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Personagens da alvorada Luis Enrique Sam Colop (07/12/1955 - 15/07/2011)
Sam Colop foi um dos mais importantes
intelectuais maias do século XX. K'iche' de Cantel,
Quetzaltenango, Guatemala, nascido em 1955,
falecido em 2011. Se formou advogado e
posteriormente acabou doutor em linguística com
um trabalho sobre poesia maia. Durante anos, foi
uma legítima voz maia no maior jornal do país, e
chegou a escrever a maior parte de alguns artigos
em sua língua materna, k'iche'.
Contudo, sua maior contribuição ao povo
guatemalteco foi de fato sua tradução poética do
Popol Wuj, conhecido como o "livro sagrado" maia
k'iche'. Em um contexto político conturbado como
o de hoje dentro do que são os embates em torno
da identidade maia, com tantos interesses
diferentes, é curioso observar que nunca,
absolutamente, recebi qualquer critica negativa
acerca de sua pessoa ou de sua edição do Popol
Wuj. Ao contrário, todos que o conhecem tratam
sua tradução como um verdadeiro tesouro.
Acadêmicos estrangeiros com traduções
aclamadas internacionalmente, como Dennis
Tedlock, lhe rendem homenagem e tratam sua
obra como "a melhor" e "a mais exata" edição do
Popol Wuj já publicada, graças ao profundo
entendimento linguístico e poético de Sam Colop,
que afinal de contas nunca deixou de ser um
nativo k'iche' de berço e língua, e que deixou
muita contribuição a todos aqueles que tanto
prezam os estudos maianistas. Por essa razão,
Sam Colop, morrendo aos 56 anos, deixou a
impressão de que fez muito e partiu cedo. Como
bem disse Francisca Gómez Grijalva:
"En su última reflexión publicada el día 15
de julio del 2011, nos habló de los caminos
verdes, verdes veredas donde se encuentra la
esencia de sus incansables luchas, las letras vivas
de la mitología y la historia del pueblo maya, que
él auscultó y compartió a través de sus escritos y
conferencias. Su obra magna, el Popol Wuj, con
sus 411 anotaciones, aclara hechos lingüísticos,
sociológicos, antropológicos y filosóficos que son
de utilidad para los procesos de descolonización y
un claro desafío para los pueblos maya, garífuna,
ladino y xinka. Finalizo estas reflexiones con algo
exclusivo de sus escritos:
E ajsu’/ e ajb’ix/ e ajpu/ ajtz’ib,/ e
naypuajk’ot/ e ajxut, / e ajpuwaqxe’uxikri jun
Batz’/ Jun Chowen.
En flautistas,/ en cerbataneras,
cerbataneros/ escritoras, escritores,/ así mismo
en escultoras, escultores,/ en orfebres del jade/
en orfebres de la plata se constituyeron Jun Batz’
y/ Jun Chowen”.
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E o ciclo de 2012? Por Thiago Cavalcanti
Não faz sentido falar em ciclo de 2012. Ao
menos que se fale em fé, esperanças. Quando o
assunto é calendário maia, não faz sentido. É de
fato muito estranho que a grande maioria dos
"especialistas" em calendário maia simplesmente
se omita a respeito do problema das correlações.
A conta longa, de onde vem o tão falado ciclo de
2012 (ciclo de 13 Pik), até onde se sabe não foi
mantida por nenhum nativo, mas sim resgatada
pelos acadêmicos. As teorias que elaboram
métodos para correlacionar a conta longa ao
calendário juliano ou gregoriano (utilizados
historicamente na Europa) são inúmeras,
entretanto a teoria que marca o fim do ciclo para
21/12/2012 tornou-se a mais popular, por dois
fatores: alta adesão acadêmica e harmonia com a
conta de 260 dias mantida na Guatemala até os
dias de hoje.
Pra além disso, está claro que não há
qualquer profecia que fale em fim de mundo, e a
própria conta longa propicia contas de tempo
infinitas, de maneira que não existe um "fim do
calendário maia", no máximo fim de ciclos finitos,
dentro de um sistema de conta ciclos infinitos. Os
únicos registros antigos que citam o fim do ciclo
de 13 Pik (que, graças ao problema das
correlações, não podemos precisar com certeza
absoluta a data equivalente no calendário
gregoriano) apontam para um uso simbólico e
político importante: trata-se de um ciclo
completo, que engloba todas as combinações
possíveis entre o ciclo Pik (144.000 dias) e o ciclo
Tzolk'in (de 260 dias), de modo que 4 Ajaw volta
a coincidir com um ciclo Pik a cada 1.872.000
dias ou 13 ciclos Pik. Politicamente, uma data
com essa importância foi usada mais de mil anos
no passado, para dizer que nesse importante ciclo
sua cidade permaneceria, sua linhagem ainda
reinaria, sua memória ainda estaria viva.
Estavam certos, mas parecem poucos
realmente interessados na sua memória,
enquanto a maioria parece mais interessada nas
especulações e vai fazer do ciclo de 2012 uma
grande folclorização mundial que, travestida de
maia, será a palhaçada que precede o recomeço
para aqueles que realmente pesquisam e vivem o
calendário e a cosmovisão maia e
mesoamericana.
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2012: o ano em patrimônio maia veio ao museu brasileiro... Por Thiago Cavalcanti
Em janeiro de 2012, quando estive na
Guatemala, tomei conhecimento de uma
exposição que contaria com peças maias pré-
invasão espanhola e tecidos contemporâneos, e
que viria a ocorrer no Centro Cultural Banco do
Brasil (CCBB); melhor ainda, começaria
justamente pelo Rio de Janeiro, favorável à
minha visita. Tive a possibilidade de conversar
com pessoas que viram mais de perto a ideia e a
exposição ganharem vida. A exposição, chamada
Rabin Ajaw, parecia promissora. Termo
traduzido como "a filha do rei", Rabin Ajaw é um
título maia tradicionalmente concedido em um
festival cultural anual em Cobán, Guatemala.
Trata-se de uma liderança feminina eleita e
coroada Rabin Ajaw e "rainha indígena nacional".
Neste festival, as candidatas, muito mais do que
seu corpo, mostram sua consciência e a beleza
de seus tecidos, dos tecidos e da cultura de seus
povos refletidos em seus rostos.
Parecia de fato uma exposição bem
interessante, pois apenas de uma coleção da
Guatemala viriam cerca de 34 peças da
Guatemala, entre elas 32 peças cerâmicas pré-
invasão e um traje cerimonial contemporâneo
completo (com camisa e calça). Parecia. As
coisas foram ficando complicadas na medida em
que o dinheiro necessário para trazer essas peças
não foi repassado. Parece que não foi a
prioridade do "curador", que ganhou um edital e
montou a exposição. Houve um esforço desde a
Guatemala para que as peças ocupassem seu
lugar na exposição em pleno centro carioca, mas
isto acabou não sendo possível. Lastimei muito,
pois eu teria a possibilidade de acompanhar
"montagem" dessas peças antigas nos espaços
reservados no imponente prédio do Banco do
Brasil.
Ainda assim, a exposição continuava sendo
uma oportunidade única: de um jeito ou de
outro, alguns pedaços do que eu gosto de
conhecer e estudar estavam ali, ao alcance dos
olhos e das mãos. O quadro melhorou quando
tomei conhecimento de que um grupo cultural e
teatral maia estaria na UNIRIO. Era justamente o
grupo que participaria também da abertura e da
primeira semana da exposição no CCBB. Eu havia
recebido a informação, já em janeiro, de que um
grupo cultural também participaria da primeira
semana, mas por falta de alcance de articulação
aquilo havia ficado de lado. Fui até a UNIRIO no
dia marcado e foi uma experiência muito
interessante. O grupo, chamado Sotz'il Jay, em
especial dois ou três de seus integrantes, foram
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muito atenciosos comigo, dentro da medida do
possível. Eu gostaria de ter estado com eles e
feito um pouco de "trabalho de campo": agora,
mais do que objetos, estávamos falando das
pessoas que eu só teria acesso indo à Guatemala.
Mas isso não foi possível ao longo daquela
semana, pois eles estiveram muito ocupados e eu
não consegui de fato estar com eles como
gostaria e construir assim um contato mais
efetivo com o grupo. Eles realizaram pelo menos
quatro apresentações apenas no CCBB, incluindo
a abertura (montada no hall central do CCBB) e
uma versão mais completa da performance ritual
e teatral na sala de teatro repetida ao longo da
primeira semana. Estiveram também em pelo
menos mais um ou dois lugares, além do CCBB e
da UNIRIO, realizando até mesmo oficinas de
instrumentos musicais, o que não pude
acompanhar por conta dos horários.
Isto posto, permito-me agora tecer críticas à
exposição propriamente dita. Não há outra
palavra para descrever minha experiência: fiquei
horrorizado e vi, no campo, aquilo que já havia
estudado em antropologia da arte: aquilo era
uma ruptura completa com a descrição
etnográfica das peças expostas. Todas as peças
expostas eram tecidos. Não havia nenhuma
informação sobre nenhuma delas ao lado de onde
estavam expostas. Aquilo pareceu-se de fato
com o que podemos definir como "paradigma
artístico" na museologia, em que "menos
informação" é "peça mais valorizada
artisticamente". Percebi que os interesses por
trás daquela exposição eram absolutamente
opostos aos meus. Dividida em duas salas, na
maior delas encontrava-se algo em torno de 30
tecidos diferentes, talvez. Nessa sala, ainda
havia alguns breves textos da curadoria, um
monte de número "2012" na parede, um estilo
meio futurista e que levava até uma pequena
antesala onde eram exibidas imagens da
Guatemala e um pequeno vídeo de promoção da
exposição que contou com especialistas
importantes da Guatemala, vinculados por
exemplo ao Museo Ixchel, que é voltado para os
tecidos maias e aparentemente participou e
eventualmente deu alguma espécie de
consultoria para a realização da exposição. Na
outra sala, onde estariam as cerâmicas, um
imenso vazio. Apenas um grande tecido
horizontalmente pousado sobre um suporte, uma
espécie de pôster com imagens das cerâmicas e,
em ambos os lados, rostos de habitantes da
Guatemala.
O vídeo, a propósito, merece elogios. Nele
está um pouco das ideias que, a meu gosto,
deveriam estar mais explícitas na exposição, e
não num vídeo de 15 minutos que poucas pessoas
viram. No vídeo, os especialistam apontam: os
tecidos são "fios de identidade". Isto é, existem
diferentes comunidades linguísticas maias.
Apenas na Guatemala, existem 22 delas. Cada
uma delas faz o tecido e se veste de uma
maneira própria. Até mesmo dentro de uma
dessas etnias observa-se diferenciação dos
tecidos e símbolos dependendo de sua
comunidade local. A partir do momento em que
a curadoria escolheu não dizer isso, não trazer as
informações sobre cada peça, como um
pertinente texto dizendo de onde veio, quando
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foi feito, representa qual etnia, quais símbolos
estão ali... Eu simplesmente não posso ter
gostado da exposição. Serviu mais para
reproduzir a ideia do ciclo de 2012 e também
não fez questão de dizer: não existe exatamente
"os maias". Existem muitas etnias maias, muitas
línguas maias, e portanto existem maias que não
se entendem, que podem ser mais diferentes até
do que um brasileiro do extremo sul seria do
brasileiro do extremo norte. Eu poderia encerrar
minha crítica aqui: tudo pareceu-me reproduzir
um lugar-comum em relação aos maias, falsas
ideias de unidade e de expor aquilo que
brasileiro quase nenhum conhece sem nenhuma
introdução satisfatória e contextualização sobre
como podemos pensar essas peças, para além da
mera "arte" do colecionador eurocêntrico que
põe tudo em qualquer lugar e sem fazer a
contextualização etnográfica daquelas peças que
vieram de culturas diferentes.
Os textos da curadoria escolhidos para
compor o espaço principal da exposição
poderiam ser bem menos sensacionalistas. O
apelo à coisa do "fim do mundo", e usando o
termo de "prazo fatal" para se referir a
21/12/2012, apenas ajuda a explicar o apelo
imagético ao número "2012" espalhado na
parede. Parecu-me mais um folclore vulgar, um
engodo apoiado pelo governo da Guatemala.
Sucessivamente o governo da Guatemala vem
sendo acusado de manipular e mistificar o que é
"maia". Eu próprio vi, em pessoa, no palácio
nacional, o atual presidente praticamente
implorando a diplomatas que tragam seus
turistas em 2012.
Terá sido coincidência essa exposição ser tão
fraca, tendo apoio do governo da Guatemala e
explorando a coisa do 2012? Na verdade, o 2012
é explorado, pelo governo da Guatemala, como
uma excelente oportunidade turística, e seus
projetos são executados sem um real contato
com as comunidades maias de base. Exposições
desse tipo servem, também, para promover o
país fora e atrair mais os turistas: especialmente
quando o ciclo de 2012 ganha destaque e o ar de
"aproveite enquanto há tempo" paira no ar.
Resumindo: visite a Guatemala! Seja uma das
sardinhas nos nossos sítios arqueológicos em
dezembro de 2012.
Fiz o recorrido da exposição com um dos
maias do grupo, e o entedimento dele foi
exatamente o mesmo que o meu: querem vender
o que é maia como arte, querem folclorizar (num
mau sentido) para lucrar em cima da identidade
maia. E preferem ignorar as lutas maias nos dias
de hoje, segundo ele, reduzindo o maia
contemporâneo quase a um "bom selvagem", que
nem carece de diferenciação: "é tudo maia
mesmo". Bem, penso que ele tem razão, e minha
postura em relação à museologia que quer
"empurrar goela abaixo" toda arte de outras
culturas a partir de uma ideia de quem não
explica nada e quer induzir à apreciação
puramente estética (e geralmente vazia e
subjetiva) de peças com significado muito mais
profundo.
Parabéns CCBB, parabéns governo do Brasil,
parabéns governo da Guatemala: vocês
conseguiram fazer da exposição Rabin Ajaw algo
muito pior do que eu, enquanto jovem
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pesquisador independente, conseguiria fazer.
Ah, se as cerâmicas tivessem vindo? Que pena,
não seriam bem usadas também: elas tinham
sido escolhidas também mais pelo apelo artístico
do que para construir um sentido. Não havia
nenhuma cerâmica ligada ao calendário: a
abordagem ao calendário limitaria-se, ainda
assim, à especulação em torno do 2012, e as
cerâmicas estariam desconexas, assim como
estiveram os tecidos. Não faço ideia de onde são
os tecidos que foram expostos, nem o catálogo
da exposição (lançado tardiamente) traz essa
informação. A coleção de onde vieram?
Principalmente: quem fez cada tecido e que
significado eles têm? Por acaso alguns foram
vestidos por algumas mulheres que já receberam
o título de Rabin Ajaw? Seria o mínimo a se fazer
pra que a exposição não ficasse absolutamente
solta. Se não fosse o vídeo com especialistas
falando e o grupo cultural maia na abertura, a
exposição teria perdido tudo de interessante:
sem isso, a exposição seria apenas a mostra de
pedaços de pano livremente expostos ao olhar
ocidental e leigo, que não teve qualquer
possibilidade verdadeira de se aproximar do
mundo maia. No fim, parece que reinaram os
interesses pessoais da curadoria e os principais
articuladores brasileiros junto a ela... Mas sobre
isso eu próprio nunca poderei falar, apenas
depois de ouvir como eles justificam tamanho
descaso com a cultura maia. Claro que, no fim,
não é algo que eu possa realmente esperar que
aconteça. E assim seguimos, contra as
representações equivocadas dos maias, que
nesse caso infelizmente contou com verba
pública do Brasil e da Guatemala e fez um
trabalho precário, mal preparado.
Muitas outras críticas e detalhes poderiam
ser comentados sobre as circunstâncias que
envolveram essa exposição, mas por agora é
suficiente para dizer: há gente no Brasil de olho
nas representações dos maias que são vendidas
em nossas praças e pela internet.
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Qachak Qapatan Ri qab’antajik Ajq’ijab’
Nab’e. Por Ajq’ij Apab’yan Tew
Tradução de Maristela Zancan
Há vários anos, quando ainda usava atender
convites de grupos dedicados à ‘espiritualidade’
-grupos em realidade urbanos e compostos por
pessoas de distintas ‘tradições’ e correntes,
profissões e idades-, recebi uma carta muito
amável onde me faziam partícipe de um evento
extraordinário.
Papel fino, impressão impecável. Dizia ali que
‘Chefes e Autoridades de diversas nações
indígenas’, se reuniriam em certo lugar
‘energético’ para falar de cosmovisões nativas e
‘unificar’ entre todos, um critério de ação para
desenvolver estratégias de luta que, como
irmãos e filhos do Sol, se deviam empreender
já, contra o embate nocivo das sociedades
industrializadas. Sim, hei de dizer que estranhei
um pouco a afirmação de ‘filhos do Sol’ e
também, outro tanto, estranhei a leitura de que
‘Chefes e Autoridades’, cuja identidade não
aparecia em nenhum lado, iriam, esta vez sim,
falar em nome de seu povo.
“Os fundos arrecadados serão doados a povos
indígenas”.
Cosmovisão. Por tudo se escuta agora,
cosmovisão. Está em todas partes quando se
fala dos Maias. Quando se fala das nações
originárias. Quando se fala de profetas e chefes
anciãos, líderes, atores ativos ou passivos a
quem não se tem dado a oportunidade de falar
cabalmente. Cosmovisão soa grave. Latente. É
uma palavra que parece vir acompanhada de
histórias de fundação, chocalhos, tambores e
piras cerimoniais com espíritos rondando e
falando somente aos escolhidos para transmitir
uma mensagem trascendental. ‘Cosmovisão
indígena’, agora, enche fóruns inteiros.
Imediatamente declinei, rechacei o convite
por telefone. Recebi outra carta por correio
privado, poucas horas depois. “Necessitamos a
voz dos Maias”, insistia. Por fim, acreditei nela.
Mesmo agora, tempo depois, não tenho nada
contra ninguém e cada ação possível, na
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interação humana, poderia ser um novo laço de
entendimento global e um novo laço
encaminhado a diversos propósitos, sejam estes
pessoais ou, melhor, interperssoais. Cândido,
neutro, assisti.
Não direi onde nem com quem estive.
O amanhecer foi espetacular como o são
todos, e antes do nascer do Sol já cantavam,
falavam e murmuravan os irmãozinhos, muitos
deles nos galhos de uma árvore pequena,
localizada exatamente atrás de onde eu havia
me hospedado. Me tocou estar na ala sul de
uma imensa construção feita no meio do
deserto. Fazia frio ali, mas isso não importava
minimamente nem a mim, nem aos passarinhos
da árvore, nem aos cozinheiros e ajudantes.
Algo sim me era estranho: onde haviam
hospedado aos ‘Chefes e Autoridades’?
Evidentemente, tinha ganas de dialogar
amplamente com eles.
Devo esclarecer aqui que, quando chegamos
todos, horas atrás, ninguém pôde ver grande
coisa e realmente ninguém pôde olhar tudo. A
chegada da noite nos havia impedido de fazer
qualquer saudação a outros. Uma terceira
carta, entregue no momento, nos indicava onde
devíamos pernoitar. Segui as instruções que
foram atribuídas e, por educação, já não fiz
mais nada. No meu quarto, limpo, simples, abri
minha maleta e agradeci por minha viagem e
boa chegada antes de dormir.
No entanto, com muito pouca luz, quando
cheguei, calculei a dimensão das diversas áreas.
Havia uma casa central, como uma cabana,
construída em madeira, muito bem feita ao
centro. De lá , servindo como núcleo, havia uma
ala norte, uma ala sul, e se notava um espaço
extra, bem mais atrás, que parecia servir de
adega.
Nasceu o Sol. Grande Pai. No meio de um
deserto, começava a ser difícil pensar que nos
abrigava, na verdade nos queimava. Cada um de
seus bigodes nos tocava muito forte, e vi que
incomodava a todos, menos a mim. Havía, na
vasta esplanada da construção no meio do
deserto, poucas árvores para se ficar à sombra.
Ali talvez, poderia encontrar os possíveis chefes
e autoridades, mas tinha que respeitar a uma
agenda, um plano e um programa a seguir.
Assim, não perguntei nada.
Chegou a hora. Saíram a maioria das pessoas
de seus refúgios e, para facilitar a
apresentação, grandes nuvens començaram a
girar sobre nós. Eram nuvens enormes, mas um
pouco dispersas, e com um pouco de Vento alto,
começaram a juntar-se. Como se conversassem
entre si, se juntavam cada vez mais, para se
escutarem melhor. Horas depois do discurso de
boas vindas, as nuvens já estavam bem
juntinhas, formando uma massa uniforme que
começava a escurecer, como se sua conversa
fosse um grande segredo.
Finalmente apresentaram os chefes e
autoridades –até aquele momento, não sabia de
onde chegaram. “Native indians”, enfatizaram.
Um a um , menos o Maia no meio da multidão,
falaram de sua causa, de suas coisas. Citaron
saber a quién, a saber quiénes y a saber a
cuántos mas, lá em cima, nas nuvens, já se
havia formado uma tormenta.
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Vai chover, senti. Vai chover bem forte.
Seguiram os discursos. O Céu começou a
falar, mas ninguém lhe dava atenção.
Palavras de amor e virtude, eram mais fáceis
de entender e negligenciar lá, no pódio. No
Céu, serpentes estelares iam e vinham do sul
ao norte, mas só se via sua luz, não havia
nada mais. Estava tudo em silêncio.
Finalmente chegou minha vez. Os chefes e
autoridades já estavam cansados, todos já
com fome. Todos já em desolação e insolação
depois de escutar duramente que sim, sim, há
que se lutar, sim sim, há que se unir, que sim,
sim, há que pensar que todos somos irmãos,
que sim, sim, se deve construir um mundo
melhor.
Falou o Céu antes que eu e antes que me
dessem um microfone. No meio do chaparral
desértico, uma voz forte, grave e metálica
que fez vibrar a Terra, caiu muito perto, atrás
de nós todos. Dali mesmo, um Vento suave
começou a sulcar entre os arbustos próximos.
Repentinamente a luz do dia não era a
mesma. A Terra não era a mesma. Os
irmãozinhos presentes desde o amanhecer, já
não cantavam, nem falavam, nem
murmuravam, nem sequer haviam voado
cerca de algumas horas atrás.
E então, a apresentadora do programa disse
apressadamente aos chefes e autoridades,
emplumados e barbudos, kaxlan y ladinos em
si: -chegou até nós, pela primeira vez, a
Palavra de um grande chefe Maia. Chegou até
nós a Palavra de um representante de uma
grande nação que nos deu as mais claras
profecías. Uff!, -até agora o dizes, pensei e
me recriminei. Ela falava com ganas de
acabar logo, já que a chuva começava a cair
com gotas cada vez maiores. –Chegou para
nos falar um grande indigente Maia!, gritou
com euforia.
Um grande indigente Maia!, repetiu, como
que esperando aplausos.
Uma pessoa da equipe, surpreendida, a
corrigiu soprando em seu ouvido: -não se diz
indigente, se diz indígena. E, para surpresa de
alguns, iniciadas e iniciados e seres de luz,
chamãs e curadoras, a apresentadora
respondeu muito brava por ter sido corrigida:
-mas não é o mesmo?
…
A chuva, antes tímida, agora chegou
acompanhada de fortes rajadas de Vento e pó
e luz em violência. Começaram a inundar todo
espaço possível, quiseram e se deram a gana
de grudar em toda roupa cerimonial, em toda
pluma, em todo exótico penteado. Voaram e
rasgaram tudo o que puderam, e empurraram
a chefes e autoridades kaxlanes e ladinos
maquilados de índios, até muitos refúgios.
Isso sim, eles, por indicação de uma carta
especial reservada aos ‘principais’, não
ousaram ir até a cabana central, não ao
epicentro do centro, centro. Não ao núcleo.
Ali se estava contando o dinheiro.
O indigente e indígena Maia -que para eles
vinha sendo o mesmo-, deixou o microfone de
lado. Não havia objetivo. Não havia com
quem falar, todos já tinham ido. De viva voz e
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a partir da minha cosmovisão, me tocou
agradecer o momento, a Luz e a Escuridão
intermitentes. O Vento e a Tormenta. O Vento
e o Frio, a Nuvem e a Neblina que nos fazem
sempre possíveis.
-“Maltiöx b’a la KajUlew”, ‘agradeço a ti Céu
Terra’, disse em voz alta. E essa foi toda
minha participação. Na manhã seguinte, parti
por minha própria conta.
Copyright ©Apab’yan Tew
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Glossário sobre termos de Espiritualidade Maia da Guatemala
Por Julio David Menchú Cruz Tradução de Maristela Zancan
Ajaw:
Deus, que é Criador e Formador, que é
dualidade e dividiu seu coração em dois para
estar conosco, os humanos: Uk'u'x kaj (Coração
do Céu), Uk'u'k Ulew (Coração da Terra).
Ajq’ij:
Guia espiritual maia, literalmente o que leva a
conta dos dias. No plural, Ajq’ijab’.
É a pessoa que serve como intermediária entre
Ajaw, a natureza e a pessoa, que exerce sua
função como tal, de maneira nata e inata, em
benefício da coletividade.
Altar Sagrado:
O espaço ou circunscrição física onde se realiza
o ato cerimonial como manifestação de fé e
espiritual do ser humano, localizado nos lugares
sagrados
Cacau (Theobroma cacao L):
Bebida cerimonial que se prepara tostando em
uma chapa ou frigideira as amêndoas de cacau,
em seguida moendo-as na pedra, e logo se
prepara uma infusão. Se deve esclarecer que
não é chocolate, mas uma bebida muito forte e
amarga. Também se usou o cacau como moeda,
e cada Cidade-Estado mantinha o monopólio
sobre a produção do mesmo. Nas cerimônias se
usa para queimar no Nahual Toj para pagar as
multas e fazer oferendas.
Cerimônia Maia ou Xukulem:
Forma de aproximar-se de Ajaw Criador e
Formador, constitui o rito litúrgico por
excelência dos maias. Pode ser por meio da
queima de resinas, velas e oferendas em poços
naturais ou rios. Estas podem ir acompanhadas
ao som de marimba, de tun (espécie de
tumbadora escavada em um tronco de árvore),
de chirimía (flauta doce típica da região maia) ,
de caracol (grande concha usada como
instrumento de sopro que produz um assovio),
de tambor, de harpa e de violino, por ser parte
integral das cerimônias.
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Cholq’ij ou Tzolkín:
Este calendário Cerimonial ou sagrado
relacionado com os movimentos da Lua, tem um
ciclo de 9 meses, ou 260 días. É usado
atualmente pelos Ajq’ijab’, para fazer a
recontagem dos dias sagrados com base nos 20
Nahuales ou energias combinadas com os
numerais de 1 a 13.
Chol’ab ou Ab:
Ano solar de 365 dias, composto por 18 meses de
20 dias, mais um último mês de 5 dias chamado
Wayeb. Este calendário está ligado às atividades
agrícolas, que traz a conta dos períodos das
estações, os ciclos de chuva, a época de
semeadura e colheita do milho sagrado como
alimento dado pelo coração do céu e da terra;
os ciclos de caça, pesca. Também para fazer o
controle de pragas e doenças nas colheitas.
Choltun ou Conta Larga (Conta Grande?)
Sistema que conta o passar do tempo
continuamente desde uma data de início. Os
maias clássicos, nossos antepassados,
mantinham uma perfeita contagem do tempo,
usando seu sistema da conta larga, combinando
os dois diferentes calendários acima
mencionados. A Conta Larga iniciou
aproximadamente há 5.000 anos, na data de 4
Ajpu, 8 Kumku, equivalente a 11 de agosto de
3114 A.E.C, e que se repetirá em 21 de
dezembro de 2012, que marca o fim de um
grande ciclo e o começo de outro.
É composto por:
Qi’j : 1 Dia (24.017 horas)
Winaq ou Uinal: 20 Q’ij (20 dias ou 1 mês
Maia)
Tun: 18 winaq (360 dias ou cerca de 1
ano [menos 5 dias de um dos nossos])
Katún: 20 Tuns (7.200 dias ou cerca de
20 anos [19.73 dos nossos])
B’aqtun: 20 katuns (144.000 dias ou
cerca de 400 anos [394,52 dos nossos])
Cosmovisão maia:
Forma de ver o mundo a partir da perspectiva
dos maias, e o traço mais importante da
mesma, pois tudo está relacionado e
amplamente unido no universo; tudo depende de
tudo, e portanto merece respeito.
Chuch-ajaw:
É a pessoa que é o pilar da comunidade, ele é
Ajq’ij dos Ajq’ijab’, é eleito pela comunidade
para ser o seu guia espiritual , ainda que hajam
outros Ajq’ijab’, este constitui a autoridade
legítima.
Ixim:
Milho sagrado (zea mays), do qual fomos feitos.
São 4 cores que temos presentes no nosso corpo:
Vermelho no nosso sangue; Negro em nossos
olhos e cabelos; Amarelo em nosso sistema
linfático e gordura corporal; Branco nos nossos
ossos e dentes. Também representa as cores dos
quatro povos do mundo.
Jun-Winaq:
Ser humano integral
14
Kamal be’:
Ajq’ij ou Guia espiritual, normalmente é o
ancião principal de uma comunidad que
comanda e enche de sabedoria as novas
gerações, é digno da confiança da comunidade.
Em geral são os presidentes das associações
e/ou agrupações.
Lugar Sagrado:
Os sítios, monumentos, parques, complexos ou
centros arqueológicos, que constituem espaço e
fonte de energia cósmica e natural, de vida e
sabedoria, para a comunicação espiritual do ser
humano com o Ser Supremo ou Ajaw, e sua
convivência com a natureza, para o
fortalecimento e articulação do presente com
passado e futuro.
Mam:
Avô.
Mam ou carregador (sustentador?) do ano:
Nahual que tem a responsabilidade de trazer e
conduzir o ano sobre seus ombros. Conhecido
como Avô, autoridade, Mam, B'acab’,
Administrador, Governador (não no sentido
ocidental), o Carregador (Sustentador?), e no dia
em que cai o Nahual se celebra o primeiro dia
do ano. Na maioria dos povos na Guatemala são
quatro os Nahuales ou carregadores , que se
sucedem um a cada ano, e coincide com a
energía de quatro Nahuales: E (caminho), Noj
(sabedoria), Iq’ (vento), Kej (Veado).
O dia no calendário gregoriano se irá
modificando na medida em que se tenha que
fazê-lo para coincidir com a energía do Nahual,
porque não existe ano bissexto no calendário
maia. O dia do Nahual carregador em 2012 foi
22 de fevereiro, nos próximos anos será no dia
21 de fevereiro, 20 e assim sucessivamente.
Sempre deve coincidir com a ordem dos
Nahuales indicados. Este dia começa em Zero
Pop, ou primeiro dia do ano. (ver meses maias)
Meses maias
Os meses no calendário maia são constituídos
por 20 dias, um por cada dia do calendário
cerimonial, quer dizer, o mês tem 20 dias e cada
mês tem somente um dia com o mesmo nome.
Cada nome do mês corresponde a uma
característica própria de cada mês. O ano tem
18 meses de 20 dias, o que equivale a 360 dias;
mais um mês de 5 dias para completar o ciclo de
365 dias. Se conta de zero a 19 para completar
os 20 dias. Os dias dos meses se contam assim:
0 Kumku, 1 Kumku, 2 Kumku, 3 Kumku, 4
Kumku, 5 Kumku, 6 Kumku, 7 Kumku, 8 Kumku,
9 Kumku, 10 Kumku, 11 Kumku, 12 Kumku, 13
Kumku, 14 Kumku, 15 Kumku, 16 Kumku, 17
Kumku, 18 Kumku, 19 Kumku, 0 Wayeb’, 1
Wayeb’, 2 Wayeb’, 3 Wayeb’, 4 Wayeb’.
Os nomes dos meses do calendário em maia
yucateco são: Pop, Uo, Zip, Zotz, Zec, Xul,
Yaxkin, Mol, Chen, Yax, Zac, Ceh, Mac, Kankin,
Muan, Pax, Kayab’, kumku e Wayeb’. Este é o
sistema menos usado.
Milpa:
15
Sistema de agricultura que é usado para não
desgastar a terra, semeando milho, que
consome muito nitrogênio, feijão (leguminosa)
que devolve o nitrogênio à terra e a moranga
verde, que nivela o potencial de hidrogênio da
terra; pode-se semear também na milpa a
pimenta, que funciona como fumigante natural.
Isso constitui a dieta básica na Mesoamérica.
Nahual, Nawal, Q’ij alaxïk, wäch q’ij:
O Nahual é o Espírito ou a Energia que
acompanha os dias do calendário Cerimonial
Cholq´ij. Tem representações nos elementos da
natureza, animais ou elementos. Vai
acompanhado de um número que precede o
Nahual e este indica a quantidade de energia ou
força que acompanha a pessoa nascida neste
dia. Por exemplo: •| Aj (6 junco). Pode buscar
seu Nahual ou informação em:
www.losnahuales.org
Pixab’ em k’iche’ e pxa´ em kaqchikel:
Reunião de aconselhamento que se pratica nas
comunidades, onde se transmitem
conhecimentos das avós e avôs, as anciãs e
anciãos, e as mães e pais de família, os quais
baseados em sua experiência e sabedoria
fundamentam os princípios e valores da
comunidade. Nela normalmente participam os
maiores de 52 anos, devido ao compromisso que
se adquire com esta idade nos âmbitos pessoal,
familiar e comunitário. O pixab’ também se usa
quando há decisões comunitárias a tomar.
Popol Wuj
Livro Sagrado da Espiritualidade Maia. Traduzido
literalmente significa “Livro do Conselho”,
“Livro da Sabedoria” e é conhecido como o Livro
das antigas histórias dos K’iche’s. As melhores
traduções já realizadas são: “Pop Uuj” de Don
Adrian Ines Chavez e “Popol Wuj”, tradução ao
espanhol e notas de Sam Colop, de FyG Editores.
Rabinal Achí ou Xajooj tun (Baile do Tun):
Dança-drama prehispânica que conserva seu
sentido original sem a mistura própria do
catolicismo, ainda que seja encenada em uma
festa cristã, entre 12 e 25 de janeiro, em
Rabinal,no dia da Conversão de São Paulo. É
dançada no átrio da Igreja. O relato na obra se
situa em um momento de conflito entre os
Rabinaleb e os K’iché, duas entidades políticas
importantes dentro da região e época.
Rijlaj Mam ou Maximón (-O Grande Avô)
Divindade ancestral, tão antigo como a
existência dos povos originários. O Grande Avô
foi criado pelo Coração do Céu, pelo Coração da
Terra, pelos Criadores e os Formadores, em um
momento singular da criação do universo, da
humanidade. Comumente é chamado de São
Simão, e este foi um método de resistência,
para poder seguir invocando sua proteção. Se
acredita que foi torturado e queimado vivo pelos
espanhóis no início da invasão espanhola em
Santiago Atitlán
Tuj, Chuj ou Tamascal:
Instalação na casa onde se pratica um banho ou
ducha de tipo ritual para a purificação. É um
banho necessário para as mulheres gestantes e é
praticado pelas terapeutas maias parteiras.
Wayeb´ (maia iucateco), Tz´api´q´ij (maia
k´iche´), Tz´apinq´ij (maia kaqchikel):
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Mês de 5 dias do calendário maia solar. Estes
dias são complementares para o tempo
astronômico, e para complementar o ciclo de
365 dias. São 5 días de reflexão, retiro e
meditação onde se pede perdão pelas faltas
cometidas no ano que termina e para pedir
sabedoria e proteção para o ano que começa.
Julio David Menchu
FINALMENTE UMA LEITURA CRÍTICA SOBRE MAIAS E 2012 ROMPENDO
COM O ACADEMICISMO NO BRASIL!
Por Thiago Cavalcanti, pesquisador independente em arqueologia e etnologia mesoamericana, discente de antropologia da Universidade Federal Fluminense
GRATUITO PARA DOWNLOAD EM:
WWW.CALENDARIOSAGRADO.ORG