peregrinação volume iios correios, reconhecidos por prestar serviços postais com qualidade e...
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Peregrinação volume ii
Fernão Mendes Pinto
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América Latina: a pátria grandeDarcy Ribeiro
Prefácio: Eric Nepomuceno
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Peregrinação volume ii
Fernão Mendes Pinto
Prefácio: Francisco Ferreira de Lima
América Latina: a pátria grandeDarcy Ribeiro
Prefácio: Eric Nepomuceno
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Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com
qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em
açõesquetenhamaculturacomoinstrumentodeinclusãosocial,
pormeiodaconcessãodepatrocínios.Aatuaçãodaempresavisa,
cadavezmais,contribuirparaavalorizaçãodamemóriacultu-
ralbrasileira,ademocratizaçãodoacessoàculturaeofortaleci-
mentodacidadania.
ÉnessesentidoqueosCorreios,presentesemtodooterritório
nacional, apoiam, com grande satisfação, projetos da natureza
desta Biblioteca Básica Brasileira e ratificam seu compromisso
emaproximarosbrasileirosdasdiversas linguagensartísticase
experiênciasculturaisquenascemnasmaisdiferentesregiões
dopaís.
A empresa incentiva o hábito de ler, que é de fundamental
importância para a formação do ser humano. A leitura possibi-
litaenriquecerovocabulário,obterconhecimento,dinamizaro
raciocínioeainterpretação.Assim,osCorreiosseorgulhamem
disponibilizaràsociedadeoacessoalivrosindispensáveisparao
conhecimentodoBrasil.
Correios
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Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com
qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em
açõesquetenhamaculturacomoinstrumentodeinclusãosocial,
pormeiodaconcessãodepatrocínios.Aatuaçãodaempresavisa,
cadavezmais,contribuirparaavalorizaçãodamemóriacultu-
ralbrasileira,ademocratizaçãodoacessoàculturaeofortaleci-
mentodacidadania.
ÉnessesentidoqueosCorreios,presentesemtodooterritório
nacional, apoiam, com grande satisfação, projetos da natureza
desta Biblioteca Básica Brasileira e ratificam seu compromisso
emaproximarosbrasileirosdasdiversas linguagensartísticase
experiênciasculturaisquenascemnasmaisdiferentesregiões
dopaís.
A empresa incentiva o hábito de ler, que é de fundamental
importância para a formação do ser humano. A leitura possibi-
litaenriquecerovocabulário,obterconhecimento,dinamizaro
raciocínioeainterpretação.Assim,osCorreiosseorgulhamem
disponibilizaràsociedadeoacessoalivrosindispensáveisparao
conhecimentodoBrasil.
Correios
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O livro, essa tecnologia conquistada, já demonstrou ter a
maiorlongevidadeentreosprodutosculturais.Noentanto,mais
queossuportesfísicos,asideiasjádemonstraramsobreviverain-
damelhoraosanos.EsseéocasodaBibliotecaBásicaBrasileira.
EsseprojetoculturalepedagógicoidealizadoporDarcyRibeiro
tevesuassementeslançadasem1963,quandoforampublicados
osprimeirosdezvolumesdeumacoleçãoessencialparaoconhe-
cimentodopaís.SãotítuloscomoRaízesdoBrasil,Casa-grande
&senzala,AformaçãoeconômicadoBrasil,OssertõeseMemóriasde
umsargentodemilícias.
Esse ideal foi retomado com a viabilização da primeira fase
dacoleçãocom50títulos.Aotodo,360milexemplaresserãodis-
tribuídos entre as unidades do Sistema Nacional de Bibliotecas
Públicas,contribuindoparaaformaçãodeacervoeparaoacesso
públicoegratuitoemcercade6.000bibliotecas.Trata-sedeuma
iniciativaousadaàqualaPetrobrasvemjuntarsuasforças,cola-
borandoparaacompreensãodaformaçãodopaís,deseuimagi-
nário e de seus ideais, especialmente num momento de grande
otimismoeprojeçãointernacional.
Petrobras-PetróleoBrasileiroS.A.
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O livro, essa tecnologia conquistada, já demonstrou ter a
maiorlongevidadeentreosprodutosculturais.Noentanto,mais
queossuportesfísicos,asideiasjádemonstraramsobreviverain-
damelhoraosanos.EsseéocasodaBibliotecaBásicaBrasileira.
EsseprojetoculturalepedagógicoidealizadoporDarcyRibeiro
tevesuassementeslançadasem1963,quandoforampublicados
osprimeirosdezvolumesdeumacoleçãoessencialparaoconhe-
cimentodopaís.SãotítuloscomoRaízesdoBrasil,Casa-grande
&senzala,AformaçãoeconômicadoBrasil,OssertõeseMemóriasde
umsargentodemilícias.
Esse ideal foi retomado com a viabilização da primeira fase
dacoleçãocom50títulos.Aotodo,360milexemplaresserãodis-
tribuídos entre as unidades do Sistema Nacional de Bibliotecas
Públicas,contribuindoparaaformaçãodeacervoeparaoacesso
públicoegratuitoemcercade6.000bibliotecas.Trata-sedeuma
iniciativaousadaàqualaPetrobrasvemjuntarsuasforças,cola-
borandoparaacompreensãodaformaçãodopaís,deseuimagi-
nário e de seus ideais, especialmente num momento de grande
otimismoeprojeçãointernacional.
Petrobras-PetróleoBrasileiroS.A.
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p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o ix
sumário
Apresentação xixPrefácio–FranciscoFerreiradeLima xxi
CXXXIII ComodesembarcamosnestaIlhadeTanixumá, edoquepassamoscomosenhordela 3
CXXXIV Dahonraqueonautaquimfezaumdosnossos poroveratirarcomumaespingarda,edoque daísucedeu 7
CXXXV Comoestenautaquimmemandoumostrarao reidoBungo,edoqueviepasseiatéchegar ondeeleestava 11
CXXXVI Deumdesastrequenestacidadeaconteceua umfilhodeEl-Rei,edoperigoemqueeupor issomevi 17
CXXXVII Doquemaispasseinonegóciodestemoço,e comomeembarqueiparaTanixumá,edaípara Liampó,edoquemeaconteceudepoisqueaí cheguei 23
CXXXVIII Doquepassamosessesqueescapamosdeste naufrágio,depoisquefomosemterra 29
CXXXIX ComofomoslevadosàcidadedePongor,e apresentadosaobroquémdajustiçadoreino 32
CXL Dasperguntasquenosfizeramedoqueaelas respondemos,edomaisqueentãosucedeu 36
CXLI ComoEl-Reimandouestasentençaaobroquém dacidadeondeestávamospresosparaquea executasse,edoquenissosucedeu 42
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CXLII Comoestadonzeladeuacartaàrainha,mãede El-Rei,edarespostaquetrouxedela 46
CXLIII DoquemaispassamosatéchegarmosaLiampó, edainformaçãodestailhaléquia 52
CXLIV ComodeLiampómepartiparaMalaca,dondeo capitãodafortalezamemandouaMartavão,ao chaubainhá 56
CXLV Comochegamosaumailhaaquechamavam PuloHinhor,edoqueoreidelapassoucomigo 60
CXLVI Doquesucedeuaosnossoscontraosinimigos destereizinho,edeumagrandevitóriaqueuns portugueseshouveramnestacostacontraum capitãoturco 64
CXLVII DoquemaispasseiatéchegaràbarradeMartavão 72
CXLVIII Dealgumascoisasparticularesqueaquiem Martavãosucederam 75
CXLIX Dadeterminaçãoquetomouochaubainhá depoisqueentendeuquenãopodiasersocorrido dosportugueses 81
CL Dequemaneiraochaubainháseentregouaorei bramá,edagrandeafrontaqueosportugueses alipassaram 87
CLI ComoacidadedeMartavãofoisaqueadae destruída,edaordemcomquelevaramapadecer arainhaeoutrasmuitasmulheres 92
CLII Dequemaneiraseexecutouajustiçanascentoe quarentapadecentes,nochaubainhá,na NhayCanatóenosseusquatrofilhinhos 97
CLIII DadesventuraquemeaconteceuemMartavão, edoqueoreibramáfezdepoisquechegouaPegu 101
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CLIV DoquesepassouentrearainhadoPromeorei bramá,edoprimeiroassaltoquesedeuàcidade, eosucessodele 107
CLV Domaisquesucedeunestecerco,edoscruéis castigosqueestetiranofeznosquetomoucativos 112
CLVI ComooreidoBramáfoisobreacidadede MeleitayondeestavaopríncipedoAvácom trintamilhomens,edoquesucedeunestaida 117
CLVII Doquesucedeuaestereibramáatéchegarà cidadedoAvá,edoqueaímaisfez 120
CLVIII Docaminhoquefizemosatéchegarmosao pagodedeTinagogó 123
CLIX DosítioefábricadestepagodedeTinagogó,edo grandeconcursodegentequeaelevem 126
CLX Dagrandeesuntuosaprocissãoquesefazneste pagode,edossacrifíciosquesefazemnela 131
CLXI Deunspenitentesquevimosemcimanaserra destepagode,edavidaquefazem 136
CLXII Doquepassamosevimosantesdechegarmosà cidadedeTimplão 143
CLXIII Dequemaneiraesteembaixadordoreibramá foirecebidonodiadasuaentrada,edagrande majestadeeaparatodascasasdocalaminhã 151
CLXIV Dequemaneiraesteembaixadorfalouao calaminhã,derespostaqueelelhedeu,ecomo nestacidadesepregouantigamentealei evangélica 159
CLXV Emquesedálargainformaçãodesteimpériodo calaminhã,ealgumadoreinodePegu,edos Bramás 167
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CLXVI DocaminhoquefizemosatéacidadedePavel,e dadiversidadedegentesenaçõesquenelavimos 173
CLXVII Domaiscaminhoquefizemosatéchegarmosa Pegu,ondeestavaoreidoBramá,edamortedo rolimdeMounay 178
CLXVIII Dequemaneirafoieleitoonovorolimde Mounay,sumotalagrepodestagentilidadedo reinodePegu 185
CLXIX DamaneiraqueesterolimfoilevadoàIlhade Mounay,emetidonela,depossedoseusupremo pontificado 195
CLXX Doqueestereibramáfezdepoisquechegouà cidadedePegu,ecomomandousobreacidade Savady,edoqueaínosaconteceuaosnove portugueses 199
CLXXI Doquemaispassamosnestecaminho,edo sucessoquetivemosnele 203
CLXXII ComodaÍndiamefuiparaaSunda,edoquelá sepassounuminvernoqueaíestive 208
CLXXIII ComoopangueirãodePate,imperadordeJaoa, foicomumgrossoexércitocontraoreide Passarvão,edoquefezdepoisqueláchegou 211
CLXXIV Comodacidadesaíramdozemilamoucos,edo quefizeramcontraosinimigos 215
CLXXV ComooreidePassarvão,comdezmilconjurados, saiuforacontraosinimigos,dapelejaqueteve comelesedosucessodela 218
CLXXVI Comoacasosetomouaquiumportuguêsgentio, edacontaquenoseledeudesi 221
CLXXVII ComoEl-ReideDemáfoimortoporumestranho caso,edoquesucedeudepoisdasuamorte 225
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CLXXVIII Doquemaissucedeuatéesteexércitoser embarcado,edeumagrandediscórdiaqueem Demáhouveentredoishomensprincipaisda cidade,edodesventuradosucessoqueteve 229
CLXXIX Detudoomaisquesucedeuaténospartirmos paraoportodaSunda,edaíparaaChina,eda desavençaquenestaviagemtivemos 233
CLXXX Doquenossucedeudepoisquenospartimos destarestinga 238
CLXXXI ComodesteportodeSundafuiteraSião, donde,emcompanhiadeoutrosportugueses, fuicomEl-ReiàguerradoChiammay,edo sucessodela 242
CLXXXII DomaisqueestereideSiãofezatésetornar paraoseureino,ondearainhasuamulhero matoucompeçonha 246
CLXXXIII DatristemortedestereideSião,edealgumas coisasilustresqueelefezemsuavida 251
CLXXXIV ComoocorpodeEl-Reifoiqueimado,eacinza levadaaumpagode,edeoutrasnovidadesque sucederamnestereino 258
CLXXXV ComooreidoBramáempreendeutomareste reinoSião,edoquepassouatéchegaràcidade deOdiá 264
CLXXXVI ComoEl-ReidoBramádeuoprimeiroassalto aestacidadedeOdiá,edosucessodele 268
CLXXXVII Comosedeuoderradeiroassalto,eosucesso dele 273
CLXXXVIII Comooreibramálevantouestecerco,por novasquelhevieramdeumlevantamento quehouveranoreinodePegu,edoquesobre issofez 277
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CLXXXIX DamuitafertilidadedoreinoSião,edeoutras particularidadesdele 281
CXC DoquemaissucedeunoreinodePeguatéa mortedoreibramá,edepoisdela 284
CXCI Doquesucedeunotempodestereixemimde Satão,edeumcasoabominávelqueaconteceu aDiogoSoares 292
CXCII DomaisquesepassounestecasodeDiogoSoares 298
CXCIII ComooxemindóveiosobreoxemimdeSatão, eoquedaísucedeu 303
CXCIV Doquefezoxemindódepoisdesercoroado comoreidePegu,ecomooChaumigrém,colaço deEl-ReidoBramá,veiosobreelecomumgrande exército,edosucessoqueteve 307
CXCV Deumgrossomotimquehouvenocampodeste novoreibramá,edacausaporqueselevantou, edosucessodele 311
CXCVI Dasentençaquederamosseusjuízesnestecaso, edaentradadochaumigrémnacidadedePegu 317
CXCVII Comofoiachadooxemindóetrazidoaorei bramá,edoquesepassoucomele 321
CXCVIII Damaneiracomquetiraramapadecero xemindó,edamortequelhederam 325
CXCIX Darestituiçãoqueestereibramáfezaomorto xemindó,doreinoquelhetomara,edamaneira comoelefoienterrado 330
CC ComodestereinodePegumeembarqueipara Malaca,edaíparaoJapão,edeumestranhocaso queaísucedeu 333
CCI Doquefezopríncipe,filhodeEl-Rei,tendonovas damortedeseupai 340
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CCII ComonospassamosdestacidadeFucheuparao portodeHiamangó,edoquenelenosaconteceu 344
CCIII DeumagrossaarmadaqueoreidoAchémneste tempomandousobreMalaca,edoquenissofez oPadre-MestreFranciscoXavier,reitorda CompanhiadeJesusnaspartesdaÍndia 348
CCIV Doqueaconteceuànossaarmadaestandopara partir,ededuasfustasquechegaramdenovoà fortaleza 356
CCV DomaisquesepassoucomDiogoSoares,ede comopartiuaarmada,edoquelheaconteceuaté chegaraoRiodeParlés 362
CCVI Dacruelbatalhaqueosnossostiveramcomos achénsnoRiodeParlés,edosucessodela 367
CCVII DoquesepassouemMalacaenquantonãohouve novasdestanossaarmada,edoqueoPadre Franciscodeladisse,estandoumdomingo pregando 371
CCVIII ComooPadre-MestreFranciscofoideMalacapara oJapão,edoquelásepassou 376
CCIX Comoestebem-aventuradopadrechegouaoporto deFingeondeestavaanossanau,edoquesepassou atéirverEl-ReidoBungoàcidadeFuchéu 382
CCX DashonrasqueEl-ReideBungofezaoPadre-Mestre Francisconesteprimeirodiaqueseviucomele 387
CCXI Comodespedindo-seopadredeEl-Reiparase embarcarparaaChinaodetiverammaisalguns dias,edealgumasdisputasquetevecomosbonzos 394
CCXII Doqueestebem-aventuradopadrepassoucomos portuguesesacercadaembarcação,edasegunda disputaquetevecomobonzoFucarandono 402
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CCXIII Detudoomaisqueopadrepassoucomestes bonzosatéseembarcarparaaChina 409
CCXIV DagrandetormentaquepassamosindodoJapão paraaChina,ecomofomoslivresdelapor oraçõesdesteservodeDeus 417
CCXV Dosvárioscasosqueaconteceramaeste bem-aventuradopadreatéchegaràChina,eda maneiradasuamorte 424
CCXVI Damaneiraquefoienterradoestedefunto,e trazidoaMalaca,edaíàÍndia 433
CCXVII Comoestesantodefuntofoidesembarcadoda nauemquevieradeMalaca,edoaparatocom quechegouaocaisdeGoa 436
CCXVIII DorecebimentoquesefezemGoaaestesanto defunto,edomaisqueaísucedeu 439
CCXIX ComooPadre-MestreBelchiorpartiudaÍndia paraoJapão,eacausaporquenãopassoude Malaca,edoquenelasucedeunestetempo 443
CCXX ComopartimosdeMalacaparaoJapão,edoque passamosatéchegarmosàIlhadeChampeiló,na Cochinchina,edoquenelavimos 447
CCXXI ComodestaIlhadeChampeilófomosteràde Sanchão,edaíaLampacau,edá-secontadedois casosdesastradosqueaconteceramnaChinaa duaspovoaçõesdeportugueses 451
CCXXII Deumasnovasquevieramaestailha,deum estranhocasoqueaconteceupelaterradentro 458
CCXXIII ComochegamosaoreinodoBungo,edoquelá passamoscomEl-Rei 462
CCXXIV DamaneiracomoEl-ReidoBungorecebeua embaixadadovice-reidaÍndia 470
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CCXXV ComooPadre-MestreBelchiorseviucomEl-Rei doBungo,edoquesepassoucomele,eda respostaqueEl-Reimedeudaembaixadaque lhelevei 473
CCXXVI Doquepasseidepoisquepartimosdesteporto deXequeatéchegaràÍndia,edaíaestereino 478
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a m � r i � a l at i n a – a p�t r i a g r a n d e | d a r � � r i � e i r o xi
apresentação
AFundaçãoDarcyRibeirorealiza,depoisde50anos,osonho
sonhado pelo professor Darcy Ribeiro, de publicar a Coleção
BibliotecaBásicaBrasileira–aBBB.
A BBB foi formulada em 1962, quando Darcy tornou-se o
primeiroreitordaUniversidadedeBrasília–UnB.Foiconcebida
comoobjetivodeproporcionaraosbrasileirosumconhecimento
maisprofundodesuahistóriaecultura.
Darcy reuniu um brilhante grupo de intelectuais e profes-
sorespara, juntos,criaremoqueseriaauniversidadedofuturo.
Eraosonhodeumageraçãoqueconfiavaemsi,quereivindicava
–comoDarcyfezaolongodavida–odireitodetomarodestino
emsuasmãos.DessaentregagenerosanasceuaUniversidadede
Brasíliae,comela,muitosoutrossonhoseprojetos,comoaBBB.
Em1963,quandoministrodaEducação,DarcyRibeiroviabili-
zouapublicaçãodosprimeiros10volumesdaBBB,comtiragem
de15.000coleções,ouseja,150millivros.
A proposta previa a publicação de 9 outras edições com 10
volumescada,poisaBibliotecaBásicaBrasileiraseriacomposta
por100títulos.AcontinuidadedoprogramadeediçõespelaUnB
foiinviabilizadadevidoàtruculênciapolíticadoregimemilitar.
Comamissãodemantervivosopensamentoeaobradeseu
instituidore,sobretudo,comprometidaemdarprosseguimento
àssuaslutas,aFundaçãoDarcyRibeiroretomouapropostaea
atualizou,configurando,assim,umanovaBBB.
Aliada aos parceiros Fundação Biblioteca Nacional e Editora
UnB, a Fundação Darcy Ribeiro constituiu um comitê editorial
que redesenhou o projeto. Com a inclusão de 50 novos títulos,
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p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o xixa m � r i � a l at i n a – a p�t r i a g r a n d e | d a r � � r i � e i r o xi
apresentação
AFundaçãoDarcyRibeirorealiza,depoisde50anos,osonho
sonhado pelo professor Darcy Ribeiro, de publicar a Coleção
BibliotecaBásicaBrasileira–aBBB.
A BBB foi formulada em 1962, quando Darcy tornou-se o
primeiroreitordaUniversidadedeBrasília–UnB.Foiconcebida
comoobjetivodeproporcionaraosbrasileirosumconhecimento
maisprofundodesuahistóriaecultura.
Darcy reuniu um brilhante grupo de intelectuais e profes-
sorespara, juntos,criaremoqueseriaauniversidadedofuturo.
Eraosonhodeumageraçãoqueconfiavaemsi,quereivindicava
–comoDarcyfezaolongodavida–odireitodetomarodestino
emsuasmãos.DessaentregagenerosanasceuaUniversidadede
Brasíliae,comela,muitosoutrossonhoseprojetos,comoaBBB.
Em1963,quandoministrodaEducação,DarcyRibeiroviabili-
zouapublicaçãodosprimeiros10volumesdaBBB,comtiragem
de15.000coleções,ouseja,150millivros.
A proposta previa a publicação de 9 outras edições com 10
volumescada,poisaBibliotecaBásicaBrasileiraseriacomposta
por100títulos.AcontinuidadedoprogramadeediçõespelaUnB
foiinviabilizadadevidoàtruculênciapolíticadoregimemilitar.
Comamissãodemantervivosopensamentoeaobradeseu
instituidore,sobretudo,comprometidaemdarprosseguimento
àssuaslutas,aFundaçãoDarcyRibeiroretomouapropostaea
atualizou,configurando,assim,umanovaBBB.
Aliada aos parceiros Fundação Biblioteca Nacional e Editora
UnB, a Fundação Darcy Ribeiro constituiu um comitê editorial
que redesenhou o projeto. Com a inclusão de 50 novos títulos,
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b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxx � i � l i o t e � a � � s i � a � r a s i l e i r a – � � �� � � � � � � � � � �xii
a Coleção atualmente apresenta 150 obras, totalizando 18 mil
coleções, o que perfaz um total de 2.700.000 exemplares, cuja
distribuiçãoserágratuitaparatodasasbibliotecasqueintegram
oSistemaNacionaldeBibliotecasPúblicas,eocorreráaolongo
detrêsanos.
A BBB tem como base os temas gerais definidos por Darcy
Ribeiro: O Brasil e os brasileiros; Os cronistas da edificação;
Culturapopulareculturaerudita;EstudosbrasileiroseCriação
literária.
Impulsionados pelas utopias do professor Darcy, apresenta-
mos ao Brasil e aos brasileiros, com o apoio dos Correios e da
Petrobras, no âmbito da Lei Rouanet, um valioso trabalho de
pesquisa,comodesejodequenosreconheçamoscomoaNova
Roma, porém melhor, porque lavada em sangue negro, sangue
índio, tropical.ANaçãoMestiçaqueserevelaaomundocomo
uma civilização vocacionada para a alegria, a tolerância e a
solidariedade.
PaulodeF.RibeiroPresidente
FundaçãoDarcyRibeiro
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p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o xxi
prefácio – francisco ferreira de lima
MendesPintofoidetudoumpoucoemsuaviagem:comer-
ciante,noviço,embaixador,pirata,escravo,canibal,soldado,crí-
ticodevaloressociaisemuitasoutrascoisasainda.Essagrande
quantidade de papéis deve ser entendida, nalguns casos, como
meiosdesuperaçãodostranstornosdaviageme,noutros,como
resultadoimediatodessasuperação,istoé,comotransformação
operadanoviajantepeloencontrodanovidade.
Mas nem sempre essa quantidade de papéis é entendida as-
sim.Aliás,quasenuncaéentendidaassim.Aocontrário,elafez
com que um bom número de críticos visse o relato da viagem
de Mendes Pinto sempre como um pretexto para o exercício de
umdaquelespapéis,relegandoasegundoplanoaideiamesma
deviajareoprazernelaimplicado.
Todosessespapéisestãosemdúvidaencarnadosnoviajante.
Maselessurgemdeumanecessidadeparaqueaviagemcontinue
asedesdobrarouentãojásãooresultadodaprópriaviagemque
operoumodificaçõesnoviajante.Demaneiradiferente,portan-
to,doquepensamaquelescríticos,essespapéisnãodependem
da viagem; ao invés, a viagem é que depende desses papéis.
Porquecheiadeperigoseobstáculos,elaobrigaoviajantease
adequaràscircunstâncias,demodoquepossadarseguimentoao
seumaisimportanteprojeto,queéodeviajar.
Aviagem,ébemdever,nãofazdesaparecerasoutrasnecessi-
dadesbásicasdohomem:oviajante,comoqualquerhomemco-
mum,trabalha,reza,luta,acreditanosvaloresdesuasociedadee
osdefende.Oqueodistinguedoshomenscomunséque,alémde
xxi� i � l i o t e � a � � s i � a � r a s i l e i r a – � � �� � � � � � � � � � �xii
a Coleção atualmente apresenta 150 obras, totalizando 18 mil
coleções, o que perfaz um total de 2.700.000 exemplares, cuja
distribuiçãoserágratuitaparatodasasbibliotecasqueintegram
oSistemaNacionaldeBibliotecasPúblicas,eocorreráaolongo
detrêsanos.
A BBB tem como base os temas gerais definidos por Darcy
Ribeiro: O Brasil e os brasileiros; Os cronistas da edificação;
Culturapopulareculturaerudita;EstudosbrasileiroseCriação
literária.
Impulsionados pelas utopias do professor Darcy, apresenta-
mos ao Brasil e aos brasileiros, com o apoio dos Correios e da
Petrobras, no âmbito da Lei Rouanet, um valioso trabalho de
pesquisa,comodesejodequenosreconheçamoscomoaNova
Roma, porém melhor, porque lavada em sangue negro, sangue
índio, tropical.ANaçãoMestiçaqueserevelaaomundocomo
uma civilização vocacionada para a alegria, a tolerância e a
solidariedade.
PaulodeF.RibeiroPresidente
FundaçãoDarcyRibeiro
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b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxii
tudoisso,possuiumanecessidadeintrínsecadevereque,para
tanto,écapazdequalquercoisa.
Mastalnecessidaderequerjustificativa,quenãodeixeespaço
paraquesepenseemdiversão.NocasodeMendesPintotaljus-
tificativaédupla,pois,alémdoestadodemisériaquesempreo
perseguiu,haviaameaçasasuaaindajovemejátãodesgraçada
vida,umavez(nos)assegurartersemprevivido"emmisérias&
empobreza,&nãosemalgunssobressaltos&perigos",situações,
assimnosquerfazercrer,queoobrigaramaviajarparasalvara
vida.
Ora,essasrazões,sobretudoasdemisériaepobreza,poderiam
seralegadasportodaapopulaçãoportuguesasuacontemporâ-
nea,comexceçãodosnobres,daquelesquedetinhamaltospos-
tosnaIgrejaealgunspoucosmais.Eaoqueconstanemtodaa
populaçãoseviuforçadaaembarcarporqueviviaemmisériae
pobreza.Equantoaos“sobressaltoseperigos”,poucoesclarece.
Suspeitamalgunspesquisadoresquesetratadeumareferênciaa
umacenadeadultérioqueteriapresenciado.Todavia,comoem
muitasoutrascoisas relativasàvidarealdesseautor, tudonão
passadesuspeita,semquaisquerprovasdefinitivas.
Independentementedequaisfossemasrazões,severdadeiras
oufalsas,aviagemestavadefinitivamenteinscritaemsuavida.
Desdemuitocedo,eraela,esomenteela,asaídaeachegada.
Comefeito,segundosuaprópria(eparca)informação,Mendes
Pintorealizou,antesdagrande,umapequena,masintensapere-
grinação no interior do reino, sempre fugindo da pobreza e do
perigo,queinsistiamempersegui-lo.Trazidoporumtio,"dese-
josodemeencaminharparamilhorfortuna",chegaaLisboaem
trezededezembrode1521,diaemque"sequebrarãoosescudos
pellamortedelReydomManoeldegloriosamemória",entreos
dezedozeanosdeidade.
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xxiiip e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
Alitrabalhaduranteumanoemeionacasadeuma"senhora
degeraçãoassaznobre",deondeéobrigadoafugirporumcaso
quesucedeu,emboranãodigaqual,queodeixoutãoaterroriza-
do,como"seviraamortediãtedosolhos".
Apósumlongointervalo,doqualnadasesabe,voltaaoservi-
çonacasadeFranciscodeFaria,agoraemSetúbal,ondedizter
permanecidoporquatroanos.Felizcomodesempenhodeseu
criado,FariaocedeaomestredeSantiago,emcujacasaeleserve
pormaisumanoemeio.Aúltimareferênciaqueelefazdesua
vidanoreinoéonzedemarçode1537,datadeseuembarquepara
aÍndia.
Éimportanteobservar–éobrigatóriaapequenadigressão–
que,comoquasetodososnúmerosnaPeregrinação,osrelativosà
vidadeMendesPintonacortepadecemdeincerteza.Acrerem
suacontagem,poucomaisdeoitoanosficamporexplicar.Éfazer
ascontas:dezoudozeanoseraaidadecomquechegouaLisboa
em1521; mais um ano e meio de trabalho em casa daquela se-
nhora;maisquatronacasadeFranciscodeFaria;e,porfim,mais
umanoemeionacasadomestredeSantiago.Total:dezesseteou
dezenove anos. Quando embarcou para a Índia, em1537 como
eleprópriodiz,játinhavinteeseisouvinteeoitoanos,dosquais
poucomaisdeumterçofoirelegadoàsbrumasdomistério.
Ofatoimportanteéquenafaixadosquatorzeanos,sejapor
perigoouporpobreza,oupordesejodeaventura,oqueparece
bem mais adequado, Mendes Pinto embarca pela primeira vez
paraaaventura,gestoquerepetirámuitasemuitasvezesaolon-
godesualongavida.
Esseprimeiroembarqueéumaantecipaçãodoqueserásua
vidafutura.EmbarcadonocaisdepedradeLisboanumacaravela
queiaparaSetúbal,sofreoprimeirodosmuitosrevesesporque
passaria,aoveronavioassaltadoporpiratasfranceses.Lançado
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àpraia,érecolhidoetratadoemSantiagodeCacém,ondesaide
cena,comojásedisse,porpoucomaisdeoitoanos.
Decorrido esse prazo, reaparece adulto em Setúbal. Ex-
perimenta,aindaporduasvezes,apossibilidadedevivercomo
serviçal, mas desiste, porque "a moradia que então era custu-
me darse nas casas dos Principes me não bastava para minha
sustentação".
Acabada, portanto, a pequena peregrinação que fizera por
aquelaspequenasterrasdoreino,estavaprontoparaagrande,na
qual,durantevinteeumanos,iriadescobrir(eseespantarcom)
osmaisescondidossegredosdomundo.Masera–dizele–ami-
sériaquecontinuavaaempurrá-lo.
ÉverdadequeessasfunçõesqueMendesPintoexerceunasca-
sasdaquelesnobressenhoresnãoremunerassemdecentemente.
ApráticadedesviarfundosdaCoroanoultramartinhanospés-
simossaláriosumadesuasalavancas.Noreino,semhaveroque
desviar, as coisas eram provavelmente muito piores. Ademais,
haviaaseduçãodariquezafácildoOriente,onde,comalguma
sorte,sepoderiamencontrartesourosacéuaberto,segundoas
lendas medievais ainda vivas naqueles tempos. E bem se sabe
queaquelesviajanteserammovidostantopelorealquantopelo
fantástico,poisqueabarreiraentreamboserafrágile,porisso,
facilmenteultrapassável.
Naturalmente, tantoapobrezaquantoaseduçãodariqueza
fácilestãonabasedadecisãodeMendesPinto.Nãoháqueduvi-
dardesuasqueixasdaprimeiraedaaspiraçãoquantoàsegunda.
Masháumdeterminante,fundamental,queeleomite:odesejo
devereparticipardoespetáculodomundo,quesuperadelonge
todososoutros.
Éumasedeinsaciáveldeaventuraqueopersegue,àqualse
entregacomosenãoquiseraentregar-se,sutilmecanismoretó-
rico com que justifica o gozo para si mesmo e o dissimula em
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xxvp e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
facedadurezadaquelestemposausteros,quenãofaziamdistin-
çãoentreprazerepecado.
Nessa perspectiva, a discussão sobre verdade e mentira na
Peregrinação perde toda sua razão de ser. Aquilo que porventu-
ranãotenhaacontecidonarealidadeequealiseencontranão
é mentira, mas absoluta necessidade de aplacar essa insaciável
sede de ver e participar do espetáculo do mundo. Dir-se-ia que
essedesejodeMendesPintoeraaindamaiorqueadiversidade
domundoporeleexperimentada.Quandoestanãofoibastante
parasuanecessidade,eleafezadequar-se.
Não importa, pois, se os números dos naufrágios de que foi
vítima,dasvezesquefoifeitoescravooudasbatalhasdequepar-
ticipoucorrespondemounãoàrealidadedosfatos.Seascoisas
não sucederam exatamente daquele modo, era exatamente da-
quelemodoqueelequeriaquetivessemsucedido.
O que leva Mendes Pinto a viajar por vinte e um anos, nos
quaisperdeacontadasaventurasqueviveu,nãoécertamente
apenas a necessidade, até porque, nunca, em tempo algum, o
homemfoiapenasnecessidade,mesmoquandoestaconsomea
suavida.Aoladodelaoucontraela,ohomemédesejoesonho
de viver outras vidas. A arte permite vivê-las mais facilmente.
Masavidatambémasoferece.MendesPinto,delonge,preferiua
segundaalternativa.
Diziaelequeumadasrazõesdesuaviagem,comoseviu,foio
fatodenãoconseguirsua“sustentação”noreino.Nadamaisho-
nestopoderiaestaraí,emboraoacusemdetantasmentiras.Ele
nãodizqueamoradianãobastavaparaasustentaçãodaspessoas
demodogeral;dizapenasquenãobastavaparaasuasustentação.
Équeessasustentação,nemelemesmoosabia,era feitade
muitomaiscoisasqueoselementosdasobrevivênciacotidiana.
Oalimentodequeesseaventureirodoolharsenutrecarecede
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umasubstânciaquesósealcançaquandoseviaja:aestranheza
domundo.Éissoqueopõeemdemandadaviagem.Seapobreza
éacausa,aestranhezadomundo,comseuimprevisívelelenco
deaventuras,éasuamotivação.
Eseriaumaestulticedizerqueelenãoresistiuaosapelosdes-
sasestranhezasdomundo.Comojáseviu,MendesPintotinha,
nomínimo,vinteeseisanosquandoembarcouparaaÍndia.Já
nãoeraoquesepoderiachamardejovemnaquelestempos.
Como conseguiu viver quase metade de sua vida em hori-
zonte tão pequeno e semelhante, quando seu desejo era o de
planosgrandes,largosevariados?Comoconseguiuviverquase
metadedesuavidacercadopelamiséria,pobreza eperigo que
teimavamempersegui-lo,aspectoemquetantoinsisteparajus-
tificaraviagemparasieparaosleitores?
Ainda que difícil, é possível arriscar uma resposta: embo-
ra também tenha visto o mundo com olhos de menino, e com
muitosoutrosolhos,comoquerGilbertoFreyre,precisoutalvez
terolhosdehomemparaquepudessevercomomenino,jáque
aquelecontémestemasestenãopodeconteraquele.
Namesquinhaepobrevidadoreino,lapidouseudesejopara
quepudessemelhorusufruí-lo.Masnãocomoalgopremeditado,
urgeesclarecer.Antes,écomoumareaçãoaessedesejoqueesse
processosedesenvolveu.
Essa impressão de ser levado ou de estar indo contra a sua
vontade atravessa a narrativa, e se constitui num dos mais efi-
cazesdispositivosretóricosdaPeregrinação,quefuncionacomo
uma maneira de aliciar o leitor desprevenido, levando-o a ver
sofrimentoedesventuranaserrânciasdaquele"sofrido"pobre de mimonde,muitasemuitasvezes,háprazerepuraaventura.
Quandonãoéanecessidade,ésempreoacasoqueofazpartir.A
aventura(eoprazerdeladecorrente)ésempreumaconsequência
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xxviip e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
dadesventurainicial,comosequisessefazercrerque,nãohouve-
rataldesventura,nãohaveriaafuturaviagem.
Uma vida vivida como caleidoscópio por longos vinte e
oito anos, porém, pede bem mais que isso. Refletida e irrefleti-
damente,omar–etudooqueeleimplica–estavanohorizonte
deMendesPinto.Seuchamadoéumaespéciedecondenaçãoa
queestásubmetidoofuturoviajante.
É que Mendes Pinto faz parte de um grupo singular de ho-
mensquesedistinguedorestantedahumanidadepor(apalavra
éapropriada)transitaremfaixaprópriadeinteresses.Comono
casodomarinheiroIsmael,apersonagemdeMelville,queteste-
munhaedepoisnarraaviagemobcecadadoCapitãoAhabem
buscadabaleiabranca,MendesPintobempoderiaterditodesi
mesmo que "para outros homens talvez essas coisas não sejam
atrações; mas, quanto a mim, atormenta-me perene anseio das
coisasdistantes".Estariadizendoaverdademaisverdadeira.
Eaoencontrar-secomelas,comessascoisasdistantesporque
tantoanseia,eleseespanta,seadmiraeseesforçaporapreendê-
-lasemseuconjunto–semnecessariamentebuscarcompreen-
dê-las.Homem,coisaoubicho,tudoatraiseuolhar,frutodeum
insaciáveldesejodas“novasnovidades”domundo.
Seurelato,adespeitodaobjetividadequeoleitorexigia,émar-
cadoporumasubjetividadequetudoabarcaetudocontamina,
comoseantecipasseoversodeFernandoPessoa,reescrevendo-o
paraum“oqueemmimvêestásentindo”.Daí,provavelmente,o
trocadilhoqueseunomegerou,logoquesuaobrafoipublicada:
“Fernão,Mentes?Minto!”.Masnãoésobreamentiraquesecons-
tróiaobramonumentaldeMendesPinto,senãodedeslumbra-
mentoanteaestranheza,novidadeediversidadedomundoreal,
aindamaisdiverso,novoeestranhoquequalquerficçãojamais
inventada.
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b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxviii
Écostumedizer-sequenãosepodecompreenderoséculoXVI
português sem que se leiam Os lusíadas, uma vez que, se aque-
leséculofezopoema,opoemadeigualmodo(re)fezoséculo,
comoquêumnãoseriasemooutro.Decerto,nãosepodedizer
isso de muitos livros sem que se esteja a incorrer em exagero.
Masnãoestarálongedaverdadequemtambémodisseracerca
da Peregrinação. Com efeito, a quantidade de matéria exposta e
amultiplicidadedeângulospelaqualelaéaítratadafazemda
narrativadeMendesPintoumdosmaisamploseimpressionan-
tes painéis, de quantos se escreveram, dos sonhos, desejos, su-
cessosefracassosdaqueleséculoque,paraPortugal,começouem
glóriaeacabouemdesgraça.Assim,talcomosedeucomOslusía-
das,foinecessárioesperarpeloséculoXVIparaqueaPeregrinação
sefizesse.Emcontrapartida,foitambémnecessárioesperarpela
PeregrinaçãoparaqueoséculoXVIganhasseafeiçãoque,sócom
ela,passouaapresentar.
Francisco Ferreira de Lima é Professor de Literatura Portuguesa da universidade estaduaL de feira de santana. doutor em Letras PeLa usP – universidade de são PauLo.
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1p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
Peregrinação volume ii
Fernão Mendes Pinto
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p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o 3
cxxxiiicomo desembarcamos nesta ilha de tanixumá,
e do que passamos com o senhor dela
N ãohaviaaindabemduashoras queestávamossurtosnesta calheta de Miaygimá, quando o nautaquim,príncipedestaIlhadeTanixumá,veioaonossojuncoacompanha-
dodemuitosmercadoresedegentenobre,comgrandesomade
caixõescheiosdeprataparafazerfazenda.Edepoisdesefazerem
departeaparteascortesiascostumadas,eeleterseguroparase
poderchegaranós,sechegoulogo,evendo-nosaostrêsportugue-
ses, perguntou que gente éramos, porque na diferença do rosto
ebarbas,entendiaquenãoéramoschins.Ocapitãocorsáriolhe
respondeuqueéramosdeumaterraquesechamavaMalaca,para
ondehaviamuitosanostínhamosvindodeoutraaquechama-
vamPortugal,cujorei,segundonostinhaouvidoalgumasvezes,
habitavanocabodagrandezadomundo.Doqueonautaquimfez
umgrandeespantoedisseparaosseusqueestavampresentes:
–Quemematem,senãosãoestesoschenchicogisdequeestá
escritoemnossosvolumesquevoandoporcimadaságuas,têm
senhoriado ao longo delas os habitadores das terras onde Deus
criouasriquezasdomundo,peloquenoscairáemboasortese
elesvieremaestanossacomtítulodeboaamizade.
Echamandoentãoparajuntodesi,suamulherléquia,queera
aintérpreteporquemseentendiacomocapitãochim,senhordo
junco,lhedisse:
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b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o4
–Perguntaaonecodáondeachouesteshomens,oucomque
títuloostrazconsigoaestanossaterradoJapão.
Aoquerespondeuquesemfaltanenhumaéramosmercadores
egenteboa,equepornosacharperdidosemLampacau,nosreco-
lheraparanosajudarcomsuasesmolas,comotinhaporcostume
fazeraoutrosquejáassimachara,paraqueDeuspermitisselivrá-
-loaeledasadversidadesimpetuosasquecursavamporcimado
mar,comasquaisseperdiamosnavegantes.
Ao nautaquim pareceram tão boas essas razões do corsário,
queentroulogonojuncoemandouaosseusqueporseremmui-
tosnãoentrassemmaisqueosqueeledissesse.Edepoisdeandar
vendotodasasparticularidadesdojunco,tantodapopacomoda
proa,sesentounumacadeirajuntodatolda,enosesteveinquirin-
dodealgumascoisasparticularesquedesejousaberdenós,aque
respondemosaogostoqueneleenxergamos,dequeelemostra-
vamuitocontentamento.Nessaspráticassegastouconoscoum
grandeespaço,mostrandoemtodasassuasperguntasserhomem
curiosoeinclinadoacoisasnovas,esedespediudenósedoneco-
dáchim,quedosmaisnãofezmuitocaso,dizendo:
–Amanhãidever-meaminhacasa,elevai-meumgrandepre-
sentedenovasdessegrandemundoporondeandastesedasterras
quetendesvisto,ecomosechamam,porquevosafirmoqueessa
sómercadoriacomprareimaisameugostoquetodasasoutras.
Ecomistosetornouparaterra.
Equandoaooutrodiafoimanhãclara,nosmandouaojunco
umgrandeparauderefresco,emqueentravamuvas,peras,me-
lões,etodaasortedehortaliçaquehánestaterra,comcujavista
demosmuitasgraçaselouvoresaNossoSenhor.Onecodádojun-
colhemandoupelomensageiroalgumaspeçasricasebrincosda
China,emretornodorefresco,elhemandoudizerquequandoo
juncoancorassenosurgidouroondeestivessesegurodotempo,o
irialogoveraterraelevar-lheasamostrasdafazendaquetrazia
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5p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
paravender.Eaooutrodia,logoquefoimanhã,desembarcouem
terraenoslevouconsigoatodostrês,commaisdezoudozechins,
osquelheparecerammaisgraveseautorizadosemsuaspessoas,
quais os ele queria para o ornamento dessa primeira visita, em
queestagentecostumamostrar-secommuitavaidade.
Chegandonósacasadonautaquim,fomostodosmuitobem
recebidosporele,eonecodálhedeuumbompresente,eapósisso
lhemostrouasamostrasdetodaasortedefazendaquetrazia,de
queeleficousatisfeitoemandoulogochamarosprincipaismer-
cadoresdaterra,comosquaissetratoudopreçodela,econcerta-
dosneleseassentouqueaooutrodiasetrouxesseaumacasaque
mandoudaraonecodá,emqueseagasalhassecomasuagenteaté
setornarparaaChina.
Issoordenado,onautaquimtornoudenovoapraticarconosco
eaperguntar-nospormuitascoisasmiudamente,aquerespon-
demosmaisconformeaogostoquenelevíamos,quenãoaoque
realmenteeraverdade,masissofoiemcertasperguntasemque
foinecessárioajudarmo-nosdealgumascoisasfingidas,paranão
desfazermosocréditoqueeletinhadestanossapátria.Aprimeira
foidizer-nosquelhetinhamditooschinseléquiosquePortugal
eramuitomaioremquantidadetantodeterracomoderiqueza,
que todo o império da China, o que nós lhe concedemos. A se-
gunda,quetambémlhetinhamcertificadoquetinhaonossorei
subjugadoporconquistademar,amaiorpartedomundo,oque
tambémdissemosqueeraverdade.Aterceira,queeratãoricoo
nossorei,deouroedeprata,queseafirmavaquetinhamaisde
duasmilcasascheiasatéaotelhado,eaistorespondemosquedo
númerodeduasmilcasasnosnãocertificávamos,porseraterra
e o reino em si tamanho, e ter tantos tesouros e povos, que era
impossívelpoder-sedizer-lheacertezadisso.Enessasperguntas
eemoutrasdessamaneira,nosdetevemaisdeduashoras,edisse
paraosseus:
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b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o6
–Écertoquesenãodevedehaverporditosonenhumreide
quantosagorasabemosnaterra,senãosóoqueforvassalodeta-
manhomonarcacomoéoimperadordestagente.
Edespedindoonecodácomtodaasuacompanhia,nosrogou
quequiséssemosficaraquelanoitecomeleemterra,porquese
nãofartavadenosperguntarmuitascoisasdomundo,aqueera
muitoinclinado,equepelamanhãnosmandariadarumascasas
emquepousássemosjuntocomassuas,porseromelhorlugar
dacidade,oquenósfizemosdeboavontade,enosmandouaga-
salharcomummercadormuitoricoquenosbanqueteoumuito
largamente,tantonestanoitecomoemdozediasmaisquepou-
samoscomele.
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cxxxivda honra que o nautaquim fez a um dos nossos
por o ver atirar com uma espingarda, e do que daí sucedeu
L ogo ao outro dia seguinte, este necodá chim desembar-couemterratodaasuafazendacomoonautaquimlhetinha mandado, e a meteu numas boas casas que para isso lhederam,aqualfazendatodasevendeuemtrêsdias,tantoporserpoucacomoporqueestavaaterrafaltadela,naqualestecorsáriofeztantoproveitoquedetodoficourestauradodaperdadosvintee seis barcos que os chins lhe tomaram, porque pelo preço queelequeriapôrnafazenda,lhatomavamlogo,demaneiraquenosconfessouelequecomsódoismilequinhentostaéisquelevavadeseufizeraalimaisdetrintamil.
Nósostrêsportugueses,comonãotínhamosveniagaemquenosocupássemos,gastávamosotempoempescarecaçar,evertemplosdosseuspagodesqueeramdemuitamajestadeeriqueza,nosquaisosbonzos,quesãoosseussacerdotes,nosfaziammui-togasalhado,porquetodagentedoJapãoénaturalmentemuitobeminclinadaeconversadora.Nomeiodessanossaociosidade,umdostrêsqueéramos,denomeDiogoZeimoto,tomavaalgu-masvezesporpassatempoatirarcomumaespingardaquetinhade seu, a que era muito inclinado, e na qual era assaz destro. Eacertandoumdiadeirteraumpaulondehaviagrandesomadeavesdetodaasorte,matounelecomamunição,umasvinteeseismarrecas.
Osjapões,vendoaquelenovomodelodetirosquenuncaaté
entãotinhamvisto,deramrebatedissoaonautaquim,quenesse
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b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o8
tempoandavavendocorrerunscavalosquelhetinhamtrazido
defora,oqual,espantadodestanovidade,mandoulogochamar
oZeimotoaopaulondeestavacaçando,equandooviuvircom
aespingardaàscostas,edoischinscarregadosdecaça,fezdisso
tamanhocasoqueemtodasascoisasselheenxergavaogostodo
quevia,porquecomoatéentãonaquelaterranuncasetinhavisto
tirodefogo,nãosabiamdeterminaroqueaquiloera,nementen-
diamosegredodapólvora,eassentaramtodosqueerafeitiçaria.
OZeimoto,vendo-ostãopasmadoseonautaquimtãoconten-
te, fezperanteelestrêstirosemquematouummilhanoeduas
rolas,eparanãogastarpalavrasnoencarecimentodessenegócio,
eparaescusardecontartudooquesepassounele,porqueeracoi-
saparasenãocrer,nãodireimaissenãoqueonautaquimlevou
oZeimotonasancasdeumcavaloemqueia,acompanhadode
muitagente,equatroporteiroscombastõesferradosnasmãos,os
quaisbradandoaopovoqueeranestetemposemconto,diziam:
–Onautaquim,príncipedestaIlhadeTanixumáesenhorde
nossas cabeças, manda e quer que todos vós outros, e assim os
maisquehabitamaterradeentreambososmares,honremeve-
neremestechenchicogimdocabodomundo,porquedehojepor
dianteofazseuparente,assimcomoosfacharõesquesesentam
juntodesuapessoa,sobpenadeperderacabeçaoqueissonão
fizerdeboavontade.
Aquetodoopovorespondia:
–Assimsefaráparasempre.
EchegandooZeimotocomestapompamundanaaoprimeiro
terreirodospaços,descavalgouonautaquimeotomoupelamão,
ficandonósosdoisumbomespaçoatrás,eolevousemprejunto
desiatéumacasaondeosentouàmesaconsigo,naqualtambém,
paralhefazeramaiorhonradetodas,quisquedormisseaquela
noite,esempredalipordianteofavoreceumuito,eanósporseu
respeito,emalgumamaneira.
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9p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
EentendendoentãooDiogoZeimotoqueemnenhumacoisa
podiamelhorsatisfazeraonautaquimalgumapartedessashon-
rasquelhefizera,equenadalhedariamaisgostoquelhedara
espingarda, lha ofereceu um dia que vinha da caça com muita
somadepombaserolas,aqualeleaceitouporpeçademuitopre-
çoelheafirmouqueaestimavamuitomaisquetodootesouro
daChina,elhemandoudarporelamiltaéisdeprata,elherogou
muito que o ensinasse a fazer a pólvora, porque sem ela ficava
aespingardasendoumpedaçodeferrodesaproveitado,oqueo
Zeimotolheprometeuelhocumpriu.Ecomodalipordianteo
gostoepassatempodonautaquimeranoexercíciodessaespin-
garda,vendoosseusqueemnenhumacoisaopodiamcontentar
mais que naquela de que ele mostrava tanto gosto, ordenaram
mandarfazer,poraquela,outrasdomesmoteor,eassimofizeram
logo.Demaneiraqueofervordesseapetiteecuriosidadefoidali
pordianteemtamanhocrescimentoquejáquandodalinosparti-
mos,quefoidaliacincomesesemeio,havianaterrapassantede
seiscentas.EdepoisaderradeiravezquemelámandouoVice-Rei
D.AfonsodeNoronha,comumpresenteparaoreidoBungo,que
foinoanode1556,meafirmaramosjapõesquenaquelacidadedo
Fuchéu,queéametrópoledestereino,haviamaisdetrintamil.
E fazendoeudissograndeespanto,pormeparecerquenãoera
possívelqueessacoisafosseemtantamultiplicação,medisseram
algunsmercadores,homensnobresederespeito,emoafirmaram
commuitaspalavrasqueemtodaailhadoJapãohaviamaisde
trezentasmilespingardas,equeelessomentetinhamlevadode
veniagaparaosléquios,emseisvezesquelátinhamido,vintee
cincomil.
De modo que por essa só que o Zeimoto aqui deu ao nauta-
quim, com boa tenção e por boa amizade, e para lhe satisfazer
parte das honras e mercês que tinha recebido dele, como atrás
ficadito,seencheuaterradelasemtantaquantidadequenãohá
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já aldeia nem lugar, por pequeno que seja, donde não saiam de
centoparacima,enascidadesevilasmaisnotáveis,nãosefala
senãopormuitosmilharesdelas.Eporaquisesaberáquegente
essaé,equãoinclinadapornaturezaaoexercíciomilitar,noqual
sedeleitamaisquetodasasoutrasnaçõesqueagorasesabem.
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cxxxvcomo este nautaquim me mandou mostrar
ao rei do bungo, e do que vi e passei até chegar onde ele estava
H avendojávinteetrêsdias queestávamosnestaIlhade Tanixumá, descansados e contentes, passando otempoemmuitosdesenfadamentosdepescariasecaçasaquees-
sesjapõescomumentesãomuitoinclinados,chegouaesseporto
umanaudoreinodeBungo,emquevinhammuitosmercadores,
osquaisdesembarcandoemterraforamlogovisitaronautaquim
com seus presentes, como têm por costume. Entre estes, vinha
um homem velho e bem acompanhado, e a quem todos os ou-
trosfalavamcomacatamento,oqual,postodejoelhosdiantedo
nautaquim,lhedeuumacarta,eumricoterçadoguarnecidode
ouro,eumabocetacheiadeabanos,queonautaquimtomoucom
grande cerimônia. E depois de estar com ele um grande espaço
perguntando-lheporalgumasparticularidades,leuacartaparasi
e,entendendoasubstânciadela,ficoualgumtantomaiscarrega-
do,edespedindodesioquelhatrouxera,mandando-oagasalhar
honradamente,noschamouparajuntodesieacenouaointérpre-
tequeestavaumpoucomaisafastado,enosdisseporele:
–Rogo-vosmuito,amigosmeus,queouçaisestacartaqueme
agoraderam,deEl-ReidoBungo,meusenhore tio,eentãovos
direioquequerodevós.
Edando-aaumseutesoureiro,lhemandouquealesse,aqual
diziaassim:
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Olhodireitodomeurosto,sentadoapardemimcomocadaumdosmeusamados,HyascarãogoxoNautaquimdeTanixumá,eu,Oregendó,vossopainoamorverdadeirodeminhasentranhas,comoaqueledequemtomastesonomee o ser de vossa pessoa, rei do Bungo e Facatá, senhor dagrandecasadeFiancimaeTosa,eBandou,cabeçasupremados reis pequenos das ilhas do Goto e Xamanaxeque, vosfaçosaber,filhomeu,pelaspalavrasdeminhabocaditasavossapessoa,queemdiaspassadosmecertificaramhomensquevieramdessaterra,quetínheisnessavossacidadeunstrêschenchicoginsdocabodomundo,gentemuitoapro-priadaaosjapões,equevestemsedaecingemespadas,nãocomomercadoresquefazemfazenda,senãocomohomensamigosdehonra,equepretendemporeladourarseusno-mes,equedetodasascoisasdomundoquelávãoporfora,vostêmdadograndesinformações,nasquaisafirmamemsuaverdadequeháoutraterramuitomaiorqueessanossa,edegentespretasebaças,coisas incríveisaonosso juízo,peloquevospeçomuitocomoafilhoigualaosmeus,queporFingeandono,porquemmandovisitarminhafilha,mequeirais mandar mostrar um desses três que me lá dizemque tendes, pois como sabeis, mo está pedindo a minhaprolongadadoençaemádisposição,cercadadedores,edemuitatristeza,edegrandefastio,esetiveremnissoalgumpejo,ossegurareisnavossaenaminhaverdade,quelogosemfaltaotornareiamandarasalvo;ecomofilhoquede-seja agradar a seu pai, fazei que me alegre com sua vista,equemecumpraessedesejo.Eomaisquenestadeixodevosdizer,vosdiráFingeandono,peloqualvospeçoqueli-beralmenterepartaiscomigodeboasnovasdevossapessoaedeminhafilha,poissabeisqueéelaasobrancelhadomeuolhodireito,comcujavistasealegrameurosto.DacasadoFuchéu,aossetemamocosdaLua.
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13p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
Depoisdelidaessacarta,nosdisseonautaquim:
–EssereidoBungoémeusenhoremeutio,irmãodeminha
mãe,esobretudoémeubompai,eponho-lheessenomeporque
oédeminhamulher,pelasquaisrazõesmetemtantoamorcomo
aosseusmesmosfilhos,eeu,pelagrandeobrigaçãoqueporisso
lhetenho,voscertificoqueestoutãodesejosodelhefazeravonta-
de,quederaagoragrandepartedaminhaterraparaqueDeusme
fizeraumdevósoutros,tantoparaoirvercomoparalhedareste
gosto que eu entendo, pelo muito que sei da sua condição, que
eleestimarámaisquetodootesourodaChina.Ejáquedemim
tendesentendidaessavontade,vosrogomuitoqueconformeisa
vossacomela,equequeiraumdevósambosiraBungoveresse
reiqueeutenhoporpaiesenhor,porqueestoutroaquedeinome
eserdeparentenãoohei-deapartardemimatéquedetodome
nãoensineaatirarcomoele.
Nós os dois, Cristóvão Borralho e eu, lhe respondemos que
beijávamosasmãosdesuaaltezapelamercêquenosfaziaemse
quererservirdenós,ejáquenissomostravagosto,ordenassequal
denósqueriaquefosse,porqueseirialogofazerprestes,aoque
eledepoisdeestarumpoucopensativonadeliberaçãodaescolha,
apontandoparamim,respondeu:
–Este,queémaisalegreemenossisudo,paraqueagrademais
aosjapõesedesmelancolizeoenfermo,porquegravidadepesada
comoadestoutroentredoentesnãoservedemaisqueparacausar
tristezaemelancolia,eacrescentarofastioaquemotiver.
Egracejandocomosseussobreessamatéria,comalgunsditos
e galantarias a que naturalmente são muito inclinados, chegou
o Fingeandono, ao qual me ele logo entregou com palavras de
muito encarecimento acerca da segurança de minha pessoa, de
queeumetivepormuitosatisfeito,efiqueiforadealgunsreceios
queantessemeapresentavam,pelopoucoconhecimentoqueaté
entãotinhadessagente,ememandoudarduzentostaéisparao
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caminho,comosquaismefizprestesomaisdepressaquepude,enospartimos,oFingeandonoeeu,emumaembarcaçãoderemoa que eles chamam funce. E atravessando em uma só noite da-quidestaIlhadeTanixumá,fomosamanhecernorostodaterra,emumaangradenomeHiamangó,edaíaumaboacidadeaquechamavamQuangixumá,e,velejandoassimpornossarotacommonçãotendentedeventosbonançosos,chegamosaooutrodiaaumlugarnobredenomeTanorá,edestefomosaooutrodiador-miraooutroquesechamavaMinato,edaíaFiungá.Efazendoas-simnossospousasemterracadadia,ondenosprovíamosdebonsrefrescos,chegamosaumafortalezadeEl-ReidoBungo,chamadaOsquy,aseteléguasdacidade,naqualfortalezaesseFingeandonosedetevedoisdiasporqueocapitãodela,queeraseucunhado,estavamuitodoente.
Aquideixouaembarcaçãoemquetínhamosvindoenosfo-mosporterraparaacidade.
Chegamosaomeio-dia,epornãosertempodepoderfalaraEl-Rei,foidesceràsuacasaondedamulheredosfilhosfoimuitobemrecebido,eamimmefizerammuitogasalhado.Edepoisquejantouedescansoudotrabalhodocaminho,sepôsdevestidosdecorte,ecomalgunsparentesseussefoiaopaçoemelevoucon-sigoacavalo.El-Rei,sabendodasuavinda,omandoureceberaoterreirodopaçoporumseufilhomoço,aoqueparecia,denoveatédezanos,oqualvinhaacompanhadodemuitagentenobre,eelevinharicamentevestido,comseusporteirosdemaçasadiante;etomandooFingeandonopelamão,lhedissecomrostoalegreebemassombrado:
–AtuaentradanestacasadeEl-Reimeusenhorsejadetama-nhahonraecontentamentoparatiquemerecerãoteusfilhos,porseremteusfilhos,comeràmesacomigonasfestasdoano.
Aqueele,prostradoporterra,respondeu:–Osmoradoresdocéu,dequem,senhor,aprendesteasertão
bom, respondam por mim, ou me deem língua de réstia de sol
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15p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
paragratificarcommúsicaalegreatuasorelhas,essagrandehon-
raquemeagorafazes,portuagrandeza,porquesemissopecarei
sefalar,comoosingratosquehabitamnomaisbaixolagodacôn-
cavaescuradacasadofumo.
E com isso, arremetendo ao terçado que o menino tinha na
cinta,paralhobeijar,elelhonãoconsentiu,mastomando-opela
mão,acompanhadodaquelessenhoresquecomelevieram,ole-
vouconsigoatéometernacasaondeEl-Reiestava,oqual,ainda
quejazessenacamadoente,orecebeucomoutranovacerimônia
dequemeescusodedarrelação,paranãofazerahistóriaproli-
xa.Edepoisque leuacartaqueele trouxedonautaquim,e lhe
perguntar por algumas novas particularidades de sua filha, lhe
dissequemechamasse,porqueaessetempoestavaeuumpouco
afastadoatrás.ElemechamoulogoemeapresentouaEl-Rei,o
qual,fazendo-megasalhado,medisse:
– A tua chegada a esta terra de que eu sou senhor seja ante
mimtãoagradávelcomoachuvadocéunomeiodocampodos
nossosarrozes.
Eu, achando-me assaz embaraçado com a novidade daquela
saudação e daquelas palavras, lhe não respondi por então coisa
alguma. Ele, então, olhando para os senhores que estavam pre-
sentes,lhesdisse:
–Sintoturvaçãonesseestrangeiro,eseráporvertantagente,
de que pode ser que venha desacostumado, pelo que será bom
deixarmos issoparaoutrodia,porquese farámaisàcasaenão
estranharáver-senoqueagorasevê.
Aissorespondieuentãopelomeuintérprete,quelevavamui-
tobom,quequantoaoquesuaaltezadiziademesentirturvado,
lheconfessava,masnãoporcausadamuitagentedequemevia
cercado,porquejáoutrasvezestinhavistooutraemmuitomaior
quantidade, mas que quando eu imaginava que me via diante
dosseuspés,issosóbastavaparaeuficarmudocemmilanos,se
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tantostiveradevida,porqueosqueestavamàrodaeramhomens
comoeu,porémsuaaltezaofizeraDeusemtãoaltograuavanta-
jadoatodos,quelogoquiseraquefossesenhoreosoutrosfossem
servos,equeeufosseformigatãopequenaemcomparaçãodasua
grandeza, que por ser pequeno nem ele me enxergasse nem eu
soubesseresponderasuasperguntas.
Daqualtoscaegrosseiraresposta,todososqueestavampre-
sentesfizeramtamanhocasoquebatendoaspalmasamodode
espanto,disseramparaEl-Rei:
– Vê, vossa alteza, como fala a propósito? Não deve este ho-
memsermercadorquetrateembaixezadecomprarevender,se-
nãobonzopregadorqueministresacrifícioaopovo,umhomem
quesecriouparacorsáriodomar.
AqueEl-Reirespondeu:
–Tendesrazão,eamimassimmoparece,masjáquelargou
osfechosàcovardia,vamosadiantecomnossasperguntas,enin-
guémfalenada,porqueeusóqueroseroquepergunte,quevos
afirmoquetenhogostodefalarcomele,tantoquequiçácomerei
daquiaumpouco,qualquerbocado,porquenãosintoagorane-
nhumadoremmim.
Dequearainhaesuasfilhasqueestavamjuntocomele,com
grandecontentamentoecomosjoelhosemterra,levantaramas
mãosaocéuederamaDeusmuitasgraçasporaquelamercêque
lhesfizera.
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cxxxvide um desastre que nesta cidade aconteceu
a um filho de el-rei, e do perigo em que eu por isso me vi
E l-Reimemandoulogochegar parajuntodacamilhaemqueestavadeitadoassazenfermoeatribuladodegota,emedisse:
– Rogo-te que te não enfades de estar junto de mim, porque
folgodeteveredefalarcontigo,equemedigassesabesalguma
mezinhaládessaterradocabodomundo,paraessaenfermidade
quemetemaleijado,ouparaofastio,porquevaiemdoismeses
quenãopossocomercoisanenhuma,
A que respondi que eu não era médico nem aprendera essa
ciência,masquenojuncoemqueeuvieradaChina,vinhaum
pau cuja água curava muito maiores enfermidades que aquela
dequeseelequeixava,equeseotomasseterialogosaúde,sem
faltanenhuma,oqueelefolgoumuitodeouvir.Equerendopôr
em efeito curar-se com ele, o mandou buscar a Tanixumá onde
ojuncoestava,esecuroucomele,efoilogosãoemtrintadias,
havendojádoisanosquedaquelaenfermidadeestavaentrevado
nacamasemsepoderbulirnemmandarosbraços.
Vintediascontínuosdepoisquechegueiaessacidade,Fuchéu,
passeimuitoameugosto,oraemresponderaváriasperguntas
que El-Rei, a rainha, o príncipe e os senhores me faziam, como
gente que não tinha notícia de haver mais mundo que Japão, e
não me detenho em dar relação do que eles perguntavam e eu
respondia, porque como tudo eram coisas de pouca substância,
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parece-mequenãoservirádemaisquedeencherpapelcomcoi-
sasquedeemmaisfastioquegosto;oraemverassuasfestas,as
suascasasdeoração,osseusexercíciosdeguerra,osseusnavios
de armada, e as suas pescarias e caças a que são muito afeiçoa-
dos,principalmenteàsdealtanariacomfalcõeseaçoresaonosso
modo,ealgumasvezespassavatambémotempocomaminha
espingardamatandomuitasrolas,epombos,ecodornizes,deque
aterraerabemabastada.
Osdestaterra,paraquemestemododetirodefogofoicoisatão
novacomoparaosdeTanixumá,vendoumacoisaqueatéentão
nãotinhamvisto,foitamanhoocasoquefizeramdissoqueonão
seiencarecer.OsegundofilhodeEl-Rei,denomeArichandono,
moçodedezesseisatédezesseteanos,eaquemeleeramuitoafei-
çoado,merequereualgumasvezesqueoquisesseensinaraatirar,
de que me eu escusei sempre, dizendo que havia mister muito
tempo para o aprender. Porém, ele não aceitando essa minha
razão,fezqueixumedemimaseupai,oqual,paraocomprazer,
merogouquelhedesseumpardetirosparalhesatisfazeraquele
apetite;aquerespondiquedois,equatro,ecento,equantossua
altezamandasse.Eporqueelenestetempoestavacomendocom
seupai,ficouparadepoisquedormisseasesta,oqueaindaaquele
dianãoteveefeitoporquefoiaquelatardecomarainhasuamãe
a um pagode de grande romagem, onde se fazia uma festa pela
saúdedeEl-Rei.
E logo ao outro dia seguinte, que foi um sábado, véspera de
NossaSenhoradasNeves,veiopelasestaàcasaondeeuestava,
sem trazer consigo mais que só dois moços fidalgos, onde me
achou dormindo sobre uma esteira; e vendo estar a espingarda
pendurada, não me quis acordar, com o propósito de atirar pri-
meiroumpardetiros,parecendo-lhecomoeledepoisdiziaque
naquelesqueeletomavanãoseentenderiamosquelheeupro-
metera. E mandando a um dos moços fidalgos que fosse muito
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19p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
caladamenteacenderomorrão,tirouaespingardadondeestava,
e,querendo-acarregarcomoalgumasvezesmetinhavistofazer,
comonãosabiaaquantidadedepólvoraquelhehaviadelançar,
encheu o cano em comprimento de mais de dois palmos, e lhe
meteuopelouro,eapôsaorostoeapontouparaumalaranjeira
queestavadefronte;epondo-lheofogo,quisadesventuraquere-
bentouportrêspartes,edeunele,elhefezduasferidas,umadas
quaislhedecepouquaseodedopolegardamãodireita,dequeo
moçologocaiunochãocomomorto,oquevendoosdoisquecom
eleestavam,foramfugindoacaminhodopaço,e,gritandopelas
ruas, iam dizendo: “A espingarda do estrangeiro matou o filho
deEl-Rei!”–acujasvozesse levantouumtamanhotumultona
gente,quetodaacidadesefundia,acudindocomarmasegrandes
gritasàcasaondeopobredemimestava,ejáentãocomoDeus
sabe,porqueacordandoeucomessarevoltaevendojazeromoço
nochãojuntodemim,ensopadotodoemsangue,semacudira
pénemamão,abraceicomelejátãodesatinadoeforademim,
quenãosabiaondeestava.NessetempochegouEl-Reidebruçado
sobreumacadeiraquequatrohomenstraziamaosombros,eele
tãocoadoquenãotraziacordehomemvivo,earainhaapé,abra-
çadaaduasmulheres,eambasasfilhasdamesmamaneira,em
cabelo,cercadasdegrandequantidadedesenhorasegentenobre,
asquaisvinhamtodascomopasmadas,eentrandotodosnacasa,
evendojazeromoçonochãocomomortoeeuabraçadocomele,
ensopadosambosemsangue,assentaramtodos totalmenteque
euomatara,earremetendodoisdosquealiestavam,amim,com
osterçadosnusnasmãos,mequiseramlogomatar;porémEl-Rei
bradourijo,dizendo:
–Ta,ta,ta,inquiramosprimeiro,porquesuspeitoquevemessa
coisademaislonge,porquepodeserquepeitassemessehomem
algunsparentesdostredosdequeooutrodiamandeifazerjustiça.
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Echamandoentãoosdoismoçosfidalgosqueseacharamali
comseufilho,osinquiriucomgrandesperguntas,aquerespon-
deram que a minha espingarda o matara com uns feitiços que
tinhadentrodocano,aqueoscircunstantesdisseramcomuma
gritamuitogrande:
–Paraque,senhor,ouvirmais?Dê-se-lhelogo,cruelmorte.
Comisso,mandaramlogoagrandepressachamaroJurubaca,
queeraointérpreteporquemeumeentendiacomeles,queneste
tempotambémerafugidocommedo,eotrouxerampresodiante
deEl-Rei,eperanteeleetodaajustiçalhefizeramumpreâmbulo
demuitosameaçassenãofalasseverdade,aqueele,tremendoe
chorando,respondeuqueeleadiria.Entãofizeramlogovirtrês
escrivãesecincoalgozescomterçadosemambasasmãosdesem-
bainhados, e eu já neste tempo estava com as minhas atadas, e
postoemjoelhosdiantedeles.EobonzoAsquerãoteixe,queera
opresidentedajustiça,comosbraçosarregaçadoseumagomia
tintanosanguedomesmomoçonamão,medisse:
–Euteesconjurocomofilhododiabo,queés,eculpadonesse
crimetãogravecomooshabitadoresdacasadofumometidosna
côncavafundadocentrodaterra,queaquiemvozaltaquetodos
teouçam,medigasqualfoiacausaporquequisestequeatuaes-
pingardacomfeitiçariasmatasseesseinocentemeninoquetodos
tínhamosporcabelosdenossacabeça?
A que eu por então não respondi palavra, por estar tão fora
demim,queaindaquemematassem,cuidoqueonãosentiria.
Porém,elecomsemblanteferozeiradometornouadizer:
–Senãoresponderesàsminhasperguntas,tedouporconde-
nadoàmortedesangue,efogo,eágua,eassoprodevento,para
nosaresseresdespedaçadocomopenadeavemortaquesedivide
emmuitaspartes.
Ecomissomedeuumgrandecoiceparaquedespertasse,eme
tornouadizer:
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21p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
– Fala, confessa de quem foste peitado, quanto te deram, e
comosechamam,eondevivem?
Aoqueeu,algumtanto jámaisdesperto,respondiqueDeus
o sabia, e a ele tomava por juiz dessa causa. Ele, contudo, não
contente com o que tinha feito, me fez outros muitos ameaços
denovoemepôsdianteoutrosmuitosespantoseterribilidades,
emquesegastouespaçodemaisdetrêshoras,dentrodasquais
prouveaNossoSenhorqueomoçotornouasi,evendoseupai
esuamãejuntodesibanhadosemlágrimas,lhesdissequelhes
pediamuitoquenãochorassem,nemdemandassemaninguém
asuamorte,porquesóeleforaacausadela,equeeunãotinha
culpanenhuma,peloquelhestornavaapedirmuitopelosangue
emqueoviambanhado,quememandassemlogosoltar,esenão
quetornariaamorrerdenovo;eEl-Reimemandoutirarlogoas
prisõescomqueosalgozesmetinhamatado.
Nessetempochegaramquatrobonzosparaocurarem,even-
do-odamaneiraqueestava,ecomopolegarpendurado,fizeram
tamanhocasodissoqueonãoseidizer,oqueouvindoomoço,
começouadizer:
–Tirem-meessesdiabosdediante,etragam-meoutrosqueme
nãodigamdamaneiraemqueestou,pois foiDeusservidoque
estivesseeudessamaneira.
Edespedindologoessesquatro,vieramoutros,osquaissenão
atreveramacurarasferidas,eassimodisseramaseupai,deque
eleficouassaztristeedesconsolado,etomandosobreissoopare-
cerdosqueestavamcomele,lheaconselharamquedeviamandar
chamarumbonzodenomeTeixeandono,muitoafamadoentre
eles,queestavaentãonacidadedeFacatá,queeradaliasetenta
léguas,aqueomoçoferido,respondeu:
–Nãoseiquedigaaesseconselhoquedaisameupai,estando
eudamaneiraquetodosvedes,porquequandohaveriajádeser
curadoparasemeestancarosangue,quereisqueespereporum
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velhopodrequeestádaquiacentoequarentaléguasdeidaevin-
da,queprimeiroquecácheguesepassaráummês.Desafrontai
esseestrangeiroesegurai-odomedoquelhetendesposto,edes-
pejem essa casa, que ele me curará como souber, porque antes
queroquememateumhomemquetantotemchoradopormim,
comoessecoitado,queéobonzodeFacatá,de92anosesemvista
nosolhos.
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cxxxviido que mais passei no negócio deste moço,
e como me embarquei para tanixumá, e daí para liampó, e do que me aconteceu
depois que aí cheguei
O desconsolado rei, que a esse tempo estava como pas-madodeverseufilhodaquelamaneira,voltandoparamimorosto,medissecommuitabrandura:
–Rogo-tequevejassemepodesvalernesseperigoemquevejo
meufilho,porqueteafirmoqueseassimofizeres,eutetereitam-
bémcomoafilho,etedareiquantomepedires,semoderessão.
Eulherespondiquemandassesuaaltezaàquelagentequese
fosse,porquemeturvavacommedodavozeariaquefazia,eeu
veriaquetaiseramasferidas,esemeatrevesseacurá-la,ofaria
demuitoboavontade,oqueEl-Rei logo fez.Echegando-meeu
entãoaomoço, lheolheias feridaseviquenãoerammaisque
duas, uma acima da testa, a qual ainda que fosse comprida não
eraperigosa,eoutranamãodireita,quenãotinhamaisqueso-
menteodedopolegarmeiodependurado.Edando-mealiNosso
Senhorumnovoesforço,disseaEl-Reiquesenãoagastassesua
altezaporqueeuesperavaemDeusquelhedariaseufilhosãoem
menosdeummês.
Ecomeçandoeulogoamepôremtomdeocurar, foiEl-Rei
muito repreendido pelos bonzos por consentir nisso, e lhe dis-
seramquesemfaltanenhumaseufilhomorrerianaquelanoite,
peloquelheseriamelhoraelemandar-mecortaracabeça,que
quererquelhetornasseoutravezamatarseufilho,porqueseas-
simfosse,comoestavaclaroquehaviadeser,ficavaasuamorte
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muito infamada, e El-Rei tido em muito má conta por todos os
seus.El-Reilhesrespondeuquebemviaquantarazãotinhamno
quelhediziam,peloquelhesrogavaquelheaconselhassemoque
entãodeviafazer,aqueelesdisseramqueesperassepelobonzo
Teixoandonoenãotomasseoutroconselho,porqueporeleser
maissantoquetodos,lheafirmavamquesócomlhepôramão
lhedariasaúde,comojáfizeraaoutrosmuitos,dequeeleseram
testemunhas.
DeterminadojáEl-Reiemaceitaressemalditoconselhodesses
servosdodiabo,omoçosecomeçouaqueixarquelhedoíammui-
toasferidas,equeemtodoocasolheacudissemlogodequalquer
maneiraquequisessem,porquenãopodiasofrerasdores.
El-Rei,comisso,tornoudenovoatomarospareceresdosque
ali ficaram com ele, e lhes rogou a todos muito que, vista por
umaparteacontradiçãodosbonzos,eporoutraograndeperigo
emqueseufilhoestavaeasgrandesdoresquesentia,lheacon-
selhassemoquefariamnessaperplexidadeemquesenãosabia
determinar;eelestodoslhedisseramquemuitomelhoreraser
curado logo que esperar o tempo que os bonzos diziam. El-Rei
lhesaprovouesseconselhopormelhoremaisacertado,ecomo
tallhoaceitoueagradeceu.Etornandoacontinuarcomigo,me
fezdenovomuitosafagosemeprometeumefazermuitoricose
lhedessesaúdeaseufilho.Aqueeu,comaslágrimasnosolhos,
respondiqueeuofariacomtantocuidadocomosuaaltezaveria.
Eencomendando-meaDeus,efazendo(comosediz)dastripas
coração,porverquenãotinhaalioutroremédio,equeseassim
onãofizessemehaviamdecortaracabeça,prepareitudooque
eranecessárioparaacura,ecomeceilogopelaferidadamão,por
me parecer a mais perigosa, e lhe dei nela sete pontos, mas se
fossecuradopormãodecirurgiãoquiçáquemuitosmenoslhe
bastariam;enaferidadatesta,porsermaispequena,lhedeicin-
cosomenteelhepusemcimasuasestopadasdeovos,elhasatei
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25p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
muitobem,comoalgumasvezesvirafazernaÍndia;eaoscinco
diaslhecorteiospontos,econtinuandoassimcomaminhacura,
quisNossoSenhorquedentrodevintediasele foisão,semlhe
ficarmaismalquesóumpequenoesquecimentonodedopole-
gar,peloqueEl-Reietodosossenhoresdalipordiantemefizeram
sempremuitogasalhado,emuitahonra,eomesmomefizerama
rainhaesuasfilhas,asquaismederammuitaspeçasdevestidos
deseda,eossenhoresmederamterçadoseabanos,eEl-Reime
deuseiscentostaéis,demaneiraqueaindaacuramemontoua
maisdemilequinhentoscruzadosquedelátrouxe.
Nestetempo,sendoeuavisadoporcartadosdoisportugueses
queficaramemTanixumá,queocorsáriochimcomquemalivié-
ramos,sefaziaprestesparapartirparaaChina,deicontadissoa
El-Reielhepedilicençaparametornar,aqualmeeledeumuito
levementeecompalavrasdemuitosagradecimentospelacurade
seufilho.
Emandando-melogoequiparumafuncederemo,apercebida
detodoonecessário,ecomvintecriadosseus,eumhomemnobre
porcapitãodela,mepartidestacidadedoFuchéuumsábadopela
manhã,eàsexta-feiraseguinte,sol-posto,chegamosaTanixumá
ondeacheiosmeusdoiscompanheirosquemereceberamcom
assazdealegria.
Aquinosdetivemosmaisquinzedias,emqueojuncodetodo
acaboudesefazerprestes,enospartimosparaLiampó,umpor-
todemardoreinodaChina,dequeatrásfizlargamenção,onde
osportuguesesnaqueletempotinhamseutrato;evelejandopor
nossa rota, prouve a Deus que chegamos a ele em salvamento,
onde pelos moradores da terra fomos muito bem recebidos, os
quais, havendo por coisa nova virmos nós daquela maneira en-
treguesàpoucaverdadedoschins,nosperguntaramdequeterra
vínhamoseondenosembarcáramoscomele,aquerespondemos
conformeàverdadedoquesepassava,elhesdemoscontadetoda
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anossaviagemedanovaterradoJapãoquetínhamosdescoberto,
edagrandequantidadedeprataquenelahavia,edomuitopro-
veitoquesefizeranas fazendasdaChina,dequetodosficaram
tãocontentesquenãocabiamemsideprazer,elogoordenaram
uma devota procissão para darem graças a Nosso Senhor por
tamanha mercê, e nela foram da igreja maior que era de Nossa
SenhoradaConceição,atéoutradeSantiago,queestavanocabo
dapovoação,ondehouvemissaepregação.Acabadaestatãopia
etãosantaobra,começoulogoacobiçaaentrarnoscoraçõesdos
maisdoshomensdaquelapovoação,de talmaneira,porquerer
cadaumdelesseroprimeiroquefizesseessaviagem,quevieram
unseoutrosasedividiremeseporemembandos,ecomasarmas
namãoatravessarcadaumasfazendastodasdaterra,dondenas-
ceuque,vendoosmercadoreschinsessatãonovaedesordenada
cobiça,ondeopicodesedavalianaqueletempoquarentataéis,
veioemsóoitodiasasubiraopreçodecentoesessenta,eainda
assimatomavamàforçaedemuitomáfeição.Ecomessasede
edesejodeinteresse,emsóquinzediassefizeramprestesnove
juncosqueentãonoportoestavam,etodostãomalnegociados
etãomalapercebidosquealgunsdelesnãolevavampilotosmais
quesóosdonosdeles,quenenhumacoisasabiamdaquelaarte,e
assimsepartiramtodosjuntosumdomingopelamanhã,contra
o vento, contra monção, contra maré e contra razão, e sem ne-
nhumalembrançadosperigosdomar,mastãocontumazesetão
cegosnisso,quenenhuminconvenienteselhespunhadiante;e
numdessesiaeutambém.
Dessamaneiravelejaramassimàscegasaquelediaporentre
asilhaseaterrafirme,eàmeia-noite,comumacerraçãodegran-
dechuveiroetempestadesquelhessobreveio,deramtodospor
cima do parcel de Gotom, que está em trinta e oito graus, com
oque,dosnovejuncosescaparamsódoisporgrandemilagre,e
sete se perderam todos sem de nenhum deles se salvar uma só
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27p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
pessoa,aqualperdafoiorçadaemmaisdetrezentosmilcruza-
dosdefazenda,foraoutramaiordeseiscentaspessoasqueneles
morreram,emqueentraramcentoequarentaportugueses,todos
honradosericos.Osdoisjuncosqueescapamosmilagrosamente,
seguimospornossarotaeambosemumaconservafomostanto
avantecomoailhadosléquios,ealicomaconjunçãodaLuanos
deu tamanho contraste de vento nordeste que nunca mais nos
vimosumaooutro,e láquasesobrea tarde nos saltouo vento
a oés-noroeste, com o que os mares ficaram tão cavados, e com
escarcéuevagastãoaltasqueeracoisaespantosíssimadever.
OnossocapitãoquesechamavaGaspardeMelo,homemfidal-
goemuitoesforçado,vendoqueojuncoiajáabertodepopaecom
novepalmosdeáguanoporãodasegundacoberta,assentoucom
parecerdosoficiais,cortarambososmastros,porquenosabriam
ojunco,econquantoissosefizessecomtodootentoeresguardo
possível, não pôde ser tanto a nosso salvo que a árvore grande
nãolevassedebaixodesicatorzepessoas,emqueentraramcinco
portugueses,osquaisficaramaliamassados,rebentandocadaum
delespormilpartes,que foiumacoisa lastimosíssimadever,e
queatodosnosderrubouosespíritosdetalmaneiraqueficamos
comopasmados.
Ecrescendocontudoatormentacadavezmais,nosdeixamos
ircomassazdetrabalho,aosomdomaratéquaseaosol-posto,em
queojuncoacaboudeseabrirdetodo.
Vendoentãoocapitãoetodaamaisgenteotristeestadoem
queosnossospecadosnostinhamposto,nossocorremosauma
imagemdeNossaSenhora,àqualpedimoscommuitaslágrimas
emuitasgritasquenosalcançassedoseubentofilho,perdãode
nossospecados,porquedavidanãohaviajáquemfizesseconta.
Dessamaneirapassamosamaiorpartedanoite,ecommeiojunco
alagadocorremosatéoquartodamodorrarendido,emquevara-
mosporcimadeumarestinga,naquallogoàsprimeiraspancadas
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sefezempedaços,emquemorreramsessentaeduaspessoas,uns
afogadoseoutrosesborrachadosdebaixodaquilha,coisadetanta
dorelástima,quantaosbonsentendimentospodemimaginar.
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cxxxviiido que passamos esses que escapamos deste
naufrágio, depois que fomos em terra
O s poucos que escapamos deste miserável naufrágio,quenãoforammaisquevinteequatro,foraalgumasmulheres, logo que a manhã foi clara conhecemos que a terra
em que estávamos era do Léquio grande, pelas mostras da ilha
dofogoeaSerradeTaydacão,eajuntando-nostodosassimferi-
doscomoestávamos,demuitascutiladasdasostrasedaspedras
que havia na restinga, encomendamo-nos a Nosso Senhor com
muitas lágrimas, começamos a caminhar metidos na água até
ospeitos,ealgunslugaresatravessamosanado;edessamaneira
caminhamoscincodiascontínuoscomtantotrabalhoquantoa
mesma coisa dá a entender, sem em todos eles acharmos coisa
quecomêssemossenãoalgunslimosdomar,enofimdessesdias
prouveaNossoSenhorquechegamosaterra,ecaminhandopelo
matonosdeparouadivinaprovidênciaomantimentodeumas
ervasquenestanossaterrasechamamazedas,dequecomemos
trêsdiasquealiestivemos,atéquefomosvistosporummoçoque
andavaguardandogado,oquallogoquenosviu,correndopela
serraacima,foidarrebatedenósaumaaldeiaqueestavadalia
um quarto de légua, o que, sabido pelos moradores dela, apeli-
daramlogotodaacomarcacomgrandevozeariadetambores,e
búzios,demaneiraquenoespaçodetrêsouquatrohoras,sejun-
tarampassantededuzentaspessoas,dequecatorzeeramacavalo;
elogoquehouveramvistadenós,sedividiramemdoismagotes,
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evieramdireitosanós.Onossocapitão,vendoessetristeemise-
rávelestadoemqueadesventuranostinhaposto,sesentouem
joelhosecommuitaspalavrasnoscomeçouaanimarealembrar-
-nosquenenhumacoisasemoviasemavontadedivina,peloque,
comocristãos,devíamosentenderqueNossoSenhorsehaviapor
servido de ser aquela a nossa hora derradeira, e que pois assim
era,nosconformássemostodoscomasuavontade,tomandocom
muitapaciênciadesuamãoaquelatãodesastradamorte,pedin-
do-lhedetodoonossocoraçãoecommuitaeficácia,perdãodos
pecadosdavidapassada,porqueeleconfiavaemsuamisericórdia
quegemendonóstodos,comoasuasantaleinosobrigava,senão
lembrariadelesnaquelahora.
Elevantandocomissoasmãoseavozaocéu,disseportrêsve-
zes,commuitaslágrimas:“SenhorDeusmisericórdia!”–comas
quaisvozesselevantouemtodosumagrandegritadeumcristão
edevotopranto,quecomverdadepossoafirmarqueoqueentão
menossesentiaeraaquiloquenaturalmentemaisseteme.
E estando assim todos nesse trabalhoso lance, chegaram a
nósseisacavalo,evendo-nosassimnus,esemarmas,ecomos
joelhos em terra, e duas mulheres mortas diante de nós, houve
tamanha piedade que, voltando quatro deles para a gente a pé
quevinhaatrás,osfizeramparara todos, semconsentiremque
nenhumnosfizessemal,etornaramlogotrazendoconsigoseis
daquelesapéquepareciamserministrosdejustiça,oupelome-
nosdaquelaqueentãocuidávamosqueDeusqueriaquesefizesse
denós,eestes,pormandadodosacavalo,nosataramatodosde
trêsemtrêsecommostrasdepiedadenosdisseramquenãohou-
véssemosmedo,porqueEl-ReidosLéquioserahomemmuitote-
menteaDeus,einclinadopornaturezaaospobres,aosquaisfazia
sempregrandesesmolas,peloquenosafirmavamemverdade,e
juravamporsualei,quenosnãohaviadefazernenhummal,as
quaisconsolações,aindaquenasmostrasdeforanosparecessem
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31p e r e g r i n a ç ã o – v o l u m e i i – f e r n ã o m e n d e s p i n t o
algumtantopiedosas,contudonãonossatisfizeramnada,porque
jáaestetempoestávamostãodesconfiadosdavida,queaindaque
no-lo dissessem pessoas em quem tivéssemos muita confiança,
piedosamente lha crêramos, quanto mais gentios cruéis, e tira-
nos,esemleinemconhecimentodeDeus.
Logoquenostiveramatados,agenteapénosfechouatodos
nomeio,eosacavaloiamadiantecorrendodeumaparteparaa
outra,amododerondas.Ecomeçandonósacaminhar,umastrês
mulheresqueaindalevávamosvivas,ouparamelhordizer,mais
quemortas,senãopuderamdalibulir,depasmadas,commuitos
desmaios,tantodefraquezacomodemedo,peloquefoiforçoso
aosapélevarem-nasaocolo,revezandodeunsnosoutros;ean-
tesquechegássemosaolugar,expiraramduasdelas,queficaram
alinomatonuas,esujeitasaseremcomidaspelosbichosepelos
adibes, e lontras, de que ali tínhamos visto grande quantidade.
Ejáquaseaosol-postochegamosaumgrandelugardemaisde
quinhentosvizinhos,chamadoSipautor,noqualfomoslogome-
tidosdentrodeumpagode,queeraumtemplodasuaadoração,
cercadoemrodadeparedemuitoalta,evigiadospormaisdecem
homens,quecomgritaseestrondosdemuitostangeres,nosvela-
ramtodaaquelanoite,emquecadaumdenósteveorepousoque
otempoeoestadoemqueestávamosdesinosdavam.
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