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Realização: FFCLRP/USP, Unesp/Rio Claro e UFSCar Ribeirão Preto SP 10 a 13 de julho de 2005 III Epea Encontro Pesquisa em Educação Ambiental TRABALHO 39 MEIO AMBIENTE: TEMA “TRANSVERSAL” NA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM CIÊNCIAS/QUÍMICA Maira Ferreira (Ufrgs/Unilasalle) Maria Lúcia Wortmann (Ufrgs/Ulbra) RESUMO As orientações apontadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais indicam ser responsabilidade da comunidade escolar a reformulação de currículos escolares de modo a estarem conectados com aquilo que tem sido configurado como necessidades da sociedade contemporânea. Mas que necessidades são essas? Como essas necessidades ganham visibilidade? Como essas necessidades são enunciadas? Nessa pesquisa, desenvolvida na vertente teórica dos Estudos Culturais, buscamos analisar o modo como as estratégias para legitimação das orientações oficiais de incluir-se a temática Meio Ambiente como tema transversal à educação escolar se processam nas diferentes produções culturais, tais como textos da mídia e textos de livros didáticos. A partir do estudo das orientações pelos parâmetros curriculares para o trabalho escolar com os temas transversais (1998), analisamos matérias/reportagens da Revista Superinteressante que tratam a temática Meio Ambiente associada ao desenvolvimento tecnológico, em edições dos anos de 1997 e 1998, e analisamos os módulos I e II da Coleção de livros didáticos, Química & Sociedade, editados em 2003. A análise dos textos da revista nos possibilitou ver nos discursos que associam Meio Ambiente, desenvolvimento tecnológico e consumo, enunciados que, também, constituem o discurso pedagógico que institui às questões ambientais como temática nos livros didáticos. Na revista, o tratamento científico indicado nas explicações de cientistas, meteorologistas, ambientalistas e professores, reforça a responsabilidade individual dos sujeitos em ações de preservação ambiental, tal como é feito no livro didático. A partir de enunciados de diferentes discursos, o científico, o ecológico, o político e o pedagógico, entre outros, vai se configurando uma forma de abordar a temática Meio Ambiente como conteúdo escolar. As orientações oficiais ao incluir temáticas atuais e com relevância social à educação escolar, estabelecem apenas mais um modo de legitimar esses temas e os conteúdos escolares a eles relacionados, uma vez que, o tema Meio Ambiente já vinha sendo trabalhado na escola. Isso traz para o centro da discussão o entendimento de que as “mudanças” na educação sofrem/têm efeitos imediatos nas práticas sociais, como pode ser observado nas produções culturais tais como textos de revistas que, assim como os livros didáticos, indicam e reforçam aquilo que passa a ser “necessário” ser ensinado na escola. Palavras chave: Tema Transversal: Meio Ambiente; Educação em Ciências/Química; Jornalismo Científico. 1

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Page 1: Pesquisa em Educação Ambiental - TRABALHO 39 MEIO ...Revista Superinteressante e o tratamento da temática Meio Ambiente A atribuição de uma dimensão “educativa” à temática

Realização: FFCLRP/USP, Unesp/Rio Claro e UFSCar

Ribeirão Preto – SP 10 a 13 de julho de 2005

III Epea – Encontro Pesquisa em Educação Ambiental

TRABALHO 39MEIO AMBIENTE: TEMA “TRANSVERSAL” NA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM CIÊNCIAS/QUÍMICA

Maira Ferreira (Ufrgs/Unilasalle)Maria Lúcia Wortmann (Ufrgs/Ulbra)

RESUMOAs orientações apontadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais indicam ser responsabilidade da comunidade escolar a reformulação de currículos escolares de modo a estarem conectados com aquilo que tem sido configurado como necessidades da sociedade contemporânea. Mas que necessidades são essas? Como essas necessidades ganham visibilidade? Como essas necessidades são enunciadas? Nessa pesquisa, desenvolvida na vertente teórica dos Estudos Culturais, buscamos analisar o modo como as estratégias para legitimação das orientações oficiais de incluir-se a temática Meio Ambiente como tema transversal à educação escolar se processam nas diferentes produções culturais, tais como textos da mídia e textos de livros didáticos. A partir do estudo das orientações pelos parâmetros curriculares para o trabalho escolar com os temas transversais (1998), analisamos matérias/reportagens da Revista Superinteressante que tratam a temática Meio Ambiente associada ao desenvolvimento tecnológico, em edições dos anos de 1997 e 1998, e analisamos os módulos I e II da Coleção de livros didáticos, Química & Sociedade, editados em 2003. A análise dos textos da revista nos possibilitou ver nos discursos que associam Meio Ambiente, desenvolvimento tecnológico e consumo, enunciados que, também, constituem o discurso pedagógico que institui às questões ambientais como temática nos livros didáticos. Na revista, o tratamento científico indicado nas explicações de cientistas, meteorologistas, ambientalistas e professores, reforça a responsabilidade individual dos sujeitos em ações de preservação ambiental, tal como é feito no livro didático. A partir de enunciados de diferentes discursos, o científico, o ecológico, o político e o pedagógico, entre outros, vai se configurando uma forma de abordar a temática Meio Ambiente como conteúdo escolar. As orientações oficiais ao incluir temáticas atuais e com relevância social à educação escolar, estabelecem apenas mais um modo de legitimar esses temas e os conteúdos escolares a eles relacionados, uma vez que, o tema Meio Ambiente já vinha sendo trabalhado na escola. Isso traz para o centro da discussão o entendimento de que as “mudanças” na educação sofrem/têm efeitos imediatos nas práticas sociais, como pode ser observado nas produções culturais tais como textos de revistas que, assim como os livros didáticos, indicam e reforçam aquilo que passa a ser “necessário” ser ensinado na escola.Palavras chave: Tema Transversal: Meio Ambiente; Educação em Ciências/Química; Jornalismo Científico.

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ABSTRACTAccording to the National Curriculum Parameters, the school community is responsible for the reformulation of the school curriculums in order to be connected with what has been configured as contemporary society needs. In short, what are these needs? How do these needs gain visibility? How are these needs enunciated? In this research, developed under the Cultural Studies theory, we try to analyze how official orientation legitimacy strategies, including the Environment theme as a transverse theme to school education, proceed within different cultural productions, such as media texts and texts in didactic books. Based on the orientation studies by the school curriculum parameters with the transverse themes (1998), we analyze articles/reporting in Superinteressante magazine which deal with the Environment theme, associated with the technological development - 1997 and 1998 editions – We also analyzed I and II modules of the didactic books Collection, Chemistry and Society, edited in 2003. The analysis of the magazine texts gave us the possibility to see in speeches associated to the Environment, technological development and consumption, enunciations that constitute the pedagogical speech, establishing Environmental issues as didactic books themes. In the magazine, the scientific treatment indicated in explanations of scientists, meteorologists, environmentalists and teachers, reinforces individual responsibilities in environmental preservation, as it is done in the didactic book. From the enunciation of different speeches – the scientific, the ecological, the political, the pedagogical and others – a new way to deal with the Environment theme as school content has been configured. The official orientations to include present themes of social importance to the school education, establish only one more way to legitimate those themes and the school contents related to them, since the Environment theme has already been worked at school. This fact brings to the center of the discussion the understanding that “changes” in education suffer/have immediate effects in social practices, as can be observed in cultural productions, such as texts and magazines which, as well as in didactic books, indicate and reinforce what becomes “necessary” to be taught at school.Key words: Transverse Theme: Environment; Education in Science/Chemistry; Scientific Journalism Introdução As orientações apontadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais indicam ser responsabilidade da escola e da comunidade escolar a reformulação de currículos escolares, de modo a torná-los mais conectados com aquilo que tem sido configurado como sendo as necessidades da sociedade contemporânea. É preciso, no entanto, pensarmos sobre o que seriam

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essas necessidades, sobre os modos como são enunciadas, nas diretrizes curriculares, e, também, como ganharam visibilidade. Nesse sentido, caberia perguntar: será que as estratégias de adequação às mudanças são enunciadas apenas nos documentos elaborados pelos órgãos oficiais de ensino? Poderíamos pensar a emergência desses enunciados em práticas desenvolvidas por outras instâncias como, por exemplo, a mídia e os livros didáticos? Seriam, esses, também condições de possibilidade para que tais mudanças ocorram? Entre os objetivos definidos pelos parâmetros curriculares (Brasil, 1998) estão incluídos: o conhecimento das dimensões sociais, materiais e culturais das situações de ensino, com ênfase à percepção da integração e dependência dos sujeitos ao meio ambiente e a responsabilidade que devem assumir para a melhoria desse, considerando-se a utilização dos meios de informação e dos recursos tecnológicos como auxilio no desenvolvimento de conhecimentos para a busca de inserção social e exercício da cidadania. O perfil dos objetivos propostos indica, de certo modo, a direção das mudanças que as diretrizes apontam: há a necessidade de incluir-se no currículo temáticas que possam auxiliar na realização desses objetivos, uma vez que esses trazem para a discussão aspectos que até então não eram faladas, pelo menos não de modo tão direto e explicito. Passou a falar-se, por exemplo, na importância de discutir e ampliar o entendimento de questões como pluralidade cultural, ética, estética, meio ambiente, consumo e tecnologia, sendo que tais temas são incluídos nos objetivos a serem alcançados ao final do processo de escolarização. Seria importante perguntar: Mas como falar disso, se esses assuntos não estão contemplados nos conteúdos escolares?A alternativa legal parece estar na proposição de tratar tais assuntos, permeando as diferentes disciplinas, sob a forma de temas transversais. Entre os critérios para a escolha desses temas transversais, o documento aponta, especialmente, para a urgência social que um tema possa ter como, por exemplo, contribuir para a concretização da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, além de terem abrangência nacional.Nesse trabalho de pesquisa, estaremos focalizando o tema Meio Ambiente associado ao desenvolvimento tecnológico e ao consumo, articulando-o à educação em Ciências/Química, uma vez que esse assunto tem se configurado, nessas diretrizes, como atual e necessário ser discutido na escola. Nesse sentido, procuramos ver e estabelecer articulações entre o modo como textos de uma revista de divulgação científica tratam essa temática e o modo como alguns livros didáticos a ela se voltam. Proposta metodológicaNosso interesse, nesse estudo, em entender como são construídos os textos da mídia – mais

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especificamente os textos da Revista Superinteressante – e os textos de livros didáticos, foi no sentido de mostrar o modo como esses instituem verdades acerca do que é adequado aos sujeitos conhecerem e se estabelece na tentativa de compreender a relevância que as questões sobre Meio Ambiente passaram a ter na contemporaneidade.Essa pesquisa foi desenvolvida na vertente teórica dos Estudos Culturais, campo de estudos que possibilita tratar as ações desenvolvidas pela mídia como práticas culturais, ampliando a discussão sobre o papel da cultura nas práticas sociais. No caso que estou examinando, isso se refere a olhar para os artefatos culturais da mídia e para os livros didáticos como práticas sociais ligadas à cultura. Elas constituem ações articuladas no social, no político, no econômico e no pedagógico, entre outros, que se dão pelos e nos discursos. Stuart Hall (1997a) afirma que “...toda prática social tem condições culturais ou discursivas de existência. As práticas sociais, na medida em que dependam do significado para funcionarem e produzirem efeitos, se situam ‘dentro do discurso’, são discursivas” (p. 34).Os Estudos Culturais se apresentam na contemporaneidade como uma perspectiva intelectual importante, pois tomam a cultura, ao mesmo tempo, como objeto do estudo e como substrato onde a investigação se dá, articulando-os mutuamente. Nesse sentido, tratar o jornalismo científico da Revista Superinteressante ou os textos de livros didáticos como artefatos culturais, implicou, igualmente, considerar a linguagem como constituidora dos significados que dão à temática Meio Ambiente um caráter educativo. Portanto, compreender que as práticas discursivas constroem significados e regulam o conhecimento que se produz nas diferentes instituições se faz importante quando buscamos analisar a multiplicidade de relações sociais existentes nas práticas educativas.Esse tipo de entendimento permite o exame, por exemplo, do modo como algumas temáticas são instituídas como "mais” atuais e válidas em uma determinada época, para o deixarem de ser em outra época. Nesse sentido, Wortmann e Veiga-Neto (2001) afirmam que, "ao contrário de outras formas de análises, que buscam, no passado, personagens destacados e a origem de eventos e processos atuais (...), as que são conduzidas sobre a produção do conhecimento a partir de Estudos Culturais atentam para as rupturas nas ações e movimentos processados ao longo do tempo” (p.101).Sabemos que o uso de livro didático na escola é uma prática bastante comum, mas que, além disso, o uso de revistas e de jornais em aulas de Ciências/Química tem sido considerado uma alternativa inovadora ao uso do livro didático. A utilização de algumas revistas em sala de aula, especialmente daquelas disponíveis na biblioteca da escola ou das que são trazidas pelos estudantes e professores/as, tem-se tornado freqüente. No caso da Revista Superinteressante, por exemplo, essa é tida por muitos/as professores/as de Ciências como um recurso possível e importante para promover uma

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maior “aproximação” dos/as estudantes ao tema que está sendo estudado, pois a revista institui um corpus de conhecimento considerado “verdadeiro” e que poderia “garantir” um ensino mais atraente, mais dinâmico, mais atual e mais conectado ao “mercado”.Assim, analisando textos de algumas reportagens da já referida Revista Superinteressante, publicados nos anos de 1997 e 1998, e analisando a edição de dois módulos da coleção de livros didáticos intitulada Química & Sociedade (Santos e Mol, 2003), procuramos ver o modo como é dada visibilidade a temática Meio Ambiente – considerada pelos documentos oficiais como Tema Transversal – e o modo como esses artefatos culturais instituem essa temática como tema da educação escolar, uma vez que, tanto a revista quanto o livro didático a legitimam como assunto necessário e relevante para a compreensão da vida nas sociedades contemporâneas.Mas que discursos estão instituindo essas práticas educativas? E como esses se cruzam, como se reforçam ou se contrapõem? Retomamos, novamente, ainda, uma pergunta já formulada: é possível pensar-se que tanto os artefatos culturais da mídia, quanto os livros didáticos são meios de produção cultural dos tais Temas Transversais?Diante dessas questões, problematizamos a emergência da articulação e a visibilidade que as questões ambientais passaram a ter na educação escolar, porque mesmo considerando que esse não seja um tema novo na educação em Ciências, a vinculação entre Meio Ambiente e desenvolvimento tecnológico não deixa de ser uma articulação recente. Revista Superinteressante e o tratamento da temática Meio AmbienteA atribuição de uma dimensão “educativa” à temática que associa Meio Ambiente ao desenvolvimento tecnológico e ao consumo é posto em destaque pela Revista Superinteressante em algumas de suas matérias/reportagens. Olhamos edições da Revista Superinteressante de 1997 e 1998 e nelas encontramos 23 matérias/reportagens de capa (matéria principal ou outras matérias) que tratavam do tema Meio Ambiente, entre essas, 4 matérias (destacadas em negrito) enfocam o tema Meio Ambiente relacionado à preservação ambiental, ao desenvolvimento tecnológico e ao consumo de bens e serviços.

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1997• (MAR - Matéria Principal) Conheça o raríssimo UACARI-BRANCO e seu incrível reino alagado – O REI NA FLORESTA QUE VIROU MAR. A cheia na Reserva de Mamirauá. Criada em 1996, ela já é a mais importante experiência de proteção à natureza em toda a Amazônia.• (MAI)- Cuidado: esta taturana pode matar• (JUN)- Tesouro mineral – Um raio-X da geologia milionária da Serra de Carajás• (AGO)- Predadoras emplumadas – Aves que caçavam como dinossauros• (SET)- Incríveis paisagens – Quando a natureza desenha maravilhas- Jacques Cousteau – Um cientista no fundo o mar- Patriarca da Ecologia – No século XIX, José Bonifácio foi o primeiro ambientalista brasileiro.• (OUT)- Aquário de Monterey – Uma superjanela para o fundo do mar• (NOV)- El Niño – Entenda como e por que ele causa tanto pandemônio no clima mundial• (DEZ)- Praga: mosca e formiga travam duelo nos Estados Unidos

1998• (JAN - Matéria Principal) OS MARES ESTÃO SUBINDO – Será que todos vamos por água abaixo?Outras matérias- Vulcão: Um show de fogo e lava no Caribe• (MAR)- ETs’do mar – Seres das profundezas podem ter parentes alienígenas• (MAI)- Fósseis na vitrine: conservados no âmbar, insetos de até 40 milhões de anos• (JUN)- Inflamável: Por que os incêndios ameaçam cada vez mais a Amazônia• (JUL)- O mar é dos mamíferos – Baleias e golfinhos na costa brasileira- Dinossauro gaúcho – Com 230 milhões de anos, ele reforça a teoria de que os grandes répteis surgiram mesmo na América do Sul.• (AGO)- Galápagos: um show de fotos das ilhas que Darwin estudou• (OUT - Matéria Principal) O LADO MAU – Os cientistas revelam que o simpático chimpanzé é capaz de atacar seu semelhante com requintes de crueldade• (NOV)- Veneno homicida: Medusa australiana assusta mais que tubarão- Beleza resistente: Na Chapada Diamantina, as orquídeas nascem na pedra• (DEZ)- Bebês-dinossauro: Pesquisa na Patagônia descobre como eles eram- Arte natural – A estratégia colorida dos peixes tropicaisQuadro 1: Principais chamadas de capa de reportagens de cada mês, sobre o tema Meio Ambiente, nos anos

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de 1997 e 1998. Podemos observamos que a abordagem da temática Meio Ambiente como estudo da natureza “intocada”, dos ambientes naturais, dos habitats etc, vai se apresentando, nas reportagens da revista, em meio a outras abordagens que problematizam esse ambiente “natural” em meio à produção de bens e serviços e ao consumo, enfatizando a necessidade de educar-se as pessoas para que haja harmonia entre desenvolvimento tecnológico e ambiente. A reportagem intitulada Patriarca da Ecologia (Revista Superinteressante n. 9, setembro de 1997, p. 47-50) narra a história de José Bonifácio como tendo sido o primeiro ecologista no Brasil, ainda no século XIX. O texto afirma que José Bonifácio seria um profeta contra o desmatamento das florestas e que teria feito previsões sombrias com relação às questões ambientais. Mesmo fazendo referência a uma época em que termos como ecologia e/ou ambientalismo não tinham o significado que têm hoje, vê-se aí, a relevância que assume o conhecimento científico, pois como diz o texto: “José Bonifácio foi o primeiro cientista desta terra a fazer pós-graduação no exterior” (p. 47), Embora a referência seja a um político interessado em questões ambientais no início do século XIX, pode-se pensar, esse, como um texto alusivo a um ambientalista dos anos 2000, porque os problemas apontados pela reportagem com relação ao meio ambiente, não são muito diferentes daqueles discutidos nos dias de hoje. O discurso ecológico, apontado no texto, como sendo os cuidados com o ambiente uma responsabilidade individual é, tal como nos dias de hoje, uma marca que indica a necessidade de realização de ações protecionistas ao meio ambiente como modo de “impedir” a degradação desse. Nesse sentido, tal como no século XIX, as discussões sobre ações e práticas para coibir as queimadas e os desmatamentos se fazem presentes, mesmo que, hoje, ao contrário dos motivos que explicavam essas ações no século XIX, tais práticas estejam associadas ao consumo e, conseqüentemente, à extração de madeiras, à instalação de fábricas e usinas etc. Já, a matéria que trata o fenômeno do El Niño (Revista Superinteressante, n. 11, novembro de 1997, p. 34-39), descreve o El Niño como “o principal causador de transtornos climáticos no planeta” (p. 34) e que “O El Niño nasce porque a atmosfera mudou de ar” (p. 36). Se por um lado, o fenômeno é abordado a partir da argumentação de ser esse um fenômeno da natureza, por outro lado, é apontado como causa da “manifestação” do El Niño, o descuido para com o meio ambiente. A indicação de não haver, por parte dos especialistas, um consenso sobre as causas do fenômeno, está indicado na afirmação: “os cientistas só não sabem dizer, ainda, qual é o gatilho que dispara o próprio transtorno” (p. 38). Reconhecemos nas argumentações, uma ênfase à legitimação pela Ciência daquilo que poderia ser um assunto controverso e polêmico: de quem é a “culpa” pelos “transtornos

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climáticos”? Essa busca de legitimidade pode estar apoiada, entre outros, nos estudos desenvolvidos por físicos sobre as diferentes formas de energia, em análises de químicos sobre os efeitos da poluição e, ainda, pelos estudos feitos por biólogos em sobre os organismos em ambientes poluídos. A reportagem de capa intitulada Os mares estão subindo – será que todos vamos por água abaixo? (Revista Superinteressante n. 1, novembro de 1998, p. 30-37) inserida na seção Ambiente, aborda o tema Meio Ambiente associado às “prováveis” inundações catastróficas no planeta, em função da poluição atmosférica. A grande causa do desequilíbrio ambiental seria o efeito estufa, pois “o manto de poluição, ao impedir a dispersão do calor terrestre, esquenta os oceanos, causando o aumento do nível do mar” (p.32), assim, se apresentam diferentes cenários – alguns menos, outros mais catastróficos – para acompanhar a poluição atmosférica em relação ao aumento do nível do mar, apontando para o aumento do nível do mar e, conseqüente, alagamento de zonas costeiras e/ou de todo o planeta (p. 33).Novamente, observamos que, mesmo sem haver consenso entre os cientistas sobre o que pode estar acarretando o problema climático ou sobre as previsões de catástrofes, tal como indicam os excertos “o efeito estufa faz as ondas crescerem, mas ninguém sabe até onde isso vai” (p. 34) ou “os cientistas ainda não tem diagnóstico, mas têm hipóteses de que os gases derivados da queima de combustíveis fósseis são os grandes inimigos do organismo planetário” (p. 37), há a legitimação desses cientistas dando valor de “verdade” ao que está sendo apontado como incerteza no que se refere à forma como os mares vão reagir ao efeito estufa.Assim, mesmo que o discurso cientifico não contenha todas as explicações para as “causas” de alguns fenômenos, enunciados desse discurso presentes, também, nos discursos ecológico e político, apontam a responsabilidade dos sujeitos no desenvolvimento de ações individuais/coletivas para a preservação ambiental. Nesse sentido, enunciados do discurso pedagógico, didaticamente apresentados, na exposição de dados e argumentos em gráficos, infogramas e outros recursos, visam contribuir para uma boa compreensão das orientações e informações sobre a necessidade de pensar-se práticas de educação ambiental. Assim, a Ciência que legitima os estudos sobre o Meio Ambiente, nos textos da revista, coloca os cientistas como interlocutores do campo de investigação com a sociedade, constituindo-se uma estratégia de investigar as condições de possibilidade, a partir das quais se estabelecem as questões, temas, métodos e objetos pelos quais esse assunto torna-se central na contemporaneidade, de modo a considerar-se a Ciência “como um produto social e cultural e a comunidade científica como mão de obra” (Nelkin, 1998, p. 50).Na reportagem Inflamável: Por que os incêndios ameaçam cada vez mais a Amazônia (Revista

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Superinteressante n. 6, junho de 1998, p. 84-89), as manchetes “Os incêndios acidentais oriundos de queimadas intencionais que escapam do controle, devastam uma área maior” (p.86), “A área queimada por fogo acidental foi maior do que a área dos novos desmatamentos” (p.86), “A interferência humana também debilitou a floresta” (p.87) e “a questão do fogo não pode mais ser ignorada pelo governo e pela sociedade” (p.89), destacam os problemas ambientais provocados pela ação do homem que não assume para si a responsabilidade para com os males caudados ao ambiente.Essa, entre as demais, talvez seja a reportagem que mais associa os problemas ambientais à irresponsabilidade dos sujeitos, chamando a atenção de que as queimadas acidentais, surgidas a partir das queimadas intencionais, são as mais danosas, além disso, enfatizam as ações de desmatamento como resultado da ganância dos madeireiros em função do consumo desenfreado que faz com que “tudo gire em cima de lucros”.A “crise” ambiental, configurada como irresponsabilidade dos sujeitos em função do “poder” exercido pelo consumo pode ser discutida a partir das compreensões de Bauman (2001) sobre o papel que o consumo assume na vida contemporânea, uma vez que no grande mercado que é o mundo hoje, “não compramos apenas comida, sapatos, automóveis ou itens de mobiliário; estamos sempre em uma busca ávida e sem fim por novos exemplos aperfeiçoados e por receitas de vida...” (p. 88). Mas como emergem tais associações? Que discursos instituem os problemas ambientais como decorrência das ações da sociedade de consumo? Como a sociedade contemporânea lida com as necessidades por bens e produtos em relação às responsabilidades em preservar o ambiente? E, ainda, como a temática Meio Ambiente, não mais é tomada apenas como estudo das belezas “naturais”, emergindo como um tema associado à educação escolar e ao exercício da cidadania? Considerando-se que o modo de funcionamento da sociedade tem no consumo um fator que “movimenta” a economia, a política, o desenvolvimento tecnológico etc, é de pensar-se que esse modo de funcionar “mexa”, também, com a educação escolar. O uso que se faz de produtos e serviços estão associados ao desenvolvimento científico-tecnológico que procura suprir o “mercado” das “novas” necessidades criadas, nesse sentido, isso implicaria buscar matéria prima em ambientes “naturais”, instalar indústrias, distribuir e comercializar produtos, enfim, criar condições de possibilidade que coloquem em circulação os valores considerados como próprios da sociedade de consumo. Nesse sentido, os enunciados que compõem diferentes discursos que circulam na escola, na família, na mídia etc, são recorrentes e constitutivos de formas de agir sobre o mundo social, uma vez que, “os padrões discursivos da escolarização contemporânea corporificam sistemas de regulação e poder” (Poppkewitz, 1984, p. 191).

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Destacamos, que ao relacionarmos as matérias da Revista Superinteressante com a educação escolar, não deixamos de considerar que essa é uma revista bastante utilizada por professores e alunos em aulas de Ciências, seja como eventual fonte de pesquisa, seja como material didático utilizado em aula, uma vez que, muitas escolas mantêm assinaturas da revista em suas bibliotecas. Assim, tal abordagem da temática Meio Ambiente em aulas de Ciências/Química poderá também passar a incluir discursos que vinculam os problemas ambientais, quase que exclusivamente, às ações individuais e/ou de grupos de indivíduos, tal como evidenciamos nos enunciados que compõem os textos jornalísticos da Revista Superinteressante. Livro didático e o tratamento da temática Meio AmbienteRealizamos a análise dessa temática no módulo I da coleção de livros Química & Sociedade, cujo título é A ciência, os materiais e o lixo; e no módulo II, da mesma coleção, intitulado Modelos de partículas e poluição atmosférica. Nos livros, a temática Meio Ambiente, apresentada como conteúdo de Química, se diferencia da abordagem do tema como exemplificação e/ou ilustração de conteúdos, tal como é feito em outros livros didáticos. No quadro abaixo, descrevemos o modo como os livros que analisamos organizam os assuntos e destacamos a ênfase aos conhecimentos que podem ser considerados inovadores em um livro de Química.Módulo 1: A ciência, os materiais e o lixo Módulo 2: Modelos de partículas e poluição

atmosférica.Capítulo 1: Química, Tecnologia e Sociedade- Tema em foco – Lixo: material que se joga fora?- O nascimento da Química- Conhecimento científico e saber popular- Tema em foco – Lixões: uma deplorável situação da vida humana- Ciência, tecnologia e sociedade- A Química na sociedade- Transformações químicas

Capítulo 1: O Químico e suas atividades- Tema em foco – Poluição e desenvolvimento: uma parceria que não dá certo- Reações Químicas: o poder da transformação- O químico e o controle das reações químicas- Tema em foco – Sujeira no ar: combustão, poluição e automóveis- A Química, o químico e suas atividades- Medidas: ferramenta do químico- Tema em foco – Onde há fumaça...sua saúde corre perigo

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Capítulo 2: A identificação de materiais e substâncias- Tema em foco – Um osso duro de roer- O químico como detetive- Propriedades das substâncias: o registro de sua identificação- A prova da flutuação- Tema em foco – (notícia) Um bebê = 25 toneladas de lixo- A prova do aquecimento e do resfriamento- A prova da dissolução- Identificando as substâncias pelas suas propriedades- Tema em foco – Lixo de todo o tipo- Materiais e substâncias

Capítulo 2: Estudo dos gases- Tema em foco – Visibilidade zero: fumaça-neblina, inversão térmica e névoa seca- As grandezas do estado gasoso- Propriedades dos gases- Tema em foco – Efeito estufa e aquecimento global- Leis dos gases- Tema em foco – Camada de ozônio: quem a protegerá?- Lei Geral dos gases- Gases reais e ideais- Teoria cinética dos gases

Capítulo 3: Materiais e substâncias: separação, constituição e simbologia- Tema em foco – Tratamento do lixo- Separação de materiais: uma atividade do químico- Métodos de separação de substâncias- De uma substância podemos obter outras?- Modelo atômico de Dalton: um modelo básico para explicar processos químicos- Os constituintes da matéria e a simbologia química- Tema em foco – Discutindo possíveis soluções para o problema do lixo- Sugestões para implantação de programas de coleta seletiva em escolas

Capítulo 3: Modelos atômicos- Tema em foco – A Química da destruição da camada de ozônio- Modelos e teorias- O primórdio dos modelos atômicos- O modelo atômico de Dalton- O modelo atômico de Thomson- Radioatividade: evidência da divisibilidade da matéria- O modelo atômico de Rutherford- Tema em foco – UV: a radiação que vem do Sol- O átomo e suas partículas- O universo eletrônico dos átomos- Tema em foco – (notícia) O planeta resiste aos ataques

Quadro 2: Apresentação de assuntos/conteúdos nos módulos I e II, da coleção Química & Sociedade. A organização dos assuntos traz a temática Meio Ambiente, geralmente, na seção Tema em Foco, mas ao analisarmos textos e imagens de outras seções, observamos que esse assunto é retomado freqüentemente associando situações, informações e conceitos sobre meio ambiente em assuntos como reações ou funções químicas, entre outros.A abordagem da temática Meio Ambiente é feita de forma semelhante ao modo como a Revista enfoca o assunto, direcionando-se a enfatizar, não apenas as belezas “naturais” ou as explicações “científicas” sobre o habitat de animais e vegetais, mas a necessidade das pessoas se verem como sujeitos da realização de ações em prol da manutenção/preservação ambiental, sem deixar de considerar a importância do desenvolvimento tecnológico para as necessidades de consumo da sociedade. Além disso, o estilo editorial desses livros se associa bastante ao estilo midiático das revistas e isso pode ser reconhecido no tamanho e na diagramação das páginas, na espessura dos livros, na disposição de quadros e nos destaques dos textos feitos em “caixa-alta”, bem como, o modo como são apresentados imagens e textos em formato de manchetes jornalísticas.

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Se, em dado momento, podíamos pensar que a associação entre meio ambiente e desenvolvimento tecnológico, estaria restrita aos textos da mídia, como indicavam as análises das reportagens/matérias da Revista Superinteressante que apresentamos, podemos considerar que a “entrada” de tais abordagens também se processou na escola, especialmente, através dos livros didáticos.Talvez aí, possa-se trazer para a discussão a velha expressão “aprender com prazer” como uma inspiração para o que passou a ser uma característica de alguns pressupostos que se processam na busca da satisfação pessoal. Assim, a “vontade de liberdade”, representada pelo prazer de ensinar e aprender, se exerce e é exercida em uma rede discursiva que produz práticas referidas como as “novas” metodologias de ensino, os “novos” assuntos/conteúdos a serem trabalhados, as “novas” tecnologias para a informação/comunicação, as “novas” produções de artefatos didáticos etc.A Coleção Química & Sociedade é apresentada pela editora como adequada aos estudantes por permitir uma abordagem mais contextualizada de conceitos fundamentais na área de Química a partir de temas atuais e contemporâneos. No caso dos livros que analisamos, a temática Meio Ambiente é posta em destaque tanto nos textos que compõem os capítulos, quanto nas imagens que ilustram esses textos, as imagens de lixões, do ar cinzento de cidades poluídas, das máscaras para gases, das queimadas e dos desmatamentos, entre outras, são formas de configurar a compreensão sobre esse tema, no ensino de Química, como um problema social que necessita a intervenção de todos, inclusive dos estudantes. Considerações finais A orientação dos Parâmetros Curriculares é de que os temas transversais sejam acolhidos por áreas/disciplinas, nas quais serão explicitados objetivos e conteúdos que devem ser contemplados. O documento aponta que temas como Meio Ambiente, por exemplo, sejam tratados na área de Ciências (mesmo que não exclusivamente nessa área de conhecimentos), não restringindo o estudo do Meio Ambiente ao estudo da natureza e dos seres que a compõem. Há a orientação de que seja preciso considerar a relação entre os conteúdos escolares, o desenvolvimento tecnológico e o papel que o consumo tem assumido na sociedade contemporânea. Nesse sentido, pode-se apontar que a inserção, como orientação oficial, dos temas transversais à educação escolar não deixa de ser uma inovação no sentido de que passa a ser legítimo discutir e realizar práticas pedagógicas como, por exemplo, trabalhos de pesquisa, seminários e produções textuais, envolvendo, por exemplo, o tema Meio Ambiente, um assunto que, até pouco tempo atrás, estava restrito a cientistas, biólogos, ambientalistas e responsáveis técnicos pela fiscalização e controle das condições ambientais.Consideremos, no entanto, que as “novidades” para a “melhoria” da educação, ao longo do tempo,

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se apresentam como temporais e, nesse sentido, podemos dizer que as mudanças que afirmam essa condição são efêmeras. “Mudar” em educação implica “situar a análise no plano da relação funcional e histórica da escola com a sociedade” (Roldão, 2001). Ao longo do tempo, a escola tem tido a função de responder a necessidades e interesses da sociedade, situando-se “em torno da relação que se estabelece, em cada época, entre a sua ação educativa e curricular e a expectativa da sociedade na qual se integra” (op.cit.,2001).No estudo que realizamos, observamos que uma das alternativas para as “mudanças” na educação passa pela escolha de alguns temas/assuntos na composição dos planejamentos de ensino, nesse caso para o ensino de Ciências/Química, uma vez que alguns desses assuntos – os cuidados com o meio ambiente, por exemplo – quando associados ao uso de bens e serviços, seriam mais “adequados” à exemplificação de aplicabilidade e contextualização do que os temas considerados mais “teóricos” como aqueles que tratam, por exemplo, das teorias sobre o universo, das estruturas das partículas ou das condições de surgimento da vida na terra.Nesse sentido, a leitura dos textos de divulgação científica, como os editados pela Revista Superinteressante, pode ser vista como uma estratégia que coloca em circulação o entendimento de que estudar o ambiente não significa apenas conhecer as espécies ou os sistemas que compõem esse ambiente, mas, também, resolver problemas para manter esse ambiente “saudável”. Essa estratégia metodológica valoriza o caráter de mudança a partir da “inovação” na seleção de temáticas e, também, do uso de diferentes artefatos culturais, como é o caso dessa revista, pois os textos de divulgação científica que tratam o tema Meio Ambiente legitimam esse assunto como científico, a partir do aporte e respaldo dado por cientistas, ecologistas e professores, entre outros, e isso, de certo modo, leva a mídia a ocupar um espaço na educação escolar em Ciências, em função das práticas que realiza, havendo, por parte da escola, uma espécie de dobramento aos apelos midiáticos e ao consumo de seus materiais “didáticos”.Há enunciados do discurso pedagógico que orientam para que os objetivos da educação escolar fujam da estática e tradicional listagem de conteúdos. Essa produtividade do discurso pedagógico pode ser percebida pela oferta de “novos” livros didáticos considerados mais adequados as novas regras de múltiplos contextos. Nesse sentido, pode-se ver na produção de alguns livros didáticos, tal como nos livros que examinamos, uma estratégia de “defesa” da educação escolar diante das críticas dessa ter-se tornado obsoleta e ultrapassada, pois os livros não trazem uma listagem “convencional” de conteúdos, assumindo, inclusive uma editoração semelhante a das revistas e propondo a realização de um estudo da Química a partir de aspectos ligados aos efeitos sofridos pelo ambiente na sociedade contemporânea.Essas e outras questões trazem para o centro da discussão o entendimento de que as “mudanças” na

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educação e as reformulações curriculares que legitimam essas mudanças, mesmo que não modifiquem de imediato as práticas escolares, têm efeitos nas práticas sociais de modo mais amplo, e isso também diz respeito ao modo como se processam as adequações às diretrizes/orientações oficiais. Pretendemos, neste texto, destacar o papel de diferentes produções culturais como estratégias que atuam na legitimação dessas práticas. Assim, textos de revistas científicas e livros didáticos, entre outros, atuam, mesmo que de forma diferenciada, na instituição daquilo que passa a ser considerado “necessário” ser ensinado na escola. Referências bibliográficas

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E-mail: [email protected]

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