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    Foro de Dourados1Vara Crim inal1Ofcio Cr im in al

    Processo n 002.06.003857-0

    Laudo antropolgico pericial para esclarecimento do grau

    de imputabilidade de indgenas envolvidos em crime de

    homicdio contra policiais civis na Comarca de Dourados,

    Mato Grosso do Sul

    Dezembro / 2006

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    Laudo antropolgico pericial para esclarecimento do grau de

    imputabilidade de indgenas envolvidos em crime de homicdio contra

    policiais civis na Comarca de Dourados, Mato Grosso do Sul

    _____________________________Alexandr a Barbosa da Silva

    (Responsvel tcnica)Registro na Associao Brasileira de Antropologia (ABA) n

    2143773263

    _____________________________Fabio Mura

    (Assistente tcnico)Registro na Associao Brasileira de Antropologia (ABA) n

    2143769157

    _________________________________

    Rubem F. Thomaz de Alm eida(Assistente tcnico)

    Registro na Associao Brasileira de Antropologia (ABA) n2143769770

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    Sumrio

    Foro de Dourados ___________________________________________________ 1

    1 Vara Criminal ____________________________________________________ 1

    1Ofcio Criminal ___________________________________________________ 1

    Processo n 002.06.003857-0 _______________________________________ 1

    Dezembro / 2006 ____________________________________________________ 1

    _____________________________ ______________________________________ 2

    Alexandra Barbosa da Silva ___________________________________________ 2

    (Responsvel tcnica) ________________________________________________ 2

    Registro na Associao Brasileira de Antropologia (ABA) n 2143773263 _____ 2

    _____________________________ ______________________________________ 2

    Fabio Mura ________________________________________________________ 2

    (Assistente tcnico) __________________________________________________ 2

    Registro na Associao Brasileira de Antropologia (ABA) n 2143769157 _____ 2

    _________________________________ __________________________________ 2

    Rubem F. Thomaz de Almeida ________________________________________ 2

    (Assistente tcnico) __________________________________________________ 2

    Registro na Associao Brasileira de Antropologia (ABA) n 2143769770 _____ 2

    Sumrio ___________________________________________________________ 3

    Introduo _________________________________________________________ 6

    Contextualizao do trabalho pericial realizado in loco ___________________________ 7

    Metodologia adotada ______________________________________________________ 8

    Resposta aos quesitos ____________________________________________ 10

    Quesitos da AGU/ PGF / FUNAIpresentes s pp. 363-64 do processo ______ 11

    1) Os componentes da etnia guarani-kaiow, tem como costume a no assimilao e

    entendimento dos valores que tem a sociedade envolvente e no ndia? _____________________ 11

    2) Tradicionalmente os componentes da etnia guarani-kaiow, em seu empirismo

    conceitual, investida ou imbuda a promover ataques contra pessoas? _____________________ 15

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    3) Como reagem os guaranis kaiows quando percebem quaisquer ameaas contra a sua

    comunidade? __________________________________________________________________ 15

    4) Havia conflito anterior, de quaisquer origens, ao fato ocorrido no local do evento, dia

    01.04.2006? ___________________________________________________________________ 19

    5) Havia acordo anterior entre as autoridades policiais por consultarem a FUNAI antes de

    qualquer ao para o ingresso em comunidades indgenas? ______________________________ 20

    6) Pode o expert, explicar antropologicamente, se os examinados/rus possuem o

    discernimento e o carter da ilicitude cometida? _______________________________________ 20

    7) Qual a percepo tradicional que possuem os examinados sobre a questo ligada aos

    crimes, com conhecimento prprio de sua cultura? _____________________________________ 21

    8) Os delegados responsveis pelo inqurito policial possuam, ao tempo das oitivas com

    os indgenas de Passo Piraju e examinados, as competncias comunicativas (gramatical, lingstica,

    discursiva e intencional) necessrias para realizar as entrevistas sem que os inquiridos se sentissem

    confusos ou coagidos a responder? _________________________________________________ 23

    9) Que fatos anteriores ao confronto com policiais poderiam ter levado os indgenas a

    confundirem policiais com potenciais agressores? _____________________________________ 23

    10) Desconhecedora das teorias antropolgicas contemporneas, a sociedade envolvente

    tem enfatizado que os ndios de Passo Piraju e rus no presente processo so integrados. Explicar

    para os operadores de direito as falhas dos pressupostos epistemolgicos das teorias que apontam

    para dita integrao.___________________________________________________________ 24

    Quesitos da AGU/ PGF / FUNAIpresentes s pp. 712-13 do processo ______ 28

    1) Procedido o exame dos periciandos, digam os Srs. Peritos se os mesmos so isolados,

    integrados ou em vias de integrao nos termos do artigo 4 da Lei 6.001/73, como os mesmos se

    classificam de acordo com a predita norma legal. ______________________________________ 28

    2) Tinham os acusados, na ocasio dos fatos que originaram a ao penal, condies de

    avaliar o carter criminoso de sua conduta de acordo com o homem mdio civilizado. _______ 28

    3) Os acusados apresentam ou apresentavam algum indcio de desvio de conduta no meio

    tribal. ________________________________________________________________________ 29

    4) Procedido o exame pericial, digam os Srs. Peritos quais as reaes demonstradas pelos

    acusados, grau de periculosidade, integrao comunho nacional, bem como, seja pormenorizadohistrico dos fatos que antecederam a ao delituosa. ___________________________________ 29

    5) Digam osExpertso que levou os acusados a procederem s agresses descritas na

    denncia. _____________________________________________________________________ 29

    6) Prestem os Srs. Peritos todas as informaes que entenderem necessrias soluo do

    presente incidente, descrevendo em concluso circunstanciada o grau de imputabilidade dos Rus,

    responsabilidade pelos seus atos, e a capacidade de entendimento do carter delituoso da conduta.30

    7) Os acusados possuem domnio do idioma Portugus? _________________________ 30

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    8) Em face do conflito fundirio deflagrado entre os acusados e fazendeiros da regio,

    possvel afirmar que a ao dos acusados ocorreu de forma individualizada, pr-ordenada ou de

    forma coletiva? ________________________________________________________________ 31

    9) Os acusados agiram em defesa dos interesses coletivos do grupo tribal? ___________ 32

    10) Descrevam os Srs. Peritos a ao dos acusados em cotejo com os parmetros culturais

    do Grupo tnico a que pertencem. __________________________________________________ 32

    Quesitos do Juzopresentes s pp. 255-56 do processo ___________________ 33

    1) Os denunciados ao tempo da ao eram inteiramente capazes de entender o carter

    ilcito de suas condutas? __________________________________________________________ 33

    2) Os denunciados eram ao tempo da ao relativamente incapazes de entender o carter

    ilcito de suas condutas? __________________________________________________________ 34

    3) Os denunciados eram ao tempo da ao absolutamente incapazes de entender o carter

    ilcito de suas condutas? __________________________________________________________ 34

    4) Os acusados, ao tempo da ao eram imputveis, semi-imputveis ou inimputveis? _ 34

    5) Pode o perito concluir pela entrevista investigativa que os rus, ao tempo da ao

    estavam integrados sociedade dos brancos? _______________________________________ 34

    Bibliografia _______________________________________________________ 35

    Anexo ________________________________________________________ 41

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    In t roduo

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    Contextualizao do trabalho pericial realizado in loco

    Inicialmente h aqui que fazer referncia s atividades desenvolvidas em campo,

    as quais se deram entre os dias 01 e 08 de junho de 2006, transcorrendo de modo

    satisfatrio, tanto na comunidade autodenominada de Paso Piraju quanto com os nove

    acusados detidos no sistema prisional. A entrevista com a nica detenta mulher foi

    realizada no presdio feminino do municpio de Rio Brilhante, sendo que os demais

    indgenas foram conduzidos (escoltados pela Polcia Militar) para uma sala no Frum de

    Dourados, onde foram realizadas as entrevistas.

    No intuito de obter dados documentais para responder a determinados quesitos

    constantes da percia, houve tambm incurses sede do Ministrio Pblico Federal de

    Dourados e ao Ncleo da FUNAI de Dourados.

    A dinmica empreendida nos trabalhos seguiu o pressuposto metodolgico de

    que os indivduos aprisionados no poderiam absolutamente ser considerados de modo

    isolado, por si mesmos, mas que, ao contrrio, seus entendimentos e manifestaes

    necessariamente deviam ser relacionados a um contexto de referncia mais amplo, que

    a comunidade da qual participavam como membros e no seio da qual se geraram os

    fatos ocorridos. Tal pressuposto revela-se mais contundente dado o fato de que os

    acusados so indgenas, cujo marco referencial uma tradio de conhecimento que

    difere em muito daquele da dita sociedade brasileira envolvente. Assim sendo, os dados

    de maior relevncia so indubitavelmente aqueles provenientes da comunidade

    autodenominada Paso Piraju. Como um elemento que vem a reforar tal observao est

    o fato de que um dos presos entrevistados (o ru Hermnio Romero) apresentava-se

    visivelmente amedrontado, de modo que sua entrevista muito pouco contribuiu em

    termos de informaes e esclarecimentos.A aproximao aos presos e comunidade deu-se com o intuito precpuo de

    averiguar a compreenso que eles tinham dos fatos ocorridos e neste sentido, o

    presente trabalho representa a mais fiel reproduo de tal compreenso. Em sendo

    assim, essencial pr em relevo o fato de que este resultado no ele decorrente apenas

    do conhecimento apreendido durante o restrito perodo de investigao em campo, mas

    tambm e fundamentalmente do saber acumulado pelos Peritos que firmam o

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    presente documento, em muitos anos de experincia e estudos entre grupos Guarani-

    Kaiowa e Guarani-andva do estado de Mato Grosso do Sul.

    No que tange propriamente ao empreendimento investigativo, alguns destaques

    se fazem aqui relevantes, vistos os seus efeitos diretos sobre o contexto de investigaoe os dados obtidos.

    Chegando-se ao acampamento da comunidade perceptvel que a questo da

    reivindicao da terra determinante para o cotidiano das pessoas que ali se encontram.

    Durante todo o trabalho pericial foi verbalizado o fato de que a comunidade h tempos

    se sente insegura e temente pela incolumidade fsica e psicolgica dos indivduos,

    receios estes justificados por incidentes ocorridos envolvendo especificamente o

    proprietrio da fazenda Campo Belo, o qual, segundo os ndios, perpetrara ameaas emesmo agresso fsica a pessoas da comunidade. A manifestao generalizada desta

    comunidade foi de que os fatos que se desenrolaram no dia 01 de abril do corrente ano

    guardam relao direta com este contexto de conflito fundirio.

    Metodologia adotada

    Os resultados deste laudo esto restritos a um quadro terico antropolgico. As

    tcnicas de coleta de dados, portanto, foram diversificadas de modo a possibilitar

    informaes o mais confiveis possvel para elucidar sobre como os indgenas

    constroem os prprios pontos de vista sobre a realidade por eles vivenciada. Fatores

    culturais e de organizao social foram, ento, fundamentais para a escolha das tcnicas

    adotadas na abordagem.

    Em sendo assim, a opo foi por no realizar entrevista direta e gravada. Esta

    escolha tem seu fundamento no fato de que os grupos sociais que constroem suatradio de conhecimento sobre o mundo atravs da oralidade respondem a regras de

    narrao muito diferentes das que estamos acostumados, como ocidentais, em nossas

    experincias cotidianas1.

    1 A salientar esta significativa diferenciao, existe uma extensa literatura na rea de lingsticaantropolgica. Neste sentido, destaque-se, entre outros, Finnegan 1992; Goody 1968, 1989; Havelock1996; Ong 1989; Sherzer & Urban 1986; Zumthor 1983.

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    Pode-se afirmar que os indivduos Guarani-Kaiowa e Guarani-Nandva no

    apresentam uma narrativa que se inscreve nos moldes de uma tradio ocidental letrada,

    ou seja, no participam de uma vida social que estabelece critrios de verdade a partir

    da documentao escrita e de uma sistematizao seqencial e histrica dos eventos quese sucederam no tempo. Para esses ndios, o discurso corresponde a critrios culturais

    diferentes, socializados no interior de famlias extensas, base da organizao social

    desse povo.

    Embora hoje exista uma escolarizao massiva das crianas Guarani-Kaiowa e

    Guarani-Nandvao que possibilita aos ndios estabelecer critrios de sistematizao

    temporal das prprias experincias que se aproximam dos nossos, e que vm a se juntar

    aos seus critrios tradicionais , h que se levar em conta que grande parte dasinformaes prestadas procederam de idosos, cuja escolarizao nula ou quase.

    Nesses termos que se fazia premente a exigncia do estabelecimento de uma

    certa sintonia entre o entrevistador e o entrevistado, para que as perguntas apresentadas

    fossem respondidas de modo imediatamente inteligvel para o pesquisador. Foi este o

    motivo que levou a se estabelecer um contato marcado pelo mnimo de formalidade

    com as pessoas, de modo a gerar, assim, um clima em que estas pudessem se manifestar

    o mais livremente possvel. O procedimento, ento, foi o de conduzir conversas

    sistemticas, interferindo o mnimo possvel nas enunciaes verbais indgenas, que

    muitas vezes se manifestavam repentinamente, razo pela qual no foi usado o

    gravador, que interrompe a espontaneidade, e muitas vezes inibe o interlocutor. A

    tcnica de registro efetuada foi, ento, a escrita em cadernos de campo.

    Um destaque a ser feito sobre os indgenas detidos que as conversas se

    realizaram de modo privado e individual, de modo que eles puderam manifestar

    livremente suas posies e sua compreenso sobre os fatos em causa. Para tal, foi feito

    recurso traduo portugus-guarani, com o auxlio do ru Valmir Jnior Savala, para

    Ezequiel Valensuela, Paulino Lopes e Hermnio Romero, que demonstraram dificuldade

    em se expressar em portugus com a fluidez que pretendiam.

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    Resposta aos ques i tos

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    Ques itos da AGU/ PGF / FUNAI presen tes s p p. 363-64 doprocesso

    1) Os componentes da etnia guarani-kaiow, tem como costume a noassimilao e entendimento dos valores que tem a sociedade envolvente

    e no ndia?

    Os Guarani-Kaiowa se inscrevem em uma tradio de conhecimento cujas

    caractersticas divergem profundamente daquelas seguidas pelos membros da sociedade

    brasileira. Estes ndios organizam os saberes e os valores de modo diverso, inclusive

    aqueles decorrentes do contato com os brancos. Nestes termos, no possvel se dizer

    que a cultura indgena, como qualquer cultura, no contemple valores alheios, mas h a

    ressalva fundamental de que estes adquirem outro significado para os indgenas, uma

    vez que so integrados em um contexto muito especfico inclusive de atuao moral.

    Para se ter uma maior preciso neste sentido, interessante a considerao de alguns

    exemplos que se relacionem diretamente com o caso em questo.

    Em primeiro lugar ser considerada a idia de violncia. Nos dias de hoje os

    indgenas consideram de modo extremamente negativo a violncia (teko rair),

    valorizando, ao contrrio, o amor mtuo (mborayhu). Tal postura se deve, em certa

    medida, interao com o mundo cristo. H que se observar, porm, que este tipo de

    contraposio faz referncia s relaes internas famlia extensa (que a unidade

    social bsica) e seus aliados, grupo este que forma a comunidade poltica local. Nestes

    termos, com relao a famlias inimigas ou qualquer sujeito que ameace a esfera

    domstica ou comunitria, a violncia no considerada como um ato negativo; atos de

    vingana (teko repi) so atos considerados lcitos, por exemplo, quando dirigidos a

    contrastar ataques tidos como de feitiaria, encomendados pelos inimigos.

    Consideremos agora a noo de culpa e sua atribuio por parte dos Kaiowa.

    Para estes ndios a pessoa , por definio, pura, no sendo nunca culpada pelas aes

    de carter maligno que porventura cometa. Isto no significa dizer que no existem

    comportamentos ilcitos, mas simplesmente que os fatores que movem um determinado

    indivduo a concretizar uma determinada ao no dependem sempre unicamente da

    vontade da pessoa. Esta especificidade da psicologia e da avaliao moral e tica

    indgena sumamente importante, visto que est na base da maior diferena existente

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    entre eles e os brancos. Em sendo assim, mostra-se imprescindvel uma considerao

    minimamente detalhada da noo de pessoa entre os Kaiowa, uma vez que, sem seu

    entendimento, qualquer avaliao de fatos e responsabilidades se tornaria superficial,

    quando no profundamente etnocntrica (ou seja, baseada unicamente a partir do pontode vista do quadro moral e normativo da sociedade brasileira).

    Segundo os Kaiowa, em condies consideradas normais, o corpo (tet) dos

    indivduos adultos possui duas almas distintas: a corporal e a espiritual. Existe ainda,

    assentado no ombro do indivduo, o tupicha (esprito identificado com um animal)

    (cf. Cadogan 1962, p. 81). A primeira das referidas almas comea a se formar quando o

    ser humano alcana a maioridade, ento se expressando atravs da sombra (). Com o

    passar dos anos, esta alma se refora, sendo que, uma vez falecido o corpo, ela dele sedesprende, tornando-se angu. Assim, a agressividade e a picardia da angutm relao

    com a sua idade, tornando-se, nesses termos, mais ou menos perigosa para os que

    esto vivos, podendo influenci-los.

    No tocante ao esprito animal, este acompanha o corpo durante toda a vida, sua

    caracterstica variando muito de indivduo para indivduo. O tupicha, por seu turno,

    pode ser agressivo (quando ento identificado com a ona, o gavio, etc.) ou

    irreverente (quando seria um macaco, por exemplo), ou ainda fugaz e medroso (sendo

    interpretado como uma ave no predadora no de rapina). De acordo com o tipo de

    animal que caracterizaria o tupicha atribudo o apetite do corpo do indivduo,

    determinando tanto o gosto e a avidez alimentar quanto seu desejo sexual. Portanto,

    pode-se dizer que o esprito animal condiciona o comportamento do corpo do indivduo,

    conformando o que numa linguagem ocidental poderia ser interpretado como o

    temperamento e o instinto do corpo dos Kaiowa. Contudo, h que se colocar em

    destaque que estes fatores so considerados por estes indgenas como afetando a vida do

    corpo, no podendo ser definidos como sendo parte da personalidadedo indivduo. Os

    Kaiowa no se identificam absolutamente nem com o tupicha nem com a angu,

    mesmo quando esta alma ainda se encontra no corpo em que se formou e desenvolveu; a

    identidade destes indgenas est fundamentalmente associada alma espiritual, cujos

    atributos so em certa medida expressos atravs dos diferentes nomes que a ela so

    atribudos, isto , por um lado, ayvu e e, cujo significado palavra (cf. Meli et al.

    1976, p. 248), e, por outro, guyra, que significa pssaro. No primeiro caso, o que

    destacado a importncia da pessoa como parte de uma rede mais ampla de relaes,

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    determinadas estas atravs do ato comunicativo (verbal e do canto); no segundo caso, a

    identificao metafrica e metonmica da alma espiritual com uma ou mais aves coloca

    em evidncia a sua propriedade de voar, de se desprender de seu assento (apyka), que

    est localizado no interior do corpo2

    ; destaca-se tambm a sua instabilidade, estando elasempre sujeita a ser espantada, ento se afastando de sua sede corporal.

    Como foi afirmado, a descrio at aqui apresentada do indivduo refere-se s

    condies consideradas normais, isto as ayvu (almas espirituais) mantendo o controle

    sobre os outros fatores que influem sobre a ao do corpo. Entretanto, esta situao

    puramente ideal, uma vez que, segundo os ndios, existem influncias externas

    vontade da pessoa (ayvu), as quais levam esta ltima a ser dominada, atordoada ou at

    espantada este ltimo caso implicando em um seu progressivo afastamento do corpo.Nestes termos, o corpo do indivduo passa a receber (incorporar) uma quantidade

    indefinida de impurezas, nele colocadas seja por espritos malficos3, o angue (esprito

    carnal) e/ou o tupicha (esprito animal). O equilbrio individual, familiar e, em alguns

    casos, comunitrio, passa a ser quebrado, sendo o sujeito e o prprio contexto

    considerados como doentes, sendo interpretados pelos ndios como se encontrando em

    um estado quente (teko aku). Nestes casos, o objetivo , ento, o de esfriar (omboroy)

    o indivduo e seu contexto, atravs de prticas xamansticas (rezas realizadas pelos

    sacerdotes guarani), combatendo as aes malficas que tomaram conta do

    indivduo, impedindo que a vontade da pessoa (sua alma espiritual) possa se

    expressar livremente.

    Sumarizando o exposto, para os Kaiowa, uma vez que a alma/pessoa (ayvu) ,

    por natureza, pura, ela no nunca responsvel por aes negativas, a culpa sendo

    necessariamente atribuda a fatores externos que tomam conta do corpo do sujeito. Em

    hiptese alguma se pode dizer que os espritos malignos e/ou animais modificam a

    vontade da pessoa, mas a compreenso que esta ltima se torna neutralizada,

    dominada e/ou afastada do corpo do indivduo. A partir desse momento, este indivduo

    age sob responsabilidade das respectivas foras malficasque devem ser combatidas.

    Os Kaiowa descrevem a alma espiritual como sendo muito vulnervel, necessitando de

    2Na encruzilhada dos braos com o trax, como afirma Lauro, na rea indgena de Panambizinho, ou naaltura da garganta, segundo outra verso (v. Meli e Grnberg F. & G. 1976, p. 248).3 Espritos estes que podem ser os donos das florestas, das pedras, da escurido, etc, assim como osdemnios (ay), estes ltimos interpretados como sendo onas.

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    defesa incessante contra inimigos (espirituais e materiais), e tendo que ser

    continuamente reforada, contando para isto com o cuidado e a colaborao constantes

    de seus parentes.

    Dada esta breve descrio, podemos colocar em destaque alguns elementosimportantes:

    1) No existe sentimento de culpa entre estes indgenas no que diferem

    totalmente da dita tradio crist-ocidental.

    2) As punies aplicadas pelos ndios aos infratores que em alguns casos

    podem ser muito severas (chegando pena capital)nunca so dirigidas pessoa, mas

    s foras que neutralizaram a vontade dessa pessoa. O objetivo fazer uma purificao,

    expulsando os responsveis pelo desvio de conduta do corpo. Quando se considera quej no h mais condies para que a alma espiritual recupere o controle do corpoesta

    se tendo distanciado, retornando para cu (de onde originria) o indivduo no

    mais o mesmo, sendo expulso do espao comunitrio ou at suprimido existncia. Nos

    outros casos, sempre haver tentativas para restabelecer o equilbrio entre a pessoa e os

    outros fatores que agem no indivduo;

    3) O afirmado nos pontos 1 e 2 se refere fundamentalmente a aes

    comunitrias, com relao conduta de um seu membro (portanto, de um parente

    aliado). Diferente a postura assumida com relao conduta de indivduos no

    parentes, inimigos (quer sejam eles kaiowa, quer no-indgenas). Neste caso, o uso

    da violncia considerada lcita.

    Finalizando este quesito, retornemos ainda ao entendimento da violncia entre

    estes ndios. Um ponto a ser firmemente ressaltado neste sentido que a noo de

    crueldade inexistente para os Kaiowa. Para eles, uma ao violenta pode ser positiva

    ou negativa, no sendo nunca motivada (como pode ser para os brancos) pelo desejo

    de provocar sofrimento ou para induzir sadicamente a vtima a implorar piedade. Um

    exemplo pertinente que ao punir um esprito malfico (um angueou um ay, isto ,

    um demnio-ona), uma divindade pode fulmin-lo, reduzindo-o a cinzas. Este ato de

    violncia entendido como um ato purificador positivo e necessrio. Assim sendo, o

    que est em questo primordialmente a eficcia de uma ao violenta, contundente.

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    2) Tradicionalmente os componentes da etnia guarani-kaiow, em seu

    empirismo conceitual, investida ou imbuda a promover ataques contra

    pessoas?

    Do ponto de vista normativo, para ser pura, a pessoa no pode ser violenta

    como j afirmado na resposta ao quesito anterior. Isto, porm no descarta a

    possibilidade de que em caso extremos de defesa de membros da prpria famlia e/ou

    comunidade o indivduo no aja energicamente, sejam os agressores materiais e/ou

    espirituais. Para mais detalhes neste sentido, ver resposta ao quesito 1.

    3) Como reagem os guaranis kaiows quando percebem quaisquer

    ameaas contra a sua comunidade?

    Em situaes de equilbrio blico internamente ao grupo tnico (isto , entre os

    prprios indgenas), as agresses foram sempre objeto de ofensa, a serem contrapostas

    com vingana (teko repi) (v. Mura 2006). At as dcadas de 1940 e 1950 ainda existiam

    fortes conflitos entre as comunidades, com continuadas acusaes mtuas de feitiaria,

    o que produzia embates militares entre famlias inimigas (Brand 1997, Mura 2006).

    Com respeito a relaes intertnicas, os ndios guardam memria de conflitos comgrupos denominados de homens-onas (jaguarete ava), por eles considerados como

    seres povoadores do mato, extremamente agressivos e que costumavam fazer caadas

    entre os Kaiowa, consumindo carne humana crua. Segundo os indgenas, atualmente os

    jaguarete avaainda existem, e teriam o corpo humano e cabea de ona.

    Cabe salientar aqui com muita nfase o papel central desempenhado pela figura

    da ona na cosmologia dos Guarani. Este personagem o inimigo mortal destes

    indgenas, e pode se manifestar de vrias formas, dependendo do contexto. Segundo os

    Kaiowa, todos os que ns brancos classificamos como sendo animais so na

    verdade humanidades que decaram. No espao tempo das origens (ra Ypy), tudo o que

    existia eram humanidades. Osjaguarete ypy (as onas das origens), por exemplo, eram

    seres humanos, que falavam e eram muito perigosos. Segundo estes indgenas,

    significativa parte da construo do Cosmo foi dominada pela luta travada entre os

    gmeos heris civilizadores guarani (o Pai Kuara e o Jasy) e as onas das origens. Esta

    luta primordial institui a atual relao conflituosa entre homens (ndios, Ava) e onas,

    estas ltimas se manifestando sob mltiplas formas.

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    A especificidade comportamental atribuda s onas e o comportamento que o

    ndio deve manifestar frente a estas de central importncia para a compreenso das

    interpretaes fornecidas pelos integrantes da comunidade de Paso Piraju sobre os fatos

    ocorridos em 01/04/2006. de se saber que as onas provocam, desafiam, fazemtocaia. Em sendo assim, os adultos experientes instruem os jovens kaiowa a no

    responder e essas provocaes desses seres, apenas mantendo a guarda e tomando as

    devidas precaues. Diferente deve ser o comportamento quando as onas mostram as

    garras gesto que manifesta com clareza o fato de ela estar prestes a atacar. Nestes

    casos, deve-se agir de forma rpida e eficiente, neutralizando este poderoso inimigo, e

    deixando-o sem possibilidade de provocar danos posteriores. Se porventura ele for

    ferido, deve-se amarr-lo, dado que mesmo golpeado ele ainda se revela extremamenteperigoso. O objetivo de amarrar a ona tambm o de mostr-la para os demais

    membros da comunidade, de modo que estes tomem conhecimento de que o perigo foi

    debelado.

    Focalizando o caso especfico dos fatos ocorridos em Paso Piraju, mostra-se

    significativa a seguinte afirmao de Fermino (cujo nome indgena Tup Yvyraija,

    isto , Ajudante da entidade divina denominada Tup), um dos lderes religiosos

    dessa comunidade indgena4: A ona atacando a famlia, vai deixar? No vai

    cuidar?

    Cabe colocar em evidncia que no entendimento indgena esta expresso de

    Fermino no uma mera metfora. No se trataria de homens que se comportam

    como se fossem esses animais; ao contrrio, esses homens seriam onas, que se

    manifestam atravs do corpo desses homens.

    Durante o levantamento pericial realizado na comunidade de Paso Piraju, todos

    os indivduos manifestaram-se no sentido de ter sofrido uma violenta agresso (tpico

    das onas). Nestes termos, os indgenas que participaram do embate fsico com aqueles

    que coletivamente foram interpretados como sendo agressores, teriam, segundo eles (os

    4Os lderes religiosos (em guarani, anderu)so figuras centrais na determinao do quadro moral e ticoentre estes indgenas. So eles que possuem a capacidade de ouvir e de ver os seres invisveis,

    periodicamente recebendo dos deuses as regras de comportamento que devero ser respeitadas pelosdemais membros da comunidade. Suas interpretaes da realidade so, portanto, altamente relevantes,

    permitindo a reproduo da tradio de conhecimento Guarani-Kaiowa e Guarani-andva, bem como oseu cotejo com aquela crist-ocidental. Neste sentido, ver, entre outros, Meli, B., Grnberg F. & G.1976, Chamorro 1995, Mura 2006.

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    habitantes de Paso Piraju), desempenhado o papel de defensores da incolumidade fsica

    da comunidade. Vrios habitantes do Paso Piraju foram enfticos na afirmao de que

    os agressores foram abordados, em um primeiro momento, com o intento de se instaurar

    um dilogo com eles, buscando-se informaes sobre o porqu de estarem ali. Teriasido o no estabelecimento de um canal de comunicao por parte dos presumidos

    (pelos ndios) agressores e o uso de armas de fogo por parte destes o que teria

    impulsionado os ndios a agir atravs de tcnicas blicas, em defesa da comunidade

    tcnicas estas utilizadas tambm na captura de onas.

    Paulino Lopes, um dos indgenas que confessadamente aplicou essas tcnicas

    militares, contribuindo assim para neutralizar os que consideravam como agressores, se

    expressou a respeito do ocorrido do seguinte modo: O que foi feito, foi feito.Assim,

    temos que o que foi feito foi um ato necessrio, um embate contra algum que,

    de uma ameaa, tornou-se um inimigo visto que mais de uma vez foi reiterado

    (de modo unnime, pela comunidade de Paso Piraju e pelos que esto detidos na

    priso) que se pretendia conversar, saber por que os estranhos foram a Paso

    Piraju, mas, segundo os depoimentos, eles no quiseram conversar.A afirmao

    O que foi feito, foi feitotem o sentido de e revela a assuno de um dever de proteger

    as demais pessoas (toda a comunidade) de uma ameaa manifestada. Tanto o prprio

    Paulino Lopes quanto Ezequiel Valensuela (outro indgena que confessou participao

    no embate fsico com os que consideravam agressores) expressaram literalmente que

    no tm arrependimento pelos atos por eles cometidos. Demonstram saber que esto

    presos por conta desses atos, mas a manifestao de Ezequiel clara: ele no tem

    arrependimento porque foi s pelo defensivo, e no pela vontade [de matar].De sua

    parte, os indgenas da comunidade de Paso Piraju afirmaram unanimemente o

    entendimento de que o ato consumado ocorreu por legtima defesa.

    A respeito do no estabelecimento de uma comunicao entre as duas partes

    envolvidas no evento de 01/04/2006, contribui em muito a considerao de um dos mais

    importantes lderes religiosos kaiowa a respeito da criao do branco. Este lder,

    chamado Atans, morador da Terra Indgena Limo Verde (municpio de Amambai).

    Segundo Atans, tal criao marcada por um comportamento mantido pelo homem

    branco no tempo das origens, e que o distinguia radicalmente dos Ava (Homens

    Guarani). O brancodas origens (representado na figura de So Jos), embora tivesse

    se casado com a filha de uma das divindades mais importantes do panteo indgena (o

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    Pa'i Tani), no escutava e no socializava com os seus cunhados (que eram Kaiowa).

    Tal comportamento implicou na prpria morte de So Jos, ocorrida ao ser ele atingido

    (acidentalmente) por um dos raios arremessados por seus cunhados isto durante as

    fases de purificao do mundo, feita periodicamente pelas divindades. Atans destaca ofato de que se So Jos tivesse ouvido seus cunhados, teria recebido a informao da

    chegada de um raio na localidade onde foi fulminado, podendo assim evitar essa trgica

    morte. O fato que foi justamente essa atitude de So Jos que implicou em que ele

    fosse reduzido a cinzas. O desfecho de tal evento que So Jos foi renascido por obra

    de Pai Tani, dando assim a origem aos brancosatuais (brancos como a cor da cinza)5.

    Concluindo esta resposta, como fica claro em seus episdios cosmognicos, para

    os Kaiowa um dos fatores que conotam os brancos a atitude egosta e a tendncia ano ouvir os outrosno caso, os ndios. Em muitas situaes esta atitude se manifesta

    de modo agressivo, de parte de algum que se deve temer. Assim, em circunstncias em

    que essa agressividade coloca em risco imediato os prprios familiares, necessrio se

    reagir. H que se destacar, contudo, o fato de que o episdio de Paso Piraju se constitui

    em um caso muito raro. Frente s ameaas historicamente sofridas pelos ndios por parte

    dos brancos que se instauraram em seus territrios, os Guarani sempre agiram

    recuando, fugindo de embates. Os colonos da sociedade brasileira se impuseram

    enfaticamente na regio, constituindo um contexto de dominao colonial, onde os

    ndios se encontram e se percebem militarmente inferiorizados (Thomaz de Almeida

    2001, Mura 2006). Os brancos so temidos, assim como so temidos os espritos-

    donos (jry), os demnios-onas (ay) e as prprias onas. Nestes termos, os Kaiowa

    buscam geralmente esfriar os poderes violentos que caracterizam os no-ndios, isto ,

    levam a peleja para um lado espiritual, onde se sentem mais seguros na obteno do

    resultado perseguido.

    5Para mais detalhes sobre os fundamentos cosmolgicos dos Kaiowa, ver Mura 2006, captulo IX.

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    4) Havia conflito anterior, de quaisquer origens, ao fato ocorrido no local

    do evento, dia 01.04.2006?

    Sim. Os ndios da comunidade de Paso Piraju se manifestavam como estando

    continuamente ameaados pelo fazendeiro (e/ou por indivduos interpretados como

    estando ao seu mando) cuja propriedade incide sobre o espao territorial reivindicado

    pela comunidade indgena. Conforme consta em denncias e documentos escritos

    apresentados ao Ministrio Pblico Federal de Dourados pelos ndios de Paso Piraju,

    entre 2004 e 2005 (v. anexo), o proprietrio da fazenda Campo Belo, Sr. Esmalte

    Barbosa Chaves, assim como seu filho, teriam ameaado a comunidade indgena.Particularmente significativo neste sentido um documento elaborado pelos indgenas

    de Paso Piraju em 12/12/2004 (v. anexo). Independentemente do poder probatrio das

    acusaes nele formuladas contra tal fazendeiro, ali expressado um claro clima de

    conflito, pelos ndios entendido como um embate intertnico. A comunidade

    indgena como um todo se sentia ameaada, esperando a qualquer instante ser

    surpreendida por indivduos, armados, interpretados como sendo jagunos ao mando do

    fazendeirocomo verdadeiras onas, prontas para atacar.Em denncia datada de 2 de maio de 2005 (v. anexo), um indgena guarani-

    andva, integrante do acampamento de Paso Piraju descreve ameaas que toda a

    comunidade teria sofrido diretamente de parte do Sr. Belino Chaves, filho do Sr.

    Esmalte. Aquele teria manifestado mpeto em entrar, sem consentimento dos indgenas,

    em tal agrupamento, com sua camionete. Tal mpeto, segundo ali consta, foi impedido

    devido colocao de toras de palmeira na entrada do local. O denunciante afirma que o

    Sr. Belino, aps conversar com o professor indgena de Paso Piraju, ter-se-ia escondido

    no meio do mato, nas proximidades, ali permanecendo at duas horas da madrugada,

    algo interpretado pelos ndios como um sujeito espreita, de tocaia portanto, do

    mesmo modo como agem as onas (conforme apontado na resposta ao quesito anterior).

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    5) Havia acordo anterior entre as autoridades policiais por consultarem a

    FUNAI antes de qualquer ao para o ingresso em comunidades

    indgenas?

    Sim, segundo consta no memorando de n 068 dirigido ao presidente da FUNAI,

    datado de 2 de abril de 2006, por parte do Ncleo de Apoio de Dourados, do referido

    rgo. Nele se afirma que em 18 de fevereiro de 2006, no Gabinete do Secretrio de

    Governo da Prefeitura Municipal de Dourados ficou acordado que qualquer diligncia

    realizada pelos policias dentro de reas de conflitos e em terras indgenas, fossem

    realizadas apenas com o acompanhamento da FUNAI, atravs da Operao Sucury.

    Como ali informado, tal reunio integrava o Grupo de Trabalho de Segurana Pblica,

    composto de representantes dos rgos de Seguranas Pblica do Estado, a FUNAI, a

    FUNASA e a Prefeitura Municipal, alm de contar com a presena do Ministrio

    Pblico Federal.

    6) Pode o expert, explicar antropologicamente, se os examinados/rus

    possuem o discernimento e o carter da ilicitude cometida?

    Os rus no fazem referncia s normas morais e jurdicas da sociedadebrasileira; eles simplesmente esto a elas submetidos, atravs de uma lgica de

    dominao colonial. Nestes termos, os indgenas tm um certo conhecimento das leis

    promovidas pelo Estado, sendo que em alguns casos tais leis so parcialmente

    entendidas. Cabe observar o fato de que conhecer as leis e normas jurdicas dos

    brancos no implica de modo algum na integrao dos ndios sociedade

    nacional. Os Kaiowa reconhecem essas normas como constituindo o karai reko, ou

    seja, o modo de ser dos brancos algo que se ope ao ava reko: o modo de ser

    guarani. Assim, do ponto de vista intelectual, os ndios em causa tm discernimento das

    diferenas normativas e dos diferentes procedimentos jurdicos associados aos dois

    sistemas de valores citados. Conhecem e reconhecem como plenamente legtimo o

    ava reko. Com relao ao karai reko, conhecem suas caractersticas em termos gerais,

    mas do ponto de vista normativono o reconhecem como legtimo para regular as

    aes dos ndios em situaes de embate conceituado como sendo de natureza

    intertnica, isto , entre por um lado a coletividade indgena e por outro os

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    brancos.

    7) Qual a percepo tradicional que possuem os examinados sobre a

    questo ligada aos crimes, com conhecimento prprio de sua cultura?

    Como foi j afirmado em resposta ao quesito 1, quando os crimes ocorrem no

    interior de um espao domstico e/ou comunitrio, o indivduo considerado responsvel

    pela infrao seria aquele que sofreu desvio de conduta decorrente da dominao da

    pessoa por parte de espritos malignos. Nestes termos, as punies so dirigidas para

    estes entes invasores e no para a alma espiritual do indivduo, que sempre pura. Na

    maioria dos casos, as punies escolhidas so motivadas para que a fonte do mal se

    enfraquea e libere o corpo, as aes deste ltimo voltando a ser comandadas pela

    pessoa, legtima proprietria do corpo em questo. Um exemplo pode auxiliar na

    compreenso da psicologia indgena e suas conseqncias na produo de um sistema

    jurdico nativo. Tal exemplo referente ao consumo de bebidas alcolicas, suas

    conseqncias e as possveis medidas punitivas adotadas pelos ndios.

    Os Kaiowa distinguem dois diferentes estados de embriaguez: o ka'u por

    (positivo) e ka'u vai (negativo). O primeiro atribudo ao efeito de alegria provocado

    pelas bebidas alcolicas, a pessoa da obtendo benefcios psicolgicos. Neste caso,

    entendido que a bebida continua se mantendo sob o domnio e controle do sujeito que a

    consome. No importa a quantidade e a regularidade de consumo desta substncia, os

    ndios levam em considerao to somente os efeitos no comportamento: como alegria,

    descontrao, companheirismo etc. Geralmente o sujeito neste estado de alterao

    psquica acaba por deitar-se e dormir, sem produzir tumultos e/ou danos para parentes e

    aliados. Muito diferente o caso do ka'u vai. Durante este outro estado de embriaguez,o sujeito demonstra-se violento, representando um perigo para familiares e os membros

    da comunidade. Os Kaiowa consideram que nesses momentos as pessoas passaram a ser

    sujeitadas pelo esprito-dono da pinga (caa jry), o qual conseguiu conquistar o corpo

    do indivduo, atravs de corpsculos colocados na bebida. A partir desse momento, o

    responsvel pelas aes do indivduo ser este perigoso esprito, a pessoa s voltando a

    controlar, parcialmente, as aes quando o efeito do lcool se desfizer. No entanto, a

    pessoa se revela dependente de caa jry,que a obriga a beber e buscar avidamente a

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    bebida quando esta escasseia. O tipo de punio aplicada ao indivduo com o objetivo

    de expulsar o esprito da pinga depender do nvel de periculosidade diagnosticado, com

    base na quantidade de agresses perpetradas e leses provocadas. O sujeito pode ser

    condenado a se tratar e ser colocado sob os cuidados de um determinado xam (lderreligioso) por dias ou semanas, com o fim de se purificar. Em momentos de emergncia,

    durante o estado de embriaguez, pode ele ser capturado e amarrado a uma rvore at que

    o efeito do lcool passe. Em casos considerados graves, o indivduo pode vir a ser

    fustigado para que caa jry abandone o seu corpo.

    Outras punies aplicadas para crimes como furtos ou inadimplncias no

    desenvolvimento de atividades domsticas e/ou comunitrias a condenao a realizar

    trabalhos comunitrios, como limpeza de caminhos e/ou construes de benfeitorias nasreas indgenas.

    No que concerne aplicao das punies, esta feita pelos tami(avs), que

    so os lderes das famlias extensas que constituem um grupo domstico, e/ou pelos

    mburuvicha (lderes comunitrios), cargo este que coincide com aquele do capitono

    caso em que as terras indgenas possuem uma populao pequena, abrigando apenas

    uma comunidade6.

    Como tambm foi afirmado acima em resposta ao quesito de nmero 1, com

    relao aos indivduos pertencentes a famlias e/ou comunidades inimigas, o

    comportamento mantido muito diverso. Nestas circunstncias, mais do que punies,

    esto em causa processos de regulao de contas e vingana. As penas aplicadas podem

    ir de espancamentos, com o objetivo de intimidao, at a morte, esta ltima comum

    nos casos interpretados como de feitiaria.

    H que se levar em conta que os ndios, pelo menos a partir das ltimas trs

    dcadas, ao no poder se manter fisicamente isolados dos espaos sob controle direto

    dos brancos, passaram a sofrer as imposies do sistema jurdico e moral da

    sociedade brasileira. Nesses termos, as ofensas e ataques (fsicos e mgicos) sofridos

    por membros de uma determinada famlia indgena, ultimamente no podem ser

    6 Este no o caso das oito reservas institudas pelo Servio de Proteo aos ndios (organismo queantecedeu a FUNAI), entre os anos de 1915 e 1928, as quais hoje apresentam uma populaonumericamente desproporcional com relao ao modelo histrico de assentamento dos Guarani-Kaiowa eGuarani-andvaque varia em torno das 200 e 400 pessoas para uma terra indgena. Estas reservas soas de Dourados, Caarapo, Amambai, Limo Verde, Sassoro, Takuapiry, Porto Lindo e Pirajuy, com

    populao contabilizada na casa dos milhares de pessoas. No formam, portanto, uma comunidade.

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    respondidos livremente como no passado. Muitos indgenas, de fato, passaram a buscar

    a prpria polcia dos brancos para se defender de eventuais ameaas procedentes de

    outros indgenas. Desta forma, sem fazer referncia moral e tica s normas jurdicas

    brasileiras, os Guarani passaram a utilizar instrumentalmente a polcia dos brancoscomo uma ulterior arma de defesa a ser utilizada durante as constantes lutas travadas

    entre famlias inimigas. Isto posto, bem observado, em se tratando das relaes de

    luta intra-tnica, isto , no interior do grupo indgena em causa. Nas relaes

    intertnicas, como j foi afirmado no quesito anterior, os ndios remarcam o prprio

    sistema de valores ao qual fazem referncia (ava reko), contrapondo-o radicalmente

    quele dos brancos (karai reko).

    8) Os delegados responsveis pelo inqurito policial possuam, ao tempo

    das oitivas com os indgenas de Passo Piraju e examinados, as

    competncias comunicativas (gramatical, lingstica, discursiva e

    intencional) necessrias para realizar as entrevistas sem que os

    inquiridos se sentissem confusos ou coagidos a responder?

    No. Como j afirmado acima em resposta ao quesito 3, os Kaiowa se sentem

    dominados pelos brancos em geral, estes ltimos sendo interpretados como possuindo

    ndole violenta e agressiva. O comportamento dos ndios passa a ser ainda mais

    submisso quando os efeitos da dominao exercida pelos brancos se transformam em

    atos de violncia com relao limitao de suas aes (dos ndios). Nestes termos, o

    ocorrido em Paso Piraju, com a conseqente ao enrgica da polcia instaurando o

    inqurito e realizando o interrogatrio, levou com absoluta certeza os ndios a acentuar

    sobremaneira a atitude arredia que os caracteriza nas relaes intertnicas com os

    brancos. Os ndios, em contexto de comunicao assim configurados, intimidados,procuraram, como sempre procuram, no contradizer o interlocutor poderoso.

    9) Que fatos anteriores ao confronto com policiais poderiam ter levado os

    indgenas a confundirem policiais com potenciais agressores?

    Aqueles j apontados acima no quesito de n 4, cujos detalhes encontram-se nos

    documentos e denncias indgenas que constam em anexo. Neles os ndios temem

    iminentes aes de homens violentos, equiparados s perigosas onas.

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    10) Desconhecedora das teorias antropolgicas contemporneas, a

    sociedade envolvente tem enfatizado que os ndios de Passo Piraju e rus

    no presente processo so integrados. Explicar para os operadores de

    direito as falhas dos pressupostos epistemolgicos das teorias que

    apontam para dita integrao.

    O Estatuto do ndio fundamenta-se sobre teorias hoje j bastante superadas, estas

    baseadas na idia de que a diversidade cultural deve-se ao isolamento fsico dos grupos

    humanos uns com relao aos outros. Por exemplo, a teoria da aculturao, produzida

    nos anos de 1930 nos Estados Unidos7 e que teve notvel influncia na produoantropolgica brasileira at a dcada de 1970postulava que as comunidades indgenas

    constituam grupos corporados, cujo funcionamento e coerncia eram devidos

    manuteno constante de um contedo cultural, este ltimo entendido como sendo di

    per seresponsvel pela produo das diferenas tnicas. Sempre segundo os expoentes

    desta linha terica, o contato entre grupos humanos diferentes pressupunha a passagem

    uni e/ou bidirecional de traos culturais, como valores, idias, objetos, matrias etc.

    Nestes termos, um grupo em contato com outro tenderia progressivamente a seaculturar, pelo fato de adquirir sempre mais elementos culturais por ele no

    produzido.

    Resulta ser muito significativo o fato de que embora a teoria da aculturao

    fosse produzida para estudar fenmenos dinmicos de organizao da cultura

    buscando-se, assim, compreender processos de mudana cultural e social esta estava

    profundamente ancorada em um pressuposto epistemolgico que postulava a existncia

    de culturas puras isoladas entre si, cada uma com sua coerncia interna. Assim, para os

    7 Em 1936 Redfield, Linton e Herskovits produzem um documento conhecido com o nome deMemorandum on the study of the acculturation, com a inteno de estabelecer os meios cientficos pararealizar uma srie de estudos sobre este fenmeno, identificando alguns pontos sobre os quais insistir nasfuturas investigaes. Identificam-se trs possveis fases pelas quais podem passar (ou respostas que

    podem dar) as sociedades frente aos elementos culturais tidos como exgenos: aceitao, adaptao e/oureao. O fenmeno cientfico que leva o nome de estudos sobre a aculturao se reduz, de qualquermodo, a uma corrente bem clara com influncias que vo mais alm das fronteiras norte-americanas, masque no tempo perdem de espessura e de incisividade terica e metodolgica. Isto no quer dizer que aidia bsica no fique subjacente em parte dos estudos posteriores aos citados; esta se transforma e passaa ser um conceito de mais ampla extenso, perdendo sua paternidade terica influenciando o sensocomum.

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    tericos da aculturao, o objeto de pesquisa passava a ser o nvel de contaminao,

    por efeito da presumida aculturao, inevitvel quando do contato entre grupos

    culturalmente diferentes. A cultura assim pensada se apresentava como um aparato

    rgido e esttico, as mudanas sendo sempre entendidas como desvio e des-naturalizao do que se supunha tivesse sido puro.

    A maioria das pesquisas desenvolvidas entre os amerndios a partir do

    paradigma terico introduzido pelos estudos de aculturao tiveram como foco central o

    impacto causado pelo Ocidente conquistador, este entendido como principal responsvel

    pelas mudanas ocorridas na organizao sociocultural dos povos indgenas. Entretanto,

    esses pesquisadores no se preocuparam em entender como cada cultura indgena ter-se-

    ia formado antes da colonizao europia, limitando-se a indicar o isolamento recprococomo uma das provveis causas. Ocorre, contudo, que nas ltimas trs dcadas, estudos

    etnogrficos e etnohistricos sobre os indgenas das denominadas Terras Baixas da

    Amrica do Sul (incluindo a bacia amaznica e dos rios Orinoco, Paraguai e Paran)

    permitiram entender a existncia de amplos circuitos culturais de intercmbio de idias

    entre grupos diferentes. As reas culturais entendendo-se com isto a superfcie

    geogrfica onde possvel encontrar traos culturais comuns se apresentavam como

    sendo muito amplas. Por outro lado, essa mesma rea geogrfica aparece aos olhos dos

    pesquisadores como abrigando uma grande multiplicidade de grupos tnicos, falantes de

    lnguas diferentes, realizando prticas rituais diferentes, praticando modelos tcnicos e

    econmicos tambm diferentes etc. Nestes termos (o que de suma importncia), foi

    possvel verificar que, no obstante o contato constante entre grupos diferentes, a

    diversidade de organizao sociocultural entre os diversos povos indgenas

    marcava e marca ainda o cenrio analisado.

    Os dados e as constataes empricas feitas nas ltimas trs dcadas corroboram

    as posies tericas que consideram como principal responsvel pela produo de

    diversidade sociocultural o contato e o antagonismo entre grupos humanos, e no o

    isolamento. Segundo o j famoso estudo de Fredrik Barth, datado de 1969 e

    denominado Os grupos tnicos e suas fronteiras8, os grupos humanos mantm suas

    fronteiras tnicas no tempo, podendo ser mudada boa parte do contedo cultural

    utilizado pelas pessoas que se identificam como formando um povo especfico. Para que

    8A introduo terica dessa obra encontra-se traduzida para o portugus em Barth 2000a.

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    isto ocorra, alguns valores centrais so resguardados de crticas e tentativas de

    substituio por outros, fazendo com que determinadas figuras sejam as mais

    apropriadas para se pronunciar a propsito. Nestes termos, xams (rezadores), chefes de

    famlias extensas e lderes comunitrios entre os indgenas so legitimados a opinar erealizar as variaes na organizao do contedo cultural produzido e/ou adquirido,

    criando configuraes originais. Desta forma, no obstante a existncia de ampla

    circulao de traos culturais numa determinada regio geogrfica, pode-se ter

    numerosas configuraes dos mesmos, configuraes estas que se apresentam

    como os esquemas culturais de referncia de cada grupo. Mais recentemente,

    dedicando-se especificamente s propriedades distributivas da cultura, Barth coloca em

    evidncia que a organizao cultural no se limita a marcar a distino tnica; ela estsubordinada compreenso do mundo por parte dos seres humanos, atravs de tradies

    de conhecimento9. no seio de uma determinada tradio de conhecimento que

    indivduos autorizados e especialistas especulam, refletem, produzindo e/ou

    incorporando os saberes necessrios para a vida do grupo ao qual pertencem. Desta

    forma, tanto a identidade tnica quanto a prpria cultura dos grupos humanos no

    podem ser relacionadas mera soma dos traos culturais; a originalidade de uma

    cultura no devida ao fato de que os saberes, valores, idias, tcnicas, objetos etc,

    sejam o produto exclusivo do grupo em causa. Ela devida, sim, ao modo como

    estes elementos esto organizados socialmente, isto , como se encontram

    distribudos entre os membros do grupo, quem possui a autoridade para opinar,

    legiferar e avaliar em termos morais, ticos e polticos, quais as regras para a

    socializao etc.

    As teorias antropolgicas contemporneas colocam em destaque uma clara

    contradio na lgica da assimilao e integrao sobre a qual se apia o Estatuto do

    ndio: no pode existir assimilao ou integrao de um grupo humano em termos

    tnicos. Os indivduos podem sim optar por abandonar a prpria identidade tnica,

    passando a adotar a de outro. Se todos os membros de um grupo tnico renunciassem

    simultaneamente prpria identidade tnica, o grupo deixaria de existir enquanto tal.

    No caso especfico dos Guarani-Kaiowa e Guarani-andva de Mato Grosso do Sul, a

    9Barth 1987, 1989, 1992 e 1993 e 2000b. Sobre uma viso dinmica e fluida da organizao cultural, vertambm, entre outros, Wagner 1981 e Hannerz 1992.

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    quantidade de indivduos que abandona a identidade tnica para se unir populao

    regional muito reduzida. Estes indivduos geralmente vivem em vilas e/ou periferias

    das cidades da regio. Ademais, h que se observar que a escolha do abandono pode ser

    revertida pelos filhos do sujeito em questo, uma vez que estes podem pretenderrecuperar sua identidade, num segundo momento, como foi percebido para alguns

    casos10.

    10 Por exemplo Reginaldo, neto de importante lder religioso da Terra Indgena Panambizinho, foieducado por seu pai fora do circuito familiar e da aldeia, exclusivamente em lngua portuguesa. Uma vezadolescente, Reginaldo decidiu unir-se novamente a seu av paterno na luta pela terra, empenhando-se

    por aprender o guarani, casando-se com a neta de outro prestigioso lder religioso e indo morar com seusfamiliares indgenas, reivindicando sua identidade de Kaiowa.

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    Ques itos da AGU/ PGF / FUNAI presen tes s p p. 712-13 doprocesso

    1) Procedido o exame dos periciandos, digam os Srs. Peritos se osmesmos so isolados, integrados ou em vias de integrao nos termos

    do artigo 4 da Lei 6.001/73, como os mesmos se classificam de acordo

    com a predita norma legal.

    Com base nas argumentaes desenvolvidas em respostas aos quesitos

    anteriores, especialmente ao de nmero 10, possvel afirmar que os indgenas em

    considerao no esto integrados sociedade nacional. Dita falta de integrao no ,

    porm, o resultado de uma condio de isolamento, mas, ao contrrio, devida ao

    cotejamento antagnico entre dois distintos modos de entender a realidade: o

    Kaiowa e o dos brancos.No caso especfico da comunidade de Paso Piraju, da qual

    os examinados so membros, pelo prprio fato de se tratar de um acampamento

    indgena motivado pela demanda de um territrio entendido pelos ndios como de

    ocupao tradicional, pode-se dizer que a identidade indgena ainda mais reforada. O

    antagonismo e o conflito com os colonizadores que ocuparam suas terras levam os

    ndios a exacerbar a distino entre o prprio modo de ser e aquele dos brancos,

    buscando defender e valorizar o prprio ponto de vista.

    2) Tinham os acusados, na ocasio dos fatos que originaram a ao

    penal, condies de avaliar o carter criminoso de sua conduta de acordo

    com o homem mdio civilizado.

    Se por homem mdio civilizado se entende aquele que faz referncia aosistema jurdico, moral e tico do Estado brasileiro para legitimar suas aes e para dar

    soluo a conflitos, certamente que no. Os acusados podem compreender que esto

    aprisionados pelo fato de terem matado algum, algo que sabem ser comum no sistema

    punitivo da sociedade brasileira, mas, assim como todos os membros da comunidade de

    Paso Piraju, consideram ter agido por legitima defesa contra o ataque de seres ferozes.

    Para mais elementos esclarecedores, ver resposta acima ao quesito de nmero 06 da

    AGU/ PGF / FUNAI (presente p. 363 do processo).

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    3) Os acusados apresentam ou apresentavam algum indcio de desvio de

    conduta no meio tribal.

    Dado o perodo de tempo em que se faziam presentes na localidade conhecida

    como Porto Cambira, os acusados, no seio da comunidade indgena autodenominada

    Paso Piraju, foram descritos como pessoas tranqilas, no dadas a desavenas e

    agresses, perspectivas estas representativas de um bom modo de ser, de se comportar

    (o teko por)o que, por conseqncia, implica em resposta negativa ao quesito.

    4) Procedido o exame pericial, digam os Srs. Peritos quais as reaes

    demonstradas pelos acusados, grau de periculosidade, integrao

    comunho nacional, bem como, seja pormenorizado histrico dos fatos

    que antecederam a ao delituosa.

    Os Peritos entendem que este quesito plenamente respondido atravs das

    respostas apresentadas aos quesitos de nmero 3, 4 e 10 das pp. 363-64 do processo,

    bem como os quesitos 3 e 5 das pp. 712-13 do processo.

    5) Digam os Expertso que levou os acusados a procederem s agressesdescritas na denncia.

    Os vitimados foram confundidos com jagunos, dotados de uma disposio

    agresso. Os acusados, assim, reagiram tentando defender a comunidade daquilo que

    interpretaram como sendo uma agresso extremamente perigosa. Para mais detalhes

    esclarecedores, ver resposta acima ao quesito de nmero 03 da AGU/ PGF / FUNAI

    (presente p. 363 do processo).

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    6) Prestem os Srs. Peritos todas as informaes que entenderem

    necessrias soluo do presente incidente, descrevendo em concluso

    circunstanciada o grau de imputabilidade dos Rus, responsabilidade

    pelos seus atos, e a capacidade de entendimento do carter delituoso daconduta.

    O entendimento dos Peritos que as argumentaes desenvolvidas em resposta

    aos quesitos anteriores apresentam um contedo de pleno esclarecimento sobre a

    conduta e o entendimento dos Rus no caso em pauta.

    7) Os acusados possuem domnio do idioma Portugus?

    Deve ser observado que os acusados apresentaram um domnio desigual do

    idioma portugus. No que concerne a Ezequiel Valensuela, Hermnio Romero e Paulino

    Lopes, durante as entrevistas periciais, para melhor se expressarem, preferiram fazer uso

    de traduo-intrprete, o que foi efetuado atravs da intermediao de Valmir Jnior

    Savala como referido aqui na Introduo. Os demais acusados apresentaram um

    domnio razovel do idioma.

    H que se salientar aqui, contudo, que mesmo nos casos em que os ndiospossuam um conhecimento discreto do portugus, a sua competncia lingstica

    permanece ligada a fatores culturais e discursivos relativos a um grupo essencialmente

    grafo. Conforme salientado na Introduoa esta percia, existe uma grande diferena

    entre os modos ocidentais de organizar as narraes e aqueles indgenas. Ns brancos

    construmos os discursos atravs de seqncias temporais lineares, derivantes de uma

    viso cartesiana da realidade. Nestes termos, tendemos a produzir relatos altamente

    descontextualizados, como os que ocorrem em textos escritos. Os ndios, por seu turno,

    dificilmente reconstroem seu passado fora de contextos de fala bem definidos, como

    reunies familiares, viagens, atividades de caa, pesca, coleta etc. Assim, no

    estabelecem uma hierarquia temporal que coloca os eventos em uma seqncia do tipo:

    Evento2 ocorreu depois de Evento1 e antes de Evento3. A construo dos discursos

    feita concatenando-se os fatos aos agentes dos eventos e aos contextos em que

    ocorreram essas aes, atravs de uma hierarquia por eles atribuda a cada um desses

    agentes e contextos. Nestes termos, por exemplo, para os Guarani uma linha de

    questionamentos deve se pautar por se perguntar se uma determinada pessoa, em

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    um determinado lugar e em determinada situao fez uma determinada coisa,

    antes do que inquirir sobre quando e em que lugar uma pessoa teria feito uma

    determinada coisa. Como se pode deduzir, para se colocar a pergunta de modo a se

    obter uma resposta satisfatria sobre um determinado evento, seria necessrio se saberexatamente quais personagens, atividades, lugares e circunstncias compuseram este

    evento. No tarefa fcil obter essas informaes contextuais, sendo necessrio se ouvir

    uma pluralidade de pessoas11. Alm do mais, h que se levar em conta que, dependendo

    do indivduo que est narrando, o discurso atribuir nfases e hierarquizar personagens

    e situaes de modo diferente com relao ao que faria uma outra pessoa. Assim, so

    produzidas verses diferentes entre si, cada uma, porm, acrescentando informaes, as

    quais sero preciosas para se reconstruir contextos e seqncias de eventos. Atravsdeste procedimento metodolgico de considerao de mltiplas vozes e de pontos de

    vista, ns antroplogos buscamos justamente compor um quadro de informaes

    progressivamente enriquecido. Apresentado este quadro ao entrevistado, este poder

    tecer sua argumentao, fornecendo detalhes causais, materiais e seqenciais sobre os

    eventos em questo, sendo possvel ao pesquisador seguir o fio condutor da narrativa;

    em um segundo momento, ento, se proceder reconstruo da ordem cronolgica dos

    eventos, sob uma perspectiva cartesiana.

    8) Em face do conflito fundirio deflagrado entre os acusados e

    fazendeiros da regio, possvel afirmar que a ao dos acusados

    ocorreu de forma individualizada, pr-ordenada ou de forma coletiva?

    De forma coletiva. Tratou-se de um embate tnico. As respostas aos quesitos de

    nmero 03 e 04 da AGU/ PGF / FUNAI presentes p. 363 do processo so indicadoras

    dos motivos pelos quais os indgenas agiram por um interesse coletivo.

    11 Geralmente a maioria desses elementos emergem de falas informais ao p da fogueira, durantecaminhadas ou em rodas de terer, e no em entrevistas formais.

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    9) Os acusados agiram em defesa dos interesses coletivos do grupo

    tribal?

    Sim. Ver tambm neste item as respostas aos quesitos de nmero 03 e 04 da

    AGU/ PGF / FUNAI (presentes p. 363 do processo).

    10) Descrevam os Srs. Peritos a ao dos acusados em cotejo com os

    parmetros culturais do Grupo tnico a que pertencem.

    O entendimento dos Peritos que as argumentaes desenvolvidas em resposta

    aos quesitos anteriores apresentam um contedo de pleno esclarecimento sobre a

    conduta e o entendimento dos Rus no caso em pauta.

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    Quesi to s do Juzo presen tes s pp. 255-56 do proc ess o

    1) Os denunciados ao tempo da ao eram inteiramente capazes de

    entender o carter ilcito de suas condutas?

    Para os rus, assim como para todos os membros da comunidade de Paso Piraju,

    a conduta mantida durante os atos foi e entendida como sendo uma legtima defesa,

    voltada a impedir a concretizao de ameaas de seres considerados como

    extremamente nocivos para o bem-estar da coletividade indgena. Portanto, para eles a

    conduta era moralmente lcita.H que se salientar que em contextos como este aqui em pauta, que implicam um

    embate tnico, os ndios fazem plena referncia e exaltam os prprios ditames culturais,

    submetendo suas condutas ao ava reko, (isto , modo de ser e normas guarani), que

    colocado em oposio ao karai reko, (ou seja, modo de ser e normas, tambm jurdicas,

    dos brancos). Nestes termos, os ndios podem entender que em outros contextos, que

    no envolvem indgenas, no mundo dos brancos, o assassinato submetido s normas

    jurdicas e ao sistema punitivo da sociedade brasileira. Em sendo assim, os Kaiowa

    reconhecem a existncia de outras formas que no s prprias de avaliar e julgar atos de

    violncia que levam morte de indivduos, mas sempre como alheias e, em muitos

    casos, como opostas ao prprio modo de pensar. Pode-se, portanto, concluir que no caso

    dos acusados no se pode falar de falta de compreenso de uma ilicitude cometida,

    como se estes possussem uma formao mental subdesenvolvida ou sofressem de

    algum tipo de distrbio psquico. Para os ndios de Paso Piraju, os atos por eles

    concretizados no foram entendidos como ilcitos, no por uma incapacidade

    interpretativa, mas pelo fato que para eles as aes foram moralmente e

    normativamente lcitas, portanto legtimas. De fato, do ponto de vista volitivo, os

    ndios no fazem referncia alguma ao sistema jurdico brasileiro; se em alguns casos

    dele se servem, por impossibilidade de opo, provocada pela situao de

    subordinao frente ao poder do Estado brasileiro. Para mais esclarecimentos, ver

    respostas ao quesito de nmero 06 da AGU/ PGF / FUNAI presente p. 363 do

    processo, e de nmero 02 da AGU/ PGF / FUNAI presente p. 712 do processo.

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    2) Os denunciados eram ao tempo da ao relativamente incapazes de

    entender o carter ilcito de suas condutas?

    Ver resposta ao quesito anterior.

    3) Os denunciados eram ao tempo da ao absolutamente incapazes de

    entender o carter ilcito de suas condutas?

    Ver imediatamente acima resposta ao quesito de nmero 1 do Juzo (presente

    p. 255 do processo).

    4) Os acusados, ao tempo da ao eram imputveis, semi-imputveis ou

    inimputveis?

    Com base no argumentado nas respostas anteriores aos quesitos deste laudo

    pericial, pode-se afirmar que os acusados so inimputveis.

    5) Pode o perito concluir pela entrevista investigativa que os rus, ao

    tempo da ao estavam integrados sociedade dos brancos?

    Conforme a argumentao apresentada em resposta ao quesito de nmero 10 da

    AGU/ PGF / FUNAI (presente p. 364 do processo), o pressuposto da integrao e

    assimilao culturais apresenta-se superado na teoria antropolgica contempornea, de

    modo que a resposta a este quesito que os rus no estavam integrados

    sociedade dos brancos ao tempo da ao.

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