perspectivas quanto às características do trabalho e ... · o movimento de desregulamentação...

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Perspectivas quanto às características do trabalho e expectativas de carreira: um estudo sobre os consultores de grandes firmas estrangeiras de consultoria. Mauricio Terra Tilhe Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD Mestrado em Administração Orientadora: Ursula Wetzel Brandão dos Santos RIO DE JANEIRO Dezembro de 2002

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Page 1: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

Perspectivas quanto às características do trabalho e expectativas

de carreira: um estudo sobre os consultores de grandes firmas

estrangeiras de consultoria.

Mauricio Terra Tilhe

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD

Mestrado em Administração

Orientadora:Ursula Wetzel Brandão dos Santos

RIO DE JANEIRODezembro de 2002

Page 2: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

Perspectivas quanto às características do trabalho eexpectativas de carreira: um estudo sobre consultores degrandes firmas estrangeiras de consultoria.

Mauricio Terra Tilhe

Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de Administraçãoda Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessáriosà obtenção do Grau de Mestre.

Aprovada por:

_______________________________________ Presidente da BancaProfa. Ursula Wetzel Brandão dos Santos

(COPPEAD)

_______________________________________Prof. Donaldo de Souza Dias

(COPPEAD)

_______________________________________Prof. José Roberto Gomes

(PUC-Rio)

Rio de Janeiro, RJ2002

Page 3: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço a minha orientadora, professora Ursula. Sua

orientação e dedicação foi fundamental para o desenvolvimento deste trabalho.

Agradeço aos meus amigos e à Bruna, pelo apoio e por sempre me

lembrarem de que posso ir mais longe.

Em especial, agradeço de coração aos meus pais e ao meu avô. Este

trabalho significa o sucesso de vocês, os verdadeiros mestres. Obrigado.

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RESUMO

No início do século XX, durante a Era Industrial, o paradigma que norteava

o mundo empresarial baseava-se na divisão do trabalho e na especialização das

tarefas. O foco das empresas era a produção em larga escala. Cada trabalhador

repetia a mesma tarefa, sob supervisão superior, e o ritmo de seu trabalho era

fundamental para o alcance dos níveis de desejados.

A expectativa de relação entre o empregado e a empresa era de longo

prazo; o trabalhador subia lentamente na pirâmide organizacional, e em troca se

mostrava eternamente fiel à empresa.

Em meados da década de 70, observamos o início da chamada Era Pós-

Industrial, caracterizada pelo crescimento do setor de serviços e o aumento do

impacto do conhecimento científico e tecnológico nas organizações. Nesse novo

contexto, o cliente adquire um grande valor para as empresas. A ameaça de

concorrência global obriga as empresas a desenvolver produtos e principalmente

serviços especializados/customizados, dirigidos a nichos específicos de mercado.

Torna-se cada vez mais importante estar próximo do cliente e direcionar o foco da

empresa para a sua satisfação.

Através do uso intensivo de novas descobertas tecnológicas, a empresa

procura conciliar flexibilidade de produção e aumento do tempo de resposta às

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necessidades dos consumidores finais. É preciso ser mais ágil, reduzir os níveis

hierárquicos, é preciso que a informação trafegue, do topo para a base e vice-

versa, com rapidez e sem ruídos.

Com efeito, as relações entre empregado e empresa tendem a se

enfraquecer. A empresa começa a adotar novas políticas de recursos humanos,

onde apenas uma determinada parcela de seus funcionários, somente aqueles

flexíveis e adaptáveis a diferentes tipos de cultura e processos de trabalho, são

valorizados.

A nossa proposta para esse trabalho é analisar como o profissional de

consultoria se coloca diante desse quadro referencial, e concluir se o mesmo pode

ser caracterizado como representante da Era Industrial ou Pós-Industrial, ou ainda

um híbrido das duas.

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Figuras e Quadros

Figura 1: Contrato Psicológico - Era Industrial

Figura 2: Carreira - Era Industrial

Figura 3: Remuneração - Era Industrial

Figura 4: Estrutura Funcional - Era Industrial

Figura 5: Estrutura Divisional - Era Industrial

Figura 6: Cadeia Produtiva - Era Industrial

Figura 7: Mercado de Trabalho Pós-Industrial

Figura 8: Transição para as Carreiras Pós-Industriais

Figura 9: Transição para a Remuneração Pós-Industrial

Figura 10: Estrutura Network - Era Pós-Industrial

Quadro 1: Fordismo e Acumulação Flexível

Quadro 2: Caracterização dos Entrevistados

Quadro 3: Contrato Psicológico

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1) O Problema 1

2) Referencial Teórico 7

2.1) Modelo Industrial 7Introdução à Era Industrial 7O Contrato Psicológico da Era Industrial 10Carreira Industrial 13Remuneração baseada nos Cargos 15A Estrutura Organizacional na Era Industrial 17As Características do Trabalho Industrial - Rotina e Divisão de Tarefas 21

2.2) Modelo Pós-Industrial 24Introdução à Era Pós-Industrial 24O Novo Contrato Psicológico 36Carreiras Pós-Industriais 49Modelos de Remuneração da Era Pós-Industrial 56Novas Propostas de Estrutura Organizacional 63As Características do Trabalho Pós-Industrial - Flexibilidade e Sobrecarga 68

3) Metodologia 78

4) Análise dos Dados 86

Características do trabalho 86Remuneração 98Estrutura Organizacional 104Contrato Psicológico 109Evolução na Carreira e Expectativas de Futuro 119

5) Conclusões 128

6) Recomendações de Pesquisas 142

7) Referências Bibliográficas 144

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1) O Problema

Introdução

Durante a chamada Era Industrial, o paradigma que norteava o mundo

empresarial baseava-se na divisão do trabalho e na especialização das tarefas.

Através da rotina do trabalho, sempre repetitivo e exigindo pouca ou nenhuma

criatividade, era possível alcançar elevados níveis de produtividade. O mercado

consumidor estava nas mãos das empresas, pois a demanda crescia em uma

velocidade muito maior do que a capacidade produtiva; ou seja, não havia

produtos para atender a todos. O nome do jogo era produzir em escala, e

reforçava a característica rotineira e repetitiva do trabalho. Tudo que era produzido

era vendido, sem muita dificuldade, visto a demanda reprimida.

A preocupação das empresas era, então, produzir cada vez mais. Cada

trabalhador representava um elo na cadeia de trabalho, e possuía sua

determinada tarefa ou função em ritmo suficiente para alcançar os níveis de

produtividade desejados. A repetição incansável de uma determinada tarefa,

sempre sob supervisão superior, fazia com que o trabalhador tivesse condições

tanto de aumentar o ritmo da produção quanto de reduzir os erros.

Nesse período, a ligação entre empregados e empresas normalmente

perdurava por toda a vida profissional do trabalhador. O processo funcionava da

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seguinte forma: o trabalhador entrava na empresa nos níveis inferiores, e com o

passar do tempo ocupava cargos mais elevados; com efeito, a empresa era

obrigada a adicionar novos degraus a sua hierarquia organizacional. O período

industrial era também marcado por uma forte relação de fidelidade entre empresa

e empregado. Quanto maior o tempo de empresa, maior a fidelidade do

funcionário para com ela, pois a própria senioridade era o fator principal no

momento da promoção a cargos mais elevados. Era como se houvesse um

compromisso de cavalheiros que interessava a ambas as partes, tanto à empresa

quanto ao empregado. Uma troca onde a empresa entrava com oportunidade de

carreira e consequentemente salários mais atraentes no longo prazo, e o

empregado com a lealdade e esforço pessoal.

Em meados da década de 70, observamos o início da chamada Era Pós-

Industrial. Diferentemente do Período Industrial, o Pós-Industrialismo1, Pós-

Fordismo ou Era da Informação caracteriza-se pelo crescimento do setor de

serviços e o aumento do impacto do conhecimento científico e tecnológico nas

organizações. O mercado, representado pelo cliente, passa a influenciar

ativamente o processo de produção, desde a qualidade da matéria prima até as

características do produto final, passando pelo papel sócio-ambiental das

empresas.

1 Para efeito desse estudo, os termos Pós-Industrialismo, Pós-Fordismo e Era da Informação serãointercambiáveis. Na realidade, cada termo representa o enfoque de determinado autor sobre o mesmo assunto.

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Se antes a demanda era reprimida, e quem produzia mais obtinha os

maiores lucros, hoje o consumidor exerce um papel fundamental no desenho do

produto, bem como em suas especificações de qualidade. O cliente da Era Pós-

Industrial interfere diretamente em todas as etapas da cadeia de valor, seja na

pesquisa e desenvolvimento, na produção, ou na venda. Através do poder que

exerce a partir da variedade de opções de compra, a voz do cliente é muito

importante; ele exige customização, entrega a domicílio, embalagens que não

agridem a natureza, etc.

O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das

características mais marcantes da Era Pós-Industrial; a ameaça de concorrência

global obriga as empresas a desenvolver produtos e principalmente serviços

especializados/customizados, dirigidos a nichos específicos de mercado. Torna-se

cada vez mais importante estar próximo do cliente, reconhecer o que ele valoriza,

o que ele não gosta, e trazer essas informações para a operação da empresa. É

preciso vender soluções aos seus clientes, e não apenas produtos.

As empresas da Era Pós-Industrial transformaram-se em um tipo de centro

de pesquisa; é preciso alto nível de desenvolvimento científico e tecnológico para

implementar em suas operações as modificações necessárias à satisfação do

cliente, e principalmente alcançar uma fórmula onde o custo dessa operação não

sobrecarregue o preço final dos produtos. Só a tecnologia é capaz de conciliar

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flexibilidade de produção e aumento do tempo de resposta às necessidades dos

consumidores finais, fatores essenciais ao sucesso na competição global.

Todo esse aporte tecnológico, associado a já citada crescente necessidade

de flexibilidade e responsividade frente às exigências de mercado, convergem

para uma redução da estrutura das empresas. É preciso ser mais ágil, reduzir os

níveis hierárquicos, é preciso que a informação trafegue, do topo para a base e

vice-versa, com rapidez e sem ruídos. Além disso, e acima de tudo, é preciso ser

enxuto, cortar custos.

Com efeito, observamos um processo drástico de redução de quadros, na

maioria das vezes não estruturado. As relações entre empregado e empresa

tendem a se enfraquecer: há menos expectativa de planos de longo prazo, e isso

é claro para ambas as partes. A empresa tende a cultivar preferencialmente os

denominados talentos: funcionários flexíveis e adaptáveis a diferentes tipos de

cultura e processos de trabalho, e principalmente, capazes de trabalhar em

equipes multifuncionais.

Sendo assim, há toda uma fórmula interna nas políticas de recursos

humanos que diferencia os talentos dos demais funcionários. Dos talentos,

espera-se total flexibilidade, principalmente funcional e geográfica, associada à

capacidade de adaptação a diferentes ambientes. Os demais funcionários

completam o quadro, enquanto for conveniente para a empresa.

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A nossa proposta para esse trabalho é analisar como o profissional de

consultoria se coloca diante desse quadro referencial, e concluir se o mesmo pode

ser caracterizado como representante da Era Industrial ou Pós-Industrial, ou ainda

um híbrido das duas.

Objetivo Final

Este trabalho tem por objetivo investigar as características do trabalho dos

profissionais de grandes firmas estrangeiras de consultoria, especificamente no

que se refere ao contrato psicológico, à remuneração, à expectativa de carreira, e

à estrutura das empresas onde trabalham, de modo a verificar o quanto se

inserem no Modelo Industrial ou no Modelo Pós-Industrial de trabalho.

Delimitação do Estudo

Uma pesquisa sobre as características do trabalho e perspectivas de

carreiras oferece um leque bastante amplo de enfoque. Primeiramente,

poderíamos ter optado pelo enfoque de outra profissão. Em segundo lugar, o

enfoque poderia ter sido em consultores autônomos, ou ainda de pequenas

consultorias nacionais.

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No caso, optamos pelo estudo dos profissionais de grandes firmas

estrangeiras de consultoria de alta gestão. A delimitação quanto à entrevista de

consultores estabelecidos no Estado do Rio de Janeiro se deu pela facilidade de

acesso devido à proximidade.

Relevância do Estudo

O estudo em questão é de suma importância para os profissionais recém

chegados ao mercado de trabalho; o mapeamento das características de uma

classe profissional facilita o entendimento das questões relativas ao seu trabalho,

principalmente as expectativas quanto à estabilidade, oportunidades de carreira,

formas de remuneração praticadas, dentre outras.

O estudo também é de grande relevância para as empresas de consultoria,

por configurar um retrato das expectativas e anseios dos consultores sobre o seu

próprio trabalho, e das dificuldades encontradas pela consultoria para atender

essas expectativas.

Em uma visão mais ampla, o estudo também representa uma fonte de

informações para as empresas que pretendem repensar a forma de conduzir o

relacionamento com seus empregados, principalmente quanto à questões

relacionadas à estrutura organizacional, remuneração e expectativa de carreira.

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2) Referencial Teórico

2.1) Modelo Industrial

Introdução à Era Industrial

Ransome (1999) considera os anos entre 1750 e 1900 como um período de

grande desenvolvimento da sociedade industrial. A aplicação de novas

tecnologias, combinadas aos novos processos de organização industrial do

trabalho, resultaram em grande crescimento econômico da industria,

primeiramente observado na Europa e posteriormente nos Estados Unidos.

Segundo o autor, a hierarquia social, antes fincada nos antigos conceitos da

aristocracia feudal, transformou-se e passou a ser determinada pela autoridade do

capital do empreendedor industrial. A classe social mais inferior deixou o campo,

em destino às fábricas. Antigas preocupações como sazonalidade ou ciclos de

cultivo, importantes na vida rural, foram substituídas por outras como a atenção e

respeito aos horários de entrada e saída nas fábricas e também a preocupação

com a produtividade. O homem passou a ser remunerado pelo tempo que

empregava na produção, perdendo assim a noção de quanto seria a sua parcela

de contribuição para o desenvolvimento e fabricação do produto final.

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Todo esse desenvolvimento industrial em busca do aumento da

produtividade levou a um aumento da oferta de produtos no mercado. Segundo o

autor, essa grande oferta, associada ao desenvolvimento cada vez maior das

áreas de planejamento, marketing e vendas, causou um aumento também na

demanda. Dessa forma, a sociedade industrial se transformou na sociedade do

consumo, onde o desenvolvimento de novos produtos e o estímulo aos

consumidores tornaram-se fatores extremamente importantes para o sucesso das

organizações. O consumo tornou-se um dos mais importantes símbolos de status

e diferenciação social, mesmo sendo o grande responsável pelo excesso de

trabalho e a grandes sacrifícios pessoais em relação à família, saúde e vida social.

Harvey (2000), por sua vez, opta por analisar o nascimento da Era Industrial

sob a ótica do modelo de produção fordista. Segundo o autor, o desenvolvimento

do fordismo, no início do século XX, teve como base de sustentação a

racionalização de velhas tecnologias e de uma detalhada divisão do trabalho, já

preconizada pela Administração Científica 2.

O que distinguia as idéias de Henry Ford da Administração Científica de

Taylor era a visão de que a produção em massa levaria ao consumo também em

massa, e por conseqüência a uma nova sociedade democrática, racionalizada,

2 Estudos realizados por F. W. Taylor, que analisavam o aumento da produtividade do trabalho através dadecomposição do fluxo de trabalho em várias etapas distintas, associado à supervisão rigorosa dosmovimentos executados pelos empregados, e o tempo demandado em cada um desses

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modernista e populista. Segundo Harvey (2000), o fordismo dava origem à figura

de um novo tipo de trabalhador, e consigo um novo tipo de homem, adequado à

nova fórmula de processo produtivo.

A jornada de trabalho de oito horas e cinco dólares ao dia pregada por Ford

tinha vários efeitos na vida pessoal, familiar e profissional da classe assalariada. O

empregado era obrigado a trabalhar com disciplina para garantir a alta

produtividade, o que por si só garantia renda e tempo de lazer suficientes para que

a produção em massa fosse consumidas pelos próprios trabalhadores. Segundo

Harvey (2000), Ford era demasiadamente preocupado com o tipo de produtos que

seus empregados consumiam, a ponto de enviar equipes de assistentes sociais a

suas casas com o objetivo de garantir que o que compravam correspondia às

expectativas da corporação.

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O Contrato Psicológico da Era Industrial

Rosseau e Benzone (1995) definem Contrato Psicológico como a forma

através da qual a empresa e os empregados se relacionam entre si. As autoras

apontam que, durante a Era Industrial, havia uma forte relação de

comprometimento entre o empregado e o empregador, tanto no que se refere ao

grau de envolvimento entre o indivíduo e a cultura organizacional quanto à

duração do relacionamento. Ambos - empresa e empregado - criavam

expectativas futuras, e esse envolvimento quase que sentimental adquiria a força

de um acordo não verbal, onde as partes se comprometiam mutuamente, em

busca de uma relação duradoura. Esse empenho mútuo em busca do

desenvolvimento de uma relação de longo prazo entre o empregado e o

empregador caracterizou o contrato psicológico encontrado na Era Industrial.

Figura 1Contrato Psicológico - Era Industrial

Segundo as autoras, tanto empresa quanto empregados tinham a sua

parcela de contribuição mútua, reguladas em tese pelo Contrato Psicológico; o

empregado era leal à organização, e dificilmente aceitava propostas de emprego

de outras companhias. A empresa, por sua vez, se encarregava do planejamento

lealdade esforço pessoal

sacríficio

oportunidade de carreira salário

desenvolvimento pessoal

Empregado Empresa

Contrato Psicológico - Era Industrial

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da carreira a longo prazo, das promoções e do desenvolvimento pessoal de seus

empregados.

Cappelli (1999) diferencia o contrato psicológico de um contrato legal,

afirmando que o primeiro baseia-se no que as partes percebem como obrigações

próprias, e não em formalidades típicas de um contrato legal.

Segundo o autor, o que motiva os empregados a cooperar com a gerência e

apresentar elevados níveis de comprometimento em busca da superação das

metas e objetivos organizacionais é esse acordo, ou contrato, implícito entre eles

e a organização. A moeda de troca para esse comprometimento do empregado é

a certeza de que a empresa cuidará do seu desenvolvimento no longo prazo. Os

programas de treinamento, por exemplo, criam uma certa obrigação de

reciprocidade dos empregados para com a empresa, ao mesmo tempo em que

garantem o desenvolvimento das habilidades que a organização precisa para

atingir seus objetivos de longo prazo.

Segundo Cappelli (1999), esse modelo de relação longo prazo entre

empregado e empregador servia a três propósitos:

• garantia do retorno dos investimentos em treinamento,

• desenvolvimento de uma relação de lealdade e comprometimento com os

empregados, e

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• motivação a um custo relativamente baixo, pela promessa de promoção interna

no longo prazo

Em seus estudos sobre a IBM, Cappelli (1999) observa, no decorrer da

década de 50, a elevada rotatividade dos empregados pelas mais diversas

funções. Essa prática levava os empregados a acumularem um grande

conhecimento sobre a organização como um todo, o que os tornava mais valiosos

para a empresa com o tempo. Além disso, outro ponto que chama a atenção do

autor é o permanente investimento em treinamento; o desenvolvimento dos

funcionários era uma preocupação quase que constante da empresa durante toda

a carreira.

Tanto a IBM quanto seus funcionários apostavam em um relacionamento de

longo prazo. Esse investimento mútuo e duradouro era interessante para ambos, e

sem dúvida retratava a realidade de um período de estabilidade e previsibilidade

da Era Industrial. O autor observa que os planos de negócios da IBM se

estendiam por aproximadamente 10 anos, dado que as condições futuras eram

facilmente antecipadas na época. Sendo assim, as diversas áreas da IBM podiam

se planejar com antecedência, e com certo grau de certeza, inclusive no que se

refere à formação de pessoal qualificado para projetos futuros.

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Carreiras da Era Industrial

Miles e Snow (1996) definem carreira como a seqüência de experiências de

uma pessoa ao longo de sua vida profissional; sendo assim, a carreira envolve

uma relação entre o indivíduo e as empresas onde trabalhou. Na visão do

indivíduo, o conceito de carreira relaciona-se à evolução do seu próprio potencial

de trabalho, associado à plena utilização do mesmo. E na visão da empresa,

carreira é a transformação de sua estrutura organizacional em uma forma

dinâmica e gerenciável de desenvolvimento através de seus funcionários.

Miles e Snow (1996) analisam a carreira típica da Era Industrial, afirmando

que nessa época a prática era o indivíduo galgar níveis superiores na pirâmide da

organização industrial à medida em que era treinado para ocupar novos cargos.

Osterman (1999) concorda com os autores, considerando a promoção para

funções de nível mais elevado dentro da organização ao longo do tempo como

uma das características básicas das carreiras da Era Industrial.

Kanter (1997) também analisa as características da carreira da Era

Industrial, introduzindo o conceito de carreira corporocrática. Neste tipo de

carreira, o funcionários são promovidos quase que automaticamente a cargos

melhores e maiores dentro da empresa, com o passar do tempo cada promoção a

uma função de nível mais elevado, o indivíduo aumenta suas responsabilidades,

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desafios, status e salários, e de certa forma fortalece ainda mais toda a estrutura

burocrática.

Figura 2Carreira - Era Industrial

Segundo a autora, os pressupostos necessários à sustentação desse tipo

de carreira eram:

• distribuição piramidal da estrutura organizacional e manutenção da hierarquia,

na medida em que apenas poucos eram promovidos;

• crescimento organizacional contínuo, possibilitando a oferta de novas

oportunidades de cargos através da expansão horizontal da pirâmide

organizacional,

• empregos de longo prazo, que de certa forma garantiam uma promoção no

futuro, ainda que distante.

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Remuneração Baseada nos Cargos

Kanter (1997) observa que durante a Era Industrial, as empresas utilizavam

o status como a base tradicional para o pagamento de salários; a remuneração

era estreitamente relacionada à posição ocupada na hierarquia organizacional,

sem qualquer vínculo com o desempenho individual ou coletivo.

É bem verdade que o cálculo de quanto valia o trabalho, ou seja, a efetiva

contribuição de cada empregado, é um processo bastante subjetivo. Segundo

Kanter (1997), o padrão de remuneração da Era Industrial buscava reduzir esse

teor de subjetividade do valor do salário através da associação direta deste ao

cargo ocupado pelo indivíduo dentro da escala burocrática. Cada cargo era

associado diretamente a um nível salarial e apresentava sua descrição quanto à

responsabilidade para a tomada de decisão, importância para a organização,

número de subordinados, nível de escolaridade ou experiência requeridos, dentre

outros fatores, excluindo o processo de trabalho e o resultado financeiro deste

para a empresa. A única forma de aumentar o valor recebido no contracheque

seria galgar uma posição de status superior à anterior.

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Figura 3Remuneração - Era Industrial

Kanter (1997) verifica que, através dessa simplificação, indivíduos com a

mesma posição dentro da hierarquia da empresa tendiam a receber salários

iguais; ou seja, aqueles com a mesma experiência, ou mesmo nível de instrução,

possuíam contracheques equivalentes.

cargos e saláriosequivalentes

promoção

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A Estrutura Organizacional na Era Industrial

Miles e Snow (1996) observam que as empresas industriais adotavam uma

estrutura predominantemente piramidal. Segundo os autores, essa estrutura

piramidal nas empresas da época facilitava o controle da organização do topo

para a base.

Muito semelhantes às organizações militares, onde a hierarquia e o controle

permeavam toda a estrutura, as empresas da Era Industrial apresentavam

algumas características básicas que afetavam diretamente sua estrutura

organizacional:

! integração vertical;

! sucesso financeiro via aumento do tamanho da organização,

! gestão com base em mecanismos administrativos rígidos - políticas, regras e

procedimentos.

Segundo os autores, a ordem era manter o maior controle possível sobre a

cadeia de valor, e isso significava muitas vezes trazer todas as etapas, desde a

matéria prima até a distribuição, para dentro dos muros da empresa. Quanto maior

e mais integrada a empresa fosse, menor era a sua dependência em relação a

fornecedores e maior controle possuía sobre o processo produtivo. Todo esse

sistema era controlado por meio de regras e procedimentos bem definidos,

inclusive no que se refere a políticas de desenvolvimento de recursos humanos.

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Os autores identificam três tipos de estrutura organizacional típicos da Era

Industrial:

• estrutura funcional;

• estrutura divisional,

• estrutura matricial.

Miles e Snow (1996) afirmam que, por volta de 1900, as empresas

ferroviárias norte-americanas tornaram-se as pioneiras na utilização do modelo

funcional de estrutura organizacional. Esse tipo de estrutura agrupava os

empregados em departamentos, que por sua vez, representavam uma

determinada especialidade técnica. Os empregados atingiam níveis mais elevados

dentro de seu departamento à medida em que acumulavam uma série de

competências técnicas, mas apenas uma pequena parcela conseguia exercer

funções gerenciais, onde teriam poder de decisão.

Figura 4Estrutura funcional - Era Industrial

Produção Administração Vendas

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O modelo divisional de estrutura organizacional se desenvolveu durante o

período entre o fim da 2ª Guerra Mundial e a década de 50. Os autores afirmam

que o fator crítico de sucesso para as empresas desse período era a

diversificação, ou seja, o aproveitamento do know-how já desenvolvido para o

lançamento de novos produtos ou entrada em novos mercados.

Em uma empresa de estrutura divisional, a organização é subdividida em

unidades que operam independentemente entre si, com foco em um mercado ou

produto específico, e autonomia de ação. A cúpula corporativa fica encarregada

de desenvolver e aprovar as metas específicas que devem ser atingidas por cada

uma das divisões.

Figura 5Estrutura divisional - Era Industrial

Miles e Snow (1996) observam que o modelo divisional permitiu às

empresas responder às oportunidades de mercado com maior rapidez. Por outro

lado, os custos de redundância e ineficiência ficam bastante visíveis.

Divisão A Divisão B Divisão C

Page 27: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

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Da necessidade de combinar, dentro de uma mesma empresa, produção

em massa e inovação, surgiu o que os autores denominam modelo matricial de

estrutura organizacional.

Pioneira nas empresas da indústria aeroespacial, a estrutura matricial

incorpora elementos chave tanto da estrutura funcional quanto da divisional;

gerentes de projeto utilizam recursos dos diversos departamentos para efetuar

serviços dirigidos a um cliente em especial, ou um grupo de clientes.

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As Características do Trabalho Industrial - Rotina e Divisão de Tarefas

Sennett (1999) considera que o trabalho industrial era caracterizado pela

especialização dos trabalhadores, a partir da divisão das tarefas a serem

realizadas durante o processo de produção. Cada indivíduo representava um elo

da cadeia produtiva, e era responsável pela reprodução de uma determinada

tarefa ou função, em um ritmo suficiente para alcançar os níveis de produtividade

determinados pela gerência. A repetição incansável das tarefas teoricamente

levaria ao aumento da produtividade, além de evitar constantes paradas para

treinamento dos trabalhadores para realização de outras tarefas diferentes.

Figura 6Cadeia produtiva - Era Industrial

O autor afirma que a vida do trabalhador da Era Industrial era marcada pela

linearidade e previsibilidade. O grande objetivo do trabalho era servir à família,

oferecer uma vida melhor aos filhos e esposa. O trabalho industrial representava a

dignidade do cidadão; o trabalhador saía de casa, todos os dias, no mesmo

horário, e ia para a fábrica, onde normalmente repetia as mesmas tarefas. No final

C A D E I A P R O D U T I V ATarefa 1 Tarefa 2 Tarefa 3 Tarefa 4 Tarefa 5 Tarefa 6

TrabalhadorA

TrabalhadorB

TrabalhadorC

TrabalhadorD

TrabalhadorE

TrabalhadorF

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do dia, sempre no mesmo horário, voltava para casa. Tudo era bastante estável e

previsível: o presente era sempre uma repetição do passado.

Sennett (1999) segue seus estudos sobre a rotina presente na vida do

trabalhador da Era Industrial através da análise das visões de Diderot e Adam

Smith sobre o assunto.

Segundo o autor, Diderot (apud Sennett, 1999) abordava a rotina industrial

sob uma visão positiva, ilustrando a repetição presente na linha de produção de

bens da época como um trabalho elegante e digno. Em sua obra, Diderot

descrevia uma fábrica de papel, que funcionava em um belo castelo. Esse cenário

atraente e suntuoso representava a separação entre a casa e o local de trabalho,

e escondia o ambiente insalubre e mal cheiroso da linha de produção.

Segundo Sennett (1999), Diderot pregava que a repetição das tarefas

levava ao aumento da habilidade e da velocidade de produção, em um ambiente

de paz e satisfação com o trabalho. Diderot acreditava que, dominando a rotina e

seus ritmos, as pessoas se tornariam mais tranqüilas e calmas durante o processo

de trabalho.

Sennett (1999) analisa também a visão negativa de Adam Smith sobre a

rotina da vida na Era Industrial. Segundo o autor, a rotina do trabalho industrial

Page 30: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

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reprimia as virtudes da simpatia, na medida em que impedia a explosão de

espontaneidade.

Assim como Diderot, Smith afirmava que a fábrica separava a casa do local

de trabalho, e que o trabalho era decomposto em tarefas especializadas e

repetitivas, executadas pelos empregados. Smith apresentava, porém, uma visão

diametralmente oposta dos efeitos da rotina na vida do trabalhador. Segundo

Sennett (1999), Smith considerava o trabalho como destrutivo, como uma ameaça

ao caráter humano. O trabalhador industrial não controlava o seu trabalho, era

controlado por ele. Sendo assim, a divisão do trabalho tornava o homem uma

criatura estúpida, que não pensava, apenas executava a mesma tarefa o dia

inteiro, todos os dias.

Finalizando suas análises sobre as idéias de Adam Smith, Sennett (1999)

lembra que este acreditava no sucesso da divisão do trabalho em relação ao

progresso material da sociedade, associado porém a um custo moral e social

muito elevado.

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2.2) O Modelo Pós-Industrial

Introdução à Era Pós-Industrial

Antes de qualquer análise das mudanças sócio-econômicas mundiais dos

últimos cinqüenta anos, Ransome (1999) frisa que é preciso entender que a Era

Pós-Industrial não é fruto da negação ao capitalismo ou ao próprio período

industrialismo. Na realidade, a Era Pós-Industrial é marcada por profundas

transformações sócio-econômicas, em direção a uma nova sociedade.

Segundo o autor, o período pós-industrial pode ser distinguido em duas

partes:

• 1ª Fase - 1960/70

• 2º Fase ou Pós-Fordismo - a partir de 1980

1ª Fase da Era Pós-Industrial (1960-1970)

Ransome (1999) afirma que a 1ª Fase do Pós-Industrialismo é fruto da

combinação de três fatores básicos:

• mudança na concentração da atividade econômica;

• aumento da importância do conhecimento científico e tecnológico;

• aumento no nível de complexidade das organizações.

Page 32: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

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O autor identifica durante esse período um aumento na concentração das

atividades econômicas voltadas para a área de serviços, com a crescente

demanda de negócios como bancos, instituições financeiras, seguros, transportes,

educação e pesquisa. Somente na Inglaterra, os empregos no setor de serviços

cresceram de 52% para 74%, no período entre 1971 e 1994. Apesar desses

dados, e da sua importância em qualquer análise da economia pós-industrial,

Ransome (1999) alerta que devemos estar atentos para dois pontos importantes.

Em primeiro lugar, é preciso entender que muitos empregados de empresas de

serviços executam trabalhos tipicamente industriais; em outras palavras, o fato de

um indivíduo trabalhar em um banco não quer dizer, necessariamente, que ele

realize um trabalho não industrial. Além disso, esse aumento de concentração na

área de serviços não pode ser correlacionado a um aumento da satisfação no

trabalho nem a um aumento dos salários; ou seja, esse crescimento não

representa por si só o sucesso do setor de serviços.

Ransome (1999) afirma, também, que o conhecimento se tornou, sem

dúvida, a grande ferramenta para a solução de problemas em todos os níveis da

organização. Segundo o autor, a inteligência é o mais novo recurso estratégico

das empresas na Era Pós-Industrial, e busca a melhor solução, ou seja, aquela

que maximiza os lucros e reduz as perdas. Esse forte racionalismo científico

muitas vezes fere a realidade social, cegando as empresas para os males que

podem causar à natureza em geral e aos próprios seres humanos. O autor alerta

que, talvez por isso, somos freqüentemente surpreendidos pela notícia de casos

Page 33: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

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em que organizações conhecidas mundialmente pagam caro pela busca

desenfreada de melhores resultados financeiros a qualquer custo, principalmente

custos ambientais.

Ainda analisando a 1ª Fase da Era Pós-Industrial, Ransome (1999) afirma

que as organizações pós-industriais têm como característica peculiar um alto grau

de complexidade interna, em resposta a demanda cada vez mais variada e ao

crescente grau de inovação tecnológica envolvido nas transações internas e

externas. Os mercados da Era Pós-Industrial são cada vez mais competitivos e

dinâmicos, e é preciso um conhecimento multidisciplinar para enfrentar essa nova

economia global. As empresas pós-industriais apresentam estruturas cada vez

mais enxutas e horizontais, onde o trabalho em equipe é fundamental não só para

o sucesso mas principalmente para a sobrevivência a longo prazo.

2ª Fase da Era Pós-Industrial (1980 em diante)

Continuando sua análise, Ransome (1999) afirma que enquanto a 1ª Fase

do Período Pós-Industrial é marcada por transformações sócio-econômicas, a 2ª

Fase (1980 em diante) mostra-se mais forte ainda, representando o

desenvolvimento de uma nova sociedade baseada em três aspectos

fundamentais:

• transição para o Pós-Fordismo;

• Especialização Flexível (Flexible Specialization);

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• Organização Flexível (Flexible Firm).

O autor observa a transição do fordismo para o pós-fordismo como o

movimento dos proprietários dos meios de produção em busca da reestruturação

econômica. Esse esforço representa o desenvolvimento de um novo ciclo

capitalista, onde a antiga intervenção estatal keynesiana é substituída por um

sistema econômico-legal cada vez mais desregulamentado, que incentiva a

flexibilidade empresarial em todos os níveis. O consumidor passa a ser o foco das

ações das organizações, tanto no que se refere ao desenvolvimento de produtos

quanto aos esforços de marketing, ambos buscando desenvolver na cabeça dos

indivíduos a idéia de que cada um deles é único e possui o seu próprio estilo de

vida pessoal.

Segundo Ransome (1999), essa transição rumo ao pós-fordismo acarreta

significantes mudanças na organização dos processos de trabalho. O grande gap

qualitativo entre as necessidades do consumidor e a oferta de produtos, somado à

crescente concorrência global, exige o desenvolvimento de artigos especializados

e de grande qualidade, cada vez mais específicos a um certo nicho de mercado.

Essa exigência de flexibilidade e especialização é denominada Flexible

Specialization, e representa uma nova forma de se produzir e realizar negócios,

onde observamos uma combinação de elementos como a microeletrônica, a

robótica e o hardware and software, em busca de novos métodos e técnicas de

produção e novas formas de relacionamento.

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Ransome (1999) afirma que a flexibilidade do período pós-fordista atinge

inclusive a dimensão da força de trabalho. A conjuntura sócio-econômica, baseada

em flexibilidade e especialização, leva à utopia da Flexible Firm, um conceito que

prega a flexibilidade da empresa, baseado em três características fundamentais:

• flexibilidade numérica - habilidade de alterar o tamanho da força de trabalho

em respostas à alterações da demanda;

• flexibilidade funcional - facilidade com que os funcionários são redirecionados a

tarefas ou funções diferentes, em resposta a mudanças no mercado, avanços

tecnológicos ou novas políticas organizacionais;

• flexibilidade financeira e salarial - capacidade organizacional de financiar tanto

a flexibilidade numérica quanto a funcional.

Segundo o autor, a Flexible Firm adquire uma característica bastante

peculiar em relação à força de trabalho, ficando bem nítida a divisão dos

empregados em dois grupos distintos. O primeiro grupo, denominado Core

Employees, é composto por funcionários multifuncionais, e é normalmente

assistido por alguns grupos de funcionários menos talentosos denominados

Peripherals. Esses dois grupos apresentam características bem distintas:

• Empregados principais3 - possuem maior segurança no emprego e maiores

salários, pois são funcionários talentosos e multifuncionais;

3 Tradução do termo Core Employees

Page 36: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

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• Empregados periféricos4 - possuem pouca segurança no emprego e salários

baixos, ficando encarregados de tarefas simples, não relacionadas diretamente ao

negócio da organização. Normalmente são os mais atingidos quando a empresa

altera sua força de trabalho, tanto em termos numéricos quando funcionais.

Ransome (1999) conclui sua análise do período pós-industrial afirmando

que o futuro aponta para um novo processo capitalista industrial, apoiado no

paradigma tecnológico. A flexibilidade, observada tanto no desenvolvimento de

produtos e técnicas gerenciais como na percepção do trabalho pelo próprio

trabalhador, é a grande característica diferenciadora da Era Pós-Industrial;

significa uma maior atenção à adaptabilidade e a abertura das organizações a

novos conceitos.

Harvey (2000) procura entender a transição para a Era Pós-Industrial

através da análise do contraste entre o fordismo e a acumulação flexível, sob a

ótica de alguns fatores como o processo de produção, as características do

trabalho e a ideologia dominante.

4 Tradução do termo Peripherals

Page 37: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

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Quadro 1Fordismo x Acumulação Flexível

FordismoEra Industrial

Acumulação FlexívelEra Pós-Industrial

Processo de Produção

produção em massa de bens homogêneos,garantindo a uniformidade e padronização

produção flexível e em pequenos lotes deuma variedade de tipos de produtos

grandes estoques estoque "zero"

testes de qualidade ex-post (após a produção) controle de qualidade integradoao processo de produção

foco na capacidade produtiva foco na demanda

Características do Trabalho

trabalhador realiza apenas uma tarefa trabalhador realiza múltiplas tarefas

salário em função do cargoocupado na organização

pagamento personalizado, com baseem sistemas de bonificações

alto grau de especialização das tarefas eliminação da divisão de tarefas

organização vertical do trabalho organização horizontal do trabalho

Ideologia dominante

consumo de massa de bens duráveis consumo individualizado

sociedade do consumo cultura "yuppie"

modernismo pós-modernismo

totalidade/reforma estrutural especificidade/adaptação

socialização individualização ( a sociedade do espetáculo)

Adaptado de Harvey (2000)

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O processo produtivo pós-industrial apresenta como característica

fundamental a flexibilidade e adaptabilidade, acompanhando a tendência

ideológica dominante do período. Em outras palavras, a individualidade é exposta

e reforçada através do consumo de produtos diferenciados. Diante dessa nova

cultura pós-modernista, todo o processo produtivo e o trabalho em si tornam-se

vítima da necessidade de desenvolver e produzir produtos específicos, em

pequenos lotes, para atender a determinado grupo consumidor. É preciso estar

mais perto do cliente final, entender suas exigências específicas, adaptar todo o

processo de produção e entregar o produto certo ao cliente certo. Todo esse

contexto contribui para a falência do antigo ideal do processo fordista de

produção, haja vista que na Era Industrial a máxima era a produção de bens

homogêneos.

Essa transformação do processo produtivo leva ao surgimento de um novo

conjunto de exigências quanto ao trabalho em si. A produção de bens com alto

grau de customização requer o envolvimento de um número menor de

trabalhadores, porém com um leque bem maior de habilidades. Os trabalhadores

passam a exercer um número maior de tarefas, enriquecendo a sua função na

dimensão horizontal, e a política de recursos humanos passa, por conseqüência, a

reconhecer a contribuição de cada um dos indivíduos, através de novos formatos

de remuneração.

Page 39: Perspectivas quanto às características do trabalho e ... · O movimento de desregulamentação dos mercados é também uma das características mais marcantes da Era Pós-Industrial;

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Segundo o autor, a desestabilização do padrão fordista de trabalho

organizado, associada à crescente inflação, à profunda recessão durante a

década de 70 - Crise do Petróleo, e mais ainda ao enfraquecimento do poder

sindical e ao grande pool de mão de obra excedente, levou os empregadores a

impor regimes de trabalho flexíveis, na busca de redução de custos. Assim como

Ransome (1999), Harvey (2000) identifica uma nova estrutura do mercado de

trabalho, representada pela formação de grupos com características, expectativas

e comportamentos distintos, definidos como Grupo Central, Primeiro Grupo

Periférico e Segundo Grupo Periférico.

Figura 7Mercado de Trabalho pós-industrial

Adaptado de Harvey (2000)

Grupo Central• flexibilidade funcionall• dedicação integral• essenciais para ofuturo (longo prazo) daempresa

Primeiro Grupo Periférico• dedicação integral• habilidades disponíveis nomercado• rotatividade acima da média

Autônomos

Segundo Grupo Periférico• alta rotatividade• vínculo de curto prazo coma empresa

Agên

cias

de

Tem

porá

rios

Aumento dosdeslocamentos

Subcontratação

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O Grupo Central é composto daqueles empregados considerados

essenciais para o futuro da empresa, a longo prazo. Segundo Harvey (2000), os

elementos desse grupo gozam de uma maior estabilidade no emprego, e

apresentam, em contrapartida, uma grande flexibilidade funcional. Em outra

palavras, devem atender às expectativas de flexibilidade e adaptabilidade a

ambientes, equipes e assuntos diversos, inclusive dispondo de mobilidade

geográfica a qualquer momento.

Segundo o autor, o Primeiro Grupo Periférico é composto basicamente

daqueles empregados contratados para trabalhar em tempo integral, em funções

cujas habilidades são facilmente encontradas no mercado de trabalho, como por

exemplo secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual

menos especializado. Este grupo é caracterizado pela flexibilidade numérica,

apresentando uma taxa de rotatividade superior.

O Segundo Grupo Periférico apresenta uma taxa de rotatividade ainda mais

elevada do que o primeiro. Segundo Harvey (2000), este grupo inclui empregados

em tempo parcial, pessoal com contrato de trabalho por tempo determinado,

temporários e subcontratados, importantes apenas para atender a uma situação

específica e momentânea, que não requer um forte vínculo com a empresa.

De Masi (1999), por sua vez, afirma que durante os eufóricos anos 60, um

número cada vez maior de pessoas entendia perfeitamente que estava vivendo a

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passagem de um tipo de sociedade para outro. As mudanças ocorridas neste

período eram consideradas positivas, como a difusão da eletrônica e da

informática; o que se esperava era uma sociedade maior e mais rica do que a

precedente.

Com o passar do tempo, o que se viu não foi uma nova sociedade pós-

industrial como melhores condições de vida, ou mais rica. Segundo De Masi

(1999), o que ocorreu foi um maior aprofundamento das diferenças entre a elite e

a massa, entre o pobre e o rico.

Há hoje uma grande dificuldade de se concluir o que caracteriza a época

em que vivemos. O autor afirma que não consegue dar um nome preciso a esse

novo período; pós-industrial é mais uma recordação do que já não somos

(Industrial) do que efetivamente um novo nome que caracterize uma nova época.

De qualquer forma, De Masi (1999) afirma que é preciso concentrar esforços para

definir, interpretar e governar essa nova realidade.

Uma das características dessa nova era é o crescimento percentual do

setor de serviços por todo o mundo, associado a uma transformação do trabalho

na indústria. A classe operária, que antes exercia atividades manuais e repetitivas,

agora passa a ser exigida quanto ao seu intelecto; é preciso pensar para operar os

computadores e máquinas eletrônicas, presentes hoje na linha de produção das

indústrias.

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Segundo o autor, os fatores catalisadores da transição para a Era Pós-

Industrial podem ser diretamente associados ao progresso científico e técnico, ao

progresso organizacional e à globalização, no sentido amplo da palavra.

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O Novo Contrato Psicológico

Analisando a Era Pós-Industrial, Rousseau e Benzone (1995) observam

uma série de transformações na natureza do trabalho que afetam diretamente o

contrato psicológico, herança da Era Industrial. As antigas burocracias tornam-se

obsoletas e inadequadas em um ambiente onde a competição é global e é preciso

fazer com que a informação navegue por toda a organização, sem barreiras

hierárquicas. A empresa pós-industrial adquire qualidades de uma adhocracia,

onde a adaptabilidade, a responsividade e a flexibilidade são fatores críticos para

não somente o sucesso, mas principalmente a sobrevivência.

Segundo as autoras, os empregados passam a ser diferenciados, tanto

pelas características individuais, como o talento pessoal ou a capacidade de

adaptação a várias diferentes funções, como também por interesses estratégicos

da própria organização. Dessa forma, aqueles que não fazem parte dos planos

estratégicos futuros da empresa, seja por qualquer motivo, correm um grande

risco de serem demitidos.

Rousseau e Benzone (1995) afirmam que as adhocracias passam, então, a

utilizar diferentes tipos de contrato de trabalho, adequados à estratégia de negócio

e à expectativa a respeito da colaboração de cada empregado; esse, por sua vez,

responde com diferentes graus de comprometimento ao trabalho, também

reduzindo sua lealdade à organização.

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Toda essa mudança de relacionamento entre empregado e empresa leva

ao enfraquecimento do contrato psicológico que antes vigorava na Era Industrial.

As organizações, em busca de flexibilidade e adaptabilidade, reduzem sua

estrutura hierárquica e acabam por também minimizar as chances de carreira

interna. Os empregados reagem fortemente a toda essa instabilidade, e buscam

novas oportunidades em outras empresas ou até mesmo em outras indústrias.

Seguindo a mesma linha das autoras, Cappelli (1999) afirma que os

principais fatores que levaram ao fim da relação de trabalho de longo prazo entre

empregado e empregador, característica da Era Industrial, foram o aumento da

competitividade global, o progresso da tecnologia da informação e o

desenvolvimento de novas técnicas e práticas gerenciais, como o conceito de

centro de lucro, a prática de benchmarking e a especialização nas core

competencies, dentre outras.

O aumento da competitividade global obriga as empresas a buscar cada

vez mais a satisfação dos seus clientes através da diferenciação de seus produtos

e serviços, o que implica na redução dos investimentos em longo prazo, inclusive

em pessoas. Não há como garantir que um produto, que hoje é sucesso de

vendas, continuará sendo no futuro. Segundo o autor, a segurança no emprego

passa a depender diretamente do sucesso do negócio, dando fim à antiga idéia de

emprego vitalício.

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O progresso da tecnologia da informação reduz o número de cargos de

gerência média, na medida em que todo o moderno aparato tecnológico facilita o

trabalho de coordenação e monitoramento da base de funcionários. Além disso, a

informação trafega com muito mais facilidade dentro e fora da empresa, através

dos mais diversos meios de comunicação, em especial o celular e o correio

eletrônico. Segundo o autor, tal fato aumenta o acesso dos empregados a

diversas oportunidades de trabalho fora da própria empresa, o que reduz

diretamente a lealdade ao empregador.

O desenvolvimento de novas técnicas e práticas gerenciais trazem as

pressões do mercado para dentro das organizações. Durante a Era Pós-Industrial,

as empresas se vêem obrigadas a iniciar um processo de redução quantitativa dos

seus quadros de funcionários, associado ao aumento da flexibilidade da operação,

visando atender a demandas diversas do mercado consumidor. É preciso fazer

mais (em número, qualidade e diversidade) com menos, para garantir a

competitividade. Dessa forma, o downsizing, por exemplo, torna-se um processo

contínuo obrigatório, e também contraditório. Mesmo em meio a um enxugamento

de suas estruturas, as empresas continuam contratando funcionários com as

habilidades demandadas pelo contexto em que se encontram.

Outro ponto levantado pelo autor diz respeito às práticas salariais. Segundo

Cappelli (1999), toda essa alteração na relação entre empregados e

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empregadores afetou diretamente as negociações salariais das empresas. As

organizações são hoje obrigadas pagar salários de acordo com o que o mercado

está praticando, sob pena de perder seus funcionários chave para outras

empresas, inclusive concorrentes. Sendo assim, o poder de barganha , no novo

modelo de relacionamento entre empregado e empresa, depende diretamente dos

níveis salariais praticados pelo mercado de trabalho.

Segundo o autor, algumas empresas tentam ainda reconstruir, na maioria

das vezes sem sucesso, a antiga relação de longo prazo com seus empregados. A

realidade é que a relação entre empregado e empregador depende diretamente de

variáveis externas - o mercado de trabalho e o mercado consumidor.

Em termos gerais, o novo acordo entre empregados e empregadores não

combina com o que era pregado, durante a Era Industrial, pelas políticas de

recursos humanos das empresas. Suas características representam a quebra do

antigo contrato, pois baseiam-se na redução tanto da segurança do trabalho

quanto da oportunidade de desenvolvimento interno, aumentando a exposição do

funcionário à demissão.

Segundo Cappelli (1999), uma das maiores conseqüências dessa

transformação do contrato psicológico é o seu efeito negativo sobre o moral dos

empregados. A necessidade de combinar o modelo, que impõe o fim da antiga

relação de longo prazo entre as partes, com o fato de que é inevitável e

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necessário algum nível de comprometimento e confiança entre ambos, é o grande

desafio dessa nova relação de trabalho.

As empresas da Era Pós-Industrial exigem um maior empenho dos

funcionários, porém, pouco investem no desenvolvimento de suas habilidades.

Esse desinvestimento em treinamento reforça ainda mais a fragilidade do vínculo

entre empregado e empregador, haja visto que as organizações passam a optar

com mais freqüência pelo recrutamento externo para renovar suas habilidades

internas.

Finalizando a análise conceitual sobre o novo acordo de trabalho da Era

Pós-Industrial, Cappelli (1999) aponta três grandes pontos que afetam diretamente

o funcionamento das empresas pós-modernas:

1) dificuldade de retenção de funcionários chave: segundo o autor, o maior

problema das empresas não é o turnover, mas sim a necessidade de reter

algumas habilidades importantes para o contexto do mercado no momento. Na

maioria das vezes, preferem aumentar os salários dos seus funcionários chave do

que correr o risco de perdê-los.

2) redução dos níveis de lealdade e comprometimento: o autor cita uma pesquisa

onde 96% dos executivos acreditam que o comprometimento e a lealdade dos

funcionários são fatores determinantes do sucesso das organizações, visto que os

níveis de supervisão estão cada vez mais reduzidos.

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3) desenvolvimento de habilidades: os funcionários não são ativos fixos. Sendo

assim, todo o investimento em treinamento não trará retorno nenhum para as

empresas, caso os mesmos não continuem trabalhando nela. Mais que isso, há

ainda a possibilidade de uma empresa investir em treinamento, e o empregado ir

trabalhar na concorrente, já que o que move os empregados na Era Pós-Industrial

é a melhor oportunidade.

Cappelli (1999) exemplifica a nova realidade da relação entre empregados

e empregadores através de um estudo sobre IBM durante a década de 80 e 90.

Segundo o autor, a explosão de vendas dos microcomputadores, e em

contrapartida a redução drástica do interesse pelos mainframes, obrigou a

empresa a buscar novas definições e conceitos sobre o contrato psicológico com

seus empregados. Nesta época, a IBM foi obrigada a realizar demissões em

massa - de 1985 até 1995, foram demitidos aproximadamente 200.000

empregados no mundo todo.

Seguindo sua análise, Cappelli (1999) aponta que de cada cinco

funcionários demitidos pela IBM, um retornava à empresa como consultor,

caracterizando uma relação de trabalho mais flexível, de menor vínculo entre

empregado e patrão.

Todo esse movimento de demissões em massa, seguido da contratação de

funcionários com vínculos cada vez mais frágeis com a organização, como no

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exemplo da IBM, revela o surgimento de um novo contrato psicológico. Antigas

práticas como altos investimentos em treinamento e carreira de longo prazo não

fazem mais parte do acordo implícito entre empregado e patrão. Muito pelo

contrário, as empresas pós-industriais valorizam profissionais e relações de

trabalho mais flexíveis. O investimento em treinamento é reduzido drasticamente;

as empresas optam por contratar novos funcionários, já com as habilidades

requeridas para o trabalho. Segundo o autor, este novo acordo significa a redução

da segurança no emprego, associada assim a um maior risco para o empregado.

Em outras palavras, a estabilidade do emprego depende do sucesso da empresa

em um mercado cada vez mais competitivo.

Com base em seus estudos, dentre eles o exemplo já citado da IBM,

Cappelli (1999) conclui que o contrato psicológico da Era Pós-Industrial é marcado

pela transferência da lógica de mercado para dentro das organizações. Tal fato

impede o comprometimento de longo prazo, e por conseqüência toda aquela

expectativa de promoção interna, tão presente durante a Era Industrial. A lealdade

à empresa é substituída pela lealdade à carreira, onde cada empregado monitora

o mercado de trabalho em busca de outras oportunidades para o seu futuro

profissional.

Altman e Post (1996) estudam os impactos da mudança do contrato social

entre empregados e empregadores na Era Pós-Industrial, através da análise dos

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resultados de uma pesquisa realizada com executivos de vinte e cinco grandes

empresas americanas.

Durante a década de 90, as grandes empresas se viram pressionadas pelo

cenário da época; o aumento da competição global, a desregulamentação dos

mercados em nível mundial e as rápidas mudanças tecnológicas tornaram cada

vez mais apertadas as margens de lucro. Para atender aos anseios dos

acionistas, os executivos foram obrigados a reduzir os custos a curto prazo, o que

afetou diretamente a folha de pagamento e os benefícios concedidos aos

empregados. Com efeito, foi iniciado um processo de redução de quadro em

praticamente todas as indústrias.

Segundo os autores, todo esse fenômeno de demissão em massa ocorrido

a partir da década de 90, mais conhecido como downsizing, reengenharia ou

reestruturação, afetou diretamente o contrato psicológico existente entre

empregados e empregadores desde a era industrial. Os demitidos sentiam-se

traídos pela empresa, e os chamados "sobreviventes" entendiam o fato como um

rompimento de uma relação de confiança, comprometimento e lealdade.

Esse abalo do antigo paradigma industrial do contrato psicológico revela a

necessidade de novo alinhamento entre as expectativas de ambas as partes

envolvidas - empregado e empregador. Segundo os autores, esse novo paradigma

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de contrato de trabalho que vem surgindo nas empresas da Era Pós-Industrial tem

como base três pontos principais:

• uma relação de troca5;

• maior responsabilidade do empregado;

• uma redefinição de carreira.

Altman e Post (1996) afirmam que essa nova relação social de trabalho tem

como uma de suas premissas básicas o fato de que ambas as partes devem estar

satisfeitas, ou seja, atingindo os seus objetivos. Caso contrário, quando o

empregado não está satisfeito com o que a empresa lhe oferece, ou quando a

empresa acredita que o empregado não atende aos seus objetivos, há o

rompimento, sem maiores problemas ou choques.

Mais especificamente, a situação é a seguinte: na perspectiva do

empregador, o contrato se mantém na medida em que a performance do

empregado atenda aos objetivos do negócio da empresa. Em outras palavras, o

empregado deve estar capacitado para atuar na função a qual for designado, e

alcançar as metas previstas. Para o empregado, é interessante continuar fazendo

parte da relação enquanto sente que esta atende a seus objetivos pessoais, sejam

eles financeiros, familiares, ou de outra natureza qualquer.

5 Ambos os contratos psicológicos das Eras Industrial e Pós-industrial se caracterizam como uma relação detroca

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Outro ponto básico do novo paradigma de relação de trabalho da Era Pós-

Industrial é a transferência para o empregado de grande parte da responsabilidade

pelo seu próprio futuro. Altman e Post (1996) observam que as empresas passam

a deixar que o próprio empregado assuma a responsabilidade pela sua carreira.

A última característica principal citada pelos autores é o conceito de

empregabilidade, mais especificamente relacionado ao desenvolvimento de

características como flexibilidade e adaptabilidade. Os autores lembram que as

empresas buscam cada vez mais o foco no cliente, o que exige que seus

funcionários estejam prontos para desenvolver novas tarefas, e assumir novos

negócios. Toda essa instabilidade torna a carreira profissional cada vez menos

previsível.

Altman e Post (1996) constataram, a partir das entrevistas realizadas com

os próprios executivos, que o ambiente de trabalho torna-se bastante

desagradável após as demissões em massa; aqueles que não foram demitidos

vivem momentos de tensão, com a estima abalada. Eles se consideram

sobreviventes, e não estão seguros quanto ao seu futuro. Essa reação é natural: a

empresa, que sempre manteve uma postura patriarcal, cuidando do

desenvolvimento de seus funcionários, garantindo promoções e carreira

vinculadas a senioridade, agora assume uma postura diferente, demitindo

empregados que segundo seu julgamento não atendem aos objetivos

institucionais futuros. Os que ficam perdem produtividade em função de estarem

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preocupados com os seus respectivos empregos, de serem as vítimas do próximo

plano de demissão.

Altman e Post (1996) observam ainda que as empresas procuram reduzir o

impacto de suas novas políticas de pessoal de diversas formas. Uma delas é a

promoção de ações e eventos que envolvem a família ao ambiente de trabalho. O

principal objetivo de iniciativas desse tipo é aliviar uma reação negativa dos

parentes ao horário de trabalho flexível, inclusive em relação aos trabalhos

realizados em casa. De forma sutil, empresa e família acabam fazendo parte de

um só conjunto. Aceitar o fato de que o empregado pode realizar certas tarefas em

sua própria casa é uma mudança de paradigma muito forte de algumas empresas,

e também das famílias em geral.

Outra postura que as empresas têm adotado bastante é a valorização da

diversidade no ambiente de trabalho. Segundo os autores, vários executivos

acreditam que grupos heterogêneos são difíceis de serem gerenciados mas

alcançam melhores resultados. Além disso, a diversidade no ambiente de trabalho

causa um bom impacto frente à sociedade.

Altman e Post (1996) acreditam que a maior mudança proveniente do novo

contrato social da Era Pós-Industrial é a transformação gradual de grande parte da

massa de trabalhadores para a categoria de temporários.

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Por outro lado, os autores observam que um dos maiores benefícios do

novo paradigma de relação de trabalho das empresas da Era Pós-Industrial é a

independência dos empregados. O empregado é agora o grande e único

responsável pelo seu próprio futuro, e a ele caberá aproveitar e, até certo ponto,

criar oportunidades de sucesso profissional. Outra mudança que pode ser

considerada uma vantagem, agora não somente para os empregados como

também para as empresas, é o aumento da eficiência e produtividade empresarial

a partir da flexibilidade e adaptabilidade dos funcionários a diversas atividades. O

bom empregado é flexível e adaptável; aqueles que não reagem com eficácia às

novas exigências do mundo globalizado são demitidos. Essa fórmula tem como

resultado final um aumento sensível da produtividade da empresa.

Altman e Post (1996) consideram o novo contrato social entre empregados

e empregadores um resultado da necessidade de constante redesenho da

estrutura das empresas, face ao desafio do aumento da concorrência,

desregulamentação dos mercados e aumento do uso da tecnologia. As empresas

precisam se tornar cada vez mais flexíveis e adaptáveis, e essa necessidade

acaba sendo transferida para todo o seu quadro de funcionários e sua estrutura

organizacional. Isso causa um quadro de instabilidade geral, visto que toda

reestruturação acaba implicando em demissões.

Segundo os autores, a grande dificuldade enfrentada pelas empresas face

à nova relação de trabalho com seus empregados é o balanceamento entre o seu

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papel econômico e social. Mesmo certos que ainda é cedo para avaliar as

conseqüências desse novo paradigma, os autores consideram alguns movimentos

sociais como um esforço em busca de atingir um nível adequado entre o papel

econômico e social. O Comunitarismo, um movimento social amplamente adotado

por vários cientistas sociais, é considerado por Altman e Post (1996) como uma

dessas tentativas de equilíbrio entre o econômico e social. Esse movimento busca

redefinir as regras econômicas em função de uma ordem social mais igualitária,

reforçando também a conservação das riquezas naturais. Os comunitaristas

acreditam e pregam que é preciso resguardar o futuro da sociedade através de

movimentos de preservação da natureza.

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Carreiras Pós-Industriais

Miles e Snow (1996) consideram a Era Pós-Industrial como o marco do fim

da carreira de apenas uma empresa. Segundo os autores, há nesse período uma

revisão de todo o sistema de gestão de recursos humanos, que afeta diretamente

no antigo conceito de carreira corporocrática desenvolvido por Kanter (1997). Esse

movimento, aliado aos novos modelos de estrutura organizacional e à crescente

pressão pela flexibilidade e adaptabilidade, dá origem a uma carreira bastante

diferente daquela tradicional da Era Industrial.

Os autores observam que a antiga estabilidade e previsibilidade das

relações de trabalho dão lugar a uma carreira onde é o trabalhador que assume os

riscos pelo seu futuro profissional. A carreira pós-industrial é caracterizada pela

participação em projetos multifuncionais, e muitas vezes, entre empresas

diferentes. Além disso, não é mais o superior que deve avaliar o funcionário; o

próprio mercado demonstra quem teve o melhor desempenho.

Miles e Snow (1996) consideram que a pequeno grupo de mão de obra

ainda considerada permanente dentro das empresas, após todo o movimento de

reestruturação / downsizing, possui poucas oportunidades de carreira interna. É

cada vez menor o número de posições gerenciais, e além disso suas funções são

alvo também de profissionais de outras empresas. Por outro lado, os profissionais

da Era Pós-Industrial estão muito mais expostos a oportunidades fora de suas

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empresas, devido ao alto grau de relacionamento com clientes, fornecedores,

distribuidores, e parceiros em geral.

Segundos os autores, a carreira pós-industrial se apresenta como um novo

conceito: os indivíduos devem agora assumir a responsabilidade sobre o

planejamento de seu desenvolvimento profissional, através de uma postura pró-

ativa em busca de experiências novas e desafiadoras e de oportunidades de

crescimento e aprendizado.

Aliado a essa nova postura de auto-desenvolvimento, Miles e Snow (1996)

identificam uma grande valorização da capacidade de colaboração como um

diferencial competitivo.

Segundo os autores, a colaboração envolve três fatores fundamentais. O

primeiro deles é a capacidade de criar vínculos com terceiros atuando como uma

espécie de atravessador de alto nível. Em outras palavras, o profissional utiliza

todo o conhecimento sobre sua rede de trabalho ou pessoal, visando o

direcionamento do problema de um parceiro a outro profissional, mais capacitado

para resolvê-lo. Isso exige não só uma rede informal bastante evoluída como

também a capacidade de diagnosticar problemas, e encaminhar soluções.

O segundo fator colaborativo é a habilidade de desenvolver relações

formais e informais de trabalho, e o último fator é a capacidade de gerenciar

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relacionamentos, ou seja, atender com prioridade os clientes e parceiros chave,

desenvolvendo um canal aberto.

Cappelli (1999) associa a transformação do conceito de carreira durante a

Era Pós-Industrial à mudança da relação de trabalho entre empregado e

empregador. Segundo o autor, o empregado passa a controlar sua própria carreira

e desenvolver seus próprios talentos. Dessa forma, procura ficar atento a

oportunidades que surgem no mercado de trabalho, em outras empresas.

O autor afirma ainda que tanto a reengenharia quanto os programas de

qualidade total, muito comuns na Era Pós-Industrial, acabam por influenciar

diretamente nas oportunidades de carreira interna. Segundo o autor, a

reengenharia propõe um novo desenho dos processos internos e a qualidade total

aumenta responsabilidade dos empregados da base, ambas reduzindo a

importância e o poder dos gerentes de nível médio. O resultado é o fim das

antigas oportunidades de carreira interna, afetando diretamente a relação entre a

empresa e o empregado. Os últimos continuam lutando para apresentar um

rendimento acima do esperado, mas seus objetivos são de curto prazo, como um

bônus atrativo no final do ano, ou uma oportunidade de trabalho em outra

empresa, e não mais o antigo ideal de carreira de longo prazo.

Seguindo a linha de Cappelli (1999), Kanter (1997) observa, nas últimas

décadas, que a própria necessidade de sobrevivência das organizações pós-

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industriais acaba obrigando-as a produzir cada vez mais consumindo cada vez

menos recursos, e a buscar incessantemente uma maior competitividade global.

Essa imposição leva as organizações a reduzir seus quadros, das mais diversas

formas, e achatar a pirâmide organizacional. Aqueles que permanecem

empregados, os denominados sobreviventes, têm a certeza de que a carreira

tradicional da Era Industrial é um sonho do passado.

Segundo a autora, a turbulência e a incerteza do ambiente pós-industrial

transformaram o conceito de carreira, que passou a ser mais vinculado ao

indivíduo do que à organização ou ao cargo ocupado dentro da hierarquia. A

autora verifica então o surgimento de dois novos tipos de carreira: a carreira

profissional e a carreira empresarial.

Figura 8Transição para as carreiras pós-industriais

Kanter (1997) afirma que a estrutura das carreiras profissionais é baseada

em dois recursos chave, determinantes na manutenção da empregabilidade:

CarreiraCorporocrática

P r o

m o

ç ã o

CarreiraCorporocrática

P r o

m o

ç ã o

P r o

m o

ç ã o habilidade

conhecimentoinovação

autonomiahabilidade

conhecimentoinovação

autonomia

CarreiraProfissional

CarreiraEmpresarial

Era Industrial Era Pós-Industrial

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1) leque de habilidades e conhecimentos;

2) reputação.

Segundo análise da autora, o que garante o futuro de um profissional é a

maneira como ele utiliza o seu conhecimento e suas habilidades e os desenvolve

continuamente, visando manter uma boa reputação dentro da comunidade

empresarial como um todo e não somente em relação a organização que paga o

seu salário. O conceito fundamental é que todos devem se preocupar com a

empregabilidade na indústria como um todo, e não somente com o emprego

tradicional em uma empresa.

A autora acredita que a experiência profissional passada não é muito

valorizada nesse novo modelo de carreira; o que importa é a capacidade de gerar

bons negócios no futuro. Assim, profissionais flexíveis e com grande capacidade

de aprendizado acabam tendo grande sucesso. Eles são ainda mais motivados

pelos sistemas de remuneração pós-industriais, que estabelecem e incentivam

altos padrões de desempenho ao romper o vínculo do salário à posição

hierárquica.

Todo a antiga idéia de crescimento regular na hierarquia organizacional,

galgando posições e salários no longo prazo, dá lugar a novas realidades e

expectativas, como a incerteza sobre a manutenção do emprego e a necessidade

de múltiplas habilidades.

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Kanter (1997) associa um dos tipos de carreira tipicamente pós-moderno as

características de um empresário. Inicialmente, a autora define empresário como o

termo associado à formação de um empreendimento de negócios independente,

ou à posse de um pequeno negócio. A carreira empresarial é, na sua visão, um

pouco mais do que o que prega o conceito de empresário. Nela, o crescimento

profissional ocorre através da criação de novo valor ou nova capacidade

organizacional. Contrariamente à promoção da carreira tradicional da Era

Industrial, o progresso na carreira profissional pode ser medido, de certa forma,

pela grandeza da nova empresa controlada pelo seu empregado-empresário, que

recebe parte do retorno dos novos negócios.

A autora afirma que, dessa forma, o risco de fracasso é transferido para o

próprio empregado, já que não há mais toda aquela segurança do salário e

promoção a longo prazo existente na carreira industrial. Por outro lado, o sucesso

do novo negócio significa retornos muito acima dos antigos salários da Era

Industrial. Resumindo, a capacidade de inovação é fundamental para o futuro do

empreendimento e o novo empresário tem total autonomia e responsabilidade pela

decisões inerentes ao novo produto ou serviço.

Finalizando seus estudos sobre as carreiras pós-modernas, Kanter (1997)

descreve algumas pesquisas que indicam que o número de empregados que são

seus próprios patrões triplicou no período de 1974 a 1984, nos EUA. Em 1987,

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esse segmento representava aproximadamente 10% da força de trabalho não

agrícola norte americana, com mais de vinte e quatro anos de idade. Os

representantes desse novo segmento são normalmente gerentes desempregados,

vítimas da reestruturação da empresa onde trabalhavam, ou ainda também

aqueles gerentes com pouca perspectiva de ascensão dentro da pirâmide

organizacional do antigo empregador.

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Modelos de Remuneração da Era Pós-Industrial

Kanter (1997) observa que as empresas da era Pós-Industrial vêm

repensando o significado do valor da remuneração, e gradativamente estão

mudando a base de determinação do salário do cargo ou status para o

desempenho ou contribuição efetivamente realizados. As críticas ao antigo

sistema de remuneração têm como base quatro pontos fundamentais:

• alto custo fixo de mão de obra não condiz com a competição em nível global;

• injustiça inerente aos próprios seus próprios fundamentos, que tem como

premissa básica o fato de que indivíduos com a mesma escolaridade, experiência

e outros fatores inerentes ao cargo devem receber a mesma remuneração;

• pouca capacidade de influenciar o alto desempenho,

• pouca flexibilidade para recompensar adequadamente novas idéias ou

iniciativas para novos negócios.

Figura 9Transição para a remuneração pós-industrial

Sistema BurocrátricoTradicional de Remuneração

Sistema BurocrátricoTradicional de Remuneração

posiçãostatus

posiçãostatus

desempenhocontribuiçãodesempenhocontribuição

Sistemas Pós-Industriaisde Remuneração

Sistemas Pós-Industriaisde Remuneração

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Segundo a autora, as estratégias de remuneração pós-industrial mais

comuns são as seguintes:

• Remuneração por Mérito;

• Participação nos Lucros;

• Remuneração por Habilidade;

• Participação Acionária.

Remuneração por Mérito

Kanter (1997) afirma que o sistema de remuneração por mérito busca tornar

o salário um reflexo mais da contribuição e do desempenho do indivíduo do que

da posição que ele ocupa dentro da pirâmide organizacional. O conceito dessa

nova forma de remuneração propõe que cada indivíduo tenha um salário-base,

definido pela posição de seu cargo na estrutura organizacional, e receba

aumentos anuais determinados a partir de percentuais sobre o salário-base, em

função de julgamentos acerca do desempenho individual.

Em uma análise mais profunda, Kanter (1997) verifica que o sistema de

remuneração por mérito continua preso a uma abordagem conservadora e não

resolve os defeitos do antigo sistema baseado nos cargos. Na realidade, a

remuneração por mérito aceita o status e as distinções entre categorias como

ponto de partida para determinação do salário-base, e, ao propor aumentos

percentuais, reforça ainda mais o poder dos superiores, na medida em que são

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estes os responsáveis pelo julgamento de seus subordinados. Além disso, há

ainda outras críticas freqüentes, como por exemplo:

• dificuldade enfrentada pelos gerentes para distinguir racionalmente o

desempenho de cada subordinado;

• retaliação dos subordinados mal avaliados, que dificultam a próxima avaliação,

já que os gerentes precisam da cooperação de todos, inclusive daqueles que

pouco contribuem;

• super-dimensionamento da performance dos subordinados, como forma de

auto-proteção da gerência - bons gerentes devem possuir uma boa equipe,

• percentual sobre o salário-base premia os maiores salários.

Kanter (1997) analisa ainda alguns estudos psicológicos acerca desse

sistema, e encontra evidências de que as diferenças entre o salário recebido pelos

membros de um mesmo grupo geram sérios conflitos interpessoais. O grande

dilema do sistema refere-se à seguinte questão: se ninguém conhece a

remuneração recebida por cada indivíduo, o conflito desaparece; por outro lado, o

segredo impede uma relação aberta entre o desempenho e a remuneração, e o

sistema acaba sendo rotulado como injusto.

Participação nos Lucros

Kanter (1997) afirma que a participação nos lucros encoraja os indivíduos a

produzir mais, consumindo cada vez menos insumos; os salários fixos são

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reduzidos, mas há a promessa de ganhos extras para os que realmente

contribuem. As bonificações anuais provindas de uma parcela dos lucros não

aumenta a base salarial da organização; mais ainda, chegam até a reduzir o custo

de mão de obra. Além disso, as empresas se sentem incentivadas a criar mais

empregos, já que os trabalhadores adicionais têm uma grande parte de seu salário

atrelado ao desempenho individual e da companhia.

A autora considera a participação nos lucros um sistema simples, direto e

honesto. A distribuição de uma fração dos lucros líquidos de um certo período aos

funcionários faz com que esses acabem por assumir parte dos riscos que antes

eram completamente absorvidos pela organização. O sucesso desse sistema

depende, porém, de uma cultura organizacional madura, que possibilite:

• discussão aberta sobre a idéia de desenvolvimento do plano de distribuição de

lucros e suas peculiaridades, a fim de obter aceitação por parte dos funcionários;

• comunicação aberta sobre as metas e o desempenho da organização;

• estabelecimento de equipes multifuncionais ou forças-tarefas para desenvolver

o plano.

Apesar da grande disseminação dos sistema de participação nos lucros nos

últimos anos, Kanter (1997) identificou algumas questões que ainda não foram

solucionadas e continuam a incomodar as empresas que o adotam. Por exemplo,

várias empresas enfrentam problemas trabalhistas por conta de empregados não

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satisfeitos com as bonificações recebidas. Outro problema decorre do fato de que

a distribuição de bônus a unidades de negócios com um grande número de

empregados fortalece o desempenho das equipes, mas dificulta a associação

entre o desempenho individual e a remuneração recebida.

Remuneração por Habilidade

Segundo Kanter (1999), o sistema de remuneração por habilidade atrela o

salário do funcionário ao número de tarefas que ele aprendeu e desempenhou de

maneira satisfatória, incentivando dessa forma a produtividade essencialmente

direcionada aos objetivos estratégicos da organização. O conceito básico desse

sistema é o pagamento de aumentos à medida em que o indivíduo progride

através de determinados blocos de atividades . Para garantir que a habilidade

adquirida seja efetivamente utilizada no trabalho, algumas empresas atrelam uma

parcela do salário de cada indivíduo ao desempenho avaliado pela sua própria

equipe, transformando a pressão informal dos colegas de trabalho em

oportunidades legítimas de diferenciar, a partir do valor da remuneração recebida,

os que trabalham muito daqueles pouco comprometidos.

A autora afirma que o grande problema desse sistema de remuneração vem

à tona quando os empregados atingem o último nível de blocos de atividades, e

não há mais oportunidade de aumento salarial.

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Participação Acionária

Kanter (1997) afirma que a participação acionária busca tratar o empregado

como proprietário do negócio em que está envolvido; sua remuneração passa a

ser parte do retorno financeiro do próprio empreendimento.

Segundo a autora, muitas empresas, quando iniciam novos

empreendimentos, propõem aos seus gerentes que coloquem uma parte da sua

remuneração no próprio negócio, como se estivessem efetuando um investimento

de capital, e relacionam o seu percentual de retorno financeiro do negócio ao

percentual do salário colocado em risco. O retorno normalmente ocorre em certas

etapas pré-determinadas do desenvolvimento do empreendimento, para evitar que

os gerentes / sócios tenham que esperar que o fluxo de caixa se torne positivo, o

que pode durar mais de uma década, em muitos casos.

Kanter (1997) conclui suas análises alertando para o fato de que, na

realidade, as organizações pós-industriais normalmente procuram combinar vários

diferentes tipos de sistema de remuneração baseados na contribuição, buscando

ao mesmo tempo reduzir os custos fixos e incentivar o investimento em novos

negócios. A autora aponta cinco decisões-chave que devem ser tomadas durante

a implementação do novo sistema de remuneração:

1) Recompensar as contribuições individuais ou do grupo;

2) Recompensar o desempenho da unidades de negócio separadamente ou da

empresa como um todo;

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3) Distribuição da parcela extra controlada pela gerência (discricionário e/ou

subjetiva) ou baseada no alcance de metas e objetivos preestabelecidos;

4) Cálculo da parcela extra como percentual do salário-base ou baseado na

parcela individual de contribuição ao resultado da organização como um todo,

5) Sistema único para toda a organização ou diferenciado por unidades de

negócios, departamentos ou equipes.

Kanter (1997) afirma ainda que as organizações pós-industriais têm

enfrentado o desafio de controlar os custos e motivar o desempenho direcionado

ao alcance de seus objetivos estratégicos, através do desenvolvimento de

sistemas de remuneração com salários e comissões mais baixas e de

oportunidades variadas de ganhos mais altos, atrelados ao desempenho da

própria organização no mercado.

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Novas Propostas de Estrutura Organizacional

Segundo Miles e Snow (1996) a década de 80 é marcada pelo fim da

carreira em apenas uma só empresa; as forças da globalização e a velocidade das

mudanças tecnológicas tornam necessário a revisão da estrutura organizacional e

do sistema de gestão de recursos humanos. A pressão da concorrência obriga as

todas as empresas a cortar custos, aumentar a qualidade e reduzir o tempo de

produção e entrega.

As empresas pós-industriais optam então por convergir todos os seus

esforços para aquilo que fazem de melhor. Para aquelas atividades, processos e

áreas onde não apresentam desempenho superior, normalmente a decisão é a

compra de serviços de terceiros ou o desenvolvimento de parcerias de longo

prazo, com benefícios para ambas as partes. Diante disso, os autores observam

que as decisões sobre os arranjos organizacionais e a alocação de recursos são

fortemente influenciadas pelas forças de mercado.

Continuando sua análise, Miles e Snow (1996) observam duas

transformações importantes nas empresas desse período. A primeira delas é o

movimento de downsizing, na realidade uma busca desenfreada de aumento da

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flexibilidade e tempo de resposta às reações e exigências de mercado. A segunda

grande transformação é o surgimento de novas estruturas organizacionais, dentre

elas:

• network;

• estrutura esférica;

• estrutura celular.

Network

Miles e Snow (1996) resumem a estrutura network na combinação, dentro

de uma mesma organização, da escala de uma grande empresa com a

competitividade de uma pequena. Pequenas empresas focam naquilo que fazem

de melhor e buscam parcerias com fornecedores e distribuidores; grandes

empresas também focam em suas qualidades e terceirizam parcelas da sua

cadeia produtiva. Tudo isso gera maior velocidade de produção, maior tempo de

resposta às exigências de mercado, maior qualidade do processo produtivo como

um todo e redução de custos.

Segundo os autores, uma empresa network é composta de três elementos

principais:

• a empresa individual;

• o grupo de empresas individuais que forma a cadeia de produção de um

determinado produto ou serviço;

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• o conjunto de empresas individuais e outras empresas parceiras espalhadas

pela cadeia de valor.

Figura 10Estrutura Network - Era Pós-Industrial

Miles e Snow (1996) observam que a capacidade de produção qualitativa e

quantitativa de uma network é soma das competências de cada uma das

empresas participantes da cadeia, aliado a sinergia nas relações entre elas. Por

outro lado, uma organização network é tão sensível quanto o seu elo mais fraco.

Isso significa, por exemplo, que na network ativada entre as empresas A, C, E e I,

na figura anterior, basta apenas uma das empresas não estar preparada para o

processo em questão para que o resultado de toda a cadeia produtiva não seja

satisfatório, tanto em termos de custos quanto de qualidade.

EmpresaA

EmpresaA

EmpresaB

EmpresaB

EmpresaC

EmpresaC

EmpresaC

EmpresaC

EmpresaD

EmpresaD

EmpresaE

EmpresaE

EmpresaF

EmpresaF

EmpresaG

EmpresaG

EmpresaH

EmpresaH

EmpresaI

EmpresaI

EmpresaJ

EmpresaJ

EmpresaK

EmpresaK

Parceiros potenciaisParc

eiro

s po

tenc

iais

Upstream DownstreamFornecedores Produtores Montadores Distribuidores

C a d e i a d e V a l o r

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Estrutura Esférica

Miles e Snow (1996) afirmam que em networks mais avançadas, as

empresas acabam partilhando informações valiosas, tanto técnicas quanto de

mercado. Dessa forma, surge a estrutura esférica, caracterizada pela maior

eficiência na conexão entre os diversos parceiros da cadeia de valor da indústria.

Os autores seguem suas observações citando a Nike como um dos

melhores exemplos de estrutura esférica. A Nike investe pesado em seus

parceiros, enviando seus próprios técnicos às fábricas fornecedoras para garantir

que a produção atenda aos padrões Nike. Além disso, a empresa busca contar

com alguns dos seus mais desenvolvidos fornecedores no desenvolvimento de

novas linhas de produto. Quando aos distribuidores, a Nike permite que alguns

deles façam seus pedidos diretamente aos fornecedores, tamanha é a confiança

desenvolvida entre os seus parceiros e ela própria. Isso garante a flexibilidade e a

velocidade das transações entre os participantes da estrutura esférica, sem

prejuízos financeiros ou relacionados à qualidade do produto final.

Estrutura Celular

Miles e Snow (1996) analisam o desenvolvimento, ainda que preliminar, de

uma organização com as características semelhantes a de uma célula. A empresa

do futuro poderá atuar por si só, mas quando em associação a outros parceiros,

alcançará níveis de desempenho superiores, tal qual um organismo vivo.

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Transportando a metáfora acima para dentro da empresa, esse tipo de

modelo organizacional funciona a partir de células - equipes auto-gerenciáveis,

unidades de negócio autônomas, etc - que podem existir por si só, mas produzem

resultados mais poderosos a partir da interação com outras células.

Para completar a metáfora da célula, Miles e Snow (1996) observam que

essa estrutura tem como objetivo principal o crescimento e a renovação. Dessa

forma, há uma grande valorização da criatividade e do empreendedorismo; os

recursos para o desempenho das atividades estão disponíveis, cabe a cada um

buscar oportunidades de adequá-los e utilizá-los para alcançar os objetivos da

empresa.

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As Características do Trabalho Pós Industrial - Flexibilidade e

Sobrecarga

Sennett (1999) expõe seu conceito de flexibilidade como o comportamento

humano adaptável a circunstâncias variáveis. Uma pessoa flexível é capaz de,

exposta a uma situação ou ambiente novo, mostrar-se plenamente à vontade e

adaptada. Finda essa exposição, a pessoa é ainda capaz de voltar ao seu

comportamento normal.

Segundo Sennett (1999), os administradores da Era Pós-Industrial

assumem a personalidade de artistas da improvisação. Essa obsessão pela

flexibilidade é uma tentativa de rompimento e destruição dos males da rotina da

Era Industrial, na medida em que o comportamento flexível gera, em tese, a

liberdade pessoal - estar aberto à mudança é ser livre para a ação.

Sennett (1999) ilustra o efeito da flexibilidade da Era Pós-Industrial na vida

das pessoas através do exemplo de Rico. Rico era um típico trabalhador da Era

Pós-Industrial. Possuía uma boa formação acadêmica, era bastante aberto a

riscos, e casado com uma esposa bem sucedida profissionalmente.

Em uma exposição critica e detalhada dos efeitos da flexibilidade na vida

das pessoas, o autor expõe os problemas que o Rico enfrentou quando abriu sua

própria consultoria. Segundo Sennett (1999), Rico percebeu que precisava realizar

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todo o tipo de tarefas e também atender e responder a todos os telefonemas. Essa

situação fugia ao seu controle, principalmente por que não encontrava tempo para

realizar fazer tudo que precisava ser feito.

Essa exposição aos mais diversos tipos de tarefas afetava a vida familiar de

Rico. Apesar de encarar o trabalho como um serviço à família, ele percebia que as

obrigações profissionais acabavam interferindo no seu relacionamento com os

filhos e esposa. Segundo Sennett (1999), Rico afirmava que a sobrevivência na

economia pós-industrial afetava direta e negativamente sua vida emocional e

social, na medida em que não conseguia demonstrar nas suas atitudes em família

a essência da sua vida profissional. As realidades eram muito distintas para que o

trabalhador de sucesso pudesse ser visto pelos filhos como um pai exemplar.

Sennett (1999) observa também o impacto da flexibilidade sobre os

processos de trabalho e a estrutura das organizações. O autor percebe que todo

contexto em torno da flexibilidade carrega em si uma idéia de liberdade, no fundo

aparente e enganosa. A própria busca da flexibilidade produz novas estruturas de

poder e controle, como:

• reinvenção organizacional descontínua;

• especialização flexível da produção;

• concentração de poder sem centralização.

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Reinvenção Organizacional Descontínua

Sennett (1999) afirma que o desejo de mudança é contínuo; as pessoas e

as organizações da Era Pós-Industrial mudam através do rompimento irreversível

com o passado, em busca de um futuro diferente. As organizações pós-industriais

perdem aquela antiga força hierárquica, característica da Era Industrial, e passam

a ser cada vez mais fragmentadas. Programas de computador auxiliam os

administradores a reconhecer unidades de trabalho repetitivas ou ineficientes,

facilitando assim a eliminação da gordura organizacional.

Segundo o autor, o grande desafio das organizações pós-industriais é

compactar a estrutura organizacional, através do rompimento com o modelo de

estruturas e processos remanescente da era industrial. Esse processo de

reestruturação, denominado Reengenharia, busca fazer mais com menos.

Sennett (1999) critica a eficiência dos projetos de reengenharia a que se

submetem as empresas da Era Pós-Industrial; segundo o autor, muitas empresas

não obtém sucesso em seus projetos, pois não conseguem controlar os efeitos do

downsizing sobre o moral e a motivação dos trabalhadores sobreviventes. Por

outro lado, as reorganizações institucionais agitam o mercado acionário, como se

qualquer mudança fosse melhor do que permanecer na situação atual. Os

acionistas enxergam a disposição de mudar com um incentivo ao investimento.

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Especialização Flexível da Produção

Sennett (1999) afirma que a Era Pós-Industrial é marcada pela estratégia

de inovação permanente, onde todos os esforços buscam uma maior

adaptabilidade às mudanças, sempre tentando acompanhar a volatilidade da

demanda do consumidor. Na fabricação de automóveis, por exemplo, as antigas

linhas de montagem são substituídas por ilhas de produção especializada.

As empresas pós-industriais lutam para construir estruturas organizacionais

internas com a capacidade de constante adaptação às demandas de mercado,

sempre em contínua transformação. Em termos gerais, a especialização flexível é

fruto do esforço da oferta, cada vez mais veloz, de novos produtos no mercado;

todo o sistema pós-industrial busca a adaptação constante à mudança, ao invés

de tentar controlá-la, como Ford o fazia na Era Industrial.

Concentração de Poder sem Centralização

Sennett (1999) critica o novo conceito de organização do trabalho da Era

Pós-Industrial, que prega a descentralização do poder, conferindo as pessoas na

base inferior da organização um maior controle sobre suas próprias atividades.

Segundo o autor, o que ocorre é que o poder fica disperso pela organização,

assim como a responsabilidade pelos resultados, já que o controle é exercido

através de metas de produção ou lucro. Em outras palavras, cada área de uma

empresa tem liberdade para cumprir suas tarefas da forma que julgar mais

adequada, porém é responsável pela alcance de determinados resultados. Todo

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esse cenário esconde o fato que em geral as metas de controle são muito

elevadas, além do alcançável.

Assim como Sennett (1999), Hage (1995) observa os efeitos da transição

da Era Industrial para a Pós-Industrial na vida dos empregados, mais

especificamente aquelas relacionadas à tecnologia e ao trabalho em si.

Hage (1995) parte de uma macro-análise da perspectiva pós-moderna na

sociedade, e observa que a passagem da Era Industrial para a Pós-Industrial

obriga os indivíduos a desenvolverem novas capacidades, como a criatividade, a

adaptabilidade e a flexibilidade, antes pouco valorizadas. Fazendo um paralelo

com a transformação do trabalho, à medida em que as empresas se tornam mais

complexas, exige trabalhadores que possam lidar com essa complexidade. E

quanto mais complexas as empresas, mais acelerado é o seu processo de

mudança, exigindo mentes criativas e flexíveis.

Hage (1995) se mostra convencido de que o fracasso de grandes empresas

tradicionalmente industriais durante a Era Pós-Industrial é fruto das exigências

impostas pelo crescente nível de conhecimento da sociedade, manifestado em

três áreas:

• nível de escolaridade/formação/educação dos indivíduos;

• sofisticações tecnológicas, como manufatura flexível;

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• aumento dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Segundo o autor, o aumento do nível de escolaridade dos indivíduos

provoca uma nova demanda por igualdade social; minorias antes pouco

poderosas, como mulheres e negros, exigem os mesmos espaços e direitos das

maiorias. Essa força social também provoca diversas demandas, como a

conservação ao meio ambiente, a especialização e customização dos produtos e

serviços, a segurança pública, dentre outras.

Hage (1995) analisa a combinação entre o aumento da sofisticação

tecnológica e os crescentes investimentos em pesquisa e desenvolvimento nas

organizações, associando-a à oferta de atendimento customizado aos

consumidores através da crescente inovação dos produtos e serviços.

Mais especificamente, o autor observa os impactos sociais das novas

tecnologias na vida dos indivíduos. Nas indústrias onde não há inovação

tecnológica, fábricas são fechadas, e os funcionários perdem seus empregos; nas

indústrias onde há intensa inovação tecnológica, o ritmo do trabalho se acelera

para acompanhar a crescente velocidade de lançamento de novos produtos.

Segundo o autor, todo esse crescente grau de inovação tecnológica das

empresas da Era Pós-Industrial influencia diretamente no ambiente e no horário

de trabalho; a combinação lap-top e celular, por exemplo, torna possível, e na

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maioria das vezes uma exigência, trabalhar em qualquer lugar, a qualquer hora. O

uso do computador torna a jornada de trabalho cada vez mais flexível, exigindo

assim maior flexibilidade e criatividade no trabalho.

Seguindo seus estudos, Hage (1995) afirma que somente aqueles que

desenvolverem ampla capacidade criativa conseguirão ter sucesso frente à

complexidade do mundo pós-industrial. A criatividade e a flexibilidade tornam-se

fatores críticos para o sucesso, não apenas na vida profissional, como também

nos diversos grupos sociais a que os indivíduos fazem parte na Era Pós-Industrial.

A criatividade, enquanto capacidade de lidar com o inédito e súbito, é essencial

para a eficácia dos processos de tomada de decisão. E a flexibilidade, é o perfeito

conhecimento dos limites extremos da capacidade de um indivíduo.

Assim como Sennet (1999) e Hage (1995), Harvey (2000) também estuda

as transformações do processo de trabalho na década de 60. Segundo o autor,

nessa época o modelo fordista da Era Industrial começa a apresentar sérios

indícios da sua incapacidade de conter as contradições inerentes ao capitalismo.

Em outras palavras, a rigidez do sistema fordista, antes uma de suas maiores

forças, agora afetava negativamente o resultado financeiro das empresas.

O processo de trabalho da Era Pós-Industrial é, diferentemente do fordismo,

fortemente influenciado pela flexibilidade, diretamente associada ao surgimento

incessante de novos padrões de consumo e a inovação comercial, tecnológica e

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organizacional. Segundo Harvey (2000), a antiga premissa de que a rotina trazia

consigo a produtividade, a partir da especialização, simplesmente é superada pela

necessidade de rápida destruição e reconstrução de habilidades e competências

técnicas.

Seguindo sua análise da transformação do trabalho na Era Pós-Industrial, o

autor afirma que o sistema de produção flexível torna possível a aceleração do

ritmo da inovação do produto, e consequentemente a exploração de novos nichos

de mercado. Novas tecnologias associaram-se a novas formas organizacionais,

tornando real a economia de escopo, com a redução dos lotes de produção e do

tempo de giro dos estoques. O capitalismo torna-se cada vez mais forte, através

da dispersão, da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis aos mercados de

trabalho e de consumo.

Kanter (1997) analisa o impacto das mudanças e da busca por novas idéias

e oportunidades no trabalho pós-industrial. Segundo a autora, toda essa sedução

da busca de novos desafios torna a vida do trabalhador excitante, porém

extremamente sobrecarregada; as pessoas estão trabalhando mais, ou pelo

menos por mais tempo, principalmente aqueles que possuem as ocupações mais

desejadas por outros. A autora expõe três causas para o excesso de trabalho.

A primeira explicação parte de uma visão psicológica; considera o trabalho

em excesso um vício dos chamados workaholics. A compulsão de trabalhar o

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tempo todo está ligada não a fins ou situações específicas, mas a um certo tipo de

impulso interno, o qual a pessoa não consegue controlar.

A segunda visão é associada à idéia de que a empresa procura cada vez

mais consumir o tempo e a energia de seus empregados, principalmente por que

o torna dependente das recompensas que oferece pela sobrecarga de empenho,

dentre elas status e poder dentro da organização.

A terceira e última perspectiva descreve o trabalho de fachada, onde o

empregado procura passar a impressão de que ficou até tarde no trabalho, apesar

de não ter utilizado esse tempo para produzir.

Seguindo seus estudos, a autora critica as visões anteriormente expostas,

afirmando que a realidade é que os empregados querem ter mais tarefas sob sua

responsabilidade, mas o tempo é um fator limitador.

Kanter (1997) observa também o impacto da natureza/características do

local de trabalho na geração de mais trabalho, a seguir descritas:

• a organização do trabalho por projetos, reunindo indivíduos ou grupos das

mais diversas especialidades, exige um grande dispêndio de tempo em

reuniões e discussões,

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• a grande quantidade de novas atividades que surgem, devido ao acelerado

ritmo da inovação dentro das organizações, exigem um maior empenho por

parte dos empregados,

• o aumento do número de pessoas capacitadas possibilita o aumento do

número de projetos em desenvolvimento, que por sua vez acabam gerando

outros projetos e mais trabalho para todos, e

• a própria cultura organizacional, que prega a satisfação de viver no limite, ou

seja, a idéia de que as pessoas provam sua capacidade ao encarar situações

desgastantes.

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3) Metodologia

Tipo de Pesquisa

Realizamos uma pesquisa do tipo exploratória, quanto aos fins, e de

campo, quanto aos meios.

Segundo Vergara (1990), observamos que a pesquisa do tipo exploratória é

conveniente quanto esbarramos em dificuldades como a limitação de

conhecimento acumulado e sistematizado sobre o assunto. Apesar do tema em

questão ser bastante atual e relevante, pouca atenção despertou até o presente

momento tanto à comunidade acadêmica quanto aos executivos em geral, o que

justifica a opção pela pesquisa exploratória.

Quanto aos meios, optamos pela realização de uma pesquisa de campo

através da coleta de dados diretamente nas empresas selecionadas na amostra.

Universo e Amostra

Definimos como universo da pesquisa profissionais de grandes firmas

estrangeiras de consultoria de alta gestão, sempre estabelecidos no Estado do Rio

de Janeiro. Frente à dificuldade encontrada para a disponibilidade de tempo dos

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profissionais, também incluímos na nossa amostra ex-consultores com no máximo

um ano fora da profissão.

Seleção dos Sujeitos

Segundo Vergara (1990), os sujeitos da pesquisa serão os indivíduos que

fornecerão os dados necessários a execução do estudo. No nosso caso,

entrevistamos um grupo de doze profissionais, consultores ou ex-consultores,

ligados a três grandes firmas estrangeiras de consultoria de alta gestão, sediados

no Rio de Janeiro.

Para melhor análise das entrevistas, observamos que todos os profissionais

eram funcionários com carteira assinada, e apresentamos a seguir um quadro

contendo uma breve descrição de cada um dos profissionais entrevistados:

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Quadro 2 - Caracterização dos EntrevistadosDados pessoais e tempo

de consultoriaHistórico profissional(antes da consultoria)

Histórico na consultoriae cargo atual Nicho de atuação predominante

E 1- jovem do sexo masculino- é casado (não oficialmente) há umano, e não tem filhos

- trabalhou na área de informática (antes domestrado)- trabalhou também em uma empresa deconstrução civil, antes de ir para a consultoria

- entrou na consultoria como analista de negócioshá três meses, logo após terminar o mestrado(COPPEAD)

não disponível

E 2- sexo masculino- é casado, e tem dois filhospequenos

- estagiou na Shell antes de ir para a consultoria- entrou na consultoria há 11 anos, comoestagiário- hoje é gerente-experiente

- está mais focado em projetos da indústria de base- trabalhava com implantação de sistemas; hoje está mais voltadopara processos de mudança

E 3

- sexo masculino- tem 35 anos- é casado, e tem dois filhospequenos- esposa não trabalha

- trabalhou no Banco Nacional durante 1 ano- antes de ir para a consultoria, trabalhou emdiversas áreas da Atlantic (marketing,planejamento financeiro, trading, etc)

- entrou na consultoria há 2 anos, com 33 anos deidade, como consultor- depois de 1 ano de casa, foi promovido àgerente

- trabalha em projetos de estratégia

E 4

- sexo feminino- é casada, e tem dois filhospequenos- marido trabalha em umamultinacional

- saiu da faculdade direto para a consultoria - entrou na consultoria há 12 anos, como analista- é gerente há 6 anos

- trabalhava em projetos da área financeira- desistiu da área financeira devido a incompatibilidades entre asviagens à São Paulo e questões familiares (nascimento do segundofilho)- está alocada hoje na área de energia, em um projeto de estratégia

E 5- sexo feminino- tem 26 anos- é casada, e não tem filhos

- trabalhou como programadora e analista desistemas durante 3 anos

- entrou na consultoria como consultor associadohá 1 ano e meio, logo após terminar o mestrado(COPPEAD)

- normalmente está alocada a projetos de sistemas- está hoje alocada em um projeto de sistemas na áreatelecomunicações, e está aproveitando para conhecer a indústria- pretende no futuro estar mais voltada para projetos detelecomunicações

E 6- sexo feminino- tem 26 anos de idade- recém-casada, e não tem filhos

- estagiou em um banco de investimentos edepois na Shell

- entrou na consultoria como estagiária- pediu demissão da consultoria depois de 7 anosde casa- seu último cargo foi de gerente

- trabalhava com a indústria financeira - bancos e seguradoras- era invariavelmente alocada em projetos de desenvolvimentos desistemas, mesmo a contragosto

E 7

- sexo masculino- é casado, e tem duas filhas (umadelas já está na faculdade)- joga golfe nos finais de semana

- trabalhou na Rede Manchete durante 4 anos- entrou na consultoria há 13 anos- hoje é gerente experiente, e espera chegar asócio em dois ou três anos

- já passou por várias áreas dentro da consultoria- ficou cinco anos fora da atividade de consultor, alocado comogerente de qualidade (reporte internacional)- depois foi alocado em projetos de desenvolvimento de sistemasem seguradoras, mesmo sem nenhuma experiência- hoje está gerenciando 50 pessoas, em um projeto em umaempresa da indústria de base (é o maior contrato da consultoria)

E 8

- sexo feminino- é casada, e tem um filho de 4 anos- marido dá muito apoio à suacarreira profissional

- trabalhou no Banco Nacional e na Brahma - entrou na consultoria há 8 anos como consultor-senior e hoje é gerente-experiente

- trabalhava na parte de informações gerenciais- depois foi para a área de telecomunicações, mais voltado paraprojetos de desenvolvimento de produtos

E 9

- sexo masculino- tem 40 anos de idade- é casado e teve um filhorecentemente (há três meses)

- trabalhou em um banco de investimentos e naBrahma

- entrou na consultoria há 8 anos como consultore hoje é gerente-experiente

- está mais focado em projetos de desenvolvimento de sistemas- gostaria de se aprofundar mais em uma determinada indústria

E 10

- sexo masculino- primeiro casamento foi afetado peloritmo de trabalho- após separação, casou-se comuma consultora, e tiveram uma filha

- saiu da faculdade direto para a consultoria - está na consultoria há 9 anos- espera chegar a sócio em até 6 anos

- trabalha na indústria de recursos naturais e utilidades públicas- é um generalista: atua em projetos de diferentes especialidades(planejamento estratégico, planejamento de marketing, SAP etc)

E 11- sexo masculino- é casado (esposa é médica) e temuma filha de um ano e meio

- estagiou na Shell - entrou como estagiário na consultoria há 13anos e hoje é gerente-experiente

- trabalha na indústria de recursos naturais, dentro da linha denegócios de CRM

E 12 - sexo feminino - trabalhou na IBM e depois em uma consultoriade informática

- entrou na consultoria como consultor associado,logo após terminar o mestrado (COPPEAD)- pediu demissão depois de um ano deconsultoria, pois o ritmo de trabalho estavaafetando a vida particular- foi trabalhar na BRASCAN

- trabalhava em diferentes tipos de projetos

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Coleta dos Dados

Por se tratar de uma pesquisa exploratória, achamos conveniente utilizar a

entrevista em profundidade como procedimento para coleta de dados (Taylor e

Bogdan, 1998). A entrevista foi efetuada através de um roteiro previamente

estruturado, o que não impediu de forma alguma que novas questões fossem

abordadas pelo entrevistador, no momento da entrevista, caso considerasse

relevante ao assunto.

No início da entrevista, deixamos bem claro ao entrevistado qual o objetivo

e relevância da pesquisa, bem como a importância de sua colaboração para a

realização do estudo. Também solicitamos autorização do entrevistado para que a

entrevista fosse gravada, e tentamos ao máximo deixá-lo a vontade caso não

quisesse responder alguma pergunta, ou desejasse desligar o gravador, se

achasse que o assunto em questão não devesse ser posteriormente divulgado.

Roteiro de Entrevista

Estruturamos um roteiro-base para a entrevista, detalhando o foco de cada

questão a ser abordada e perguntas de apoio:

1) Início da entrevista

Conte um pouco de sua história profissional...

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2) Características Gerais do Trabalho

Pergunta Principal Perguntas de Apoio

Como é o seu dia-a-dia de trabalho?

Como você pode resumir as atividades queexecuta durante um dia / semana de trabalho?

Faça um breve relato sobre o que fez na últimasemana.

3) O Contrato Psicológico

Pergunta Principal Perguntas de Apoio

Que características deve ter um empregado quedeseje permanecer na empresa?

O que é valorizado?

O que faria com que você mudasse de emprego?

4) Carreira Profissional: oportunidades X expectativas

Pergunta Principal Perguntas de Apoio

Que oportunidades de desenvolvimentovocê tem na empresa hoje?

Dê alguns exemplos de oportunidades de carreiraque a sua empresa oferece

Como sua empresa investe em sua carreira?Que tipo de trabalho você pretende estarexecutando no longo prazo?

Como você enxerga a oportunidade de carreirana sua empresa, no longo prazo?

O que você espera estar fazendo daqui a cincoanos?

Você espera que ainda estará trabalhando nomesmo lugar?

5) Work-life balance

Pergunta Principal Perguntas de Apoio

Como você concilia seu trabalho e sua vidaparticular?Como o horário e as suas atividades de trabalhoafetam hoje sua vida particular?

Fale um pouco sobre o seu horário de trabalho

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6) Estrutura Organizacional

Pergunta Principal Perguntas de Apoio

Como é a estrutura de sua empresa?

Fale um pouco do organograma da sua empresa.

Como se dá as relações entre colegas?

Como se dá a sua relação com o seu chefe?

Qual o grau de flexibilidade da estrutura de suaempresa?

7) Política Salarial

Pergunta Principal Perguntas de Apoio

Como é a política salarial da sua empresa?

Como sua empresa identifica os funcionários quemerecem uma maior recompensa salarial?

Fale um pouco sobre os critérios que suaempresa julga relevante para a política deremuneração variável

Tratamento dos Dados

As entrevistas foram analisadas qualitativamente, buscando apresentar os

dados de uma forma mais estruturada e analisando-os frente aos objetivos do

estudo.

Tomamos como base para a nossa análise alguns pontos específicos,

dentre eles características do trabalho, contrato psicológico, remuneração,

estrutura organizacional e carreira, inclusive quando preparamos o roteiro de

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entrevista. Ainda assim, buscamos deixar que os temas emergissem a partir do

próprio relato dos entrevistados, na medida do possível.

A partir das análise das respostas dos consultores, procedeu-se, então, a

comparação com o referencial teórico, tendo por objetivo descobrir semelhanças e

dessemelhanças parciais ou totais.

Limitações da Método

A grande limitação ao método escolhido deve-se a fatores como restrição

de tempo e recursos financeiros, certamente necessários para um estudo mais

profundo sobre o assunto, somados às dificuldades de agendamento de

entrevistas junto aos sujeitos da pesquisa (Taylor e Bogdan, 1998). A pesquisa

poderia, caso não fossem esses problemas, ser mais profunda e abrangente;

certamente isso acrescentaria para a riqueza dos dados coletados e possibilitaria

uma melhor análise do problema proposto.

É importante ressaltar que as análises e a conclusão do trabalho

representam uma percepção frente à amostra pesquisada, e não devem ser

tomados como única verdade para todo o universo de consultores. Em primeiro

lugar, porque representa o estudo de apenas um certo tipo de profissional, ligado

à consultorias estrangeiras de alta gestão, não englobando outros tipos de

consultores, como free-lancers, por exemplo. A descrição mais completa do papel

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do consultor requereria uma abordagem de saturação teórica que não pôde ser

obtida frente ao número de entrevistas realizadas.

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4) Análise dos dados

Características do trabalho

Neste item estaremos analisando fatores relacionados ao trabalho que se

mostraram recorrentes nas entrevistas realizadas, como a rotinização do trabalho,

a disponibilidade total do consultor, a postura pró-atividade valorizada pela

consultoria, a troca de informações e experiências, a necessidade de constante

aprendizado, o grau de competição e suas nuances, e aspectos sobre o excesso

de carga horária da jornada de trabalho.

Rotinização do trabalho

Uma primeira inferência sobre as características do trabalho do consultor

refere-se a sua imprevisibilidade, e seus efeitos na rotina profissional e pessoal.

Boa parte dos entrevistados relata a impossibilidade de exercer atividades

paralelas, mesmo aquelas ligadas à manutenção da saúde, como a ginástica.

Eventos particulares importantes podem ser cancelados, a qualquer momento,

frente a imprevistos relacionados à vida profissional.

" ...a gente não pode planejar nada em termos de futuro, nada. Então, vocênunca pode planejar quanto tempo você vai ter disponível para dedicar ao quenão seja trabalho, você não pode planejar aonde que você vai estar vivendo,aonde vai estar fazendo curso ou ginástica, você não tem como planejar sevocê não tiver um projeto de longa duração" (E 11)

"Eu tenho um jantar importante, hoje, à noite, eu aviso com antecedência: “Euvou para um jantar”. Se der, eu vou. Pode ser cancelado, na última hora...Então, é imprevisível." (E 6 - ex-consultora)

Disponibilidade

A dinâmica das atividades dos consultores exige um estilo de vida bem

peculiar. Os consultores em geral estão disponíveis para o trabalho vinte e quatro

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horas por dia, sete dias por semana. Essa disponibilidade tem duas

características: pode representar a necessidade de deslocamento para o escritório

ou para o cliente, ou então apenas estar relacionada ao livre acesso através de

meios de comunicação, como o telefone.

" não é um emprego... é um estilo de vida. É você sentir que a pessoa estátotalmente disponível para resolver os problemas do trabalho, a qualquermomento..." (E 6 - ex-consultora, casada e sem filhos)

" A gente fica... como se você estivesse vinte e quatro horas à disposição... nãosignifica que eu trabalhe vinte e quatro horas. Eventualmente num dia eu possoestar trabalhando a noite inteira ou pegando o início da madrugada." (E 1 -consultor com pouco tempo de consultoria, casado e sem filhos)

Podemos inferir com base nos relatos que o consultor geralmente se

apresenta de certa forma conformado quanto aos prejuízos causados por essa

disponibilidade em sua vida particular. Em verdade, essa parece ser uma condição

fundamental para o sucesso na carreira.

" Eu digo para todo mundo que trabalha comigo que para ter sucesso bastante,tem algumas coisas-chave: uma é disponibilidade, você tem que estardisponível... sempre que alguém te pedir alguma coisa, você poder fazer.Mesmo que... qualquer coisa. Mesmo que você tenha que abrir mão da sua vidapessoal, mesmo que você tenha que... que, de repente... de preferência, vocênão pode comprometer o teu trabalho... o que você está fazendo. Mas se vocêtiver que... principalmente, a vida pessoal, que é afetada nessa hora. Vocêtrabalha oito, então, você abre mão de duas, três horas a mais, do seu tempode lazer; para você ficar aqui e trabalhar no fim de semana e tal; para ajudaralguém numa proposta; para estar disponível para alguém..." (E 3 - 2 anos deconsultoria, casado, tem dois filhos pequenos)

Observamos que os consultores mais jovens, com pouco tempo de casa,

sucumbem com facilidade às pressões relacionadas à disponibilidade. Podemos

inferir, porém, que aqueles com mais tempo de casa conseguem, com o tempo,

conquistar um pouco mais de controle sobre seu tempo livre e compromissos

pessoais.

" Você tem que buscar muito o teu espaço. Então, se você for uma pessoa quenão coloca limites, as pessoas vão dar como verdade absoluta que você tem

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vinte e quatro horas, por dia, de dedicação ao projeto, ou à empresa. Às vezes,o sócio me liga onze horas da noite e, dependendo do que for, eu tenho quedizer que eu não posso falar com ele, nesse momento. Mas ele se sente nodireito de me ligar onze horas da noite. Eu consigo gerenciar bem isso, porqueeu tenho muito tempo de empresa. Mas eu vejo que eu conquistei isso... euconquistei isso, ao longo do tempo. Mas antes de eu conseguir conquistar isso,eu trabalhava quase todo fim de semana. Quase todo fim de semana tinhaalguma coisa urgente para fazer, para segunda feira. (E 10 - consultorexperiente, com nove anos de casa)

“ Olha, amanhã eu tenho o aniversário do meu irmão, e eu queria ir noaniversário do meu irmão”, sabe? “Desculpe, mas não vai dar para virar a noiteamanhã, ou não vai dar para entregar...”. E até agora eu tenho tido umaresposta muito compreensiva da empresa em relação a isso... Se for para batero pé, eu bato o pé e falo: “Olha, amanhã, a gente não vai poder mais viajar...Como é que fica?” Ano passado aconteceu uma coisa parecida com essa. Eutinha que ficar até um certo tempo no projeto; já tinha me arrumado paraviagem, tudo certo. E ai, o meu chefe falou assim: “Olha, a gente vai precisar devocê mais uma semana”. Aí, eu [disse]: “Olha, essa semana não vai dar, porqueeu já marquei de viajar. Como é que eu faço, vou desmarcar minha viagem?Como é que fica? Já gastei dinheiro, já tudo...” Aí, ele: “Não, tudo bem, a genteresolve de uma outra forma”. Mas é difícil a pessoa ter essa... botar esse pé.Ainda mais, quanto mais jovem você é, mais difícil. Eu vejo gente aqui, quesucumbe a essas pressões, assim, de uma forma muito fácil, entendeu? Nempensa em levantar a questão: “Olha, eu tenho um compromisso...” (E 5 -consultora pouco experiente, com apenas um ano e meio de consultoria)

Podemos inferir, com base nas entrevistas, que a consultoria transfere de

forma sutil todo o sentimento de culpa pelo desgaste profissional realizado pelo

consultor para ele mesmo, à medida em que reforça um sentimento de

comprometimento com a equipe entre seus profissionais. Dessa forma, o consultor

passa a se sentir co-responsável pelo esforço de sua equipe, e por isso procura

participar de toda e qualquer atividade, mesmo que não possa colaborar

efetivamente com os resultados.

" disponibilidade não é o termo que é usado lá, isso é consideradocomprometimento. Você está comprometido... e isso não é ligado à empresa.Não é que você está comprometido com a Consultoria B, você estácomprometido com sua equipe, você está comprometido com seus colegas...Então, acaba virando uma coisa pessoal... eu tinha uma necessidade de estarjunto com eles, mesmo sem fazer nada. E eu não ia conseguir ajudar nada,mas essa disponibilidade, esse comprometimento mostrava que eles não estãose ferrando sozinhos, eu estou lá junto." (E 6 - ex-consultora)

Pró-atividade

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A pró-atividade é também uma das principais características demonstradas

pelo consultor durante o dia-a-dia de trabalho, sendo inclusive geralmente

associada ao crescimento profissional.

" Para você crescer é fundamental você mostrar iniciativa; pró-atividade; idéias;capacidade de pegar um assunto que está mal parado e você virar o donodaquilo, e resolver uma questão." (E 2 - consultor experiente, com 11 anos decasa)

" Palavra-chave: iniciativa. Entendeu? São duas palavras-chave, como eu falei,antes: disponibilidade e iniciativa." (E 3 - consultor pouco experiente, comapenas dois anos de casa, porém bastante experiência no mercado)

" você tem que correr atrás, é uma empresa que você não tem nada de graça,tudo você vai atrás não recebe nada." (E 4 - consultora experiente, com 12 anosde casa)

As consultorias procuram valorizar a postura pró-ativa de seus consultores,

incluindo-a como um item da avaliação de desempenho. Podemos inferir que essa

valorização da pró-atividade tem como objetivo principal aumentar o esforço de

auto-desenvolvimento do consultor, o que evita maiores investimentos em

treinamento, e aumenta o nível de qualidade dos trabalhos desenvolvidos.

" Esse processo de alocação é uma coisa que eles estão começando a ver queé importante, por que isso é... você evita até de fazer um treinamento, porque ocara quer aprender aquilo. Você bota ele lá e não precisa nem treinar, porqueele vai lá, porque ele está querendo... Ele vai se auto-treinar, vamos dizerassim. Ele não vai requerer recurso da empresa, para poder se especializarnaquela coisa, também. Ele vai correr atrás; é assim que a gente aprende, né,na verdade. Na maioria das vezes, a gente sabe que é assim que a genteaprende. Quando você tem a intenção de aprender, é a melhor forma de vocêaprender." (E 3)

" Faz parte da nossa cultura que você tem que lutar pelo seu desenvolvimento,inclusive esse é um dos pontos da sua avaliação, pessoas que conseguem seauto-desenvolver, auto é auto mesmo, você se vira. Se vira negão!, é assim quefunciona; vai atrás, estuda, procura, ela incentiva esse tipo de atitude... se vocêfor atrás desses recursos você vai encontrar oportunidade de se desenvolver ,mas depende muito da iniciativa de cada profissional, a empresa ela nãoprograma." (E 9 - consultor experiente, com 9 anos de casa)

Troca de informações e experiências

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Podemos inferir, com base nos relatos das entrevistas realizadas, que a

troca de informações e experiências entre os consultores é de vital importância

para o desenvolvimento dos novos projetos e trabalhos. Mais especificamente,

quando um consultor se vê diante de um assunto ainda desconhecido, geralmente

utiliza a sua rede de relacionamentos para conseguir informações ou descobrir

quem pode ajudá-lo a chegar a uma solução mais rapidamente.

" ... depois você durante o projeto, você tem uma dúvida, tem algumainformação que você precisa, você... começa a entrar em contato com aspessoas... vai procurando e vai falando e sempre eles tem resposta, tem umretorno e você acaba criando uma rede... Então, eu particularmente nunca tiveproblema, sempre tive muita ajuda, tanto dos meus pares, dos gerentes parescomo dos meus sócios." (E 4)

" A gente tenta replicar o conhecimento desenvolvido dentro do projeto paraoutros ,então isso favorece muito a comunicação... de repente eu estou aquisentado trabalhando e toca o telefone: Hi, eu sou aqui da Índia, estou com umproblema assim, dá para você me ajudar?... Não conheço, mas eu sei alguémque conhece." (E 9)

Essa prática parece ser comum dentro da profissão. Um dos consultores

chega a afirmar que, em muitos anos de consultoria, jamais sofreu qualquer

prática de boicote por parte dos colegas.

" Eu sou acessado, constantemente, de outros projetos, por pessoas com quemeu trabalhei, no passado... que, reconhecidamente, têm uma determinadacapacidade e podem me ajudar no projeto, aqui. E, em nove anos, eu nuncative a experiência de boicote, informação negada ou nada disso." (E 4)

Po outro lado, observamos relatos de que o consultor é cobrado e avaliado

pela sua prontidão em disseminar informação para outros consultores. Sendo

assim, podemos inferir que essa cooperação é fruto muito mais da possibilidade

de ser melhor avaliado do que da pura vontade de colaborar com os colegas.

" A cooperação, ela existe... eu acho que ela existe muito mais porque écobrado da gente que exista, ou seja, na sua avaliação do final do ano, conta sevocê é uma pessoa que coopera, colaboradora e tal. Não só dentro do seu

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projeto como para os outros projetos.... Mas eu acho que as pessoas colaborammuito mais por isso do que por espontânea vontade." (E 5 - consultora poucoexperiente, com apenas um ano e meio de consultoria)

" ... ao mesmo tempo em que as pessoas ajudam, elas ajudam porque elasquerem estar bem na própria carreira.. é importante você passar para frente ainformação, isso você faz, porque é bom para você. E não porque você estáolhando o todo, uma equipe, quer que todo mundo vença... Porque lá todomundo é cobrado a passar adiante o que sabe, estar disponível para tirardúvidas, produzir documentos que vão ser usados por outras pessoas emprojetos semelhantes" (E 12 - ex-consultora)

Constante aprendizado

Os consultores são freqüentemente expostos a novos desafios, questões

ainda desconhecidas. Para terem o sucesso desejado são obrigados

constantemente a adquirir novos conhecimentos, principalmente através da

participação em projetos de diferentes características.

" Consultoria é um ambiente que te dá uma oportunidade de aprendizadogigante, muito boa, muito boa. Você está o tempo todo vendo indústriasdiferentes, práticas diferentes, pessoas diferentes. Você tem que ter um piquede aprendizado violento; então, eu gosto disso... Para mim, o que mais meatraiu, em consultoria, foi isso. Eu gosto muito de ser desafiada... Todo projetode consultoria, você tem aquele primeiro dia do pânico, sabe? “Olha, você vaientrar num projeto agora sobre hospitais. Você vai fazer uma avaliaçãofinanceira num hospital novo, que querem abrir”. Se falar isso para mim, euacho que vou ter um treco, eu não entendo nada de hospital, nada de avaliaçãofinanceira... mas é uma coisa... é um pânico legal... Quando você vê, daqui aum mês, você está fazendo uma reunião com o diretor do hospital, dandorecomendação para ele, sobre o que ele deve fazer. É uma loucura, mas émuito bom, porque você se força a aprender. E eu gosto muito dessa parte;essa parte do trabalho, para mim, é fascinante. É muito bom você chegar nofinal de um projeto... e falar: “Nossa, como eu aprendi coisas...”, entendeu?" (E5 - consultora pouco experiente, com apenas um ano e meio de consultoria,recém saída do mestrado)

" Agora, fui fazer consultoria porque eu queria ter experiência em váriasempresas diferentes, em negócios diferentes, até para eu para poder aprendermais rápido, quando saí do Mestrado." (E 12 - ex-consultora; recém saída domestrado, ficou apenas um ano na consultoria)

Por outro lado, as empresas de consultoria colocam o negócio sempre em

primeiro lugar. Sendo assim, a prática comum é a alocação dos consultores em

projetos onde possam agregar maior valor para a consultoria, independente de

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seu desejo em desenvolver novas habilidades. Isso contradiz toda a idéia de

constante aprendizado, e parece gerar um certa frustração nos consultores. Em

casos desse tipo casos, o que a consultoria costuma fazer é oferecer uma

promoção ou aumento de salário, como compensação pela frustração do

consultor.

" As pessoas entram lá: “Ah, eu vou fazer as coisas mais diferentes; e vou paraclientes diferentes; e vou fazer projetos; e vou fazer isso; e vou fazer; e vouacontecer...”. Não é isso. Você faz o primeiro, se você faz bem, provavelmente,o segundo vai ser igual...provavelmente, o terceiro vai ser igual... até que vocêdá sorte de no momento que terminar o seu projeto, só ter um projetocompletamente diferente... Foi o que eu falei, que conceitualmente, a empresaé perfeita... só que isso tudo, na teoria é lindo, mas na prática não funcionaassim. Por que? Porque a empresa vem em primeiro lugar. Então, não adiantaa E 6 não querer fazer desenvolvimento de sistema, se ela sabe muito bemaquele sistema e é isso que está vendendo e está trazendo dinheiro para aempresa. Então, o máximo que a gente pode fazer por ela é dar uma boapromoção para ela e um bom aumento. Mas é totalmente contraditório eu pegare botar uma outra pessoa, que não sabe, no lugar dela e botar ela para fazerum monte de coisa diferente. Então, acaba esbarrando na própria filosofia,também, da companhia." (E 6 - desistiu da carreira em consultoria após 7 anosde experiência)

Competição

Podemos identificar, a partir das entrevistas, várias abordagens distintas a

respeito da competitividade entre os consultores. Uma dessas abordagens sugere

que competição é um desafio a si próprio; em outras palavras, você não compete

com os outros, mas consigo mesmo.

" Na verdade, eu não percebi o ambiente lá como um ambiente competitivo. Naverdade, já perguntei sobre isso e a informação que eu tive é que naConsultoria A, você não está competindo com seu colega de trabalho ou comseu colega de projeto; você compete só com você mesmo. Então, se as suasavaliações estão boas, você é promovido, independente de como está o seuvizinho do lado. Se ele vai bem e você vai bem, os dois são promovidos. (E 1 -consultor pouco experiente, com apenas três meses de casa, recém saído domestrado)

Outra abordagem mostra a relação entre os consultores como algo

extremamente competitivo, guardando, porém, toda uma característica de

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cooperação e respeito a regras de conduta. O principal objetivo desse paradoxo

de "competição colaborativa" é manter o foco no atendimento às exigências do

cliente.

" É um ambiente extremamente competitivo, mas é um ambiente que todomundo sabe... não é um ambiente falso no sentido de que ninguém te contouque era assim, é um ambiente que todo mundo sabe qual é a regra do jogo, ese você está aqui, é porque você tem que jogar aquela regra..." (E 8 - consultorexperiente)

"... apesar de nós estarmos num ambiente competitivo, dentro dos projetos oambiente é muito colaborativo, porque você tem o cliente, você tem queatender, normalmente os desafios são grandes, são coisas que você diz: eunão sei fazer, é difícil para caramba, o cliente é bastante exigente então atendência é que as pessoas atuem de uma forma muito colaborativa pararesolver o problema, para agradar o cliente." (E 9 - consultor experiente)

Entretanto, observamos relatos de que o relacionamento fora do local de

trabalho não é tão ameno quanto durante as atividades profissionais.

" só que evidente, como em qualquer grupamento humano, nem todo mundotem o espírito tão colaborativo. De maneira geral o ambiente é muitocolaborativo dentro dos projetos, fora dos projetos nem sempre; fora dosprojetos já rola um pouquinho mais de um ambiente às vezes um pouco maisesquisito" (E 9)

Em um dos relatos, o consultor faz uma breve comparação entre a

competitividade de uma empresa comum e a de uma consultoria. Podemos

observar, nesse caso, que o crescimento do setor atenua a competitividade entre

os consultores.

" ...não existe a competição que existe em outras empresas onde você écobrado pelo o seu resultado e tem sempre alguém do seu lado que estácompetindo com você porque não existe mais espaço para você subir...Geralmente, aqui como a gente trabalho em mercado que está sempre emexpansão você só depende de você mesmo para você poder chegar lá em cimae isso faz com o que a competição não exista... Não existe aquela coisa depassar o outro para trás e você chegar na frente, cada um é responsável peloseu próprio resultado por incrível que pareça... a gente passa um momentoaqui, a empresa está crescendo muito... e até agora a gente tem conseguido

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crescer, crescer e aumentar a pirâmide sem ter que pegar o espaço do seucompanheiro" (E 11 - consultor experiente, com treze anos de casa)

Outra abordagem associa a competitividade a características pessoais que

podem levar o consultor a condutas inadequadas.

" Bom, a concorrência é enorme. A competitividade é uma coisa que eu achosaudável até um certo ponto. Existem pessoas, aqui, que sabem levar issomuito bem. Existem pessoas, aqui, que eu encaro como competindo comigo,mas que é uma competição, absolutamente, saudável. E existem pessoas quenão, que acham que tem que puxar o saco do sócio, ter padrinho... ouve vocêfalar uma coisa aqui, e já espalha por ali, de outra forma..." (E 5 - consultorapouco experiente, com apenas um ano e meio de casa)

Em contrapartida, podemos atribuir, em algumas situações, o alto nível de

competição entre os consultores como uma conseqüência direta da estratégia do

up or out e da distribuição de bônus associada ao desempenho, muito praticadas

pelas empresas de consultoria.

" Consultoria é muito competitivo. Quer dizer, você vê, assim... é muito comumjuntarem pessoas para criticar outras, para contar alguma coisa que alguém fez,que não ficou muito bom. É mais fácil você ver alguém derrubar do que elogiar.Até por causa dessa estrutura de ou você é demitido ou você é promovido.Então, cada um tem que defender o seu lado, né? Em outras empresas édiferente, quer dizer, não é uma coisa ética você chegar e falar mal de alguém;muito pelo contrário, as pessoas tentam divulgar sempre o que é bom, paramotivar as pessoas... Então, na consultoria é isso, você quer você se dar bem,azar dos outros. . Porque lá, não vai todo mundo vencer. Alguns vão serpromovidos e outros vão ser demitidos." (E 12 - trabalhou na consultoria porapenas um ano)

" geralmente, os quinze por cento piores, digamos assim, vão acabar...demitidos, e isso é que acirra muito a competição aqui dentro, porque não bastasó você ser bom, você tem que mostrar que você é bom. E, além disso, te servepara a remuneração, porque aí, o bônus, quer dizer, você tem essaremuneração mensal, você tem o bônus anual.” (E 5)

Longa jornada de trabalho

Podemos perceber, através das entrevistas, que a longa jornada de

trabalho é uma característica bastante presente nas atividades dos consultores.

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" Primeira regra: não tem hora de chegar em casa. Posso chegar, hoje, setehoras, oito horas, como posso, amanhã, estar chegando três da manhã, quatroda manhã, como poderia nem chegar, virar o dia, trabalhando." (E 1 - consultorpouco experiente, com apenas três meses de casa)

Os consultores afirmam que a cobrança por rapidez, tanto por parte do

cliente quanto de seus superiores, funciona como um forte instrumento de pressão

que afeta diretamente na carga de trabalho diária.

" O consultor, ele está ali, para resolver o problema do cliente, para recomendaralguma coisa, e, sabe, não é problema dele... não é problema do cliente se ocliente só te deu os dados ontem. Se você tem que apresentar o relatórioamanhã, sabe, vire a noite..." (E 5 - consultora pouco experiente, com apenasum ano e meio de casa)

O tempo para a resolução de problemas é sempre curto, e as informações

chegam sempre em cima da hora. Isso leva o consultor a apresentar um ritmo de

trabalho muito acelerado, ser muito objetivo e focado, e ainda assim ser obrigado

a estender sua jornada de trabalho muito além das oito horas diárias. Observamos

ainda que essa dinâmica é considerada estressante para o consultor no início de

carreira; mas com o passar do tempo. acaba se tornando um vício.

" Para maioria, para maioria dos sócios , seja o que for, tem que ser prático. Écoisa assim de cinco minutos... já é uma pressão porque se você não forobjetivo, o cara já vai começar a dizer que você não está sendo objetivo, isso jáé uma crítica ao seu trabalho. "(E 7 - consultor experiente, com 13 anos decasa)

" Entregar um produto com rapidez é o tipo de desafio que, no início, éestressante, mas depois você se acostuma e até fica um pouco viciado. Então,no dia-a-dia, eu tenho que... se eu tiver trabalhando num projeto específico, eutenho que dar conta de um cronograma de entrega de produtos, de reuniões,bastante acelerado... Interações com os sócios da firma, para quem eurespondo; interação com os diretores do cliente que me contrataram; com aequipe... você tem que ter bastante agilidade; tem que ter um número de horasque não se restrinja a oito horas por dia de trabalho." (E 2 - consultorexperiente)

" Eu nunca gostei da natureza do trabalho, mas eu era meio viciada naquilo,sabe? Eu não gostava do que eu fazia no meu dia-a-dia, mas o conceito... écomplicado... a motivação que eu tinha para crescer e para me desenvolver era

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o que me mantinha lá... Então, você... isso se vê muito lá na Consultoria;normalmente, as pessoas... você pergunta: “E aí, está gostando?”, “Não, nãoestou, está chato, está ruim...” Todo mundo reclama, mas as pessoas nãoconseguem largar aquilo." (E 6 - desistiu da carreira na consultoria, após 7 anosde casa)

Outra observação importante sobre a jornada de trabalho dos consultores

diz respeito ao relacionamento cliente-consultor. De um lado temos o consultor,

que procura desenvolver um relacionamento duradouro com o cliente, certamente

visando abrir portas para futuros trabalhos. De outro lado temos o cliente, exigindo

dedicação extra do consultor, principalmente pelo fato de estar pagando um alto

preço pelos serviços prestados. Em suma, o resultado desse relacionamento é um

elevado número de horas de dedicação ao trabalho.

" Então, por exemplo, quando eu estava trabalhando em desenvolvimento desistema, eu rodava... de noite. Um ficava para acompanhar, porque tinha queestar no horário do cliente, porque tinha que fazer relacionamento com ocliente." (E 6)

" eu posso citar, de uma forma geral, que as pessoas, que geralmentetrabalham com consultoria reclamam, e eu também, é a questão de cargahorária de trabalho, que você é meio escravo do cliente... Então, o consultor,ele está ali para resolver o problema do cliente, para recomendar alguma coisa.Quando você está em um projeto... que você depende muito do cliente ali, pertode você, você acaba trabalhando no horário do cliente... Então, isso varia muito,de cliente para cliente; mas, no geral, a carga horária é bastante puxada." (E 5)

" A maioria dos projetos a gente vende com o preço fechado e então dado queo preço é fechado, ou seja, o número de horas associado que você optou parafazer é limitado, e o que você tem a fazer nem sempre é 100% definido noinício, parte é definido ao decorrer do projeto, então isso faz com que vocêtenha alguns picos de trabalho... aparece alguma coisa adicional, acontece umimprevisto... A consultoria é um tipo de trabalho caro, uma taxa horária cara,todos os clientes normalmente reclamam do preço da consultoria, então issotambém gera uma pressão sobre o número de horas trabalhadas naturalmente,dado que você tem um preço caro por hora, já que você tem um preço fixo euvou exigir o máximo de você, então isso também é uma postura do cliente. Ocliente gosta de ver o consultor trabalhando longas horas, de uma forma dura; éimpressão minha." (E 9)

Adicionalmente, observamos que a maioria dos projetos desenvolvidos

pelos consultores se localizam em cidades distantes do local onde moram. Esse

fator também contribui para o excesso de carga horária de dedicação ao trabalho,

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tanto pela simples falta de opção de vida social e familiar, como também pelo

contato constante com o grupo de trabalho.

" Uma outra coisa, também, que é bastante complicada, e que eu, nesseprojeto, também não estou vivendo, graças a Deus, porque eu estou no Rio,que é que a maioria dos projetos acontecem em São Paulo ou em outrascidades... A questão de que você trabalhando em outra cidade, você não temaquela coisa de “Por que é que eu vou voltar para casa... Porque a sua casa éum hotel, e você sai do trabalho, significa que você vai ver um seriado natelevisão, sozinha, e acabou. Então, você não tem tanta motivação para ver,para voltar para casa... Então, acaba que, quando você está fora, você acabatrabalhando muito mais. Porque você fica no escritório, as pessoas que tefazem companhia, são aquelas que estão trabalhando com você... Então, vocêse cansa muito mais." (E 4 - consultora experiente, com doze anos de casa)

" Quando você está fora da tua cidade... se eu estou em Brasília... eu me sintotrabalhando vinte e quatro horas por dia. Eu tomo café da manhã com meuscolegas de trabalho e já estou falando sobre o que é que a gente vai fazer,durante o dia; eu, durante o jantar, aproveito para preparar com a equipe,alguma coisa que vai ter que ser feita; ou converso com uma pessoa,especificamente; volto para o quarto do hotel e estou atualizando os meus e-mails... " (E 10)

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Remuneração

Neste item analisaremos a instabilidade das práticas de remuneração e

seus efeitos na atitude profissional dos consultores, a associação entre a

performance do consultor e sua remuneração, e a importância da avaliação de

desempenho como ferramenta de gestão da remuneração.

Política de remuneração

Observamos, através das entrevistas, uma política salarial bem peculiar.

Segundo relata um consultor, a consultoria paga salários menores que o mercado

no início da carreira, com aumentos progressivamente maiores; depois de um

certo tempo de casa, seu salário é maior do que o praticado no mercado.

" Tipicamente, quando você entrava na empresa, você ganhava... ligeiramenteabaixo do mercado. Com, sei lá, quatro, cinco anos de empresa, você igualavaao mercado e, a partir daí, você passava a ganhar mais do que o mercado. " (E2 - gerente-experiente, com 11 anos de consultoria)

Podemos inferir que as práticas relacionadas ao modelo de remuneração

estão em constante modificação dentro das empresas de consultoria. A tendência

parece ser a participação nos resultados da empresa, através de uma parcela de

remuneração variável.

" [Sistema de remuneração] esteve mudando. Anteriormente, só os sóciosrecebiam participação nos resultados... era uma remuneração muito boa, a dossócios." (E 2)

" [Modelo de Remuneração] está mudando, como sempre mudou... Nóstínhamos basicamente salários, não havia nada variado... Eu acabei de receber,anteontem, uma comunicação de lá de cima, dos Estados Unidos, que agoratambém o salário vai ser variável de uma forma que a gente não sabe como...Pode ser talvez que nos permita de ter uma base menor, que o salário tenhauma variável que hoje não tem além das ações." (E 11 - gerente experiente,como 13 anos de consultoria)

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Essa parcela variável dos salários dos consultores parece estar relacionada

ao resultado financeiro da consultoria. Observamos que essa parcela variável dos

salários dos consultores geralmente se dá através da distribuição de ações e do

pagamento de remuneração variável.

" Existe agora, também, distribuição de participação dos resultados para todosos níveis. Com mais intensidade nos níveis executivos, mas também existe aparticipação de resultados, nos níveis abaixo. E, nesse ano que se passou, issofoi feito... com um modelo em que você recebeu uma cópia de ações. A partirdesse próximo ano... você vai ter uma remuneração variável também a partir donível executivo, a partir do nível de gerente. Isso só acontecia para os diretorese para os sócios, mas a partir de agora os gerentes e os gerentes-experientestambém vão ter uma parte dos salários vinculada a resultado." (E 2)

" De uns tempos para cá nós tivemos mais uma coisa, que são as ações daConsultoria B... Cada empregado recebeu um lote de ações ... além disso, nóstambém temos essa remuneração variável que são ligadas à ações. " (E 11 -treze anos de casa)

Podemos inferir que essa política de remuneração associada ao resultado

acaba influenciando diretamente na atitude profissional do consultor. Como

exemplo, temos o relato de um dos consultores que afirma que assume a

responsabilidade pelas suas atividades e projetos, como se fosse o dono da

empresa.

" Eu me vejo dessa forma... eu tenho que desempenhar, eu tenho que estartodo tempo pensando, como se eu fosse dono, como se aquele projeto, aquelaatividade, fosse o meu negócio... como se a minha remuneração, ao final domês, dependesse de quão bem aquela atividade tivesse sido desempenhada...Eu tenho que ter, na minha cabeça, uma analogia. Olha, é como se eu tivesseuma lojinha e, no final do mês, o que eu vou ganhar ou não depende do quãobem for esse resultado. É esse tipo de profissional que cresce, dentro daempresa... Apesar de eu não ser cobrado como se eu fosse o dono daempresa, eu procuro encarar cada atividade como se aquilo fosse o meunegócio... Então, eu vejo a minha responsabilidade dentro da empresa... euprocuro ver a minha responsabilidade dentro da empresa, como se eu fossedono da empresa." (E 2)

Observamos também que as decisões a respeito da política de

remuneração são globais, mas cada localidade alinha essa política às questões

legais da região.

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" A partir desse próximo ano... você vai ter uma remuneração variável também apartir do nível executivo, a partir do nível de gerente. E não está definido ainda,no Brasil, como isso vai se dar. Isso é uma decisão global da empresa, nomundo... cada localidade vai ter que ver como adequa isso às questões deregulamentação locais." (E 2)

Influência do desempenho individual e do tempo de casa na remuneração

Podemos inferir, com base nas entrevistas, que o desempenho individual é

um dos fatores mais importantes nas decisões relacionadas à remuneração dos

consultores.

" Você tem todo um sistema de avaliação para nortear sua carreira. Baseadonisso... não sei a regra exata como é que é, mas baseado nisso, você define osbônus, os benefícios e as promoções." (E 1 - consultor recém contratado)

" Não basta só você ser bom, você tem que mostrar que você é bom. E, alémdisso, te serve para remuneração, você tem o bônus anual." (E 5 - consultorapouco experiente, com apenas um ano e meio de casa)

" Você tem o aumento que é proporcional a sua performance... Agora a gentetem essas ações que vão também aumentando de acordo com a suaperformance, então, ele continua tendo salários que vão também aumentandode acordo com a sua performance." (E 11 - gerente-experiente, com treze anosde consultoria)

Contraditoriamente, porém, o tempo de casa exerce influência no nível de

remuneração, no caso dos sócios.

" De uns tempos para cá nós tivemos mais uma coisa, que são as ações daConsultoria B... Cada empregado recebeu um lote de ações de acordo com oseu tempo de empresa, então, eu recebi 7, um analista recebeu 2, o sóciorecebeu 45. " (E 11)

" Por antigüidade, pelo tempo que eles [sócios] têm... o tempo, na verdade, éproporcional à remuneração que ele recebe. Quer dizer, é tão importantequanto ele agregar de valor à firma"(E 3)

" Existem sócios na ordem de milhão por ano e tem até sócios bem mais velhosque ganham até mais do que isso, os sócios mais velhos eu acredito que estãoem torno de bem mais que isso" (E 11)

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A avaliação de desempenho e sua importância nas decisões de remuneração

Dado que a performance individual dos consultores é fator relevante nas

decisões relacionadas à remuneração, a avaliação de desempenho se torna uma

ferramenta muito importante nas decisões de remuneração.

Através das entrevistas realizadas, podemos identificar dois tipos de

avaliação de desempenho praticadas pelas consultorias. Um deles é a avaliação

360 graus, onde o consultor é avaliado não somente pelo seu superior, mas

também pelos seus pares, subordinados, e inclusive clientes. Nesse caso, o

consultor indica as pessoas que serão entrevistadas para a sua avaliação.

" O sistema de avaliação é um sistema de trezentos e sessenta graus. Uma vezpor ano, você tem essa avaliação... são ouvidas todas as pessoas quetrabalharam com você, nesse ano. E tanto pessoas abaixo de você, seus pares,seus superiores. Às vezes, até clientes, se você acha que vai agregar. Naverdade, você indica as pessoas. Todo mundo sabe com quem você trabalhou,mas você indica as pessoas com quem você teve mais contato para que elaspossam falar.... " (E 5 - consultora pouco experiente, com apenas um ano emeio de casa)

Podemos inferir que o outro tipo caracteriza-se pela avaliação top-down.

Nesse caso, os superiores avaliam o desempenho de seus subordinados nos

projetos e atividades em que participou.

"Só existe gerente avaliando consultor ou o analista. O meu diretor me avalia."(E 9 - gerente-experiente, com nove anos de casa)

" [A avaliação de desempenho] é feita com base numa compilação dasavaliações individuais que você teve nos vários projetos em que vocêparticipou, ou, no meu caso, não só de projetos, mas, também, do auxílio, dosuporte, que eu dei a sócios, ao longo do ano." (E 2)

Observamos algumas críticas à avaliação top-down. Alguns consultores

afirmam que é difícil avaliar pessoas com quem não tiveram nenhum contato

profissional, utilizando como base apenas alguns critérios. Outra crítica é o fato de

que os avaliadores são diferentes, ou seja, aplicam um rigor distinto na avaliação,

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conforme suas próprias características pessoais, o que torna de certa forma

injusta a posterior comparação entre os avaliados.

" [O processo de avaliação] Ele está se tornando cada vez mais difícil, quandonós éramos poucos, a gente conhecia todo mundo pelo nome, era um processobem mais fácil... porque todo mundo conhecia todo mundo, então hoje tá sediscutindo mais critérios... Bom, mais como é que você avaliou, será que vocêavaliou banana com banana, maçã com maçã? Porque eu não posso e nemconheço a pessoa em questão, que está sendo discutida, mas eu tenho quediscutir. Será que quem avaliou essa pessoa, avaliou do mesma forma que euavaliei? Pessoalmente eu acho que não. Então a discussão, começa a ficarmais complicada nesse sentido." (E 7 - gerente-experiente, com 13 anos deconsultoria)

" Esse processo é muito falho por uma série de razões... Porque as pessoastrabalham isoladas. Eu avalio quem trabalha comigo, mas vou ter que compararcom quem trabalhou com outra pessoa, quem é a melhor e quem é a pior.Então isso é muito difícil, isso é uma das coisas que geram dificuldades. A outraé que naturalmente as pessoas têm critérios diferentes, apesar de que aempresa estabelece critérios relativamente claros, mas a aplicação dessescritérios varia muito." (E 9 - gerente-experiente, como nove anos de consultoria)

De qualquer forma, observamos que ambos os tipos de avaliação procuram

reduzir ao máximo a subjetividade do processo. Podemos inferir que o foco da

avaliação de desempenho é na contribuição do consultor, medida em fatos, em

resultados para o trabalho, o cliente, e a própria consultoria.

" É um formulário [de avaliação] bastante preciso, assim, bastante objetivo, paradiminuir, ao máximo, a subjetividade; para tentar medir coisas bem... bemquantitativas, na medida do possível." (E 5 - consultora pouco experiente, comapenas um ano e meio de casa)

" Existe uma palavra-chave para avaliação de desempenho... que chamacontribuição... Você avalia as pessoas pela contribuição que elas dão. E acontribuição, ela é medida em fatos. Então, você não coloca numa avaliação dedesempenho: “Cumpri as minhas tarefas, muito bem, obrigado”. Não, você fala:“Cumpri minhas tarefas, muito bem, o que ocasionou, em termos de qualidadedo cliente, um elogio informal, por parte do cara... ou que essa qualidade fezcom que a gente conseguisse dobrar o tamanho do projeto. Quer dizer, nãofica, simplesmente, no papo: “Trabalhei bem.” Não. “Trabalhei bem e gereialguma coisa.” Quer dizer, frutificou, teve um fruto. Qual foi esse fruto? Vocêtem que identificar isso por fatos... fatos que são relevantes e, realmentetrouxeram, agregaram valor no nível de carreira das pessoas." (E 3 - consultorcom pouco tempo de consultoria, porém bastante experiência de mercado)

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Ambos os processos de avaliação observados convergem para a

elaboração de um ranking dos consultores. Segundo podemos observar, esse

ranking força a distribuição dos consultores em determinadas faixas, que serão

utilizadas como base para as decisões relacionadas à promoção, participação nos

resultados e bônus. Observamos ainda que o ranking é também utilizado para

tomada de decisões relacionadas à demissão de consultores.

" Tem um comitê onde todas essas pessoas que foram relatores se reúnem, eaí, é por nível.... Um comitê de consultor. Então todo mundo que fez avaliaçãode consultor se reúne para discutir o caso de cada um. O caso de cada um édiscutido, e aí, eles montam o que se chama de um ranking. Esse ranking, elevai servir para duas coisas.... Uma, porque, geralmente, os quinze por centopiores vão acabar demitidos, e isso é que acirra muito a competição aquidentro, porque não basta só você ser bom, você tem que mostrar que você ébom. E, além disso, te serve para remuneração, você tem o bônus anual. Obônus anual é feito com base no último ranking." (E 5)

" Existe uma reunião em que você pega todos os profissionais dentro de uma...essa linha é a linha de mercado, está certo, de indústrias básicas... pega osvários níveis: os analistas, compara com analistas; os consultores, com outrosconsultores; e, assim por diante. E você rankeia os analistas... quem tem famamelhor... que tem fama pior, e você tem uma distribuição percentual... tantospor cento vão ter uma avaliação ‘A’ e vão receber um percentual de aumento X.Tantos por cento vão ter uma avaliação ‘B’ e vão ter um percentual de aumentoX menos tanto. E são umas três ou quatro categorias, até que a últimacategoria... não é um percentual grande, mas as pessoas que são enquadradasnessa categoria... é repensada a permanência dessas pessoas na empresa." (E2)

"São quatro níveis, um exceptional (que superou as expectativas para o cargo);um outstanding; um sustain (que precisa melhorar em alguma coisa); e umreplacement. E tem uma proporção, uma curva forçada que a empresadetermina para você. Exceptional está na casa dos cinco por cento; vinte ecinco por cento para outstanding; e o restante para sustain e replacement. Esserating... define qual é que vai ser o percentual para cada um desses níveis, emtermos de aumento de salário, quando se fala em termos de remuneração. " (E3)

" A avaliação vai para uma reunião anual daquele grupo de recursos naturais,de telecomunicações, etc e existe uma pirâmide que você coloca tudo napirâmide, todo mundo na pirâmide... aí você vai jogando, vai discutindo durantea reunião as pessoas de acordo com o número de vagas que você tem. E issoinflui no seu percentual de aumento salarial." (E 11)

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Estrutura Organizacional

Neste item estaremos analisando o modelo recorrente de estrutura

organizacional das consultorias e seus impactos na vida profissional dos

consultores, principalmente no que se refere à alocação em projetos e, ainda, a

questão da ausência de estruturas de apoio desenvolvidas.

Modelos de Estrutura Organizacional

Observamos um padrão quanto à descrição da estrutura organizacional das

empresas de consultoria. Pelos relatos dos consultores, o modelo organizacional

adotado pelas empresas de consultoria, em geral, é o modelo matricial. A matriz

organizacional combina unidades de mercado - indústrias para as quais a

consultoria trabalha - com linhas de serviço relacionadas às habilidades e

especialidades dos consultores.

" A empresa é organizada por mercados. Então, eu trabalho para a indústria debase. Tem mineradoras, indústrias de siderurgia, de petróleo, petroquímica etc.Existem outros mercados: setor financeiro, produtos de consumo,telecomunicações... Então, as pessoas, tipicamente, trabalham dentro dessesmercados. Tem uma outra linha, que é uma matriz, que você se desenvolve nãosó no mercado, mas em alguma competência básica. Você pode ser umapessoa especializada em fazer projetos de planejamento estratégico. Ou vocêpode ser uma pessoa especializada em fazer projetos de sistemas, deinformática. Então, dentro das indústrias também existe essa matriz." (E 2 -gerente-experiente; era mais focado em projetos de indústria de base, hojetrabalha com implementação de sistemas, voltado para gestão de processos demudança)

" Você tem os times práticos e por indústrias, que a gente chama, que é umagrande matriz. Então, você tem práticas que são, por exemplo, pessoas quetrabalham com tecnologia; pessoas que trabalham com Logística. Você temessas práticas: Finanças, Logística e Tecnologia de Informação. E você tem osoutros eixos, que são as indústrias. Por exemplo, indústria automotiva, indústriade serviços financeiros, indústria de telecom. " (E 5)

Além das unidades de mercado e das linhas de serviço observamos, ainda,

a existência de um grupo focado em determinada especialidade, que não faz parte

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diretamente da matriz organizacional. A função desse grupo é prestar serviços às

unidades de mercado, no que diz respeito a assuntos específicos e importantes

para a consultoria.

" E existem algumas pessoas que dão suporte a determinados temas, em váriasindústrias. Porque é um conhecimento aplicado a várias indústrias, no qual aempresa precisa desenvolver um expertise..." (E 2)

" Você tem uma coisa que funciona através das marketing unity, a gente chamaisso de line of business. Então supply é uma line of business forte. Você tempessoas que são de supply trabalhando nas marketing unity, e você tem opessoal que só trabalha com supply e não é de nenhuma marketing unity, quepresta serviço para as marketing unity. É meio complicado, não sei se deu paravocê entender." (E 9 - gerente experiente, mais focado em projetos dedesenvolvimento de sistemas)

Dinâmica de alocação dos consultores

Observamos que, em geral, os consultores são alocados em um

determinado nicho ou tipo de projeto, ou seja, em um determinado ponto da matriz

(unidade de mercado) x (linha de serviço).

" [O consultor] está aqui, no meio dessa matriz... você é alocado a uma indústriae a um determinado skill, e você trabalha, principalmente, para esse tipo deprojeto." (E 10 - gerente-experiente com nove anos de consultoria; trabalha naindústria de recursos naturais e utilidades públicas, em projetos de diferentesespecialidades)

" Então você se coloca geralmente numa interseção. Eu, por exemplo, sou dogrupo de recursos naturais na linha de negócio de CRM, de relacionamentos deconsumidores. Então esse é o meu nicho de atuação." (E 11 - gerente-experiente com treze anos de casa; atua na indústria de recursos naturais, emprojetos de CRM)

Observamos que, para os profissionais em início de carreira, adota-se o

conceito de pool de consultores. Em outras palavras, os menos experientes, com

menos tempo de consultoria, são alocados a projetos distintos com o objetivo de

aprender sobre os vários tipos de questões e com o tempo e uma maior

experiência vão se alinhando em um determinado nicho ou tipo de projeto.

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" Na verdade, quando você é associado sênior ou acima, ou seja, diretor ousócio, você já está mais alinhado a uma dessas práticas e a uma dessasindústrias. Quando você é mais júnior, você não tem esse alinhamento, porqueeles consideram que você está no pool... e é bom você estar participando devários tipos de projetos. Então, não é bom você ficar alinhado só numa coisa,porque senão você acaba sendo um viés. Eles esperam que quando você éjúnior, você possa fazer vários tipos de projeto e, ao longo da carreira, você váse alinhando a uma prática ou a uma indústria." (E 5 - consultora poucoexperiente, com um ano e meio de casa, recém saída do mestrado;normalmente está alocada a projetos de desenvolvimento de sistemas dediversas indústrias)

" [Os sócios] vendem os projetos, eles e os diretores vendem os projetos eorientam quem está embaixo a seguir um determinado caminho, porque quantomais júnior é a pessoa na equipe, menos ela tem noção do que tem que serfeito no projeto; aonde você quer chegar. Então, é dessa forma, quer dizer, osseniores conhecem bastante a indústria, vendem o projeto, e eles vãoorientando para que o time embaixo chegue num resultado bom, que pordefinição, o consultor mais júnior não conhece... ele está aprendendo noprojeto." (E 12 - ex-consultora; trabalhava em diferentes tipos de projetos)

Observamos, porém, a alocação definitiva em uma determinada unidade de

mercado não garante a alocação efetiva em um projeto. Existem períodos em que

o consultor, por não estar diretamente alocado a algum projeto, desenvolve

atividades internas.

" Assim, eu costumo dizer que quando você está na consultoria, você não estáempregada, cem por cento, você tem aqueles períodos de entre-safra. Então,assim, acabou um projeto, ainda não tem nenhum outro para te alocar, vocêfica naquele período meio assim... Não, você tem trabalho para fazer, porquevocê tem o time todo, querendo proposta para fazer outros projetos. Então,você precisa de um grupo muito grande para poder montar uma proposta...Você tem trabalhos internos... de estudo, de pesquisa. Você acabou de fazerum projeto, é legal que você monte um documento, dizendo qual foi a suaexperiência naquele projeto. Porque a gente tem uma base de dados, com oconhecimento da empresa... tudo vai para lá, para que outras pessoas, nofuturo, que façam projetos semelhantes, possam consultar a experiência quevocê teve. Então, você tem uma série de atividades internas, que vocêconsegue fazer e que você precisa fazer, nesse período de entre-safra." (E 5)

Diante dessa falta de projetos, a consultoria deixa em aberto a possibilidade

de realocação de um consultor visando atender à demanda de outra unidade de

mercado. Segundo podemos constatar, é mais interessante para a consultoria

transferir um consultor de uma unidade de mercado para outra do que demiti-lo e

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contratar alguém de fora, principalmente porque uma nova contratação envolve

todo um reinvestimento em treinamento e adaptação.

" Tem um cara de estratégia, especializado em banco. Um cara de estratégia,especializado na indústria de mineração ou na indústria de petróleo... Às vezes,eles vão em outras indústrias... [se] falta profissional em determinada marketingunit, mas [tem gente] sobrando [em outra], você não vai mandar o cara embora.Aproveita ele em outra marketing unit. O cara tem especialidade... é muito maisfácil você pegar ele do que trazer um cara de fora. Pega um cara que já estáaqui dentro, conhece a filosofia de trabalho. Todo mundo trabalha igual, mesmotipo, estilo... " (E 3 - consultor com pouco tempo de consultoria, porém comexperiência de mercado em outras empresas; trabalha em projetos deestratégia de diversas indústrias)

" Você procura a melhor alocação possível, mantendo os profissionais... Afilosofia da Consultoria B é... manter o profissional. Porque você investe nele,desde o início da carreira dele... Toda essa base de treinamento, toda essaforma de trabalhar. Você vai ter que trazer outro cara e começar tudo de novo?Não tem área para ele, [você oferece]. “Olha, não tem aqui, mas tem lá. Querir?” Então, é assim, é preservar o máximo possível; não manda mesmoembora." (E 3)

Outra oportunidade de realocação que observamos relaciona-se ao

desenvolvimento de uma nova unidade de mercado. Nesse caso, profissionais que

estão alocados em uma unidade com uma baixa demanda de projetos têm a

opção de migrar para a nova unidade de mercado.

" Por exemplo... abriu a área de governo. Numa época em que recursosnaturais estava meio parada, final do ano passado. Um sócio topou abrirgoverno, que não tinha aqui, no Brasil. Tinha em todo lugar do mundo, mas noBrasil não tinha, porque o governo era difícil de comprar. E a gente conseguiuabrir algumas frentes. E aí, alguns dos profissionais que estavam semalocação, que eram excelentes profissionais, mas que, infelizmente, nãoestavam conseguindo alocação, migraram para essa área de governo. E estãolá, trabalhando, felizes e contentes, para o governo. Vendendo propostas,trabalhando, normalmente." (E 3)

Estrutura de apoio enxuta

Uma última observação sobre o modelo organizacional das consultorias é

que as áreas de apoio parecem ser bastante reduzidas, com exceção àquelas

relacionadas à gestão da informação.

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" Em uma empresa de consultoria todo mundo é consultor... tem muito poucosuporte. Quer dizer, os recursos humanos não tem, os próprios sócios seincumbem dessa tarefa. Todo tipo de área de apoio é bem enxuta, é muitopouco desenvolvida. O negócio da empresa é consultoria; então, todo mundo alié consultor, e cada um vai cuidar do seu trabalho. E como consultoria vive dainformação que ela tem, você vê gestão de informação, software... bastantedesenvolvido." (E 12)

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Contrato Psicológico

Neste item estaremos analisando o contrato psicológico vigente na relação

entre o consultor e a consultoria e seus impactos na vida pessoal dos consultores

e nas políticas internas da consultoria.

O compromisso da consultoria

Um dos primeiros compromissos da consultoria que surge das entrevistas

realizadas com os consultores relaciona-se à remuneração. É considerado um

dever da consultoria não apenas honrar os salários dos consultores; a expectativa

é de que a remuneração seja adequada e funcione como um mecanismo de

reconhecimento pelo trabalho desenvolvido e pela dedicação.

" O que eu imagino que seja dever da empresa com o empregado: honrar ossalários que promete. Quanto a isso, eu não tenho a menor queixa. " (E 1 -consultor pouco experiente, recém saído do mestrado)

" Eu acho que um dos deveres da empresa comigo é reconhecer meu trabalho.Assim, se eu tiver fazendo um trabalho bom, reconhecer. A empresa é muitoboa nisso, em relação à remuneração." (E 5 - consultora pouco experiente, compouco tempo de consultoria)

" Eu acho que, no mínimo, [o dever da empresa é] me remunerar muito bem, omelhor possível por essa dedicação." (E 7 - gerente-experiente, com treze anosde casa)

Observamos, ainda, que o salário do consultor parece funcionar como um

instrumento de compensação frente à pouca preocupação da consultoria quanto

ao grau de satisfação do consultor em suas atividades. Podemos inferir que a

remuneração paga o preço da insatisfação do consultor.

" Se você esteja fazendo uma coisa que você está gostando, está satisfeito...isso você não tem em consultoria. Você tem aquela coisa, salário muito bom...Então, quando você está muito bem remunerado, o resto é bobagem." (E 12 -ex-consultora)

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A oportunidade de crescimento dentro da consultoria parece ser outro fator

muito bem visto pelos consultores. Observamos, com base nas entrevistas, que

essa oportunidade de crescimento envolve a participação em projetos

desafiadores e parece ser algo que os consultores efetivamente valorizaram

quando optaram por trabalhar nesse tipo de empresa.

" Eu acho que a empresa tem que me proporcionar oportunidades decrescimento profissional. Ou seja, eu tenho que ter oportunidades de trabalharem projetos que sejam desafiadores. Ela tem oferecido isso." (E 2)

" Eu acho que o principal driver que você tem... que ela me dê a oportunidadede crescer. É isso que eu quero. Aliás, quando eu entrei aqui, a principal coisaque eu queria era isso: vamos dizer, pré-condições e oportunidade paracrescer. " (E 3)

Assim como a remuneração e a oportunidade de crescimento, observamos

que a avaliação de desempenho é também considerada um dos deveres mais

importantes da consultoria. Segundo os relatos dos consultores, a avaliação de

desempenho deve funcionar como um instrumento de gestão transparente, dando

feedback ao consultor sobre os pontos que precisam ser melhorados e

transmitindo a confiança de que o bom desempenho levará ao crescimento

profissional.

" Eu acho que tem o terceiro ponto, que ela tem que ter um processo deavaliação de performance transparente, que me dê confiança de que se eudesempenhar bem eu vou crescer, dentro das possibilidades da empresa." (E 2)

" Algumas coisas ela cumpre assim com uma preciosidade... por exemplo esseprocesso de avaliação ela cumpre com uma preciosidade muito forte..." (E 8)

" O dever que eu vejo da empresa, eu acho que é de manter sempreconsciente. É te manter consciente daquilo que você está bem, daquilo quevocê precisa melhorar...". (E 10)

Observamos também que a consultoria deve estar efetivamente

comprometida com o fornecimento de informações necessárias ao

desenvolvimento das atividades e projetos. Para tal, disponibiliza aos consultores

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bancos de dados com o conhecimento acumulado em projetos já realizados, e

busca reforçar bastante toda uma cultura de disseminação de informações.

" A gente tem uma base de dados, com o conhecimento da empresa, que tudovai para lá... para que outras pessoas, no futuro, que façam projetossemelhantes, possam consultar a experiência que você teve." (E 5 - consultorapouco experiente, com pouco tempo de consultoria)

" O dever da consultoria B é fornecer toda uma infra-estrutura de conhecimento,de ajuda, para que a gente possa fazer esse papel de agregar valor ao cliente;ter bases de conhecimentos importantes, ela ter os sócios sempre abertos, quecolaborem, que ajudem." (E 4)

" Isso é uma das coisas também bastante legais que tem lá. Eu consigoalavancar conhecimento muito rapidamente. Então, se eu tenho um problema,que para mim é novo, que eu não tenha experiência, eu consigo conversar comqualquer pessoa da empresa, em qualquer lugar do mundo, que já tenha tidouma experiência parecida e trocar idéias com essa pessoa." (E 1 - consultorpouco experiente, com apenas três meses de consultoria)

O compromisso do consultor

Constatamos, com base nas entrevistas, que o grande dever do consultor

para com a consultoria envolve a satisfação do cliente. Em grande parte dos

casos, o cliente não tem noção do impacto que o resultado dos trabalhos da

consultoria pode trazer ao seu negócio; sendo assim, o consultor é o principal

responsável por entender e gerenciar a expectativa do cliente, e sempre que

possível, encantá-lo com um trabalho de alto nível, que efetivamente agregue

valor.

" O papel do consultor é agregar valor ao cliente... ir sempre, ir mais. A gente[quer] conseguir surpreender o cliente. Por que nem sempre o cliente sabe oque ele quer. Aliás, na maioria das vezes, ele não sabe o que quer; ele nãosabe da gama de possibilidades que existem lá fora. Então esse seria o nossopapel, agregar valor, fazer com que o cliente seja cada vez o melhor naquiloque ele faz." (E 4)

" Do lado da empresa, o que ela espera de mim é que eu seja super-eficiente;trabalhe para não apenas satisfazer, mas encantar o cliente." (E 5)

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" O meu dever é fazer um bom trabalho para o cliente. Eles são muitoorientados para o serviço, para o cliente... então, é fazer o que o cliente esperaou, pelo menos, gerenciar a expectativa do cliente." (E 12)

Observamos, ainda, que esse forte foco no cliente parece ser entendido

pelo consultor como sua maior parcela de responsabilidade no contrato

psicológico. Segundo o relato de um dos consultores, é o cliente que estabelece

os seus deveres, e não a consultoria.

" Outro balizamento forte é a expectativa do cliente. Você normalmente estátrabalhando em projetos para algum cliente. Então o cliente estabelece comvocê quais são os seus deveres... não está escrito no contrato 'Eu espero que oconsultor chegue aqui faça isto, tenha esta atitude, gere este tipo de resultado.'Então a empresa normalmente não estabelece com você quais são os seusdeveres, até porque tem o cliente que está estabelecendo. Se ao satisfizer ocliente você está satisfazendo a empresa, porque a empresa está servindo aosclientes, então eu vou ser bem avaliado pela consultoria porque o cliente disseque está satisfeito." (E 9)

Além do foco no cliente, a dedicação do consultor é outro de seus deveres

do consultor. Essa dedicação parece combinar algumas características do

trabalho do consultor já discutidas no item 1, como a longa jornada, a

disponibilidade e o constante aprendizado.

" Dedicação... Talvez dedicação seja uma coisa que não é formalmente dita,mas é uma coisa que todo mundo sabe, você tem que se dedicar. Muitas vezes,você não tem como escapar de uma quantidade grande de horas extras, detrabalhos de finais de semana." (E 10)

" Do lado da empresa, o que ela espera de mim é que eu esteja disponível vintee quatro horas por dia, sete dias por semana." (E 5)

" Meus deveres com a empresa... Bom, me auto treinar sempre. Ela expõe paravocê de uma infinidade de ferramentas de treinamentos, sejam treinamentoscomportamentais, sejam treinamentos técnicos. Ela te dá um instrumental muitogrande..." (E 8)

Para um dos consultores entrevistados, essas longas horas de trabalho

podem ser equiparadas a uma prática comum nas outras empresas.

Provavelmente esse raciocínio sirva-lhe de racionalização para o fato.

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" Mas hoje em dia, eu acho, também, que isso acontece em boa parte dasempresas. Hoje em dia, não existe mais o emprego de nove às cinco. Eu vejoque, nos nossos clientes, isso se tornou também uma coisa incomum." (E 10)

Salientamos ainda que o constante aprendizado parece ter se tornado um

grande paradoxo: o auto-treinamento é responsabilidade do consultor, porém a

sua agenda, o controle do seu tempo, está nas mãos da consultoria e do cliente.

" Mas o que que acontece: eu tenho que estar sempre alocada, porque eutenho que estar sempre dando dinheiro para a empresa, tenho que estarsempre vendida para eu poder dar esse tipo de dinheiro para a empresa. E comessa questão, muitas das vezes [você não tem tempo para] se treinar. Entãovocê tem a responsabilidade pelo seu treinamento." (E 8)

O desenvolvimento dos subordinados é mais um compromisso dos

consultores na sua relação com a consultoria. Podemos inferir que, na medida do

possível, os consultores mais seniores procuram envolver os mais novos em

trabalhos nos quais ainda não tiveram experiência, visando o desenvolvimento de

novas habilidades.

" Tem uma consciência muito grande das pessoas que estão em níveis acima,que as pessoas embaixo têm que subir. Então, na hora de delegar a tarefa, aspessoas sempre têm na cabeça: 'Não, eu preciso passar isso para essapessoa, porque essa pessoa tem que se desenvolver nesse ponto.' Não é só oque é que o projeto precisa, é também o que a pessoa precisa fazer. Lógico,que na hora que está pegando fogo vai fazer o que precisa fazer. Mas, de umaforma geral, a gente diz: 'Não, aquele fulano ainda não fez nenhum tipo detrabalho assim, nada desse tipo. Então, vamos passar, em vez de passar para ooutro. Tudo bem, vai demorar um pouquinho mais, mas a pessoa vai ficar felizpor isso.' Nem sempre é possível fazer isso, mas a gente tenta. Então, só teressa preocupação, só ter essa vontade de desenvolver as pessoas, isso é umapreocupação muito grande. (E 6)

" Eu acho que outro dos meus deveres com a empresa é olhar as pessoas queestão comigo, ou que já passaram sob a minha responsabilidade e ajudá-lasnum processo de encaminhamento e de continuidade." (E 8)

A questão do equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional

O consultor tem plena consciência dos efeitos do ritmo e da pressão

associados a suas atividades profissionais, e dos resultados negativos sobre a

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vida pessoal. Muitos consideram o trabalho em consultoria como um estilo de vida,

onde a vida particular e pessoal ocupam uma posição de muito pouco destaque.

" A gente sabe que a vida de um consultor não é uma... não seria um dosmelhores life stile que existe por aí; também é feito de escolha." (E 1 - consultorpouco experiente, com apenas três meses de consultoria)

" Ah, não conciliava, só trabalhava. Conciliar o quê? Com a vida pessoal, vocêdiz? Não, o meu trabalho era minha vida." (E 6 - ex-consultora; pediu demissãoapós sete anos de consultoria)

Um dos consultores chega a afirmar que toda aquela rotina de trabalho

durante os fins de semana e de passar a noite em claro foi determinante para sua

opção de desligamento da consultoria. Segundo seus relatos, o fato de trabalhar

em consultoria, por si só, já representa o sacrifício da vida pessoal.

" Quer dizer, o sacrifício pessoal é trabalhar lá. Entre quatorze e dezesseishoras por dia. Então, isso é sacrifício pessoal. Exatamente por isso, porque euestava numa situação em que eu estava trabalhando demais, isso estavaprejudicando a minha vida pessoal. Eu tinha vontade de fazer outras coisas quenão trabalhar e não estava conseguindo, então, por isso que eu quis sair. Eucansei de ficar o fim de semana inteiro trabalhando e não aparecer em casa evirar a noite." (E 12 - ex-consultora; pediu demissão após um ano deconsultoria)

Observamos relatos que nos levam a crer que as mulheres sentem os

impactos negativos da dinâmica profissional na vida pessoal com mais intensidade

do que os homens, principalmente quando têm filhos.

" Então, quando eu olho esse tipo de perfil, ainda mais mulher. Nós tínhamos,aqui, duas mulheres assim, que eu olhava e dizia assim: 'Eu não quero ficarassim, de jeito nenhum, na minha vida.' Eu não dou nada para ficar dessaforma. Eu não quero. Isso te assusta. Você vai vendo que o número demulheres que vai subindo e vai tomando a decisão de sair é grande, porque ésacrificante. Eu acho que a mulher tem um limite um pouco menor do que ohomem, em relação a isso; acho que ela tem uma tolerância um pouco menorem relação a esse abusos, assim, de vida pessoal, de sacrifício, entendeu? Atépela questão do filho."(E 5 - consultora pouco experiente, com um ano e meiode consultoria; casada e sem filhos)

" Eu diria assim: para mulher é um pouco mais complicado. Quando vocêcomeça a construir uma família, começa a querer ter filhos, por causa das

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viagens, principalmente, e as vezes por causa da carga de trabalho muito alta."(E 4 - gerente do sexo feminino; casada; tem dois filhos pequenos)

Apesar dessa menor tolerância das mulheres, as dificuldades relacionadas

à questão do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional não podem ser

distinguidas quanto ao sexo do consultor. Ambos os sexos são afetados,

indistintamente. Observamos, inclusive, relatos afirmando que, com o tempo, a

separação conjugal do consultor parece ser inevitável.

" Na minha semana ali... porque quando você entra tem uma semana deintegração. A primeira coisa que me disseram: 'Ah, porque depois de um certotempo, todo mundo se separa, na consultoria'. E é verdade, você vê muitagente separada, tanto homem quanto mulher. " (E 6 - ex-consultora)

Com base nas entrevistas, podemos inferir que a própria natureza do

trabalho do consultor é a grande responsável por todo o desgaste de sua vida

particular. Um dos fatores causadores desse desgaste é a questão da

disponibilidade, já discutida anteriormente. Ao que parece, ao entrarem para uma

consultoria, tanto os profissionais como seus familiares têm noção da grande

oportunidade profissional, mas desconhecem os efeitos negativos da

disponibilidade sobre a vida particular e familiar.

" Eu abri mão da minha vida pessoal, claramente, porque eu queria arrumar,deixar claro o meu espaço, aqui. Tinha que estar aqui; tinha que falar com aspessoas; tinha que estar me mostrando disponível e, essa disponibilidade mecustou um preço caro. E eu sou muito, muito ligado, sempre fui; valorizo muito afamília. Mas, também, falei para ela [esposa] que era a hora que a gente tinhapara dar o passo, né? No princípio, ela topou, mas depois, obviamente... Agente topa, sem saber o que é que é. Depois que vê, aí vê que não é bem issoque quer." (E 3 - gerente com apenas dois anos de consultoria; é casado, e temdois filhos pequenos)

Além do impacto na vida familiar, a rotina de trabalho do consultor também

interfere negativamente na sua presença em eventos relacionados ao seu círculo

de amizades. No confronto trabalho vs encontro com os amigos, a dedicação ao

trabalho parece preponderar, mesmo que em detrimento da vida social.

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" Eu acho que tem, a questão que é complicada é que normalmente o lado donegócio fala mais alto. Você tem uma situação de conflito, você tem o ladopessoal e o lado do negócio, normalmente o lado do negócio fala mais alto,mas os dois são levados em consideração, não que você não leve outro emconsideração, mas é que na balança um é normalmente mais forte que o outro.Então qualquer evento que aconteça entre segunda e sexta, você não está lá,então tem aniversário, ou jantar com os amigos, ou a turma da faculdade vai seencontrar para tomar um chope... Nunca participei de nenhum evento dessesporque nos últimos sete anos estive fora. Então é evidente que isso representaum sacrifício." (E 9 - gerente-experiente; tem 40 anos de idade e oito deconsultoria)

Outra característica presente no dia-a-dia do consultor que afeta

diretamente a sua vida particular é a constante participação em projetos fora da

cidade onde reside.

" Em muitas situações eu fico fora. Eu passei as últimas dez semanas em SãoPaulo. Então, eu só via os meus filhos no final de semana. Então, esse é odesafio." (E 2 - consultor casado, tem dois filhos pequenos)

" Bom, a primeira coisa que acontece é quando você tem que ir fazer um projetofora. Você já sacrifica, de cara, a tua vida pessoal. Principalmente, no meucaso, que tenho dois filhos pequenos, e a minha mulher não trabalhava. Então,ela ficava ocupada com as crianças e, me demandando. Obviamente. E eu soumuito, muito ligado, sempre fui; valorizo muito a família." (E 3 - consultorcasado, tem dois filhos pequenos)

Todo esse prejuízo da vida pessoal leva muitos consultores a desistirem da

carreira. Um deles chegou a associar essa desistência a um processo de seleção

natural, sugerindo que só quem resiste a esse desequilíbrio consegue fazer

carreira dentro da consultoria.

" No meio do caminho existe aí um processo de seleção natural. Existemalgumas pessoas, também, que verificam: 'Não é o ritmo de trabalho que euquero, eu quero ter uma rotina de trabalho diferente...' E saem." (E 2 - onzeanos de consultoria)

Podemos inferir, ainda, que o impacto negativo da natureza do trabalho no

começo da carreira é muito maior. Com o tempo, porém, parece que há uma

tendência de melhor adaptação ao intenso e desgastante ritmo de trabalho, pois

de fato aqueles que não se adaptam ao estilo de vida acabam por pedir demissão.

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Ou seja, quem continua na carreira está adaptado às exigências do trabalho de

consultor.

" Não sou oficialmente casado, mas já sou casado há mais de um ano. Emtermos de vida pessoal é um pouco difícil no começo. Primeira regra: não temhora de chegar em casa. Posso chegar, hoje, sete horas, oito horas, comoposso, amanhã, estar chegando três da manhã, quatro da manhã, comopoderia nem chegar, virar o dia, trabalhando. São coisas que você tem que seadaptar e, certamente, isso causa alguns atritos em termos de vida familiar. Nomeu caso, eu não tenho filhos, mas eu tenho alguns colegas de empresa quetêm filhos e, para eles, é um pouco mais complicado." (E 1 - consultor poucoexperiente, com apenas três meses de casa)

" Tem uns três anos que eu não me estresso mais: não tem nada que aconteçano trabalho que eu me estresse. Nos meus primeiros cinco, seis anos, eu meestressava toda semana. Era uma rotina de entrega de produtos muito intensa.Isso refletia, um pouco, em vida pessoal. Em estar com a cabeça no mundo dalua, em estar conversando com a minha noiva, hoje minha esposa, e estar, naverdade, pensando no trabalho. Ganhar peso, ficar estressado, comerchocolate para extravasar. Hoje em dia, não. O meu desafio, hoje em dia, é: eutenho dois filhos pequenos, de três e quatro anos, e o meu ritmo de trabalho éum ritmo de trabalho intenso. (E 2 - onze anos de consultoria; hoje é gerenteexperiente de projetos específicos da área de estratégia)

Ao que parece, o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional dos

consultores é um grande desafio e, efetivamente, está longe de ser alcançado. O

impacto do ritmo de trabalho dos consultores na vida particular é visto, tanto pelos

consultores quanto pela consultoria, como um problema de difícil solução, que

certamente gera um custo para a consultoria, principalmente nos casos em que o

consultor pede demissão. Essa questão é ainda mais grave no Brasil; no exterior

os consultores conseguem um equilíbrio mais adequado.

" É um preço caro para a empresa, perder o profissional. Tanto porque ele podesair da empresa, quanto porque você pode surtar, né? Ficar maluco ou ter umenfarto, ou ter uma coisa qualquer. Quanto é que isso custa para o moral daspessoas? Para a empresa, em termos de grana, e para o moral das pessoasque trabalham? Quanto custa um cara perder a família ou se separar, emtermos de produtividade? No mínimo, na pior das hipóteses, em termos deprodutividade da pessoa? E da felicidade? E da alegria? E, assim como, nogeral, essas pessoas influenciam grupos? Quanto isso custa? Então, isso éuma preocupação muito grande, na empresa. O discurso dela é todo nessadireção: balancear o pessoal com o profissional. Eu acho que, principalmenteaqui, no Brasil, isso é muito mais grave. As pessoas lá de fora são mais[equilibradas], balanceiam melhor a vida pessoal..." (E 3)

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Há controvérsias quanto ao posicionamento da consultoria frente a essa

questão do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Observamos relatos de

alguns consultores que nos fazem crer que existe toda uma nova política com o

objetivo de reduzir os prejuízos causados pelo trabalho na vida particular do

consultor. Ao que parece, as empresas de consultoria estariam de certa forma

preocupadas em contornar esse desequilíbrio na vida pessoal de seus

funcionários.

" Existe hoje uma corrente na consultoria, um esforço muito grande de fazercom que essa nossa vida desequilibrada se equilibre um pouquinho mais. Entãoesse é um dever que eles tomaram: fazer com que o nosso mundo não seja tãodesequilibrado." (E 11)

" Ontem, teve um curso super-legal, de como você evitar o que eles chamam deassédio moral. Tipo, o chefe sênior teve criando caso com você, tem algum tipode discriminação, ou mesmo você conseguir balancear vida pessoal com aprofissional, conseguir encontrar um meio termo, de você dizer: 'Olha, até aqui,eu vou; depois daqui, eu não me sacrifico.' Existe uma preocupação em relaçãoa isso. [É uma coisa] nova, bastante nova. Porque eles têm visto que aspessoas estão ficando insatisfeitas com isso. Acho que as pessoas ficaramsuper-felizes, não só pelo conteúdo, como pela mensagem que passa, que é:'Olha, gente, a gente sabe que a gente demanda muito de vocês, mas tambémnão deixem de reclamar.' Quer dizer, acho que a mensagem foi essa. Reclamarnão significa que você vai sofrer uma retaliação. Então, foi essa a mensagem.(E 5))

Observamos, porém, que a visão de que as consultorias estariam um pouco

mais preocupadas com a qualidade de vida dos seus profissionais definitivamente

não é uma unanimidade entre os consultores.

" O que eu não vou dizer que ela tem é uma cultura pela melhor qualidade devida, isso ela não tem. A cultura lá é trabalhar bastante, que é isso é que ébonito." (E 12 - ex-consultora)

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Evolução na carreira e expectativas de futuro

Neste item estaremos analisando fatores que se mostraram recorrentes

quanto às características da carreira do consultor, a questão da segurança na

carreira, a opção da carreira em Y, e expectativas de longo prazo.

Principais características da carreira

Primeiramente, podemos observar que o desenvolvimento da carreira é

uma grande preocupação não só dos consultores, como das consultorias em

geral. Ao que parece, o crescimento da consultoria está diretamente associado ao

desenvolvimento da carreira de seus profissionais.

" É uma questão assim de, eu digo assim para os meninos que trabalhamcomigo: 'Crescer, crescer e crescer'. A empresa espera que cada um cresça."(E 8 - gerente-experiente, com 8 anos de casa)

" É bom para a empresa que todo mundo cresça, porque é assim que vocêconsegue fazer com que a empresa cresça." (E 10 - nove anos de casa)

Os consultores não são unânimes quanto à mobilidade dentro da carreira.

De um lado, temos a sensação de que o consultor é livre para optar pelo caminho

que mais lhe convém.

" Empresa apresenta também grandes oportunidades em termos de carreira.Você pode, de certa forma, gerenciar, escolher onde você quer seguir suacarreira, nortear sua carreira." (E 1 - consultor pouco experiente, com apenastrês meses de casa)

Inversamente, porém, constatamos um certo ceticismo quanto a essa

flexibilidade de escolha. Ao que parece, o consultor expressa sua vontade pessoal

quanto ao desenvolvimento de sua carreira, inclusive através de ferramentas

específicas para esse gerenciamento. Entretanto, a decisão final sobre a alocação

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do consultor é da consultoria e, muitas vezes, está mais relacionada a uma

necessidade dela própria do que à vontade do consultor.

" Porque você não vai fazer os projetos que você quer, você vai fazer osprojetos que a empresa precisa que você faça. Então, isso me gerou umaangústia muito forte, no início." (E 6 - ex-consultora)

" [O consultor] fala assim: 'Eu quero ser alocado no projeto SAP, em banco.' Aí,o chefe diz: ' Tá legal. Assim que der, a gente bota.' E é isso que eles procuramfazer; eles criam umas ferramentas em que você coloca seus interesses. Vocêbota lá as áreas de conhecimento que você quer. A empresa vai fazer aalocação, ela vê, consulta. [Muitas vezes] não casa... É um problemacomplicado.."(E 3)

De qualquer forma, quando comparada à carreira em empresas

tradicionais, observamos que o leque de opções disponível ao consultor se mostra

bem mais amplo. Isso se deve ao fato de que, na consultoria, as carreiras

apresentam uma certa mobilidade, fruto da própria estrutura organizacional em

forma de matriz.

"Acho que [as oportunidades de desenvolvimento] são bem maiores dequalquer empresa normal. Porque essa matriz, são várias áreas para vocêatuar. É bom porque se você não estiver gostando de uma área por exemplo,você pode até tentar pular de quadrante." (E 11)

Outra característica importante da carreira dos consultores refere-se a sua

estruturação no tempo. Na prática, a promoção para níveis superiores dentro da

consultoria funciona através da avaliação das habilidades desenvolvidas pelo

consultor, depois de um certo tempo em um determinado nível na carreira.

" Você tem cinco níveis de cargos. Você tem os consultores; depois você tem onível de consultor associado, que é o pessoal que vem do mestrado, ou então,MBA. E aí, eles consideram MBA lá fora ou Mestrado COPPEAD. O únicomestrado que eles consideram, aqui no Brasil, como nível de MBA, é o daCOPPEAD. Depois passa para sênior associated, que é uma pessoa que tem opoder de ser gerente de projeto. Essa pessoa que tem o poder de gerente deprojeto, ela responde ao diretor. Aí, já é o quarto nível; depois [vem] o sócio. Odiretor já começa a fazer um trabalho mais de venda, de coordenar projeto." (E5)

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" Eu tenho também tempos mínimos para ser promovido a uma determinadaposição e tempos usualmente alcançados. Então você sabe que, dependendode quanto tempo você está em uma função e como foram as tuas avaliações,você sabe se você está bem ou se você está mal. Você sabe se você temtempo para desenvolver aqueles skills que te foram apontados como pontosfracos." (E 10)

Curiosamente, um dos profissionais faz uma analogia entre a carreira de

consultor e um curso de faculdade: tanto o universitário quanto o consultor

precisam demonstrar as qualificações necessárias para passar para o próximo

ano, ou seja, serem promovidos.

" Na consultoria existe uma obrigação na carreira que é bastante regulada,parece uma faculdade. Você tem os anos letivos, tem as provas. Se você fizertudo direitinho você passa de ano, é assim que funciona. Essas progressões,promoções, elas tem regras bem claras: cumprindo os desafios e demonstrandoas qualificações que são necessárias para a promoção, fazendo as provasdireitinho você passa de ano." (E 9 - nove anos de casa)

Os relatos sugerem a correspondência entre tempo de casa e desempenho.

O fato de um consultor estar há muito tempo em um mesmo nível, sem promoção,

pode significar que o seu desempenho está abaixo do esperado. Voltando à

analogia consultoria-faculdade, é como se o consultor-aluno estivesse repetindo

de ano.

" Quando você chega a nível de gerente, eles têm uma divisão, que são osníveis. Você tem, por exemplo, como gerente-normal, você tem o nível 60; vocêtem 61, 62. 63 já é gerente-experiente, 63 e 64. Então, quer dizer, 60, 61e 62,você sabe que é gerente de um ano, gerente de dois anos, gerente de trêsanos. É mais ou menos assim... Você vai mesmo muito mais pelo tempo:'Quanto tempo você tem...? Você é gerente desde quando?' Isso significavalores. Tem uma correspondência entre o tempo que você tem e odesempenho que você tem." (E 3)

" Na consultoria você tem uma carreira super bem definida, todo ano você temuma avaliação e você está sempre subindo, sempre você é promovida. Se vocênão está subindo tem algum problema." (E 4)

A meritocracia é critério determinante para as decisões relacionadas à

promoção dos consultores. Ao que parece, porém, o mérito em questão envolve

não somente o desempenho satisfatório, mas também a demonstração das

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qualidades requeridas para o cargo seguinte. Ou seja, o consultor precisa

demonstrar as competências do próximo cargo antes de vir a ocupá-lo.

" Você tem o reconhecimento profissional, um regime baseado na meritocracia.Se você está indo bem, você vai ser promovido, vai sendo reconhecido pelaempresa." (E 1)

" Você pensa no momento seguinte. Isso é a maior verdade. Eu perguntavapara esse meu amigo que é sócio: 'Quando você era um consultor, como é quevocê ficava nessa fissura de chegar lá... e, agora, você chegou, como é que éisso?' Aí, ele falou assim para mim: 'A gente nunca tem tempo de pensar.Pensa no passo seguinte'. E foi um bom ensinamento para mim, porque éexatamente isso que eu foquei: quais são os scripts que eu preciso ter para opróximo cargo? Se você não se focar nisso..." (E 3)

" Normalmente, para você ser promovido, você vai ter que estar se reformando,como se você fosse para um nível superior. Ou seja, para você ser um gerente,você já tem que ter mostrado características de gerência. Você já deve teratuado, efetivamente, como gerente. Nem que numa esfera menor." (E 6)

Apesar de toda essa perspectiva de carreira planejada, observamos que é

muito comum o consultor utilizar a consultoria como uma escola, uma fonte de

experiência que pode servir para um melhor posicionamento no mercado. De

qualquer forma, podemos inferir que, em muitos casos, o consultor tem a

perspectiva de que vai ficar na consultoria por um tempo limitado; mas, depois,

acaba mudando de idéia e estendendo sua permanência por um tempo

indeterminado. Ao que parece, a remuneração e a adaptação ao estilo de vida de

consultor exercem papéis fundamentais nessa mudança de opinião do consultor.

" Muita gente entra lá dizendo assim: 'Não, eu vou ficar aqui, vou aprender, vouralar e depois eu vou para o mercado muito bem.'" (E 6)

" É uma excelente escola; mas eu também já vi gente falando isso que estáaqui há dez anos. O sócio daqui chegou e falou para mim: 'Eu entrei achandoassim: vou ficar dois anos, ganho uma super-experiência, ganho dinheiro e vouembora'. E ficou, adorou, conseguiu equalizar tudo muito bem. Hoje é sóciodaqui, super-realizado." (E 5)

" Eu nunca imaginei que eu fosse ficar nove anos. A minha idéia inicial, é queaquele velho papo que consultoria e auditoria são grandes escolas, mas quevocê é explorado. Então, você tem que ficar três anos, para depois conseguiruma coisa melhor. Financeiramente, eu nunca saí, porque eu nunca vi nohorizonte das propostas uma coisa que até a médio prazo, se mostrasse melhor

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do que a consultoria. Eu não saí não é porque eu não tenha olhado. Eu recebialgumas propostas." (E 10)

Empregabilidade e segurança na carreira

Ha controvérsias quanto à visão da segurança na carreira de consultor.

Uma dessas visões faz referência à estratégia de carreira up or out, adotada pelas

consultorias. Podemos inferir que, nessa visão, a consultoria parece preocupada

em evitar a estagnação da carreira dos consultores, na medida em que torna o

crescimento profissional uma lei de sobrevivência dentro da empresa. Essa visão

é reforçada pela idéia de seleção natural, já discutida no item 4.3).

" Eu entrei na empresa como analista de negócios, tenho um contrato que seestende por, no máximo, três anos. Dentro desses três anos ou eu soupromovido, ou eu estou fora da empresa." (E 1 - consultor pouco experiente,com apenas três meses de casa)

" Todo ano você tem uma avaliação e você está sempre subindo, sempre vocêé promovida. Se você não está subindo tem algum problema. A empresa, todoano, faz essa análise com você, se você serve para outras responsabilidadesou não. E se não servir tem que sair. Ela não segura as pessoas, não tem comosegurar no mesmo nível." (E 4 - gerente experiente, com doze anos deconsultoria)

" O esquema de consultoria é aquele esquema de ou você é promovido ou édemitido." (E 12 - ex-consultora)

Ainda sobre essa visão, observamos que o comportamento da economia

afeta diretamente o nível de segurança dos consultores que apresentam um baixo

desempenho. Quando a economia está aquecida, e os projetos apresentam bons

resultados, as demissões podem ser minimizadas ou até mesmo evitadas.

" Geralmente, os quinze por cento piores, digamos assim, vão acabardemitidos. Na verdade, assim, quando as coisas estão muito bem no projeto detodo mundo existe, também, um nível de segurança maior, com relação a isso.Como nos últimos anos, as coisas estavam mais complicadas, o mercado muitomais desaquecido." (E 5)

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Na outra visão, podemos inferir que há toda uma política que visa absorver

os impactos das variações da demanda de negócios sobre o corpo funcional da

consultoria. Essa vertente se mostra contrária à idéia do up or out; pressupõe que

o custo de aprendizado do consultor é muito alto, o que não justificaria forçar uma

rotatividade. Segundo essa visão, essa rotatividade já é alta voluntariamente, pois

os consultores ficam na consultoria durante um período que não excede,

geralmente, três anos.

" A empresa, é difícil de mandar embora. Você é que sai... Então é assim, épreservar o máximo possível; não manda mesmo embora. As pessoas saem, édiferente. Tem uma rotatividade grande, mas é porque as pessoas saem. Todasemana, indo para a indústria. As pessoas falam: 'Ah, foi muito bom o tempoque a gente teve aqui, nesses dois anos e meio, três anos...'. É o tempo que aspessoas ficam." (E 3)

" Você tem um custo de curva de aprendizado enorme. Então, o máximopossível, ela absorve essas variações de demanda e mantém as pessoas,mesmo desalocadas. Todo ano, a consultoria faz uma previsão de contratação,com base na previsão de turnover. 'Ah, eu vou precisar de tantas pessoas amais, eu sei que vão sair tantas, então tenho que contratar tantas...'" (E 6)

Ainda nessa visão, podemos inferir que, caso a previsão de turn over

realizada pela consultoria não ocorra, ela pode recorrer a programas alternativos

de redução de quadro. Observamos inclusive o exemplo de uma consultoria, que

desenvolveu um programa de licença remunerada, e com isso conseguiu

minimizar a necessidade de demissão em massa de profissionais.

" Com a crise, aconteceu que não teve turnover, as pessoas não tinham paraonde ir. Então não foi nem que tinha gente demais sobrando, foi que aquelaspessoas que eram esperadas que saíssem acabaram não saindo. Isso gerouum overhead. Aí eles criaram um programa... Foi um negócio que eu acheisensacional, que eles fizeram para não precisar demitir. Demitiu, mas demitiumuito pouco, comparado com essa coisa de consultoria. Foi a pessoa sair delicença ganhando vinte por cento do salário, mantendo todos os benefícios, masela não era demitida. E ela podia sair por seis meses a um ano. O únicocompromisso que ela tinha era de não trabalhar para uma concorrente. Aindaassim teve que demitir, mas uma redução mínima. " (E 6)

Podemos inferir que ambas as visões parecem convergir quanto aos

impactos da instabilidade da economia nas decisões relacionadas à demissão, e

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por conseqüência, na segurança da carreira do consultor. Observamos, inclusive,

o relato de um consultor, que afirma com bastante firmeza que trabalhar em

consultoria hoje não é segurança para ninguém.

" Graças a Deus, aqui, ainda não ocorreu de você ter uma retração de mercado,vamos dizer assim... teve menos crescimento, mas retração, que eu saiba, nãoaconteceu. A empresa, o histórico dela é de crescimento de dois dígitos, nosúltimos dez anos. Nos últimos doze, vamos dizer assim. Não só no Brasil, comono mundo. Mas aqui, no Brasil, a gente, inclusive, acho que teve algumasdemissões de gerentes, porque teve um período muito fértil, em que secontratou muito do mercado. Coisa que a Consultoria B não costuma fazermuito: contratar nível intermediário do alto do mercado. Ela forma, prefereformar... por causa da carreira. Você trazendo gente de fora você oxigena, ébom. Mas, por outro lado, você bloqueia o crescimento de algumas pessoas."(E 3)

[ A oportunidade de carreira ] é também inerente ao fato de que esse empresaesteve crescendo nos últimos dez anos, a mais de dez por cento ao ano. Então,a cada ano, tinha espaço para mais gente... Isso pode mudar, se as taxas decrescimento reduzirem. Existe uma possibilidade de que as taxas reduzam.Então, daqui a dois, três anos, essa sua entrevista pode acontecer comigo oucom outra pessoa que tivesse uma percepção diferente. (E 2)

" Segurança de que eu não vou ser mandado embora? Vamos dar umaparadinha: trabalhar em uma empresa de consultoria hoje não é segurança deemprego para absolutamente ninguém."(E 7)

Expectativas de longo prazo

Ao que parece, toda a cultura de encarreiramento dentro das consultorias

leva grande parte dos consultores a definirem a sociedade como meta principal.

Além da perspectiva de independência financeira, observamos que os desafios

constantes e o aumento da responsabilidade sobre a gestão e motivação de

pessoas também são fatores valorizados na carreira de sócio.

" [Como sócio] eu vou ter mais autonomia, eu vou ter os meus clientes, pelosquais eu vou ser responsável... eu vou ser responsável, também, por, muitomais intensamente, eu diria, manter um grupo de pessoas ligado a mim, motivaressas pessoas a trabalhar para mim. E eu vou ter uma remuneração muito maisinteressante do que eu tenho, hoje em dia." (E 2)

" A diferença é que você... na consultoria é mais rico se você conseguir chegarlá. É mais rico, por dois motivos: um, porque é mais rico mesmo. Segundo,

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porque você tem oportunidade de ver o problema que você sabe resolver emmais de um cliente. Existe um desafio, até cultural, de cada empresa... vocênunca vai conseguir implantar, exatamente, da mesma forma numa e na outraempresa. Isso é muito rico, mantém você pensando...” (E 3)

Observamos, porém, que a idéia de sociedade traz consigo uma série de

fatores que de certa forma deixam o consultor um pouco assustado, como por

exemplo questões relacionadas a prejuízos da saúde, problemas familiares, e

dificuldades de relacionamento. Com base nessa constatação, podemos inferir

que a promoção a sócio reforça ainda mais todas as questões relacionadas ao

desequilíbrio da vida pessoal, discutidas anteriormente no item 4.3.

" O que me motiva, hoje, de chegar lá... eu não posso mentir para você: égrana, é muita grana. Não é pouca grana, é muito dinheiro. É a independência.Quantos anos eu agüento ficar lá? Não sei. Dois anos? Resolve a minha vida,dois anos resolve a minha vida. Eu valorizo outras coisas, mas se eu estiver lá,conseguindo ganhar o dinheiro, e bem com a minha família, sem estar comcoração palpitando ou tendo que baixar hospital... vamos tocando!" (E 3)

" Tem o lado da riqueza, mas tem o ônus. Essa questão das metas de venda,aqui dentro da Consultoria B, é uma coisa extremamente estressante. É umacoisa que te mantém cem por cento do tempo no ar. Eu vejo isso: o meu sócioacabou de ser promovido Eu fui promovido a gerente e ele foi promovido asócio. Sócio tem que vender mesmo: é a tua função. Não vender é queimar tuaimagem. Então, ele está assim, eu vejo, percebo, até na colocação que ele temcom a gente. Então, eu acho que perceber essas mudanças nas pessoas...Você começa a perguntar: 'Poxa, será que eu vou estar preparado? É issomesmo que eu gosto de fazer, perseguir a venda, a qualquer preço?'” (E 3)

" Pois é, tem sócios e sócios. Tem pessoas que eu tenho pavor, que eu olho eeu digo assim: 'Eu não quero ser assim de jeito nenhum.' Muito sozinhos.Chegam às oito [no trabalho] e vão embora meia noite, mas porque não têmgente em casa; não têm coisa para fazer; não têm amigo, porque acabamficando muito sozinhos." (E 5)

Finalizando, podemos inferir que o impacto da sociedade na questão do

equilíbrio vida pessoal x profissional parece influenciar na opção da carreira em Y.

Um dos consultores relata o seu dilema pessoal, onde percebemos um certo

conflito interno quanto à escolha de seguir a carreira de sócio. Ele percebe todas

as dificuldades de relacionamento dos sócios com suas famílias, acaba tendo

dúvidas quanto ao caminho a seguir, e parece mais inclinado a aceitar a promoção

a especialista.

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" Atualmente eu passo um momento de tormento mental em relação a essenegócio de futuro, porque cada ano que passa o trabalho não fica mais fácil,fica pior em termos de exigências, demanda... E cada vez mais... A gente olhapara a qualidade de vida, o problema de equilíbrio... vai ficando muitocomplicado. Então eu fico imaginando até que ponto, até quando eu vouagüentar levar isso dessa forma... Eu tenho uma filha pequenininha, ela tem 1ano e meio. Quando saio para trabalhar, ela já sabe que você está indotrabalhar, mas se você fosse ali comprar pão com uma roupa, de short... elaparece que já entende essas coisas. Eu fico vendo os sócios que estão lá emcima, vendo o tipo de relação que eles tem em relação a família, e aí eupergunto: 'Poxa, será que vale a pena isso tudo?' Fico me questionando. Seráque vale a pena [ser sócio]? Então, como tem essas duas pernas do Y, agora,que você esta quase chegando lá, a grande decisão é agora: o que eu querofazer? Eu quero ter cada vez mais pressão, tendo que marcar com a minha filhaàs 7h da manhã para ter uma reunião com ela? Ou eu vou seguir a carreira dediretor que é um pouquinho menos de pressão? Existe uma diferença grandesalarial, mas não deixa de ser uma relação boa." (E 11 - gerente experiente,com treze anos de consultoria)

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5) Conclusões

Com base nas análises das entrevistas realizadas e no referencial teórico

pesquisado, entendemos que a carreira de consultor pode ser vista como uma

atividade representante da Era Pós-Industrial. A seguir, apresentamos maiores

detalhes sobre essa nossa percepção.

O consultor e a flexibilidade

Um primeira conclusão da nossa pesquisa diz respeito ao alto grau de

flexibilidade (Harvey, 2000) inerente à atividade de consultoria, o que caracteriza o

trabalho do consultor como tipicamente pós-industrial.

Essa flexibilidade pode ser associada a dois fatores principais: a

disponibilidade total para o trabalho e a constante renovação do tipo de desafio

enfrentado pelo consultor.

A disponibilidade mostrou-se ser um fator bastante valorizado pelas

consultorias, e acaba por exigir do consultor um alto grau de flexibilidade para lidar

com os imprevistos e as chamadas para trabalho a qualquer momento (Sennett ,

1999). Em outras palavras, o consultor deve estar sempre pronto para o trabalho,

independente do horário ou local onde se encontra (Hage, 1995) . O principal

efeito dessa disponibilidade é o prejuízo da vida pessoal do consultor (Sennett ,

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1999), relacionados ao cancelamento de eventos sociais e encontros familiares, e

a dificuldade de planejamento de atividades paralelas ao trabalho, como esportes,

cursos e hobbies. A conclusão a que podemos chegar é que a agenda pessoal do

consultor é tentativa, ou seja, ele tenta participar dos eventos relacionados a sua

vida pessoal, sempre que os compromissos e imprevistos relacionados ao

trabalho permitem.

Observamos ainda que a necessidade de passar longos períodos em

projetos distantes de sua cidade-base também aumenta a disponibilidade dos

consultores para o trabalho, pelo simples falta de opção de vida social devido à

distância de casa, da família e dos amigos. Soma-se a isto a sensação de

ampliação do local de trabalho: o "escritório" do consultor acaba sendo a reunião

do seu escritório propriamente dito na consultoria, do espaço que ocupa no

cliente, do avião, do hotel etc. Ou seja, seu local de trabalho é o lugar onde se

encontra (Hage, 1995), suas opções de relacionamento reduzem-se aos colegas

de trabalho e clientes.

O outro fator que caracteriza a flexibilidade do trabalho do consultor é a

necessidade de estar em constante aprendizado. A Era Pós-Industrial é marcada

pela permanente inovação na oferta de produtos e serviços customizados, visando

atender a necessidades específicas de cada cliente (Sennett, 1999; Hage,1995).

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O próprio modelo matricial de organização da consultoria, e a estruturação

do trabalho por projetos, impõe ao consultor um alto grau de flexibilidade; os

clientes estão sempre mudando, a natureza dos problemas e as formas de

resolvê-los também acabam sendo distintas (Altman e Post, 1996).

À medida em que não pode determinar o tipo de desafio que vai encarar, o

consultor se vê obrigado a desenvolver um processo de constante aprendizado. O

relato sobre o primeiro dia de pânico6 demonstra que o consultor deve estar

rapidamente preparado para encarar assuntos novos e desconhecidos com

bastante propriedade (Harvey, 2000). Isso requer uma elevada dose de iniciativa

em busca de informações sobre o tema, seja através de pesquisa ao capital

intelectual disponível, ou pelo contato com outros consultores que já enfrentaram

os mesmos desafios e possuem experiência no assunto. Curiosamente,

observamos que essa necessidade de constante aprendizado leva à comparação

da consultoria a uma faculdade.

A consultoria, por sua vez, exerce um papel fundamental no

desenvolvimento de uma cultura de aprendizado contínuo. Organiza os trabalhos

por projetos, formando equipes para atender a uma determinada demanda e

depois dissolvendo-as, e incentiva a troca de informações e o desenvolvimento de

novas habilidades. Além disso, inclui a colaboração em outros projetos como um

importante item da avaliação de desempenho dos consultores.

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O consultor e a sobrecarga de trabalho

Outra conclusão a que podemos chegar é que o consultor geralmente

dedica um número bastante elevado de horas por dia a sua atividade profissional,

o que é mais um traço pós-industrial de seu trabalho.

Podemos atribuir esse elevado número de horas de dedicação ao trabalho

à sedução em busca de superação de novos desafios. Observamos inclusive

alguns consultores que consideram o trabalho na consultoria um vício. A própria

consultoria incentiva o impulso do consultor para o trabalho ao desenvolver uma

cultura interna que valoriza um empenho sem limites, principalmente através do

uso do ranking de desempenho para decisões relacionadas à políticas de gestão,

como distribuição de parcelas variáveis de remuneração, alocação em projetos ou

até mesmo demissão. O consultor se sente impulsionado a apresentar resultados

de alta qualidade e a assumir um leque maior de responsabilidades, independente

do tempo de dedicação necessário ao trabalho (Kanter, 1997).

Além do impulso do próprio consultor em busca de melhores resultados,

observamos que a cobrança por rapidez de desenvolvimento e entrega dos

projetos também exerce grande pressão na dedicação dos consultores. Além da

6 Primeiro dia de participação em um projeto cujo assunto é desconhecido para o consultor

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qualidade do trabalho executado, o prazo de entrega também é muito importante

para o cliente, e por conseqüência para a consultoria.

Identificamos dois aspectos que tornam o prazo de entrega um forte

instrumento de pressão sob a dedicação do consultor. O primeiro se deve ao fato

de que, apesar de ser o maior interessado pelo resultado do projeto, o cliente

muitas vezes atrasa o fornecimento de informações ao consultor, sem as quais o

trabalho não pode ser concluído. Quando essas informações são disponibilizadas,

o consultor pode ser obrigado a virar a noite ou passar o fim de semana

trabalhando, caso o prazo já esteja apertado.

O outro ponto diz respeito a alterações no planejamento inicial dos projetos.

Há casos em que, com o desenvolvimento dos trabalhos, o escopo do projeto é

ampliado sem um redimensionamento do número de horas-consultor alocados ao

mesmo, ou do prazo final de entrega. Isso certamente gera um aumento no

número de horas de dedicação dos consultores, visando atender ao prazo inicial.

Observamos também que é comum o cliente exigir um excesso de carga

horária de trabalho dos consultores sem maiores motivos associados à qualidade

do trabalho ou prazo de entrega, mas pelo simples fato de estar contratando um

serviço de custo elevado. Alguns consultores afirmaram que se sentem escravos

dos clientes, devido a grande pressão que este exerce sobre o seu trabalho.

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133

A sobrecarga de trabalho dos consultores envolve também outra

interessante questão: o consultor possui dois patrões, a consultoria e o cliente. Em

outras palavras, o consultor sofre demandas tanto do cliente quanto da

consultoria. No cliente, exerce todas as atividades relacionadas ao projeto em que

foi alocado; na consultoria, participa de reuniões, colabora no desenvolvimento de

propostas de outros projetos, participa de atividades diversas como recrutamento

de novos consultores, avaliações de desempenho etc.

O consultor e a remuneração

Constatamos que as estratégias adotadas pela consultoria quanto à

remuneração do consultor também apresentam características

predominantemente pós-industriais.

Apesar de apresentar-se em constantes modificações, a política de

remuneração praticada pelas consultorias gira em torno da participação nos

resultados (Kanter, 1997).

O foco na contribuição para o resultado (Harvey, 2000) pode ser verificado

na postura assumida pelo consultor frente a seu trabalho. Observamos relatos de

que o consultor assume responsabilidades sobre o projeto em que está envolvido

como se a sua remuneração dependesse de resultado do mesmo. O consultor

deixa de ser um empregado e comporta-se como um empresário (Kanter, 1997), à

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medida em que assume o risco sobre o resultado dos negócios (Altman e Post,

1996; Cappelli, 1999).

Observamos, ainda, que a avaliação de desempenho tem um papel

fundamental na consolidação da política de remuneração das consultorias. A

classificação das performances em um ranking, e a associação dessas à parcela

variável distribuída pela consultoria, funciona como instrumento de motivação à

sobrecarga de trabalho e flexibilidade do consultor, já discutidas anteriormente.

Outra sutileza identificada na política de remuneração do consultor é a

associação entre o cargo ocupado e o tempo de casa. À primeira vista, essa

relação parecia ser uma característica típica da Era Industrial; após as análises

realizadas, porém, observamos que a promoção a níveis mais elevados dentro da

estrutura depende do nível de desempenho avaliado e da demonstração de

habilidades importantes para o próximo cargo, e não da senioridade. O tempo não

é o elemento decisivo para a promoção a cargos superiores, mas sim um fator

limitador; caso não esteja apto a ser promovido após um determinado período de

tempo, o consultor corre até mesmo o risco de ser demitido.

O consultor e a estrutura organizacional

O modelo de estrutura organizacional praticado pelas consultorias traz a

realidade do mercado para dentro da empresa (Miles e Snow,1996), e cruza com

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as habilidades de seus profissionais. As equipes não são alocadas diretamente a

uma das interseções dessa matriz indústria x especialidade; de fato, os

consultores são alocados aos projetos.

Observamos que, apesar da estrutura matricial ser uma característica da

Era Industrial, nas consultorias a dinâmica desse modelo organizacional nos leva

a entendê-lo como um representante da Era Pós-Industrial. As equipes não são

dedicadas a um único tipo de projeto, nem apresentam uma configuração fixa. Na

realidade, os consultores são alocadas conforme a demanda pelos projetos. Ou

seja, quando surge um novo projeto, a consultoria analisa as habilidades dos

recursos disponíveis, negocia internamente recursos que estão sendo utilizados e

realiza novas alocações, se for o caso, e aloca uma equipe a esse novo projeto.

Ou seja, a flexibilidade preconizada pelo modelo pós-industrial permeia tanto o

trabalho do consultor como a estrutura interna da consultoria.

Observamos, ainda, que o sucesso desse conceito de alocação de equipe

com base na demanda dos projetos só é possível à medida em que os recursos

apresentem alta flexibilidade frente ao tipo de trabalho a ser realizado (Harvey,

2000), e a consultoria flexibilize sua estrutura interna (Ransome, 1999). O

consultor deve apresentar um leque de habilidades que possam ser aproveitadas

não somente em apenas uma interseção da matriz, e a consultoria deve ser

flexível o bastante para otimizar a alocação de seus recursos e apresentar os

melhores resultados, independente do tipo de desafio encarado.

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O consultor e o contrato psicológico com a consultoria

A relação de troca entre a consultoria e o consultor apresenta

características mais voltadas para o contrato psicológico da Era Pós-Industrial.

Observamos, porém, uma certa sutileza quanto à promessa de encarreiramento

interno. A consultoria cria todo um contexto de oportunidades de crescimento ao

longo do tempo que, à primeira vista, nos remete ao contrato psicológico vigente

na Era Industrial.

Entretanto, após uma análise mais profunda, concluímos que a oferta da

consultoria não passa da sinalização de uma possibilidade de carreira, que

depende de fato da performance do consultor. A consultoria não apresenta um

programa de capacitação e desenvolvimento, isso é responsabilidade do próprio

consultor (Cappelli, 1999; Miles e Snow, 1996). Não há certeza de promoção a

cargos de níveis mais elevados, com o passar do tempo; o consultor tem sim a

oportunidade de apresentar uma performance de alto nível, conseguir uma boa

classificação no ranking de desempenho e ser promovido após um determinado

tempo. Ainda assim, o próprio contexto econômico pode reduzir a taxa de

crescimento da consultoria, e com isso tornar mais complicada ainda essa

oportunidade de encarreiramento.

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Sendo assim, não achamos conveniente considerarmos a oportunidade de

carreira oferecida pela consultoria como uma característica da Era Industrial; de

fato, a consultoria apenas sinaliza ao consultor uma oportunidade de crescimento,

ao deixar claro o que ele precisa oferecer aos clientes e a ela própria para

conseguir ser promovido.

O contrato psicológico vigente entre a consultoria e o consultor pode ser

resumido da seguinte forma:

Quadro 3Contrato Psicológico

Analisando detalhadamente o Quadro 2, observamos que a consultoria se

compromete em oferecer condições para que os consultores desenvolvam seus

trabalhos, inclusive através da disseminação de conhecimento (Ransome, 1999;

Rousseau e Benzone, 1995). A consultoria deixa claro que o acesso a níveis mais

elevados dentro da estrutura é por mérito (Kanter, 1997), está associado à

contribuição do consultor e ao desenvolvimento de novas habilidades (Rousseau e

capital intelectual

sinalizar oportunidadede crescimento

Compromissos da consultoria

assumir responsabilidade

“encantar ocliente”

rapidez de entregaqualidaderelacionamento

“viver” parao trabalho

longa jornadadisponibilidade

Compromissos do consultor

avaliar e recompensaro bom desempenho

rankingvariável e bônusup or out

pelo seu desenvolvimentoe de seus subordinados

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Benzone, 1995). A consultoria procura também avaliar de forma justa e

recompensar adequadamente o bom desempenho.

O consultor, por sua vez, se compromete a colocar o cliente em posição de

destaque. O cliente deve ficar encantado com o trabalho realizado (Cappelli,

1999), e os consultores devem desenvolver um relacionamento que possibilite

abrir portas para futuros projetos. Diante desse forte foco no cliente, o consultor

acaba se comprometendo a estar disponível vinte e quatro horas por dia, sete dias

por semana, para o trabalho.

O consultor é, ainda, responsável pelo seu próprio treinamento e

desenvolvimento profissional (Cappelli, 1999). Isso ratifica nossa conclusão de

que a consultoria não é responsável pelo desenvolvimento da carreira dos seus

profissionais; eles mesmos devem estar preocupados em agregar valor à

consultoria e desenvolver os requisitos necessários para serem promovidos a um

cargo mais elevado (Miles e Snow, 1996). Além do auto-desenvolvimento, o

consultor deve preparar seus subordinados para ocuparem seus cargos quanto

forem promovidos.

O consultor e o desequilíbrio entre o pessoal vs profissional

Constatamos que o estilo de vida adotado pelos consultores afeta

negativamente as questões relacionadas a sua vida pessoal. Observamos

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139

inclusive um relato onde um profissional afirma que o crescimento e

desenvolvimento da carreira de consultor se parece bastante a um processo de

seleção natural, ou seja, somente consegue crescer dentro da consultoria aqueles

que suportam a sobrecarga de trabalho, o afastamento da família e amigos, a

pressão por resultados, e ainda assim apresenta um desempenho de alto nível

(Altman e Post, 1996).

Observamos, ainda, que toda essa questão do desequilíbrio da vida

pessoal gera um certo conflito quanto à opção de carreira interna. Alguns

consultores declararam que perseguem o crescimento na carreira, e efetivamente

gostariam de chegar a sócio, mas têm dúvidas se suportariam os impactos do

aumento do ritmo de trabalho na vida pessoal. A nossa percepção é que a

remuneração exerce um importante papel como elemento motivador do

encarreiramento, e retém os profissionais dentro da consultoria.

Ao que parece, porém, as próprias consultorias vêm demonstrando certa

preocupação quanto a essa questão, principalmente porque esse desequilíbrio na

vida pessoal causa impactos negativos no moral dos consultores (Cappelli, 1999),

e por conseqüência na produtividade dos mesmos. De qualquer forma, não

constatamos ainda um esforço consistente, por parte das consultorias, com o

objetivo de reduzir esse impacto negativo sobre a vida pessoal de seus

profissionais.

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O consultor e expectativa de carreira

A expectativa de carreira dos consultores contém características dos dois

modelos estudados - Industrial e Pós-Industrial. Observamos, por exemplo, que o

grande objetivo dos consultores é crescer dentro da consultoria e alcançar o nível

de sócio, atraídos principalmente pela remuneração, e em menor grau pelo

aumento da responsabilidade sobre a motivação de pessoas e os constantes

desafios associados à função. Observamos, ainda, que os consultores têm plena

consciência de que a promoção a sócio certamente implicaria em um desequilíbrio

ainda maior da vida pessoal. De fato, essa constatação localizaria a expectativa

de carreira dentro do modelo industrial.

Por outro lado, podemos identificar pontos que nos levam a crer que a

expectativa de carreira do consultor deve ser associada ao modelo pós-industrial,

como por exemplo o fato de assumir a responsabilidade sobre seu

desenvolvimento dentro da consultoria (Altman e Post, 1996). Ele próprio deve

desenvolver sua carreira através da busca de novas experiências e habilidades, e

de uma postura pró-ativa frente aos desafios (Kanter, 1997). O sucesso do

passado não necessariamente garante um bom desempenho no futuro; dessa

forma, o consultor deve gerenciar sua próprio desenvolvimento profissional.

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Considerações Finais

Finalizando, podemos considerar, a partir do relato dos entrevistados e de

toda a análise e conclusões anteriormente discutidas, que as características do

trabalho e perspectivas de carreira dos consultores de grandes firmas estrangeiras

de consultoria de alta gestão nos remetem ao Modelo Pós-Industrial, salvo a

questão relacionada à expectativa de encarreiramento interno, onde observamos

também uma aproximação dos conceitos disseminados pelo Modelo Industrial.

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6) Recomendações para pesquisas futuras

Este trabalho investigou as características do trabalho dos profissionais de

grandes firmas estrangeiras de consultoria, especificamente no que se refere ao

contrato psicológico, à remuneração, à expectativa de carreira, e à estrutura das

empresas onde trabalham. Nossa conclusão foi que, em linhas gerais, o consultor

representa o Modelo Pós-Industrial de trabalho, revisado no referencial teórico.

Uma primeira sugestão para futuros trabalhos seria analisar a visão de ex-

consultores sobre o mesmo tema; nesse caso, poderíamos confrontar os pontos

de vistas dos consultores ativos aos ex-consultores, e entender com mais

propriedade questões importantes na carreira, como o contrato psicológico e o

desequilíbrio entre a vida pessoal vs vida profissional.

Outro enfoque seria, a partir do mesmo referencial teórico, entrevistarmos

duas amostras distintas. Uma delas composta de consultores menos experientes,

e outra de consultores mais experientes, com mais tempo de consultoria. Neste

caso, poderíamos observar os efeitos da experiência do consultor e da própria

cultura de valores reforçada pela consultoria na visão sobre as características do

trabalho e perspectivas de carreira.

Uma última sugestão, seguindo a mesma linha da comparação com base

na experiência em consultoria, seria um estudo comparativo entre consultores

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homens e mulheres, nesse caso mais focado nos impactos do ritmo de trabalho da

profissão na vida pessoal e na própria expectativa de carreira interna.

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