pesquisa-acao

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 Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 122, p. 155-173, jan.-mar . 2013 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> 155 PESQUISAAÇÃO E EDUCAÇÃO: COMPARTILHANDO PRINCÍPIOS NA CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS E NO FORTALECIMENTO COMUNITÁRIO PARA O ENFRENTAMENTO DE PROBLEMAS R F T * P R J ** RESUMO : O presente trabalho objetiva promover uma reexão sobre a metodologia da pesquisa-ação quanto aos seus princípios, aplicação e con- tribuições para a área educacional. Caracterizada pelo envolvimento de gru- pos sociais no processo de tomada de decisões, a pesquisa-ação, assim como outras metodologias participativas, surge diante da insatisfação para com métodos clássicos de pesquisa. Remete ainda à necessidade de promover maior articulação entre a teoria e a prática na produção do conhecimento e solução de problemas. Para enriquecer a discussão, de forma complementar, será apresentado um panorama do desenvolvimento da pesquisa-ação na área educacional, a partir de revisão bibliográca. Palavras-chave : Pesquisa-ação. Diálogo de saberes. Participação. Action research and education: sharing basic knowledge and community empowerment to face problems  A BS T R A C T : This paper aims to promote a reection on the methodology of action research and on its principles, application and contributions to the education eld. Action research is characterized by the involvement of social groups in decision-making, as well as other participatory methods, it emerges from dissatisfaction with traditional methods of research. This type of research also refers to the need to promote a be ter coordination between theory and practice in knowledge production and troubleshooting. To en- rich the discussion, in a complementary way, it presents an overview of the action research development in education from a literature review. Key words: Action research. Knowledge dialogue. Participation. * Pós-doutoranda na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected] ** Livre docente em Educação e professor titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected]

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Artigo sobre PEsquisa-Ação de Toledo e Jacobi.

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  • Educ. Soc., Campinas, v. 34, n. 122, p. 155-173, jan.-mar. 2013Disponvel em

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    PESQUISAAO E EDUCAO: COMPARTILHANDO PRINCPIOS NA CONSTRUO DE CONHECIMENTOS E NO FORTALECIMENTO

    COMUNITRIO PARA O ENFRENTAMENTO DE PROBLEMAS

    R F T*

    P R J**

    RESUMO : O presente trabalho objetiva promover uma refl exo sobre a metodologia da pesquisa-ao quanto aos seus princpios, aplicao e con-tribuies para a rea educacional. Caracterizada pelo envolvimento de gru-pos sociais no processo de tomada de decises, a pesquisa-ao, assim como outras metodologias participativas, surge diante da insatisfao para com mtodos clssicos de pesquisa. Remete ainda necessidade de promover maior articulao entre a teoria e a prtica na produo do conhecimento e soluo de problemas. Para enriquecer a discusso, de forma complementar, ser apresentado um panorama do desenvolvimento da pesquisa-ao na rea educacional, a partir de reviso bibliogrfi ca.

    Palavras-chave: Pesquisa-ao. Dilogo de saberes. Participao.

    Action research and education: sharing basic knowledge and community empowerment

    to face problems

    ABSTRACT : This paper aims to promote a refl ection on the methodology of action research and on its principles, application and contributions to the education fi eld. Action research is characterized by the involvement of social groups in decision-making, as well as other participatory methods, it emerges from dissatisfaction with traditional methods of research. This type of research also refers to the need to promote a bett er coordination between theory and practice in knowledge production and troubleshooting. To en-rich the discussion, in a complementary way, it presents an overview of the action research development in education from a literature review.

    Key words: Action research. Knowledge dialogue. Participation.

    * Ps-doutoranda na Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (USP). E-mail: [email protected]

    ** Livre docente em Educao e professor titular da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (USP). E-mail: [email protected]

  • Pesquisa-ao e educao: compartilhando princpios na construo de conhecimentos...

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    La recherche-action et lducation: partage des principes dans la construction des connaissances et dans le

    renforcement de la communaut pour faire face a des problmes

    RSUM: Ce document vise promouvoir une rfl exion sur la mtho-dologie de la recherche-action par rapport ses principes, applications et contributions au secteur de lducation. Caractrise par limplication des groupes sociaux dans le processus de la prise de dcision, la recherche-ac-tion, ainsi que dautres mthodes participatives, mergent de linsatisfaction envers les mthodes traditionnelles de recherche. La recherche-action se r-fre galement la ncessit de promouvoir une plus grande coo rdination entre la thorie et la pratique dans la production de connaissances et la solution des problmes. Pour enrichir le dbat, de manire complmentaire, cet article prsente un panorama du dveloppement de la recherche-action dans lducation, partir de la rvision de la litt rature.

    Mots-cls: La recherche-action. Le dialogue des savoirs. La participation.

    Introduo

    O presente trabalho, constitudo como um estudo terico, objetiva analisar a metodologia da pesquisa-ao quanto aos seus princpios, bem como sua aplicao e contribuies para a rea da educao. Inicialmente, prope-se uma refl exo sobre sua origem no contexto de metodologias participativas, seus prin cpios norteadores e caractersticas referentes a sua estrutura organizacional, enfatizando-se seu papel na produo de saberes e no fortalecimento comunitrio para o enfrentamento de problemas. Em seguida, baseado em uma reviso biblio-grfi ca, ser apresentado e discutido um breve panorama do desenvolvimento da referida metodologia na rea educacional, analisando-se desafi os para sua efetiva-o e possveis contribuies a esse campo do conhecimento.

    Pesquisa-ao: origem, princpios e organizao

    Metodologias de pesquisa de carter participativo ganham repercusso mun-dial tanto na rea cientfi ca como no campo poltico, a partir do Primeiro Simpsio Mundial sobre Pesquisa Participante, realizado em Cartagena, Colmbia, em 1977 (FALS BORDA, 1986), e fundamentam-se na preocupao de garantir a participa-o ativa dos grupos sociais no processo de tomada de decises sobre assuntos que lhes dizem respeito, com vistas transformao social, no se tratando, portanto, de uma simples consulta popular, mas sim do envolvimento dos sujeitos da pesqui-sa em um processo de refl exo, anlise da realidade, produo de conhecimentos e enfrentamento dos problemas.

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    Pode-se dizer que o surgimento de metodologias de pesquisa participativa relaciona-se, principalmente, a uma insatisfao com paradigmas e mtodos de pesquisa clssicos e, no caso da pesquisa-ao em particular, remete no s a neces-sidade de envolver diretamente os grupos sociais na busca de solues para seus problemas, mas tambm de promover maior articulao entre a teoria e a prtica na produo de novos saberes (LEWIN, 1946; CARR; KEMMIS, 1986; THIOL-LENT, 2011; BARBIER, 2002; EL ANDALOUSSI, 2004).

    Neste contexto de insatisfao, outros movimentos como a Cincia Ps-Nor-mal (RAVETZ, 2004), a Abordagem Ecossistmica (LEBEL, 2003), a Aprendiza-gem Social (PAHL WOST; HARE, 2004), entre outros, fundamentados da mesma maneira pelo pr-requisito da participao e pelo dilogo e produo de saberes entre os diversos stakeholders (pesquisadores, sujeitos e tomadores de deciso), tm se mostrado como potencialmente efi cazes diante de situaes complexas a serem enfrentadas nas diversas reas do conhecimento.

    Entre os principais precursores da pesquisa-ao, Kurt Lewin o mais re-ferenciado (ADELMAN, 1993; THIOLLENT, 2011; BARBIER, 2002; MORIN, 2004), com seus estudos organizacionais e educacionais realizados em um contexto de ps-guerra, em 1946, quando trabalhava para o governo norte-americano. Lewin mostrava-se interessado em contribuir para a elevao da autoestima de grupos mi-noritrios e, por meio da pesquisa-ao, sustentada pela comunicao e cooperao entre pares, procurou fortalecer as relaes sociais destes grupos (ADELMAN, 1993; FRANCO, 2005).

    Para alguns autores (THIRION, 1980; GOYETTE; LESSARD-HBERT, 1993) citados por El Andaloussi (2004), entretanto, a pesquisa-ao tem sua origem em trabalhos anteriores, como os desenvolvidos por Dewey, em 1929, que ressal-tavam a importncia de pesquisas sobre a prtica escolar e a obteno de melhores resultados a partir do envolvimento dos sujeitos nesse processo. De qualquer ma-neira, so inegveis as contribuies de Lewin na formulao e sistematizao da chamada action research no quadro da psicologia social.

    Na rea educacional, a pesquisa-ao tem ainda forte inspirao nos traba-lhos desenvolvidos por Stephen Corey, na dcada de 1950, sobre experimentao do currculo procurando, da mesma maneira, incorporar prtica educativa resul-tados identifi cados por meio de pesquisa. Para Corey (1979, p. 298), ouvir dizer o que devemos fazer muito diferente de descobrir pessoalmente o que devemos fazer.

    Na Amrica Latina, no s a pesquisa-ao, mas as pesquisas participan-tes de maneira geral surgem entre as dcadas de 1960 e 1970 nas experincias de Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brando, Danilo Strech, entre outros, preocupados

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    tambm com a participao dos grupos sociais considerados excludos da tomada de decises para a soluo de problemas coletivos, tendo, portanto, um contedo bastante politizado. No caso de Paulo Freire, em especial, ao se analisar seus pos-tulados sobre a importncia da refl exo crtica dos sujeitos sobre suas prticas e da problematizao da realidade para seu enfrentamento, fi ca evidente a presena de seus pressupostos terico-metodolgicos na consolidao da pesquisa-ao, prin-cipalmente no campo da educao. Pode-se dizer ainda que o desenvolvimento desta modalidade de pesquisa intensifi cou-se fortemente no Brasil entre as dcadas de 1980 e 1990 com as obras de Ren Barbier1 e Michel Thiollent,2 que so, at o presente, amplamente referenciadas.

    Aproximando-se ainda do pensamento de Paulo Freire e contribuindo para o fortalecimento da pesquisa-ao na educao esto as ideias de Laurence Stenhouse, John Elliot, Wilfred Carr e Stephen Kemmis, valorizando a postura investigativa do professor para melhorar sua prtica (COSTA, 1991). Carr e Kemmis (1986) preco-nizam ainda o papel da pesquisa-ao para desencadear mudanas nas polticas e prticas institucionais que sustentam a educao.

    Assim, ao posicionar-se como um instrumento de investigao e ao dis-posio da sociedade, a pesquisa-ao exerce tambm uma funo poltica, ofe-recendo subsdios para que, por meio da interao entre pesquisadores e atores sociais implicados na situao investigada, sejam encontradas respostas e solues capazes de promover a transformao de representaes e mobilizar os sujeitos para aes prticas.

    Na pesquisa-ao as intervenes e a produo do conhecimento se interrela-cionam. Nesse sentido, Thiollent (2011) recomenda, sempre que possvel, um equi-lbrio na defi nio de objetivos prticos, que conduziro s solues, e de objetivos de conhecimento, como a identifi cao de representaes, habilidades, entre outros aspectos, que contribuiro, por sua vez, para esclarecer a problemtica em evidn-cia e melhor conduzir as aes transformadoras. Podem ser defi nidos, portanto, objetivos mais instrumentais, voltados para a resoluo de um problema prtico; e objetivos educacionais, voltados para a tomada de conscincia e para a produo de conhecimentos considerados relevantes no apenas para o grupo investigado. Ressalta ainda o autor que, com maior amadurecimento metodolgico e o devido respeito aos contextos socioculturais, esses objetivos podem e devem ser alcana-dos simultaneamente e que a ao dever ser defi nida em funo dos interesses e das necessidades encontradas, sendo que todas as partes envolvidas na situao investigada devem ser consultadas.

    Sobre esse aspecto, Pimenta (2005) considera que na pesquisa-ao os sujei-tos envolvidos em determinada problemtica constituem um grupo com objetivos

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    comuns, no qual assumem papis diversos, inclusive o de pesquisadores. Para Tripp (2005), para que a participao seja positiva, a proposta de pesquisa-ao deve: tratar de assuntos de interesse mtuo; basear-se em um compromisso compartilhado de realizao da pesquisa; permitir que todos os envolvidos participem ativamente da forma que desejarem; partilhar o quanto for possvel o controle sobre os processos da pesquisa; produzir uma relao de custo-benefcio igualmente benfi ca para to-dos; e estabelecer procedimentos de incluso para decises relativas justia entre os participantes.

    Flicker (2008), por sua vez, ao analisar os benefcios e benefi cirios de um projeto participativo, conclui sobre a existncia de dois grupos de benefi cirios: pesquisadores e diferentes stakeholders. Para a autora, projetos dessa natureza po-dem trazer benefcios tangveis e intangveis para aqueles diretamente envolvidos, bem como para a comunidade como um todo, mas alerta que estes no so, na maioria dos casos, equitativamente distribudos.

    Ainda sobre o carter participativo, List (2006), na tentativa de distinguir diferentes formas de envolvimento dos sujeitos, apresenta uma escala com sete nveis, que vai desde o nvel 1 cooptao/manipulao (manipulative co-option), passando pelo nvel 6 aprendizado interativo e colaborativo (interative co-learning) e, fi nalmente, o nvel 7 automobilizao e empoderamento (self-mobilization and empowerment).

    Na pesquisa-ao, em particular, pode-se dizer que para sua verdadeira efeti-vao a participao no pode limitar-se a uma simples divulgao de informaes, ou ainda a uma consulta popular, mas implica uma postura proativa no processo de tomada de decises e deve ocorrer, portanto, a partir do nvel 6 (aprendizado interativo e colaborativo) em direo ao nvel 7 (automobilizao e empoderamen-to), ou seja, ao mesmo tempo que requer a mobilizao social e a construo de co-nhecimentos sobre o tema, ao se concretizar, oferece um processo de aprendizagem mtua e de fortalecimento comunitrio.

    No tocante a organizao da pesquisa-ao, Lewin (1946) considera trs fases fundamentais desenvolvidas de forma semelhante a um espiral cclico: 1) plane-jamento (planning), que envolve o conhecimento e reconhecimento da situao; 2) ao (action); e 3) encontro de fatos (fact-fi nding) sobre os resultados da ao, os quais devem ser incorporados na fase seguinte de retomada do planejamento e assim sucessivamente. Dessa forma, por meio desses espirais, as aes tornam-se cada vez mais ajustadas s necessidades coletivas.

    Assim, a metodologia da pesquisa-ao considerada um sistema aberto, isso porque diferentes rumos podem ser tomados no decorrer do seu desenvol-vimento em funo das demandas encontradas. Inicia-se evidentemente com um

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    planejamento. Porm, conforme afi rma Thiollent (2011), h um ponto de partida, que a fase exploratria, e um ponto de chegada, referindo-se divulgao dos re-sultados, mas no intervalo haver uma multiplicidade de caminhos em funo das diferentes situaes diagnosticadas ao longo do processo.

    Neste contexto, o papel do pesquisador deve ser o de oferecer subsdios que propiciem a participao dos atores sociais envolvidos em todas as etapas e assegu-rar o rigor metodolgico, o qual favorecer o cumprimento dos objetivos propostos (instrumentais, educacionais, cientfi cos, entre outros).

    Por constituir-se dessa forma, o grau de cientifi cidade da pesquisa-ao alvo de crticas desde o seu surgimento. Para alguns autores, a cincia um pro-duto exclusivo de mtodos clssicos de pesquisa, como os positivistas. E, de fato, analisando-se dessa forma, as caractersticas da pesquisa-ao no permitem que esta seja enquadrada nos modelos experimentais convencionais. Porm, conforme destaca Thiollent (op. cit.), sem as ideias de cincia e de racionalidade corre-se o risco da pesquisa-ao cair no irracionalismo associado ao obscurantismo e s manipulaes de toda ordem. Pode-se optar por instrumentos de pesquisa dialgi-cos, experimentar situaes reais, onde as variveis no so isolveis, intervir cons-cientemente no processo, sem por isso abandonar a preocupao cientfi ca. O autor completa que pesquisas convencionais e pesquisas alternativas apenas se utilizam de solues e raciocnios diferentes.

    Vale destacar ainda a opinio de Zuiga (1981) sobre o carter cientfi co da pesquisa-ao, associado a sua funo poltica e de transformao social. Afi rma o autor que ela considerada de interesse cientfi co somente quando inovadora, do ponto de vista sociopoltico e ao colocar o controle do saber nas mos dos grupos e das coletividades que expressam uma aprendizagem coletiva, tanto na sua tomada de conscincia, como no seu comprometimento com a ao coletiva, mas deve ser denunciada quando se torna um instrumento nas mos do poder dominante.

    Aprendizagem coletiva, interveno e produo do conhecimento na pesquisa-ao

    A ao desencadeada pelo processo de pesquisa-ao, conforme j mencio-nado, pode ser de carter prtico, educativo, comunicativo, poltico, cultural etc., e ser originada e desenvolvida no decorrer do processo de pesquisa, em funo das necessidades encontradas, e no ao seu trmino, como ocorre usualmente em outros tipos de pesquisa. Dessa forma, na medida em que os atores sociais se envol-vem diretamente em uma ao que contribuir para a soluo de seus problemas, supera-se a passividade e, conforme afi rma El Andaloussi (2004), essa modalidade

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    de pesquisa propicia a reduo das distncias entre pesquisadores, tomadores de deciso e atores, no se tratando, portanto, de uma simples ao experimental a servio da pesquisa e nem de uma ao para resolver exclusivamente um problema sem a investigao de suas causas e consequncias. A pesquisa demanda uma ao, que por sua vez demandar novas pesquisas, e essa interrelao ser a base para uma possvel transformao social.

    Ao investigar e agir, pesquisadores e atores sociais desenvolvem um pro-cesso de aprendizagem coletiva, j que os resultados encontrados no decorrer do processo oferecero novos ensinamentos a todos. Para Giovanni (1994), as relaes estabelecidas no decorrer de uma pesquisa-ao assumem caractersticas didticas ao favorecer a investigao, o ensino e a aprendizagem, mas alerta a autora que este processo no espontneo, devendo ser trabalhado ao longo do seu desen-volvimento. Tozoni-Reis (2007) refora ainda que a articulao entre a pesquisa e a educao uma das caractersticas mais importantes da pesquisa-ao, onde a troca de conhecimentos possibilitada pelo processo de participao ocorrer no apenas por meio dos conhecimentos j existentes, mas contribuir para a produo de novos.

    Demo (2007) lembra a valorizao do conhecimento popular em pesquisas participantes em que se almeja a autonomia dos sujeitos, mas chama a ateno para o fato de que, assim como a comunidade no tem todas as respostas, os pesquisa-dores tambm no, ou seja, deve-se reconhecer a relevncia tanto do conhecimento cientfi co, como do conhecimento popular, pois estes no so concorrentes, mas sim complementares. Em adio, Meyer et al. (2006, p. 1340) afi rmam que

    [...] a intencionalidade de construir estratgias educativas que permitam investir em possibilidades de transformao das condies de vida, nas quais crenas, hbitos e comportamentos ganham sentido, demanda aprender, compreender e dialogar com a multiplicidade de aspectos que modulam as crenas, os hbitos e os comportamentos dos indivduos e grupos com os quais interagimos.

    Essa interao e troca de saberes favorece ainda o fortalecimento dos indi-vduos como sujeitos sociais e a tomada de conscincia, pois, ao interagir com os pesquisadores e com outras pessoas que vivenciam situaes semelhantes, as repre-sentaes desses sujeitos so reconhecidas ou transformadas.

    Em concordncia, Gil (2005) considera que, por meio desse processo de pes-quisa e interveno, as pessoas envolvidas em determinada problemtica e que par-ticipam da busca de solues benefi ciam-se no s com os resultados da pesquisa, mas tambm durante seu desenvolvimento, o que prprio da metodologia da pes-quisa-ao. E como destaca Barbier (2002), ela requer uma refl exo constante sobre a ao em todas as etapas do processo.

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    Assim, ao se envolverem em uma pesquisa-ao, os atores sociais, por meio de refl exo crtica sobre a realidade em que se inserem, comeam a se questionar sobre suas prticas e a formular perguntas que os auxiliaro na resoluo de seus proble-mas. No decorrer desse processo constroem-se no s conhecimentos individuais ou coletivos, mas tambm novas habilidades e atitudes que propiciaro a ressignifi cao de valores e a transformao de situaes indesejadas.

    Pesquisa-ao e educao: um dilogo possvel e relevante

    Para esta refl exo, prope-se inicialmente uma anlise do pensamento de dois autores para o enfrentamento da atual crise socioambiental, poltica, econmica e cul-tural. Para Santos (2001), h apenas uma sada: reinventar o futuro, abrir um novo horizonte de possibilidades, cartografado por alternativas radicais s que deixaram de ser (p. 322). J Guimares (2004) utiliza-se de uma metfora onde o rio represen-ta a sociedade; a sua correnteza, o paradigma dominante; e o curso do rio, o processo histrico. Para mudarmos o rio (sociedade), precisamos interferir na correnteza (pa-radigmas) do seu curso (processo histrico) (p. 29). Esse autor lana ainda o seguinte questionamento: como fazer se no quero ser carregado pela correnteza? (p. 30). Neste caso, sugere como uma das alternativas a criao de uma contracorrenteza, por meio de um movimento coletivo de resistncia.

    Assim, considera-se que a educao, como um processo planejado e participa-tivo de refl exo e ao, pode oferecer subsdios para que os grupos sociais nadem contracorrenteza e reinventem o futuro, atuando na busca de solues e na toma-da de decises sobre os problemas que lhes dizem respeito, satisfazendo no apenas suas necessidades, mas tambm seus anseios diversos. E, neste contexto, a pesquisa-a o tem se mostrado como uma alternativa metodolgica efi caz para tal fi nalidade.

    Desde a sua origem, identifi ca-se a pesquisa-ao como sendo desenvolvida no s na educao, mas em diversas outras reas do conhecimento, tais como: admi-nistrao, desenvolvimento comunitrio, mudana organizacional, prticas polticas, agricultura, negcios bancrios, sade, servio social, gerao de tecnologia, entre outras (TRIPP, 2005; THIOLLENT, 2011).

    Objetivando neste texto destacar sua aplicao e contribuies para a rea da educao, por meio de reviso bibliogrfi ca, procurou-se identifi car as dissertaes de mestrado e teses de doutorado desenvolvidas nas universidades estaduais paulistas Universidade de So Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que fi zeram uso da metodologia da pesquisa-ao, no perodo de 1990 a 2010. A busca foi realizada nas Bibliotecas Digitais de Teses e Dissertaes (Dedalus/USP, Athena/Unesp, Nou-Rou/Unicamp) das respectivas universidades, cujos trabalhos encontravam-se disponveis.

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    O critrio-chave para incluso foi possuir no resumo a expresso pesquisa-ao e, a partir da anlise deste, identifi c-lo como um estudo que fez uso desta metodologia e que se relacionava educao, seja como objeto de anlise ou como processo e/ou produto da investigao. Ressalta-se, portanto, que os resultados desta busca refl etem um panorama bastante especfi co, mas que contribuem para fortalecer a discusso aqui proposta.

    Foram encontrados 131 trabalhos na USP, 50 na Unesp3 e 68 na Unicamp, tota-lizando 249 estudos que adotaram a metodologia da pesquisa-ao no perodo consi-derado. Os quadros 1 e 2 a seguir apresentam respectivamente o nmero de trabalhos por faculdade e o nmero de trabalhos defendidos por ano, no perodo considerado.

    Quadro 1Nmero de trabalhos (dissertaes e teses) por faculdade, desenvolvidos por meio da

    pesquisa-ao, na USP, Unesp e Unicamp, no perodo de 1990 a 2010

    Universidade Faculdade Nmero de Trabalhos

    USP

    Faculdade de Educao 54

    Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto 35

    Escola de Enfermagem 8

    Escola de Comunicao e Artes 8

    Faculdade de Sade Pblica 6

    Faculdade de Filosofi a, Letras e Cincias Humanas 4

    Escola de Educao Fsica e Esporte 2

    Escola de Engenharia e So Carlos 2

    Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz 2

    Faculdade de Medicina 1

    Escola de Educao Fsica e Esporte de Ribeiro Preto 1

    Instituto de Biocincias 1

    Faculdade de Arquitetura e Urbanismo 1

    Programa de Ps-Graduao em Cincia Ambiental (Procam) 1

    Programa de Ps-Graduao em Integrao da Amrica Latina (Prolam) 1

    Instituto de Fsica 1

    Escola Politcnica 1

    Instituto de Psicologia 1

    Faculdade de Economia e Administrao 1

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    Universidade Faculdade Nmero de Trabalhos

    Unesp

    Faculdade de Filosofi a e Cincias, Marlia 16

    Instituto de Biocincias, Rio Claro 10

    Faculdade de Cincias e Tecnologia, Presidente Prudente 5

    Instituto de Artes, So Paulo 4

    Instituto de Biocincias, Letras e Cincias Exatas, So Jos do Rio Preto 3

    Faculdade de Cincias e Letras, Araraquara 2

    Faculdade de Cincias, Bauru 2

    Faculdade de Cincias e Letras, Assis 2

    Instituto de Geocincias e Cincias Exatas, Rio Claro 2

    Faculdade de Medicina, Botucatu 2

    Faculdade de Engenharia, Guaratinguet 1

    Faculdade de Cincia Humanas e Sociais, Franca 1

    Unicamp

    Faculdade de Educao 28

    Instituto de Estudos da Linguagem 16

    Faculdade de Educao Fsica 11

    Instituto de Geocincias 5

    Instituto de Artes 4

    Faculdade de Cincias Mdicas 3

    Instituto de Biologia 1

    TOTAL 249

    Quadro 2Nmero de trabalhos (dissertaes e teses) desenvolvidos com pesquisa-ao na USP,

    Unesp e Unicamp defendidos por ano, no perodo de 1990 a 2010

    Ano

    1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

    No de trabalhos 1 1 0 1 0 6 5 3 6 6 11

    Ano

    2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    No de trabalhos 19 9 14 11 29 21 35 28 21 22

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    Estudo semelhante, porm de maior abrangncia, realizado por Molina (2007), identifi cou 236 trabalhos defendidos (dissertaes e teses) nos Programas de Ps-Gra duao em Educao das instituies de ensino superior no Brasil, no perodo de 1971 a 2002. O autor ressalta que, entre 1972 e 1985, houve extensos espaos de tempo sem nenhuma produo, totalizando neste intervalo apenas quatro estudos; entre 1988 e 1992, apesar de ainda modesta, a produo aumentou para 16 estudos; e que, a partir de 1993, a pesquisa-ao se consolidou como uma tendncia emer-gente nas pesquisas em Educao, sendo que deste ano at 1996 foram realizados 48 estudos. No ltimo perodo considerado pelo autor, de 1997 a 2002, foram iden-tifi cados 168 trabalhos.

    Resultados da anlise realizada por Jesus (2002), sobre pesquisas produzidas em salas de aula nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, confi rmam essa tendncia, pois no perodo entre 1989-1999 a pesquisa-ao foi a metodologia mais utilizada. Em outro estudo, empreendido por Fernandes (2009), com foco no Ensi-no de Cincias, a pesquisa-ao tambm fi gurou como uma das metodologias mais presentes no perodo de 1972 a 2005, e sua relevncia reforada pela autora para a melhoria do ensino e desenvolvimento profi ssional do professor.

    Para efeito de comparao entre as pesquisas anteriormente citadas e o pano-rama apresentado no presente texto, apesar de representarem intervalos de tempo e universos de busca distintos, fi ca evidente a tendncia de emergncia de estudos com pesquisa-ao, pois, conforme o quadro 2 apresentado, no primeiro intervalo de tempo, de 1990 a 2000, foram identifi cados quarenta trabalhos, e de 2001 a 2010, esse nmero aumentou para 209.

    A opo por no considerar na construo deste panorama sobre a pesquisa--ao apenas os Programas de Ps-Graduao em Educao justifi ca-se pela rele-vncia desta metodologia em estudos de carter interdisciplinar, onde o compo-nente educacional se faz presente de diversas maneiras, como objeto de anlise ou como parte do processo de interveno, conforme abordado anteriormente. E, de fato, foram encontradas inmeras dissertaes e teses defendidas em instituies de ensino superior na rea da sade, das cincias naturais, entre outras, conforme quadro 1, mas que tambm tratavam de assuntos ligados temtica educacional como, por exemplo, a formao do profi ssional de enfermagem ou que objetiva-vam desenvolver uma interveno educativa como parte do processo de investiga-o, o que prprio da pesquisa-ao.

    Assim, dentre os temas mais abordados nos trabalhos identifi cados destaca-ram-se: refl exes sobre a formao profi ssional e os processos de ensino-aprendiza-gem; avaliao e/ou implementao do uso de novos materiais pedaggicos; educa-o ambiental; educao e promoo da sade; educao inclusiva; relaes entre a

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    comunidade escolar (alunos, professores, pais); e vulnerabilidade social associada sexualidade, uso de drogas e/ou violncia.

    Percebe-se que a problemtica a ser investigada e compreendida em torno des-tes temas muitas vezes de natureza complexa, pois alm de envolverem aspectos diversos como sociais, polticos, ticos, culturais, ambientais, econmicos etc., so marcados por confl itos de interesses. E, para esses casos, o uso de mtodos de pes-quisa distintos dos j consagrados clssicos ou tradicionais tem se mostrado bastante efi caz. Nesse sentido, a pesquisa-ao se prope a ir alm da busca de respostas para os problemas em estudo, avanando em direo ao enfrentamento destes no decor-rer do seu desenvolvimento. Em adio, considera-se que, por fundamentar-se no dilogo de saberes entre os diversos sujeitos envolvidos e caracterizar-se como um sistema metodolgico aberto em constante construo e reconstruo, possibilitando a combinao de instrumentos de pesquisa dialticos e no dialticos, pode-se dizer que esse processo de compreenso e enfrentamento de problemas de natureza com-plexa facilitado.

    Em concordncia, a viabilidade da pesquisa-ao da mesma maneira enfati-zada por outros autores, no sentido de que, ao envolver grupos sociais na resoluo de seus problemas, permite integrar ensino, pesquisa e extenso. Alm disso, ao se analisar princpios norteadores da educao, torna-se clara a pertinncia de aborda-gens e estratgias metodolgicas que superem a lgica tradicional (SANTOS, 2004; TOZONI-REIS, 2007).

    Neste contexto, ao destacar seu carter refl exivo, mobilizador, gerador de conhecimentos interdisciplinares e de solues coletivas, a pesquisa-ao aplicada educao mostra-se com forte potencial de contribuio em processos de trans-formao das prticas institucionais, bem como no desenvolvimento da cidadania e do empoderamento, elementos essenciais para a mediao de situaes de con-fl ito.

    Manzano (2009), ao analisar uma experincia com pesquisa-ao sobre diversi-dade e violncia na escola com foco na formao de professores, reconheceu a criao de um espao de escuta e a construo coletiva de ideias plurais, onde o professor passou de objeto de anlise para sujeito da anlise e refl exo do seu prprio cotidiano, facilitando, portanto, o enfrentamento da problemtica em questo sem pr-julga-mentos, mas deixando a experincia ser revelada por si.

    Outro paralelo a ser estabelecido entre a pesquisa-ao e a educao que ambos os processos devem ser pensados e constantemente reformulados de forma a atender s necessidades coletivas, conforme prope, inclusive, o espiral cclico de Lewin: planejamento, ao e encontro de fatos. Malagodi (2009) refora essa ideia ao investigar o percurso de uma ao em educao ambiental, pois sugere a

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    pesquisa-ao (proposta por Kurt Lewin e na perspectiva da fi losofi a da prxis de Ren Barbier) como facilitadora de intervenes sociais e da integrao entre teoria e prtica, de forma a atender interesses coletivos.

    Identifi ca-se, portanto, que, nos processos de pesquisa-ao, tanto a pesquisa como a ao (educativa e social) so igualmente importantes e, na opinio de To-zoni-Reis (2007), o abandono desta perspectiva tem se mostrado como um dos mais frequentes equvocos no uso desta metodologia.

    Dentre os resultados da reviso bibliogrfi ca, merece destaque ainda a identi-fi cao de diversas modalidades/abordagens de pesquisa-ao, assim denominadas: pesquisa-ao participante; pesquisa-ao integral e sistmica; pesquisa-ao colaborativa; pesquisa-ao colaborativa/comunicacional; pesquisa-ao exis-tencial; pesquisa-ao crtico-colaborativa; e pesquisa-ao emancipatria. O quadro 3 a seguir traz esclarecimentos sobre cada uma delas, segundo autores dos trabalhos e/ou referncias por eles adotadas.

    Quadro 3

    Modalidades/abordagens de pesquisa-ao identifi cadas entre os trabalhos (dissertaes e teses) desenvolvidos na USP, Unesp e Unicamp, defendidos no perodo de 1990 a 2010, e trechos

    explicativos para cada uma delas, segundo autores dos trabalhos e/ou referncias por eles adotadas.

    Modalidades/abordagens de pesquisa-ao

    Trechos explicativos, segundo autores dos trabalhos e/ou referncias por eles adotadas

    Pesquisa-ao participante

    A escolha metodolgica da minha pesquisa embasada na proposta de Orlando Fals Borda, denominada por ele de pesquisa-ao-partici-pante, tendo como foco a investigao participativa, propondo o tra-balho poltico libertador como critrio central da criao desta nova cincia do homem (Turina, 2008, p. 12).

    Pesquisa-ao integral e sistmica

    O universo de estudo desta pesquisa confi gura-se em torno do pro-cesso de elaborao e construo da Agenda 21 Escolar de Embu das Artes, cujo percurso pautou-se pela adoo de tcnicas e estratgias da pesquisa-ao integral e sistmica, de Andr Morin (2004), buscando o envolvimento dos participantes do processo como coautores do co-nhecimento e prticas engajadas, numa abordagem interativa, colabo-rativa (Franco, 2010, p. 25).

    Pesquisa-ao colaborativa

    A compreenso de todo o processo desta pesquisa-ao de natureza colaborativa se baseia nas relaes entre cada um dos participantes, isto , (professora-pesquisadora, alunos, professores coordenadores, direo) em que o conceito de colaborao baseia-se na igualdade de oportunidades dos participantes da interao em colocar em dis-cusso sentidos/signifi cados, valores e conceitos que vm embasando suas aes, escolhas, dvidas e discordncias (Dias, 2003, p. 54).

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    Modalidades/abordagens de pesquisa-ao

    Trechos explicativos, segundo autores dos trabalhos e/ou referncias por eles adotadas

    Pesquisa-ao colaborativa/comunicacional

    Colaborativa, pelo fato de ter sua origem em necessidade sentida pela SME de Mogi das Cruzes, solicitando cursos e projetos de for-mao contnua de professores, ratifi cada pela adeso voluntria de professores das escolas que tiveram a liberdade de atender ou no a um convite para participao em cursos e projetos disponibilizados. E ainda por ter se articulado, ao longo do seu desenvolvimento, com outras instituies. Comunicacional, porque realizada com a partici-pao de sujeitos que vivenciaram os problemas focalizados pela pesquisa e que em conjunto com o pesquisador vm desvendando as condies que consideram problemticas e cooperam na construo de crticas construtivas, transformadoras das prticas consideradas (Fernandes, 2009, p. 89).

    Pesquisa-ao existencial

    O pesquisador na pesquisa-ao , portanto, o sujeito autor de sua prtica e de seu discurso; a pesquisa que realiza compartilha-da com outros/outro, em um grupo em que interagem os confl itos e imprevistos, no qual se admite a incompletude de cada um. Dessa interao emerge um saber e a possibilidade de apropriao e, por conseguinte, da autorizao como fundamento da autoridade mo-ral docente. A esse tipo de pesquisa, Barbier (2002) classifi ca como pesquisa-ao existencial e se distingue da pesquisa-ao realizada apenas com a fi nalidade de implantar programas prticos (Acker, 2008, p. 30).

    Pesquisa-ao crtico-colaborativa

    Trabalhar dentro de uma perspectiva metodolgica fundada na pesquisa-ao crtico-colaborativa pressupe, segundo Franco (2005), um ambiente onde a pesquisa desencadeada pela busca de transforma-o solicitada pelo grupo pesquisado, sendo alicerada por um pensa-mento crtico coletivo, visando a emancipao dos sujeitos e das con-dies consideradas opressivas pelo grupo (Rodrigues, 2008, p. 102).

    Pesquisa-ao emancipatria

    A pesquisa-ao emancipatria, por sua vez, ocorre quando um grupo de praticantes assume coletivamente a responsabilidade do desenvol-vimento/transformao da prtica, considerando-a social e historica-mente construda. Aqui, o prprio grupo de professores assume a res-ponsabilidade de emancipar-se das amarras da alienao, da falta de autorrealizao e da injustia social. Cabe sempre ao grupo promover e desenvolver seu prprio trabalho (Sborquia, 2008, p. 137).

    Como se percebe, diferentes classifi caes para a pesquisa-ao consideram aspectos como a sua intencionalidade, nvel de envolvimento dos sujeitos, origem das necessidades, natureza da interveno, entre outros; aspectos estes que, muitas vezes, se sobrepem, como aqueles relacionados aos princpios norteadores, entre eles a refl exo e o dilogo de saberes, ou ainda referentes sua organizao como um sistema aberto e cclico. Assim, percebe-se que uma pesquisa-ao classifi cada como emancipatria pode tambm ser crtico-colaborativa, e vice-versa.

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    Para Franco (2005), nas ltimas dcadas, a pesquisa-ao tem sido utiliza-da de diversas maneiras, constituindo um vasto mosaico de abordagens terico--metodolgicas, e que, muitas vezes se operacionalizam na prxis investigativa, sem a necessria explicitao de seus fundamentos tericos, gerando inconsistn-cias entre teoria e mtodo e comprometimentos validade cientfi ca dos estudos (p. 485). Tripp (2005) ressalta que, devido sua popularidade, a pesquisa-ao tem sido aplicada de maneira vaga a qualquer tentativa de investigao ou melhoria da prtica. Monteiro et al. (2000) alertam ainda para a tendncia da pesquisa-ao tornar-se um modismo, pois afi rmam que novas teorias e prticas so muitas vezes recebidas sem muita crtica e, como consequncia, recaem sobre a banalidade.

    Assim, considera-se fundamental a realizao de estudos que analisem prin-cpios tericos e prticas de metodologias como a pesquisa-ao, de forma a contri-buir para seu constante aprimoramento.

    Consideraes inais

    Com base nas refl exes aqui propostas e argumentos apresentados, eviden-cia-se o uso da pesquisa-ao como extremamente adequada na rea da educao, j que ambos os processos objetivam estimular a autonomia dos sujeitos, por meio da construo dialgica de saberes, o desenvolvimento de prticas cidads e a busca de solues para os problemas de forma participativa.

    Conclui-se ainda que, nas ltimas dcadas, a pesquisa-ao tem sido utilizada junto a diversos temas, baseando-se em uma grande variedade de representaes e abordagens terico-metodolgicas. Apesar disso, carrega o objetivo comum de se consolidar como uma nova linha de pensamento e de enfrentamento dos problemas que ultrapasse os limites acadmicos das pesquisas clssicas e tradicionais, aproxi-mando os diversos atores sociais (sujeitos do problema, pesquisadores e tomadores de deciso) e contribuindo para a implementao de polticas pblicas que susten-tam, inclusive, a educao.

    Notas

    1. A obra original de 1977, mas s em 1985 foi traduzida e publicada no Brasil: Pesquisa-ao na ins-tituio educativa (Rio de Janeiro: Zahar).

    2. A primeira edio do livro Metodologia da pesquisa-ao, de Michel Thiollent, de 1985. Atualmente, est na 18 edio.

    3. Na Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes da Unesp (Athena) foram encontrados trabalhos ape-nas a partir de 2001.

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