percursos de razÃo e de afetos

316

Upload: tedesign2011

Post on 18-Dec-2014

1.720 views

Category:

Education


0 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 2: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 3: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

PERCURSOS DE RAZÃO E AFETOS

Homenagem aos Professores Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Coimbra • 2011

Page 4: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

Título PERCURSOS DE RAZÃO E AFETOSHomenagem aos Professores Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Autores – Vários

Coordenação – Adília Fernandes

Capa – Isabel Caldeira (Arquiteta)

Fotografias cedidas por:Adriano Vasco Rodrigues, Alcides Amaral, Ana Subtil Roque, Arnaldo Silva – Núcleo Museológico da Fotografia do Douro Superior – Torre de Moncorvo, Carlos Seixas, Jorge Trabulo Marques

© Adília Fernandes – 2011

Co-ediçãoCEPIHS – Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social – Torre de Moncorvo Palimage

Direitos reservados por Terra Ocre – unip. lda.Apartado 100323031-601 [email protected]

Data de edição – outubro 2011

ISBN: 978-989-703-025-3

Depósito Legal n.º 334705/11

Impressão – Publito – Estúdio de Artes Gráficas, Lda. – Braga

Apoio – Câmara Municipal de Torre de Moncorvo

Palimage é uma marca editorial da Terra Ocre - edições

Page 5: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

PERCURSOS DE RAZÃO E AFETOS

Homenagem aos Professores Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

CoordenaçãoAdília Fernandes

A Imagem e A Palavra

Page 6: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 7: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

7

Percursos de razão e afetos

NOTA DE APRESENTAÇÃO

É com muita alegria e a maior honra que, em nome do CEPIHS – Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social –, apresentamos este registo de manifestação pública de louvor a Maria da Assunção Carqueja Rodrigues e a Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues. Justo preito de homenagem resultante de um sentir comum de amizade, reconhecimento e gratidão por duas personalidades ímpares, de vida profissional e cívica intensa e modelar. Eles são a referência de valores essenciais incontestáveis, o guia precioso de sucessivas gerações, o despertar do apreço pelo património, local e nacional, a consciência da cidadania útil e do bem comum.

Evoca-se, aqui, passo a passo, em tocantes depoimentos, esse percurso brilhante e rico de importantes realizações, ressaltando-se o lugar privilegiado que a nossa região ocupa nele. Paralelamente, entretecem-se com aqueles que testemunham uma convivência com afetos, cortesia e sentido do outro, dádivas que são, igualmente, seu timbre.

Face às distintas visões que os contemplam, fica-nos a convicção, que não reivindicamos como inédita, que fluem sob uma indiscutível coerência – todas os moldam como

Page 8: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

8

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

incontornáveis referências intelectuais e humanas. De facto, se a constatação de que o seu importante labor – ou missão – nos transporta para um conhecimento amplo das nossas terras e das nossas gentes, não esbate a perceção de estarmos perante dois seres humanos de excelência.

Esta é, sobretudo, uma homenagem do coração. Ele pulsa porque a Professora Maria da Assunção é uma inestimável filha da nossa terra e porque o Professor Adriano Vasco Rodrigues a adotou, orgulhosa e generosamente, como sua também. O entusiasmo que esta iniciativa gerou, alargado à autarquia, a instituições particulares, aos inúmeros admiradores e amigos, é bem prova disso. É prova, ainda, que apesar deste tributo pecar por tardio não perdeu a sua pertinência nem a vontade de traduzir e assinalar, hoje e sempre, a dívida de toda uma coletividade a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues, porque, diligente e persistentemente, a beneficiaram e, profundamente, a engrandeceram. Em boa hora se congregaram vontades da parte da Câmara Municipal e do CEPHIS para a sua organização.

Desejamos todos, Senhores Professores, que prossigam na senda a que nos habituaram, com a distinção e a sabedoria que lhes é peculiar. Uma senda que se cruza, agora, com o Centro de Estudos Transmontanos e Alto Durienses, com sede em Torre de Moncorvo, superiormente prestigiado com a presença de ambos e que conta com o Senhor

Page 9: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

9

Percursos de razão e afetos

Professor Adriano Moreira como patrono. Esta iniciativa, cuja criação tanto lhes deve, simboliza, sem dúvida, o amor à região e ao seu estudo e a determinação em continuarem a trilhar e darem a trilhar caminhos proveitosos e atuantes.

Terminamos, recorrendo a uns versos de Miguel Torga, não só porque a poesia é constante nesta homenagem, emprestando-lhe elegância e beleza, mas porque nos remetem para os homenageados – figuras, intelectualmente, combativas por ideais e princípios ligados a uma exemplar visão do mundo e da vida.

De seguroPosso apenas dizer que havia um muro

E que foi contra ele que arremetiA vida inteira

Miguel Torga

Pel’ A Direção do CEPIHS,Adília Fernandes

Page 10: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 11: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

11

Percursos de razão e afetos

HOMENAGEM DO MUNICÍPIO DE TORRE DE MONCORVO

AOS SENHORES PROFESSORES MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA

E ADRIANO VASCO RODRIGUES

Serei considerado obviamente suspeito, porque, tendo tido sempre o apoio dos Senhores Professores Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues tornar-se-ia linear que, oportunamente, o viesse a retribuir.

Tal apoio foi-me dispensado desde cedo, era, ainda, um jovem liceal, amigo do seu filho Jorge. Interpreto esse gesto como uma tendência inata para compreenderem e estimularem gerações mais novas, confiando nas suas capacidades, postura que há 30/25 anos não era habitual nas relações entre os mais velhos e os mais novos. Postura que, sem dúvida, está no cerne do seu sucesso educativo.

Não sou eu, concerteza, que enveredei pela engenharia e pela vida política local, a pessoa mais habilitada para referir as suas qualidades como historiadores e pessoas de letras.

Page 12: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

12

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Porém, não posso deixar de recordar a atenção pública com que foi seguida a experiência educativa inovadora do Liceu Garcia de Orta, no Porto, de que o Professor Adriano Vasco Rodrigues foi o obreiro como seu primeiro Reitor, alguns anos antes do 25 de Abril.

Posteriormente a esta data, registo a sua carreira política como deputado e como Governador Civil.

Bastante mais tarde, já Presidente da Câmara, lembro o encontro com ambos, em Antuérpia.

Foi nesse encontro que surgiu a ideia da geminação de Moncorvo com Mol, de cuja Escola Europeia eram, à época, Professores e o Dr. Adriano seu Diretor. Essa ideia chegou a ter seguimento com a vinda, a Moncorvo, de uma deputação belga, contudo, não veio a verificar-se a sua concretização.

Regressados a Portugal tive, então, várias oportunida- des de privar com os agora homenageados, quer em atividades culturais quer em encontros meramente sociais.

Nuns e noutros pude apreciar a grandeza de espírito, a lhaneza de trato e a profundidade intelectual, traços marcantes da sua personalidade.

Por estas razões, é-me particularmente gratificante que, ainda como Presidente da Câmara, possa participar nesta singela, justa e devida homenagem e que, em nome do Município, possa dizer: Senhores Professores Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues, muito

Page 13: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

13

Percursos de razão e afetos

obrigado pelos inúmeros benefícios com que enriqueceram, cultural e humanamente, a nossa – e vossa – região!

O Presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo,

Aires Ferreira

Page 14: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 15: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

15

Percursos de razão e afetos

HOMENAGEM AOS PROFESSORES ADRIANO VASCO RODRIGUES

E ASSUNÇÃO CARQUEJA

Adriano Moreira*

Gostaria de poder dar maior assistência ao Centro de Estudos, criado em hora grave para Portugal, mas o tempo corre para cada um de nós, e as agendas da velhice ativa aumentam o peso de exigência. Mas não posso deixar de participar nos testemunhos de admiração aos Professores Adriano Vasco Rodrigues e Assunção Carqueja, em primeiro lugar, por alinharem na fileira dos que não consentem que o globalismo, que ninguém governa, afete as identidades, como a da nossa gente e terra, e porque não confundem aquele com a especificidade cultural e com a identidade das regiões e comunidades.

* Presidente da Academia das Ciências de Lisboa.

Page 16: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

16

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Esta riqueza europeia é a defesa primeira contra movimentos de unidade politica que esquecem que o património imaterial da Humanidade é composto destas unidades que se articulam mas não se deixam absorver.

Ambos são merecedores da gratidão dos que os viram servir o bem comum uma vida inteira, enriquecendo o legado que fica para cada nova geração.

Page 17: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

17

Percursos de razão e afetos

PELO MUNDO DA ARTE

Agostinho Cordeiro*

Não me foi difícil escolher o tema para poder participar deste livro de homenagem, concebido e tecido em torno de figuras maiores de historiadores, de cidadãos e, sobretudo, de grandes e perenes Amigos – Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues.

Naturalmente que escolhi o caminho mais previsível e imediato – o mundo da arte –, porque capta a evidência profunda de outra das facetas dos Senhores Professores e porque, fundamentalmente, me toca por ser o meu mundo.

Para ensaiar uma abordagem, despretensiosa mas sentida, que justifique a minha presença neste variado conjunto de testemunhos que desenham a sua rica personalidade, basta começar por referir a cedência das coleções que permitiram que o País passasse a contar com mais dois museus: o Museu Judaico, em Belmonte (cuja variedade e riqueza de peças estimulou a criação do Centro

* Proprietário das Galerias Cordeiro.

Page 18: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

18

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

de Estudos Judaicos Adriano Vasco Rodrigues), e o de Arte Africana, em Almeida. Entre outros gestos neste domínio, o altruísmo e a sobrevivência do seu legado, que adquiriu dimensão institucional e se converteu em património público, torna-os detentores de significação nacional.

Não dissocio, de tais gestos, a sensibilidade estética que preside à formação das suas coleções, uma sensibilidade que me é dado observar aquando das visitas de Adriano Vasco Rodrigues à minha Galeria, ou às exposições que organizo. Se o artista idealiza, manipula materiais e comunica, também propicia situações imaginárias, visuais e cognitivas. A criação artística é um relato mil vezes contado, mil vezes diferente, flexível e comprometido com o seu autor e a sua época. E o Professor descodifica, em toda a sua extensão e alcance, essa imensa quantidade de informação que uma boa imagem formula. Em cada visita, experimentamos uma considerável e sempre renovada satisfação face às obras de arte que nos rodeiam, pela sua rica argumentação e comunicação fácil, traço que lhe é tão característico e apreciado.

Só me resta declarar o quanto me apraz que, finalmente, Moncorvo denuncie o apreço pelo inesgotável saber de Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues e a gratidão pelos benefícios que, ao longo de décadas, esse saber lhe tem aportado.

Page 19: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

19

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO DA FONSECA RODRIGUES

Alcides Amaral*

Parafraseando Junqueiro – “O melro, eu conheci-o…” – poderia começar do mesmo modo. Mas, em vez de O Adriano, eu conheci-o… prefiro dizer – O Adriano, eu conheço-o.

Felizmente que assim é, pois tenho a sorte de conhecer e conviver com um Homem, com H maiúsculo, que pode ser exemplo para todos.

Estudioso indefetível, profissional irrepreensível e competente nos diversos campos do Ensino/Educação/Investigação que integrou, Historiador e Académico compe tente, independente, algo rebelde, Marido e Pai extremoso e dedicado e, acima de tudo, um AMIGO, como só ele sabe ser.

O Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues, é natural do distrito da Guarda, onde nasceu a 4 de maio de 1928, frequentou o ensino primário, como aluno do Pai.

* Inspetor do Ensino (aposentado).

Page 20: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

20

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Terminado este, rumou para a capital onde, como aluno do Instituto do Professorado Primário – O Palheiro, nome carinhoso, para os antigos alunos – iniciou os estudos secundários no Liceu Gil Vicente, então no Mosteiro de S. Vicente, ali à Feira da Ladra.

Foi aquele espírito de independência e rebeldia que fez com que, não aceitando uma atitude da direção do Instituto para com ele, o levou a, com pouco mais de 12 anos, com a anuência de um tio, residente em Lisboa, pedir licença aos sapatos e pôr-se a mexer para a Guarda onde, no liceu local, terminou o ano letivo e fez o resto do ensino liceal. Apesar de curta, essa sua passagem pelo Instituto foi suficiente para contrair a doença que, a todos os que por lá passámos, nos atingiu e se chama a AMIZADE que une as gerações que o frequentaram.

Uma vez no Porto, local para onde o Pai viera lecionar, por razões económicas fez o curso do Magistério Primário, dando aulas numa das escolas da cidade. O seu espírito de ir mais além, leva-o a aceitar o convite do então Secretário de Estado da Educação –, Veiga de Macedo – para integrar a equipa da Campanha Nacional de Educação de Adultos, em Coimbra o que lhe possibilitaria a frequência da Universidade.

E, se hoje, as promessas nada valem, naquele tempo também assim era! O governante esqueceu o convite pessoal que fez, e nomeou outro.

Convencido que estava de ocupar o lugar que não pedira e lhe fora oferecido, não concorreu a nenhuma

Page 21: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

21

Percursos de razão e afetos

escola, nem do Porto, nem de Coimbra e, no outubro seguinte, encontrou-se no desemprego…

Dado que estava matriculado na Faculdade que queria frequentar, sem disponibilidades económicas, a única maneira que achou para resolver a situação, seria a de acampar no campus da universidade… Deve ter sido dos primeiros ocupas…

Fruto da sua independência e sã rebeldia, se bem o pensou, melhor o fez, de forma que, uma manhã, Coimbra acorda com mais uma moradia na parte alta da cidade, habitação que acolheu o Adriano, até o Magnífico Reitor lhe dar ordem de despejo, vindo a acolher-se depois, já com o provento do trabalho que entretanto arranjou, numa república amiga.

Nestes anos passados na Lusa Atenas conhece, e enamora-se, de uma colega com quem veio a casar, a Dra. Maria da Assunção Carqueja, que o tem acompanhado até agora, casamento de que resultaram quatro filhos.

Colocado como Professor, no Liceu que frequentara, o da Guarda, por prepotência do Reitor, em função da sua posição de defesa dos alunos, aquando da visita de Humberto Delgado à cidade, foi dele corrido no ano letivo seguinte não sendo reconduzido.

Ruma, seguidamente, a Angola onde vai organizar a Inspeção Provincial de Educação, a implementação do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário e a Formação de Professores, atividades que desempenhou com competência e mérito.

Page 22: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

22

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Simultaneamente, faz o gosto ao dedo e, de 1965 a 1969, integrado no Instituto de Investigação Cientifica de Angola, agora já com a Esposa, responsável pela criação da Seção de Pré-História e Arqueologia, trabalha em escavações arqueológicas em todo o vasto território do país, que relata nos saborosos livros que publicou sobre essa atividade. Nessa altura elaborou a Primeira Carta de Pré-História de Angola. Durante esse trabalho pôde, também, reunir um acervo importantíssimo sobre Arte Negra que expôs, com o título Divulgação da Arte Negra, em:

1982 – Fundação Engenheiro António de Almeida, no Porto;

1984 – Museu Regional da Guarda;1990 e 1995 – Schola Europaea, em Mol, Bélgica;1997 – Potsdam, Alemanha;1998 – Universidade Portucalense, no Porto;2004 – Instituto Superior da Maia;2005 – Academia José Moreira da Silva, Porto;2006 – Junta de Freguesia de Lavra, Matosinhos e,

presentemente, no Museu de Arte Primitiva de Almeida depositário do espólio.

Aliás, esta atividade arqueológica tinha sido iniciada na Guarda, onde procedeu a escavações relacionadas com os lusitanos, trabalho que se estendeu até Espanha, na zona de Cáceres.

Também por desinteligências com o secretário provincial da educação de Angola, a quem não vergou

Page 23: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

23

Percursos de razão e afetos

a cerviz, regressa a Portugal, trabalhando em alguns dos liceus do Porto. O último, o Garcia da Orta, em experiência pedagógica, foi o primeiro Reitor onde tomou, sempre, a defesa dos alunos. São estes, a melhor testemunha (como uma vez o testemunhei) de arriscar o seu lugar enfrentando a polícia e a PIDE, antes do 25 de Abril.

A seguir à Revolução dos Cravos, a nível concelhio, continua a ocupar lugares relacionados com a política e a cultura, acabando por ser eleito para a Assembleia da República. Abandonou a Assembleia e depois de ter sido Diretor-Geral do Ensino Particular e Cooperativo, foi ocupar o lugar de Governador Civil da Guarda.

Com a integração na CEE, por concurso internacional com base no mérito pessoal, foi nomeado Diretor da Schola Europaea, de Mol, Bélgica, lugar que brilhantemente, desempenhou de 1989 a 1996. O que foi esse desempenho, tivemos ocasião de o verificar, quando, em excursão, um grupo de vinte e tal amigos, aí se deslocou, numa visita por ele organizada.

Regressado a Portugal, é dos grandes animadores na criação de uma cooperativa de ensino, de que nasceu a Universidade Portucalense, cuja docência integrou como Professor Associado de História da Arte.

Igualmente fez parte do grupo que criou a Academia José Moreira da Silva no Porto donde surge o Instituto Superior Joaquim Oliveira Guedes – Cooperativa de Estudos de Economia Social, a cujo Conselho Científico preside, e posteriormente, a Escola Profissional de Eco- nomia Social.

Page 24: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

24

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

No campo do Ensino/Educação, como costumo dizer, ao Adriano apenas faltou ser ministro, para ocupar todos os lugares relacionados com o assunto. Foi Professor do Ensino Primário, foi Professor do Ensino Secundário, foi Reitor de Liceu, foi membro da Comissão de Educação da Assembleia da República e foi Diretor-Geral do Ensino Particular e Cooperativo…

Estudioso das questões judaicas – está farto de querer convencer-me de que, pelo meu nariz, sou judeu – é ele que está na origem da criação do Museu Judaico de Belmonte.

Tudo isto é o que qualquer biógrafo, muito melhor do que eu, poderá dizer a respeito do Adriano. A mim mais do que ele foi, ou não foi, mais do que os lugares que ocupou, o que me importa é o que o Adriano é.

Não fomos contemporâneos no Palheiro. Mesmo que o tivéssemos sido, a meia dúzia de anos que nos separa, era, na altura, mais que suficiente para que o puto Alcides se pusesse em sentido para falar com um grande…

Daí que, o meu conhecimento do Adriano, identificado por Vasco Rodrigues, fosse simplesmente de ouvido, com referências às suas qualidades intelectuais, pessoais e oratórias, de tal maneira grandes que, em meu entender, se correspondessem só a metade, já eram muitas.

Ainda bem que tive a sorte de integrar a tal excursão a Mol, uma vez que ela me permitiu ver a justeza das apreciações que lhe eram feitas, patenteadas pela lhaneza com que nos recebeu, pelos conhecimentos que nos transmitiu, pela maneira como nos mostrou dirigir a Schola

Page 25: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

25

Percursos de razão e afetos

Eurpeae, que integrava alunos de todas as raças, como em casa dele, nos fez sentir como estando em nossa casa.

O Adriano é, por tudo isto, uma Pessoa com a qual se pode contar incondicionalmente. Teimoso, às vezes no café, quando, ao tomarmos uma atitude (o outro nome do café ou de uma cerveja que bebemos), puxa dos seus galões de idade e avoca a ação de pagar…

Senhor de uma cultura invulgar, bem patente em todas as suas conversas, Humanista convicto, sofre as dificuldades dos outros, preocupando-se com o Social. Sempre pronto a acompanhar e a responder às necessidades dos outros, sempre com uma palavra e um conselho amigo (eu que o diga, por causa dos cigarros) que até canta bem, quando a isso se dispõe, um conversador e contador incansável que se adora ouvir.

É deste Adriano de que eu gosto, é este Adriano que eu admiro, é a este Adriano a quem eu agradeço a sorte de ser meu AMIGO.

Page 26: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 27: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

27

Percursos de razão e afetos

HOJE COMO ONTEM

Ana da Encarnação Subtil Roque*

Creio que a amizade é a mais bela e pura expressão do amor. É como um sacramento que todos desejamos porque Deus para a amizade nos criou.

A minha amizade com a Maria da Assunção começou na Faculdade de Letras, em 1950. Vinda dos Açores, matriculei-me no curso de Ciências Histórico-Filosóficas.

Quase todos os dias, depois das aulas, ia do Lar dos Coutinhos, que ficava próximo da Sé Velha, até à Rua da Matemática onde a Assunção residia. Foram quatro anos de estudo em conjunto no seu quarto de estudante. O convívio prolongava-se nos jardins e cafés de Coimbra, para aliviar a cabeça e encontrar a malta... Passados alguns anos, veio a nossa Queima das Fitas de quaternistas. A Assunção fez-me uns versos, para colocar na minha plaquete, que diziam:

* Colega de Faculdade de Maria da Assunção Carqueja.

Page 28: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

28

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

“São lindas as minhas fitas”Repete a Ana contente...E com jeito, docemente, Beija as fitas tão bonitas.

Pergunto cá para mimAo lembrar-me disto tudo;Se as fitas beijou assimO que fará ao “canudo”?

O 5.º ano do curso constava de um trabalho de investigação para se obter a licenciatura na defesa da tese do tema escolhido em Filosofo ou História.

Dos alunos que iniciaram a sua vida universitária, em 1950, licenciaram-se seis, em 1955: a Maria da Assunção, a Teresa Pinto Mendes, a Maria do Céu Cavalheiro, o Rui Prado Leitão, a Rosa Alice e eu, Ana Roque. No ano seguinte, foi a vez da Maria Clara Constantino, Cruz Pontes, Maria de Lurdes Costa e Maria de Lurdes Lopes Porto. Os três primeiros eram voluntários. A Lopes porto quis preparar a defesa da tese em dois anos. Partilhámos com alegria a festa de licenciatura de cada um de nós. Mas a amizade entre todos não existiu, apenas, durante estes cinco ou seis anos, continuámos amigos, muito amigos...

A Maria do Céu Cavalheiro e eu organizávamos, de vez em quando, reuniões de curso para matarmos saudades e sabermos como ia a vida de todos os colegas. Dialogávamos no decurso do almoço que tinha lugar num sítio romântico. Eram autênticas tertúlias. Antes, participávamos de uma

Page 29: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

29

Percursos de razão e afetos

Missa na Capela da Universidade, rezada pelos Professores e Colegas já falecidos. Apresentávamos os cumprimentos ao Magnífico Reitor e tirávamos a tradicional fotografia na escadaria do Pátio da Universidade. Foram belos estes encontros... São tantas as fotografias e os nomes na lista de participantes com as respetivas moradas!

Prolonguei o sacramento da amizade através de uma verdadeira aventura para a época – pus-me, sozinha, a caminho da Bélgica, para passar uns dias com a minha amiga. Na altura, a Assunção encontrava-se com o marido, em serviço de grande prestígio e responsabilidade, naquele país. Foram uns dias muito agradáveis, passados com alegria e ar puro, numa frondosa floresta, em Mol, onde os meus amigos viviam. A Assunção fazia parte da Comissão Europeia de Filosofia e o Vasco exercia as funções de Reitor da Escola Europeia. Não vou falar em detalhe do que aqui vivi, do que com eles aprendi, de alguns dos seus familiares presentes, dos muitos amigos e admiradores, da sua dedicação a uma exigente tarefa desempenhada num pais estrangeiro. Mas não posso deixar de mencionar os passeios com tantos desses amigos, um deles a Antuérpia, das conversas íntimas aos serões, dos deliciosos chocolates na mesinha de cabeceira, da verdura da paisagem que avistava mal abria a janela do quarto pela manhã, dos esquilos a saltitar, das piscinas de água doce que ondulavam...

Sobretudo, devo frisar a homenagem grandiosa que foi prestada ao Vasco pelos seus brilhantes serviços e à qual tive o privilégio de assistir.

Page 30: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

30

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

É incontestável que a sua vida académica e familiar, marcada, sempre, pelo amor e respeito pelo outro e por todos, justifica a merecida homenagem a ambos, inseparáveis companheiros numa vida rica de afetos e de realizações.

A profunda amizade pela Maria da Assunção, como qualquer amizade deste teor, mantém viva, para além de tempos e de espaços, caminhos andados, palavras e gestos trocados. Este sentir, que me traz aqui e agora, tem-se alimentado de saborosas conversas telefónicas. E não perdemos a oportunidade de nos encontrarmos, como aconteceu aquando da festa dos meus 80 anos, pretexto que permitiu juntar familiares, amigos e colegas de curso.

A Universidade trouxe-nos conhecimento e, também, amigos que permanecem na nossa vida. Hoje, entre eles, é para a Assunção que envio o abraço mais terno, o abraço de sempre, da

Ana, Anita ou Aninhas / Por qualquer do nome dá...

Page 31: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

31

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO RODRIGUES O HOMEM QUE, HOJE E SEMPRE, INVESTIGA, PENSA E SONHA

MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA A MULHER QUE AO SEU LADO INVESTIGA, PENSA E SONHA EM POESIA

António Alberto Barbosa Areosa*

É incomensurável o valor e o mérito que julgo dever sublinhar do Homem vertical e de cariz humanista que facilmente vislumbro do que dele fui conhecendo, não somente da vasta obra publicada, mas, ainda, dos cargos que tão bem soube dignificar desde cedo. Acrescem as entrelinhas das entrevistas lidas em que revejo no Homem a dignidade de um caráter notável, inteiramente dedicado à investigação e ao conhecimento de valor expresso nas inúmeras cerimónias e homenagens que lhe foram, merecidamente, dedicadas. E nessas palavras há a autenticidade e a humildade de quem é grande e talvez maior que o comum dos mortais, num mundo onde prolifera a incompetência e arrogância.

* Diretor do Agrupamento de Escolas de Torre de Moncorvo.

Page 32: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

32

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Natural da Guarda, Adriano Vasco Rodrigues deu cedo a conhecer o seu interesse pela arqueologia e história desse distrito, tendo promovido vários trabalhos de campo refletidos numa vasta bibliografia que se reparte entre o Paleolítico e a Idade Média. Com vida dedicada e repartida entre a investigação e a docência, nomeadamente em Portugal, Angola e Bélgica, onde dirigiu a Schola Europaea, foram valiosos e sobejamente conhecidos os seus serviços na orientação do trabalho dos professores, no aperfeiçoamento da avaliação dos alunos e respetiva contextualização dos conhecimentos, particularmente no que à Língua Portuguesa dizem respeito. Todo o seu percurso profissional é, desta forma, exemplo para as gerações contemporâneas, atendendo às características de perfil que o notabilizam nesta área. Dessas subscrevo a inteligência, o já antes sublinhado humanismo, o sentido pedagógico, o enaltecimento patriótico e, sobretudo, a nobreza de caráter.

Mais recentemente, este investigador e docente, que desempenhou, para além de deputado, as funções de Governador Civil do Distrito da Guarda e dirigiu, durante largos anos, a revista Altitude, foi justamente agraciado com a Medalha de Ouro desta cidade. Pormenor que passaria indelével não fosse o seu grande apego cultural às múltiplas e diversas temáticas que mais interesse nele despertaram e a continuidade de uma curiosidade pelo conhecimento, que emerge de uma sensibilidade entusiástica e vitalidade e que impressiona enquanto detentor de uma permanência intelectual rara.

Page 33: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

33

Percursos de razão e afetos

Adriano Vasco Rodrigues é assim o Homem que afirma ocupar atualmente o seu tempo a investigar, a ler e, algumas vezes, a pensar. Mas também a sonhar! E se o “Sonho comanda a vida”, tal como o afirma António Gedeão, saber que tão notável ser humano possui a capacidade do sonho, grandiosa se revela a obra que nos lega e o perfil humano que, gravado na pedra da cidade altaneira da Guarda, se abre num sorriso de mestre sempre que é interpelado, nada mais nele havendo que a claridade e a luminosidade de quem é eterno aprendente da vida e do mundo que o acolhe.

De acordo com o próprio Adriano Vasco Rodrigues, em conjunto com a Mulher, sua esposa e companheira, Dra. Maria da Assunção Carqueja, esta proveniente da freguesia do Felgar, do concelho de Torre de Moncorvo, possuem vasta biblioteca, 35 a 40 mil volumes, muitos diapositivos e fotografias e, também, documentação que se reparte pelas várias áreas da História, desde a Arte à Política, pela Etnografia, Arqueologia, Religião, Civilizações, Monografias e obras centradas nos estudos e História Judaica, entre outras que foram motivo de interesse da Dra. Assunção, como sejam a Filosofia, a Pedagogia e a Didática. Dela, diz ainda Adriano Vasco Rodrigues, em entrevista a A Guarda, que foi Metodóloga, trabalhou a nível europeu da União na área da formação em Filosofia e pertence à Associação Internacional dos Professores de Filosofia.

Do espólio documental de ambos a bibliografia é vasta, sendo que aqui daria relevo à História Geral da Civilização (2 volumes com 8 edições), publicada e divulgada entre

Page 34: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

34

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

1962 e 1975, à Retrospectiva Histórica dos Concelhos de Meda, Longroiva e Marialva (1976) e, mais recentemente, ao livro intitulado “De Cabinda ao Namibe”, cujo lançamento decorreu no Porto, na Biblioteca Almeida Garrett, posteriormente na Guarda e, de seguida, mais precisamente em 7 de maio, do ano em curso, no auditório da Biblioteca de Torre de Moncorvo. No livro, o autor revisita terras de Angola, percorrendo todo o território como inspetor escolar, registando à sua passagem aspetos significativos da História, Arqueologia e da Antropologia Angolanas. É, ainda desse livro, que salienta o papel de esperança e humanismo das Missões Católicas e Protestantes, a par de uma visão crítica que aí desponta na apreciação de um processo de independência de algum modo distorcido, quase doloroso, e do qual a História vindoura se encarregará de o corroborar.

Contudo, devemos realçar o mérito daquela que se tornou mulher e companheira do pedagogo.

Autora de várias obras específicas de investigação da sua área de estudos, foi autora de alguns trabalhos de investigação, em parceria com Adriano Vasco Rodrigues, a saber, O estudo das ferrarias do concelho de Torre de Moncorvo (1962). Tendo anteriormente dado conta da sua atividade profissional, da sua obra publicada destaco “Subsídios para uma monografia da Vila de Torre de Moncorvo” (Coimbra, 1955), revista e publicada sob o título “Documentos Medievais de Torre de Moncorvo” (editada com o apoio e patrocínio da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo em 2007), “Versos do meu Diário” (sob o pseudónimo de Miriam) com alguns poemas dedicados à freguesia do Felgar e a Trás-os-Montes,

Page 35: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

35

Percursos de razão e afetos

publicada em 1978 e por último “Jardim da Alma”, publicado em dezembro de 2008.

E é por se tratar de uma obra de expressão poética que Jardim de Alma concilia as palavras de que são feitas as emoções e os afetos com a inerente e já esperada reflexão metafísica. Laivos de vivências de infância, ruralidade e memórias desvanecidas nos tempos, mas nelas retomando e abraçando a sua condição de Mulher – Menina sem descurar o seu perfil de Mulher inquieta e reflexiva face ao tempo e ao mundo em devir e que partilha do Sonho de que inicialmente nos dava conta o seu marido, Adriano Vasco Rodrigues.

Diria, com a certeza do que foi permitido deles conhecer, que quer em Adriano Vasco Rodrigues quer na sua mulher Maria da Assunção Carqueja se revêem traços de um caráter determinado, ávido de conhecimento e partilha, a humildade de uma sabedoria gritante, que só alguns possuem, e a busca eterna aliada à curiosidade dos seres humanos de eleição.

Page 36: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 37: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

37

Percursos de razão e afetos

OS LIVROS FORAM FEITOS PARA SEREM LIDOS

António José Ramos de Oliveira*

Após a formação obtida na Universidade de Coimbra, em Ciências Documentais, variante de Biblioteca e Documentação, impunha-se procurar um local para desempenhar a minha profissão. Embora nada me ligasse à Guarda, cidade onde nunca tinha estado e, como tal, não conhecia, surgiu, entre outras possibilidades, a hipótese de, mediante concurso público, aqui desempenhar o cargo de Técnico Superior de Biblioteca e Documentação, ou bibliotecário.

Precisamente por não ser natural da Guarda, nem conhecer a sua região, a primeira preocupação, na altura, foi a de tomar conhecimento da sua realidade, nomeadamente a História, ciência à qual me encontro também ligado por uma licenciatura e pela paixão. Aliás, antes de ter ingressado nesse curso, ainda vacilei pela carreira de arqueologia,

* Técnico Superior de Biblioteca e Documentação da Biblioteca Munici-Técnico Superior de Biblioteca e Documentação da Biblioteca Munici-pal Eduardo Lourenço, Guarda.

Page 38: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

38

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

como é sabido, um tema muito caro ao Professor Adriano Vasco Rodrigues

O primeiro livro lido da e na Guarda, que requisitei na biblioteca, foi a Monografia Artística da Guarda (a edição de 1977), da autoria de Adriano Vasco Rodrigues, que me acompanhou durante alguns dias, fosse numa viagem de comboio, fosse numa fuga para uma esplanada. O livro proporcionou-me um primeiro contacto com a História Local, e o ter ficado por dentro de uma realidade regional que desconhecia até então.

Este livro mostrou-me que a Guarda tinha uma existência milenar, considerando as suas origens, e despertou-me curiosidade em conhecer a restante obra do Professor, o que me proporcionaria mais tarde um contacto direto com toda a sua obra existente na biblioteca.

As Bibliotecas Municipal da Guarda e Fixa n.º 41 da Fundação Calouste Gulbenkian, estiveram instaladas, de 1986 a 2007, no Solar Teles de Vasconcelos, no largo com o mesmo nome, junto à Sé da Guarda.

Nessa época, a Biblioteca Municipal era frequentada maioritariamente por estudantes das escolas limítrofes dos 2.º e 3.º Ciclos e Secundárias, bem como do Ensino Superior, na altura existentes, como o ISACE (Instituto Superior de Administração, Comunicação e Empresa), a Escola Superior de Enfermagem e o Instituto Politécnico da Guarda. As escolas, dos 2.º e 3.º Ciclos e Secundário, ainda não estavam apetrechadas com as bibliotecas de que dispõem atualmente, pelo que a Biblioteca Municipal/

Page 39: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

39

Percursos de razão e afetos

/Gulbenkian era o seu principal recurso para a obtenção de informação considerada necessária.

Assim, era frequente que as salas de leitura da biblioteca estivessem lotadas com utilizadores, sobretudo estudantes, que a procuravam para realização de trabalhos e requisição de livros. No ano de 1998, a biblioteca passou a oferecer o serviço de internet, o que, no início, colocaria o livro num plano secundário.

Na época, os temas procurados pelos utilizadores eram bastante variados: Filosofia, Linguística, Geografia, História Geral, Literatura, História Local, Literatura, Ciências, Jornalismo, Marketing, Enfermagem, entre outros. Esta procura tinha como base as matérias lecionadas nos respetivos anos ou cursos frequentados.

A biblioteca procurava responder da melhor forma às solicitações, tentando, na medida do possível, reunir um fundo documental adequado às solicitações dos utilizadores.

Surgiu então a necessidade de formar um Fundo Local (reunir no mesmo local as obras inseridas nesse conceito), embora ficasse limitado às edições disponíveis, para melhor atender os leitores interessados neste assunto. Estas obras foram reunidas e colocadas numa estante da Sala de Leitura do primeiro piso. Aqui se reuniram obras de autores que fossem naturais do Distrito da Guarda (ou a ele profundamente ligados) ou que tivessem escrito sobre ele.

Embora não existisse na biblioteca uma extensa obra que se enquadrasse nestas condições, conseguimos reunir uma estante que ficou em local destacado, devidamente identificada.

Page 40: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

40

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Cedo passou a ser o local da biblioteca com maior número de obras consultadas. Era ali que estavam os livros de João de Almeida, detentor de vasta obra da História da Guarda, militar e não só, e do império português em África, nas suas vertentes militar e política. Esta estante reunia todas as monografias, existentes na biblioteca, referentes a todas as localidades do nosso distrito. As obras eram muito procuradas, pois incluíam assuntos como História, Usos e Costumes, Tradições, Personalidades, etc. referentes às regiões do Distrito da Guarda que retratavam. Dispunha também das informações mais importantes sobre tradições comemorativas do Carnaval, Páscoa, São Martinho, Natal, Provérbios, entre outras.

Outros autores presentes neste fundo eram Manuel Ramos de Oliveira, Quelhas Bigotte, Pinharanda Gomes, Virgílio Afonso, João de Almeida, António Monteiro da Fonseca, Aires Dinis, Célio Rolinho Pires, Antonieta Garcia, Américo Rodrigues, Nuno de Montemor, Augusto Gil, Alípio da Rocha e muitos outros.

Um dos autores selecionados para a referida estante e dos mais importantes, considerando a pertinência e a procura das suas obras, era Adriano Vasco Rodrigues. Os seus livros foram objeto, quer de empréstimo domiciliário, quer de consulta local, em centenas de pedidos de utilizadores. Por exemplo, a obra Monografia Artística da Guarda, no início com a edição de 1977 ou mesmo de 1958, era, talvez, a obra mais consultada da biblioteca. Era-o seguramente no que diz respeito ao Fundo Local. Centenas de utilizadores consultaram a obra para saber mais da nossa História, das

Page 41: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

41

Percursos de razão e afetos

nossas origens, dos nossos monumentos. Mais tarde, no ano 2000, seria editada a Guarda: Pré-História, História e Arte: (monografia), que viria a substituir a edição de 1977 como base neste tipo de consulta.

Mas, como é certamente conhecido, Adriano Vasco Rodrigues é detentor de uma vasta obra. Embora nos debrucemos sobre a referida época da biblioteca, não podemos deixar de referir, como bastante consultadas/ /requisitadas as seguintes obras:

– Celorico da Beira e Linhares: monografia histórica e artística. Obra também muito consultada, quando se pretendia o estudo do concelho de Celorico da Beira, seja na História, Usos e Costumes ou Património.

– Escultura Africana: perenidade e mudança.Consulta no âmbito do tema.

– História geral da civilização. Manual escolar mas que ainda era consultado para alguns temas da História.

– Provérbios de origem sefardita no interior da Beira e em Trás-os-Montes. Livro bastante consultado, não só porque existia pouca bibliografia sobre o tema, mas porque o autor possui vastos conhecimentos na matéria.

– A Catedral da Guarda: na história e na poesia. Recordemos que a Sé da Guarda era o monumento mais procurado em investigações de leitores. Esta era uma das obras mais utilizadas nesse âmbito.

– Salvador do Nascimento: uma vida – um ideal. Embora mais recente, trata-se de uma obra importante a nível biográfico.

Page 42: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

42

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

– O Despotismo e a Igreja: cartas régias para o Bispo da Guarda na época pombalina. Obra, talvez única a debruçar-se sobre o tema.

– Os lusitanos: mito e realidade.– As lápides sepulcrais da Capela-Mor da Sé da Guarda.

Outra obra importante para o estudo da Catedral da Guarda.

– Terras da Meda: natureza e cultura: (monografia). Mais um estudo monográfico, de outro concelho do distrito, e que era bastante consultado.

– Trabalhos de história e arqueologia da Guarda e regiões confinantes: coletânea de quarenta e cinco estudos, cujas publicações se encontram na quase totalidade esgotadas, oferecidas pelo Autor à Biblioteca Pública da sua cidade natal período de 1944-1976. Gostaria de destacar esta curiosa publicação artesanal, coletânea de vários artigos de Adriano Vasco Rodrigues, que este, em boa hora, decidiu fazer e oferecer à Biblioteca Municipal da sua terra natal. A esmagadora maioria dos artigos são de índole arqueológica, sendo bastante consultados os seguintes: Achados arqueológicos do Mileu; Moinhos manuais na região da Guarda; Uma arma com mais de 120.000 anos: o biface de Cairrão: (Guarda); Um bracelete lusitano da estância arqueológica do Mileu; Espada de Vilar Maior: idade do bronze: espada de Castelo Bom; A pro- pósito de uma lápide do Mileu (Guarda); Estela de Meimão: cabeça de guerreiro lusitano da Guarda; Inscrições romanas de Valhelhas; Inscrição tipo «Porcom» e Aras Anepígrafes do Cabeço das Fráguas (Guarda); Subsídios para o estudo do Paleolítico no Distrito da Guarda: I Congresso Nacional de Arqueologia;

Page 43: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

43

Percursos de razão e afetos

Subsídios para o estudo do paleolítico na Beira Alta; O Castro do Cabeço das Fráguas e a romanização das suas imediações: notícia sobre uma prospeção arqueológica no concelho da Guarda; Subsídios numismáticos para o estudo da dominação suévico-visigótica na região da Guarda: elementos inéditos; Elementos para o estudo da romanização nos Montes Hermínios: I: as escavações da Póvoa de Mileu – Guarda; A Torre de «Centum Celas»: pretório de um acampamento romano; Achados avulsos romanos; O templo romano de Almofala: nova interpretação sobre o casarão da Torre.

O presente texto não pretende ser uma análise, completa ou incompleta, da obra de Adriano Vasco Rodrigues. Trata apenas do impacto que a obra de Adriano Vasco Rodrigues teve naquele período de funcionamento da biblioteca, junto dos utilizadores, considerando a procura que teve, em investigação ou requisição domiciliária.

Page 44: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

44

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

O castro do Cabeço das Fráguas e a romanização das suas imediaçõesUma separata de Adriano Vasco Rodrigues, exemplo de obra muito

consultada, na Biblioteca Municipal da Guarda, na época mencionada.

Page 45: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

45

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO RODRIGUES UMA REFERÊNCIA

António Pimenta de Castro*

Conheci pessoalmente o Senhor Professor Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues, já há quase trinta anos, quando me encontrava a fazer uma visita habitual ao meu saudoso amigo, Dr. Armando Pimentel, na sua casa situada nos Estevais de Mogadouro. Sempre que me era possível, quando terminava as aulas na Escola Secundária de Torre de Moncorvo, a caminho do meu domicílio, em Mogadouro, fazia um pequeno desvio e parava na casa do Dr. Armando Pimentel, aristocrata no sangue e fidalgo de fino trato, para uma amena cavaqueira, direi mesmo, uma pequena tertúlia, com este grande intelectual transmontano e, por vezes, com ilustres intelectuais que o visitavam, ou mesmo gente do povo, que ele tanto estimava. Digo pessoalmente, porque alguns dos seus trabalhos já os conhecia e muito me falava

* Professor da Escola Secundária Dr. Ramiro Salgado, Torre de Moncor-Professor da Escola Secundária Dr. Ramiro Salgado, Torre de Moncor-vo; investigador.

Page 46: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

46

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

dele o meu querido amigo e colega na Escola de Moncorvo, o saudoso Senhor Padre Rebelo. Aquando da homenagem feita ao Dr. Casimiro Henriques de Moraes Machado, escreveu o Senhor Padre Joaquim Manuel Rebelo: “Creio que foi em 1960 que encontrei, novamente, o Dr. Casimiro no Vale da Vilariça, num acampamento de alunos de um liceu do Porto, dirigido pelos meus ilustrados amigos, Padre Dr. Domingos de Pinho Brandão e Dr. Adriano Vasco Rodrigues (…)”. Estes estudantes estavam a realizar escavações arqueológicas, superiormente orientados pelos referidos professores.

O Dr. Adriano Vasco Rodrigues, embora nascido na Guarda, é um verdadeiro transmontano, e é-o pelo coração. É uma das minhas maiores referências transmontanas, juntamente com o Abade de Baçal, o Dr. Casimiro Machado, o Abade Tavares (de Carviçais), o Senhor Padre Rebelo e o próprio Dr. Armando Pimentel. O Dr. Adriano Vasco Rodrigues, grande amigo do Dr. Armando Pimentel, tem feito ultimamente vários apelos para que a maior biblioteca particular de Trás-os-Montes, e não só – a do Dr. Armando –, seja preservada, tendo-me “incumbido” de falar deste problema ao seu amigo Dr. António Guilherme de Moraes Machado, Presidente da Câmara Municipal de Mogadouro, para levar a bom termo esta justa aspiração.

Não vou falar aqui do seu brilhante curriculum como intelectual, investigador, escritor, etnógrafo, arqueólogo, deputado, pedagogo, fundador e diretor de revistas e autor de “mais de cem livros e separatas que revelam as importantes

Page 47: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

47

Percursos de razão e afetos

incursões nos mais variados campos da História da Arte, a par dos trabalhos de vanguarda da Pré-História Peninsular e da Pré-História em Angola”1, incontáveis temas redigidos, primorosamente, na língua de Camões, e dos quais saliento os regionais. De facto, as raízes são fundamentais para a identidade de um povo e de um país. Para mim, também por esta razão, o Dr. Adriano é um verdadeiro exemplo.

E não vou falar da sua vasta atividade por algumas razões: porque existem várias e extensas referências a elas, desde Enciclopédias ao Dicionário dos Mais Ilustres Transmontanos e Alto Durienses (vol. I, Guimarães,1998, páginas 530 a 532; a Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues consta da página 542); porque nesta homenagem, por certo, alguns colaboradores as irão referir e, finalmente, porque quero dar o meu testemunho sobre as atividades em que estive envolvido, pessoalmente, com o Dr. Adriano Vasco Rodrigues.

Devo acrescentar que, no seio dos seus múltiplos interesses, há um tema comum que o Dr. Adriano Vasco Rodrigues e eu temos em grande estima: a História dos Judeus em Portugal. Na realidade, para além de livros e outros estudos que o Dr. Adriano Vasco Rodrigues publicou sobre este assunto (concretamente na Revista Altitude), foi fundador (é o sócio n.º 1) da Associação de Amizade e Relações Culturais Portugal – Israel (1979), Presidente

1 Revista CEPIHS, Revista do Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social (CEPIHS), n.º 1, p. 248, Coimbra, Palimage, 2011, p. 248.

Page 48: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

48

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

da Direção, e, agora, seu Presidente Honorário. Desta Associação também eu sou sócio (caso curioso e altamente honroso para mim é que o meu cartão de sócio tem a assinatura do Presidente da Direção, isto é, do Dr. Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues, datado de 1988, e que eu guardo, religiosamente, no meu arquivo pessoal).

Das atividades, nas quais coincidi com o Senhor Dr. Adriano, destaco as seguintes: em 1988, em Mogadouro, na Comemoração do Centenário do nascimento de Casimiro Henriques de Moraes Machado, promovida pela Câmara. Desta homenagem resultou a publicação de um opúsculo com as palestras efetuadas pelo Dr. Adriano Vasco Rodrigues, Dr. Armando Calejo Pires e por mim próprio; no mesmo ano, prefaciou e apresentou o livro do seu grande amigo, Dr. Casimiro Henriques de Moraes Machado, Mogadouro – um olhar sobre o passado; em 2001, elaborou um trabalho intitulado “O Pelourinho de Mogadouro”, para a Revista n.º 2, de dezembro, Fórum Terras de Mogadouro, páginas 9 a 11, sendo diretores desta revista António Moraes Machado, António Pimenta de Castro e Maria da Natividade Ferreira; em 2004, escreveu o livro Provérbios de Origem Sfardita no interior da Beira e em Trás- -os-Montes, editado pela Câmara Municipal de Mogadouro, a cujo lançamento tive o prazer de assistir; em 2006, em co- -autoria com Maria da Assunção Carqueja Rodrigues, saiu o excelente livro Felgar – História, Indústrias Artesanais, Património, com apresentação em Moncorvo, fazendo eu parte do grande número de pessoas que a ela acorreram; em 2008, colaborou na Revista Campos Monteiro, n.º 3, com

Page 49: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

49

Percursos de razão e afetos

o artigo “Torre de Moncorvo e o alvorecer do Japão no Ocidente”, a qual também integrei com o artigo “Guerra Junqueiro – Epicurista”, tendo o privilégio de participar no seu lançamento. Finalmente, em janeiro de 2011, foi apresentada, na Escola Secundária Dr. Ramiro Salgado, de Torre de Moncorvo, o n.º 1 da Revista CEPIHS, órgão do Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social, de que o Dr. Adriano Vasco Rodrigues é fundador. Aquele exemplar integra o seu artigo intitulado “Dissertação a propósito da Implantação da República em Torre de Moncorvo”, em co-autoria com a Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues. Colaborei nesta publicação com o trabalho “O Projecto de Guerra Junqueiro para a bandeira da República”.

Esta revista foi dedicada aos dois investigadores, como reconhecimento da sua importante ação cultural a favor da nossa região, tal como o tributo presente, gestos que se juntam aos muitos que coroaram a sua carreira, como o facto de lhe ter sido conferido o título de Diretor Jubilado da Schola Europaea e ser agraciado com vários louvores e condecorações, nomeadamente, com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique.

Foi, para mim uma honra falar do Dr. Adriano Vasco Rodrigues e prestar-lhe, assim, a minha sincera homenagem, bem como à Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues, símbolos das altas virtudes das nossas gentes.

Estes investigadores enobrecem Trás-os-Montes e o nosso país. Bem-hajam!

Page 50: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 51: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

51

Percursos de razão e afetos

DO OUTRO LADO DA LINHA...

Arnaldo Duarte da Silva*

Estávamos em maio de 2009. Germinava na minha cabeça um pulverizar de ideias acerca da personalidade que iria ser o patrono do Núcleo Museológico da Fotografia do Douro Superior, em Torre de Moncorvo.

Fez-se luz. Na fotografia, a mesma tem a propriedade de decompor os sais de prata que entram na composição da camada sensível do suporte a sensibilizar. Mas a luz fixada no meu pensamento era a do Senhor Professor Adriano Vasco Rodrigues. Surgiu como um raio luminoso que iria, com todo o seu saber, proporcionar um elevado grau de sensibilidade nas pessoas presentes. Liguei-lhe pela noite e do outro lado da linha, a lembrar Torga ou até a Isabel Mateus, absorvo um quem é, não como intruso, mas sim num posicionar esclarecido. E foi desse outro lado da linha, com um grau de abertura extraordinário, tal como nas

* Diretor e proprietário do Núcleo Museológico da Fotografia do Douro Superior, Torre de Moncorvo.

Page 52: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

52

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

objetivas que proporcionam e nos dão a possibilidade de trabalhar melhor , experimentando vários efeitos de luz e sempre com grande profundidade, que o Senhor Professor anuiu, sem condições, ao meu convite. Mesmo assim, ainda me penitenciei a pedir-lhe desculpas pelo incómodo, sabendo que o mesmo lhe traria imensas satisfações.

E são com elas que, discorrendo para a fotografia, sabemos qual a forma ideal para encontrar o sucesso na imagem. Este não depende só da exposição correta, do melhor doseamento no revelador de brometo e potássio, ou ainda quando o negativo é muito translúcido. A imagem tem que ser vigorosa, com contraste o suficiente e, inevitavelmente, qualidade superior.

Do Senhor Professor absorvi, como atributos ímpares, a transparência, o vigor e a qualidade.

A transparência porque foi verdadeiro e didático ao sugerir-me que não fizesse um espaço para depositar coisas, mas que fosse, sobretudo, instrutivo.

O vigor, atendendo à sua energia que o fez estar presente no dia da inauguração, como portador dos elementos necessários para melhorar a intensidade do registo, como que estando a dosear o seu telémetro, sempre com a vantagem de não ter pensado no erro de percurso entre o Porto e Torre de Moncorvo. Senti-o focado, entusiasmado e disponível.

A qualidade, esta sim, foi visível no seu discurso improvisado, mas aproximado ao objeto, para mais de 200

Page 53: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

53

Percursos de razão e afetos

pessoas que albergava o espaço inaugurado, no dia 12 de julho de 2009.

Abordou, com amplitude, a iniciativa com abertura real. Porém, o mais importante foi a sua focagem na abertura útil. Os seus olhos determinaram uma grande profundidade de foco que não tem paralelo nas tabelas aproximadas para conseguir que todos os planos fiquem reproduzidos com nitidez. Os mesmos, abertos ao máximo no seu diafragma, conseguiram atenção e sem deformação, vulgarmente designada aberração. O seu discurso fluído, coberto de saber, qual emulsão, foi ao encontro do que era expectável. Não apresentou bolhas de ar, nem tão pouco marcas de sódio ou potássio, ainda que a temperatura do dia rondasse os quarenta e cinco graus. Apelou à preservação e à recuperação. Situou este Douro desde o Cachão da Ribeira a Barca d’Alva. Falou do Douro romano e da sua importância. E, por fim, rematou, proferindo, qual lembrança de erudito ou político da nossa terra, que o Núcleo Museológico valia ouro. E, neste campo, tal como espaço panorâmico do lugar, clicavam-se sorrisos e palmas e, até nos planos mais longínquos, se sentia a temperatura ideal, talvez equivalente em sorrisos de alegria, tal como as lâmpadas de tungsténio ao serviço do cinema e do retrato profissional.

Foi uma grande festa. O Senhor Professor Adriano Vasco Rodrigues foi, é e será a referência deste espaço museológico nascido sem as cartilhas dos especialistas e, muito menos, sem o conflito de interesses destas coisas da cultura. Ele é a peça, a obra, que deverá ser lembrada

Page 54: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

54

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

tal como a máquina que registou as primeiras imagens de Torre de Moncorvo.

No arquivo existente, procurei, confesso com pouca organização, imagens do Felgar. Logo surgiram cerca de trinta das décadas de cinquenta e sessenta. As mais impressionantes, talvez pelo sentir profundo emanado, são as da Procissão da Senhora do Amparo, de 1956. As outras, registos imortalizados pelo Senhor Zeca Peixe e pelo Dr. Horácio Brilhante Simões, fazem luz de um tempo eternizado em fórmulas preciosas ao revelar negativos. Convém referir que muitos deles, e chegados até nós, foram conservados atendendo a uma fórmula sábia de hipossulfito de soda, metassulfito de potássio e água.

Na realidade, as dezenas de milhares de imagens reunidas no Núcleo Museológico da Fotografia do Douro Superior e todo o seu espólio são um marco significativo, sem halo, em toda a região transmontana. Mas, se as imagens são também importantes para melhor homenagear o Senhor Professor Adriano Vasco Rodrigues e a sua esposa, é minha convição que os homenageados, pela humildade e desinteressada forma de estar na vida, ficariam bem felizes só pelo facto de lhes transmitirmos o nosso agradecimento. Um muito obrigado.

Page 55: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

55

Percursos de razão e afetos

Fotografias do acervo do Núcleo Museológico da Fotografia do Douro Superior

Felgar – anos 50-60 do século XX

Page 56: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

56

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Page 57: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

57

Percursos de razão e afetos

Page 58: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

58

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Page 59: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

59

Percursos de razão e afetos

Page 60: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 61: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

61

Percursos de razão e afetos

O TEMPO DE TERNA MEMÓRIA

Belmira Parente*

Recebi, com alegria, o convite para me juntar à justa homenagem que te dedicam, a ti e ao teu marido. E, numa página, apenas, recordo a nossa vida de colegiais. Com saudade!

Fomos colegas desde a admissão ao Liceu até ao 6.º ano (hoje, 10.º ano), no Colégio de Lamego. A nossa amizade vem daí, de um tempo de crianças, de um tempo de obrigações, de ensinamentos, de formação dos espíritos. Atravessámos a vida com a esperança e o optimismo inculcados então.

Não posso deixar de registar alguma memória, hoje, linda, na altura penosa: a Matemática, verdadeira dor de cabeça, que a irmã Marieta teimava em acentuar; a disciplina, que impunha levantarmo-nos às 7 horas da manhã para irmos à missa; o castigo de prato na mão no recreio, porque não comia a tempo, o que me impedia

* Colega de Maria da Assunção Carqueja, no Colégio de Lamego.

Page 62: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

62

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

de jogar à bola e ao ring contigo e as demais colegas; as escassas idas a casa, só em férias, a saudade da família que tentávamos atenuar falando dela, da casa, das brincadeiras com os irmãos. Mas retenho, também, o doce sabor das castanhas de amêndoas feitas pela tua Mãe e que connosco partilhavas quando regressávamos de férias, e a imagem do quanto estavas animada, naquele passeio do Colégio pela estrada da Régua, por causa de uma tentadora árvore cheia de medronhos...

Uma outra lembrança permanece, a dos teus primeiros versos! Escreveste-os quando estávamos prestes a fazer o exame de admissão no Liceu, algo que denunciava, já, a tua veia poética e perspetivava a grande Poeta que vieste a revelar-te. Recordo-os aqui, com a ternura que nos remete para esses momentos e para todos os momentos que, ao longo destes anos, temos vivido em verdadeira amizade.

Lá em cima está a raposaCá em baixo a admissãoJuntaram-se os dois á esquinaE combinaram entre siNão haver reprovação

Page 63: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

63

Percursos de razão e afetos

PARA UMA BIBLIOGRAFIA ABRANGENTE DA FREGUESIA DO FELGAR:

O CONTRIBUTO INTRANSPONÍVEL DE MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA RODRIGUES

E ADRIANO VASCO RODRIGUES

Carlos d’Abreu*Otília Lage**

0. Intróito

Amigos comuns, bem como a direção do Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social em Trás-os-Montes e Alto Douro (CEPIHS), com sede nesta Vila – apesar de saberem desde a primeira hora que estaríamos hoje e aqui neste lugar presentes –, fizeram questão que nos associássemos diretamente à homenagem de que seriam alvo, os nossos simpáticos concidadãos, conterrâneos, pedagogos e investigadores, Professores

* Investigador.** Colega de trabalho de Maria da Assunção Carqueja.

Page 64: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

64

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues, ambos felgarenses e guardenses, ambos transmontano-durienses e ribacodanos.

Pois se ele “pagou o vinho” no Felgar para aí passar a pertencer, ela, com o consórcio, ganhou foros de beirã, uma vez que esse negócio pressupõe partilha, uma partilha de meio século, ou para sermos mais rigorosos, de 55 anos e 1 mês, uma vez que casaram neste mesmo dia, mas do mês de setembro do ano de 1956.

Somos por isso duplamente conterrâneos, não fora o Douro a linha de união entre esses dois territórios, aliás o grande coletor comum de milhentos cursos de água e um dos principais elementos articuladores de toda a Península Ibérica.

O Professor Adriano atravessou-o vindo de Sul e a Professora Assunção em sentido inverso. Encontraram-se no caminho e passaram a caminhar juntos, numa longa e frutífera jornada, que prossegue.

1. Principal bibliografia dos autores relativa ao Felgar (e região envolvente)

Na sua vasta bibliografia por várias áreas do Saber, própria de quem negou o ócio por ter consciência de que “o tempo dá-o a Natureza de graça”, cedo tomaram o gosto pela investigação.

Passando em revista a sua Obra, percebe-se que amaram todas as terras onde viveram e trabalharam, porquanto, sendo docentes, o mais “natural” era que as suas

Page 65: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

65

Percursos de razão e afetos

preocupações fossem para os temas gerais; todavia, eles também desceram ao particular, dedicando trabalhos de investigação a sítios e localidades, próximas e longínquas, independentemente do seu estatuto administrativo, em Portugal e Angola, no domínio da História, da Arqueologia, da Arte, da Etnologia, do Património em geral e, até na arte de cantar em verso, sempre com o fito de contribuírem com alguma luz, ao ignoto, ao desconhecido, ao obscuro.

Nessa senda, a freguesia do Felgar – e também o concelho e região envolvente –, foi visada pelos olhos atentos dos dois investigadores.

E a primeira manifestação telúrica surge logo em 1955, quando a estudante Maria da Assunção Carqueja apresenta à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a sua dissertação de Licenciatura intitulada Subsídios para uma Monografia da Vila da Torre de Moncorvo, meritório trabalho de leitura e estudo da documentação medieval do arquivo histórico municipal (que havia sido iniciado pelo Abade de Baçal) e cuja publicação há muito se impunha.

Seguem-se vários outros trabalhos, ora por ela, ora pelo marido, ora em parceria de ambos e, em alguns (raros) casos até com outros autores, como sejam:

– A Vila Morta de Santa Cruz da Vilariça, publicado em 1957;

– Olarias do Felgar, em 1958;– Fabrico da telha no Felgar, ainda em 1958;– Necrópole de Civitas Aravorum. Marialva – Meda, em

1961;

Page 66: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

66

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

– Missão de estudo arqueológico na região da Vilariça – Moncorvo, em 1962;

– Subsídios para o estudo das ferrarias do Reboredo – Moncorvo, também em 1962;

– Problema das fundições romanas de ferro. Escavação feita segundo a técnica tridimensional numa ferraria do Reboredo (Moncorvo), em 19651;

– Retrospectiva Histórica dos Concelhos de Meda, Longroiva e Marialva, em 1976;

– Foz Coa contra Moncorvo – a disputa da barca do Douro, em 1980;

– Terras de Meda – Natureza, Cultura e Arte, em 1983;– Retábulo flamengo da Parentela de Santa Ana na igreja

matriz de Torre de Moncorvo, em 1990;– Terras da Meda – Natureza, Cultura e Património (reed.)

em 2002;– A contribuição para o estudo do Paleolítico Inferior na

Região do Coa, 2003;– Provérbios de origem Sefardita no interior da Beira e em

Trás-os-Montes, em 2004;– Felgar, em 2006;

1 Estes dois opúsculos influenciaram o nosso interesse (Cd’A) pela mineração e metalurgia do ferro na nossa região e foram companheiros durante anos, antes, durante e após, o levantamento que fizemos dos escoriais de ferro, das escavações arqueológicas na ferraria da Chapa-cunha (Mós) em que participámos e trabalhos ulteriores. O último deles, constituiu mesmo, a primeira lição no âmbito da Arqueologia Experimental.

Page 67: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

67

Percursos de razão e afetos

– Documentos Medievais de Torre de Moncorvo, em 20072.Mas é sobre o Felgar e o seu livro, de autoria do casal,

que nos debruçaremos, como no título se percebeu e, não obstante dele se apresentar na segunda parte deste artigo uma recensão crítica, não poderemos deixar de referir que nele, livro, as palavras constituídas pelos substantivos próprios “Silhades” e “Sabor” são as mais utilizadas, depois de “Felgar”. Não podia ser de outra maneira. É nessa trilogia (termo que preferimos a troika) que esta freguesia, esta paróquia, esta autarquia, esta aldeia, este povo e esta comunidade radicam, desde os princípios dos tempos.

Felgar, a única freguesia do Concelho cujo termo se reparte entre as duas margens de um Rio, deve a sua existência a Silhades e esta nasceu porque o Sabor ali passa.

A vetusta Silhades, com assento na margem direita daquele importante afluente do Douro, envolta por excelentes terras de cultivo, foi propriedade realenga, ou seja, régia, no início da Nacionalidade e com pergaminhos mais antigos que o concelho de Torre de Moncorvo (1285), ou mesmo o de Santa Cruz da Vilariça (1225), de quem aquele herdou o termo e as prerrogativas.

Localizava-se naquelas medievas eras nos limites do antigo concelho de Mós (1162), a cujos habitantes D. Sancho I em meados de maio de 1200, passou uma carta de doação perpétua deste seu reguengo, com os seus

2 Estes dois últimos livros incluem a compilação de vários opúsculos, que assim se reúnem, revistos e ampliados. O segundo deles é preenchido sobretudo pela dissertação de Licenciatura de MAC.

Page 68: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

68

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

termos novos e antigos, para que o povoassem [carta de donationis aos populatoribus de Moos do nostro regalengo quod uocatur Siliade… cum suis terminis nouis et ueteribus].

Mas antes destes povoadores baixo-medievais, tivera outros, numa ocupação sucessiva desde a Pré-história mais longínqua, intensificada durante a Romanização, como os abundantes vestígios arqueológicos atestam: desde instrumentos líticos e gravuras rupestres do Paleolítico, até à arte móvel, fortificações e outras estruturas arquitetónicas da colonização romana e da Idade Média.

A geomorfologia e a ação antrópica modelaram a sua paisagem. Novos animais e novas plantas se instalaram. Com o incremento da agricultura foi reduzida a área de coberto vegetal natural. Mas como a Natureza é sábia, reservou o leito de cheia do Sabor para arquivo, para aí poder ir buscar as sementes sempre que necessário e assim preservar a flora autótone. Só que a soberba do homem cresceu e agora vai afogar o vale.

Os mais atentos já perceberam onde queremos chegar.Durante os árduos anos de luta contra o projeto do

empreendimento hidroelétrico do Baixo-Sabor, isto é, a construção de duas gigantescas presas, numa manifestação popular in situ, ouvimos um felgarense exclamar: – querem--nos pôr a pescar da janela!

Pois é. Por isso também os felgarenses aqui homenageados – “como filhos de boa gente” – perguntam a páginas tantas no seu livro, porque não se procuram outras alternativas energéticas, ou em vez de megabarragens, hoje

Page 69: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

69

Percursos de razão e afetos

cientificamente condenadas, construírem pequenas barragens? (pp. 70-71).

É certo e sabido que apesar das promessas de criação de emprego e de progresso, através da construção de barragens no Douro e seus afluentes, iniciadas durante as ditaduras ibéricas, barragens essas que representam tanto em potência como em produção quase 25% da produção hidroelétrica nacional espanhola e mais de 60% da nacional portuguesa, elas não contribuíram nem contribuem para o desenvolvimento da região e, a prova está na sangria das suas gentes desde então para cá, tornando-se numa região de baixa densidade demográfica, em franco despovoamento e muito envelhecida.

É pois muito difícil perceber, como é que uma região que produz tanta riqueza, pode ser tão pobre!

2. Recensão crítica da obra: RODRIGUES, Maria da Assunção Carqueja, RODRIGUES, Adriano Vasco – Felgar: História, Indústrias artesanais, património. [Coimbra]: Edição dos Autores, 2006.

No contexto da bibliografia de referência histórica, arqueológica e patrimonial de Moncorvo e do Felgar, é fundamental determo-nos na leitura e apreciação da importante obra que é Felgar: História, Indústrias artesanais, património, da autoria coletiva de Maria da Assunção Carqueja Rodrigues e Adriano Vasco Rodrigues, livro graficamente muito cuidado, enriquecido de minuciosos

Page 70: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

70

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

mapas, belas fotografias e complementado ainda por singular contributo estético – literário dos autores e seus descendentes diretos, filhos e netos.

Aliás, esta dimensão gostosamente afetiva e motivante, simultaneamente humana e pedagógica que atravessa esta importante obra de história local, destaca-se também, desde logo, na apelativa e pedagógica nota de abertura que é o empolgante “Hino Felgarense”, poema de Maria da Assunção Carqueja de 1950 (pp. 9-10) e ainda na “chave de ouro” que a encerra com “Alguns poemas dedicados ao Felgar” da mesma autora, ficcionalmente auto-referida como “Mariazinha persiste/era de lá, lá ficou” (versos do último poema Mariazinha ficou…, pp. 327-328).

Para além desta nota imediatamente apreensível, sobressai igualmente de imediato o rigor analítico e a exigência científica e académica do tratamento com que os seus autores abordam os diversos conteúdos e variados temas que fazem da presente obra uma referência decisiva e inultrapassável para qualquer estudioso do Felgar e de Moncorvo, terras de origem e adoção de seus autores.

Consagrado à memória do grande empreendedor económico e negociante de frutos secos, riqueza da região, Gualdino Augusto Carqueja e esposa, Evangelina da Conceição Carqueja, respetivamente pais e sogros dos autores, este livro (332 páginas profusamente ilustradas), com prefácio/carta do amigo comum dos autores, Dr. Armando Pimentel, divide-se em três partes essenciais: uma primeira considerada introdutória sobre a antiga e

Page 71: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

71

Percursos de razão e afetos

já longa história do Felgar, nos seus mais variados aspetos e plurifacetadas dimensões (pp. 21-262); uma segunda parte, em que se transcrevem e atualizam “Trabalhos de arqueologia no Felgar” (pp. 263-312) e uma terceira e última parte já atrás referenciada, com “Alguns poemas dedicados ao Felgar” de Maria Assunção Carqueja (pp. 313- -328).

Ao longo da primeira parte do livro, podemos acompanhar, numa narrativa histórica de sabor etnológico, bem urdida, encadeada e referenciada, a longa evolução histórica da povoação do Felgar (agrícola, industrial e de traços urbanísticos), desde o seu distante passado pré- -histórico com os seus castros e divindades trazidas pelos romanos até aos desportos, lazeres, tradições comunitárias e aprazíveis ambientes naturais da atualidade, sem esquecer alguns ilustres felgarenses, passando pelas invasões e cultos medievais, o domínio da Igreja e da Inquisição e a presença dos Judeus, a noticia das devassas e inquirições na paróquia e já na Idade Moderna, a introdução do Ensino Publico, notícia das populações e curiosidades, sem que se esqueça a referência às repercussões locais de acontecimentos históricos nacionais como o Ultimato ou mesmo internacionais de que é exemplo a Guerra Hispano- -Americana de Cuba.

Já na segunda parte da obra, o enfoque vai para a descrição, estudo e análise especialmente de trabalhos de escavações arqueológicas com destque para a arqueologia do ferro, realizados pelos autores, relevando-se a sua

Page 72: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

72

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

contribuição para o estudo mais pormenorizado e aprofundado das ferrarias de Moncorvo.

Conclui-se esta obra com uma terceira e última parte em que é divulgada uma amostra de 7 composições poéticas de Assunção Carqueja, de acentuado sabor memorialístico e laivos etnográficos entretecidos por uma íntima sensibilidade ligada à sua terra natal, “Aldeia pequenina em que nasci” (título de um dos poemas), isto é, o Felgar de que outros poemas evocam particularidades como a “varanda”, o “luar”, os “lares” (e outros tantos títulos).

Trata-se efetivamente de uma das mais relevantes obras da bibliografia transmontana sobre a região de Moncorvo e a localidade bem antiga e genuína de Felgar. Todos quantos a consultem manifestarão o seu reconhecimento pelos estudos minuciosos e eruditos realizados ao longo de anos e aqui parcelarmente compilados como é o caso do texto “Subsídios para o estudo das Ferrarias do Reboredo- -Moncorvo” de autoria conjunta, publicado como separata da revista Lucerna, Porto, vol II, n.º 1-2, 1962 (e inserido com o título “Contributo para o estudo das Ferrarias de Reboredo” e algumas pequenas adaptações, ao nível das gravuras em apêndice, na obra que aqui é objeto de recensão crítica, pp. 263-285), ou do texto de Adriano Vasco Rodrigues, “O problema das fundições romanas do ferro escavação feita segundo a técnica tridimensional numa ferraria do Roboredo (Moncorvo)”, publicado igualmente em separata da revista Lucerna, Porto, vol. IV, n.º 1, 1964 (e incluído também na obra Felgar, pp. 287--304 e acrescentado com mais ilustrações, uma notícia

Page 73: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

73

Percursos de razão e afetos

sobre minas de ferro e um breve vocabulário ligado ao ferro) – textos estes que se encontram bem enquadrados e devidamente reconfigurados na estrutura geral da obra monográfica em análise.

Percorrendo um longuíssimo arco temporal, que decorre entre a recuada Pré-história do território onde se desenvolveu a moderna povoação do Felgar até à nossa Contemporaneidade, os conteúdos desta obra, sob diversas formas de abordagem em que são dominantes importantes e pioneiros estudos arqueológicos contextualizados localmente, e desenvolvidos/orientados pelos autores, centram-se na história, património e arqueologia do concelho de Moncorvo que documentam e iluminam, de modo substancial, singular e muito atrativo.

Informam e preparam a sólida ancoragem deste trabalho dos autores, uma de várias outras publicações suas mais recentes (consulte-se a bio-bibliografia atualizada de Adriano Vasco Rodrigues e outras contribuições da presente antologia), anteriores estudos eruditos aqui não compilados de que, citando apenas alguns títulos, salientamos, por exemplo, de Maria Assunção Carqueja, Documentos Medievais de Torre de Moncorvo, publicado pela Câmara Municipal de Torre de Moncorvo em 2007, importante repositório de fontes e documentos, cujos originais se transcrevem seguidos das respetivas transcrições, mas também de Adriano Vasco Rodrigues, A vila morta de Santa Cruz da Vilariça, publicada na revista Horizonte, n.º 44, Dez. 1957, pp. 73-76, ou ainda o trabalho, Missão de estudo Arqueológico na região da Vilariça-Moncorvo, comunicação conjunta de

Page 74: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

74

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Adriano Vasco Rodrigues e Domingos de Pinho Brandão, apresentada ao I Colóquio Portuense de Arqueologia, 1961, e publicado no Porto, no ano seguinte.

Depreende-se da leitura proveitosa desta multifacetada obra, simultaneamente erudita e de divulgação, que os seus conteúdos científicos e históricos impõem aos seus leitores um estudo atento e bem informado capaz de valorar devidamente os seus inúmeros pontos fortes quer em matéria de conteúdo quer ao nível da contextualização dos mais variados assuntos abordados.

Situa-se esta obra na vasta e erudita tradição dos mais importantes estudos monográficos, de pesquisa de terreno e de investigação produzidos sobre Trás-os-Montes por alguns dos nossos mais destacados estudiosos, como os Professores Leite de Vasconcelos e J. R. dos Santos Júnior e o notável erudito Francisco Manuel Alves, mais conhecido como Abade de Baçal, influências que se podem aí registar. É esta plêiade de autores e sua obra valiosa de grande erudição e pioneirismo que Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues de modo algum ignoram e tomam como exemplo a seguir, conforme se pode deduzir da coerente estrutura, metódica organização e bem alicerçada tessitura deste seu livro e de muitos dos seus anteriores trabalhos que este incorpora, contribuindo deste modo para um avanço significativo do conhecimento e dos estudos transmontanos.

Nesta medida se considera, do nosso ponto de vista, assente numa perspetiva de conhecimento, situado enquanto historiadora e transmontana, amiga e admiradora dos dois autores que, para lá de possíveis pontos de discórdia

Page 75: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

75

Percursos de razão e afetos

(por exemplo, a ausência de bibliografia que esta obra bem pedia!), completamente ultrapassados pelos muitos mais de concordância face às teses bem apresentadas e argumentadas nesta obra de muito agradável e proveitosa leitura que estamos em presença de uma monografia exaustiva sobre o Felgar e Moncorvo. Estes trabalhos tornaram-se possíveis pelo estudo aturado, pela produção intelectual e pesquisa especializada de largos anos e pela exemplar colaboração científica dos dois investigadores e estudiosos que são os seus autores. É, indubitavelmente, como dizíamos no início, um contributo decisivo e intransponível para a bibliografia histórica, etnográfica e arqueológica de Trás-os-Montes.

3. Nota final

Numa nota final, que não desprovida de igual importância, registe-se, ainda, que da poética da Professora Assunção, ao folhearmos a revista Altitude (a revista de cultura do distrito da Guarda e publicada nesta cidade), detetámos a seguinte contribuição, que poderá eventualmente ser útil a quem o assunto vier a tratar:

– A nossa casa, datado da Guarda, 1957 (publicado no n.os 5-6 da 2.ª série), 1982;

– Um Soneto, idem, idem (ibidem, n.º 1 da 3.ª série, e atual), 2003;

– Três Sonetos [“A minha liberdade”, de 1999; “Quisera ser Deus por um momento”, de 25.XI.1999; “Eu sou aquele que sou!”, de 23.XI.1998] (ibidem, n.º 5), 2000;

– Trágica Lei da Vida, soneto (ibidem, n.º 6), 2001;

Page 76: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

76

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

– Mundo da Saudade!, soneto (ibidem, n.º 7), 2002;– Os Tempos do Tempo e O rapaz que bateu à nossa porta,

este também soneto (ibidem, n.º 8), 2003;– Dó, Ré, Mi… (ibidem, n.º 9), 2004;– Meditando, de 22.VII.2006 (ibidem, n.º 10), 2006;– Sim!, “nas Bodas de Ouro, 8.IX.2006”, assinala-se no

final (ibidem, n.º 12), 2009.

Page 77: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

77

Percursos de razão e afetos

NOTÁVEL CASAL

Carlos Sambade*

O fervor e a vontade de progresso têm expressão liminar nos períodos que se seguem a tormentas na natureza ou no homem., ainda que não haja uma razão certa de causa e efeito.

Em Portugal e em meados do século XX incidência houve, no campo educacional, documentada a vários títulos, parecendo, a alguns, que se estava perante uma tentativa desesperada de mostrar serviço no campo da alfabetização de modo semelhante, salvaguardadas as diferenças e as distâncias, à hoje verificada com a formação profissional de base.

A «regência» de escolas nos locais mais recônditos, em «quintas» anexas a freguesias, era atribuída a pessoal rapidamente preparado, supostamente com vocação para o ensino para abreviar outras dificuldades, sendo a certificação obtida em provas, escrita e de prática de sala de aula. É assim que muitos dos que viam na instrução e na

* Professor; Mestre em Educação.

Page 78: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

78

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

educação um valor sempre presente procuram contribuir para esse desígnio na forma que encontram ao alcance.

A coleção de “Pontos modelos de preparação para os exames de aptidão à Regência de Postos Escolares” (1954) e os problemas (de matemática) que os acompanham, respetivamente de Adriano Vasco Rodrigues e de Arnaldo do Nascimento Rodrigues, dão-nos uma medida desse tempo, singela que seja, aqui e agora.

Os pontos em questão são vinte e cada um deles é composto por uma prova de ortografia/ditado, um tema proposto para redação e problemas de aritmética.

Dos vinte ditados, o primeiro centra-se em Salazar, chefe do governo de então, que, segundo J. P. d’Assac, autor do trecho, «não se parece com ninguém». Por outro lado, o tema de redação proposto nesse ponto pede “uma história em que entre uma rua íngreme, um velho operário, dois alunos da Escola Primária e um carro de mão com um pesado fardo”.

Seis dos ditados têm como base a história de Portugal, outros seis são textos de autores portugueses clássicos, dois são da lavra de Salazar. Nos restantes aborda-se o conceito de linguagem, a criança, a domesticação de animais dando como exemplo o cão, feitos dos homens e de Cristo. Dir-se-á que nada disso importa para ditado, contando mais a cadência relacionada com a tonalidade inerente a cada palavra ou frase. Não será totalmente assim se considerarmos que a um texto é imputável uma qualidade intrínseca que extravasa o criar dificuldades a quem é pedido que o reproduza.

Page 79: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

79

Percursos de razão e afetos

Os temas propostos para provas de redação abarcam os costumes, os recursos naturais, as festas cíclicas, a (vantagem da) alfabetização.

Os problemas de índole matemática baseiam-se em operações de transação corrente, patenteiam a necessidade do cálculo, assentam nos sistemas decimal e sexagesimal.

No ano de 1962 surge o primeiro volume da História Geral da Civilização a que o notável casal deita ombros e que vai ter sucessivas edições e algumas modificações, uma vez que, como é referido no início do manual, «trabalhos desta índole são sempre difíceis e de critério discutível». Na 1.ª edição há uma necessidade de maior parcimónia na explicação de propósitos, nomeadamente no que se refere “a interpretação das Instruções com base nos mais recentes métodos e processos pedagógicos, (…), a prática experimental aperfeiçoada conforme as reações dos alunos (…) e os resultados colhidos”.

Na edição de 1962 (doravante HGC62), introdução, logo à cabeça se indica que “Não há uma definição de história, mas vários conceitos de história”. Com semelhante relevo, na edição de 1971 (doravante HGC71), se pergunta “Por que razão estudamos a história?”.

Na HGC62, “A cultura é o aspeto espiritual da civilização, que permite ao homem discernir, julgar e refletir sobre os valores”. Na HGC71 a cultura é também isso mas dá-se conta, logo de seguida, da impossibilidade da cultura enciclopédica, nos dias que correm.

Tanto numa como noutra das referidas edições do manual se expressa que a civilização é “o conjunto de

Page 80: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

80

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

conhecimentos, costumes e instituições que integram a sociedade de um povo ou de uma raça”, sendo, assim, “um ponto de chegada e um ponto de partida”.

Na HGC71, imediatamente a seguir à introdução e sob o título Das culturas indiferenciadas à civilização urbana, são encaixadas, comparando com a HGC6, dezassete páginas, com uma nota de rodapé na primeira de elas: “Embora o Programa não faça menção especial a esta rubrica, julgamos conveniente expressá-la em linhas gerais para melhor compreensão das civilizações pré-helénicas”. Só depois se abordam, na HGC61, “As Civilizações Orientais, a Ciência e a Técnica” e na HGC71 “As Civilizações Orientais, a Ciência, a Técnica e a Arte nas Civilizações Orientais e Pré- -helénicas e a sua influência na génese da Civilização Grega”.

Noutro campo (e não se incluirá a arqueologia na certeza de que outros o farão com mais propriedade), ficamos a saber melhor que houve várias mercadorias- -padrão que não foram liminarmente abolidas com as “unidades ponderais geralmente de forma anular” (As Origens da Moeda, 1956, Separata do Jornal O Cávado, Esposende).

Da defesa de direitos de autor (1958) à possibilidade de ampliar o campo especifica e essencialmente educacional (1973) nele dando mais ênfase à arqueologia (nem que, para isso, esta tenha, de certo modo, de se deixar adaptar), passando pelas virtualidades e vicissitudes vividas, há mais de quarenta anos, na potência-Angola, uma certeza fica, na sombra e ao sol, abrigando-nos: “A saudade tem-se”. Este ter é da ordem do ser.

Page 81: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

81

Percursos de razão e afetos

MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA UMA ILUSTRE FELGARENSE

Carlos Seixas*

1. A má porta veio bater pessoa Amiga quando me escolheu, um obscuro escrevinhador de artigos, um simples amador das letras e das coisas do antigamente, para, com 6 páginas de prosa tosca e sem brilho, participar numa mais que justa e merecida Homenagem à Dra. Maria da Assunção Carqueja, minha ilustre conterrânea.

E tão acanhado me reconheço e sinto, que nem sequer me atrevo, ainda que profundamente honrado, a fazer a clássica apresentação de tão ilustre felgarense nas suas nobres qualidades de extremosa Mãe, de insigne investigadora e poetisa, de pedagoga e docente com vasta aptidão literária e capacidade intelectual … e vá a responsabilidade a quem, depois de ter tido a tão louvável ideia de Homenagem, praticou o erro tremendo de encarregar um desconhecido rabiscador, que nada vale, para alinhavar meia dúzia de ideias de testemunho para uma homenageada que vale tanto!

* Advogado; investigador.

Page 82: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

82

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

É que sempre corro o risco de que alguém, sorrateiro e malicioso, a sorrir, me pergunte ironicamente quem é que, primeiramente, me apresenta a mim, visto que, mesmo procurando e rebuscando os recantos mais esconsos e os limbos da nossa existência terrena, de comum com tão brilhante homenageada só um ponto nos une: o de sermos ambos, com a diferença da idade de Jesus Cristo, nados e criados no Felgar, naquele torreão natal que, concedo sem relutância, a Dra. Maria da Assunção Carqueja ama mais que eu, um Amor terno, bem manifestado na sua obra poética e, em particular, melhor expresso no mote de um seu poema de 1950: “És tão linda, ó minha aldeia”, mais tarde adoptado como hino felgarense e brilhantemente musicado pelo maestro e compositor António Pedro num acasalamento mais do que perfeito de poesia e música.

Ainda neste campo, cometeria uma enorme ingratidão, se não fizesse também referência, ainda que ao de leve, a outro exemplo de Amor à terra e que se traduziu na publicação do excelente livro monográfico intitulado Felgar, editado em 2006, seja, em ano de gozo das bodas de ouro dos seus autores e ora homenageados, os quais, em parceria, elaboraram uma obra de consulta obrigatória sobre esta nossa aldeia e que sei ter tido uma óptima aceitação por todos os felgarenses que se preocupam em saber das suas raízes e em saber sempre mais sobre a imensidade dos fastos históricos aí narrados. Bastaria esta obra monográfica, e até agora única, para que o nome dos seus autores seja para sempre recordado e associado a uma importante iniciativa e a uma mui válida pedrada no charco

Page 83: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

83

Percursos de razão e afetos

que veio abanar o marasmo cultural das águas calmas em que o Felgar navegava.

Oxalá que tão exemplar comportamento sirva para nortear e atiçar outros curiosos ou entidades a promoverem mais estudos e publicações deste cariz. De certeza que as nossas aldeias e a região culturalmente só tinham a ganhar com idênticas iniciativas.

2. E foi, ainda menino e moço, na década de 70 do século passado, ao som dos acordes musicais da Banda Filarmónica Felgarense, em dias de nomeada, festivos ou de romaria, ou a ouvir as vozes das mulheres cantadeiras da nossa terra, em dias de labuta doméstica ou lide rural, que tantas vezes entoavam e trauteavam o hino felgarense, que me levou à natural curiosidade de saber quem era o autor de tão belo poema. A resposta veio célere e algo explicativa. – É a Dra. Maria da Assunção, filha do Senhor Gualdino –, respondiam-me os mais idosos. Logo, por ser filha de quem era, consegui identificar a autora, pois, naquela altura, o berço ainda gozava de foros de autenticidade e de consideração social e sendo, como alguém já escreveu, o Felgar uma terra com memória constatei, um tanto ufano e com sentido orgulho bairrista que, afinal, no campo feminino, a par de outra poetisa felgarense, Brígida Janeiro (1894- -1974), com quem cheguei ainda a conviver e a escutar atenciosamente a leitura e declamação de alguma da sua poesia, em longínquos e saudosos serões culturais que se perdem na bruma da minha memória, o Felgar tinha no seu seio e era terra natal de outra poetisa, a ora homenageada. Assim, a nossa memória, coletiva e individual, inequívoca e indelevelmente ficava mais rica. Muito mais rica.

Page 84: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

84

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

3. Mais tarde, já adulto, estando naquela fase da super curiosidade relativamente à causa das coisas e na de tentar recolher avidamente o máximo de informação oral e escrita sobre o passado do Felgar ou de compilar tudo o que à nossa terra dissesse respeito, reparo, ao consultar as folhas delidas e gastas do jornal A Torre, editado nos meados do século passado aqui em Torre de Moncorvo, com alguns poemas assinados sob o pseudónimo de Carqueja da Serra. Agora, já não precisei de perguntar ou de pedir auxilio a terceiros para apurar da identidade de tão ilustre autora. O nome com as suas 2 singelas palavras dizia tudo. Sem precisarmos de ser especialista ou de ter passado tempo a dissecar sementes de filologia, é fácil dar com o rasto etimológico ao nome Carqueja, a Pterospartum tridentatum do latim, e que é um arbusto que abunda nos matagais das encostas da Serrinha e do Cabeço da Mua, cuja flor tem alguma importância medicinal, manuseada em tisanas ou mezinhas caseiras para combater as constipações ou para fazer-se um chá para atacar os males do fígado. Não olvidamos, ainda, que a propriedade principal deste arbusto, que pode atingir o máximo de 1 metro de altura, era a de ser ideal para produzir a combustão, para fazer-se lume e aquecer-se o forno da poia, importante e imprescindível atividade industrial da época.

Daí, se nos afigurar que aquelas que se dedicavam à venda deste arbusto e de tal faziam profissão eram conhecidas como as “carquejeiras”, ou as “carquejas” ou, pelo lado masculino, os “carquejos”.

Estava assim o étimo Carqueja duplamente bem ligado à toponímia por, como se intui, visar homenagear a Serrinha

Page 85: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

85

Percursos de razão e afetos

e o Cabeço da Mua, o tal “altar que tem aos seus pés o povo do Felgar” e à onomástica felgarense, cuja existência e conhecimentos de antroponomia e genealógicos me levam aos inícios do século XIX, mais precisamente ao trisavô da Dra. Assunção, Domingos Manuel Carquejo, ancião com vasta prole e descendentes com ocupação nos modestos ofícios de jornaleiros e artífices, até chegarmos a seu Pai, Gualdino Augusto Carqueja (1907-2003), senhor que, paulatinamente, passo a passo, construiu um império comercial e ocupa, por direito próprio, um lugar merecido e destacado nos notáveis felgarenses do século XX. Assim, a história seja justa e lhe reconheça tal posição.

4. Igualmente, já nos idos do mês de março de 1995, tive o enorme prazer de ter descoberto e obtido fotocópias de uma obra, completamente esgotada, de difícil acesso e já por mim tão procurada. Refiro-me à dissertação de licenciatura Subsídios para uma monografia da vila de Torre de Moncorvo apresentada e defendida, em 1955, pela Dra. Maria da Assunção Carqueja na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e que o Município em boa hora veio a reeditar, tendo a autora revisto e procedido a atualizações com novas notas e fotografias que muito enriqueceram a edição. Tornou-se obra de consulta indispensável para qualquer investigador, amador ou profissional, amante ou mero curioso da história local.

E foi esta uma obra que muito me ensinou sobre as nossas origens e importância que Moncorvo teve em eras passadas, quando, inclusive, foi tida como a maior comarca

Page 86: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

86

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

de Portugal. Igualmente, e já o escrevi noutras paragens, foi num documento aí publicado que vi a primeira referência escrita ao Felgar, enquanto aldeia e que informa que, em 1326, quatro moradores felgarenses assinam, como testemunhas, uma postura da Câmara que proibia a entrada do vinho de fora no concelho, enquanto houvesse vinho da vila e do seu termo. Essa referência, para ser bem compreendida, carece de oportuno enquadramento, alguma explicação e desenvolvimento em futuro trabalho.

Permita-se-me, agora, abrir um pequeno parênteses para contar um acontecimento real. Na única vez que tive o prazer de falar mais demoradamente com a homenageada, aos 25 de setembro de 2005, após a realização de uma jornada cultural na freguesia de Felgar presidida pelo seu marido, Dr. Adriano Vasco Rodrigues, sob o patrocínio da Junta de Freguesia, veio, no meio da conversa e a talhe de foice, uma alusão a esta sua obra e lembro-me, perfeitamente, de ter pedido e insistido, várias vezes, com a Dra. Maria da Assunção para a necessidade de reeditar aquela sua obra, por se me afigurar que, além da velha e quase inacessível monografia do Abade de Baçal sobre Moncorvo, de 1908, as poucas obras monográficas existentes relativas ao concelho deixavam muito a desejar. Era necessário dotar os novos investigadores de uma obra mais acessível para se ler e consultar, com riquíssimo valor histórico, fruto da consulta e transcrição das fontes originais primárias, consubstanciadas em 39 documentos de um núcleo de pergaminhos medievais do arquivo municipal. O seu valor histórico é incalculável, por abordar

Page 87: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

87

Percursos de razão e afetos

os mais variados temas e da maior importância para o dia a dia do viver num concelho medieval : os arrendamentos, delimitação de termos, feiras, moendas, barcas, posturas sobre o vinho, fintas, sisas, fornos de poia, adua, …

Afinal, por certo não pelos meus insistentes pedidos, mas pelas boas graças do Município, a dita obra, com o titulo Documentos Medievais de Torre de Moncorvo, acabou por ser lançada aos 09-06-2007, e eu, além de a ter autografada, guardo-a religiosamente na minha biblioteca, mais precisamente na prateleira das obras concelhias de leitura e consulta obrigatória.

5. Fechado o parênteses, devo dizer ainda que, da família da homenageada, além de conhecer os seus irmãos mais novos, conheço também o Jorge, o seu filho mais velho, e sempre segui com interesse o trajeto cultural e profissional do seu marido, o Dr. Adriano Vasco Rodrigues, enquanto pessoa de reconhecida craveira intelectual.

Neste, sempre admirei a sua eloquência, o seu dom da palavra e o facto singelo de, apesar de ter nascido nas terras da Beira, se considerar felgarense, condição essa que lhe adveio na dupla qualidade de, por um lado, ter casado no Felgar – cumprindo-se assim a sina e a profecia de uma cigana a qual, in illo tempore, lhe previu, ainda na sua juventude, que a sua cara metade, a sua Maria, a iria encontrar em terras d’além Doiro – , como pelo facto de, por outro lado e previamente, ter obtido a sua carta de alforria ou passaporte de felgarense ao ter pago o vinho, o que o tornou num cidadão felgarense de pleno direito. Cumpriu, assim, o uso consuetudinário ancestral que

Page 88: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

88

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

obrigava o noivo que viesse casar a terra alheia a ter de pagar o vinho, e ai daquele que o não fizesse.

É que o ato de se pagar o vinho traduzia uma arreigada tradição de cariz sócio-etnográfico imemorial, sendo um ato popular que mais não era do que a manifestação atualizada de um ritual medieval, uma espécie de antecâmara da obrigatória entrega das arras dotais. No caso de pagar o vinho, o pagamento era feito pelo noivo forasteiro a terceiros residentes na terra da noiva, que tinham direito ao cântaro ou à remeia do vinho, ou, ainda, a outras prebendas.

De facto, se no longínquo ano de 1956, aos 8 de setembro, a família Noga, e meus ascendentes, assistia ao doloroso transe do funeral do meu bisavô Francisco Manuel Noga (1870-1956), anónimo poeta local, já para a família Carqueja, por contraponto e numa clara manifestação da natural renovação do ciclo da vida, era dia de festa devido à enorme alegria que sentia com a celebração de uma nova etapa nesse mesmo ciclo: o casamento, in casu, da filha mais velha Maria da Assunção, num quadro tradicional e bem rural. Casamento esse realizado na antiga igreja matriz do Felgar, na velha e acanhada Praça, ainda com os frondosos olmos junto a ela, com o centenário rego da água – autêntico cartão de visita da nossa terra – a levar a água em abundância ao renovo das hortas limítrofes e a matizar a canícula do dia, com a velha e inclinada calçada, com o vasto préstito trajando a preceito e acompanhando os noivos no primeiro dia do resto das suas vidas pela Rua Direita até à Curralada, local da residência da noiva e do copo de água, e com os demais olhares dos habituais mirones, curiosos pelo

Page 89: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

89

Percursos de razão e afetos

acontecimento, e algum rapazio a acompanhar, prontos para a ansiada arrebatinha dos tostões, dos rebuçados e da entrega dos tremoços.

6. Ademais, que hei-de dizer da sua obra publicada, dos seus artigos e, em especial, da sua poesia que a critica justa e imparcial já o não saiba ou o não tenha dito?

Por especial obséquio e atenção, a Dra. Maria da Assunção tem-me oferecido os seus livros de poesia, desde o Versos do Meu Diário, o Porquê mais que nada? e Jardim da Alma. Apesar de não ser especialista em tal matéria, muito me tocou a entrega, em mão, do livro Os tempos do Tempo, e tenho de realçar o orgulho que sinto ao ver o nosso Felgar ser tratado com a atenção, métrica correta, sentimentalidade e consideração que merece e vê-lo, ainda, retratado com saudade de uma forma tão clara, tão sincera, tão autêntica, tão bem delineada nos poemas intitulados,“Tempo de memória”, “Aquele macho”, “Tábua de costura”, “Nostalgia”, “Luar da minha aldeia”, “Aldeia pequenina em que nasci”, “Lembranças de criança”, poema este dedicado ao seu irmão e nosso Amigo, também com vasta obra publicada, o Professor Doutor Hernâni Carqueja.

Fez pois, muito bem, minha cara conterrânea, ao deixar-nos este legado, dando forma e devida publicidade aos seus desabafos íntimos. Seria deplorável que eles ficassem para sempre sepultados em folhas pessoais, manuscritas e reservadas que, depois de lidas pelo grupo restrito familiar, não mais se procuram ou raramente se manuseiam. Seria mal feito conservar em eterno descanso ou perpétuo esquecimento, poemas que tantos ensinamentos encerram.

Page 90: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

90

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Trazendo-os à luz do dia e legando-os a um vasto público, a Senhora Dra. Maria da Assunção Carqueja mostrou o seu Amor pelos seus e pelo Felgar. E isto merece aplauso. E o Felgar, reconhecido, agradece. Bem-haja!

Page 91: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

91

Percursos de razão e afetos

ABRAÇOS VELHOS EM SOPROS NOVOS

Céu Cavalheiro Ponce Dentinho*

Lembro a Assunção, essencialmente, com juventude e determinação, quer dizer, romantismo e realismo, montanha e Escola...

Coimbra a recebeu. Ali crescemos juntas, Universidade e Alta, à velha maneira de lá, alfarrábios incríveis e aulas espantosas (ou monocórdicas!). Ali se formaram carateres e amizades eternas.

Depois chegou, em tarde especial, um colega especial e... pronto, a Assunção abstraiu tudo à sua volta!

Dele, tenho uma fotografia com a sua noiva no dia do casamento. Dela, dois livros de poesia. E, sobretudo, tenho a longa amizade que me leva a rabiscar estas linhas, à toa e à pressa, para este, também, notável alfarrábio, num testemunho pequeno mas repleto de abraços velhos em sopros novos, à moda, estes, do nosso “Penedo da Saudade”.

* Colega de Faculdade de Maria de Assunção Carqueja.

Page 92: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 93: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

93

Percursos de razão e afetos

A CULPA FOI DA DOUTORA...

Elvira Cunha de Azevedo Mea*

Conheci a Senhora Dra. Maria da Assunção Carqueja quando tinha doze anos e iniciei o meu terceiro ano, no Liceu Carolina Michaelis, no Porto – era a minha Professora de História.

Gostámos logo dela porque era nova (havia poucas no Carolina), sorridente, não gritava e eu, pessoalmente, gostei porque tinha o cabelo encaracolado como eu e tinha a coragem de não o alisar e eu não.

A Dra. Maria da Assunção percebeu muito depressa que eu devorava livros, pelo que, au passant frequentemente me dava dicas para leituras de História na biblioteca, onde descobri as biografias.

Tive uma imensa dificuldade em perceber o porquê da mitologia, o que, com muita paciência, ela conseguiu explicar-me; nunca esqueçerei as gravuras, quadros, objetos que levava para a aula, um método diferente, que

* Aluna de Maria de Assunção Carqueja.

Page 94: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

94

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

me encantava, até porque ela nos deixava mexer neles, havia uma componente lúdica no seu modo de ensinar, muito raro naquele tempo – estávamos nos anos sessenta.

A Dra. Maria da Assunção continuou a ser minha Professora de História até ao fim do liceu e ao longo desses anos continuámos a estar motivadas com os vários programas que íamos dando, não obstante o maçudo Matoso, pois quando íamos estudar pelo manual, já as nossas cabeças tinham uma ideia do conteúdo mais humanista, eclético, em que as variantes de relacionação eram incomparavelmente mais amplas e compreensíveis.

Aprendíamos uma História de pessoas, de vidas, portanto onde as vertentes política, económica, social, cultural se cruzavam, já que a Dra. Maria da Assunção privilegiava a compreensão, apelava e desenvolvia-nos o espírito crítico, a memória vinha por arrastamento e sem esforço.

Ela conseguia diluir a visão duma História de Heróis, típica do Regime, numa História de pessoas, feita por todos, inclusivamente e com muita inteligência, entrando na História do quotidiano, na História Cultural e das Mentalidades, muito mais motivante para adolescentes, passando depois para as outras perspetivas.

Penso que a minha vida mudou quando ela nos começou a introduzir na investigação, ainda que linear, bibliográfica e de acordo com a nossa idade. Siderou-me quando disse pela primeira vez mais ou menos isto:

A História está sempre a fazer-se e a Historiografia também porque sendo a História uma Ciência Humana,

Page 95: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

95

Percursos de razão e afetos

depende dos olhos de quem a vê; enquanto nas Ciências exatas, dois mais dois são sempre quatro, a História engloba tantas variáveis que o seu labor é infinito, nunca acaba, as suas interpretações imensas, o que não quer dizer que não seja uma ciência rigorosa”.

Assim, não foi novidade a minha escolha em seguir História no 6.º ano do liceu, onde a Dra. Maria da Assunção continuou a ser minha Professora e a fazer parte das minhas referências.

Nós conhecíamos o marido, que a ia buscar frequen- temente e aprovávamos a escolha – era bonito, trazia de vez em qundo os meninos, o que para nós, adolescentes, era um garante de modernidade e cavalheirismo. Os rapazes do D. Manuel gostavam do Vasco, era “porreiro” e levava-os para as escavações.

Era engraçado e de certo modo um tanto transgressivo, que ele, o Vasco, do D. Manuel viessa buscar a mulher ao Carolina, algo de probido para os rapazes do mesmo liceu em relação às raparigas do Carolina, os quais nem sequer podiam estar parados em frente. Lá estava o polícia pronto para intervir mas não podia fazer nada quando o Vasco cumprimentava a Dra. Assunção com um beijo...

Entretanto, nasceu a Miriam Beatriz, juntámo-nos para um presente e tive a alegria de ser uma das três a ir à casa da Dra. Maria da Assunção e conhecer a menina.

Durante esses dois anos da alínea D (História) fomos a alguns museus, ao Arquivo Histórico e convidadas para uma ou outra conferência fora das aulas.

Page 96: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

96

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Foi assim que conheci o Senhor Amílcar Paulo, um especialista do Judaísmo, primo dos Professores, cuja investigação histórico-etnográfica me deixou encantada. No futuro seria essa a minha área de investigação, não obstante o objetivo máximo – a vida diplomática, onde ainda não havia carreira para as mulheres.

No nosso 7.º ano, a Dra. Maria da Assunção atirou mais uma pedrada no charco estagnado do preconceituoso liceu Carolina: fizemos um trabalho de investigação, em grupo, sobre o Porto e apresentámo-lo num Colóquio de Arqueologia na Faculdade de Letras.

Um autêntico choque emocional: subir aquelas escadas, pela primeira vez, com sapatos de salto, também pela primeira vez, apresentar um trabalho em público, ainda pela primeira vez; era demais para os meus dezasseis anos – sentia vertigens (e não era dos sapatos, como ironizam as colegas), tremia, a garganta seca, donde me parecia que não iria sair uma única palavra, estava gelada.

Chegou a hora, tudo se devaneceu e achei que estava no bom caminho, graças à Dra. Assunção, que nos ajudou também com conselhos práticos à inserção na Faculdade. Nunca mais esqueci o que ela disse num contexto qualquer sobre a liberdade e convivência na Faculdade (vínhamos dum liceu feminino, para muitas era uma novidade um ensino misto):

“Como pessoas e como mulheres nunca devemos fazer nada contra a nossa dignidade pessoal”.

Durante anos perdi de vista o casal Carqueja-Rodrigues e reencontrei-os quando resolvi fazer o estágio, no mesmo

Page 97: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

97

Percursos de razão e afetos

ano que defendi a tese de licenciatura – uma vez mais me apoiaram e deram conselhos preciosos para afrontar um ano de estágio sem ter experiênca de ensino, o que na época era impensável; a própria orientadora, de início, sugeriu que eu desistisse.

Tudo correu bem e, curiosamente, ao lecionar os anos experimentais do 7.º, 8.º e 9.º anos tive a Miriam Beatriz Carqueja Rodrigues como aluna, um acaso que juntava o afeto à responsabilidade de ter a filha de pessoas tão especiais ao meu cuidado.

Entretanto, a família foi para a Bélgica, a carreira do Professor Vasco Rodrigues e da Dra. Maria da Assunção continuava, cada vez mais empenhados, e já nos fins de oitenta, num dia de inverno, muito próximo do Natal, encontro o Professor Vasco Rodrigues, junto à Assembleia da República.

Eu saía do Arquivo da Torre do Tombo com uma amiga, vimos uma carrinha dum conhecido importador de bacalhau que fazia entregas aos deputados e perguntámos se vendiam bacalhau. Responderam-nos com uma gargalhada que era um presente para os deputados do CDS... E nós, rindo, retorquimos que também éramos do partido mas não deputados e, portanto, ainda precisávamos mais do bacalhau. Eis quando aparece o Professor Vasco, que me faz uma grande festa e se inteira da situação; pede-nos para esperarmos um pouco para encetar um curto conciliábulo com os senhores da carrinha...

Depois, bem, depois vimo-nos cada uma de nós com um enorme bacalhau na mão e os desejos dum Santo Natal.

Page 98: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

98

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

O percurso pela Rua de S. Bento até encontrarmos uma mercearia que cortasse e embrulhasse os ditos cujos, foi um espetáculo, com toda a gente a olhar-nos e comentar o aspeto dos bacalhaus – enormes, com uma óptima cura.

Só muito tempo depois é que pensei que provavelmente quem ficou sem bacalhau foi o deputado Vasco Rodrigues.

A Senhora Dra. Maria da Assunção e o Professor Vasco Rodrigues continuaram a trabalhar, a investigar, a publicar e a ajudar os outros, muitos jovens. Inclusivamente, a sua presença na vida cultural da Beira e Trás-os-Montes é bem visível com publicações, conferências, visitas culturais, etc.

Porém, já só no século XXI é que soube que a minha Professora de História era poetisa – tive o prazer de ler dois dos seus livros.

Em 2007, numa visita a Torre de Moncorvo vi na Biblioteca e Arquivo alguns textos medievais sobre a terra, tirados da tese de Licenciatura da Dra. Assunção. Mal cheguei ao Porto contactei-a para a felicitar pelo ineditismo da dissertação e pedir-lhe que a publicasse, como queria a Biblioteca. Tive a honra de prefaciar a sua “nova” publicação, que continuava atual.

Data de então também a minha leitura da sua obra filosófica, de grande qualidade, fruto duma rigorosa investigação, reflexão e, naturalmente, dum conhecimento e experiência ímpares, fruto duma vivência rica em locais muito diferentes.

Neste apanhado de pedaços de recordações diversas, escolhi de propósito, o quotidiano, em que realmente a personalidade tão humana, a riqueza espiritual e a dádiva

Page 99: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

99

Percursos de razão e afetos

aos outros caracterizam a Dra. Maria da Assunção e o Professor Adriano Vaso Rodrigues.

Acerca do seu alto gabarito intelectual e científico falam as suas obras.

Qualquer homenagem que lhes possamos fazer fica sempre muito aquém do que fizeram sempre pelos outros.

Mesmo sem ser mandatada, estou certa que muitos jovens que lhes passaram pelas mãos nunca os esquecerão, lhes estão gratos por tanto terem contribuído para a sua formação e para a construção duma escala de valores de que se orgulham na sua vivência profissional e humana.

Bem-hajam!Pela minha parte posso dizer que a minha dedicação

à História, o meu perfil de Professora, cidadã, mulher e mãe, em que me sinto realizada, muito deve à Senhora Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues.

Ora bem, a culpa disto tudo é da Dra....

Page 100: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 101: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

101

Percursos de razão e afetos

HOMENAGEM A DOIS CONTERRÂNEOS ILUSTRES

Fausto Afonso Pontes*

Perguntaram-me há pouco tempo se eu estaria disposto a associar-me à homenagem que em Moncorvo se estava a preparar aos Profs. Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues, nossos conterrâneos, respetivamente por nascimento e por casamento. Apesar de em meados e fins da década de sessenta nos termos cruzado algumas vezes, em Luanda, em eventos de natureza cultural, não me apercebi na altura da nossa origem moncorvense comum, nem sequer mais tarde quando conheci trabalhos de ambos, na investigação histórica e arqueológica do nosso concelho. Só recentemente, ao ler algumas poesias da Professora Maria da Assunção no quinzenário Pinhel Falcão (onde eu também publiquei algumas), me chamou à atenção a excelência dos seus poemas e reparei no apelido de seu pai, amigo do meu e meu também. A confirmação da identidade foi feita pelo diretor daquele periódico, e se a admiração já

* Médico. Professor Catedrático da Universidade de Coimbra (jubilado).

Page 102: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

102

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

existia em mim, ela foi reforçada pela simpatia cúmplice que as mesmas raízes geram entre transmontanos.

O convite acima referido fez a ocasião para que eu obtivesse algumas obras dos homenageados, e embora sem outros pergaminhos além do meu interesse por quanto diz respeito à nossa terra, atrevi-me a aceitar o convite e participar com este modesto texto para esta homenagem.

Li e reli boa parte da obra de cada um e de ambos, e não posso senão agradecer a oportunidade de as conhecer e apreciar.

Os Professores Maria da Assunção e Adriano Vaso Rodrigues, distinguiram-se no ensino da História e da Filosofia, fizeram trabalhos notáveis no âmbito da investigação arqueológica, e surpreenderam por fim com a invulgar qualidade das suas produções literárias, respetivamente a poesia e aquilo a que eu chamaria as crónicas da sua vida e dos seus trabalhos em Angola.

A boa arte no ensino da história e da filosofia não é – ou não era no meu tempo – muito comum. Os alunos do liceu só conseguiam gostar verdadeiramente delas, e estudá-las devidamente, quando deparavam com um professor que a estas disciplinas desse vida e os transportasse às diferentes épocas do passado ou aos assuntos da filosofia, se fizessem dos alunos como que espectadores contemporâneos e críticos ativos daquilo que então ia sendo contado, exposto e ensinado.

Page 103: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

103

Percursos de razão e afetos

O testemunho da habilidade que nesse domínio foi reconhecida à Professora Maria da Assunção por uma sua antiga aluna e hoje distinta professora universitária, que lhe atribui o seu próprio interesse e gosto por essas disciplinas, é elucidativo.

São-no igualmente os livros Noções de Filosofia e História da Civilização da sua autoria ou participação.

Relativamente aos méritos que o Professor Adriano Vasco Rodrigues revelou sempre na docência, além do seu conhecido curriculum, falaram-me colegas meus que foram seus alunos na Guarda, os quais são ainda hoje, além de admiradores, seus amigos pessoais. Alguns deles, meus parentes, continuam a ser estudiosos da História e, quando vem a propósito, discutem-na como se fossem académicos entendidos!...

Nos estudos de investigação arqueológica, ambos foram, em grande parte dos trabalhos, colaboradores um do outro.

Curiosamente eu tive como Professor, durante alguns anos no liceu Alexandre Herculano, o Padre Dr. Domingos de Pinho Brandão, que todos admirávamos muito. Lembro- -me que vários de nós, depois de termos concluído o 7.º ano, ficámos no Porto para o ajudar a catalogar a sua vasta biblioteca pessoal, que guardava nos seus aposentos no andar superior da Igreja dos Clérigos, onde residia, e que queria transferir para o Seminário Maior do Porto, de que fora nessa ocasião nomeado Reitor. Durante muitos anos, mesmo enquanto Bispo de Leiria ou do Porto, ele era nosso

Page 104: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

104

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

convidado nas reuniões anuais que sempre fizemos desde então, e continuamos fazer. Só deixou de comparecer quando a morte o levou. Ele contou-me do estudo em que participou em Sta. Cruz da Vilariça, e que o Professor Vasco Rodrigues lembra. Saber ouvir – e entender – a linguagem das pedras adormecidas (mas não mortas), não é certamente fácil, mas deve ser fascinante. E deve ser compensador quando se pode oferecer, à comunidade interessada que fala só a língua de hoje, a história que aquelas pedras ali repetem desde há muito tempo.

O mesmo se pode dizer dos documentos do velho Baú da Câmara de Torre de Moncorvo, que a Professora Maria da Assunção estudou e traduziu da escrita arcaica para um Português mais corrente. São agora acessíveis como elementos muito interessantes que completam o nosso Bilhete de Identidade como povo, e valem tanto como os dados da origem individual de cada um de nós.

Às vezes penso que há, nos métodos científicos da investigação arqueológica, alguma coisa de parecido com os processos que usamos na Medicina quando, partindo dos dados da sintomatologia ou da exploração física ou instrumental no estudo de um doente, procuramos construir um quadro lógico no qual se encaixe o diagnóstico da doença subjacente. Em ambos os domínios, além do gosto pelo trabalho, há arte, habilidade, esmero técnico, e domínio da história natural dos processos estudados para que seja mantida a procura de quanto é visível ou se presume susceptível de ser revelado.

Page 105: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

105

Percursos de razão e afetos

A última obra literária do Professor Vasco Rodrigues, aliás a única de que neste momento disponho, é o livro De Cabinda ao Namibe – Memórias de Angola. Quando o abri e comecei a folhear e a ler, não mais pude parar: li-o assim, embora saltitando, de um só fôlego. Depois voltei ao princípio para uma leitura pausada e minuciosa. Tendo eu vivido em Angola oito anos (já descontada uma interrupção de um ano para voltar a Londres a fim de concluir um trabalho que deixara inacabado), fui durante dois anos contemporâneo da estadia do Professor Vasco Rodrigues em Luanda. A curiosidade que esta leitura me suscitou foi por isso acrescentada.

O livro está escrito numa linguagem e estilo vivos, que fazem do leitor um espectador constantemente interessado: nos mesmos acontecimentos e vivências que o autor presenciou; nas suas descrições de partes de história de Angola que conhecia num pormenor que escapava à maioria de quem lá viveu; nas referências a trabalhos e estudos que realizou no desempenho das suas funções e competências, quer no âmbito da educação, quer nos de índole arqueológica ou sociológica; nas observações de toda a ordem que soube fazer enquanto viajava por qualquer motivo naquele vasto território, “de Cabinda ao Namibe”.

O Professor Vasco Rodrigues foi para Angola numa idade em que combinava da melhor forma o vigor físico e intelectual, a maturação profissional e científica, e a capacidade criativa para a elaboração e concretização de projetos fundamentadamente viáveis e eficazes, e naturalmente ambiciosos, no âmbito da educação.

Page 106: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

106

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Seduziu-o, como confessa, a esperança de participar, com entusiasmo e dedicação, no ritmo do desenvolvimento e do progresso que Angola experimentava em múltiplos domínios naquela época.

Infelizmente, talvez porque a sua capacidade de fazer obra digna fosse logo notada e temida por quem deveria aproveita-la prontamente, deparou com incompreensível inércia e mesmo resistência ao início efetivo das suas funções específicas. A fase inicial da sua vida em Angola fê- -lo conhecer os costumes, os vícios, os esquema e enredos da pequena politica e dos políticos pequenos, mais preocupados com a preservação dos seus pergaminhos e vaidades do que com a eficácia da governação. Essa aprendizagem preparou-o para enfrentar outras dificuldades que viria a encontrar mais tarde. Curiosamente, a solução para a demora da iniciação efetiva de funções veio, de forma discreta, simples, fácil e pronta, de um humilde funcionário...

Gostei de ver lembrados no livro pessoas que também conheci e admirei, a começar pelo meu colega Dr. Salvador Rodrigues (só agora sei que era irmão do autor), o qual se distinguiu entre outras coisas, em prontamente reconhecer e enfrentar a grave epidemia de febre amarela em Angola no fim daquela década, quando antes se considerara já para sempre dali erradicada.

Eu, que nessa altura era, em part-time, diretor clínico da Gulf Oil, cheguei a consultar o Professor Zuckermman, conceituado virologiasta da Universidade de Londres,

Page 107: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

107

Percursos de razão e afetos

sobre o problema, e partilhei as informações com o Dr. Salvador Rodrigues.

Conheci igualmente o Dr. Bonfim, cirurgião de grande experiência, o Dr. Pedro Azeredo e esposa, a Dra. Luísa Melo, e o Dr. António Melo, todos de grande prestígio no exercício das respetivas profissões e em dignidade humana; e o mesmo se pode dizer da Dra. Deolinda Abreu, do Professor Engenheiro Canas Martins e de vários outros.

No Livro relatam-se episódios e histórias que, embora curtos, são ricos de significado e uma amostra de quanto a vida pode trazer.

A propósito do desvio do paquete Santa Maria, em 1960, que foi notícia em todo o mundo, é contado o drama do jovem madeirense que concluíra o 7.º ano e viajava para os Estados Unidos para frequentar um curso superior. O Capitão H. Galvão, que entretanto descobrira que ele falava inglês, mobilizou-o “ad hoc” para intérprete do grupo revolucionário, e só depois de cessada a operação militar e já sem dinheiro, pode esse jovem prosseguir no seu programa de estudos, que aliás veio a concluiu com êxito.

Uma outra história, porventura um drama muito comum, é a de “uma menina mestiça”. Um jovem administrativo fora colocado nos confins do planalto angolano, nessa altura de difícil acesso. A solidão levou-o a comprar uma jovem negrita, que lhe alegrou a solidão, a mesa e talvez outras coisas mais, nascendo-lhe uma filha. Regressou mais tarde à metrópole, e só trouxe a filha, que

Page 108: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

108

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

entregou aos avós brancos; ele próprio arrumou depois a sua vida, casando com mulher branca. Anos mais tarde, aquela filha, já casada, recebeu carta da mãe preta, que sempre chorou a perda da sua filha, da qual conseguira por fim o endereço. É possível que algumas lágrimas a filha tenha então chorado também. Umas e outras continham, como dizia o poeta, água e cloreto de sódio: as da mãe tinham certamente hemoglobina à mistura; às da filha faltava um pouquinho de coragem. As do administrativo não tinham provavelmente nem cloreto de sódio, nem sangue, nem coragem, nem mesmo água, porque a melanina da alma lhe terá secado os olhos.

O Salomão Sambade, do Peredo, ao fim de muitos anos de Angola e já em plena guerra civil, veio rever a sua terra natal. Poderia então cá ter ficado, mas disse de novo adeus ao Peredo e voltou para a mulher preta e para os muitos filhos mestiços. E lá ficou até ser trucidado pela guerra, agarrado ao trabalho e à guitarra, que sempre tocou admiravelmente. Mas o Salomão, além de músico, era um poeta, e na alma cresciam-lhe os mais nobres sentimentos.

Uma outra história, que se lê com magoado interesse, é a do inicio do terrorismo, com a reivindicação dos trabalhadores nas fazendas de algodão, seguida mais tarde do assalto à cadeia de Luanda e da chacina nos diversos locais do interior norte. Teria sido possível evitá-lo? Talvez não! Podia Portugal naquela altura fazer outra coisa diferente do que fez? Talvez não também. Mas talvez o que foi feito pudesse ter tido outro resultado se tivesse sido

Page 109: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

109

Percursos de razão e afetos

definido um programa claro e um objetivo aceitável por todos os interessados Pior do que acabou por acontecer, com o regresso de centenas de milhares de Portugueses e a mortífera e longa guerra civil angolana, é que não seria possível.

Da história mais recuada de Angola o autor recorda, com um pormenor que eu e muita gente não conhecia, a entrada da esquadra de Diogo Cão no estuário do rio Zaire, quando julgava que estava já a dobrar, como era sua esperança, a ponta sul de África. Quando reconheceu tratar-se de um grande rio e descobriu o reino do Congo, ali ficou por uns tempos. Iniciou então um processo de relacionamento com a população local, tendo embora algumas desconfianças iniciais recomendado cautelas; mas acabou por levar ao estabelecimento de relações diplomáticas, com troca de embaixadores e a criação de amizade e respeito mútuo entre a coroa Portuguesa e o Grande Soba daquele reino africano. Esse tipo de diplomacia nunca mais foi excedido em termos de eficácia, e só foi pena que não fosse mantido o espírito inicial que a enformou.

Uma outra parte da história que li com muito interesse

foi o da resistência aos invasores Holandeses, criada nas margens do Quanza, nos fortes da Muxima e de Massangano, e que foi da iniciativa e continuada e corajosa execução do aventureiro-soldado Cardonega, que a descreveu também como hábil cronista.

Page 110: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

110

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

O Professor Vasco Rodrigues, como investigador do IICA, levou a cabo vários estudos de arqueologia. Destaco dois.

O primeiro diz respeito aos túmulos dos sobas da região da Kibala, onde, depois de exéquias e rituais demorados, o corpo do soba falecido era preparado e guardado. Os túmulos eram construídos em pedra, e têm alguma semelhança com as monumentais pirâmides faraónicas do Egipto. Não custa a acreditar que tenha havido, num passado distante, alguma influência entra as duas regiões, eventualmente implicando movimentos migratórios que não terão deixado outras marcas aparentes.

Um outro estudo, que implicou várias deslocações do autor à costa do sudoeste angolano, consistiu em averiguar a origem dos restos lá descobertos de uma embarcação que aparentemente fizera a rota das Índias e naufragara no século XVII. O estudo obrigou ao levantamento de documentos históricos, onde o autor pode identificar várias dezenas de naufrágios nos séculos XVII e XVIII e depois organizar o mapa da arqueologia submarina com os sítios desses naufrágios.

Os dados encontrados permitiram a reconstituição do naufrágio daquela embarcação e do drama que envolveu os tripulantes, que terão perecido, alguns por afogamento imediato, outros mais tarde enquanto procuravam sair do deserto.

Este estudo despertou grande interesse e curiosidade, e não escapou à cobiça do governo local, que pretendia ser

Page 111: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

111

Percursos de razão e afetos

ele a pedir uma verba exorbitante, que desse para pagar um elevador da residência oficial e uma avioneta para o seu serviço, restando uma migalha, aliás bastante para custear a investigação. Naturalmente, o Professor Vasco Rodrigues suspendeu temporariamente o seu trabalho.

No desempenho do cargo do autor no âmbito da educação em Angola, realço dois projetos muito importantes:

O primeiro ocorreu-lhe quando verificou que o insucesso escolar entre os jovens africanos se devia em grande parte às dificuldades que neles facilmente se notavam no domínio da língua portuguesa quando passavam a frequentar a escola. Mais do que excluir esses jovens de novas tentativas e de outras oportunidades educativas, o autor entendeu que a solução estava em procurar realizar um esforço maior, mais precoce, e mais duradouro no ensino da língua portuguesa. E assim o propôs. Ovo de Colombo? Certamente; mas não para quem não gostou que a ideia tivesse ocorrido ao Professor Vasco Rodrigues e não ao superior hierárquico a quem cabia mandar, e que por isso a recusou.

O segundo projeto foi levado a cabo com sucesso, e consistiu na iniciativa de promover a renovação pedagógica através de cursos ou seminários, em que os professores do ensino secundário tiveram oportunidade de discutir os melhores métodos e os conteúdos mais indicados para as escolas de Angola.

Page 112: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

112

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Por fim, não posso deixar de fazer uma referência aos episódios em que o Professor Vasco Rodrigues se viu envolvido, que tanto o magoaram mas que ele enfrentou com coragem, firmeza, e grande dignidade.

Num dos casos nomeou-se o júri de revisão de provas de um aluno, nas quais ele fora reprovado. O presidente do júri (familiar do aluno) e um dos vogais pretendiam que na revisão fosse utilizado um bónus de 6,5 valores, de que se falava em Lisboa e se esperava a todo o momento em Luanda. O terceiro elemento do júri era o Professor Vasco Rodrigues, que entendia que se devia aguardar que a informação escrita desse bónus chegasse a Luanda e fosse conhecida antes de aplicado. A decisão do júri foi, por isso, adiada. Mas outra solução mais simples ocorreu pouco depois ao presidente do júri: o Professor Vasco Rodrigues foi mandado para uma missão urgente e longa para o extremo leste de Angola, e, logo que ele partiu, os outros dois elementos do júri reuniram e o aluno foi prontamente aprovado. O bónus nunca haveria de chegar.

Outro caso passou-se com um filho de um alto dirigente do governo. Reprovado pelo júri de exame e assim aparecendo na pauta divulgada num dia de manhã, foi pouco tempo depois pela presidente do júri aprovado e assim apareceu na mesma pauta na tarde do mesmo dia. Quando a professora da disciplina em causa soube desta alteração, protestou e participou imediatamente para as instâncias superiores. O Professor Vasco Rodrigues foi encarregado de fazer as averiguações necessárias, e veio a concluir que a lei devia ser cumprida e a reprovação mantida.

Page 113: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

113

Percursos de razão e afetos

O governante, com o argumento de que tinha prometido ao filho que passaria no exame, movimentou-se em inúmeras pressões, mas nem o Professor Vasco Rodrigues nem a referida professora cederam. O pobrezinho daquele pai acabou por se conformar.

Um outro caso passou-se com um filho do governador do distrito que reprovara no exame. Duas professoras diligentes reviram a prova e informaram o Reitor (familiar do governador) de que a professora que examinara a prova de Matemática, Dra. Berta Pedrosa Afonso, não tinha classificado algumas das respostas e que essa falta fora a causa da má classificação. A Dra. Berta negou ter cometido qualquer lapso e demonstrou que a prova tinha sido fraudulentamente acrescentada com respostas corretas já depois de ela a ter corrigido e classificado. O governante ameaçou-a com um processo disciplinar, que a impediria de regressar à metrópole, como previa para pouco tempo depois. O Professor Vasco Rodrigues foi indigitado para fazer as averiguações no local, e reconheceu facilmente a evidência da fraude e que a Dra. Berta tinha razão, e podia, por isso, regressar à metrópole.

Se não fosse este reconhecimento do acrescento à prova, a Dra. Berta teria sido retida, contra a sua vontade e o seu direito, em Angola.

No liceu Alexandre Herculano, do Porto, tive um professor de matemática que todos considerávamos imenso, o Dr. Pedrosa Afonso, excelente docente e pessoa honestíssima e bondosa. Chamávamos-lhe o “Pópi”, porque tinha o hábito de usar, no sumário que ditava no inicio de cada

Page 114: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

114

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

aula, a palavra “propriedades” (das equações, inequações, etc), sem que se lhe ouvissem bem os “r”, e soando por isso “popiedades”. Na comemoração do centenário daquele Liceu, há alguns anos, alguém se referiu a este professor como nunca tendo faltado, apesar de aparentemente sofrer de um problema respiratório crónico; mas faltou uma vez, propositadamente, para não ter de marcar falta a um aluno que já tinha esgotado o número legal de faltas e não podia ir naquele dia à aula.

O quarto caso é ainda mais insólito. O filho de 10 anos do autor obtivera notas excelentes em todas as provas do exame da quarta classe à exceção do ditado, onde cometeu erros na identificação de certo tipo de palavras ditadas pelo professor, que era aparentemente um tanto disléxico. Um professor da escola propôs ao Professor Vasco Rodrigues que as referidas palavras fossem substituídas pela sua forma correta a fim de que o filho não reprovasse. É claro que este, indignado, recusou liminarmente! Não há aqui um cheirinho à tentação feita há 2000 anos a um jovem profeta, no fim do retiro que fizera no deserto, pelo príncipe do Mal deste mundo?

O quinto e último caso, ultrapassou quanto antes se tinha visto em prepotência, desfaçatez, manha ardilosa, e vingança furiosa: um governante quis que o Professor Vasco Rodrigues propusesse um processo disciplinar à presumível autora dum artigo, que, sem a nomear, atingia a sua esposa, conhecida como pouco cumpridora das sus obrigações docentes. A atitude mais sensata seria o silêncio, para que o murmúrio público se extinguisse, e a mudança

Page 115: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

115

Percursos de razão e afetos

de comportamento, para desmentir a má fama entretanto criada, e esse foi o conselho que foi dado ao marido ferido. A recusa em participar nesta vingança valeu ao Professor Vasco Rodrigues uma furiosa perseguição da parte daquele governante, o qual aos berros o chegou a expulsar do seu gabinete. Espantado e magoado, poderia de algum modo voltar a acreditar no que quer que fosse? Não lhe pareceu, e bem fez ele: virou costas e regressou às origens. Reencontrou um sentido para a sua vida, o reconhecimento do mérito, e a oportunidade de ser útil no ensino em Portugal e na Europa, onde trabalhou em lugares de muita responsabilidade e prestígio.

Não é este o lugar, nem esta a ocasião, para uma referência aos complexos mas interessantes mecanismos neuropneumofonofisiológicos presumivelmente envol- vidos quando se faz poesia. Mas um apontamento breve, que diz respeito à parte respiratória deste processo, pode ajudar a compreender o interesse das regras que, ao longo dos séculos, os poetas foram construindo para satisfazer e afinar o seu gosto na expressão formal da sua composição poética em palavras escritas para serem ditas, de maneira efetiva ou imaginada.

Um verso deve ser dito durante uma expiração repousada normal, que envolve (num indivíduo adulto médio normal) cerca de 500 ml de ar dos pulmões para o aparelho fonador (laringe, faringe, boca). Havendo cerca de 12 ciclos respiratórios por minuto, e sendo a expiração (por ser passiva) um pouco mais longa do que a inspiração (que é

Page 116: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

116

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

ativa), um verso dispõe de 2,5 a 3,0 segundos para ser dito sem interrupção. Se o verso é demasiado longo, ou se se pretende dizer um ou mais versos seguidos, a expiração com que ele se diz tem de ser alongada recorrendo ao volume de reserva expiratório. Mesmo assim, se este alongamento não for excessivo, a adaptação não é normalmente difícil. Se, porém, o alongamento for maior, ou se ele se repetir vezes sucessivas, a ventilação alveoalar pode aumentar a ponto de o desvio alcalósico resultante causar um esboço de vertigem ou de dispneia, que perturba quem diz a poesia e distrai dela quem a ouve. As regras a que acima aludi estabelecem os momentos para as pausas e as bases e sinais para a cadência harmónica que a boa poesia não dispensa.

Li, deslumbrado, os três livros de poesia da Professora Maria da Assunção Carqueja. Em cada poema o tema da substância ou essência é observado, e como que dissecado, desde o conceito no seu âmbito comum, até aos limites onde pode levar a análise racional, e, neste sentido, em cada um deles está um exercício e uma lição cultural. Mas a substância está imbuída do mais íntimo e delicado sentimento, que lhe completa os contornos de real imanência da alma. Esta riqueza original encontrou depois expressão formal na musicalidade de cada verso, na escolha das palavras, na disposição das sílabas, na colocação dos acentos, na regularidade da rima, na oportunidade da metáfora mais ajustada, na precisão e construção da frase, que satisfazem a exigência artística da poetisa e deliciam quem lhe ouve ou lê a poesia.

Page 117: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

117

Percursos de razão e afetos

Quase não há tema possível que tenha escapado. Desde o tempo, que mede e acompanha a vida de quanto existe do momento em que nasce até que se extingue e tem, sobre a nossa consciência do próprio destino, um efeito dominante; até ao sentimento ou opção racional da fé; à natureza e condição do pensamento; às preocupações e posições de vários filósofos da história; à saudade do passado, quando a idade já conta; ao problema terrível da droga que destrói tantos jovens; aos diversos cenários do ambiente, como o do pardalito que vê pousar na varanda e, saltitando, bicava aqui e ali; à pobreza e solidão dos desprotegidos deste mundo, e a tantos outros: de tudo tratou a Professora Maria da Assunção com a mesma mestria e o mesmo jeito.

Para alguns dos cenários ou aspetos particulares, as expressões formais encontradas são tão lindas que elas ganham, depois disso, existência própria e a dimensão de ditados ou aforismos, que podem ser repetidos isoladamente, por quem os tenha apreciado especialmente, para introduzir e desenvolver a descrição de um novo sentimento, uma nova ideia, ou um dos membros duma metáfora. Eis alguns que recolhi, quase aleatoriamente, dos livros da Professora Maria da Assunção.

Há tanto que se pensa mas se cala,e tanto, sem pensar, de que se fala.

Se discutir Deus é tempo perdido,Não crer em Deus é vida sem sentido,

Page 118: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

118

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

A nossa vida, frágil como pena,É a penar que entra e sai da cena.

Ser Médico é ser atento, é ser nobre,Olhar do mesmo modo rico ou o pobre,Gostar de fazer bem a toda a gente.

(Hipócrates não disse melhor no seu juramento!)

Eu digo talvez mais se estou caladaOu se deixo a razão dormir em paz.

Um dia vou partir... Mas tu não chores!Contigo ficará algo de mim!

(Christina Rosseti também o disse:

When I am dead, my dearest / Sing no sad songs for me)

Ferro velho! Dum monte de projectosNão restam nem os sonhos, nem objectos,Transformados em lixo – só sucata!

Já que não posso dar-tas, mão na mão, Mando-te flores, Mãe, do meu jardim, Daquele que cultivei dentro de mim.

O Homem quer saber sempre “porquê” E leva o seu porquê ao infinito…

Page 119: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

119

Percursos de razão e afetos

Mas no limite resta-lhe só Fé, Ou ficar sufocado no seu grito!

Se se perde o jeito de sonharA vida é um triste caminhar.

Eu quero ver contigo a madrugada,Eu quero ver contigo o sol poente.

Pensar que Deus não existeÉ tornar tudo mais triste.

Queria perguntar ao CriadorPorque sofrem crianças tanta dor. Há pesadelos nos sonhosQue morrem ao despertar....Mas pesadelos sem sonhosSó se vão se se sonhar!

Vamos correr nas ruas e calçadas,Dar pontapés nas pedras levantadas,Voltar ao nosso mundo de meninos.

Apesar de muitas vezes se pretender de outro modo, as pessoas, como tudo o mais, embora possam ostentar muita coisa comum, caracterizam-se pela diversidade, e são diferentes. Mesmo que, por exemplo, a sensibilidade seja semelhante, a atenção que ela merece, o desenvolvimento

Page 120: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

120

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

que lhe é dado, o apuramento das suas variações, a expressão que para ela é escolhida ou preparada, as consequências que dela são retiradas – variam de pessoa para pessoa. E então a reunião de todos os fatores ou mecanismos da mente para chegar à construção das formas finais de a exprimir, sejam eles naturais ou espontâneos, ou aperfeiçoadas pelos esforço do estudo, do exercício e do treino, acabam por estabelecer diferenças marcadas, que distinguem as pessoas.

Na Professora Maria da Assunção, uma conjugação feliz e rara de qualidades e atributos fizeram dela um exemplo de poetisa natural. A poesia nasce nela já feita, como a água cristalina nasce na fenda da rocha e corre depois com suavidade e frescura para a fonte, para encanto de quem a lê ou ouve. Quase não foi preciso educar os processos de expressão: os poemas nasceram como as flores “do seu jardim, que cultivou dentro de si”.

Como sinal, embora muito modesto, da minha admiração pelas suas poesias, vou deixar-lhe aqui três das minhas em que recordo com saudade a minha mocidade já distante, vivida na minha aldeia de Peredo, também deste concelho de Torre de Moncorvo.

Page 121: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

121

Percursos de razão e afetos

Aldeia da minha mocidade (vista do Outono da minha vida)

Where are the songs of Spring? Ay, where are they? Think not of them, thou hast thy music too, While barred clouds bloom the soft-dying day, And touch the stuble-plains with rosy hue!

John Keats, To Autumn (1795-1821)

Onde estais, meus bons anos do passado E a vida que convosco eu já vivi? Onde irei reviver quanto senti,Num tempo tão feliz e descuidado?

Quanta pureza havia em todo o lado, Nesses anos que tanto eu conheci! Quanto, com tanto gosto, os repeti,Mais tarde em tantos sonhos acordado!

Oh! Aldeia da minha mocidade, Meu berço e referência renovada, Que a memória perfuma como a flor:

Até tu hás-de ter tanta saudade, Da vida que por ti foi tão marcada, Que só de ti eu tenho uma maior!

Page 122: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

122

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

A Torre de Moncorvo

O templo de granito amorenado, Que, há muito, gente rija aqui ergueu, Tem força que faz forte quem nasceu E à sua sombra fresca foi formado.

A parede é rochedo musculado, Que sobe a sustentar por cima o céu, E tanta robustez desenvolveu Que aos anjos dá um sono sossegado.

A torre, essa sobe alto, aos pés de Deus, E reza-lhe com sinos a tocar; E Deus, que ouve essa música encantado,

Já aqui fez, desta gente, amigos Seus: Não se cansa de a cá vir visitar E dizer que foi bom tê-la criado.

Page 123: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

123

Percursos de razão e afetos

Bright Star Parable of migration

The kingdom of Heaven (our Mother Land) Is like a youth who ventured to world large In spite of how much his dream would charge: Friendly soil and love for just dry sand. And, when already old, weak, and tormented, He returned, his whole loss he lamented.

A bright, little star in my life past Shone whil’ youth, and faith, and sight did last.

You were a little girl in early teens, And I a boy in age years of yours twins, Both natives of Eden‘s land and inns. Many thought of us as each other’s match, And so did we, you and I, very much. Although we never said words of the kind, We both knew they were in each other’s mind, And, in the other’s sight, each could them find. Our families met, when winter came, In either’s homes for the fire’s flame. One evening, when seating at the back row, We felt the warm wave coming up slow; I took both your hands to my eager lips, In a way that each of us still worships. Then I kissed them many times once,

Page 124: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

124

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

And we both loved dearly the romanceSoon later, a western school was my way;Far to northeast you went for equal stay. We ceased to see each other each day. Since then, no words ever said, you or I,On that evening which became our tie. Why should such a nice dream so soon die? Was it fear, shyness, jealousy, silence, Kind respect, or just the cruel absence? Oh! My missed, shining little bright star, How, why – my God! – did we get so afar? How, why, could I let your dear light decayAnd, with so impious time, fade away?Deaf and blind by the noisy urban waste, I have deceived you, myself, and Fate. If that past each of us review’d tomorrow, Perhaps both would weep tears of common sorrow!...

Page 125: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

125

Percursos de razão e afetos

À MULHER – MARIA DA ASSUNÇÃO

Fernanda Mota Leite*

Quero, hoje, agradecer a oportunidade que tive na vida de contactar a privar com a Mulher que, no meio das múltiplas solicitações de esposa, mãe e educadora, nunca se afastou dos seus deveres de filha amorosa, sempre presente nos inúmeros problemas que a longevidade dos seus pais acarretou.

Quero agradecer a honra de ter trabalhado com a Mulher que, como Professora, soube granjear, com a sua frontalidade, a sincera amizade dos seus alunos. Educou pelo exemplo, com compreensão e ternura, com muita humanidade mas, também, com muita firmeza. Procurou e soube corrigir na altura certa.

Por tudo o que recebi de muita amizade da Maria da Assunção, aqui lhe deixo o meu bem-haja.

* Vice-Reitora do Liceu Garcia de Orta e Metodóloga, quando Maria da Assunção exercia, também aqui, estas funções e Adriano Vasco Rodri-gues era Reitor.

Page 126: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 127: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

127

Percursos de razão e afetos

TESTEMUNHO DE UM PREITO INSCRITO NO PRESENTE E NO PASSADO

Fernando Augusto Machado*

Há dias felizes, apregoa a voz do povo quando se consegue, encontra ou conquista o que se quer e busca ou quando o acaso faz sorrir a sorte, sobretudo quando esta deixa marca perdurável de iluminação na alma. Foi assim, no Porto, numa casualidade ligada à apresentação da Revista Campos Monteiro, a última, datada de dezembro de 2009. Aí tive o privilégio de conhecer, pessoalmente, o casal Adriano Vasco e Maria de Assunção Carqueja Rodrigues. Há menos de dois anos, portanto. Eis a razão da necessidade de justificar a ousadia deste meu testemunho de reconhecimento e admiração. Faço-o de dois modos: primeiro, pelo espelho da qualidade relacional de tão curto espaço de tempo; segundo, pela memória de vivências marcantes de outrora, encostadas a imagens afetivas e motivacionais de figuras despersonalizadas mas reais que me deram chão da saber

* Professor Catedrático da Universidade do Minho (aposentado).

Page 128: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

128

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

apetecido, que tão tarde reencontrei e que aqui evoco, singelamente.

Os percursos evolutivos das línguas encerram, através das suas polimorfias etimológicas, tesouros inauditos de informação, e podem patentear fecundos sentidos de história e de cultura dos povos e da humanidade. Ora, escreve-se no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, na entrada Homenagem, que este é termo que proveio do provençal ou, talvez antes, do antigo francês omenage, derivando este do latim hominaticu-, de homine-, «homem»… Assim, celebrar homenagem será, antes de mais, o reconhecimento de se ser Homem, realçando neste a superioridade que o distingue, por essência, do animal não homem. Por decorrência, e transpondo o paradigma da espécie para o conjunto dos indivíduos que compõem esta, será susceptível de homenagem o indivíduo que adquira realce assinalável no quadro da essência e realizações relativamente aos seus pares na espécie! Tudo, então, no caso presente, se torna claro relativamente ao ato que nos propusemos realizar relativamente ao Professor Adriano, homem, e à Dra. Maria de Assunção, mulher. E registo a diferença de géneros porque a própria evolução etimológica acabou por consagrar bem cedo, mais prematuramente do que o aparecimento dos frutos da longa luta pela igualdade, a necessidade de eliminar a discriminação para tão honroso ato, adoptando o termo, à revelia da raiz que o sustentava, o género feminino, antes do ano de 1289: a homenagem, palavra de género feminino. Nesta base, fácil é provar, quer pela estrutura essencial que os caracteriza o casal em causa

Page 129: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

129

Percursos de razão e afetos

– inteligência, sentimentos e valores – quer pelo esteio substantivo dos registos de vida conhecidos e que dão corpo àquela essência, que tem toda o sentido e se impõe o nosso preito a estas duas destacadas figuras nacionais e da nossa região.

O quadro destes registos, não de todos, naturalmente, mas dos mais públicos, é conhecido: a relevância da inteligência e seus usos, notada na fecunda e variada investigação científica e cultural, na invejavelmente fértil produção intelectual, na criação poética, na arte e no rigor pedagógicos; a solidez e grandeza dos afetos que sustentam uma tão prolongada quanto viva relação mutua edificativa e exemplar e que irradia de forma tão transparente para todo o círculo humano envolvente, quer se tenha o privilégio da sua amizade, se seja tão só conhecido ou se esteja simplesmente presente; a elevação dos valores que se torna patente quer no pujante esteio humanista que trespassa os seus pensamento, escrita e ação, quer no continuado exercício de cidadania nos campos científico e cultural, social e político nos mais variados vetores, de muito diferentes formas e em campo nacional e estrangeiro. O Caderno Especial de Homenagem que a Revista Altitude de outubro de 2009 (n.º 12, IIIª Série) dedica ao Dr. Adriano Vasco Rodrigues e o n.º 1 da Revista CEPIHS (Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social, janeiro de 2011) que é dedicado ao casal e que o consagra como patrono da associação nascente, fornecem dados suficientes para a solidez destes juízos e valorações. Enfim, a curta convivência presencial que tive com os

Page 130: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

130

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

homenageados, embora lamente a curta experiência, não prejudica a qualitativa e subida representação construída.

Não queria, contudo, deixar de testemunhar o meu apreço por casuais e despersonalizados encontros do passado. De facto, a circunstância do encontro presencial atrás referido conduziu-me à lembrança de uma espécie bibliográfica presente e cuidadosamente guardada numa prateleira da minha biblioteca que acolhe alguns exemplares mais estimados do meu percurso estudantil. Foi lembrança que confirmei no próprio dia do encontro, e que compulsei vagarosamente e com emoção. Trata- -se dos dois volumes da História Geral da Civilização, ou melhor, do primeiro volume, que o segundo foi-se num empréstimo não retornado. É uma 3.ª edição melhorada, como o rosto regista. Lá está o autor, Adriano Vasco Rodrigues, Professor Efetivo do Liceu de Nova Lisboa e ex-Professor no Liceu Normal do Porto! Lá estão os meus sublinhados quase contínuos, sintomáticos de julgada importância de quase tudo o que no volume estava escrito, e as margens todas anotadas com literatura empobrecida relativamente ao texto original, ali tão perto! E lembro-me de parar nos “Textos e Documentos”, ilustrativos da rubrica “A Cultura Científica Grega”, que faziam seguir o célebre e curioso Juramento de Hipócrates, de um texto sobre música grega, com explicações fantásticas e ilustração pautal com claves de sol e de fá! Quanta investigação, quanta leitura, quanto poder de boa seleção para que os alunos não se enfastiassem e tivessem boa base de aprendizagem! Celebrei, então, com emoção, o reencontro, recordando

Page 131: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

131

Percursos de razão e afetos

o prazer do texto, para usar expressão de Roland Barthes, as discussões da matéria que ele me proporcionou com o amigo e colega de quarto, o António Caldeira Azevedo, a suculenta aprendizagem que me proporcionou e até o sucesso em exame que me garantiu! Pois bem, para além da modernidade dos objetivos e metodologias que a obra apresenta, modernidade que logo nos Prefácios das três edições se adivinham e que a globalidade da obra mais ainda demonstra, lá aparece, no fim do Prefácio da segunda edição, a referência que confirma que, afinal, se tratou já, há tanto tempo, de um encontro a três: eu, o Professor Adriano e a Dra. Assunção. Diz-se lá “Seria injusto se não deixasse aqui uma palavra de reconhecimento para a minha esposa, também professora de História, no Liceu, que colaborou na pesquisa bibliográfica e na revisão do texto” 1. Foi um encontro despersonalizado, é certo, mas longo e intenso, com marcas na alma que hoje compartilho com reconhecimento, satisfação, orgulho e saudade.

Recorro, para remate deste curto e simples texto, ao dizer que só a pena primorosa e criativa dos poetas é capaz de exprimir e que a de Maria de Assunção Carqueja tão sensivelmente escreveu no poema Tempo de Memória:

Às vezes fecho os olhos, pois agora,Vejo melhor o que já vi outrora!2

1 O sublinhado é da minha responsabilidade.2 Maria da Assunção Carqueja, Os tempos do Tempo – Poemas. Editor, Adria-no Vasco Rodrigues, 2005, p. 17.

Page 132: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 133: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

133

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO RODRIGUES UM BEIRÃO CIDADÃO DO MUNDO

Francisco Ribeiro da Silva *

As boas e gratas gentes da Torre de Moncorvo muito justamente querem prestar homenagem a um casal exem- plar, com raízes na região, assumidas, nunca esquecidas, sempre transportadas para o exterior, nos diversos sítios do Mundo aonde as vicissitudes da vida os levaram: Felgar, Guarda, Porto, Coimbra, Lisboa, Angola, Bélgica, etc. Por isso, e pelos valores com que programaram as suas vidas, Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues, lusitanos de gema, merecem o epíteto de cidadãos do mundo.

Convidado a escrever algo para o evento, faço-o com muito agrado e centrarei a minha atenção no curriculum do Professor Adriano Vasco Rodrigues, sem deixar de exprimir a minha profunda admiração pela Professora, ensaísta, escritora, poeta e mãe que é Maria de Assunção.

O Curriculum Vitae de Adriano Vasco Rodrigues é de tipo poliédrico e, como tal, constituído por várias faces.

* Professor Catedrático da Universidade do Porto (jubilado) e seu Vice-Reitor entre 2001-2006.

Page 134: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

134

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

I – Começarei por dar relevo aos aspetos que vincam o seu ideal humanista e humanitário, sublinhando

a) O seu espírito de tolerância e abertura Embora seja um especialista dos estudos sobre Judeus em Portugal (como bom beirão que é) e fundador da Associação de Amizade e Relações Culturais Portugal-Israel, isso não o impediu de fundar uma Cadeira de Islamismo na Schola Europaea de que foi Diretor e de ter defendido, como deputado na Assembleia do Atlântico Norte, as minorias muçulmanas da Rússia. Acrescentarei que a dita Escola, durante a sua Diretoria em 1994 foi distinguida com o título de Escola Sem Racismo. É importante lembrar que era, então, frequentada por jovens de 32 países.

b) O seu espírito de cidadão do mundo levou-o a celebrar então um protocolo com a Rússia que previa o intercâmbio de alunos e professores e iniciou diligências para um protocolo semelhante com a China.

c) Provavelmente foi o seu espírito altruísta que o levou a deixar o conforto da terra e o levou para a África, mais concretamente para Angola (1965- -1969), onde exerceu as altas funções de Inspetor Provincial Adjunto do Ensino e onde levou a cabo importantes missões científicas ao serviço do Instituto de Investigação Científica. Entre 1966

Page 135: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

135

Percursos de razão e afetos

e 1969 dirigiu frutuosas escavações nesse grande país lusófono e tornou-se um profundo conhece-dor e divulgador da arte angolana.

d) Militância pelos direitos humanos – Sendo deputado para a Assembleia do Atlântico Norte (1981-1983) e tendo sido eleito Relator para a livre circulação de pessoas, trabalhou em favor do respeito pelos direitos humanos na Polónia, na Rússia; integrou a task force que tentou fomentar o regresso à democracia na Turquia. Não admira que a subcomissão a que pertencia tivesse sido recebida e acarinhada pelo Papa João Paulo II, o qual lhe ofe-receu uma medalha que foi colocada na Exposição. Na mesma ordem de preocupações, julgo dever situar a sua atuação (1981-1988) como Presidente em Portugal da Associação Internacional para a Defesa das Democracias.

e) As suas preocupações humanitárias vêm de longe e levaram-no a muito precocemente, em 1973, a frequentar um estágio na Hermann-Hesse- -Schule, em Frankfurt, para reintegração social de jovens drogados e a participar em Genève num seminário sobre anti-semitismo, sob o patrocínio do Ministro da Educação o Professor Veiga Simão, ilustre filho desta terra.

Page 136: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

136

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

II – Profissionalmente, Adriano Vasco Rodrigues é, sobretudo, um Professor e um Pedagogo

Preparou-se bem para a função docente não só sob o ponto de vista pedagógico como científico. Na busca de uma boa base de preparação profissional e na sua dedicação ao trabalho, constitui um verdadeiro exemplo para as novas gerações de professores e de profissionais de outros ofícios. O Professor Adriano, nesse aspeto, tem feito aquilo que se chama na linguagem universitária atual «a aprendizagem ao longo da vida». De facto, para além da preparação corrente obtida na Escola do Magistério e na Universidade de Coimbra, frequentou um sem-número de cursos no estrangeiro que lhe deram bagagem substancial, numa época em que a mentalidade era a de obter o canudo e depois colher os respetivos rendimentos.

Vejamos: curso de língua e cultura espanhola na Universidade de Santiago de Compostela, especialização em arte medieval na mesma Universidade, estágio na Universidade de Bona em técnicas de arqueologia tridimensional; frequência de um curso intensivo de inglês para Professores do ensino secundário; participação em simpósios científicos em Pretória e em Leida (Holanda); frequência de seminários sucessivos na Inglaterra, na Dinamarca, na Bélgica e na Alemanha que lhe deram segura vantagem quando se candidatou a Diretor da Schola Europaea, como veremos.

E percorreu todos os graus de ensino.

Page 137: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

137

Percursos de razão e afetos

Foi Professor do Ensino Primário, no Porto entre 1951 e 1956.

Durante esse período, sem deixar de trabalhar, licenciou-se em Ciências Históricas e Filosóficas pela Universidade de Coimbra, completando essa formação com o Curso de Ciências Pedagógicas que o habilitou a transitar para o ensino liceal. Nesse nível percorreu todos os degraus, desde Professor eventual até Presidente dos Exames de Estado para Professores e Orientador Pedagógico Regional da disciplina de História.

E não se limitou a ensinar. Elaborou um Compêndio de História, História Geral da Civilização, em dois volumes, para os alunos do 3.º ciclo que foi muito conhecido na época. Aliás, conheceu 8 edições entre 1962 e 1975.

E como não poderia deixar de ser, foi Professor do Ensino Superior Universitário.

Primeiro (1958-1962), no Centro de Estudos Huma- nísticos, anexo à Universidade do Porto, colaborando dessa forma com a sua quota parte para que viesse a ser fundada a minha Faculdade, a Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Depois, na Universidade Livre do Porto, entre 1978 e 1982.

Finalmente, na Universidade Portucalense Infante D. Henrique desde 1986, lecionando Cadeiras nas áreas da Arqueologia, da Numismática e da História da Arte.

Como pedagogo de eleição e gestor escolar, organizou e foi Reitor do Liceu Garcia de Orta na cidade do Porto,

Page 138: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

138

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

que na época (1969) foi um liceu piloto porque se nele iniciou uma experiência que hoje é normal mas que então parecia um risco: a coeducação de rapazes e raparigas. O Liceu Garcia de Horta foi o único liceu do país que não teve a Mocidade Portuguesa e que fechou no dia 25 de Abril de 1974 a pedido do MFA, feito ao Professor Adriano Vasco Rodrigues pelo Major Herculano Matos que fora seu colega no Liceu da Guarda.

Outra medida pioneira foi a criação de um Infantário para acolher filhos de professores e funcionários e, eventualmente, irmãos infantis de alunos que deles fossem amparo indispensável.

Tudo correu muito bem e, ainda hoje, a Escola Secundária Garcia de Orta mantém elevados padrões de qualidade.

Desde 1 de setembro de 1989 até 1 de setembro de 1996, na sequência de candidatura internacional e por nomeação do Conselho Superior dos Representantes da educação dos países da então CEE exerceu o alto cargo de Diretor da Schola Europaeia. Tendo cessado funções em 1996, passou a usufruir do título de Diretor-Jubilado dessa Escola.

As suas capacidades de gestor escolar indigitaram-no

para Diretor-Geral do Ensino Particular e Cooperativo, numa época (1983-86) em que se exigia do titular deste cargo grande equilíbrio, ponderação e alguma coragem,

Page 139: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

139

Percursos de razão e afetos

dada a conjuntura difícil para o ensino privado de nível secundário. Era Chefe do Governo o Dr. Mário Soares.

A qualidade do seu desempenho foi reconhecida por público louvor do Ministro da Educação.

III – O Homem de cultura e o investigador

Outra faceta notável do nosso querido amigo é o gosto e a propensão para a investigação científica e para a divulgação.

Investigou nos domínios da Arqueologia, da História de Arte, da Numismática, da Antropologia, das Sociedades Judaicas em Portugal e até da Literatura. Refira-se pela sua importância e prestígio a direção do Gabinete para a recuperação do Teatro Romano de Lisboa (1986-1989) de que foi feito um estudo publicado pela Ordem dos Engenheiros. Lembre-se ainda que na mesma época obteve equiparação a bolseiro para um projeto de investigação sobre cultura e arte africanas. E não esqueceremos os trabalhos de prospeção arqueológica que muito cedo (1960-1989) levou a cabo nos concelhos da Meda, de Torre de Moncorvo, do Sabugal, de Figueira de Castelo Rodrigo e da Guarda, principalmente Mileu e Cabeço das Frágoas, onde se descobriu uma curiosa inscrição lusitana.

Divulgou o que ia investigando e aprendendo. Divulgou como? Organizando e participando em

Congressos, inclusive servindo como secretário-geral – o que demonstra toda a sua capacidade de servir.

Page 140: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

140

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Do mesmo modo, fez divulgação da ciência e da cultura através de conferências, palestras e comunicações.

Divulgou ainda através de várias e sucessivas Exposições e da organização de cursos sobre os temas da sua predileção: exposições de arte africana, no Porto e no Museu da Guarda; na Escola Europeia; em Potsdam, na Alemanha; na Universidade Portucalense, em Almeida.

Divulgou planificando filmes, como foi o caso de uma película muito sugestiva sobre a presença judaica em Portugal, produzida para televisão e apresentada em Tel Aviv em 1989.

Divulgou colaborando na criação do Museu Judaico, em Belmonte, no qual cerca de 90% das peças são da família dele e de sua Esposa Dra. Maria da Assunção Carqueja. Aliás, foi ali criado o Centro de Estudos Judaicos a que deram o nome de Adriano Vasco Rodrigues.

Divulgou fundando ou dirigindo revistas científicas como foi o caso da Lucerna de que foi fundador e co--diretor, da Revista de Ensino em Angola de que foi diretor e da revista Altitude de que foi diretor desde 1978 até 2008.

Divulgou escrevendo livros, ensaios e artigos. Para além dos artigos de jornal, cujo número provavelmente ele próprio ignora, é autor de mais de 100 títulos. Colaborou desta forma em várias revistas de que destaco:

Nummus, Horizonte, Zephyrus (Universidade de Sala-manca), Humanitas, Revista de Guimarães, Studium Generale, Beira Alta, Labor, Lucerna, Altitude, Revista de Engenharia, Revista de História, Africana, Revista de Ciências Históricas,

Page 141: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

141

Percursos de razão e afetos

Museu, Amigos do Porto, Praça Velha (Revista do Município da Guarda), OR (palavra hebraica que significa luz) de que foi Diretor e, obviamente, na Revista CEPHIS.

Colaborou ainda nas Enciclopédias Verbo e Luso--Brasileira, no Year-book da Europese School da cidade de Mol, de que foi Diretor, no Bulletin Pédagogique da Scolla Europea.

Alguns dos seus trabalhos foram traduzidos para neerlandês e francês (Universidade de Dijon).

Escusado será dizer que muitos dos seus títulos versam sobre temas da Guarda, sobre a história de Felgar e das Terras de Torre de Moncorvo e de outros lugares importantes das Beiras. Os seus inúmeros artigos visam dar a conhecer e valorizar o património. Mas não menos importante é a preocupação de despertar as pessoas para a riqueza cultural da região.

Como homem de Ciência, é sócio de várias academias.

Permitam-me que saliente aqui a Academia Internacional de Cultura Portuguesa, a Sociedade de Geografia de Lisboa, a Associação Portuguesa de Estudos Judaicos, a Associação Brasileira de Folclore, a Academia José Moreira da Silva, na qual representou a Universidade Portucalense, o Grupo de Arqueologia Naval do Noroeste, a Sociedade Portuguesa de Numismática, a Cooperativa Árvore (no Porto) de que foi fundador, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, de que foi Presidente.

Page 142: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

142

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

IV – O cidadão interveniente – o homem do serviço público

Na personalidade polifacetada e dinâmica de Adriano

Vasco Rodrigues não poderia faltar a dimensão do homem público, do político no sentido de agente e zelador do bem público. Exerceu tarefas e cargos políticos tanto a nível local, como nacional e, também, internacional.

A nível local – foi Vereador independente da Câmara do Porto.

Foi Governador Civil do Distrito da Guarda em cujo exercício deu provas do seu espírito aberto e partidariamente isento. A valia do seu desempenho foi publicamente reconhecido pelo louvor conferido pelo, então, Ministro da Administração Interna. Quando, descontente com o comportamento de membros do governo em relação ao Distrito da Guarda, todos os Presidentes das Câmaras do Distrito, de várias cores políticas, reunidos no Sabugal, pediram ao recém-eleito Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares, que o convidasse para o mesmo cargo. Foi de facto convidado, mas por razões de coerência não aceitou.

A nível nacional, foi Deputado da Assembleia da República (1976-1983) onde proferiu cerca de uma centena de intervenções e onde, como Membro da Comissão de Educação, desenvolveu magníficas tarefas em prol da elaboração de leis importantíssimas, como a Lei de Bases do Sistema Educativo e Reforma do Estatuto das Universidades, para além de ter desempenhado papel

Page 143: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

143

Percursos de razão e afetos

ativo na preparação da criação das Universidades de Trás-os-Montes e Alto Douro e da Beira Interior.

A nível internacional, foi membro da Comissão de Educação da Assembleia do Atlântico Norte, onde foi Relator do Subcomité de livre-trânsito de pessoas e informações, preparando, de certo modo à distância o que viria a ser o Acordo de Schengen. Sublinhe-se, mais uma vez, o papel importante que aí teve na defesa dos direitos humanos e em prol da melhoria das relações leste/oeste.

V – Não poderia terminar sem sublinhar outra faceta exemplar: a participação cívica em movimentos associativos e cooperativos ligados ao Ensino, à Cultura, ao Fomento Regional. Como já referi, foi Fundador da Cooperativa Árvore no Porto (que tem sido de uma produtividade exemplar e pioneira em muitos setores da arte e da cultura), foi fundador da Cooperativa Universidade Portucalense Infante D. Henrique, da Escola Profissional de Economia Social e da Escola Superior de Economia Social. Nesta perspetiva cívica coloco a fundação da Associação dos Professores de História Euroclio – Écoles Européennes e ainda, a Associação Cultural dos Amigos do Porto e a dos Amigos de Luanda.

VI – Como seria de esperar num homem com este perfil, teve reconhecimento nacional do mérito dos seus serviços prestados ao país no estrangeiro, como o demonstra a atribuição, em 1996, da Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, pelo Presidente da República, Dr.

Page 144: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

144

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Jorge Sampaio. A nível local, importa referir que recebeu a medalha de oiro da Câmara do Porto e que foi feito cidadão emérito de Almeida, neste ano de 2011.

VII – Não devo encerrar esta visita ao curriculum de Adriano Vasco Rodrigues sem fazer uma breve referência ao seu sentido de família, de cuja falta o mundo de hoje tanto padece. Marido sempre atento, solícito e preocupado com a saúde da sua esposa, Dra. Maria da Assunção que, por sua vez, é uma mulher de grandes e invulgares capacidades. Pai e mãe dedicados e venerados pelos seus filhos que aprenderam bem as parentais lições de cidadania, de probidade, de ética e da solidariedade com os outros.

Eis em traços muito largos o esboço da figura que as forças vivas de Felgar e da Torre de Moncorvo entenderam dever apontar como exemplo, não em virtude de qualquer oportunismo de ocasião, mas por imperativos de justiça e de gratidão por toda uma vida progressiva e continuamente exemplar. A grandeza de um país e de uma cidade não é medida apenas pelos índices de progresso material ou pela riqueza do património construído e pela valia da sua história. Tudo isso é deveras importante. Também contam, e muito, nesse quadro de honra as pessoas notáveis que a terra, a cidade ou o país foram capazes de suscitar. Aliás, desde o século XVIII, nos inquéritos de tipo corográfico enviados pelo poder central às cidades, vilas e aldeias e nas Memórias das terras, quase sempre constava uma pergunta

Page 145: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

145

Percursos de razão e afetos

sobre as pessoas notáveis nas letras, nas armas e na virtude, que a terra produzira.

Pois bem. Adriano Vasco Rodrigues e Maria da Assunção Carqueja estão por direito próprio e a vários títulos nesse quadro intemporal de personalidades das terras da Torre de Moncorvo e da Guarda. Alegro-me como amigo dos homenageados mas, sobretudo, pela justiça do seu repetido reconhecimento público.

Page 146: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 147: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

147

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO RODRIGUES

Gaspar Martins Pereira*

Quando uma amiga duriense, a Otília Lage, me pediu para colaborar, com um testemunho pessoal, nesta homenagem a Adriano Vasco Rodrigues, fiquei preocupado. Era inquestionável a minha pronta e sincera adesão à merecida homenagem ao amigo e cidadão invulgar, ao homem de cultura, defensor entusiasta do património e adepto de um modelo de desenvolvimento integral e harmonioso do território e da humanidade, com quem partilhei, e partilho, um bom número de causas. Mas sabia de antemão que qualquer testemunho que tentasse passar ao papel ficaria sempre muito aquém da personalidade do homenageado, o que me deixava a sensação desconfortável de quem quer dizer algo e não é capaz. E, mesmo dando desconto a essa dificuldade de expressão, o meu testemunho seria sempre parcelar e parcial, já que só tive o prazer de conhecer, pessoalmente, o Adriano

* Professor Catedrático da Universidade do Porto.

Page 148: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

148

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Vasco Rodrigues há pouco mais de vinte anos e, desde então, a nossa relação tem-se alimentado de encontros breves e esporádicos. Têm sido momentos solares, em que tenho tido o privilégio de beneficiar não só da sua amizade franca e autêntica como de uma parte do seu saber, simultaneamente enciclopédico e universalista, na perspetiva do humanismo que cultiva, e local, preso à terra dos seus ancestrais, de Trás-os-Montes, do Douro e da Beira, em particular, um saber que distribui a rodos, com a sua arte rara de conversador. São, para mim, fragmentos preciosos de vida que guardo na memória. Mesmo assim, fragmentos, que sei incapazes de revelarem a verdadeira dimensão intelectual e cívica de Adriano Vasco Rodrigues.

Certamente, não seria difícil recordar o espírito liberal que manifestou, ainda nos anos da ditadura, quer na sua missão em Angola (que recordou no seu mais recente livro De Cabinda ao Namibe, publicado em 2010) quer, depois, já no final do regime, como Reitor do Liceu Garcia de Orta. Ou, após o 25 de Abril, a forma livre como exerceu todos os cargos que lhe foram confiados, tanto por eleição como por nomeação, desde o de deputado à Assembleia Constituinte ao de Governador Civil da Guarda ou, depois, ao de Diretor da Escola Europeia, em Bruxelas.

Nem seria difícil destacar o pioneirismo com que se aventurou em múltiplas campanhas arqueológicas, ou em estudos de história local, ou, ainda, em temáticas específicas, como a história dos judeus portugueses, a arte africana ou a numismática. Apesar de não se ter integrado na carreira universitária pública, e ainda mais por isso, o contributo

Page 149: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

149

Percursos de razão e afetos

das suas investigações é valioso. Não é este o local certo para qualquer recensão da sua imensa obra, com centenas de títulos, que vão da Arqueologia à História da Arte, da História Local à História Universal (a História Geral da Civilização, que escreveu com sua Mulher, Maria da Assunção Carqueja, formou muitos milhares de estudantes da minha geração), da Pré-História à História Contemporânea, sem falar das suas reflexões sobre a pedagogia, a tolerância religiosa, o multiculturalismo, o património e muitos outros temas. No conjunto, é uma obra monumental, que o Adriano Vasco Rodrigues não deixa de aumentar a cada ano que passa. Que sejam muitos e bons, ainda, pois serão, certamente, produtivos. E que sejam, também, partilhados por Maria da Assunção Carqueja, igualmente com uma atividade intelectual invulgar, que se cruza, aqui e ali, com a do seu Marido, em diversas obras de colaboração (desde a já referida História Geral da Civilização à monografia sobre Felgar, recentemente publicada).

À extensa obra publicada, Adriano Vasco Rodrigues junta uma atividade ímpar de divulgação, com inúmeras conferências, no país e no estrangeiro, e uma entusiasta e irradiante ação cívica em defesa da cultura, da memória e do património, desde a fundação e direção de diversas revistas à criação de museus e associações ou à organização de cursos livres, congressos, exposições e outras formas de difusão do conhecimento. Qualquer simples listagem dessas ações culturais e cívicas de Adriano Vasco Rodrigues ocuparia muitas páginas e correria sempre o risco de ser incompleta. Bastaria referir o seu apoio decisivo à criação

Page 150: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

150

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

do Museu Judaico de Belmonte, não por acaso associado a um Centro de Estudos Judaicos Adriano Vasco Rodrigues. Ou a direção da revista Altitude, que assegurou durante 27 anos…

Mesmo em registo breve, não poderia esquecer o apoio que Adriano Vasco Rodrigues prestou ao projeto do Museu do Douro, nos tempos difíceis em que muitos duvidavam da sua concretização. Nesse combate, que uniu os durienses, esteve sempre na primeira linha, com o seu entusiasmo e determinação. Pela minha parte, durante a meia-dúzia de anos em que assumi responsabilidades na direção desse projeto, posso testemunhar que o estímulo que recebi de Adriano Vasco Rodrigues foi sempre dos mais sólidos e constantes, ajudando-me a não esmorecer, mesmo quando se multiplicavam os obstáculos e as contrariedades que esse projeto teve de enfrentar. Não por acaso, em julho de 2002, esteve entre os primeiros sócios fundadores da Associação dos Amigos do Museu do Douro.

Acima de tudo, a par da sua vasta obra, Adriano Vasco Rodrigues é o exemplo de cidadania ativa de um Homem de cultura humanista e universal.

Page 151: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

151

Percursos de razão e afetos

EM JEITO DE OBLATA

João de Castro Nunes*

A Dra. Maria da Assunção Carqueja tem na alma o doloroso estigma dos Poetas de eleição, essa portentosa raça que tem lugar cativo à mesa de Deus, com Ele partilhando alegoricamente as suas refeições, como um dia escrevi e largamente foi difundido a propósito de um outro inconfundível vate transmontano da zona duriense, o atormentado Torga:

Só Deus os faz e a Natureza, só Deus faz os Poetas, essa raça de Orfeus discriminados pela graça de terem um lugar à sua mesa!

Mais que um privilégio, que também o é, não deixa de ser uma punição pela distinção conferida e consequente segregação da restante coletividade humana, condenada e conformada em viver longe das estrelas. Um privilégio que

* Professor Catedrático (jubilado).

Page 152: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

152

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

se paga caro, frente à permanente e persistente polarização da mente do Poeta obcecado pela busca incessante e pertinaz da perfeição, nunca atingida, da construção literária afanosamente pretendida. Que frustrações! Quem não recorda o Santo Antero:

Recebi o baptismo dos poetas e fiquei triste!

Só que a Dra. Maria da Assunção Carqueja não ficou nem “pálida” nem “triste”, porque superou essa dececionante desilusão anteriana. Pese às inevitáveis dores do parto literário, realizou-se em alegria nas mensagens que nos transmitiu, pletóricas de sonoridades musicais e rítmicas cadências vocabulares em torno de ideias e conceitos, sentimentos e fruições de excelência e virtual ou virtuosa qualidade. A sua poesia é uma evasão de alma que , por empatia, nos levanta o espírito e nos faz vibrar a sensibilidade em consonância com os mais altos e mais exigentes padrões morais.

A Dra. Maria da Assunção Carqueja pertence a essa raça eleita dos Orfeus, o que, por ela, evidentemente não festejo, pois o labor poético é caminho de muitas agruras, dificilmente partilhadas. Opera-se em silêncio e na solidão do processo criativo. Não se é Poeta impunemente! Vencidos os recifes, porém, chega a hora suprema da compensação, que mais não é que a santificação do vate, pois a Poesia é, na sua primordial essência, a exaltação de tudo o que, na

Page 153: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

153

Percursos de razão e afetos

natureza por Deus criada, é estruturalmente bom e belo e simples e visceralmente autêntico. Poesia, com letra capital, é penhor de santidade!

Longe, porém da dramaticidade e da ascese dos mortificados, a autora do Jardim da Alma canta, em primorosa forma, de clássico recorte e cadenciados ritmos, a intimidade onírica das suas lucubrações, o cosmorama das suas relações sociais, os seus amigos mais próximos, os seus familiares, as suas preferências, a natureza do meio em que a sua operosa vida decorreu, incluindo e destacando a bucólica evocação da terra que lhe foi berço, nos entornos de Moncorvo. Se queres conhecer o poeta, começa por conhecer a sua aldeia, recomendava Goethe.

Pelas cordas do seu violino passa o toque dos sinos

que festivamente repicaram no dia do seu baptismo e, porventura, no do seu auspicioso enlace matrimonial; a desassombrada afirmação da sua fé religiosa; a fidelidade aos amigos; o seu desvelado apego à família; o seu afeto conjugal, o maior e o mas santo de todos os amores, no presente caso envolvendo a pessoa de um velho Amigo e Colega meu nas divagações arqueológicas por terras beiroas, suas pelas raízes e minhas por adoção, o Dr. Adriano Vasco Rodrigues. Um processional desfilar e desfiar de vivências e saudades entranhadamente sentidas e melodicamente transpostas para o verso alcandorado em verdadeira poesia. Em suma, uma vida plenamente assumida e concretizada ao calor de princípios morais e valores de toda a ordem

Page 154: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

154

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

nunca preteridos ou secundarizados, muito embora por vezes questionados ou abalados por fortuitos desencantos, legítimas dúvidas ou passageiras desilusões logo superadas e, por assim dizer, trocadas por mais firmes e mais inabaláveis convições.

Lendo e relendo a sua já relativamente longa e rica produção poética, designadamente o livro de poemas intitulado Jardim da Alma, hoje em maior destaque, constato que a Dra. Maria da Assunção Carqueja chegou ao topo do calvário, alinhando em honrosa parceria e com não menor sucesso, neste particular, com a restrita plêiade lusa de Poetas, de estripe feminina, da craveira das Florbelas, Sophias, Natálias e, mais recentemente, a sonetista Célia Celso: idêntica sensibilidade, o mesmo domínio técnico do verso, igual carisma. Varia a substância, tratada sempre com exímia virtuosidade em termos de expressão formal dos seus mais nobres e lídimos sentimentos próprios. A Poesia, sendo a sua irrecusável via dolorosa, foi, e certamente ainda o é, causa também da sua transfiguração nas lides literárias do seu viver quotidiano, superando-se a si mesma e doando- -se em plenitude aos seus leitores, a par das suas congéneres e consagradas sibilas do mundo das letras pátrias. Honra lhe seja!

Na hora das congratulações, tão justas quanto merecidas, este é o meu tributo propiciatório, fruto evidente da minha admiração e testemunho iniludível da pessoal estima de um poeta menor!

Page 155: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

155

Percursos de razão e afetos

APRENDER E REFORÇAR IDEAISCOM O EXEMPLO DOS MAIORES

João S. Campos*

Ao prestar o testemunho que me é pedido é dúplice a vontade: a de imediatamente querer corresponder com alegria mas, simultaneamente, sentir uma certa retração por saber, à partida, que não poderei transmitir quanto quereria.

Devo dizer que beneficio do contacto, próximo e exaltante, com o Casal Assunção e Adriano desde há relativamente poucos anos, embora a mim me pareça que vai já para muito tempo.

Lembro-me como foi: numa vernissage de um comum Amigo Pintor reparei na irradiante simpatia do Professor e meti conversa – coisa que, com ele, é natural e bom, como respirar. Expliquei-lhe então como lhe era devedor do contributo que ele me dera como sentido para a minha formação.

* Arquiteto.

Page 156: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

156

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

O caso é que toda a minha formação académica passou pelo facto de, no currículo liceal, não me ter afastado da disciplina de História, o que me conduziu aos manuais do 6.º e 7.º ano, da autoria de Adriano Vasco Rodrigues. Foi uma lufada de ar revigorante: muito jovem e em pleno regime do antigamente, tive a surpresa de encontrar prazer na maneira de aprender, percebendo a utilidade que o conhecimento da História poderia ter naquilo que um dia gostaria de fazer.

Poucos são habitualmente os livros de estudo que emparceiram na galeria pessoal dos espécimes especiais duma bibliografia de estimação, como essa minha História Geral da Civilização1, já da terceira edição, e na minha posse há 45 anos.

Claro que eu pensava que era uma espécie de afortunado por esse privilégio do contacto com alguém verdadeiramente especial. Mas não: ao longo do tempo tenho repetidamente topado com uma sucessão de pessoas reclamando-se do mesmo que eu, e – devo já acrescentar – não apenas do lado do Professor Adriano Vasco Rodrigues, mas igualmente do da Doutora Maria Assunção Carqueja, observando eu como ambos são cumprimentados por discípulos, saudosos e enlevados.

A ponto de começar a pensar que o melhor talvez seja criar-se uma espécie de clube em que os felizardos se passem também a conhecer-se… Podia ser chamado

1 A primeira edição, da Porto Editora, Porto, data de 1962. Até 1975 foram feitas oito edições da obra, em dois volumes.

Page 157: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

157

Percursos de razão e afetos

de muitas maneiras: por exemplo, e de uma maneira fantástica (agora até está na berra por causa dos ratings e coisas parecidas), o Clube AAA, Triple A, o dos Amigos de Assunção e Adriano…

A perspicácia do Saber e a ductilidade da Erudição de ambos, associadas à sensibilidade rara para a Estética, nos diversos planos das suas manifestações, têm propiciado incursões marcantes de Maria Assunção Carqueja e de Adriano Vasco Rodrigues nos mais variados capítulos da Literatura ou do Ensino, da História da Arte e da Arqueologia, revelando-nos aspetos focais do Conhecimento da Cultura Portuguesa.

Os nossos queridos Autores oferecem-nos, conti- nuadamente, uma Vida de belos registos e de recensões científicas do que vão efetuando. Uma vida de Exemplos.

Como já fiz noutro lugar, peço aqui também autorização para deixar mais bem explicitado este testemunho pessoal. Visto daqui e agora, quando estou já ratificando uma vida de trabalho, o meu percurso ficou marcado bem cedo: tal devera-se, como dei a entender no começo destas linhas, à circunstância de, ao decidir que seria arquiteto – não saberia exatamente porquê – o prato da balança ter pendido para aí por causa da História. É que, à força de ter que optar, na matrícula do meu 3.º ciclo dos Liceus, no já distante ano de 1966, fi-lo por um alinhamento curricular que não me apartasse da História, essa companhia que sempre me balizou, por não conceber as coisas sem o enredo que as torna úteis, como explicação do Mundo.

Page 158: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

158

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Eis-me aqui portanto, extrapolando sobre o que de mais atávico encontro como genuína razão para me dizer orgulhoso e muito honrado por poder usufruir da companhia e do companheirismo de Amigos que são um casal dos mais probos pais de família e trabalhadores (da História, da Filosofia e do Ensino em Portugal): se sou arquiteto, é ao reconhecimento da importância que sempre dediquei à História e à Arte que o devo. O primeiro nome que aponto naquela razão é o de Adriano Vasco Rodrigues.

E já agora acrescento: nos últimos anos tenho encon- trado da parte do Professor e de sua e minha Senhora, o conforto do apoio em muita da minha atividade, o que não só me lisonjeia como engrandece. Com tal ajuda tenho aproveitado para continuar o objetivo que tenho sempre perseguido, tentando redimir uma velha querela (que não deveria passar de enamoramento, ainda que às vezes enciumado…) entre historiadores da arte, e especificamente da arquitetura, e arquitetos: eu sempre achei bem sacramentar-se a relação, deixando o protagonismo ao património edificado (o de ontem e o de amanhã) e à sua capacidade de subsistir, como expressão viva constituinte do que somos.

Finalmente, deixo uma nota sobre o Amor. Acho muito significativo (com desculpas para a

sofrível tradução que fiz) um poema-elogio celebrado por Oscar Vanderborght, Professor Emérito das Universidades de Anvers e Gand, antigo Presidente do Comité “IGBP

Page 159: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

159

Percursos de razão e afetos

– Global Change” das Academias Reais das Ciências de Bruxelas, ex-Diretor das Investigações em Radioproteção do Centro Nuclear de Moll e Perito da Comissão Europeia (Ambiente) e que, com a devida vénia, fui resgatar de outro sítio onde o nosso concidadão era homenageado por alguém de lá de fora. Dizem essas palavras, originalmente em francês::

Adriano RODRIGUES

SABER viver, saber fazer, saber conhecer em ciência em diplomacia em arte em história em cultura em filosofia SABER AMAR MARIA.

AGIR em ardente impaciência agir na paciência da amizadeagir como fonte de conhecimentos agir para captar o passado e o futuro.

VISÃO e síntese:amor pelo detalhe emocionantee pela grandeza da arte e do homem. Ele é para mim

Page 160: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

160

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

o mais universal e mais cativante «HOMO UNIVERSALIS», tão raro e tão precioso. Como um diamante, por cada raio de luz reflete, em mil cores, mil esperanças e mil ternuras.

E mais não posso, nem saberia, dizer. Só um Bem-hajam, com um beijo para cada um.

Page 161: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

161

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO RODRIGUES UMA REFERÊNCIA EMBLEMÁTICA

NOS TEMPLOS DO SOL

Jorge Trabulo Marques*

Adriano Vasco Rodrigues é uma referência nos Templos do Sol. Para além do arqueólogo, etnógrafo e historiador, atrevo-me mesmo a dizer que é também o místico, o profeta e o adivinho. Foi ele que, em 1982, trouxe à luz do conhecimento científico o Santuário Rupestre da Pedra da Cabeleira de Nossa Senhora, no Monte dos Tambores, em Chãs, nos arredores da minha aldeia.

Por essa altura, o então Professor da Universidade Portucalense, que, já uns vinte anos antes, se deslocara com um grupo de amigos à misteriosa Pedra, incumbido de elaborar uma monografia sobre a História Remota da Meda, apresentou à estampa a primeira alusão ao imponente megálito. É certo que o povo já tecia, à volta do enorme mas gracioso fraguedo, as mais díspares lendas

* Jornalista; fotógrafo; investigador; escritor.

Page 162: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

162

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

e conjeturas. Havia o pressentimento de que não era uma pedra qualquer. Dizia-se que a sua gruta havia servido de abrigo a Nossa Senhora, quando fugiu do Egipto com o Menino Jesus ao colo, para evitar ser degolado pelo Rei Herodes. Ao encostar os seus cabelos no pequeno nicho, que se situa logo à entrada do pequeno portal que a atravessa, ficaram gravados, para sempre, como que a perpetuar a sua apressada e atribulada viagem.

As lendas, por vezes, têm o seu cunho de verdade, mas todas exigem ir mais longe, decifrar-lhes como que os seus códigos. Foi o que fez o Professor Adriano Vasco Rodrigues, tal como nos diz:

“Em 1957, tive oportunidade de estudar a fraga conhecida com o nome da Cabeleira de Nossa Senhora, que classifiquei como santuário pré-histórico, integrado cronologicamente na revolução neolítica. Pelas suas características sugere a existência de um culto ao crânio, característico, na Península Hispânica, da transição do Paleolítico para o Neolítico, segundo o Professor Pericot. A identificação com uma entidade feminina, que sofreu consagração à Virgem Maria, acompanhada de lenda popular, sugere um culto inicial à Deusa Mãe, símbolo da fertilidade”1.

1 Cf. Adriano Vasco Rodrigues, Culto à deusa mãe e calendário solar; santuá-rio pré-histórico da Fraga da Cabeleira de Nossa Senhora (Chãs, Vila Nova de Foz Coa), in Revista Ebvrobriga – Museu do Fundão, n.º 4, Fundão, pp. 119-127.

Page 163: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

163

Percursos de razão e afetos

Creio que a Pedra não continuaria, hoje, no mesmo sítio, se não fosse Adriano Vasco Rodrigues a atribuir-lhe valor arqueológico. Na verdade, quando era garoto, a laje em que assenta só não foi totalmente cortada a fogo de pedreira, talvez por uma qualquer intervenção miraculosa. Quem passar ao lado da face do curioso megálito, voltado a sul, vê perfeitamente até onde chegaram os golpes da marra de pedreiro.

Se o Professor não lhe tivesse dado visibilidade histórica, classificando-a como local de culto, uma segunda investida teria ditado o fim do seu desafio às leis da gravidade, que é o que parece demonstrar, tal a inclinação em que se encontra a testa do gigante pedregulho no periclitante apoio em que assenta e sobressai o seu frontispício, debruçado de oriente para ocidente. Deus criou a Terra, o Universo, mas foi o saber do Homem (concebido à imagem da sua semelhança) que o aperfeiçoou e o moldou, sendo, também, quantas vezes, o culpado da sua destruição.

O Professor Adriano Vasco Rodrigues desterrou e valorizou património, soterrado e perdido pelas sedimentações dos séculos e milénios, classificando-o, recuperando-o e trazendo-o à luz do conhecimento dos nossos dias, contrariando a destruição e a incúria. Sem dúvida que a sua visão intuitiva, a sua sensibilidade poética e artística, de verdadeiro mago e profeta, evitou a perda de um dos mais antigos e belos calendários solares. Essa visão ajudou-me, ainda, a desvendar-lhe os últimos segredos. Em setembro de 2002, um feliz acaso fez aperceber-me de

Page 164: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

164

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

que havia justíssimas razões que corroboravam as teses que defendia no seu livro, História Remota da Meda.

Vasco Rodrigues foi o meu guia e orientador. Desde a instrução primária que me lembro de ouvir falar do Professor que, um dia, se deslocou às míticas fragas dos Tambores, atraído pelas lendas que o povo contava acerca da Pedra da Cabeleira de Nossa Senhora, e, certamente também, dos fabulosos contos que eram narrados em torno do Castelo Velho, da Cova da Moura e do Curral da Pedra, antigos castros. Quis ser o intérprete da memória remota destes sítios, tanto mais que nascera em Longroiva, uma outra freguesia bem perto de Chãs, a cujo termo, aliás, esta chegara a pertencer. Vasco Rodrigues cultiva o saber, a dádiva e a generosidade e tem pautado a sua vida em prol do conhecimento e da sociedade.

Mas... o saber também causa confusão a quem o não compreende. Daí, ter deixado, como que a pairar, a impressão de ser detentor de poções mágicas, de ter os dotes dos antigos feiticeiros, dons especiais e advinhatórios de que, apenas, certos eleitos são prendados e logram herdar dos seus ancestrais. Ou seja, a figura de Vasco Rodrigues surgia como que associada à do lendário José Borrego: o eremita, o único homem da aldeia que sabia onde ficava a entrada da porta para o Castelo Velho e que falava, junto de quem o quisesse ouvir, sobre as maldições que recaíriam em quem passasse tal entrada, que parece nunca ter sido descoberta. Contudo, de certa forma a maldição até se cumpriu, com a morte de um homem junto ao sopé. Andava na exploração de minério e foi tingido por

Page 165: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

165

Percursos de razão e afetos

um pedregulho que desabou e lhe caiu nas pernas. Lembro- -me muito bem dos seus gritos lancinantes, porque estava perto, atrás do gado com o pastor, ao qual havia ido levar a marmita do almoço, teria os meus seis anos.

Este facto deu-se no tempo em que andavam, por ali, a explorar o volfrâmio e o chumbo. Mesmo após a guerra ter terminado, a loucura do minério ainda continuou. Quase toda a aldeia andava envolvida a garimpar pelos Tambores, nas Quebradas e nas minas das Trecadas. Os homens na extração e as mulheres com as peneiras na lavagem. A seguir, era levado nos machos, muitas das vezes à socapa, para escaparem ao controlo das autoridades. Ainda hoje permanecem muitas valas a céu aberto.

• • •

O Dr. Lima Garcia pediu-me um depoimento sobre o nosso amigo comum, o Professor Adriano Vasco Rodrigues, ao qual vai ser prestada uma homenagem, em Torre de Moncorvo, que considero merecidíssima. Naturalmente que aceitei o convite com muito gosto. Pensei que o melhor depoimento era, justamente, recordar o importantíssimo contributo que prestou ao estudo do Santuário Rupestre da Pedra da Cabeleira de Nossa Senhora, situado nos arredores da minha aldeia.

De facto, foram os seus valiosos trabalhos científicos que me levaram a questionar se não haveria por ali algo mais – algo maravilhoso –, escondido pela poeira das eras e ainda por desvendar. E não estava enganado. Depois de

Page 166: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

166

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

tanto refletir e de tantas voltas dar por aqueles lugares, direi mesmo, peregrinações (muitas das quais descalço, em criança, que distam já do tempo em que ia ali levar a marmita ao nosso pastor, quando os meus pais eram caseiros na Quinta do Muro), acabei por deparar com a última decifração do enigma da Pedra da Cabeleira de Nossa Senhora, graças em boa parte, ao génio inspirador de Adriano Vasco Rodrigues. Comunicador nato por excelência, cuja palavra é sempre um grato prazer escutar, tem o dom de infundir o saber e o entusiasmo pelas coisas do passado.

Obrigado Professor Adriano Vasco Rodrigues e que os deuses antigos o inspirem e sejam os seus divinos protetores e do seu amado Lar.

Estou certo, que muitos segredos arqueológicos haverá que esperam por si.

Page 167: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

167

Percursos de razão e afetos

AOS AMIGOS ASSUNÇÃO E ADRIANO

José Campos Neves*

Quando nos momentos de reflexão e suave recolhimento, que o quotidiano nos seus fortuitos desígnios impõe, com saudade e aprazimento, a olhar a vida, é normal e humano que a memória se avive, com tudo o que de melhor lhe foi oferecido. Em geral sobressaem, nos homens, reconhecidos à Providência, a presença dos amigos e as amizades que estes nos dedicaram, e dedicam pela vida fora.

É, de um desses instantes, que agora quero partilhar, onde a presença constante de um dos meus bons amigos, as suas palavras e atos me foi trazido pela alma (não nos esqueçamos que a amizade não é racional, mas sim espiritual).

* Médico dos homenageados. Professor Catedrático da Universidade do Porto (jubilado).

Page 168: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

168

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Desde que conheço o Dr. Adriano Vasco Rodrigues, sei que os momentos que usufruímos, são sempre de salutar aprendizagem e profunda sabedoria, como é próprio de um homem que soube, ao longo da sua existência, saciar a curiosidade e cultivar a arte de encantar e transmitir Saber e Erudição e, simultaneamente, sempre ter defendido e cultivado os valores supremos da dignidade humana, da liberdade, da família e da amizade, com que incessantemente e de forma notabilíssima, sempre se pautou.

Viveu e vive assim, cultivando os valores que dão

dignidade e brilho à existência e alimentam o respeito e a admiração.

Como tal, foi perseguido, por defender nos idos anos de 60, do século passado, a liberdade, de novo posta em perigo nos anos 80 e 90, a que reagiu de forma corajosa e lúcida, refletindo, uma vez mais, a raiz profunda das sua convições morais e a manifestação publica da sua elevada consciência cívica.

Possuidor de uma visão penetrante e global da história, de que é um profundo conhecedor, foi dela agente nos períodos turbulentos que Portugal viveu, sabendo, sem a menor hesitação ou tibieza, fazer ouvir a sua palavra acima da “espuma dos tempos” sugerindo um rumo a dar às ações dos seus concidadãos e orientando, sempre, para o melhor. O seu conhecimento e o profundo humanismo que o caracteriza, autorizam-no a ser uma voz pertinente na noite escura da cegueira humana, que hoje temos o privilégio de ouvir.

Page 169: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

169

Percursos de razão e afetos

Foi para África, no degredo, embora o governo de então tenha vindo, posteriormente pedir-lhe ajuda. Após 1974 defendeu energicamente causas, participando publicamente na defesa e proteção dos mais fracos e menos validos, em inúmeras funções políticas e sociais.

Foi chamado para a Europa, onde exerceu elevadas

funções de grande relevo para Portugal, o que não o impediu de aprofundar os seus conhecimentos nem de os partilhar connosco, nas suas múltiplas obras literárias.

Mas, mais que a sua ação pública, politica, de defensor

de gentes simples e desconhecidas, há outra faceta que se impõe reforçar – a do homem crente e de princípios, defensor da família e do que esta representa, cultivando, exemplar e dignamente, valores hoje (por muitos) esquecidos.

Ora uma família é um agregado de afetos e uma partilha a dois, na luta por um futuro melhor dos filhos, transmitindo-lhes, não apenas o conhecimento ou a experiência, mas o prazer de viver em elevação.

À semelhança dos bancos onde normalmente nos sentamos, a família tem que se apoiar em sólidas bases complementares e igualmente ricas e elaboradas, qual suporte de cristal invisível onde o mundo assenta e evolui.

Apenas a complementaridade, na similitude, assegura o equilíbrio profícuo e evolutivo. Por isso, perdoe-me o meu caro amigo Vasco Rodrigues, mas impõe-se, quero e devo honrar o mérito e o trabalho que tem sido o seu

Page 170: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

170

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

complemento, a Senhora Dra. Maria da Assunção Carqueja, sua mulher.

É bem verdade que o suporte transparente da família

existe e é partilhado pelos que a constituem, senão não haveria suporte, nem projeto. Por essa razão é, naturalmente, meu dever, congratular-me por ser seu amigo e honrar a seguir a sua mulher, pela presença e amizade que sempre nos dedicou e soube edificar ao longo dos muitos anos de convivência que as nossas famílias têm tido, e continuarão a ter pelas gerações vindouras.

Senhora de raras virtudes, com raízes telúricas nessa

terras em que o ano se divide apenas em duas categorias, como que se a natureza quisesse, desde cedo, forjar as sua gentes na coragem, no esforço, na perseverança, na amizade, na partilha, no trabalho, enfim nas qualidades que são apanágio dos que vivem para lá do Marão.

Senhora de raros méritos, dedicou-se à pedagogia filosófica que exerceu com devoção e culto da verdade, no mais sagrado respeito pelos valores morais que recebeu no seio da casa onde nasceu. Soube sempre conduzir os seus discípulos na arte de bem raciocinar, única forma de enfrentar a vida e as suas exigências, exemplo da rara mestria que possui.

Daí que se compreenda a família que criou e os valores que se manifestam bem arreigados no seu seio.

Senhora de raro talento, pois a leitura da sua poesia é disso prova indesmentível. São versos, de grande

Page 171: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

171

Percursos de razão e afetos

sensibilidade, que atravessam a vida, alegres, apontando para a reflexão, normas que urge fazer reviver, saudades que a todos abalam os corações, amarguras que reforçam os laços e dão expressão aos sentimentos mais escondidos que em todos nós existem.

Adriano Vasco Rodrigues, Maria da Assunção, dois seres firmemente entrelaçados, mutuamente enriquecidos, generosos na compreensão e sob constantes impulsos de ternura, são os amigos que abraço com enorme ternura intemporal.

Page 172: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 173: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

173

Percursos de razão e afetos

PREITO A UMA VIDA DE AFETOS À SOMBRA DE UMA TORRE TUTELAR

José Luís Lima Garcia*

A homenagem que a 8 de outubro de 2011 a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo e o CEPHIS vão prestar a Adriano Vasco Rodrigues e Maria da Assunção Carqueja vem no seguimento de outras que algumas “forças vivas” e municípios da zona (Almeida, Guarda, Mêda) têm prestado a este casal que percorreu um longo caminho de vida dedicado à docência e à investigação. Sendo ambos da região duriense, apenas o condicionalismo geográfico do nascimento dividiu na juventude a vida destas personalidades. Mau grado esse distanciamento de margens diferentes, nunca perderam o rumo deste rio ibérico, e descendo para o jusante Porto de acolhimento aí fizeram vida conjugal e profissional, criaram os filhos e partiram para outros destinos. Primeiro, nos anos sessenta, para Angola, e, nos finais de oitenta, para a Bélgica, onde na Escola Europeia protagonizaram uma rica experiência de multiculturalismo pedagógico.

* Diretor da revista Altitude, órgão da Assembleia Distrital da Guarda.

Page 174: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

174

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Não vamos falar mais em concreto dos seus tão vastos currículos pois outras pessoas mais habilitadas já o fizeram por nós, apesar de conhecermos bem o percurso de vida do casal Rodrigues, sobretudo do Professor Adriano, porquanto tendo já uma grande admiração desde que estudámos pelo seu mais que conhecido manual de História Geral da Civilização, no distante ano letivo de 1966/1967. Mas foi vinte anos depois, em 1987, já na sua terra de nascimento, que tivemos a oportunidade de conhecer pessoalmente Adriano e Assunção Carqueja Rodrigues num evento cultural promovido pelo Instituto Politécnico da Guarda. Esse acontecimento serviu para reforçar o relacionamento com tão carismáticas individualidades, num contacto que dura há um quarto de século, o que hoje, numa sociedade materialista e egoísta, em que tudo é efémero e pouco duradoiro será para louvar. O facto de sermos de gerações distintas, não obstou que persistisse uma camaradagem e convívio que, por vezes, não subsiste nas pessoas da mesma idade. Para além de admirarmos a vasta cultura do casal Rodrigues, apreciamos ainda o espírito de tolerância e de solidariedade com os outros, sem preconceitos de caráter ideológico e cultural, procurando abordar os problemas humanos numa perspetiva universalista e ecuménica. Como dizia Willem Godschalx, da Escola Europeia, referindo-se ao Professor Vasco Rodrigues, como colega e Diretor desta instituição transnacional, “tu deste a cada um a possibilidade de desenvolver as suas próprias aptidões

Page 175: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

175

Percursos de razão e afetos

e graças a isso reinava justamente um bom ambiente de cooperação e amizade”1.

Este “depositar” de confiança, este “dar” a cada um a “possibilidade” de dilatar as suas próprias “aptidões” foram pressupostos que o homenageado nos conferiu também ao longo do nosso conhecimento, desde que começámos a escrever por seu convite, na 3.ª série da revista Altitude, órgão da Assembleia Distrital da Guarda, com velhos e importantes pergaminhos na comunidade guardense, desde os finais da primeira metade do século passado, época em que se editara a 1.ª Série deste periódico, entre os anos de 1941 e 1944, onde pontificaram, entre outros, autores do gabarito de António Júlio de Proença Abranches, Beatriz Salvador, Carlos Marques, Carlos Martins, Carlos de Oliveira, João Couto, José Crespo de Carvalho, José Pinheiro Marques, Luís Reis Santos e Orlando Ribeiro. Após um hiato de trinta anos, com o 25 de Abril de 1974 criaram-se condições para o retomar da revista Altitude. E foi precisamente o homem ilustre das humanidades e da intervenção cívica, agora representando os ideais da democracia-social na Assembleia da República, que se lembrou, conjuntamente com Eduardo Sucena, de propor, em 1978, ao governador civil da Guarda, Emílio Leitão Paulo, a republicação do periódico que durante o final da Segunda Guerra Mundial conseguira tanto prestígio

1 Willem A. J. Godschalx, «Carta» enviada a 20 de junho ao Diretor da Escola Europeia, Professor Adriano Vasco Rodrigues.

Page 176: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

176

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

na denominada região da “Beira Serra”, na divulgação de assuntos e matérias culturais.

Nos finais da década de setenta, em pleno período da democracia, já não havia uma federação de concelhos “serranos”, mas uma assembleia distrital cujo presidente era também governador civil da Guarda. E foi nessa situação que convidou para dirigir a Altitude essa personalidade que se lembrara que a cidade altaneira deveria ter um órgão de difusão de todos esses aspetos espirituais, que davam genuidade a uma região. Estavam assim criadas as condições para que o periódico regionalista guardense pudesse prosseguir o seu caminho em prol do desenvolvimento e da solidariedade interconcelhia de uma parte de Portugal ainda muito esquecida, mas que tinha, à semelhança de outras regiões, muita história e cultura etno-antropológica para dar a conhecer aos seus conterrâneos e compatriotas. Na “abertura” do primeiro número, dessa segunda série, que embora não datada, pensamos que se referia ao mês de julho de 1980, o seu diretor, Adriano Vasco Rodrigues, depois de um breve histórial da revista, antecipava o que seria este meio de comunicação no futuro, nomeadamente no que se reportava a alguns aspetos do seu funcionamento:

“Sob a minha direção nunca será uma revista partidária. Ao contrário da «Altitude», falecida em 1944, esta não ostenta o dístico «Visada pela Comissão de Censura da Guarda». Estamos em liberdade e somos responsáveis. Na

Page 177: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

177

Percursos de razão e afetos

portada da revista anterior dizia-se: toda a colaboração é solicitada. Para nós toda a colaboração será voluntária e gratuita. A Revista «Altitude» é uma publicação aberta às boas vontades, que se interessem pelo nosso distrito”.2

No segundo número, editado meses depois, em novembro de 1980, ainda nas “palavras prévias” do seu diretor, este pormenorizava mais alguns detalhes de caráter cultural, como ainda adiantava outros meios, que não os do contribuinte, para a sustentação financeira desse periódico:

“A cultura é o primeiro e mais profundo elo que caracteriza e aproxima os membros de uma comunidade. Dentro do limitado espaço em que se enquadra a nossa região, passaram várias épocas históricas, rodaram centenas e centenas de séculos de atividade humana, viveram e morreram gerações mas, a identidade cultural deste legado manteve-se constantemente enriquecida”.3

E para manter a “identidade cultural” desse legado assente em múltiplos testemunhos como a antropologia, a economia, a etnografia, a geografia, a história, a linguística, a literatura, a pedagogia, a sociologia e o turismo, havia necessidade de se ponderar os meios adequados de manutenção e para não sobrecarregar o erário público,

2 Adriano Vasco Rodrigues, “Abertura”, in revista Altitude, Ano I, 2.ª Sé-rie, Volume I, N.º 1, p. 5.3 Adriano Vasco Rodrigues, “Abertura”, Ibidem, Altitude, Ano I, 2.ª Série, novembro de 1980, Volume I, N.º 2, p. 3.

Page 178: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

178

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

como única contribuição para a publicação da revista, a direção, conjuntamente com o conselho redatorial, composto por Eduardo Sucena, José Domingos, Joaquim Andrade e Joaquim Lopes Craveiro, entendeu abrir a outras entidades essa mesma viabilização, como se subentendia pelo preâmbulo de Vasco Rodrigues, nesse número inicial da segunda série:

“Os responsáveis na elaboração da Revista Altitude, no desejo de a quererem melhorar constantemente e tornarem duradoura, discutiram se sim ou não deveria conter publicidade. Analisadas as vantagens e os inconvenientes, decidiu-se, a partir do próximo número, incluir uma seção de publicidade, que não afetará o contexto cultural”.4

E nas suas palavras, a referida medida contribuiria decisivamente para a “divulgação dos nossos valores e capacidades na sua dinâmica produtiva”5. Neste mesmo número colaborava pela primeira vez Maria da Assunção Carqueja Rodrigues que, como boa transmontana, abordava num artigo de história local a “disputa da barca do Douro”, entre as localidades de Foz Coa e Moncorvo6, evidenciando

4 Idem, Ibidem.5 Idem, Ibidem.6 Maria da Assunção Carqueja Rodrigues, “Foz Côa contra Moncorvo – A disputa da barca do Douro”, Ibidem, revista Altitude, Ano I, 2.ª Série, novembro de 1980, Volume I, N.º 2, pp. 59-61.

Page 179: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

179

Percursos de razão e afetos

a rivalidade assente na velha questão da acessibilidade entre as margens deste rio:

“Moncorvo foi a vila que mais beneficiou com o rio Douro, disputando sempre os seus direitos sobre a barca do Pocinho e envolvendo-se em sucessivas questões com outras terras, igualmente desejosas dos seus benefícios. A vila da Torre de Moncorvo desempenhava, em relação às terras do nordeste transmontano, o mesmo papel que Vila Nova de Foz Coa, em relação à Beira interior. Ambas as vilas estão próximas do Pocinho, onde o Douro separa e une os seus termos”.7

Passados trinta e um anos depois da refundação da revista Altitude pelo Professor Adriano Vasco Rodrigues, esta continua o seu percurso numa altura difícil em que os Governos Civis foram desativados e a crise financeira não vaticina nada de bom para os meios de comunicação que difundem cultura e reforçam a identidade dos povos. A “barca” do Douro já não é disputada porque foi substituída por pontes materiais, como a do Pocinho, e espirituais, como a aliança que uniu o destino de muitos cidadãos provenientes destas vilas, entre os quais Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues, que no dia 8 de outubro, em Torre de Moncorvo, se homenageiam pelo paradigma de uma coexistência harmoniosa em prol da família, dos amigos e da sociedade em geral. Esse casal,

7 Idem, Ibidem, p. 59.

Page 180: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

180

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

de ambas as margens que o rio uniu e nós hoje consagramos no alto das terras transmontanas e para o qual desejamos muitos anos de vida, é um dos múltiplos passageiros dessa barca que o Douro transportou ao longo do seu rumorejar eterno.

Page 181: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

181

Percursos de razão e afetos

QUASE MEMÓRIASFOI ASSIM QUE...

José Maria da Cruz Pontes*

O ano letivo de 1950/51, foi o último em que a Faculdade de Letras funcionou no edifício depois transformado em Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. No início do ano letivo seguinte, em outubro de 1951, o meu curso foi inaugurar a nova Faculdade, construída em frente da antiga e constituindo uma praça, com a Porta Férrea ao fundo, no lado poente.

Matriculou-se, então, na Faculdade de Letras, no Curso de Ciências Histórico Filosóficas, um certo número de alunos voluntários, idos do Norte. Designavam-se assim por contraste com os alunos ordinários, nome que lhes advinha da obrigação de assistirem às aulas, tendo de responder à chamada feita ao entrarem na sala. Podiam perder o ano por faltas. Por isso, quando algum aluno tencionava não comparecer, pedia a algum colega que por ele respondesse “presente”.

* Colega de Faculdade de Maria da Assunção Carqueja.

Page 182: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

182

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Os alunos voluntários não eram obrigados a assistir às aulas mas, em contrapartida, tinham que realizar duas provas escritas de frequência, que eram eliminatórias. Os alunos ordinários também as faziam, podendo assim ficar dispensados dos exames finais, de que nunca os voluntários estavam eximidos.

Entre os alunos voluntários, originários do Norte, foram-se conhecendo e relacionando a Maria Clara Constantino, vinda do Porto e a Maria de Lurdes, que fazia viagem comigo no mesmo comboio de Braga, quando não se dispunha a estar em Coimbra um dia antes. Apareceu, depois, o António Nazaré de Oliveira, de S. Pedro do Sul e uma senhora, já mãe de filhos, de Viseu. Passámos a encontrar-nos em Coimbra, por ocasião das provas de frequência ou nos exames finais de cada ano.

Recordo que este pequeno grupo de alunos voluntários, de que eu fazia parte, se relacionava com algumas alunas matriculadas como de frequência ordinária, com quem se juntava antes de cada prova escrita, aqui ou ali, em Coimbra. Mercê da generosidade destas colegas, ficavam conhecedores do que os professores diziam nas exposições de cada sessão escolar e que não se encontrava nas tradicionais “sebentas”.

Deste modo, aproveitávamos do saber da Aninhas Subtil Roque e da Maria da Assunção, entre outras. Conhecíamos, assim, por exemplo, o entusiasmo do Professor Torquato de Sousa Soares pela teoria de Henri Pirenne (1862- -1935), que fizera época quando foi publicada, em 1937, a obra póstuma Mahomet et Charlemagne. De acordo com a

Page 183: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

183

Percursos de razão e afetos

sua interpretação, a civilização romana não terminara em 476, com as invasões germânicas e a deposição de Rómulo Augústulo pelo chefe dos Hérulos. O que destruíra a unidade mediterrânica teria sido, antes, o bloqueio árabe, que, no século VIII, fez com que a Europa se dobrasse sobre si mesma, conduzindo-a a uma economia fechada, de estrutura predominantemente agrária.

Esta teoria, tão do agrado do Professor Torquato, sabíamo-la nós graças aos apontamentos que as diligentes colegas tomavam nas aulas e depois nos transmitiam, nas prévias sessões de estudo coimbrãs, em comum, antes das provas.

O mesmo se diga de certas referências expostas nas lições de Filosofia do Professor Miranda Barbosa, que se deu conta que nós, os alunos voluntários daquele grupo, mostrávamos conhecer, ao contrário dos alunos chamados ordinários que, na sua maior parte, não as tinham registado.

Tudo isto lá vai... mas foi assim que conseguimos fazer o nosso curso universitário.

O que ficou até hoje, e dura há mais de cinquenta anos, foi, essencialmente, a amizade criada naquelas tardes de estudo conjunto e animada convivência.

Hoje, desses colegas, cabe-me salientar a Maria da Assunção, presença solícita e cativante de enérgica alegria!

Page 184: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 185: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

185

Percursos de razão e afetos

A MINHA HOMENAGEM

José Marques *

Dentro de poucos dias, terá lugar, em Moncorvo, uma expressiva e merecida homenagem ao Senhor Professor Dr. Adriano Vasco Rodrigues e a sua Ex..ma Esposa, Senhora Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues, natural de Felgar, manifestação pública, que ficará perpetuada em livro, programado e elaborado para o efeito.

Não me tendo sido possível elaborar um trabalho científico a integrar nesta obra, agradeço a oportunidade que me é dada de a ela me associar com este breve testemunho.

Conhecia o Homenageado, há muito, através de algumas das suas obras, por vezes, referidas nas aulas da Faculdade de Letras do Porto, mas só nos finais da década de 1980, nos conhecemos, pessoalmente, quando ambos lecionávamos, na, então, recém-criada e promissora

* Professor Catedrático da Universidade do Porto (aposentado).

Page 186: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

186

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Universidade Portucalense, a que ambos demos o melhor do nosso entusiasmo e competência, aí se tendo iniciado uma sólida amizade, que foi crescendo e permanece.

Para além da forma cordial e distinta do seu relacionamento com os colegas, alunos e funcionários, impressionava também a sua disponibilidade para ajudar quantos dele precisavam, sempre numa atitude de compreensão, abertura e tolerância, nos seus múltiplos aspetos, que mais se vincaram durante os anos em que, vencido o difícil processo de escolha política, no contexto internacional, passou a ser o primeiro Diretor português da Escola Europeia, de Mol.

Nestas formas de ser e agir, além do temperamento pessoal e da formação humana, adquirida ao longo da vida, contam muito também a diversificada formação científica e humanística e a experiência docente.

Não é este o momento para analisar estes aspetos, mas, porque está intimamente ligada ao fundamento último desta homenagem, não poderei deixar de aludir à sua vasta produção literária e científica, onde as regiões: transmontana de Moncorvo e da Beira Alta ocupam posições particularmente evidentes.

Entre os variadíssimos temas desenvolvidos nas suas obras, avultam os dedicados a aspetos da romanização, lusitanos, arqueologia, epigrafia, numismática, arte, a História Geral da Civilização, cuja obra teve o privilégio de várias edições, sem esquecermos temáticas de variada ordem cultural, de que a simples enumeração nos levaria muito longe. Neste contexto, porém, apraz-me acentuar

Page 187: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

187

Percursos de razão e afetos

a predileção do Dr. Adriano Vasco Rodrigues pela história local das regiões a que, de alguma forma, esteve ligado.

É, por isso, que ninguém poderá estranhar a quantidade de monografias que enriquecem a sua produção científica e literária, impondo-se, nestas circunstâncias, referir as de Celorico e Linhares, Guarda, Marialva, Longroiva e concelho da Meda, bem como os estudos sobre a Catedral da Guarda, Terras da Meda, Terras bragançanas, Aldoar, etc. E não se pense que, após estas breves referências, olvidamos o interesse e o carinho que o nosso Homenageado e sua esposa, Senhora Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues, dedicam a Moncorvo e região circundante, contemplados em vários dos seus estudos, quer individuais, quer, mesmo, em colaboração, podendo servir de exemplos O retábulo flamengo da Parentela de Santa Ana, na Igreja Matriz de Torre de Moncorvo, Os lusitanos: mito e realidade, da autoria do primeiro, e os estudos em colaboração: Subsídios para o estudo das ferrarias do Reboredo, Moncorvo e Felgar: história, indústrias artesanais, património, ou, ainda, Documentos Medie-vais de Torre de Moncorvo.

Para além de quanto fica sugerido, impõe-se salientar a atenção que o Homenageado e Esposa têm prestado, nas respetivas investigações, à presença judaica em Trás-os- -Montes e, em particular, em Moncorvo e na Beira Alta e noutras vilas e cidades portuguesas. Neste domínio, merece o devido relevo a promoção de vários colóquios, realizados em Moncorvo, Guarda, Gouveia e Trancoso, tendo-nos sido dado participar nos três últimos, podendo afirmar que ficaram todos marcados pela elevação científica e cultural

Page 188: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

188

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

e pelo franco ambiente de abertura, compreensão e tolerância, contribuindo, assim, para dinamizar a atividade e as relações da Associação de Amizade Portugal-Israel.

A formação universitária, de base histórico-filosófica, atraiu também o seu interesse para temas culturais mais vastos e complexos, como O despotismo e a Igreja, As trovas do Bandarra: suas influências judaico-cabalísticas na mística da Paz Universal, Perenidade e mudança na escultura africana, etc.

Este breve apontamento ajudará a vislumbrar o muito que se poderia afirmar sobre a vida e obra científica e cultural do Senhor Prof. Dr. Adriano Vasco Rodrigues e de sua esposa, Senhora Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues.

Na impossibilidade de o fazer, gostaria de felicitar os promotores desta justíssima e merecida homenagem, pela ideia da sua organização e realização em Moncorvo, terra a que os homenageados estão intimamente ligados e cujo conhecimento e difusão cultural tanto se empenharam em difundir.

Aos Homenageados muitos parabéns, com os melhores votos de Ad multos annos!

Page 189: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

189

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO DA FONSECA RODRIGUES

Levi Guerra*

Na plenitude duma senioridade fecunda, Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues emerge como uma grande personalidade, com um vigor intelectual contagiante, com a afabilidade social calorosa de sempre, com a riqueza imaginativa que o distinguiu ao longo da vida e o lançou em projetos sucessivos adequados às circunstâncias que na sua vida ocorreram, até hoje.

Grande pedagogo, foi um professor que exerceu a docência em todos os patamares do ensino, do primário ao universitário. Foi Reitor do primeiro Liceu misto no País, o Garcia de Orta, no Porto, onde, em 1969, em plena primavera marcelista, foi um inovador ousado na forma aberta de comunicação com a juventude escolar, os seus alunos e alunas, e também na capacidade de cativação eficaz que demonstrou, quando fresco pairava ainda na Europa, e obviamente em Portugal também, o Maio de 68,

* Médico. Professor Catedrático da Universidade do Porto (jubilado).

Page 190: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

190

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

de Paris. O ambiente de sucesso que criou no Liceu foi de trabalho, de bem estar e de festa, para o que se serviu da colaboração bem orquestrada das artes cénicas e da música, concretamente de conjuntos musicais, bastando lembrar a presença conseguida dos “up with people” dos E.U.A. Nesta experiência tive o meu filho, na altura aluno desse Liceu onde tinha, como professora a Dra. Assunção Carqueja Rodrigues, sua esposa .

Entrou nestas funções após o seu regresso de Angola, após quatro anos de permanência naquela então província ultramarina, onde, acompanhado de sua esposa realizou uma obra notabilíssima de investigação arqueológica que, entre outras várias publicações terminou com a mais preciosa de todas, “a primeira Carta da Pré-História de Angola”. Mas em Angola, como Inspetor Provincial Adjunto da Educação, realizou Cursos de formação e atualização de professores do ensino secundário, de História de Arte, de Arqueologia, e até de Matemáticas Modernas. Ao mesmo tempo, correu Angola e participou em várias escavações de investigação e prospeção arqueológica, em colaboração com o Instituto de Investigação Científica de Angola e criou a seção de Arqueologia no Museu de Angola.

De toda este laborioso, vasto e penetrante trabalho científico, arquivou uma riqueza enorme de saber sobre a arte africana que depois veio a aproveitar para a difundir em cursos e exposições que realizou no País e fora dele, tendo sido, porventura, muito importante para esta extraordinária ação cultural o facto de ter sido nomeado Diretor da Schola Europaea (U.E.), em Bruxelas (1988/1996).

Page 191: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

191

Percursos de razão e afetos

Ao longo da vida nos encontrámos algumas vezes, e, apesar de esbatida na memória, ressaltam-me as participações conjuntas que tivemos em alguns eventos de índole cultural e social.

Claro, porém, que me ficou sempre no espírito a sua marcante probidade, a sua simpatia calorosa e cativante, o seu perfil de pedagogo sabedor, experiente e arguto. Enfim, um português de exceção.

Page 192: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 193: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

193

Percursos de razão e afetos

A MINHA HOMENAGEMPROFESSORES MARIA DA ASSUNÇÃO

E ADRIANO VASCO RODRIGUES

Manuel Daniel*

Vejo a cena com muita nitidez. O pai, que era o meu Professor na escola primária, tinha colocado uma garrafa esverdeada sobre a sua secretária e pediu aos alunos para a desenharem, tendo em conta os reflexos que a luz provocava no seu bojo. Como era redonda, a garrafa fornecia praticamente a mesma perspetiva a cada um dos alunos.

Tentei, sem grande jeito. Desenhar é, penso eu, dar uma ideia das dimensões e dos volumes. Mas, desta vez, pediam-me para reproduzir também os relexos da luz. Era um problema: como dar uma ideia da luz?

Caído do céu, o Vasquinho, filho do Professor e mais velho do que eu cerca de 5 anos, entrou na sala. Quando passou por mim, viu que a garrafa até não estava mal, mas os efeitos de luz é que... nada!

* Advogado; poeta.

Page 194: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

194

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Mal encostado à minha carteira, pegou no lápis e começou a rabiscar no interior do desenho e, zás, pronto, os reflexos já se viam... pois era aquilo que tinha de ser feito por cada um e nós e que o Vasquinho, de carteira em carteira, ajudou a fazer a cada um.

Que grande Professor de desenho ele seria!... Não esqueci tão cedo aquele olhar vivo, os seus movimentos precisos e o gesto solidário que repartiu por todos.

Nove anos depois, em 1954, apareceu na Meda um

quinzenário, com o título Luz da Beira, do qual eu era redator. Nesse jornal, e, de companhia com o malogrado amigo Manuel Maria Heitor, tive a alegria de ver artigos sobre história e outras ciências afins, subscritos por Adriano Vasco Rodrigues. Era o Vasquinho, entretanto, com o curso do Magistério primário e a concluir, em Coimbra, a licenciatura em Histórico-Filosóficas. No jornal começou a surgir, pouco tempo depois, um suplemento cultural, de sua coordenação, e que denominou “História e Belas Artes”, no qual apareciam nomes, como um José Augusto Seabra, um Eurico Heitor Consciência, e outros. Num dos primeiros números desse suplemento, apareceu também um poema assinado por uma senhora, já formada, que se revelava ser pessoa de grande sensibilidade – Maria da Assunção Carqueja. Começava e terminava assim:

As orquídeas lindas que me destefalaram longo tempo a sós comigo...Disseram coisas que não me dissesteE coisas também que eu te não digo!...

Page 195: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

195

Percursos de razão e afetos

Na realidade, as orquídeas deviam ter dito tais coisas que houve corações que se envolveram. Não tardou muito a saber-se que tinha havido casamento.

E a vida nos levou, entretanto, como à Menina e Moça

de Bernardim, “para longes terras”! A uns e a outros. O jovem Dr. Adriano Vasco Rodrigues continuou estudos por Santiago de Compostela; eu próprio mergulhei numa vida profissional como funcionário público, e andei à mercê de concursos, nomeações e transferências, por terras do litoral, do Alentejo, da Beira Serra e da Beira Douro.

Não me esqueço de que, quando um dia pensei

em melhorar as habilitações literárias que entretanto conseguira, me vieram à mão uns livros que me davam notícias agradáveis: para a disciplina de História iria apoiar- -me nos dois volumes da História da Civilização, de Adriano Vasco Rodrigues, e depois, em filosofia, entre outras, numa obra deste mesmo autor e de Maria da Assunção Carqueja.

Não se imagina com que prazer fui devorando todas aquelas páginas, pois era como se estivesse a ouvir pessoalmente, só para mim, aqueles claros ensinamentos de pessoas que muito admirava e que tinha como amigos secretos da minha alma.

Amigos que, na verdade, também andavam a correr mundo, sempre com crescente mérito e prestígio. Em cargos que terão sido verdadeiros desafios às suas capacidades, eu soube que o Dr. Adriano Vasco se gastava por vários centros de saber e de trabalho. Desde uma experiência, então

Page 196: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

196

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

muito badalada, no Liceu Garcia da Horta, onde foi Reitor; passando por uma missão em Angola, como inspetor superior do ensino; depois, no Portugal democrático como Diretor Geral do Ensino Particular e Cooperativo; a seguir com um mandato como Deputado na Assembleia da República; ainda o desempenho das funções de Governador Civil do Distrito da Guarda, e, logo depois, como a cereja no bolo, bem no centro da Europa, em Bruxelas, como Diretor da famosa “Schola Europaea ”, ou, nos seus incríveis “intervalos”, aumentando a sua já longa bibliografia ou participando em colóquios, escrevendo artigos sempre de muito interesse, deixando muito do seu saber numa lista interminável de páginas.

Numa altura em que Vila Nova de Foz Coa vivia ainda

alguns ecos das celebrações do VII Centenário do Tratado de Alcañices, tive a honra de convidar o Professor Adriano Vasco para ser o orador oficial numa reunião extraordinária da Assembleia Municipal, no aniversário do foral dionisino a Foz Coa, cuja data – 21 de Maio – é feriado concelhio. Quase sobre a data, fui incumbido de convidar o orador. Lembrei-me de pedir ajuda ao meu “professor de desenho”, que, ao ver-me aflito, veio mesmo em socorro e acedeu ao convite. O tema da sua conferência foi “Árabes e Judeus em terras de Foz Côa”. Servindo-se de uns apontamentos, deu ali uma impressionante lição de história acerca da nossa região e das nossas gentes, dando a impressão que o tempo a que se reportava semelhante, se não mesmo, o nosso. Nomes de famílias, locais, ideias e religiões, palavras que

Page 197: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

197

Percursos de razão e afetos

se entrosavam, tudo isso desfilou no areópago municipal num ambiente que deixou de ser “político” para se sentir congraçado.

Apesar de saber das suas peregrinações por Franças

e Araganças, o nosso desencontro apenas cessou quando, sendo Governador Civil da Guarda, um dia tenho o gosto de o cumprimentar em Foz Coa. Dadas as suas funções, fui formal no cumprimento. Mas logo ele me atalhou com um abraço que me acendeu o coração...

– Ó Manuel Daniel, quem está aqui é o seu amigo Adriano Vasco!

Os seu olhar vivo tinha ainda o mesmo brilho e a sua inteligência refletia agora, não o reflexo da luz que me ensinou a desenhar, mas uma visão do mundo muito serena e consciente, como serena é a água de um lago tranquilo.

Ninguém imagina a alegria que me deu poder abraçá-lo.

Um dia tive a oportunidade de, na Meda, o ouvir falar sobre mais uma das então projetadas “reformas” do ensino. Orador direto e simples, era escutado atentamente por uma assistência que não cabia na sala. Teve palavras elogiosas para o professor em geral, que vive para dar muito de si aos seus alunos e abordou também, na sua exposição, a queixa que frequentemente se vinha fazendo dos professores: que faltavam muito e com muita facilidade. Depois, em determinado momento, alguns dos presentes, fizeram os comentários que acharam convenientes.

Page 198: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

198

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Do fundo da sala, pedi para dizer alguma coisa, também. E evoquei um Professor que tive, assombroso formador, que quando faltou a uma aula, na minha primeira classe, os seus alunos, com 7 anos apenas, foram estrada abaixo, a pé, para saberem onde estaria o Senhor Professor. Cansados, ofegantes, chegaram a Longroiva, e, logo à porta de casa, ouviram uma severa reprimenda da esposa, Senhora Professora D. Amália. Depois conseguiram ver o seu mestre. Verificaram que o seu Professor estava cheio de febre, com gripe, ficando muito zangado ao ver que estávamos ali. Afinal, neste caso, até foram os alunos quem verificou a doença, a razão da única falta do seu mestre. Era ele o meu saudoso Professor Arnaldo, pai do Dr. Adriano Vasco Rodrigues.

Quando terminámos os exames da 4.ª classe soubemos que o nosso Professor ia ser transferido para o Porto, a seu pedido. Compreendemos, mas custou-nos a notícia. Uns dias depois fomos por ele convocados para ir a uma sala da escola, porque nos queria felicitar pelos resultados obtidos nos exames e para nos desejar um bom futuro. Todos nós tínhamos lágrimas nos olhos, quando ele nos disse: “rapazes; ficarei muito feliz sempre que souber que qualquer um de vós se porta como um homem.”

Tão grande pai, quão grande filho! É verdade que, “por detrás de um grande homem,

há sempre uma grande mulher”. Também é verdade neste caso. A Dra. Maria da Assunção, de aparência tão calma e simultaneamente tão inquieta, para além de uma sensitiva

Page 199: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

199

Percursos de razão e afetos

poeta, tem sido sempre a companhia atenta do marido, o arrimo para a sua atividade, a alma gémea que a cada dia o vem completando.

Está sempre a tua mãocom a minha, tão juntinha,que já faço confusão,qual é tua? qual é minha?

Professora de corpo e alma, dedicada aos seus alunos, enquanto o seu espírito vaja na busca de um sonho:

Quisera o sonho agarrar na palma da minha mão, usar de tinta e papel para depois o pintar cor de perfume e de mel... Quisera fazer do sonho vento forte do tufão, arrastando o mundo louco... ... que não tira os pés do chão!

Muito haveria que dizer acerca deste casal – Professores Adriano Vasco Rodrigues e Maria da Assunção – tantas as faces que as suas vidas, como os diamantes, nos revelam. São ambos de boas origens e com virtudes de alta qualidade: humanidade, trabalho, honestidade, tenacidade, amizade e solidariedade. Muitas das nossas terras os consideram como seus: Meda, Almeida, Figueira, Longroiva, Belmonte, Moncorvo, Angola, Bruxelas... Em todos estes lugares há placas com os seus nomes em ruas, avenidas, bibliotecas,

Page 200: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

200

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

salas de estudo. E compreende-se: a sua terra é aquela onde, desde logo, já deixaram muito de si, a sua amizade, o seu saber, a sua docilidade, a sua presença, o seu coração, em suma.

Por isso, não tenha ciúmes o lindo Felgar, tão bem cantado pela Dra. Maria da Assunção. Nem tenha inveja a cidade da Guarda, por ter o Professor Adriano Vasco Rodrigues adoptado muitas destas outras terras como se qualquer delas fosse o seu torrão natal. Ambos são cidadãos inteiros e de pleno direito das comunidades a que têm dado o seu esforço e o seu amor.

Valeu a pena que as “orquídeas” tivessem dito coisas

misteriosas e que os reflexos da “luz” sobre as pessoas e os objetos tenham ajudado, em cada dia, a interpretar o mundo de ontem e de hoje, como ambos nos mostram ainda, felizmente, através da sua vida e da sua obra.

Page 201: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

201

Percursos de razão e afetos

UM CIDADÃO DO MUNDO

Márcia Trabulo*

O meu Pai, que na Meda fez, com distinção, o exame do 2.º grau elementar, teve o privilégio de ser aluno do Professor Arnaldo do Nascimento Rodrigues.

Recorda bem a mota de dois lugares e o cavalo Brilhante que de Longroiva transportavam para a Meda aquele distinto Professor e sua Esposa. Evoca também, com saudade, os laços de amizade e consideração que desde sempre uniram as nossas famílias.

Da análise do notável perfil profissional do Professor Adriano Vasco Rodrigues, destacam-se, de imediato, as vertentes de investigador, historiador, escritor e educador, pautadas pelo elevado padrão ético e humanístico que sempre orientou a sua vida. A sua obra espelha claramente a polivalência do seu multifacetado talento que, dividido entre a investigação e a docência, frutificou em valiosas atividades e publicações, de índole científica, arqueológica,

* Advogada; escritora.

Page 202: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

202

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

etnográfica, histórica e educativa, que o tornaram internacionalmente conhecido como embaixador cultural do nosso país.

Foi o primeiro Diretor português da Schola Europaea, que, frequentada por alunos de 32 nacionalidades, foi distinguida, durante a vigência da sua direção, como School Zonder Racismus (Escola sem Racismo). Nos anos em que esteve à frente desta Escola, o Professor Adriano Vasco Rodrigues presidiu a numerosos seminários e cursos internacionais de atualização de docentes de várias seções linguísticas. Criou, naquela Escola, uma cadeira de Língua e Religião Hebraica e uma cadeira de Língua e Religião Islâmica. Depois de regressar a Portugal, trabalhou em Investigação, na Universidade Portucalense, tendo ali realizado cursos livres, de que se destacam os cursos de Arte Africana, de Educação para a Europa e de História das Religiões.

De entre as associações culturais internacionais a que pertence, citam-se a Associação Brasileira de Folclore, e a Associação de Amizade Portugal-Israel.

E de entre as merecidas homenagens internacionais de que foi alvo, salienta-se a que, em 1996, em Londres, lhe foi prestada pelos Chefes das Delegações dos Ministérios da Educação. Das numerosas homenagens nacionais de que o ilustre Professor tem sido alvo, destaca-se a Condecoração da Ordem do Infante Dom Henrique, que na Bélgica, em nome do Presidente da República, o Embaixador de Portugal, em julho de 1996 lhe entregou, e as calorosas

Page 203: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

203

Percursos de razão e afetos

homenagens que a na cidade e distrito da Guarda lhe têm sido prestadas.

Em Longroiva, foi dado o seu nome à rua em que se situa a casa em que residiram os seus Pais. E o Município da Meda honrou com o nome do Professor Adriano Vasco Rodrigues, uma das suas avenidas.

Sua Esposa, a Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues, natural de Felgar (Torre de Moncorvo), licenciada em Ciências Históricas e Filosóficas, foi Professora e Metodóloga de Filosofia e Técnica da União Europeia, na Bélgica, para a elaboração dos programas e ensino destas matérias. Participou em muitas das investigações e deambulações culturais, através do mundo protagonizadas por seu Marido e, como inspirada poetisa, rodeou a sua Família de belos poemas que veiculam elevados e humanísticos valores. Porquê mais que nada? é o título de um dos seus mais representativos livros de poemas.

O honroso currículo do Professor Adriano Vasco Rodrigues, cidadão do mundo, homem sábio e comunicador nato, é tão rico, vasto e denso, que chegaria para engrandecer e enobrecer, não um, mas muitos investigadores.

Terminamos com um sincero Bem-Haja, pelo seu exemplo, pelos valores que nos inculcou, e por nunca deixar esmorecer a sua “confiança na capacidade humana de construir um mundo melhor”.

Page 204: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 205: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

205

Percursos de razão e afetos

ALGUMAS SENTIDAS PALAVRAS

Maria Adelaide Valente*

Conheci a Senhora Dra. Assunção andava eu pelos dezasseis anos, sendo discente de Filosofia, no Liceu Alexandre Herculano, onde a sua juventude de espírito, paciente e sábia, nos abria as portas desse enorme “amor pela sabedoria”, a nós, jovens, completamente conscientes da nossa ignorância . Assim definiu Pitágoras a matéria que era ministrada pela cara Professora, levando tão a sério e de forma tão dadivosa o que nos ensinava que, havendo dúvidas, chegava a receber-nos em sua casa, lá para as bandas do Cinema Vale Formoso, e tudo isso apesar de se aproximar o momento de ser mãe.

Muitos anos mais tarde, haveria eu de encontrá-la nos trilhos da poesia que tão belamente percorreu.

Muitos anos mais tarde, haveria eu de saber como a querida mestra e seu marido, o Senhor Professor Adriano

* Aluna de Maria de Assunção Carqueja.

Page 206: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

206

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Vasco Rodrigues, teriam feito caminho luminoso, vivaz e de enorme prestígio.

Muitos anos mais tarde, aqui estou, carinhosamente, prestando-lhe a minha homenagem com uma admiração sempre primeva e doce. Como ontem, quando, de tranças negras, a demandava lá para as bandas do Vale Formoso onde desvelada e exemplarmente me acolhia.

Por tudo o que fez, o que deu e o que é, estar eu nestas páginas só pode significar enorme privilégio e gratidão.

Page 207: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

207

Percursos de razão e afetos

MEMÓRIAS VISITADAS

Maria Clara Constantino*

O que me suscita verdadeiro encantamento é a maneira como a Assunção soube privilegiar a família, no conjunto sempre amado dos seus deveres. Foi a família o lugar da felicidade; tal como o da relação com os amigos o foi da lealdade

A conjugalidade é vivida, instante a instante, como encontro e companhia quer no trabalho a distância quer nos serões, lado a lado, em tarefas de elaboração intelectual ou mero entretenimento manual, artístico, de modelagem, como ocorreu nos períodos – longos períodos – de padecimento físico

O aproveitamento compacto do tempo, projetando a ordem nas múltiplas tarefas, sedimentava nos filhos e netos o culto, o gosto pelo trabalho e pela iniciativa em que a arte marcava sempre uma presença harmonizante... E este foi o clima projetado à sua volta, num processo de espontânea

* Colega de Faculdade de Maria de Assunção Carqueja.

Page 208: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

208

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

pedagogia que se insinuava, operando sem violência, num profundo respeito do outro.

Na juventude, o esboço de uma personalidade rica, multifacética, dotada de uma impulsão vulcânica apaixonada mas, simultaneamente, contida perante o outro, manifestava-se numa desconcertante simplicidade, quase infantil na sinceridade. Fazia pressentir a figura que, após décadas de afastamento em continentes distantes, reencontro exposta na história de uma existência preenchida de realidades valiosas e vivências felizes e partilhadas. Eis o que justifica a dedicatória manuscrita que Assunção me dirige no seu livro de poemas Os Tempos do Tempo: ”...recordando uma velha amizade que o tempo não levou...”. E sublinho a mensagem, que nos revela o seu segredo, na poesia Caminhos da Amizade... que passo a transcrever:

Não deixes erva crescernos caminhos da amizade”,é um ditado chinês,que, como podemos ver,traduz bem uma verdademesmo para o português.Caímos numa rotinaque nos amarra e enerva.É a tensão que dominae é tal a letargiaque vai crescendo a ervaneste nosso dia-a-dia...O cansaço nos invade.

Page 209: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

209

Percursos de razão e afetos

E vamos sempre adiandolimpar a erva do chão...Vivemos na ansiedade.O tempo vai apagandocaminhos do coração!...

A Filosofia, saboreada nos tempos da Faculdade e digerida ao longo da vida, ganha, em Maria da Assunção, reproduzida em atos significantes, também traduzidos em versos, um tipo – será protótipo? – existencial. E eu diria: eis a forma do filosofar português!

Page 210: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 211: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

211

Percursos de razão e afetos

RECORDANDO...

Maria do Amparo (Farrica)*

Conheci o Adriano Vasco Rodrigues em Coimbra, nos nosso bons tempos de estudantes. Frequentámos, juntos, a disciplina de História dos Descobrimentos, pertencendo, no entanto, a cursos diferentes. Impressionava-me o seu porte, a maneira de ser, o seu ar de um senhor… Impunha respeito.

Voltei a encontrá-lo, mais tarde, em Luanda, como Inspetor dos Serviços de Educação de Angola, era eu, então, Professora do Liceu Feminino Dona Guiomar de Lencastre. Por dever de ofício, tivemos de privar. Nem sempre foi fácil! Para ambos!

Trabalhámos, depois, juntos, na Escola Secundária António Nobre e é, desses tempos, que guardo excelentes recordações de sã camaradagem, de partilha de experiências, de inesquecíveis vivências – uma excursão à sua terra natal na Beira Alta, com boas peripécias e com os

* Colega de estudos e de trabalho de Adriano Vasco Rodrigues.

Page 212: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

212

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

alunos, para quem ele, tão cuidadosamente, preparava aulas interessantíssimas, de acordo com as várias tendências, que já se evidenciavam!

Sempre os ouvi manifestarem-lhe grande apreço!Gabo-lhe a extraordinária capacidade de doação e

empenhamento e agradeço as ideias fantásticas que comigo partilhou e a sua tolerância de caráter, que também muito me ensinou…

Obrigada, Vasco, bem-haja!No momento em que nos juntamos para vos

homenagear, é com muito agrado que aqui deixo este testemunho.

Ao Adriano e à Maria da Assunção, um abraço de muita amizade.

Page 213: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

213

Percursos de razão e afetos

NA VERDADE A ALMA FALA

Maria do Amparo Dias Silva*

Tantas memórias. Amizades. Ligações que não se quebram. Nunca. Foram-se, apenas, alguns nomes. Um dia (lembro-me como se fosse hoje), era eu uma jovem estagiária no Liceu D. Manuel II, no Porto, e ia dar uma aula a alunos do sétimo ano (décimo segundo atual). Como ditavam as regras, essa aula ia ser assistida pelo Metodólogo do grupo, no meu caso, o insigne Dr. Augusto Medina.

Elegi este senhor, como um verdadeiro mestre, pois além de nos transmitir saberes, levava-nos (sem querer, sem passar por uma decisão racional) ao contacto com o nosso próprio saber. Nas aulas a que assistia, costumava sentar-se no fundo da sala e tinha o hábito de, para afinar a sua atenção e ouvir melhor, colocar a mão direita no pavilhão auricular. Nesta posição, nada escapava na colheita de amostras reais. No fim da atuação, brindava, com o seu

* Estagiária do Liceu D. Manuel II, quando Adriano Vasco Rodrigues era, aqui, Professor.

Page 214: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

214

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

sentido de justiça e alguma graça, o apreensivo estagiário com a respetiva apreciação.

Nesse bendito dia, da referida aula, a campainha tocou e, já prestes a entrar na sala – sorte a minha! – vislumbrei, no corredor, o Dr. Seixas, Metodólogo de Físico- -Química, o Dr. Dias da Silva, Vice-Reitor, e o Dr. Vasco Rodrigues, Professor de História e de Filosofia deste Liceu (e anteriormente, aqui, aluno), que vinham convidar o meu mestre para os acompanhar num café. Convite aceite, lá foram num maravilhoso gosto de rir e de falar.

Sem dar disso conta, o Dr. Vasco Rodrigues, responsável pela pausa dos colegas e num gesto característico da sua espontânea alegria e afabilidade, não só adiou a dura prova como lhe atenuou a dificuldade – o quadro, leve e informal, retirou-lhe transcendência. Intimamente, agradeci-lhe mil vezes a providencial ajuda, como se da alma viesse.

Este é, apenas, um episódio simbólico com que ilustro a conduta deste pedagogo, humanista e estudioso ímpar, ao longo de toda a sua vida. Inúmeras gerações de alunos permanecem com ele na sua memória, uma memória que o reverencia e que se alastra a todos os que com ele privaram. Em todos os domínios foi presente, orientou, abriu caminhos, engrandeceu.

Dra. Maria da Assunção e Dr. Adriano, a nossa ligação passa por outro episódio, igualmente, forte – o Felgar, a terra que nos é comum pela origem, pelo coração, pelas vivências.

Bem-hajam, hoje e sempre. Um abraço. Um sorriso. Até breve.

Page 215: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

215

Percursos de razão e afetos

DE BRUXELAS COM SAUDADE

Maria Manuel Gomes da Costa Pinto Gandra*

Em 1991 eu estava em Bruxelas cumprindo um

sonho ou uma ilusão: a divulgação da cultura portuguesa. Um Leitorado em Gand. A fundação da Orfeu Livraria Portuguesa em Bruxelas.

Em 1991 eu tivera um violento desaire de saúde.Numa tarde de sábado na Orfeu, em plena

convalescença, vejo entrar portas adentro a minha Professora de Filosofia e o marido que só conhecia por ser uma figura pública.

– Maria Manuel! – Era a Doutora Maria da Assunção Carqueja que soubera que esta sua antiga aluna vivia em Bruxelas e estivera gravemente doente.

Viera com o marido, o Doutor Adriano Vasco Rodrigues, então Diretor da Escola Europeia de Mol, pequena cidade onde moravam.

* Aluna de Maria de Assunção Carqueja; colega de Adriano Vasco Rodri-gues na Escola Europeia.

Page 216: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

216

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

São assim estes grandes amigos: generosos, solidários, abnegados!

Difícil é imaginar o meu espanto, a minha comoção, quando trinta anos depois vem ao meu encontro a melhor Professora que me coube em sorte nesse temível Liceu Carolina Michaëllis, onde talvez só ela me tenha interrogado sobre o sonho!

Com o seu modo doce mas firme aprendi a pensar, encontrei algumas respostas e muitas interrogações, confirmei a inteireza de caráter como coisa primordial, descobri que, afinal, o diálogo livre era possível nesse espaço-tempo repressivo do meu ensino secundário.

A sua voz pausada, segura, conduzia-nos ao essencial. A sua cabeça, ligeiramente de lado, traduzia a tolerância

e a escuta.A vivacidade e a profundidade das abordagens pren-

diam-nos em silêncio fecundo e faziam-nos rejeitar os ba-fien tos manuais de então.

O seu exemplo foi um esteio à minha escolha profissional no deserto pedagógico que era o Carolina.

Quem me dera que um aluno, um só dos meus alunos, me recordasse com o mesmo carinho com que recordo a minha Professora de Filosofia!

Em 1991 eu estava em Bruxelas e levava Camões e Pessoa até Gand. Pouco depois, o Dr. Adriano Vasco Rodrigues pediu-me que os levasse até Mol aos meninos da emigração que, pela sua mão, puderam frequentar a Escola Europeia de Mol.

Page 217: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

217

Percursos de razão e afetos

Então, conheci dois novos amigos: o meu Diretor e a sua esposa.

A Dra. Assunção Carqueja não era já (embora o fique sempre!) a minha melhor Professora, mas uma colega mais velha, amiga maternal e intuitiva, a quem, num momento em que a minha vida tremeu, sem que nada soubesse, ouvi observar “eu sabia que havia qualquer coisa...”

O meu Diretor deixou também em mim uma marca indelével.

Atento, preocupado, justo. Profundamente humano com alunos e professores.

Na Escola de Mol, dominada por europeus do norte, geralmente, racionais, práticos, frios, entre a estranheza e a admiração, deixou a imagem lendária de um Diretor democrata, humanista, arguto e próximo de todos os professores.

Uma das coisas que mais lhe admiravamos era a simplicidade com que vinha à sala de professores dar notícias do que se passara nas reuniões do Conselho Superior das Escolas Europeias em vez de fazer circular a lacónica informação escrita como era prática dos diretores.

A versatilidade da sua cultura era outro motivo de admiração dos colegas, pois tanto discutia de um achado arqueológico, como agarrava numa guitarra para acompanhar um pai imigrante no fado.

Nos anos em que dirigiu a escola de Mol bateu-se pelo acesso dos filhos de compatriotas residentes na região de Antuérpia ao ensino de elite das escolas europeias, proporcionando-lhes o acompanhamento de professores

Page 218: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

218

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

portugueses em língua materna e matemática e lutando pelo subsídio de transporte que então era possível obter do estado português.

Incansável no amor à sua terra, organizou viagens de que alguns colegas ainda hoje me falam com nostalgia.

Andarilho curioso, recolheu nos muitos mercados de antiguidades e velharias que frequentava, material sobre o qual apaixonadamente refletia e connosco partilhava a reflexão.

A partilha, a solidariedade, a nobreza de caráter, a força das convições, mesmo quando diferíamos, são marcas indeléveis que permanecem à distância da sorte que tive no convívio com estes dois grandes Amigos e me deixam muita, muita saudade.

Todo o bem-hajam pela Amizade, pelas lições de vida

e pelo privilégio de convosco ter partilhado uma parte da caminhada!

Page 219: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

219

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO RODRIGUESUM HOMEM ILUSTRE QUE HONRA

A GUARDA E O DISTRITO

Mário Cameira Serra*

Muito honrado com o pedido que me foi endereçado para redigir um breve depoimento sobre um ilustre guardense, antevi um desafio deveras gratificante mas, simultaneamente, muito árduo. Gratificante, por ter sido formulado por dois amigos, a Dra. Adília Fonseca, que tantas saudades deixou pela competência e qualidades humanas demonstradas no curto período de docência na Escola Normal de Educadores de Infância da Guarda, e o meu colega Professor Lima Garcia, atual Diretor da Revista Altitude. A incumbência é ainda mais prazenteira por ter como alvo uma pessoa que muito admiro e a quem me ligam, de igual modo, velhos mas firmes laços de amizade. Em contrapartida, fiquei confrontado com uma árdua tarefa, dada a extrema dificuldade em focar a atenção na totalidade e universalidade das áreas de investigação e intervenção

* Professor do Ensino Superior.

Page 220: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

220

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

do Professor Adriano Vasco Rodrigues. Além da minha manifesta incapacidade para aceitar tamanha empresa, iria correr o risco de repetir o que outros, bem melhor do que eu, irão decerto escrever sobre este guardense ilustre.

Estou certo que não faltará quem lhe louve as elevadas qualidades de pedagogo, historiador, arqueólogo e etnólogo, atestadas na qualidade científica e na vastidão da obra que deu à estampa. Porém, prefiro evocar a sua ação empenhada na direção da revista Altitude e no desempenho das funções de Governador Civil do Distrito da Guarda.

Com indestrutível entusiasmo, perseverança e capa- cidade de persuasão junto dos municípios, conseguiu dar vida longa a essa revista cultural editada pela Assembleia Distrital da Guarda. Ainda retenho a ação incentivadora junto de jovens estudiosos da arte e da cultura, que, perante o seu entusiasmo e inconformismo intelectual, o elegeram como referência inspiradora. Era impossível resistir ao fulgor da sua empatia e ao poder de atração do seu exemplo. Eu próprio fui contagiado pela sua vontade de mais saber, numa altura em que, calcorreando as azinhagas dos povoados da Beira, procurava resgatar do esquecimento geral muitas tradições lúdicas e festivas. Como seria possível recusar os seus constantes encorajamentos para investigar e trazer à luz singularidades cujo interesse histórico ou etnográfico ele fazia questão de atestar?

Como eu, muitos outros foram por si arrastados nesta “onda”, que conseguiu varrer a apatia e a inépcia instaladas na sociedade guardense, no início dos anos 80. Apesar de investigador incansável, que ocupava no estudo muitas

Page 221: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

221

Percursos de razão e afetos

horas do seu quotidiano, e não obstante a exigência das suas funções oficiais, Vasco Rodrigues, numa visão altruísta, nunca negou a sua participação em inúmeros colóquios, por todos os cantos do distrito. Comunicador nato, discursava com singeleza e naturalidade sobre um vastíssimo leque de saberes, sendo percebido e apreciado mesmo pelos não especialistas. Em momento algum vi ofuscar o brilho da sua inteligência ou declinar o entusiasmo que punha na interação com pessoas de diferentes níveis de formação ou condição social.

Nos poucos anos em que ocupou a cadeira do Governo Civil, Adriano Vasco Rodrigues não se desviou das suas preocupações humanistas. Manteve a mesma vivacidade e lhaneza de trato, privilegiando a defesa do património cultural do distrito. No desempenho destas funções, nunca se deixou converter num mero funcionário político, seguidista e reprodutor das orientações partidárias e das diretivas do poder central. Ao contrário, sem perder a verticalidade, continuou a ser o mesmo lutador intransigente pela nobre causa da cultura, mostrando também uma grande preocupação em contribuir, dentro das suas possibilidades, para a melhoria das condições sociais e económicas da população do distrito.

Autor de uma obra que dispensa quaisquer encómios, este estudioso de terras e gentes aliou às invejáveis qualidades intelectuais e volitivas uma elevada estatura moral. Ousou, fez obra, conquistou amigos e abriu novos horizontes.

Page 222: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

222

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Esta justíssima homenagem que agora lhe está a ser prestada em Torre de Moncorvo, aliada a muitas outras distinções com que já foi cumulado, não deve ser entendida como um epílogo da sua capacidade criadora. Ao contrário, é minha convição que o homenageado continuará, por muitos anos, a surpreender-nos com novos contributos a juntar à sua relevante produção bibliográfica.

O Professor Adriano Vasco Rodrigues derramou os frutos da sua inteligência e generosidade por várias terras, países e continentes. Mas, a meu ver, foi na sua terra e no seu distrito que entregou o legado mais valioso e granjeou o respeito, a amizade e o reconhecimento dos seus concidadãos.

Pelo que ficou escrito neste breve apontamento e pelo muito que, estou certo, muitos admiradores e amigos não deixarão de acrescentar, não restam dúvidas de que Adriano Vasco Rodrigues merece um lugar de destaque no painel dos guardenses mais ilustres.

Page 223: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

223

Percursos de razão e afetos

AS JÓIAS DE HELENA

Mário Cláudio*

Nos finais da década de cinquenta, e em vésperas das revoluções que transformariam o pensamento, e a sensibilidade, do século XX, o professor afável, dialogante e culto, constituía verdadeira raridade, reticentemente sufragada pela pedagogia oficial. Maria da Assunção Carqueja, docente de Filosofia dos alunos que por essa altura frequentavam o terceiro ciclo do Liceu de Alexandre Herculano, prefigurava a admirável exceção. Punha- -se diante de nós, brandindo a caneta com que redigia os sumários, e não o ponteiro de arrogantes conotações, e falava-nos de um conhecimento amplo, veiculando informes sobre as aldeias transmontanas de raiz cripto- -judaica, sobre a duvidosa política de construção dos altos fornos, e muito sobre a faina arqueológica de seu marido, Adriano Vasco Rodrigues, que recuperava civilizações e culturas, sepultadas pelo peso da terra.

* Aluno de Maria da Assunção Carqueja.

Page 224: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

224

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Daí que, ao ler eu, alguns anos decorridos, o relato das escavações que Heinrich Schliemann efetuara em Tróia e Micenas, me recordasse do casal de mestres portugueses. Penetrava o intuitivo arqueólogo alemão, seguido pela companheira, e a horas mortas, numa esconsa galeria, e topavam ambos com o tesouro de Príamo. Ainda hoje tenho a certeza de que, se fosse Adriano Vasco Rodrigues a desentranhar o fabuloso achado, não hesitaria em proceder como Schliemann, ataviando com os brincos e o colar, supostamente de Helena, a mulher real, mas nem por isso menos mítica, de toda a sua vida.

Page 225: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

225

Percursos de razão e afetos

MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA E ADRIANO VASCO RODRIGUES

FIGURAS NOTÁVEIS DA CULTURA PORTUGUESA

Nuno de Santa Maria Pascoal*

A bela Província de Trás-os-Montes e Alto Douro, de paisagens emblemáticas, majestosas e surpreendentes, o “belo horrível”, no dizer de Guerra Junqueiro, pode legitimamente ufanar-se de ter tido – como tem – grandes escritores.

Não é necessário, hoje e aqui, mencioná-los e propagá- -los, tão conhecidos e admirados como são.

Mas, a alguns que militam ainda afanosamente nas letras e engrandecem, em cada dia, o património cultural de Trás- -os-Montes e Alto Douro, bom é que sejam colocados no pódio a que têm direito: hoje, falamos, apenas, do Professor Dr. Adriano Rodrigues e da sua extremosa mulher, Dra. Assunção Carqueja Rodrigues. Antes de mais, façamos a sua apresentação, servindo-nos dos seus próprios textos.

* Advogado; jornalista.

Page 226: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

226

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Diz-nos Adriano Vasco Rodrigues: “Fui gerado e criado em Terras da Meda. De meus Pais, que aqui exerceram a docência, herdei o amor à Natureza e às gentes. Despertaram-me o interesse pela história local. Minha Mãe foi a primeira professora de Longroiva, ali exerceu durante trinta e seis anos.

A povoação honrou-lhe a memória com uma lápide.Meu pai foi docente neste concelho, durante quase

uma trintena de anos, lecionando na Coriscada, na Fonte Longa e na Vila (hoje cidade) onde foi Delegado Escolar”.

“Maria da Assunção Carqueja Rodrigues nasceu no Felgar. Licenciou-se em Ciências históricas e filosóficas, na Universidade de Coimbra. Profissionalizou-se no Porto, com estágio e exame de Estado para o exercício da docência liceal em História e Filosofia. Foi Professora e Metodóloga de Filosofia e, também, técnica da União Europeia (Bélgica) para os programas e ensino destas matérias”.

Muitos livros saíram já da pena do Professor Dr. Adriano Vasco Rodrigues, igualmente da Dra. Assunção Carqueja Rodrigues, sobre os quais outros, com capacidade bem superior à minha, saberão tecer criticas e os devidos elogios. Mas quero, particularmente, referir-me a Terras da Meda, natureza, cultura e património e, também, a Felgar, quer um quer outro ilustrativos do seu acendrado amor pelas terras onde foram gerados e, do mesmo passo, ambos documentos genuínos do amor à família e da autêntica comunhão familiar. Para asseverar isto mesmo, o Professor Dr. Adriano Vasco Rodrigues e a Dra. Assunção

Page 227: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

227

Percursos de razão e afetos

Carqueja Rodrigues são co-autores de uma destas preciosas monografias, constituindo um património cultural comum.

O livro Terras da Meda, natureza, cultura e património é uma monografia grandiosa, de mais de quinhentas páginas, que disseca e põe na frente dos nossos olhos tudo quanto, ao longo dos séculos até hoje, o que as terras da Meda têm de mais valioso, arqueologicamente mais relevante, as vicissitudes que sofreram, os seus costumes e tradições. Em destaque, dado que o seu coração para ela pende, a sua Longroiva, porque foi lá, como o Dr. Adriano confessa, “que herdou o amor à Natureza e às gentes”.

Ainda muito novo, já procedia a escavações arqueoló-gicas e o seu pecúlio de moedas, sobretudo romanas, tornou-se proverbial – amealhou mais de vinte e cinco mil...

Sempre junto das classes humildes, entre as quais granjeou devotados amigos e admiradores, percorria a aldeia tocando cavaquinho seguido pelos populares. Era já, como continua a ser, um timoneiro.

Como Professor é um gigante, semeando a cultura e o bem. A este respeito não se resiste trazer à colação o que é narrado no livro De Cabinda ao Namibe – Memórias de Angola, a páginas 378 até 386, por ser um depoimento definidor da personalidade bem formada, da sensibilidade moral, do prestígio profissional e da luta pela justiça, assim como da alta dignidade do Ensino, sendo esta a prática corrente do Senhor Professor Adriano Vasco Rodrigues. A sua atitude firme e determinante impeliu-o a, deliberadamente, regressar a Portugal, quando, até aí, se sentia feliz em

Page 228: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

228

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Angola. Foi a defesa da verdade e a solidariedade para com uma colega de trabalho, tremendamente injustiçada, que o levaram a tomar tal decisão. Não pactuou com a prepotên- cia a arbitrariedade de um superior hierárquico. Trata-se de um testemunho impressionante, revelador, também, de que o autor de De Cabinda ao Namibe – Memórias de Angola partici-pou “na batalha da educação, que afinal era a batalha da paz”. É assim o caráter honesto, verdadeiramente superior, do Dr. Adriano Vasco Rodrigues.

Felgar é, sobretudo, um testemunho amoroso da sua alma gémea e extremosa esposa, Dra. Maria da Assunção. Sendo co-autores desta monografia fizeram questão de a dedicar aos seus pais e sogros com a gratidão e saudade que lhes concitam. Tanto em Longroiva, como no Felgar, o amor, a saudade e a gratidão aos Pais de ambos são sentimentos cimeiros. E para que estes livros tivessem, verdadeiramente, um cunho familiar e telúrico, os filhos e netos do casal deram a sua participação, fazendo desenhos alusivos e representativos dessa união.

Não admira que Armando Pimentel, ele próprio transmontano ilustre, em prefácio amistoso e jocoso da esplêndida monografia Felgar, se lhes dirigisse nestes termos: “É de justiça reconhecer que quando Vasco e Assunção deram as mãos e acertaram passo neste caminho da vida nasceu para a cultura, para o acréscimo da sabedoria, uma força criativa que (deixem-me escrever o termo duro), se «fartou» de aí (nessas cultura, nessa sabedoria), produzir

Page 229: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

229

Percursos de razão e afetos

riqueza». É que, sendo ambos «alguém de saber grande, com amor e ato de bem querer deixam memória escrita”.

“Sabedoria é a perseguição da verdade ou a habilidade para ver a realidade tal como ela é” (in A Sabedoria, Definição multidimensional e Avaliação, de Paulo Jorge Alves). De acordo com esta definição, o Professor Dr. Adriano e a Dra. Maria da Assunção têm-na praticado com evidente sucesso, ao longo de toda a sua vida. Bem merecem ser apelidados de sábios da cultura.

Seria imperdoável, além de muito injusto, não referir que a Dra. Maria da Assunção é autora de inúmeros poemas cheios de ternura, beleza e encanto, nos quais a sua veia filosófica tem um relevante lugar.

Porquê mais que nada (2002) e Os Tempos do Tempo (2005) são dois livros que deliciam pela sonoridade, pela elegância da forma, pela grandeza das ideias, pela finura do sentimento e que nos guindam até à altura da melhor poesia. Em 2008, saiu à estampa Jardim da Alma, que culmina, até agora, um caminho poético de maravilha, livro que se lê de um trago, como com um olhar de florido jardim se contempla o que mais nos deleita: as flores matizadas de cores encantadas. Jardim da Alma é um jardim aberto para regozijo dos leitores. O soneto intitulado “Sim!”, conectado com o soneto “A sorrir...” são um conluio amoroso sem par:

A sorrir nós iremos mais em frentetalvez para ensinar à outra genteque não pode esquecer o verbo amar!

Page 230: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

230

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Por isso, quando o casal celebrou as suas Bodas de Ouro de casamento, a Dra. Assunção brindou o marido com o soneto intitulado “Sim!” que, no primeiro terceto refere:

À nossa volta tudo tem sentido:conversas, gargalhadas e ruídono Lar que no Altar se consagrou!”

Neste soneto confessa: “Se fosse agora, voltava a dizer Sim!”.

Continue, Dra. Assunção, nesse seu trajeto ascensional para gáudio dos seus leitores, que muito têm a aprender consigo.

Saudemos tão excelsa e lídima união familiar.

Page 231: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

231

Percursos de razão e afetos

ABERTURA AO OUTRO, AO MUNDO, AO CONHECIMENTO:

LIÇÃO DE ASSUNÇÃO CARQUEJA / ADRIANO VASCO RODRIGUES.

Otília Lage*

Mais tarde será tarde e já é tarde (…). Sophia de Mello Breyner Andresen

Obra Poética III

Assunção e Adriano Rodrigues, mal começam a falar, conversadores afáveis, com vidas e histórias fascinantes para contar, percebe-se de imediato que estamos na presença de duas pessoas que precisamos de conhecer.

Maria da Assunção Carqueja Rodrigues e Adriano Vasco Rodrigues são, verdadeiramente, e a todos os títulos, contagiantes!

Talvez por isso e por se tratar de pessoas de grande cultura e de saberes diversificados, os estudos que lhes têm sido dedicados designadamente enquanto investigadores,

* Colega de trabalho de Maria de Assunção Carqueja.

Page 232: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

232

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

apenas foram até agora, objeto de trabalhos fragmentários e isolados, o que tem impedido que lhes seja atribuído o papel de primeiro plano que na área de seus interesses e especialidades assumem.

Mensagem e narrativa solidária é, simplesmente, um texto escrito em homenagem a Maria da Assunção Carqueja Rodrigues e Adriano Vasco Rodrigues, Professores cuja ação pedagógica e cultural cedo os retirou do anonimato, estudiosos plurifacetados e exemplo de humanidade, cidadania e compromisso ético para diversas gerações de profissionais da História e da Filosofia e de investigadores das regiões da Beira, Trás-os-Montes e Alto Douro, da história regional de Portugal e de outras latitudes no estrangeiro.

Uma “rota a dois” tendo por “desafio a liberdade e como estímulo o Amor”

Um indívíduo reconhece-se na história que conta a si próprio sobre si próprio

Paul Ricouer, 1994

Incansáveis investigadores e patronos “de facto e de direito” do Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social (CEPIHS), cumpre a este tributar-lhes o devido reconhecimento público pelo muito que lhes deve no impulso para a sua criação e crescimento no seu primeiro ano de existência.

Page 233: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

233

Percursos de razão e afetos

De largos horizontes, como as suas terras de origem, são as suas vidas e obras, difíceis de abarcar em espaços- -tempos curtos, como aqueles em que nos movemos aqui.

Por isso, sendo um privilégio tê-los como amigos, no nosso caso, de longa data, sob a invocação da amizade, a ambos cara, nos arrimamos procurando, ambiciosamente, que no não dito de nossas palavras se possa abrir o espaço propício ao reconhecimento que cada um de si faça, de que nos fala Ricouer.

Licenciados os dois em Ciências Históricas e Filosóficas, pela Universidade de Coimbra onde fizeram também o Curso de Ciências Pedagógicas, na década de 1950, iniciam longa e profícua carreira docente, ao mesmo tempo que escrevem, autonomamente, ou em colaboração, livros escolares de indiscutível sucesso, de que é exemplo Noções de Filosofia (1962), de Assunção Carqueja, ou, de Adriano Vasco Rodrigues, a História Geral da Civilização (2 volumes com 8 edições). A sua obra em colaboração prosseguirá, nomeadamente, em As Trovas do Bandarra – sua influência judaico-cabalística na mística da paz universal, edição de 1982, da Universidade Portucalense, instituição a cuja criação ambos se encontram ligados e, mais recentemente, a obra Felgar: História, Indústrias Artesanais, Património, edição de autores, 2006, ou ainda a Dissertação a propósito da implantação da República em Torre de Moncorvo (2011)1.

1 Revista CEPIHS, n.º 1, janeiro 2011, pp. 161-175.

Page 234: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

234

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

É grande a abrangência da obra de Adriano Vasco Rodrigues que se estende pela História, a História de Arte, a Pré-História e a Arqueologia para além de numerosas monografias sobre a região da Beira de que é natural, assim como a de Assunção Carqueja que se alarga à filosofia (Personalismo, Liberdade e Compromisso, ed. Instituto Liberdade e Democracia, s.d.), à história regional da sua terra de origem, ao estudo de comunidades africanas e à poesia, com vários volumes de poemas publicados: Versos do meu diário (1978), Porquê mais que nada? (2002) e Os tempos do tempo (2005).

Pedagogos e estudiosos polifacetados nos domínios da história, arqueologia e património cultural e histórico, cidadãos ativos e intervenientes, personalidades de cultura e espírito cosmopolista, suas vidas, realizadas e em uníssono, na esfera pública e na privada, têm-se cumprido sempre com a mesma dignidade e sentido de elevação, na profissão e nos estudos, na família construída, nas viagens e estadias de trabalho prolongadas em diversos paises da Europa e também em África. Aliás, diga-se ainda que sobre a história e culturas deste continente ambos escreveram, depois, obras como A dimensão moral nas comunidades africanas de expressão bantu, livro da autoria de Assunção Carqueja editado pela Universidade Portucalense em 1982, ou, mais recentemente, de Adriano Vasco Rodrigues, o livro De Cabinda ao Namibe: Memórias de Angola.

Prodígio de meio século, esta “rota a dois” tendo como “desafio a Liberdade e como estímulo o Amor”, nas

Page 235: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

235

Percursos de razão e afetos

palavras de Adriano Vasco Rodtigues2, é evocado no “Sim” de Assunção Carqueja Rodrigues, soneto com que assinala as suas Bodas de Ouro, a 8 de setembro de 2006.

Aí, como veremos, revive, poeticamente, reminiscên- cias, promessas cumpridas, fidelidades e alegrias de uma história de vida cúmplice onde o amor, imenso, duradouro e intenso, sempre marcou presença3:

Se fosse agora, voltava a dizer Sim!Junto daquele altar; numa promessaEnquanto tu olhavas para mimNum misto de amor; receio e pressa!

A nossa rota a dois nasceu assimE juntos caminahmos bem depressaNum crescendo de Amor; que não tem fimMas que, em cada dia, recomeça…

À nossa volta tudo tem sentido:Conversas, gargalhadas e ruídoDum Lar; que no Altar; se consagrou!

2 Entrevista do Professor Adriano Vasco Rodrigues conduzida por Vic-tor Amaral publicada na revista Altitude, n.º 12, III Série, outubro 2009, pp.287-296.3 Este poema está publicado na revista Altitude n.º 12, III Série, outubro 2009, p. 281. O presente número desta revista regionalista, fundada na Guarda em 1941 e de que Vasco Rodrigues foi, durante muitos anos, Diretor, dedica-lhe um Caderno Especial de Homenagem, páginas 251- -354, importante repositório de informações sobre a vida e obra da no-tável personalidade que é Adriano Vasco Rodrigues.

Page 236: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

236

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Foi só nesta verdade do AmorQue vimos crescer vidas em redore sem as quais não era quem eu sou!

Evocando a poesia, melhor se poderá falar desta notável figura feminina que com sabedoria, coragem de pensamento e determinação de conhecer, honra e enobrece com sua vida e obra, a ainda largamente anónima história das mulheres transmontanas.

Então, sob o signo do dom ancestral, profundo veio de cultura de que ambos estão imbuídos, nos dirigimos, a partir de agora, a cada um, em suas individualidades próprias.

Adriano Vasco Rodrigues, vasta e merecidamente homenageado e condecorado, como político democrata e prestigiado autor4, será o primeiro a concordar connosco em dar aqui a devida primazia a sua companheira de empreendedorismo e utopias.

O generoso sentido de partilha de Maria da Assunção Carqueja Rodrigues

Nascida no Felgar, freguesia de Torre de Moncorvo, Maria da Assunção Carqueja, uma das filhas de Gualdino

4 Cfr. a sua Bio-bibliografia elaborada pelo Arquiteto João Campos, seu amigo, publicada na revista Altitude n.º 12-III série – outubro de 2009, pp. 255-276 e na obra bilingue Adriano Vasco Rodrigues – Almeida: Da pré--história aos nossos dias. Memórias. Câmara Municipal de Almeida, 2010, pp. 177-192.

Page 237: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

237

Percursos de razão e afetos

Carqueja, nome destacado na galeria de felgarenses ilustres, comerciante e exportador de frutos secos da região transmontana, de sucesso, que ainda criança conheci, amigo e colaborador com que meu pai privava, uma vez feitos os estudos primários e secundários, seguiu para Coimbra onde se licenciou e conheceu o que viria a ser seu marido.

Se a formação académica lhe permitiu o longo e criativo exercício de funções docentes, foi na vida intensamente vivida que a sua aprendizagem se ancorou e fez fonte de inspiração de escrita e ação

Lembro, nitidamente, a sua invulgar apetência literária e estimulante capacidade de iniciativa dos tempos em que trabalhámos juntas no Centro de Documentação da Inspeção Geral de Ensino – IGE (Porto), nos anos 1980, quando este serviço do Ministério da Educação se pautava por forte orientação pedagógica e Adriano Vasco Rodrigues era, então, em Lisboa, Diretor-Geral do Ensino Particular e Cooperativo, alta função por cujo exercício viria a ser louvado pelo Ministro da Educação, nos anos 1980, depois de ter sido Reitor do Liceu Piloto, Garcia de Orta, no Porto e de se ter já destacado em muitas outras atividades e cargos exercidos no campo da Educação e da Cultura5.

Tais qualidades, aliadas à sua rica vivência de Professora Metodóloga e larga experiência de direção do Centro de Documentação Científica do Instituto de Investigação Científica de Angola (Luanda), desde 1965 a 1970, impulsionaram-na a escrever com regularidade, durante

5 Cfr. Bio-bibliografia citada.

Page 238: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

238

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

3 anos, no Boletim Informativo e Cultural da Delegação Regional do Norte da IGE, aí divulgando importantes estudos e traduções que ia fazendo sobre ensino, educação, leitura, novidades pedagógicas e metodologias inovadoras.

Desses tempos, inesquecíveis como poucos, lembro também as frequentes e estimulantes tertúlias pedagógicas, literárias e políticas, que com a sua vivacidade e opiniões esclarecidas ajudava a alimentar o nosso “chá das cinco”, duplamente, pois, atenta a todos os pormenores, nunca se esquecia de levar os biscoitos e deliciosas bolachinhas de sua confeção primorosa que, ainda hoje, nos enchem de saudades e nos fazem crescer água na boca.

Entendi, com esta revelação de alguma privacidade, assinalar fragmentos de um trajeto de vida circunstancial- mente partilhado que volveu amizade insofismável, mas sobretudo, chamar a atenção para vertentes quiçá menos conhecidas da marcante personalidade que é a da Dra. Maria da Assunção Carqueja Rodrigues, colaboradora de trabalho intelectual, incansável e insubstituível, amiga imprescindível de todas as horas.

A nível individual, Assunção Carqueja toca-nos, especialmente, com um certo modo de impor o seu pensamento sempre afetivo sobre a realidade quotidiana e concreta, a sua predisposição consensual que não ignora a critica desassombrada, se e quando necessária for, a sua exigência de nunca deixar de ensinar – aprender com os outros, em rigor e alegre vivacidade.

Oxalá, como se pretendia, tenhamos contribuído para corrigir uma relativa injustiça entreabrindo apenas para

Page 239: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

239

Percursos de razão e afetos

outras valiosas dimensões desta notável transmontana, que urge retirar de um limbo recatado a que sempre se remeteu, avessa à mediocridade e vulgaridade mediática.

Não sendo, pois, fácil eleger esta ou aquela de muitas das suas valências, resta-nos ser mais uma das muitas referências a seu nome que atingirá a notoriedade merecida na história da profissão docente e no panorama cultural da nossa região sobre cujas gentes, tradições e tempos tem debruçado, desde longa data, a sua fina atenção de estudiosa.

Na obra que produziu sobre Felgar e Moncorvo, designadamente desde o seu trabalho de licenciatura, Subsídios para uma monografia da vila de Torre de Moncorvo, podem os estudiosos da história e vida local encontrar um importante repositório de informações, dados, memórias e documentos que cobrem vastos arcos temporais.

Registe-se que as suas notáveis qualidades de mulher e os seus múltiplos méritos de Professora de grande abrangência humana e profissional de âmbito histórico – filosófico, cultural e cívico, são porém bem conhecidos de há muito e dos muitos que com ela tiveram o privilégio de aprender e (con)viver.

A hospitalidade e o talento de Adriano Vasco Rodrigues Foi por intermédio da Dra. Assunção Carqueja que

conhecemos pessoalmente o Dr. Adriano Vasco Rodrigues, ele próprio filho dileto também do Felgar e de Moncorvo onde vai e permanece com frequência, e a que tem

Page 240: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

240

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

dedicado muitos dos seus estudos de história, património e arqueologia, sendo acarinhado por instituições e populações cujas tradições, usos e costumes lhe não são alheias. A tal ponto, mutuamente, se adotaram que não raro tem sido Adriano Vasco Rodrigues considerado como figura ilustre das terras de origem de sua mulher.

A empatia que logo surgiu entre nós, seguida de uma sólida amizade mantida pelo cuidar constante da Dra. Assunção Carqueja e que nunca mais deixou de crescer, alimentada pela feliz coincidência de amigos comuns e por idênticos interesses de estudo nas áreas da documentação, educação, história e património cultural, designadamente atinentes a Trás-os-Montes, Alto Douro e Beiras, acabaria por reunir-nos de novo, mais tarde e mais prolongadamente.

Deu-se esse nosso memorável reencontro na Bélgica, em 1992, quando o Professor Adriano Vasco Rodrigues era Diretor da Schola Europaea (Mol), no âmbito da União Europeia, cargo que deteve de 1988-1996, sendo o primeiro português a ocupá-lo e merecendo, pelo prestigioso trabalho que aí desenvolveu, um louvor do Ministro da Educação em 1996. Por essa altura, a Dra. Assunção Carqueja Rodrigues, desempenhava, por sua vez, as funções de técnica científica na área da Filosofia, na mesma escola, próxima de Bruxelas, estabelecimento de ensino integrado (pré-escolar, primário e secundário) fundado em 1960, para educação dos filhos dos membros do pessoal da Comissão Europeia, e com internato a partir de 1985, aberta a crianças e jovens de muitas outras famílias europeias que vivem e trabalham na área. Dotada de quatro seções linguísticas (alemão, inglês,

Page 241: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

241

Percursos de razão e afetos

francês e língua holandesa), a Schola Europaea prepara, ainda, os alunos finalistas do secundário para a obtenção de um diploma europeu de acesso ao ensino superior reconhecido em todas as universidades europeias e em algumas estrangeiras.

É missão desta escola, definida por Jean Monet, pai das Comunidades Europeias, aquando do seu projeto inicial de 1953 “Educar as crianças e os jovens, desde a infância, em igualdade e sem problemas nem preconceitos, dentro de tudo o que é grande e bom nas diferentes culturas, levando-os a crescer e amadurecer juntos. Sem deixar de olhar para as suas próprias terras, com amor e orgulho, eles se tornarão os europeus do futuro, educados e preparados para concluir e consolidar o trabalho que antes deles seus pais desenvolveram e para construir uma Europa unida e próspera.”

Missão com que, a convite do seu talentoso Diretor, o Professor Adriano Vasco Rodrigues, tomámos direto contacto, guiados pela sua douta orientação, durante dois dias, respirando o sábio ambiente pedagógico dos seus agradáveis e bem equipados espaços de aula e de aprendizagens múltiplas extra-escolares, perfeitamente organizados num belo e grande edifício rodeado de verdejantes bosques e jardins que embelezam e protegem esta escola modelo.

Integrava eu, então, juntamente com alguns de seus amigos de infância e antigos colegas de ensino liceal em Lisboa, no Instituto Presidente Sidónio Pais (estabelecimento de ensino para filhos de professores de

Page 242: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

242

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

ensino primário)6, o grupo alargado dessa inesquecível viagem à Bélgica, tornada possível pelo convite e total apoio do Professor Adriano Vasco Rodrigues. Esta viagem e estadia, com o seu permanente acompanhamento, franca hospitalidade e sábia orientação proporcionada pelos seus mais diversos conhecimentos e enorme à-vontade assente numa rede vastíssima de contactos e conhecimentos locais, em breve se transformou numa excecional visita de estudo de natureza histórica, cultural e turística à região norte da Bélgica e a toda a área do antigo e histórico condado da Flandres, foco do moderno capitalismo europeu, durante a baixa Idade Média. Neste tempo, estreitas eram as suas ligações com o nosso país que perduraram por mais alguns séculos de história económica e diplomática partilhada.

Em alegre, seguríssimo e descontraído ambiente de amizade, são convívio cultural, estimulante e enriquecedora vivência, nos acompanhou em todos os dias da nossa estadia, o Professor Adriano Vasco Rodrigues que não deixou de nos proporcionar, também, esclarecedores contactos com pessoas das duas comunidades da Flandres: a flamenga e a

6 Sobre a história social deste Instituto do Professorado Primário Oficial Português (Instituto Sidónio Pais), existente em Lisboa e Porto, durante 75 anos, veja-se o livro FELGUEIRAS, Margarida Louro – Para uma his-tória social do professorado primário em Portugal no século XX. Uma nova famí-lia: O Instituto do Professorado Primário Oficial Português. Porto: Campo das Letras, 2008. Adriano Vasco Rodrigues é, como outras figuras púbicas ex-alunos do Instituto, entrevistado e citado nesta obra cuja autora foi, também ela, aluna do Instituto no Porto.

Page 243: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

243

Percursos de razão e afetos

valona, cujas tendências separatistas e movimentos ativos ainda hoje estão na origem da atual crise política da Bélgica.

Companheiro cordial e atento, guia dos mais cultos que se poderia ambicionar e cicerone excecional, o Professor Adriano Vasco Rodrigues sem deixar nunca de nos guiar, seguro, pelos mais insuspeitados e incríveis trajetos culturais, proporcionou-nos ainda uma inesquecível viagem espácio-temporal. Conhecemos a florescente cultura e pintura flamenga dos sécs XV a XVII, que pudemos apreciar em muitas das igrejas e museus visitados, sem esquecer as belas livrarias e preciosas bibliotecas de antigos conventos hoje reconvertidos em dinâmicos produtores das muitas variedades de cerveja e doçaria artesanal belga, os aprazíveis e acolhedores parques naturais, os mais renomados ou escondidos sítios e ex-libris da história e da literatura europeia, sem esquecer as muitas e atrativas cidades da região, por onde deambulámos, desde Bruxelas. Aqui, gostosamente nos perdemos com a sua gastronomia típica, dos mexilhões aos doces, e admirámos a sua representativa coleção de edifícios arte nova, até muitas outras cidades tão ou mais memoráveis pela sua rica história e excecional beleza, como as históricas cidades de Liège, Gant, Bruges, com suas tradicionais rendas, onde, desde o séc XIII, se encontravam os mercadores portugueses. Também visitámos Antuérpia e as suas ricas e antigas guildas, ou a famosa cidade de Lovaina que continua a ser para os flamengos a capital da Flandres.

Page 244: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

244

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Inesquecível esta viagem como a hospitalidade, o trato solidário e o talento cultural e humano do Professor Adriano Vasco Rodrigues que nos acolheu.

Qual romeiro pagador de promessas, tive pois de voltar ao encontro destes dois seres humanos de exceção, recordando lições de vida, de sabedoria e de ternura que ambos, constantemente, nos prodigalizam.

Do pouco que fica dito se poderá concluir que, se Maria da Assunção Carqueja Rodrigues é uma mulher de destaque da cultura transmontana por aí (man)ter as suas raízes nunca renegadas, ela é para além disso, pelas vivências de uma vida longa e intensa, uma cidadã do mundo.

Adriano Vasco Rodrigues, nobre figura de beirão dos quatro costados e transmontano de adoção, homem que desempenhou com honra e louvor múltiplos e altos cargos nos campos da política, da cultura e da educação e autor de centenas de estudos, livros e trabalhos nas mais variadas áreas, parte deles como bolseiro de prestigiadas entidades nacionais e estrangeiras, afirma-se no nosso panorama político e cultural como incontornável referência.

Ambos, notáveis pedagogos e incansáveis investiga-dores, pelos valores que defendem, pela preservação exemplar de suas identidades, pelas causas por que se têm batido, pelas elevadas preocupações sociais, culturais e pedagógicas, pela qualidade das suas obras, ações e posições de dignidade, merecem todas as homenagens e tributos de seus conterrâneos e dos muitos amigos e admiradores que sempre souberam granjear, com notória consciência social e pública.

Page 245: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

245

Percursos de razão e afetos

Bibliografia consultada

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner – Obra Poética III. Lisboa: Caminho, 1991.

FELGUEIRAS, Margarida Louro – Para uma história social do professorado primário em Portugal no século XX. Uma nova família: O Instituto do Professorado Primário Oficial Português. Porto: Campo das Letras, 2008.

Revista CEPIHS, n.º 1, janeiro 2011. Moncorvo: Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social.

Revista Altitude, nº 12-III série – outubro de 2009. Guarda: Assembleia Distrital da Guarda. Revista Regionalista fundada em 1941.

RICOUER, Paul – Ideologia e Utopia. Lisboa: Edições 70, 1991RODRIGUES, Adriano Vasco Rodrigues, Coord. – Almeida:

Da pré-história aos nossos dias. Memorias. Edição bilingue. Almeida: Câmara Municipal de Almeida, 2010.

RODRIGUES, Maria da Assunção Carqueja, RODRIGUES, Adriano Vasco Rodrigues – Felgar: História, Indústrias artesanais, Património. Edição de Autores, 2006.

Page 246: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 247: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

247

Percursos de razão e afetos

MARIA DA ASSUNÇÃO

Rui Prado Leitão*

É meu privilégio poder falar sobre a “nossa Assunção”, apesar de me sentir muito aquém de saber traduzir as suas reais qualidades literárias tão bem expressas na sua poesia que, carinhosamente, me tem feito chegar.

À Assunção e ao Adriano devo a regularidade das conversas telefónicas, para nos inteirarmos da saúde e, também, por motivos nada altruístas – para revivermos episódios e avivarmos saudades da “nossa Coimbra”, sempre presente.

A Assunção pertencia a um grupo de colegas da Faculdade mais restrito, em termos de convivência e camaradagem. A ela fiquei a dever a disponibilidade dos seus “apontamentos”, uma ajuda fundamental porque a minha letra era ilegível, até para mim. Esta despreocupação permitia-me estar nas aulas com um certo à-vontade e displicência. Numa das muitas fastidiosas aulas de um

* Colega de Faculdade de Maria da Assunção Carqueja.

Page 248: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

248

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Professor de História, eu e um colega do lado trocávamos, à socapa, comentários mais ou menos jocosos sobre o discurso anedótico que ele proferia. A “pobre” da Assunção é que “pagou as favas”, com uma inconveniente advertência do Professor...

Foi também a Assunção que atirou, da janela do segundo andar onde morava, já passava da meia-noite, a “sebenta” de Numismática que eu, desesperadamente, tentava encontrar. Precisava das folhas sobre o “Asse Liberal” que, daí a poucas horas, deveria sair no exame...

Recordar a Assunção é lembrar aqueles cinco anos de alegrias e tristezas, sonhos e realidade, cinco anos de franca camaradagem. As recordações do que vivemos acompanharam-nos até hoje e irão acompanhar-nos até ao fim...

Obrigado, Assunção!Um abraço do Rui para o casal, Assunção e Adriano.

Page 249: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

249

Percursos de razão e afetos

HOMENAGEM AOS PROFESSORES ADRIANO VASCO RODRIGUES

E ASSUNÇÃO CARQUEJA

Telmo Cunha*

O primeiro encontro com o Professor Adriano Vasco Rodrigues aconteceu na década de 50 do século passado, na cidade da Guarda, era eu aluno do Liceu. Rapidamente demos conta que ele era diferente. Habituados a um modelo de Professor e a um estilo de ensino próprio da época, não demorou muito para nos apercebermos de que aquele novo Professor trazia algo de novo, era mais próximo, mais vivo e assertivo, emprestando às aulas, uma dinâmica incomum, e depressa causou uma visível empatia na maioria dos alunos. Foi uma “aragem despertadora” para a mente de muitos jovens daquela época um tanto sombria, no aspeto cultural. Ao ler agora o último número da revista Praça Velha, sei que o encontro ocorreu entre 56 e 58. Neste curto espaço de tempo, deixou a sua “marca” na cidade, quer dentro do Liceu, quer fora dele. Para além de professorar, a sua sede

* Aluno de Adriano Vasco Rodrigues, no Liceu da Guarda.

Page 250: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

250

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

de saber levou-o ao passado, tentando descobrir como era a vida dos homens que por aquelas terras procuraram gerir suas existências. A Arqueologia foi e continua a ser uma das suas paixões. Inconformista e não pactuando com o “marasmo” instalado dentro das portas do Liceu, criou um Grupo de Teatro fora de portas (Teatro do Romanceiro). Com toda a naturalidade e frontalidade, interveio nas eleições presidenciais que entretanto ocorriam, apoiando a candidatura do General Humberto Delgado, o que lhe trouxe o dissabor de ter de abandonar o Liceu no ano seguinte. Basta atentar em todas estas suas iniciativas e atitudes, para concluirmos tratar-se o Professor Adriano de um homem invulgar, que deixa sempre uma intensa impressão e admiração em todos os que com ele contactam mais de perto. Este sentimento, se o convívio se prolongar no tempo, inevitavelmente acabará por criar raízes de uma sã e fraterna amizade, pois a sua afabilidade e constante disponibilidade para o Outro, é algo que lhe é intrínseco, formando parte do seu caráter muito pessoal.

O primeiro encontro deixou-me este agradável e impressivo “retrato”, e sei que o mesmo aconteceu com a grande maioria dos meus colegas de então.

Durante largos anos os nossos caminhos não se cruzaram, apenas me recordo de o saber no cargo de Governador Civil na cidade da Guarda, e de ouvir inúmeros elogios à sua postura política, conseguindo unir num tempo de grande desunião, conseguindo com toda a naturalidade e simplicidade, ser apoiado e desejado por todos os Presidentes dos Executivos Municipais do

Page 251: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

251

Percursos de razão e afetos

distrito. Uma outra vez abandonou o seu posto, tal como tinha acontecido anos atrás no Liceu, devido à sua forte personalidade e à exigência que coloca na defesa dos seus valores e dos princípios em que acredita. Recordo também ter sido deputado na Assembleia da República, onde interveio com a sua habitual fluidez e sempre em coerência com o ser profundo que nele reside.

O segundo encontro foi proporcionado pelos inúmeros convites que recebe das instituições da região beirã, para intervir em acontecimentos de índole cultural e social. Passámos a cruzar-nos em tais eventos, aos quais passei a assistir com bastante frequência, devido sobretudo ao meu ativo papel na feitura do jornal de Almeida (Praça Alta). Agora, já numa fase adulta, comecei a adquirir um melhor conhecimento do nosso querido homenageado, percecionando com maior detalhe a sua rara personalidade. Muito sinceramente, depois de o ouvir dissertar sobre diversos temas, sobre os quais as suas palavras deslizam espontaneamente, saltando de uns para outros, sem qualquer dificuldade, interligando-os no espaço e no tempo, fazendo- -nos assim perceber, como tudo está ligado, fui assaltado por uma grande perplexidade: como conseguia o Professor Adriano V. Rodrigues adquirir tanto conhecimento, de áreas tão diversas do saber? Confesso que foi coisa na qual pensei diversas vezes e que me despertou o meu profundo interesse e uma imensa curiosidade. Todos nós temos as nossas peculiaridades, e uma das minhas é ser curioso. Quando algo me desperta, quando qualquer coisa de que gosto me questiona, eu de imediato procuro descortinar e

Page 252: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

252

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

entender os porquês. O saber multifacetado do Professor Dr. Adriano Vasco Rodrigues passou a ser um dos muitos assuntos que eu vou constantemente acumulando, no sótão das minhas interrogações, e cuja compreensão persigo com alguma tenacidade. Com o decorrer do tempo e à medida que o nosso relacionamento se foi estreitando, bem como a leitura de algumas das suas obras literárias que entretanto fui lendo, não esquecendo os numerosos artigos escritos para o Praça Alta e outros jornais regionais, foi--se desenhando na minha mente o seu “perfil”, nas diversas vertentes de que o homem é feito. No presente momento, é pois com imensa satisfação que escrevo estas curtas linhas sobre o encantador casal, que tive a felicidade de conhecer e a cuja justa homenagem me associo.

Para mim, na minha óptica pessoal, o segredo da versatilidade do conhecimento do Dr. Adriano Vasco Rodrigues resume-se sobretudo no seu modo muito pessoal de olhar, sentir e perscrutar o mundo envolvente. Perante um Universo infindo e tão diversificado, ele não o tenta formatar, não usa o preconceito dos seus conhecimentos entretanto já colhidos, antes avança sem receio ao seu encontro, tentando compreendê-lo e aceitando sempre o Outro, em vez de o recusar ou restringir. Desta forma consegue fazer sínteses onde integra o conhecido e o desconhecido, avançando na perceção de realidades por vezes bem distantes daquelas já suas conhecidas. Esta sua atitude, esta abertura de espírito, faz toda a diferença, e daí a grande capacidade em abarcar vastas áreas do saber. É um verdadeiro exemplo para todos os que com ele contactam,

Page 253: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

253

Percursos de razão e afetos

pois só assim é possível evoluir e não ficar estagnado naquilo que já pretensamente conhecemos. Abrirmo-nos aos outros, à sua cultura, história e tradições, é um ato fundamental para uma melhor leitura do mundo, e desta forma fazer crescer e enriquecer o próprio universo interior. Somente com esta coragem de enfrentar o desconhecido, sem receio do caos que ele pode porventura provocar no nosso íntimo, é possível fazer crescer e enriquecer o nosso próprio universo interior. Pessoalmente admiro homens que assim pensam e atuam, sendo para mim um forte estímulo, no sentido de os imitar, recusando preconceitos e um saber comodamente instalado e perfeitamente arrumado nas inúmeras “prateleiras” da nossa extensa massa cinzenta. Encontrando-se o mundo em constante mutação, torna- -se imperioso acompanhar tal “movimento”, com uma permanente disponibilidade para mudar de ângulo de visão, para limar arestas aqui ou ali, para olhar as velhas e pesadas coisas como inspiração para ir mais além, com uma maior abertura e sempre num superior patamar de liberdade individual.

Costuma dizer-se que “ao lado de um grande homem, há sempre uma grande mulher”, mas este pensamento pode inverter-se e colocar-se em primeiro lugar a mulher, tudo dependendo do grau de conhecimento que temos de ambos, bem como do seu grau de mediatização. No meu caso, tenho tido mais contacto e, portanto, um maior conhecimento do Professor Adriano Vasco Rodrigues. Relativamente à Senhora Dra. Assunção Carqueja, nos curtos convívios captei a sua visível simplicidade, discrição e uma rara

Page 254: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

254

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

sensibilidade. Ler os seus livros foi uma grande emoção e porque não dizê-lo algum espanto, uma vez não ser eu muito versado na difícil arte da Poesia. A sua forma de expressão, através de poemas, tem uma beleza e uma profundidade de sentimentos que muito particularmente me tocaram. São “perfeitas radiografias” da sua alma, podemos mesmo dizer das nossas almas, das almas dos seres humanos de hoje, perturbados com as dores do mundo, com a nossa habitual incapacidade em atingir a verdade e a angústia que tal busca acaba por nos causar, sobretudo, quando se mexe na intimidade de cada um, e nas suas particulares inquietações. Já uma vez me referi à universal utopia, expressa num dos seus poemas – “Eu, sou tu e todos nós / tudo na mesma verdade”. Este sentimento do Uno é algo que intuímos, que sentimos nas profundezas do nosso Ser, o qual não se consegue revelar plenamente neste existir terreno. Aqui e agora, olhamos as coisas através dos numerosos “filtros” criados ano após ano, vida após vida, no sentido de nos defendermos dos medos e das dores existenciais. Alguém afirmou um dia o seguinte: “Nada é verdade ou mentira, tudo é da cor do cristal com que se olha”. A Poesia é isto mesmo, a expressão do que sentimos e pensamos. E os poemas da Dra. Assunção Carqueja combinam bem as inquietações do coração com os da mente. Os seus poemas têm uma bela sonoridade, pois as palavras bem colocadas provocam uma doce harmonia, como muitas outras artes humanas o fazem. Para além desta emoção, os seus poemas revelam um intenso e doloroso diálogo entre a razão e o coração. A respeito desta minha afirmação, gostaria de sublinhar

Page 255: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

255

Percursos de razão e afetos

neste momento, duas quadras do seu livro Os Tempos do Tempo (pág. 11).

No Tempo há tantos tempos esquecidosporque não são história!Talvez só conhecidosem singular memória!...(...)O Tempo tantos tempos apagou!...… mas seria dif´renteo Tempo que ficou sem tempos dessa gente!

Tinha razão Jaime Brasil, na sua apreciação nos anos 50 do século passado, quando escreveu: “…o autor é um grande poeta. Não deve portanto calar- -se, ocultar a sua poesia. Publique-a, não por vaidade, mas por dever. Vaidade, ninguém a deve ter por esses dons. Não dependem da sua vontade: acontecem- -lhe. Dons dos deuses? Dons da vida. Assim como se repartem os bens materiais com os deserdados, devem ser distribuídos os do espírito pelos que têm fome e sede de beleza…”.

O autor a que se referia o jornalista era a nossa querida homenageada.

E continuando nesta curta apreciação à sua Poesia, aqui deixo mais uma “jóia” do seu livro Jardim da Alma (pág. 19).

Nós vivemos procurando…A procura faz a vida

Page 256: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

256

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

e a meta conseguidanova meta vai gerando.E se já não procuramosnão vivemos, vegetamos!

Por último, não resisto a que reflitam neste óptimo exemplo de como a sua intuição a pode arrastar para determinados caminhos, certamente incómodos para a sua razão. Todos nós já passámos por idênticos “choques”, e é assim que a dialética vai construindo a realidade de cada um.

Na verdade não sei se sei quem sou!Minh’alma não nasceu quando eu nasci…Ao longo dos milénios se forjou,Não só durante o tempo que vivi!

E termino esta minha contribuição para a justíssima homenagem que se presta a este admirável casal, dizendo o quanto gosto deles e os admiro, aproveitando ainda a oportunidade para agradecer todas as suas manifestações de simpatia, bondade e a permanente disponibilidade na ajuda prestada ao meu trabalho literário.

Mais que este curto apontamento sobre as suas atividades intelectuais e científicas, quero expressar o meu grande afeto pelos homenageados, afirmando que são pessoas assim que nos fazem acreditar num mundo melhor, mais colorido, mais justo, humano e próximo daquela harmonia por tantos tão desejada e sonhada.

Page 257: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

257

Percursos de razão e afetos

COMO QUE UM REGRESSO ÀS ORIGENS

Virgílio Tavares*

O progresso de uma sociedade resulta do seu grau de cultura. Trás-os-Montes, região caracterizada por carências de toda a ordem, desde os tempos mais remotos, beneficiou, na década de oitenta, de um gesto advindo do Homem que aqui, justamente se homenageia – Adriano Vasco Rodrigues. Plurifacetado nas funções que desempenhou, todas em prol da cultura e do bem comum, foi como Diretor Geral do Ensino Particular e Cooperativo, cargo que exerceu de 1983 a 1985, com a maior competência – competência essa reconhecida com um louvor do Ministro da Educação de então –, que autorizou a abertura do Instituto Piaget em Macedo de Cavaleiros. Esta iniciativa veio ao encontro de uma velha aspiração das gentes da região, que pretendiam a implantação do ensino superior como fator de desenvolvimento e de oportunidade de futuro para

* Professor do Instituto Piaget, Mirandela; investigador.

Page 258: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

258

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

os jovens, uma mais valia naquele sentido. Sendo daqui naturais, a oportunidade de terem, próximo de si, a solução para os seus estudos superiores e, consequentemente, a solução para a sua vida profissional, conduziria, mais facilmente, à sua permanência nas terras a que pertenciam. É inquestionável a importância de tal gesto e os serviços que aportou a tantas gerações, tal como os que resultaram das Universidades da Beira e de Trás-os-Montes, a cujo nascimento está, igualmente, ligado.

Efetivamente, a criação, em 1990, da ESE Jean Piaget, Escola Superior de Educação, com licenciaturas destinadas a diversos graus de ensino, desde o Pré-Escolar ao 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico e, em 1993, a criação da Escola Superior de Enfermagem, orientada para a formação numa área notoriamente deficitária em Portugal, no que aos recursos humanos diz respeito – a Saúde – deram a esta zona do interior português uma nova oportunidade de desenvolvimento, abrindo as portas ao ensino superior em terras muito afastadas do litoral. Nesta Escola, agora designada ESS Jean Piaget – Escola Superior de Saúde, são lecionados cursos como Fisioterapia, Análises Clínicas e de Saúde Pública, e Enfermagem.

O gesto do Professor Vasco Rodrigues e o da ampliação do Instituto Piaget contribuíram para esse progresso e para a fixação das populações numa das regiões de Portugal mais marcadas pela interioridade e pelo afastamento dos grandes centros urbanos do litoral. A prová-lo está a elevação a cidade, em 1999, da então vila de Macedo de Cavaleiros.

Page 259: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

259

Percursos de razão e afetos

Os anos de ouro que esta cidade viveu com o incremento da atividade do tecido económico local e regional, quer pela via do aumento populacional associado à chegada dos novos alunos, quer pela dinamização das trocas comerciais daí decorrentes, estão ainda patentes no tecido urbano daquela cidade.

Adriano Vasco Rodrigues é um Homem de amplas visões e de grande generosidade cultural. Como que de uma missão se trate, coloca ao serviço dos outros a sabedoria e a profunda competência que o caracterizam. Neste sentido, é ao Piaget que regressa, na sua qualidade de Presidente da Mesa da Assembleia do CEPIHS – Centro de Estudos e Promoção da Investigação Histórica e Social – Centro de Estudos Transmontanos e Alto Durienses, com sede em Torre de Moncorvo. Responsável pela sua fundação, em setembro de 2010, apoiou a assinatura, recentemente, de um protocolo entre as duas instituições, que contempla a colaboração em termos da investigação da nossa região.

Congratulo-me com esta iniciativa, na qualidade de docente deste instituto e de investigador. É, ainda, uma honra, poder contar com a presença do Senhor Professor na promoção cultural das nossas terras, numa linha de continuidade profícua, desenvolvida, em grande parte, em conjunto com a Senhora Professora Maria da Assunção Carqueja, cujo valor como pedagoga, estudiosa e poeta é ampla e legitimamente admitido.

Não deixou de constituir, também, um privilégio o facto de ter substituído, como professor, Adriano Vasco Rodrigues no Liceu António Nobre, em 1977, quando ele

Page 260: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

260

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

foi assumir o lugar de deputado na Assembleia da República. As turmas que lecionei, nesse ano, manifestavam-me a saudade do Professor. De igual modo, os colegas docentes, referiam-se-lhe como um excelente e distinto profissional, de bom trato e fina camaradagem. Só bem mais tarde é que tomei consciência de que fora ocupar o lugar de um professor daquela craveira, eu que iniciava, assim, as minhas lides docentes! Não foi um desafio fácil! Mas a vida surpreende-nos com coincidências deste tipo e eu dei esta por bem vinda!

Adriano Vasco Rodrigues é, sem dúvida, uma indivi-dualidade ímpar da nossa Cultura e uma referência única em termos humanos. Orgulhamo-nos de o termos como “conterrâneo” e na lista dos mais ilustres.

Page 261: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

BIO-BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

Page 262: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 263: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

263

Percursos de razão e afetos

MARIA DA ASSUNÇÃO RODRIGUES

António Vasco Rodrigues Loja*

Maria da Assunção Carqueja nasceu no Felgar, Torre de Moncorvo, a 15 de agosto de 1930, filha de Gualdino Augusto Carqueja e Evangelina da Conceição Carqueja.

Frequentou os três primeiros anos da Escola Primária, no Felgar. No Colégio Campos Monteiro, em Moncorvo, fez exame do 1.º grau. No ano seguinte, transitou para o Colégio da Imaculada Conceição (Ordem Franciscana), em Lamego. Ali prosseguiu os Estudos Básicos e os Liceais, concluindo o curso geral dos liceus, 6.º ano, o último que ali se lecionava. Fez o Curso Complementar de Letras, 7.º ano, no Colégio da Senhora da Bonança, em Vila Nova de Gaia, também da mesma Ordem. Optou por seguir Filosofia, na Universidade de Coimbra, na Faculdade de Letras, onde se licenciou com a classificação de Bom em Ciências Histórico-Filosóficas, em 1955. Fez, ainda, o Curso de Ciências Pedagógicas.

* Neto de Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues.

Page 264: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

264

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Iniciou a carreira docente no Liceu Nacional de Braga, em 1955-56. Casou em setembro de 1956 com Adriano Vasco Rodrigues. Foram colocados no Liceu Nacional da Guarda, aqui trabalharam até ao ano escolar de 1958, transferindo-se para o Porto, onde se profissionalizaram na docência do Ensino Secundário. Maria da Assunção foi Professora nos Liceus de Rainha Santa Isabel, Alexandre Herculano, Carolina Michaelis. Em 1965, interrompeu a docência no Porto para acompanhar o Marido em Angola, onde trabalhou no Instituto de Investigação Científica, na área das Ciências Humanas, tendo, interinamente, desempenhado funções de Diretora do Centro de Investigação Científica e, também, presidido ao Comité do Pessoal. Na área das Ciências Humanas trabalhou com o Marido, responsável pela Seção de Pré-História e Arqueologia, tendo organizado duas salas no Museu de Angola ligadas a essas áreas.

Em Angola elaborou vários trabalhos nas áreas da história dos povos africanos, escravatura e da Filosofia Bantu. Alguns desses trabalhos foram publicados pelo Instituto de Investigação Científica e, mais tarde, pela Universidade Portucalense.

Regressada ao Porto, no ano de 1969-70, retomou a docência, vindo a exercer, antes e depois do 25 de Abril, o cargo de Metodóloga para a formação de professores de Filosofia. É, desde 1976, membro da Association International des Professeurs de Philosophie, Europa Forum, tendo participado em vários colóquios e congressos.

Page 265: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

265

Percursos de razão e afetos

Em 1988-89, acompanhou o Marido que, por concurso internacional, obteve o cargo de Diretor da Schola Europeae da U.E., na Bélgica. Durante 10 anos, exerceu o cargo de Conselheira Técnica para o Ensino da Filosofia na U.E., que desempenhou com elevado mérito, apreciado pelos superiores responsáveis da Comissão de Educação.

Dedica-se à poesia desde a infância, colaborando em jornais e revistas. No Colégio de Lamego, escreveu algumas peças de teatro, conhecendo uma delas grande sucesso. Tratava-se de um concílio dos deuses do Olimpo para aprovar a reforma do Ensino, publicada, então, em 1947. Em 1950, escreveu a letra do Hino do Felgar, musicada pelo conterrâneo e compositor António Pedro. Hoje, é tocada pela Banda do Felgar. No Natal deste ano, fez a poesia, Luar da Minha Aldeia, também musicada por aquele compositor.

Realizou trabalhos nas áreas da História, da Filosofia, da Pedagogia e, também, da Poesia.

Algumas das suas obras

EstudosSubsídios para uma monografia da Vila da Torre de Moncorvo (1955; Dissertação de Licenciatura).Subsídios para o estudo das ferrarias do Reboredo (1961).Noções de Filosofia (1962).Colaboração na História Geral da Civilização, de Adriano Vasco Rodrigues (1961-1975; 8 eds). Personalismo, Liberdade e Compromisso (s/d.).

Page 266: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

266

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

As Trovas do Bandarra – sua influência Judaico-ca ba lís tica na mística da paz universal (1982).A dimensão moral nas comunidades africanas de expressão bantu (1982).Felgar (2006), em colaboração com Adriano Vasco Rodrigues.Documentos Medievais de Torre de Moncorvo (2007).

PoesiaVersos do meu diário, (sob pseudónimo Miriam; 1978).Porquê mais que nada (2002).Os tempos do Tempo (2005).Jardim da Alma (2008).Amanhã é outro dia (2011).Moncorvo, Quadros da nossa História (a publicar).

Page 267: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

267

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO DA FONSECA RODRIGUES

João S. Campos*

Nasceu na Guarda, em 4 de maio de 1928, cidade onde fez estudos liceais, que conclui no Porto. Exerceu a docência nos três ramos de ensino: primário, secundário e superior. Consagrou-se à investigação nos ramos da História e Arqueologia.

Diplomas académicos Licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas, pela Universidade de Coimbra, 1956. Curso de Ciências Pedagógicas, U.C.Curso de Língua e Cultura Espanhola, pela Universi dade de Santiago de Compostela. Especialização em História da Arte (Medieval), sob a direção do Professor José Maria de Ascarati Ristori, da mesma Universidade (então equivalente a Doutoramento).

* Arquiteto.

Page 268: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

268

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Exame de Estado (presidido pelo Professor Delfim Santos) e Estágio (2 anos), para o exercício do Magistério Liceal (4.° grupo) – Classificação de Bom, 1960. Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian no Institut Für-vor-und Fruhgesehiehte da Universidade de Bona (Alemanha), em Técnicas de Arqueologia Tridimensional, 1961 e 1962. Diploma de membro da Union Européenne des Conseillers Techniques Scientifiques (área de Educação), 1988. A course organization culture communication for inspiration and development, destinado a Diretores da Schola Europaea, tendo frequentado Seminários em Egelund, Dinamarca, 1989, Hans-Sur-Lesse (Bélgica), 1990; Mol (Bélgica), 1992; Munique, (Alemanha), 1995. Estatuto de Formador (História Geral; História de Portugal; e História da Arte) – (Conselho Científico-Pedagógico de Formação Contínua), Universidade do Minho, 1997.Formador (Sistema Nacional de Formação Profissional), 1998.

Ensino Superior e Investigação Regeu o Curso de Arqueologia Peninsular no Centro de Estudos Humanísticos, anexo à Universidade do Porto, 1958-1962.Regeu a cadeira de História Geral da Arte, como Professor Associado na Universidade Livre do Porto, transitando com a mesma categoria para a Universidade Portucalense, 1978-1982 – U.L. / 1986-1989 – U.P.

Page 269: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

269

Percursos de razão e afetos

Bolseiro do Consejo Superior de Investigaciones Cientificas (Madrid), no estudo das guerrilhas de Viriato e caminhos da Meseta, na Estremadura Espanhola, 1963. Colaborador do Instituto de Investigação Científica de Angola e responsável pela organização da Seção de Pré- -História e Escavações Arqueológicas, 1966-1969. Realizou numerosos trabalhos de campo de Arqueologia e prospeção nos concelhos da Meda, da Guarda, de Torre de Moncorvo, Sabugal, Figueira de Castelo Rodrigo e Monção entre os anos de 1960 a 1981. De 1981 a 1988, foi Presidente em Portugal da Associação Internacional para Defesa das Democracias, tendo como Vice-Presidente Sam Levy. Trabalhou, equiparado a Bolseiro, num Projeto de Investigação sobre Cultura e Arte Africana, 1986-1989. Dirigiu e organizou a recuperação do Teatro Romano de Lisboa, 1986-1989. Após o regresso da Bélgica, trabalhou em Investigação na Universidade Portucalense, 1997, e realizou cursos livres de Arte Africana, Educação para a Europa, Numismática, Arte e iniciação ao estudo de Antiguidades, História das Religiões. Membro do Conselho Nacional de Acreditação da Formação de Professores, desde 2000. Regeu cursos de Arte na Universidade Sénior da Foz, 1999- -2007. Em 2004, por proposta do Reitor e aprovação do Conselho Científico da Universidade Portucalense foi nomeado

Page 270: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

270

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Diretor do Instituto Sénior desta Universidade, onde regeu o curso de História das Religiões e Introdução ao Estudo das Antiguidades. Participou em vários congressos e colóquios. Fez exposições sobre arte africana, pondo à disposição da Câmara Municipal de Almeida o seu espólio para a criação de um Museu de Arte Primitiva.

Ações sobre a Presença Judaica em Portugal Fundador (sócio n.° 1), da Associação da Amizade e Rela- ções Culturais Portugal-Israel (1979). Foi Presidente da Direção e é Presidente Honorário. Com sua Esposa está ligado ao nascimento do Museu Judaico de Belmonte.

Louvores e condecoraçõesRecebeu louvores e condecorações, sendo distinguido com a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique e as Medalhas de Ouro das Câmaras Municipais do Porto, Guarda e Almeida.

Publicações – revistas Fundador e codiretor da Revista Lucerna, 1960-1965 (Arqueologia), Edição da Universidade do Porto. Diretor da Revista de Ensino, de Angola, 1965-1969. Diretor da Revista Altitude (da Assembleia Distrital da Guarda), 1978-2007. Diretor do Boletim OR (Luz) da Associação de Amizade Portugal-Israel. (1980-90). Colaborou e colabora em várias revistas científicas.

Page 271: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

271

Percursos de razão e afetos

Publicações – livros e separatas É autor de numerosas publicações de que se distinguem: A Catedral da Guarda na História e na Poesia (1953).Arqueologia da Península Hispânica (1960; 4 eds.).História Geral da Civilização (1962-1975; 2 vols; 8 eds.). Portugal – história, arte e tradição, (1991; traduzido em Neerlandês e Francês). Judeus Portugueses no Desenvolvimento dos Portos Atlânticos na Idade Moderna (1979).História da Engenharia Civil – Pilar da Civilização Ocidental (2006). Felgar (2006), em colaboração com Maria da Assunção Carqueja Rodrigues. De Cabinda ao Namibe – Memórias de Angola (2010; 2 eds.).

Page 272: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 273: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

FOTOBIOGRAFIA

Page 274: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 275: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

275

Percursos de razão e afetos

MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA

Com os pais e a avó materna

Page 276: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

276

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Primeira comunhão

Page 277: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

277

Percursos de razão e afetos

Com os irmãos, na praia

Page 278: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

278

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Com o pai e o irmão – Paris

Família Carqueja

Page 279: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

279

Percursos de razão e afetos

No Colégio de Lamego

Page 280: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

280

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

No Baldoeiro

Em Longroiva

Page 281: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

281

Percursos de razão e afetos

Em Trás-os-Montes

Page 282: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

282

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Universidade de Coimbra

Page 283: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

283

Percursos de razão e afetos

Page 284: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

284

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Page 285: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

285

Percursos de razão e afetos

Page 286: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

286

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Page 287: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

287

Percursos de razão e afetos

Page 288: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

288

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Page 289: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

289

Percursos de razão e afetos

Page 290: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

290

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Page 291: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

291

Percursos de razão e afetos

Page 292: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

292

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Page 293: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

293

Percursos de razão e afetos

MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA RODRIGUESADRIANO VASCO RODRIGUES

Casamento – Felgar

Page 294: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

294

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Maria da Assunção com os filhos – Leça da Palmeira

Page 295: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

295

Percursos de razão e afetos

Universidade de Bona

Na Senhora da Boa Nova – Leça da Palmeira

Page 296: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

296

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Nascentes do Rio Jordão

Em férias em Portugal, vindos da Bélgica

Page 297: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

297

Percursos de razão e afetos

Natal de 2009

Page 298: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 299: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

299

Percursos de razão e afetos

ADRIANO VASCO RODRIGUES

Deputado da Assembleia da República

Recebido por João Paulo II pelo seu trabalho na defesa dos direitos humanos

Page 300: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

300

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

No sítio arqueológico dos Tambores – Chãos – Longroiva

Junto de uma casa de tipo lusitano – Região de Gouveia

Page 301: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

301

Percursos de razão e afetos

Diretor da Escola Europeia – Mol – Bélgica

Page 302: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

302

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Festa na Escola Europeia

A caminho da Escola

Page 303: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

303

Percursos de razão e afetos

Com o neto Vasco

Grupo de amigos, de Portugal, em visita a Adriano Vasco Rodrigues

Page 304: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

304

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

Comemorações, na Guarda, do 25 de Abril, em 2004

Entrega da Monografia da Guarda ao Presidente da República Jorge Sampaio

Page 305: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

305

Percursos de razão e afetos

Inauguração do Núcleo Museológico da Fotografia do Douro Superior – Torre de Moncorvo

Page 306: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 307: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

ÍNDICE

Page 308: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 309: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

309

Percursos de razão e afetos

NOTA DE APRESENTAÇÃOAdília Fernandes

HOMENAGEM DO MUNICÍPIO DE TORRE DE MONCORVOAOS SENHORES PROFESSORES MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA E ADRIANO VASCO RODRIGUESAires Ferreira – O Presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo

HOMENAGEM AOS PROFESSORES ADRIANO VASCO RODRIGUES E ASSUNÇÃO CARQUEJAAdriano Moreira

PELO MUNDO DA ARTEAgostinho Cordeiro

ADRIANO VASCO DA FONSECA RODRIGUESAlcides Amaral

HOJE COMO ONTEMAna da Encarnação Subtil Roque

ADRIANO VASCO RODRIGUES O HOMEM QUE, HOJE E SEMPRE, INVESTIGA, PENSA E SONHA

MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA A MULHER QUE AO SEU LADO INVESTIGA, PENSA E SONHA EM POESIA

António Alberto Barbosa Areosa

7

11

15

17

19

27

31

Page 310: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

310

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

OS LIVROS FORAM FEITOS PARA SEREM LIDOS António José Ramos de Oliveira

ADRIANO VASCO RODRIGUES UMA REFERÊNCIAAntónio Pimenta de Castro

DO OUTRO LADO DA LINHA... Arnaldo Duarte da Silva

O TEMPO DE TERNA MEMÓRIA Belmira Parente

PARA UMA BIBLIOGRAFIA ABRANGENTE DA FREGUESIA DO FELGAR: O CONTRIBUTO INTRANSPONÍVEL DE MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA RODRIGUES E ADRIANO VASCO RODRIGUESCarlos d´Abreu Maria Otília Pereira Lage

NOTÁVEL CASALCarlos Sambade

MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA UMA ILUSTRE FELGARENSECarlos Seixas

ABRAÇOS VELHOS EM SOPROS NOVOSCéu Cavalheiro Ponce Dentinho

A CULPA FOI DA DOUTORA...Elvira Cunha de Azevedo Mea

37

45

51

61

63

77

81

91

93

Page 311: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

311

Percursos de razão e afetos

HOMENAGEM A DOIS CONTERRÂNEOS ILUSTRESFausto Afonso Pontes

À MULHER – MARIA DA ASSUNÇÃOFernanda Áurea

TESTEMUNHO DE UM PREITO INSCRITO NO PRESENTE E NO PASSADO Fernando Augusto Machado

ADRIANO VASCO RODRIGUESUM BEIRÃO CIDADÃO DO MUNDOFrancisco Ribeiro da Silva

ADRIANO VASCO RODRIGUESGaspar Martins Pereira

EM JEITO DE OBLATAJoão de Castro Nunes

APRENDER E REFORÇAR IDEAISCOM O EXEMPLO DOS MAIORESJoão S. Campos

ADRIANO VASCO RODRIGUES UMA REFERÊNCIA EMBLEMÁTICA NOS TEMPLOS DO SOL Jorge Trabulo Marques

AOS AMIGOS ASSUNÇÃO E ADRIANOJosé Campos Neves

101

125

127

133

147

151

155

161

167

Page 312: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

312

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

PREITO A UMA VIDA DE AFETOS À SOMBRA DE UMA TORRE TUTELAR José Luís Lima Garcia

QUASE MEMÓRIASFOI ASSIM QUE...José Maria da Cruz Pontes

A MINHA HOMENAGEM José Marques

ADRIANO VASCO DA FONSECA RODRIGUES Levi Guerra

A MINHA HOMENAGEMPROFESSORES MARIA DA ASSUNÇÃO E ADRIANO VASCO RODRIGUESManuel Daniel

UM CIDADÃO DO MUNDOMárcia Trabulo

ALGUMAS SENTIDAS PALAVRASMaria Adelaide Valente

MEMÓRIAS VISITADASMaria Clara Constantino

RECORDANDO...Maria do Amparo (Farrica)

NA VERDADE A ALMA FALAMaria do Amparo Dias Silva

173

181

185

189

193

201

205

207

211

213

Page 313: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

313

Percursos de razão e afetos

DE BRUXELAS COM SAUDADEMaria Manuel Gomes da Costa Pinto Gandra

ADRIANO VASCO RODRIGUESUM HOMEM ILUSTRE QUE HONRA A GUARDA E O DISTRITOMário Cameira Serra

AS JÓIAS DE HELENAMário Cláudio

MARIA DA ASSUNÇÃO CARQUEJA E ADRIANO VASCO RODRIGUESFIGURAS NOTÁVEIS DA CULTURA PORTUGUESA Nuno de Santa Maria Pascoal

ABERTURA AO OUTRO, AO MUNDO, AO CONHECIMENTO:LIÇÃO DE ASSUNÇÃO CARQUEJA / ADRIANO VASCO RODRIGUES.Otília Lage

MARIA DA ASSUNÇÃORui Prado Leitão

HOMENAGEM AOS PROFESSORES ADRIANO VASCO RODRIGUES E ASSUNÇÃO CARQUEJATelmo Cunha

COMO QUE UM REGRESSO ÀS ORIGENSVirgílio Tavares

BIO-BIBLIOGRAFIA ESSENCIAL

215

219

223

225

231

247

249

257

261

Page 314: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS

314

Homenagem a Maria da Assunção Carqueja e Adriano Vasco Rodrigues

MARIA DA ASSUNÇÃO RODRIGUES António Vasco Rodrigues Loja

ADRIANO VASCO DA FONSECA RODRIGUES João S. Campos

FOTOBIOGRAFIA

263

267

273

Page 315: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS
Page 316: PERCURSOS DE RAZÃO E DE AFETOS