D’Agostini Nicolini-Panisson, Aline Franciele de Jesus de Quadros (Instituto de Neuro-Ortopedia, Caxias do Sul, RS) Correlação entre a Shriners Hospital Upper Extremity Evaluation e estereognosia na paralisia cerebral espástica hemiplégica ........................................................................................................... 14 Ana Paula Tedesco, Renata D’Agostini Nicolini-Panisson, Aline Franciele de Jesus de Quadros (Instituto de Neuro-Ortopedia, Caxias do Sul, RS) Os efeitos da bandagem em crianças com paralisia cerebral hemiparética espástica: um estudo- piloto .................................................................................................................................................. 20 Mariah Hartog Bricks, Natália Mesquita Burlamaqui, Letícia de Oliveira Alves Cardoso (Associação de Assistência à Criança Deficiente – Unidade Ibirapuera, São Paulo, SP) Aprendizagem motora por meio de jogo de telefone celular na paralisia cerebral: estudo-piloto ..... 26 Juliana Nobre de Paula, Alessandro Hervaldo Nicolai Ré, Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Talita Dias da Silva, Lilian del Cielo de Menezes, Thais Massetti, Francis Meire Favero Controle autonômico cardíaco em indivíduos com paralisia cerebral ................................................ 32 Marcelo Fernandes, Naiane Muniz de Castro, Íbis Ariana Peña de Moraes, Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Talita Dias da Silva, Thais Massetti (Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP) RELATO DE CASO Tracionamento ortodôntico de incisivo central superior em paciente com paralisia cerebral tetrapa- resia espástica: Relato de caso ....................................................................................................... 38 Andrea Luciany Pechin Brucoli, Maria Teresa Botti Rodrigues Santos, Ana Paula Yumi Ikeda (Associação de Assistência à Criança Deficiente – Unidade Ibirapuera, São Paulo, SP) ATUALIZAÇÃO O atendimento humanizado ao portador de paralisia cerebral grave ................................................. 42 Thaís Fernandes Alvim Coelho (Associação Cruz erde, Sâo Paulo, SP) Opiniões e conceitos expressos nesta publicação são de responsabilidade exclusiva de seus autores, não traduzindo, necessariamente, os dos editores. A reprodução total ou parcial, por qualquer meio, deste material sem prévia e expressa autorização dos editores incide em crime, de acordo com as leis vigentes.

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S U M Á R I O

ORIGINAL Avaliação clínica e radiológica do quadril em risco de luxação em pacientes com paralisia cere-bral .....................................................................................................................................................

4

Claudio Sousa Castro, José Fernandes Boaventura Cavalcante, Leandro Hinhug Vilarinho, João Alírio Teixeira da Silva Júnior, Grimaldo Martins Ferro

(Instituto Ortopédico de Goiânia – IOG e Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo – CRER, Goiâ-nia, GO)

Avaliação do membro superior na paralisia cerebral: somente a análise clínica é suficiente? ......... 10 Ana Paula Tedesco, Renata D’Agostini Nicolini-Panisson, Aline Franciele de Jesus de Quadros

(Instituto de Neuro-Ortopedia, Caxias do Sul, RS)

Correlação entre a Shriners Hospital Upper Extremity Evaluation e estereognosia na paralisia cerebral espástica hemiplégica ...........................................................................................................

14

Ana Paula Tedesco, Renata D’Agostini Nicolini-Panisson, Aline Franciele de Jesus de Quadros

(Instituto de Neuro-Ortopedia, Caxias do Sul, RS)

Os efeitos da bandagem em crianças com paralisia cerebral hemiparética espástica: um estudo-piloto ..................................................................................................................................................

20

Mariah Hartog Bricks, Natália Mesquita Burlamaqui, Letícia de Oliveira Alves Cardoso

(Associação de Assistência à Criança Deficiente – Unidade Ibirapuera, São Paulo, SP)

Aprendizagem motora por meio de jogo de telefone celular na paralisia cerebral: estudo-piloto ..... 26 Juliana Nobre de Paula, Alessandro Hervaldo Nicolai Ré, Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Talita Dias da Silva, Lilian del Cielo de Menezes, Thais Massetti, Francis Meire Favero

Controle autonômico cardíaco em indivíduos com paralisia cerebral ................................................ 32 Marcelo Fernandes, Naiane Muniz de Castro, Íbis Ariana Peña de Moraes, Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Talita Dias da Silva, Thais Massetti

(Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP)

RELATO DE CASO

Tracionamento ortodôntico de incisivo central superior em paciente com paralisia cerebral tetrapa-resia espástica: Relato de caso .......................................................................................................

38

Andrea Luciany Pechin Brucoli, Maria Teresa Botti Rodrigues Santos, Ana Paula Yumi Ikeda

(Associação de Assistência à Criança Deficiente – Unidade Ibirapuera, São Paulo, SP)

ATUALIZAÇÃO

O atendimento humanizado ao portador de paralisia cerebral grave ................................................. 42 Thaís Fernandes Alvim Coelho (Associação Cruz erde, Sâo Paulo, SP)

Opiniões e conceitos expressos nesta publicação são de responsabilidade exclusiva de seus autores, não traduzindo, necessariamente, os dos editores. A reprodução total ou parcial, por qualquer meio, deste material sem prévia e expressa autorização dos editores incide em crime, de acordo com as leis vigentes.

Ana Paula Tedesco
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Ana Paula Tedesco
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E X P E D I E N T E

ISSN 1807-4456

Rua Itararé 75 01308-030 – São Paulo – SP

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Ângela Maria Costa e Souza Marilena Fernandes do Nascimento

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Publicação semestral

EDITORES Sérgio Daher (CRER, UFG, Goiânia, GO) CONSELHO EDITORIAL Ana Maria Furkin (Derdic, PUC, São Paulo, SP) Ângela Maria Costa e Souza (CRER, Goiânia, GO) Antonio Carlos Fernandes (AACD, São Paulo, SP) Antônio Richieri (USP, Bauru, SP) Cesar Andrade de Lima (UFMG, Belo Horizonte, MG) Claudiney Candido Costa (CRER, UFG, Goiânia, GO) Heloisa Tudella (UFSCar, São Paulo, SP) Ivan Ferraretto (Hospital Samaritano, São Paulo, SP) João Alírio T. da Silva Jr. (CRER, UFG, Goiânia, GO) José Salomão Schwartzman (UPM, São Paulo, SP) Júlio Resplande (CRER, UFG, Goiânia, GO) Karen Helen Stagnitti (Deakin University, Austrália) Lívia de Castro Magalhães (UFMG, Belo Horizonte, MG) Luciano Souza Dias (Children´s Memorial Hospital, Chicago, EUA) Luiz Fernando Fonseca (UFMG, Belo Horizonte, MG) Luzia Iara Pfeifer (USP, Ribeirão Preto, SP) Márica Keiko U. Tabuse (UNIFESP, São Paulo, SP) Maria das Graças Brasil (UFG, Goiânia, GO) Maria de Lourdes Tabaquim (USC, Bauru, SP) Maria Luísa Guillaumom Emmel (UFSCar, Sâo Carlos, SP) Maria Valeriana de Moura Ribeiro (UNICAMP, São Paulo, SP) Mina Regen (São Paulo, SP) Myrian Joppert (Rio de Janeiro, RJ) Paulo Roberto de Paula Selber (Royal Children´s Hospital, Austrália) Pessia Meyerhof (São Paulo, SP) Ruy do Amaral Pupo Filho (Universidade Santa Cecília, Santos, SP) PRODUÇÃO Memnon Edições Científicas Ltda. DIRETORA DE EDIÇÃO Silvana Santos ASSISTENTE DE EDIÇÃO Silvia Cristina Rosas PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Rua França Pinto 941 – São Paulo – SP Telefax (11) 5575.8444 Home Page: www.memnon.com.br

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral é órgão oficial de

divulgação da Associação Brasileira de Paralisia Cerebral

A produção de artigos científicos enriquece o conhecimento, permite a evolução das especialidades e fortalece uma sociedade científica. A produção científica, portanto, deve ser sempre estimuladas pelas várias associações e instituições científicas.

Às instituições, cabe-lhes a responsabilidade de motivar e criar as condições necessárias e suficientes para a produção científica, o que, em última instância, implica também na publicação do conhecimento em revistas da especialidade, para que seja assumido e aceito plenamente como conhecimento científico. O processo de avaliação, seleção, aceitação, revisões e correções de um artigo, prévio à sua publicação efetiva, é um processo moroso que denota a responsabilidade e a confirmação das capacidades técnico-científicas não apenas dos editores, mas também, indiretamente, dos autores.

A Associação Brasileira de Paralisia Cerebral – ABPC pretende que a produção científica na sua área de atuação seja progressivamente aumentada, tendo, entre outras ações, a divulgação de eventos científicos e a publicação de artigos resultantes de pesquisa científica nesta revista.

Esta revista da ABPC – os Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral, como acontece há vários anos, continua a realçar a importância da apresentação de estudos científicos em congressos e a sua posterior publicação.

Nesta oportunidade, agradecemos a disponibilidade de todos os envolvidos no crescimento da Associação Brasileira de Paralisia Cerebral e fazemos o convite para participarem do XIX Congresso Nacional de Paralisia Cerebral, planejado para acontecer em Goiânia, no período de 27 a 29 de outubro de 2016, juntamente com a XIV Jornada Científica do CRER (Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo).

Agradecemos a grande colaboração de Marilena Fernandes do Nascimento, que, com esforços incansáveis, ajuda a manter a continuidade da ABPC.

Sérgio Daher

Editor

E D I T O R I A L

O R I G I N A L

Avaliação clínica e radiológica do quadril em risco de luxação em pacientes com paralisia cerebral Clinical and radiological evaluation of the hips with risk of dislocation in patients with cerebral palsy Cláudio Sousa Castro1, José Fernandes Boaventura Cavalcante1,

Leandro Hinhug Vilarinho2, João Alírio Teixeira da Silva Júnior3, Grimaldo Martins Ferro4

1. Médico Residente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Instituto Ortopédico de Goiânia, GO, Brasil.

2. Médico Ortopedista Assistente do Grupo das Doenças Neuromus-culares do Departamento de Orto-pedia e Traumatologia do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo, GO, Brasil.

3. Médico Ortopedista Assistente e Chefe do Grupo das Doenças Neuromusculares do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Instituto Ortopédico de Goiânia, GO, Brasil.

4. Médico Ortopedista Chefe do Serviço de Residência Médica do Instituto Ortopédico de Goiânia, GO, Brasil.

Instituto Ortopédico de Goiânia (IOG) e Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (CRER).

CORRESPONDÊNCIA

Cláudio Sousa Castro

[email protected]

R R R R E E E E S S S S U U U U M M M M OOOO

O objetivo deste estudo foi analisar os quadris de pacientes com Paralisia Cerebral (PC), relacionando o índice de Reimers e o índice Acetabular com o GMFCS (Gross Motor Function Classification

System). Realizou-se avaliação clínica e radiológica de 124 pacientes com PC, nos anos de 2008 e 2009; 80 pacientes atendiam aos critérios de inclusão, 46 do sexo masculino e 34 do feminino. A idade média foi 10 anos e 2 meses. Funcionalmente, 47 pacientes eram não deambuladores (GMFCS IV e V) e 33, deambuladores (GMFCS I, II e III). Foram observados 33 (20,6%) quadris em risco (IR > 33%) e 12 (7,5%) quadris displásicos (IA > 27,5%). Concluiu-se que há risco aumentado de luxação do quadril na PC por volta de 2-3 anos de idade. Esse risco aumenta com o nível do GMFCS. É importante o diagnóstico precoce, a fim de se elaborar o plano terapêutico adequado.

Descritores: Paralisia cerebral – Luxação de quadril.

AAAA BBBB SSSS TTTT RRRR AAAA CCCC TTTT

The objective of this study was to analyze the hips of patients with Cerebral Palsy (CP), relating the

index of Reimers and the Acetabular index with the GMFCS (Gross Motor Function Classification).

We performed clinical and radiological evaluation of 124 patients with PC between 2008 and 2009.

Using inclusion criteria, 80 patients were selected. The mean age was 10 years and 2 months. Func-

tionally, 47 were non-walkers (GMFCS IV and V) and 33 walkers (GMFCS I, II and III). We observed

33 (20.6%) hips at risk (IR > 33%) and 12 (7.5%) dysplastic hips (IA > 27.5%). There is an increased

risk of hip displacement in CP at about 2-3 years of age. This risk increases with the level of the

GMFCS. Early diagnosis is important in order to develop the best treatment plan.

Keywords: Cerebral palsy – Hip dislocation.

Castro CS, Cavalcante JFB, Vilarinho LH, Silva Jr. JAT, Ferro GM. Avaliação clínica e radiológica do quadril em risco de luxação em pacientes com paralisia cerebral. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):4-9.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015;7(15):4-9.

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A Paralisia Cerebral (PC) é definida como um grupo de desordens motoras não progressivas, porém sujeitas a mudanças físicas, que ocorrem por lesão no encéfalo durante os primeiros estágios do desenvolvimento. Pode ser classificada em espástica, atetósica, atáxica e mista. Quanto à distribuição do déficit motor, pode ser dividi-da nos tipos: tetraplegia (os quatro membros gravemen-te acometidos), diplegia (os membros superiores menos acometidos que os inferiores) ou hemiplegia (acomete os membros superior e inferior de um hemicorpo)1.

A luxação do quadril na PC é comum, com risco de ocorrência de 15% a 20%. Nessa população, a espastici-dade é um problema grave, traz dor, escoliose e desen-volvimento de contraturas graves, o que resulta em dificuldades para sentar, andar e ficar em pé.

A ocorrência de luxação do quadril na PC pode ser prevenida por meio de exames clínico-radiográficos periódicos2,3. Para otimizar o processo de triagem é importante conhecer as características das crianças em risco de luxação.

O objetivo do presente estudo foi avaliar os quadris de pacientes portadores de PC, relacionando o índice de Reimers e o índice Acetabular com o GMFCS.

MÉTODO

Foram analisadas 124 crianças com diagnóstico de PC, no Serviço de Ortopedia Neuromuscular do Institu-to Ortopédico de Goiânia (IOG) e no Centro de Reabili-tação e Readaptação Henrique Santillo (CRER), em

Goiânia (GO), nos anos 2008 e 2009, das quais 80 fo-ram selecionadas para este estudo.

Os critérios de inclusão foram: diagnóstico de PC, independentemente do subtipo; idade mínima de 2 anos; e conhecimento da classificação no GMFCS. Os crité-rios de exclusão foram cirurgias ortopédicas prévias no quadril, presença de deformidades estruturadas, dados incompletos no prontuário, impossibilidade de medir o índice acetabular.

A idade mínima foi de 2 anos e a máxima de 17 anos (idade média de 10 anos e 2 meses). A distribuição quanto ao sexo foi de 46 pacientes masculinos e 34 femininos.

Como é de rotina nesses serviços, todos os pacientes foram classificados segundo o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS), pela equipe assis-tente, formada por médicos ortopedistas e fisiatras.

O GMFCS para PC é baseado no movimento volun-tário com ênfase no sentar e no andar. Essa classificação estabelece cinco níveis e usa como principal critério para a distinção dos grupos a limitação funcional, que inclui a necessidade de dispositivos manuais para mobi-lidade, tais como andadores, muletas, bengalas ou ainda mobilidade sobre rodas, e, em menor grau, a qualidade do movimento (Tabela 1, Figura 1).

O grupo de pacientes acompanhados foi submetido a avaliações clínica e radiográfica. No exame clínico, observou-se idade, sexo, status funcional e claasificação no GMFCS, dor à manipulação e amplitude de movi-mento da articulação do quadril.

Tabela 1. Níveis do GMFCS – Sistema de Classificação da Função Motora Grossa.

NÍVEL I Anda sem restrições.

Limitações para correr e pular.

NÍVEL II Anda com restrições, porém sem auxílio de aparelhos e muletas.

Tem limitações para andar fora de casa e na comunidade.

NÍVEL III Consegue andar com auxílio de andadores ou muletas.

Tem dificuldade para andar fora de casa e na comunidade.

NÍVEL IV Anda com auxílio externo, com limitações.

Necessita de cadeira de rodas para andar fora de casa e na comunidade.

NÍVEL V Mobilidade gravemente limitada, mesmo com aparelhos e adaptações.

Necessita de adaptações na cadeira de rodas.

Original

6

Nível I Nível II Nível III

Nível IV Nível V

Figura 1. Desenhos ilustrativos dos níveis do GMFCS – Sistema de Classificação da Função Motora Grossa.

A B

Figura 2. Referências radiográficas: (A) índice Reimers e (B) índice Acetabular.

Com relação à avaliação radiográfica, foram medi-dos o índice Acetabular (IA) e o índice de migração da cabeça femoral (índice de Reimers - IR), demonstrados na Figura 2. O índice Acetabular é o ângulo entre uma linha ao longo do teto ósseo do acetábulo e outra linha que atravessa os centros de ambos os acetábulos (Linha de Hilgenreiner). O índice de Reimers foi medido tendo

como base a linha de Perkins, medindo-se a porcenta-gem da epífise femoral que permanece lateralmente a essa linha5.

Com base no índice de Reimers (IR) ou índice de Migração da Cabeça, IR > 33% define um quadril sub-luxado; entre 33% e 39%, quadril em baixo risco de luxação; e > 40%, alto risco de luxação6,7.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015;7(15):4-9.

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RESULTADOS

Das 80 crianças avaliadas, 58,8% (n = 47) eram não deambuladoras, sendo que 25,5% (n = 12) apresentavam GMFCS IV e 74,5% (n = 35), GMFCS V. O restante da amostra, ou seja, 41,2% (n = 33) se referia a deambula-doras, das quais 51,5% (n = 17) apresentavam GMFCS I, 33,3% (n = l1) apresentavam GMFCS II, e 15,2% (n = 5), GMFCS III.

Foram avaliados os quadris bilateralmente, num total de 160, e foi aferido o IR e o IA. Da amostragem, 66 quadris do lado direito e 61 do lado esquerdo apresenta-ram IR < 33%. Índices entre 33%-39% foram encontra-dos em 12 quadris (sete do lado direito e cinco do lado esquerdo). Nove quadris do lado direito e 12 do lado esquerdo apresentaram IR > 40% (Tabelas 2, 3, 4).

Dos pacientes com IR < 33%, 46,7% eram deambu-ladores (GMFCS I, II ou III), e 53,3% eram não deam-buladores (GMFCS IV e V). Dos pacientes com IR entre 33%-39%, 8,3% eram deambuladores e 91,7%, não deambuladores. Entre os pacientes com IR > 40%, a quantidade de deambuladores diminuiu para 4,7%, e a de não deambuladores aumentou para 95,3%.

Foram considerados quadris displásicos aqueles com IA maior que 27,5°. Esse índice foi aferido em todos os pacientes, e 7,5% dos quadris (N = 13) apresentaram IA > 28°. O restante [92,5% (N = 147)], tinha acetábulo não displásico (Tabela 5).

Com o aumento nos níveis do GMFCS, observamos valores significativamente maiores do IR (Tabela 6). Em relação ao GMFCS e o IA, aferimos mais quadris displásicos em pacientes não deambuladores, porém sem diferenças significativas (p > 0,05%).

Para avaliar a relação dos níveis do GMFCS com o IA e o IR foi utilizada Análise de Regressão Logística (Tabela 6). A análise estatística foi realizada com o uso do programa SPSS for Windows, versão 15.0.

Tabela 2. Pacientes com IR < 33%.

Direito Esquerdo

n % n %

GMFCS I 17 25,8 17 27,9

GMFCS II 11 16,6 11 18,0

GMFCS III 4 6,0 4 6,6

GMFCS IV 10 15,2 8 13,1

GMFCS V 24 36,4 21 34,4

Total 66 100 61 100

Tabela 3. Pacientes com IR entre 33% e 39%.

Direito Esquerdo

n % n %

GMFCS I 0 - 0 -

GMFCS II 0 - 0 -

GMFCS III 1 20 0 -

GMFCS IV 1 20 2 28,6

GMFCS V 3 60 5 71,4

Total 5 100 7 100

Tabela 4. Pacientes com IR > 40%.

Direito Esquerdo

n % n %

GMFCS I 0 - 0 -

GMFCS II 0 - 0 -

GMFCS III 0 - 1 8,3

GMFCS IV 1 11,1 2 16,7

GMFCS V 8 88,9 9 75,0

Total 9 100 12 100

Tabela 5. Medidas do IA (lados direito e esquerdo).

GMFCS I II III IV V

5 - 15 graus 15/16 8/10 4/3 7/6 17/15

16 - 25 graus 3/1 2/0 0/2 4/5 12/17

28 - 30 graus 0/0 0/1 1/0 1/0 3/1

33 - 35 graus 0/0 0/0 0/0 0/1 3/2

Original

8

Tabela 6. Dados da análise estatística.

Quadril Direito

GMFCS I, II e III (Deambuladores)

% GMFCS IV e V

(Não deambuladores) % valor de p

32 97,0 40 85,1

1 3,0 7 14,9 0,116

33 100,0 47 100,0

32 97,0 34 72,3

1 3,0 4 8,5

0 0,0 9 19,1 0,035

Quadril Esquerdo

GMFCS I, II e III % GMFCS IV e V % valor de p

32 97,0 43 91,5

1 3,0 4 8,5 0,340

32 97,0 29 61,7

0 0,0 7 14,9

1 3,0 11 23,4 0,009

COMENTÁRIOS

Os 80 pacientes selecionados retrospectivamente fo-ram avaliados para demonstrar evidências da relação entre medidas radiográficas (IR e IA) e a classificação da função motora grossa na PC (GMFCS).

O GMFCS já provou ser um instrumento válido, confiável e estável ao longo do tempo. De acordo com os autores desse sistema de classificação, a maioria das crianças permanece no mesmo nível de classificação a partir dos 2 anos de idade.8

Observamos neste estudo que a maioria dos pacien-tes com quadril em risco de luxação se referia a não deambuladores, ou seja, a pacientes classificados nos níveis IV e V do GMFCS. Além disso, os maiores IR foram observados em pacientes não deambuladores.

O IR quantifica o grau de migração da cabeça femo-ral. Reimers7 considerou que, até os 3 anos de idade, o quadril normal se apresenta com a cabeça femoral com-pletamente coberta pelo acetábulo e, ainda, que quadris subluxados são aqueles com valores acima de 33%.

Haglund3 afirma que, quando a medida for entre 33%-40%, esses quadris devem ser considerados como qua-dris em risco de luxação, necessitando de observação frequente, sem necessidade de cirurgia preventiva. Os quadris que apresentam IR > 40% têm alto risco de luxação, o que indica necessidade de intervenção cirúr-gica. O IR é suficiente para a triagem de quadril em PC.

Miller et al.9 afirmaram que o IR < 25% corresponde a um quadril normal e definiram como subluxação leve o IR entre 25%-39%, moderada entre 40%-59%, e gra-ve, > 60%. Segundo Faraj et al.10, o IR é uma medida válida e confiável para analisar a migração lateral da cabeça femoral e a mais comumente usada.

Sabe-se que a maioria das luxações do quadril nos pacientes com PC ocorre antes de 7 anos de idade. Al-gumas crianças deste estudo mostraram subluxação já aos 2 anos.

A subluxação do quadril é comum sem displasia acetabular, e essa se desenvolve numa fase posterior de lateralização da cabeça femoral11. Avaliando o IA dos pacientes, observamos que em apenas 7,5% estava au-mentado, ou seja, com displasia acetabular. A ausência

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015;7(15):4-9.

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de displasia no quadril não garante que não haja risco de evoluir com aumento da subluxação. Observamos au-mento do IA em pacientes não deambuladores (GMFCS IV e V), mas esse aumento não foi significativo em relação ao IA dos deambuladores.

É de extrema importância que crianças com PC se-jam avaliadas radiograficamente o mais cedo possível para se identificar o quadril em risco e, assim, realizar o diagnóstico precoce do quadril subluxado, a fim de se elaborar o plano terapêutico mais adequado. O trata-mento com fisioterapia ou cirurgias, como tenotomia dos adutores e dos iliopsoas, visa a impedir a progressão da subluxação e da luxação. Se não diagnosticadas e tratadas, os pacientes evoluem com piora progressiva da deformidade em flexão e adução, o que dificulta seus cuidados, por exemplo, em higiene íntima, e o posicio-namento sentado, culminando em um quadro doloroso e de difícil manuseio.

Em suma, existe risco aumentado de luxação do quadril na PC por volta de 2-3 anos de idade. O risco de luxação é maior nos níveis IV e V do GMFCS. A luxa-ção do quadril na PC não está relacionada à displasia acetabular (IA > 27,5°).

REFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIASREFERÊNCIAS

1. Hoffer MM, Koffman M. Cerebral palsy. In Nickel VL, Botte MJ. Orthopaedic rehabilitation. (2nd ed.). New York: Churchil Livingstone; 1992.

2. Howard CB, McKibbin B, Williams LA, Mackie I. Factors affecting the incidence of hip dislocation in cerebral palsy. J Boné Joint Surg Br. 1985; 67(4):530-2.

3. Hàgglund G, Andersson S, Diippe H, Lauge Pedersen H, Nordmark E, Westbom L. Prevention of dislocation of the hip in children with cerebral palsy: the first ten years of a population-based prevention programme. J Boné Joint Surg Br. 2005; 87(l):95-101.

4. Harris NH, Lloyd-Roberts GC, Gallien R. Acetabular development in congenital dislocation of the hip: with special reference to the indications for acetabuloplasty and pelvic or femoral realignment osteotomy. J Boné Joint Surg Br. 1975; 57:46-52.

5. Reimers J. The stability of the hip in children. A radio-logical study of the results of muscle surgery in cerebral palsy. Acta Orthop Scand Suppl. 1980; 184:1-100.

6. Hàgglund G, Lauge-Pedersen H, Persson M. Radio-graphic threshold values for hip screening in cerebral palsy. J Childrens Orthop

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9. Miller F, Dias RC, Dabney KW, Lipton GE, Triana MDO. Soft-tissue release for spastic hip subluxation in cerebral palsy. J Pediatr Orthop. 1997; 17:571-84.

10. Faraj S, Atherton WG, Stott NS. Inter- and intra-measurer error in the measurement of Reimer's hip migra-tion percentage. J Boné Joint Surg. 2004, 86:434-7.

11. Rang M, Silver R, de La Garza J. Cerebral palsy. In Pediatric orthopaedics. (2nd ed.). In Lovell WW, Winter RB (Eds.). Philadelphia: JB Lippincott; 1986.

O R I G I N A L

Avaliação do membro superior na paralisia cerebral: somente a análise clínica é suficiente? Evaluation of the upper limb in cerebral palsy: is clinical analysis alone enough? Ana Paula Tedesco1, Renata D’Agostini Nicolini-Panisson2,

Aline Franciele de Jesus de Quadros3

R R R R E E E E S S S S U U U U M M M M OOOO

A avaliação do membro superior (MS) na paralisia cerebral (PC) é complexa, e é difícil discriminar os aspectos funcionais e deformidades em exame rotineiro. O SHUEE (Shriner’s Hospital Upper Extre-

mity Evaluation) é uma ferramenta de avaliação dos aspectos dinâmicos e funcionais das deformidades que auxilia na demonstração dos aspectos que teriam indicação de tratamento bem como no seu dire-cionamento. O objetivo deste estudo foi verificar a concordância entre a avaliação clínica e a avaliação SHUEE em pacientes com paralisia cerebral hemiplégica espástica (PCHE). É um estudo retrospecti-vo de prontuários de pacientes com PCHE, que realizaram avaliação no Instituto de Neuro-Ortopedia entre dezembro de 2010 e abril de 2013. Primeiro, os pacientes eram avaliados clinicamente, e era elaborado um plano de tratamento. Em seguida, era aplicado o SHUEE, e, a partir dos escores, era verificada a indicação terapêutica. As duas avaliações foram comparadas na procura de concordâncias, por meio do índice Kappa. A concordância entre o plano de tratamento e o tratamento efetuado foi de 76,47% (p = 0,01). A avaliação objetiva do MS na PC por meio do SHUEE permite o entendimento mais preciso das deformidades e dos problemas funcionais. Alterações nas decisões terapêuticas ocorreram em 23,53% dos pacientes.

Descritores: Paralisia cerebral – Membros superiores.

(1) Médica Ortopedista e Traumatologista, Mestre pela Universidade Federal de São Paulo, Diretora do Instituto de Neuro-Ortopedia de Caxias do Sul, RS, Brasil.

(2) Fisioterapeuta, Mestre pela Pontifícia Universidade Católica, Docente da Facul-dade da Serra Gaúcha, Caxias do Sul, RS, Brasil.

(3) Fisioterapeuta do Institu-to de Neuro-Ortopedia, Caxias do Sul, RS, Brasil.

Instituto de Neuro-Ortopedia, Caxias do Sul, RS, Brasil.

CORRESPONDÊNCIA

Ana Paula Tedesco

[email protected]

AAAA BBBB SSSS TTTT RRRR AAAA CCCC TTTT

The evaluation of the upper limb (UL) in cerebral palsy (CP) is complex, and it is difficult to discrimi-

nate the functional aspects and deformities in routine examination. The SHUEE (Shriner’s Hospital

Upper Extremity Evaluation) is a tool for evaluating the dynamic and functional aspects of deformi-

ties, which assists in demonstrating the aspects that would be indicated for treatment as well as its

direction. The aim of this study was to investigate the concordance between clinical evaluation and

SHUEE evaluation in patients with spastic hemiplegic cerebral palsy (SHCP). A retrospective study of

medical records of patients with SHCP who were evaluated at the Institute of Neuro-Orthopedics

between December 2010 and April 2013 was carried out. First, the patients were clinically assessed

and a treatment plan was developed. Then it was applied SHUEE and according the scores, therapeu-

tic indication was revised. Both evaluations were compared in search for concordances. The correla-

tion between the treatment plan and treatment effectiveness was 13/17 [76.47% (p = 0.01)]. Objective

assessment of MS in PC via SHUEE allows more precise understanding of deformities and functional

problems. Changes in therapeutic decisions occurred in 23.53% of the patients.

Keywords: Cerebral palsy – Upper limbs.

Tedesco AP, Nicolini-Panisson RD, Quadros AFJ. Avaliação do membro superior na paralisia cerebral: somente a análise clínica é suficiente? Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 5(15):10-3.

Ana Paula Tedesco
Highlight

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):10-13.

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A paralisia cerebral hemiplégica espástica (PCHE) resulta em alteração do tônus muscular, alterações de coordenação e deformidades típicas que, na maioria das vezes, acometem o membro superior (MS). A espastici-dade causa limitação da mobilidade ativa e deformida-des, inicialmente dinâmicas e posteriormente fixas, que causam dificuldades motoras resultando em limitações funcionais no desempenho de atividades e tarefas diá-rias1,2. Entre as modalidades de tratamento do membro superior na PCHE, incluem-se o tratamento medicamen-toso, a utilização de órteses e dispositivos auxiliares, além de tratamento cirúrgico. Esses tratamentos visam a melhorar a funcionalidade do membro, a fim de aumen-tar as habilidades e evitar deficiências secundárias como encurtamentos musculares ou deformidades ósseas.3

Para auxiliar no diagnóstico e traçar um plano de tra-tamento eficaz, é necessária uma avaliação detalhada, que vai além do exame físico convencional que, geral-mente, inclui a observação visual, no consultório, da mobilidade ativa e passiva. Idealmente, devem ser incluí-das escalas e avaliações específicas que avaliem objeti-vamente os aspectos funcionais e as deformidades. Ava-liações por meio de vídeo permitem que o avaliador possa ver e rever o exame físico várias vezes, visuali-zando os diferentes níveis anatômicos comprometidos. Além disso, há a possibilidade de avaliar a qualidade do movimento proposto e a funcionalidade do paciente durante as atividades. Dessa forma, avaliações com o uso do vídeo têm se mostrado um método simples e acessível, que traz dados úteis para a tomada de decisões terapêuticas mais adequadas4,5.

A SHUEE (Shriners Hospital Upper Extremity Eva-

luation) foi desenvolvida em 1996 no Shriners Hospital, e validada em 2006, para avaliar a função da extremida-de superior de crianças e adolescentes de 3 a 18 anos com PCH. A SHUEE foi criada para determinar o po-tencial para melhora da função, identificando o grau de utilização espontânea do membro afetado. Assim, quan-to maior o uso espontâneo, maior será o potencial para melhorar a sua utilização. Além disso, auxilia na identi-ficação dos aspectos dinâmicos das deformidades nos segmentos do MS, o que aponta para aqueles que neces-sitam intervenção6.

A indicação do melhor tratamento para o MS de de-terminado paciente pode ser baseada apenas na avalia-ção rotineira no consultório, auxiliada pela experiência do profissional avaliador, mas parece que a adição de vídeos tornaria o exame mais preciso, o que, consequen-temente, seria um fator a mais para o planejamento tera-pêutico. O objetivo deste estudo foi verificar o impacto da avaliação do MS por meio do método SHUEE, em pacientes com PCHE, sobre a decisão terapêutica toma-

da previamente levando em conta somente o exame clínico convencional.

MÉTODO

Este é um estudo retrospectivo de prontuários de pa-cientes com diagnóstico de PCHE que realizaram avali-ação do MS no Instituto de Neuro-Ortopedia de Caxias do Sul entre fevereiro de 2009 e abril de 2013. Como critérios de inclusão, os indivíduos deveriam apresentar diagnóstico clínico de PCHE, participar de duas consul-tas de avaliação do MS no consultório (uma avaliação médica e uma avaliação por meio da SHUEE). Para caracterização da amostra foram utilizados o Gross Motor

Function Classification System (GMFCS)7,8 e o Manual

Ability Classification System for Children with Cerebral

Palsy (MACS)9.

Durante a consulta inicial, os pacientes passaram por uma avaliação clínica realizada em consultório médico, para exame ortopédico, em que era realizado o planeja-mento terapêutico. Após a primeira avaliação, os pacien-tes passaram pela aplicação da SHUEE, que consiste em uma análise de vídeo de tarefas manuais segundo o pro-tocolo convencional, realizada por um profissional fisiote-rapeuta, e, a partir dos escores obtidos, indicou-se um planejamento terapêutico. Os exames foram analisados em equipe, sendo que o fisioterapeuta não conhecia o plano terapêutico preliminarmente pensado pelo ortope-dista. Ao final, compararam-se as duas avaliações.

A SHUEE é uma avaliação baseada em vídeo, dividi-da em duas sessões. A primeira sessão, uma avaliação subjetiva do paciente, fundamenta-se nas medidas-padrão de amplitude de movimento e tônus muscular. Já a segun-da sessão avalia três componentes: a análise funcional espontânea, a análise dinâmica posicional e a análise do segurar e soltar. Todas as atividades são filmadas e geram um escore. O escore da análise funcional espontânea vai de 0 a 5 (0 significa a não utilização do membro afetado nas atividades e 5, a utilização do membro afetado de forma espontânea, parcial a completa). A análise dinâmi-ca posicional resulta em escores de 0 a 3, e a análise do segurar e soltar, em escores de 0 a 1, que são definidos conforme o posicionamento dos diversos níveis do MS durante as atividades propostas. Essa avaliação é especi-almente importante para detecção do tipo e do grau de deformidade apresentados. Os resultados da SHUEE para utilização clínica são expressos em porcentagem (compa-rado ao alinhamento segmentar ideal), em cada sessão. De acordo com os escores obtidos, é realizado o planejamen-to terapêutico: conservador – tratamento focal da espasti-cidade pela aplicação de toxina botulínica tipo A; ou

Original

12

cirúrgico – artrodese de punho, transferências ou libera-ções musculares. Em relação a outros achados, outras indicações de tratamento podem surgir, como uso de órteses etc. A SHUEE necessita cerca de 15 minutos para ser aplicada e, em média, 15 a 30 minutos para a pontua-ção dos escores; também possui manual explicativo. Após a aplicação do instrumento, os resultados eram avaliados conjuntamente pelo fisioterapeuta (que desconhecia o plano terapêutico inicialmente traçado pelo ortopedista) e pelo ortopedista.

Para a análise dos dados, utilizou-se o programa es-tatístico R10, e a estimativa de concordância foi realizada com a aplicação do índice Kappa11.

RESULTADOS

Dezessete 17 pacientes (10 do gênero masculino e sete do gênero feminino) foram incluídos neste estudo. A média de idade no momento da avaliação foi de 8,6 anos (intervalo de 5-23 anos, DP = 3,5). A maior parte da amostra (52,9%) teve o lado direito acometido e submetido a tratamento. A amostra apresentou predomi-nantemente o nível I do GMFMS (76,4%), seguido dos níveis II e III, que representaram 11,7% da amostra. Quanto ao MACS, 41,17% apresentaram nível II (mani-pulam a maioria dos objetos, porém com menor qualida-de e/ou velocidade), seguido do nível III (35,2%) (mani-pulam objetos com dificuldade e desempenho mais lento), do nível I (11,7%) (manipulam objetos facilmen-te e com sucesso), e do nível IV (11,7%) (necessitam de adaptações para a manipulação de objetos).

Para o cálculo do índice Kappa, testou-se a hipótese de que o valor encontrado de concordância era aleatório, e foi estabelecido erro-alfa de 5%. A concordância entre o plano de tratamento e o tratamento efetuado foi 13/17, ou seja, 76,47% (p = 0,01). Com isso, concluiu-se que houve concordância de grau moderado entre o planeja-mento terapêutico inicial e o planejamento após aplica-ção da SHUEE.

Nos indivíduos em que houve discordância entre as duas avaliações, houve mudanças no plano de aborda-gem cirúrgica. Essas diferenças ocorreram principal-mente em dedos, especialmente no polegar. Já os outros pacientes deixaram de ter indicação cirúrgica por apre-sentarem distúrbios de movimento não previamente detectados no exame clínico e que contraindicaram a conduta cirúrgica.

COMENTÁRIOS

Avaliações por meio de vídeo se mostraram úteis para diagnóstico e tratamento do MS de crianças com PCHE. Neste estudo, houve concordância de 76,47% entre o plano de tratamento inicial, baseado somente na análise da mobilidade ativa e passiva em consultório, e o deter-minado pela avaliação de vídeo com o uso da SHUEE. Um dos motivos mais importantes é que, por meio dos vídeos, se torna possível a distinção de distúrbios do tônus e do movimento, além da espasticidade, que podem afetar a decisão do tratamento e contraindicar a cirurgia. Em particular, os resultados de cirurgias de tecidos moles são menos previsíveis em crianças com distúrbios de movi-mento.

A SHUEE, por ser um método que avalia os aspectos dinâmicos da deformidade, auxilia no direcionamento e na indicação do melhor tratamento para essas crianças. Esse método apresenta excelente confiabilidade inter e intraobservador, verificada pela avaliação de 11 indiví-duos com PC hemiplégica de 6 a 13 anos; a validade concorrente foi avaliada pela comparação da SHUEE com o Pediatric Evaluation of Disability Inventory (PEDI) e o Jebson-Taylor Test of Hand Function (JTT) em 20 indi-víduos com PC hemiplégica de 6 a 15 anos; e a validade do construto foi determinada pela análise dos escores pré e pós-procedimento cirúrgico no punho de 18 crian-ças com PC hemiplégica6.

A análise detalhada do comportamento do polegar, punho e dedos permite a indicação mais precisa do com-ponente anormal da mobilidade que necessita ser abor-dado em cirurgia. Davids et al.12 avaliaram retrospecti-vamente a relação entre as avaliações estática e dinâmi-ca do polegar pela SHUEE em 33 crianças com PCHE, antes e após tratamento cirúrgico. Os resultados de-monstraram melhora em ambos os componentes, visível graças à aplicação desse método capaz de avaliar con-juntamente esses aspectos, estático e dinâmico, e de demonstrar os resultados após o tratamento.

Revisões sistemáticas atuais têm indicado a SHUEE como método de avaliação do MS da PC espástica, le-vando-se em consideração que a maior parte das ferra-mentas de avaliação não considera especificamente a fisiopatologia da PC e os desafios funcionais enfrenta-dos por esses pacientes. Segundo a literatura, existem mais de 38 métodos diferentes de avaliação do MS espás-tico na PC. Apesar disso, na maior parte das vezes, os exames realizados levam em consideração os aspectos estáticos e as deformidades fixas. Entretanto, raramente são analisados os aspectos funcionais, em que se defla-gram claramente as limitações, de forma objetiva1,2.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):10-13.

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Wagner et al.13 identificam as principais ferramentas de avaliação utilizadas para o MS de crianças com PC e abordam a Classificação Internacional de Funcionalida-de, Incapacidade e Saúde (CIF), que enfatiza a impor-tância de medir a função de um indivíduo não somente em função corporal, mas também em suas atividades, participação e fatores ambientais, e ressaltam que ferra-mentas de avaliação ideais devem, portanto, considerar a natureza multidimensional da função.

Carlson et al.5 utilizaram uma avaliação filmada em uma análise similar a esta em 94 indivíduos, e tiveram uma mudança no plano cirúrgico inicial em 72% dos pacientes da amostra. Esses autores sugeriram que essas alterações foram maiores para o polegar, dedos e punho, pela sua inter-relação e a dificuldade de avaliar no con-sultório o comportamento detalhado desses níveis, con-juntamente. Salientam, ainda, que a avaliação em vídeo permite que o revisor separe cada parte anatômica e trace um plano terapêutico mais adequado.

Outros métodos de avaliação do MS na PC utilizam vídeos, como a AHA (Assisting Hand Assessment), que descreve o quão efetivamente crianças de 18 meses aos 12 anos de idade, com anormalidades unilaterais (decor-rentes de PC ou paralisia obstétrica), usam a mão afeta-da para realizar atividades bimanuais. Utilizando vídeos, o teste não objetiva o diagnóstico de deformidades, e os escores não são utilizados diretamente para a tomada de decisão terapêutica14. A Melbourne Assessment of Uni-

lateral Upper Limb Function (MUUL) foi desenhada originalmente para crianças de 5 a 15 anos com proble-mas neurológicos unilaterais e mede a qualidade da fun-ção motora. Pode ser aplicada também no MS dominante. Escores são aplicados a partir dos estudos de vídeos15. Não há menção sobre como os escores auxiliam na pro-posta terapêutica.

Pacientes com comprometimento de MS em PC exi-gem uma avaliação detalhada das deformidades e pro-blemas funcionais. A análise e o exame clínicos são importantes, porém a utilização de métodos diferencia-dos pode auxiliar no diagnóstico. A análise em vídeo permite ao profissional uma informação detalhada da capacidade e das limitações do membro afetado, além da definição mais exata das deformidades dinâmicas apre-sentadas. O método SHUEE se mostrou eficaz para a avaliação do MS dos pacientes com PC, realizando ativi-dades de vida diária bimanuais.

Alterações nas decisões terapêuticas, cirúrgica ou conservadora, ocorreram em 23,53% dos pacientes deste estudo. Por esse motivo, sugere-se a inserção de méto-dos de avaliação qualificados, que utilizam vídeos, na avaliação da PC, buscando direcionar o tratamento des-ses pacientes. São necessários futuros estudos que utili-

zem a SHUEE para avaliação e verifiquem os resultados dos tratamentos instituídos.

REFERÊNCIAS 1. Klingels K, Jaspers E, Winckel A, De Cock P, Mo-lenaers G, Feys H. A systematic review of arm activity measures for children with hemiplegic cerebral palsy. Clin Rehabil. 2010; 24(10): 887-900.

2. Gilmore R, Sakzewski L, Boyd R. Upper limb activity measures for 5- to 16-year-old children with congenital hemiplegia: a systematic review. Dev Med Child Neurol. 2010; 52(1):14-21.

3. Rosenbaum P. Cerebral palsy: what parents and doc-tors want to know. BMJ. 2003; 326:970-4.

4. Waters PM, Zurakowski D, Patterson P, Bae DS, Nimec D. Interobserver and intraobserver reliability of therapist-assisted videotaped evaluations of upper-limb hemiplegia. J Hand Surg. 2004; 29(2):328-34.

5. Carlson MG, Spincola LJ, Lewin J, McDermott E. Impact of video review on surgical procedure determina-tion for patients with cerebral palsy. J Hand Surg. 2009; 34(7):1225-31.

6. Davids JR, Peace LC, Wagner LV, Gidewall MA, Blackhurst DW, Roberson WM. Validation of the Shriners Hospital for Children Upper Extremity Evalua-tion (SHUEE) for children with hemiplegic cerebral palsy. J Bone Joint Surg Am. 2006; 88(2):326-33.

7. Palisano R, Rosenbaum P, Walter S, Russell D, Wood E, Galuppi B. Development and reliability of a system to classify gross motor function in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1997; 39(4):214-23.

8. Palisano RJ, Rosenbaum P, Bartlett D, Livingston MH. Content validity of the expanded and revised Gross Motor Function Classification System. Dev Med Child Neurol. 2008; 50(10):744-50.

9. Eliasson AC, Krumlinde-Sundholm L, Rösblad B, Beckung E, Arner M, Ohrvall AM et al. The Manual Ability Classification System (MACS) for children with cerebral palsy: scale development and evidence of validi-ty and reliability. Dev Med Child Neurol. 2006; 48(7): 549-54.

10. R Development Core Team. R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing: Vienna; 2013. Disponível em: <http://www.R-project.org/>.

11. Nakazawa M. Functions for medical statistics book with some demographic data. R package version 0.4.1. 2013. Disponível em: <http://CRAN.Rproject.org/package =fmsb>.

O R I G I N A L

Correlação entre a Shriners Hospital Upper Extremity Evaluation e estereognosia na paralisia cerebral espástica hemiplégica Correlation between Shriners Hospital Upper Extremity Evaluation and stereognosis in hemiplegic spastic cerebral palsy Ana Paula Tedesco1, Renata D’Agostini Nicolini-Panisson2, Aline de Jesus Quadros3

(1) Médica Ortopedista e Trauma-tologista, Mestre pela Universidade Federal de São Paulo, Diretora do Instituto de Neuro-Ortopedia de Caxias do Sul, RS, Brasil.

(2) Fisioterapeuta, Mestre pela Pontifícia Universidade Católica – RS, Docente da Faculdade da Serra Gaúcha, Caxias do Sul, RS, Brasil.

(3) Fisioterapeuta do Instituto de Neuro-Ortopedia, Caxias do Sul, RS, Brasil.

Instituto de Neuro-Ortopedia, Caxias do Sul, RS, Brasil.

CORRESPONDÊNCIA

Ana Paula Tedesco

[email protected]

R R R R E E E E S S S S U U U U M M M M OOOO

O membro superior (MS) na Paralisia Cerebral Espástica Hemiplégica (PCEH) pode apresentar altera-ções sensoriais associadas ao déficit motor. Essas alterações limitam a funcionalidade dos indivíduos. A Shriners Hospital for Children Upper Extremity Evaluation (SHUEE) é um teste que avalia de forma objetiva e quantitativa a funcionalidade do MS por meio da Escala Funcional Espontânea (EFE), da Escala Dinâmica Posicional (EDP) e da Função de Segurar e Soltar (FSS). Porém, a SHUEE não contempla a avaliação sensorial. Este estudo tem como objetivo correlacionar a SHUEE com a avaliação da sensibilidade de integração cortical pelo teste de estereognosia. Foi realizado estudo de retrospectivo de prontuários de pacientes com PCEH, de 3 a 18 anos, que realizaram a avaliação do MS por meio do SHUEE, além de avaliação da estereognosia, no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2013. A estereognosia apresentou correlação direta moderada com a análise funcional espontânea (r = 0,68, IC 0.27-0.88, p < 0,05), com a análise dinâmica posicional (r = 0,77, IC 0,45-0,92, p < 0,01) e com o alinhamento dos dedos (r = 0,77, IC 0,36-0,93, p < 0,01). A correlação entre a SHUEE e estereognosia mostrada nesta pesquisa deve ser levada em conta na avaliação e no tratamento do MS na PCEH. Descritores: Paralisia cerebral – Espasticidade – Membro superior – Estereognosia.

AAAA BBBB SSSS TTTT RRRR AAAA CCCC TTTT

Besides motor deficits, the upper extremity in patients with spastic hemiplegic cerebral palsy may

have sensorial compromise. These abnormalities cause functional limitations. Shriners Hospital for

Children Upper Extremity Evaluation (SHUEE) is a test for objective and quantitative evaluation of

functional aspects of upper extremity through spontaneous functional analysis, dynamic positional

analysis and grasp and release test. SHUEE, however, does not include sensorial evaluation. This

study aims to correlate results of SHUEE with evaluation of stereognosis. This study is based on a

retrospective review of the charts of patients with hemiplegic spastic cerebral palsy, 3 to 18 years of

age, who had evaluation of upper extremity with SHUEE and stereognosis, from January 2009 to

December 2013. Stereognosis showed moderate correlation with functional spontaneous score (r =

0.68, IC 0.27-0.88, p < 0.05), dynamic positional score (r = 0.77, IC 0.45-0.92, p < 0.01) and with

fingers alignment (r = 0.77, IC 0.36-0.93, p < 0.01). Correlation between SHUEE results and stere-

ognosis showed in this study should be taken in account on evaluation and treatment of upper extremi-

ty of patients with spastic hemiplegic cerebral palsy.

Keywords: Cerebral palsy – Spasticity – Upper limb – Stereognosis.

Tedesco AP, Nicolini-Panisson RD, Quadros AJ. Correlação entre a Shriners Hospital Upper Extremity

Evaluation e estereognosia na paralisia cerebral espástica hemiplégica. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):14-9.

Ana Paula Tedesco
Highlight

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):14-19.

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Na paralisia cerebral espástica hemiplégica (PCEH) o membro superior (MS) é habitualmente acometido com limitação nas atividades e na participação. As alte-rações no MS incluem alteração do tônus, da coordena-ção, da sensibilidade e da estereognosia1,2.

Na prática clínica, a avaliação do MS na PCEH se baseia frequentemente no relato da funcionalidade, feito pelo cuidador ou paciente, e pelo exame físico. O exame físico costuma se resumir à análise do grau de mobilida-de passiva e ativa, do tônus muscular, da presença de deformidades fixas ou dinâmicas, da força muscular e, mais raramente, da sensibilidade e da estereognosia. Aspectos funcionais, em que se deflagram claramente as limitações, dificilmente são analisados, principalmente de forma objetiva. Assim, o diagnóstico, o tratamento e a mensuração dos resultados do tratamento do MS con-tinuam a ser realizados de forma variável e não reprodu-tível.

A avaliação da sensibilidade de integração cortical, como o teste de estereognosia, não é rotineiramente realizado e, dessa forma, sua influência nas limitações funcionais não é conhecida.

Inicialmente se acreditava que alterações de sensibi-lidade e estereognosia associadas aos déficits motores fossem contraindicações para os tratamentos cirúrgicos do MS ou que fossem, até mesmo, aspectos que poderiam limitar os resultados funcionais obtidos com a cirur-gia2,3. Porém, estudos mostram que alterações de sensi-bilidade e estereognosia não têm efeito adverso sobre os resultados cirúrgicos e, ainda, relatam melhoras na fun-ção de estereognosia associadas a melhoras na função motora, provavelmente pelo aumento do uso funcional do MS após o tratamento cirúrgico4,5.

A Shriners Hospital for Children Upper Extremity

Evaluation (SHUEE) é um instrumento que possibilita a avaliação detalhada do MS na PCEH e que auxilia a direcionar o tratamento e a medir os seus resultados. A partir do estudo da função espontânea, da dinâmica posicional e da capacidade de segurar e soltar, juntamente com a averiguação da amplitude de movimento e da es-pasticidade, permite avaliar a influência das deformidades musculoesqueléticas sobre a função do MS6. A SHUEE não contempla, entretanto, a análise da estereognosia, fundamental para a realização de tarefas com as mãos.

Outros estudos já demonstraram a relação entre a função do MS na paralisia cerebral (PC), medidos por outras ferramentas que não a SHUEE, e os déficits sen-soriais1,7. Nosso propósito com este estudo é verificar a relação entre os escores funcionais advindos da SHUEE e a estereognosia.

MÉTODO

Foi realizado estudo retrospectivo a partir de dados de prontuários de pacientes com PCEH, com idades de 3 a 18 anos, que realizaram a avaliação do MS com a aplica-ção da SHUEE, além da avaliação da estereognosia, no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2013.

A avaliação motora pela SHUEE consiste em duas etapas: na primeira etapa são realizados o exame físico (com graduação da espasticidade pela Escala de Ashworth e da amplitude de movimento com goniôme-tro) e a avaliação da independência nas atividades de vida diária; na segunda etapa são filmadas 16 tarefas de função manual. Após a filmagem das atividades, as imagens são analisadas em equipe (médico ortopedista e duas fisioterapeutas) para a pontuação da Escala Funci-onal Espontânea (EFE), da Escala Dinâmica Funcional (EDP) e da Função de Segurar e Soltar (FSS).

Os escores da SHUEE são expressos em percentual do escore máximo possível de ser obtido, que corres-ponde a funções tidas como ótimas (espontânea, alinha-mento segmentar e função de segurar e soltar). As avali-ações da EFE são pontuadas na escala de 0 (negligência completa) a 5 (função espontânea e independente). O escore máximo na EFE é 45. Cada segmento anatômico da EDP é pontuado em uma escala de 0 (mau alinha-mento máximo) a 3 (alinhamento ótimo). O escore má-ximo possível EDP é 60 (com máximo de 12 para cada nível – polegar, dedos, punho, antebraço e cotovelo). A avaliação da FSS é pontuada em escala de 0 (incapaz de segurar ou soltar) ou 1 (capaz de fazê-lo), para cada uma das três posições do punho (extensão, neutro ou flexão). O escore máximo para a FSS é 66.

A avaliação da estereognosia foi realizada por um protocolo que consiste na identificação de 12 objetos (bola, chave, moeda, bloco de madeira, mármore, lápis, botão, cadarço, colher, borracha, carrinho e pente), sen-do classificada deficiência severa o reconhecimento de 0 a 4 objetos; moderada, de 5 a 8 objetos; leve, de 9 a 11 objetos; e estereognosia preservada, o reconhecimento dos 12 objetos2.

Os pacientes e seus pais ou cuidadores foram escla-recidos quanto aos objetivos e execução do teste. Após a realização dos testes o paciente e o familiar ou cuidador foram informados detalhadamente sobre os resultados, bem como sobre sua repercussão sobre o planejamento do tratamento a ser seguido. Eles receberam uma cópia do laudo final e os vídeos de todos os testes.

Para a análise dos dados, utilizou-se estatística des-critiva, e as correlações foram estabelecidas pelo coefi-ciente de correlação de Pearson. A estereognosia foi

Original

16

correlacionada com os resultados da SHUEE [EFE, EDP (total, polegar, dedos, punho) e FSS], com a idade e com a os dados da Escala de Ashworth.

RESULTADOS

A SHUEE foi aplicada a 21 pacientes (10 do sexo masculino) com PCEH e deformidades em MS, de acor-do com o protocolo originalmente descrito.

O lado direito foi acometido em 60% dos pacientes. A Tabela 1 mostra detalhes da amostra. Nenhum pacien-te apresentava déficit visual grave.

Foi encontrada correlação direta moderada entre a estereognosia e a análise funcional espontânea (r = 0,68, IC 0,27-0,88, p < 0,05), a análise dinâmica posicional (r = 0,77, IC 0,45-0,92, p < 0,01) e o alinhamento dos dedos (r = 0,77, IC 0,36-0,93, p < 0,01).

Essas correlações são mostradas nas Figuras 1, 2 e 3, respectivamente. Não houve correlação da estereognosia com alinhamento do punho (r = 0,54, IC -0,05-0,85, p = 0,07) e do polegar (r = 0,07, IC -0,19-0,80, p = 0,16), com a Escala de Ashworth (r = 0,37, IC -0,73-0,15, p = 0,15) nem com a idade (r = 0,25, IC -0,27-0,66, p = 0,34).

Tabela 1. Caracterização da amostra e resultados da SHUEE.

Variáveis N = 21

Idade (anos) 9,26 (2,70)

Sexo (masculino / feminino) 10/11

Topografia (direito / esquerdo) 12/9

GMFCS (I / II) 20/1

Análise funcional espontânea 58,90 (14,77)

Análise dinâmica posicional 57,41 (18,19)

Análise segurar / soltar 90,00 (26,73)

Alinhamento do segmento polegar dedos punho antebraço cotovelo

61,97 (2,72) 66,18 (40,45) 41,92 (27,15) 61,45 (29,95) 77,94 (16,39)

Idade, análise funtional espontânea, dinâmica posicional e segurar / soltar e alinhamento do segmento expressos como média (desvio-padrão). Sexo, topografia e GMFCS expressos como valor absoluto. GMFCS = Gross Motor Function Classification System

Figura 1. Correlação de Pearson entre estereognosia e Análise Funcional Espontânea (SHUEE).

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):14-19.

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Figura 2. Correlação de Pearson entre estereognosia e Análise Dinâmica Posicional (SHUEE).

Figura 3. Correlação de Pearson entre estereognosia e alinhamento dos dedos, um dos segmentos do membro superior analisado na Análise Dinâmica Posicional (SHUEE).

COMENTÁRIOS

Este é o primeiro estudo a correlacionar os dados da avaliação motora obtidos com a aplicação da SHUEE com a estereognosia. Os resultados mostram que a fun-ção motora espontânea funcional e o alinhamento dinâ-mico dos segmentos do membro superior, principalmen-te dos dedos, correlacionam-se de forma direta com a estereognosia em indivíduos com PCEH.

Law et al.1 estudaram a correlação do grau de defor-midade, espasticidade, controle motor e sensibilidade

(discriminação entre dois pontos e estereognosia) com a função manual em pacientes com PC, com idades de 6 a 33 anos, incluindo tetraplégicos. A avaliação funcional foi realizada por meio da Avaliação de Melbourne – Teste de Função Unilateral do Membro Superior (MALUF), do Teste de Preensão Funcional (FHGT) e da Medida da Independência Funcional para crianças (WeeFIM). Eles observaram que os déficits funcionais da mão estavam relacionados com o grau de deformidade, espasticidade, sensibilidade e controle motor, sendo que os tetraplégi-cos apresentaram os piores resultados funcionais. É necessário observar que os testes empregados não levam em conta a maneira como as tarefas avaliadas são reali-

y = 0,1305x + 1,7792R² = 0,6003

0

2

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0 20 40 60 80 100

Est

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no

sia

Análise Dinâmica Posicional

y = 0,0618x + 4,9697R² = 0,59862

0

2

4

6

8

10

12

14

0 20 40 60 80 100 120

Est

ere

og

no

sia

Alinhamento dos dedos

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zadas, mas sim se elas são ou não são realizadas. Assim, é possível que o emprego de movimentos compensató-rios e o auxílio da mão menos acometida possa ter inter-ferido nos resultados.

Embora não faça parte do protocolo da SHUEE, a testagem da estereognosia da mão em hemiplégicos nos possibilita corroborar os achados desse estudo, pois eram piores quanto maior o déficit funcional da mão acometida. A SHUEE tornou possível essa observação distinta.

Outro estudo verificou a correlação entre os graus de função do MS medidos pelo teste de Jebsen-Taylor e a estereognosia na PC7. Esse teste, entretanto, é validado para crianças com atraso no desenvolvimento, e não especificamente para PC. O estudo mostrou correlação inversa significativa entre os escores de estereognosia e o total do teste de Jebsen-Taylor e dos seus cinco subtes-tes isoladamente, o que significa que as crianças com deficiências significativas na estereognosia apresenta-vam maior comprometimento motor medido pelo tempo de realização das atividades do teste7.

A SHUEE foi desenvolvida em 1996, no Shriners

Hospital, e em 2006 foi validada para avaliar o membro superior de crianças e adolescentes de 3 a 18 anos com paralisia cerebral hemiplégica6. É um teste objetivo, baseado em análises de vídeos, que tem sido utilizado para avaliação, planejamento terapêutico e mensuração dos resultados do tratamento. Seu diferencial é mensurar os aspectos dinâmicos das deformidades e das limitações funcionais presentes no MS espástico, para auxiliar na demonstração dos aspectos que teriam indicação de tratamento, bem como no seu direcionamento. Sua reali-zação após o tratamento serve como método para avalia-ção dos resultados, de forma clara e objetiva6.

A SHUEE tem sido incluída entre os testes indicados e adequados para a avaliação do MS na PC, e contempla os componentes da Classificação Internacional de Inca-pacidade e Funcionalidade da Organização Mundial da Saúde8,9. Este estudo ressalta, a partir da correlação encontrada, a importância de incluirmos, tanto no pro-cesso de avaliação como no programa de tratamento do MS da PCEH, aspectos da estereognosia.

A literatura aponta anormalidades na estereognosia e na sensibilidade do MS na PC8,10. Entre os distúrbios sensoriais, destacam-se o comprometimento da discri-minação de dois pontos11 e a estereognosia (habilidade de perceber o formato dos objetos pelo tato, percebendo seu tamanho, formato, textura, massa e temperatura) que é considerada uma das funções mais complexas e impor-tantes do sistema somatossensorial12. As alterações sen-soriais acarretam dificuldades na exploração tátil dos objetos e do ambiente, com consequente prejuízo no

desenvolvimento de sistemas de integração cerebral e das habilidades de manipulação necessárias nas ativida-des de vida diária (AVDs).

Assim, conclui-se que a correlação entre SHUEE e estereognosia mostrada nesta pesquisa deve ser levada em conta na avaliação e no tratamento do membro supe-rior espástico hemiplégico na paralisia cerebral. Suge-rem-se novas pesquisas com grupos de amostragem maiores para melhor evidenciar esse achado.

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O R I G I N A L

Os efeitos da bandagem em crianças com paralisia cerebral hemiparética espástica: um estudo-piloto The effects of tapping spastic hemiparetic cerebral palsied children: a pilot study Mariah Hartog Bricks1, Natália Mesquita Burlamaqui1, Letícia de Oliveira Alves Cardoso2

(1) Terapeuta Ocupacional, em Programa de Aperfeiçoamento em Terapia Ocupacional da Associação de Assistência à Criança Deficien-te, São Paulo, SP, Brasil.

(2) Terapeuta Ocupacional, Especi-alista em Terapia da Mão e Reabili-tação em Membro Superior pela Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil.

Associação de Assistência à Criança Deficiente – Unidade Ibirapuera, São Paulo, SP, Brasil.

CORRESPONDÊNCIA

Letícia de Oliveira Alves Cardoso

[email protected].

R R R R E E E E S S S S U U U U M M M M OOOO

A hemiparesia espástica na Paralisia Cerebral (PC) altera o padrão de membro superior e interfere nas atividades cotidianas. Seu tratamento inclui a bandagem, que prepara o membro para a função por meio de estímulos proprioceptivos e táteis, que instigam a percepção do membro em que é aplicada. O objetivo deste estudo foi testar a interferência da aplicação da bandagem na frequência do uso do membro acometido em atividades cotidianas e sua influência na amplitude de movimento (ADM) articular de punho, metacarpofalange e polegar. Trata-se de estudo experimental, em que foi utilizada a Escala de Frequência da PMAL, goniometria das articulações da mão acometida e diário de campo. O protocolo consistiu em oito trocas de bandagem adjunto à terapia convencional. Houve diferença significativa das médias, inicial e final, da PMAL (p = 0,03) e entre goniometria inicial e final, sem bandagem, do polegar (p = 0,03). Foi observada, ainda, para a articulação do polegar, diferença signi-ficativa apenas quando comparados os momentos: inicial sem bandagem versus primeira com banda-gem (p = 0,005); e inicial sem bandagem versus última aplicação da bandagem (p = 0,001). Concluiu-se que houve aumento da frequência do uso do membro em atividades cotidianas e mudança na ADM para articulação de punho, dedos e polegar; apenas nessa última a alteração foi significativa, o que beneficia a postura funcional. Descritores: Paralisia cerebral – Terapia ocupacional – Amplitude de movimento articular – Ativida-des cotidianas.

AAAA BBBB SSSS TTTT RRRR AAAA CCCC TTTT

The spastic hemiparesis in Cerebral Palsy (CP) changes the upper extremity pattern and interferes in

daily activities. Its treatment involves tapping which prepares the extremity to function, through

proprioceptive and tactile stimuli, instigating the perception where it is placed. This study was devel-

oped to test the interference of the tapping on the frequency of use of the affected limb and the influ-

ence on the range of movement of the wrist, metacarpophalange and thumb. In this trial study, the

“How Often” Scale of PMAL, goniometry of affected hand joints and field report were used. The

tapping protocol consisted in eight applications and the conventional therapy. Significant changes in

initial and final PMAL means (p = 0.03) and in initial and final goniometry of the thumb with no tape

(p = 0.03) were found out. It was observed a significant change for the thumb joint only between

“initial moment with no tape x first application” (p = 0.005), and “initial moment with no tape x last

application” (p = 0.001). Increased frequency of the use of the upper extremity in daily activities and

changes in range of movement of wrist, metacarpophalange and thumb was observed, but such in-

crease was significant only for thumb joint, improving functional posture.

Keywords: Cerebral palsy – Occupational therapy – Range of motion – Activities of daily living.

Bricks MH, Burlamaqui NM, Cardoso LOA. Os efeitos da bandagem em crianças com paralisia cerebral hemiparética espástica: um estudo piloto. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):20-5.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):20-25.

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Paralisia Cerebral (PC) designa uma sequela de cará-ter não progressivo que acomete o Sistema Nervoso Cen-tral (SNC) imaturo e em desenvolvimento, e leva a alte-rações musculoesqueléticas secundárias e limitações nas atividades¹. A PC pode ser classificada quanto à distri-buição anatômica ou topográfica, de acordo com a natu-reza e o tipo da desordem motora, como alterações no tônus, desordens do movimento, e quanto a danos secun-dários, tais como convulsões, deficiência visual ou audi-tiva, déficit de atenção². Quanto à distribuição topográfi-ca, a PC pode ser classificada em hemiparesia, diparesia, quadriparesia ou tetraparesia³.

A hemiparesia é a manifestação mais frequente, com maior comprometimento do membro superior, o que pode acarretar em prejuízo da função manual. A forma espásti-ca é a mais encontrada em pessoas com PC3,4. A espasti-cidade pode afetar o desenvolvimento motor e levar a posturas e padrões de movimentos anormais e a deformi-dades musculoesqueléticas5. A extremidade superior da pessoa com PC hemiparética espástica comumente se apresenta com padrões de movimentos como rotação interna de ombro, flexão de cotovelo com antebraço em pronação, desvio ulnar, flexão do punho e adução com flexão de polegar 6.

Esse padrão de movimento, as deficiências sensório-motoras e a possibilidade de negligência do lado com-prometido do corpo tendem a causar contraturas e defor-midades. A soma desses fatores interfere diretamente no desenvolvimento motor e nas atividades cotidianas, uma vez que as funções manuais são definidas como habilida-des para participar ativamente das áreas de desempenho, tais como as atividades de vida diária e brincar3,7,8.

O tratamento para PC hemiparética espástica inclui, dentre muitas técnicas e abordagens, a bandagem elástica funcional, que pode ser considerada uma alternativa de tratamento pouco invasivo, e seu efeito é capaz de favo-recer a integração da terapia nas atividades de vida diária e na participação social9.

A bandagem, um recurso que pode ser aliado à terapia em programas de reabilitação, é aplicada sobre o tegu-mento, e seu uso influencia favoravelmente os receptores cutâneos do sistema sensorial, promovendo estímulos constantes, duradouros, proprioceptivos e táteis, que instigam a percepção e a consciência dos segmentos corpóreos, preparando-os para uma função; promove o aumento da excitação neural por meio das forças mecâni-cas impostas por sua elasticidade e força reativa10-12.

O aumento do número de receptores ativados pela aplicação da bandagem leva o SNC a atuar em movimen-tos que já estão ocorrendo e em seu planejamento, para ajustar o tônus, força muscular e amplitude de movimen-

to, relaxar musculatura fadigada, promover o controle voluntário, a coordenação motora e, por consequência, as habilidades funcionais, o que leva à facilitação das ativi-dades motoras. Assim, a técnica favorece a contração muscular de forma eficaz, devido ao aumento de feed-

back pela via aferente decorrente dos receptores cutâneos, e dá continuidade ao tratamento proposto pelo terapeuta, mesmo na sua ausência11,13-17.

Assim, o objetivo deste estudo foi testar a interferên-cia ativa da aplicação da bandagem na frequência do uso do membro acometido em funções cotidianas e na altera-ção da amplitude de movimento, e, a partir dessa interfe-rência, verificar a influência da técnica no desempenho de atividades rotineiras na vida da criança.

MÉTODO Trata-se de um Estudo Experimental, com variáveis

qualitativas e quantitativas, realizado no Setor de Terapia Ocupacional Infantil da Associação de Assistência à Crian-ça Deficiente (AACD), Unidade Ibirapuera (Central).

Por meio de consulta ao prontuário eletrônico da Ins-tituição, foram selecionadas 12 crianças que realizaram atendimento semanal no setor entre junho e setembro de 2014, a partir dos critérios de inclusão: crianças de ambos os sexos, com idades entre 2 e 8 anos, com diagnóstico de Paralisia Cerebral Hemiparética. Foram excluídas crian-ças que fizeram uso pregresso da bandagem funcional, que realizaram intervenção cirúrgica ou bloqueios periféri-cos em membros superiores durante o período de coleta de dados, ou que não completaram o protocolo de bandagem.

Das 12 crianças selecionadas inicialmente, duas fo-ram excluídas, pois não completaram o protocolo de oito aplicações, e uma, por ter realizado bloqueio periférico na musculatura do membro superior acometido. Assim, foram estudadas nove crianças.

O protocolo de bandagem elástica consiste em oito aplicações, com uma troca por semana, utilizando-se a técnica luva em punho e técnica em “I” em metacarpofa-langeana e polegar, com aplicação de tração progressiva entre a segunda e a sétima aplicação.

Para avaliação do uso do membro em atividades coti-dianas, foi utilizada a escala de frequência da Pediatric

Motor Activity Log (PMAL), aplicada a pais e cuidadores na primeira e na última semana do protocolo. A PMAL avalia crianças entre 2 e 8 anos de idade, e o resultado é calculado pela média aritmética dos escores18,19.

Para a avaliação da amplitude articular foram utiliza-das três medidas de goniometria de punho, metacarpofa-langeana e polegar do lado acometido, com membro em

Original

22

repouso, em quatro momentos: primeiro momento - paci-ente sem a bandagem; segundo momento - após a primei-ra aplicação da bandagem; terceiro momento - antes da última aplicação da bandagem (membro sem bandagem);

e quarto momento - após a última aplicação.

Para a coleta de informações e observações acerca da aplicação da bandagem, sua interferência na frequência do uso do membro e intercorrências ao longo da pesquisa, foi produzido um diário de campo descritivo com os cuidadores dos pacientes selecionados para a pesquisa. Foi realizada análise dialética dos dados que, segundo Minayo (1999)20, possibilita a compreensão da situação como um todo, em sua ampla conexão subjetiva, biológi-ca, cultural e afetiva. Dessa maneira, é possível compre-ender e interpretar os dados a partir do que foi colhido no diário de campo.

RESULTADOS Das nove crianças, com média de idade de 4,11 anos,

seis apresentavam o hemicorpo esquerdo acometido e três, o lado direito; 66,7% eram do sexo masculino, com nível motor I (55,6%), segundo o Gross Motor Function

Classification System (GMFCS), e cursavam o Ensino Infantil (Tabela 1). Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar a normalidade da amostra.

Para avaliar a média dos valores da PMAL inicial e final e o efeito da bandagem no início e no final do proto-colo, segundo dados da goniometria, foi utilizado o teste t-Student pareado. A comparação das médias da gonio-metria por articulação foi avaliada por ANOVA, que gerou média utilizada para comparações múltiplas entre os quatro diferentes momentos de aplicação da goniome-tria durante a pesquisa, e foi aplicado o teste Tukey.

Houve diferença significativa entre as médias da PMAL inicial e PMAL final (p = 0,03) (Tabela 2). Ainda, foram observadas diferenças nas amplitudes articulares de punho, metacarpofalangeana e polegar, sendo signifi-cativas apenas para polegar (p = 0,03) (Tabela 3). De acordo com a ANOVA, houve diferença significativa apenas na média de amplitude articular do polegar (p = 0,001).

As médias de amplitude articular obtidas pela ANOVA foram correlacionadas com os quatro momentos de apli-cação da goniometria com o teste de Tukey. Novamente, houve diferenças significativas apenas para articulação do polegar no primeiro momento (sem bandagem) versus segundo momento (primeira aplicação da bandagem) (p = 0,005) e no primeiro momento versus o quarto momento (última aplicação) (p = 0,001). Não houve diferença entre

as médias dos momentos inicial e final sem bandagem (p = 0,85) para essa articulação (Tabela 4).

A análise do diário de campo demonstrou que oito dos nove cuidadores dos sujeitos da pesquisa trouxeram relatos quanto ao uso ou percepção do membro acometi-do durante atividades do cotidiano. A maioria deles (87,5%) referiu maior uso da mão acometida nas ativida-des do dia a dia. Houve também relatos (62,5%) sobre a maior percepção desse membro, relação estabelecida a partir do direcionamento do olhar para o lado hemiparéti-co espástico e a cor da bandagem.

DISCUSSÃO O uso da bandagem prepara o membro para a função

por meio da estimulação de receptores cutâneos²¹. As-sim, a bandagem instiga maior percepção e consciência dos segmentos em que é aplicada e é capaz de promover habilidades funcionais. Os achados deste estudo corro-boram com tal fato, pois foi possível observar melhora significativa na frequência de uso do membro hemiparé-tico espástico em atividades do cotidiano, segundo da-dos da PMAL (p=0,003).

Tabela 1. Caracterização dos sujeitos da pesquisa.

n %

Lado Comprometido

Direito 3 33,3 Esquerdo 6 66,7

Escolaridade Infantil 6 66,7 Fundamental 1 11,1 Sem escola 2 22,2

Sexo Masculino 6 66,7 Feminino 3 33,3

Nível no GMFCS Nível I 5 55,6 Nível II 4 44,4

Tabela 2. Valores calculados de p com a aplicação do Teste t-Student para os dados da PMAL (n = 9)

Médias Desvio-padrão

Erro-padrão

Valor de p

PMAL INICIAL

1,39 0,45 0,15 0,03

PMAL FINAL

1,92 0,70 0,23

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):20-25.

23

Tabela 3. Medidas descritivas da goniometria e valores calculados de p com a aplicação do Teste t-Student.

Tabela 4. Médias da ANOVA e valores calculados de p com aplicação do Teste de Tukey para comparações múltiplas

entre os dados da goniometria de polegar nos diferentes momentos de aplicação.

Variável dependente

Momentos Média das diferenças

entre momentos Desvio-padrão

Valor de p (Teste Tukey)

GONIOMETRIA Adução de polegar (ANOVA: p = 0,001)

1º Inicial sem bandagem

Primeira aplicação da bandagem 9,444 2,566 ,005

Final sem bandagem 6,333 2,566 ,085

Última aplicação da bandagem 10,556 2,566 ,001 2º Primeira aplicação da bandagem

Inicial sem bandagem -9,444 2,566 ,005 Final sem bandagem -3,111 2,566 ,624

Última aplicação da bandagem 1,111 2,566 ,972

3º Final sem Bandagem

Inicial sem bandagem -6,333 2,566 ,085

Primeira aplicação da bandagem 3,111 2,566 ,624

Última aplicação da bandagem 4,222 2,566 ,369

4º Última apli-cação da bandagem

Inicial sem bandagem -10,556 2,566 ,001 Primeira aplicação da bandagem -1,111 2,566 ,972

Final sem bandagem -4,222 2,566 ,369

Ao serem analisados os dados obtidos a partir da PMAL, os itens em que mais crianças apresentaram mu-dança relevante na pontuação (diferença de dois pontos entre a PMAL inicial e final) foram: Comer alimentos usando a mão, Gesticular e Arremessar uma bola ou outro objeto. Nos itens Segurar uma bola pequena e Usar um objeto cilíndrico, os cuidadores não relataram mudança.

A PMAL tem como proposta principal demonstrar a percepção dos cuidadores quanto às mudanças em mem-bro superior nas atividades de vida diária após uma inter-venção18. Nos achados descritivos do diário de campo, também foi relatada, pelos cuidadores, maior integração do membro hemiparético espástico nas atividades diárias, como, por exemplo, alimentação, vestuário, atividades escolares e brincar.

Está levando o alimento à boca com a mão (acome-tida). Quando a mão boa está ocupada, ela usa a ou-tra (mãe de T., 4 anos).

Usou a mão para segurar a grade e brincar de ho-mem-aranha (avó de O., 4 anos).

Segundo Mota et al.²², a melhora da função pode estar intimamente ligada à melhora do posicionamento articu-lar e da coordenação motora da mão proporcionada pela bandagem, de modo a melhorar a qualidade de movimen-to ativo e otimizar o nível de independência nas ativida-des cotidianas. A mesma melhora foi averiguada neste estudo, que descreveu maior frequência do uso da mão nas atividades diárias juntamente com aquisição de uma postura mais próxima à posição funcional.

A posição funcional da mão coloca músculos, tendões e ligamentos em posição de repouso e preensão e se con-figura de 15° a 30° de dorsiflexão de punho, 15° a 20° de MCF e abdução palmar de polegar²³. Neste estudo, foi possível observar que a técnica permitiu aproximar a postura da mão ao posicionamento funcional (Tabela 3), diminuindo as médias de amplitude de flexão de punho e MCF, e adução de polegar. No entanto, essa alteração articular foi observada de forma mais representativa enquanto a bandagem estava aplicada, quando comparada à postura da mão após a sua retirada, no final do protoco-lo. No estudo de Alexander et al.24, a bandagem também

GONIOMETRIA Média Desvio-padrão Erro-padrão Valor de p

PUNHO Inicial sem bandagem 42 28 9

0,31 Final sem Bandagem 38 22 7

METACARPOFALANGEANA Inicial sem bandagem 26 31 10

0,15 Final sem Bandagem 14 13 4

POLEGAR Inicial sem bandagem 11 8 3

0,03 Última aplicação da bandagem 5 6 2

Original

24

demonstrou maior eficácia enquanto aplicada em mem-bro superior, porém seu efeito não foi mantido com a retirada da bandagem, e houve retorno da atividade refle-xa, mas com valor menor do que o valor inicial. Tal fato também se mostra presente em dados do diário de campo.

Quando (ela) está sem bandagem noto que ela usa mais a mão do que no início das aplicações. Porém, sem a bandagem usa menos do que com a banda-gem (mãe de T., 4 anos).

Para pacientes neurológicos, espera-se que 12 trocas

da bandagem sejam eficazes para promover alterações de comportamento da postura e do movimento, podendo ser vistas alterações no mesmo dia, ou mesmo o indivíduo não se beneficiar do método25. No estudo de Pereira et al.²6, com 15 pacientes hemiparéticos após acidente vas-cular encefálico, foi demonstrada a diferença significativa com relação à goniometria articular; a extensão de coto-velo foi potencializada por oito trocas de bandagem adju-vantes às terapias convencionais.

Neste estudo se realizaram oito trocas de bandagem semanais e continuidade da terapia, e foi possível obser-var alteração na amplitude de movimento quando compa-radas as medidas inicias sem bandagem com as medidas finais com a técnica, com resultado significativo apenas para articulação do polegar (p = 0,001). Melhoras não significativas referentes às articulações do punho e meta-carpofalangeana podem estar relacionadas a fatores ex-ternos à pesquisa, descritos adiante.

Os cuidadores relataram que houve aumento na per-cepção do membro acometido e aumento de sua integra-ção em atividades do dia a dia.

Está olhando mais para mão, abrindo e usando a mão direita (acometida) (mãe de A., 2 anos).

A visão e a percepção têm grande importância para as funções manuais. Durante a fase de preparação do movi-mento, a visão fornece informações sobre a preensão a ser realizada, o deslocamento que a mão deve fazer no espaço e a sucessão de movimentos dos diferentes seg-mentos dos membros superiores, além de corrigir a dire-ção, a velocidade do movimento e ajustar a posição da mão ao objeto27. A visão e a percepção também promo-vem informações sobre características dos objetos e do ambiente, fazendo com que as respostas dos indivíduos para interagir com o meio também sejam alteradas. Fisio-logicamente, as diferentes cores da bandagem podem interferir no processo de percepção ambiental por meio do estímulo visual e ativar o córtex visual, o que aumenta as possibilidades de melhor integração entre os sentidos corporais, auxilia na aprendizagem corporal25 e, assim,

aumenta a percepção do membro acometido, integrando-o em funções do cotidiano. Nos dados descritivos, os entrevistados mencionaram que cores como vermelho, rosa, azul, verde e amarelo influenciaram a percepção e o uso do membro, mais do que a cor bege.

Ele pede para vir colocar a bandagem e prefere co-res chamativas. Ele lembra mais da mão durante o dia e apoia a mão (acometida) durante atividades (mãe de F., 8 anos).

Ao final do estudo, todos os pacientes (n = 9) comple-

taram o protocolo de bandagem proposto, porém algumas limitações externas impediram que as oito trocas de ban-dagem fossem aplicadas consecutivamente, tais como faltas de pacientes, dispensas por feriados, reações alérgi-cas à bandagem. O tempo limitado para coleta de dados também influenciou a determinação do protocolo, sendo que as quantidades de troca de bandagem tiveram que ser menores do que a proposta pelo precursor da técnica.

A evasão de alguns participantes durante a pesquisa e a quantidade de trocas inferior ao proposto pela técnica podem ter influenciado em alguns resultados descritos anteriormente. Outra limitação da pesquisa foi a escassez de estudos experimentais acerca da utilização de técnica de bandagem em membro superior junto à população selecionada para este trabalho.

Concluiu-se que a aplicação da bandagem aumentou a frequência de uso do membro acometido em funções cotidianas, como visto nos resultados da PMAL. Houve alteração na amplitude de movimento para todas as arti-culações, embora significativas apenas para o polegar. A interferência da bandagem para beneficiar o posiciona-mento funcional da mão e o aumento da percepção do membro acometido influenciou o desempenho de ativi-dades rotineiras da vida da criança, como comprovado pelos relatos dos cuidadores. O estudo contribuiu para embasar a prática do uso da bandagem e explicitar sua eficácia no Setor Infantil de Terapia Ocupacional da Associação de Assistência à Criança Deficiente, com população com Paralisia Cerebral.

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O R I G I N A L

Aprendizagem motora por meio de jogo de tele-fone celular na paralisia cerebral: estudo-piloto Motor learning through game use in cellular mobile in cerebral palsy: a pilot study Juliana Nobre de Paula¹, Alessandro Hervaldo Nicolai Ré2, Carlos Bandeira de Mello Monteiro2,

Talita Dias da Silva3, Lilian del Cielo de Menezes¹, Thais Massetti4, Francis Meire Favero5,

Camila Miliani Capelini 6

(1) Fisioterapeuta, Especialista pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil.

(2) Professores Doutores da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.

(3) Fisioterapeuta, Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Medicina na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil.

(4) Fisioterapeuta, Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, Faculda-de de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.

(5) Fisioterapeuta, Doutora pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, SP, Brasil.

(6) Fisioterapeuta, Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação, Faculda-de de Medicina, Universidade de São Paulo (FMUSP), São Paulo, SP, Brasil.

CORRESPONDÊNCIA

Camila Miliani Capelini

[email protected]

R R R R E E E E S S S S U U U U M M M M OOOO

O objetivo deste estudo foi verificar a ocorrência de aprendizagem motora em uma tarefa de jogo de labirinto em telefone móvel em pessoas com Paralisia Cerebral (PC). Foram avaliadas 15 pessoas com diagnóstico médico de PC. A tarefa consistiu em realizar um percurso de labirinto virtual, no menor tempo possível, em um telefone móvel. As pessoas realizaram 20 tentativas do jogo de labirinto na fase de aquisição (AQ), cinco tentativas nas fases de retenção (R) e de transferência (T). ANOVA para medidas repetidas foi realizada para comparação entre blocos. Para identificar as diferenças, foi em-pregado o teste post hoc de Tukey HSD (p < 0,05). As análises foram realizadas por meio do pacote estatístico SPSS versão 20.0. Verificou-se diferença significativa entre o primeiro e o último bloco da AQ, o que denotou redução do tempo durante a execução da tarefa, e não se observaram diferenças na comparação entre os blocos das fases AQ e R. Porém, entre os blocos das fases R e T, houve efeito significativo com piora do desempenho devido ao aumento do tempo para realização da tarefa. Os indivíduos com PC apresentaram melhora do desempenho, porém não houve manutenção desse resultado na transferência. Todavia, estudos com número maior de participantes devem ser realizados para explorar todas as potencialidades da utilização de telefone móvel como estratégia de intervenção na PC.

Descritores: Pessoas com deficiência – Paralisia cerebral – Terapia de exposição à realidade virtual – Telefone celular – Habilidades motoras.

AAAA BBBB SSSS TTTT RRRR AAAA CCCC TTTT

This study aimed to assess the occurrence of motor learning in a maze game task on mobile phone in

individuals with Cerebral Palsy (CP). 15 individuals with CP medical diagnosis were evaluated. The

task consisted in carrying out a labyrinth path, during the shortest time possible, in a mobile phone.

The subjects performed 20 trials of the maze game in the acquisition phase (AC) and five trials in the

phases of retention (R) and transfer (T). ANOVA was used for repeated measures to compare blocks.

Post hoc Tukey HSD test (p < 0.05) was applied to identify the differences. The statistical package

used was the SPSS version 20.0. There was a significant difference between the first and the last AQ

block showing a reduction in the time for performing the task, and it was not observed differences in

the comparison between the blocks of AQ and R phase, but among the blocks of the R and T there

were significant effects, with worsening performance because of the increased time to complete the

task. Individuals with CP showed improved performance, but there was no maintenance of this result.

Studies with larger samples are needed to explore the full potential of this intervention strategy.

Keywords: Disabled persons – Cerebral palsy – Virtual reality exposure therapy – Mobile phone –

Motor skills.

Paula JN, Ré AHN, Monteiro CBM, Silva TD, Menezes LC, Massetti T, Favero FM, Capelini CM. Aprendizagem motora por meio de jogo de telefone celular na paralisia cerebral: estudo-piloto. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):26-31.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):26-31.

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A paralisia cerebral (PC) é definida como um grupo de distúrbios não progressivos que ocorrem no desen-volvimento encefálico fetal ou na infância, e são caracte-rizados pela alteração do movimento, do tônus e da postura, ocasionando limitações no desenvolvimento1. Além das desordens motoras, frequentemente estão associados distúrbios de sensação, cognição, comunica-ção, percepção, comportamento e presença de convul-sões2. Tais alterações podem limitar o desempenho em atividades funcionais e ocasionar prejuízos na realização das atividades de vida diária3.

Levando-se em consideração as alterações apresen-tadas e a dificuldade em realizar alinhamento e retifica-ção de posturas, que possibilitam realizar várias ativida-des do dia a dia, é fundamental para a pessoa com PC a inclusão em programas de habilitação e reabilitação contínuos, os quais interferem significativamente na sua interação em diferentes contextos. Dessa maneira, pro-fissionais da saúde que trabalham com PC podem apli-car os conhecimentos advindos da aprendizagem motora para organizar um programa de tratamento eficiente4.

Atualmente existe interesse crescente em interven-ções em PC com utilização de tecnologias modernas. Assim, nos programas de reabilitação, verifica-se o uso de recursos da realidade virtual para possibilitar eficácia em tarefas funcionais e aquisição de habilidades moto-ras5-8. Esse novo paradigma de intervenção pode ser utilizado como uma forma de intervenção física, cogni-tiva ou psicológica que se baseia no uso de jogos e am-bientes virtuais para viabilizar função em diferentes deficiências.

Verifica-se a existência de várias pesquisas sobre PC considerando as funções motoras grossas e as incapaci-dades funcionais na mobilidade, autocuidado e função social9, mas poucas propostas4 que possibilitem maior funcionalidade por meio do conhecimento advindo da realidade virtual.

As vantagens da realidade virtual (RV) incluem a prática domiciliar, on-line e a interação com outras pes-soas, assim como existe a possibilidade de realizar tare-fas virtuais sob a supervisão de um profissional10-12. Shih et al.13 argumentam que os ambientes virtuais po-dem permitir que as pessoas com deficiência, quando imersas, melhorem significativamente o nível de intera-ção. No entanto, a utilização de tarefas em ambiente de realidade virtual como um programa de intervenção para pessoas com PC é relativamente novo, e, embora exista a evolução rápida de pesquisas na área, os seus benefí-cios e limitações não foram comprovados7.

Em ambientes de RV, os canais multissensoriais (vi-são, audição, tato etc.) podem ser ampliados em intensi-dade, tempo e espaço, possibilitando diferentes formas

de intervenção no programa de habilitação. A RV tem a possibilidade de oferecer oportunidades à pessoa com deficiência de vivenciar diversas situações de maneira individualizada10-12, 14.

Estudos que utilizam os recursos da realidade virtual como forma de intervenção têm evoluído na pesquisa clínica com PC. Em um estudo que combinou o uso da tecnologia assistiva e aprendizagem motora15, os autores investigaram a possibilidade de propiciar treinamento de controle da cadeira de rodas por meio de Joystick. Veri-ficou-se que uma pessoa com PC conseguiu aprender os movimentos de forma funcional, inclusive se aproxi-mando dos valores do grupo-controle. Outros trabalhos, como os de Reid16 e Chen et al.17, também observaram que pessoas com PC aprenderam tarefas de realidade virtual, com melhora da qualidade de movimento.

Nesse contexto, instrumentos que permitem a cone-xão entre a RV e os ambientes de reabilitação ganham maior importância. Burgstahler et al.18 relataram que telefones móveis, assim como computadores, possuem a capacidade de maximizar a independência, produtivida-de e participação das pessoas com deficiências físicas em programas acadêmicos, empregos, atividades recrea-cionais, entre outras atividades.

Uma vantagem prática da utilização de celulares é que as pessoas com deficiência física podem praticar o jogo em qualquer local, sozinha ou interagindo com outros jogadores. A prática do jogo em casa elimina os desafios do transporte e da falta de acessibilidade, que são barreiras importantes a dificultar a participação de deficientes em tarefas sociais10,11.

Provavelmente o telefone móvel seja um dispositivo interessante para pessoas com PC, no entanto nenhuma pesquisa foi encontrada sobre esse tema. Para tanto, optou-se por utilizar um jogo em 3D na tela do celular e verificar se, com a prática da atividade, obtém-se melho-ra do desempenho em pessoas com PC. O objetivo deste trabalho foi avaliar a aprendizagem motora em pessoas com PC em uma tarefa virtual em telefone móvel.

MÉTODO

Trata-se de um estudo tipo ensaio clínico controlado não randomizado. O estudo foi realizado na cidade de Itaquaquecetuba, na Região do Alto Tietê, em São Pau-lo. Os participantes selecionados são jogadores do time de “Futebol de 7”, time de futebol composto por adoles-centes e homens com PC.

Foram incluídas pessoas com diagnóstico PC capa-zes de realizar o movimento de preensão para segurar o

Original

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telefone móvel com uma ou as duas mãos. Como crité-rios de exclusão foram consideradas quaisquer incapaci-dades que impedissem a realização da atividade, fossem elas físicas ou falta de compreensão da atividade propos-ta.

Foram, assim, avaliadas 15 pessoas do sexo masculi-no com PC, com idade média de 25 ± 10 anos (variação de 13 a 46 anos).

Para avaliar a melhora funcional foi utilizada uma ta-refa de labirinto. Segundo Souza et al.19, a tarefa do labirinto pode ser aplicada na avaliação diagnóstica de pessoas com alterações no controle e na aprendizagem motora, a fim de identificar os aspectos comprometidos, enquanto a tarefa motora é executada, como: processa-mento da informação e planejamento estratégico (núme-ro de erros), função executiva (tempo de execução da tarefa), aprendizagem (estabilização do desempenho) e memória espacial (manutenção do desempenho após distração e intervalo de retenção). Outra vantagem é a praticidade e facilidade de adaptação frente ao público estudado.

A tarefa de labirinto virtual foi realizada por meio do jogo Marble Maze Classic

®, instalado em um telefone móvel (smartphone) da marca Nokia

® (modelo 500). O participante da pesquisa conduziu uma bola virtual por um percurso pré-programado de labirinto, com o objeti-vo de concluir a tarefa corretamente no menor tempo possível.

O jogo do labirinto simula uma mesa de madeira, onde a bola virtual percorre o labirinto por meio de movimentos realizados com a mão que segura o telefo-ne. O movimento realizado direciona a bola, ou seja, a bola rola em direção à inclinação realizada pela mão.

Para este trabalho foram customizados dois tipos de labirinto (Figura 1), sendo que em cada labirinto o traje-to é único, sem possibilidade de erro. O tempo de exe-cução do trajeto pela bola no labirinto é fornecido no final de cada tentativa pelo próprio jogo. Cada partici-pante realizou a tarefa seguindo o protocolo descrito na Tabela 1.

Os dados foram obtidos a partir do tempo em segun-dos, por meio de blocos de médias de cada cinco tentati-vas para todas as fases do estudo (aquisição, retenção e transferência). ANOVA para medidas repetidas foi utili-zada para comparação entre os Blocos [primeiro (A1) e último (A4) blocos da fase de aquisição; A4 com bloco de retenção (R) e R com bloco de transferência (T)] (p < 0,05). O pacote estatístico utilizado foi o SPSS versão 20.0.

Figura 1. Labirintos usados nas fases de aquisição, retenção (labirinto 1) e trans-ferência (labirinto 2).

Tabela 1. Tabela do delineamento experimental.

Grupo Aquisição Pausa Retenção Transferênc

ia

PC 20 tentativas

Labirinto 1 5’

5 tentativas

Labirinto 1

5 tentativas

Labirinto 2

RESULTADOS

Aquisição. A Tabela 2 apresenta os resultdos das análises dos resultados. Efeitos significativos foram encontrados para Blocos, mostrando que o tempo de movimento melhorou significativamente do primeiro bloco A1 (M = 7,4s) para o último bloco A4 (M = 6,4s) (Figura 2).

Retenção. A comparação entre o bloco final da aquisição e o bloco de retenção não revelou efeitos ou interações significativos para Blocos. Em outras palavras, para as pessoas com PC, o padrão de movimento no bloco final de aquisição e no bloco de retenção foram similares (M = 6,4s e 6,1s), o que indica que o desempenho foi mantido (Tabela 2).

Transferência. Como apresentado na Tabela 2, houve efeito significativo para Blocos, o que indica que, durante a fase de transferência, houve piora do desempenho do bloco de retenção (M = 6,1s) para o bloco de transferência (M = 7,0s).

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):26-31.

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Tabela 2. Dados estatísticos referentes às análises nas fases de aquisição, retenção e transferência.

Variáveis

Efeito principal:

Blocos

(gl) F-ratio valor de p

Aquisição (Bloco A1 versus A4)

(1, 14) 7,5 ,002

Retenção (Bloco A6 versus R)

- -

Transferência (Bloco R versus T)

(1, 14) 6,5 ,002

gl: graus de liberdade; A1: primeiro bloco da fase de aquisição; A4: último bloco da fase de aquisição; R: bloco do teste de retenção; T: bloco do teste de transferência.

Figura 2. Representação dos blocos de tentativas (média e erro-padrão) [A1 – A4: blocos da fase de aquisição; R: bloco da fase de retenção; T: bloco da fase de transferência]

DISCUSSÃO

O fenômeno de aprendizagem motora, embora não observável diretamente, permite identificar mudanças na interação com objetos e com outros seres humanos. Essas mudanças ocorrem para garantir o alcance da meta e são resultado de experiência e prática observado na aquisição, retenção e transferência de habilidades motoras20,21.

O objetivo deste trabalho foi verificar se ocorreu aprendizagem motora em pessoas com PC durante execu-ção de tarefa de labirinto em telefone celular. Observou-se que na fase de aquisição houve melhora significativa no tempo de movimento entre o primeiro bloco de tentativa (A1) em relação ao último (A4), o que significa que, após as 20 repetições da tarefa na fase de aquisição, houve melhora no desempenho comprovada pela dimi-nuição do tempo de movimento de A1 para A4, sendo forte indicativo de que ocorreu adaptação da tarefa motora.

A aprendizagem motora pode ser inferida por meio do desempenho, enquanto sua melhora pode ser obser-vada pelo aumento da consistência, fluência no movi-

mento, diminuição do erro de execução e redução no tempo total de movimento para a realização da tarefa21. Durante a prática de aquisição da habilidade, a pessoa necessita executar tentativas para alcançar um desempe-nho, critério ou estabilizar um comportamento.

Retenção e transferência são outros dois conceitos cruciais no processo de aprendizagem motora14 porque medem o grau de permanência do que foi adquirido após um período sem prática (retenção) e a capacidade de adequação de um comportamento motor praticado em um contexto diferente, mediante alteração na tarefa motora (transferência). Assim, para verificar se a apren-dizagem ocorreu com solidez, mais do que comparar o desempenho da fase inicial com o da fase final de aqui-sição, é necessário recorrer ao desempenho em testes de aprendizagem, isto é, retenção e/ou transferência14.

Em nosso estudo, para analisar o desempenho na fa-se de retenção, foi realizada a comparação entre o bloco final da aquisição (A4) e o da retenção (R). Não houve nenhum efeito ou interação para Blocos, indicando que os valores de melhora do desempenho foram mantidos. Já na fase de transferência, que compreende a prática da tarefa, mas com algum diferencial caracterizado neste estudo por um labirinto com trajeto oposto ao da aquisição, houve piora na execução da tarefa com au-mento do tempo de movimento em comparação com o desempenho apresentado na retenção e no final da fase de aquisição. Portanto, houve melhora do desempenho na execução da tarefa na aquisição e na retenção, mas não foi consolidada na fase de transferência.

A piora de desempenho na transferência pode ser de-vida à pouca repetição realizada na aquisição (pouco tempo de adaptabilidade na tarefa virtual no celular). Monteiro et al.4 analisaram o processo de aprendizagem motora em crianças com PC por meio de uma tarefa de labirinto no computador (não virtual); as pessoas tinham como objetivo cumprir uma tarefa de labirinto o mais rapidamente possível utilizando as setas de “acima”, “abaixo”, “lateral direita” e “lateral esquerda”, nas fases de aquisição, retenção e transferência. Os autores verifica-ram diminuição significativa do tempo de execução da tarefa entre o primeiro e o último bloco da aquisição e manutenção desses valores na transferência. Provavel-mente em indivíduos com PC, com a prática da tarefa no computador, ocorrem menos movimentos desnecessários e, consequentemente, otimização de energia e tempo de realização da tarefa, fazendo com que a sequência de movimentos ganhe progressivamente fluência e harmonia4.

No entanto, ao realizar a tarefa de labirinto virtual que necessitava movimentos da mão, pode-se especular que o feedback não foi suficiente para possibilitar aprendizagem com transferência da tarefa. Hemayattalab

A1

A2

A3

A4 R T

5

6

7

8

Te

mp

o

(segundos)

Paralisia Cerebral

Original

30

e Rostami22 investigaram que feedback adequado pode auxiliar em tarefa de aprendizagem motora na PC. Para tanto, utilizaram a frequência do conhecimento dos resultados sobre a aprendizagem do lançamento de dar-dos em pessoas com PC, sendo que os resultados de-monstraram capacidade de aquisição e manutenção de uma nova habilidade motora sob a condição de forneci-mento adequado de feedback.

Outros estudos têm avaliado a aprendizagem motora em pessoas com PC, utilizando diferentes tarefas. Chen et al.17 analisaram quatro crianças com PC em um pro-grama de realidade virtual individualizado, duas horas por semana, durante um período de quatro semanas. Durante a intervenção, as crianças usavam uma luva com sensores para criar movimentos em um ambiente virtual tridimensional. Após a intervenção, três crianças apresentaram mudanças pequenas, mas significativas, no alcance cinemático, que se mantiveram (parcialmente) por quatro semanas após a intervenção.

Reid16 realizou um estudo-piloto com quatro crianças com PC, submetidas à intervenção com RV, e avaliou os resultados da intervenção com testes de função de mem-bros superiores e acurácia nos jogos. Duas das quatro crianças avaliadas apresentaram bons resultados nos quesitos avaliados, e comentários positivos foram regis-trados pelos participantes, que revelaram altos índices de motivação, interesse, prazer e a oportunidade de ingressar em atividades nunca praticadas antes. Esse estudo direci-ona para a viabilidade do uso da intervenção baseada em RV no processo de reabilitação em crianças com PC.

Também avaliando o uso da RV na intervenção em PC, Silva et al.23 e depois Monteiro et al.24 submeteram pessoas com PC a um protocolo de aprendizagem moto-ra por meio de tarefa de timing coincidente realizada em computador e verificaram que os indivíduos com PC apresentaram melhora de desempenho, observada por meio da diminuição do tempo e do aumento do número de acertos.

O uso de RV como estratégia de intervenção clínica em PC também tem mostrado resultados interessantes em outros estudos, usando-se diferentes equipamentos e protocolos de intervenção. Considerando o uso da RV em pessoas com PC, foram examinados os efeitos de um programa de treinamento intensivo de RV no equilíbrio funcional e mobilidade em quatro adolescentes com PC. Durante a intervenção, os participantes interagiram 90 minutos durante cinco dias consecutivos com diferentes tarefas virtuais que foram ajustadas para cada pessoa, considerando-se a complexidade. No equilíbrio dinâmi-co, por exemplo, os participantes foram desafiados com transferências de peso em pé, obrigando-os a executar diferentes tarefas com mudanças de distância de objetos

(perto e distante) ou mudanças de posição (agachar ou pular). Verificou-se que, entre os participantes, a prática em ambiente virtual melhorou o equilíbrio funcional, om melhoras que permaneceram consistentes até um mês pós-treinamento13.

Rieckmann e Bäckman25 e Orban et al.26 optaram por investigar a aprendizagem em pessoas com PC por meio de mudanças em estruturas neuronais (via exames de neuroimagem) e verificaram a ocorrência da aprendiza-gem sob o ponto de vista neural, detectando ativação em áreas corticais e correlações entre a performance na execução de tarefas motoras e a atividade cerebral em diferentes áreas encefálicas.

Uma vantagem prática da utilização de celulares é que as pessoas com deficiência física podem praticar o jogo em qualquer local, sozinha ou interagindo com outros jogadores10. Outra característica interessante é a motivação oferecida por jogos eletrônicos, que são con-siderados, além de terapia, uma atividade recreativa. Para pesquisas e acompanhamento de desempenho, os detalhes de desempenho imediatos oferecidos por meio de áudio e vídeo fornecem informações precisas do progresso do indivíduo10.

Muitos trabalhos são realizados para promover me-lhora nas capacidades motoras e possibilitar maior inde-pendência e interação social em pessoas com limitações físicas. Nesse contexto, novas tecnologias que ofereçam essas oportunidades e sejam acessíveis e de relativo baixo custo como, por exemplo, os celulares, constituem um importante facilitador que deve ser mais explorado em pesquisas de forma a contribuir de maneira positiva com a população e com os profissionais envolvidos na reabilitação.

Em suma, verificou-se que, na a tarefa de labirinto no celular, houve melhora de desempenho na fase de aquisição e manutenção dessa melhora na fase de reten-ção, porém piora do desempenho foi verificada na fase de transferência, indicando que os indivíduos com PC apresentaram melhora do desempenho, mas que não houve manutenção desse resultado. Provavelmente, o número de tentativas deva ser maior para ocorrer adaptação da tarefa em telefone móvel para pessoas com PC.

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O R I G I N A L

Controle autonômico cardíaco em indivíduos com paralisia cerebral Cardiac autonomic control in individuals with cerebral palsy Marcelo Fernandes¹, Naiane Muniz de Castro2, Íbis Ariana Peña de Moraes3,

Carlos Bandeira de Mello Monteiro4, Talita Dias da Silva5, Thais Massetti6

(1) Fisioterapeuta, Doutor em Ciências pela Faculdade de Medici-na da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

(2) Fisioterapeuta pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.

(3) Fisioterapeuta, Especialista em Fisioterapia Cardiorrespiratória pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil.

(4) Fisioterapeuta, Doutor, Professor da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

(5) Fisioterapeuta, Doutoranda em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

(6) Fisioterapeuta, Mestre em Ciências da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Universidade Presbiteriana Macken-zie, São Paulo, SP, Brasil.

CORRESPONDÊNCIA

Thais Massetti

[email protected]

R R R R E E E E S S S S U U U U M M M M OOOO

O enfoque no estudo da variabilidade da frequência cardíaca (VFC) e balanço simpatovagal está aumen-tando com o tempo, e seu comportamento em pessoas com Paralisia Cerebral (PC) é importante para determinar a possibilidade de doenças cardíacas. O objetivo do trabalho foi avaliar a variabilidade da frequência cardíaca e controle autonômico cardíaco em pessoas com PC. Para realização do estudo foi utilizado o cardiofrequencímetro Polar RSX800CS® para determinar o comportamento cardíaco do grupo com PC e do grupo-controle (GC). O grupo com PC foi avaliado três vezes com intervalo de 30 dias entre cada avaliação, enquanto o GC foi avaliado apenas uma vez. Foram avaliados 12 indivíduos com PC e 13 indivíduos-controle, com média de idade de 16,2 ± 3,7 anos e 15,9 ± 4,1 anos, respectivamente. Não observamos diferença estatística entre os grupos nas variáveis tanto do domínio tempo quanto do domínio frequência. Indivíduos jovens, com diagnóstico de PC grave não apresentaram diferenças no que se refere ao comportamento cardíaco autonômico quando comparados com indivíduos com desenvolvimento típico. Descritores: Controle autonômico cardíaco – Paralisia cerebral – Variabilidade da frequência cardíaca.

AAAA BBBB SSSS TTTT RRRR AAAA CCCC TTTT

The focus on studies regarding heart rate variability and sympathetic-parasympathetic balance is in-

creasing along the time, and this behavior in individuals with Cerebral Palsy (CP) is important for

determining the possibility of heart diseases in this population. The objective of this study was to evaluate

the variability of heart rate and cardiac autonomic control in individuals with CP. This study was con-

ducted in a nonprofit organization in the city of Carapicuíba that houses individuals with severe CP. The

Polar RSX800CS heart rate was used to determine the behavior of the CP group and the control-group.

The CP group was assessed three times at intervals of 30 days between each evaluation, while the control

group was assessed only once. Twelve individuals with PC and 13 control individuals (mean age of 16.2

± 3.7 years and 15.9 ± 4.1 years, respectively) were assessed. There was no statistical difference between

groups for both time and frequency. Young individuals with severe CP diagnosis didn´t differ from typi-

cally developed individuals with regard to cardiac autonomic behavior.

Keywords: Cardiac autonomic control – Cerebral palsy – Heart rate variability.

Fernandes M, Castro NM, Moraes IAP, Monteiro CBM, Silva TD, Massetti T. Controle autonômico cardía-co em indivíduos com paralisia cerebral. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2014; 6(15):32-7.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):32-37.

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A Paralisia Cerebral (PC) é definida por Rosenbaum et al.1 como um grupo de desordens permanentes do de-senvolvimento da postura e movimento que causam limi-tação em atividades, e que são atribuídas a um distúrbio não progressivo que ocorre no desenvolvimento encefáli-co fetal ou na infância. A desordem motora na PC é fre-quentemente acompanhada por distúrbios de sensação, percepção, cognição, comunicação e comportamento, por epilepsia e por problemas musculoesqueléticos secundá-rios1. A PC tem como característica dificuldades variáveis na ação muscular, com incapacidade do indivíduo em manter posturas e realizar movimentos normais2. Essas dificuldades implicam na perda de funcionalidade, depen-dência na maioria das atividades do cotidiano e necessi-dade de inclusão em programas contínuos de reabilitação, que priorizam, devido à condição, posicionamentos e movimentos adequados3,4.

A diminuição da funcionalidade promove maior de-pendência do indivíduo e hipoatividade física, predispon-do a consequências de imobilismo e de diminuição do condicionamento cardiovascular5. Devido aos casos de imobilidade, dependência e permanência do indivíduo na mesma posição, é possível observar alterações no sistema nervoso autônomo como também no sistema musculoes-quelético 6.

Com relação à frequência cardíaca, o estudo de McAuley et al.7 afirma que indivíduos destreinados apre-sentam aumento da frequência cardíaca em repouso, en-quanto indivíduos treinados demonstram diminuição da frequência cardíaca. Indivíduos treinados demonstram melhor capacidade de adaptação ao exercício, o que per-mite melhor equilíbrio entre oferta e demanda tecidual.

Para que o corpo consiga realizar tarefas como o mo-vimento, o sistema cardiovascular precisa se adaptar para ofertar as quantidades necessárias de oxigênio e de nutri-entes presentes no sangue e adquiridos pela integração com outros sistemas e tecidos. Assim, o coração precisa gerar respostas correspondentes às características da ati-vidade realizada8,9. Então, podemos observar duas formas de resposta: a intrínseca e a extrínseca. Denomina-se regulação intrínseca do coração sua capacidade de perce-ber alterações e de realizar adaptações por meio do meca-nismo de Frank-Starling. A regulação extrínseca é feita pelo Sistema Nervoso Autônomo, que transmite informa-ção ao coração9.

O controle extrínseco é realizado por meio de fibras eferentes simpáticas e parassimpáticas, que possuem funções opostas, ou seja, o ramo simpático aumenta a velocidade de condução pelo nó sinoatrial (SA), aumen-tando a frequência cardíaca e a força de contração mio-cárdica. O ramo parassimpático realiza a diminuição da velocidade de condução dos impulsos do nó SA, dimi-

nuindo, assim, a frequência cardíaca e a contratilidade miocárdica8,9. A modulação do controle autonômico no tronco encefálico é feita a partir de informações vindas do hipotálamo, tálamo e sistema límbico, por vias aferentes.

Uma importante medida ligada ao controle cardíaco extrínseco é a Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC), que consiste na capacidade de o coração respon-der a estímulos múltiplos fisiológicos e ambientais, au-mentando ou diminuindo o intervalo entre cada batimen-to, de maneira a proporcionar ajuste rápido e preciso do débito cardíaco9. É possível medi-la observando o ciclo cardíaco por meio do tempo transcorrido entre duas ondas R consecutivas (intervalo R-R). A variação desses inter-valos corresponde a alterações na frequência cardíaca, reflexo direto da adaptabilidade autonômica determinada pela VFC. A diminuição da VFC tem se constituído em indicativo de doenças cardíacas, além de possuir valor prognóstico para cardiopatias10,11.

Como métodos de análise da VFC, há o método line-ar, que se divide em dois tipos: um por meio do cálculo do domínio do tempo (índices determinados por opera-ções estatísticas dos intervalos R-R) e outro pelo domínio da frequência (análise do espectro de intervalos R-R or-denados), e o método não linear, que predomina nos sis-temas humanos9,11,12. Dessa forma, a coleta da VFC e do balanço simpatovagal como variáveis de controle au-tonômico cardíaco por meio de cardiofrequencímetro é amplamente utilizada; não necessita de colaboração direta do indivíduo e, portanto, é indicada para indivíduos com PC, tendo em vista o grande número de comorbidades inerentes à PC.

Este trabalho tem como objetivo avaliar a atividade autonômica em pessoas com PC, por meio da VFC e do controle simpático-parassimpático, para verificar a adap-tabilidade do controle extrínseco cardíaco e, por conse-guinte, a probabilidade de aparecimento de doenças car-díacas associadas.

MÉTODO Os critérios de inclusão dos indivíduos com PC neste

estudo incluíram: diagnóstico médico de PC, em indiví-duos sem descompensação respiratória e/ou hemodinâmi-ca detectada pela presença de sinais de desconforto respi-ratório, frequência respiratória maior que 30 rpm e fre-quência cardíaca (FC) menor que 60 bpm ou maior que 130 bpm no momento da coleta, ou pré-coleta. No grupo-controle (GC), foram incluídos indivíduos com desenvol-vimento típico que não apresentavam ascendência direta (pai ou mãe) com síndrome metabólica (hipertensão arte-rial e diabetes mellitus), que não eram portadores de do-enças cardiovasculares e respiratórias crônicas, tabagistas

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34

ou etilistas, e com Índice de Massa Corporal (IMC) entre 18,5 e 29,9 Kg/m². Não foram incluídos indivíduos que faziam uso contínuo de medicação que promovesse alte-rações na frequência cardíaca.

Foram excluídos os participantes incapazes de perma-necer em repouso, sem estresse mental e em vigília duran-te o período de registro do controle cardíaco autonômico (15 minutos).

Após coleta inicial de dados gerais e antropométricos, foi avaliada a estabilidade hemodinâmica e respiratória por meio do registro da pressão arterial, frequência cardí-aca e respiratória. Para a avaliação do controle autonômi-co cardíaco, utilizou-se o cardiofrequencímetro Polar

RSX800CS®, constituído de um “registrador” que capta os

sinais advindos de uma cinta elástica torácica. Tais sinais contêm informações sobre os batimentos cardíacos e os intervalos entre os complexos “QRS” de cada batimento (intervalo R-R). Com o cardiofrequencímetro devidamen-te fixado no tórax, os participantes foram posicionados em decúbito dorsal e, após período de estabilização e retorno ao metabolismo basal, o aparelho era ligado. O registro das variações da FC durou 15 minutos. O pesqui-sador permaneceu junto ao participante ao longo de todo o período de coleta, monitorando sua frequência cardíaca. Essa avaliação se repetiu em intervalos de aproximada-mente 30 dias, durante três meses consecutivos (M1, M2 e M3) no grupo PC, no grupo-controle o procedimento foi realizado apenas uma vez (M1).

Após a captação, para minimizar interferências inici-ais, foram considerados para análise os últimos cinco minutos da coleta. Os dados foram filtrados manualmente e avaliados pelo programa Kubios HRV

®, por meio do algoritmo matemático Transformação Rápida de Fourier (FFT). A FFT consiste em um modelo amplamente utili-zado que permite uma estimativa de potência espectral da VFC. Foram analisadas variáveis no domínio do tempo e da frequência. Os componentes de baixa frequência (LF) e de alta frequência (HF) foram utilizados como marcado-res da atividade simpática e parassimpática, respectiva-mente. A relação LF / HF foi usada como representação do balanço simpatovagal. Os dados foram normalizados e os resultados expressos em unidades normalizadas (nu). Dessa forma, foram obtidas as variáveis LFnu e HFnu. A VFC foi analisada pela mais alta potência total expressa em milissegundos ao quadrado (ms2).

As variáveis dependentes (Índices de VFC) e inde-pendentes (M1, M2 e M3 do grupo PC e M1 do GC) foram submetidas à MANOVA one-way. As compara-ções post-hoc foram realizadas por meio do teste de Tukey-HSD (Honest Significant Difference) (p < 0,05). O programa estatístico utilizado foi o SPSS versão 20.0.

RESULTADOS

Dos 12 indivíduos que formaram o grupo PC (GPC), quatro eram homens e oito eram mulheres. O GC foi composto de cinco homens e oito mulheres com desen-volvimento típico (Tabela 1).

Domínio do tempo: Na Tabela 2 estão os dados des-critivos nas análises no domínio do tempo, que não apre-sentaram diferenças significativas entre as três avaliações realizadas (M1, M2, M3) no grupo PC, assim como tam-bém não houve diferença entre os grupos PC e GC.

Domínio da frequência: Assim como no domínio do tempo, não houve diferenças significativas entre as três avaliações realizadas no grupo PC nem entre o grupo PC e o GC (Tabela 3).

Tabela 1. Caracterização da amostra.

GC

(n=13) GPC

(n=12)

Variáveis antropométricas

Idade (anos) 15,9 ± 4,1 16,2 ± 3,7

Altura (metros) 1,60 ± 0,1 1,30 ± 0,1

Peso (kg) 55 ± 11,5 28,9 ± 9,1

Índice de massa corporal (kg/m2) 20 ± 2,1 16,3 ± 3,7

Variáveis metabólicas

Pressão arterial sistólica (mmHg)

113 ± 22 114 ± 7

Pressão arterial diastólica (mmHg)

66 ± 16 75 ± 5

Frequência respiratória (rpm) 23 ± 15 20 ± 3

Frequência cardíaca (bpm) 89 ± 17 83 ± 12

DISCUSSÃO O presente estudo se propôs a avaliar possíveis dife-

renças no controle cardíaco autonômico de indivíduos com PC em comparação indivíduos-controle. Apesar das inúmeras comorbidades verificadas na PC, a atividade autonômica cardíaca se mostrou semelhante entre os dois grupos estudados em nossa amostra. Em relação à análise dos dados gerais e antropométricos, encontramos diferen-ça apenas quanto à altura entre os grupos. Todos os inte-grantes do grupo PC apresentavam deformidades muscu-loesqueléticas, o que resultou em menor estatura de seus integrantes, explicando, assim, essa diferença.

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Tabela 2. Índices do domínio de tempo para ambos os grupos (média e desvio-padrão).

Índices

PC GC

M1 M2 M3 M1

RR - média (ms) 696,2 + 137,7 637,9 + 85,2 645,1 + 95,4 718,4 + 119,4

SDNN (ms) 62,4 + 30,4 52,5 + 29,0 77,1 + 42,1 60,3 + 19,2

RMSSD (ms) 52,0 + 43,4 38,5+ 33,4 66,5 + 42,8 46,1 + 17,6

pNN50 (%) 22,3 + 26,1 13,2 + 16,0 24,2 + 19,2 24,4 + 14,4

Tabela 3. Índices do domínio de frequência para ambos os grupos (média e desvio-padrão).

Índices

PC GC

M1 M2 M3 M1

LF (ms²) 1021,3 + 767,4 694,7 + 650,1 1355,9 + 1280,2

1232,9 + 806,8

LF (n.u.) 61,4 + 17,5 66,8 + 20,0 51,4 + 19,3 60,8 + 10,3

HF (ms²) 962,5 + 1111,4 590,2 + 749,9 1363,5 + 1368,0

483,8 + 567,7

HF (n.u.) 38,2 + 17,1 33,1 + 19,9 48,2 + 19,1 39,0 + 10,4

Total (ms²) 3920,9 + 2779,9 3123,6 + 3170,2 5392,5 + 4708,2

3418,1 + 1998,6

LF / HF (ms²) 2,1 + 1,3 3,2 + 2,5 1,6 + 1,4 1,8 + 1,0

LF: componente de baixa frequência (componente simpático); HF: componente de alta frequência (componente parassimpático); LF / HF: balanço simpato-vagal; ms: milissegundos; ms2: milisse-gundos ao quadrado; n.u.: unidade normalizada; M1: 1º mês; M2: 2º mês; 3º mês.

São considerados obesos os indivíduos com IMC >29,9 kg/m², segundo a Organiza-ção Mundial de Saúde. Esses indivíduos apresentam maior risco para doenças cardio-vasculares do que os não obesos13. Para Pas-choal et al.8, a obesidade exerce influência negativa no comportamento cardíaco, ainda que Brunetto et al.14 não tenham encontrado correlação entre obesidade e controle au-tonômico cardíaco. Neste estudo, os sujeitos com PC não apresentavam acúmulo de gor-dura ou peso superior ao esperado. A ade-quada composição corporal observada nos indivíduos com PC pode ter contribuído para a ausência de diferenças entre os grupos quanto ao controle cardíaco autonômico.

Ao longo do período estudado no grupo PC (três meses), ocorreram episódios de epilepsia em alguns participantes, mais espe-cificamente entre o M2 e o M3. Tais episó-dios, no entanto, não foram capazes de alte-rar as variáveis estudadas, sugerindo que o controle cardíaco extrínseco se apresenta íntegro mesmo na vigência de comorbidades presentes na PC.

Estudos demonstram que, quanto maior a gravidade e o comprometimento motor, maiores serão os fatores que limitam a capacidade funcional de pessoas com PC, am-pliando as situações de desvantagem nas atividades de vida diária15.O acometimento neuromuscular, principal-mente em indivíduos com grau de dependência elevado, conduz a longa permanência no leito, seja em centros de emergência, hospitais ou em instituições de longa perma-nência. Tais pacientes são mais propícios a desenvolver problemas respiratórios e, consequentemente, descom-pensações nos demais sistemas16,17. Os indivíduos com PC, nesta pesquisa, encontravam-se acamados por longo período em função de condição física prejudicada associ-ada a quadro motor gravemente comprometido. Dessa forma, seria correto supor certo prejuízo na sua função autonômica cardíaca. Apesar disso, o controle autonômi-co cardíaco foi semelhante nos dois grupos estudados, apontando para a hipótese de que os comandos autonômi-cos aferentes e eferentes bem como sua capacidade inte-grativa com o centro nervoso cardiovascular se mantêm íntegros em indivíduos com PC grave.

Caleiro e Schwartzman18 citam problemas como o co-lapso da coluna vertebral e comprometimento cardiorres-piratório em pacientes com doenças neurológicas, devido à presença de alterações neuromusculares e complicações

desenvolvidas com o passar dos anos. Essa evolução típica do paciente neurológico fornece base para a hipóte-se de alterações no controle extrínseco cardíaco, dentre elas diminuição na VFC e aumento da atividade simpáti-ca.

Indivíduos sedentários apresentam comprometimento em seu potencial cardiorrespiratório, o que favorece o surgimento de complicações em outros sistemas. O con-dicionamento cardiorrespiratório apresenta resultados favoráveis àqueles que praticam atividade física7. O trei-namento cardiopulmonar de pessoas com PC se mostra eficaz e conduz à melhora em suas atividades19.

Ribeiro et al.20 cita a diminuição do tônus simpático quando se pratica exercícios em longo prazo. Carter et al.21 observaram aumento da atividade parassimpática e diminuição da simpática como efeito do treinamento em longo prazo. Embora a literatura aponte para o efeito benéfico da atividade física sobre o controle autonômico cardíaco, outros trabalhos que avaliaram indivíduos se-dentários e treinados não evidenciaram diferenças no comportamento autonômico cardíaco nessas populações22.

O centro cardiovascular presente no tronco cerebral, embora possa se apresentar afetado na PC, mostrou-se capaz de perpetrar controle cardíaco adequado mesmo na vigência de graves comprometimentos decorrentes da PC,

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36

conforme demonstrado em nosso estudo. A redução da VFC é apontada como indicador importante para riscos em indivíduos normais e com alterações de saúde. Isso demonstra a importância da integridade do Sistema Ner-voso Autônomo9. A diminuição da VFC está associada à incapacidade de adaptação cardíaca frente a novas tarefas23, adaptação essa que exige equilíbrio entre de-manda endógena ou exógena e resposta extrínseca e/ou intrínseca, com vistas a restabelecer o equilíbrio funcional do indivíduo8.

Zamunér et al.24 demonstraram que a VFC de indiví-duos com PC é menor comparada com a de um grupo com desenvolvimento típico (controle), e tal comporta-mento seria explicado pelo grau de acometimento motor nos indivíduos com PC. Ao contrário desses achados, nosso estudo não encontrou diferenças entre pacientes com PC e sadios, o que aponta para a ideia de que altera-ções no controle cardíaco autonômico possam estar liga-das a outras alterações distintas daquelas observadas caracteristicamente no paciente com PC.

Estudos mostram que a maior atividade simpática no coração revela indícios de doenças cardíacas letais. Os indivíduos estudados neste trabalho demonstraram com-portamento simpático semelhante àquele observado nos indivíduos do grupo-controle. Tais achados não estão em conformidade com os encontrados em outros estudos9,25. O trabalho de Park et al.26 apresentou os mesmos resulta-dos. e tal comportamento não foi superado nem por indi-víduos realizando a posição head-uptilt. Isso nos sugere que o aumento seja superior ao esperado em atividades de exigência física mais intensa.

O aumento do balanço autonômico foi avaliado em nosso estudo e não houve diferença significativa entre os grupos. Sabe-se que, quanto maior a influência simpática sobre o coração, maior será a probabilidade de desenvol-vimento de doenças cardíacas letais9. Alguns estudos avaliaram a modulação autonômica em crianças com PC. Tais pesquisas observaram diminuição da atividade paras-simpática comparada a crianças na mesma faixa etária, porém normais27,28. Em nosso estudo, essa tendência à redução da atividade parassimpática também foi observa-da no grupo PC, embora sem diferenças em relação ao grupo-controle.

Winsley et al.29 observaram baixo coeficiente de cor-relação entre os componentes de alta e baixa frequência de crianças normais entre 11 e 12 anos. Já Yang et al.30 não observaram diferenças nos mesmos componentes em crianças com epilepsia. Em nosso estudo, verificamos que os mesmos componentes variaram com o decorrer do tempo, porém sem diferenças significativas. Russman e Ashwal31 citam que apenas os indivíduos com suspeita ou diagnóstico de epilepsia necessitam investigar a condição

cardíaca. Indivíduos jovens, em geral, possuem um con-trole autonômico mais eficaz e capaz de se adaptar às influências internas e externas. Nossa amostra se consti-tuiu de indivíduos jovens e, portanto, é possível conside-rar que a ausência de diferenças entre os grupos, no que se refere ao controle cardíaco autonômico, esteja relacionada ao melhor controle e adaptabilidade autonômica nessa população que possuía média de idade de 16 anos em ambos os grupos.

Embora a literatura aponte para diferenças no compor-tamento cardíaco autonômico de pessoas com PC32, ou-tros estudos obtiveram resultados semelhantes aos nossos, não demonstrando diferenças entre indivíduos sadios e com PC30. É necessário, portanto, que estudos sejam feitos focando nas características específicas de pacientes com PC, buscando-se, assim, estratificar os determinantes das alterações no controle cardíaco autonômico.

Concluindo, os indivíduos com PC grave do presente estudo não apresentaram alterações em relação à variabi-lidade da frequência cardíaca. Observamos, no entanto, tendência a um maior predomínio simpático nos pacientes com PC, o que em longo prazo pode se constituir em agravamento do estado de saúde dessa população. Assim, indivíduos jovens com diagnóstico de PC grave não apre-sentaram diferenças no que se refere ao comportamento cardíaco autonômico quando comparados a indivíduos com desenvolvimento típico.

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R E L A T O D E C A S O

Tracionamento ortodôntico de incisivo central superior em paciente com paralisia cerebral tetraparesia espástica: relato de caso Orthodontic traction of maxillary central incisor in patients with cerebral palsy spastic tetraparesis: case report Andrea Luciany Pechin Brucoli1, Maria Teresa Botti Rodrigues Santos1,

Ana Paula Yumi Ikeda1

(1) Cirurgiã-dentista do Setor de Odontologia da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) - Unidade Ibirapuera, São Paulo, SP, Brasil.

Associação de Assistência à Criança Deficiente - Unidade Ibirapuera, São Paulo, SP, Brasil.

CORRESPONDÊNCIA

Andrea Luciany Pechin Brucoli

[email protected]

R R R R E E E E S S S S U U U U M M M M OOOO

As causas das impactações dentárias estão relacionadas a fatores locais como discrepâncias dento-alveolares, condensação óssea exagerada, mucosa espessa, traumatismos, retenções prolongadas de dentes decíduos, dentes supranumerários e neoplasias odontogênicas. O dente pode ser considerado incluso quando não consegue atingir a cavidade bucal e já perdeu sua força eruptiva, isto é, apresenta a totalidade de sua formação radicular. O objetivo deste relato foi apresentar à comunidade científica um caso clínico de tracionamento ortodôntico em paciente do gênero feminino, 10 anos de idade, com diagnóstico de paralisia cerebral tetraparesia espástica, que compareceu no ambulatório de Odontolo-gia da Associação de Assistência à Criança Deficiente, Unidade Ibirapuera, com queixa de ausência do incisivo central superior direito e consequente prejuízo estético. A paciente foi submetida a trata-mento cirúrgico-ortodôntico com exposição do elemento dentário incluso infraósseo, seguida da instalação de aparatologia ortodôntica. Atualmente em acompanhamento há sete meses, com o dente em posição no arco dental. Durante esse tempo de acompanhamento a família se demonstrou satisfei-ta. O tracionamento ortodôntico de incisivo incluso em paciente com paralisia cerebral tetraparesia espástica é possível de ser realizado, mas requer colaboração permanente do paciente e da família. Descritores: Paralisia cerebral – Dente não erupcionado – Tração.

AAAA BBBB SSSS TTTT RRRR AAAA CCCC TTTT

The causes of dental impaction are related to local factors such as dentoalveolar discrepancies,

exaggerated bone condensation, thick mucosa, trauma, prolonged retention of primary teeth, super-

numerary teeth and odontogenic neoplasms. The tooth may be considered included when cannot reach

the oral cavity and has lost its eruptive force, i.e., has its entire root formation. The aim of this report

is to present to the scientific community a case of orthodontic traction in a patient with cerebral palsy.

Female patient, 10 years old, diagnosed with cerebral palsy spastic tetraparesis, attended the Dental

Clinic of Assistance Association for Disabled Children, Ibirapuera Unit, complaining of the absence

of the maxillary right central incisor and resulting disfigurement. The patient underwent surgical-

orthodontic treatment with exposure of the infraosseous included tooth, followed by orthodontic

appliance installation. Currently she has been followed up for seven months, with the tooth position in

the dental arch. During this follow-up the family showed to be satisfied. The orthodontic traction of

included incisive in a patient with tetraparesis spastic cerebral palsy can be done, however it requires

ongoing collaboration of the patient and family.

Keywords: Cerebral palsy – Unerupted tooth – Traction.

Brucoli ALP, Santos MTBR, Ikeda APY. Tracionamento ortodôntico de incisivo central superior em paciente com paralisia cerebral tetraparesia espástica: Relato de caso. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):38-41.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):38-41.

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A paralisia cerebral (PC) é definida como grupo de desordens permanentes do desenvolvimento relativas ao movimento e à postura, atribuída a distúrbios não pro-gressivos ocorridos durante o desenvolvimento fetal ou no cérebro imaturo1. Geralmente é acompanhada por alterações de sensação, percepção, cognição, comunica-ção, comportamento, epilepsia e problemas musculoes-queletais1. É a causa mais comum da incapacitação físi-ca da infância, com prevalência estimada de 2,4/1.000 crianças2.

Estudos descrevem como características intrabucais de indivíduos com PC a alta prevalência de cárie dental3-

7, resultante da inabilidade em executar e/ou em manter a higiene oral8-9, da presença de reflexos patológicos orais10, bem como do possível déficit cognitivo10. Essas condições são consideradas de risco para o desenvolvi-mento de doenças bucais.

O atraso na cronologia de erupção dentária tem sido atribuído ao déficit no desenvolvimento neuropsicomotor, ao baixo peso e a alterações na mastigação e na degluti-ção11. O consumo da dieta de consistência pastosa resulta da inabilidade neuromuscular e reduz o estímulo mastiga-tório necessário para a erupção dentária12. Algumas medi-cações antiepiléticas à base de hidantoína apresentam como efeito colateral a hiperplasia gengival (gengivite dilantílica), o que dificulta o irrompimento dental12.

As causas das impactações dentárias são multifatoriais, e dentre elas se destacam fatores locais como discrepân-cias dentoalveolares, condensação óssea exagerada, mu-cosa espessa, traumatismos, retenções prolongadas de dentes decíduos, dentes supranumerários e neoplasias odontogênicas. Alguns fatores gerais também devem ser levados em consideração, tais como desordens endócri-nas, irradiação, doenças febris, dentre outras. O dente pode ser considerado incluso quando não consegue atingir a cavidade bucal e já perdeu sua força de erup-ção, ou seja, a totalidade de sua formação radicular13.

O objetivo deste estudo foi descrever o caso clínico de uma paciente com diagnóstico de paralisia cerebral tipo tetraparesia espástica que apresentava incisivo cen-tral superior direito incluso e recebeu tratamento de tracionamento ortodôntico.

RELATO DE CASO

Paciente BAS, gênero feminino, 10 anos de idade, feoderma, residente no interior do estado de São Paulo, com diagnóstico de paralisia cerebral do tipo tetraparesia espástica. Compareceu em consulta de triagem no Am-bulatório de Odontologia da Associação de Assistência à Criança Deficiente, Unidade Ibirapuera, em 23/07/2013.

Foi incluída em programa preventivo, uma vez que não apresentava focos de origem bucodental. Seu retorno para a primeira consulta preventiva foi em 11/07/2014.

Durante a anamnese a mãe relatou histórico de queda de sofá aos 4 anos de idade, com trauma em incisos anteriores superiores decíduos. Aos 7 anos, o dente 61 esfoliou espontaneamente com substituição pelo perma-nente (dente 21). O dente 51 apresentou retenção pro-longada, com exodontia realizada aos 9 anos de idade, como tentativa de aguardar a erupção do dente 11, fato que não ocorreu.

Ao exame físico extraoral, observou-se que a pacien-te cadeirante é dependente para todas as atividades e frequenta escola especial. Faz uso de medicação anties-pástica (baclofeno), alimenta-se por via oral com dieta de consistência pastosa.

Ao exame clínico intraoral, observaram-se boas con-dições de saúde bucal, ausência de lesões cariosas, gen-givite e ausência do elemento 11 (Figura 1). A queixa principal da responsável era o fator estético. Foi realiza-da radiografia periapical da região anterior superior e observada a formação radicular completa do dente 11 infraósseo (Figura 2).

O planejamento proposto foi o tracionamento do elemento 11 e, após discussão com a responsável sobre a possibilidade de insucesso em função da formação radicu-lar completa do elemento em questão, a responsável assi-nou termo de consentimento livre e esclarecido concor-dando com a indicação de intervenção cirúrgica e orto-dôntica, conhecendo os riscos e benefícios do tratamento.

A paciente recebeu anestesia local na mucosa gengi-val, com mepivacaína e epinefrina 1:100.000, seguida por ulectomia, debridamento, osteotomia por vestibular, remoção óssea das referidas regiões, e exposição da coroa dental infraóssea por palatino.

Após a limpeza da loja óssea com soro fisiológico e controle da hemorragia, realizou-se a colagem de botão ortodôntico na face vestibular (Figura 3). Na sequência, foi realizada a colagem de aparatologia ortodôntica fixa na arcada superior e início da tração com fio de níquel titânio número 0,12 e amarrilho 0,10 mm (Figura 3).

O acompanhamento do caso foi realizado semanal-mente nas primeiras duas semanas e, atualmente, as consultas são mensais (Figuras 4 e 5). Até o momento, completaram-se sete meses de tratamento (Figura 6).

Durante esse tempo de acompanhamento, a família se mostrou colaboradora e satisfeita. Na fase atual do tratamento, está sendo utilizado fio níquel titânio 0,20 mm, mola aberta e amarrilho 0,10 mm. O prognóstico de finalização do tratamento ortodôntico é de seis meses.

Relato de caso

40

Figura 1. Vista extrabucal do incisivo

central superior direito ausente Figura 2. Radiografia periapical

inicial, mostrando incisivo central superior direito incluso

Figura 3. Colagem do botão ortodôn-tico e início do tracionamento.

Figura 4. Dois meses após o início do

tracionamento ortodôntico. Figura 5. Quatro meses após o início

do tracionamento ortodôntico. Figura 6. Sete meses após o início do

tracionamento ortodôntico.

COMENTÁRIOS

Este relato é o primeiro na literatura que descreve tracionamento dental em indivíduo com PC. Dessa for-ma, fica clara a necessidade da inclusão da Ortodontia no rol das especialidades odontológicas como prioridade para essa parcela da população, uma vez que a literatura é extensa em pontuar a presença de maloclusões14.

Existem apenas dois relatos de caso publicados com abordagem ortodôntica, sendo um em indivíduo com PC atáxica15 e o outro em indivíduo com PC discinética16. O relato deste caso é com indivíduo com PC espástica.

A retenção de dentes anteriores ocorre em 1% a 2% dos pacientes que procuram o tratamento ortodôntico devido a problemas estéticos e psicológicos decorrentes da ausência dos incisivos, e afeta tanto a criança quanto seus pais17, como relatado pela responsável deste caso.

O exame radiográfico é essencial para obter um di-agnóstico preciso e estabelecer o plano de tratamento e pode indicar a necessidade ou não da exposição cirúrgi-ca, a localização e a profundidade do elemento dental impactado, bem como da incisão e remoção do tecido ósseo presente, se necessário13. Uma das grandes difi-culdades em indivíduos com PC seria a falta de coopera-ção do paciente para a tomada radiográfica. Poucos serviços de radiologia odontológica disponibilizam essa abordagem a pessoas com alterações neurológicas, e os poucos que existem não têm preparo técnico para o posicionamento do paciente. Nesse sentido, a AACD, como referência no tratamento odontológico voltado para o incapacitado físico motor, tem programada a

instalação de equipamento para tomada radiográfica panorâmica, com e sem sedação química.

A indicação ortodôntico-cirúrgica para abordagem de dentes inclusos requer cuidadoso planejamento, bem como os pacientes e pais devem ser alertados sobre o risco de fracasso18. Nesse sentido, a responsável pela paciente deste relato assinou o termo de consentimento, conhecendo a chance de insucesso. O sucesso na execu-ção desse procedimento também requer expertise da equipe odontológica voltada para pacientes com PC16.

Para a realização da abordagem cirúrgica deste rela-to, três profissionais da Odontologia participaram do ato operatório. Foi necessário o emprego de contenção me-cânica representada pelo abridor de boca e estabilização passiva da cabeça, tronco e membros superiores realiza-da com auxílio da mãe. O uso da caneta de alta rotação e aspiração a vácuo para a osteotomia geram ruído e trepi-dação, contribuindo ainda mais para o aumento do es-tresse cirúrgico ambulatorial. Frente a essa situação, houve relativa colaboração da paciente. O procedimento total durou uma hora e 35 minutos.

Talvez as dificuldades acima elencadas sejam as responsáveis pelo menor número de publicações com abordagem cirúrgico-ortodôntica em indivíduos com PC. Além desses pontos, o fator socioeconômico deve ser ponderado, uma vez que esses procedimentos em consultórios particulares, baseados na tabela do Sindica-to dos Odontologistas de 2013, incluiriam o pagamento da estabilização por meio de contenção física ou mecâ-nica, a cirurgia, a instalação do aparato ortodôntico e as consultas de manutenção. A remuneração recebida por esses procedimentos, por repasse do Sistema Único de

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):38-41.

41

Sáude à AACD, foi equivalente a 43,5 vezes menor que o proposto pela tabela do Sindicato. Por isso, ressaltamos a relevância dos Serviços Odontológicos prestados pela Odontologia da AACD a essa parcela da comunidade.

O tratamento combinado ortodôntico-cirúrgico é uma alternativa viável, com excelentes resultados17,19, como observado neste relato. O sucesso alcançado resul-ta da coparticipação constante da família na manutenção da higiene oral e cuidados com o aparato ortodôntico. É fundamental o envolvimento do núcleo familiar, pois a falta de adesão para esses casos é uma contraindicação absoluta.

O tracionamento ortodôntico de incisivo central su-perior direito incluso em paciente com paralisia cerebral do tipo tetraparesia espástica é possível de realização, e requer colaboração permanente do paciente e da família.

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A T U A L I Z A Ç Ã O

O atendimento humanizado ao portador de paralisia cerebral grave The humanized care of patients with severe cerebral palsy Thaís Fernandes Alvim Coelho1

(1) Psicóloga

Associação Cruz Verde, São Paulo, SP, Brasil.

CORRESPONDÊNCIA

Thaís Fernandes Alvim Coelho

[email protected]

R R R R E E E E S S S S U U U U M M M M OOOO

Muito se fala sobre a Paralisia Cerebral, mas o material sobre a atuação da Psicologia com pacientes com essa condição, infelizmente, é escasso no nosso país. Diante disso, a proposta deste trabalho foi avaliar minuciosamente o perfil dos 187 pacientes, em regime de internação permanente na Associa-ção Cruz Verde, que tem como objetivo atender pacientes com Paralisia Cerebral Grave e que tem feito um trabalho nobre e único há mais de cinco décadas. Descritores: Paralisia cerebral – Psicologia.

AAAA BBBB SSSS TTTT RRRR AAAA CCCC TTTT

Much is said about Cerebral Palsy, but the material on psychological intervention for patients with

this condition is, unfortunately, in short supply in our country. Therefore, the aim of this study was to

evaluate in detail the profile of the 187 patients hospitalized in Associação Cruz Verde, which has as

its objective to assist patients with Severe Cerebral Palsy and has done a noble and unique work for

more than five decades.

Keywords: Cerebral palsy – Psychology.

Coelho TFA. O atendimento humanizado ao portador de paralisia cerebral grave. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2015; 7(15):42-48.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2011; 5(15):42-48.

43

Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas,

mas ao tocar uma alma humana,

seja apenas outra alma humana.

Carl Jung

O objetivo deste trabalho foi traçar o perfil dos paci-entes internados na Associação Cruz Verde, visando melhor compreensão dos seus comportamentos e res-postas, para desmitificar rótulos pré-concebidos e auxi-liar no planejamento do manejo terapêutico adequado.

O indivíduo com deficiência, assim como qualquer outro indivíduo, necessita sentir-se amado, protegido, valorizado e respeitado. Em seu desenvolvimento deve ser acompanhado e auxiliado para que consiga se adap-tar no mundo em que vive, mesmo estando sujeito a condições de realidade não favoráveis.

Segundo Trugillo1, a pessoa com Paralisia Cerebral (PC) será menos limitada pela sua deficiência que pela atitude da sociedade em relação à deficiência.

A influência da sociedade em excluir o diferente po-de ser observada no comportamento de crianças peque-nas, que parecem não terem sido influenciadas pelos padrões da sociedade. Brincam livremente com as cri-anças diferentes. Somente após incorporarem os padrões culturais de perfeição e beleza passam a zombar da deficiência física dos outros. É a atitude da sociedade, na maior parte das vezes, que definirá a deficiência como incapacidade, e é o indivíduo com deficiência que sofrerá as consequências de tal definição1.

É imprescindível estimular o indivíduo no sentido de levá-lo, progressivamente, a atingir melhoras. Às crian-ças, é de grande valor esclarecer-lhes sobre as conse-quências de sua deficiência, ajudando-as a conviver com ela e a superar suas limitações. O mais importante é manter o nível de expectativa dos indivíduos com defi-ciência dentro da realidade1.

O papel do psicólogo dentro da Associação Cruz Verde, assim como em outras entidades que visam dar qualidade de vida e assessoria à pessoa com necessida-des especiais, é cooperar para o bem-estar psicossocial do indivíduo, oferecendo-lhe suporte para:

- Construção ou reconstrução da dignidade e valor como indivíduo, perante si mesmo, à família e à socie-dade;

- Aquisição ou reaquisição da autoestima;

- Equilíbrio psicológico;

- Desenvolvimento e aprimoramento das suas habi-lidades;

- Compreensão e aceitação de suas limitações;

- Desenvolvimento e aprimoramento de contato ade-quado com o meio.

MÉTODO

A amostra abrangeu 187 pacientes internados na As-sociação Cruz Verde (São Paulo), com o diagnóstico de Paralisia Cerebral Grave.

Foi utilizada uma ficha de Avaliação Psicológica (Observação subjetiva), que se encontra ao final deste artigo, elaborada pela psicóloga da Instituição com o intuito de avaliar respostas e comportamentos dos paci-entes de forma qualitativa. As habilidades e característi-cas avaliadas foram: deficiência intelectual, contato, interação, comportamento, humor, linguagem, percep-ção visual, tátil e auditiva, contato visual, sorriso, choro, compreensão de ordens simples, movimentos repetiti-vos, autolesão e heterolesão.

De acordo com o DSM-52, deficiência intelectual é uma condição com início durante o período de desen-volvimento, que inclui tanto as deficiências de funcio-namento intelectual e adaptativas como em domínios conceituais, sociais e práticos. Os diferentes níveis de gravidade são definidos com base no funcionamento adaptativo, e não nas pontuações de QI, porque é o funcionamento adaptativo que determina o nível dos suportes requeridos. Esses níveis são: Leve; Moderado; Grave; Profundo.

Neste trabalho, entende-se contato como o estabele-cimento de atenção voltada para o avaliador ou outro profissional que esteja lidando com o paciente. As res-postas são classificadas de forma qualitativa, de acordo com os seguintes critérios:

- Bom, contata de forma satisfatória, verbalmente;

- Razoável, consegue fazer-se entender, de maneira verbal ou não verbal;

- Pobre, mantém contato com o avaliador por meio de sorriso, olhar, expressão facial, conseguindo, assim, transmitir informações como dor, tristeza, alegria;

- Precário, apresenta apenas contato visual, sorri ao estímulo, mas de forma primitiva;

- Não observado, não emite resposta aos estímulos.

A interação é a capacidade do paciente de estabele-cer uma relação de reciprocidade com os estímulos. É classificada em:

Atualização

44

- Sim (pessoas / brinquedos), responde a todos os es-tímulos, interage com pessoas e manipula / explora objetos e brinquedos;

- Pessoas: interage apenas com pessoas, não apre-senta interesse em brinquedos / objetos;

- Objetos / brinquedos: manipula e explora brinque-dos e objetos, mas não responde ao contato do avalia-dor;

- Não observado, não emite resposta aos estímulos.

O comportamento é percebido como qualquer ati-vidade, fato ou experiência mental, passível de observa-ção direta ou indireta:

- Tranquilo, permanece quieto, com pouca comuni-cação e movimentação espontânea;

- Agitado, apresenta movimentação e comunicação frequentes ao longo do dia, sendo elas contextualizadas ou não;

- Hiperativo, apresenta agitação psicomotora cons-tante e em níveis elevados durante a maior parte do tempo;

- Hipoativo, apresenta pouca resposta ao meio e aos estímulos, assim como diminuição dos movimentos motores;

- Agressivo, apresenta comportamentos agressivos dirigidos a si mesmo ou aos outros;

- Indiferente, permanece alheio ao meio, não res-ponde a nenhum estímulo;

- Instável, apresenta variações frequentes de com-portamento.

Humor, ou estado de ânimo, é definido como o tônus afetivo do indivíduo, o estado emocional basal e difuso em que se encontra a pessoa3. Foram observadas as seguintes variabilidades:

- Alegre, reage ao contato e a estímulo de forma po-sitiva por meio do sorriso, na maioria das vezes;

- Eufórico, apresenta reações exacerbadas, inade-quadas às situações;

- Apático, não demonstra emoções, permanece hi-porreativo;

- Choroso, apresenta tristeza, choro e descontenta-mento constantes;

- Instável, varia frequentemente seu estado de hu-mor, devendo-se levar em consideração os efeitos medi-camentosos e fisiológicos de cada indivíduo.

A linguagem é o principal instrumento de comuni-cação dos seres humanos. Além disso, é fundamental na elaboração e na expressão do pensamento3. Neste traba-

lho, a linguagem é considerada como uma resposta a um estímulo, classificando-se em:

- Sim, apresenta respostas verbais, considerando as alterações secundárias à lesão neuronal, consequente da Paralisia Cerebral;

- Mínima, utiliza palavras-chave contextualizadas ou não (estereotipias verbais);

- Não verbal, produz respostas sonoras aos estímulos;

- Não observado, não apresenta resposta sonora ao contato.

Por percepção, entende-se a tomada de consciência, pelo indivíduo, do estímulo sensorial3. Sendo assim, consideramos os seguintes sentidos:

- Visual, apresenta percepção visual, mesmo que mínima;

- Tátil, responde ao toque e a estímulos táteis;

- Auditivo, busca ou responde a estímulos sonoros.

Devemos compreender que alguns pacientes desta amostra têm seus sentidos prejudicados, pois seus ór-gãos sensoriais (visão e audição) são comprometidos devido ao dano cerebral.

Considerando os limites dos pacientes com Paralisia Cerebral Grave que influenciam diretamente na adequa-ção do contato e nas respostas aos estímulos, avaliamos o contato visual como a atenção voltada ao outro, mes-mo que breve.

O sorriso expressa contentamento, e observamos que a construção do vínculo afetivo entre paciente e avaliador influencia diretamente na obtenção dessa resposta. O choro é considerado como a expressão de dor, tristeza ou descontentamento. A compreensão de ordens simples foi verificada por meio de respostas a comandos ou questionamentos do avaliador.

Os movimentos repetitivos são intencionais, este-reotipados e sem finalidade. A autolesão é o conjunto de atos destrutivos dirigidos ao próprio indivíduo. A heterolesão é o conjunto de atos agressivos dirigidos ao mundo exterior.

Procedimento

O Setor de Psicologia da Associação Cruz Verde re-aliza visitas aos pacientes internados, utilizando estímu-los auditivos, táteis e visuais, com o objetivo de verifi-car níveis de consciência, orientação, atenção e senso-percepção.

As avaliações foram realizadas pela psicóloga da Instituição, no período de 01/08/2014 a 29/08/2014, e suas respostas foram tabuladas e analisadas.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2011; 5(15):42-48.

45

RESULTADOS

Dentre os pacientes avaliados, 108 (58%) eram do sexo feminino e 79 (42%), do sexo masculino. A faixa etária variou de 1 a 63 anos, e haviam sido internados com idades entre 1 e 57 anos. O tempo de internação desses pacientes foi de 0 a 46 anos.

Os pacientes internados na Associação Cruz Verde possuem comprometimento motor, o que dificulta o contato, a interação e a independência nas tarefas da vida diária. Essas limitações motoras interferem direta-mente na classificação dos graus de deficiência intelec-tual, indicados pelo DSM-52, citados anteriormente neste trabalho. Sendo assim, foi utilizado um critério subjetivo, adaptado para avaliar e classificar o grau de cada paciente. Cento e cinquenta e três pacientes (82%) possuem deficiência intelectual profunda, seguidos por 24 (13%) com nível grave, e dez (5%) avaliados como nível moderado.

Quanto ao contato, 81 pacientes (41%) apresentam contato precário; 70 (35%), nível pobre; 11 (5%), razo-ável; 10 (5%), bom; não foi observado contato algum em 29 pacientes (14%).

A interação avaliada mostrou que 104 pacientes (55%) interagem tanto com pessoas quanto com brin-quedos, 80 pacientes (43%) não demonstram interesse por objetos, mas interagem com pessoas, e três pacien-tes (2%) não apresentam qualquer resposta a estímulos.

Cento e quatro pacientes (55%) possuem comporta-mento tranquilo na maior parte do tempo, 49 pacientes (26%) apresentam oscilações frequentes de comporta-mento, 17 (9%) são agitados, dez (5%) apresentam pouca resposta aos estímulos e ao meio, três (2%) agem e reagem de forma agressiva, três (2%) são indiferentes ao meio, e um (1%) apresenta agitação psicomotora constante.

Quanto ao humor, 83 pacientes (45%) respondem com sorrisos e elevado ânimo, na maior parte do tempo, 57 (30%) apresentam oscilações afetivas, 45 (24%) não demonstram emoções com frequência, e dois (1%) têm reações exacerbadas.

A avaliação da linguagem / comunicação dos paci-entes mostra que a maioria [140 (76%)] não apresenta resposta sonora, vocalizações ou verbalizações, 19 (10%) utilizam palavras-chave ou apresentam ecolalias e estereotipias verbais, 14 pacientes (7%) se comunicam verbalmente, e 14 (7%) apresentam vocalizações como respostas a estímulos.

Cento e setenta e sete pacientes (95%) possuem per-cepção visual, todos os 187 pacientes apresentam per-

cepção tátil, em diferentes graus qualitativos, e 185 pacientes (99%) reagem a estímulos auditivos. O conta-to visual é percebido em 177 pacientes (95%). O sorriso é uma resposta comum em 174 pacientes (93%). Duran-te as avaliações, 28 pacientes (15%) apresentaram choro uma ou mais vezes.

A compreensão de ordens simples foi observada em 54 pacientes (29%), e 34 pacientes (18%) apresentam movimentos estereotipados. A autolesão foi observada em 46 pacientes (25%), e a heterolesão em dez pacien-tes (5%).

COMENTÁRIOS

Com base na análise dos dados coletados, podemos verificar que a maioria dos pacientes internados na ACV apresenta contato e interação, em diferentes graus quali-tativos, independentemente do grau de deficiência inte-lectual. Pode-se perceber, também, que as característi-cas e as respostas desses pacientes variam conforme suas limitações físicas e sensoriais.

Grande parte dos pacientes dessa instituição apre-senta comportamento tranquilo e responde ao contato e a estímulos de maneira satisfatória. Os indivíduos que têm variações comportamentais constantes necessitam de um estudo aprofundado, pois, muitas vezes, essas alterações são consequências ou efeitos colaterais de medicações, assim como de ciclos menstruais, de obsti-pações, de dores, entre outros motivos.

A comunicação da maioria deles ocorre de maneira não verbal. É necessária sensibilidade, empatia e con-vívio diário para que seja possível conhecer cada indiví-duo, seus comportamentos e sua personalidade e, dessa forma, facilitar a compreensão de seus sentimentos, angústias e desejos.

Alguns pacientes possuem linguagem verbal míni-ma, emitindo palavras ou frases, mas que nem sempre são contextualizadas e adequadas. Dessa amostra, al-guns apresentam ecolalias, palavras / frases aprendidas, mas sem conteúdo afetivo ou compreensão.

O indivíduo portador de Paralisia Cerebral Grave, na sua maioria, possui agravantes que tendem a prejudicar sua qualidade de vida, como luxações, lesões, deficiên-cias físicas e transtornos mentais. Isso pode lhes causar dor e sofrimento, que podem ser percebidos e avaliados de forma qualitativa por expressões faciais, choro, voca-lizações e verbalizações.

A avaliação da compreensão de ordens simples tam-bém é restrita, pois nem sempre o paciente consegue expressar se entende ou não uma pergunta, ou consegue

Atualização

46

atender a um pedido do avaliador, devido às suas diver-sas deficiências e limitações.

Durante o mês de avaliação, em que as visitas ocor-reram diariamente, em horários alternados, foi possível notar alguns momentos de angústia e sofrimento dos pacientes, mas também esses horários facilitaram a construção de vínculos afetivos, relações seguras e adequadas, e um ambiente mais acolhedor e saudável, tanto aos pacientes quanto à equipe.

Este trabalho comprova o quão importante é a esti-mulação e o manejo da equipe com os pacientes, visan-do o desenvolvimento e o aprimoramento do contato com o meio, a formação de vínculos positivos e um ambiente mais favorável a todos os envolvidos (pacien-tes e funcionários).

É necessário ter em mente que as limitações devem ser reconhecidas, respeitadas e trabalhadas para que sejam aceitas, tanto pelos pacientes quanto pelas famí-lias e equipe multidisciplinar. Também é muito impor-tante descobrir e desenvolver suas habilidades, além de validá-las, sempre que possível.

Os pacientes com PC devem ser tratados por uma equipe que se proponha, como objetivo, a reduzir o

handicap psicomotor e, se possível, colocar o paciente em condições de se integrar à vida comunitária. Uma equipe numerosa, constituída por neurologista infantil, ortopedista, pediatra, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, especialista em terapia ocupacional e profes-sores especializados, deve cuidar do paciente durante muitos anos, senão durante toda a vida4.

REFERÊNCIAS 1. Trugillo RCA. A atuação do psicólogo junto ao indi-víduo portador da Paralisia Cerebral [online]. Rev Ca-tharsis 2010. Disponível em http://www.profala.com/art psico2.htm.

2. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5. ed. Arlington: American Psychiatric Association; 2013.

3. Dalgalarrondo P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artimed; 2008.

4. Diament A. Encefalopatias crônicas da infância (pa-ralisia cerebral). In: Diament A, Cypel A (Eds.). Neuro-logia infantil. 5. ed. São Paulo: Atheneu; 2010.

Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2011; 5(15):42-48.

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Associação Cruz Verde Avaliação Psicológica

(Observação subjetiva) Nome: _________________________________________________________ Reg.: _______________________ Data de Nascimento: ____/____/____ Data de Internação: ____/____/____ Sexo: [ ] F [ ] M I – Condição

Leve Moderado Grave Profundo II – Contato

Bom Razoável Pobre Precário Não Observado

III – Interação

Sim Não Pessoas Objetos Brinquedos Não Observado

IV – Comportamento

Instável Tranquilo Agitado Hiperativo Hipoativo Agressivo Indiferente

V – Humor

Instável Alegre Eufórico Apático Choroso VI – Linguagem

Sim Não Não Verbal Mínima Não Observado VII – Percepção Visual

Sim Não Não Observado

VIII – Percepção Tátil

Sim Não Não Observado IX – Percepção Auditiva

Sim Não Não Observado X – Contato Visual

Sim Não Não Observado

Atualização

48

XI – Sorriso Sim Não Não Observado

XII – Choro

Sim Não Não Observado

XIII – Compreensão de Ordens Simples

Sim Não Não Observado

XIV – Movimentos Repetitivos

Sim Não Não Observado

XV – Autolesão

Sim Não Não Observado

XVI – Heterolesão

Sim Não Não Observado

XVII- Houve alguma solicitação da equipe em relação à avaliação psicológica do paciente?

Sim Não

XVIII – Observações Psicólogo avaliador: _________________________________________________________________________ Data de Aplicação: ____/____/____.