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Pesticida Mancozeb ® : Determinação de Limites de Risco para Ecossistemas de Água Doce Manuel Samussone Mestrado em Biologia e Gestão da Qualidade da Água Departamento de Biologia 2014 Orientadora Ruth Maria de Oliveira Pereira, Professora Auxiliar, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Co-orientadora Maria da Natividade Ribeiro Vieira , Professora Associada, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

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Page 1: Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ... · A utilização de pesticidas como forma de proteção das culturas tem gerado inúmeros problemas a nível de dos ecossistemas,

Pesticida Mancozeb

®:

Determinação de Limites de Risco para Ecossistemas de Água Doce

Manuel Samussone Mestrado em Biologia e Gestão da Qualidade da Água Departamento de Biologia 2014

Orientadora Ruth Maria de Oliveira Pereira, Professora Auxiliar, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

Co-orientadora Maria da Natividade Ribeiro Vieira , Professora Associada, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

Page 2: Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ... · A utilização de pesticidas como forma de proteção das culturas tem gerado inúmeros problemas a nível de dos ecossistemas,

Todas as correções determinadas pelo júri, e só essas, foram efetuadas.

O Presidente do Júri, Porto, ______/______/_________

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AGRADECIMENTOS

Com a realização deste trabalho, gostaria, em primeiro lugar, de agradecer às minhas

orientadoras, a Professora Doutora Ruth Maria de Oliveira Pereira e à Professora

Doutora Maria da Natividade Vieira, por todo o apoio que deram, disponibilidade e

paciência em todo processo da elaboração até a fase de apresentação deste trabalho.

Agradeço também ao Professor Doutor António Paulo Carvalho, pelo seu contributo

nos ensaios de Danio rerio e sua disponibilidade nos trabalhos desta parte da tese.

E o meu muito obrigado a todos meus colegas do curso e do laboratório, em especial

à Ana Gavina e a Margarida Castro.

A equipa de técnicas de laboratório do Departamento de Biologia, por todo contributo

logístico e de utilização de equipamento, que deram ao longo deste ano.

O meu grande agradecimento vai para a equipa de seguranças da faculdade que

foram sempre pacíficos e atenderam-me sempre que precisei de ter acesso aos

laboratórios para fazer os meus trabalhos.

À Comissão Europeia através do programa Erasmus Mundus ACP2, pelo

financiamento do projeto através da Universidade do Porto, em particular o júri que

que validou a minha candidatura.

Meu muito obrigado a todos professores do curso de mestrado em Biologia e Gestão

da Qualidade da Água pela forma sábia e didática que ministraram os diversos

conteúdos deste mestrado.

A todos que direta ou indiretamente contribuíram para o sucesso deste trabalho.

Um obrigado especial para a minha família pelo incentivo e encorajamentos nos

momentos mais difíceis.

i

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RESUMO

A agricultura é um dos setores que assegura a sustentabilidade das economias

mundiais e o combate à pobreza, contudo a utilização de água e de produtos

agroquímicos, que visam melhorar a produção, garantido o sucesso das culturas, tem

conhecido níveis muito elevados nos últimos anos. A utilização de pesticidas como

forma de proteção das culturas tem gerado inúmeros problemas a nível de dos

ecossistemas, devido à drenagem de resíduos químicos em ecossistemas aquáticos,

com impactos nos organismos não alvo, incluindo o Homem. Neste contexto, o

presente estudo teve por objetivo avaliar os efeitos ecotoxicológicos para organismos

aquáticos do fungicida Mancozan® (princípio ativo Mancozeb®), e determinar os limites

de risco para os referidos ecossistemas. Este pesticida pertence ao grupo dos etileno-

bis (ditiocarbamatos), e é amplamente utilizado, quer em Moçambique, quer na

Europa. Foram realizados vários ensaios ecotoxicológicos com uma bateria de

organismos de diferentes níveis tróficos, nomeadamente a bactéria Vibrio fisheri, a

alga verde Raphidocellis subcapitata, a planta aquática Lemna minor, o cladócero

Daphnia magna, e os peixes de água doce Carassius auratus e Danio rerio. Os testes

seguiram as normas padronizadas da OCDE, excepto para avaliação da atividade da

enzima acetilcolinesterase em Carassius auratus. As espécies animais foram as mais

sensíveis, sendo que o pesticida revelou elevada toxicidade em concentrações muito

inferiores às aplicadas no ambiente. Com base nos resultados obtidos foi determinado

um valor de PNEC (Predicted No Effect Concentration) de 0,024 mg L-1 de Mancozeb®.

Este trabalho permitiu ainda promover a transferência de conhecimento de

metodologias de avaliação de risco existentes na Europa, de forma a promover a sua

aplicação em países Africanos.

Palavras-chave: Mancozeb®, PNEC, ensaios ecotoxicológicos, espécies aquáticas

iii

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ABSTRACT

Agriculture is a sector that ensures the sustainability of the world's largest economies

and that guarantees poverty reduction. However, the intensive use of pesticides as a

means of crop protection has generated numerous problems at the ecosystem level

due to drainage of agro-chemical residues into aquatic ecosystems, with impacts on

non-target species, including humans. In this context, the present study aimed to

assess the ecotoxicological effects to aquatic organisms of the fungicide Mancozan®

(active ingredient Mancozeb®), and determine the limits of risk for these ecosystems.

This pesticide belongs to the group of ethylene-bis (dithiocarbamate), and is widely

used both in Europe and Mozambique. A battery of ecotoxicological assays with

organisms of different trophic levels including the bacterium Vibrio fisheri, the green

alga Raphidocellis subcapitata, the aquatic plant Lemna minor, the cladoceran Daphnia

magna, and the freshwater fish Danio rerio and Carassius auratus, were performed.

The tests followed the standard OECD protocols, except for the evaluation of the

activity of the enzyme acetylcholinesterase in Carassius auratus. The animal species

were the most sensitive. The pesticide showed high toxicity at concentrations much

lower than those applied in the environment. Based on the results obtained a value of

PNEC (Predicted No Effect Concentration) of 0.024 mg L-1 was estimated for

Mancozeb®. This work also contributed for transfer of knowledge in risks assessment

methodologies, already established in Europe, in order to promote its implementation in

African countries.

Key words: Mancozeb®, PNEC, ecotoxicological assays, freshwater species

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ÍNDICE Agradecimentos……....………………………………………………………………………..i

Lista de quadros ........................................................................................................... 6

Lista de figuras ............................................................................................................. 6

Lista de abreviaturas..................................................................................................... 7

1.Introdução .................................................................................................................. 1

1.1. A agricultura nos países subdesenvolvidos: O caso de Moçambique em particular2

1.2. Principais impactos da agricultura no ambiente ..................................................... 4

1.2.1. Pesticidas e efeitos ecológicos dos seus usos .................................................... 4

1.2.2. Eutroficação ........................................................................................................ 7

1.2.3. Uso excessivo de água ....................................................................................... 9

1.2.4. O problema da falta de percepção do risco e de pessoas com a formação

adequada para efectuar monitorizações ambientais ................................................... 10

1.3.Objectivos geral e específicos da tese. ................................................................. 11

2. Material e Métodos ............................................................................................... 133

2.1. Pesticida Mancozeb® ......................................................................................... 133

2.2. Ensaio Ecotoxicológico ........................................................................................ 13

2.2.1. Ensaio de Microtox com V. fischeri ................................................................... 13

2.2.2 Manutenção de culturas e ensaio de inibição de crescimento com Raphidocelis

subcapitata ................................................................................................................. 14

2.2.3. Manutenção da cultura e ensaio de inibição de crescimento com Lemna minor 16

2.2.4. Manutenção da cultura e ensaio de imobilização com Daphnia magna ............ 19

2.2.5. Manutenção e teste de toxicidade com ovos de Danio rerio.............................. 20

2.2.6. Ensaio de inibição da actividade da enzima acetilcolinesterase em Carassius

auratus ....................................................................................................................... 21

2.2.7. Análise estatística ............................................................................................. 21

3. Resultados .............................................................................................................. 24

4. Discussão ............................................................................................................... 36

5. Conclusão ............................................................................................................... 42

Referências Bibliográficas .......................................................................................... 43

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Composição química do meio de cultura (MBL) para a microalga, R.

subcapitata (OECD, 2006)............................................................................................15

Tabela 2. Composição do meio Steinberg para culturas de L. minor............................17

Tabela 3. Resumos dos dados de toxicidade obtidos para Mancozeb® (substância

ativa) para a bateria de espécies testadas. Valores de toxicidade, e respetivos

intervalos de confiança a 95% (IC95%), assim como o valor de r do modelo ajustado

aos dados)....................................................................................................................24

Tabela 4. Valores de PNEC calculados para a substância comercial Mancozan®, e

expressas em termos da concentração do seu princípio ativo, determinados com base

na metodologia proposta pela Comissão Europeia para novos compostos químicos

(EC, 2003).....................................................................................................................33

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Esquema representativo do desenho experimental concebido para o ensaio

de inibição de crescimento com L. minor para testar diferentes concentrações de

Mancozeb®…………………………………………………………….......………………….18

Figura 2. Taxa média de crescimento em Raphidocellis subcapitata exposta a uma

gama de concentrações do pesticida Mancozeb® (as concentrações correspondem a

concentrações do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao desvio padrão,

e os asteriscos indicam diferenças significativas, relativamente ao controlo (p<0,05).

................................................................................................................................. 266

Figura 3. Percentagem média de inibição de crescimento em Raphidocellis subcapitata

exposta a uma gama de concentrações do pesticida Mancozeb®(as concentrações

correspondem a concentrações do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao

desvio padrão ........................................................................................................... 266

Figura 4. Taxa média de crescimento em L. minor exposta a uma gama de

concentrações do pesticida Mancozeb® e calculada com base no número de frondes

produzidas (as concentrações no eixo dos XX, correspondem a concentrações do

princípio ativo). As barras de erro correspondem ao desvio padrão. Os asteriscos

indicam diferenças significativas, relativamente ao controlo (p<0,05). ...................... 288

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Figura 5. Taxa média de crescimento em L. minor exposta a uma gama de

concentrações do pesticida Mancozeb® e calculada com base na biomassa seca (as

concentrações no eixo dos XX, correspondem a concentrações do princípio ativo). As

barras de erro correspondem ao desvio padrão. Os asteriscos indicam diferenças

significativas, relativamente ao controlo (p<0,05)...................................................... 288

Figura 6. Percentagem média de inibição de crescimento em L. minor (número de

frondes) exposta a uma gama de concentrações do pesticida Mancozeb® (a s

concentrações correspondem a concentrações do princípio ativo). As barras de erro

correspondem ao desvio padrão. .............................................................................. 299

Figura 7. Percentagem média de inibição de crescimento em L. minor (peso seco)

exposta a uma gama de concentrações do pesticida Mancozeb® (as concentrações

correspondem a concentrações do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao

desvio

padrão................................................................................................................299

Figura 8. Atividade média da enzima acetilcolinesterase em C. auratus exposto a uma

gama de concentrações de Mancozeb®, durante 96 h (as concentrações

correspondem a concentrações do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao

desvio padrão e os asteriscos destacam diferenças significativas relativamente ao

controlo (Dunnett p<0,05). .......................................................................................... 30

Figura 9. Percentagem média de embriões de D. rerio mortos, com anomalias e

eclodidos após exposição de 96 h a uma gama de concentrações de Mancozeb® (as

concentrações correspondem ao princípio ativo). As barras de erro representam o

desvio padrão em relação aos valores médios. Os asteriscos destacam diferenças

significativas relativamente ao controlo (Dunnett p<0,05).. ....................................... 322

Figura 10. Imagens microscópicas dos embriões de D. rerio após 96 h de exposição

ao pesticida Mancozeb®: a: CTL sem malformações; b: embrião exposto a 0.02 mg L-1

com malformação na notocorda; c: embrião exposto a 0.04 mg L-1 não eclodido com

edema do vitelo; d: embrião exposto a 0.13 mg L-1 com malformação na notocorda; e:

embrião exposto a 0.42 mg L-1 com malformação na notocorda/escoliose, atraso no

crescimento; e: embrião exposto a 1.36 mg L-1 com malformação na notocorda,

escoliose e atraso no crescimento; g e h: embriões expostos a 2.45 mg L-1, eclodido e

não eclodido, com atraso no crescimento e com anomalias diversas. ........................ 34

Figura 11. Representa a curva de distribuição de sensibilidade das espécies obtida

para Mancozeb®, obtida após ajuste do modelo linear log-normal aos valores de EC50

obtidos para as diferentes espécies testadas, seguindo protocolos padronizados. A

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distribuição permitiu a determinação da concentração de perigo (do inglês: HC5 -

hazard concentration) que afeta 5% das espécies .................................................... 355

LISTA DE ABREVIATURAS

AChE – Acetylcholinesterase enzyme (do Português: Enzima acetilcolinesterase)

ANOVA – Analysis of Variance (do Português: análise de variância)

AQUASTAT – FAO’s information System on Food and Agriculture (do Português:

Sistema de informação da FAO em Alimentação e Agricultura)

As - Arsénio (símbolo químico)

ASTM - American Standard of Testing and Materials

CIIMAR - Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental

CTL – tratamento controlo

Cu - Cobre (símbolo químico)

DDT- diclorodifeniltricloroetano (pesticida)

DNA /ADN - Ácido desoxirribonucleico

DQA - Diretiva Quadro da Água

DTNB - Ditiobisnitrobenzoato

EC50 - effect concentration for 50 of the organisms tested or that produces a 50%

effect (do português: Concentração que causa efeito em 50% dos organismos

testados, ou que causa um efeito de 50% no parâmetro avaliado)

EU – European Union (do português: União Europeia)

EUA - Estados Unidos da América

FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (do inglês:

Food and Agriculture Organization)

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HC5 – Hazard Concentration for 5% of the species (do Português: Concentração

perigosa para 5% das espécies)

Hg - Mercúrio (símbolo químico)

INE - Instituto Nacional de Estatística

LOEC - Lowest-Observed-Effect Concentration (do Português: Concentração mais

alta para a qual já se observam efeitos significativos relativamente ao controlo)

MDG1 – Millenium Development Goal 1 (do Português: objetivo de Desenvolvimento

do Milénio 1 das Nações Unidas)

nm - nanómetro

NOEC- No Observed Effect Concentration (do Português: Concentração mais alta

para a qual não se observam efeitos significativos relativamente ao Controlo)

OCDE/OECD – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico/

Organization for Economic Co-operation and Development

OMS - Organização Mundial de Saúde

PAN PESTICIDE - Pesticide Action Network (PAN) Pesticide Database

pH – potencial de hidrogénio

PIB - Produto Interno Bruto

PNEC - predicted no effect concentration (do português: concentração que se prevê

não causar efeitos)

UP - Universidade do Porto

Zn – Zinco (símbolo químico)

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

1

1. Introdução

Das várias atividades antropogénicas adotadas pelo Homem, a agricultura aparece

como a prática mais viável para aliviar a situação da pobreza e da fome em diferentes

países do mundo, mas os seus efeitos nefastos sobrepõem-se muitas vezes aos

benefícios desta prática, na medida em que quando efetuada de forma não regrada

existem muitos fatores aliados à agricultura, que constituem um elemento de

desequilíbrio ecológico. O abate de áreas florestais, por exemplo, é um dos fatores

associado à agricultura cujos efeitos fazem parte do conjunto de causas que estão na

origem do aquecimento global (Ryan et al., 2014). Em Moçambique, o abate de

floresta para criação de áreas agrícolas é efetuado através de queimadas frequentes.

A utilização de produtos químicos sintéticos para a prevenção e combate de doenças

das plantas e animais ou para estimular o desenvolvimento das culturas é uma outra

preocupação. A transferência dos produtos usados na agricultura para os cursos de

águas e de solos constituem um grande risco, tanto para a saúde humana, como para

o ambiente. Alguns estudos chegam mesmo a apontar a exposição prologada a alguns

pesticidas como uma das principais causas de desenvolvimento de tumores (Peláez et

al., 2004). Para além disso, os agroquímicos são promotores da degradação da

qualidade da água e de solos, na medida em que afetam organismos não-alvo e

provocam desequilíbrios nas cadeias tróficas, o que leva muitos países a adoptar

medidas de correção e prevenção da contaminação das massas de água. Um dos

exemplos é a adopção a nível Europeu da Diretiva Quadro de Água (DQA, 2000/60/CE

de 2000), que tem uma boa abordagem para as questões da água (Mendes e Ribeiro,

2010).

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

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1.1. A agricultura nos países subdesenvolvidos: o caso de

Moçambique em particular

Nas últimas décadas a população mundial tem aumentado exponencialmente e com

ela a produção de alimentos para satisfazer a sua sustentabilidade. Isto tornou-se a

principal causa de uma prática agrícola mais intensiva que utiliza de forma crescente

água e agroquímicos para aumentar a produtividade biológica das colheitas (Ramade,

1977). A utilização de agroquímicos em muitos países e, em particular, em

Moçambique, ainda é entendida e analisada meramente sob o ponto de vista

económico e social, na medida em que permite aumentar a produção de alimentos por

um lado, e a rentabilidade económica das culturas por outro. Em África, o contributo da

agricultura para a economia varia de país para país. Em alguns países, como Angola e

São Tomé e Príncipe, 80% das atividades agrícolas são de cariz familiar e em Cabo

Verde e Moçambique constata-se o mesmo para mais de 90% do setor, desde 2009.

Moçambique é um dos países africanos mais pobres do mundo, em que a agricultura

emprega mais de metade da força de trabalho, e representa a principal fonte de

subsistência para uma elevada percentagem da população ativa, apesar da rápida

expansão da atividade mineira e do setor energético (Cunguara e Hanlon, 2012;

Chichava et al., 2013), sendo por isso crucial para a segurança alimentar dessas

regiões (Chuku e Ochoye, 2009). Oficialmente, cerca de 70% da população de

Moçambique é rural, mas 80% está empregue na agricultura, o que demonstra que

mesmo nas zonas urbanas a atividade agrícola é importante (Cunguara e Hanlon,

2012). No entanto, a agricultura só contribuiu com 20% do Produto Interno Bruto (INE,

2010 in Cunguara e Hanlon, 2012), o que comprova que a sua contribuição para a

economia foi relativamente menor em relação a outros setores de atividade.

Um problema que torna a produção agrícola dos países africanos frágil é o fato

de esta ser largamente alimentada apenas pela precipitação, sendo que em

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Moçambique, por exemplo, apenas 3% de terra arável tinha irrigação em 2007, ficando

assim à mercê de grandes variações pluviométricas, que englobam longos períodos

de seca (FAO, 2007). Sendo esta situação semelhante um pouco por toda a África

Subsariana (Burney e Naylor, 2012). A criação de infraestruturas de armazenamento

de água e o acesso a água potável, quer a partir de rios, quer de lençóis freáticos,

requer investimentos que não podem ser suportados por explorações familiares. Como

consequência, os usos da água atuais em Moçambique são pouco monitorizados, não

se sabendo ao certo a quantidade de água que é consumida, quer a partir de fontes

superficiais, quer subterrâneas, especialmente pelos consumidores de pequena escala

(van der Zaag et al., 2010). Estudos recentes apontam ainda para o facto de os

reservatórios disponíveis em algumas bacias hidrográficas (e.g. Bacia do Rio Limpopo)

não serem suficientes para a irrigação da produção agrícola que se pretende atingir

(van der Zaag et al., 2010). O declínio da qualidade do solo e os danos causados por

pragas estão entre outros fatores que afetam a produção agrícola nos países africanos

(Abate et al., 2000). Assim, considera-se importante investir em tecnologias que visam

o aproveitamento da água para a irrigação como parte de uma estratégia global do

setor agrário (Nhanombe, 2008), sendo este um dos grandes desafios de muitos

países Africanos. Desde o acordo de paz em 1992, o PIB teve um crescimento médio

de 8,3%, entre 1998 a 2008, o que está muito além da média Africana (Cunguara e

Hanlon, 2012). Esses direitos estão longe de ser alcançados em muitos países

Africanos, assim como a garantia da qualidade e preservação de recursos naturais.

Entre os problemas ambientais mais relevantes, destaca-se o consumo e a

degradação das reservas naturais de água doce, como resultado, entre outros fatores,

dos programas de desenvolvimento desenhados para melhorar a produção de

alimentos e o desenvolvimento económico.

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1.2. Principais impactos da agricultura no ambiente

A agricultura é um dos principais componentes da economia mundial, apesar da sua

importância, ela contribui de forma cada vez mais acentuada para a degradação da

qualidade da água e ecossistemas, através do lançamento excessivo de agrotóxicos,

(fertilizantes, pesticidas e antibióticos nestes sistemas (Marques et al., 2002). Os

problemas da agricultura estão para além daquilo que é visível ao Homem, ou seja,

muitos impactos da agricultura são refletidos a nível das comunidades biológicas e a

sua contribuição para alimentação humana pode ser comprometida a longo prazo pelo

nível de efeitos causados nos ecossistemas. Sendo assim, a estimativa da FAO indica

que aproximadamente 50% dos 250 milhões de hectares irrigados no mundo já

apresentam problemas de salinização, saturação e empobrecimento do solo e que 10

milhões de hectares são abandonados anualmente em virtude desses problemas,

entre outros (Júnior e Silva, 2010).

1.2.1. Pesticidas e efeitos ecológicos dos seus usos

A produtividade agrícola em África não só é uma das mais baixas do mundo como

estagnou até ao final de década de 90 (Clay, 1994; Abate et al., 2000), mostrando

ainda um declínio de 15%, entre 2002 e 2008 (Cunguara e Hanlon, 2012). No entanto,

a pressão imposta pelo significativo crescimento populacional, registado em muitos

países africanos, levou a que os governos procurassem modernizar a agricultura,

baseando-se no modelo da “revolução verde”, e estimulando a aplicação de

agroquímicos (fertilizantes, pesticidas, fungicidas e herbicidas) para aumentar a

produção. Muitos países africanos entraram assim num ciclo vicioso, na medida em

que o aumento da produção agrícola, levou à redução das áreas de floresta naturais, o

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

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habitat de muitas das pragas, e ao desenvolvimento de culturas cada vez mais

sensíveis a essas mesmas pragas, em virtude do empobrecimento dos solos (Abate et

al., 2000). Não obstante este fato, não existiam, pelo menos até há uma década atrás,

dados detalhados sobre o uso de pesticidas em África (Abate et al., 2000). Mais

recentemente, estima-se que, mesmo apesar dos incentivos, apenas 3% da população

de Moçambique utiliza fertilizantes, sobretudo nas culturas de tabaco, pela facilidade

de crédito concedido pelas empresas internacionais (Cunguara e Hanlon, 2012). Por

sua vez, no Norte, apenas 0,3% dos agricultores utilizam pesticidas nas culturas de

milho, que são as mais estáveis do país (Cunguara e Hanlon, 2012). Grande parte dos

compostos usados nunca foram testados para avaliação da sua eficácia e/ou

impactes, e os utilizadores, numa grande maioria, não foram educados ou não estão

sensíveis aos riscos (Jepson et al., 2014).

Os pesticidas e outros produtos fito e zoo-sanitários são substâncias químicas

naturais ou de síntese, utilizadas na luta contra agentes patogénicos que afetam a

saúde pública ou que podem pôr em risco, em todos os estádios de desenvolvimento,

as espécies vegetais que nos alimentam (Mendes e Oliveira 2004). Com base na sua

composição química podem ser classificados em compostos organoclorados,

organofosfatos, carbamatos, piretróides sintéticos, pesticidas inorgânicos e ainda os

biopesticidas produzidos a partir de compostos bioativos naturais (Odukkathil e

Vasudevan, 2013). Na realidade, entre todos os xenobióticos (compostos químicos

sintetizados pelo Homem), os pesticidas são talvez dos mais preocupantes, pois foram

especificamente desenhados para serem bioativos e matarem organismos, sendo

ainda intencionalmente aplicados no ambiente (Hanazato, 2001). Contudo, a utilização

de pesticidas tornou-se praticamente indispensável para o controlo de plantas

infestantes, artrópodes e várias doenças (Carapeto, 1999). Mesmo assim, estima-se

que globalmente 35% das culturas são perdidas antes da colheita, devido a pragas

(Oerke, 2006), o que aumenta ainda mais a pressão colocada pela necessidade de

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

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alimentar uma população humana em crescimento exponencial, que se espera que

atinja os 9,2 mil milhões, em 2050 (Popp et al., 2013). Por este motivo, os benefícios

decorrentes da aplicação de pesticidas (maiores rendimentos sociais, menores riscos

de perda de colheitas, criação de postos de trabalho) demonstram que mesmo que

novas tecnologias venham a ser desenvolvidas, estes químicos irão continuar a ser

indispensáveis para manter a elevada produtividade das culturas mundiais (Odukkathil

e Vasudevan, 2013; Popp et al., 2013). Contudo, o grande problema é que ao serem

introduzidos nos ecossistemas acabam por entrar nas cadeias tróficas provocando o

desaparecimento de várias espécies não-alvo mais sensíveis e provocando alterações

no equilíbrio e nas funções dos ecossistemas (Alves, 2010). Os pesticidas, como

outros poluentes orgânicos e inorgânicos, podem ter, além da sua ação direta, outros

efeitos que resultam de eventuais sinergismos (Mendes e Oliveira, 2004) que se

podem desenvolver nos diferentes compartimentos ambientais (Mendes e Oliveira,

2004), ou ainda efeitos indiretos que podem resultar de alterações nas complexas

interações entre os diferentes níveis das teias alimentares (Hanazato, 2001). Estes

problemas podem ainda ser superiores nos países em desenvolvimento, como os da

África Subsariana, onde a qualidade dos pesticidas existentes é muito baixa, devido ao

fraco controlo de qualidade aí existente (Popp et al., 2013). Ou ainda, noutros países

Africanos onde alguns pesticidas como o DDT, já banidos na Europa, continuam a ser

usados quer na agricultura, quer em programas de saúde, como no combate à malária

(Yohannes et al., 2013). Os riscos decorrentes da aplicação de pesticidas no ambiente

resultam de vários fatores que incluem desde as propriedades químicas do composto

e sua toxicidade, às propriedades do solo até às próprias práticas agrícolas que

determinam as quantidades, taxas, frequência e formas de aplicação e a realização

simultânea de correções orgânicas dos solos (Odukkathil e Vasudevan, 2013). No que

refere às propriedades químicas, pesticidas com maior estabilidade e fraca

solubilidade tendem a ser menos afetados pelos processos físico-químicos e, por isso,

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mais persistentes no ambiente (Odukkathil e Vasudevan, 2013), ficando no solo ou

sendo arrastados para os cursos de água vizinhos onde os seus resíduos começam a

ser detetados em concentrações elevadas, causando preocupações ambientais, de

saúde pública e até mesmo económicas (Bagumire et al., 2008).

1.2.2. Eutroficação

A eutroficação cultural é o termo que define o aumento de produtividade biológica de

um sistema aquático, resultante da entrada excessiva de nutrientes, a níveis que

ultrapassam a capacidade que este tem de repor o equilíbrio (Wetzel, 1983; Smith e

Schindler, 2009). De acordo com a Avaliação do Milénio dos Ecossistemas (MEA,

2005), a agricultura está entre uma das principais atividades que sérios danos tem

causado às zonas húmidas interiores e costeiras, quer através de captação excessiva

de água para irrigação, quer através de aplicações excessivas de fertilizantes

(sobretudo azoto e fósforo). Em determinadas zonas estas aplicações são de tal forma

excessivas que os solos saturados continuam a contribuir por diversos anos com

cargas elevadas de nutrientes para os sistemas aquáticos (Smith e Schindler, 2009).

Em 2008 estimou-se que 28% dos lagos e reservatórios africanos estavam

eutrofizados (Nyenje et al., 2010). Contudo, e no que refere à África Subsariana, a

agricultura não parece ser a principal responsável pela degradação dos sistemas

aquáticos, mas sim as águas residuais urbanas que na sua grande maioria (cerca de

80%) permanecem sem qualquer tratamento sendo libertadas diretamente no solo,

através de fossas sépticas ou diretamente nos meios aquáticos (Nyenje et al., 2010;

Juma et al., 2014). Este fato é agravado pelo aumento populacional nos centros

urbanos, onde o saneamento básico continua a ser inadequado (Juma et al., 2014).

Na verdade, apesar de em determinadas regiões os fertilizantes serem de facto

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utilizados, as quantidades aplicadas são reduzidas, muitas vezes devido limitações

económicas dos pequenos agricultores (Vanlauwe e Giller, 2006).

O aumento de nutrientes em massas de água provoca inúmeros problemas para

as comunidades aquáticas. Entre os principais impactos está a diminuição do oxigénio

dissolvido na água, alterações na estrutura das comunidades e diminuição da

diversidade biológica, assim como o aumento da turbidez o que leva a alterações de

estados dominados por fitoplâncton (sobretudo por blooms de cianobactérias) para

estados dominados por plantas aquáticas, muitas vezes com domínio de espécies

invasoras (Aguiar, et al., 2011; Ka et al., 2011; van Ginkel, 2012; Juma et al., 2014).

Associado aos blooms de cianobactérias está ainda a produção de cianotoxinas que

representam um problema de saúde pública e económico, na medida em que são

igualmente responsáveis pela morte de cabeças de gado (van Ginkel, 2011). O

excesso de nutrientes pode ainda contribuir para aumentar a abundância de agentes

patogénicos, promovendo o desenvolvimento dos seus hospedeiros (Smith e

Schindler, 2009), assim como para outros efeitos indiretos, que provocam profundas

alterações nas comunidades. Entre alguns dos efeitos indiretos, Turner e Chislock

(2010), por exemplo, demonstraram que um aumento do pH, provocado pelo aumento

da atividade fotossintética, resultante do excesso de nutrientes, provoca alterações

nas capacidades sensoriais em moluscos impedindo-os de detetar as pistas químicas

emitidas pelos seus predadores. Como consequência estes organismos ficam assim

mais sujeitos a pressões predatórias. Por outro lado, a ocorrência de picos de hipoxia

parece comprimir as espécies mais sensíveis de zooplâncton numa faixa mais estreita

do epilimnion, aumentando a sua exposição aos predadores e alimento de menor

qualidade. Este comportamento de evitamento das zonas com menor concentração de

oxigénio contribuiu para uma redução do tamanho do corpo e do conteúdo em RNA

(usado como indicador de fome) de Daphnia mendotae, no Lago Erie (América do

Norte) (Goto et al., 2012). Além das consequências apontadas pelo autor, é

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igualmente de esperar que uma redução do tamanho do corpo das espécies

zooplanctónicas contribua para reduzir a sua capacidade de controlar a comunidade

fitoplanctónica, agravando ainda mais o processo de eutroficação.

Um estudo recente demonstra, contudo, que nem sempre a eutroficação se traduz

em efeitos adversos. Marroni e colaboradores (2014) demonstraram que o bivalve

invasor Corbicula fluminea reduz significativamente a sua taxa de filtração na presença

de cianobactérias, enquanto a espécie nativa Diplodon parallelopipedon mantém a sua

taxa de filtração inalterada, o que confere vantagens competitivas à espécie nativa.

Os problemas de eutroficação em África têm sido bem reportados,

particularmente para o lago Vitória (Juma et al., 2014), e para ecossistemas aquáticos

da África do Sul (van Ginkel, 2011; van Ginkel, 2012), sendo a informação disponível

para outros países Africanos muito escassa.

1.2.3. Uso excessivo de água

A água e outros recursos naturais foram sempre considerados abundantes e

facilmente exploráveis pelo Homem, que sempre escolheu locais para se implantar,

onde as condições eram favoráveis à vida, em especial no que refere à estabilidade do

clima e à disponibilidade de água. Mas com o aumento exponencial da população,

humana os recursos tornaram-se escassos. Nos últimos anos o acesso a água,

potável tornou-se um grande problema para as populações mundiais, principalmente

nas regiões áridas ou semi-áridas do planeta. O problema da desigualdade na

disponibilidade deste recurso tem tendência para se intensificar e as consequências

dessas desigualdades são imprevisíveis.

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Segundo o AQUASTAT, o sistema de informação global da FAO relativo à

água1, a agricultura encontra-se entre os setores que mais água consome,

correspondendo a cerca de 70% da água doce removida dos recursos de água doce

do planeta. Além do consumo excessivo, acrescem todos os impactos negativos em

termos de contaminação e eutroficação que a agricultura pode ter sobre os sistemas

aquáticos. Contudo, tal não é o caso da África Subsariana, onde as populações mais

pobres que vivem em áreas rurais dependem da precipitação para irrigar as suas

culturas, dependendo assim das flutuações climáticas e vendo a sua produtividade

limitada apenas aos meses de chuva (Burney, 2012). Quer nesta região do planeta,

quer na Ásia, a irrigação é considerada como fundamental no processo de combate à

pobreza, pois permitirá aumentar a produtividade agrícola, garantir o acesso dos mais

pobres à água para usos diversificados, reduzindo as desigualdades, aumentar o

emprego, os rendimentos e o consumo; melhor nutrição e saúde (Hanjra et al., 2009).

1.2.4. O problema da falta de perceção do risco e de pessoas com a

formação adequada para efetuar monitorizações ambientais

Remondou e colaboradores (2014), numa revisão recente sobre a perceção dos

riscos associados ao uso de pesticidas, constataram que nos países em

desenvolvimento a elevada taxa de iliteracia contribui para a reduzida perceção dos

riscos dos produtos agroquímicos por parte dos agricultores, que têm dificuldades em

perceber os valores de toxicidade reportados nas etiquetas e, na grande maioria dos

casos, não receberam qualquer formação relacionada com o uso e armazenamento de

pesticidas. De qualquer modo, os mesmos autores registaram ainda que a relação

entre a perceção dos riscos e os comportamentos daqueles que usam pesticidas,

1 http://www.fao.org/nr/water/aquastat/water_use/index.stm, disponível em Agosto de

2014.

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sobretudo no que refere à proteção da sua saúde, não é direta. Pelo que se pode

depreender que a falta de conhecimento e de um comportamento de proteção pessoal,

ocorrerá certamente a par com a falta de comportamentos que visem a proteção dos

ecossistemas naturais.

Neste contexto, e de acordo com Hanjra et al. (2009), com o objetivo de se reduzir

a pobreza na África Subsariana, a par com os investimentos em grandes infra-

estruturas de irrigação, deve-se investir quer na educação para a saúde, quer na

educação ambiental, ou ainda na educação dos agricultores para que aprendam a

utilizar os fertilizantes de forma eficaz, assim como outros produtos agroquímicos de

modo a reduzir os impactos no ambiente. Para o efeito torna-se premente formar

docentes com especialização em monitorização e educação ambiental, assim como

nas áreas de ecologia e de ecotoxicologia que sejam capazes de se envolver ou de

compreender a avaliação de riscos de compostos químicos e de perceberem os seus

efeitos no biota. Estes poderão, já nos seus países, contribuir para a formação de

pessoal técnico especializado nestas áreas, pronto a trabalhar no terreno, junto das

populações, para que possam contribuir para um desenvolvimento sustentado e

garantir que assim se atinjam os objetivos de desenvolvimento milénio definidos pelas

Nações Unidas, em particular o objetivo 1 (MDG1) de erradicação da fome e pobreza

extrema2.

1.3.Objetivos geral e específicos da tese

Face aos problemas referidos na Introdução, o presente estudo teve por objetivo

avaliar os efeitos ecotoxicológicos para organismos aquáticos e determinar os limites

de risco de um pesticida muito utilizado em Moçambique, na bacia de drenagem do rio

2 http://www.un.org/millenniumgoals, (acedido em Agosto de 2014).

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Pungue, localizada no centro de Moçambique e partilhada com o Zimbabwe, onde tem

a sua origem. Este rio atravessa as províncias de Manica e de Sofala através dos

distritos de Manica, Gondola, Gorongosa, Nhamatanda, Dondo e Beira (figura i do

anexo I) e desagua no oceano Índico junto ao porto da cidade da Beira, depois de

atravessar diversas áreas de exploração agrícola, principalmente em Nhamatanda e

Dondo, onde o fungicida é largamente utilizado para combater ou proteger plantas

como cana-de-açúcar, tomateiro, repolho e milho, entre outras. A avaliação

ecotoxicológica é feita através de ensaios padronizados com uma bateria de

organismos de diferentes níveis tróficos nomeadamente a bactéria Vibrio fisheri, a alga

verde Raphidocellis subcapitata, a planta aquática Lemna minor, o cladócero Daphnia

magna, e os peixes de água doce Carassius auratus e Danio rerio. Para tornar

possível este objetivo são propostos três objetivos específicos:

1) Obter dados de toxicidade para a bateria de espécies acima mencionada;

2) Determinar um limite de risco (PNEC) para Mancozeb® (substância comercial)

integrando os dados obtidos numa curva de distribuição de sensibilidade das

espécies, para estimar quocientes de perigo; ou aplicando fatores de avaliação.

3) Adquirir conhecimento em avaliação de risco de compostos químicos, utilizando

ferramentas já disponíveis na União Europeia, e que poderão ser adotadas nos

países africanos.

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2. Material e Métodos

2.1. Pesticida Mancozeb®

O fungicida Mancozan® é um fungicida orgânico não sistémico cujo princípio ativo

Mancozeb® pertence ao grupo dos etileno-bis (ditiocarbamato), de largo espetro de

ação, utilizado em legumes, frutas e planta do tabaco (Bayer Crop Science, 2014).

Este composto apresenta baixa volatilidade e insolubilidade na maioria dos solventes

orgânicos (Alves, 2008). O produto comercial – Mancozan® - vendido na forma de um

pó amarelo, solúvel em água pela Bayer contém 80% (m/m) de Mancozeb® e 20%

(m/m) de coadjuvantes. A seleção deste produto baseou-se no facto de se tratar de

um fungicida largamente utilizado em Moçambique (tal como já foi previamente

descrito). Optou-se igualmente pela substância comercial por já se ter provado que

muitas vezes o princípio ativo revela menor ou maior toxicidade, sendo que os dados

gerados podem conduzir com frequência a sub ou sobrestimativas do risco destes

compostos (Pereira et al., 2009).

2.2. Ensaios ecotoxicológicos

2.2.1. Ensaio de Microtox® com V. fischeri

O ensaio de Microtox® com a bactéria Vibrio fischeri foi selecionado pelo fato de ter a

vantagem de ser rápido e simples (Parvez et al., 2006). Os mesmos autores afirmam

que a inibição da emissão de luminescência pela bactéria indica de forma eficaz

potenciais efeitos tóxicos de contaminantes em organismos superiores. O ensaio foi

realizado com base no protocolo do ensaio “Basic Test 81.9%” disponibilizado pela

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MicrotoxOmni (AZUR Environmental, 1998). A bactéria foi exposta a uma gama de

concentrações de Mancozan® (substância comercial) diluídas em água a partir de uma

solução mãe preparada imediatamente antes do ensaio, e a luminescência foi medida

aos 5, 15 e 30 minutos, utilizando o analisador Microtox model 500 Analyser. Os

valores de ECx para cada um dos tempos de exposição foram calculados pelo

Software MicrotoxOmni (Azur Environmental, 1998).

2.2.2 Manutenção de culturas e ensaio de inibição de crescimento com

Raphidocelis subcapitata

A cultura de R. subcapitata é mantida em meio MBL, preparado a partir de água

destilada com macronutrientes e micronutrientes, assim como vitaminas de acordo

com as proporções descritas na Tabela 1. Para o efeito, foram preparados 5000 mL do

meio de cultura, posteriormente autoclavado, a 121ºC, durante 80 minutos. Após o

arrefecimento, adicionaram-se 500µL de vitaminas de acordo com o descrito no

protocolo 201 da OECD (OECD, 2006a). Depois de preparado, o meio foi inoculado

com 50 mL de cultura algal. As culturas, assim reiniciadas, são mantidas na câmara

climática com arejamento, temperatura controlada (20 ± 2ºC), fotoperíodo 16 hL:8 hE, a

uma intensidade luminosa de aproximadamente 7000 lux.

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Tabela 1. Composição química do meio de cultura (MBL) para a microalga, R. subcapitata

(OECD, 2006a).

Fórmula Química

Quantidade de composto para preparação de

solução stock (g L-1)

Volume da solução stock por cada litro do meio (mL)

Macronutrientes

CaCl2·2H2O MgSO4·7H2O

NaHCO3 K2HPO4 NaNO3

Na2SiO3·9 H2O

36,76 36,97 12,6 8,71 85,01 28,42

1 1 1 1 1 1

Micronutrientes

Na2EDTA FeCl3·6H2O

CuSO4·5H2O ZnSO4·7H2O CoCl2·6H2O MnCl2·4H2O

Na2MoO4·2H2O

4,36 3,15 0,001 0,022 0,01 0,18 0,006

1 1 1 1 1 1 1

Vitaminas*

Tiamina HCl (B1) Biotina (H)

Cianocobalamina (B12)

0,1 mg L-1 0,5 mg L-1 0,5 mg L-1

1

TRIS (hidroximetilaminometano)

50 g/200 mL 2

(*) Só são adicionados ao meio após autoclavagem e e arrefecimento.

(**) O pH tem de ser ajustado a 7,2 a 20º C adicionando HCl

O ensaio de inibição com R. subcapitata foi realizado segundo o protocolo 201

da OECD (OECD, 2006a), em placas de 24 poços, a partir de um inóculo de algas

proveniente da cultura do laboratório (previamente descrita), retirado aquando a

cultura se encontra em fase de crescimento exponencial. Após ensaios preliminares,

as concentrações de Mancozan® testadas, expressas com base no princípio ativo

Mancozeb® (para este e todos os ensaios realizados), variaram entre 1,19 e 9,0 mg L-

1, separadas por um fator de diluição de 1,5. Para cada concentração testaram-se 3

réplicas (separadas em 3 poços distintos), cada uma com 900 L da solução de

Mancozeb®, mais 100 L de inoculo algal, de forma a iniciar o teste com uma

densidade algal de 104 células mL-1. O controlo foi preparado da mesma forma, mas

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apenas com meio MBL. As placas foram mantidas durante 72 h nas mesmas

condições descritas para a manutenção da cultura. Duas vezes por dia, o conteúdo

dos poços foi agitado com recurso a uma pipeta.

Após o período de exposição procedeu-se à contagem do número de células por

mililitro de meio com recurso a uma câmara de Neubauer no microscópio Leitz Wetzlar

de transformador (240 v/60 HZ). Após a contagem de todas as réplicas, os critérios de

validade do ensaio, estabelecidos pelo protocolo, foram verificados e procedeu-se ao

cálculo da percentagem de crescimento algal e da percentagem de inibição.

2.2.3. Manutenção da cultura e ensaio de inibição de crescimento com Lemna

minor

À semelhança das culturas algais, para o ensaio de toxicidade com a espécie L.

minor, utilizaram-se plantas obtidas a partir do Laboratório de Ambiente Aquático da

Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a manutenção da cultura foi feita em

meio Steinberg cuja constituição química pode ser observada na tabela abaixo e

consta do protocolo padronizado OECD 221 (OECD, 2006b).

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Tabela 2. Composição do meio Steinberg para culturas de L. minor.

Composição química das Solução stocks

Quantidade do composto para solução stock

Volume de solução para o meio Steinberg

Solução Stock 1 KNO3 KH2PO4 K2PO4

17,50 g L-1 4,5 g L-1

0,63 g L-1

20 mL

Solução stock 2 MgSO4.7H2O

5 g L -1

20 mL

Solução Stock 3 Ca(NO3)2.4H2O

0,800 g L-1

20 mL

Solução Stock 4 H3BO3

120m g L-1

1 mL

Solução Stock 5 ZnSO4.7H2O

180 mg L-1

1 mL

Solução Stock 6 Na2MoO4.2H2O

44 mg L-1

1 mL

Solução Stock 7 MnCl2.4H2O

180 mg L-1

1 mL

Solução Stock 8 FeCl3.6H2O

760 mg L-1

1 mL

EDTA Disódio desidratado 1500 mg L-1 1 mL

(*) Só são adicionados ao meio após autoclavagem e e arrefecimento.

(**) O pH tem de ser ajustado a 7,2 a 20º C adicionando HCl

Assim, o meio Steinberg para cultura de L. minor foi preparado adicionando 20 mL

das soluções stock 1, 2 e 3 a água destilada e 1 mL das soluções stock de 4 a 7. De

seguida ajustou-se o volume até perfazer 1 L de meio de cultura. O meio foi

posteriormente autoclavado a 121ºC, durante 20 minutos por cada litro, antes da

adição de 1ml da solução 8, após o arrefecimento. Seguiu-se a manutenção das

culturas, mantidas em Erlenmeyrs previamente esterilizados de 500 mL de volume,

com 200 mL de meio e tapados com rolhas de algodão e gaze de modo a permitir o

arejamento dentro dos recipientes. As culturas são mantidas numa câmara

fotoclimática com temperatura 22±2ºC, fotoperíodo de 16 hL:8 hE e luminosidade de

aproximadamente 7000 lux.

Como desenho experimental deste ensaio (Figura 1), consideraram-se 6

tratamentos com uma gama de concentrações a variar entre 1,19 e 9,0 mg L-1 de

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Mancozeb® separadas por um fator de diluição de 1,5. Para cada um destes 6

tratamentos, preparam-se 3 réplicas em Erlenmeyers de vidro de 250 mL, previamente

esterilizados.

Figura 1. Esquema representativo do desenho experimental concebido para o ensaio de

inibição de crescimento com L. minor para testar diferentes concentrações de Mancozeb®.

Assim, em cada Erlenmeyer colocou-se um volume total da solução de pesticida de

100 mL ou de meio Steinberg (no CTL) e 9 frondes de L. minor. Mediu-se o peso seco

de 3 conjuntos de 9 frondes da planta retiradas aleatoriamente da cultura, para

posterior comparação com o desenvolvimento ocorrido, no final do ensaio. A fim de se

proceder à determinação do peso seco, estes 3 conjuntos foram colocados na estufa a

uma temperatura de 60ºC, durante 24 h. Após este período, determinou-se o peso

seco com uma precisão de três casas decimais, numa balança eletrónica de precisão

(RDWAG Max 21 g; d=1 µg). A exposição decorreu durante um período de 7 dias, em

condições controladas de luminosidade (aproximadamente 7000 lux), temperatura (20

± 2ºC) e fotoperíodo (16 hL:8 hE). No final dos 7 dias de exposição, as frondes de cada

réplica foram contabilizadas e recolhidas para determinação do peso seco, tal como foi

já descrito. Após se ter verificado se os critérios de validade haviam sido cumpridos,

procedeu-se à determinação da taxa de crescimento e da percentagem de inibição de

crescimento para cada tratamento.

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2.2.4. Manutenção da cultura e ensaio de imobilização com Daphnia

magna

A cultura de D. magna do Laboratório de Ambiente Aquático da Faculdade de Ciências

da Universidade do Porto é iniciada com juvenis da 3ª à 5ª geração com menos de 24

h. Os organismos são mantidos em meio de cultura ASTM – hard water, em frascos

com 800 mL de meio e 30 indivíduos e colocados na câmara com luminosidade de

400-800 lux, fotoperíodo 16 hL:8 hD e à temperatura controlada de 20±2ºC. As culturas

são alimentadas com a microalga verde (R. subcapitata), adicionada a uma

concentração de 3,0 x 105 células mL-1 e com 4,8 mL de extrato de algas Algea® Fert

(Kristiansund Norway). O meio de cultura é renovado e os organismos são

alimentados a cada dois dias. O nascimento de neonatos é acompanhado e sempre

que surge uma nova ninhada esta é retirada do frasco das fêmeas adultas.

O ensaio de imobilização com D.magna foi realizado com 160 juvenis

(neonatos) obtidos na 4ª geração com menos de 24 h, segundo o protocolo

padronizado OECD 202 (OECD, 2004). Os indivíduos foram expostos a sete

concentrações de Mancozeb® mais o controlo com ASTM e monitorizados, em tubos

de ensaio de vidro, num volume de 25 mL. As concentrações testadas variaram entre

0,13 e 0,63 mg L-1, separadas por um fator de 1,3. Para cada concentração,

prepararam-se 4 réplicas, com 5 organismos cada, e a exposição decorreu durante 48

h. Às 24 e 48 horas os tubos foram inspecionados para verificar a existência de

indivíduos imobilizados, os quais foram contabilizados e retirados do tubo. No início e

no fim do ensaio mediu-se o oxigénio dissolvido e o pH em todas as concentrações

testadas.

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2.2.5. Manutenção e teste de toxicidade com ovos de Danio rerio

D. rerio é uma espécie de água doce muito usada na investigação científica sobretudo

para o estudo do desenvolvimento embrionário de vertebrados. A preferência por esta

espécie deve-se às suas características, como dimensões reduzidas, fácil manutenção

em laboratório, posturas com um número elevado de ovos, crescimento rápido dos

embriões, entre outros (Gerla, et al., 2000). É também uma espécie sensível a

substâncias químicas (Stehr et al. 2006), daí ter sido proposta como organismo teste

em protocolo padronizado OECD 236 (OECD, 2013).

Os ovos foram adquiridos a partir de uma cultura do laboratório do CIIMAR-UP.

Os ovos foram primeiramente inspecionados para selecionar apenas ovos fertilizados.

Os ensaios foram iniciados 1 h após a postura e foram realizados em placas de 24

poços, tendo-se colocado um ovo por poço, num total de 30 ovos por concentração

mais o CTL (com água desclorada, filtrada por um filtro de carvão ativado e arejada).

Os ovos foram separados em grupos de 10 por cada placa (3 por concentração),

exceto para o controlo em que se colocaram grupos de 20 ovos por placa, num total

de 60. Para o ensaio foram testadas 9 concentrações de Mancozeb®, a variar entre

0,02 e 2,45 mg L-1, separadas por um fator de diluição de 1,8. As diluições foram

preparadas com a água usada no CTL. Em cada poço colocou-se um volume de 2 mL

da diluição do pesticida ou de água do CTL. Após a recolha dos tanques de

reprodução, os ovos foram lavados, selecionados e colocados de imediato em

contacto com as soluções teste em caixas de Petri, sendo posteriormente transferidos

para as respetivas placas, onde foram mantidos em condições de luminosidade de

400-600 lux, fotoperíodo 14 hL:10 hE, e a uma temperatura de 26oC, durante 96 h. O

ensaio foi monitorizado a cada 24 h, e após este período as placas foram observadas

com recurso a uma lupa binocular para contabilizar os indivíduos mortos (indicadores:

coagulação dos ovos; ausência de formação de sómitos; ausência de eclosão dos

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ovos e a falta de batimentos cardíacos), eclodidos e com anomalias. Os critérios da

validade impostos pelo ensaio foram verificados.

2.2.6. Ensaio de inibição da atividade da enzima acetilcolinesterase em

Carassius auratus

O ensaio com a espécie C.auratus teve como objectivo verificar os efeitos sub-letais

do pesticida Mancozan® (princípio ativo: Mancozeb®) em peixe-dourado, através da

quantificação da actividade da enzima acetilcolinesterase (AChE), a qual é

responsável por degradar o neurotransmissor acetilcolina em tiocolina e acetato, nas

sinapses colinérgicas, do sistema nervoso central (Yi et al., 2006).

Os organismos foram obtidos de uma loja de aquariofilia local e estiveram em

quarentena durante duas semanas, em aquários com água da torneira desclorada,

com arejamento e alimentados ad libitum diariamente. O ensaio foi realizado em

recipientes com 1 L de volume das soluções do pesticida, diluídas com água da

torneira desclorada, a qual foi usada para o controlo. Por cada recipiente colocou-se

um organismo. Foram testadas 6 concentrações do pesticida (substância comercial –

expressas em concentração do princípio ativo) a variarem entre 0,03 e 0,25 mg L-1

separadas por um factor de diluição de 1,5. A exposição durou 96 h com arejamento,

20±2oC de temperatura e condições de luminosidade e fotoperíodo naturais. Por cada

concentração mais o CTL, foram utilizados 5 organismos expostos individualmente.

Durante o ensaio, os organismos não foram alimentados.

No final do ensaio, os organismos foram retirados das soluções e

imediatamente decapitados, sem ser administrada qualquer anestesia, na medida em

o estudo tinha como objetivo avaliar um parâmetro do sistema nervoso. Cada animal

foi sacrificado individualmente, distante dos outros animais ainda vivos. As cabeças

foram imediatamente colocadas em tubos Falcon com 2 mL de tampão fosfato (0,1 M,

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pH=7,2). Os homogeneizados foram posteriormente centrifugados a 6000 rpm,

durante 3 minutos, a 4ºC. Após a centrifugação, o sobrenadante foi separado para

análise da atividade enzimática e do conteúdo em proteína. A atividade da enzima

acetilcolinesterase foi medida pelo método descrito por Ellman et al. (1961). Como

referido em cima, a enzima acetilcolinesterase degrada a acetilcolina em colina mais

acetato. A tiocolina reduz o DTNB (ácido ditiobis-nitrobenzóico em nitrobenzoato de

cor amarela). A formação deste composto (ɛ=13.6 mM-1cm-1) é monitorizada a 412 nm,

durante 5 minutos, iniciados 10 minutos após o início da reação. O conteúdo total em

proteína da amostra foi determinada pelo método de Bradford (Bradford, 1976) e a

atividade enzimática é expressa em nmol de substrato hidrolizado min-1 mg-1 de

proteína.

2.2.7. Análise estatística

Em todos os ensaios (excepto para V. fischeri e D. magna), para os parâmetros

avaliados realizaram-se análises de variância (ANOVA) de uma via para testar

diferenças entre os tratamentos testados (diferentes concentrações do pesticida).

Sempre que se registaram diferenças significativas procedeu-se à realização de testes

de Dunnet, para determinação dos tratamentos para os quais se registavam diferenças

relativamente ao controlo. Com base nesta análise foram obtidos, sempre que possível

os valores de NOEC e LOEC.

Os valores de EC50, isto é a concentração que afeta 50% dos organismos teste

(e.g. mortalidade), ou que causa uma inibição de 50% no parâmetro testado (e.g.

inibição de crescimento), foi calculada com recurso a dois métodos estatísticos

distintos, utilizando dois softwares diferentes. Assim para a mortalidade de D. magna

os valores de EC50 e de EC20 e respetivos intervalos de confiança a 95%, foram

estimados com recurso à análise de PROBIT (Finney, 1971), utilizando o software

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23

PriProbit versão 1.63. os valores de EC50 para os ensaios sub-letais e respetivos

intervalos de confiança a 95%, foram determinados após ajuste de regressões não

lineares aos dados utilizando o software Statistica 12.0 (StatSoft Inc. Tulsa, OK, USA).

Os valores ecotoxicológicos obtidos com base em protocolos padronizados

foram utilizados para estimar valores de PNEC para serem propostos como limites de

risco para Mancozeb®. Estes valores foram estimados com base em duas

metodologias propostas pelo documento guia da Comissão Europeia para Avaliação

de Risco (EC, 2003): curvas de distribuição de sensibilidade das espécies e fatores de

avaliação.

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

24

3. Resultados

Os critérios de validade impostos pelos diferentes protocolos usados foram cumpridos,

pelo que os dados que se apresentam são os dados dos ensaios definitivos

realizados. A tabela 3 resume os valores de EC20 e EC50 estimados para as diferentes

espécies testadas. Como é possível verificar a bactéria V. fischeri foi sensível ao

pesticida, sendo que a toxicidade apresenta um comportamento variável, mostrando

tendência para diminuir ao fim de 15 minutos de exposição mas aumentando aos 30

minutos.

Tabela 3: Resumos dos dados de toxicidade obtidos para Mancozeb® (substância ativa) para a bateria de

espécies testadas. Valores de toxicidade, e respetivos intervalos de confiança a 95% (IC95%), assim

como o valor de r do modelo ajustado aos dados.

ECx (mg L-1

) IC 95% R

V. fischeri EC20-5min – 0,90

EC20-15min – 1,26

EC20-30min – 0.69

0,72-1,13

0,95-1,68

0,58-0,82

0.995

0,993

0,997

EC50-5min – 4,03

EC50-15min – 5,38

EC50-30min – 4,52

2,71-5,98

4,78-6,07

3.62-5,65

0.995

0,993

0,997

R. subcapitata EC20 – 1,75 1,49-2,02

0.993

EC50 – 8,52 7,67-9,37

L. minor (frondes) EC20 – 4,19 3.48-4.92 0.968

EC50 – 6,30 5,70-6,89

L. minor (peso seco) EC20 – 2,47 2.04-2.91 0.981

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EC50 – 3,57 3,21-3,93

D. magna EC50_24h – 0,51 0,44-0,62 ---

EC50_48h – 0,26 0,22-0,31 ---

C. auratus EC50 – 0,0676 NC 0.949

D. rerio EC50 – 0,33 0,10-1,13 ---

Não obstante tratar-se de um fungicida, as concentrações de Mancozeb®

testadas inibiram igualmente e de forma significativa a taxa de crescimento da espécie

algal (F= 637,69; d.f. 17, 6; p<0,05) (Figura 2). As diferenças significativas

relativamente ao controlo foram registadas a partir da concentração mais baixa testada

(Dunnett: p<0,05). Contudo, a percentagem de inibição de crescimento não chegou a

atingir os 60%, na concentração mais alta testada (Figura 3).

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

26

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

0 1,19 1,78 2,67 4,00 6,00 9,00

Taxa

dia

esp

ecí

fica

de

cre

scim

en

to (

dia

-1)

Mancozeb mg L-1

Raphidocellis subcapitata

Figura 2. Taxa média de crescimento em Raphidocellis subcapitata exposta a uma gama de

concentrações do pesticida Mancozeb® (as concentrações correspondem a concentrações do

princípio ativo). As barras de erro correspondem ao desvio padrão, e os asteriscos indicam

diferenças significativas, relativamente ao controlo (p<0,05).

0

10

20

30

40

50

60

1,19 1,78 2,67 4,00 6,00 9,00

Inib

ição

de

cre

scim

en

to d

e a

lgas

(%

)

Mancozeb mg L-1)

Raphidocellis subcapitata

Figura 3. Percentagem média de inibição de crescimento em Raphidocellis subcapitata exposta

a uma gama de concentrações do pesticida Mancozeb® (as concentrações correspondem a

concentrações do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao desvio padrão.

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

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Analisando os valores de EC50 e EC20 estimados (Tabela 3), a planta aquática L. minor

apresentou uma sensibilidade ligeiramente superior a R. subcapitata, quando se

analisa o EC50 obtido quer para o número de frondes produzidas pela planta quer para

a taxa de crescimento. No que diz respeito à percentagem de inibição de crescimento,

determinada com base na biomassa seca, verifica-se que houve um aumento

progressivo com o aumento da concentração do pesticida tendo sido máxima na

concentração mais elevada de Mancozeb® testada (9 mg L-1), a qual foi semelhante à

testada para a alga verde (Figura 3). Contudo, no que refere ao número de frondes a

percentagem de inibição não chegou a atingir os 100% na concentração mais elevada.

Com base nos resultados da análise de variância de uma via, seguida do teste de

Dunnet, apenas se registaram diferenças significativas em termos do número de

frondes produzidas e da biomassa seca a partir da terceira e quartas concentrações

do pesticida testadas (Frondes: F=140.72; d.f. 14, 20; p<0.001; Peso seco: F=129,16;

d.f. 14, 20; p<0,001) (Figuras 4 e 5). Foi ainda possível obter LOECs (4,00 e 2,67 mg

L-1) para as taxas de crescimento estimadas com base no número de frondes e de

biomassa seca, respetivamente, valores estes que são semelhantes aos valores de

EC20 estimados (Tabela 3). O parâmetro peso seco ou biomassa seca revelou-se

como sendo o mais sensível para esta espécie.

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

28

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

0,35

0,40

CTL 1,19 1,78 2,67 4,00 6,00 9,00

Taxa

dia

de

cre

scim

en

to e

m n

ª d

e

fro

nd

es

Mancozeb mg.L-1

Lemna minor (Frondes)

*

*

*

Figura 4. Taxa média de crescimento em L. minor exposta a uma gama de concentrações do

pesticida Mancozeb® e calculada com base no número de frondes produzidas (as

concentrações no eixo dos XX, correspondem a concentrações do princípio ativo). As barras de

erro correspondem ao desvio padrão. Os asteriscos indicam diferenças significativas,

relativamente ao controlo (p<0,05).

-0,10

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

CTL 1,19 1,78 2,67 4,00 6,00 9,00

Mncozeb mg L-1

Lemna minor (biomassa seca)

*

*

*

*

Figura 5. Taxa média de crescimento em L. minor exposta a uma gama de concentrações do

pesticida Mancozeb® e calculada com base na biomassa seca (as concentrações no eixo dos

XX, correspondem a concentrações do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao

desvio padrão. Os asteriscos indicam diferenças significativas, relativamente ao controlo

(p<0,05).

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

29

-20

0

20

40

60

80

100

1,19 1,78 2,67 4,00 6,00 9,00

% In

ibiç

ão d

o c

resc

ime

nto

em

me

ro d

e

fro

nd

es

Mancozeb mg. L-1

Lemna minor (frondes)

Figura 6. Percentagem média de inibição de crescimento em L. minor (número de frondes)

exposta a uma gama de concentrações do pesticida Mancozeb® (as concentrações

correspondem a concentrações do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao desvio

padrão.

0

20

40

60

80

100

120

1,19 1,78 2,67 4,00 6,00 9,00% d

e in

ibiç

ão d

o c

resc

ime

nto

em

b

iom

assa

se

ca

Mancozeb mg L-1

Lemna minor (biomassa seca)

Figura 7. Percentagem média de inibição de crescimento em L. minor (peso seco) exposta a

uma gama de concentrações do pesticida Mancozeb® (as concentrações correspondem a

concentrações do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao desvio padrão.

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

30

0

50

100

150

200

250

CTL 0,03 0,05 0,07 0,11 0,17 0,25

Ati

vid

ade

da

Ace

tilc

olin

este

rase

(m

M.m

in-1

.mg

-1)

Mancozeb mg L-1

Atividade Acetilcolinesterase em Carassius auratus

Figura 8. Atividade média da enzima acetilcolinesterase em C. auratus exposto a uma gama de

concentrações de Mancozeb®, durante 96 h (as concentrações correspondem a concentrações

do princípio ativo). As barras de erro correspondem ao desvio padrão e os asteriscos destacam

diferenças significativas relativamente ao controlo (Dunnett p<0,05).

Durante o período de exposição de 96 h, não se registou a ocorrência de

mortalidade. A atividade da enzima acetilcolinesterase foi claramente inibida em C.

Auratus, após uma exposição de 96 h (Figura 8). O efeito do fungicida sobre este

parâmetro é de certa forma curioso, na medida em que não se observou uma resposta

progressiva, mas sim um decréscimo abrupto na atividade enzimática dos organismos.

A análise de variância de uma via comprovou assim que houve uma inibição muito

significativa da atividade desta enzima (F=64.74; d.f. 6,37; p<0.001) que ocorreu a

partir da concentração de 0,07 mg L-1 de Mancozeb®, quando comparada com o nível

de atividade registada no controlo. Como NOEC e LOEC para estes valores, podem

indicar-se as concentrações de 0,05 e 0,07 mg L-1, respetivamente.

A figura 9 representa os resultados obtidos para a exposição de D. rerio a

diferentes concentrações de Mancozeb®, durante 96 h. A mortalidade no controlo foi

igual a 5% em todas as réplicas, pelo que o ensaio foi considerado válido. A

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percentagem de embriões mortos foi significativamente superior ao controlo, apenas

na concentração mais baixa (0,02 mg L-1), o que se pensa que terá sido um efeito que

ocorreu por acaso e não provocado pelo pesticida (F=3,65, d.f. 20, 29, p=0,07). Os

primeiros efeitos sub-letais foram registados também a partir desta concentração, na

medida em que se registou uma redução muito significativa da percentagem de ovos

que eclodiram em todas as concentrações testadas relativamente ao controlo (Dunnet:

p<0,01). Assim, diferenças muito significativas foram registadas quer para o parâmetro

eclosão (F=3,65, d.f. 20, 29, p=0,07) quer para a ocorrência de anomalias (F=71,24,

d.f. 20, 29, p<0,01) entre tratamentos. Contudo, e apesar deste atraso na eclosão, a

grande maioria dos embriões estava vivo no final do ensaio. No que refere à

ocorrência de anomalias visíveis nos embriões, estas foram significativas a partir da

concentração de 0,23 mg L-1 de Mancozeb® a qual corresponde assim a um valor de

LOEC. O NOEC determinado correspondeu à concentração de 0,13 mg L-1. Uma vez

que a partir desta concentração houve um aumento progressivo da percentagem de

embriões com anomalias, chegando a atingir um valor igual ou superior a 80%, nas

três concentrações mais elevadas, foi possível obter um valor de EC50 para este

parâmetro (Tabela 3), o qual, em termos de parâmetros sub-letais, coloca esta espécie

entre as mais sensíveis das que foram testadas. As figuras 10 (a a h) demonstram

alguns exemplos das graves anomalias registadas, nomeadamente crescimento

retardado (e), má formação na notocorda (b, d, f) e edema no saco vitelino (c, g).

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

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0,0

2,0

4,0

6,0

8,0

10,0

12,0

14,0

16,0

18,0

20,0

CTL 0,02 0,04 0,07 0,13 0,23 0,42 0,76 1,36 2,45

me

ro m

éd

io d

e e

mb

riõ

es

Mancozeb mg L-1

D. rerioMortos

Anomalias

Eclodidos

**

Figura 9. Percentagem média de embriões de D. rerio mortos, com anomalias e eclodidos após

exposição de 96 h a uma gama de concentrações de Mancozeb® (as concentrações

correspondem ao princípio ativo). As barras de erro representam o desvio padrão em relação

aos valores médios. Os asteriscos destacam diferenças significativas relativamente ao controlo

(Dunnett p<0,05).

A figura 11 representa a curva de distribuição de sensibilidade das espécies,

obtida após ajuste de um modelo matemático log-normal aos valores de EC50 obtidos

com base em protocolos padronizados. A partir desta curva foi possível estimar o valor

da concentração perigosa (do inglês: hazard concentration) para 5% das espécies e

respetivo intervalo de confiança a 5%: HC5= 0,121 mg L-1 (CI95%: 0,012-1,183). A

tabela 4, apresenta ainda os valores de PNEC calculados com base no valor de HC5

estimado, e ainda com base na aplicação dos fatores de avaliação. Os valores obtidos

são semelhantes, i.e. da mesma ordem de grandeza, na medida em que, no caso do

PNEC estimado a partir do valor de HC5, se optou por aplicar o fator máximo previsto

(5), pois o HC5 foi estimado com base em valores de EC50 e não de NOECs, e ainda

porque se usou a medida de tendência central e não o intervalo de confiança de 50%,

tal como previsto. No caso do valor de PNEC estimado com base nos fatores de

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33

avaliação, aplicou-se um fator de 10, ao valor de EC50, mais baixo obtido, que

corresponde ao estimado para D. rerio.

Tabela 4. Valores de PNEC calculados para a substância comercial Mancozan®, e expressas em termos da concentração do seu princípio ativo, determinados com base na metodologia proposta pela Comissão Europeia para novos compostos químicos (EC, 2003).

PNEC baseado no HC5 (fator de 5)

PNEC baseado nos fatores de avaliação

(fator de 10)

Concentração de Mancozeb® (mg. L-1)

0,024 0,033

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Figura 10. Imagens microscópicas dos embriões de D. rerio após 96h de exposição ao

pesticida Mancozeb®: a: CTL sem malformações; b: embrião exposto a 0.02mg L-1

com

malformação na notocorda; c: embrião exposto a 0.04 mg L-1

não eclodido com edema do

vitelo; d: embrião exposto a 0.13 mg L-1

com malformação na notocorda; e: embrião exposto a

0.42 mg L-1

com malformação na notocorda/escoliose, atraso no crescimento; e: embrião

exposto a 1.36 mg L-1

com malformação na notocorda, escoliose e atraso no crescimento; g e

h: embriões expostos a 2.45 mg L-1

, eclodido e não eclodido, com atraso no crescimento e com

anomalias diversas.

a b

c

d

e

f

g h

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L. minor (frondes)

R. subcapitata

D. magna

D. rerio

L. minor (peso seco)

V. fischeri

0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

0.6

0.7

0.8

0.9

1

0.01 0.10 1.00 10.00 100.00 1000.00

Pro

po

rção

de e

sp

écie

s a

feta

da

Mancozeb mg L-1

Central Tendency

Figura 11. Curva de distribuição de sensibilidade das espécies a Mancozeb®, obtida após

ajuste do modelo linear log-normal aos valores de EC50 obtidos para as diferentes espécies

testadas, seguindo protocolos padronizados. A distribuição permitiu a determinação da

concentração de perigo (do inglês: HC5 - hazard concentration) que afeta 5% das espécies

HC5

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

36

4. Discussão

O presente estudo vem contribuir com um conjunto de dados ecotoxicológicos para

espécies aquáticas não-alvo, para o pesticida Mancozan® (princípio ativo: Mancozeb®),

largamente utilizado em Moçambique, assim como em países Europeus, como

Portugal. Os dados foram obtidos para a substância comercial, na medida em que se

considera serem de maior relevância, já que o princípio ativo não é aplicado de forma

direta nas culturas. A existência de informação ecotoxicológica para este pesticida é

vasta, como pode ser observado na base de dados PANPESTICIDE3, contudo nem

sempre foi obtida com recurso a protocolos padronizados, e apresenta uma grande

variabilidade entre espécies. Do mesmo modo, e não obstante as preocupações

levantadas pelos efeitos evidentes deste agroquímico, nunca se efetuaram esforços no

sentido de integrar os dados existentes para determinar limites de risco (Valores de

PNEC) para este composto ou para a sua substância comercial. Este trabalho cumpriu

ainda a sua função didática de iniciar um estudante do mestrado em Gestão e

Qualidade da Água na avaliação de risco de compostos químicos, o qual poderá vir a

contribuir para a formação de técnicos nesta área, no seu país de origem.

A toxicidade dos pesticidas da classe dos ditiocarbamatos, tal como o

Mancozeb®, é já claramente conhecida (Rath et al., 2011), contudo, e apesar de já ser

reconhecido como muito nocivo para os organismos aquáticos (Bayer Crop Science,

2014), este pesticida continua a ser largamente utilizado, primeiramente porque a

Organização Mundial de Saúde classificou-o como fazendo parte dos compostos com

baixa probabilidade de causarem efeitos agudos em humanos nas doses normalmente

usadas (Maroni et al., 2000) e, mais recentemente, porque é considerado um

composto pouco persistente e de baixa mobilidade no solo (Bayer Crop Science,

3 http://www.pesticideinfo.org/Detail_Chemical.jsp?Rec_Id=PC35080, acedido em Agosto de

2014.

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Pesticida Mancozeb®: Determinação de limites de risco ecossistemas aquáticos 2014

37

2014). Contudo, dada a sua elevada toxicidade que ocorre em concentrações bastante

inferiores às que são aplicadas no ambiente, não se pode ignorar a possibilidade de

este composto poder facilmente e rapidamente atingir os sistemas aquáticos, através

de escorrências superficiais, afetando organismos de diferentes níveis tróficos. Com

base nos dados de toxicidade obtidos no presente estudo, as espécies animais foram

claramente mais sensíveis, sendo que uma análise meramente numérica dos valores

de EC50 coloca as espécies testadas pela seguinte ordem decrescente de

sensibilidade: C. auratus > D. rerio > D. magna. No entanto, considerando que o

parâmetro avaliado nos cladóceros foi a mortalidade/imobilização, pode-se afirmar que

os invertebrados são certamente mais sensíveis que as duas espécies de vertebrados

testadas neste estudo. Tal afirmação resulta do facto de não se ter registado

mortalidade para as duas espécies de peixes, em concentrações equivalentes ao valor

de EC50 registado para D. magna às 48 h. Por este motivo, a entrada deste pesticida

nos sistemas aquáticos, além dos efeitos diretos reportados, poderá ter igualmente

efeitos a nível do controlo da biomassa algal, na medida em que vai afetar, de forma

significativa, consumidores primários e secundários. No que refere aos produtores

primários, a alga verde R. subcapitata foi menos sensível que L. minor. O valor de

EC50 obtido para a espécie algal neste estudo foi 8,52 mg L-1, o qual é superior ao

reportado previamente por Ma et al. (2007) (EC50=1,75 mg L-1). Este facto é

demonstrativo da elevada variabilidade que existe entre os dados reportados para este

pesticida.

Os mecanismos de ação dos ditiocarbamatos, especialmente para espécies

animais, são já bem conhecidos, cujos estudos foram revistos por Rath et al. (2011) e

biblografia por ele citada. Assim, entre outras formas de ação, destaca-se:

A ligação a outras moléculas com grupos SH, como as proteínas, péptidos e

enzimas, formando complexos disulfídicos mistos e modulando a ação destes;

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A ligação covalente a resíduos de cisteína dos centros ativos de enzimas,

alterando a sua atividade;

A ação como agentes oxidantes, estimulando a formação de radicais livres por

ação do Cu e através da alteração do balanço entre glutationa oxidada (GSSG)

e reduzida (GSH) nas células, provocando uma redução da primeira forma

desta enzima, com um papel importante no combate ao stress oxidativo nas

células;

Inibição de acetilcolinesterases (AChE), enzimas com um papel importante na

degradação do neurotransmissor acetilcolina. Sem degradação deste

neurotransmissor e limpeza das fendas sináticas, a transmissão do impulso

nervoso é afetado, dando origem a neuropatias.

Disrupção endócrina.

No que refere à ação do pesticida sobre as enzimas AChE, o presente estudo é

talvez um dos primeiros a confirmá-la, na medida em que estudos anteriores ainda não

o haviam feito. Um estudo recente de Kubrak et al. (2012) não registou qualquer

inibição da atividade desta enzima em peixes da espécie C. auratus expostos a uma

concentração máxima de 3 mg.L-1, durante 96 h. No presente estudo, não só se

registou uma inibição da atividade de AChE para concentrações bem inferiores do

pesticida (>=0,07 mg L-1), assim como se observou uma resposta abrupta para este

parâmetro.

Relativamente aos invertebrados, outros autores reportaram ainda atrasos no

desenvolvimento e malformações em larvas do lepidóptero Spodopetera exigua

(Hübn) (Adamski e Ziemnicki, 2004) e em larvas do nemátode Caenorhabiditis elegans

(Easton et al., 2001), assim como mortalidade em colêmbolos, ácaros e diplópodes. O

que demonstra assim que o Mancozeb® persiste no solo tempo suficiente para causar

efeitos.

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As malformações observadas no presente estudo em D. rerio, estudos anteriores

atribuíram com frequência a sua origem, não ao Mancozeb®, mas sim ao metabolito

resultante da sua degradação (etileno-tioureia – vulgarmente conhecido por ETU), ao

qual a Organização Mundial de Saúde atribuiu propriedades carcinogénicas e

teratogénicas (WHO, 1988 in Calviello et al., 2006). Contudo, Calviello et al. (2006),

demonstraram que o Mancozeb®, e não o seu metabolito, é capaz de originar danos

no DNA de células de ratos, avaliados por quebras nas cadeias de DNA, assim como,

de induzir a apoptose das células. Os danos no DNA observados por estes autores,

ocorreram após 1 h de exposição e foram coincidentes com a formação de adutos de

DNA e com a formação de radicais livres de oxigénio. O que levou a que os autores

sugerissem a possibilidade de o stress oxidativo estar na base dos efeitos observados.

Outros autores reportaram anomalias no desenvolvimento de embriões D. rerio

expostos a um outro pesticida do grupo dos ditiocarbamatos (Sodium Metam®),

semelhantes às observadas no presente estudo (Haendel et al., 2004). As

malformações registadas por estes autores ocorreram fundamentalmente ao nível da

notocorda. A notocorda é um eixo primário nos embriões, que determina a formação

de e a diferenciação de outros tecidos. De acordo com estes autores, as substâncias

tóxicas que afetam a formação desta estrutura dão origem a deformações

permanentes no esqueleto, a anomalias nos músculos e a disfunções neuronais

(Haendel et al., 2004). No presente estudo, esta e outras anomalias, foram registadas

de forma significativa a partir da concentração de 0,23 mg L-1 de Mancozeb®, o que

mais uma vez se considera uma concentração baixa e ecologicamente relevante. Tal

como no estudo de Haendel et al. (2004), a mortalidade registada nos organismos não

foi significativa, para praticamente todas as concentrações testadas, contudo, em

condições naturais, as anomalias apresentadas comprometeriam a viabilidade dos

embriões, na medida em que os mesmos iriam ter sérias dificuldades para se deslocar

e se alimentarem.

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Múltiplos estudos demonstraram já que a toxicidade dos diferentes tipos de

pesticidas não se restringe apenas ao grupo alvo de organismos para o qual foi

produzido (e.g. Dias, 2012), e no caso particular do Mancozeb® isso registou-se uma

vez mais, pois apesar de se tratar de um fungicida, foram observados efeitos

significativos para bactérias, animais, algas e plantas. Contudo, e neste caso

particular, tal como já foi referido, quer R. subcapitata, quer L minor foram menos

sensíveis ao pesticida. Na verdade este pesticida é mesmo considerado como não

fitotóxico para plantas terrestres quando aplicado nas doses recomendadas, o que não

está muito de acordo com as observações efetuadas no presente estudo.

Os mecanismos de toxicidade de Mancozeb® em plantas são pouco conhecidos,

contudo, sabe-se que pesticidas do grupo dos etileno-bis-ditiocarbamatos, transforma-

se em etileno-di-isotiocianato que inativam grupos tiol (-SH) de enzimas e outros

metabolitos celulares nos fungos (Dias, 2012), pelo que a sua ação sobre enzimas nas

células das plantas, é certamente uma possibilidade. Mecanismos de stress oxidativo

são igualmente uma possibilidade, assim como alterações no processo respiratório, já

reportadas por Dias (2012) na sua revisão sobre a fitotoxicidade de fungicidas (Untiedt

and Blanke, 2004 in Dias, 2012). Mais recentemente, Pereira et al. (2014)

demonstraram que a exposição de folhas de alface expandidas (Lactuca sativa) a

Maconzeb®, promove alterações no metabolismo dos aminoácidos, do ascorbato e dos

açúcares, entre outros efeitos, assim como uma ativação dos mecanismos de proteção

contra o stress oxidativo.

Os valores de PNEC obtidos para Mancozeb® neste estudo, sugerem que a

utilização deste composto químico no ambiente deve ser controlada de uma forma

mais apertada, dada a sua elevada toxicidade, e posteriores impactos nos

ecossistemas de água doce. Apesar de o número de dados de toxicidade obtido neste

estudo ser ainda reduzido, os dois valores estimados, são muito semelhantes, pelo

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que podem ser utilizados como um limite de risco preliminar, para a avaliar os riscos

resultantes da presença deste pesticida nos ecossistemas de água doce.

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5. Conclusão

O presente estudo procurou colocar em prática as ferramentas disponíveis para a

avaliação de risco de novos compostos químicos, as quais podem vir a ser estendidas

a outros países. Contudo, e para que as mesmas fossem completamente eficazes, no

que refere à proteção dos ecossistemas regionais, seria importante que os ensaios

fossem realizados com espécies nativas e em condições de exposição representativas

às que aí ocorrem. Contudo, e até que isso venha a ser possível, os limites de risco

determinados com base em espécies padrão, podem ser de grande utilidade.

Este estudo veio reforçar uma vez mais as preocupações relativas ao fungicida

Mancozeb®, o qual continua a ser aplicado no ambiente em doses bastante superiores

às que causam efeitos tóxicos acentuados em diferentes espécies de organismos.

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