percepÇÕes quanto aos riscos e impactos … · da legislação ambiental no brasil, as medidas...
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UFPB
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
PERCEPÇÕES QUANTO AOS RISCOS E IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DO POLO CIMENTEIRO NO
LITORAL SUL PARAIBANO
MONIQUE ALESSANDRA SEIDEL
João Pessoa-PB 2018
MONIQUE ALESSANDRA SEIDEL
PERCEPÇÕES QUANTO AOS RISCOS E IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DO POLO CIMENTEIRO NO LITORAL SUL
PARAIBANO
Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção de grau de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Orientador: Prof. Dr. Gustavo Ferreira da Costa Lima
João Pessoa – PB 2018
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Gustavo Ferreira da Costa Lima que, sempre atencioso e acessível,
orientou essa pesquisa. Agradeço sua orientação crítica e enriquecedora, paciência
e humanidade no tratamento de seus alunos.
Aos Profs. Dra. Alícia Gonçalves, Dr. Anieres da Silva e Dr. Joel Santos, pelas
valiosas contribuições e participação atenta nos Exames de Qualificação e Defesa.
Aos gentis entrevistados durante esse período, sem exceção receptivos e solícitos
ao responderem um longo roteiro de perguntas.
Ao pessoal da EVOT e do Coletivo SOS Rio Gramame, que abriu as portas para
minha participação nas reuniões e eventos organizados na escola, oportunizando
contatos e uma preciosa troca de informações.
Ao amigo Felipe do Carmo, pela parceria do início ao fim e apoio incondicional nos
momentos mais difíceis. Por ter me encorajado sempre.
Ao CNPq por viabilizar a realização dessa pesquisa pela concessão da bolsa de
mestrado.
Ao PRODEMA, seus coordenadores e funcionários que ao longo desses anos
fizeram parte da minha caminhada, especialmente à querida Leda, pelos abraços
diários.
Aos amigos pelo apoio emocional indispensável para a conclusão desse projeto,
especialmente a Laura, Bianca, Debora, Karen, Janaína, Rosangela e o grupo da
biodança.
Aos meus pais e irmãos, pela paciência, compreensão e apoio em todos os
momentos.
RESUMO
A instalação do Polo Cimenteiro no litoral sul do estado da Paraíba, região rica em calcário, dependente economicamente do turismo, da pesca, da monocultura de cana de açúcar e agricultura familiar, é um projeto significativo em termos de apoio público e também na geração de impactos ambientais, ainda assim, pouco divulgado ou estudado. A instalação das fábricas é percebida de diversas maneiras pela população: positivamente, quando vinculada à expectativa de geração de empregos e ao desenvolvimento econômico dos municípios, com desconfiança pelos que temem a degradação ambiental, os impactos sobre a paisagem e o uso da terra. Isso, é claro, também tem relação com os diversos fatores que influenciam a percepção de diferentes atores sociais. Para avaliar esses pontos de vista e reunir mais dados sobre a indústria cimenteira no litoral sul, foi realizada uma pesquisa qualitativa na qual se buscou alcançar percepções sobre os riscos e impactos da chegada dessas fábricas, a interação entre atores sociais, como empresas, gestores, comunidade e governo, e suas ações nesse processo. Para tanto foi necessário o apoio de um referencial teórico interdisciplinar, que abarcasse a percepção de risco e os impactos da produção de cimento. Os resultados demonstram que o que mais preocupa os atores é o risco de poluição da água ou de competição pelos recursos hídricos, além do risco de danos à saúde da população causada pela poluição. Eles demonstram também a insatisfação generalizada quanto à comunicação com as empresas, diretamente relacionada à falta de confiança nas instituições e aos conflitos ambientais e territoriais passados. Tudo isso em meio à insegurança econômica e social causada pelo contexto político atual.
Palavras-chave: Percepção de risco; impacto ambiental; indústria do cimento.
SUBJECT
The installation of a Cement Industry Pole on the state of Paraíba’s southern coast, a region rich in limestone, economically dependent on tourism, fishing, sugarcane monoculture and family farming, is a significant project in terms of public support and also in generation of environmental impacts, yet little publicized or studied. The factories installation is perceived in several ways by the population: Positively, when linked to the expectation of job creation and economic development of municipalities; with distrust by those who fear environmental degradation, impacts on the landscape and land use. This, of course, is also related to the various factors that influence the perception of different social actors. In order to evaluate these points of view and to gather more data on the south coast’s cement industry, a qualitative research was carried out in which it was sought to reach insights on the risks and impacts of the arrival of these factories, on the interaction between important social actors in this context, as company, managers, government and community and their actions in this process. For this, it was necessary to support an interdisciplinary theoretical framework, which included the perception of risks and impacts of cement production. The results show that the actors major concern is the water pollution risk or the competition among the hydric resources, in addition to the risk of damage to human health caused by air pollution. They also demonstrate widespread dissatisfaction to corporate communication, directly related to a lack of trust in institutions and to past environmental and territorial conflicts. All this amid the economic and social insecurity caused by the current political context. Key Words: Risk Perception; environmental impact; cement industry.
LISTA DE SIGLAS
ABCP Associação Brasileira de Cimento Portland AESA Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba ANA Agência Nacional de Águas APA Área de Proteção Ambiental APAN Associação Paraibana dos Amigos da Natureza CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CFEM Compensação Financeira pela Extração de Recursos Minerais CINEP Companhia de Desenvolvimento da Paraíba CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente CSI Cement Sustainability Initiative CTP Comissão Pastoral da Terra DNPM Departamento Nacional de Produção Mineral FAIN Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Industrial da Paraíba IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDH Índice de Desenvolvimento Humano IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IEA International Energy Agency KPI Key Performance Indicator PAC Programa de Aceleração do Crescimento PEC Proposta de Emenda Constitucional PIB Produto Interno Bruto PSF Programa Saúde da Família RIMA Relatório de Impacto Ambiental SCU Science Communication Unit - University of the West of England SEMAN Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Paraíba SNIC Sindicato Nacional da Indústria do Cimento SUDEMA Superintendência de Administração do Meio Ambiente WBCSD World Business Concil For Sustainable Development
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9
2. PERCEPÇÃO DE RISCO: REVISÃO TEÓRICA E MARCOS CONCEITUAIS ..... 16
2.1 DEFININDO CONCEITOS: IMPACTO E RISCO ............................................................ 16
2.2 REVISÃO TEÓRICA: A PERCEPÇÃO DO RISCO ......................................................... 19
2.2.1 Abordagem Psicométrica ................................................................................................. 20
2.3 COMUNICAÇÃO DE RISCO E O PAPEL DA MÍDIA NA PERCEPÇÃO ....................... 30
2.3.1 Comunicação de riscos .................................................................................................... 30
2.3.2 Mídia e percepção ............................................................................................................ 32
2.4 ESTUDOS DE PERCEPÇÃO DE RISCO NO BRASIL E EM CONTEXTOS DE
MINERAÇÃO. ......................................................................................................................... 34
3. MINERAÇÃO INDUSTRIAL E IMPACTOS DA PRODUÇÃO DE CIMENTO
PORTLAND ............................................................................................................................ 36
3.1 MINERAÇÃO NO ESTADO DA PARAÍBA ..................................................................... 42
3.2 A INDÚSTRIA DO CIMENTO .......................................................................................... 43
3.2.1 A indústria do cimento no Brasil e no mundo ................................................................. 43
3.2.2 O processo de produção do cimento, seus riscos e impactos. ......................................... 45
4. ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................................... 51
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ............................................................... 51
4.1.1 O Litoral Sul paraibano ................................................................................................... 51
4.1.2 O Polo Cimenteiro ........................................................................................................... 54
4.2 METODOLOGIA ............................................................................................................... 58
4.2.1 DADOS DOS ENTREVISTADOS ............................................................................................ 60
5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................. 62
5.1 ALGUNS DADOS SOBRE A MINERAÇÃO INDUSTRIAL NA PARAÍBA ................. 62
5. 2 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA QUALITATIVA ................................... 66
5.2.1 Riscos e Impactos ao Meio ambiente .............................................................................. 66
5.2.1.1 Qualidade do Ar ............................................................................................................ 66
5.2.1.2 Qualidade da água ........................................................................................................ 69
5.2.1.3 Poluição Sonora ............................................................................................................ 71
5.2.1.4 Solo e Agricultura ......................................................................................................... 72
5.2.1.5 Fauna, Flora e Paisagem ............................................................................................... 74
5.2.2 Riscos e Impactos à Sociedade ........................................................................................ 79
5.2.2.1 Tradições Culturais ....................................................................................................... 79
5.2.2.2 Segurança ..................................................................................................................... 81
5.2.2.3 Saúde Pública ............................................................................................................... 84
5.2.2.4 Serviços públicos .......................................................................................................... 87
5.2.2.5 Impostos ....................................................................................................................... 90
5.2.2.6 Emprego, Renda e qualificação profissional ................................................................ 91
5.2.2.7 Economia ...................................................................................................................... 95
5.2.3 Agência e Interação entre os Atores .............................................................................. 102
5.2.3.1 Audiências Públicas .................................................................................................... 102
5.2.3.2 Fontes de Informação ................................................................................................. 105
5.2.3.3 Controle dos Riscos .................................................................................................... 107
5.2.3.4 Confiança nas instituições .......................................................................................... 110
5.2.3.5 Conflitos Ambientais .................................................................................................. 112
5.2.3.6 Comunicação com as empresas .................................................................................. 114
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 118
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 122
APÊNDICE ........................................................................................................................... 129
9
1. INTRODUÇÃO
As últimas décadas foram de intensas mudanças no cenário econômico mundial, no
qual o Brasil desenvolveu um papel importante como país de economia emergente,
ao mesmo tempo em que a preocupação com a preservação ambiental e a
sustentabilidade tornou-se inadiável e amplamente discutida (TIMO, 2013). Ao
mesmo tempo em que as questões ambientais e dos direitos humanos tornaram-se
foco de discussões internacionais influenciando o desenvolvimento de instituições e
da legislação ambiental no Brasil, as medidas econômicas e políticas neoliberais se
fortaleceram junto à globalização, afirmando a dominação dos países do norte sobre
os do sul (SANTOS, 2009). Soma-se a esse panorama a recente crise política e
jurídica que o país atravessa desde o golpe legislativo de 2015, com sérias
consequências ambientais e sociais e uma sensação generalizada de insegurança
no que diz respeito aos conflitos gerados por essas mudanças.
Desde os debates promovidos pelo Clube de Roma, nos anos 1960, o debate
ambiental veio se fortalecendo e abarcando as mais diversas áreas do conhecimento
científico, assim como se inserindo no pensamento político e empresarial. Essa
discussão tematiza os limites do crescimento econômico, tecnológico ou industrial,
diante do potencial regenerativo do ambiente. Ela marca um novo período, em que a
ecologia e o ambientalismo não mais podem ser apartados das decisões
econômicas, políticas e sociais seja no âmbito regional ou globalmente. É uma
mudança de paradigma integrada a outros temas, como a questão das mudanças
climáticas, do risco tecnológico e da participação popular nas decisões públicas.
Nesse contexto, a concepção de Desenvolvimento Sustentável vem sendo
bastante criticada no meio acadêmico como inviável em um sentido amplo
(ALTVATER, 1995), pois não poderia, ao menos diante do modelo econômico
capitalista, atender todos os países ou a sociedade como um todo. Conforme afirma
Altvater (1995), o desenvolvimento, enquanto processo relacionado ao consumo de
recursos para criação de ordem em determinadas regiões do planeta acaba gerando
desordem e caos em outras, pelos impactos socioambientais, econômicos e até
políticos que engendra.
Apesar de um pouco banalizada (DIEGUES,1992), a adoção da noção de
sustentabilidade por segmentos sociais diversos fez com que parcelas da sociedade
10
organizada passassem a cobrar seus representantes e o próprio sistema produtivo
quanto a adoção de práticas sustentáveis e de Responsabilidade Socioambiental em
seus processos, projetos e medidas (LIMA, 2011). Entretanto, muitos fatores podem
afetar a avaliação da população quanto aos impactos e riscos que envolvem a
instalação de empreendimentos industriais. A falta de informações sobre o processo,
a publicidade que acompanha o estabelecimento dos empreendimentos, a injustiça
ambiental no que se refere à distribuição dos riscos e à participação ampla nos
processos decisórios, e a vulnerabilidade social considerável em muitas regiões
atingidas, podem reforçar uma percepção menos contundente dos impactos
ambientais e sociais negativos enquanto destaca os positivos da implantação de
atividades diversas (GUIVANT, 1998).
Além do mais, um novo cenário econômico a partir do início do século XXI
acrescenta mais variáveis ao conjunto de decisões. O desenvolvimentismo,
pensamento político-econômico que esteve presente em diversas economias
latinoamericanas durante grande parte do século XX – no Brasil especialmente
durante a ditadura militar e antes, na Era Vargas, e que foi suprimido pelo
neoliberalismo, passa a ter uma nova expressão. Sampaio Jr. (2012), caracterizou o
desenvolvimentismo, ao qual chama de arma ideológica, como uma busca “de um
capitalismo domesticado, subordinado aos desígnios da sociedade nacional”
(SAMPAIO JR, 2012, p. 674). Mas percebe o eco de tal ideologia na reedição de um
neodesenvolvimentismo, como uma expressão teórica de um falacioso ciclo de
desenvolvimento que representaria a esperança de uma guinada econômica
brasileira. E, ao encontro do exame de outros autores, chama a atenção para a
mistura de elementos do antigo desenvolvimentismo com aspectos marcantes do
neoliberalismo, principalmente no que diz respeito à competitividade internacional e
a abertura do mercado ao capital estrangeiro.
Outros autores, classificam o neodesenvolvimentismo como um
“desenvolvimentismo às avessas”, por divergir deste quanto à soberania nacional, e
por criar mecanismos de direcionamento da vida social enquanto, por outro lado,
atua na desregulamentação do trabalho. Certamente, esse modelo se comunica com
o contexto internacional de globalização do capital (SAMPAIO JR, 2012; MÖLLER,
2013). Seria, porém, uma forma de transição de um modelo neoliberal para um
pensamento socioeconômico mais voltado à autonomia nacional, todavia com traços
contraditórios (MÖLLER, 2013), como Sampaio Jr. (2012) afirmou:
11
“O diferencial do neodesenvolvimentismo se resume ao esforço de atenuar os efeitos mais deletérios da ordem global sobre o crescimento, o parque industrial nacional e a desigualdade social. Não se questiona a possibilidade de a igualdade social e a soberania nacional serem simplesmente antagônicas com a estabilidade da moeda, a austeridade fiscal, a disciplina monetária, a busca incessante da competitividade internacional, a liberalização da economia. Procura‐se o segredo da quadratura do círculo que permita conciliar crescimento e equidade.” (SAMPAIO JR., 2012, p. 680)
Essa política acarretou grandes modificações de infraestrutura aquecidas por
medidas estatais, tais como o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e o
Programa Minha Casa, Minha Vida, além das grandes obras como a Transposição
do rio São Francisco e a Usina de Belo Monte. Como resultado houve considerável
crescimento do setor da construção civil, que impulsionou a indústria do cimento e
derivados no Brasil, atraindo empresas internacionais e também estimulando as
nacionais a expandir seu mercado. A atividade teve períodos de estagnação, como
após a crise econômica dos anos 80 só voltando a um crescimento acelerado em
2003 (SANTOS, 2011). Não fosse a crise econômica de 2008 e o atual cenário
político brasileiro, esse mercado estaria em plena expansão.
Essa atividade é dominada por um oligopólio, que mantém suas divisões
acionárias das fabricantes de cimento. A Cimpor, por exemplo, hoje pertence à
Intercement, que no fim de uma longa divisão acionária é parte do grupo Camargo
Correia. Esses conglomerados empresariais hoje também expandiram sua atuação a
outros países, comprando fábricas e entrando no mercado internacional, não só no
setor da mineração e construção civil, mas também da energia entre outros
(SANTOS, 2011). Trata-se de um oligopólio bem estabelecido, que tem a segurança
de um mercado crescente, tanto interno como externo e sem substitutos viáveis para
seu principal produto.
No Estado da Paraíba, que vive um momento de expansão populacional,
urbana e industrial, a produção de cimento apresentou crescimento significativo e
tornou-se importante economicamente, o que se deve também ao apoio
governamental que foi decisivo. O discurso do crescimento econômico direciona as
medidas governamentais e os incentivos ao crescimento de polos industriais de
base, como é o caso da mineração e especialmente a indústria da construção civil,
atividades estratégicas nesse plano. O Polo Cimenteiro do litoral sul paraibano,
projeto que iniciou sua implantação em 2011, com a ampliação de fábricas e lavras
já existentes e a instalação de novas (ao final serão cinco fábricas em
12
funcionamento). Apesar da previsão de finalizar o projeto em 2014, algumas das
obras atrasaram ou foram paralisadas e atualmente apenas três delas estão
operando. Esse complexo deve inserir a Paraíba no grupo dos principais produtores
de cimento no Brasil. A construção do polo é motivo de expectativa por parte da
população das cidades do Litoral Sul. Todavia os impactos socioambientais
negativos desse tipo de atividade, demonstrados por muitos casos pelo Brasil e pelo
mundo (VALENTE, FIGUEIREDO e COELHO, 2008; SANTI & SEVÁ FILHO, 2004),
parecem não preocupar significativamente aqueles que não tem proximidade física
com as fábricas ou que desconhecem a degradação ambiental resultante de seu
funcionamento.
Muitos dos impactos previstos pelos Estudos de Impacto Ambiental
apresentados no processo de Licenciamento Ambiental, como também as formas de
mitigação destes, desde o incremento tecnológico ao pagamento de compensações
pelos futuros danos ambientais já calculados. Os riscos associados a esse potencial
de impactos negativos geralmente são mitigados por programas de controle, por
meio do acompanhamento de emissões, da qualidade do ar, da água e do solo,
vulneráveis à contaminação.
Os impactos e a tomada de decisões sobre esse assunto específico – a
instalação do Polo Cimenteiro no litoral sul paraibano – incidem sobre diversos
grupos e atores sociais. Em qualquer processo de tomada de decisão onde
diferentes atores participam, os posicionamentos e percepções acerca dos riscos e
impactos (positivos e negativos), podem divergir de acordo com: o acesso à
informação, o conhecimento técnico ou empírico sobre o tema, o contexto social e
cultural no qual os atores se inserem, a proximidade geográfica da fonte de risco e
os interesses políticos e econômicos que podem influenciar os agentes (SLOVIC,
1987).
Além do mais, muitos teóricos do risco alertam para a impossibilidade real de
avaliar ou mensurar os riscos tecnológicos, que são de longo prazo e afetam as
gerações futuras. Desse modo, como controlá-los? O conhecimento técnico é
suficiente e imparcial para determinar limites ou mitigar os riscos? (GUIVANT, 1998).
Diante desse panorama complexo, o crescimento econômico é privilegiado
como promessa para outros desenvolvimentos - sobretudo social, enquanto que os
riscos e impactos socioambientais decorrentes desse processo e a forma como eles
são percebidos pela população, em vez de serem aspectos determinantes da
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tomada de decisões públicas, parecem estar em segundo plano.
Pretendeu-se então investigar, de maneira multidisciplinar, o contexto de
instalação das fábricas da Intercement- Cimpor em Conde - PB e Elizabeth Cimentos
na divisa entre Alhandra e Pitimbu – PB e suas respectivas áreas de lavra. A
pesquisa foi formulada sob as hipóteses abaixo:
H1 - Os atores sociais não apresentariam uniformidade em suas percepções
acerca dos riscos da indústria cimenteira, sendo notável a diferença entre as
percepções de especialistas e não especialistas, vinculadas ao seu nível de
informação formal sobre os impactos socioambientais da atividade.
H2 - As preocupações com os riscos ambientais são mais frequentes entre
aqueles que estão mais próximos das fábricas e habitam a zona rural, porém podem
ser relevadas pela dependência econômica criada em relação às empresas, dada a
fragilidade socioeconômica da região.
H3 - Os representantes do município, estado e empresas teriam sua
percepção vinculada à noção vigente de desenvolvimento econômico, atribuindo
mais importância à atividade e seu papel no processo que aos impactos negativos.
Pretende-se, com essa pesquisa, contribuir para o arcabouço dos estudos da
percepção de riscos associados a instalações industriais, que em muitos países já
estão incorporados à gestão ambiental, mas são escassos no Brasil e ainda mais no
Estado da Paraíba (NEVES, JEOLÁS, 2012). Além do mais, também são poucos os
estudos desse tipo que se estendem à relação entre empresas e sociedade.
As perspectivas de crescimento na produção de cimento portland1 podem
levar a Paraíba a ser um dos maiores produtores nacionais. É essencial, portanto,
que sejam reunidos mais dados sobre os impactos da atividade na saúde e
segurança ambiental da população, ampliando a discussão acerca dessa decisão
que também cabe à sociedade.
Nesse sentido, o estudo da percepção de riscos é defendido por muitos
autores (SLOVIC et al., 1982; BRADBURY, 1998) como importante meio de
aprimorar a gestão dos riscos tecnológicos, tanto pelo fornecimento de informações
adicionais proporcionadas pelo conhecimento empírico dos atores sociais, quanto
por dar indicativos do comportamento da população frente aos riscos. Desse modo,
há benefícios tanto na comunicação dos riscos e impactos entre instituições gestoras
1Cimento Portland é a demoninação técnica usada mundialmente para o cimento.
14
e a população, criando-se um ambiente de mais confiança e diálogo entre esses
atores, quanto na democratização do processo, ao abrir espaço para diferentes
visões sobre o fenômeno. Isso significa pluralizar os pontos de vista, as
preocupações e os conhecimentos além do domínio dos especialistas (EUROPEAN
COMMISSION, 2014; SLOVIC, 1982).
Além disso, como defende Paul Little (2001), por vezes é difícil definir os
impactos socioambientais assim como identificar suas causas geradoras e, muitas
vezes, eles só se tornarão graves a longo prazo. Por outro lado, a sensibilidade
humana às alterações no ambiente torna o ser humano um bioindicador importante
dessas mudanças (LIMA e SILVA, 2002 apud DANIGNO & CARPI JUNIOR, 2007,
27).
OBJETIVO:
Analisar e comparar a percepção de diferentes atores sociais, como Estado,
gestores ambientais ou públicos, especialistas, empresas e comunidade, quanto aos
impactos socioambientais e riscos associados à implantação do Polo Cimenteiro no
litoral sul paraibano.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Identificar os impactos socioambientais presentes, previstos e possíveis de
tais indústrias, considerando os planos de gestão ambiental e controle dos
riscos e as informações obtidas através de levantamento bibliográfico.
Analisar se a percepção dos atores expressa em entrevistas, diz respeito a
riscos ou impactos ambientais, ou seja, a expectativas ou a observações in
situ.
Determinar alguns dos fatores chave que contribuem para as diferenças de
percepção entre os atores.
A dissertação está dividida em quatro partes. Os dois primeiros capítulos são
dedicados à fundamentação teórica, em seguida são esclarecidos os aspectos
metodológicos da pesquisa e por fim expostos e os resultados. O primeiro capítulo
apresenta uma revisão teórica do campo de estudos da percepção de risco, tema
que se mostrou pertinente à pesquisa como será demonstrado no desenvolvimento
dos resultados. As abordagens teóricas e metodológicas presentes nesse campo do
conhecimento, seu diálogo com outras áreas e a importância dessas teorias nas
ciências humanas e ambientais são abordadas. Algumas pesquisas são exploradas
15
mais a fundo pois formam o referencial teórico dessa pesquisa.
No capítulo dois será apresentado um panorama da mineração no Brasil na
atualidade, os conflitos envolvendo o crescimento desse setor econômico, além de
abordadas as características da mineração industrial na Paraíba. Além disso,
apresenta-se um levantamento bibliográfico sobre a produção de cimento no Brasil e
os estudos voltados aos impactos ambientais de tal atividade.
Após a fundamentação teórica, definiu-se a metodologia de pesquisa. Nessa
seção foi feita uma caracterização da área de estudo, a delimitação do objeto,
apresentou-se a metodologia, os instrumentos de pesquisa e a forma de tratamento
e análise dos dados.
Em seguida o quarto capítulo apresenta e discute os resultados, divididos
entre Impactos e Riscos e Agência e interação dos atores. As categorias temáticas
identificadas serão apresentadas uma a uma e pontualmente discutidas, tendo como
contraponto as representações dos atores sociais e os dados retirados dos
Relatórios de Impacto Ambiental – RIMA, apresentados pelas empresas no processo
de Licenciamento Ambiental. Os resultados serão discutidos com o apoio do
arcabouço teórico metodológico apresentado nos primeiros capítulos e os dados
secundários levantados.
16
2. PERCEPÇÃO DE RISCO: REVISÃO TEÓRICA E MARCOS CONCEITUAIS
2.1 DEFININDO CONCEITOS: IMPACTO E RISCO
O conceito de impacto ambiental tem diversas definições, em geral
convergentes. Em primeiro lugar é importante diferenciá-lo de degradação. Para
Sánchez (2013, 27), pode ser considerada como degradação ambiental “qualquer
alteração adversa dos processos, funções ou componentes ambientais, ou [...] uma
alteração adversa da qualidade ambiental”, o que segundo o autor é o mesmo que
impacto ambiental negativo, sendo sempre seu agente o ser humano e tendo
conotação negativa.
A legislação brasileira assim define degradação ambiental: “degradação da
qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente”
(BRASIL, 1981). É pertinente atentar para a definição da qualidade ambiental, que
segundo Sachs (1974) deve ser feita a partir de indicadores objetivos somados às
percepções dos atores sociais, uma noção, portanto, subjetiva.
Já o termo impacto ambiental é mais abrangente e vastamente utilizado pelo
meio científico como também pela mídia, agências governamentais e meio
empresarial. Sua definição varia de autor para autor e segundo a legislação de cada
país, mas a formulação do conceito em geral coincide em determinados elementos.
Sánchez (2013) destaca a definição de Wathern (1988), de impacto ambiental como
“a mudança em um parâmetro ambiental, num determinado período e numa
determinada área, que resulta de uma dada atividade, comparada com a situação
que ocorreria se essa atividade não tivesse sido iniciada.” (Sánchez, 2013).
Segundo o autor, a definição de Wathern é mais satisfatória por referir-se a
processos ambientais, entretanto, no que se refere à evolução da qualidade
ambiental, existem casos em que o conceito não pode ser aplicado numa avaliação
de impacto ambiental por diversas variáveis. Mais viável seria, afirma o autor,
comparar o indicador ambiental no presente com o mesmo indicador num cenário
futuro que considere a instalação do projeto, ou seja, fazer uma projeção da
mudança em vez de comparar a qualidade ambiental presente com um cenário ideal
inexistente.
A definição de impacto ambiental pela norma ISO 14.001 (2004) é
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correntemente adotada pelas empresas, segundo Sánchez (2013), ela vai ao
encontro dos conceitos adotados por diversos países em suas legislações: “qualquer
modificação do meio ambiente, adversa ou benéfica, que resulte, no todo ou em
parte, das atividades, produtos ou serviços de uma organização”.
Entretanto o pesquisador questiona a designação estabelecida pela legislação
brasileira, que é:
“Art. 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.” (CONAMA, Art. 1º, Resolução nº 001/86)
Nota-se que essa conceituação reduz o impacto ambiental à definição de poluição,
assim excluindo outras formas de impacto, inclusive as positivas. Na visão de
Sánchez (2013), as ações humanas que causam o impacto ambiental podem ser de
supressão, inserção ou sobrecarga de elementos do/ao ambiente, podendo ser de
natureza positiva ou negativa (degradante). O autor finalmente define impacto
ambiental como “alteração da qualidade ambiental que resulta da modificação de
processos naturais ou sociais provocada por ação humana.” (SÁNCHEZ, 2013, 34-
35).
O conceito de risco, adotado por diversas ciências, por vezes é usado como
análogo ao de vulnerabilidade, potencial, suscetibilidade e sensibilidade. Em muitas
pesquisas, sobretudo no Brasil, não há definições claras do termo (DANIGNO;
SOUZA; ZANELLA, 2009). Danigno e Carpi Junior entendem risco como a
probabilidade de que um evento, esperado ou não, aconteça de fato. Muitas vezes
relacionados a eventos naturais extremos (agravados pela ação humana), como
enchentes e deslizamentos, os riscos ambientais também se relacionam a atividades
industriais, agrícolas e outras, riscos “manufaturados”, como denomina Giddens
(1991). Eles podem causar impactos significativos ao ambiente e consequentemente
à vida humana e podem, inclusive, ser percebidos como consequências do avanço
científico e tecnológico, o que desperta questionamentos quanto à função social da
ciência. Neves e Jéolas (2012) fazem um apanhado de definições aplicadas ao risco:
18
“[...] enquanto Beck (2001) utiliza risco e perigo de maneira intercambiável, para Giddens (1991), risco consiste em uma abstração associada aos sistemas peritos. Em Douglas (1976, 1996), perigo e risco são considerados sistemas de ideias para a fixação da experiência coletiva sobre acontecimentos; no entanto, enquanto para os sujeitos “os perigos são bastante reais” (DOUGLAS, 1976, p. 39), o sistema que se constitui a partir do risco oferece possibilidades de escolhas diante das incertezas e inseguranças, como estilo de raciocínio objetivo que ordena fatos. Em Luhmann (apud Brüseke, 2001), quando os agravos são consequências das decisões individuais, fala-se de risco, porém quando danos decorrem de fenômenos situados para além do controle individual, tem-se perigo. Para Castels (1987), em seus estudos sobre perturbações mentais e psicanálise, “um risco não resulta da presença de um perigo preciso, mas da colocação em relação de dados gerais impessoais ou fatores (de risco) que tornam mais ou menos provável o aparecimento de comportamentos indesejáveis.” (Castel, 1987, p. 125).” (NEVES; JÉOLAS, 2012, 14-15)
Pode-se observar a variabilidade das definições e entendimentos desse
conceito. Os autores ressaltam ainda que existe uma tendência ao uso da palavra
risco em substituição a perigo, por sua aura de cientificidade, ligada à possibilidade
de quantificação estabelecida pela psicologia e utilizada em muitas ciências duras.
Os estudos de risco no Brasil se multiplicaram após a década de 1970 em
todas as áreas. Nas ciências sociais predominou a relação entre riscos e as ciências
da saúde (NEVES; JEÓLAS, 2012). Apesar de ter ganho espaço no Brasil, o tema
ainda conta com menos atenção que em outros países, talvez pela maior parte da
literatura estrangeira não estar traduzida em português, ou pelo desenvolvimento
tecnológico e industrial ter sido mais tardio (SOUZA; ZANELLA, 2009). Assim, não
só o termo risco por vezes é usado sem muitos critérios, mas também há
dificuldades na forma de tradução de alguns termos estrangeiros recorrentes nessas
pesquisas, como hazard.
Ao nos referirmos a impactos ambientais ou riscos ambientais portanto,
tratamos de conceitos distintos, embora próximos e complementares. É interessante
enfatizar que o primeiro termo é geralmente referente ao passado ou presente, e
embora possa também ser usado para referir-se a um cenário futuro, ele se aplica
ao real, ao manifesto seja fisicamente ou no comportamento (social, político, cultural,
etc.). Já o conceito de risco diz respeito ao futuro, próximo ou distante, e não se
refere propriamente ao real mas à possibilidade de concretização de algo. A
percepção humana, junto a outros fatores, é um elemento fundamental na
determinação do impacto ambiental ou do risco.
19
2.2 REVISÃO TEÓRICA: A PERCEPÇÃO DO RISCO
O conceito de percepção subverte a lógica científica fundamentada em
definições quantitativas, fixas e totais sob a qual estão pautadas as ciências naturais
em sua essência. Para entendê-lo, uma pequena referência à fenomenologia é
fundamental. Sistema de pensamento metodológico defendido por Edmund Husserl
ao fim do século XIX, a fenomenologia vai na contramão da ciência moderna, sendo
chamada pelo filósofo de “a ciência do vivido”. Husserl primeiramente define a
consciência como condicionada pela intencionalidade, mas essa intenção está em
função de um objeto. Entretanto, ele só existe se há intencionalidade a partir da qual
este é iluminado. O objeto existe porque existe o sujeito, e vice versa, assim, todo o
tempo a consciência interage com o mundo, e isso é o fenômeno. Ou seja,
fenômeno é a fusão daquilo que existe como objeto (não necessariamente real,
podendo ser imaginário) e aquilo que o sujeito acolhe a partir de seu universo
(GUIMARÃES, 2013).
Assim acontece a percepção, aquilo que é percebido existe, mas como se
percebe depende de todo um universo de informações, vivências e da
intencionalidade do sujeito. Pode-se dizer, então, que a percepção também define o
fenômeno. Husserl, portanto, considera que percebemos não as coisas em si, como
fatos (da maneira que as ciências naturais costumam pensar), mas sim os “estados
de coisas”. Esses estados são infinitos, então também o é a própria percepção
deles, que toma muitos sentidos e se reorganiza a cada momento. O sujeito, então,
de certa maneira está permanentemente reconstruindo o mundo que ele percebe de
maneira imediata, contando com a intuição, os sentidos e a memória (GUIMARÃES,
2013).
Partindo dessa reflexão, entendemos que os riscos e impactos não são
percebidos de uma só maneira e por isso é difícil analisá-los de forma objetiva.
Entretanto as pesquisas de percepção de risco têm se mostrado cada vez mais
importantes através das décadas e passaram a ser adotadas como parte integrante
da gestão e comunicação dos riscos.
Definidos os conceitos básicos com os quais trabalha essa pesquisa,
apresenta-se a seguir uma revisão teórica das linhas de trabalho mais influentes,
algumas das obras e autores principais, que consolidaram metodologias, conceitos e
teorias acerca do tema da percepção de riscos.
20
2.2.1 Abordagem Psicométrica
As análises de risco são temática recorrente nas ciências naturais e
econômicas, porém a maneira como o risco é entendido e avaliado pela população e
como esta reage a essas percepções é um eixo de pesquisa consideravelmente
novo, desenvolvendo-se como parte das ciências sociais. Os estudos da percepção
de riscos ganharam importância na década de 1960 e 1970, inicialmente
relacionados à economia e pesquisas de processos decisórios, de caráter
inicialmente probabilístico e quantitativo. Essas pesquisas por muito tempo tiveram a
psicologia cognitiva como base teórica, e passaram a abordar também os riscos
tecnológicos partindo de um paradigma psicométrico, no qual se buscava escalonar
a percepção da população quanto ao risco de determinadas atividades (SLOVIC,
1984).
A abordagem psicométrica, foi desenvolvida a partir de modelos teóricos de B.
Fischhoff, S. Lichtenstein e P. Slovic, o "Oregon Group" desde os anos 1970.
Apresenta características metodológicas com fortes influências das áreas onde
inicialmente o estudo de risco tem papel fundamental, ou seja, as “ciências duras”
(RENN, ROHRMANN, 2000, p. 17).
Segundo O. Renn e B. Rohrmann (2000) alguns dos objetivos principais que
direcionam as pesquisas pertencentes a essa linha são: “estabelecer o “risco” como
conceito subjetivo e não como uma entidade objetiva; incluir aspectos
técnicos/físicos e sociais/psicológicos nos critérios de risco; aceitar opiniões do
público como matéria de interesse; analisar a estrutura cognitiva dos julgamentos do
risco, em geral empregando procedimentos estatísticos multivariáveis como fatores
de análise, escala multidimensional ou regressão múltipla”2(RENN, ROHRMANN,
2000, p.17).
Slovic, Fishouff & Lichenstein (1984) estabeleceram alguns parâmetros a
partir de suas pesquisas, os quais influenciaram estudos posteriores. Primeiramente
consideraram que a percepção de riscos (tecnológicos, nesse caso) é passível de
quantificação e previsível, sendo possível estabelecer semelhanças e diferenças
nessas percepções entre diferentes grupos de pessoas. Em segundo lugar,
enfatizaram que o risco tem significados diferentes para diferentes grupos, em
especial entre especialistas e leigos. Segundo eles, para os primeiros o número de
2 Trecho traduzido livremente pela autora.
21
mortes relacionado a atividade é mais influente, para os outros, o potencial
catastrófico, ou de danos que prejudiquem as gerações futuras parecem ser mais
importantes. Também estabeleceram como influentes nessas percepções o número
de pessoas expostas ao risco, se a exposição é ou não voluntária, se o risco é ou
não conhecido. Outros fatores se destacam nas pesquisas da abordagem
psicométrica como influentes na percepção dos riscos de maneira individual, e essas
variáveis devem ser levadas em consideração quando se compara a percepção de
diferentes indivíduos quanto ao mesmo perigo: se o indivíduo é ou não afetado
diretamente pelo risco; se o risco é ou não mortal; os benefícios que a atividade
pode oferecer apesar dos riscos e; o quanto se sabe sobre a tecnologia ou os riscos
em si.
Assim, os resultados demonstram que para pessoas comuns atividades
cotidianas como dirigir um carro ou usar ferramentas elétricas em casa, são
consideradas menos perigosas que trabalhar numa usina nuclear por exemplo.
Enquanto especialistas têm uma percepção dos riscos relacionados à atividade
nuclear menor que a de estar em um carro diariamente, pois consideram a
mortalidade anual causada por cada atividade (SLOVIC, FICHOUFF, LICHENSTEIN,
1984).
O mapa mental exposto abaixo (Figura 01) é um produto gráfico consagrado
pelo Oregon Group, adotado por diversas pesquisas posteriores e bastante
interessante para a comparação de diversos riscos na percepção social. Usa-se para
tal a metodologia de questionários com escalometria, que permite abordar a
percepção sobre diversos riscos e sua representação em valores numéricos, o que
facilita comparações entre essas representações, tanto de diferentes indivíduos ou
sociedades quanto na percepção de um mesmo indivíduo sobre vários temas.
22
Figura 02 - Mapa cognitivo da percepção de riscos:
Fonte: Adaptado e traduzido de European Commission (2014).
Após a década de 1980 as pesquisas de viés sociológico tornaram-se mais
recorrentes, enquadrando-se na abordagem que passou a ser chamada de
sociocultural. Embora tenham sido (e ainda sejam) comuns as críticas entre os
pesquisadores das distintas abordagens, ambas consolidaram modelos, conceitos e
idéias importantes no estudo da percepção de risco como um todo. Em comum elas
compartilham a adoção crescente de metodologias qualitativas e de elementos
socioculturais como variáveis essenciais nesses estudos.
É recorrente no entanto a crítica ao alcance do método escalométrico e
quantitativo em geral, que delimita a resposta do entrevistado sem permitir a
exposição de elementos subjetivos por sua própria fala ou classificação. Um
exemplo de aplicação da escalometria para “medir” a percepção com a qual temos
mais contato são as pesquisas de opinião por telefone, nas quais se pede ao
consumidor que classifique um serviço dentro de uma escala, mas não existe a
possibilidade de uma resposta mais objetiva ou elaborada (BICKERSTAFF, 2004;
MINAYO, 1992).
Karen Bickerstaff (2004) critica a psicometria por ser fechada à contribuição
de outros campos científicos, embora alguns autores tenham dialogado de fato com
as Ciências Sociais, como Paul Slovic. Antropólogos, sociólogos, geólogos, entre
23
outros, desenvolveram nas últimas décadas análises socioculturais dos riscos. Estas
em muito se afastam dos estudos da psicologia, apesar de incorporarem suas
contribuições. O campo de estudos tornou-se multidisciplinar, evidenciando a
complexidade do assunto. Se a psicologia entendia a percepção como fenômeno
individual, o que em muitos aspectos está correto, a perspectiva sociocultural inclui
os aspectos culturais, políticos e sociais como primordiais nesse conjunto
(BICKERSTAFF, 2004, 827-828). Sobre os estudos de base psicológica, a autora
critica a visão de alguns autores que, contrapondo a noção “objetiva” de risco dos
especialistas e a noção “subjetiva” do senso comum, atribuem esse distanciamento
à falta de conhecimento da população em geral, que ignora os dados científicos e
reais dos riscos. A atribuição de ignorância à percepção dos riscos da poluição pela
população teve influência em pesquisas usadas por gestores governamentais em
países como Estados Unidos e Reino Unido. Entretanto essa noção não é constante
e também é alvo de crítica entre os próprios pesquisadores da linha, como em Slovic
et al. (1982).
As críticas à metodologia psicométrica são direcionadas principalmente à
análise quantitativa, que impõe barreiras à real manifestação das pessoas que
respondem ao questionário e ao pouco avanço em explicar a percepção, quando se
fazia uma descrição desta em relação aos riscos. (BICKERSTAFF, 2004) Embora
aponte esses aspectos, a autora esclarece que os estudos fisiométricos recentes
passaram a incorporar fatores sociais, culturais e políticos, tentando desenvolver
seus parâmetros a partir de “visões de mundo” ou “vieses culturais”, tarefa muito
complexa e bastante questionada quanto a sua aplicabilidade (BICKERSTAFF,
2004). Além disso, não se pode ignorar a influência do uso de análises quantitativas
pelos pesquisadores da linha na aceitação da abordagem pela comunidade científica
e sociedade (RENN, ROHRMANN, 2000; GOLDENBERG, 2013).
2.2.2 Abordagem Sociocultural
A percepção de risco também tem sido estudada através da perspectiva
macrosociológica predominantemente teórica, para qual são determinantes as
normas, sistemas de valores e elementos culturais das sociedades. Alguns dos
principais teóricos adeptos dessa abordagem são Ulrich Beck, Mary Douglas,
Wildavsky, Renn, Sjoberg (RENN; ROHRMANN, 2000).
24
É indispensável a referência ao trabalho de Ulrich Beck, que coloca no centro
dos debates sociológicos a teoria da sociedade de risco. Podemos sintetizar no
seguinte trecho, a questão da modernidade reflexiva sob a qual se sustenta sua
teoria:
“Como é possível que as ameaças e riscos sistematicamente coproduzidos no processo tardio de modernização sejam evitados, minimizados, dramatizados, canalizados e, quando vindos à luz sob a forma de “efeitos colaterais latentes”, isolados e redistribuídos de modo tal que não comprometam o processo de modernização e nem as fronteiras do que é (ecológica, medicinal, psicológica ou socialmente) “aceitável”? Não se trata mais, portanto, ou não se trata mais exclusivamente de uma utilização econômica da natureza para libertar as pessoas de sujeições tradicionais, mas também e sobretudo de problemas decorrentes do próprio desenvolvimento técnico-econômico. O processo de modernização torna-se “reflexivo”, convertendo-se a si mesmo em tema e problema.” (BECK, 2011, 24)
Beck (2011) refere-se ao atual momento histórico no qual a caracterização da
sociedade industrial não é mais suficiente para explicar o mundo contemporâneo.
Para ele a sociedade industrial, caracterizada por uma estrutura de classes, pela
produção e distribuição de bens, está sendo substituída por uma sociedade de
riscos, na qual a distribuição dos riscos não corresponde às diferenças sociais,
econômicas e geográficas da primeira modernidade. Esta pode ser definida como
segunda modernidade ou modernidade reflexiva, na qual a globalização é um
elemento essencial pois o avanço tecnológico-industrial teria alcançado um patamar
tal que a ciência e as instituições reguladoras da segurança não teriam mais
capacidade de controlar os riscos gerados e estes já não estariam mais restritos a
uma classe social ou às nações do sul, mas seriam também parte do processo de
globalização.
A Sociedade de Risco, é uma obra essencial ao levantar a discussão sobre a
rapidez da criação tecnológica, e a incapacidade científica e política de haver
conhecimento e controle dos riscos na mesma medida em que eles são ampliados
pela industrialização globalizada. Os riscos aos quais Beck se refere são, na
verdade, conjuntos de riscos gerados pelo modelo de produção industrial com os
quais lidamos cotidianamente, ecológicos, químicos, nucleares, genéticos e
econômicos. Em torno desse conjunto está em constante modificação tanto o
sistema capitalista, como a sociedade e até a individualidade (GUIVANT, 2001).
Para Beck (2011), os riscos da modernidade reflexiva seriam democráticos,
na medida em que alcançam a todos, não obedecendo a barreiras geográficas,
sociais ou econômicas. Entretanto, enquanto países desenvolvidos voltam sua
25
preocupação aos riscos, outros ainda estão sob o paradigma da escassez, onde os
riscos são parte de um problema maior, para o qual busca-se como saída a
modernização tecnológica, que seria a fonte do que o autor chama “riqueza social”.
Nesse sentido, o Brasil estaria numa situação transitória entre a sociedade de risco e
os “conflitos distributivos das sociedades da escassez”, somando os problemas de
uma e outra (BECK, 2011). Para aprimorar o controle dos riscos, o autor propõe o
caminho da subpolítica, ou seja, de aprimorar instrumentos de discussão para as
tomadas de decisão, por meio de foruns e outras formas de participação popular,
como meio de democratizar também as decisões sobre os riscos (GUIVANT, 2001).
Ulrich Beck busca estabelecer um novo paradigma sociológico em torno do
risco e da globalização, colocando-se à parte das abordagens teóricas já
consolidadas. Entretanto as críticas a sua teoria são pertinentes. Guivant (2001)
destaca dois pontos essenciais sob os quais se estabelecem falhas da teoria da
sociedade de risco. Em primeiro lugar o autor entende a globalização de maneira
generalista, referindo-se a duas realidades: a ocidental e a oriental, ou norte e sul,
para embasar suas observações, usando como exemplo a sociedade alemã. Desse
modo, escapa ao olhar de Beck as múltiplas faces das sociedades contemporâneas,
heterogêneas entre si e internamente; por isso a teoria ficou conhecida também por
seu caráter eurocêntrico (GUIVANT, 2001). O risco não é produzido ou distribuído
democraticamente entre as sociedades, existem muitos mecanismos que invertem
essa lógica (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). Em segundo lugar, ao se
debruçar sobre a subpolítica como maneira de democratizar as decisões sobre os
riscos, Beck também não consegue fugir de generalizações, além disso Guivant
observa que o sociólogo idealiza a participação popular de leigos como uma
representação pura das grandes necessidades sociais, sem considerar que a
sociedade civil é heterogênea, composta por diversas forças em oposição, conflitos
e relações bastante complexas e permeável a pressões diversas advindas da
macropolítica. Ou seja, nem existe uma oposição homogênea entre leigos e peritos,
como parece supor o autor, nem existe homogeneidade entre os leigos ou entre os
peritos. (GUIVANT, 2001). Contudo, tais críticas não diminuem a originalidade e
inovação da contribuição do autor.
Para as pesquisas inseridas na perspectiva sociocultural, que ganhou muito
espaço de discussão após a obra de Ulrich Beck, apesar de a percepção também
ser em parte individual (na maneira como a psicologia cognitiva comportamental
26
aponta), esse é um dos fatores em meio a outras influências do meio. Também
partem do pressuposto que a sociedade é múltipla, então grupos sociais diversos
vão ter respostas variáveis a diferentes riscos. A diferença entre especialistas e
pessoas comuns, bastante explorada pela abordagem psicométrica, ainda é um fator
considerado, mas o leque de fatores ampliou-se. Se a metodologia de base
quantitativa nem sempre permite fornecer dados mais profundos sobre o contexto e
as nuances das diversas percepções ambientais, os pesquisadores passaram a
buscar esse alcance por meio da adoção de entrevistas e observações como
principais métodos de pesquisa (BICKERSTAFF, 2004).
Segundo Renn e Rohrmann (2000) nesse campo de pesquisa é importante ter
clareza de três dimensões: o perigo (hazard) ou fonte de riscos, os aspectos
envolvidos no julgamento dos riscos e as características do respondente da
pesquisa. Essas dimensões têm características próprias que vão definir a
variabilidade das percepções. Dentro dessas facetas há espaço para uma enorme
variabilidade, por isso é muito difícil comparar estudos ou encontrar homogeneidade
mesmo dentro de cada abordagem, pois as divergências são numerosas.
Como na abordagem sociocultural o risco é uma construção social e cultural,
a visão de mundo do grupo ou sociedade em estudo é determinante das
preocupações e crenças relacionadas aos riscos. Por isso a mensuração não é
viável independente do contexto e a pesquisa torna-se mais qualitativa que
quantitativa, podendo partir de diferentes perspectivas, como comparações entre
grupos sociais da mesma nacionalidade ou entre diferentes nações (RENN,
ROHRMANN, 2000).
Dentro das abordagens psicométrica e sociocultural, ou ainda adotando
metodologias e teorias de ambas, muitas hipóteses já foram levantadas para explicar
a diferença que os indivíduos apresentam entre si na preocupação com os perigos
relacionados à tecnologia. Dake e Wildalsky (1990) compararam estudos dentro da
abordagem sociocultural que defendiam diferentes teorias. Entre teorias que buscam
explicar a percepção de risco a partir de premissas como o conhecimento acerca
dos riscos, a personalidade individual, fatores políticos ou econômicos, os autores
acreditam ser a teoria cultural aquela que fornece mais elementos para explicar a
percepção de riscos. A partir da obra de Mary Douglas, Risco e Cultura, onde a
autora defende existirem visões de mundo que podem ser generalizadas para
27
qualquer grupo ou sociedade, os autores propõem a adoção de cinco diferentes
visões de mundo, categorias culturais a partir das quais cada indivíduo avalia,
analisa e reage ao risco (DAKE E WILDALSKY, 1990).
Os autores adeptos da teoria cultural dividem a sociedade moderna em quatro
grandes grupos de padrões culturais na relação com os riscos: os empreendedores
ou empresários, os igualitaristas, os burocratas e os indivíduos estratificados, sendo
comum a presença de um terceiro grupo em algumas pesquisas, chamados de
indivíduos autônomos.
Figura 03 - Visões de mundo:
Fonte: Adaptado e traduzido de RENN, ROHRMANN, 2000.
Os empresários ou empreendedores apresentam baixa hierarquização e
pouca coesão entre si, e percebem o risco como uma oportunidade de mercado e de
benefícios pessoais. Como grupo, contrastam mais com os igualitários, que
apreciam valores como a cooperação e equidade mais que a liberdade e
competição. Apesar da baixa hierarquização, os indivíduos e instituições
pertencentes a esse protótipo em geral prezam pela solidariedade e coesão. Quanto
28
aos riscos, eles tendem a focar nos efeitos de longo termo das atividades humanas,
e estão mais propensos a parar uma atividade em vista dos riscos. Já os burocratas
são mais coesos entre si ao mesmo tempo que mais hierarquizados. Como
valorizam as regras e regulamentos para lidar com incertezas, são menos propensos
a temer os riscos contanto que exista um gerenciamento destes e estratégias de
ação bem definidas. A categoria dos indivíduos atomizados/estratificados, acredita
na hierarquia mas sem se identificar com seu próprio grupo num sentido de coesão.
Costumam agir sozinhos e aceitar riscos de maneira individual mesmo tendo uma
noção confusa destes, mas não aceitam bem riscos impostos. O grupo dos
indivíduos autônomos, ou heremitas, são avaliadores de curto termo dos riscos,
interagem de maneira construtiva com os outros grupos, podendo mediar as
diferentes visões de mundo (ROHRMANN; RENN, 2000).
Com isso os autores não pretendem engessar as percepções dos indivíduos a
uma ou outra categoria, mas demonstrar que existe uma predominância de reações
a partir daqueles referenciais culturais que podem variar durante a vida ou em
diferentes situações. Além do mais, eles enfatizam que o objeto de preocupação
também é determinante no posicionamento dos indivíduos.
Essa teoria contribui com o campo de estudo por ressaltar que dentro de um
mesmo grupo social, político, econômico ou cultural, podem existir diferentes visões
de mundo e que a aversão ou aceitação dos riscos não é algo fixo para essas
categorias, assim como não o é o julgamento quanto à gravidade do risco. Contudo,
não se pode reduzir a análise das percepções de risco a esses padrões culturais.
Muitos autores criticam a teoria cultural porque as próprias categorias de visões de
mundo são questionáveis, afinal, quantas podem existir que não se encaixam
nessas poucas elencadas? Além disso, a possibilidade de variação das visões de
mundo do indivíduo durante a vida ou de acordo com a situação, torna ainda mais
complexa a adoção dessa categorização.
Há muitos fatores que podem ser apontados como balizadores da percepção
dos riscos, e as pesquisas apontam diferentes fatores como prevalentes, ou então
focalizam alguns elementos e com eles trabalham. Algumas adotam afiliação
ideológica ou política/profissional como categorias determinantes, dessa maneira o
grupo profissional ao qual o indivíduo pertence, ou seu posicionamento como
feminista ou ecologista por exemplo, teriam grande influência na forma como ele
percebe o risco.
29
Dentre as nuances observadas na percepção social, a oposição entre
percepções de peritos e leigos costuma ser ressaltada em diversas pesquisas. Por
mais que essa noção já fosse trabalhada pela psicometria, ela passou a ser
problematizada de maneira mais complexa dentro da abordagem sociocultural.
Judith A. Bradbury (1998) ressalta a inexistência de um conhecimento técnico isento,
já que ele também é socialmente construído e acontece com e não fora da
sociedade. Slovic (1984) já apontava a importância de não restringir a discussão
sobre os riscos à visão dos especialistas, ideia endossada por Ulrich Beck (1999),
segundo o qual a democratização da discussão é essencial para a criação de
confiança entre os atores sociais e também no aprimoramento das decisões
tomadas ao se considerar diversos pontos de vista. Os peritos, conclui-se, também
são seres sociais dotados de cultura, assim como individualidade e estes fatores
influenciam sua percepção assim como as evidências científicas e dados
estatísticos. Tampouco pode-se considerar que o público leigo é passível de ter as
mesmas percepções que os especialistas caso tenham acesso aos mesmos dados,
pois a informação é importante mas, como veremos ao longo do texto, pode não ser
determinante. As preocupações e respostas podem ser diferentes (DAKE;
WILDALSKI, 1990).
Bickestaff (2004), comparando diversas pesquisas sobre a poluição
atmosférica, elenca os elementos apontados pelos autores como fundamentais na
percepção dos riscos. Em primeiro lugar, muitos estudos voltam-se ao conhecimento
do local e à percepção de mudanças através dos sentidos, como o olfato ou a visão
(ver poeira acumulada, fumaça das fábricas) e a experiência dos efeitos fisiológicos
desse impacto (como doenças ou mudanças no ambiente, na coloração da
vegetação).
Assim, Bickerstaff (2004) reconhece pontos em comum com alguns
argumentos de Mary Douglas, para quem os conceitos de ordem e desordem na
noção cultural da poluição tem relação com os valores de pureza e perigo, ou seja,
um ambiente com sinais de poluição, como a poeira no ambiente representa
“matéria fora do lugar”, desordem (BICKRSTAFF, 2004, 831). Alguns estudos citados
pela autora também identificam etnia, gênero e grau de instrução como fatores que
afetam a percepção, diferenciando-se pelo grau de poder ou posição
socioeconômica dos indivíduos. Identificou-se, por exemplo, que mulheres tendem a
demonstrar maior preocupação com riscos tecnológicos e danos ao ambiente.
30
Outras pesquisas apontaram que os homens brancos tendem a perceber o mundo
como menos perigoso que as mulheres ou homens negros (FINUCANE et al., 2000).
Do mesmo modo, nos Estados Unidos, homens asiáticos tem uma percepção menor
dos riscos que homens negros (PALMER, 2003).
Por outro lado, pessoas em situação de vulnerabilidade ou insegurança
social, tal como passando por divórcio, doença, pobreza ou desemprego, podem
subestimar os riscos em função de um senso de desesperança do momento que
vivem (BOHOLM, 1998). As situações citadas por Bickerstaff demonstram como o
poder de agência dos indivíduos pode influir em sua percepção e avaliação dos
riscos, assim como, por conseguinte, na aceitação destes.
Nesse sentido, autores também apontam o duplo risco a que estão expostas
sociedades periféricas, pois aliam aos riscos tecnológicos os socioeconômicos.
Rinkevicius (2000) exemplifica a questão com o caso das centrais de energia nuclear
na Lituânia: apesar dos riscos tecnológicos, a interrupção dessa atividade implicaria
na perda de empregos diretos e indiretos, déficit energético e prejuízo a diversas
atividades produtivas. Como salienta LIMA (2002), essa é uma situação à qual
muitas pessoas são submetidas, sobretudo nos países do sul, e mesmo conscientes
do problema a vulnerabilidade econômica e social as obriga a tolerá-lo. A realidade
brasileira é permeada de exemplos disso, como os moradores de áreas de risco
(encostas, margens de rios, terrenos contaminados), trabalhadores submetidos a
condições insalubres e ao manuseio de agrotóxicos.
Desse modo, os fatores elencados dialogam diretamente com o campo da
Justiça Ambiental, pois pesquisas dentro dessa área indicam que existe uma
distribuição social dos riscos que leva à disseminação desproporcionalmente maior
de fontes de poluição em comunidades pobres e periféricas (BICKERSTAFF, 2004;
ACSELRAD, 2004). Essa idéia vem questionar a hipótese de Ulrich Beck (1990) de
que os riscos atingiriam a população de maneira democrática.
2.3 COMUNICAÇÃO DE RISCO E O PAPEL DA MÍDIA NA PERCEPÇÃO
2.3.1 Comunicação de riscos
Para compreensão da percepção dos riscos na modernidade é fundamental
entender que eles são experimentados pelos sentidos, ou seja, empiricamente, e
através da comunicação. Principalmente quando falamos de desastres, as
31
informações fornecidas pela mídia são amplas tanto em quantidade de dados,
quanto na cobertura de diversos riscos em todo o planeta. Além disso, essa
cobertura é seletiva ao destacar determinados assuntos em detrimento de outros por
razões diversas, inclusive interesses políticos e econômicos. Por isso, conforme
Luhmann (1986) a percepção de risco é menos produto da experiência ou evidência
pessoal que resultado da comunicação social (RENN; ROHRMANN, 2000).
A comunicação de riscos é um elemento estratégico na relação das
instituições responsáveis por gerenciar os riscos e a população, podendo aproximar
a percepção social da realidade e tornar informações científicas sobre aquela
ameaça mais aceitáveis aos leigos, ou pelo contrário, acentuar percepções pautadas
no senso comum. Para a comunicação dos riscos, um fator chave é a confiança no
comunicador, principalmente quando os indivíduos têm pouco controle sobre os
riscos, e estes são involuntários ou muito graves. Quando o comunicador é mal
escolhido, ou seja, não inspira confiança na população, ou ainda parece defender
interesses próprios (o que não se limita ao indivíduo comunicador, sendo expandido
à instituição que este representa), pode ser que a informação por mais que
cientificamente legitimada, não seja aceita pelos ouvintes, que podem inclusive
apresentar uma tendência a acreditar no oposto do que é comunicado (FREWER,
2004).
A confiabilidade das instituições e dos mecanismos de gestão é uma variável
importante quando se analisa a aceitação dos riscos em vista de seus benefícios,
que são sobretudo econômicos Siegrist, Cvetkovich, Roth (2000). A teoria da
confiança social indica que quanto maior a confiança nas instituições, maior a
percepção dos benefícios da tecnologia, e se essa confiança não existe, mais a
percepção dos riscos é negativa. É importante salientar ainda que o senso comum,
quando não pode avaliar riscos e benefícios por si, recorre aos especialistas para tal
e essa relação, dado que políticos e especialistas também avaliam os riscos de
maneira variada, acontece por meio da confiança que é forjada na similaridade de
valores entre população e especialista. Portanto, quando o especialista compartilha
dos valores de um grupo, esse grupo tende a aceitar a avaliação de risco deste
especialista como válida (SIEGRIST; CVETKOVICH; ROTH, 2000).
Outros fatores sugeridos por pesquisadores como influentes no grau de
confiança nas instituições são: a competência desta em gerenciar o risco, o histórico
de abertura, o uso de linguagem mais ou menos acessível aos leigos, a honestidade
32
e defesa dos interesses públicos e a demonstração de valores próximos aos da
população que parece algo difícil, mas pode ser alcançado por gestos simples como
ter um canal de comunicação local em vez de remoto (EUROPEAN COMMISSION,
2014).
Outra questão importante é a comunicação da incerteza. Esse ponto costuma
ser fonte de controvérsia para as instituições responsáveis por gerir e comunicar
riscos, pois teme-se a reação da população à exposição da incerteza. As instituições
acreditam que ao fazê-lo, pode haver uma quebra na confiança entre população e
instituição e mesmo a desconfiança quanto à capacidade da ciência cumprir o papel
de fornecer à gestão ferramentas para evitar ou controlar impactos graves e
desastres.
Se, por um lado, alguns especialistas acreditam que compartilhar com o
público as incertezas quanto aos riscos pode ser um fator a mais de insegurança e
levar a reações inadequadas aos riscos, por outro há aqueles que defendem que o
público pode aceitar as incertezas como parte do processo, separando esse aspecto
do perigo em questão da competência da ciência ou dos gestores em cumprir seu
papel. Além disso, a forma como essa informação sobre a incerteza é apreendida
pela sociedade também depende de fatores culturais e sociais. Uma boa forma de
lidar com essa questão pode ser expor as incertezas quanto ao risco e também as
possibilidades de mitigação deste (EUROPEAN COMMISSION, 2014).
2.3.2 Mídia e percepção
Apesar de muito se falar sobre o papel da mídia como influência da percepção
pública dos riscos, não há certezas nesse campo. As pesquisas empíricas com esse
foco são raras, o que deixa uma lacuna de dados quanto ao tema. A questão
principal feita pelos estudiosos e que causa muita controvérsia é: a mídia tem o
poder de alterar a percepção pública dos riscos ou simplesmente reforça visões já
presentes no público?
Wahlberg e Sjorberg (2000) investigaram o assunto e concluíram que, no que
diz respeito à percepção social dos riscos tecnológicos, apesar de existir uma
influência da mídia, há muitas outras variáveis a se considerar, o que dificulta
determinar o quanto essa influência é relevante. Uma das maneiras principais que os
veículos de comunicação têm de influir na percepção social é a exposição de
números e estimativas, que tem um efeito significativo na avaliação das pessoas.
33
Numa avaliação controversa, os autores consideraram que o conteúdo midiático em
sua totalidade, apesar de pouco objetivo, não é tão tendencioso em relação aos
riscos quanto se pensa. Os acontecimentos seriam retratados de maneira recortada
e fora de contexto, cabendo ao público o papel de discernir sobre essa informação.
E se a percepção de risco geral pode ser afetada pelo conteúdo midiático, os
julgamentos pessoais são menos flexíveis para mudarem em função dessas
informações (WAHLBERG; SJOSBERG, 2000). Além do mais, os autores
questionam a duração dessa influência, que pode ser mais imediata que de longo
termo.
Essa conclusão pode soar inocente e até mesmo anacrônica, o que muito
provalvemente se deve à rápida mudança no meio midiático desde então.
Atualmente o uso da mídia e principalmente da publicidade com o intuito de
direcionar opiniões positivas ou negativas do público quanto a um determinado
assunto ou atividade é comum e alguns estudos apontam esses elementos como
importantes na percepção pública (DI GIULIO; PEREIRA; FIGUEIREDO, 2008). Não
se trata de uma novidade, podemos citar diversos exemplos na história, desde o uso
massivo da publicidade pelos regimes nazifacistas no século XX, até a forma como a
mídia norteamericana engajou-se na construção da teoria da existência de armas
nuclares no Iraque, legitimando aos olhos da sociedade a invasão do país. No Brasil
de hoje vivemos diariamente e de forma cada vez mais intensa essa experiência, na
qual a mídia é um instrumento para manobrar a opinião pública e o jornalismo tem
papel fundamental, ao evocar uma aura de credibilidade enquanto exprime um
discurso tendencioso. Além disso, o advento da internet e o uso de redes sociais nos
coloca num contexto por um lado novo, ao facilitar a comunicação entre as pessoas
e o acesso à informação, e por outro similar, pois submetida ao controle e
manipulação dos grupos que detêm o poder político.
Outro fator importante é que a quantidade de informações circulando pelos
meios de comunicação atualmente é tão grande e instável que cria-se um ambiente
de falta de confiança nessas informações. Além do mais, no campo científico, existe
uma profusão de pesquisas tanto contrárias como favoráveis sobre diversos
assuntos. Guivant (2001) nos fornece um interessante exemplo da questão da
confiança nas instituições e da influência da mídia num contexto atual sobre os
riscos. Diferente de outros países, a autora identifica no Brasil uma falta de
preocupação com a questão dos transgênicos. Em parte, diz ela, isso é resultado do
34
alto grau de incerteza do assunto, pois as informações propagadas pela mídia, por
especialistas e pelas instituições são muito numerosas e contraditórias entre si, além
de serem progressivamente desmentidas. Assim, cria-se uma falta de confiança
nessas informações, além da desconfiança quanto às instituições que teriam o papel
de controlar os possíveis riscos advindos dessa tecnologia. A autora ainda coloca
que, somando-se esses fatores - a falta de confiança nas instituições de controle e a
incerteza nas informações fornecidas, formou-se um ambiente de expectativa zero
de controle dos riscos, no qual existe uma aceitação da situação que é acentuada
pela ignorância das proporções desses riscos.
2.4 ESTUDOS DE PERCEPÇÃO DE RISCO NO BRASIL E EM CONTEXTOS DE MINERAÇÃO.
No Brasil, existem muitos estudos sobre os impactos e riscos associados à
produção de cimento, à mineração e à poluição industrial. Entretanto, as pesquisas
de percepção são mais frequentemente voltadas aos temas da educação ambiental,
ou da percepção ambiental em geral. Também é frequente a realização de pesquisas
de percepção de risco na área da saúde, envolvendo questões de saúde e
segurança do trabalho por exemplo.
Além do estudo de Guivant (2001) que relaciona os temas percepção de
risco, saúde, mídia e agricultura, Neves e Jeolás (2012) nos apresentam um
panorama dos estudos voltados à percepção de riscos nas Ciências Sociais, muitos
voltados à temática da segurança do trabalho ou à saúde e políticas públicas.
Cioccari (2012) nos apresenta uma pesquisa da percepção dos riscos de
trabalhadores de minas de carvão sobre suas atividades, numa perspectiva que
ilustra bem a representação da aceitação voluntária de riscos (em razão da
vulnerabilidade social), como heróica e necessária.
Valente, Figueiredo e Coelho (2008) trazem um importante contraponto entre
a percepção dos riscos da mineração diante dos benefícios econômicos de tal
atividade para duas comunidades portuguesas. Em Aljustrel, onde a atividade
mineira esteve paralisada por um período de dez anos, os riscos ambientais são
menos valorizados como fator de percepção da população que os benefícios tais
como geração de emprego e renda, fixação da população e melhoria da serviços,
entretanto, há percepção dos riscos principalmente quanto a danos físicos dos
trabalhadores e à incerteza do futuro, quando a mina for desativada. Já em
35
Panasqueira, os benefícios sociais não são tão salientados, enquanto os impactos
negativos tais como riscos físicos e morais, poluição de água, solo e ar, parecem
preocupar mais que na outra localidade. O estudo aponta para a importância de uma
multiplicidade de fatores na formação da percepção da população sobre os riscos e
impactos da mineração e chama a atenção quanto a uma visão antropocêntrica
desses riscos por parte da comunidade (VALENTE; FIGUEIREDO; COELHO, 2008).
As pesquisas na área de percepção ambiental têm sido adotadas como
ferramentas de gestores e organizações participantes, principalmente no que diz
respeito às Unidades de Conservação. A conceituação de percepção, por ser muito
subjetiva é ajustada pelos parâmetros do pesquisador dependendo de seus objetivos
(PACHECO; SILVA, 2006). O uso da percepção também pode ser uma interessante
ferramenta na avaliação de riscos ambientais e impactos ambientais, quando
incorporado na gestão dos riscos (COELHO et al., 2004). Di Giulio et al (2010)
chegou a mesma conclusão ao estudar a comunicação e gestão de riscos
ambientais em áreas contaminadas por chumbo no vale do rio Ribeira, entre Paraná
e São Paulo. Podemos citar também a pesquisa de Santos (2013) sobre a
percepção dos riscos ambientais relacionados ao gasoduto que corta São Mateus do
Sul no Paraná e o estudo de Freire (2011) sobre a percepção dos riscos ambientais
tecnológicos relacionados à indústria petroquímica no município de Madre de Deus,
na Bahia. Esses estudos são apenas alguns casos num crescente leque bibliográfico
que alia os temas da percepção ambiental e a avaliação dos impactos ambientais e
riscos ambientais.
36
3. MINERAÇÃO INDUSTRIAL E IMPACTOS DA PRODUÇÃO DE CIMENTO PORTLAND
A mineração tem sido tema frequente de pesquisas no Brasil e nos noticiários
cotidianos, pela importância crescente da atividade na economia nacional, pela
discussão acerca do novo marco regulatório da atividade ou por desastres
ambientais ocasionados pelo setor. O caso do rompimento da barragem de rejeitos
de Fundão em Mariana, Estado de Minas Gerais, pertencente à empresa Samarco -
da qual são acionistas as grandes corporações mineradora Vale S/A e BHP Billiton,
ainda está presente na mídia e longe de ser solucionada. O rompimento causou a
degradação profunda de parte da bacia hidrográfica do rio Doce, um número elevado
de mortes e a remoção de comunidades inteiras, além da desconfiguração completa
de seu modo de vida. Com isso, o desastre até hoje é motivo de revolta e comoção
social, sobretudo pela lentidão da ação do Estado em apurar as falhas e aplicar
medidas punitivas e mitigatórias. Além disso, a empresa resiste em assumir a
responsabilidade pelo desastre e colaborar com as investigações.3 Esse caso
enuncia muitas falhas no sistema de regulação dessas atividades, assim como o
alcance dos riscos de tais empreendimentos quando se efetivam em impactos reais.
Revela também o desconhecimento da população sobre esses riscos, que não são
considerados nos processos de tomada de decisões sobre a instalação das
empresas (ARTIGAS, 2016).
Quanto à proposta de um novo marco regulatório da atividade, o projeto de lei
tramita desde 2011 no Congresso Nacional, sofrendo modificações ao longo desse
período. Ele é reflexo do projeto neodesenvolvimentista adotado pelos últimos
governos, e visa estimular o crescimento da atividade através de concessão de
benefícios diversos (isenção de tarifas, terrenos a baixos preços, etc.), ao mesmo
tempo que aumenta a participação do Estado no setor, por meio de maior regulação
e arrecadação de impostos. Entretanto, a medida apresenta diversas contradições.
Além disso, o estímulo pretendido à atividade privilegia a atuação de grupos
empresariais bem estabelecidos e investidores estrangeiros, ou seja, marginaliza
pequenas empresas nesse processo, mas oportuniza facilidades ao capital
3Acompanhamento do caso pelo Jornal El País. Disponível em:
<http://brasil.elpais.com/tag/desastre_mariana/a/>
37
coorporativo. Atualmente a atividade é normatizada pelo Decreto de lei nº 227/1967,
mas representantes do legislativo e agências do governo, influenciadas pelo
lobbying de empresas do ramo, têm demostrado a intenção de modernizar4 esse
marco legal, adequando-o ao crescimento da atividade no Brasil e à importância que
ela alcançou em termos econômicos (BITTENCOURT, 2013). Alegam também a
necessidade de aumentar a arrecadação e facilitar os investimentos na área. Isso
aconteceria com a simplificação da forma de concessões de exploração,
implementação de mudanças nos órgãos de política mineral, entre outras medidas.
Especialistas do tema e dos impactos socioambientais da atividade minerária
questionam muitos pontos da proposta desde que ela foi lançada (BITTENCOURT,
2013; CASTRO; MILANEZ, 2015). Em suma, o Novo Código favorece determinados
grupos empresariais, não avança em questões sociais e nem mesmo nas
ambientais, mesmo que um dos objetivos alegados para as mudanças na legislação
seja o aprimoramento do controle dos impactos ambientais. Representantes da
sociedade civil, como trabalhadores da mineração, comunidades impactadas e
ONGs, alegam que as decisões sobre o código não estão sendo tomadas de
maneira democrática. Apesar da importância do tema para toda a sociedade, são as
grandes corporações que estão conduzindo essa discussão, com a anuência do
Congresso e Ministério Público (OLIVEIRA, 2013).
A discussão do marco regulatório problematiza toda a questão da mineração no
Brasil. É possível estendê-la a outras atividades voltadas à geração de commodities
e à ambiguidade da ação governamental que, para desenvolver a indústria ou a
agropecuária monocultora como base do crescimento econômico nacional, acaba
penalizando o meio ambiente e as comunidades tradicionais que dependem da terra.
Em muitos casos a consequencia é o aprofundamento de situações de
vulnerabilidade social (ALTVATER 1995; AVILA; MONTE-MÓR, 2011).
A isso se soma a contraditória atuação do estado como regulador dessas
atividades, já que esse exercício entra em conflito direto com a política de
desenvolvimento econômico priorizada pelo próprio estado (LIMA, 2011).
Considera-se, portanto, o papel da mineração no Brasil como um elo de uma rede de
relações econômicas, políticas e de exploração de recursos entre países periféricos
4É importante salientar como o termo modernização tem sido adotado no discurso desses agentes como
eufemismo para medidas impopulares ou restritivas, muitas vezes de direitos constitucionais, mas que
favorecem entidades empresariais.
38
e centrais ou mesmo entre territórios de uma mesma nação que gera bem estar e
ordem em uma região sob o custo da geração de desordem e caos em outra região
(ALTVATER, 1995). Esse panorama pode ser bem ilustrado quando consideram-se
as grandes mineradoras e toda a trajetória dos minérios até seu consumidor final.
Quanto a isso, existe a tendência globalizante de corporações internacionais
dividirem seus processos produtivos entre empresas distintas e estabelecê-los em
diferentes países ou regiões, o que muitas vezes acontece num formato de
oligopólios, como é o caso do cimento no Brasil, ou mesmo com a formação de
cartéis5 (IFAGNER, 2009). A produção primária e extrativa, a chamada “fase quente”,
é legada em geral aos países da periferia capitalista, isso acontece por dois motivos:
por um lado, muitos dos países centrais já exauriram suas reservas minerais,
hídricas, florestais e energéticas e dependem da importação desses recursos para
seu processo econômico. Por outro lado, os países em desenvolvimento, além da
dependência tecnológica que têm dos primeiros, apresentam menos restrições de
emissões carbônicas, regulação ambiental mais permissiva, sindicatos e
movimentos sociais menos organizados, oferta de mão de obra barata e reservas
naturais ainda vastas (ALTVATER, 1995).
Além disso, muitos desses países, como é o caso do Brasil, mas também de
países asiáticos, africanos, do leste europeu e da América Latina - lançam mão de
incentivos fiscais, programas de financiamento da indústria, flexibilização da
legislação trabalhista e ambiental e isenções tarifárias de serviços para atrair as
empresas implantadoras da “fase quente”. A instalação dessas empresas é
fundamentada no discurso neodesenvolvimentista, segundo o qual elas levarão ao
desenvolvimento social, através da oferta de empregos, do incremento da
infraestrutura nas regiões onde se instalam e da dinamização geral da economia na
indústria, no comércio e nos serviços (MALERBA; MILANEZ; WANDERLEY, 2012)6.
Esse discurso é questionado pelos autores citados, que o enquadram dentro do
“paradoxo latino americano” no qual, sob o pretexto de atrair empresas
multinacionais para gerar divisas para o país e revertê-las em benefícios sociais,
5 Site do CADE. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/Default.aspx?5ed120e93bd027ec390659ee4508>.
Reuters Brasil. Disponível em: <http://reuters-brasil.jusbrasil.com.br/noticias/112353737/punicao-inedita-do-
cade-<lanca-duvidas-sobre-industria-do-cimento>. 6 As empresas transnacionais tendem a concentrar nos países periféricos a “fase quente” da produção, que vai
até o beneficiamento do produto, ou sua semifinalização, e a “fase fria”, em que há menos consumo energético,
geração de poluição e os produtos ganham maior valor agregado, próxima dos mercados consumidores (Bühler,
2007 apud Malerba, Milanez, Wanderley, 2012, 54).
39
acontece a quebra da organização territorial local, com o domínio dessas empresas
e a gradual exclusão de pequenos produtores e comunidades tradicionais, criando
dependência econômica, impactos ambientais e desagregação cultural.
Paul Little (2002) argumenta, nesse sentido, que nesse modelo de
crescimento econômico os recursos naturais são dirigidos sobretudo para
exportação e os impactos negativos incidem sobre o local. Altvater (1995) trata esse
processo como pilhagem de ilhas de sintropia, na qual a matéria geradora de
energia é extraída e transportada até a região onde se fará a utilização dessa
sintropia acumulada pela natureza, que em geral não é o mesmo local onde
acontece a extração (ALTVATER, 1995).
O conceito de desenvolvimento tem papel fundamental nesse contexto. O que
Altvater (1995) classifica como “desenvolvimento insustentável”, Little (2002) chama
“desenvolvimento por pilhagem” e Sachs (1993, p. 50) de “mal desenvolvimento”.
Isso porque para Sachs (2002), é possível entender o desenvolvimento por outra
perspectiva: a do Ecodesenvolvimento, o qual não pode ser pautado pelas forças de
mercado e deve harmonizar objetivos sociais, ambientais e econômicos. Sobre isso
o autor declara:
“O desenvolvimento sustentável é um desafio planetário. Ele requer estratégias complementares entre o Norte e o Sul. Evidentemente os padrões de consumo do norte abastado são insustentáveis. O enverdecimento do Norte implica uma mudança no estilo de vida, lado a lado com a revitalização dos sistemas tecnológicos. […] No Sul a reprodução dos padrões de consumo do Norte em benefício de uma pequena minoria resultou em apartação social” (SACHS, 2002, p. 58)
A crítica também se estende à situação do Brasil como exportador primário e
as diversas desvantagens em estimular esse tipo de economia, situação a qual José
Augusto Pádua nomeia de “dilema do berço esplêndido” (PÁDUA, 2016) . Muitos
consideram que o beneficiamento de tais produtos primários em território brasileiro
agregaria valor de mercado ao produto e seria um benefício ao país. Porém, Castro
e Milanez (2015) argumentam que os impactos da atividade não se restringem à
lavra e beneficiamento. O alto consumo de energia e água também causa impactos
indiretos, assim como a criação de uma onerosa infraestrutura de transporte
especificamente para essas indústrias. Nesse sentido, mesmo o beneficiamento
interno de produtos primários ainda estaria dentro da “fase quente” da indústria.7
7 Malerba, Milanez e Wanderley (2012) apontam como exemplo o caso do beneficiamento de minério de ferro
no Pará. É importante ressaltar que há casos que fogem dessa regra, como a produção do cimento, que costuma
40
Alguns mitos sobre a atividade mineradora são adotados como argumentos
pelos porta-vozes do setor mineral e dos governos na defesa da mineração. Um
deles é o que relaciona o desenvolvimento econômico de determinados países do
norte com sua riqueza mineral, como no caso de Canadá, Austrália e Estados
Unidos, idéia que muitos estudos desmistificam, demonstrando que a mineração
teve participação pequena ou pontual na economia desses países ao longo de sua
história (MALERBA; MILANEZ; WANDERLEY, 2012; BITTENCOURT, 2013).
O código minerário corrente coloca a mineração como atividade prioritária, o
que pode levar a conflitos pelo uso da terra. É comum que nas audiências públicas,
ou nos processos para autorização da atividade, adote-se o argumento da prioridade
da mineração no âmbito jurídico em razão de seu pretenso benefício econômico e
social (pela geração de empregos)8. Essa é uma interpretação possível de trechos
da Constituição de 1988, do CONAMA e do Código Mineral, porém, como elucidam
Malerba, Milanez e Wanderley (2012), esses mesmos documentos também dão
margem a outras interpretações. Nesse ponto, é importante destacar que o uso das
expressões 'interesse nacional' e 'utilidade pública' voltadas para a mineração são
recorrentes nesses discursos e estão presentes nos documentos citados, mas estes
também consideram de interesse nacional e utilidade pública outras atividades ou
usos da terras, sem que exista distinção de prioridade entre essas diversas
possibilidades.
As mudanças propostas no novo marco legal tem como objetivos a expansão
da exploração mineral, o aumento das divisas do Estado a partir de tais atividades, a
ampliação da atividade minerária com a instalação de indústrias de base e o
desenvolvimento de instrumentos para mitigação dos impactos ambientais.
Apesar dos primeiros objetivos de expansão da atividade parecerem ir na
contramão do objetivo de mitigar impactos ambientais (BITTENCOURT, 2013), as
propostas do Código e do Plano Nacional da Mineração 2030 (MME, 2010)
trabalham com a noção de mineração sustentável, que é questionada por muitos
pesquisadores (SCOTTO, 2014). Nesse sentido, mesmo a possiblidade de avanço
aliar os processos de extração, beneficiamento e transformação na mesma localidade e, em geral, faz uma
distribuição regional do produto final, sendo o mercado interno o principal consumidor (SNIC - Resultados
Preliminares 2015 e 2014). Disponível em: <http://www.snic.org.br/resultados_pre_dinamico.asp> 8 Um exemplo pode ser visto na discussão acerca do novo marco legal. Um dos pontos mais contestados do
texto é o que estabeleceria a criação de uma Agência Nacional de Mineração, que substituiria a CPRM em suas
funções e teria poder decisório quanto ao uso da terra em locais com potencial de exploração mineral, como por
exemplo a criação de Terras Indígenas ou de áreas de conservação ambiental.
41
tecnológico tem se mostrado pouco eficiente no que diz respeito à mitigação de
impactos ambientais ou redução do consumo energético.
Scotto (2014) considera que no Brasil existe um esforço de grandes empresas
do setor em se adequar às recomendações de iniciativas internacionais sobre a
sustentabilidade na indústria ou na mineração. O papel dos órgãos reguladores e
das agências financiadoras desses empreendimentos é importantíssimo, pois são
suas exigências de adequação, apresentação de projetos e melhorias nesse sentido
que pautam as ações corporativas. Vale dizer, contudo, que muitas dessas
entidades, como o Banco Mundial, têm adotado uma visão do desenvolvimento
sustentável vinculada ao crescimento econômico e às regras do mercado como
condições para a sustentabilidade. Essa noção também pode ser encontrada entre
os empresários brasileiros, que tendem a considerar o tema da sustentabilidade em
suas empresas apenas na medida em que ele é favorável à imagem corporativa e ao
aumento da produtividade e dos negócios. Todavia, apesar da temática da
sustentabilidade na mineração no âmbito nacional e internacional ser
majoritariamente uma prática discursiva, a nível local ela tem favorecido a criação de
projetos e de ONGs comprometidas com causas sociais e ambientais (SCOTTO,
2014).
Além das questões sobre o crescimento acelerado da mineração e o papel do
Brasil como exportador de produtos primários, existe também o problema do uso do
território que acaba redefinido pela mineração, ou melhor, limitado. A presença de
lavras pode representar, em muitos casos, a perda de funções tradicionais daquele
espaço, do ecossistema local e mesmo da paisagem. A atividade não só pode
impossibilitar o desenvolvimento de outras no mesmo espaço, a agropecuária por
exemplo, como pode impactar negativamente atividades no entorno, como a pesca.
Também podem ser prejudicadas funções sociais e culturais do espaço, como área
ritual, de uso coletivo para pastagem, coleta, ou como áreas de preservação
ambiental. Há também a questão jurídica que separa a propriedade de superfície da
subsuperfície, o que muitas vezes cria conflitos ambientais entre os proprietários da
terra, ou os usuários tradicionais da área, que muitas vezes não têm posse legal da
terra, e as empresas que pretendem explorar o minério (MALERBA; MILANEZ;
WANDERLEY, 2012).
Ao não considerar de maneira satisfatória os usos já existentes dos territórios
propensos à mineração, o Novo Código Mineral também pode acabar contribuindo
42
para a existência de conflitos socioambientais. Ele não resolve impasses quanto à
extração mineral em terras indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação e
considera apenas a posse legal da terra passível de indenização, excluindo diversos
outros tipos de uso da mesa de negociação. Desse modo, o processo de mudança
do marco legal reforça contradições, subordina as dinâmicas territoriais locais ao
plano econômico nacional e, em muitos sentidos, limita o debate do setor ao negócio
da mineração ao desprezar os aspectos socioambientais da atividade
(BITTENCOURT, 2013).
3.1 MINERAÇÃO NO ESTADO DA PARAÍBA
Se as questões acima descritas parecem ter pouco peso na realidade
paraibana, pela escala da produção mineral nesse estado relativamente a outros
com reservas maiores e com mineração de alta produtividade, é preciso considerar o
futuro projetado para a atividade no país. Essa projeção é identificada por
documentos, como o Plano Nacional da Mineração 2030 (MME, 2010), que institui
as Áreas de Relevante Interesse Mineral (ARIM).
O investimento na mineração a nível nacional, além das políticas públicas,
dos incentivos fiscais, da discussão acerca do marco legal, passa pelo investimento
em pesquisas geológicas. O Mapa das Áreas de Relevante Interesse Mineral no
Brasil (CPRM, 2009), estabelece áreas de maior interesse para a exploração de
diversos minerais. Apesar do destaque de regiões no norte, sudeste e sul do Brasil,
onde a mineração é atividade já bastante desenvolvida ou, no caso da Amazônia,
uma “nova fronteira”, o estado da Paraíba está incluído entre as áreas de interesse.
Quanto aos metais, o estado apresenta ocorrências de tungstênio, ferro,
nióbio, ouro, estanho e cobre. A região do Seridó é sem dúvida a mais importante
desse mapa, mas o alto sertão também é destacado. Sobre as rochas e minerais
industriais (rochas carbonáticas, argilas, gipsita, rochas ornamentais, diatamita,
feldspatos, rochas para brita, talco e magnesita), o estado apresenta favorabilidade
em todo o território. Já considerando as gemas (turmalina, água marinha e
esmeralda), a Paraíba tem favorabilidade parcial, sendo principalmente na região do
Seridó e do Alto sertão. Há também ocorrências de energéticos (como turfa, linhito,
carvão e urânio) na faixa litorânea, principalmente ao norte. Além disso, o mapa
inclui as águas minerais, que ocorrem principalmente na Zona da Mata e serra da
Borborema. Tamanha favorabilidade ocorre devido à localização geológica do
43
estado, na Província Mineral da Borborema (CPRM, 2009).
O contexto atual de exploração mineral na Paraíba já passa por mudanças,
em sua maioria estimuladas por políticas públicas voltadas à formalização ou
incentivo, além de fazerem parte de um panorama de desenvolvimento econômico
através da industrialização e crescimento da infraestrutura voltada a esse setor.
Assim, temos um cenário atual no qual muitos dos aspectos discutidos acima podem
ser encontrados em menor ou maior grau, e no qual a insuficiência das mudanças
propostas para o código minerário, certamente terá impactos significativos.
Pode-se dividir a mineração paraibana em contextos distintos: a exploração
de base garimpeira, intensa sobretudo na região do Seridó Paraibano, alcançando a
região de Campina Grande e também ocorrendo no Alto Sertão; a mineração
industrial mais presente na região litorânea (principalmente nos municípios
metropolitanos de João Pessoa) e em Campina Grande.
3.2 A INDÚSTRIA DO CIMENTO
3.2.1 A indústria do cimento no Brasil e no mundo
A produção de cimento no Brasil foi iniciada na Paraíba, ao fim do século XIX,
apesar de por curto período de tempo. Essa produção surgiu num ambiente
industrial paralelo ao têxtil e alimentício, entre as primeiras indústrias do país. Apesar
de funcionar esporadicamente durante o início do século XX após comprada pela
Votorantim, essa fábrica foi fechada em poucos anos.
O mercado nacional de cimento era pequeno e abastecido por importações, já
que a instalação de uma planta industrial nacional, pelos altos custos, não interessou
aos investidores até o final da década de 1920, quando a fábrica da Companhia
Brasileira de Cimento Portland (CBCP) em São Paulo, de capital principalmente
canadense, passou a funcionar. Durante a década posterior mais fábricas foram
abertas sob o controle das empresas CBCP, Companhia Nacional de Cimento
Portland (CNCP) e Votorantim (SANTOS, 2011).
Após essa década, o mercado do cimento se fortaleceu, principalmente diante
do crescimento urbano e de infraestrutura, além da expansão das malhas viárias.
Isso significou também a execução de novos projetos, atraindo investimentos de
grupos internacionais como Lafarge, Holsim e Cimpor. Além da entrada de capital
estrangeiro, o estímulo do estado para a produção, a definitiva adoção do cimento
44
pela construção civil e o investimento de capital carreado de outros ramos foram
facilitadores desse crescimento. O empresariado nacional também passou a ter
papel principal nos investimentos desse setor, diminuindo a importância do capital
estrangeiro na indústria do cimento (SANTOS, 2011).
Uma característica do setor cimenteiro é que ele se expande ou decresce
conforme a situação econômica do país. Por exemplo, durante a crise da década de
1980, o consumo de cimento estagnou, passando a elevar-se em meados dos anos
de 1990 e apresentando crescimento significativo após 2003. Vários fatores
contribuíram para isso: grandes obras de infraestrutura, programas habitacionais, os
Programas de Aceleração do Crescimento (PAC). A abertura econômica e demais
condições favoráveis de países como o Brasil para a atuação dessa indústria acabou
atraindo os grandes conglomerados internacionais, que em muitos casos usam de
fusões e incorporações de empresas menores para dominar o mercado regional.
Todavia, o cenário também foi favorável para os grandes grupos nacionais que
passaram a atuar internacionalmente. Em 2010 a Votorantim e o Grupo Camargo
Correia compraram a maior parte do capital acionário da Cimpor, de origem
portuguesa, o que tornou a situação do mercado brasileiro mais estável para estes
conglomerados e inclusive permitiu às empresas expandirem sua atuação na
Europa, África e Ásia, além de países americanos (SANTOS, 2011).
Esse mercado concentrado do cimento, em alguns momentos é relacionado à
cartelização por operações de divisão regional do mercado, aumento conjunto dos
preços e medidas que objetivavam a quebra de empresas menores (IFANGER,
2009). Em 2014, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE,
condenou algumas empresas do setor cimenteiro por prática de cartel no mercado
nacional durante o ano de 2006. Entre elas estão a Intercement, a Cimpor e a
Votorantim, que tem fábricas no litoral paraibano e estão entre as maiores empresas
do cimento no mundo (ou são parte de grandes conglomerados empresariais),
dominando também o mercado brasileiro.9
Atualmente a preocupação mundial com a diminuição dos gases do efeito
estufa está motivando diversas medidas impostas ou adotadas pela indústria, que é
intensiva no uso de energia elétrica e térmica. Nesse sentido existe uma busca
conjunta do setor privado, dos governos e da sociedade científica por soluções
9 Notícias no site do Governo do Estado da Paraíba. Disponível em: <http://www.paraiba.pb.gov.br/com-cinco-
novas-fabricas-paraiba-sera-2o-maior-produtor-de-cimento-do-pais/>
45
mitigadoras também na produção cimenteira. Em 2014, por exemplo, foi lançado o
Mapeamento Tecnológico do Cimento – Brasil, numa parceria entre a indústria do
cimento, a International Energy Agency – IEA, a Cement Sustainability Initiative/
World Business Council for Sustainable Development e outros atores
(parlamentares, acadêmicos e da sociedade civil), sob coordenação do Sindicato
Nacional da Indústria do Cimento – SNIC e Associação Brasileira de Cimento
Portland - ABCP. O estudo deve mapear e observar as emissões de CO² pela
indústria cimenteira do Brasil. Os resultados devem ser associados a cenários para
os próximos 20 ou 50 anos, dos quais farão parte as alternativas de redução dessas
emissões (SNIC, 2013).
Relacionados a esse panorama, estudos tem sido desenvolvidos buscando
trabalhar o conceito de sustentabilidade na indústria do cimento, desde a eficiência
tecnológica e energética até a busca de novos materiais que substituam parte do
minério componente do cimento ou a própria necessidade de cimento na construção
civil10. Entretanto é previsto que o consumo de cimento cresça nas próximas
décadas e que ele seja ainda mais necessário. A busca por substitutos viáveis do
cimento também é necessária considerando que a extração mineral tem limites, já
que o calcário e demais minérios incorporados ao produto são finitos (SNIC, 2013).
3.2.2 O processo de produção do cimento, seus riscos e impactos.
A produção de cimento portland tem diversas etapas, começa com a
exploração do minério em lavras de calcário, argila e gesso ou caulim, passa à
transformação dessa matéria mineral no cimento, até a embalagem do produto e
transporte para o consumidor final. Para que esse processo fique mais claro, e a
partir dele sejam abordadas as suas externalidades e riscos, explica-se de maneira
simplificada suas etapas11.
O processo se inicia com a mineração de calcário e da argila, dos quais são
extraídos carbonato de cálcio, sílica, alumínio e minério de ferro, matérias primas do
cimento. Essa extração é feita em lavras extensas a céu aberto e com uso de
maquinário. Esses minérios são então transportados para a fábrica, entrando em
outra etapa do processo na qual o equipamento industrial é fundamental. São feitas
10 Informações obtidas durante participação no 1º Simpósio UFPB em sustentabilidade na cadeia do Cimento,
em agosto de 2015. 11É ilustrativo desse processo o vídeo produzido pelo SNIC que explica o processo de produção do cimento.
Fonte: Site do SNIC. Disponível em: <http://www.snic.org.br/processo.asp>.
46
a moagem e homogeneização do material já triturado resultando na chamada farinha
crua, ou cru. O cru, que apresenta o aspecto de um pó fino, é então destinado aos
fornos rotativos que, sempre em funcionamento, precisam atingir altas temperaturas
para, após um rápido resfriamento, transformar o material no que a indústria chama
de clínquer. É necessária então a moagem do clínquer e incorporação de outros
materiais para se chegar ao cimento, trata-se essencialmente de gesso ou caulim,
mas outras adições também são possíveis. Essas adições tem objetivos específicos,
como a redução da impermeabilidade ou maior resistência e podem vir inclusive de
resíduos industriais ou agrícolas12. O produto finalizado então é armazenado em
silos e ensacado dependendo da forma de distribuição, para transporte aos
revendedores (SANTI; SEVÁ FILHO, 2004). A figura 01, a seguir, ilustra o processo.
Figura 01 - Processo de produção de cimento Portland:
Fonte: Adaptado de Carvalho (2008) e WBCSD (2009).
Todo esse processo depende de grande quantidade de energia para funcionar, tanto
eletricidade quanto combustível. A alimentação dos fornos rotativos é um ponto
importante na busca de eficiência energética na indústria do cimento. Para diminuir o
uso de combustíveis fósseis buscou-se no processamento de resíduos industriais
material para geração de energia térmica, o que passou a ser chamado de
coincineração ou cooprocessamento, no qual se destaca a queima de pneus
inutilizados, e resíduos como o de EVA13, por exemplo (SANTI, 2003). Essa medida
12 Site da Lafarge. Disponível em: <http://www.lafarge.com.br/wps/portal/br/2_2_1-Manufacturing_process> 13 EVA é A Espuma Vinílica Acetinada, conhecida como EVA é uma espuma sintética flexível utilizada na
confecção de diversos produtos, como calçados e tapetes.
47
é bastante discutida pela bibliografia atual e não há consenso sobre até que ponto
ela pode ser benéfica ou prejudicial ao meio ambiente a à saúde humana.
Apesar da prática da coincineração ser considerada uma solução para o
problema dos resíduos sólidos na medida que permite incinerar material que seria
destinado a aterros sanitários ou armazenamento em substituição aos combustíveis
fósseis. No entanto, essa solução alternativa tem sido bastante contestada por seu
teor poluente e pela emissão de carbono implicada no atual contexto de crise
climática (LINS; ROCHA, 2011). Considerando não só a destinação alternativa dos
resíduos industriais ou agrícolas, mas também a diminuição do uso de combustíveis
fósseis finitos, a princípio a medida atenua dois problemas ambientais. Essa ideia é
adotada por muitos Estudos de Impacto Ambiental, amparando discursos que
defendem a sustentabilidade dos processos produtivos das fábricas de cimento14.
Muitos autores, entretanto, apontam falhas nessa visão. Santi e Sevá Filho
(2004) criticam essa abordagem, apontando a coincineração de resíduos em fornos
de clínquer como fator de expansão dos riscos, já que não há estudos conclusivos
sobre os efeitos da queima desses diversos materiais sobre o ambiente e a saúde
humana, e em muitos casos (isso pode variar de acordo com o estado), não há
controle de quantidade ou tipo de resíduo destinado a esse fim. Os autores
classificam esse processo como complexo e pelo seu ineditismo, um experimento
social em larga escala, no qual os riscos sobretudo à saúde são divididos com a
população (SANTI, 2003; SANTI; SEVÁ FILHO, 2004).
O resíduo queimado pode conter diversos tipos de poluentes, que não são
completamente eliminados pela incineração, podendo ser exalados em forma de
gases tóxicos ou serem encontrados mais concentrados no próprio cimento (LINS;
ROCHA, 2011). São muitos os estudos relacionando esses poluentes a problemas
de saúde diversos, como os de Milanez (2007), Winder e Carmody (2002), Porto e
Fernandes (2006) (LINS; ROCHA, 2011). Os estudos de caso feitos nesse sentido
evidenciam não só situações complexas onde a saúde dos trabalhadores é exposta
a riscos pouco conhecidos, mas também conflitos ambientais envolvendo as
comunidades próximas às fábricas.
Santi e Sevá Filho (2004), realizaram um estudo de caso do Polo Cimenteiro
14 Por exemplo, no Estudo de Impacto Ambiental – EIA referente à implantação de lavra a céu aberto para
EXTRAÇÃO DE CALCÁRIO, ARGILA E AREIA, nos municípios de Alhandra e Pitimbu, Elaborado pela
empresa Geoconsult. Fortaleza, 2012. Processo SUDEMA No. 2011-004606/TEC/LI-0947.
48
na região metropolitana de Belo Horizonte que identificou diversos riscos aos quais a
população e os trabalhadores das fábricas estão expostos. Destacou-se a poluição
gerada pela coincineração nos fornos de clínquer que utilizava resíduos industriais
diversificados misturados à queima, atividade autorizada pelo orgão ambiental
competente (SANTI; SEVÁ FILHO, 2004).
Pinto Junior e Braga (2006), num estudo sobre a saúde de trabalhadores dos
fornos de coincineração de uma fábrica cimenteira em Cantagalo (RJ), alertam para
a falta de dados relacionando a saúde dos trabalhadores ao contato com emissões
de material particulado ou gases tóxicos. Os problemas de saúde dos trabalhadores,
verificam os autores, apesar de associados a suas atividades, nem sempre são
encarados como doenças do trabalho ou acidentes de trabalho e na maioria das
vezes não são registrados por mecanismos como a Comunicação de Acidente de
Trabalho (CAT), tornando esses casos invisíveis aos órgãos de vigilância da saúde
do trabalhador. Relatou-se também que o uso de EPIs nem sempre é suficiente para
evitar efeitos do contato com tais emissões, como irritação, tontura, dores de cabeça
e náuseas. Os autores alertam ainda para a possibilidade desses riscos à saúde que
incidiam diretamente sobre os trabalhadores da fábrica, especialmente aqueles
envolvidos na atividade dos fornos rotativos, no futuro podem atingir uma parcela
bem maior da população pela gradual poluição ambiental gerada (PINTO JUNIOR;
BRAGA, 2006).
Porém, os impactos ambientais e riscos da produção do cimento não se
restringem àqueles gerados pelos fornos rotativos, estando em todas as etapas do
processo. Os impactos da instalação e operação das fábricas de cimento podem ser
tanto potenciais (riscos) quanto manifestos, afetando sociedade, ambiente e saúde e
segurança laboral de diversas formas e podendo ser compreendidos como positivos
ou negativos.
Os potenciais de impactos sociais negativos incluem pressão sob a
infraestrutura local, danos à saúde da população, problemas sociais associados ao
aumento do fluxo de pessoas como crimes e prostituição, diminuição da coesão
comunitária, mudanças na percepção e nos valores culturais da comunidade. Alguns
potenciais impactos sociais positivos são suporte financeiro a grupos sociais
vulneráveis, melhora na infraestrutura local, geração de empregos e estímulo do
crescimento econômico local, gerando alternativas de renda e atração de outras
indústrias (CSI, 2005).
49
Quanto à saúde e segurança laboral, os potenciais impactos são doenças
respiratórias, queimaduras, alergias e acidentes. Esses riscos podem aumentar
conforme o uso de químicos e material explosivo, porém programas para controle
desses riscos, além de treinamentos voltados à segurança e saúde dos funcionários
devem ser adotados (CSI, 2005).
Os impactos ambientais potenciais da extração e fabricação do cimento são
diversos. Entre eles aquele que mais tem chamado atenção e motivado a busca por
medidas mitigatórias é a emissão de poluentes, sobretudo os gases do efeito estufa.
Além destes, pode haver emissão de material particulado, de substâncias voláteis,
além da contaminação de efluentes líquidos, a geração de resíduos sólidos
contaminados, e o risco de acidentes mais sérios, como incêndios, explosões,
vazamentos e derramamento de material. Pode existir também a destruição de sítios
arqueológicos, cavernas e locais de importância imaterial para a comunidade, além
das profundas modificações na paisagem cênica. A poeira gerada e a poluição
sonora, além do próprio impacto da instalação da lavra e fábrica, também podem
afetar a biodiversidade local. Após a produção, o transporte do cimento, que no
Brasil é predominantemente feito por rodovias, é outra fonte de impactos negativos
ao ambiente (CSI, 2005; SANTI; SEVÁ FILHO, 2004).
Os conflitos ambientais ocasionados por esses impactos são comuns em
várias regiões do Brasil. Carvalho (2008), abarcando o caso da indústria cimenteira
de Sobradinho (DF) que gera impactos na comunidade de Lençol Queimado,
determina que há fontes poluentes em todas as etapas do processo de fabricação do
cimento, desde a extração até a distribuição, e sugere formas de diminuir esses
impactos e chegar à resolução de conflitos relacionados à atividade. A autora sugere
a adoção da Ecologia Industrial e do Ciclo de Vida para a melhor gestão dos
impactos e a gestão pacífica dos conflitos socioambientais, enfatizando também
medidas como a coincineração de resíduos como solução para o problema
ambiental da destinação de resíduos industriais.
Valéria Oliveira e Maria Pardo (2007) realizaram a pesquisa de conflitos
ambientais gerados pela produção de cimento portland no bairro América em
Aracaju, entre os anos de 1975 a 1984. Tendo a memória dos moradores e a
pesquisa histórica como fontes, as autoras descrevem os longos anos de
divergências entre a Fábrica de Cimento Portland e os moradores do bairro América,
as formas buscadas para solucionar esse conflito e a decisão de mudança da fábrica
50
para outra região, após décadas de sua instalação. Ressalta-se que a população
criou uma dependência econômica da fábrica por muitos moradores do bairro serem
empregados na mesma e o fechamento não era considerado benéfico a nenhuma
das partes. Além disso, a instalação da fábrica em 1967 foi recebida com entusiasmo
pela população dada a geração de empregos e os impactos negativos só foram
percebidos como danosos com o aumento da densidade demográfica na região. A
decisão de construir uma nova fábrica em local afastado entretanto, teve motivação
econômica – foi escolha da Votorantim, proprietária da fábrica, para ampliar e
modernizar sua produção – apesar de a pressão dos movimentos sociais certamente
ter contribuído (OLIVEIRA; PARDO, 2007).
No estado da Paraíba, Gutierres (2011) realizou uma análise da gestão
ambiental de mineradoras à partir da ótica da população tendo como objetivo
verificar se a certificação ISO 14001 melhoraria a relação com a comunidade. As três
mineradoras investigadas, entre elas a Fábrica de cimento pertencente à Cimpor, na
Ilha do Bispo em João Pessoa, apresentaram contextos e modelos de gestão
diferentes, com percepções diversas da população. Os resultados indicaram que as
mineradoras mais próximas de áreas urbanas geraram mais impactos ambientais e
sociais, segundo a percepção da população, que as medidas socioambientais
adotadas pelas empresas. Estas, apesar de entendidas positivamente pela
população, causam pouco impacto, com isso o autor conclui que a certificação
ambiental não é garantia de um bom relacionamento entre empresa e comunidade
(GUTIERRES, 2011).
Já Freitas (2010) construiu sua dissertação sobre os benefícios trazidos pelo
cooprocessamento de pneus inservíveis em João Pessoa, nos fornos da cimenteira
Cimpor. A pesquisa aborda os benefícios socioeconômicos da destinação dos pneus
para esse fim, gerando renda a catadores por exemplo, os benefícios ambientais
que traria a queima de pneus como combustível no lugar do coque de petróleo, pois
seria menos poluidora (FREITAS, 2010). O uso desse material para alimentação dos
fornos rotativos, como já abordado anteriormente, é bastante questionável pois é
possível a emissão de óxido arsenioso para a atmosfera, com o risco de acúmulo no
ambiente (LINS; ROCHA, 2011).
51
4. ASPECTOS METODOLÓGICOS
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
4.1.1 O Litoral Sul paraibano
O litoral paraibano está localizado na Bacia Sedimentar Pernambuco-Paraíba
(figura 04), dentro da qual está a sub-bacia Alhandra, que alcança todo o litoral sul,
desde a Falha de Itabaiana, logo a norte de João Pessoa, até a Falha de Goiana, já
nas proximidades da divisa com o Estado de Pernambuco.
Figura 04 – Bacias Sedimentares Potiguar, Paraíba e Pernambuco:
Fonte: BARBOSA et al., 2003.
No constante ao litoral sul do Estado, a Bacia Pernambuco-Paraíba foi
preenchida primeiramente com a Formação Beberibe, depois com a Formação
52
Itamaracá, para então receber a Formação Gramame e acima os depósitos
terciários, sobretudo a Formação Barreiras sobre a qual estão os Tabuleiros
Litorâneos. Para essa pesquisa é especialmente importante a Formação Gramame
que, composta por calcários e margas formando uma plataforma carbonática de
depósitos marinhos, é de interesse para a exploração minerária. Na região de João
Pessoa e ao longo do rio Gramame existem afloramentos desse material, que em
sua maior extensão está mais profunda, entre 100 e 150 metros, chegando a 30
metros de espessura no litoral sul da Paraíba (BARBOSA et al., 2003).
O litoral sul encontra-se inserido nas bacias hidrográficas do rio Gramame e
Abiaí. A Bacia do Gramame é de suma importância na região, pois, além de abarcar
boa parte do litoral sul e da cidade de João Pessoa, é fonte de abastecimento de
água para a capital e região metropolitana por meio do açude Gramame-Mamuaba.
Existe uma grande preocupação com essa bacia pois especialistas prevêm um
aumento na demanda do abastecimento para a região da grande João Pessoa,
acima da capacidade do açude. Além disso, a poluição do rio Gramame e seus
afluentes pelas indústrias e usinas de cana é uma ameaça à saúde das
comunidades ribeirinhas e do meio ambiente em todo o percurso do rio (SILVA et al.,
2002).
A região da Zona da Mata era originalmente coberta por mata atlântica em
grande extensão do território, mas hoje as áreas de mata estão reduzidas. O plantio
em monoculturas de cana de açúcar é a causa principal do desmatamento da mata
atlântica nessa região, porém atualmente a urbanização, os loteamentos para
construção de habitações ou veraneio estão contribuindo para uma mudança na
paisagem que também causa impactos ambientais negativos, inclusive com
supressão de vegetação nativa.
Quanto à formação social do litoral sul, é fundamental evidenciar a presença
de grupos indígenas Tabajara e comunidades quilombolas. Na atualidade eles então
entre os principais afetados pela industrialização crescente, já que em muitos
aspectos ainda preservam modos de vida tradicionais, nos quais a pesca e a
agricultura familiar são centrais econômica e culturalmente.
Em 1574 a Capitania da Paraíba foi desmembrada da Capitania de Itamaracá
concedida a Pero Lopes de Sousa em 1534. Conflitos entre potiguaras e
portugueses, que resultaram na Tragédia de Tracunhaém, motivaram o aumento do
controle na região e a expulsão dos franceses. Até o século XVII, a ocupação
53
portuguesa se concentrou no litoral, onde a presença dos franceses, de grupos
indígenas das etnias Tabajara e Potiguara e, posteriormente, dos holandeses, definiu
a dinâmica da colonização dos primeiros tempos.
Aliados aos Tabajaras, os portugueses conseguiram a retirada dos franceses
e fundaram em 1585 a Cidade Real de Nossa Senhora das Neves, atual João
Pessoa. Essa data marcou também o armistício entre Tabajaras e Potiguaras, que
limitaram seu território ao norte do rio Paraíba (BORBA, 2006, 38).
Após fundada a Capitania foram formados aldeamentos indígenas onde eram
aldeados povos aliados, sob forma de controle da Coroa portuguesa, mas também
em contrapartida pelas alianças em conflitos. No caso dos Tabajaras, após a
conquista da capitania, estes receberam três léguas de terra da Coroa por meio da
Sesmaria da Jacoca, que correspondia a grande parte do litoral sul da Paraíba.
Dentro dessa Sesmaria foram fundadas algumas aldeias, entre elas a Vila Nova de
Alhandra e a de Jacoca em 1614, atual cidade do Conde (MEIRA; APOLINÁRIO,
2010).
A convivência entre os aldeados e os colonizadores no entanto, sempre foi
marcada por conflitos, invasões da Sesmaria e levantes dos aldeados. Com a
expansão da pecuária durante o século XVII no sertão e o crescimento populacional,
esses conflitos se acentuaram. A Sesmaria foi a partir de então sendo fragmentada.
Isso foi consequência também da legalização de posses e aforamentos com suporte
da Constituição de 1824 e da Lei de Terras de 1850. Os Tabajaras perderam mais da
metade de seu território e grande parte da Sesmaria tornou-se propriedades
privadas. Os habitantes pobres livres, dentre eles comunidades negras e Tabajaras,
ficaram restritos aos “espaços devolutos” ou permaneceram na condição de
arrendatários (MEIRA; APOLINÁRIO, 2010; MARQUES, 2015).
Foi o caso dos habitantes de comunidades negras que viviam em
aldeamentos na Sesmaria, como a comunidade de Gurugi, que se tornou parte de
uma fazenda após a Lei de Terras e assim permaneceu até meados do século XX.
Importante lembrar que em 1888 a escravidão foi abolida, mas na prática a condição
dos trabalhadores libertos não mudou muito. Apesar de livres, muitos tiveram que
permanecer nas fazendas onde eram escravos, economicamente atrelados aos
donos das terras, sem direitos e sob violenta coerção.
Essa estrutura agrária herdada do regime escravista sustentou-se por
gerações na Paraíba como no Nordeste como um todo, motivando o surgimento das
54
ligas camponesas em 1955. A primeira liga camponesa da Paraíba foi fundada em
1958 em Sapé, seguida por outras em toda a Zona da Mata, como a de Alhandra,
tornando-se posteriormente sindicatos. Em meio aos muitos conflitos entre
camponeses e fazendeiros, que reprimiam violentamente os primeiros com amparo
do Estado, o governo lançou o Pró-Álcool, na década de 1970. Estimulando a
expansão canavieira, o programa incentivou ainda mais os conflitos agrários
(MONTEIRO; GARCIA, 2012; TARGINO; MOREIRA; MENEZES, 2011).
Finalmente, da resistência das ligas camponesas aliadas à CPT resultou a
instalação de alguns assentamentos rurais de reforma agrária, como o de Mucatu
que hoje está na área de impacto da fábrica Elizabeth. No caso de alguns
assentamentos no Gurugi, após o ano de 2001 famílias passaram a buscar o
reconhecimento do território como quilombola. Entretanto no decorrer do processo
alguns moradores passaram a temer a mudança de seus títulos individuais dos lotes
já assegurados pela reforma agrária, para a condição de terra comunal e inalienável
que o Incra concede às terras quilombolas. Mesmo assim, atualmente a região tem
três comunidades quilombolas: Guruji, Ipiranga e Mituaçu, todas no município de
Conde (MONTEIRO; GARCIA, 2012) .
4.1.2 O Polo Cimenteiro
Além da ampliação de fábricas e lavras já existentes, novas foram e estão
sendo implantadas. No litoral sul são cinco ao todo, formando um polo cimenteiro
que deve aumentar consideravelmente a produção de cimento do estado. A
construção desse complexo despertou expectativa por parte da população, que
também experimenta seus impactos. A cobertura midiática do processo tende a
evidenciar a criação de empregos e a geração de impostos relacionados à atividade,
mas esporadicamente noticiou acidentes industriais (como as nuvens de poeira) e
conflitos ambientais, como a disputa territorial da fábrica Elizabeth com assentados
de Mucatu e o povo Tabajara em Alhandra15. Os municípios envolvidos têm
características socioeconômicas parecidas e compartilham a APA de Tambaba,
decretada unidade de conservação em 2002. Também estão dentro da área de
atuação do Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Sul16.
15 Notícia sobre o conflito no site do Ministério Público Federal da Paraíba:
http://www.prpb.mpf.mp.br/news/acordo-entre-tabajaras-e-fabrica-de-cimento-poe-fim-a-conflito 16 Ver site da AESA: http://www.aesa.pb.gov.br/comites/litoral_sul/
55
Figura 05 – Localização das fábricas nas Bacias Hidrográficas:
Fonte: Adaptado de AESA, 2009.
Para abarcar a instalação de um polo cimenteiro no litoral sul, que abrange
vários municípios, foram selecionadas duas das fábricas como recorte possível para
essa pesquisa. A razão da escolha dessas duas fábricas foi a facilidade de acesso
aos documentos de seu licenciamento ambiental, o tempo de existência das fábricas
e lavras. Uma delas está em processo de instalação e ampliação da área de lavra
desde 2011, a outra é recente e têm aproximadamente dois anos de atividade. As
duas também estão em municípios distintos. Além disso, existem conflitos
ambientais já documentados ou latentes em torno de sua instalação. A fábrica da
Intercement-Cimpor está num contexto bastante interessante, e que contribuiu para
sua escolha como objeto de estudo, que envolve a mobilização social das
comunidades do Conde e João Pessoa, principalmente as ribeirinhas, pela proteção
ambiental do rio Gramame, importante não só para o cotidiano dessas comunidades,
mas para o abastecimento de toda a cidade de João Pessoa. Já a fábrica da
Elizabeth Cimentos em Alhandra, além de já estar em funcionamento, apresenta um
contexto de conflito sobre o território desde sua implantação.
A escolha de duas fábricas visa não restringir a pesquisa à condição de
estudo de caso, até porque não se propõe a obter um diagnóstico completo do caso,
mas de um aspecto específico que é a percepção social sobre a presença das
56
cimenteiras, de sua atuação na região e dos impactos envolvidos nesse processo.
Além disso, permite uma análise comparativa na qual pode-se testar as hipóteses do
estudo em recortes ligeiramente diferentes e explorar as particularidades de cada
caso de acordo com seu contexto geofísico e social. Elas estão na Zona da Mata Sul
da Paraíba, na Mesorregião da Mata Paraibana e dentro das bacias do Rio
Gramame e Abiaí (BRASIL, 2011).
Recorte 1: A fábrica de cimento da Intercement-Cimpor obteve licença
ambiental pela SUDEMA em 2011 juntamente com a lavra da empresa Cimpor no
município do Conde, que já estava em funcionamento e deve ser ampliada. O
empreendimento está localizado na fazenda Caxitu, área rural do Conde17. Os
núcleos habitacionais mais próximos à mineradora são: Jardim Primavera, Condessa
do Vale, Carnaúbas, N. Sra. Da Conceição, Mituaçu, Caxitu e Guruji no Conde. Em
João Pessoa as localidades de Gramame e Engenho Velho também são afetadas
pelo empreendimento.
O empreendimento está próximo ao Distrito Industrial de João Pessoa e à BR
101. O rio Gramame também está próximo e seu tributário o Água Boa corta o
terreno designado como área da empresa para eventual expansão da lavra.
Ressalta-se a importância do local da fábrica dentro da bacia hidrográfica do rio
Gramame, e de outros patrimônios materiais e imateriais do entorno, como a Estrada
Velha para Recife, a Ponte dos Arcos, as áreas de Mata Atlântica, as cacimbas e o
rio Jacoca18.
O município de Conde se emancipou de João Pessoa em 1963 e em 2015
contava com a estimativa de 23.975 habitantes (IBGE, 2014). Localizado na Zona da
Mata sul paraibana, está inteiramente dentro do bioma Mata Atlântica. O IDH do
município, em 2010, foi de 0,618, com PIB per capita19 de 23.832,30 reais, o terceiro
do estado, para o qual contribuem principalmente as atividades de serviços e
industriais, sendo a agropecuária bem menos significativa nesse sentido. Entretanto,
a renda per capita média dos residentes em domicílios particulares, segundo o IBGE
(2010), é bastante baixa, cerca de R$200,00 na área rural e R$240,00 na área
urbana, apesar de não estar entre as mais baixas do estado. O município alcança
0,36 no Índice de Gini, e a incidência de pobreza é de 65,95%, segundo o IBGE
17 Em alguns momentos do texto refere-se a este conjunto de fábrica e lavra como Projeto Caxitu. 18 Informações disponíveis no site: <http://www.museudopatrimoniovivo.com/#!comunidades/c1h6a>. 19 Realizado em 2013, com o ano de 2010 como referência.
57
(2010). A população de homens e mulheres é equilibrada. Aproximadamente 2/3 da
população é alfabetizada.
O turismo de sol e mar é uma das atividades econômicas fortes no município,
apesar de também haver desenvolvimento do turismo rural. Hoje também cresce o
setor imobiliário do município, voltado sobretudo ao veraneio, com loteamentos tanto
na faixa litorânea quanto na zona rural. A pesca e a aquicultura são atividades
também representativas, apesar de não estarem fortemente vinculadas à geração de
PIB. A agropecuária tem sua principal representação nas atividades de plantio e
processamento de cana de açúcar, coincidindo nesse caso com a atividade
industrial. A implantação de um distrito industrial no município também alavanca
essa atividade, ao dar condições tributárias bastante favoráveis a empreendimentos
do setor, além de todo um planejamento logístico estratégico empreendido pelo
Estado. Outro ponto de destaque é a existência de algumas comunidades
quilombolas na área rural do município, importantes pontos de guarda da memória e
cultura tradicional do Conde. Na Barra do rio Gramame encontra-se também um
grupo do povo indígena Tabajara.
Recorte 2: A fábrica Elizabeth Cimentos LTDA e sua respectiva área de lavra,
pertencem ao grupo Votorantim e estão localizadas na fazenda Timbaúba II, Mucatu,
entre os municípios de Pitimbu e Alhandra. Suas atividades foram iniciadas em
fevereiro de 2015, porém entre 2010 e 2013 a empresa esteve envolvida em um
conflito ambiental com assentados de Mucatu, incluindo o grupo Tabajara de
Alhandra, que não aceitavam a instalação da fábrica num terreno que tinha sido
parte do assentamento de Mucatu20. O empreendimento está entre as localidades
de João Gomes e Subaúma e próximo 2 km da área urbana de Alhandra. Os
núcleos populacionais mais próximos são João Gomes e Subaúma, o assentamento
Mucatu, Sobradinho (em Pitimbu) e Acais, além do centro de Alhandra. O terreno do
empreendimento é cortado pelo tributário rio Aterro e pelo riacho João Gomes cuja
nascente está no entorno, e logo ao sul da área da fábrica está o riacho Acais. O
município de Alhandra também faz divisa com o Açude Gramame-Mamuaba, que
abastece João Pessoa e região metropolitana.
O município de Alhandra tornou-se sede em 1959, com população estimada
em 2015 de 19.238 habitantes (IBGE, 2014). Assim como o Conde e Pitimbu,
20 Idem.
58
Alhandra se encontra na Zona da Mata, inserida no bioma Mata Atlântica. O IDH do
município, em 2010, foi de 0,582, com PIB per capita21 de 31.794,04 reais, segundo
do estado da Paraíba, para o qual contribuem principalmente as atividades de
serviços. A indústria tem uma pequena contribuição, assim como a monocultura de
cana de açúcar, além disso a agricultura familiar é uma atividade de destaque. Assim
como os outros municípios abordados, a renda per capita dos residentes em
domicílios particulares é baixa segundo levantamento do IBGE (2010),
aproximadamente R$170,00 na área rural e R$226,40 na área urbana. A população
de mulheres é ligeiramente superior à de homens e a alfabetização alcança 11.918
habitantes (IBGE, 2010).
Pitimbu tornou-se município em 1963, e alcançou a população estimada em
2015 de 18.685 habitantes. Com IDHM (2010) de 0,570, Pitimbu apresentou PIB per
capita22 de 7.105,68 reais, pouco expressivo em comparação com outros municípios
do estado. O PIB municipal é gerado principalmente pela agropecuária, com
destaque para o monocultivo de cana de açúcar, e pelo setor de serviços, sobretudo
o turismo de sol e mar e o mercado imobiliário, a indústria tem uma contribuição
menor. A população de mulheres e homens é equilibrada e a população alfabetizada
é de 10.821 habitantes (IBGE, 2010). A renda per capita dos residentes em
domicílios particulares é R$142,40 na área rural e R$186,80 na área urbana (IBGE,
2010).
Os três municípios abrigam a APA de Tambaba, que atualmente sofre com os
impactos de loteamentos destinados ao turismo e também com alguns casos
pontuais de exploração mineral, como é o caso do calcário para fins industriais. Na
região também há comunidades quilombolas e Terras indígenas.
4.2 METODOLOGIA
Para alcançar os objetivos propostos, determinou-se como referencial teórico
a abordagem sociocultural dos riscos. Dessa forma, a metodologia de levantamento
de dados e análise é predominantemente qualitativa, com o auxílio de dados
secundários quantitativos levantados em pesquisa documental.
As pesquisas de percepção com abordagem sociocultural geralmente utilizam
metodologias qualitativas pois estas têm se mostrado mais adequadas aos objetivos
21 Realizado em 2013, com o ano de 2010 como referência. 22 Realizado em 2013, com o ano de 2010 como referência.
59
de tais estudos. A partir desse tipo de pesquisa é possível acessar informações mais
subjetivas e complexas, que não estão ao alcance de outros métodos. Além disso, o
objeto do estudo é a percepção dos atores, enquanto representação do real. É
essencial que os métodos de coleta de dados proporcionem esse alcance.
A entrevista é uma forma de complementar dados objetivos ou quantitativos
obtidos através de índices e indicadores. Além disso é uma importante ferramenta
para a geração de dados a partir de conteúdos subjetivos, relacionados à percepção,
aos valores, ao comportamento individual ou de determinado grupo social e ao
significado que os sujeitos atribuem à realidade que vivenciam. Ou seja, um
processo de interação social, que objetiva informações específicas (BONI;
QUARESMA, 2005).
A entrevista, em conjunto com a observação participante dificultam ao
pesquisador limitar suas observações às condizentes com suas expectativas ou
preconceitos, já que oportunizam um maior período de contato com o entrevistado e
seu contexto, assim como tornam mais difícil a sustentação de um discurso
programado ou inventado (GOLDENBERG, 2013).
Considerando todos esses fatores, os métodos de coleta de dados dessa
pesquisa foram a entrevista semiestruturada individual e a observação participante,
além de consulta documental e de dados quantitativos secundários.
Foram consultados os dados de censos do IBGE, principalmente referentes
aos municípios pesquisados. Além destes, os Relatórios de Impacto Ambiental
anexos aos processos de Licenciamento Ambiental dos projetos pesquisados,
entregues à SUDEMA e disponibilizados no site do órgão. Também apoiou-se em
dados referentes à indústria do cimento e ao impacto ambiental da atividade
disponibilizados pelo Sindicato Nacional da Indústria do Cimento - SNIC e pela
World Business Council for Sustainable Developement - WBCSD.
Para definição da amostra para o levantamento de dados primários,
selecionou-se atores sociais que de alguma maneira fossem capazes de contribuir
com a pesquisa através de informações ou de sua experiência no contexto
pesquisado. Eles foram escolhidos por indicação ou oportunisticamente, pela maior
disponibilidade para contribuir com a pesquisa. As entrevistas seguiram um roteiro
semiestruturado. Os atores entrevistados foram: especialistas no assunto, gestores
ambientais, membros de movimentos sociais e ambientalistas, pessoas da
comunidade, representante do legislativo estadual, de agência de desenvolvimento,
60
e de ONGs envolvidas com a temática. Demais detalhes sobre os atores
entrevistados estão logo abaixo, no quadro 01.
A análise e interpretação dos dados consiste na sistematização dos dados
coletados, com construção de categorias temáticas desenvolvidas a partir dos
objetivos e da identificação dos temas abordados nas entrevistas, após transcritas. A
partir da seleção de informações representativas da percepção dos atores e das
diferentes avaliações que estes apresentaram sobre a temática serão discutidos os
resultados confrontando-se os corpos teórico e empírico da pesquisa e tendo em
vista os objetivos elencados.
4.2.1 Dados dos entrevistados
Ao total foram realizadas onze entrevistas. Os atores depoentes terão seus
nomes substituídos por números nessa pesquisa, por questões éticas. Todas as
entrevistas foram feitas nos locais de trabalho dos entrevistados, no município de
João Pessoa ou no caso das comunidades, em suas residências; em Mituaçu, a
entrevista foi feita em grupo no espaço Quintal Cultural. Abaixo suas características
básicas serão descritas, no quadro 01.
Quadro 01:
Atividade Profissional
Grupo de atuação Local de Residência Data da entrevista
Entrevistado 01 Professor Universitário
Especialista João Pessoa 09/08/2016
Entrevistado 02 Educador ambiental em ONG
Comunidade e ONG
João Pessoa (Gramame, área diretamente atingida pela fábrica)
19/08/2016
Entrevistada 03 Professora Universitária
Especialista João Pessoa 03/10/2016
Entrevistado 04 Diretor da CINEP Gestor público estadual
João Pessoa 04/10/2016
Entrevistado 05 Analista do ICMBio Gestor ambiental João Pessoa 04/10/2016
Entrevistado 06 Deputado Estadual Legislativo João Pessoa (já foi morador de Mucatu)
09/11/2017
Entrevistado 07 Pequeno Agricultor Comunidade João Gomes, Alhandra
28/01/2017
Entrevistados 08*
Pequenos Agricultores
Comunidade João Gomes, Alhandra
28/01/2017
61
Entrevistado 09**
Funcionário público (Sec. Cultura Conde)
Comunidade Mituaçu, Conde 07/02/2017
Entrevistada 10**
Funcionária pública Comunidade Mituaçu, Conde 07/02/2017
Entrevistada 11**
Autônoma Comunidade Mituaçu, Conde 07/02/2017
* Nesse caso entrevistou-se um casal que respondeu às perguntas de maneira conjunta. ** Entrevistados em grupo focal.
Infelizmente não foi possível a realização de entrevistas com representantes da
SUDEMA, Procuradoria da República – PB, Associação Paraibana dos Amigos da
Natureza - APAN, e com as empresas pesquisadas, apesar dos contatos e das
tentativas realizadas. Desse modo, apesar da relevância dos resultados obtidos,
ainda há lacunas de informação que talvez trouxessem outras variáveis à discussão,
sobretudo no que diz respeito ao posicionamento das empresas e da SUDEMA em
relação ao tema.
62
5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
5.1 ALGUNS DADOS SOBRE A MINERAÇÃO INDUSTRIAL NA PARAÍBA
Primeiramente, no intuito de fazer uma exploração inicial do contexto
pesquisado de maneira mais ampla, expõe-se aqui alguns dados secundários
confrontados para, ainda que de maneira superficial, abordar a seguinte questão: A
presença da mineração industrial, como contribuinte à receita estatal, significa
necessariamente a melhoria na qualidade de vida da população? Apesar de ser essa
uma questão de difícil resposta, já que a qualidade de vida é determinada por uma
multiplicidade de fatores, esse é um argumento frequente para a decisão de
autorizar a instalação desses empreendimentos.
As indústrias da mineração paraibana têm se concentrado na região de
Campina Grande, no litoral, mas também em maior ou menor grau ao longo da
rodovia BR 230 até o alto sertão. Se observarmos a arrecadação anual da
Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - CFEM veremos
como primeiros da lista aqueles municípios que abrigam indústrias da mineração,
com uma pequena variação dos minérios explorados nas regiões apontadas,
conforme o quadro 02.
Quadro 02:
Oito municípios com maior arrecadação CFEM da Paraíba e sua posição no IDHM 2010
Município Arrecadação CFEM por município (R$)*
Posição no ranking estadual do IDHM 2010**
IDHM
Mataraca 2.048.110,00 210º 0,536
Santa Rita 1.493.223,59 23º 0,627
Pitimbu 1.099.764,71 150º 0,570
Caaporã 330.148,55 68º 0,602
Sapé 164.907,75 151º 0,569
Boa Vista 137.539,75 11º 0,649
Pedra Lavrada 110.967,81 132º 0,574
João Pessoa 97.716,41 1º 0,763
Fonte: Diretoria de Procedimentos Arrecadatórios (DIPAR) - Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. * Arrecadação total do ano de 2016.
63
** Os dados mais recentes disponíveis do IDHM são de 2010.
Esperar-se-ia que a arrecadação de CFEM interferisse diretamente na
melhoria da qualidade de vida da população destes municípios, caso fosse
direcionada aos serviços públicos por exemplo. Todavia essa expectativa não é
confirmada pelos dados elencados, o que pode ter diversos motivos, inclusive a má
gestão dos recursos públicos (VILLAS-BOAS, 2011). Verificando o Índice de
Desenvolvimento Humano dos Municípios - IDHM, um índice vastamente usado para
a avaliação da qualidade de vida da população e que considera parâmetros como
renda, longevidade e escolaridade, pode-se observar a disparidade no
posicionamento de alguns municípios que mais arrecadam o CFEM.
Observa-se no quadro que apenas João Pessoa apresenta IDHM considerado
alto, ultrapassando a média brasileira. Os municípios de Santa Rita, Boa Vista e
Caaporã apresentam IDHM médio, ainda assim abaixo da média do estado
enquanto os outros, mesmo Pitimbu e Mataraca, obtém IDHM baixo se comparado a
outras cidades. Desse modo, não é possível correlacionar a arrecadação da CFEM,
ou mesmo a presença da atividade minerária automaticamente a um alto valor no
IDH.
Villas-Boas (2011) observa esse descompasso entre a atividade minerária, o
CFEM gerado e os indicadores de bem estar e desenvolvimento humano de
municípios do semiárido brasileiro, mesmo aqueles nos quais esta é a principal
atividade econômica. A autora ainda afirma que o CFEM, como retorno da mineração
pela exploração dos bens minerais, não reflete um padrão de justiça socioambiental
(VILLAS-BOAS, 2011).
Entre os municípios de maior arrecadação de CFEM (tabela 01), estão
aqueles que abrigam empreendimentos de mineração industrial. Em Mataraca, no
litoral norte, a Millennium Inorganic Chemicals Mineração Ltda. produz minério de
titânio a partir de concentrados de ilmenita e rutilo. É a maior produção brasileira e a
única de dióxido de titânio do país (GUTIERREZ, 2011; MME, 2010). Santa Rita,
município da região metropolitana de João Pessoa, apresenta maior variedade de
indústrias mineradoras, porém de menor porte. Estas são voltadas principalmente à
produção de cerâmica vermelha, água mineral e areia.
Boa Vista, que seria o 8º município de maior arrecadação de CFEM, conta
com as principais jazidas de bentonita em operação do Brasil - o estado da Paraíba
liderou as concessões de lavra, requerimento e autorizações de pesquisa para esse
64
tipo de minério até 2009. Sabe-se que o estado também concentra a maioria das
empresas beneficiadoras e produtoras de bentonita do país, apesar de haver
carência de dados oficiais nesse sentido (MME, 2009).
A indústria do cimento, presente nos municípios de João Pessoa, Caaporã e
Pitimbu, está entre os maiores geradores de CFEM. Com exceção de João Pessoa,
que tem o diferencial de ser a capital do estado, os outros municípios que abrigam
cimenteiras apresentam IDHM pouco expressivos.
A dinâmica de funcionamento da mineração industrial é bem diferente da
observada no garimpo. A indústria do cimento por exemplo, é uma das que mais se
expandiu no Brasil nos últimos anos e ainda tende a crescer, apesar da atual
retração do mercado – é uma indústria que caminha lado a lado com a construção
civil. Ela é ao mesmo tempo essencial ao desenvolvimento, no que se relaciona à
melhoria da infraestrutura viária, energética e toda a estrutura urbana das grandes e
pequenas cidades, e produz consideráveis impactos negativos, tanto local quanto
globalmente.
Essas indústrias de grande porte também interagem com as pequenas
mineradoras e beneficiadoras comprando o minério produzido, para transformá-lo
em produtos comerciais. A construção civil é um mercado importante nesse contexto.
As beneficiadoras e empresas desse setor instaladas em cidades de predomínio
agrário, como é o caso de muitos municípios paraibanos, levaram a transformações
socioespaciais na geografia dos municípios. Elas acabam acelerando o
abastecimento elétrico e sanitário de distritos afastados dos centros urbanos,
motivando a melhoria das rodovias e expandindo o alcance da telefonia fixa, móvel e
internet. Apesar de não serem mudanças diretamente executadas pelas empresas,
podemos qualificá-las como impactos positivos de sua presença ali. Entretanto essa
presença leva a modificações drásticas da paisagem, com a instalação de elementos
urbanos e industriais num ambiente antes essencialmente rural (ARAÚJO; FARIAS;
SÁ, 2008).
A mineração industrial também é favorecida por iniciativas públicas mais
extensivas, que visam atrair as empresas e dinamizar a economia do estado, como é
o caso da criação de distritos industriais, como nas cidades de João Pessoa,
Campina Grande e Conde. Porém, o maior estímulo oferecido a esses
empreendimentos é relacionado não diretamente à mineração, mas à indústria. O
Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Industrial da Paraíba – FAIN, gerido pela
65
Companhia de Desenvolvimento da Paraíba – CINEP e criado pela lei estadual Nº
4.856/86, proporciona incentivos fiscais através de Crédito Presumido do ICMS,
mediante o compromisso com algumas medidas estabelecidas por um Protocolo de
Intenções, em geral relacionadas ao desenvolvimento industrial em regiões de
indústria diminuta. Além disso, a CINEP também apoia a atividade pelo Programa de
Apoio à Industria de Mineração, que visa desenvolver a produção mineral por meio
de apoio técnico, financeiro e mercadológico, o Programa de Implantação de Pólos
Vocacionados, e outros programas voltados à qualificação de mão de obra,
incentivos fiscais e locacionais. Pequenas indústrias podem ainda recorrer ao
Programa Empreender, do Governo Federal em parceria com os estados, para
acesso a linhas de crédito.23
Pensando no futuro da mineração paraibana, importa aludir à futura instalação
de empresas multinacionais de mineração do ferro, anunciadas pela mídia digital
para o alto sertão paraibano24. Essas empresas se beneficiarão diretamente de
grandes obras de infraestrutura feitas pelo Estado Brasileiro ou governos estaduais,
como a Transposição do rio São Francisco, a Ferrovia Transnordestina e a
ampliação do Porto do Pecém-CE (MIN, 2011).
Por fim, a mineração industrial paraibana cresceu nos últimos anos,
especialmente quando relacionada à contrução civil. No estado da Paraíba, o
incentivo dessa indústria é parte de um leque de iniciativas governamentais que
visam o crescimento econômico, adotando a visão neodesenvolvimentista nacional,
envolvendo as indústrias de base, a expansão da malha de transporte e do Porto de
Cabedelo, a criação de polos setoriais de desenvolvimento e o investimento em
geração de energia.25 Se até o momento atual existia uma tendência de
crescimento relacionada ao conjunto de programas governamentais voltados ao
desenvolvimento de infraestrutura na região nordeste, a atual conjuntura de crise
política e de recessão econômica do governo Temer afetou fortemente o setor.
23 Informações obtidas através do site da CINEP-PB. Disponível em:
<http://www.cinep.pb.gov.br/site/pagina.php?m=3&sm=11>. Último acesso em: 01/12/2015.
24Site Notícias da Mineração. Disponível em:
<http://www.noticiasdemineracao.com/storyview.asp?storyID=801881782§ion=Projetos§ionsource=s1
450690&aspdsc=yes>.
25 Notícias no site do Governo do Estado da Paraíba. Disponível em: <http://www.paraiba.pb.gov.br/com-cinco-
novas-fabricas-paraiba-sera-2o-maior-produtor-de-cimento-do-pais/>
66
5. 2 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA QUALITATIVA
Ao explorarmos as representações dos entrevistados sobre os impactos e
riscos socioambientais relacionados ao Polo Cimenteiro, a exposição desses
resultados será dividida por subcategorias referentes a temas específicos, sendo as
grandes categorias: Riscos e Impactos ao Meio Ambiente, à Sociedade, e Agência e
Interação dos atores.
Visto que os assuntos identificados nos resultados são numerosos, eles serão
apresentados a partir da subdivisão entre Meio Ambiente e Sociedade, dentro dos
quais as subcategorias temáticas serão discutidas. Ressalta-se que essa divisão tem
o objetivo didático de facilitar a discussão de cada tópico e organizar os dados.
Entretanto os tópicos tratados se correlacionam e misturam nos depoimentos dos
atores, e a interligação desses subtemas é evidenciada na discussão dos resultados.
5.2.1 Riscos e Impactos ao Meio ambiente 5.2.1.1 Qualidade do Ar Quanto à poluição atmosférica por emissão de gases tóxicos ou agravantes
do efeito estufa, e ainda, pela emissão de material particulado (poeira, fuligem), os
entrevistados 06, 07 e 08 descreveram a ocorrência de algum nível de emissão
atualmente verificável empiricamente no caso de Alhandra:
“[...] A Elizabeth aqui, você pode ir à noite, a partir de seis horas eles abrem os boeiros [se referindo às chaminés] e aí soltam fumaça e pó. Ainda, quando foi? Foi sábado, eram seis horas da noite, quando eu voltei já eram nove horas, aí é que tinha fumaça, eles vão soltando aos pouquinhos, soltam durante a noite, aí poluem toda aquela região com o pó do cimento. Eles garantem que não está havendo poluição, mas a poluição tá aí...” (Entrevistado 06)
Os entrevistados 07 e 08, apesar de afirmarem que sua vizinhança não é
atingida diretamente pela poeira, descrevem o que acontece na direção oposta:
“Presta atenção naquele galpão. Ele era azulzinho até o canto, presta atenção como ele está de lá pra cá. Ele não é branco não, aquilo era azul. Vocês podem ver nas árvores do lado de lá, todas cheias de pó. […] E também como a chaminé é muito alta, o vento leva pra longe [a fumaça], eu acho que afeta mais o pessoal de Mata Redonda.” (Entrevistado 07) “Quando a gente passa de moto ali sem capacete a gente sente o pó nos olhos, ardem os olhos. […] Eu, quando estava estudando a noite percebia que era muito pó na escola, então isso não é bom para as crianças. O pessoal todo dia tem que estar lavando a escola porque o pó é muito grande, quando joga água fica aquela goma, quando molha. Principalmente quando o vento está a favor, aí é que trás mesmo.” (Entrevistados 08)
67
Os outros entrevistados referiram-se à poluição atmosférica causada por
empreendimentos semelhantes ou à indústria em geral, mostrando conhecimento do
potencial poluidor, mas sem se referir a impactos diretamente relacionados às
fábricas e minas do Polo Cimenteiro. Isso talvez se deva ao fato de alguns dos
entrevistados não frequentarem a região cotidianamente, e também que o Projeto
Caxitu ainda não está em operação, no caso dos atores de Mituaçu. Apenas o
Entrevistado 04, gestor governamental, não citou especificamente a poluição
atmosférica. Entre as percepções declaradas, algumas se referem a um grau de
risco amplo:
“[…] A produção de cimento tem uma emissão, uma pegada de carbono, muito alta. Desde a extração que usa máquinas com motor diesel, caminhões, geradores, a queima do cimento libera uma quantidade muito grande de gás carbônico, [...] e num cenário de aquecimento global, acho isso uma péssima idéia” (Entrevistado 01)
Outras remontam ao conhecimento de casos de poluição em
empreendimentos próximos, como a fábrica da Cimpor em João Pessoa ou da
fábrica de Cerâmica da Elizabeth:
“[…] Existe a fábrica de cimento em João Pessoa mesmo, [...] Ilha do Bispo, e a população sofre muito com poeira. Não sei se existem casos de silicose [...], mas você entra na casa deles, passa o dedo pela mesa, e tá lá (a poeira). Então isso pode acontecer” (Entrevistado 01)
“Olha, o que a gente conhece é da Ilha do Bispo, que a gente acompanha mais de perto, a questão dos filtros que tem que ser colocados. [A poeira] chega lá no centro histórico de João Pessoa, dá problema respiratório, afeta o pulmão e tal. Isso nas pessoas, então você fica imaginando isso em toda a vida animal, em toda a biodiversidade que isso vai afetar. No solo, porque essa poeira vai pro solo, vai entrar nos aquíferos... Enfim toda a cadeia, toda a biodiversidade é afetada com essa poluição. Pra isso existem os filtros, pra licenciamento ambiental.” (Entrevistado 03)
E nesse caso, o entrevistado, além de se referir a um empreendimento de
impacto semelhante, demonstra conhecer alguns aspectos do processo de produção
que oferecem riscos maiores de poluição atmosférica, como é o caso da alimentação
dos fornos rotativos para a queima do clínquer:
“Uma prova disso é que você passa aqui na BR e a Cerâmica Elizabeth cotidianamente está lançando material particulado na atmosfera, 24 horas por dia. Imagine essas indústrias que estão num lugar mais escondido, mais longe da estrada. E assim, o material que eles usam pra queimar é tudo: desde apara de borracha, de EVA e tudo o mais, até coisas que importam de outros países. Até agregam no meio do cimento, elementos que a gente não tem controle químico. Há uns três anos atrás, numa vistoria de rotina na Lafarge Holcim, eles tinham lá um resíduo de forno que eles estavam trazendo da China pra incorporar no cimento. Isto é, a gente não sabe os riscos que isso pode trazer. [...]” (Entrevistado 05)
As empresas citadas no estudo, como forma de mitigar e controlar os
68
impactos atmosférico, comprometeram-se a manter programas de monitoramento
das emissões, além do uso de filtros de manga (RIMA ELIZABETH CIMENTOS,
2011; RIMA INTERCEMENT-CIMPOR, 2011). Essas são as medidas comuns
adotadas na indústria cimenteira e via de regra exigências dos órgãos ambientais,
além de parâmetros de sustentabilidade. Entretanto a poluição atmosférica ainda é
uma preocupação social, como nos exemplificam as falas dos entrevistados.
Atualmente a indústria cimenteira em todo o mundo têm feito esforços em reduzir
tais emissões. Em 2005 a Cement Sustainability Initiative – CSI publicou diretrizes
para medições e relatórios de emissões e desde então empresas do setor tem
aderido a essas diretrizes. Isso teve um efeito positivo para a indústria nacional, que
passou a adotar o uso de filtros e os programas de monitoramento, porém a indústria
do cimento ainda é uma das grandes emissoras de dióxido de carbono (CO²) para a
atmosfera, correspondendo à 5% das emissões totais, além dos gases de óxidos de
nitrogênio e enxofre - NOx e SOx (SNIC, 2008). A preocupação internacional com os
índices crescentes de poluição atmosférica e as consequentes mudanças climáticas
evidenciam a importância do assunto. Dessa forma, se mesmo adequando-se a
diretrizes mínimas exigidas pelo Estado, a poluição aérea gerada pelas fábricas
ainda é um incômodo aos residentes locais, o controle dos impactos deveria ser
mais rigoroso.
Os relatórios de impacto ambiental das empresas também indicam que elas
usam coque verde de petróleo26 como combustível básico para seus fornos rotativos,
podendo aderir ao cooprocessamento de resíduos no futuro. Como mencionado no
Capítulo 02, a alimentação desses fornos é assunto controverso tanto pelo uso de
um material tão potencialmente degradante como o coque verde, quanto no que diz
respeito aos riscos do cooprocessamento (SANTI; SEVÁ FILHO, 2004). Ainda que
considerado pela indústria como um posicionamento “sustentável”, existem outras
opções de geração de energia economicamente viáveis que geram menos impactos
ao meio ambiente, ao menos no que diz respeito à poluição atmosférica, uma
preocupação comum e significativa tanto para a comunidade de entorno quanto num
aspecto global.
26 Coque verde é um subproduto do processamento de derivados do petróleo amplamente utilizado em
segmentos industriais como substituto do carvão. O Porto de Cabedelo tem sido usado nos últimos anos para
descarregamento desse material, operação que também envolveu conflitos com a população local.
69
5.2.1.2 Qualidade da água Todos os entrevistados se referiram aos impactos sobre os corpos d’água da
região, seja como já incidentes ou como riscos decorrentes da operação das
fábricas. Os atores que melhor conhecem as áreas citaram impactos diretamente
relacionados à presença das empresas, referentes a poluição da água e
modificações no curso de córregos.
Apesar de, inicialmente, afirmar que não há impacto corrente no rio Jacoca,
que corta o terreno da fábrica da Intercement-Cimpor, o Entrevistado 02 recorda
mudanças na qualidade da água desse mesmo rio durante o período inicial de
implantação do empreendimento:
“[…] Como as pessoas usam o rio ali como área de lazer: Juntam os amigos e vão pra lá fazer uma festinha e tudo o mais, juntam a família e tomam banho. Numa dessas vezes e logo depois que ela se instalou, eu percebi a água mais esbranquiçada, a água não era mais transparente como antes. E aí conversando com as pessoas lá, o pessoal falou: ‘Isso aí é porque tem essa fábrica aí, e eles estão cavando, removendo muito a terra pra poder construir e tal, o resto do solo cai ali no rio’. Então fica essa coisa... ficou mais branco.” (Entrevistado 02)
Desse modo, nota-se que a mudança referida nesta fala está relacionada à
implantação do empreendimento que, tendo sido interrompida, não causa impactos
perceptíveis ao entrevistado desde então. Outro tipo de impacto é mencionado pelos
entrevistados que moram ou frequentam a região de Mucatu:
“[…] Entre Abiaí, o assentamento Abiaí, sede velha e Mucatu, tem um rio que ela [a fábrica] mandou trancar pra fazer um lago e o povo arrombou e voltou a ser o que era. Então tem um bocado de probleminhas, e está no início, você imagine quando começar mesmo a explorar.” (Entrevistado 06)
Aqui o entrevistado se referiu a um barramento em curso d’água feito pela
empresa Elizabeth na fazenda Mucatu. Podemos qualificar essa interferência como
um impacto negativo aos olhos dos moradores locais devido a sua atitude. Além
disso ele acrescenta:
“São as águas. Eles acham que os rios, que está diminuindo a água […] Drenaram água que estava espalhada, estava aí, e criava peixe, criava camarão, essa coisa toda. Eles drenaram, as águas vão secando.” (Entrevistado 06)
Os moradores de João Gomes afirmam que ações da empresa estão
causando assoreamento no entorno, atingindo rios e nascentes (essa questão será
retomada ao longo do texto):
“Assoreando o curso do rio, até a nascente. Mais de uma que está sendo prejudicada e as soluções não chegam.” (Entrevistado 07)
70
Quanto aos riscos esperados, o entrevistado 01 demonstra conhecer a
degradação aos aquíferos que podem ser causados por empreendimentos
industriais, mas em relação ao recorte em estudo, refere-se à preocupação dos
Índios Tabajara da barra do Gramame:
“Eu conheço os índios e seus representantes ali no Conde e eles vêm a tempos se manifestando já, desde o início das obras. A preocupação é principalmente com os rios da região. Rios que eles utilizam pra obtenção de alimento, e que tem afluentes próximos da mineração, ou da fábrica E eles já estão alertas, já me falaram de eventos de movimentação de terra e tal, então eu acho que seriam os primeiros prejudicados.” (Entrevistado 01)
Os entrevistados 07 e 08 afirmaram que ainda não houve impacto, além do
assoreamento, nas fontes de água que abastecem suas propriedades. Entretanto
sua principal preocupação é que no futuro isso venha a acontecer. O risco que
consideram mais grave é o da poluição ou diminuição das fontes de água, afetando
a saúde da comunidade e a produção da agricultura familiar:
“Eu acho que vai poluir as águas, não vai dar nem dez anos. [...] Dois anos talvez já comece a afetar a agricultura familiar. Acredito que sim. […] A gente fica assim meio com medo, por causa das águas, que tem a decida assim da fábrica, e a gente fica com medo de afetar ele [vizinho da fábrica] e aos demais porque [...] tem irrigação. É com isso que a gente mantêm a agricultura.” (Entrevistados 08) “Não mudou não [o nível dos poços], mas tem gente que fica pensando e falando que essas águas vão diminuir com a extração de pedras. O tempo é que vai dizer.” (Entrevistado 07)
Os entrevistados 02, 03, 06 e da comunidade de Mituaçu, demonstraram
preocupação não só com o risco de poluição dos rios, mas com suas possíveis
consequências socioeconômicas e a própria relação das comunidades com os rios
no cotidiano:
“O que me preocupa é: Como é que uma empresa desse porte se instala ali? Próxima de um manancial tão importante que é o rio Jacoca, que tem a sua importância porque cai no Gramame, que […] é mais importante porque abastece todo, toda a cidade metropolitana. Então isso me preocupa, porque é uma poluição a mais que vai estar chegando no rio, e a gente também vai estar consumindo essa poluição, bebendo dessa água suja […]. E a mesma coisa vai acontecer com o Jacoca. O rio Jacoca é um rio um pouco menor, mas que tem a sua potência com relação à pesca, à questão do camarão e do caranguejo. Mas que essa fábrica já vai também trazer problemas iguais ou piores do que ao rio Gramame, por ele ser menor. Essa é uma preocupação muito grande, porque a comunidade perde muito... não é só com a perda do, de chegar lá e não ter o camarão pra pescar. Existe todo um contexto […]. Porque quando o pai de família não tem o camarão pra pescar, a sua família começa a passar umas privações com relação ao que eles vivenciam na comunidade.” (Entrevistado 02) “Olha, eles dizem que não, que são fábricas altamente modernas, essa coisa toda. Mas para mim é um risco grande. Qual é? Primeiro é a questão da poluição, a questão das águas que aos poucos vão desaparecendo. Então como será o futuro
71
desses trabalhadores? E aí eu não falo só da Elizabeth, mas vamos dizer do Polo Industrial de Caaporã... Hoje são assentados, que produzem agricultura agroecológica, para as feiras […]. Então, um Polo industrial, como é que vai ser? Mucatu mesmo, a Elizabeth [...] O pessoal usa essa água pra tomar banho, para beber, então como é que vai ficar no futuro?” (Entrevistado 06) “A gente se preocupa muito com o rio Jacoca, porque é o único rio hoje que ainda se tem o lazer. Na segunda-feira no rio da Santinha tem um monte de gente, o pessoal vendendo as coisas, ganhando seu dinheirinho. Muita gente dependendo do rio. [...] E a gente sempre associa o Jacoca com o Gramame. É que a comunidade da gente está entre esses dois rios. O Jacoca desemboca no Gramame. […] Nós temos até problema quando um pescador vai vender um camarão em João Pessoa. Isso ficou até difícil pra eles, que se eles disserem que é do rio Gramame, ninguém compra, só compra se for do rio Jacoca. […] E a gente tem medo também porque a luta que a gente vem com esse rio há mais de 20 anos, a gente começar uma nova luta agora com o rio Jacoca, vai ser difícil porque as pessoas não acreditam mais que a gente consiga.” (Entrevistado 09)
A questão da água mostrou-se uma grande preocupação dos atores, o que
não se restringe a um pensamento ambientalista, mas é sobretudo uma questão de
disponibilidade do recurso hídrico. Isso envolve o uso do território e acesso às fontes
de água, as atividades de subsistência e também a relação cultural com os rios no
cotidiano e como lugar de lazer.
Em relação às informações expostas nos Relatórios de Impacto Ambiental
dos empreendimentos, ambos contam com programas de monitoramento da
qualidade da água e tratamento de efluentes. A Elizabeth Cimentos também contou
com modificações no terreno com objetivo de melhor escoamento das águas
pluviais. É importante pontuar o consumo, que no caso da Intercement-Cimpor seria
de 120 m3/dia de água na fase de operação, além de cerca de 200 m3/dia na fase
de implantação e 800 m3/mês na atividade extrativa, tudo isso a partir de poços
tubulares, assim como na Elizabeth Cimentos. Essa água é utilizada principalmente
para resfriamento do material (RIMA-ELIZABETH CIMENTOS, 2011).
Apesar do medo da poluição, que é um risco real, mas pode ser evitado pelo
monitoramento e controle, o uso da água como recurso talvez seja o problema mais
sério, pois num contexto que inclui crescente falta de água em diversas regiões do
estado, contaminação do lençol freático, e um crescimento significativo no consumo,
a existência de grandes consumidores como a indústria cimenteira pode gerar sérios
conflitos futuros e situações de injustiça ambiental.
5.2.1.3 Poluição Sonora Quanto à poluição sonora causada pela operação das fábricas, minas, ou
72
mesmo pela circulação de veículos, as respostas foram diversas. O Entrevistado 02
afirma não perceber barulho vindo da fábrica em Caxitu, que ainda não opera, nem
ter ouvido reclamações nesse sentido. A Entrevistada 03 considera esse um risco. O
entrevistado 05 afirma o mesmo, referindo-se a outra fábrica já em operação.
Entretanto, referindo-se à fábrica da fazenda Mucatu, o Entrevistado 06 afirma:
“Então, é barulho. É, barulho, gente que tem vontade de vender a parcela que está próxima à fábrica […]. Depois a questão da pedra que é explodida, o minério, com grandes tiros assim, muito barulho. Quando eles vão estourar avisam até para o povo, isso tira a tranquilidade da população.” (Entrevistado 06)
Os moradores do local confirmam que realmente são perturbados pela
poluição sonora, sobretudo as explosões:
O barulho é esse que você está escutando aí [de maquinário industrial e caminhões]. De certa forma sim [incomoda], mas também não é uma coisa que não se possa conviver. Nem por isso eu vou deixar de viver aqui, por causa desse barulho.” (Entrevistado 07) “As explosões cada vez ficando mais fortes, a gente se incomoda bastante. [...] Tudo bem, tem o alarme, mas a gente trabalhando fica tão distraído que às vezes não percebe que o alarme está tocando, aí quando [explode], aquele abalo grande.” (Entrevistados 08)
Quanto a isso, as empresas mantém planos de controle de ruídos, com vistas
a manter a poluição sonora dentro dos parâmetros legais (RIMA – ELIZABETH
CIMENTOS, 2011; RIMA INTERCEMENT-CIMPOR, 2011). É interessante notar que,
apesar de não ser uma preocupação recorrente, o ruído parece estar interferindo no
cotidiano dos moradores próximos à fábrica Elizabeth Cimentos, conforme os relatos
acima. Esse dado desperta um questionamento: estariam as emissões de ruído
acima dos parâmetros legais ou esses parâmetros não estão adequados à situação?
5.2.1.4 Solo e Agricultura Os impactos sobre a produção agrícola foram bastante mencionados durante
as entrevistas, porém de maneira genérica ou como riscos, sem a constatação de
que já seja um impacto real. O entrevistado 02 diz quanto a isso:
“Não, a gente não tem queixa das pessoas que moram ali próximo. Mesmo porque, assim, tem uma área grande, que eles chamam de reserva, então fica um pouco afastado das comunidades, onde tem mais movimento de pessoas, de carros, tudo… O [polo] está dentro duma área de mata mesmo assim, removeram uma área grande de mata pra construir essa fábrica. Ao redor tem mata e o rio,[...] e as casas ficam um pouquinho afastadas. As pessoas que produz ali agricultura familiar, então ele não trouxe nenhuma queixa, nada disso […].” (Entrevistado 02) “Até agora não atrapalhou não. Eu não sei pra frente.” (Entrevistado 07)
73
Os riscos negativos sobre a produção agrícola são alguns dos que mais
preocupam os entrevistados e são inseparáveis da possibilidade de degradação
ambiental como consequência da atividade.
“Eu não sei se [impacta] diretamente, mas aquela região é produtora de legumes e hortaliças, o solo é bom a aguada é boa. E provavelmente o preço do alimento vai aumentar, porque vai ter que vir de mais longe. Eu acho que isso é um efeito direto. […] O que mais me preocupa realmente nisso é retirar pessoas que estão produzindo alimento dos seus locais, destruir fonte de água, e mananciais, possíveis mananciais de abastecimento local. Tudo isso eu acho perigoso, tornar a terra infértil.” (Entrevistado 01) “Tanto a produção, o manuseio e tudo o mais. E sem contar que você tá dentro de uma área que tem hoje [assentamento] rural, de agricultura familiar do estado da Paraíba, com uma produção enorme. Caaporã também tem de assentamento considerável, com produção de alimentos, porque a agricultura familiar produz muito mais do que o agronegócio para alimentos. E essas fábricas estão no entorno desses assentamentos, têm corpos d'água, tem recursos que envolvem, que beneficiam esses assentamentos. Todas essas questões estão envolvidas.” (Entrevistado 05) “A comunidade... Hoje eles têm água, perfuram poços, ou tiram água através da energia, bomba. [...] Eles têm hoje a tarifa verde da energia, é uma tarifa bem menor para na madrugada eles irrigarem. Agora se eles não tiverem, se essas águas secarem, qual é o futuro desses produtores? Que hoje produzem inhame, batata, o milho, e em período de seca eles têm água para irrigar... Como vai ser o futuro? É um futuro sombrio.” (Entrevistado 06)
O risco que a atividade representa à agricultura familiar, tanto pela poluição e
outras formas de impacto no ambiente quanto pelas mudanças na ocupação do
território, foi constantemente apresentado nas falas dos entrevistados, sendo um dos
aspectos mais preocupantes para estes. O risco está ao mesmo tempo relacionado
a um contexto amplo de mudanças sociais e econômicas, que no Litoral Sul têm se
intensificado nas últimas décadas.
Além disso, outro tipo de impacto relatado pelos entrevistados 07 e 08 foi o
assoreamento de áreas no entorno da fábrica causado por descarte de água, o que,
afirmam os moradores, está afetando nascentes e poços e indiretamente é um risco
à agricultura:
“A areia onde... Porque a gente sempre costuma cavar um poço, então fica uma barragenzinha pra juntar água pra dali daquela junção de água irrigar. [...] Pra cima tem um escoamento da água que vem da fábrica, e trás muita areia. á aterrou tudo a areia, e está chegando no poço dele, onde ele irriga. Era bem fundo e já não é mais fundo porque a areia está descendo de lá pra cá, porque eles fizeram uma vala bem grande e no final botaram manilhas, aquelas que constrói bueiro.” (Entrevistados 08)
“Um tempo desse eu fui ali num terreno vizinho e consegui ver um buraco, um buraco não, uma cratera: porque depois que eles implantaram a fábrica eles botaram uma canaleta por baixo da terra pra sair aqui embaixo, dentro da mata, [...] é uma ladeira. E aquele excremento de água causou um buraco enorme naquela decida, mas um buraco que cabe uma casa dessa tranquila dessa assim. Embaixo, como
74
afundou, trouxe abaixo a ladeira de barro. […] É como areia movediça” (Entrevistado 08)
Podemos considerar esses relatos como indicadores de que ações da
empresa de modificação em seu terreno estão interferindo nas áreas vizinhas e
causando preocupação e transtorno aos moradores. Mesmo que não se trate de
descarte de resíduos e apenas de drenagens do terreno, se essas medidas causam
modificações no relevo, merecem atenção dos reguladores, já que representam um
risco à paisagem, ao ecossistema e ao abastecimento de água das propriedades de
entorno.
5.2.1.5 Fauna, Flora e Paisagem Quanto a impactos sobre o ecossistema local, ou seja, a locais onde ainda há
bolsões de fauna e flora nativos, os entrevistados demonstram preocupação com a
possibilidade de degradação futura, mas quase não se referem a impactos já
observados. O entrevistado 02 acredita que a mata no entorno da fazenda Caxitu
ainda está preservada, o que observa de maneira positiva, mas também afirma que
“removeram uma área grande de mata para construir essa fábrica”. Já os
entrevistados 03, 07 e 08 acreditam que houve desmatamento no local onde foi
implantada a fábrica da Elizabeth, em Alhandra, os entrevistados 09 e 10
observaram o mesmo na área de fábrica da Cimpor, no Conde. O Entrevistado 08
afirma que um grupo de moradores avisou ao IBAMA sobre o desmatamento de uma
área interna ao terreno da empresa, mas sem resultados:
“Na mesma semana que a gente foi falar com o IBAMA [...] eles pararam de repente, passaram o trator na área, aguaram, aí quando o agente veio o mato já estava grande. […] Tinha mata, tinha fruteira, um monte de coisa, só que foi no terreno deles. Mas como a gente queria se agarrar a qualquer coisa, então corremos atrás. Inclusive no papel, quando fizeram, como é que chama? A maquete... aí era uma coisa linda, com matas ao redor tal, as da única mata que tem ao redor, eles nunca plantaram nada. A única mata que tem é do vizinho, que ele já preservava, daqui do lado de cá. E do lado de lá a mata que tinha está coberta de pó de cimento, você passa do lado está tudo branco. Eles diziam que ao redor ia ser tudo preservado, tudo história, nunca plantaram um pé de nada.” (Entrevistados 08)
É possível que se trate de uma remoção de vegetação autorizada pelos
órgãos competentes, de qualquer modo o depoimento confirma que a instalação da
empresa acarretou no desmatamento de uma área e que o planejamento
apresentado à comunidade, no qual haveria uma recomposição da mata em volta da
fábrica. Esta seria uma medida importante para mitigar outros impactos além do
75
desmatamento, como a emissão de ruídos, a degradação cênica, até mesmo na
emissão de material particulado.
Alguns entrevistados relatam as mudanças na paisagem:
“[...] acho que próximo do ano passado pra cá, se instalou lá, próximo do rio Jacoca uma fábrica gigante […]. Lá do meu quintal eu percebo a torre que é gigantesca.” (Entrevistado 02) “Ah eu acho terrível! Levei um susto quando vi aquela fábrica lá em Alhandra, que de repente você não vê nada, aí de repente você vê uma fábrica lá, então, desmatam tudo... então a questão da paisagem é desmatamento.” (Entrevistado 03)
Essas mudanças na paisagem são percebidas predominantemente como o
choque do elemento fabril com o ambiente rural. Esse impacto não pode ser
desvinculado de outros, como a poluição, o desmatamento e as mudanças na
ocupação do território em si. Um risco citado é o de ocorrerem mudanças na
paisagens comuns à mineração:
“A abertura de crateras enormes, difíceis de recuperar, se é que são recuperáveis. Uma cicatriz na paisagem, que não tem o que fazer depois.” (Entrevistado 01)
Nesse sentido os Relatórios de Impacto Ambiental consideram este um
impacto inevitável. Essa mudança na paisagem é especialmente destacada por
estarem as fábricas em zonas rurais, num contraste com o entorno. Porém uma
característica comum da mineração em grande escala é a interferência profunda no
relevo, resultado da extração do minério. Esse risco foi lembrado apenas por um
entrevistado, mas é, além de inevitável, bastante grave.
Nota-se pelos depoimentos que os impactos e riscos ambientais são
preocupações pertinentes aos entrevistados em geral. Por um lado, existem
parâmetros claros a serem seguidos no intuito de controlar os riscos e limitar os
impactos a um nível aceitável, por outro, alguns entrevistados parecem não confiar
no cumprimento dessas medidas e no rigor das agências reguladoras.
Um questionamento que surge não só das dados coletados, mas também da
bibliografia (PINTO JUNIOR; BRAGA, 2006) é se essas normas estão adequadas às
situações referidas, já que mesmo funcionando dentro do limite legal ainda são
percebidos impactos que causam transtornos à população. Essa questão é
importante pois, como se pode perceber na fala dos entrevistados de Mituaçu, eles
acreditam que para garantir a segurança do empreendimento bastaria que este
esteja adequado aos parâmetros legais. Mas sendo assim, porque tantas fábricas
76
operando sob a licença dos órgãos ambientais e contando com outros mecanismos
de controle dos impactos, são acusadas de degradarem o ambiente?
Nesse estudo foram observados impactos ambientais relevantes para a
população. Salienta-se com isso o poder de percepção de mudanças no ambiente,
mesmo as mais sutis, pelas pessoas que vivem na região. Os moradores podem
observar os impactos das cimenteiras em tempo integral, podem sentir seus efeitos,
na saúde e na subsistência por exemplo, no decorrer de um longo prazo. Além disso,
apesar de pautada em metodologias científicas para avaliar os impactos, a atuação
daqueles responsáveis por esse controle também é passível de ser influenciada por
fatores subjetivos, já que envolve atores diversos, seus interesses pessoais e seu
poder de decisão ou influência.
Apesar da preocupação com a preservação ambiental, as entrevistas
demonstram que na maior parte das vezes os entrevistados preocupam-se
sobretudo com o uso dos recursos naturais pelos moradores da região.
Considerando a situação de vulnerabilidade social, esse uso é de extrema
importância para as comunidades. Contribui para essa preocupação a memória de
casos consecutivos de degradação ambiental pela indústria, principalmente quando
se refere às fontes de água.
Entre os riscos mais mencionados estão os de poluição dos rios,
assoreamento de nascentes e diminuição na disponibilidade do recurso hídrico.
Nesse caso, todos os entrevistados demonstraram preocupação nesse sentido e
esse é um risco que podemos avaliar como real e grave, já que, mesmo numa região
com boa rede hídrica, o consumo de água é alto e variado: as monoculturas e os
empreendimentos industriais exigem abastecimento hídrico considerável. João
Pessoa e parte das cidades metropolitanas contam com abastecimento a partir das
bacias hidrográficas do litoral sul, e atividades econômicas importantes para as
comunidades atingidas pelas fábricas, como a pesca e a agricultura familiar, também
dependem da saúde dos mananciais aos quais recorrem. Nesse caso, o
conhecimento empírico, associado à observação e à experiência em situações
semelhantes, é um fator importante na avaliação desses riscos.
O risco de poluição atmosférica e seus consequentes danos à saúde humana
foram recorrentemente lembrados nas entrevistas, e a menção ao caso da fábrica
Cimpor na Ilha do Bispo, em João Pessoa, é emblemático nesse sentido,
influenciando a percepção tanto dos atores das comunidades como de especialistas
77
e gestores. Mais do que em conteúdo exposto pela mídia, o que marcou os
entrevistados que se referiram ao assunto, foi sua memória do local, de ver a poeira
acumulada e ouvir as queixas dos moradores vizinhos a tal fábrica.
É interessante notar quanto à percepção dessas mudanças ambientais e dos
riscos dessa natureza que, como enfatizam muitos autores (BICKERSTAFF, 2004;
TUAN, 2012), o uso dos sentidos físicos, o conhecimento empírico, a observação do
ambiente, o saber sobre o funcionamento daquele local são os aspectos mais
importantes. A percepção a partir desses fatores predomina entre os atores que
frequentam as áreas pesquisadas, sobretudo os moradores. Nesse caso, também é
possível destacar a diferença na percepção dos atores das comunidades no recorte
1 (Fábrica Intercement-Cimpor - Conde) e 2 (Fábrica Elizabeth - Alhandra). Os que já
se depararam com os impactos dos empreendimentos tem uma visão pessimista
sobre o assunto, enquanto que aqueles que ainda aguardam a instalação da fábrica,
mostram-se otimistas e não demonstram se preocupar com tantos impactos
ambientais e nem conhecê-los. Sua maior preocupação, a poluição do rio Jacoca, é
também uma reminiscência de danos ambientais já experimentados, ou seja, eles
avaliam os riscos de acordo com vivências prévias.
Além da experimentação prévia dos impactos, outros fatores podem ser
elencados como influentes nas variações da percepção dos atores, todavia muitas
das preocupações de especialistas e leigos são as mesmas. O impacto sobre as
fontes de água é um exemplo. Nesse sentido, salientamos que esse é um risco que
sobressai na percepção dos atores e para uma avaliação mais profunda de tal, o
conhecimento técnico é fundamental. Nesse ponto, o fortalecimento do diálogo entre
população e academia ou orgãos gestores teria um papel fundamental na prevenção
da poluição das fontes de água, do assoreamento de nascentes, ou mesmo no
acompanhamento do nível dos lençóis freáticos. O interesse nessa preservação é
abrangente, já que o impacto negativo sobre as fontes de água afetaria a agricultura
familiar, que abastece os grandes centros, a qualidade de vida das comunidades,
sua fonte de renda e os ecossistemas, além do próprio abastecimento de água de
diversos municípios.
Importante notar que as divergências de percepção verificadas nessa
pesquisa não são derivadas de uma oposição entre peritos e leigos, mas
predominantemente da distância geográfica dos locais estudados e do
conhecimento empírico dos atores, tanto sobre os impactos das indústrias quanto
78
sobre o modo de vida da população. Ou seja, os atores que apresentaram uma
percepção mais apurada ou mais específica dos riscos e impactos, são aqueles que
frequentam essas áreas cotidianamente. Os outros atores formam sua percepção a
partir do conhecimento científico ou das informações divulgadas pela mídia, tendo
uma visão também mais geral e ampla do assunto. Novamente, sustentamos o
argumento defendido pelo referencial teórico (SLOVIC; FICHOUFF; LICHENSTEIN,
1984; RENN; ROHRMANN, 2000) de que conhecimento empírico e técnico são não
apenas conciliáveis, mas colaborativos na avaliação dos riscos. Ainda considerando
a proximidade física das fábricas, podemos considerar essa uma variável
significativa na diferença da percepção dos riscos entre as comunidades: em
Alhandra, os entrevistados são vizinhos da fábrica, enquanto que no Conde, a
comunidade de Mituaçu está um pouco mais distante.
Pode ser que, no caso dos assentados de Alhandra e de especialistas e
gestores ambientais, a afiliação ideológica destes também seja um fator de
influência em sua percepção das empresas (RENN; ROHRMANN, 2000). Quanto
aos primeiros, existe uma identidade ideológica campesina, relacionada à luta pela
terra. Os segundos apresentam ideologias relacionadas ao ambientalismo, alguns se
identificam mesmo como ecologistas ou ambientalistas; e ainda no caso da CINEP,
há uma ideologia neodesenvolvimentista definida, ainda que em muitos momentos
dialogando com os ideais da sustentabilidade.
Ao longo das conversas, também notou-se que alguns entrevistados não
restringem sua fala às fábricas mencionadas na pesquisa. Muitas das afirmações e
impressões são relacionadas às indústrias em geral, à poluição que já acontece,
principalmente no rio Gramame. Isso demonstra que, por um lado, os atores estão
cientes do contexto complexo no qual interagem diversas fontes de risco, o que
pode ser considerado um sistema de riscos (NEVES; JEÓLAS, 2012). Por outro,
evidencia a falta de informações sobre essas fábricas em específico.
No caso do Conde, o movimento SOS Gramame luta para denunciar a
poluição do rio que tem como fonte as indústrias do distrito industrial de João
Pessoa e do Conde e as usinas de cana de açúcar, e pressionar as autoridades a
tomar medidas cabíveis contra as empresas. A organização das comunidades
ribeirinhas do Gramame para identificar as fontes poluentes já tem mais de 20 anos,
então podemos dizer que já faz parte da memória dessa população a presença
industrial como fonte de poluição, de danos à saúde e danos econômicos. Desse
79
modo, as comunidades ribeirinhas do Gramame e os demais envolvidos no
movimento SOS Gramame têm uma memória da presença industrial na região como
nociva às suas vidas e ao ambiente, ao mesmo tempo que, contraditoriamente,
acreditam nos resultados benéficos de tais empreendimentos. Talvez, como alerta
Boholm (1998) a vulnerabilidade social torne os riscos mais aceitáveis para esses
atores.
5.2.2 Riscos e Impactos à Sociedade
Os impactos sociais advindos desse tipo de empreendimento podem ser
diversos, além disso podem ser avaliados tanto positiva quanto negativamente. Aqui
elencaremos os tipos de impacto social citados pelos depoentes como já observados
ou considerados riscos esperados.
5.2.2.1 Tradições Culturais A preocupação com possíveis impactos à tradições culturais27, assim como ao
modo de vida da população local transparece em alguns depoimentos. Cabe
ressaltar a impossibilidade de “preservar” a cultura, num sentido estático, ao passo
que esta não é homogênea ou inerte e sim “historicamente construída e
(re)significada” (GONÇALVES, 2010, p. 71). Todavia, conforme o pensamento de
Sahlins, a sociedade capitalista tem como locus da relação do ser humano com o
meio a economia, e não mais as relações sociais. Nesse sentido, Habermas aponta
as distorções trazidas por “mediadores discursivos” nessa relação, como dinheiro e
poder (GONÇALVES, 2010).
Considerando essas informações, no Litoral Sul nos deparamos com um
contexto em que esses mediadores discursivos, embora tenham sido sempre
presentes, agora se expandem de uma forma acelerada e esse movimento é
percebido pelos atores. Durante as entrevistas esse é um assunto abordado – o
impacto à cultura tradicional - porém de maneira difusa e sistêmica. Dois
entrevistados ao avaliarem esse risco, remeteram às mudanças que tem acontecido
27 Existem diversas definições conceituais de Cultura, conforme diferentes escolas e autores. Destacamos a
definição de Clifford Geertz (1974) para o qual cultura é uma teia de significados, um contexto, socialmente
construído, e a de Marshall Sahlins (1999), que entende o termo como significação, mediação entre o ser
humano e seu meio (GONÇALVES, 2010, 67-69). Nesse sentido, as tradições locais fazem parte do que
chamamos cultura, embora esta esteja em constante reformulação.
80
na região do vale do rio Gramame com a instalação cada vez maior de indústrias, o
crescimento populacional e todos os efeitos advindos disso no ambiente e no modo
de vida da população:
“Um exemplo que eles [fazem] muito, é prático, é que depois da poluição, aí dá pra fazer uma comparação da poluição que está por vir do rio Jacoca e uma comparação do que a gente já vivencia do rio Gramame. [Depois da] poluição do rio Gramame, muitas das culturas locais elas morreram: Por exemplo a Lapinha, que é uma tradição secular da comunidade do quilombo Mituaçu, ela morreu porque os pescadores não tinham mais a renda pra apoiar sua família, nem tinha renda pra comprar as indumentárias pra fazer a festa cultural da lapinha, o tecido dos vestido bem elaborados e tudo o mais, mas o recurso faltou e a lapinha sucumbiu com a poluição do Gramame. Acho que há dois anos atrás a lapinha foi resgatada, mas com muita dificuldade. Não é tão elaborada, então existe uma força da comunidade pra fazer, mas, ou seja, muito com a beleza, tem a beleza do tradicional, as pessoas fazem porque gostam, porque amam, mas a coisa visual, de quem vai olhar, já não tem mais. Então, isso não é somente a perda do camarão, eu penso assim, mas da [identidade] local, da cultura local, [aqueles outros fazeres] que tem a ver, que precisam ser valorizado, se fortalecer.” (Entrevistado 02)
Outro aspecto interessante é abordado pelos entrevistados 08, ao demonstrar
a relação próxima da comunidade com aquele local:
“E tinha gente que dizia assim: ‘mas vocês vão vender caro e vai dar pra comprar outra terra noutro lugar’. Mas só que a gente tem as raízes, tem história. Não é simplesmente a gente se apegar num dinheiro, simplesmente num dinheiro... Dinheiro a gente arranja trabalhando, ou muito ou pouco mas a gente arruma. Então não é simplesmente a gente se apegar a um dinheiro e dizer assim ‘eu saio daqui e vou pra outra’, aí daqui a pouco inventam de fazer lá também e eu vou me mudar e vou ficar feito cigano, feito marimbondo se mudando de casa em casa?” (Entrevistados 08)
Vê-se como as mudanças ambientais na região afetam diretamente costumes
e tradições. Nesse ponto, o senso de comunidade e os laços com o local onde os
moradores sempre viveram tem um significado além do financeiro, e, não estando
numa situação de vulnerabilidade social acentuada, a perspectiva de perda dessa
referência é avaliada negativamente, como um risco à própria identidade dos
entrevistados.
Milton Santos, em seu livro A Natureza do Espaço, destacou o que chamou
de papel da proximidade como produtor de consciência, no que diz respeito às
relações de vizinhança, uma vez que da troca entre as pessoas “adensadas” surge
um “entendimento holístico” do meio. O autor também aponta a noção de
coopresença enquanto associada à condição de vizinhança, que determina a
interdependência como praxis (SANTOS, 2009, 319). O reconhecer-se em meio à
comunidade e em relação com o lugar são reforçados, portanto, por essas tradições
e memórias.
Apenas um dos entrevistados se refere a impactos efetivos relacionados
81
diretamente às cimenteiras, ressaltando a presença temporária desproporcional
masculina como vetor de mudanças na comunidade:
“Cidade pequena tem um impacto, porque é uma quantidade de homens, vindos de outras regiões, e com dinheiro da própria renda... Começam a beber, também drogas, e também certos hábitos. Até música tem impacto também, você está trazendo a cultura de fora, aquela cultura muito... Vem final de semana, música alta, música sei lá, hip hop, que as pessoas ali não ouviam, talvez as pessoas ali ouvissem mais brega, forró... Então tem que começar a ser inseridos novos hábitos, novos ritmos, novas formas de agir. Esses dias estava conversando com um jovem [...] de Alhandra, e ele falando sobre a chegada dessa leva de peões e tudo o mais, e o crescimento dos evangélicos na área com isso... Porque ali é uma das últimas áreas de Jurema, […]. Começaram a se proliferar os templos evangélicos neoprotestantes nessa região. O cara conversou comigo, diz que no município acontecia, uma conversa informal, não tenho dados sobre isso.” (Entrevistado 05)
Ressalta-se a preocupação dos atores com a preservação de tradições
culturais religiosas, que são elementos identitários da população original e estão em
choque não só com os novos habitantes, mas com a adoção de novos costumes
consequentes da urbanização e até mesmo da globalização, de maneira que as
tradições culturais, antes protegidas por algum grau de isolamento, atualmente estão
mais expostas a essas interferências.
Nota-se que nessa categoria os atores descrevem os impactos que já
identificaram, de natureza mais sutil que as mudanças ambientais. Visto que eles
observaram tais fenômenos relacionando-os à presença das novas indústrias,
podemos dizer que são impactos de importância significativa. É certo que não
podemos isolá-los de um conjunto de mudanças vinculadas à industrialização e
urbanização da região, mas de fato à chegada de um grande contingente de
trabalhadores, sobretudo nas condições descritas, é alvo recorrente de reclamações
em muitos casos semelhantes. Como veremos a seguir, alguns impactos negativos
desse fenômeno na segurança e saúde pública, especialmente interligados às
relações de gênero, são costumeiros nesse tipo de empreendimento e geralmente
invisibilizados.
5.2.2.2 Segurança No que diz respeito à segurança pública, os entrevistados se referiram
predominantemente à situação atual do Litoral Sul, onde a violência tem crescido
com o aumento populacional e a urbanização. Ou seja, falaram de impactos e não
tanto de riscos, e quando mencionados, estes riscos estão relacionados a um
82
contexto de crescimento urbano geral:
“Esse de fato é um paradoxo, na medida em que você leva mais riquezas, você também pode induzir, se você não investir em educação, não tiver desde escola em tempo integral, esporte, lazer para os jovens, você pode induzir a que a droga chegue nas periferias. Em bolsões de vulnerabilidade social muito grande, ela chega e aí a delinquência aumenta. Mas por outro lado, se você tiver esse controle, essa segurança, se tiver esse controle e a perspectiva que em decorrência de maior fluxo de pessoas, em maior quantidade de [andantes], de maior riqueza, vai também despertar na delinquência instalada no Brasil inteiro uma oportunidade de negócios criminosos, se você não tiver cuidado com isso, você vai prever. Porque é melhor fazer uma política preventiva do que corretiva, e nós vamos ter sempre que conviver com isso.” (Entrevistado 04)
A questão da segurança parece preocupar os entrevistados num sentido mais
amplo, relacionando-se à urbanização e industrialização da região como um todo e
os impactos que esse processo já apresenta no Litoral Sul quanto ao aumento da
violência e insegurança. Essa visão sistêmica do aumento da violência é
demonstrada também nos trechos seguintes:
“A segurança na região hoje é triste, toda essa região Litoral Sul teve muitos assassinatos provenientes das drogas. Quer dizer, essas indústrias entrando, três fábricas mais a destilaria Tabu que são quatro. Um conglomerado de fábricas, elas tem trazido muito problema em termos de drogas, e hoje você tem nesses municípios, zona rural, comunidades que você se não for conhecido não entra, nos assentamentos. É uma região que vive esse problema de drogas. [...] Que também vem muita gente de fora, de Pernambuco, de todo canto […]” (Entrevistado 06) “É uma região muito violenta, já a algum tempo, e só vem [escalando], há algum tempo que eu conheço aquela região do Conde, Jacumã, outras praias [do litoral sul], e vejo relatos de pessoas que moram lá, que as vezes a situação de violência é muito grande, certo? Assaltos que rendem famílias inteiras, levam tudo, e dão coronhadas na cabeça, com muita violência, e esses homicídios [que] acontecem nos bolsões de pobreza, geralmente são homicídios de origem passional, e vem aumentando. [...] Minha percepção é de que vem aumentando. Eu não sei se tem a ver com a cimenteira, ou simplesmente a expansão da cidade naquela direção.” (Entrevistado 01)
Vale ressaltar que os entrevistados relacionam em vários momentos o
aumento da violência com o uso ou tráfico de drogas e com a presença de agentes
externos (“gente de fora”, “de Pernambuco”). O uso de drogas e sua relação com o
aumento da violência pode ser um elemento alegórico de um processo em que
vulnerabilidade social, saúde e segurança pública devem ser pensadas de maneira
conjunta. É imprescindível, portanto, que esses problemas sejam levantados nos
estudos prévios e mitigados, mas preferencialmente prevenidos por políticas
públicas ou medidas adotadas pelas empresas. Além disso, o aumento da circulação
de pessoas de fora, apontado como vetor de transtornos sociais, também foram
observados como consequência direta da instalação do Polo Cimenteiro:
“Eu acho que cresceu mais a violência. Hoje a gente não sabe ali quem é, quem não
83
é. Então a questão da segurança mudou muito. Antes eu ficava ali no ponto, pra ir pra Alhandra e subir pra João Pessoa. Por exemplo, hoje ele vai ter que me esperar e pegar um alternativo, a não ser quando eu já vou com ele. Mas quando ele está trabalhando eu tenho que pedir a alguém pra esperar, porque hoje a gente não tem mais segurança. A gente não sabe quem é ali, quem não é, a gente não sabe. Passa muita gente. Aumentou a insegurança, hoje a gente tem medo.” (Entrevistados 08)
“Olha, durante o processo de instalação você tem isso, grandes obras geralmente mobilizam uma quantidade de mão de obra muito grande, e migrante, são os chamados “peões de trecho”. Então eles se deslocam em busca de obra e se instalam nos municípios ali perto. Essa instalação tem gerado alguns desconfortos pra comunidade, uma das questões que se reclamava era da [prostituição]. Isso agora depois da operação, isso deve ter diminuído. Teve muito caso de prostituição infantil, de brigas e violência assim gratuita, em função de bebedeira de final de semana... Quando essa galera se instala ali nas cidades mais próximas, eles terminam alugando um lugar pra umas 30 pessoas, uma casa […]. E geralmente as meninas jovens estão muito vulneráveis porque não tem grande conhecimento de como é que funciona a [vida] e aliado a isso uma certa pobreza local, leva um pouco a essa coisa de dinheiro, da farra, da extravagância... Todo peão de obra no fim de semana ele é meio rico, que recebe a semana.” (Entrevistado 05)
Os riscos à segurança pública são mencionados nos RIMA das empresas como uma
consequência da vinda de trabalhadores de fora, conforme citado no tocante à
cultura. O Relatório de Impacto Ambiental da Elizabeth Cimentos aponta o aumento
do fluxo de pessoas nos arredores do local do empreendimento como motivo de
ansiedade em relação a aspectos de segurança e saúde por parte dos moradores
locais, porém não aponta medidas mitigatórias para isso e nem observa a
vulnerabilidade maior de determinados grupos sociais, como mulheres e crianças.
No Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Mucatu existe uma breve referência a
essa questão:
“Muito embora seja uma situação temporária, haverá um desequilíbrio nos índices humanos, ressaltando-se que a população masculina, que é a maior força de trabalho da construção civil, será superior à feminina. […] A concentração de um número significativo de trabalhadores no local ao longo do período de implantação do empreendimento (400 operários no pico da obra) poderá deixar a população local apreensiva quanto às questões de segurança pessoal e patrimonial, posto que atualmente a maior parte da população de Mucatu e João Gomes considera que a região é tranquila e o povo é ordeiro e pacato, podendo estes valores ser alterados durante a permanência dos trabalhadores envolvidos com o projeto.” (RIMA ELIZABETH CIMENTOS, 2011)
A vulnerabilidade das mulheres, crianças e adolescentes é tema de
discussões e estudos atuais no que se refere aos impactos socioambientais de
empreendimentos e desastres ambientais. Nesses estudos, o abuso e a exploração
sexual são recorrentemente identificados nos contextos de instalação de grandes
empreendimentos: aumento da prostituição, dos casos de estupro, e mesmo o
aumento da violência doméstica e do tráfico de pessoas são apontados. O risco é
84
maior para mulheres e criança, mas também para pessoas negras ou indígenas,
portanto há de se considerar o elevado grau de vulnerabilidade das mulheres negras
e indígenas, sobretudo quando menores de idade. Os fatores de risco, portanto,
podem se somar para alguns indivíduos, essa interposição é abordada por
Crenshaw (1989) como o princípio da interseccionalidade (SILVA; BRITO; LIMA,
2017).
Apesar de transpassar todas as categorias de impactos e riscos sociais, esse
problema geralmente não é contemplado pelos estudos prévios de impactos
ambientais ou é abordado superficialmente. Dessa forma, a questão do gênero é
invisibilizada, o que torna deficitário, quando não ausente, o planejamento de
projetos preventivos e políticas públicas voltadas para esses grupos sociais (SILVA;
BRITO; LIMA, 2017).
Segurança no Trabalho: Além disso, como impacto diretamente relacionado às fábricas de cimento,
alguns entrevistados lembraram-se dos casos de acidentes de trabalho nas fábricas:
“Houve um acidente na própria fábrica, nessa fábrica especificamente que a gente fala que está aqui dentro do vale do Gramame. Houve um acidente lá, teve uma pessoa que foi a óbito […]. Houve mais dois que ficaram gravemente feridos, enfim, teve isso. Mas no entorno a vida continua normal […], pacato, tranquilo, tem esse ar de interior: Tudo tranquilo […].” (Entrevistado 02) “De trabalho eu já vi, já acompanhei [a notícia] de que morreram funcionários em desastres trabalhistas lá dentro […].” (Entrevistado 06)
5.2.2.3 Saúde Pública Danos à saúde humana que tem direta relação com os impactos ambientais
tais como poluição atmosférica e de aquíferos, além de serem uma grande
preocupação, não foram percebidos pelos entrevistados enquanto impacto corrente.
Ou seja, mesmo quando questionados especificamente sobre isso, os depoentes
negaram conhecer casos de doença ou demais alterações de saúde entre a
população relacionados diretamente à atuação das fábricas cimenteiras. Entretanto,
o risco que a atividade representa nesse sentido preocupa a maioria dos
entrevistados:
“Afeta [a saúde] com certeza [...] O pó não vem pra esse lado daqui, ainda não. Mas eu não penso só em mim. As pessoas que vivem mais pra lá com certeza futuramente vai afetar. No momento ainda tá cedo, mas depois...” (Entrevistados 08)
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“A gente já vê, alergia vem através do ar, e a gente já vê a mudança do clima, da chuva pro sol, o quanto as crianças vão ao posto, com problema na respiração, imagina com essa poluição. A gente aqui está um pouco distante dela, mas conforme ela for trabalhando, vai atingir a gente também.” (Entrevistada 11)
Nesse sentido, alguns deles relembram os impactos à saúde que foram
ocasionados pela indústria do cimento:
“[...] Ilha do Bispo, e a população sofre muito com poeira. Não sei se existem casos de silicose [...], você entra na casa deles, passa o dedo pela mesa, e tá lá {a poeira} então isso pode acontecer [...]” (Entrevistado 01) “Outra coisa é assim, se vai poluir o rio vai piorar a qualidade da água. Se vai desmatar, as nascentes vão acabar. Então tudo isso piora a qualidade de vida... Se vai ter essa poeira branca no ar, vai piorar o ar das pessoas, que vão respirar esse ar e ter problemas respiratórios e problemas de saúde; e vai encarecer o sistema de saúde... Então é uma bola de neve.” (Entrevistado 03).
Os riscos à saúde humana provenientes de indústrias costumam estar entre
os fatores que mais influenciam a percepção social. No caso da produção de
cimento, o histórico de danos à saúde da população mais próxima (CARVALHO,
2008; PINTO JUNIOR, BRAGA, 2006) faz com que essa expectativa negativa seja
ainda maior, mesmo que não se identifique no momento a ocorrência de impacto
nesse sentido. Esse talvez seja o tópico levantado durante as entrevistas que mais
remonta a recortes específicos conhecidos dos atores. Os sérios impactos à saúde
da comunidade do bairro Ilha do Bispo ocasionados pelo funcionamento da fábrica
da Cimpor em João Pessoa causaram um conflito longo e que está na memória da
sociedade. Mesmo que medidas de controle tenham sido adotadas pela fábrica,
esses anos de poluição atmosférica severa ainda são lembrados pelos entrevistados
como referência para suas preocupações presentes quanto à instalação do Polo
Cimenteiro. Além disso, o conflito ambiental em torno da poluição do rio Gramame
também é importante na formação da opinião de alguns entrevistados, tendo em
vista que, ao menos no vale do rio Gramame, a instalação da cimenteira na fazenda
Caxitu seria mais uma fonte de riscos ambientais:
“Esse rio Jacoca, tendo problemas da fábrica, ele vai desembocar no rio Gramame. Aí a gente se preocupa, porque nós temos crianças e as nossas crianças tomam banho nesses rios, mesmo assim poluído, eles não querem deixar de tomar banho. E nós tivemos aqui na comunidade um crescimento muito grande de pessoas com câncer. […] E foi descoberto em uma dessas reuniões que isso (a poluição por metais pesados no Gramame) causava… E nós perdemos muitas pessoas aqui por conta de câncer, que usavam o rio, que comiam o alimento do rio.” (Entrevistado 09)
É importante ressaltar que esse tipo de impacto, por ser gradual, pouco
acompanhado por indicadores e difícil de relacionar a uma fonte causadora, muitas
vezes não é percebido em sua magnitude antes de afetar um conjunto significativo
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de pessoas (BECK, 2011; GUIVANT, 2001)
Outro risco à saúde levantado em uma entrevista pode ser relacionado ainda
ao que afirma Ulrich Beck (2011) ao dizer que hoje os riscos vão além do
mensurável pois o avanço científico é muito mais rápido na produção de tecnologia
que no estudo e avaliação de seus impactos:
“Na escola tem uma rede de alta tensão que passa, que a gente tem pesquisado que ela emite radiação. E também afeta muito a memória, mas principalmente eu fico pensando nas crianças, porque tem uma rede de alta tensão do lado. Eu penso que não era pra ter deixado.” (Entrevistados 08)
Sendo este um risco real ou não – podemos saber? - ele exprime uma sensação de
insegurança da população, à qual contribui a incerteza dos dados científicos
divulgados pela mídia (GUIVANT, 2001). Além disso, nos lembra que os riscos da
indústria cimenteira não se limitam aos portões da fábrica, eles incluem outras
estruturas, como a rede elétrica, a logística de transporte e o abastecimento de
água, e podem ser indiretos como aqueles consequentes do aumento da circulação
de pessoas: violência, abuso de drogas e transmissão de doenças. Um exemplo é o
aumento de DSTs, que pode ser consequência da implantação de grandes
empreendimentos mas não é citada nos depoimentos. Nesse caso, a vulnerabilidade
é maior entre as mulheres e o silêncio em relação a isso prejudica a identificação, o
monitoramento e a implementação de medidas preventivas ou mitigadoras desses
impactos (SILVA; BRITO; LIMA, 2017). A Organização Mundial da Saúde – OMS
considera que mulheres jovens e meninas são mais vulneráveis à infecção pelo vírus
HIV justamente pela série de fatores sociais que as desfavorecem. Segundo a
instituição:
“Os fatores de risco mais importantes para óbito ou incapacidades nesta faixa etária, em países de baixa e média renda, são a falta de contraceptivos e o sexo inseguro. Estes problemas resultam em gravidez não desejada, abortos inseguros, complicações na gravidez e no parto e infecções sexualmente transmissíveis, inclusive pelo HIV. A violência é um risco adicional significativo para a saúde sexual e reprodutiva da mulher e pode levar também a transtornos mentais e outros problemas crônicos de saúde.” (OMS, 2009, 12)
Políticas preventivas de implementação simples, como a distribuição de
preservativos e os programas de educação sexual podem ser bastante eficazes,
mas devem vir aliadas a um conjunto de ações mais amplas com o intuito de mitigar
os riscos à saúde da população nesses contextos específicos.
Em relação ao abuso de drogas e álcool, que também está contemplado entre
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os transtornos mentais, o problema é identificado nas entrevistas relacionado às
questões de segurança pública, sem uma abordagem correta do setor de saúde. Os
prejuízos a saúde mental da população podem ser riscos derivados de outros
problemas de saúde, de vulnerabilidade socioeconômica e mesmo do rompimento
dos laços comunitários. Porém, este é um tema silenciado tanto nos depoimentos
quanto nos estudos de impactos ambientais.
Em 2003, a Organização Mundial da Saúde - OMS declarou que as
perturbações depressivas unipolares (que incluem abuso de álcool e drogas)
estavam em segundo lugar no ranking das principais contribuintes da carga global
de doenças, atrás apenas do HIV. A própria agência declara que o impacto das
perturbações mentais é subrepresentado nas estimativas, já que muitas vezes não é
identificado e outras leva ao ostracismo social dos doentes, afetando outros
aspectos da sua vida, como o econômico, o social e o político (OMS; WONCA,
2009).
Essa situação de negligência de maneira alguma está restrita ao contexto do Litoral
Sul ou ao leque de impactos da indústria cimenteira. Trata-se de um problema
global, identificado em diversos países e podendo ser agravado pela vulnerabilidade
social e características locais. Se a instalação de tais empreendimentos contribui
para o agravamento da situação, esse é um risco que deve ser avaliado.
5.2.2.4 Serviços públicos Nenhum entrevistado pode citar melhorias nos serviços públicos tais como
abastecimento de água e luz, esgotamento sanitário, unidades de saúde e de
policiamento diretamente relacionadas à instalação das fábricas de cimento. Nesse
sentido, os entrevistados da comunidade de João Gomes relatam que não houve
mudanças, os serviços continuaram os mesmos.
O entrevistado 06, além de afirmar que não houve nenhuma melhora nesse
sentido que beneficiasse a sociedade, se refere à instalação da rede elétrica de
abastecimento da fábrica Elizabeth dentro do quadro de conflito que se estabeleceu
entre a empresa e os assentados da fazenda Mucatu:
“[…] Teve que passar com rede elétrica no assentamento e o pessoal ou ela indenizou, garantiu [inaudível], aquela rede elétrica alta, só pra fábrica entendeu.” (Entrevistado 06)
O mesmo assunto é lembrado pelo entrevistado 02, quanto à instalação da
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fábrica da Cimpor/Interment, no Conde:
“[…] Teve implantação de alguns postes mais potentes, mais altos, não sei como é que se diz. E o relato que as pessoas fazem é que é especificamente pra poder gerar lá nessa fábrica […], um contrato da Energisa com a empresa Elizabeth que foi a mencionada na época. Então tem toda uma, isso foi uma mudança muito visível, todo mundo viu, os postes enormes, os cabos são bem diferentes. E é uma outra rede, tem uma rede mais baixa do lado e essa vem pro lado da rua... E, enfim, pra ser colocada tiveram podas indevidas, a algumas macaiberas na matas”. (Entrevistado 02)
Observa-se que o depoente percebe a passagem da rede de alta tensão
como mais um fator de impacto, na paisagem e na fauna local. Num contraste com
essas representações, o Entrevistado 04 toca no assunto de uma perspectiva mais
ampla:
“[…] Não somos produtores de energia, nós não temos água. E as indústrias que demandam grande quantidade de água e grande quantidade de energia, são indústrias que, para se instalarem na Paraíba, porque a Paraíba está geograficamente privilegiada, vão ter que conversar com a Chesf, para fazer aquilo que fez com a Bratex em Campina Grande, pra fazer aquilo que faz... São linhas de transmissão que você tem de Xingó ou de Paulo Afonso, pra trazer diretamente, porque senão, se colocar a energia que vem pra Paraíba, a energia residencial, para as indústrias, você causa um colapso, um apagão, nesse caso... Não só na Paraíba, mas é, em todo o nordeste.” (Entrevistado 04)
O entrevistado 04, ainda, acredita na possibilidade de a vinda de indústrias,
de maneira geral, serem agentes de melhoria na qualidade de vida da população
através do incremento dos serviços públicos, o que também envolve o pagamento
de impostos. Paralelamente, o entrevistado 09 espera que, sendo o processo
mediado por uma gestão municipal responsável, as medidas compensatórias da
empresa Cimpor possam ser convertidas em benefício à comunidade:
“Você não vai instalar uma indústria no meio do nada, você só instala se tiver uma infraestrutura, uma infraestrutura de água, de energia, de drenagem, de esgotamento, de pavimentação. E isso termina propiciando também às comunidades locais todos esses serviços. Eles terminam sendo beneficiados, por essa demanda industrial. Os cidadãos terminam também sendo beneficiados, terminam depois, instaladas as indústrias, beneficiados com os empregos, se não com um emprego direto, com emprego indireto que a riqueza gerada ali... Porque vai gerar mais ICMS, vai gerar mais ISS, vai gerar mais impostos, as prefeituras arrecadarão mais e terão mais condições de oferecer saúde, educação, policiamento [...]. E ao estado compete sim aumentar policiamento, propiciar aquilo que lhe é de competência, tanto opcional como de leis ordinárias […].” (Entrevistado 04) “Diz que a gestão passada foi muito parceira com a fábrica. Até consertaram um colégio no Alto Caxitu. Eles deixaram o colégio semi novo. E tiveram outras parcerias da outra gestão com eles que parece que não deram muito certo não, [por]que a outra gestão só visava o dinheiro: Em vez de trocar por uma ação no colégio, eles preferiam pedir à fábrica dinheiro. Mas agora tem tudo pra melhorar, porque a gestão agora não trabalha dessa forma não. Eu acho que tem como se fazer uma parceria muito legal com a fábrica.” (Entrevistado 09)
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Essa expectativa de impacto positivo exprimida pelos atores é conflitante com
o que observa o Entrevistado 05 em relação à situação presente do Litoral Sul como
um todo:
“Eu acho que nisso deu uma encolhida, que teve todo um crescimento e ele (o serviço público) não evoluiu, […]. Houve um crescimento no número de assaltos muito grande, em função dessa, digamos, do não acompanhamento da força policial em função à quantidade de pessoas que passaram a habitar e a utilizar a área {do litoral sul}. Então a polícia, a quantidade do efetivo, continua a mesma. Em contrapartida você tem o aumento de uso dessas áreas, não só por turistas, mas o turismo é um termômetro, mas de pessoas também que vieram morar. Houve um aumento da população acredito, desses municípios […].” (Entrevistado 05)
O depoente também se refere a Alhandra como “uma cidade deficitária em
saneamento e em água tratada”, fato interessante se considerarmos que trata-se de
um município hidrograficamente privilegiado. Além disso ele continua, sobre o
atendimento público de saúde:
“Isso é difícil avaliar, porque por exemplo, com as políticas públicas de saúde, que teve incentivo, criação de PSF [...] Nos últimos anos, de 2005 pra cá, até esse ano, houve uma melhora geral em todos os municípios […]. Mas na Paraíba, me parece que esse crescimento nessa região lá não foi tão proporcional […].” (Entrevistado 05)
Além disso, como discutido nos tópicos acima, há um déficit importante de
políticas preventivas e mitigadoras e instituições voltadas aos atendimento de grupos
vulneráveis, sejam elas de iniciativa pública ou privada. Enquanto isso, os riscos aos
quais essas pessoas estão submetidas aumentam à medida que a industrialização
avança.
Ainda sobre a infraestrutura, o entrevistado 04 ressalta a necessidade de boa
infraestrutura e logística por parte das grandes empresas, incluindo as malhas
rodoviária e ferroviária. Para atrair esses empreendimentos, o Estado tem que
oferecer a estrutura necessária. Porém, outro entrevistado percebe descaso com as
estradas de acesso às localidades onde se instalaram fábricas, atribuindo
responsabilidade sobre isso às empresas:
“[…] Da divisa com Pernambuco até Caaporã, e vindo para Alhandra, a estrada está imprestável. O Governo do Estado está agora recapeando […]. Eu passei lá, buracos são... Quer dizer: são grandes empresas que não tem responsabilidade nem por onde passam as suas carretas. (Entrevistado 05)
A comunidade reconhece a importância do asfaltamento da PB 028, que vai
até a fábrica Elizabeth, o que representa uma importância significativa no
escoamento da produção da agricultura familiar. Entretanto ressalta que as vias de
90
acesso à comunidade ainda estão em más condições e que, como moradores e
produtores agrícolas também mereciam investimentos nesse sentido por parte do
poder público:
“Então a gente sentia muita necessidade de um asfalto ali. […] A única coisa boa que veio foi esse asfalto. E, mesmo assim, a gente não ficou tão satisfeita assim, porque a gente acha que a gente também é importante. Então esse asfalto era pra ter vindo muito antes, pensando no povo.” (Entrevistados 08)
Apesar de algumas melhorias, nota-se nos depoimentos que estas são
facilidades voltadas para a operação das empresas. Embora possam beneficiar
parcialmente a população, essas medidas não são contrapartidas aos impactos
causados. Sobretudo no que se refere à segurança e à saúde, essa é uma
necessidade detectada pelos entrevistados.
5.2.2.5 Impostos A questão dos serviços públicos, impactos sociais e infraestrutura está
diretamente relacionada à arrecadação de impostos, ao incremento econômico que
a instalação industrial pode gerar e à oferta de empregos diretos e indiretos. Estes
são geralmente os benefícios citados pelos atores e instituições que consideram
necessária ou vantajosa a instalação de empreendimentos industriais. Todos esses
assuntos, entretanto, são objeto de controvérsia de acordo com as entrevistas.
Em geral os atores desconhecem a situação fiscal dessas indústrias, ou seja,
quais impostos ou taxas são pagos por elas ao Estado e sob quais há isenção, e
ainda mais, qual o destino dessa arrecadação. O entrevistado 04 explica a questão
dos incentivos fiscais nesse contexto, à qual o entrevistado 06 complementou ao
afirmar que essas indústrias têm isenção fiscal por dez anos:
“O governador então decidiu atrair essas grandes indústrias produtoras de cimento, para se constituir na fronteira com Pernambuco, essa fronteira sul, um Polo Cimenteiro. E naturalmente aí ele propiciou incentivos de duas ordens: o incentivo locacional, que é a concessão do terreno, vendendo o terreno de forma subsidiada pra atrair essas grandes indústrias - que é o caso da Elizabeth, da Brennand e da Cimpor; e o incentivo fiscal, que aí são duas vertentes: tem o FAIN [...] e os incentivos que são próprios, inerentes da Secretaria da Receita.” (Entrevistado 04)
Porém outros entrevistados avaliam negativamente ou mostram-se
desconfiados quanto a essas medidas, por exemplo:
“[…] mas em geral eles são dispensados de uma série de outros [encargos], que em geral eles poderiam contribuir mais pra o enriquecimento municipal. Geralmente é assim, esses contratos são muito desiguais, porque eles isentam essas empresas de cumprir com alguns impostos e taxas que são importantes pra poder o município se auto gerir. [...] Gera muito pouco pra o município, em virtude dessa forma de
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relacionamento que o Estado tem com o poder industrial, com o poder econômico, principalmente com as indústrias.” (Entrevistado 05)
Essa desconfiança quanto às possibilidades de beneficiamento a partir da
arrecadação estatal se dá principalmente considerando os municípios:
“Ao município eu acho difícil, geralmente cai numa caixa… do Estado, provavelmente pouca coisa se vê voltando ao município mesmo.” (Entrevistado 01)
“Se sabe que é [bom] pra arrecadação do município uma indústria dessa, arrecadação grande, que eu não sei o valor mas a gente sabe que é grande. Mas se fosse destinada ao povo do munícipio era uma beleza. A gente sabe que o dinheiro público se perde hoje pelo meio dos caminhos, do destino. Não é só daqui não, isso é no país inteiro, taí a Lava-Jato: o dinheiro público se perde no caminho uma parte.” (Entrevistado 07)
Essa expectativa positiva em relação à arrecadação do Estado, embora
exaustivamente utilizada pelas instituições interessadas na instalação dos
empreendimentos, dificilmente corresponde à realidade, um exemplo é a
comparação feita no Quadro 02 (ver página 62). Sendo assim, seria mais coerente
formarmos nossa opinião acerca desse possível benefício com base em informações
mais completas, que permitam também o cálculo do incremento em gastos públicos
que essas decisões podem gerar. Nesse caso, o conhecimento técnico é aliado
imprescindível na avaliação dos riscos ao desmistificar noções do senso comum
(SLOVIC; FICHOUFF; LICHENSTEIN, 984), embora, como argumentaram Dake e
Wildalski (1990), a informação não seja determinante da percepção e as respostas
entre leigos e especialistas possam ser diferentes por uma série de outros fatores.
5.2.2.6 Emprego, Renda e qualificação profissional Ao serem perguntados sobre os benefícios do Polo Cimenteiro, quase todos
os entrevistados se referiram à geração de emprego e renda como uma
possibilidade, entretanto também ressaltaram que esse é um discurso comum dos
empreendedores e do próprio Estado, que agrada a população, mas que na
realidade pode não se concretizar como o esperado. Os entrevistados que têm mais
contato com a realidade local foram os que responderam sobre a geração de
emprego como impacto já incidente:
“Olha, a chegada dessas indústrias na região tem toda uma expectativa, de geração de emprego, de criação de oportunidades. Tem algum compromisso de responsabilidade social [inaudível] os recursos... E gera pouco emprego. Para essas comunidades eles já são empregos, subempregos dentro da estrutura. Então as pessoas que moram em Acaú, em Pitimbu, em Caaporã, trabalham nos serviços
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gerais, na área de segurança, na área de [...] manutenção de equipamentos [...]. Não tem, eu diria, uma força e um esforço de capacitação local pra uma atividade que segundo o pessoal aqui do Estado, seria uma atividade típica daquela região em torno da mina de calcário que existe no subsolo. É o que dizem, que essas empresas estão procurando essa área em virtude da oferta de matéria prima pra produção do cimento.” (Entrevistado 05) “Ela trouxe benefícios no início que pegou muitos trabalhadores, filhos jovens, para trabalhar naquele trabalho pesado: Perfurar o chão, fazer os alicerces, carregar... Mas hoje não, hoje são funcionários qualificados, vem de fora... E claro, pegam alguns para limpeza e essa coisa, mas para a indústria mesmo é a partir de máquina e de pessoas qualificadas, de mão de obra qualificada.” (Entrevistado 06, sobre a fábrica Elizabeth Cimentos)
Quanto à expectativa de aumento da empregabilidade, os moradores da
comunidade de Mituaçu mostraram-se animados e confiantes nessa possibilidade,
benefício futuro que os motiva a ter uma percepção positiva da vinda da fábrica. A
isso contribui a situação de vulnerabilidade econômica de parte da população de
Conde:
“Eu pensei por esse ângulo: Que bom a gente ter uma fábrica tão próxima da nossa comunidade, porque iriam sim dar oportunidade para outras pessoas, mas com certeza iriam priorizar quem está mais próximo. Mas ainda está meio que parada, atualmente não tem trabalhando lá ninguém ainda. Mas eu creio que daqui pra frente vai ser sim um benefício. De uma forma ou de outra é um benefício à comunidade, isso a gente quer.” (Entrevistada 10) “Eu acho assim: quanto mais fábricas chegarem pra nossa região, pro nosso município, melhor. Porque nós temos muita gente desempregada hoje, o desemprego é muito grande.” (Entrevistado 9)
Quanto aos trabalhadores que foram empregados durante a implantação da fábrica
Elizabeth, os moradores esclarecem:
“Vinha muita gente de fora, vizinhos, de Alhandra, Mata Redonda, está entendendo? Dos sítios vizinhos aqui da comunidade não. Agora, daqui dos vizinhos, Andressa, Mucatu, aí empregou um bocado de gente.” (Entrevistados 08)
A partir desses relatos, podemos inferir que a geração de emprego existe,
mas é pontual, temporária e para a população local está restrita a funções que
exigem pouca ou nenhuma qualificação. Juntamente a isso temos o fato de a
presença feminina na área da construção civil ser subrepresentada – novamente, as
mulheres são majoritariamente excluídas em seu acesso a potenciais impactos
positivos da vinda das fábricas. Apesar de pouco se falar sobre o quadro de
empregos aberto, a expectativa de geração de emprego é evidente. O que
certamente não se restringe ao Polo Cimenteiro em específico, mas tornou-se um
discurso corrente de qualquer empreendimento econômico:
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“[…] São sempre alguns empregos, [inaudível] sempre que se faz um Relatório de Impacto Ambiental, existe o Relatório Socioeconômico e o Relatório Ambiental, [...] o meio físico e biológico. O Socioambiental é sempre favorável a esses empreendimentos, e eu acredito que não seja diferente nesse caso. Empregos, receitas, etc… Aumento de consumo.” (Entrevistado 01)
Duas questões interligadas se relacionam a esse tema na percepção dos
entrevistados, a educação formal ou técnica e o uso de mão de obra de fora. Assim,
as representações do risco quanto à criação de empregos, positivas ou negativas,
estão sempre vinculadas à condição da qualificação profissional da população local.
Sobre isso o entrevistado 05 diz o seguinte:
“E uma mudança que eu digo é uma mudança social. Porque cria-se a expectativa de geração de emprego e renda [...] e na verdade está se oferecendo muito pouco. Você tem cursos de carpintaria naval… Eu nem sei no que deu, mas parece que uma das condicionantes era se fazer cinco ou seis cursos, e um dos cursos era de carpintaria naval, outro de marinharia, patrimônio histórico, coisas que você talvez tenha pouco uso na comunidade. No início eles deram vários cursos rápidos, vinculado à construção civil, carpintaria de construção civil, armador, pedreiro. Mas assim, empregou muito pouco, e as mulheres se empolgaram com essa coisa, até de ter carteira assinada, um rendimento certo. E participaram desse processo de formação mas não foram absorvidas. Então tudo isso gera uma mudança também da comunidade, sobretudo a expectativa de querer se inserir num novo mercado, numa nova forma de operar. [...] Isso é uma [dança] digamos até [permissiva] né, porque você não tem de fato a inserção dessa mão de obra no mercado. […] Então quer dizer, está começando um processo inverso. Em vez de no começo ter o ensino pra capacitação, pra formar mão de obra para ser usada, na verdade grande parte dessa mão de obra qualificada está vindo de fora, inclusive de Minas Gerais... Aqui tem uma questão também que é: se você ver hoje a quantidade de ônibus que se deslocam para Recife e para João Pessoa no final da tarde, oriundos dessas empresas [...] enorme. Então as pessoas com mais qualificação não residem na região, não distribui renda local, e isso é um impacto muito grande também.” (Entrevistado 05, sobre a fábrica Brennand em Caaporã, e o contexto geral do Litoral Sul)
Essa preocupação não se restringe aos gestores ambientais, especialistas ou
comunidade, mas também parte do entrevistado que representa a Companhia de
Desenvolvimento:
“O Polo Automobilístico que foi implantado em Goiana, eu não sei quantos nordestinos ou paraibanos, ou [...] pernambucanos, estão em postos de chefia ou de comando. Ou se estão em postos de menor importância, com menor ganho salarial. Isso é uma preocupação que existe, porque se não preparamos os nossos jovens, termina por você propiciar empregos para pessoas mais bem qualificadas que virão de outras regiões e isso é um fato. Na implantação do Polo Automobilístico muitos italianos vieram morar aqui em João Pessoa, muitos paulistas, muitos mineiros, paranaenses…. É bom para o mercado imobiliário? É excelente. É bom para João Pessoa, que enfim vai ter um caldo cultural maior, vai gerar mais emprego, vai captar mais recursos? É bom, nessa parte. O Polo Cimenteiro não tem uma cadeia em escala que produza tantos empregos quanto... Empregos técnicos, e de mão de obra qualificada, tanto quanto em um polo da qualidade do Polo Automobilístico. Por isso que a Paraíba não se contenta ficar só com o Polo Cimenteiro, mas em induzir também um Polo Cerâmico, para que as empresas ceramistas do Brasil inteiro venham para a Paraíba [...]” (Entrevistado 04)
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A importância da qualificação profissional e mesmo da oferta de educação
básica de qualidade é ainda maior entre pessoas mais vulneráveis, como mulheres,
pessoas negras e indígenas no que diz respeito à empregabilidade. Isso porque,
somando-se ao fato de encontrarem mais barreiras no acesso a esses serviços e
direitos, esses grupos são subrepresentados em cargos de nível gerencial, executivo
e técnico (SILVA; BRITO; LIMA, 2017). Apesar desse ser um problema que inclui
outros fatores, como o preconceito ou a falta de estrutura de suporte - a
disponibilidade de creches, por exemplo, é fundamental para permitir a inclusão de
mulheres no mercado de trabalho - um dos mecanismos para mitigá-lo é a oferta de
qualificação profissional para esses grupos. Seguindo esse pensamento, torna-se
essencial o diálogo entre Estado e empresa, com o objetivo de criar ações conjuntas
que possam promover as soluções cabíveis.
Não havendo mecanismos de qualificação profissional acessíveis à população
local, é provável que a geração de emprego contemple pessoas de fora em vez da
comunidade local. O impacto social antes considerado um benefício pode então
passar a ter um peso negativo, sobretudo se riscos sobre a agricultura familiar e
ocupação do território entram nessa conta:
“Bem, elas vão ter que mudar de estilo de vida. [...] Provavelmente algumas vão parar na periferia das cidades, alguns como aconteceu no distrito industrial de João Pessoa: Algumas pessoas que viviam do rio Gramame hoje trabalham nas fábricas que poluem o rio.” (Entrevistado 01) “[...] Também é uma preocupação minha porque os meus amigos todos estão nas fábricas, a grande maioria deles. E tem essa ilusão, [eu vou contar]: ‘Porque a fábrica me dá um emprego, carteira assinada’, esse blá blá blá, e todo o restante no entorno é esquecido. E têm também amigos mais jovens do que eu que vislumbram um emprego na fábrica, e eles também não conseguem perceber que essa fábrica, ela destrói uma comunidade, a comunidade que ele vive. Então eu conheço muita gente que tem essa ilusão ainda, e pessoas até que tem perfil empreendedor, eu conheço amigos que, […] quando a gente tá junto conversando a conversa deles é de empreendedor. Então ele pode conseguir muitas coisas com isso mas só que na cabeça dele está tão introjetado que tem que trabalhar na fábrica e ter a carteira assinada que ele não percebe esse outro lado, que pode até ser mais rentável pra ele do que a própria fábrica. Então é uma coisa meio que natural, implantada. As pessoas assimilaram isso porque os pais trouxeram. Enfim, e fora as pessoas que estão lá porque perderam sua saúde, eu conheço muita gente que adoeceu. Na minha família têm pessoas que trabalharam a vida toda na fábrica, hoje não trabalham mais porque adquiriram uma doença. E essa doença impede de viver bem, impede de trabalhar também, aí tem esse recurso e vive só disso. Enfim, então eu conheço muita gente que tem essa questão de ‘a fábrica é uma coisa boa’, mas ela não é 100% boa.” (Entrevistado 02, sobre as indústrias que estão no vale do rio Gramame)
Em Alhandra, os entrevistados de João Gomes evidenciam ainda outra face
95
do impacto da presença da fábrica na empregabilidade e renda local: muitos dos
trabalhadores da construção da fábrica, ao perderem o emprego com a conclusão
da obra, foram absorvidos pela agricultura familiar como mão de obra:
“As pessoas que, os vizinhos que ainda ajudaram a levantar ela voltaram tudinho pra agricultura, hoje é a agricultura que emprega a todos. E é equivalente a o quê? Um agricultor ganha [...] uns mil reais por mês. [...] E voltaram tudinho, as pessoas que quando a gente estava lutando pra que ela não fosse implantada, pessoas que ficaram contra a gente e achavam que ia ser um mar de rosas. Hoje a gente vê o resultado, eles estão aí na agricultura, tem emprego pra todo mundo.” (Entrevistados 08)
Desse modo fica estabelecida uma questão de difícil resposta sem uma
análise cuidadosa: quantos empregos gera uma fábrica de cimento, sobretudo para
as comunidades afetadas, e quantos empregos ela põe em risco, no caso de causar
impactos à produção agrícola? Sem informações mais claras nesse sentido, é difícil
afirmar que a instalação de tais empreendimentos seja benéfica economicamente
para a população local. Com isso, não se pode esquecer que há uma cadeia de
empregos diretos ou indiretos, movimentada pela produção cimenteira de maneira
mais ampla, regionalmente. Mas para esse ser considerado um impacto positivo, há
que se pesar na mesma balança também os reflexos negativos em outras atividades
econômicas e seu potencial empregabilístico.
5.2.2.7 Economia Considerando todos os impactos e riscos sociais que podem ser associados
ao Polo Cimenteiro, dá-se a necessidade de contextualizar a história econômica e
política recente da região. Alguns dos entrevistados em vários momentos situam
suas impressões nesse contexto regional. A entrevistada 03, por exemplo, discorre
sobre as atividades econômicas no Litoral Sul durante as últimas décadas:
“Foi toda uma associação ali do latifúndio com esse capital financeiro, pra fazer essas usinas. E houve uma grande expulsão de trabalhadores rurais. Isso coincide com o outro tema que [inaudível], coincide com a periferização e a favelização, por exemplo, de João Pessoa, assim como de Recife e outras cidades. Então você tem uma capitalização do campo. Com isso todos aqueles antigos trabalhadores, rendeiro, meeiro, que tinham aquelas relações que alguns chamam de pré-capitalistas, os chamados camponeses: Eles então ficam sem terra, são expulsos e vão encher, inchar as cidades. Então tem essa associação aí com as usinas... Isso foi nos anos 70, nos anos 90 veio a associação com o polo cimenteiro, a indústria da construção civil. […] Então o latifúndio, ele tá sempre arrumando um jeito de se manter, se fortalecer e se associar com o capital e com os grupos políticos. […] Parece uma grande conspiração, não é? (Entrevistada 03) “Porque existe uma opção de “desenvolvimento”, entre aspas, econômico,
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fundamentado na especulação imobiliária […]. Poderíamos ter feito outras opções e fazer outras decisões, como investir num ecoturismo sustentável por exemplo, aproveitar aquelas praias e criar parques, pra fazer trilhas... Enfim, explorar a natureza, de uma forma economicamente viável. Mas não há esse conhecimento, não há esse interesse. Infelizmente aqui no Estado da Paraíba, é muito forte essa mentalidade da construção, que começou a crescer nos anos 90, porque até 1980 [...] cresceu muito o setor de comércio e serviços. A partir dos anos 90 houve uma virada na economia. O setor da construção civil passou a ser o mais dinâmico, e aí a gente teve como representação política nos anos 90 um representante do setor da construção civil, que criou um grupo econômico, uma oligarquia […].” (Entrevistado 03)
As falas acima se referem a um fluxo de crescimento populacional e
mudanças intensas na economia e na paisagem rural do litoral. Da mesma forma, o
Entrevistado 05 também achou importante explicar a expansão da monocultura
canavieira no Litoral Sul como pano de fundo para uma mudança na ocupação do
território:
“Aqui nessa realidade do Nordeste [...], teve dois grandes momentos de crescimento, de criação e expansão da indústria canavieira. Foi com o Pró Alcool nos anos 70, e teve outro agora no governo Lula, com o estímulo à produção de energia limpa, incentivo à [produção] etanol, que na verdade foi pra salvar os usineiros. E com isso houve uma diminuição sensível da área de sitiantes, de pequena agricultura. Eles foram com tudo e ampliaram as suas áreas... Então é um mundo do capital.” (Entrevistado 05)
Essas respostas nos levam à importância da formação socioeconômica da
região e as mudanças nesse cenário a partir de um grande espectro de influências
externas, como a urbanização, a industrialização, a globalização e os programas de
incentivo a determinadas atividades. Inicialmente a monocultura da cana de certa
forma cria um ambiente no qual a agricultura familiar e a pequena propriedade
tendem a perder espaço para outras atividades econômicas num recorte local, e isso
se comunica com as escolhas econômicas nacionais. Num contexto mais amplo,
portanto, a instalação do Polo Cimenteiro faz parte de um conjunto de
direcionamentos econômicos do Estado da Paraíba, que está em conformidade com
a política desenvolvimentista adotada nos últimos anos. O tema é complexo e
apresenta contradições em qualquer contexto, e os depoimentos dos atores refletem
isso quanto ao recorte do Polo Cimenteiro no Litoral Sul.
Além disso, no que diz respeito ao cimento, dois entrevistados ressaltam o
potencial produtivo da Paraíba como um risco provável. Como afirma o entrevistado
01:
“Bem, a Paraíba tem uma faixa muito estreita de área agricultável. A vocação do nosso estado não é agrícola certo? Mesmo a produção de cana aqui é inferior a alguns estados do sul e sudeste por exemplo, por conta de solo e água. Talvez o
97
cimento seja nosso maior recurso mineral, certo? Eu sei que existem outros como a vermiculita no interior, algumas pedras preciosas, semi preciosas, mas nenhuma delas é uma commodity como o cimento bruto.” (Entrevistado 01) “Eu não tenho dúvida que mais alguns anos e a Paraíba será certamente o segundo maior produtor de cimento do Brasil, ficando apenas atrás de Minas Gerais.” (Entrevistado 04)
Alguns entrevistados ainda consideram que um melhor direcionamento
econômico para a região seria o incentivo ao turismo e lamentam o descaso com a
agricultura familiar:
“Eu percebo como o recrudescimento de uma economia insustentável. Então eu só lamento, porque como eu disse nós temos potenciais turísticos enormes, pra poder fazer uma exploração daquele lugar sem precisar da indústria de chaminé, e houve uma opção pela indústria de chaminés, então eu só lamento.” (Entrevistada 03) “É como se a agricultura também não fosse um meio de sobrevivência, e a gente sabe que é o principal, que sem o alimento não tem como a gente sobreviver. E o lucro, a lucratividade é muito grande nessa região. Porque o pessoal trabalha muito, tem muito agricultor, principalmente agricultura familiar, muito, é muito grande aqui.” (Entrevistados 08)
Podemos dizer, sabendo da formação política econômica paraibana, que são
escolhas econômicas que favorecem grupos oligárquicos. Portanto, a “vocação” do
lugar, como aponta o entrevistado 01, também tem uma carga de escolha política.
No caso do litoral sul, uma vocação bastante lembrada é o turismo, no entanto os
investimentos são bem menores. O Entrevistado 04, apesar do discurso de base
neodesenvolvimentista ao avaliar positivamente alguns dos riscos da indústria do
cimento, não deixa de se referir ao potencial positivo do setor turístico, concordando
com a Entrevistada 03 nesse ponto:
“E a Paraíba tem belezas extraordinárias, que podem captar outro tipo de indústria: a indústria turística, [...] O trade turístico, esse é o nome que se utiliza, poderia ser mais proativo e propositivo com os governos municipais e com o governo estadual, do que é, vamos dizer assim, a valoração das indústrias [...]” (Entrevistado 04)
Além disso, alguns dos depoentes consideram que o saldo econômico pode
ser negativo no que tange à população local:
“Eu não consigo perceber coisa boa porque, por exemplo, quando o rio Gramame deixa de abastecer muitas comunidades aqui por causa da poluição dessas fábricas, são muitas famílias que deixam de ter uma melhora de vida, se alimentar bem, poder vender o seu camarão e ter o seu recurso, em troca de alguns empregos, aqui e acolá, que elas [indústrias] oferecem. Então eu não sei se isso é um benefício, eu não consigo entender isso como um benefício. […] Com certeza afeta e a economia acho que melhora. O problema eu acho, como eu sou ambientalista, é essa questão. E meio ambiente com o capitalismo, ele tem um diálogo bem difícil, bem distante. Eu acho que existe possibilidade de crescer, de ter progresso sem destruir o entorno. Eu acredito, a tecnologia vem provando. [...] A economia melhora, mas o rastro que deixa
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no caminho é realmente muito ruim de ver, é difícil de você aceitar. Tendo como fazer um meio termo, tendo como fazer uma conciliação...” (Entrevistado 02) “Eu acho o seguinte: a questão dessa industrialização, é uma industrialização que eu diria emergente, você não vê uma coisa planejada. Então tem calcário ali, a indústria do cimento crescendo, corre todo mundo pra ali, cada um faz uma fábrica. [Isso não pode ser] desse jeito, nenhum setor da economia pode ser assim. É como você pegar nos anos 80 o camarão [que] estava bombando, pipocando: Acabou o camarão marinho, assim, você não tinha mais captura. [...] O capital ele é oportunista, ele quer se apropriar dos espaços, da conjuntura e tudo o mais.” (Entrevistado 05)
Pode-se inferir dessas representações que os atores têm uma visão dos
impactos e riscos econômicos do Polo Cimenteiro inserida num contexto histórico e
econômico complexo. Apesar de acreditarem na possibilidade de crescimento da
atividade e no resultado positivo para a economia do Estado, não consideram que
isso necessariamente acarretará em uma melhora na situação econômica das
comunidades, pois localmente outros riscos negativos se sobrepõem a essa
possibilidade.
Retomando alguns tópicos para uma discussão mais ampla, podemos dizer
que os riscos e impactos sociais discutidos na maioria das vezes tem uma relação
identificável de causalidade com os impactos ambientais, se fosse possível isolá-los
em categorias. Ao que parece estes são mais evidenciados nas entrevistas que os
impactos ao meio biofísico, seja como preocupação ou como expectativa positiva.
Não deixa de ser contraditório, dada a urgência do assunto, que esta e outras
pesquisas encontrem justamente no âmbito social os maiores problemas
relacionados à instalação dos empreendimentos, à Avaliação de Impactos
Ambientais e às medidas adotadas pelos poderes público e privado.
Apesar de sua flagrante importância, esse tipo de impacto não parece estar
entre as principais preocupações das agências reguladoras ou das empresas. Nos
Relatórios de Impacto Ambiental ganham um lugar periférico, além de figurarem
como justificativa para a instalação dos empreendimentos ao ter os riscos positivos
ressaltados de maneira a favorecer a opinião pública, como no caso da geração de
emprego e renda. As ações mitigadoras e compensatórias não são efetivas, mesmo
que esses impactos afetem profundamente as comunidades próximas das fábricas.
Alguns riscos nem mesmo são identificados ou analisados pelos atores,
mesmo os que têm responsabilidade sobre o controle destes. Esses silêncios são
preocupantes sobretudo no que concerne aos estudos prévios e aos agentes
99
reguladores, pois sem que a extensão e gravidade dos impactos socioambientais
sejam avaliadas, não há possibilidade de monitoramento ou mitigação. Dessa forma
os custos dos danos causados são transferidos ao Estado e à população.
Essas observações, lembramos, são encontradas em outros estudos e
contextos, e as mesmas dificuldades são apontadas: num conjunto em que
interagem vulnerabilidade social, pouca ou nenhuma participação popular nos
processos decisórios, e desvinculação entre temáticas ambientais e os movimentos
sociais, há uma transferência da responsabilização e dos danos à sociedade,
sobretudo aqueles que estão mais próximos da fonte de impactos (ACSELRAD;
MELLO; BEZERRA, 2009).
É provável, ainda, que contribua para esse cenário a falta de integração entre
ciências exatas, biológicas e humanas, que pode ser observada desde a
universidade até a composição técnica dos órgãos reguladores e das empresas
privadas. Isso leva à falta de visão holística ou sistêmica dos impactos
socioambientais por parte dos especialistas, o que também é característico da
atuação dos órgãos públicos, que também encontram entraves para dialogarem
entre si.
Ao longo das conversas notou-se também que os entrevistados não
restringem sua fala às fábricas mencionadas na pesquisa. Muitas das afirmações e
impressões são relacionadas às indústrias em geral, à poluição que já acontece,
principalmente no rio Gramame. Isso demonstra que, por um lado, os atores estão
cientes do contexto complexo no qual interagem diversas fontes de risco, o que
pode ser considerado um sistema de riscos (NEVES; JEÓLAS, 2012). Por outro,
evidencia a falta de informações sobre essas fábricas em específico.
No caso do Conde, o movimento SOS Gramame luta para denunciar a
poluição do rio que tem como fonte as indústrias do distrito industrial de João
Pessoa e do Conde e as usinas de cana de açúcar, e pressionar as autoridades a
tomar medidas cabíveis contra as empresas. A organização das comunidades
ribeirinhas do Gramame para identificar as fontes poluentes já tem mais de 20 anos,
então podemos dizer que já faz parte da memória dessa população a presença
industrial como fonte de poluição, de danos à saúde e danos econômicos.
Autores como Bickerstaff (2004) e Coelho, Valente e Figueiredo (2012) se
referem à memória da presença da indústria ou da mineração em comunidades
como elemento relevante para a percepção, muitas vezes de maneira a relacionar a
100
atividade a benefícios econômicos. Nesse caso podemos dizer que também
acontece o oposto, e essa memória vai de encontro ao que Bickerstaff (2004)
classificaria como estigma da poluição.
As comunidades ribeirinhas do Gramame e os demais envolvidos no
movimento SOS Gramame, por exemplo, têm uma memória da presença industrial
na região como nociva às suas vidas e ao ambiente. Todavia, essa memória é
constantemente reforçada pela experiência e observação, já que a poluição do rio
continua sendo denunciada pela população. Ao mesmo tempo, contraditoriamente,
os entrevistados desse local acreditam nos resultados benéficos de tais
empreendimentos. Talvez, como alerta Boholm (1998) a vulnerabilidade social torne
os riscos mais aceitáveis para esses atores.
Chegamos então a um dos resultados mais significativos da pesquisa: a
invisibilização de grupos vulneráveis nos estudos prévios e nas tomadas de decisão.
Retomando o princípio da intersecionalidade de Crenshaw, fatores como gênero e
classe social podem se sobrepor, aumentando a vulnerabilidade de determinados
grupos (SILVA; BRITO; LIMA, 2017). No Litoral Sul podemos destacar os grupos
indígenas e quilombolas, que historicamente enfrentaram conflitos territoriais para
permanecer em suas terras, e as mulheres, crianças e adolescentes, que
identificadas como mais vulneráveis nas entrevistas, nas políticas públicas locais28 e
subrepresentadas politicamente.
Se a vulnerabilidade social é um fator de aumento do risco, embora possa
influenciar a percepção deste por parte das pessoas mais vulneráveis a ponto de
torná-los mais aceitáveis, forma-se um ciclo destrutivo: Quanto mais vulnerável
socialmente é um grupo ou local, mais chances de tolerar os riscos socioambientais
apresentados pelos empreendimentos contanto que exista uma contrapartida
econômica, mesmo que alusiva e até ilusória. Esta é tão significativa a estes grupos
pois simboliza a possibilidade de inclusão social a partir do ganho financeiro, já que
são poucos os mecanismos públicos que suprem essa necessidade (ACSELRAD;
MELLO; BEZERRA, 2009).
O risco da geração de empregos então é visto como positivo, aliado à
vulnerabilidade social e falta de suporte estatal de modo a ser entendido e defendido
por muitos como chance de melhora da qualidade de vida. Da mesma forma, a
28 Por exemplo nas campanhas contra exploração sexual infantil, um desafio enfrentado pelos órgãos públicos
da Paraíba, especialmente no litoral.
101
geração de impostos e movimentação da economia local são entendidos como
impactos prováveis e positivos, ainda que falte informações a respeito. Trata-se, na
verdade, da adoção de uma narrativa institucional já cristalizada nos processos
decisórios do tipo, e usada como barganha para negociar o apoio popular. Nesse
sentido, a vulnerabilidade é um elemento crucial na forma como acontece essa
“negociação”, assim como a experiência e a memória.
Comparando as percepções dos entrevistados nas comunidades em Alhandra
e no Conde, podemos perceber melhor essa diferença: Em Alhandra, onde a
agricultura familiar é uma atividade bem estabelecida e a fábrica já opera, a
percepção relacionada à geração de empregos não é positiva. A indústria em
alguma medida compete territorialmente com a produção agrícola familiar, além
disso gerou empregos para a comunidade apenas durante a implantação. Já no
Conde, a proximidade com João Pessoa, com um ambiente urbano e industrial e a
diversidade maior de atividades econômicas, fazem com que a oferta de empregos
pela fábrica de cimento seja percebida como benefício certo, assim como aponta
Boholm (1998).
Além disso, a afiliação ideológica (RENN; ROHRMANN, 2000) também surge
como um fator de influência quando comparamos a percepção dos atores. No caso
dos agricultores do assentamento em Alhandra, existe uma identidade ideológica
campesina construída ao longo das décadas, relacionada à luta pela terra. Os
especialistas e gestores ambientais em geral apresentam ideologias relacionadas ao
ambientalismo, alguns se identificam mesmo como ecologistas ou ambientalistas; e
ainda no caso da CINEP, há uma ideologia neodesenvolvimentista definida, ainda
que em muitos momentos dialogando com os ideais da sustentabilidade, já que o
entrevistado em questão é também um gestor ambiental.
Também é interessante notar que um dos riscos destacados nas entrevistas
foi o de perdas culturais. Como os outros, esse aspecto não pode ser separado de
um contexto de mudança regional, com a invasão da área rural por elementos
urbanos, indústria, aumento populacional e especulação imobiliária. A instalação do
Polo Cimenteiro certamente contribui para a aceleração desse processo, mas ele
não está restrito a esse evento. Podemos fazer um paralelo com os estudos citados
por Bickerstaff (2004) e relacionar a preservação das tradições culturais com a
manutenção de uma identidade, que também está ligada à paisagem e à noção de
vizinhança (TUAN, 2012; SANTOS, 2009).
102
O senso de pertencimento também se mostra importante na visão dos atores
das comunidades. Eles recorrem a essa identidade como elemento de união e
fortalecimento na defesa de seus interesses, e ao mesmo tempo temem que as
mudanças trazidas pela indústria sejam um fator destrutivo para esse senso de
comunidade.
5.2.3 Agência e Interação entre os Atores
Além dos riscos e impactos provenientes da instalação e operação das
fábricas de cimento, as entrevistas tiveram por objetivo levantar algumas
informações sobre a participação dos atores nas audiências públicas anteriores à
instalação dos empreendimentos, a comunicação entre os atores, sobretudo entre a
empresa e a comunidade, as fontes de informação dos atores, a quem estes
atribuem responsabilidade sobre o controle dos riscos ambientais advindos da
mineração e ainda, qual seu grau de confiança nas instituições responsáveis por
essa gestão. A essas atuações interessadas, chamamos agência (BICKERSTAFF,
2004). Também surgiram durante algumas entrevistas os temas: conflitos ambientais
e responsabilidade coorporativa, que dialogam com os tópicos apontados.
5.2.3.1 Audiências Públicas
A realização de audiências públicas, além de uma exigência legal para o
licenciamento de grandes empreendimentos, também é a principal ocasião para
esclarecimento de dúvidas por parte da população quanto ao processo, aos
possíveis impactos de tal instalação e para a manifestação social favorável ou
desfavorável à aprovação do projeto. Sendo assim, as audiências são uma
ferramenta fundamental na democratização das decisões públicas. Paralelamente,
as empresas também podem optar por organizar reuniões com a população, no
intuito de fornecer informações e também de aprimorar seu relacionamento com a
vizinhança. Perguntados sobre a participação nas audiências públicas referentes às
fábricas em questão, os entrevistados especialistas afirmaram não terem participado,
ou terem informações sobre elas. Os entrevistados 02 e 09 reclamam da falta de
informação sobre as audiências nas comunidades do Conde, apesar de terem
ciência de uma reunião que ocorreu na comunidade de Mituaçu na qual o assunto foi
103
discutido entre gestores do estado e moradores. Eles recordam o não recebimento
de um convite ou informação oficial sobre as reuniões, mesmo assim alguns
estavam cientes do evento por outros meios:
“Não, não. Eu nem sabia que tinha ocorrido a audiência pública pra instalar a fábrica. Eu fiquei sabendo da fábrica num movimento político na comunidade de Mituaçu, por um acaso, numa reunião que tinha ocorrido lá de uma gestão anterior. E tinha lá alguns políticos falando, como era no quintal de um amigo meu eu fui. E disseram que estava se instalando no Conde um polo que vai gerar não sei quantos empregos. Existe um polo sendo instalado aqui, mas como é que vai ser? Que impactos vai gerar? Como é que esse contexto rural, natural, vai ficar com a instalação, após a instalação e durante a produção disso? [...] Eu tive essas reflexões porque fiquei sabendo nesse dia. Mas de audiência […] nada nada, só foi acontecendo e a gente foi percebendo mesmo.” (Entrevistado 02) “Não, nada (sobre as audiências). Foi chegando… Acho que eles fizeram contato só com a prefeitura mesmo. […] Tudo era escondido.” (Entrevistado 09)
Já o Entrevistado 05 afirma, referindo-se ao Projeto Caxitu e ao Projeto Mucatu:
“Não fui nem comunicado sobre as audiências dessas outras... E tem um impacto direto, não na reserva, mas na APA de Tambaba.” (Entrevistado 05)
Porém no tocante a outra fábrica integrante do Polo Cimenteiro, diz:
“Eu recebi um convite pra essa da Brennand. As outras eu fiquei sabendo mas não, como não era próximo da reserva, a Sudema não achou que precisava convidar [...] Não, eu fui nessa da Brennand, que eu achei uma grande encenação, e teve uma outra do parque industrial de Caaporã, que essa já foi mais séria” (Entrevistado 05)
As falas sugerem que, ao menos na percepção desses atores, a divulgação
das audiências foi restrita, o que pode ter sido um complicador para sua participação
ou organização prévia para tal. Apesar de alguns deles afirmarem que não houve
audiência pública, o site da Sudema afirma sua realização, sem detalhar data ou
local. Isso significa, então, que a divulgação não foi ampla e, se a reunião que
aconteceu na comunidade de Mituaçu se tratava da audiência, isso não ficou claro
para os entrevistados.
Em se tratando da fábrica da Elizabeth Cimentos, os depoimentos
demonstram uma situação diversa. Foram realizadas ao menos três audiências,
conforme consta no site da Sudema. Além dos moradores de João Gomes, o
Entrevistado 06 relatou participação em uma Audiência:
“Sim, a gente fez aqui a audiência pública, na assembléia. Era tudo aquilo, era uma luta desigual, desigual... Agora, teve a sua vantagem de se prevenir o pessoal, ninguém foi enganado. E isso foi muito, vamos dizer, politicamente. E a campanha, tem o deputado Branco Mendes, que é de Alhandra, foi prefeito, é deputado. Ele
104
jogou pesado na região, ele jogou o povo contra mim, [disse] que eu tava contra o desenvolvimento. A Correio fez miséria. Ia pra Alhandra e via o povo, e os jovens: Todo mundo queria, queria que instalasse, porque ia ter emprego para eles. Até agora não tem nenhum, entendeu? Mas jogou a população contra o mandato, mas não atingiu a gente. […] Mas foi campanha feia, foi campanha feia mesmo que fizeram contra o mandato, que nós estávamos contra o desenvolvimento do Litoral Sul, e a imprensa entrou nessa, ela recebia para fazer isso, e a fábrica financiou, jogou pesado.” (Entrevistado 06)
Os entrevistados da comunidade de João Gomes dizem terem sido avisados sobre
as audiências em todas as ocasiões. Apesar dessa divulgação não ser ampla na
localidade (com carros de som, convites aos moradores), ela foi feita por meio de
cartazes, ou foi avisada por outros atores envolvidos no processo.
“A audiência foi o boca a boca mesmo.” (Entrevistado 07)
“Tinha sempre uma placa, um cartaz mostrando que as audiências iam ser em tal dia. […] Tânia sempre passava pra gente quando ia ter, quando não ia. Tinha um vereador aqui de Alhandra mesmo, Walfredo José, ele estava sempre buscando as coisas tudinho. Nos informando, nos ajudando, e a CPT, tudo assim.” (Entrevistados 08)
Nota-se que a divulgação oficial foi cumprida, mas que a organização entre os
próprios atores interessados foi essencial na disseminação dessa informação entre
os moradores do entorno, assim como no preparo e no engajamento social que
tornaram as audiências essenciais para a participação pública no processo:
“As audiências foram boas, porque era nas audiências que a gente podia falar o que a gente achava, então era muito bom. O povo ouvia, era a voz do povo mesmo. […] As autoridades ouviam, mesmo que não gostassem, que ficassem ali com raiva, mas a gente falava o que a gente achava. Foram muito boas as audiências, a única coisa boa que teve foram as audiências, até que por fim teve a última audiência, já não foi lá na Câmara de Vereadores, já foi noutro canto, a gente foi muito vaiada, tudinho. Mas graças a Deus deu tudo certo [...]. Tânia, que era da CPT, sempre trazia pessoas para falar, pra nos ajudar sabe? Sempre tinham aquelas pessoas que nos apoiavam, vindos da universidade, que falavam também.” (Entrevistados 08)
Os entrevistados das comunidades ressaltaram o papel importante de alguns
membros do legislativo estadual e municipal, de Ongs e de especialistas, sobretudo
os professores da universidade federal:
“Eles dizendo que era bom, e a gente dizendo que não presta. E o pessoal da universidade vinha nos ajudar, defendia muito dizia ‘Não, porque a agricultura, o povo das comunidades...’ mostrando a realidade. Porque na verdade eles pregam uma coisa que eles mesmos sabiam que não era aquilo. É como a história da janela do avião [relembrando uma história contada durante a conversa]: o cabra pode ter estudado onde for mas ele sabe que isso aí não existe, porque quando quebrar a janela de um avião, aqui em baixo já era. E as audiências eram muito boas também porque eles, quando entraram aqui, eles pensaram uma coisa, que ia ser tudo muito bonito. Só que foi o contrário, a gente teve um rejeição muito grande, aí por conta disso eles também trouxeram pessoas, pensando que a gente quisesse vender e tudo mais. Só que foi o contrário, nas
105
audiências foi a maior briga, e a gente toda se preparava também. Então foram muito boas as audiências, a gente aprendeu muito com as audiências, falava e sempre buscava também as coisas. A Tânia, a CTP, ajudaram muito, também o Frei Anastácio.” (Entrevistados 08)
Fica evidente nos trechos acima a importância das audiências públicas como
ocasião não apenas de manifestação da opinião pública e de atores sociais diversos,
de debate e esclarecimento, e informação da população não especialista. Esses são
momentos de fortalecimento político da população, ao encontrar um ambiente em
que representantes das empresas, governo e agências gestoras podem se colocar,
mas também precisam ouvir as queixas e preocupações da comunidade.
Mesmo dada sua importância, podemos ver que muitas pessoas interessadas
não são informadas dos eventos, sobretudo aquelas que não são moradoras do
entorno das fábricas. Assim limita-se o público presente e mesmo a capacidade de
articulação comunitária para se preparar para as reuniões.
Outro aspecto que fica implícito nessas conversas é que, quando não através
da articulação dos atores interessados no sentido de afirmar sua participação ativa
no processo decisório, não há mecanismos que estimulem o diálogo com os grupos
mais vulneráveis. Estes excluídos do processo decisório, perde-se uma fonte ímpar
de informações sobre necessidades específicas que são valiosas para essas
pessoas, por exemplo a necessidade instalação de creches como forma de
aumentar o acesso das mulheres ao mercado de trabalho.
Para garantir o direito à participação nas tomadas de decisão desses grupos
vulneráveis, há que se fazer um mapeamento desses atores e suas dinâmicas
locais, para de alguma maneira incluí-los na discussão. Existem, por exemplo,
diretrizes voltadas a esse objetivo que podem auxiliar os responsáveis pela
organização e divulgação das reuniões a torná-las mais acessíveis. Isso pode
significar desde o provimento de transporte, até a adaptação da linguagem utilizada
às possibilidades de compreensão de pessoas leigas (SILVA; BRITO; LIMA, 2017).
Além disso, a presença de especialistas cumpre um papel político e social
significativo, possibilitando um debate técnico real que também se torna social e
multidisciplinar.
5.2.3.2 Fontes de Informação
106
Os atores foram questionados também quanto a suas fontes de informação
sobre os temas da entrevista. Assim, eles responderam tanto sobre onde buscam
informações variadas, quanto os meios pelos quais souberam de informações
específicas sobre as fábricas do Polo Cimenteiro. O entrevistado 01 se refere
principalmente à imprensa e às mídias digitais:
“Bem, como eu recebo informação [...] É da imprensa alternativa, da imprensa normal, redes sociais” (Entrevistado 01)
Já outros entrevistados, além da mídia digital, consideram que as relações de
trabalho ou sociais contribuem para seu conhecimento sobre o contexto:
“Olha eu sempre estou olhando na internet, eu tenho lido... Como eu faço parte de um grupo relativamente grande aqui - nós somos uma ONG e somos 15 pessoas, então a gente está sempre trocando informações. Nas redes sociais, nos fóruns que a gente está sempre participando. Na semana passada a gente estava lá na universidade, estava lá na rede das águas. A gente também estava levando nossa fonte, em relação ao rio Gramame, então lá a gente trocou muita informação. Enfim a gente está sempre nos espaços buscando informações.” (Entrevistado 02) “Eu me informo assim, como professora universitária, leio artigos produzidos sobre a Paraíba, me informo em blog, internet, conversando com colegas aqui que são geólogos … E viajando, que eu estou sempre viajando pro interior do estado... Enfim, estou sempre fazendo trabalho de campo.” (Entrevistada 03)
Além disso, os entrevistados gestores e o representante do legislativo
também consideram os dados recolhidos diretamente nos órgãos estatais, como
parte das funções que exercem, por exemplo:
“Aqui na Cinep, esses dados vão fluindo. Como eu sou, apesar de ser engenheiro e professor, eu trabalho muito desenvolvimento regional e dou muita palestra a respeito de desenvolvimento regional, eu tenho esses dados, e esses dados eu termino pegando na Sudema, pegando na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Secretaria de Infraestrutura, na própria Secretaria de Planejamento Orçamento e Gestão, na Cinep, na Sudema, na Cagepa, na PBGás. Eu vou pegando esses dados [...]” (Entrevistado 04) “Eu trabalho na área e estou na região. Além de trabalhar com essa coisa de gestão ambiental pública, estou na região, antenado no que está rolando no entorno. Então eu gerencio uma área de preservação, uma reserva extrativista. [...] Eu parto do princípio de que o impacto pode ser causado aqui do lado, mas um impacto a 30 ou 40 km pode ser muito maior, e impactar muito mais aqui do que aqui do lado. A gente tem que estar antenado e assim, se vinculando a um território, um território grande, que é Mata norte Pernambuco, Mata Sul, Paraíba, Conde, Alhandra, Igarassu […]. Toda essa área do entorno” (Entrevistado 05)
Para os entrevistados da comunidade de João Gomes, foi importante a busca
e divulgação de informações sobre o andamento do processo e os detalhes técnicos
ou políticos envolvidos como forma de resistência nos momentos de reuniões
107
públicas ou audiências:
“Nós tinhamos muita fonte. E também toda semana eram uma ou duas viagens que a gente saia aqui em comitiva. Era pesquisar, procurar apoio, procurar os órgãos, e era onde a gente podia procurar ajuda. A gente sempre estava participando de reunião, onde tivesse a gente estava, pra se informar também. E assim, foi mais de ano, um ano de muita correria. Mesmo quando a gente soltava os fogos, é como na favela do Rio de Janeiro, aí todo mundo, todo mundo, de velho a criança, todo mundo corria saber o que estava acontecendo. De repente enchia de gente aí: Era pra gente fazer barreira num canto, era pra ir conversar alguma coisa, alguém que tinha viajado e tinha trazido alguma notícia. Soltavam os fogos e rápido :‘Vamos conversar aqui’, está entendendo? O povo estava muito unido, afim de resolver.” (Entrevistados 08)
Já os atores de Mituaçu disseram não ter acesso a muitas informações a
respeito, mesmo sobre a instalação da fábrica, as informações circularam
informalmente entre a população, mas não foram divulgadas de outro modo, nem
mesmo pela mídia. Assim, a narrativa institucional pode ser a fonte de informação
central sobre o assunto.
Ressalta-se desse modo a importância da busca de informações através de
outros atores ou nas próprias audiências públicas e como a obtenção desse
conhecimento foi fundamental na organização e agência política da comunidade.
Dessa forma, a própria disseminação de notícias dentro das comunidades
costumava ser imediata, através de estratégias próprias, muito mais que
individualmente, através da mídia por exemplo.
Apesar de nesse estudo a mídia não ter muito peso na informação dos atores,
é importante lembrar que muitos teóricos consideram-na além de aparato discursivo
de alguns grupos, também um ator em si nos processos decisórios. Nesse sentido
não se pode considerar que a participação de veículos de comunicação nesse tipo
de decisão público-privada seja imparcial ou apenas instrumental. Especialmente no
contexto brasileiro, os grupos oligárquicos que entendemos dominarem a posse da
terra, a atividade industrial e a esfera política são os mesmos que detém o sistema
midiático.
5.2.3.3 Controle dos Riscos Ao serem perguntados se é possível controlar os riscos de tais
empreendimentos, os atores deram respostas relacionadas a condições para que
esse controle seja efetivo. A maioria dos entrevistados afirma acreditar na
possibilidade de controle, apesar de não necessariamente acharem que esse
108
controle está sendo feito:
“Controlar é sempre possível, limitar o alcance da mineração,em áreas onde o impacto sobre mananciais, sobre solos férteis, sobre áreas já formadas pra agricultura não fossem atingidas. Ocupar o espaço razoável, que seja possível, sem destruir o que já estava funcionando bem.” (Entrevistado 01) “Eu acho que é possível controlar o risco, evitar acho que não. Mas controlar, minimizar o risco, acho que a tecnologia avança o tempo todo. E até mesmo se pensar em recursos renováveis, a própria natureza te oferece muitos recursos […]. Diminuindo um pouco os impactos que podem estar causando uma empresa como essa, uma indústria como essa aí levantada. Então eu acho que tem condições sim, eu acho que é só a gente parar pra pensar e ser mais sensível à questão do ambiente […]. Ter mais consciência, ampliar a consciência, que consciência todo mundo já tem, agora precisa ampliar e ir pra prática mesmo.” (Entrevistado 02) “Eu não duvido que a indústria cimenteira esteja produzindo impactos, mas são impactos que estão sendo controlados, pela Cinep e pela Sudema. Na hora que nós detectamos que está acontecendo alguma coisa diferente do acordado nos contratos de compra e venda ou dos contratos aqui com a Cinep, nós fazemos vistorias e acionamos a Sudema para a correção de rumos.[…] É possível controlar, mas também ninguém está, vamos dizer assim, imune ao acaso.” (Entrevistado 04)
Outros entrevistados são mais exitantes nessa afirmativa: “Só se a população local realmente se engajar e tentar resistir. O que eu acho muito difícil, porque é uma população pouco alfabetizada, pouco educada e que em geral a mídia e a própria publicidade, o capital de publicidade dessas empresas sabe trabalhar muito bem a cabeça das pessoas pra poder se instalar.” (Entrevistada 03) “Eu não tenho esperança não, porque o poder econômico é muito forte. Quando eles implantam uma coisa dessas eles já estão pensando lá, quinze anos pra frente, a gente ainda está aqui. E a população não é capaz de reconhecer isso..." (Entrevistado 06) “Eu acho que não [dá para evitar os riscos]. Evitar como? […] O governo é que não tem interesse mesmo, o governo aqui lutou contra o povo pra se instalar, porque vai ser a favor do povo hoje?” (Entrevistado 07)
Podemos notar que os entrevistados 02 e 03 de certa forma relacionam as
possibilidades de controle dos riscos de maneira eficaz com a educação e
informação da própria população, mas também acreditando que o engajamento
social e a “vontade política”, são necessários nesse quesito. Quanto a isso, os
entrevistados 08, assim como os entrevistados 09 e 10, de certa forma relacionam o
controle às ações de vigilância e denúncia:
“Eu acho que a gente de alguma forma pode até controlar. Eu acho que com a união, não de todos da comunidade porque tem gente que é individual, mas com o pequeno grupo que existe, eu acho que tem uma forma de controlar.” (Entrevistados 08)
É importante também apontar a expectativa do Entrevistado 02 de que os avanços
tecnológicos possam contribuir com a mitigação de impactos. O Entrevistado 04
parece entender que o sistema vigente de controle dos impactos ambientais é
109
suficiente para esse papel. Já o os entrevistados 06 e 07 não acreditam ser possível
evitar os riscos pois a sociedade se vê imobilizada frente a um poder decisório
maior, o econômico.
Ao serem questionados quanto à atribuição de responsabilidade pelo controle
dos riscos e impactos provenientes da mineração industrial, todos os entrevistados
citaram o Poder Público. Os entrevistados 01, 02, 04, 06, 09 especificam os órgãos
ambientais (SUDEMA, IBAMA e Secretaria de Meio Ambiente) como principais
responsáveis, o entrevistado 04 ainda acrescenta a AESA e ANA como parceiras
nesse controle. O entrevistado 06 também amplia essa responsabilidade para as
muitas instâncias de poder estatal, como o executivo, o legislativo, o judiciário, o
ministério público e os órgãos ambientais. A entrevistada 03 acredita que nesse caso
quem deveria ter mais controle sobre a atividade minerária são as Secretarias de
Recursos Hídricos e de Mineração.
Além do poder público, apenas o entrevistado 01 atribuiu às empresas essa
responsabilidade, embora o entrevistado 06 em muitos momentos discorra sobre a
necessidade de que as empresas hajam com responsabilidade socioambiental. O
entrevistado 02 lembrou a importância da comunidade compartilhar dessa vigilância
enquanto denunciante de qualquer degradação ou impasse. Ou seja, apesar de não
serem os responsáveis institucionais, os cidadãos também tomam um papel
importante no controle dos riscos. Já os entrevistados 08, apesar de apontarem a
participação de órgãos reguladores, acreditam que a população é a maior
responsável pois não confiam na ação isenta dos outros atores:
“Eu acho que é mais da comunidade, porque geralmente prefeitura e esse pessoal se une muito, tem uma questão política, se une muito, você tá entendendo? [...] Porque se partir pro lado dos órgãos públicos, ou privados, ou sei lá o que for, a gente nunca vai ter esse apoio pra esse controle aí não. Porque eu me lembro como se fosse hoje, eu me lembro que a gente foi um dia no IBAMA (para uma denúncia de desmatamento). […] Passaram dois meses pra vir. [...] Quando o agente do IBAMA chegou ele disse ‘não, aqui não tem nada irregular não, a pastagem está tudo em ordem, capim está grande, a terra está coberta’, e a gente disse ‘Não, essa parte aqui você está vendo desse jeito, mas não era desse jeito assim não’. Mas ele já sabia, porque não é possível, eu vou denunciar uma coisa hoje, aí automaticamente aquela pessoa que estava fazendo o malfeito, já pára de fazer o malfeito que estava fazendo, não é estranho? Aí o cara promete que vem no outro dia olhar e passa dois meses pra vir. Ele deu tempo pra recuperar, porque quando chegasse não tinha o que fazer, a pastagem já tinha voltado ao normal. [...] É por isso que eu digo, se não partir de nós isso aí, os orgãos públicos meu amigo, não tem não, não vão resolver. Tem que ser na pura sorte mesmo como diz o ditado, porque se for esperar que alguém, algum orgão público venha a ficar do lado do povo mesmo é difícil.” (Entrevistados 08)
110
Certamente contribui para a falta de confiança demonstrada por parte dos
atores a falta de detecção dos riscos nos estudos prévios. Como discutido nos
tópicos sobre impactos e riscos, muitas vezes não é feita a identificação ou
abordagem de alguns problemas de maneira satisfatória. Assim prejudica-se a
capacidade de controle dos responsáveis (SILVA; BRITO; LIMA, 2017).
Considerando-se ainda que os riscos muitas vezes funcionam em efeito dominó, ou
seja, estão vinculados entre si, a invisibilização de uns prejudica todo o conjunto.
5.2.3.4 Confiança nas instituições
Durante as conversas, as falas dos entrevistados também demonstraram o
grau de confiança desses atores nas instituições gestoras dos riscos ou
responsáveis pelos empreendimentos. Essas representações não são restritas à
questão do Polo Cimenteiro em si, mas apontam a relação desses atores em
situações semelhantes de maneira geral. Podemos destacar algumas opiniões
importantes nessa discussão:
“Olha, eu acho que as empresas de modo geral são negligentes, eu acho. Que todas elas têm responsabilidade social, poucas delas aplicam essa lei. […] Então, quando eu digo que são pessoas que fazem... Anteriormente a gente não tinha essa resposta, porque eram outros gestores. Hoje, alguns gestores respondem a nossa denúncia. Então eu não posso dizer que o MPF não tá fazendo o papel direito, tá sim, tá fazendo o papel dele muito bem feito. […] A SEMAM faz, mas de uma maneira muito lenta, a SUDEMA faz, mas também de uma maneira muito lenta, então assim cada um faz aquilo que está dentro do seu campo de trabalho. Eu também não sei como é que funciona lá, mas aqui tem chegado poucas coisas com relação à SEMAM e à SUDEMA.” (Entrevistado 02) “A gente confia na legislação, mas a gente sabe que muitas vezes ela não é respeitada. Ainda mais agora que tem uma PEC lá no Senado que já foi aprovada na primeira instância, pra tirar o licenciamento dessas indústrias de grande porte, pra desburocratizar. Então, por aí você imagina, se aprovam um negócio desse, o dono lá vai ficar dando vivas, e não colocar aquele filtro que precisa colocar pra poder impactar minimamente. […] O fato de ver mais os impactos negativos é pelo próprio histórico mesmo de implantação dessas indústrias no país, e principalmente aqui no nordeste, especificamente na Paraíba. Então a gente sabe que existe toda uma frouxidão pra questão da compensação.” (Entrevistada 03) “Porque se partir pro lado dos órgãos públicos, ou privados, ou sei lá o que for, a gente nunca vai ter esse apoio.” (Entrevistados 08)
Destaca-se a opinião da entrevistada 03, quando lembra as mudanças
recentes em leis e instituições ambientais, tais como o Licenciamento Ambiental e o
Código Florestal. Além disso, a descrença dos entrevistados 08 nos órgãos gestores,
nas empresas e nos representantes políticos é observada em vários momentos da
111
entrevista, e se relaciona à falta de apoio durante o conflito com a fábrica.
O entrevistado 04, representando o posicionamento da CINEP, diz confiar no
processo de controle dos órgãos gestores, entretanto levanta algumas questões que
dialogam com as demais opiniões. Os entrevistados da comunidade de Mituaçu
também demonstraram confiança nas normas regulamentadoras da indústria e nos
órgãos gestores para manter o controle dos riscos e impactos:
“Tem o Ibama e tem a Sudema... Então têm sempre esses institutos, que nós esperamos, sempre estejam vigilantes para a ação, para a probabilidade das coisas acontecerem ou de não acontecerem. […] porque no licenciamento também, precisa fazer as vistorias, fazer a vigilância. Porque não basta você dar licença de operação e esquecer que aquela fábrica existe. [...] É multidisciplinar, que possa formar os cargos, de forma concursada, desses agentes, desses órgãos, de forma que eles possam fazer de forma independente, de governo, que eles sejam agentes do estado, pra defender a sociedade.” (Entrevistado 04) “Dentro das normas hoje e das fiscalizações que estão acontecendo, dos exemplos que já tem, eu acho que é uma irresponsabilidade muito grande uma pessoa montar uma fábrica e cair no mesmo erro do passado nos dias de hoje. Eu acho que se está vindo uma fábrica pra cá nesse momento, eles não vão chegar e jogar seus [detritos] dentro do rio, sabendo já dos riscos que eles correm também. Tanto a gente corre risco na comunidade como eles correm também de serem autuados. Então acho que eles não vão chegar assim a toa pra botar uma fábrica aqui. Existe uma responsabilidade mutua, e a gente nessa gestão também, hoje nós temos uma secretaria de meio ambiente lá.” (Entrevistado 09)
Desse modo, transparece a ambiguidade do estado, que têm função
regulamentadora, mas nem sempre a cumpre com rigor pois isso se chocaria com a
noção desenvolvimentista de estímulo à indústria. A questão do funcionamento dos
órgãos gestores também é levantada pelo Entrevistado 05, de maneira mais
profunda:
“Apesar de a gente ter uma legislação muito rígida, quem executa, quem tem responsabilidade pela execução, fica muito à mercê do que, vamos dizer assim, esse poder industrial faz, então controla inclusive as indicações de diretorias e tudo mais desses orgãos. [...] Então assim, o modelo de controle do estado hoje é muito fraco, é muito falho. Ele não tem pessoal capacitado, ele tem muita ingerência política e tem muita ingerência do poder econômico. Então o estado não pode ficar, eu diria, a mercê dessas coisas. Você tem que ter um quadro técnico qualificado pra poder avaliar riscos futuros. [...] Pra você ter uma idéia, a Sudema nunca teve um concurso público, nunca teve um concurso público pra analista ambiental. Então é tudo assim, é alguém que é amigo de alguém, o quadro técnico da Sudema é todo antigo, pessoas desestimuladas, ganham um baixo salário” (Entrevistado 05)
No trecho, fica aparente a desconfiança do ator sobre o financiamento privado
de campanhas e suas implicações na gestão pública. O entrevistado 06 toca no
tema da responsabilidade socioambiental, e acredita que sem um aprimoramento na
112
legislação, é improvável que as empresas tenham uma conduta responsável:
“Porque a fábrica, ela prometeu estradas e essa coisa toda, mas ela fez estradas até só a indústria. E não, em benefício do povo não tem nada, não tem nada! Nenhuma responsabilidade, nenhuma responsabilidade socioambiental. Eu volto a dizer o seguinte, não existe nenhuma legislação no estado que force a essas indústrias terem uma responsabilização socioambiental, não tem. Então enquanto não tiver isso, que regulamente, então, quem tá fadado a ser penalizado é a população. [...] Uma coisa eu sei, que ao ser implantada é uma maravilha, as chaminés, essa coisa toda, não tinha problema, era altamente moderno. Na realidade não é, a poluição ela continua acontecendo, se não é 100% mas é 20%, 30%.” (Entrevistado 06)
Os atores ressaltam problemas nos órgãos gestores que abalam a confiança
da população e principalmente dos especialistas, tais como falta de pessoal
qualificado para os cargos de gestão, ingerência política, conflitos de interesses
entre agências estatais e até mesmo a falta de comunicação entre diferentes órgãos
públicos. Além disso, alguns entrevistados demonstraram esperar que as empresas
seguissem preceitos da Responsabilidade Ambiental Corporativa, mas as poucas
ações por parte das indústrias que foram mencionadas são referentes à
compensação ambiental exigida pela SUDEMA.
5.2.3.5 Conflitos Ambientais Partindo dos tópicos anteriores, verifica-se um conjunto de elementos que
propicia a existência de conflitos ambientais. Durante as entrevistas buscou-se
explorar o assunto. Os entrevistados 03 e 04 não se referem a conflitos ambientais,
apesar de o entrevistado 04 afirmar que sabe ter havido impasses, mas sem
conhecê-los profundamente preferiu não comentá-los. O entrevistado 02 não se
refere a conflitos especificamente, mas à falta de comunicação, assunto que será
abordado em seguida.
Todavia os entrevistados 05 e 06 referem-se mais detalhadamente ao conflito
ambiental envolvendo a Elizabeth Cimentos, os índios Tabajara da região e os
assentados na fazenda Mucatu, em Alhandra:
“[…] Começaram a pipocar algumas questões, primeiro aquele embate entre a Cimento Elizabeth e a terra Tabajara. […] Foi um impasse forte, muito forte, na verdade a terra é Tabajara mas assim, houve uma interferência de um militar ou ex militar que comprou terras, isso eu acompanhei pela imprensa somente, eu não tenho informação suficiente.” (Entrevistado 05)
Os entrevistados 06, 07 e 08 relatam um pouco do ocorrido: “Então um parceleiro vendeu uma parcela... Ele já tinha, a parcela já tava emancipada
113
pelo Incra, quer dizer, o Incra tinha dado documento, ele já tinha pago e ele registrou em cartório a propriedade dele. Uma vez que ele registrou o Incra não tinha mais força. Mas assim mesmo os trabalhadores se levantaram, e se levantaram muito em cima da questão. Quer dizer, a questão que se fazia muito lá é a questão ambiental, uma vez que lá é uma região cortada por rios, não são perenes mas são porque acumula água o ano inteiro e onde você cava tem água com facilidade, e tem muita produção, através de irrigação, de mamão, de bananeira, de sacupi, de graviola [...] Então o que acontece hoje lá: acontecem conflitos vamos dizer. […] Teve um grupo que foi contra, mas o cabra na justiça. Usou muita polícia, despejo... Aí implantaram a fábrica. Do mesmo jeito foi a outra lá em Pitimbu, essa última. […] E foi um conflito pesado, onde a gente envolveu Incra, o Incra nacional, a Ouvidoria Agrária do Incra nacional, e tudo o mais. E não se conseguiu, não se conseguiu praticamente nada.” (Entrevistado 06)
“A gente ainda resistiu muito, se não me engano foi um ano ou mais de luta, que a gente procurava todas as fontes que pudessem nos ajudar que não fosse feita. Mas também quando a gente ficou sabendo que ia ser construída, aí também já estava tudo legalizado por parte deles, que eles não são bobos. Aí não teve mais jeito não. Mas foi uma briga boa, porque nos deu experiência, e também nos deu assim, trouxe um grande respeito deles para conosco, porque a gente mostrou que o povo ainda faz [barulho], que o povo ainda tá vivo. Quando o povo se levanta pra lutar faz muita coisa, então eles ficaram no canto deles e a gente ficou no canto da gente, assim, separados. Porque na verdade o desejo deles é que eles chegassem tomando conta de tudo e fosse todo mundo embora e vendesse todas as terras pra eles, tá entendendo? […] Quando a gente viu que não tinha mais jeito, então: ‘Fique daí pra lá, que a gente fica daí pra cá agora nem você abre pra gente mas a gente também não vai abrir pra você’.
Eles queriam comprar tudo? Tudo, tudo, tudo... na época a Prefeitura, aliada na época, entrou com uma ação de desapropriação, [ou] queria entrar com uma ação de desapropriação, que a gente seria desapropriado para a fábrica. [...] Aí começou a guerra de verdade, começou porque a gente não queria abrir mão das nossas terras e muito menos sair do nosso lugar que é aqui.” (Entrevistados 08)
Os depoentes ressaltam a falta de apoio entre os legisladores e gestores públicos:
“A gente não teve muito apoio. A gente foi descobrindo, quando buscava apoio, que o apoio estava todo do lado deles. Pra cada lugar que a gente ia só encontrava portas fechadas, abertas de uma certa forma, mas fechadas... Do lado jurídico, governo do Estado, Município na época. A gente foi no DNPM ainda em Campina Grande, a gente foi na AESA, SUDEMA, IBAMA, tudo. Aí nada... Eles só diziam que estava tudo legal. O único jeito que a gente achava de combater mesmo era no grito, porque as outras formas que a gente procurou, as portas estavam todas fechadas. […] Quem nos ajudou foi o Frei Anastácio (deputado estadual) e a CPT, foi de começo ao fim quem nos apoiou, nem de igreja, nada, só do povo mesmo. […] E uma pequena parte do povo, porque muitos estavam ‘Não, quero que ela venha porque vai ter emprego’, então foi mais o povo da comunidade mesmo, o povo isolado. Pouca gente veio de fora pra ajudar, aquele número limitado. Se na época as comunidades vizinhas todas estivessem contra também eu creio que a gente tinha conseguido.” (Entrevistados 08)
Quanto ao desfecho, apesar de não impedirem a instalação da fábrica, os
moradores entendem o resultado como positivo, já que suas reivindicações
mudaram consideravelmente o curso dos acontecimentos:
“Resultado deu, porque tudo que o povo se manifesta as coisas mudam, diferente de o grande chegar pra lhe oprimir e você ficar quieto. Se você se manifestar muda alguma coisa.” (Entrevistado 07)
114
Podemos dizer com base nesses depoimentos que trata-se de um conflito de
longo termo anterior à instalação, que chegou a tornar-se violento, posto que
envolveu a polícia, mas estendeu-se juridicamente e através da mobilização social
em busca de negociar as decisões quanto à fábrica.
Os conflitos ambientais de tipo territorial são comuns no estabelecimento de
empreendimentos industriais no Brasil, podendo ter diversos motivadores mas aqui
se observa principalmente o uso da terra como principal ponto do conflito (LITTLE,
2001). Esses processos podem gerar violência, inclusive com apoio do poder
público, como foi o caso do conflito em Mucatu.
5.2.3.6 Comunicação com as empresas Nenhum dos entrevistados disse ter feito contato com as empresas, a não ser
por meio das audiências. Essa é uma questão essencial no relacionamento entre os
atores, no depoimento do Entrevistado 02 pode-se obter uma primeira impressão
sobre o assunto:
“[…] A comunidade, a gente não consegue chegar na pessoa da empresa. As pessoas que estão lá são trabalhadores, e eles não tem voz de comando, nada. A gente vai e, diz que não pode e tudo o mais, e nós… É tão difícil conversar e até de dizer sobre isso, porque tem hora que ele diz: ‘Não, eu sou apenas empregado’. Então os impasses são ali mesmo, com as pessoas que estão lá. Enfim, nem vale a pena a gente conversar sobre isso, porque apontamos pra eles, eles apontam pra gente e fica uma conversa solta. E as pessoas que tem poder e voz de comando na empresa a gente não alcança, a gente não consegue falar com elas [...] Parece um fantasma que a gente não vê. […] A Cimpor mesmo, nunca abriu o diálogo, pra conversa, nada.” (Entrevistado 02)
A queixa do entrevistado 02 é sintomática de uma estratégia de atendimento adotada
pelo setor empresarial que dificulta o contato com o público ao invisibilizar a sociedade
coorporativa responsável pelo negócio. Os meios de contatar a empresa para queixas e
denúncias são dissolvidos em atendimentos telefônicos terceirizados e mesmo gravações,
tornando impossível o diálogo face a face entre os interessados, já que nem mesmo é
possível saber quem é o responsável. Os moradores de João Gomes expressam o
seguinte:
“Não tenho contato não. Reclamação aqui, quando foi feita foi coletiva, quando se tinha um grupo que reivindicava [quando havia] alguma coisa errada. Mas esse grupo cada vez mais está se resumindo” (Entrevistado 07)
“Tem um aqui que faz parte da comunidade que sim. Assim, não é muito do nosso agrado sabe? Que ele se envolveu demais. A gente não gosta nem de estar procurando contato não. […] Mas essa pessoa da comunidade, as vezes alguma
115
coisa ele vai lá, mas a gente não gosta não. [...]Porque já tiveram algumas coisas que a gente fez contato e não resolve nada, é só conversa fiada e pronto. E quando a gente se une mesmo pra fazer alguma coisa num instante a gente resolve. A gente gosta mais assim, de que ele vá lá, tá entendendo? Ele vai lá na empresa procurar alguém... Eu não gosto não sabe? Dessa forma não.” (Entrevistados 08)
Apesar da expectativa positiva quanto à instalação da cimenteira, os moradores de
Mucatu também reclamam da falta de comunicação:
“A gente ficou só esperando o pior. A comunidade não sabia de nada. Só via o pessoal construindo e perguntava ‘o que é que está construíndo ali? É a fábrica de cimento’. E quando falaram que era fábrica de cimento a gente ficou com medo. Na beira do rio. […] Eu queria saber como se instala uma fábrica assim, sem tudo isso que a gente conversou. Sem chegar na comunidade, conversar, pra gente ficar sabendo. Porque eu acho que com a conversa, com a comunicação, as coisas ficam até mais fáceis. Senão a gente fica até assustada.” (Entrevistado 09)
E ironizam quando perguntados se alguém já entrou em contato com a empresa:
“A ex prefeita. Só ela mesmo. [risos] Da comunidade não.” (Entrevistada 11)
Discutindo conjuntamente todos esses elementos da agência dos
interessados, que em grande parte representam um campo de participação nas
decisões públicas, podemos destacar a comunicação como aspecto chave. Como foi
discutido no segundo capítulo, a comunicação entre empresas, gestores e a
população é essencial no estabelecimento de uma relação de confiança e ajuda
mútua, além de contribuir na democratização das decisões. Soma-se a isso a
oportunidade de, por meio da comunicação institucional, aproximar a percepção
social do conhecimento técnico quanto aos riscos (EUROPEAN COMMISSION,
2014; RENN; ROHRMANN, 2000).
Há muitas vantagens nessa via, desde a melhora na identificação de
possíveis riscos ou impactos, o esclarecimento de dúvidas que a população possa
ter e que fazem sua percepção divergir dos impactos e riscos reais, e a melhora na
relação de confiança entre sociedade e empresa, ou entre sociedade e gestores
(EUROPEAN COMMISSION, 2014; SIEGRIST; CVETKOVICH; ROTH, 2000).
Contudo, mesmo que esse fator seja citado no RIMA das empresas, as entrevistas
indicam que a comunicação não está sendo eficiente e em muitos momentos é
inexistente.
A Cement Sustainability Iniciative – CSI, têm entre seus principais pontos no
trabalho pela sustentabilidade no cimento a relação com os Stakeholders, sejam eles
ONGs, comunidades e moradores vizinhos, gestores e governantes públicos,
associações comerciais, funcionários e mídia. Os objetivos desse engajamento
116
estão citados no Guidelines for Environmental & Social Impact Assessment (ESIA,
2005).
A Cimpor-Intercement, A LafargeHolcim e a Votorantim, algumas das
empresas presentes no Polo Cimenteiro, são membros do CSI, portanto se
comprometem a publicar relatórios sobre todo o acordado no CSI Key Performance
Indicators (KPIs) anualmente. O fato de a empresa ser membro do CSI e não manter
um canal de comunicação com a comunidade, portanto, é uma contradição explícita
(EUROPEAN COMMISSION, 2014). Assim sendo a adesão das empresas à
iniciativa torna-se puramente uma peça de marketing.
A relação da comunicação de riscos com a criação de uma relação de
confiança entre os atores e o comunicador, tem um efeito direto na sensação de
incerteza que o público tem ao lidar com decisões sobre as quais não tem domínio
teórico ou experiência (FREWER, 2004; SIEGRIST; CVETKOVICH; ROTH, 2000). O
esclarecimento das dúvidas e temores da população melhora as chances de
aproximar a percepção pública das probabilidades reais de riscos em tais
empreendimentos, desse modo decisões mais lúcidas podem ser tomadas.
A questão da comunicação, apesar de fundamental, está sendo negligenciada
pelas empresas e até mesmo pelos gestores públicos em relação à população,
conforme os depoimentos. Nesse sentido, as audiências públicas mostram-se
essenciais, tornando-se oportunidades únicas de debate e negociação entre
população, governo e empresas quando há organização social. Trata-se também de
um dos poucos mecanismos de participação popular nas decisões do poder público,
não obstante os muitos problemas que se apresentam nas audiências, como o
tecnicismo da linguagem ou a defesa de interesses individuais e de grupos
específicos (VALLA, 1998). Geralmente marcadas pela assimetria de conhecimento
entre a comunidade e a empresa, o que fortalece a desigualdade no exercício de
poder e autoridade política entre os atores, esses eventos podem também
transformar-se de ferramenta democrática em formalidade, apenas legitimando o
Licenciamento Ambiental ao cumprir a exigência de consulta popular. Uma forma de
tornar essas reuniões mais justas portanto, é o apoio de pesquisadores e
professores das universidades, assim como de ONGs, fornecendo informações
confiáveis e tornando possível o questionamento dos dados apresentados pelas
empresas.
São ocasiões em que a comunidade científica e os ativistas ambientais
117
cumprem um papel social importante, indo além da pesquisa e do desenvolvimento
científico. A participação de especialistas nas reuniões, enriquecendo a discussão
com informações e análises críticas, contribui assim na defesa dos direitos dos
cidadãos e ambiente frente às necessidades do mercado. Além disso, as audiências
tornam-se oportunidades de compartilhamento desse conhecimento entre a
comunidade científica e a população, democratizando-o. Assumindo que a
população leiga encontra diversos entraves na obtenção de informação, e não tem
conhecimentos técnicos para fazer uma análise técnica mais profunda, essas trocas
com os especialistas são essenciais (RENN; ROHRMANN, 2000; SLOVIC;
FICHOUFF; LICHENSTEIN, 1984) .
Ressalta-se ainda a necessidade de tornar essas interações entre atores,
além de mais igualitárias, mais inclusivas. Ou seja, buscando localizar os grupos
vulneráveis e incluí-los nos debates e decisões, já que são aqueles mais afetados
pelos riscos (SILVA; BRITO; LIMA, 2017).
Retomando alguns dos resultados obtidos, podemos dizer que em relação ao
ambiente existe uma forte preocupação com os riscos tecnológicos relacionados aos
empreendimentos. Essa preocupação, comum a todos os atores, se acentua entre
os que dependem de recursos naturais das áreas afetadas e os especialistas, que
conhecem situações semelhantes em outros contextos e temem os mesmos danos.
Em relação aos impactos verificados, a observação empírica tem papel essencial, já
que nem sempre os dados científicos estão disponíveis, divulgados ou nem mesmo
existem.
No que se refere ao reflexo social dessas instalações, os impactos são
percebidos geralmente como danosos, porém em muitos aspectos ainda são
invizibilizados. Poucos entrevistados tem uma noção clara, por exemplo, da relação
entre vulnerabilidade de grupos específicos e a exposição aos impactos. Quando
pensam em riscos sociais (num cenário futuro), no entanto, os atores tendem a não
considerá-los tão preocupantes - a não ser no que diz respeito à saúde. Como risco
positivo, geralmente exaltam o aumento da empregabilidade. Os especialistas não
são tão otimistas nesse sentido, já que se pautam em dados científicos para fazer
uma “previsão” dos impactos, dados estes nem sempre ao alcance do público leigo.
118
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os assuntos abordados nessa dissertação, são fundamentais para que
possamos entender o momento histórico que vivemos e, quem sabe, tornar mais
justas e transparentes as decisões tomadas pelo poder público e pelo setor privado,
já que de interesse comum.
Num contexto de mudanças drásticas e cada vez mais rápidas na ocupação
territorial, na relação do homem com o ambiente, e de quebra da confiança nas
instituições, é fundamental que decisões desse porte sejam seriamente discutidas,
de maneira holística e democrática, diante de um bom aporte de conhecimento, para
que seja possível a avaliação honesta das vantagens e desvantagens de tais
medidas (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). O diálogo entre as partes, além
de necessário, é o modo mais coerente e inteligente de agir nesse contexto no qual
risco e escassez se sobrepõem (BECK, 2011). Desse modo, consideramos
necessária e enriquecedora a análise da percepção social, não somente no que diz
respeito à educação ambiental, à qual geralmente estão vinculados esses estudos,
mas também como instrumento de gestão pública.
A partir da discussão integrada dos resultados dessa pesquisa, é possível
perceber que os temas tratados não se restringem ao caso do Polo Cimenteiro, nem
às fábricas escolhidas como foco da pesquisa. Antes, representam ações e
percepções compartilhadas em contextos semelhantes e também retratos de
mudanças conjunturais do país, e dos conflitos referidos por Ulrich Beck (2011).
Os resultados dessa pesquisa estão em conformidade com os temas abordados
pela Justiça Ambiental em resposta à noção inicial de Beck (2011) de que os riscos
são democráticos. Os pesquisadores que integram esse movimento afirmam com
base em muitos casos estudados, que a vulnerabilidade social, junto à escassez de
recursos naturais, potencializam os riscos de degradação ambiental em certas
áreas, atingindo determinados grupos com mais severidade (ACSELRAD; MELLO;
BEZERRA, 2009).
A percepção social quanto aos riscos, concluiu-se, refere-se principalmente ao
que ameaça o modo de vida dos atores e sua relação com o entorno enquanto fonte
de recursos naturais, de sobrevivência e lugar de formação da identidade cultural
das populações. O pensamento ambientalista é significativo na formação de opiniões
119
sobre o contexto, mas não central. Embora parte dos atores se identifiquem com
esse viés de pensamento e até mesmo façam parte de movimentos ambientalistas,
são os impactos sociais que têm mais peso na avaliação dos impactos e riscos em
geral. Assim sendo, a noção de justiça ambiental torna-se bastante útil na busca de
integrar os ideais ambientalistas e a necessidade de equidade social e
desenvolvimento econômico. A partir dela entendemos que na realidade esses
temas são inseparáveis (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009).
Alguns dos aspectos mais importantes discutidos ao longo da pesquisa são os
referentes à agência e interação dos atores. São problemas de comunicação entre
entidades e/ou grupos sociais, negligência na prestação de informações, conflitos de
interesse que se refletem nas decisões públicas, decisões estas que impõem
barreiras à participação de diversos seguimentos da sociedade. Quanto a isso, é
interessante considerar que os desafios apresentados apontam na direção da falta
de cidadania e democracia, relacionados acima de tudo à ocupação do território.
Sendo provável a instalação de todas as fábricas, é necessário que se atente às
muitas falhas que existiram nesse processo até o momento. Melhorar a
comunicação das empresas com a população, fornecer informações, demonstrar
abertura para resolução de conflitos são pontos essenciais para estabelecer uma
relação de troca e confiança entre os atores e até o momento isso não foi feito.
Desse modo a tomada de decisões privilegia os interesses individuais e
empresariais aos coletivos. Como é defendido pela Justiça Ambiental, somente a
participação popular efetiva e a transparência na divulgação de informações poderia
tornar mais justo o processo decisório, mas para isso é preciso também alcançar
uma condição de igualdade de oportunidades, que gere um ambiente realmente
democrático (JACOBI; SOUZA, 2011).
Também é importante que os órgãos gestores aprimorem sua comunicação com
a população e estejam mais abertos a prestar esclarecimentos, e também melhorem
sua ação regulatória que é alvo de diversas críticas, já que se essa ação não é
efetiva, ela acaba por favorecer as empresas em detrimento do interesse público.
Além de uma questão de confiança nas instituições, trata-se de um direito do
cidadão previsto constitucionalmente e recorrentemente sacrificado em nome de
empreendimentos industriais que lucram com a exploração do patrimônio da união,
sob a égide dos incentivos fiscais, sem dar o retorno social esperado.
Não podemos esquecer que as fábricas geralmente pertencem a grupos
120
multinacionais, com isso o benefício financeiro gerado é predominantemente
exportado, muitas vezes junto com o produto explorado e os recursos naturais. A
degradação permanece. Soma-se ao duplo risco referido por Rinkevicius (2000), a
omissão e chancela do poder público, aprofundando ainda mais esse cenário de
injustiça quando deveria mediar o processo. Diante da displicência e até conivência
dos reponsáveis diretos (Empresas e Estado), resta à sociedade civil a função de
monitoramento e denúncia dos riscos, e mesmo a imposição de limites aos riscos, o
que muitas vezes gera conflitos violentos. A vulnerabilidade social de alguns
seguimentos da sociedade, todavia, torna essa atuação um desafio perverso e
improvável. Sem equidade socioeconômica e política entre os atores, a
democratização do processo é ilusória.
Havendo abertura para diálogo e decisão participativas, há melhores chances de
se prevenir conflitos entre os atores, além de aprimorar a prevenção e mitigação de
impactos. Para tanto é necessário também que se cumpra na medida do possível
aquilo que é acordado em reuniões e audiências públicas. Uma das críticas ao
Licenciamento Ambiental é justamente a negociação de compensações e mitigações
de maneira a não inviabilizar economicamente a instalação. Para Zhouri (2008),
essa é uma forma de usar os recursos ambientais a partir de uma fórmula
mercadológica, o que subverte o objetivo da ferramenta.
No caso do Polo Cimenteiro, um projeto econômico amplo que agrega diversos
municípios e empresas diferentes, seria importante também a avaliação dos
impactos ambientais de forma conjunta, considerando todo o Litoral Sul. Desse
modo seria mais fácil aos órgãos gestores uma visão ampla, complexa e integrada
dos impactos dessas fábricas, o que facilitaria decisões mais lúcidas e um melhor
direcionamento de recursos, compensações e mitigações.
Para proporcionar impactos sociais positivos a partir dessas instalações, é
necessário o investimento em cursos de formação técnica voltados à população do
litoral sul, pois de outra maneira o maior benefício da instalação das empresas, a
geração de empregos, torna-se mais um problema: a imigração de trabalhadores
qualificados. Nesse sentido, uma sugestão é que a oferta educação técnica
profissional voltada para a população local seja uma condicionante da obtenção de
licença. Além do mais, é preciso melhorar a infraestrutura estatal no que diz respeito
a serviços públicos que, por exemplo, visem garantir a segurança pública e a
atenção à saúde da população. Essa demanda exige gastos públicos consideráveis
121
que devem ser contabilizados ao planejar a instalação de indústrias, as
contrapartidas exigidas das empresas e sobretudo o limite na oferta de benefícios
fiscais.
Pensando ainda na importância na participação de especialistas nas decisões
públicas, contanto que num diálogo construtivo com a percepção social, formulamos
as seguintes questões: Num cenário fictício, mas não muito distante da nossa
realidade atual, no qual as universidades e o setor de pesquisa e desenvolvimento
científico fossem de iniciativa privada, haveria necessidade de um retorno social
dessas pesquisas? Os temas pesquisados teriam relevância social ou apenas
atenderiam às demandas do mercado? Haveria um senso de cidadania entre os
pesquisadores que os motivasse a participar ativamente em processos decisórios
desse tipo, ainda mais quando isso requer um posicionamento questionador das
medidas da iniciativa privada? Pensando nessas questões, destaca-se também
como resultado dessa pesquisa a importância do ensino público de qualidade e do
incentivo à pesquisa acadêmica como forma de, não apenas tornar as tomadas de
decisões mais democráticas, mas também de aperfeiçoar a avaliação dos riscos e
impactos ambientais de maneira independente dos interesses privados.
Finalmente, essa pesquisa teve algumas limitações: o número de entrevistas foi
menor que o previsto, e não foi possível entrevistar representantes das empresas
envolvidas, apesar de tentativas, a tempo de seguir com o estudo. Uma pesquisa
mais ampla, com mais tempo para execução poderia suprir melhor as lacunas de um
estudo que se direciona ao Polo Cimenteiro como um todo.
Sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas dentro dessa temática, que
deem conta da configuração sistêmica, complexa e multidisciplinar de um processo
de Licenciamento Ambiental, assim como de suas lacunas. Dessa forma o diálogo
em torno da participação popular nas decisões que trazem riscos socioambientais e
dos próprios procedimentos adotados pelo SISNAMA serão enriquecidos e
problematizados de maneira mais próxima ao pensamento do público.
122
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CIMPOR CIMENTOS DO BRASIL LTDA. em Conde-PB, 2011. Disponível em:
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APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas
Dados socioeconômicos Nome:______________________________________________Idade:_________ Profissão/ Ocupação:_________________________________________________ Local de Residência:_________________________________________________ Escolaridade:______________________________________________________ Roteiro semi-estruturado:
Estabelecendo um vínculo com as memórias do passado
1 - Há quanto tempo você mora aqui/trabalha aqui/frequenta ou conhece essa área ou comunidade?
2 - Você sabe da instalação/operação de uma fábrica de cimento em conjunto com área de lavra nessa região? Você sabe da instalação de um polo cimenteiro no litoral sul?
3 - O que mudou em sua vida e da comunidade desde a chegada da fábrica?
Percepção de impactos ou mudanças (relação passado x presente)
4 - Você percebeu ou ouviu falar de mudanças na natureza, no meio ambiente, desde que a fábrica começou a ser instalada?
5 - Algum desses impactos, dessas mudanças que falamos interfere diretamente na sua vida? Quais? Como?
6 - A seguir, elenco alguns tipos de impactos para perguntar durante a conversa caso não sejam citados, com o objetivo de detalhar as respostas anteriores:
Qualidade do ar; Qualidade da água dos rios e poços, ou mudanças no leito/curso do rio; Qualidade do solo, produção agrícola; Poluição sonora (barulho constante, explosões)
No caso do respondente só lembrar impactos negativos, fazer as perguntas a seguir:
7 - Você acha que a fábrica trouxe benefícios? Quais? E quanto a empregos?
8 - Você conhece alguém que trabalhe, tenha trabalhado ou pretenda trabalhar na cimenteira? O que ela/ela acha do emprego?
9 - Você acha que a fábrica gera impostos ao município? [sim ou não]
Se sim, você acredita que esses impostos foram ou serão convertidos em benefícios ao município? Sabe algum exemplo?
10 – Antes da instalação da fábrica, havia problemas de segurança no município ou na região? Pode exemplificar?
11 – Você acha que a presença da fábrica mudou a segurança e número de acidentes de trânsito?
12 – Você acha que a instalação ou o funcionamento da fábrica/mina afeta a saúde da população? Se sim, de que maneira?
13 - Teria algum exemplo conhecido?
14 - Quanto aos serviços públicos, como as unidades de saúde ou de policiamento, abastecimento de água, luz e telefonia, você avalia que houve mudanças relacionadas à presença das cimenteiras?
Caso o entrevistado se refira a impasses entre a empresa e a comunidade, explorar
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o assunto:
15 – Isso é um conflito entre a comunidade e a empresa?
Conhecimento do entrevistado sobre os riscos associados ao empreendimento (em relação ao futuro, próximo ou distante).
Até agora a conversa foi sobre os impactos positivos e negativos já observados da instalação das fábricas ou funcionamento das minas. Nas perguntas seguintes, vamos pensar nos riscos futuros.
Explicar de maneira simples o conceito de risco ambiental.
16 – Você acha que a produção de cimento apresenta riscos? De que tipo?
As questões abaixo tem como objetivo aprofundar a anterior, caso o entrevistado não lembre de alguns tipos de riscos, então não necessariamente elas serão feitas, mas no roteiro tem a função de me lembrar o que pode ser perguntado conforme o andamento da conversa.
17- Você acha grave o risco de acidentes relacionados à fábrica? E à saúde das pessoas?
E quanto ao risco de poluição, mudanças no ambiente, na paisagem?
E de problemas sociais como o aumento da violência?
Para a economia da cidade, o que você acha que pode acontecer no futuro com a instalação da fábrica? (crise econômica após fechamento da mina/ crescimento econômico do município)
18- Alguns desses riscos te preocupam em especial?
19 – Se o/os risco/riscos em questão se tornar/tornarem realidade [se isso acontecer no futuro], como afetará sua vida e de sua família? (no caso do entrevistado não residir nas proximidades dos empreendimentos, perguntar como afetará a vida das comunidades do entorno)
20 – E quais desses riscos podem afetar as gerações futuras? [pensando nas gerações futuras, nos seus filhos e netos e o mundo onde eles viverão]
21- Você acredita que é possível controlar ou evitar esses riscos? Como?
Sobre acesso a informação e confiança nas instituições envolvidas
22- Você participou ou conhece alguém que tenha participado das audiências públicas sobre a instalação da fábrica? Pode me contar sobre ela? [a intenção é saber se o entrevistado se sentiu acolhido, ouvido, informado satisfatoriamente]
23 – Você ou algum conhecido já fez algum contato com a empresa? Pode contar como foi?
24 – Você sabe de quem é a responsabilidade sobre o controle dos riscos ambientais da mineração?
25 – Você avalia que essas responsabilidades têm sido cumpridas? Por favor exemplifique (com exemplos locais ou distantes).
26 – Como você se informa sobre os temas que falamos? [resposta aberta, posso dar exemplos para facilitar a resposta: pela televisão, rádio, jornais, internet, pessoas conhecidas, trabalho...]
27- Existe alguma dúvida sobre esse tema ou sobre a fábrica que você gostaria que fosse esclarecida? Ou então, você tem alguma sugestão sobre o que precisa ser estudado ou incluído nessa pesquisa?
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Questões direcionadas: Aos gestores – dos orgãos reguladores:
1 – O que pode me dizer sobre a mineração na Paraíba? Há alguma especificidade no licenciamento ou nos processos de regulamentação dessa atividade?
2 – E especificamente sobre a indústria do cimento?
3 – Minha pesquisa, como expliquei, é sobre o Polo Cimenteiro do Litoral Sul, dentro do seu conhecimento, existem impactos significativos, positivos ou negativos, dessas empresas que não foram previstos antes da implantação? E os que foram previstos, quais são?
4 – No seu dia a dia de gestor, quanto à mineração e principalmente às cimenteiras, quais os principais problemas ou limites? O que você acha que deveria funcionar melhor?
5 – Você acha que a percepção tanto da população quanto dos especialistas é importante para a implementação desses empreendimentos?
Gestores – governantes:
1 - Quais os prós e contras da instalação das cimenteiras no seu município/Litoral Sul?
2 – Você recebe demandas da população ou de especialistas relacionadas às cimenteiras? E da comunidade?
3 – A percepção positiva ou negativa da população a respeito das fábricas e minas afeta seu posicionamento e atuação enquanto governante quanto às empresas?
Empresa:
1 – Há impactos ambientais ou sociais, ou ainda riscos que passaram a preocupar a empresa e não foram previstos antes da implantação? Como a empresa tem lidado com isso? E os previsto quais foram?
2 – Quais as medidas compensatórias ou como a empresa atua para contribuir com a comunidade de entorno, o município e a região?
3 – Como é o relacionamento da empresa com a população? De que maneira as pessoas podem entrar em contato com a empresa? Como são resolvidas as divergências que podem surgir entre a empresa e a comunidade?
4 – Como a percepção da população é acolhida e considerada nas decisões da empresa que afetam diretamente a região ou ambiente?
[Para a Cimpor/Intercement] O Estudo de Percepção Ambiental realizado durante o licenciamento ambiental da fábrica foi utilizado de alguma maneira?
Especialistas:
1 – Você conhece impactos ambientais ou riscos diretamente relacionados à atuação das cimenteiras na região?
2 – Como percebe a presença dessas indústrias no Litoral Sul?
3 – Pode me contar sobre conflitos ambientais que tenha conhecimento relacionados às empresas em questão?
4 – Quais fatores você acredita influenciarem a percepção das pessoas sobre as cimenteiras?