perimetro urbano anapolis

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15ª Promotoria de Justiça da Comarca de Anápolis Defesa do Meio Ambiente e Urbanismo EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL, DOS REGISTROS PÚBLICOS E AMBIENTAL DA COMARCA DE ANÁPOLIS O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por meio de sua Promotora de Justiça, infra-assinada, titular da 15ª Promotoria de Justiça de Anápolis, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127 e 129, incisos II e III, 182 e 183 da Constituição Federal, no artigo 1º, inciso IV e VI, artigo 5º e 21 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), na Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e artigo 25, IV, “a” da Lei Federal nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR em face de: CÂMARA MUNICIPAL DE ANÁPOLIS, representada por seu Presidente, Vereador Amilton Batista de Faria, encontradiço na sede do Poder Legislativo, situado na Rua Barão do Rio Branco , 218, Setor Central, nesta cidade; MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS, representado pelo Prefeito Municipal, Antônio Roberto Otoni Gomide, encontradiço na sede da Prefeitura Municipal de Anápolis, na Rua Avenida Brasil, 200, Setor Central, nesta cidade; pelas razões fáticas e jurídicas a seguir explicitadas: 1

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Page 1: Perimetro Urbano Anapolis

15ª Promotoria de Justiça da Comarca de AnápolisDefesa do Meio Ambiente e Urbanismo

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL, DOS REGISTROS PÚBLICOS E AMBIENTAL DA COMARCA DE ANÁPOLIS

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por

meio de sua Promotora de Justiça, infra-assinada, titular da 15ª Promotoria de

Justiça de Anápolis, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com

fundamento nos artigos 127 e 129, incisos II e III, 182 e 183 da Constituição Federal,

no artigo 1º, inciso IV e VI, artigo 5º e 21 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil

Pública), na Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e artigo 25, IV, “a” da Lei

Federal nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), vem,

respeitosamente, à presença de Vossa Excelência propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE LIMINAR em face de:

CÂMARA MUNICIPAL DE ANÁPOLIS, representada por seu

Presidente, Vereador Amilton Batista de Faria, encontradiço na sede do

Poder Legislativo, situado na Rua Barão do Rio Branco, 218, Setor

Central, nesta cidade;

MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS, representado pelo Prefeito Municipal,

Antônio Roberto Otoni Gomide, encontradiço na sede da Prefeitura

Municipal de Anápolis, na Rua Avenida Brasil, 200, Setor Central, nesta

cidade;

pelas razões fáticas e jurídicas a seguir explicitadas:

1

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15ª Promotoria de Justiça da Comarca de AnápolisDefesa do Meio Ambiente e Urbanismo

SÍNTESE DOS FATOS

Os Vereadores do Município de Anápolis sem planejamento

prévio, estudos técnicos, projeto de lei específico de iniciativa do Poder Executivo e

sem a participação popular, por iniciativa própria, aprovaram a Lei Complementar

Municipal nº 264, de 19 de dezembro de 2011 que alterou a Lei Complementar

Municipal nº 130/06, que delimita o perímetro urbano do município de Anápolis, a

qual foi sancionada pelo Prefeito Municipal, permitindo, inclusive, a expansão em

área de preservação ambiental (APA do João Leite), sem considerar, ainda, o plano

de manejo da unidade de conservação.

I - DOS FATOS

Extrai-se do procedimento preparatório anexo, instaurado no

Ministério Público do Estado de Goiás a partir de representação formulada pelo

Sindicato dos Funcionários e Servidores Públicos Municipais de Anápolis, que o

Prefeito Municipal encaminhou à Câmara Municipal de Anápolis, no dia 07 de

novembro de 2011, o “Projeto de Lei Complementar n. 028/2011, de iniciativa do

Poder Executivo”.

Esse Projeto de Lei Complementar visava incluir “o

Loteamento Residencial América como Área de Especial Interesse Social – AEIS”,

visando “alterar a Lei Complementar nº 130, de 26 de outubro de 2006, que dispõe

sobre o perímetro urbano do Município de Anápolis, Estado de Goiás, e sobre as

AEIS – Áreas Especiais de Interesse Social”, sendo relevante, desde já, transcrever

os artigos da proposição do Poder Executivo:

Art. 1.° A Lei Complementar n.° 130, de 26 de outubro de 2006, fica

acrescida do item 77 à alínea b, do inciso I, do artigo 2.°, passando a

vigorar com o seguinte teor:

“Art. 2.° (…)

I - (…)

b) (…)

• Residencial América.”

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Art. 2.° A Lei Complementar n.° 130, de 26 de outubro de 2006, fica

acrescida do parágrafo único ao artigo 3.° com a seguinte redação:

“Art. 3º. (…)

Parágrafo Único. Será permitido a implantação de habitação coletiva nas

AEIS, desde que a área disponha de viabilidade de infra-estrutura básica

(água, esgoto, energia, pavimentação e drenagem), comprovada através

de documentação dos órgãos competentes e ficará condicionada ao

atendimento do disposto nas alíneas de a, b, c, d, i, j, l, m, n do art. 19 da

Lei n° 128/2006”.

Art. 3°. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. (fls. 207)

Na justificativa apresentada ao referido projeto de lei (fls.

206), restou consignado que a alteração “objetivava priorizar as famílias de baixa

renda”, haja vista que as áreas de especial interesse social (AEIS) são aquelas

destinadas primordialmente à produção e à manutenção de habitação de interesse

social, em conformidade com o Plano Diretor de Anápolis. Nota-se, destarte, que em

momento algum, no projeto de lei em destaque, o Chefe do Poder Executivo

mencionou alterações no perímetro urbano do município de Anápolis.

Na Casa de Leis, o referido Projeto de Lei foi autuado sob o

nº 172/2011 (fls. 264), onde, sob apreciação, foram apresentadas “emendas ” que

simplesmente se referiam à expansão do perímetro urbano do município de

Anápolis, sem que isto tenha constado da matéria original proposta pelo Poder

Executivo, sem quaisquer estudos urbanísticos de planejamento prévio, sem a

apreciação pelo Conselho Municipal da Cidade e pelo Núcleo Gestor de

Planejamento Urbano e Controle do Plano Diretor – NGPPD e participação da

população anapolina.

As emendas “modificaram” a redação do artigo 1º da Lei

Complementar Municipal nº 130/06, nos seguintes termos, acrescentando ao

perímetro urbano as áreas em destaque com sublinhado:

Art. 1º – Fica alterada a redação dos §§ 1º e 2º, do art. 1º da Lei Complementar nº 130, de 26 de outubro de 2006, passando a viger da seguinte forma: “Art. 1º (…)

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§ 1º – O perímetro urbano da cidade-sede do Município de Anápolis fica restrito a seguinte descrição: está contido dentro de uma linha pontuada de coordenadas numeradas progressivamente, que segue o sentido horário e inicia-se na extremidade oeste da cidade no Bairro da Lapa no cruzamento da Rua Bauru com a av. Marília, Ponto nº 01 daí segue pela divisa deste bairro contornando-a até encontrar a faixa de domínio da Av. Fabril, daí à esquerda e segue por esta faixa até encontrar a divisa da Vila Fabril, daí à esquerda e segue pela divisa desta vila contornando-a até a Rua São Vicente, daí à direita e segue por esta rua até o seu final, daí em rumo certo até encontrar o córrego Catingueiro, seguindo por este córrego até o Residencial Terezinha Braga, daí à esquerda e segue em rumo certo até encontrar o ponto de nº 02, daí a esquerda contornando a Gleba de terra da Sra. Maria Imaculada Garcia em rumo certo até o Ponto nº 03, em rumo certo até a divisa do Residencial das Palmeiras, no encontro da faixa de domínio da Rodovia ANS-15 – Anápolis/Souzânia – daí à esquerda e segue por esta faixa passando pela Nova Vila Jayara, Adriana Parque, Setor Residencial Jandaia, Setor Residencial Jandaia 2ª Etapa, Setor Escala, área não loteada e Residencial Dom Felipe no ponto mais ao oeste deste residencial, Ponto nº 04, daí à esquerda em rumo certo até o Ponto nº 05, daí a direita em rumo certo ao Ponto nº 06, daí a esquerda até o Ponto 06, daí a direita até o Ponto nº 06B, daí a direita e segue contornando o loteamento Residencial Aldeia dos Sonhos até área não loteada, daí a esquerda até encontrar o Jardim Guanabara, contornando esse bairro até encontrar a faixa de domínio da BR 153, daí à direita até o Ponto nº 07, daí à direita em rumo certo até o Ponto nº 07A, daí a direita até encontrar o Ponto nº 07B, faixa de domínio da Rodovia BR 153 até encontrar as Chácaras do Loteamento Jardim Guanabara, contornando este loteamento até encontrar a faixa de domínio da BR 153, daí à esquerda por essa faixa até o córrego Reboleiras, daí à esquerda seguindo por este córrego até o loteamento Sítios de Recreio Americanos do Brasil, Ponto nº 08, daí à esquerda contornando o loteamento Sítios de Recreio Recanto das Mansões até encontrar novamente a divisa dos Sítios de Recreio Americanos do Brasil, daí à direita e segue pela divisa destes outros sítios até a divisa das Chácaras de Recreio Mansões do Planalto, daí em rumo certo pela divisa destas chácaras até encontrar a Rodovia BR-414, daí à esquerda e segue por esta rodovia até encontrar a divisa do Bairro Santos Dumont, daí à esquerda e segue pela divisa deste bairro passando pelo Ponto nº 09, daí segue em rumo certo até o Ponto nº 10, daí à direita em rumo certo até o Ponto nº 11, daí à direita e segue pela divisa do Jardim da Promissão até o Ponto 12 (divisa com a estrada), daí à direita atravessando a Rodovia BR-414 até o Ponto nº 13, daí à direita em rumo certo até o Ponto nº 14, daí a direita em rumo certo até o Ponto 15, daí à direita seguindo pelo Córrego Olaria até encontrar a divisa do Residencial Monte Sinai 1ª Etapa até a Rodovia BR 414, daí à esquerda seguindo por essa rodovia até o córrego Reboleiras, daí à esquerda, seguindo pelo leito deste córrego até encontrar a divisa dos Sítios de Recreio Denise, daí à esquerda e segue pela divisa destes sítios até encontrar a divisa das chácaras Vale das Antas, daí em rumo certo pela divisa destas chácaras até encontrar o Ponto nº 15A, contornando a gleba de terras do Sr. Elias Mansur El Zayek até a divisa do Sítio de Recreio Jardim Boa Vista daí à esquerda e segue pela divisa destes sítios até encontrar o Ponto nº 16, em uma linha reta até o Ponto nº 17, do Loteamento Jardim Primavera 1ª Etapa, daí à direita e segue pela divisa deste jardim até encontrar a divisa do Jardim Primavera 2ª Etapa, daí em rumo certo pela divisa deste outro Jardim até encontrar o Córrego, daí a esquerda segue pelo leito deste córrego até encontrar o Ponto nº 18, daí à direita e segue em rumo certo até o Ponto nº 18A, em rumo certo atravessando a Rodovia BR-060 até encontrar o Ponto nº 19, daí segue em rumo certo até encontrar o Córrego Extrema, Ponto nº 19A, daí segue a montante desse Córrego Extrema até encontrar o Ponto nº 19B, daí a esquerda até encontrar o Ponto nº 19C, daí a direita em rumo certo até encontrar o Ponto nº 19D, daí segue a direita em rumo certo até encontrar o Córrego Extrema, daí a esquerda a montante seguindo pelo leito do Córrego Extrema até o ponto nº 20, daí a esquerda

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15ª Promotoria de Justiça da Comarca de AnápolisDefesa do Meio Ambiente e Urbanismo

segue em rumo certo até encontrar o Ponto nº 20A, daí a direita até o Ponto nº 21, daí a esquerda em rumo certo até encontrar o Ponto nº 22, daí à direita até o encontro do Córrego Extrema, em rumo certo até o Ponto nº 23, daí segue em rumo certo até encontrar a divisa do Jardim Esperança, daí a direita segue pela divisa desse Jardim até encontrar a divisa do Setor Industrial Munir Calixto, daí à direita e segue pela divisa deste Setor até encontrar a divisa do DAIA, daí à esquerda e segue pela divisa deste distrito até encontrar a faixa de influência da Rodovia BR-060, daí à esquerda e segue por esta faixa até encontrar a rodovia de ligação da Vila São Vicente, daí à esquerda e segue por esta rodovia de ligação até encontrar a divisa do Residencial do Trabalhador, daí à esquerda até o Ponto nº 23A, daí a direita em rumo certo até o Ponto nº 23B, segue em rumo certo até encontrar a divisa do Residencial São Vicente, daí à esquerda e segue pela divisa deste residencial até encontrar a divisa do loteamento Sítios de Recreio Presidente, Ponto nº 24, daí à direita até encontrar a divisa do loteamento Calixtópolis, Ponto nº 24A, daí em rumo certo até encontrar a divisa dos Sítios de Recreio Vale das Laranjeiras Ponto nº 24B, daí em rumo certo até o Ponto nº 25 daí à direita segue pela vertente em rumo certo até encontrar o Ponto nº 26 daí à esquerda e segue passando pelos pontos nº 27 e nº 28 até encontrar a quadra 37 do Bairro Paraíso daí à esquerda e segue pela divisa deste bairro até encontrar a divisa do Bairro Novo Paraíso – invasão do Morro do Cachimbo – daí a direita segue pela divisa deste bairro até encontrar a divisa da Vila São Joaquim, daí a esquerda segue pelo leito do Córrego Catingueiro até encontrar a GO-222, daí a direita até contornando o Jardim Santa Cecília até a Rua Andrea Carneiro Ponto nº 28A, daí à esquerda atravessando a Rodovia GO-222 em rumo certo até encontrar o Ponto nº 28B do Jardim Suíço, segue pela divisa deste Jardim leito do Córrego Catingueiro até encontrar a divisa da Vila Gonçalves, daí à esquerda e segue pela divisa desta vila até encontrar a Avenida Fabril, Ponto nº 29, daí à esquerda e segue por esta faixa até encontrar a divisa do Frigorífico – Antigo FRIBOI -, daí à esquerda e segue por esta divisa até encontrar novamente a faixa de domínio da Av. Fabril, Ponto nº 30, daí à esquerda e segue por esta faixa até encontrar a divisa do Bairro da Lapa, daí à esquerda e segue pela divisa deste bairro até encontrar o Ponto nº 01, ponto de partida. (NR).

Houve, portanto, com as emendas parlamentares a inclusão

de inúmeras áreas no perímetro urbano, descaracterizando o projeto de lei original

do Poder Executivo, havendo o Presidente da Câmara Municipal de Anápolis

justificado por ocasião da audiência que se realizou na Casa para discussão desse

projeto de lei e outros que diziam respeito a questões urbanísticas da cidade,

conforme se extrai do áudio juntado no procedimento anexo (1h18'), o seguinte:

TRECHO TRANSCRITO:

No início da audiência, o Presidente da Câmara Amilton Batista usou a

palavra para explicar o motivo. Começou falando que o sentido desta

reunião é que possam compartilhar com a sociedade principalmente

com setores envolvidos nesta gestão do Plano Diretor Participativo do

Município. Sobre a última proposta, a proposta da alteração da lei

complementar de 130, que trata do perímetro urbano e AEIS – Áreas

Especiais de Interesse Social. Eis o trecho:

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15ª Promotoria de Justiça da Comarca de AnápolisDefesa do Meio Ambiente e Urbanismo

“...A proposta encaminhada pelo Prefeito municipal propunha apenas

uma alteração no artigo segundo, incluindo toda região do Residencial

América, na região..., na região norte,... vou abrir aqui um mapa para

que todos possam ver. Residencial América é aquela parte abaixo do

presídio decorrente de projeto de financiamento junto ao Governo

Federal que não estava nesta lei complementar 130, considerada de

área de interesse social para efeito de empreendimento social, a

proposta encaminhada pelo Prefeito foi de incluir esta, esta região

como área de interesse social pra finalidade de viabilizar esse projeto.

Posterior ao encaminhamento pelo Prefeito deste projeto de lei

complementar social, o Prefeito me procurou dizendo que haviam junto a Caixa Econômica Federal pelo menos mais quatro projetos que também ele tinha alguns já formalizado junto Caixa, outros formalizado junto a própria... ao próprio Prefeito o desejo de fazer empreendimentos sociais dentro do projeto de habitação popular. Um empreendimento deste na região..., quem pode me dizer

que região é aquela próximo ao Campos Elísios, atrás da região de

Condomínio Rose Garden, naquela região próximo ao Leblon sudeste,

o Prefeito então me comunicou, me passou toda uma documentação,

segundo ele encaminhada pelo Ubiratan que é o superintendente da

Caixa solicitando que discutíssemos aqui a inclusão de uma região

naquela área para inclusão no perímetro urbano, e também como área

de interesse social, da mesma forma outra região próxima da Vila

União, após a Vila União, com projeto também de é... construção de

projeto popular naquela região, ainda, segundo ele um outro projeto na

região na saída para o distrito de Joanápolis, me parece que está

presente o Senhor Antônio Saaek, segundo o Prefeito foi o próprio

Antônio que apresentou a ele o próprio projeto, um projeto de... é

construção também de unidades é... residenciais, num projeto

diferente, um projeto que o Prefeito me nominou, dizendo que se

tratava de chamava eco-vila, ou projeto sustentável dentro do cerrado,

também solicitando para inclusão no perímetro e também...; na...na

questão de interesse sócia, e por último uma outra área na região do

Parque dos Pireneus, atrás do Parque dos Pirineus, também

solicitando a inclusão na área de interesse social e também no

perímetro pra finalidade de prosseguir com o projeto de moradias

populares, essas foram as considerações feitas é... pela Prefeitura,

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informando que tinha essas propostas, que o Prefeito se submetia

essa discussão a Câmara Municipal, eu entendi que antes de

formalizar essas alterações precisaria compartilhar isso com todos os

vereadores, com toda a sociedade através desta reunião, pra que

após isso agente prosseguisse na avaliação destas propostas.

É...manifestação sobre esse assunto, sobre a questão da área de

interesse social, o Clodoveu tá aí, ele é que tocas estes projetos de

interesses, dos projetos da Laranjeira, do Novo Paraíso e do

Residencial América, né?... no Laranjeira e no Novo Paraíso já se

encontram tanto no perímetro, quanto de interesse social, então não

houve necessidade de fazer nenhuma alteração, do Residencial

América está parado segundo informação do Prefeito, porque tem que

dar sequência ainda viabilização do projeto junto a Caixa.”

Denota-se, pois, que as “áreas alteradas da zona rural para

compor o perímetro urbano” foram acrescidas, segundo alegado, com base em uma

tratativa particular entre o Prefeito Municipal e o Presidente da Câmara Municipal,

sem qualquer respaldo formal e sem ter sido precedidas do necessário planejamento

e trâmites incidentes no caso, sendo, ao final, aprovada sob a rubrica de Lei

Complementar Municipal nº 264/11.

Importante destacar, neste aspecto, que além das áreas

“citadas” pelo referido Vereador nessa audiência, foram acrescentadas outras

“áreas”, as quais sequer foram mencionadas ao público na ocasião, conforme

demonstra o mapa que acompanha esta na sua legenda explicativa.

Por seu turno, o Município de Anápolis informou a esta

Promotoria de Justiça a respeito da aprovação da Lei Complementar nº 264/11 que

modificou a Lei Complementar nº 130/06, o seguinte:

“A justificativa para a alteração da Lei Complementar nº 130/2006, foi apenas a inclusão do Bairro Residencial América na Área Especial de Interesse Social (AEIS) para seu enquadramento junto

ao programa federal PPI(....);

Mas a LC 130/2006 além de dispor sobre as AEIS, ela também

delimita o perímetro urbano de Anápolis, e a proposta de alteração

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dos artigos que se referem ao perímetro urbano, partiu do poder legislativo, não sendo essa matéria proposta pelo chefe do Executivo Municipal” (fls. 204) (Grifos nossos)

Não obstante tal fato, o Prefeito Municipal optou por

sancionar a Lei Complementar Municipal nº 264/11, mesmo se tratando de

instrumento que contaminaria todo o processo legislativo, haja vista que não se

poderia alterar a Lei do Perímetro Urbano de Anápolis (Lei Complementar Municipal

nº 130/06), em razão das limitações temporais e procedimentais impostas pela

Constituição Federal, Constituição Estadual, a legislação federal, no caso o Estatuto

da Cidade, e pela própria legislação municipal.

Para agravar ainda mais a situação, o Projeto de Lei original

previa a inclusão do “Loteamento Residencial América” como AEIS, conforme visto,

e, ao final, o que ficou inserido foi o “BAIRRO JARDIM GUANABARA”, no item 77 da

alínea “b” do art. 2º da Lei Complementar nº 130/06 (fls. 57-v).

Na verdade, o “BAIRRO JARDIM GUANABARA” já constava

no item 27 do mesmo artigo, o que demonstra a total ausência de seriedade e zelo

com que a questão foi tratada no Poder Legislativo, a ponto de se repetir bairro que

já constava na redação original da Lei Complementar Municipal nº 130/06, o qual

não estava no projeto original do Poder Executivo (Loteamento Residencial América)

e que tampouco constou da emenda legislativa, ou seja, UM ERRO CRASSO, que

denota a falta de comprometimento com o ordenamento urbano do município de

Anápolis pelo Poder Legislativo, referendado pelo Poder Executivo.

A ordem urbanística foi tão violada e vulnerada que o próprio

mapa que acompanha a malfadada Lei Complementar Municipal nº 264/11,

encontra-se em desacordo com o que foi acrescido, tendo em vista que traz

divergências entre o consignado no a) “ponto nº 02 ao ponto nº 03”; b) ponto 07 B,

faixa de domínio da rodovia BR-153 até Córrego Reboleiras; c) Ponto 15, daí a

direita....Residencial Monte Sinai 1ª Etapa; contrariando, destarte, o estabelecido no

§ 2º desta lei:

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§ 2º A descrição do perímetro urbano mencionada no parágrafo

anterior deste artigo encontra-se demonstrada no Mapa nº 01, parte

integrante desta Lei Complementar.

Estima-se, segundo levantamentos preliminares, que as

áreas acrescidas ao perímetro urbano, por meio das emendas acima nominadas,

possibilitarão a instalação de loteamentos, em tese, com disponibilidade de mais

48.000 (quarenta e oito mil) lotes à cidade, não se olvidando que no mercado

imobiliário a transformação do imóvel rural em urbano representa, costumeiramente,

a sua valorização em até 10 (dez) vezes ao preço original, favorecendo a

especulação imobiliária e atendendo ao interesse de inúmeras empresas privadas

que trabalham no setor.

Apurou-se, ainda, que os referidos acréscimos ao perímetro

urbano abrangeram áreas de nascentes do Ribeirão João Leite, as quais estão

inseridas na Área de Proteção Ambiental (APA) João Leite, criada pelo Decreto

Estadual nº 5.704/02 e descrita no Decreto Estadual nº 5.845, de 10 de outubro de

2003, sem que tenha sido observado o respectivo plano de manejo da unidade de

conservação.

Relembra-se, nesta altura, que o Ribeirão João Leite

constitui, atualmente, o principal manancial de abastecimento de água da região

metropolitana de Goiânia, a mais populosa do Estado de Goiás.

Verifica-se que a aprovação da Lei Complementar Municipal

nº 264/11 desobedeceu preceitos de ordem pública que devem(rão) ser observados

quando se vislumbrar a necessidade de modificação do perímetro urbano do

município, o qual, em última análise, é um documento técnico, fruto de estudos e

análises, materializado formalmente em lei, conforme determina a Constituição

Federal e o Estatuto da Cidade, de modo que a alteração, como feita, com

indisfarçáveis propósitos, não pode prosperar.

Por essa razão, urge seja paralisado todo e qualquer ato

executivo no sentido de dar cumprimento ao determinado pelo seu conteúdo e,

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15ª Promotoria de Justiça da Comarca de AnápolisDefesa do Meio Ambiente e Urbanismo

ainda, sustando até mesmo aqueles já praticados sob pena de danos irreversíveis à

ordem urbanística e ao meio ambiente.

II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS

II.1. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – TUTELA DA ORDEM URBANÍSTICA

Em seu moderno perfil institucional, o Ministério Público tem,

dentre outras, as atribuições de promover a ação civil pública para a proteção de

interesses difusos (Constituição Federal, art. 129, inciso III, c.c. Lei nº 7.347/85, art.

1º, inciso IV, acrescentado pelo art. 110 da Lei nº 8.078/90; art. 25, IV, "a", da Lei nº

8.625, de 12 de fevereiro de 1993).

Os interesses atinentes à defesa dos padrões urbanísticos

são difusos por excelência, haja vista que seu objeto é indivisível e os respectivos

titulares, ligados por circunstâncias de fato, indetermináveis.

O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01) trouxe a

expressão ordem urbanística e a agregou ao rol dos interesses difusos e coletivos

tutelados pela Lei Federal nº 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública, in verbis:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

(...)

VI- à ordem urbanística. (Grifo nosso)

O conceito de ordem urbanística envolve diversos aspectos,

tais como o planejamento, a política do solo, a urbanização, a ordenação das

edificações, a racionalização do traçado urbano, o bom funcionamento dos serviços

públicos, a correta distribuição da concentração demográfica, a criteriosa utilização

das áreas públicas urbanas e a localização das atividades humanas pelo território da

polis (moradia, trabalho, comércio, indústria, prestação de serviços, lazer).

Desta forma, não resta dúvida quanto à legitimidade do

Ministério Público para atuar na defesa da ordem urbanística, visando tutelar os

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interesses de toda a coletividade, entendidos no seu aspecto mais amplo (habitação,

circulação, obediência aos dispositivos legais, gestão democrática, recreação, lazer,

etc), ainda mais quando há evidente violação de seus preceitos, conforme ocorreu

no presente caso, por meio da aprovação da Lei Complementar Municipal nº

264/11, que alterou a Lei Complementar Municipal nº 130/06.

II.2 QUESTÃO PREJUDICIAL(CAUSA PETENDI): DA NECESSIDADE DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DA LEI

COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 264, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2011

II.2.1. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA ALTERAÇÃO DA LEI QUE DISPÕE SOBRE O PERÍMETRO URBANO DO MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS SEM PRÉVIO PLANEJAMENTO E PARTICIPAÇÃO POPULAR

Insta salientar, inicialmente, que a ordem urbanística ganhou

status constitucional, pois encontra-se expressamente prevista no artigo 182 da

Constituição Federal, in verbis:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.(grifo nosso)

A “lei” acima referida foi editada em 2001 e ficou conhecida

como “Estatuto da Cidade” (Lei Federal nº 10.257), que “regulamenta os arts. 182 e

183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá

outras providências”, e estabeleceu a obrigatoriedade da aprovação de um plano

diretor para cidades com mais de vinte mil habitantes, determinando, ainda, que o

plano contenha um conteúdo mínimo (arts. 41 e 42).

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No mesmo sentido, a Constituição do Estado de Goiás

prescreve, in verbis:Art. 85. O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. § 1º - A propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende às exigências do Plano Diretor, sua utilização respeita a legislação urbanística e não provoca danos ao patrimônio cultural e ambiental.

§ 2º - O Plano Diretor, elaborado por órgão técnico municipal, com a participação de entidades representativas da comunidade, abrangerá a totalidade do território do Município e deverá conter diretrizes de uso e ocupação do solo, zoneamento, índices urbanísticos, áreas de interesse especial e social, diretrizes econômico-financeiras, administrativas, de preservação da natureza e controle ambiental. (grifo nosso)

O plano diretor, por sua vez, não se caracteriza como uma

“simples lei”, cuja apreciação se faça com um olhar voltado apenas para o processo

legislativo de modo formal, pois em razão de corresponder e determinar o

planejamento municipal, deve ser precedido de ampla discussão, após

levantamentos e estudos específicos, levando em consideração as peculiaridades

da comuna, não podendo ser fruto da vontade pura e simples do administrador ou

do legislador, haja vista que constitui “tarefa de especialistas nos diversos setores de

sua abrangência”, conforme pontua Victor Carvalho Pinto:

“(...) a elaboração do plano diretor obedece, portanto, a um

procedimento vinculante, que traduz juridicamente a atividade do

planejamento. A aprovação final pelo Legislativo representa o

momento final deste processo, mas depende completamente das

etapas anteriores - coleta de dados, diagnóstico, elaboração de

possíveis ações e comparação entre as alternativas -. O procedimento

de elaboração do plano vai delimitando progressivamente o universo

de deliberação, até que se chegue à aprovação do plano. (…) O plano não pode sair do nada, sem qualquer preparação. Muito menos

pode o plano contrariar os dados fáticos e os estudos técnicos

elaborados para fundamentá-lo”. (Direito Urbanístico – Plano Diretor

e Direito de Propriedade. 3ª ed. São Paulo: RT, p. 239.

Page 13: Perimetro Urbano Anapolis

15ª Promotoria de Justiça da Comarca de AnápolisDefesa do Meio Ambiente e Urbanismo

Na verdade, o plano diretor é um plano geral, que, em

princípio, deve conter os planos específicos, vale dizer, os pertinentes ao

zoneamento, reserva de espaços verdes e sistema viário, os quais, por sua vez,

envolvem planos mais restritos, como os relativos ao uso do solo urbano, inclusive

os seus limites e expansão, arruamento, parcelamento, sistema de recreação, o

perímetro urbano, etc.

Nesse sentido, pontua HELY LOPES MEIRELLES que a

elaboração do Plano Diretor – e, como se disse, dos outros planos urbanísticos

também - é tarefa de especialistas nos diversos setores de sua abrangência,

devendo por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada

com profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob supervisão do

Prefeito, arrematando com as seguintes palavras que se amoldam perfeitamente ao

presente caso:

“A competência do Município para a ordenação espacial de seu

território, notadamente no que concerne ao uso do solo urbano, apoia-

se no preceito da Constituição da República que expressamente lhe

confere capacidade para 'promover, no que couber, adequado

ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do

parcelamento e da ocupação do solo urbano' (art. 30, VIII).

(…)

A atuação do Município nos setores de sua alçada, que se resumem no plano diretor e no ordenamento urbano, aquele abrangente de todo o território municipal e este restrito ao perímetro da cidade e ás áreas urbanizáveis ou de proteção ambiental.Toda cidade há de ser planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua renovação.Mas não só o perímetro urbano exige planejamento, como também as áreas de expansão urbana e seus arredores, para que a cidade não venha a ser prejudicada no seu desenvolvimento e na sua funcionalidade pelos futuros núcleos urbanos que tendem a se formar em sua periferia” (Direito

Municipal Brasileiro, 16 ed. Malheiros: São Paulo, 2008, p. 548 e 549)

(Grifo nosso)

13

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15ª Promotoria de Justiça da Comarca de AnápolisDefesa do Meio Ambiente e Urbanismo

Denota-se, pois, que se afigura imprescindível processo de

análise de todas as variáveis técnicas, de modo a possibilitar uma ampla visão do

que se pretende em termos urbanísticos e de desenvolvimento para a cidade. Não

pode, repita-se, surgir do nada! E se não pode surgir do nada quando de sua

criação, com mais razão na sua alteração e, consequentemente, na matéria que

trata da “expansão urbana”, na dicção do art. 182, § 2º, da Constituição Federal,

conforme está a ocorrer in casu.

Todas essas premissas e dispositivos citados de

obrigatoriedade da execução de planos prévios em matéria urbanística e a sua

posterior consideração pelos legisladores, conforme visto, não se restringe ao plano

urbanístico geral, como é o plano diretor, como também aos planos parciais e

especiais, referentes à ordenação jurídico-urbanística do solo, dentre os quais o que

trata da expansão da cidade e, portanto, o relativo ao estabelecimento dos

perímetros urbanos, como no caso em análise.

Em obediência ao Estatuto da Cidade, o Município de

Anápolis aprovou o seu plano diretor por meio da Lei Complementar Municipal nº

128, de 10 de outubro de 2006, assegurando o sistema de planejamento e a gestão

democrática da cidade, conforme dispositivos abaixo colacionados:

(...)

Art. 7º. Considera-se cidade todo o território do Município de Anápolis.

Art. 8º. O macrozoneamento tem por objetivo primordial coibir o uso indevido do solo, qualificando o uso e a ocupação do mesmo para evitar o descontrole institucional das ações privadas no território municipal. DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO E GESTÃO URBANA Art. 65. A estratégia do Sistema de Planejamento e Gestão Urbana tem por principal objetivo construir uma gestão pública democrática, apoiada em um processo de planejamento que contemple a promoção do desenvolvimento sustentável, e associada à oferta de serviços públicos com qualidade. (...). Dos órgãos do sistema de planejamento Art. 67. O Sistema de Planejamento e Gestão Urbana será composto de dois núcleos: I – Núcleo Gestor de Planejamento Urbano e Controle do Plano Diretor – NGPPD,e; II – Núcleo de Projetos Urbanos, Arquitetura e Engenharia – NPUAE. (...)

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Art. 72. Ao Conselho Municipal da Cidade – COMCIDADE, além das atribuições previstas na lei municipal que o instituiu e suas devidas alterações, competirá: I – fiscalizar o Sistema de Planejamento e Gestão Urbana e manifestar, no que tange à gestão democrática, acerca da decisão dos núcleos que o compõem. (...)VI – analisar e emitir parecer sobre as propostas de alteração do Plano Diretor antes de serem encaminhadas à Câmara Municipal.

Da Gestão Democrática Art. 74. A instituição de mecanismos para uma gestão democrática com maior participação da sociedade nas ações de governo dar-se-á através das seguintes ações: I – institucionalizar o Núcleo Gestor de Planejamento Urbano e Controle do Plano Diretor – NGPPD para dar continuidade aos trabalhos do Núcleo Gestor, implantando,monitorando e avaliando o Plano Diretor Participativo, além de opinar sobre a ocupação do território municipal; II – promover a criação de mecanismos que ampliem os canais de comunicação entre o Poder Executivo e a comunidade através da participação efetiva dos conselhos municipais, entidades profissionais, sindicais e empresariais, funcionalmente vinculadas ao desenvolvimento urbano da cidade e às associações de bairros, viabilizando a prática de um governo mais democrático; III – conceber e implantar, em parceria com o órgão de assistência social, entidades públicas estaduais e federais e com a iniciativa privada, programa que desenvolva ações de fortalecimento e conscientização das associações de bairros visando a participação efetiva da comunidade na gestão Municipal. Da Estratégia de Gestão e do Processo de Planejamento Art. 76. Os planos setoriais, programas e projetos constantes do Plano Diretor Participativo, no que tange ao sistema de planejamento e gestão urbana, serão desenvolvidos pelos órgãos municipais competentes a serem designados pela Administração Pública Municipal.

Treze dias após a edição da Lei Complementar que instituiu

o Plano Diretor do Município de Anápolis, adveio a Lei Complementar Municipal nº

130, de 23 de outubro de 2006 que “delimita o perímetro urbano do município de

Anápolis, Estado de Goiás, dispõe sobre as AEIS – áreas especiais de interesse

social”, integrando, destarte, o planejamento urbanístico municipal, sujeita, conforme

demonstrado, aos mesmos preceitos estabelecidos na Constituição Federal, Estatuto da Cidade e legislação municipal, especialmente quanto à necessidade do planejamento e da gestão democrática da cidade, tanto que o

seu art. 1º assim estabelece:

Art. 1º. Para garantir o crescimento ordenado da cidade de Anápolis,

considera-se Perímetro Urbano o limite territorial que circunscreve a

macrozona urbana do Município.

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No reforço da necessidade do prévio “planejamento” em

matéria urbanística, preceitua o art. 30, VIII, da Constituição Federal:

Art. 30. Compete aos Municípios:

(…)

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano;

Desse modo, o planejamento urbano tem assento na

Constituição Federal, estando expressamente previsto, ainda, nos artigos 21, IX, XX

e XXI; 23, IX; 25 § 3º;30, VIII;43;48,IV;174;178;182,§§1º E 2º.

Nesse aspecto, pontua José Carlos de Freitas que “não é

por acaso que o planejamento urbano tenha sido eleita pelo Estatuto da Cidade, pois

ela tem base constitucional e, portanto, consagração normativa, além do que a

doutrina vem reconhecendo o princípio da remissão ao plano urbanístico como

ponto de partida para o desenvolvimento das cidades, em prol do interesse coletivo

e da garantia da qualidade de vida à população e assim arremata:

“Portanto, não se concebe, hoje, que a sorte das cidades fique a reboque da conveniência (ou negligência) do administrador público, nem que o planejamento urbano ocorra entre quatro paredes, restrito aos interesses imediatos de políticos e investidores do mercado imobiliário, o que diminui substancialmente a margem de discricionariedade ao administrador e legislador locais nesse campo” (Manual de

Direitos Difusos, São Paulo: Ed. Verbatim, 2009, p. 412).

A determinação de zonas de expansão urbana representa

uma parcela da ordenação urbana, tanto que, por seu intermédio, a comunidade e o

governo municipal irão ordenar o crescimento do núcleo urbano existente. Logo, é

evidente que se trata de matéria sujeita a prévio planejamento, o que não ocorreu no

caso do processo legislativo da Lei Complementar Municipal nº 254/11, conforme

visto.

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Junto ao planejamento, a não participação popular nos

debates, enfim nos destinos da cidade, como forma explícita da democracia

participativa, é mais um fato que contamina a Lei Complementar Municipal n. 264/11,

pois não se pode aqui olvidar que a democracia representativa é vital, o mesmo

ocorrendo com a direta.

A participação popular nas questões relacionadas ao

ordenamento territorial da cidade tem por objetivo, além desse controle, inserir os

sujeitos interessados no processo de discussão, afinal serão eles os destinatários,

em última análise, das decisões materializadas no planejamento.

Ressalta-se, ademais, o artigo 29, XII da Constituição

Federal ao determinar como preceito aos municípios, portanto, de observância

cogente, a cooperação das associações representativas no planejamento municipal:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos,

com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos

membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os

princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do

respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal; (Renumerado do inciso X, pela Emenda

Constitucional nº 1, de 1992)

Nada disso foi observado pela alteração promovida no

presente caso, pois a expansão desmedida do perímetro urbano, por meio da

inclusão, de grandes áreas antes pertencentes à zona rural, ocorreu no âmbito do

Poder Legislativo, sem qualquer proposta pelo Poder Executivo, ou seja, desprovida

de qualquer PLANEJAMENTO, ESTUDOS TÉCNICOS, AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

COM A POPULAÇÃO, MANIFESTAÇÃO DO Núcleo Gestor de Planejamento

Urbano e Controle do Plano Diretor – NGPPD, DO Conselho Municipal da Cidade,

enfim, em total desrespeito aos preceitos estabelecidos nos artigos 182 e 183 da

Constituição Federal, Estatuto da Cidade e Lei Complementar Municipal nº 128/06.

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A esse respeito, leciona José Carlos de Freitas em lição que

se amolda perfeitamente à espécie:

“É muito comum, no entanto, termos algumas alterações pontuais

das normas urbanísticas, como ocorre mais frequentemente com as

que disciplinam o zoneamento e parcelamento do solo, visando

favorecer interesses de poucos (especuladores imobiliários,

empresas da construção civil, apadrinhados políticos etc)(…)

Portanto, mudanças pontuais na legislação urbanística, notadamente

a de zoneamento (onde são mais comuns), para beneficiar ou

prejudicar pessoas ou grupos, são inconstitucionais (art. 37, CF)

Mas as alterações pontuais da lei que regem o parcelamento, o uso e a ocupação do solo também podem conter vício de inconstitucionalidade quando forem editadas sem planejamento prévio ou sem a oitiva da comunidade, nas hipóteses em que a lei assim exija, como vêm decidindo os tribunais, seja com base no artigo 29, XII, da Constituição Federal, seja no Estatuto da Cidade (art. 2º, II, XIII;33, VII;40, § 4º,I), ou mesmo nas Constituições Estaduais que reproduzem os preceitos garantidores da participação popular no planejamento municipal” (ob.cit. p. 418,419). (grifo nosso)

Nesse sentido, colaciona-se os seguintes julgados que se

amoldam perfeitamente à espécie:

Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei n° 3.385/08, do Município de Fernandópolis, que dispõe sobre a ampliação da área de ocupação do território do Município destinada ao "Corredor ComerciaC e dá outras providências. Norma de iniciativa parlamentar, (planejamento urbanístico. Atribuição Exclusiva Prefeito. Juízo de oportunidade e conveniência. Ofensa ao princípio da separação de Poderes. Ação julgada procedente. TJSP.Relator(a): Penteado Navarro. Órgão julgador: Órgão Especial Data do julgamento: 18/03/2009). (grifo nosso)

Lei Municipal de iniciativa de Vereador que altera, sem planejamento prévio, as zonas de expansão urbana. Ação Direta julgada procedente - Em certos temas

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urbanísticos,exigentes de prévio planejamento, tendo em vista o adequado desenvolvimento das cidades, a iniciativa legislativa é exclusiva do Prefeito, sob cuja orientação e responsabilidade se preparam os diversos planos" (TJ, Órgão Especial, ADIn n° 66.667-0/6, Rel. Des. DanteBusana,j. 12/09/01).(grifo nosso)

Portanto, a Lei Complementar Municipal nº 264/11, fruto do

Projeto de Lei nº 28/11, que resultou na modificação da Lei Complementar nº

136/06, foi editada sem quaisquer estudos técnicos, planejamento dos órgãos

municipais, oitiva dos conselhos e da população anapolina, contrariando

frontalmente os primados constitucionais (artigos 21, IX, XX e XXI; 23, IX; 25 § 3º;30,

VIII; 29, XII, 43;48,IV;174;178;182,§§1º E 2º. da Constituição Federal e artigo 85 da

Constituição Estadual), a Lei Federal nº 10.257/01 e a Lei Complementar Municipal

nº 128/06, constituindo violação grave aos preceitos urbanísticos e ambientais,

estando eivada de inconstitucionalidade.

II. 2.2. Do VÍCIO FORMAL NO PROCESSO LEGISLATIVO DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 264/11

A Constituição Federal, a Constituição Estadual e a

legislação federal como norma geral e, portanto, de observância obrigatória por

parte daquele a quem é dirigida, define claramente os requisitos mínimos a serem

observados quando da confecção do plano diretor e do ordenamento territorial que

abrange o perímetro urbano do município e, ao fixar esses requisitos, também impõe

limites aos entes municipais para evitar, conforme já advertiu Álvaro Luiz Valery

Mirra - aclamado especialista em Direito Ambiental, a prática bastante frequente dos

municípios, conforme afirmação abaixo transcrita:

“ao legislarem em tema de meio ambiente, procurem diminuir o rigor

do legislador federal ou estadual e, com isso, ampliar ou facilitar o

exercício de atividades potencialmente degradadoras do meio

ambiente em seus territórios, sem o devido respeito às restrições já

anteriormente estabelecidas pelas normas da União e dos Estados.

Essas iniciativas devem ser impugnadas, vez que contrariam os limites constitucionais de competência legislativa outorgada aos

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municípios”. (apud MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito

Ambiental Brasileiro. 16ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 398) (grifo

nosso)

Sensível a isso, o Constituinte de 1988 conferiu à ordem

urbanística status constitucional, pois encontra-se expressamente prevista no artigo

182 da Constituição Federal, já anteriormente citado.

O Constituinte Estadual textualmente prevê no artigo 77 da

Constituição do Estado de Goiás competir privativamente ao prefeito municipal a

iniciativa de envio de projeto de lei tratando sobre o plano diretor:

Art. 77 - Compete privativamente ao Prefeito:

VIII - enviar à Câmara Municipal, observado o disposto nesta e na

Constituição da República, projetos de lei dispondo sobre:

d) plano diretor; (...)

No mesmo sentido, prescreve o art. 81 da Lei Orgânica do

Município de Anápolis:

“Das Atribuições do Prefeito

Art. 81 - Ao Prefeito, compete privativamente:

XXX - elaborar o Plano Diretor;

(...)

Art. 99 - A delimitação da zona urbana será definida por lei complementar, observando-se o estabelecido no Plano Diretor. (...)

DA POLITICA URBANA E HABITAÇÃO

Art. 180 - A política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em Lei, tem por objetivo ordenar o plano de desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.

§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.” (grifo nosso)

No caso do município de Anápolis, a lei que delimita o

perímetro urbano da cidade (Lei Complementar nº 130/06) encontra-se integrada ao

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Plano Diretor do Município, ainda mais considerando a dicção do art. 182 da

Constituição Federal e o próprio art. 180, § 1º em epígrafe que o define como

instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

É possível extrair dos dispositivos acima apontados que: (a)

a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento

constitucional; (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante

planejamento e estabelecimento de diretrizes por intermédio de lei; (c) as diretrizes

para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano

diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada

Município; d) a "expansão urbana" segue os mesmos preceitos do plano diretor, ou

seja, também é decorrente de iniciativa legislativa do Prefeito Municipal.

Denota-se, pois, que a obrigatoriedade da execução de

planos prévios em matéria urbanística e a sua posterior consideração pelos

legisladores não se restringe ao plano urbanístico geral, como é o plano diretor,

como também aos planos parciais e especiais, referentes à ordenação jurídico-

urbanística do solo, dentre os quais está o que trata da expansão da cidade e,

portanto, o relativo ao estabelecimento dos perímetros urbanos, daí porque a

consequência inafastável é a de que é mesmo do Poder Executivo a iniciativa do

processo legislativo, haja vista que a matéria reservada à lei seja de tal natureza que

reclame a feitura de planos prévios, conforme já visto no item anterior.

Com efeito, o planejamento é constituído de atos executivos,

quer dizer, do exercício de atividade concreta e específica, de natureza

administrativa, ou seja, da análise técnica e estruturação de serviços públicos de

planejamento à elaboração material dos instrumentos, passando pelas avaliações

iniciais, pesquisas e idealização das soluções possíveis por meio do quadro técnico

da Prefeitura Municipal, com a gestão democrática, no âmbito da competência do

Poder Executivo.

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Cumpre observar, ainda, que a expansão urbana implica em

sensível aumento da despesa pública com equipamentos urbanos (luz, água,

esgoto, arruamento, etc), pormenor esse que, confirmando a necessidade do

planejamento integrado das atividades econômico-financeiras e urbanísticas,

justifica a conclusão de que a iniciativa legislativa, também em relação a esta última

matéria, quando exigente de planejamento prévio, é do Prefeito Municipal.

Reforçando essa premissa, o art. 87 da Constituição do

Estado de Goiás assim dispõe:

Art. 87 - No estabelecimento de normas sobre o desenvolvimento urbano, serão observadas as seguintes diretrizes:

I - adequação das políticas de investimento, fiscal e financeira, aos objetivos desta Constituição, especialmente quanto ao sistema viário, habitação e saneamento, garantida a recuperação, pelo poder público, dos investimentos de que resulte valorização de imóveis;

II - urbanização, regularização fundiária e titulação das áreas faveladas e de baixa renda, na forma da lei;

III - preservação, proteção e recuperação do meio ambiente, urbano e cultural;

IV - criação de área de especial interesse urbanístico, social,

ambiental, turístico e de utilização pública. (Grifo nosso)

A aprovação da Lei Complementar Municipal nº 264/11, cuja

elaboração adveio da iniciativa dos Vereadores, por meio de “emendas”, conforme

documentalmente comprovado no procedimento que instrui a presente,

descaracterizou o projeto original enviado pelo Poder Executivo e foi oferecido sem

qualquer planejamento, violando frontalmente os dispositivos da Constituição

Federal, Constituição Estadual e Lei Orgânica Municipal, acima colacionados,

estando eivada de inconstitucionalidade.

Cumpre relembrar, neste aspecto, que o Prefeito Municipal

admitiu textualmente que “a proposta de alteração dos artigos que se referem ao

perímetro urbano, partiu do poder legislativo, não sendo essa matéria proposta pelo

chefe do Executivo Municipal” (fls. 204).

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O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos

(iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é

objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em

meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes.

Como é cediço, a iniciativa é o ato que deflagra o processo

legislativo e, no presente caso, o Poder Legislativo Municipal usurpou a competência

do Prefeito ao emendar o projeto de lei sem qualquer pertinência com a proposta do

Executivo que seria apenas a inclusão de uma área em AEIS, para resultar no

aumento substancial de áreas antes pertencentes à zona rural que passaram a

integrar o perímetro urbano de Anápolis.

A limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa

reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar aumento de despesa não

prevista, inicialmente, desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra

que com ela não guarde pertinência temática, seja ainda pela alteração extrema do

texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente

distinta da proposta original, conforme ocorreu no presente caso.

A esse respeito, leciona Caio Tácito:

“Dentro do círculo da proposta do Executivo poder-se-á exercer o

direito de emenda, inclusive para suprir as omissões ou deficiências

verificadas no curso da elaboração legislativa. O que repugna ao espírito da regra constitucional é a aceitação de que, vencido o obstáculo inicial da proposta do governo, possa o Legislativo modificá-la com absoluta liberdade de criação, transmudando-lhe o alcance e a substância para estabelecer situações que, explícita, ou implicitamente, não se continham na iniciativa governamental” (Poder de iniciativa e poder de emenda. RDA 28/51).

Transpondo o ensinamento supra para o caso em análise,

verifica-se que o Poder Legislativo, por meio de “emendas”, transmudou o projeto

original do Poder Executivo, tornando inconstitucional a Lei Complementar Municipal

nº 264/11 por vício formal de iniciativa.

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No mesmo sentido, adverte HELY LOPES MEIRELLES:

“A iniciativa reservada ou privativa assegura o privilégio do projeto ao

seu titular, possibilita-lhe a retirada a qualquer momento antes da

votação e limita qualitativa e quantitativamente o poder de emenda,

para que não se desfigure nem se amplie o projeto original;só o autor

pode oferecer modificações substanciais, através de mensagem

aditiva. No mais sujeita-se à tramitação regimental em situação idêntica à dos outros projetos, advertindo-se, porém, que a usurpação de iniciativa conduz à irremediável nulidade da lei, insanável mesmo pela sanção ou promulgação de quem poderia oferecer o projeto” (ob.cit. p. 677). (grifo nosso)

No mesmo diapasão, tem entendido o e. Tribunal de Justiça

do Estado de Goiás, conforme julgados recentes que ora se colaciona:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Município de Campo Limpo de Goiás. Projetos de lei encaminhados pelo Chefe do Executivo. Poder de emenda do Legislativo. Vício de iniciativa. Aumento de despesa. I- As normas concernentes ao processo legislativo de iniciativa reservada do Chefe do Executivo previstas na Constituição Federal (art. 61, § 1º, II, a e c, e 63, I) devem ser observadas em âmbitos estadual e municipal, em face dos princípios da simetria e da separação de poderes. II- O poder de iniciativa do Chefe do Executivo previsto na Constituição Estadual (arts. 20, § 1º, II, b, e 77, II e VI) não afasta a possibilidade de emenda parlamentar, desde que da alteração não resulte invasão à esfera reservada, aumento de despesa ou descaracterização do projeto encaminhado. III- Emendas aditivas e modificativas em invasão à competência privativa do Chefe do Executivo Municipal, quanto a dispor sobre assuntos relacionados a servidores públicos e sua remuneração, e ainda quando acarretam aumento de despesa, implicam inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, por ofensa aos artigos 20, § 1º, II, b, e 21, I, da Constituição do Estado de Goiás. Procedência parcial da ação, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 4º da Lei Complementar n. 10/2010 e 3º da Lei Complementar n. 11/2010, ambas do Município de Campo Limpo de Goiás. (TJGO, ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 167797-29.2010.8.09.0000, Rel. DES. JOSE LENAR DE MELO BANDEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado em 11/04/2012) (grifo nosso)

ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROCESSO LEGISLATIVO. LEI DE INICIATIVA EXCLUSIVA DO PODER EXECUTIVO. VEDADA A SUA EMENDA PELO PODER LEGISLATIVO. AFRONTA AO PRINCIPIO DA INDEPENDENCIA HARMONICA ENTRE OS PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1 - SENDO A MATERIA CONSTANTE DO TEXTO IMPUGNADO, DE INCIATIVA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER

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EXECUTIVO, MESMO SE TRATANDO DE UMA EMENDA A ESTA LEI, CONFIGURA INCONSTITUCIONAL A INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO EM CONSTITUIR TAL ATO NORMATIVO, SOB PENA DE VIOLACAO AO PRINCIPIO DA INDEPENDENCIA HARMONICA ENTRE OS PODERES (ART. 2. DA CE) AFRONTANDO, ASSIM, OS ARTS. 20, PARAGRAFO 1., INC. II, ALINEA "B" C/C ART. 77, INC. II E V, AMBOS DA CONSTITUICAO DO ESTADO DE GOIAS. 2 - NO CASO A INCONSTITUCIONALIDADE DECORRE DE VICIO DE ORIGEM-INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL-OU SEJA, INCOMPETENCIA DO ORGAO DO QUAL EMANOU O ATO NORMATIVO. CONQUANTO LEIS QUE DISPONHAM SOBRE SERVIDORES PUBLICOS DO PODER EXECUTIVO SAO DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DAQUELE PODER, TANTO NO AMBITO FEDERAL, ESTADUAL OU MUNICIPAL, DE ACORDO COM O PRINCIPIO DA SIMETRIA (ART. 61, PARAGRAFO 1., INC. II, "C" DA CF E ART. 37, INC. III E XII DA CE) . PEDIDO JULGADO PROCEDENTE." (TJGO, ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 292-6/200, Rel. DES. VITOR BARBOZA LENZA, ORGAO ESPECIAL, julgado em 28/03/2007, DJe 14985 de 23/04/2007) (Grifo nosso)

Os Vereadores usurparam a competência privativa do

Prefeito em matéria urbanística e não houve no processo de formalização da Lei

Complementar Municipal n. 264/11 a observância dos critérios estampados na

legislação federal, estadual e municipal que são condicionantes de validade e

eficácia de qualquer modificação, alteração ou revisão da Lei Complementar

Municipal nº 130/06, que delimita o perímetro urbano do município de Anápolis, daí a

conclusão de que a novel lei é flagrantemente inconstitucional, devendo esta matéria

ser reconhecida incidentalmente na presente ação civil pública.

II.2.3. Do Controle Difuso da Constitucionalidade das Normas

A Constituição Federal é a norma fundamental, ou seja, o

parâmetro para validade das normas existentes no ordenamento jurídico.

Anota JOSÉ AFONSO DA SILVA que, “todas as normas

que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se conformarem

com as normas da Constituição Federal”.(Curso de Direito Constitucional. São

Paulo: Malheiros, 2010, p. 102).

No Brasil, em relação ao momento de realização do controle

de constitucionalidade, podemos observar um binômio: controle de

constitucionalidade concentrado e difuso. O primeiro também chamado de

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reservado, via de ação, abstrato ou direto e o segundo, também conhecido como

aberto, via de exceção, defesa ou descentralizado.

No presente caso, incide o controle difuso, que possui como

principal característica a potencialidade de ser encetado por qualquer juiz ou

tribunal, diante de um determinado caso concreto, que decidirá sobre a

compatibilidade de determinado ato com a Constituição Federal, como questão

prévia, imprescindível ao julgamento da lide. Neste, a declaração de

inconstitucionalidade não constitui objeto principal da ação, configurando-se como

questão prejudicial, ou seja, questão de direito substantivo de que depende a

decisão final a tomar no processo e que fará parte da motivação do decisium, em

julgamento incidenter tantum.

A decisão judicial, prolatada em processo no qual foi

encetado esse controle, fará coisa julgada entre as partes e com relação restrita ao

caso concreto apresentado em juízo, não vinculando outras decisões.

Nesse sentido, cumpre assinalar ser absolutamente pacífica

a jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, guardião máximo da

Constituição, sobre a possibilidade haver de controle difuso de constitucionalidade,

incidenter tantum (como causa petendi), em ação civil pública. Confira-se, in ipsis

litteris:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina. (STF. RCL 1.733-SP (medida liminar), Rel. Min. Celso de Mello, DJ 01-12-2000).

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CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE. I. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. II. - Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando-a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. III. - O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, fundamentada em inconstitucionalidade de lei, na qual opera-se apenas o controle difuso ou incidenter tantum de constitucionalidade. Precedente. IV. - Agravo não provido. (STF. AI-AgR 504856 / DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08-10-2004).

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. 2. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a inconstitucionalidade de ato normativo municipal. 3. Entendimento desta Corte no sentido de que “nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local.” 4. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil pública (CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extraordinário conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério Público. (STF. RE 227.159/GO, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17-05-2002).

Os demais Tribunais de Justiça do país seguiram o entendimento consagrado pela Suprema Corte, como é de ver pelos julgados infra:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO ADMINISTRATIVO (...) Segundo a jurisprudência do STJ, em tese, é possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, na ação civil pública, de quaisquer leis ou atos normativos do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal, em torno da tutela do interesse público. (...) (Recurso Especial nº 794145/RS (2005/0181869-1), 2ª Turma do STJ, Rel. Eliana Calmon, unânime, DJ 02.10.2007).

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - POSSIBILIDADE - INCIDENTE DE

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INCONSTITUCIONALIDADE (...). É admissível o controle difuso de constitucionalidade na Ação Civil Pública, na medida em que a declaração de inconstitucionalidade dos atos normativos municipais indigitados seja questão prejudicial, que deve ser avaliada, para que se possa atingir o provimento jurisdicional buscado naquela lide. (...). (Apelação Cível nº 1.0035.02.000565-4/001(1), 5ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Dorival Guimarães Pereira, unânime, Publ. 26.10.2007).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE DE ANÁLISE PRÉVIA DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL PELO EG. CONSELHO ESPECIAL. O Ministério Público tem legitimidade para propor Ação Civil Pública com fundamento em inconstitucionalidade de lei, exercendo o controle difuso de constitucionalidade. Precedentes do STF. Em face da necessidade da análise prévia da constitucionalidade dos artigos 124, VIII, 128 e 131, § 2º, do CTB para o julgamento da causa, impõe-se, após vista ao Ministério Público para manifestação, remeter a matéria constitucional para apreciação do eg. Conselho Especial, nos termos dos arts. 480 do CPC e 236 do Regimento Interno deste c. Tribunal de Justiça. (APC nº 0030110587249 (282706), 2ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Carmelita Brasil, unânime, DJU 02.10.2007, p. 110).

No mesmo sentido, é o entendimento do e. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI MUNICIPAL. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO. RECEBIMENTO INCABÍVEL. RESTITUIÇÃO AO ERÁRIO PÚBLICO. I- O controle difuso de constitucionalidade em sede de ação civil pública é, indubitavelmente, comportável, pois, como dito, ainda que em relação à lei municipal incompatível com a Constituição Federal, diante da ausência do controle concentrado, qualquer órgão do Poder Judiciário poderá proceder à verificação da constitucionalidade, neste caso, pelo meio difuso. O que se veda é a utilização da referida ação como meio substitutivo de se obter o controle concentrado, com a atribuição do efeito erga omnes à decisão judicial. II- Os vereadores, agentes políticos de mandato eletivo, percebem remuneração na forma de subsídio em parcela única, rejeitando-se qualquer acréscimo. O comando constitucional, in casu, não admite flexibilização em sua interpretação, no sentido de se admitir o recebimento, pelos agentes políticos, de outras verbas pecuniárias. III- Tendo os apelantes recebido os valores correspondentes ao 13º (décimo terceiro) salário, ao tempo em que exerciam o cargo de vereador no Município de Trindade, tal recebimento foi

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inconstitucional, impondo-se a devida restituição das respectivas importâncias, não cabendo, aqui, alegar a máxima 'não se devolve o suor despendido', tendo em conta que não se trata de vício na ocupação do cargo, e, sim, na verba recebida. RECURSOS CONHECIDOS MAS DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 389146-41.2009.8.09.0000 – APELACAO CIVEL DES. HELIO MAURICIO DE AMORIM DJ 1050 de 25/04/2012) (grifo nosso)

Registre-se que apenas haveria usurpação de competência originária do Tribunal de Justiça se os pedidos principais postados nesta ação fossem a declaração abstrata de inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 264/11, o que, definitivamente, não é a hipótese dos autos.

Os pedidos principais que se apresentam por meio desta ação consistem em obter-se a declaração de nulidade dos atos praticados com base na Lei Complementar Municipal nº 264/11 e, ainda, em proibir que o Município de Anápolis conceda termo de ocupação, alvará de construção e de funcionamento e deixar de aprovar os projetos de arquitetura ou engenharia a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas relativas à área aumentada no perímetro urbano por meio desta lei.

Em suma, nos dizeres de PEDRO LENZA (Direito Constitucional Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 156), “o ajuizamento da ação civil pública visar, não à apreciação da validade constitucional de lei em tese, mas objetivar o julgamento de uma específica e concreta relação jurídica, aí, então, tornar-se-á lícito promover, incidenter tantum, o controle difuso de constitucionalidade de qualquer ato emanado do Poder Público.” (Direito Constitucional Esquematizado. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 156).

Portanto, repita-se à exaustão: doutrina e jurisprudência

uníssonas admitem, como causa de pedir, o controle difuso de constitucionalidade

em ação civil pública.

II.2.4. DO ABUSO DO PODER DE LEGISLAR

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De tudo que se falou, tem-se claro, pelos documentos

juntados, especialmente pelas informações do Prefeito Municipal, que o Poder

Legislativo local agiu em manifesto abuso de poder de legislar.

A figura do abuso do poder de legislar já foi objeto de

estudos doutrinários, encontrando acolhida, de igual sorte, no direito jurisprudencial.

Não se desconhece a liberdade que possui o poder legislativo na consecução de

sua atividade típica de elaboração normativa. Trata-se de atividade discricionária,

mas que não pode arrostar as balizas da legais, sob pena de nulidade do produto

dessa atividade. A sanção, a depender da hipótese, será o reconhecimento da

inconstitucionalidade ou da ilegalidade. As lições clássicas de Caio Tácito, dão bem

o tom da questão:

"O desvio de poder é, por definição, um limite à ação discricionária, um freio ao transbordamento da competência legal além de suas fronteiras, de modo a impedir que a prática do ato administrativo, calcada no poder de agir do agente, possa dirigir-se à consecução de um fim de interesse privado, ou mesmo de outro fim público estranho à previsão legal. O batismo do vício de legalidade procura definir, graficamente, a idéia de que a competência discricionária tem um alvo previsto na lei, do qual a autoridade não se pode desviar sob pena de nulidade do ato. “1

No mesmo sentido, preciosa é a lição do professor Carlos Ari

Sundfeld:

"A atividade legislativa está sujeita a limites jurídicos; não é, destarte, uma operação livre. O Legislativo não é um Poder soberano, mas, como os demais, um poder subordinado à ordem jurídica (...).O legislador nunca é totalmente livre, ainda quando a Constituição nada tenha disposto sobre o assunto a ser regulado. Donde assistir-lhe a competência para legislar, não há liberdade para fazê-lo. E a competência é, por natureza, um poder dirigido a finalidades estranhas ao agente, a ser destarte exercido 'quando e com as modalidades requeridas pelos correspondentes interesses públicos que deverão ser tutelados', na precisa lição de Paolo Biscaretti di Ruffia."2

1 Desvio do Poder de Legislar. Revista Trimestral de Direito Público nº 1/62

2 Inconstitucionalidade por Desvio de Poder Legislativo. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 8/131.

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E por fim, do alto de seu magistério, o notável Miguel Reale,

assevera com acuidade: "Alegar-se-á que a lei pode tudo, até mesmo converter o

vermelho em verde, para eliminar proibições e permitir a passagem de benesses,

mas há erro grave nesse raciocínio. As vedações constitucionais, quando ladeadas

em virtude de processos oblíquos, caracterizam desvio de poder e, como tais, são

nulas de pleno direito." (grifei)

A Câmara Municipal de Anápolis, não obstante sua

discricionariedade na apreciação legislativa típica, fincada, evidentemente, nas

balizas constitucionais e legais, afrontou a ordem jurídica, solapando o devido

processo legal, cujas bases encontram-se fundadas no Princípio do Estado de

Direito, vinculante, inclusive, na seara da formação das leis.

O controle de legalidade, portanto, é perfeitamente possível

cabendo ao Poder Judiciário sindicar o ato viciado, com vistas à proteção da ordem

urbanística do município de Anápolis; como já frisado, direito difuso por

excelência.,Inadmissível, destarte, a manutenção da lei municipal com a

consequente produção de efeitos na órbita jurídica do município de Anápolis, de

seus habitantes e visitantes, quando a mesma contém vícios patentes, conforme

alinhavados, ensejando, pois, o pedido de inconstitucionalidade incidenter tantum.

III. A EXPANSÃO URBANA EM ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA) SEM OBSERVAÇÃO AO PLANO DE MANEJO

Para agravar ainda mais a situação, os Vereadores, por

meio de suas “emendas” puramente subjetivas para satisfação de interesse

individual em detrimento do interesse público, ainda alargaram o perímetro urbano

em região abrangida pela “APA DO JOÃO LEITE” (área n. 1 do mapa anexo), área

esta de proteção ambiental, onde se fazia necessário o estudo e consideração de

seu plano de manejo, conforme estabelece o próprio plano diretor municipal (Lei

Complementar Municipal nº 128/06):

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Art. 9º. O território do Município de Anápolis se divide em seis

macrozonas:

I – Macrozona do Rio João Leite, caracterizada por uma área de

preservação ambiental onde se insere a Região de Planejamento João

Leite, constituindo o elemento fundamental para controle sustentável

do processo de uso e ocupação das atividades econômicas e

imobiliárias;

§ 2º. O Plano de Manejo da APA João Leite definirá os usos e ocupações coerentes com a sua função no equilíbrio ambiental da Macrozona do Rio João Leite. (Grifo nosso)

A APA do João Leite foi criada pelo Decreto Estadual nº

5.704/2002 e delimitada pelo Decreto Estadual nº 5.845/2003 e, uma vez sendo

unidade de conservação estadual, as intervenções, na sua área, como aquelas que

ocorreram, no presente caso, deverão observar o seu plano de manejo, conforme

dispõe, também, a Lei Federal nº 9.985/00, que institui o Sistema Nacional de

Unidades de Conservação da Natureza, in verbis:

Art. 2º.(…)• Plano de Manejo – documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas e necessárias à gestão da unidade.

Resta caracterizada, pois, a ilegalidade e irresponsabilidade

dos atos dos senhores Vereadores, ao aprovarem, e do senhor Prefeito ao

promulgar a Lei Complementar Municipal nº 264/11, a qual determina expansão

urbana em área de proteção ambiental sem sequer analisar e considerar o seu plano

de manejo, área esta de nascentes vital à formação do Ribeirão João Leite, o

principal manancial de abastecimento de água da região metropolitana de Goiânia.

IV – DOS PEDIDOS

IV.1. DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

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Além do poder geral de cautela que a lei processual

estabelece (CPC, arts. 798 e 799), a Lei de Ação Civil Pública, o Código de Defesa

do Consumidor e o art. 273, do CPC, autorizam o Magistrado a antecipar o

provimento final, liminarmente, e a determinar medidas satisfativas ou que

assegurem o resultado prático da obrigação a ser cumprida (art. 84, CDC, e art. 273,

I, CPC). Referidas regras são aplicáveis a qualquer ação civil pública que tenha por

objeto a defesa de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo (art. 21, da Lei

de Ação Civil Pública, com a redação dada pelo art. 117, do Código de Defesa do

Consumidor), no que se convencionou denominar de microssistema ou um sistema

de processo coletivo.

Avançando sobre o tema, calha exaltar a precisa lição de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO sobre a previsão normativa vertida no artigo 12 da Lei da Ação Civil Pública (“poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”):

A tutela preventiva tem por escopo impedir que possam consumar-se danos a direitos e interesses jurídicos em razão da natural demora na solução dos litígios submetidos ao crivo do Judiciário. Muito freqüentemente, tais danos são irreversíveis e irreparáveis, impossibilitando o titular do direito de obter concretamente o benefício decorrente do reconhecimento de sua pretensão.(...) A simples demora, em alguns casos, torna inócua a proteção judicial, razão por que as providências preventivas devem revestir-se da necessária presteza. (Ação Civil Pública – comentários por artigo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 343.)

Quanto ao instituto da antecipação dos efeitos da tutela, o aplaudido professor HUGO NIGRO MAZZILLI assevera que:

A tutela antecipada visa a deferir provisoriamente ao autor, antes do julgamento definitivo da ação, o próprio provimento jurisdicional pretendido, ou seus efeitos (tutela satisfativa). (...)Se for relevante o fundamento da demanda e justificado o receio de ineficácia do provimento final, a pedido da parte, poderá o juiz adiantar a tutela de mérito em dois momentos: a) initio litis, mediante expedição de mandado liminar; b) após justificação prévia, citado o réu. (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 470-471)

No presente caso, é imperiosa a concessão da tutela

antecipada com esse conteúdo tutelar preventivo/repressivo, de modo a impedir que

o poder público, por meio da prefeitura municipal, pratique qualquer ato

administrativo com base na lei ora impugnada, especialmente aqueles que digam

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respeito ao andamento de eventuais autorizações para o parcelamento/loteamento das áreas abrangidas pelo texto legal.

Os requisitos da antecipação de tutela previstos no artigo

273 do Código de Processo Civil são os seguintes: a) prova inequívoca do alegado;

b) verossimilhança da alegação; e, c) receio de dano irreparável, ou de difícil

reparação à ordem urbanística, amplamente demonstrados ao longo desta inicial.

Diante dessas orientações, verifica-se que in casu estão

presentes os requisitos legais para a concessão liminar da antecipação dos efeitos da tutela, no afã de impedir a perpetuação do estado de

inconstitucionalidade instalado no Município de Anápolis, onde tem havido

inegável violação a várias normas (regras e princípios) cogentes de caráter

constitucional (relevante fundamento da demanda).

A ilegalidade encontra-se demonstrada de plano, porquanto

a aprovação da lei municipal alteradora da lei que delimita o perímetro urbano do

município de Anápolis ocorrera ao arbítrio, violando as regras e condicionantes,

verdadeiras limitações impostas tanto pela Constituição Federal, Constituição

Estadual, o Estatuto da Cidade, quanto pelo próprio Plano Diretor, demonstrando,

por si só, a verossimilhança das alegações contidas na presente inicial.

Evidencia-se, ademais, que os fatos narrados na presente

exordial exigem, em razão do perigo da demora processual, um provimento

jurisdicional emergencial, não sendo razoável sujeitar a comunidade e a própria

cidade, até o provimento definitivo, aos efeitos deletérios já mencionados,

decorrendo sérios riscos quanto aos resultados úteis da presente demanda.

Caso continue a produzir efeitos, por certo, o município se

verá obrigado, além dos demais órgãos do Estado de Goiás (SEMARH, SANEAGO,

CELG, etc), a autorizar ou movimentar a máquina administrativa no sentido que

prosseguir com os requerimentos já aviados por um dos interessados em implantar o

loteamento, ou os que, decerto, virão, causando danos urbanísticos que serão de

difícil reparação, com previsível comprometimento do padrão de desenvolvimento da

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cidade. Afinal, a lei além de ter sido aprovada sem nenhum critério legal, também o

foi sem a execução de qualquer estudo técnico de viabilidade, adequação, enfim,

sem absolutamente nenhum planejamento.

Em resumo: a aprovação da lei alteradora do perímetro

urbano do município traz impactos diretos no planejamento urbano da cidade,

evidenciando a possibilidade de riscos irreversíveis, não só do ponto de vista do

meio ambiente urbano, como do natural, afinal poderá acarretar ocupação das áreas

e a realização de atos materiais por parte dos interessados, ainda mais

considerando que abrangeu área localizada na APA João Leite, onde se encontram

importantes nascentes do Ribeirão João Leite.

Há inegavelmente, necessidade de tutela jurisdicional

antecipada para impedir, desse modo, que a prefeitura municipal, através de seus

órgãos competentes, pratiquem atos administrativos no sentido de regularizar as

áreas para os fins de urbanização.

O provimento jurisdicional emergencial ora pleiteado compõe

parcela do próprio pedido inicial, de forma que o seu deferimento consubstancia-se

em adiantamento provisório daquele pedido, configurando-se, assim, antecipação

parcial do mérito da demanda, situação que, escorada no princípio fundamental da

inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV - a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”), vem

sendo amplamente referendada pela jurisprudência do STJ, a teor do que se

colhe abaixo:

(…) 2. O disposto no art. 1º, § 3º, da Lei nº 8.437/92, que estabelece que não será cabível medida liminar contra o Poder Público que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação, refere-se "às liminares satisfativas irreversíveis, ou seja, àquelas cuja execução produz resultado prático que inviabiliza o retorno ao statu quo ante, em caso de sua revogação" (REsp 664.224/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 05.09.2006, DJ 01.03.2007, p. 230). Contudo, a irreversibilidade da medida liminar concedida, conforme aduz o agravante, implicaria no reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, sob pena de violação à Súmula 7 do STJ. 3. "A vedação contida nos arts. 1º, § 3º, da Lei 8.437/92 e 1º da Lei 9.494/97, quanto à concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública nos casos

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de aumento ou extensão de vantagens a servidor público, não se aplica nas hipóteses em que o autor busca sua nomeação e posse em cargo público, em razão da sua aprovação no concurso público. Precedente do STJ" (AgRg no Ag 1.161.985/ES, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 02.08.2010). Agravo regimental improvido. (AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 17774/DF (2011/0143484-9), 2ª Turma do STJ, Rel. Humberto Martins. j. 18.10.2011, unânime, DJe 26.10.2011).

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESIGNAÇÃO DE DEFENSOR PÚBLICO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA ESTATAL (ART. 5º LXXIV, CF/88). ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. 1. É possível a concessão de antecipação dos efeitos da tutela em face da Fazenda Pública, como instrumento de efetividade e celeridade da prestação jurisdicional, sendo certo que a regra proibitiva, encartada no art. 1º, da Lei 9.494/97, reclama exegese estrita, por isso que, onde não há limitação não é lícito ao magistrado entrevê-la. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 945.775/DF, Quinta Turma, DJ de 16.02.2009; AgRg no REsp 726.697/PE, Segunda Turma, DJ de 18.12.2008; AgRg no Ag 892.406/PI, Quinta Turma, DJ 17.12.2007; AgRg no REsp 944.771/MA, Segunda Turma, DJ De 31.10.2008; MC 10.613/RJ, Rel. Primeira Turma, DJ 08.11.2007; AgRg no Ag 427600/PA, Primeira Turma, DJ 07.10.2002. 2. A tutela reversível não esgota o objeto da demanda proposta ab origine, a qual objetiva a designação de Defensor Público para a Comarca de Aripuanã-MT. 3. O aresto que confirma a tutela de urgência sob fundamento de que inocorreu afronta à separação constitucional dos poderes, mercê de ter afirmado a cláusula pétrea do acesso à justiça, contém fundamentos insindicáveis pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. É assente no egrégio Superior Tribunal de Justiça que: "É possível a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública desde que a pretensão autoral não verse sobre reclassificação, equiparação, aumento ou extensão de vantagens pecuniárias de servidores públicos ou concessão de pagamento de vencimentos' (REsp 945.775/DF, Quinta Turma, DJ de 16.02.2009) 5. Hipótese de antecipação dos efeitos da tutela concedida nos autos de Ação Civil Pública, promovida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, para determinar que o demandado providenciasse, no prazo de vinte dias, a designação de Defensor Público para a Comarca de Aripuanã-MT, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 15.000,00 na hipótese de descumprimento (fls. 12/19). 6. In casu, o bem jurídico tutelado - direito à assistência judiciária estatal assegurado pela Constituição Federal em seu art. 5º, LXXIV - transcende à proibição erigida quanto ao deferimento da tutela de urgência. 7. Recurso Especial desprovido. (Recurso Especial nº 934138/MT (2007/0058975-7), 1ª Turma do STJ, Rel. Luiz Fux. j. 10.11.2009, unânime, DJe 04.12.2009)

De igual modo, outras Cortes de Justiça também tem afastado a regra proibitiva para o fim de amparar os direitos difusos e indisponíveis, em conformidade com as disposições das ementas infra:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PODER PÚBLICO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. SAÚDE. POSSIBILIDADE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. VEROSSIMILHANÇA. COMPROVAÇÃO. RECURSO

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PROVIDO PARCIALMENTE. A regra segundo a qual "não será cabível a medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação", comporta mitigação, quando se tem em mira direito indisponível da parte, como é o caso do direito à saúde. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A garantia constitucional do acesso à prestação de serviços de proteção à saúde e prevenção de doenças se perfaz diante da prova da efetiva necessidade dos medicamentos pleiteados. V.V.P: Conforme precedentes do colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, a multa por descumprimento de decisão judicial pode ser imposta em desfavor do ente público. (DES. EDILSON FERNANDES). (Agravo de Instrumento nº 0543897-04.2011.8.13.0000, 6ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Antônio Sérvulo. j. 13.12.2011, Publ. 12.01.2012).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - MEDIDA QUE ESGOTA, EM PARTE, O OBJETO DA AÇÃO - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA - POSSIBILIDADE - OBRIGAÇÃO DE FAZER - REFORMA E AMPLIAÇÃO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL - DEMORA INJUSTIFICADA NA REALIZAÇÃO DE OBRAS NECESSÁRIAS - PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA - INEXISTÊNCIA DE INGERÊNCIA INDEVIDA MULTA POR DESCUMPRIMENTO EXCESSIVA - REDUÇÃO - AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. O princípio da dignidade humana autoriza a antecipação de tutela para determinar que o Estado tome providências, há muito reclamadas, para resolução de situação precária, insalubre e de insegurança existente em estabelecimento prisional, ainda que esgote, em parte, o objeto da ação. “Não obstante haja certa reserva quanto à possibilidade de conceder tutela antecipada em ações movidas contra a Fazenda Pública, o certo é que não se mostra razoável deixar de se adotar tal medida, que é necessária para evitar riscos à vida dos detentos e funcionários da Cadeia Pública, bem como garantir a segurança da população em geral.” (Dra. Giovana Pasqual, Juíza de Direito). É cabível a cominação de multa, em valor razoável, para o caso de descumprimento da ordem judicial. (Agravo de Instrumento nº 96343/2006, 6ª Câmara Cível do TJMT, unânime, j. 06.06.2007,).

Dessarte, impõe-se mencionar que a acolhida do pedido não encerrará a irreversibilidade do provimento, porquanto o município tão

somente ficará impedido de tomar medidas concretas baseadas na legislação

viciada e nas limitações legais existentes.

Registra-se, por oportuno, que caso semelhante ocorreu

recentemente no Município de Goiatuba, onde os Vereadores propuseram

modificações no perímetro urbano daquele município e, felizmente, atendendo

pedido de antecipação dos efeitos da tutela em sede de ação civil pública proposta

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pelo Órgão Ministerial, o MM. Juiz de Direito daquela Comarca, restabeleceu a

ordem, conforme cópia de decisão que ora se junta.

Assim, requer-se a concessão de antecipação da tutela,

devendo ser observada a disposição inserta no art. 2º da Lei n. 8.437/92, para que os representantes dos réus, sejam notificados a se pronunciarem no prazo de 72 (setenta e duas) horas, para o fim de impor imediatamente a obrigação de não fazer:

a) Ao MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS que se abstenha de

praticar qualquer ato administrativo (autorizações, licenças, certidões de uso do solo,

lançamento de IPTU, termo de ocupação, alvará de construção e de funcionamento)

e, ainda, que deixe de aprovar os projetos de arquitetura ou engenharia a quaisquer

pessoas físicas ou jurídicas relativas à área aumentada no perímetro urbano por

meio desta lei, baseado na Lei Municipal n. 264, de 19 de dezembro de 2011,

abstendo-se, ainda, de sua execução, caso já o tenha praticado;

b) Para eventualidade de não cumprimento das obrigações

de não fazer postuladas nos itens 1 e 2, requer-se, nos termos do artigo 273,

parágrafo 3° e do artigo 461, parágrafo 4°, ambos do Código de Processo Civil, que

seja fixada multa diária e pessoal (Prefeito*) que deverá incidir separada e

cumulativamente (arts. 12, § 2º, da LACP e 84, § 4º, do CDC), sem prejuízo da

responsabilização criminal por crime de desobediência e, ainda, incidência das

medidas de apoio vertidas no art. 84, § 5º, do CDC); devendo o valor da multa ser

revertido para o Fundo Municipal do Meio Ambiente.

c) Que seja oficiado ao Registro de Imóveis local, para

efetivação da averbação publicitária da presente ação civil pública, nas matrículas

suso mencionadas;

*)* Sobre a possibilidade de aplicação de multa pessoal ao agente público, confira-se a recente ementa também oriunda do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “2. A cominação de astreintes (...) pode ser direcionada não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes responsáveis pelo cumprimento das determinações judiciais. (...)” (STJ. REsp nº 1.111.562-RN (2008/0278884-5), Rel. Min. Castro Meira).

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d) Deferida a antecipação, seja encaminhada cópia da

decisão para conhecimento da SEMARH, CELG e SANEAGO;

IV.2. DOS PEDIDOS FINAIS

Na defesa da ordem jurídica justa, com estribo na fundamentação fática e jurídica deduzida nesta peça inaugural, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS requer a prestação de uma tutela jurisdicional efetivamente protetiva e, para tanto, apresenta os seguintes pedidos e requerimentos:

a) seja a presente ação recebida, autuada e processada de acordo com o rito ordinário, com a observância das regras vertidas no microssistema de proteção coletiva (inaugurado pela conjugação dos arts. 21 da Lei 7.347/85 e 90 da Lei 8.078/90);

b) a citação dos réus, na pessoa de seus representantes para, querendo e, no prazo legal, contestarem a presente ação, sob os efeitos da revelia e suas consequências jurídicas;

c) que as diligências oficiais sejam favorecidas pelo disposto no art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

d) a comunicação pessoal dos atos processuais, nos termos do art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil, e do art. 41, inciso IV, da Lei nº 8.625/93;

e) a concessão dos provimentos liminares pleiteados nos moldes descritos no item “IV” – “IV.1” (antecipação dos efeitos da tutela) –, fixando-se multa diária em valor razoável, a incidir pessoalmente sobre a autoridade responsável pelo descumprimento das ordens judiciais;

f) seja observado, por analogia, o estatuído no art. 2º da Lei nº 8.437/92 (“No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas”), determinando-se a oitiva prévia do Sr. Prefeito Municipal e do Presidente da Câmara Municipal de Anápolis;

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g) Seja acatada a questão prejudicial para que seja reconhecida, via controle difuso, a inconstitucionalidade incidenter tantum da Lei Complementar Municipal nº 264/11, a fim de que sejam deferidos os seguintes pedidos definitivos:

g.1) seja renovada na sentença a antecipação dos efeitos da tutela para que a Prefeitura Municipal de Anápolis seja compelida a cumprir obrigação de não-fazer, consistente em abster-se de praticar qualquer ato administrativo (autorizações, licenças, certidões de uso do solo, lançamento de IPTU, termo de ocupação, alvará de construção e de funcionamento) e, ainda, que deixe de aprovar os projetos de arquitetura ou engenharia a quaisquer pessoas físicas ou jurídicas relativas à área aumentada no perímetro urbano por meio desta lei, baseado na Lei Municipal n. 264, de 19 de dezembro de 2011, sob pena de multa diária (arts. 12, § 2º, da LACP e 84, § 4º, do CDC) a incidir sobre a autoridade responsável pelo descumprimento; responsabilização criminal por crime de desobediência e, ainda, incidência das medidas de apoio vertidas no art. 84, § 5º, do CDC;

g.2) seja reconhecida na sentença a nulidade dos atos praticados com base na Lei Complementar Municipal nº 264/11;

g.3) o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330 do Código de Processo Civil, uma vez que não se vislumbra a necessidade de produção de prova em audiência;

g.4) a condenação dos réus ao pagamento das “despesas processuais”.

Por fim, caso não haja o julgamento antecipado da lide, este Órgão Ministerial protesta, ainda, por provar o alegado por meio de todos os meios de prova em direito admitidos, em especial, pela oitiva de testemunhas, realização de perícia e a posterior juntada de documentos.

Observada a dispensa do pagamento de custas,

emolumentos e encargos, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85 e art. 87 do

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Código de Defesa do Consumidor, dá-se à causa o valor de R$ 622,00 (seiscentos e

vinte e dois reais).

Termos em que pede e

aguarda deferimento.

Anápolis, 02 de maio de 2012.

SANDRA MARA GARBELINIPromotora de Justiça

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