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facebook.com/reveracidade
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Voltar ao Centro Cultural São Paulo agora é, para nós, ir
a um outro lugar diferente daquele de quatro ou cinco meses
atrás: o Djalma e a Marisa nos sorriem, Eliasé sempre cuidando
dos jardins faz alguma piada de passagem, as agendas com a
programação do mês revelam muitos nomes envolvidos na sua
elaboração. E pessoas atrás desses nomes.
O projeto REVER - A cidade como lugar imaginado para
viver, nasceu antes de tudo de uma relação afetiva nossa com o
CCSP. Nesse sentido, sua arquitetura e espaços, as pessoas e os
encontros começaram a ser revistos primeiro por nós, antes
mesmo do começo do projeto com o público. Nossa relação
com o espaço se estreitou ao longo desses meses, por termos
descoberto parte da engrenagem humana que faz o CCSP
funcionar e conhecido alguns cantos secretos e lugares que
ainda não tínhamos ido ou de onde e para onde não havíamos
olhado antes.
Desde o início, quando a Aninha nos apresentou para os
funcionários das diversas áreas, encontramos uma grande
disponibilidade e abertura para nos ajudar no processo de
produção do projeto.
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Umas das primeiras pessoas que conhecemos foi o
Ednei, a Priscila e o Gabriel, do Arquivo Multimeios, que nos
apresentaram um acervo fantástico e pouco conhecido e
explorado pelo público do CCSP. Eles nos mostraram materiais
sobre arquitetura, circo, cinema pornô, cultura de massa (para
citar apenas alguns). Um universo se abriu para nós.
Começamos a pesquisar. Todos foram solícitos e carinhosos e
nos ajudaram a definir um recorte para nossa pesquisa, pois
ficamos perdidas diante de tantas possibilidades. Depois de
pesquisar muito, conversamos com a Coordenadora da Divisão,
a Marta, que também nos recebeu e orientou prontamente.
No REVER, o público se guiaria a partir de um caderno
de roteiros e sugestões de lugares para ir, coisas para fazer e
pessoas para conversar, e esse caderno também serviria para
anotações durante esses percursos (ao todo foram oito
percursos diferentes). Depois de muitas ideias e sugestões
vindas das reuniões com a Divisão de Ação Cultural e Educativa
(DACE), decidimos inserir dentro das agendas do mês do CCSP
algumas páginas que seriam um caderno de anotações e
Marta Regina Paolicchi
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“roteiros”. Para isso precisaríamos da autorização da Divisão de
Informação e Comunicação (DIC). Assim, conhecemos a
Solange, a Emi e a Juliene, de onde surgiu uma parceira muito
feliz para realizar a diagramação e organização do
conteúdo que seria inserido nas agendas.
Para finalizar esse
processo, era necessário
grampear todas as agendas. E
aí que entram na história o
Sérgio, o Paco e todos os
funcionários da gráfica.
Pessoas incríveis que nos
ajudaram e nos ensinaram
sobre o processo de
impressão, montagem e
acabamento da agenda.
Pessoas cujas “histórias se
misturam com a história do
lugar”. E que nos fizeram olhar
para a matéria humana
envolvida no processo de
produção das coisas que
normalmente nos chegam
prontas. Mais um universo se
abriu. Ali, de fato, parecíamos
estar na engrenagem, aquilo que está escondido e faz as coisas
se movimentarem. E descobrir como essa engrenagem
funciona foi meio magico até: quando descemos naquele
subsolo (que fica na altura da Avenida 23 de Maio), o
funcionamento do espaço se desvela ao corpo: funcionários de
vários setores caminham com seus materiais de trabalho e ali
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se “escondem”, mas sem a sua presença
invisível muita coisa não aconteceria. E isso,
quase nunca é percebido, dito ou visto.
Aliás, a invisibilidade é comum para
certas funções exercidas. Como a limpeza,
a segurança, as pessoas que ficam na
recepção do guarda-volumes, do Arquivo
Multimeios, liberando as entradas, fazendo cadastro e
anotando os números dos RGs. Para nós, a participação destes
funcionários no projeto, direta e indiretamente, era
fundamental. Foi por isso que conhecemos a Marisa, o Márcio,
a Fátima que trabalham em algumas das recepções e a Gorete
que trabalha na limpeza. O segurança Djalma. A invisibilidade
está pautada pelos papéis sociais que estas pessoas vivem, uma
vez que mesmo com todos os vidros e transparências do
espaço do CCSP, elas não são notadas. Em muitas de nossas
conversas com alguns deles, eles
agradeciam por fazerem parte do projeto
e por serem vistos para além de seus
uniformes. Mas não tinha de quê, nós que
ficávamos a cada dia agradecidas pela
geneorisadade de cada um deles.
Numa dessas conversas com a
Gorete, por exemplo, ela disse que os
vidros do Centro Cultural impossibilitavam que ela descansasse
um pouco sem que a encarregada visse – de novo a arquitetura
do espaço regendo as relações. Ela perguntou o que eram os
desenhos no vidro e, ao saber que era sobre uma cidade e
questionada sobre o que seria importante pra ela numa cidade,
de pronto respondeu: a limpeza. “Não é puxando pra minha
Marisa Silva, Márcio
Santiago, Fátima Cristina /
Gorete não trabalha mais
no CCSP e por isos não
soubemos seu sobrenome
/ Djalma Guedes.
Marisa Silva ajudando as
crianças do CCA Pedreira –
Mar Paulista a descobrirem
onde fica a horta do CCSP,
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área não, mas acho que é importante mesmo”. Contou que
nasceu numa cidade do Ceará, perto de Juazeiro (do Norte a do
Pe. Cícero, não a da Bahia) e que lá na sua cidade natal as
pessoas não jogavam lixo no chão. Não era uma cidade suja e
bagunçada como São Paulo. Para ela, São Paulo é assim porque
as pessoas não são ensinadas a dar valor pro lugar onde
nasceram. Mas ela ensina seus filhos e netos a darem valor às
coisas, porque ela não quer vê-los sujando as ruas por aÍ. Já
Antonio dos Santos, que também veio da Bahia e trabalha na
manutenção, acha que, embora precise de muita coragem pra
viver em São Paulo, é o melhor lugar que encontrou para viver
e ganhar dinheiro.
Ainda durante a produção do projeto,
fomos conhecer a discoteca Oneyda
Alvarenga. Conhecíamos a discoteca, mas
nunca tínhamos ido lá e, novamente, foi uma
grande descoberta. Já entrando no clima das
nossas propostas, pedimos ao funcionário
que estava lá que sugerisse alguma coisa que
ele gostava para ouvirmos (era um funcionário
‘convocado’, que não está sempre lá e por isso não o
encontramos mais). Mas o que ele mais gostava
de ouvir não tinha no acervo da discoteca,
não existe em LP: abriu o youtube no celular e
nos apresentou uma cantora sertaneja
chamada Bruna Viola, “que me pegou de
paixão”, disse ele. Depois nos ajudou a
escolher alguns discos aleatórios e ouvimos
na vitrola Quinteto Armorial e Wando. Nada
como o barulho da agulha na pausa entre
uma música e outra...
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O mesmo aconteceu quando fomos à biblioteca e a
Carmen nos indicou vários livros de poesia e contos e nos
ajudou a encontrar e separar os livros que selecionamos.
O mais curioso e mais difícil foram os encontros que
tivemos com algumas pessoas que frequentam o CCSP, como o
Nelson e o André, que há tempos frequentam o CCSP para
jogar xadrez. Tivemos uma longa conversa com os dois para
tentar entender como eles vivenciam e veem aquele espaço.
Para eles, a convivência (depois do xadrez) é o principal motivo
que os leva até lá, embora eles tenham demonstrado não
entender muito bem “como que, numa terça feira às 17h da
tarde as pessoas estão aqui dançando”. Eles também
disseram que acham que a dança ali naquele espaço agrega
muito mais as pessoas do que o xadrez, que é uma atividade
mais individual, introspectiva e competitiva. Um outro dia
também conversamos com a Shun, integrante do grupo KNGR
que ensaia Kpop. Ela nos contou que vários grupos que usam
aquele espaço para ensaiar e que, por mais que haja sim certa
disputa, eles se articularam para organizar concursos e eventos
no próprio Centro Cultural.
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Notamos que o nosso olhar sobre este espaço talvez
fosse um pouco utópico: achávamos que estar no CCSP era
estar disponível ao encontro, mas, ao longo desses dois meses,
fomos percebendo que não é necessariamente assim. As
pessoas vão até lá geralmente com objetivos muito bem
definidos (e namorar, esperar o tempo passar ou ficar de papo
pro ar podem ser objetivos bem determinados) e com o tempo
às vezes contado, às vezes de passagem e, por isso, nem
sempre tão abertas ou tão dispostas.
No começo íamos às mesas das pessoas que estudavam,
nos bancos onde grupos se reuniam e na fila da biblioteca para
convidar as pessoas a rever com a gente. Muitas até se
interessavam, mas não: agora não vai dar, vamos fazer um
trabalho, vou estudar para um concurso, vestibular, ensaio de
peça, aula, mil outros compromissos (ou desculpas). Nosso
primeiro público (além do público interno) foi de pessoas que
estavam de passagem, que estavam lá pela primeira vez, ou
pessoas como o Samuel Pimentel que, mesmo se preparando
para um concurso, resolveu participar por curiosidade e depois
voltou outas vezes.
Essa prática de abordar as pessoas para convidá-las a
participar do projeto era nova para a gente e não nos deixava
muito à vontade. Foi aí que percebemos que talvez as pessoas
ao participarem da nossa proposta pudessem sentir o mesmo
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desconforto em se aproximar e abordar o outro. Seria muita
ingenuidade esperar que pessoas desviassem seus caminhos,
estudos, planos, horas marcadas ou tempos livres rumo ao
desconhecido? Nós, enquanto público, quantas vezes nos
dispusemos ao desconhecido e quantas vezes o negamos?
Consideramos então que não estávamos confortáveis
nesse papel de abordar as pessoas e que, embora tenha
rendido alguns encontros e conversas muito boas, essa
estratégia não estava funcionando tão bem, justamente pelo
fato de as pessoas já estarem com planos definidos.
Consideramos também que rever nossas estratégias e ações era
parte do imprevisto previsto pelo nosso projeto e pelo edital no
qual ele foi selecionado. Camila Davanzo, que participou do
encontro com os alunos de dança da ETEC de artes, nos fez
pensar sobre isso depois, quando trouxe essa reflexão sobre
sua própria participação enquanto público: era necessário
repensar a forma de abordar as pessoas quando percebia
que algum outro jeito não tinha funcionado. Era
necessário se rever.
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E, embora no primeiro mês tenhamos tido uma
participação pequena do público, chegando a dois dias em que
não apareceu ninguém, tivemos momentos e conversas muito
ricas que nos mantiverem acesa a vontade de continuar
tentando e arriscar mais outras estratégias de aproximação
com o público.
Entendendo um pouco melhor os usos do CCSP pelo
público e revendo nossas estratégias de ação, conseguimos
também rever o espaço do CCSP, o que se desdobrou numa
ressignificação da sala da DACE.
Conforme o vidro da sala da DACE foi ganhando vida, a
cidade imaginária tomando forma, e as pessoas o viam sendo
desenhado, passaram a se aproximar para descobrir o que era.
Nem sempre podiam ficar, mas às vezes voltavam, às vezes
participavam da proposta no mesmo instante. E assim,
bastante inspiradas no trabalho O Vínculo, do artista Maurício
Ianês, pensamos em rever também o uso do espaço da sala:
deixar as duas portas abertas, oferecer chá e bolachinha,
oferecer o uso da sala como lugar de descanso e não de estudo,
como muitos gostariam, colocar uma música e tornar o espaço
mais descontraído para também nos sentirmos mais à vontade
nele. Isso também serviu para aproximar as pessoas. E trazer
uma outra vivência para um espaço que se propõe como
espaço da Ação Educativa e por isso já sugere um espaço de
troca e diálogo, mas que, por ser novo, estava muitas vezes
fechado.
No segundo mês o fluxo de pessoas se tornou mais
dinâmico e o interesse delas em saber o que acontecia ali,
também. Dois meses foram bem pouco para a execução do
projeto: o primeiro mês foi mais de experimentações e depois,
11
quando o projeto
estava começando a
se consolidar, quando
já estávamos mais à
vontade com aquele
espaço e com as
pessoas e quando as
pessoas estavam
começando também
a se familiarizar
com ele, acabou.
Achamos que um
período maior de
execução do projeto poderia dar conta de uma maior
apropriação do espaço e maior diálogo com o público e com os
outros projetos deste mesmo edital.
Durante os encontros descobrimos muitas coisas sobre
o CCSP, sobre a cidade, sobre relações, sobre nós, sobre as
pessoas. A Juliene, funcionária há cinco anos do CCSP que
trabalha na DIC, nos contou que, apesar de se empenhar muito
na divulgação da discoteca, nunca tinha ido antes lá escutar um
disco. Ela nos mostrou um “segredo” da arquitetura do CCSP,
que embora não seja muito escondida é pouco percebida. Que
é esta estrutura que não sabemos nomear, algo entre teto e
janela em frente ao Jardim Luiz Telles, que permite ver
fragmentos das árvores enquanto vamos adentrando o CCSP,
até que elas se mostram por inteiro quando já estamos dentro
por inteiro <imagem a seguir >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>
Conversa durante o primeiro
encontro, no dia 08/03/15. Com
Samuel Pimentel e Carolina
Apolinário nos perguntamos: por
onde começar uma cidade?
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Um dos encontros que mais nos marcou foi quando
recebemos as crianças do projeto Diálogos poéticos em educação e
arte contemporânea, da Favela do Moinho, no dia 07 de abril. Com
elas, não conseguimos usar as agendas e roteiros como
costumávamos propor, pois elas estavam muito agitadas e era difícil
reuni-las para conversar. Elas vivenciaram e exploraram o espaço da
forma como escolheram: conversaram com alguns funcionários,
rolaram na grama do jardim suspenso, cheiraram as plantas na horta,
bateram na porta da casa das abelhas para ver se tinha alguém. Na
ocasião, a obra avistador de passarinhos, da artista Ana Mazzei,
encontrava-se lá no jardim. Era uma escada. Que não levava a lugar
nenhum? O que tem lá em cima? Lugar para tirar selfie? Subimos lá
com alguns garotos e, vendo a Av. 23 de Maio bem de cima, eles
disseram que parecia uma floresta.
- Uma floresta
com um monte
de carro passando
no meio?
- É mesmo, não
tem borboleta.
Nem passarinho.
- Olha, um
passarinho ali!
- Dois! Três!
- Outro ali, cinco!
14
Não foi preciso dizer que aquela escada era uma obra de
arte, que se chamava avistador de passarinhos, ou preencher
aquele espaço de entendimento com palavras educativas nas
quais geralmente nos apoiamos para justificamos os sentidos
das coisas: ressignificar, descontextualizar, desmistificar,
deslocar. Era vivenciar, perceber as relações que as coisas que
estão no mundo nos propõem ou como se propõem a quem as
vê ou repara pela primeira vez.
No dia 08 de março, tivemos uma longa conversa com a
Giuliana Oliveira, que viveu parte da vida no sertão sergipano e
nos contou como se espantou quando seu namorado, que é
paulistano, descobriu que a lua também nasce, ao vê-la
surgindo nas margens do Rio São Francisco. Foi espantoso para
nós também ao darmos conta de como nos acostumamos a não
termos mais horizontes na nossa cidade...
Desde o começo, tínhamos muita vontade de que os
funcionários do CCSP pudessem participar do nosso projeto, em
especial os funcionários terceirizados. Pensávamos no quanto
as pessoas que trabalham em um lugar são público desse lugar
e também o conhecem através de recortes que passam
despercebidos para os outros: quando chove tem alguém que
tira água acumulada no jardim pra não dar mosquito, enquanto
15
Convite aos
seguranças
do CCSP a
participarem
do REVER.
outro rega as plantas sempre que não chove; alguém divulga a
programação no facebook, enquanto outro grampeia todo o
material gráfico e outro confere os livros que saem da
biblioteca. Interessava-nos saber como cada um via aquele
espaço e de quais formas o usavam.
No nosso plano de trabalho inicial tínhamos, a princípio,
reservado alguns dos primeiros dias um horário diferenciado
para que fosse viável a participação dos funcionários que
tivessem interesse, sem que fosse necessário abandonar seus
postos e funções (pois isso parecia ser bem difícil). No entanto,
não pudemos realizar atividades nesse horário por não estar
dentro do horário de funcionamento do CCSP, como era
previsto pelo edital. Então, em abril, passamos conversar com
alguns funcionários, explicar a eles o que estávamos fazendo e
convidá-los a participar do projeto mesmo que fosse quando
não estivéssemos lá (deixamos um caderno de percursos com
eles para que os fizessem quando pudessem se quisessem
fazer).
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Jean e Antônio, que trabalham na manutenção,
participaram do encontro no dia 15 de abril. No começo eles
estavam bem tímidos, principalmente ao entender a proposta
acharem que não poderiam fazê-la, pois tinham dificuldades
para ler. Esquecemos de dizer antes que a leitura do mundo
precede a leitura da palavra. Os acompanhamos pelo percurso
e, aos poucos, ficaram mais à vontade. Eles ouviram uma
música nas paradas sonoras e disseram que era uma música de
pessoas mais antigas. Para eles, uma cidade construída a partir
daquela música seria uma cidade tranquila, sem muita
confusão, feita para
pessoas mais maduras.
'Mas então, a nossa
cidade que não é
tranquila, não é para
pessoas mais antigas? ‘
‘Se tiver gente mais
jovem não tem tanta
tranquilidade, mesmo se
for uma cidade antiga’.
E ficamos lembrando dos
semáforos apressados de
São Paulo, feito para pessoas de passos largos que passam por
eles sem nenhuma tranquilidade...
Antônio também contou que “arranha algumas coisas”
no violão e que quando era solteiro gostava muito de ir pro
forró pra dançar, mas ali, no lugar onde trabalha não teve
coragem de dançar com algum desconhecido (como
propúnhamos). Ele nos contou ainda que gosta de pesquisar
sobre a vida de artistas e que gosta muito do Zé Geraldo (que,
17
segundo ele, virou músico porque não deu certo no futebol) e
da música “Senhorita”.
Durante o mês de produção, conversamos com
responsáveis das áreas que estariam diretamente envolvidas no
nosso projeto para que os funcionários da limpeza soubessem
que o vidro desenhado não seria limpo por dois meses; os da
recepção não estranhassem quando pessoas começassem a
procurá-los perguntando coisas incomuns e os seguranças
estivessem avisados que algumas pessoas com crachás
estariam autorizadas a acessar áreas do CCSP nem sempre
acessíveis ao público. Também falamos diretamente com
alguns desses funcionários, mas no dia seguinte ou em outro
horário não eram os mesmos que estavam lá, o que dificultava
essa ação mais direta. Logo que começamos, notamos que as
informações não haviam chegado isso muitas vezes dificultou
alguns percursos, muito embora estes estivessem sujeitos ao
imprevisível.
Victor Souza, que participou do encontro no mesmo dia
que o Antônio e o Jean, foi quem trouxe pela primeira vez a
reflexão sobre a definição, uso e conceito de jardim. Juntos,
nos perguntamos se jardim é ou não para entrar e recorremos
à origem etimológica da palavra, que pressupõe algo fechado,
cercado. Nesse dia entendemos que, em geral, jardim não é um
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lugar para ser pisado ou ocupado por pessoas, mas um lugar
para ser cuidado e cultivado por elas (muito embora os
próprios jardins suspensos do Centro Cultural não caibam nessa
definição). Num outro encontro, a Priscila Oliveira, estudante
de dança da ETEC, sentou-se debaixo de uma das árvores do
Jardim Luiz Telles e logo foi interpelada por um segurança
dizendo a ela “não pode sentar aí não”. Jardim pode entrar?
Jardim pode sentar? E por que não? Aí, a discussão girou em
torno dos nãos que preenchem os espaços e o quanto eles
podem ser arbitrários ou ter suas razões desconhecidas tanto
por quem tem que obedecê-los como por quem tem a função
de garantir que eles sejam cumpridos. Por que o segurança não
sugeriu outro lugar ou a abordou de outra forma ao invés de
recorrer ao não pelo não, foi à pergunta que Priscila se fez. Por
fim, continuando a discussão sobre jardim com o Leonardo
Bertô, membro da comissão avaliadora desse edital, pudemos
pensar o jardim como um espaço de domesticação da natureza,
que adquire configurações, formas e usos (muitas vezes
decorativos) definidos por e para pessoas.
Talvez seja interessante pensar no sentido de jardim
aliado à reflexão de que nos jardins suspensos do CCSP, além
de haver a possibilidade de entrar e estar neles (uma
transgressão?), num deles há também uma horta comunitária
que contradiz e perturba essa noção intocável do jardim. E
mais: o que significa numa cidade cinza, individualista e
solitária uma horta de cultivo e uso coletivo?
Nesse mesmo dia também tivemos uma conversa com a
Denise Brogiolo, Carol Apolinário e o Alexandre Bispo (todos da
Ação Educativa do CCSP), e a Juliene, funcionária da DIC, sobre
as violências cotidianas que os espaços da cidade nos impõe em
19
coisas pequenas como os imperativos
exaustivamente repetidos no metrô (não fique,
aguarde, deixe, carregue, etc.) num volume muito
alto; a falta de bancos e lugares para sentar/estar
pela rua, na cidade. Ao mesmo tempo, pensamos
sobre como falar em paz pode ser apenas mais uma
forma de apaziguar ou silenciar incômodos.
No dia em que recebemos as crianças da
favela do moinho, o CCSP ficou lotado de presença
de crianças que não deveriam estar tão habituadas
ao consenso silencioso sobre a “boa conduta” para
se (com)portar em espaços públicos. Os seguranças
em estado de alerta com seus rádios na mão: não
existia cercas nem para o corpo e nem para a voz
delas, de longe eram ouvidas e percebidas e
tomavam conta de todos os espaços. Pararam para
assistir a um casal que ensaiava uma peça e foram
abordadas de forma desnecessariamente ríspida
(para não dizer grosseira) por uma segurança
preocupada com o bloqueio da passagem sobre o
piso tátil. Não passava nenhum cego naquela hora e
já tivemos oportunidade de presenciar aquele espaço
muito mais cheio, por muitas pessoas dançando ao
mesmo tempo, inclusive sobre o piso tátil, mas foi a primeira
vez que vimos aquela reação. Depois, na nossa tentativa de
pedir a que eles não corressem, querendo evitar outros
constrangimentos, o Willian, de no máximo 10 anos, nos disse
que não podia correr em lugar nenhum “não pode correr na
rua porque vão pensar que a gente é bandido”. Fomos
embora pensando sobre o quanto os espaços públicos também
condicionam padrões de comportamento pelo seu uso e de
Crianças da Favela do
Moinho assistindo e
participando do ensaio
de uma peça que
estava rolando ali no
corredor do CCSP.
20
alguma forma selecionam ou segregam ou acabam por também
conformar aqueles que não estão de acordo com a
domesticação ou constrangimento ao qual submetem nossos
corpos (ou que estão acostumados a uma forma de socialização
diferente dessas incorporadas por esses espaços públicos que
conhecemos), traçando aqui um paralelo à ideia do “convívio
civilizado” trazido pela discussão acerca do jardim e suas
cercas.
Tanto no caso da Priscila quanto no das crianças da
Favela do Moinho, como tantos outros, não caberia
responsabilizar os seguranças se a prática deles se desencontra
da maneira como idealizamos o funcionamento desses espaços
públicos. Caberia antes pensarmos em como esses funcionários
são ou não acolhidos dentro desses espaços e o quanto
pertencem a eles.
No Centro Cultural muitas pessoas se reúnem e muitas
coisas acontecem simultaneamente, sons e ruídos externos por
vezes também acabaram por interferir nas conversas em alguns
momentos, assim como nossas conversas também interferiram
em outras atividades paralelas. Junior Sant’Anna, que
participou da conversa na arquitetura dos encontros acha que
“... aqui acontecem várias coisas ao mesmo tempo e esses
sons diferentes, movimentos diferentes, de certa forma
21
Arquitetura dos encontros:
fechamento e conversa com
o convidado Bruno Perê, no
dia 30/04/15.
eles se relacionam, fazem parte da
identidade do local (...)” e, assim como
Eliana Alves, presente no encontro do dia
19/04, vê nesse espaço do CCSP “várias
vontades individuais que convivem e
formam um espaço coletivo”. Um
espaço usado individualmente é coletivo?
Conviver é só compartilhar de um mesmo espaço?
Essa característica múltipla do CCSP, de se relacionar
com seu entorno e de sua arquitetura que é uma rua, sem
portas nem grades, que está na rua e por ela é atravessado,
contribuiu muito para que as pessoas se aproximassem do
projeto.
A maioria das pessoas que participaram do rever trouxe
uma devolutiva positiva. Muitas apontaram como foi difícil
abordar as pessoas, mas ao mesmo tempo como as respostas
eram diversas e as faziam (e nos faziam) olhar para o outro,
repensar sua forma de se relacionar e interagir com esses
outros com os quais compartilhamos espaços comuns. Das que
aceitavam o desafio, poucas se negavam o risco de tentar.
Algumas observaram como na rua era mais difícil abordar um
desconhecido do que dentro do CCSP. E claro, houve quem não
tivesse coragem de abordar ninguém ou preferiu pular essa
etapa para não interromper o trabalho, os estudos, o namoro
de alguém e inventaram alguma coisa no lugar. Outras nem
inventaram nada. E tudo bem.
Para nossa surpresa também houve quem levasse a
proposta às últimas consequências, como foi o caso da Priscila
Tavares que, por outro entendimento ou um desvio do
22
percurso inicialmente proposto foi parar do outro lado da
Avenida 23 de Maio, onde perguntou aos trabalhadores de uma
obra o que eles estavam vendo e o que já tinham visto de
estranho acontecendo ali. E também a Aninha e o Wellington,
que se dispuseram a tentar aprender um passo de dança com
as pessoas que sempre estão ali ensaiando.
E essas possibilidades de imprevistos estavam previstas
na proposta. Justamente por entender que as pessoas são
diferentes, consideramos o tempo inteiro que esta autonomia
ao caminhar deveria ser mantida, para que a proposta fosse
entendida como possibilidade e não como algo estanque, que
tivesse um jeito certo para seguir. Essa autonomia fazia não só
com que as pessoas pudessem reinventar/interpretar seus
caminhos, como nos deixava sem ter controle ou conhecimento
sobre as escolhas de cada um. A cada encontro, combinávamos
com as pessoas um horário de volta e, enquanto isso, nos cabia
apenas esperar que elas voltassem em algum momento.
Mesmo tentando preservar essa autonomia, justamente
pelo que já foi apontado antes sobre os funcionários nem
sempre saberem o que estava acontecendo ou alguns
eventuais acidentes de percurso, precisamos intervir de alguma
23
maneira, em alguns momentos, ainda que a distância, para que
as pessoas conseguissem acessar alguns lugares.
Ainda assim, o Arquivo Multimeios, que foi um lugar ao
qual dedicamos uma atenção especial (por termos sido
alertadas previamente de que tinha acesso mais restrito ao
público e pouco conhecido e divulgado), foi justamente um dos
lugares que o público mais teve dificuldades em chegar. Esse
não chegar não era necessariamente um problema para a
continuidade do percurso, mas frustrou a expectativa de levar
pessoas até lá e acreditamos que a falta de sinalização tenha
sido um dos principais motivos. Por outro lado, a biblioteca e a
discoteca, e também a gráfica, que nem sempre estiveram
avisadas de que receberiam pessoas “perguntando coisas
estranhas”, foram mais facilmente acessadas mesmo quando
os funcionários não estavam inteirados do que se passava.
Escolhemos alguns lugares por onde cada um dos oito
roteiros passaria, entendendo, entretanto que não
necessariamente todas as pessoas chegariam exatamente a
eles, pois se perder e mudar a direção também faz parte do
caminho. Sempre reforçávamos essa ideia cada vez que
explicávamos a proposta a alguém. Mas ainda que houvesse
espaço para subversão durante os percursos, algumas pessoas
se frustravam quando não encontravam “o lugar certo”. Será
isso um reflexo de uma sociedade que nos impõe, desde a
formação escolar, um desempenho exemplar, na qual o erro
nunca é bem visto ou bem vindo? Talvez por isso, mesmo
quando há espaço para subversão às vezes a busca pelo certo
acaba determinando nossas escolhas.
Até porque, ao colocar dentro do projeto a autonomia
como premissa, estamos também propondo que autonomia
24
Cidade imaginária em processo de construção pelo público do REVER no vidro da sala da DACE: espaço de construção coletiva?
seja algo concedido ao outro. E não é.
Autonomia se constrói e não se concede.
Percebemos isso, lembrando mais uma vez do
artista Maurício Ianês em seu trabalho O
Vínculo. Neste trabalho, no espaço da sala onde
o artista convidava o público a fazer o que
quisesse, com o passar do tempo o que se
encontrava era mais a destruição do que a
construção de algo coletivo e uma das
reflexões que esse espaço nos colocou foi
essa: de como se propor liberdade e
autonomia, sem que haja uma construção
coletiva delas.
Talvez essa seja uma das respostas também para o fato
de aparecerem nos vidros nomes próprios, que demonstram
uma forma de tornar pessoal e/ou individual algo que se
propunha coletivo. Mas para ser coletivo de fato não haveria a
necessidade de ser pensado e construído coletivamente?
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Assim, a proposta de pensar coletivamente uma cidade
imaginária desenhada nos vidros, se tornou, de alguma forma,
um apanhado de intenções e vontades individuais compondo
um todo que seria coletivo. Entendemos então que aquela
cidade que se desenhou era uma cidade fragmentada onde os
desenhos, ou por respeito ou por desconhecimento, não se
conectavam, apenas se justapunham. E que ela podia ser, em
certa medida, um reflexo da cidade onde vivemos: construída
sobre interesses individuais que se justapõem e ao mesmo
tempo se sobrepõem aos interesses coletivos.
Jeniffer, que visitava o CCSP pela primeira vez, foi uma
das que iniciou o desenho da cidade. Aos 19 anos, mãe de um
menino de três anos, ela gostaria que o filho fosse bailarino e
deseja uma cidade onde os homens também dançam e as
mulheres também trabalham.
Jeniffer Nascimento
começando a cidade
imaginária.
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Catarina Lisboa, de 8 anos, queria colocar um panda na
cidade. Por que panda? Porque sim, eu gosto de panda. Ok,
panda. Victor exaltou os parque e jardins, houve quem quisesse
“mais campo de futebol para revelar a garotada”. Rios, ateliês,
cinema Cinemark, rodas de conversas, árvores, hortas,
segredos, jesus.
Notamos, em determinado momento, que os desenhos
e as anotações feitas nos cadernos de registro foram muito
pouco utilizadas como referências para elaboração das ideias
para a cidade imaginária construída no vidro. Nos perguntamos
algumas vezes se deveríamos ter restringindo as intervenções
nos vidros apenas a imagens; em outras ocasiões sugerimos
que as pessoas pensassem suas contribuições à cidade
imaginária com coisas que fossem de uso e interesse coletivo,
questionando a aparição dos nomes próprios com a ideia de
propriedade.
Com um ar desafiador, Liliane, uma das
crianças da Favela do Moinho, escreveu seu
nome no vidro várias vezes e, como não
houve repreensão por isso, todas as outras
fizeram o mesmo. Não considerávamos
censurar, restringir ou apagar o que a
princípio não nos parecia pertinente, mas
queríamos que as coisas colocadas ali na
cidade imaginária fossem parte de um
processo consciente de escolhas. E
dentro desse processo, a conversa com a
Liliane sobre sua escolha em colocar
seu próprio nome no vidro foi muito
reveladora:
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Por que você escreveu seu nome?
Porque ele é bonito e só tem eu com
esse nome, vão saber que eu estive
aqui.
Como você sabe que não tem mais
ninguém com esse nome?
Porque ele é só meu.
Mas então por que colocar uma
coisa só sua num lugar que é pra
todo mundo?
Porque a cidade é minha.
O diálogo com Liliane nos conduziu a outra
interpretação sobre essa apropriação individual do espaço
público através da marcação de nomes e tags pela cidade: pode
ser também uma forma de se fazer notar e pertencer a esta
cidade que exclui e segrega e, ao mesmo tempo, colocar em
evidência a disputa pela rua e espaços públicos. Portanto,
escrever um nome, seja numa cidade imaginária ou nos muros
da cidade real, não seria necessariamente uma questão de
posse, mas versa principalmente sobre o pertencimento e a
visibilidade das pessoas nessa cidade, onde alguns nomes
permanecem e outros facilmente se apagam e se camuflam na
paisagem.
Liliane dos Santos
escreveu seu nome
diversas vezes na
cidade imaginária.
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Em um dos últimos encontros, Viviane Tabach nos falou
sobre como ela sentia outro tempo no ritmo dos centros
culturais: outro ritmo de olhar, de andar, de fazer, muito
diferente da maioria dos lugares da cidade, e de como isso a
agrada. Refletimos depois, na conversa final, sobre como esse
ritmo diferente diz respeito a um espaço e tempo privilegiados,
onde observamos uma intensa dinâmica artística, cultural,
intelectual e política, que acabam por se tornar ilhas na cidade,
e que essas ilhas não estão acessíveis a todos. Entende-las
como lugares onde os ritmos são diferentes pode ser, portanto,
admitir que quem tem acesso a eles, tem acesso a este tempo-
espaço privilegiado, enquanto muitas pessoas tem o seu
tempo-espaço ditado pelo ritmo do trabalho, da passagem, do
consumo. Quando e onde é possível escolher o próprio tempo?
Continuando esse raciocínio, Rafael Lucio levantou a
questão de que alimentos orgânicos e bicicleta e ciclovia
não são uma realidade próxima vislumbrada pela maioria
das pessoas. Quando a utopia da classe média se torna
acessível a todos?
É uma cidade igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um
quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos
e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas
perspectivas enganosas e que todas as coisas escondam uma outra coisa.
(Ítalo Calvino)
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Acesso, neste sentido, não é apenas portas abertas, não
é só direito a acessar espaços e ideias, não é só arquitetura que
convida a ficar ou localização geográfica. O acesso diz respeito
não só às ‘ilhas’, mas a todo mar em volta delas que as impede
de ser um continente, o acesso implica principalmente em ver a
cidade como organismo dinâmico feito de escolhas políticas e
poéticas passíveis de serem transformadas.
Pensar então nos espaços e nos seus acessos é não
esquecer a ideia de que lugar é um espaço ocupado por um
corpo e que podemos embutir na definição de lugar o caráter
imprescindível de que os espaços estejam ocupados por
corpos, que esses corpos digam respeito às pessoas e que as
pessoas possam criar esses lugares para e com pessoas. Bruno
Perê acrescentou ainda que lugares são espaços praticados,
o que nos leva a entendê-los não só como corpos ocupando
espaços, mas que também precisam estar em ação. O espaço
público e a cidade seriam então um exercício constante
A questão de que tipo de cidade queremos não pode ser divorciada do tipo de laços sociais, relação com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos desejamos. O direito à cidade está muito longe da liberdade individual de acesso a recursos urbanos: é o direito de mudar a nós mesmos pela mudança da cidade. Além disso, é um direito comum antes de individual já que esta transformação depende inevitavelmente do exercício de um poder coletivo de moldar o processo de urbanização. A liberdade de construir e reconstruir a cidade e a nós mesmos é, como procuro argumentar, um dos mais preciosos e negligenciados direitos humanos.
Em contraponto à esta ideia de que a cidade pode ser
mudada coletivamente, temos esta cidade que vivemos, na
qual o vir a ser cidade se dá no fazer e nos processos individuais
e não no planejamento e nas transformações coletivas.
HARVEY, David. O Direito
à Cidade. Trad. Jair
Pinheiro. Lutas Sociais,
São Paulo, n.29, p.73-89,
jul./dez. 2012.
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Nesta cidade, assim como naquela imaginada, as
construções se dão de forma a fazer conviver os medos e os
desejos, como a Diana Tsonis apontou em seu caderno de
anotações: “tanto o medo como o desejo são necessários e
ambos são perigosos” e Júnior Sant'Anna completa o
pensamento dias depois: medos e desejos podem ser a
mesma coisa, depende de onde você olha.
Talvez assim seja a cidade em que vivemos: não
planejada e pensada no fazer, fragmentada e construída por
muitos medos e desejos desencontrados. E por isso, talvez a
cidade imaginada através dos desenhos nos vidros seja mais o
reflexo de uma cidade vivida e vivenciada diariamente, antes
de ser uma utopia. Ou talvez a utopia esteja em tornar possível
viver na cidade aquilo que imaginamos.
Por fim, a escolha pelo título deste projeto dizia respeito
às ambiguidades contidas na palavra rever que, sendo um
palíndromo, reforça a ideia de olhar outra vez e novamente - e
com atenção - além de poder ser homônima (ou falso cognato)
do verbo francês rêver, que significa sonhar, e ainda conter no
seu interior o sempre do inglês, ever. Juntando todos esses
sentidos embutidos em rever e agregando novos depois de ter
revisto, fica a necessidade de sempre ver de novo nosso
potencial de transformar espaços em lugares e de construir
lugares - imaginários ou não - para viver.
Assim, encontramos algumas brechas e beiras que nos
convidam a rever essa cidade e a vida que levamos nela.
Podemos aceitar o convite ou não. Não é imperativo rever. Rua
Rever está no infinitivo, não tem tempo que não possa
ser.
Luara Carvalho e
Marília Carvalho
Agosto/2015
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Referências Bibliográficas
BARROS, Manoel de. Livro das Ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1993.
CALVINO, Italo. As Cidades Invisíveis. 2ª edição, 16ª reimpressão, São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
FREIRE, Marcelino. Contos Negreiros. Rio de Janeiro: Record, 2005.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se
completam, 23ª edição, São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
LEMINSKI, Paulo. Toda Poesia. 1ª Edição, São Paulo: Companhia das
Letras, 2013.
HARVEY, David. O Direito à Cidade. Trad. Jair Pinheiro. Lutas Sociais, São
Paulo, n.29, p.73-89, jul./dez. 2012. disponível em
<http://www4.pucsp.br/neils/downloads/neils-revista-29-port/david-
harvey.pd>f, acessado em 23/06/2015.
Referências audiovisuais
Luiz Telles - Ter ou ser? –
Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=dkClHffheMI>
O ser politico recriando os espaços do CCSP –
Disponível em
<http://www.centrocultural.sp.gov.br/30anos/video_luiz_telles.asp>
A construção é o que sobra de uma ideia –
Disponível em
<http://www.centrocultural.sp.gov.br/30anos/vido_luiz_telles2.asp>
Concepção e uso dos espaços –
Disponível em
<http://www.centrocultural.sp.gov.br/30anos/video_luiz_telles3.asp>
O mundo como possibilidades –
Disponível em
<http://www.centrocultural.sp.gov.br/30anos/video_luiz_telles4.asp>
Noemi do Val Penteado –
Disponível em
<http://www.centrocultural.sp.gov.br/30anos/video_luiz_telles5.asp>
30 anos CCSP - Passeio CCSP com Luiz Telles –
<https://www.youtube.com/watch?v=fn7vw_utW14>