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UFPB UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE PERCEPÇÕES QUANTO AOS RISCOS E IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DO POLO CIMENTEIRO NO LITORAL SUL PARAIBANO MONIQUE ALESSANDRA SEIDEL João Pessoa-PB 2018

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UFPB

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA REGIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE

PERCEPÇÕES QUANTO AOS RISCOS E IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DO POLO CIMENTEIRO NO

LITORAL SUL PARAIBANO

MONIQUE ALESSANDRA SEIDEL

João Pessoa-PB 2018

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MONIQUE ALESSANDRA SEIDEL

PERCEPÇÕES QUANTO AOS RISCOS E IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DO POLO CIMENTEIRO NO LITORAL SUL

PARAIBANO

Dissertação apresentada ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, Universidade Federal da Paraíba, em cumprimento às exigências para obtenção de grau de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Ferreira da Costa Lima

João Pessoa – PB 2018

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Gustavo Ferreira da Costa Lima que, sempre atencioso e acessível,

orientou essa pesquisa. Agradeço sua orientação crítica e enriquecedora, paciência

e humanidade no tratamento de seus alunos.

Aos Profs. Dra. Alícia Gonçalves, Dr. Anieres da Silva e Dr. Joel Santos, pelas

valiosas contribuições e participação atenta nos Exames de Qualificação e Defesa.

Aos gentis entrevistados durante esse período, sem exceção receptivos e solícitos

ao responderem um longo roteiro de perguntas.

Ao pessoal da EVOT e do Coletivo SOS Rio Gramame, que abriu as portas para

minha participação nas reuniões e eventos organizados na escola, oportunizando

contatos e uma preciosa troca de informações.

Ao amigo Felipe do Carmo, pela parceria do início ao fim e apoio incondicional nos

momentos mais difíceis. Por ter me encorajado sempre.

Ao CNPq por viabilizar a realização dessa pesquisa pela concessão da bolsa de

mestrado.

Ao PRODEMA, seus coordenadores e funcionários que ao longo desses anos

fizeram parte da minha caminhada, especialmente à querida Leda, pelos abraços

diários.

Aos amigos pelo apoio emocional indispensável para a conclusão desse projeto,

especialmente a Laura, Bianca, Debora, Karen, Janaína, Rosangela e o grupo da

biodança.

Aos meus pais e irmãos, pela paciência, compreensão e apoio em todos os

momentos.

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RESUMO

A instalação do Polo Cimenteiro no litoral sul do estado da Paraíba, região rica em calcário, dependente economicamente do turismo, da pesca, da monocultura de cana de açúcar e agricultura familiar, é um projeto significativo em termos de apoio público e também na geração de impactos ambientais, ainda assim, pouco divulgado ou estudado. A instalação das fábricas é percebida de diversas maneiras pela população: positivamente, quando vinculada à expectativa de geração de empregos e ao desenvolvimento econômico dos municípios, com desconfiança pelos que temem a degradação ambiental, os impactos sobre a paisagem e o uso da terra. Isso, é claro, também tem relação com os diversos fatores que influenciam a percepção de diferentes atores sociais. Para avaliar esses pontos de vista e reunir mais dados sobre a indústria cimenteira no litoral sul, foi realizada uma pesquisa qualitativa na qual se buscou alcançar percepções sobre os riscos e impactos da chegada dessas fábricas, a interação entre atores sociais, como empresas, gestores, comunidade e governo, e suas ações nesse processo. Para tanto foi necessário o apoio de um referencial teórico interdisciplinar, que abarcasse a percepção de risco e os impactos da produção de cimento. Os resultados demonstram que o que mais preocupa os atores é o risco de poluição da água ou de competição pelos recursos hídricos, além do risco de danos à saúde da população causada pela poluição. Eles demonstram também a insatisfação generalizada quanto à comunicação com as empresas, diretamente relacionada à falta de confiança nas instituições e aos conflitos ambientais e territoriais passados. Tudo isso em meio à insegurança econômica e social causada pelo contexto político atual.

Palavras-chave: Percepção de risco; impacto ambiental; indústria do cimento.

SUBJECT

The installation of a Cement Industry Pole on the state of Paraíba’s southern coast, a region rich in limestone, economically dependent on tourism, fishing, sugarcane monoculture and family farming, is a significant project in terms of public support and also in generation of environmental impacts, yet little publicized or studied. The factories installation is perceived in several ways by the population: Positively, when linked to the expectation of job creation and economic development of municipalities; with distrust by those who fear environmental degradation, impacts on the landscape and land use. This, of course, is also related to the various factors that influence the perception of different social actors. In order to evaluate these points of view and to gather more data on the south coast’s cement industry, a qualitative research was carried out in which it was sought to reach insights on the risks and impacts of the arrival of these factories, on the interaction between important social actors in this context, as company, managers, government and community and their actions in this process. For this, it was necessary to support an interdisciplinary theoretical framework, which included the perception of risks and impacts of cement production. The results show that the actors major concern is the water pollution risk or the competition among the hydric resources, in addition to the risk of damage to human health caused by air pollution. They also demonstrate widespread dissatisfaction to corporate communication, directly related to a lack of trust in institutions and to past environmental and territorial conflicts. All this amid the economic and social insecurity caused by the current political context. Key Words: Risk Perception; environmental impact; cement industry.

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LISTA DE SIGLAS

ABCP Associação Brasileira de Cimento Portland AESA Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba ANA Agência Nacional de Águas APA Área de Proteção Ambiental APAN Associação Paraibana dos Amigos da Natureza CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica CFEM Compensação Financeira pela Extração de Recursos Minerais CINEP Companhia de Desenvolvimento da Paraíba CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente CSI Cement Sustainability Initiative CTP Comissão Pastoral da Terra DNPM Departamento Nacional de Produção Mineral FAIN Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Industrial da Paraíba IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

Renováveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDH Índice de Desenvolvimento Humano IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IEA International Energy Agency KPI Key Performance Indicator PAC Programa de Aceleração do Crescimento PEC Proposta de Emenda Constitucional PIB Produto Interno Bruto PSF Programa Saúde da Família RIMA Relatório de Impacto Ambiental SCU Science Communication Unit - University of the West of England SEMAN Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Paraíba SNIC Sindicato Nacional da Indústria do Cimento SUDEMA Superintendência de Administração do Meio Ambiente WBCSD World Business Concil For Sustainable Development

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 9

2. PERCEPÇÃO DE RISCO: REVISÃO TEÓRICA E MARCOS CONCEITUAIS ..... 16

2.1 DEFININDO CONCEITOS: IMPACTO E RISCO ............................................................ 16

2.2 REVISÃO TEÓRICA: A PERCEPÇÃO DO RISCO ......................................................... 19

2.2.1 Abordagem Psicométrica ................................................................................................. 20

2.3 COMUNICAÇÃO DE RISCO E O PAPEL DA MÍDIA NA PERCEPÇÃO ....................... 30

2.3.1 Comunicação de riscos .................................................................................................... 30

2.3.2 Mídia e percepção ............................................................................................................ 32

2.4 ESTUDOS DE PERCEPÇÃO DE RISCO NO BRASIL E EM CONTEXTOS DE

MINERAÇÃO. ......................................................................................................................... 34

3. MINERAÇÃO INDUSTRIAL E IMPACTOS DA PRODUÇÃO DE CIMENTO

PORTLAND ............................................................................................................................ 36

3.1 MINERAÇÃO NO ESTADO DA PARAÍBA ..................................................................... 42

3.2 A INDÚSTRIA DO CIMENTO .......................................................................................... 43

3.2.1 A indústria do cimento no Brasil e no mundo ................................................................. 43

3.2.2 O processo de produção do cimento, seus riscos e impactos. ......................................... 45

4. ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................................... 51

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ............................................................... 51

4.1.1 O Litoral Sul paraibano ................................................................................................... 51

4.1.2 O Polo Cimenteiro ........................................................................................................... 54

4.2 METODOLOGIA ............................................................................................................... 58

4.2.1 DADOS DOS ENTREVISTADOS ............................................................................................ 60

5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................. 62

5.1 ALGUNS DADOS SOBRE A MINERAÇÃO INDUSTRIAL NA PARAÍBA ................. 62

5. 2 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA QUALITATIVA ................................... 66

5.2.1 Riscos e Impactos ao Meio ambiente .............................................................................. 66

5.2.1.1 Qualidade do Ar ............................................................................................................ 66

5.2.1.2 Qualidade da água ........................................................................................................ 69

5.2.1.3 Poluição Sonora ............................................................................................................ 71

5.2.1.4 Solo e Agricultura ......................................................................................................... 72

5.2.1.5 Fauna, Flora e Paisagem ............................................................................................... 74

5.2.2 Riscos e Impactos à Sociedade ........................................................................................ 79

5.2.2.1 Tradições Culturais ....................................................................................................... 79

5.2.2.2 Segurança ..................................................................................................................... 81

5.2.2.3 Saúde Pública ............................................................................................................... 84

5.2.2.4 Serviços públicos .......................................................................................................... 87

5.2.2.5 Impostos ....................................................................................................................... 90

5.2.2.6 Emprego, Renda e qualificação profissional ................................................................ 91

5.2.2.7 Economia ...................................................................................................................... 95

5.2.3 Agência e Interação entre os Atores .............................................................................. 102

5.2.3.1 Audiências Públicas .................................................................................................... 102

5.2.3.2 Fontes de Informação ................................................................................................. 105

5.2.3.3 Controle dos Riscos .................................................................................................... 107

5.2.3.4 Confiança nas instituições .......................................................................................... 110

5.2.3.5 Conflitos Ambientais .................................................................................................. 112

5.2.3.6 Comunicação com as empresas .................................................................................. 114

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 118

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 122

APÊNDICE ........................................................................................................................... 129

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1. INTRODUÇÃO

As últimas décadas foram de intensas mudanças no cenário econômico mundial, no

qual o Brasil desenvolveu um papel importante como país de economia emergente,

ao mesmo tempo em que a preocupação com a preservação ambiental e a

sustentabilidade tornou-se inadiável e amplamente discutida (TIMO, 2013). Ao

mesmo tempo em que as questões ambientais e dos direitos humanos tornaram-se

foco de discussões internacionais influenciando o desenvolvimento de instituições e

da legislação ambiental no Brasil, as medidas econômicas e políticas neoliberais se

fortaleceram junto à globalização, afirmando a dominação dos países do norte sobre

os do sul (SANTOS, 2009). Soma-se a esse panorama a recente crise política e

jurídica que o país atravessa desde o golpe legislativo de 2015, com sérias

consequências ambientais e sociais e uma sensação generalizada de insegurança

no que diz respeito aos conflitos gerados por essas mudanças.

Desde os debates promovidos pelo Clube de Roma, nos anos 1960, o debate

ambiental veio se fortalecendo e abarcando as mais diversas áreas do conhecimento

científico, assim como se inserindo no pensamento político e empresarial. Essa

discussão tematiza os limites do crescimento econômico, tecnológico ou industrial,

diante do potencial regenerativo do ambiente. Ela marca um novo período, em que a

ecologia e o ambientalismo não mais podem ser apartados das decisões

econômicas, políticas e sociais seja no âmbito regional ou globalmente. É uma

mudança de paradigma integrada a outros temas, como a questão das mudanças

climáticas, do risco tecnológico e da participação popular nas decisões públicas.

Nesse contexto, a concepção de Desenvolvimento Sustentável vem sendo

bastante criticada no meio acadêmico como inviável em um sentido amplo

(ALTVATER, 1995), pois não poderia, ao menos diante do modelo econômico

capitalista, atender todos os países ou a sociedade como um todo. Conforme afirma

Altvater (1995), o desenvolvimento, enquanto processo relacionado ao consumo de

recursos para criação de ordem em determinadas regiões do planeta acaba gerando

desordem e caos em outras, pelos impactos socioambientais, econômicos e até

políticos que engendra.

Apesar de um pouco banalizada (DIEGUES,1992), a adoção da noção de

sustentabilidade por segmentos sociais diversos fez com que parcelas da sociedade

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organizada passassem a cobrar seus representantes e o próprio sistema produtivo

quanto a adoção de práticas sustentáveis e de Responsabilidade Socioambiental em

seus processos, projetos e medidas (LIMA, 2011). Entretanto, muitos fatores podem

afetar a avaliação da população quanto aos impactos e riscos que envolvem a

instalação de empreendimentos industriais. A falta de informações sobre o processo,

a publicidade que acompanha o estabelecimento dos empreendimentos, a injustiça

ambiental no que se refere à distribuição dos riscos e à participação ampla nos

processos decisórios, e a vulnerabilidade social considerável em muitas regiões

atingidas, podem reforçar uma percepção menos contundente dos impactos

ambientais e sociais negativos enquanto destaca os positivos da implantação de

atividades diversas (GUIVANT, 1998).

Além do mais, um novo cenário econômico a partir do início do século XXI

acrescenta mais variáveis ao conjunto de decisões. O desenvolvimentismo,

pensamento político-econômico que esteve presente em diversas economias

latinoamericanas durante grande parte do século XX – no Brasil especialmente

durante a ditadura militar e antes, na Era Vargas, e que foi suprimido pelo

neoliberalismo, passa a ter uma nova expressão. Sampaio Jr. (2012), caracterizou o

desenvolvimentismo, ao qual chama de arma ideológica, como uma busca “de um

capitalismo domesticado, subordinado aos desígnios da sociedade nacional”

(SAMPAIO JR, 2012, p. 674). Mas percebe o eco de tal ideologia na reedição de um

neodesenvolvimentismo, como uma expressão teórica de um falacioso ciclo de

desenvolvimento que representaria a esperança de uma guinada econômica

brasileira. E, ao encontro do exame de outros autores, chama a atenção para a

mistura de elementos do antigo desenvolvimentismo com aspectos marcantes do

neoliberalismo, principalmente no que diz respeito à competitividade internacional e

a abertura do mercado ao capital estrangeiro.

Outros autores, classificam o neodesenvolvimentismo como um

“desenvolvimentismo às avessas”, por divergir deste quanto à soberania nacional, e

por criar mecanismos de direcionamento da vida social enquanto, por outro lado,

atua na desregulamentação do trabalho. Certamente, esse modelo se comunica com

o contexto internacional de globalização do capital (SAMPAIO JR, 2012; MÖLLER,

2013). Seria, porém, uma forma de transição de um modelo neoliberal para um

pensamento socioeconômico mais voltado à autonomia nacional, todavia com traços

contraditórios (MÖLLER, 2013), como Sampaio Jr. (2012) afirmou:

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“O diferencial do neodesenvolvimentismo se resume ao esforço de atenuar os efeitos mais deletérios da ordem global sobre o crescimento, o parque industrial nacional e a desigualdade social. Não se questiona a possibilidade de a igualdade social e a soberania nacional serem simplesmente antagônicas com a estabilidade da moeda, a austeridade fiscal, a disciplina monetária, a busca incessante da competitividade internacional, a liberalização da economia. Procura‐se o segredo da quadratura do círculo que permita conciliar crescimento e equidade.” (SAMPAIO JR., 2012, p. 680)

Essa política acarretou grandes modificações de infraestrutura aquecidas por

medidas estatais, tais como o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e o

Programa Minha Casa, Minha Vida, além das grandes obras como a Transposição

do rio São Francisco e a Usina de Belo Monte. Como resultado houve considerável

crescimento do setor da construção civil, que impulsionou a indústria do cimento e

derivados no Brasil, atraindo empresas internacionais e também estimulando as

nacionais a expandir seu mercado. A atividade teve períodos de estagnação, como

após a crise econômica dos anos 80 só voltando a um crescimento acelerado em

2003 (SANTOS, 2011). Não fosse a crise econômica de 2008 e o atual cenário

político brasileiro, esse mercado estaria em plena expansão.

Essa atividade é dominada por um oligopólio, que mantém suas divisões

acionárias das fabricantes de cimento. A Cimpor, por exemplo, hoje pertence à

Intercement, que no fim de uma longa divisão acionária é parte do grupo Camargo

Correia. Esses conglomerados empresariais hoje também expandiram sua atuação a

outros países, comprando fábricas e entrando no mercado internacional, não só no

setor da mineração e construção civil, mas também da energia entre outros

(SANTOS, 2011). Trata-se de um oligopólio bem estabelecido, que tem a segurança

de um mercado crescente, tanto interno como externo e sem substitutos viáveis para

seu principal produto.

No Estado da Paraíba, que vive um momento de expansão populacional,

urbana e industrial, a produção de cimento apresentou crescimento significativo e

tornou-se importante economicamente, o que se deve também ao apoio

governamental que foi decisivo. O discurso do crescimento econômico direciona as

medidas governamentais e os incentivos ao crescimento de polos industriais de

base, como é o caso da mineração e especialmente a indústria da construção civil,

atividades estratégicas nesse plano. O Polo Cimenteiro do litoral sul paraibano,

projeto que iniciou sua implantação em 2011, com a ampliação de fábricas e lavras

já existentes e a instalação de novas (ao final serão cinco fábricas em

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funcionamento). Apesar da previsão de finalizar o projeto em 2014, algumas das

obras atrasaram ou foram paralisadas e atualmente apenas três delas estão

operando. Esse complexo deve inserir a Paraíba no grupo dos principais produtores

de cimento no Brasil. A construção do polo é motivo de expectativa por parte da

população das cidades do Litoral Sul. Todavia os impactos socioambientais

negativos desse tipo de atividade, demonstrados por muitos casos pelo Brasil e pelo

mundo (VALENTE, FIGUEIREDO e COELHO, 2008; SANTI & SEVÁ FILHO, 2004),

parecem não preocupar significativamente aqueles que não tem proximidade física

com as fábricas ou que desconhecem a degradação ambiental resultante de seu

funcionamento.

Muitos dos impactos previstos pelos Estudos de Impacto Ambiental

apresentados no processo de Licenciamento Ambiental, como também as formas de

mitigação destes, desde o incremento tecnológico ao pagamento de compensações

pelos futuros danos ambientais já calculados. Os riscos associados a esse potencial

de impactos negativos geralmente são mitigados por programas de controle, por

meio do acompanhamento de emissões, da qualidade do ar, da água e do solo,

vulneráveis à contaminação.

Os impactos e a tomada de decisões sobre esse assunto específico – a

instalação do Polo Cimenteiro no litoral sul paraibano – incidem sobre diversos

grupos e atores sociais. Em qualquer processo de tomada de decisão onde

diferentes atores participam, os posicionamentos e percepções acerca dos riscos e

impactos (positivos e negativos), podem divergir de acordo com: o acesso à

informação, o conhecimento técnico ou empírico sobre o tema, o contexto social e

cultural no qual os atores se inserem, a proximidade geográfica da fonte de risco e

os interesses políticos e econômicos que podem influenciar os agentes (SLOVIC,

1987).

Além do mais, muitos teóricos do risco alertam para a impossibilidade real de

avaliar ou mensurar os riscos tecnológicos, que são de longo prazo e afetam as

gerações futuras. Desse modo, como controlá-los? O conhecimento técnico é

suficiente e imparcial para determinar limites ou mitigar os riscos? (GUIVANT, 1998).

Diante desse panorama complexo, o crescimento econômico é privilegiado

como promessa para outros desenvolvimentos - sobretudo social, enquanto que os

riscos e impactos socioambientais decorrentes desse processo e a forma como eles

são percebidos pela população, em vez de serem aspectos determinantes da

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tomada de decisões públicas, parecem estar em segundo plano.

Pretendeu-se então investigar, de maneira multidisciplinar, o contexto de

instalação das fábricas da Intercement- Cimpor em Conde - PB e Elizabeth Cimentos

na divisa entre Alhandra e Pitimbu – PB e suas respectivas áreas de lavra. A

pesquisa foi formulada sob as hipóteses abaixo:

H1 - Os atores sociais não apresentariam uniformidade em suas percepções

acerca dos riscos da indústria cimenteira, sendo notável a diferença entre as

percepções de especialistas e não especialistas, vinculadas ao seu nível de

informação formal sobre os impactos socioambientais da atividade.

H2 - As preocupações com os riscos ambientais são mais frequentes entre

aqueles que estão mais próximos das fábricas e habitam a zona rural, porém podem

ser relevadas pela dependência econômica criada em relação às empresas, dada a

fragilidade socioeconômica da região.

H3 - Os representantes do município, estado e empresas teriam sua

percepção vinculada à noção vigente de desenvolvimento econômico, atribuindo

mais importância à atividade e seu papel no processo que aos impactos negativos.

Pretende-se, com essa pesquisa, contribuir para o arcabouço dos estudos da

percepção de riscos associados a instalações industriais, que em muitos países já

estão incorporados à gestão ambiental, mas são escassos no Brasil e ainda mais no

Estado da Paraíba (NEVES, JEOLÁS, 2012). Além do mais, também são poucos os

estudos desse tipo que se estendem à relação entre empresas e sociedade.

As perspectivas de crescimento na produção de cimento portland1 podem

levar a Paraíba a ser um dos maiores produtores nacionais. É essencial, portanto,

que sejam reunidos mais dados sobre os impactos da atividade na saúde e

segurança ambiental da população, ampliando a discussão acerca dessa decisão

que também cabe à sociedade.

Nesse sentido, o estudo da percepção de riscos é defendido por muitos

autores (SLOVIC et al., 1982; BRADBURY, 1998) como importante meio de

aprimorar a gestão dos riscos tecnológicos, tanto pelo fornecimento de informações

adicionais proporcionadas pelo conhecimento empírico dos atores sociais, quanto

por dar indicativos do comportamento da população frente aos riscos. Desse modo,

há benefícios tanto na comunicação dos riscos e impactos entre instituições gestoras

1Cimento Portland é a demoninação técnica usada mundialmente para o cimento.

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e a população, criando-se um ambiente de mais confiança e diálogo entre esses

atores, quanto na democratização do processo, ao abrir espaço para diferentes

visões sobre o fenômeno. Isso significa pluralizar os pontos de vista, as

preocupações e os conhecimentos além do domínio dos especialistas (EUROPEAN

COMMISSION, 2014; SLOVIC, 1982).

Além disso, como defende Paul Little (2001), por vezes é difícil definir os

impactos socioambientais assim como identificar suas causas geradoras e, muitas

vezes, eles só se tornarão graves a longo prazo. Por outro lado, a sensibilidade

humana às alterações no ambiente torna o ser humano um bioindicador importante

dessas mudanças (LIMA e SILVA, 2002 apud DANIGNO & CARPI JUNIOR, 2007,

27).

OBJETIVO:

Analisar e comparar a percepção de diferentes atores sociais, como Estado,

gestores ambientais ou públicos, especialistas, empresas e comunidade, quanto aos

impactos socioambientais e riscos associados à implantação do Polo Cimenteiro no

litoral sul paraibano.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Identificar os impactos socioambientais presentes, previstos e possíveis de

tais indústrias, considerando os planos de gestão ambiental e controle dos

riscos e as informações obtidas através de levantamento bibliográfico.

Analisar se a percepção dos atores expressa em entrevistas, diz respeito a

riscos ou impactos ambientais, ou seja, a expectativas ou a observações in

situ.

Determinar alguns dos fatores chave que contribuem para as diferenças de

percepção entre os atores.

A dissertação está dividida em quatro partes. Os dois primeiros capítulos são

dedicados à fundamentação teórica, em seguida são esclarecidos os aspectos

metodológicos da pesquisa e por fim expostos e os resultados. O primeiro capítulo

apresenta uma revisão teórica do campo de estudos da percepção de risco, tema

que se mostrou pertinente à pesquisa como será demonstrado no desenvolvimento

dos resultados. As abordagens teóricas e metodológicas presentes nesse campo do

conhecimento, seu diálogo com outras áreas e a importância dessas teorias nas

ciências humanas e ambientais são abordadas. Algumas pesquisas são exploradas

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mais a fundo pois formam o referencial teórico dessa pesquisa.

No capítulo dois será apresentado um panorama da mineração no Brasil na

atualidade, os conflitos envolvendo o crescimento desse setor econômico, além de

abordadas as características da mineração industrial na Paraíba. Além disso,

apresenta-se um levantamento bibliográfico sobre a produção de cimento no Brasil e

os estudos voltados aos impactos ambientais de tal atividade.

Após a fundamentação teórica, definiu-se a metodologia de pesquisa. Nessa

seção foi feita uma caracterização da área de estudo, a delimitação do objeto,

apresentou-se a metodologia, os instrumentos de pesquisa e a forma de tratamento

e análise dos dados.

Em seguida o quarto capítulo apresenta e discute os resultados, divididos

entre Impactos e Riscos e Agência e interação dos atores. As categorias temáticas

identificadas serão apresentadas uma a uma e pontualmente discutidas, tendo como

contraponto as representações dos atores sociais e os dados retirados dos

Relatórios de Impacto Ambiental – RIMA, apresentados pelas empresas no processo

de Licenciamento Ambiental. Os resultados serão discutidos com o apoio do

arcabouço teórico metodológico apresentado nos primeiros capítulos e os dados

secundários levantados.

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2. PERCEPÇÃO DE RISCO: REVISÃO TEÓRICA E MARCOS CONCEITUAIS

2.1 DEFININDO CONCEITOS: IMPACTO E RISCO

O conceito de impacto ambiental tem diversas definições, em geral

convergentes. Em primeiro lugar é importante diferenciá-lo de degradação. Para

Sánchez (2013, 27), pode ser considerada como degradação ambiental “qualquer

alteração adversa dos processos, funções ou componentes ambientais, ou [...] uma

alteração adversa da qualidade ambiental”, o que segundo o autor é o mesmo que

impacto ambiental negativo, sendo sempre seu agente o ser humano e tendo

conotação negativa.

A legislação brasileira assim define degradação ambiental: “degradação da

qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente”

(BRASIL, 1981). É pertinente atentar para a definição da qualidade ambiental, que

segundo Sachs (1974) deve ser feita a partir de indicadores objetivos somados às

percepções dos atores sociais, uma noção, portanto, subjetiva.

Já o termo impacto ambiental é mais abrangente e vastamente utilizado pelo

meio científico como também pela mídia, agências governamentais e meio

empresarial. Sua definição varia de autor para autor e segundo a legislação de cada

país, mas a formulação do conceito em geral coincide em determinados elementos.

Sánchez (2013) destaca a definição de Wathern (1988), de impacto ambiental como

“a mudança em um parâmetro ambiental, num determinado período e numa

determinada área, que resulta de uma dada atividade, comparada com a situação

que ocorreria se essa atividade não tivesse sido iniciada.” (Sánchez, 2013).

Segundo o autor, a definição de Wathern é mais satisfatória por referir-se a

processos ambientais, entretanto, no que se refere à evolução da qualidade

ambiental, existem casos em que o conceito não pode ser aplicado numa avaliação

de impacto ambiental por diversas variáveis. Mais viável seria, afirma o autor,

comparar o indicador ambiental no presente com o mesmo indicador num cenário

futuro que considere a instalação do projeto, ou seja, fazer uma projeção da

mudança em vez de comparar a qualidade ambiental presente com um cenário ideal

inexistente.

A definição de impacto ambiental pela norma ISO 14.001 (2004) é

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correntemente adotada pelas empresas, segundo Sánchez (2013), ela vai ao

encontro dos conceitos adotados por diversos países em suas legislações: “qualquer

modificação do meio ambiente, adversa ou benéfica, que resulte, no todo ou em

parte, das atividades, produtos ou serviços de uma organização”.

Entretanto o pesquisador questiona a designação estabelecida pela legislação

brasileira, que é:

“Art. 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais.” (CONAMA, Art. 1º, Resolução nº 001/86)

Nota-se que essa conceituação reduz o impacto ambiental à definição de poluição,

assim excluindo outras formas de impacto, inclusive as positivas. Na visão de

Sánchez (2013), as ações humanas que causam o impacto ambiental podem ser de

supressão, inserção ou sobrecarga de elementos do/ao ambiente, podendo ser de

natureza positiva ou negativa (degradante). O autor finalmente define impacto

ambiental como “alteração da qualidade ambiental que resulta da modificação de

processos naturais ou sociais provocada por ação humana.” (SÁNCHEZ, 2013, 34-

35).

O conceito de risco, adotado por diversas ciências, por vezes é usado como

análogo ao de vulnerabilidade, potencial, suscetibilidade e sensibilidade. Em muitas

pesquisas, sobretudo no Brasil, não há definições claras do termo (DANIGNO;

SOUZA; ZANELLA, 2009). Danigno e Carpi Junior entendem risco como a

probabilidade de que um evento, esperado ou não, aconteça de fato. Muitas vezes

relacionados a eventos naturais extremos (agravados pela ação humana), como

enchentes e deslizamentos, os riscos ambientais também se relacionam a atividades

industriais, agrícolas e outras, riscos “manufaturados”, como denomina Giddens

(1991). Eles podem causar impactos significativos ao ambiente e consequentemente

à vida humana e podem, inclusive, ser percebidos como consequências do avanço

científico e tecnológico, o que desperta questionamentos quanto à função social da

ciência. Neves e Jéolas (2012) fazem um apanhado de definições aplicadas ao risco:

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“[...] enquanto Beck (2001) utiliza risco e perigo de maneira intercambiável, para Giddens (1991), risco consiste em uma abstração associada aos sistemas peritos. Em Douglas (1976, 1996), perigo e risco são considerados sistemas de ideias para a fixação da experiência coletiva sobre acontecimentos; no entanto, enquanto para os sujeitos “os perigos são bastante reais” (DOUGLAS, 1976, p. 39), o sistema que se constitui a partir do risco oferece possibilidades de escolhas diante das incertezas e inseguranças, como estilo de raciocínio objetivo que ordena fatos. Em Luhmann (apud Brüseke, 2001), quando os agravos são consequências das decisões individuais, fala-se de risco, porém quando danos decorrem de fenômenos situados para além do controle individual, tem-se perigo. Para Castels (1987), em seus estudos sobre perturbações mentais e psicanálise, “um risco não resulta da presença de um perigo preciso, mas da colocação em relação de dados gerais impessoais ou fatores (de risco) que tornam mais ou menos provável o aparecimento de comportamentos indesejáveis.” (Castel, 1987, p. 125).” (NEVES; JÉOLAS, 2012, 14-15)

Pode-se observar a variabilidade das definições e entendimentos desse

conceito. Os autores ressaltam ainda que existe uma tendência ao uso da palavra

risco em substituição a perigo, por sua aura de cientificidade, ligada à possibilidade

de quantificação estabelecida pela psicologia e utilizada em muitas ciências duras.

Os estudos de risco no Brasil se multiplicaram após a década de 1970 em

todas as áreas. Nas ciências sociais predominou a relação entre riscos e as ciências

da saúde (NEVES; JEÓLAS, 2012). Apesar de ter ganho espaço no Brasil, o tema

ainda conta com menos atenção que em outros países, talvez pela maior parte da

literatura estrangeira não estar traduzida em português, ou pelo desenvolvimento

tecnológico e industrial ter sido mais tardio (SOUZA; ZANELLA, 2009). Assim, não

só o termo risco por vezes é usado sem muitos critérios, mas também há

dificuldades na forma de tradução de alguns termos estrangeiros recorrentes nessas

pesquisas, como hazard.

Ao nos referirmos a impactos ambientais ou riscos ambientais portanto,

tratamos de conceitos distintos, embora próximos e complementares. É interessante

enfatizar que o primeiro termo é geralmente referente ao passado ou presente, e

embora possa também ser usado para referir-se a um cenário futuro, ele se aplica

ao real, ao manifesto seja fisicamente ou no comportamento (social, político, cultural,

etc.). Já o conceito de risco diz respeito ao futuro, próximo ou distante, e não se

refere propriamente ao real mas à possibilidade de concretização de algo. A

percepção humana, junto a outros fatores, é um elemento fundamental na

determinação do impacto ambiental ou do risco.

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2.2 REVISÃO TEÓRICA: A PERCEPÇÃO DO RISCO

O conceito de percepção subverte a lógica científica fundamentada em

definições quantitativas, fixas e totais sob a qual estão pautadas as ciências naturais

em sua essência. Para entendê-lo, uma pequena referência à fenomenologia é

fundamental. Sistema de pensamento metodológico defendido por Edmund Husserl

ao fim do século XIX, a fenomenologia vai na contramão da ciência moderna, sendo

chamada pelo filósofo de “a ciência do vivido”. Husserl primeiramente define a

consciência como condicionada pela intencionalidade, mas essa intenção está em

função de um objeto. Entretanto, ele só existe se há intencionalidade a partir da qual

este é iluminado. O objeto existe porque existe o sujeito, e vice versa, assim, todo o

tempo a consciência interage com o mundo, e isso é o fenômeno. Ou seja,

fenômeno é a fusão daquilo que existe como objeto (não necessariamente real,

podendo ser imaginário) e aquilo que o sujeito acolhe a partir de seu universo

(GUIMARÃES, 2013).

Assim acontece a percepção, aquilo que é percebido existe, mas como se

percebe depende de todo um universo de informações, vivências e da

intencionalidade do sujeito. Pode-se dizer, então, que a percepção também define o

fenômeno. Husserl, portanto, considera que percebemos não as coisas em si, como

fatos (da maneira que as ciências naturais costumam pensar), mas sim os “estados

de coisas”. Esses estados são infinitos, então também o é a própria percepção

deles, que toma muitos sentidos e se reorganiza a cada momento. O sujeito, então,

de certa maneira está permanentemente reconstruindo o mundo que ele percebe de

maneira imediata, contando com a intuição, os sentidos e a memória (GUIMARÃES,

2013).

Partindo dessa reflexão, entendemos que os riscos e impactos não são

percebidos de uma só maneira e por isso é difícil analisá-los de forma objetiva.

Entretanto as pesquisas de percepção de risco têm se mostrado cada vez mais

importantes através das décadas e passaram a ser adotadas como parte integrante

da gestão e comunicação dos riscos.

Definidos os conceitos básicos com os quais trabalha essa pesquisa,

apresenta-se a seguir uma revisão teórica das linhas de trabalho mais influentes,

algumas das obras e autores principais, que consolidaram metodologias, conceitos e

teorias acerca do tema da percepção de riscos.

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2.2.1 Abordagem Psicométrica

As análises de risco são temática recorrente nas ciências naturais e

econômicas, porém a maneira como o risco é entendido e avaliado pela população e

como esta reage a essas percepções é um eixo de pesquisa consideravelmente

novo, desenvolvendo-se como parte das ciências sociais. Os estudos da percepção

de riscos ganharam importância na década de 1960 e 1970, inicialmente

relacionados à economia e pesquisas de processos decisórios, de caráter

inicialmente probabilístico e quantitativo. Essas pesquisas por muito tempo tiveram a

psicologia cognitiva como base teórica, e passaram a abordar também os riscos

tecnológicos partindo de um paradigma psicométrico, no qual se buscava escalonar

a percepção da população quanto ao risco de determinadas atividades (SLOVIC,

1984).

A abordagem psicométrica, foi desenvolvida a partir de modelos teóricos de B.

Fischhoff, S. Lichtenstein e P. Slovic, o "Oregon Group" desde os anos 1970.

Apresenta características metodológicas com fortes influências das áreas onde

inicialmente o estudo de risco tem papel fundamental, ou seja, as “ciências duras”

(RENN, ROHRMANN, 2000, p. 17).

Segundo O. Renn e B. Rohrmann (2000) alguns dos objetivos principais que

direcionam as pesquisas pertencentes a essa linha são: “estabelecer o “risco” como

conceito subjetivo e não como uma entidade objetiva; incluir aspectos

técnicos/físicos e sociais/psicológicos nos critérios de risco; aceitar opiniões do

público como matéria de interesse; analisar a estrutura cognitiva dos julgamentos do

risco, em geral empregando procedimentos estatísticos multivariáveis como fatores

de análise, escala multidimensional ou regressão múltipla”2(RENN, ROHRMANN,

2000, p.17).

Slovic, Fishouff & Lichenstein (1984) estabeleceram alguns parâmetros a

partir de suas pesquisas, os quais influenciaram estudos posteriores. Primeiramente

consideraram que a percepção de riscos (tecnológicos, nesse caso) é passível de

quantificação e previsível, sendo possível estabelecer semelhanças e diferenças

nessas percepções entre diferentes grupos de pessoas. Em segundo lugar,

enfatizaram que o risco tem significados diferentes para diferentes grupos, em

especial entre especialistas e leigos. Segundo eles, para os primeiros o número de

2 Trecho traduzido livremente pela autora.

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mortes relacionado a atividade é mais influente, para os outros, o potencial

catastrófico, ou de danos que prejudiquem as gerações futuras parecem ser mais

importantes. Também estabeleceram como influentes nessas percepções o número

de pessoas expostas ao risco, se a exposição é ou não voluntária, se o risco é ou

não conhecido. Outros fatores se destacam nas pesquisas da abordagem

psicométrica como influentes na percepção dos riscos de maneira individual, e essas

variáveis devem ser levadas em consideração quando se compara a percepção de

diferentes indivíduos quanto ao mesmo perigo: se o indivíduo é ou não afetado

diretamente pelo risco; se o risco é ou não mortal; os benefícios que a atividade

pode oferecer apesar dos riscos e; o quanto se sabe sobre a tecnologia ou os riscos

em si.

Assim, os resultados demonstram que para pessoas comuns atividades

cotidianas como dirigir um carro ou usar ferramentas elétricas em casa, são

consideradas menos perigosas que trabalhar numa usina nuclear por exemplo.

Enquanto especialistas têm uma percepção dos riscos relacionados à atividade

nuclear menor que a de estar em um carro diariamente, pois consideram a

mortalidade anual causada por cada atividade (SLOVIC, FICHOUFF, LICHENSTEIN,

1984).

O mapa mental exposto abaixo (Figura 01) é um produto gráfico consagrado

pelo Oregon Group, adotado por diversas pesquisas posteriores e bastante

interessante para a comparação de diversos riscos na percepção social. Usa-se para

tal a metodologia de questionários com escalometria, que permite abordar a

percepção sobre diversos riscos e sua representação em valores numéricos, o que

facilita comparações entre essas representações, tanto de diferentes indivíduos ou

sociedades quanto na percepção de um mesmo indivíduo sobre vários temas.

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Figura 02 - Mapa cognitivo da percepção de riscos:

Fonte: Adaptado e traduzido de European Commission (2014).

Após a década de 1980 as pesquisas de viés sociológico tornaram-se mais

recorrentes, enquadrando-se na abordagem que passou a ser chamada de

sociocultural. Embora tenham sido (e ainda sejam) comuns as críticas entre os

pesquisadores das distintas abordagens, ambas consolidaram modelos, conceitos e

idéias importantes no estudo da percepção de risco como um todo. Em comum elas

compartilham a adoção crescente de metodologias qualitativas e de elementos

socioculturais como variáveis essenciais nesses estudos.

É recorrente no entanto a crítica ao alcance do método escalométrico e

quantitativo em geral, que delimita a resposta do entrevistado sem permitir a

exposição de elementos subjetivos por sua própria fala ou classificação. Um

exemplo de aplicação da escalometria para “medir” a percepção com a qual temos

mais contato são as pesquisas de opinião por telefone, nas quais se pede ao

consumidor que classifique um serviço dentro de uma escala, mas não existe a

possibilidade de uma resposta mais objetiva ou elaborada (BICKERSTAFF, 2004;

MINAYO, 1992).

Karen Bickerstaff (2004) critica a psicometria por ser fechada à contribuição

de outros campos científicos, embora alguns autores tenham dialogado de fato com

as Ciências Sociais, como Paul Slovic. Antropólogos, sociólogos, geólogos, entre

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outros, desenvolveram nas últimas décadas análises socioculturais dos riscos. Estas

em muito se afastam dos estudos da psicologia, apesar de incorporarem suas

contribuições. O campo de estudos tornou-se multidisciplinar, evidenciando a

complexidade do assunto. Se a psicologia entendia a percepção como fenômeno

individual, o que em muitos aspectos está correto, a perspectiva sociocultural inclui

os aspectos culturais, políticos e sociais como primordiais nesse conjunto

(BICKERSTAFF, 2004, 827-828). Sobre os estudos de base psicológica, a autora

critica a visão de alguns autores que, contrapondo a noção “objetiva” de risco dos

especialistas e a noção “subjetiva” do senso comum, atribuem esse distanciamento

à falta de conhecimento da população em geral, que ignora os dados científicos e

reais dos riscos. A atribuição de ignorância à percepção dos riscos da poluição pela

população teve influência em pesquisas usadas por gestores governamentais em

países como Estados Unidos e Reino Unido. Entretanto essa noção não é constante

e também é alvo de crítica entre os próprios pesquisadores da linha, como em Slovic

et al. (1982).

As críticas à metodologia psicométrica são direcionadas principalmente à

análise quantitativa, que impõe barreiras à real manifestação das pessoas que

respondem ao questionário e ao pouco avanço em explicar a percepção, quando se

fazia uma descrição desta em relação aos riscos. (BICKERSTAFF, 2004) Embora

aponte esses aspectos, a autora esclarece que os estudos fisiométricos recentes

passaram a incorporar fatores sociais, culturais e políticos, tentando desenvolver

seus parâmetros a partir de “visões de mundo” ou “vieses culturais”, tarefa muito

complexa e bastante questionada quanto a sua aplicabilidade (BICKERSTAFF,

2004). Além disso, não se pode ignorar a influência do uso de análises quantitativas

pelos pesquisadores da linha na aceitação da abordagem pela comunidade científica

e sociedade (RENN, ROHRMANN, 2000; GOLDENBERG, 2013).

2.2.2 Abordagem Sociocultural

A percepção de risco também tem sido estudada através da perspectiva

macrosociológica predominantemente teórica, para qual são determinantes as

normas, sistemas de valores e elementos culturais das sociedades. Alguns dos

principais teóricos adeptos dessa abordagem são Ulrich Beck, Mary Douglas,

Wildavsky, Renn, Sjoberg (RENN; ROHRMANN, 2000).

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É indispensável a referência ao trabalho de Ulrich Beck, que coloca no centro

dos debates sociológicos a teoria da sociedade de risco. Podemos sintetizar no

seguinte trecho, a questão da modernidade reflexiva sob a qual se sustenta sua

teoria:

“Como é possível que as ameaças e riscos sistematicamente coproduzidos no processo tardio de modernização sejam evitados, minimizados, dramatizados, canalizados e, quando vindos à luz sob a forma de “efeitos colaterais latentes”, isolados e redistribuídos de modo tal que não comprometam o processo de modernização e nem as fronteiras do que é (ecológica, medicinal, psicológica ou socialmente) “aceitável”? Não se trata mais, portanto, ou não se trata mais exclusivamente de uma utilização econômica da natureza para libertar as pessoas de sujeições tradicionais, mas também e sobretudo de problemas decorrentes do próprio desenvolvimento técnico-econômico. O processo de modernização torna-se “reflexivo”, convertendo-se a si mesmo em tema e problema.” (BECK, 2011, 24)

Beck (2011) refere-se ao atual momento histórico no qual a caracterização da

sociedade industrial não é mais suficiente para explicar o mundo contemporâneo.

Para ele a sociedade industrial, caracterizada por uma estrutura de classes, pela

produção e distribuição de bens, está sendo substituída por uma sociedade de

riscos, na qual a distribuição dos riscos não corresponde às diferenças sociais,

econômicas e geográficas da primeira modernidade. Esta pode ser definida como

segunda modernidade ou modernidade reflexiva, na qual a globalização é um

elemento essencial pois o avanço tecnológico-industrial teria alcançado um patamar

tal que a ciência e as instituições reguladoras da segurança não teriam mais

capacidade de controlar os riscos gerados e estes já não estariam mais restritos a

uma classe social ou às nações do sul, mas seriam também parte do processo de

globalização.

A Sociedade de Risco, é uma obra essencial ao levantar a discussão sobre a

rapidez da criação tecnológica, e a incapacidade científica e política de haver

conhecimento e controle dos riscos na mesma medida em que eles são ampliados

pela industrialização globalizada. Os riscos aos quais Beck se refere são, na

verdade, conjuntos de riscos gerados pelo modelo de produção industrial com os

quais lidamos cotidianamente, ecológicos, químicos, nucleares, genéticos e

econômicos. Em torno desse conjunto está em constante modificação tanto o

sistema capitalista, como a sociedade e até a individualidade (GUIVANT, 2001).

Para Beck (2011), os riscos da modernidade reflexiva seriam democráticos,

na medida em que alcançam a todos, não obedecendo a barreiras geográficas,

sociais ou econômicas. Entretanto, enquanto países desenvolvidos voltam sua

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preocupação aos riscos, outros ainda estão sob o paradigma da escassez, onde os

riscos são parte de um problema maior, para o qual busca-se como saída a

modernização tecnológica, que seria a fonte do que o autor chama “riqueza social”.

Nesse sentido, o Brasil estaria numa situação transitória entre a sociedade de risco e

os “conflitos distributivos das sociedades da escassez”, somando os problemas de

uma e outra (BECK, 2011). Para aprimorar o controle dos riscos, o autor propõe o

caminho da subpolítica, ou seja, de aprimorar instrumentos de discussão para as

tomadas de decisão, por meio de foruns e outras formas de participação popular,

como meio de democratizar também as decisões sobre os riscos (GUIVANT, 2001).

Ulrich Beck busca estabelecer um novo paradigma sociológico em torno do

risco e da globalização, colocando-se à parte das abordagens teóricas já

consolidadas. Entretanto as críticas a sua teoria são pertinentes. Guivant (2001)

destaca dois pontos essenciais sob os quais se estabelecem falhas da teoria da

sociedade de risco. Em primeiro lugar o autor entende a globalização de maneira

generalista, referindo-se a duas realidades: a ocidental e a oriental, ou norte e sul,

para embasar suas observações, usando como exemplo a sociedade alemã. Desse

modo, escapa ao olhar de Beck as múltiplas faces das sociedades contemporâneas,

heterogêneas entre si e internamente; por isso a teoria ficou conhecida também por

seu caráter eurocêntrico (GUIVANT, 2001). O risco não é produzido ou distribuído

democraticamente entre as sociedades, existem muitos mecanismos que invertem

essa lógica (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). Em segundo lugar, ao se

debruçar sobre a subpolítica como maneira de democratizar as decisões sobre os

riscos, Beck também não consegue fugir de generalizações, além disso Guivant

observa que o sociólogo idealiza a participação popular de leigos como uma

representação pura das grandes necessidades sociais, sem considerar que a

sociedade civil é heterogênea, composta por diversas forças em oposição, conflitos

e relações bastante complexas e permeável a pressões diversas advindas da

macropolítica. Ou seja, nem existe uma oposição homogênea entre leigos e peritos,

como parece supor o autor, nem existe homogeneidade entre os leigos ou entre os

peritos. (GUIVANT, 2001). Contudo, tais críticas não diminuem a originalidade e

inovação da contribuição do autor.

Para as pesquisas inseridas na perspectiva sociocultural, que ganhou muito

espaço de discussão após a obra de Ulrich Beck, apesar de a percepção também

ser em parte individual (na maneira como a psicologia cognitiva comportamental

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aponta), esse é um dos fatores em meio a outras influências do meio. Também

partem do pressuposto que a sociedade é múltipla, então grupos sociais diversos

vão ter respostas variáveis a diferentes riscos. A diferença entre especialistas e

pessoas comuns, bastante explorada pela abordagem psicométrica, ainda é um fator

considerado, mas o leque de fatores ampliou-se. Se a metodologia de base

quantitativa nem sempre permite fornecer dados mais profundos sobre o contexto e

as nuances das diversas percepções ambientais, os pesquisadores passaram a

buscar esse alcance por meio da adoção de entrevistas e observações como

principais métodos de pesquisa (BICKERSTAFF, 2004).

Segundo Renn e Rohrmann (2000) nesse campo de pesquisa é importante ter

clareza de três dimensões: o perigo (hazard) ou fonte de riscos, os aspectos

envolvidos no julgamento dos riscos e as características do respondente da

pesquisa. Essas dimensões têm características próprias que vão definir a

variabilidade das percepções. Dentro dessas facetas há espaço para uma enorme

variabilidade, por isso é muito difícil comparar estudos ou encontrar homogeneidade

mesmo dentro de cada abordagem, pois as divergências são numerosas.

Como na abordagem sociocultural o risco é uma construção social e cultural,

a visão de mundo do grupo ou sociedade em estudo é determinante das

preocupações e crenças relacionadas aos riscos. Por isso a mensuração não é

viável independente do contexto e a pesquisa torna-se mais qualitativa que

quantitativa, podendo partir de diferentes perspectivas, como comparações entre

grupos sociais da mesma nacionalidade ou entre diferentes nações (RENN,

ROHRMANN, 2000).

Dentro das abordagens psicométrica e sociocultural, ou ainda adotando

metodologias e teorias de ambas, muitas hipóteses já foram levantadas para explicar

a diferença que os indivíduos apresentam entre si na preocupação com os perigos

relacionados à tecnologia. Dake e Wildalsky (1990) compararam estudos dentro da

abordagem sociocultural que defendiam diferentes teorias. Entre teorias que buscam

explicar a percepção de risco a partir de premissas como o conhecimento acerca

dos riscos, a personalidade individual, fatores políticos ou econômicos, os autores

acreditam ser a teoria cultural aquela que fornece mais elementos para explicar a

percepção de riscos. A partir da obra de Mary Douglas, Risco e Cultura, onde a

autora defende existirem visões de mundo que podem ser generalizadas para

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qualquer grupo ou sociedade, os autores propõem a adoção de cinco diferentes

visões de mundo, categorias culturais a partir das quais cada indivíduo avalia,

analisa e reage ao risco (DAKE E WILDALSKY, 1990).

Os autores adeptos da teoria cultural dividem a sociedade moderna em quatro

grandes grupos de padrões culturais na relação com os riscos: os empreendedores

ou empresários, os igualitaristas, os burocratas e os indivíduos estratificados, sendo

comum a presença de um terceiro grupo em algumas pesquisas, chamados de

indivíduos autônomos.

Figura 03 - Visões de mundo:

Fonte: Adaptado e traduzido de RENN, ROHRMANN, 2000.

Os empresários ou empreendedores apresentam baixa hierarquização e

pouca coesão entre si, e percebem o risco como uma oportunidade de mercado e de

benefícios pessoais. Como grupo, contrastam mais com os igualitários, que

apreciam valores como a cooperação e equidade mais que a liberdade e

competição. Apesar da baixa hierarquização, os indivíduos e instituições

pertencentes a esse protótipo em geral prezam pela solidariedade e coesão. Quanto

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aos riscos, eles tendem a focar nos efeitos de longo termo das atividades humanas,

e estão mais propensos a parar uma atividade em vista dos riscos. Já os burocratas

são mais coesos entre si ao mesmo tempo que mais hierarquizados. Como

valorizam as regras e regulamentos para lidar com incertezas, são menos propensos

a temer os riscos contanto que exista um gerenciamento destes e estratégias de

ação bem definidas. A categoria dos indivíduos atomizados/estratificados, acredita

na hierarquia mas sem se identificar com seu próprio grupo num sentido de coesão.

Costumam agir sozinhos e aceitar riscos de maneira individual mesmo tendo uma

noção confusa destes, mas não aceitam bem riscos impostos. O grupo dos

indivíduos autônomos, ou heremitas, são avaliadores de curto termo dos riscos,

interagem de maneira construtiva com os outros grupos, podendo mediar as

diferentes visões de mundo (ROHRMANN; RENN, 2000).

Com isso os autores não pretendem engessar as percepções dos indivíduos a

uma ou outra categoria, mas demonstrar que existe uma predominância de reações

a partir daqueles referenciais culturais que podem variar durante a vida ou em

diferentes situações. Além do mais, eles enfatizam que o objeto de preocupação

também é determinante no posicionamento dos indivíduos.

Essa teoria contribui com o campo de estudo por ressaltar que dentro de um

mesmo grupo social, político, econômico ou cultural, podem existir diferentes visões

de mundo e que a aversão ou aceitação dos riscos não é algo fixo para essas

categorias, assim como não o é o julgamento quanto à gravidade do risco. Contudo,

não se pode reduzir a análise das percepções de risco a esses padrões culturais.

Muitos autores criticam a teoria cultural porque as próprias categorias de visões de

mundo são questionáveis, afinal, quantas podem existir que não se encaixam

nessas poucas elencadas? Além disso, a possibilidade de variação das visões de

mundo do indivíduo durante a vida ou de acordo com a situação, torna ainda mais

complexa a adoção dessa categorização.

Há muitos fatores que podem ser apontados como balizadores da percepção

dos riscos, e as pesquisas apontam diferentes fatores como prevalentes, ou então

focalizam alguns elementos e com eles trabalham. Algumas adotam afiliação

ideológica ou política/profissional como categorias determinantes, dessa maneira o

grupo profissional ao qual o indivíduo pertence, ou seu posicionamento como

feminista ou ecologista por exemplo, teriam grande influência na forma como ele

percebe o risco.

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Dentre as nuances observadas na percepção social, a oposição entre

percepções de peritos e leigos costuma ser ressaltada em diversas pesquisas. Por

mais que essa noção já fosse trabalhada pela psicometria, ela passou a ser

problematizada de maneira mais complexa dentro da abordagem sociocultural.

Judith A. Bradbury (1998) ressalta a inexistência de um conhecimento técnico isento,

já que ele também é socialmente construído e acontece com e não fora da

sociedade. Slovic (1984) já apontava a importância de não restringir a discussão

sobre os riscos à visão dos especialistas, ideia endossada por Ulrich Beck (1999),

segundo o qual a democratização da discussão é essencial para a criação de

confiança entre os atores sociais e também no aprimoramento das decisões

tomadas ao se considerar diversos pontos de vista. Os peritos, conclui-se, também

são seres sociais dotados de cultura, assim como individualidade e estes fatores

influenciam sua percepção assim como as evidências científicas e dados

estatísticos. Tampouco pode-se considerar que o público leigo é passível de ter as

mesmas percepções que os especialistas caso tenham acesso aos mesmos dados,

pois a informação é importante mas, como veremos ao longo do texto, pode não ser

determinante. As preocupações e respostas podem ser diferentes (DAKE;

WILDALSKI, 1990).

Bickestaff (2004), comparando diversas pesquisas sobre a poluição

atmosférica, elenca os elementos apontados pelos autores como fundamentais na

percepção dos riscos. Em primeiro lugar, muitos estudos voltam-se ao conhecimento

do local e à percepção de mudanças através dos sentidos, como o olfato ou a visão

(ver poeira acumulada, fumaça das fábricas) e a experiência dos efeitos fisiológicos

desse impacto (como doenças ou mudanças no ambiente, na coloração da

vegetação).

Assim, Bickerstaff (2004) reconhece pontos em comum com alguns

argumentos de Mary Douglas, para quem os conceitos de ordem e desordem na

noção cultural da poluição tem relação com os valores de pureza e perigo, ou seja,

um ambiente com sinais de poluição, como a poeira no ambiente representa

“matéria fora do lugar”, desordem (BICKRSTAFF, 2004, 831). Alguns estudos citados

pela autora também identificam etnia, gênero e grau de instrução como fatores que

afetam a percepção, diferenciando-se pelo grau de poder ou posição

socioeconômica dos indivíduos. Identificou-se, por exemplo, que mulheres tendem a

demonstrar maior preocupação com riscos tecnológicos e danos ao ambiente.

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Outras pesquisas apontaram que os homens brancos tendem a perceber o mundo

como menos perigoso que as mulheres ou homens negros (FINUCANE et al., 2000).

Do mesmo modo, nos Estados Unidos, homens asiáticos tem uma percepção menor

dos riscos que homens negros (PALMER, 2003).

Por outro lado, pessoas em situação de vulnerabilidade ou insegurança

social, tal como passando por divórcio, doença, pobreza ou desemprego, podem

subestimar os riscos em função de um senso de desesperança do momento que

vivem (BOHOLM, 1998). As situações citadas por Bickerstaff demonstram como o

poder de agência dos indivíduos pode influir em sua percepção e avaliação dos

riscos, assim como, por conseguinte, na aceitação destes.

Nesse sentido, autores também apontam o duplo risco a que estão expostas

sociedades periféricas, pois aliam aos riscos tecnológicos os socioeconômicos.

Rinkevicius (2000) exemplifica a questão com o caso das centrais de energia nuclear

na Lituânia: apesar dos riscos tecnológicos, a interrupção dessa atividade implicaria

na perda de empregos diretos e indiretos, déficit energético e prejuízo a diversas

atividades produtivas. Como salienta LIMA (2002), essa é uma situação à qual

muitas pessoas são submetidas, sobretudo nos países do sul, e mesmo conscientes

do problema a vulnerabilidade econômica e social as obriga a tolerá-lo. A realidade

brasileira é permeada de exemplos disso, como os moradores de áreas de risco

(encostas, margens de rios, terrenos contaminados), trabalhadores submetidos a

condições insalubres e ao manuseio de agrotóxicos.

Desse modo, os fatores elencados dialogam diretamente com o campo da

Justiça Ambiental, pois pesquisas dentro dessa área indicam que existe uma

distribuição social dos riscos que leva à disseminação desproporcionalmente maior

de fontes de poluição em comunidades pobres e periféricas (BICKERSTAFF, 2004;

ACSELRAD, 2004). Essa idéia vem questionar a hipótese de Ulrich Beck (1990) de

que os riscos atingiriam a população de maneira democrática.

2.3 COMUNICAÇÃO DE RISCO E O PAPEL DA MÍDIA NA PERCEPÇÃO

2.3.1 Comunicação de riscos

Para compreensão da percepção dos riscos na modernidade é fundamental

entender que eles são experimentados pelos sentidos, ou seja, empiricamente, e

através da comunicação. Principalmente quando falamos de desastres, as

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informações fornecidas pela mídia são amplas tanto em quantidade de dados,

quanto na cobertura de diversos riscos em todo o planeta. Além disso, essa

cobertura é seletiva ao destacar determinados assuntos em detrimento de outros por

razões diversas, inclusive interesses políticos e econômicos. Por isso, conforme

Luhmann (1986) a percepção de risco é menos produto da experiência ou evidência

pessoal que resultado da comunicação social (RENN; ROHRMANN, 2000).

A comunicação de riscos é um elemento estratégico na relação das

instituições responsáveis por gerenciar os riscos e a população, podendo aproximar

a percepção social da realidade e tornar informações científicas sobre aquela

ameaça mais aceitáveis aos leigos, ou pelo contrário, acentuar percepções pautadas

no senso comum. Para a comunicação dos riscos, um fator chave é a confiança no

comunicador, principalmente quando os indivíduos têm pouco controle sobre os

riscos, e estes são involuntários ou muito graves. Quando o comunicador é mal

escolhido, ou seja, não inspira confiança na população, ou ainda parece defender

interesses próprios (o que não se limita ao indivíduo comunicador, sendo expandido

à instituição que este representa), pode ser que a informação por mais que

cientificamente legitimada, não seja aceita pelos ouvintes, que podem inclusive

apresentar uma tendência a acreditar no oposto do que é comunicado (FREWER,

2004).

A confiabilidade das instituições e dos mecanismos de gestão é uma variável

importante quando se analisa a aceitação dos riscos em vista de seus benefícios,

que são sobretudo econômicos Siegrist, Cvetkovich, Roth (2000). A teoria da

confiança social indica que quanto maior a confiança nas instituições, maior a

percepção dos benefícios da tecnologia, e se essa confiança não existe, mais a

percepção dos riscos é negativa. É importante salientar ainda que o senso comum,

quando não pode avaliar riscos e benefícios por si, recorre aos especialistas para tal

e essa relação, dado que políticos e especialistas também avaliam os riscos de

maneira variada, acontece por meio da confiança que é forjada na similaridade de

valores entre população e especialista. Portanto, quando o especialista compartilha

dos valores de um grupo, esse grupo tende a aceitar a avaliação de risco deste

especialista como válida (SIEGRIST; CVETKOVICH; ROTH, 2000).

Outros fatores sugeridos por pesquisadores como influentes no grau de

confiança nas instituições são: a competência desta em gerenciar o risco, o histórico

de abertura, o uso de linguagem mais ou menos acessível aos leigos, a honestidade

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e defesa dos interesses públicos e a demonstração de valores próximos aos da

população que parece algo difícil, mas pode ser alcançado por gestos simples como

ter um canal de comunicação local em vez de remoto (EUROPEAN COMMISSION,

2014).

Outra questão importante é a comunicação da incerteza. Esse ponto costuma

ser fonte de controvérsia para as instituições responsáveis por gerir e comunicar

riscos, pois teme-se a reação da população à exposição da incerteza. As instituições

acreditam que ao fazê-lo, pode haver uma quebra na confiança entre população e

instituição e mesmo a desconfiança quanto à capacidade da ciência cumprir o papel

de fornecer à gestão ferramentas para evitar ou controlar impactos graves e

desastres.

Se, por um lado, alguns especialistas acreditam que compartilhar com o

público as incertezas quanto aos riscos pode ser um fator a mais de insegurança e

levar a reações inadequadas aos riscos, por outro há aqueles que defendem que o

público pode aceitar as incertezas como parte do processo, separando esse aspecto

do perigo em questão da competência da ciência ou dos gestores em cumprir seu

papel. Além disso, a forma como essa informação sobre a incerteza é apreendida

pela sociedade também depende de fatores culturais e sociais. Uma boa forma de

lidar com essa questão pode ser expor as incertezas quanto ao risco e também as

possibilidades de mitigação deste (EUROPEAN COMMISSION, 2014).

2.3.2 Mídia e percepção

Apesar de muito se falar sobre o papel da mídia como influência da percepção

pública dos riscos, não há certezas nesse campo. As pesquisas empíricas com esse

foco são raras, o que deixa uma lacuna de dados quanto ao tema. A questão

principal feita pelos estudiosos e que causa muita controvérsia é: a mídia tem o

poder de alterar a percepção pública dos riscos ou simplesmente reforça visões já

presentes no público?

Wahlberg e Sjorberg (2000) investigaram o assunto e concluíram que, no que

diz respeito à percepção social dos riscos tecnológicos, apesar de existir uma

influência da mídia, há muitas outras variáveis a se considerar, o que dificulta

determinar o quanto essa influência é relevante. Uma das maneiras principais que os

veículos de comunicação têm de influir na percepção social é a exposição de

números e estimativas, que tem um efeito significativo na avaliação das pessoas.

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Numa avaliação controversa, os autores consideraram que o conteúdo midiático em

sua totalidade, apesar de pouco objetivo, não é tão tendencioso em relação aos

riscos quanto se pensa. Os acontecimentos seriam retratados de maneira recortada

e fora de contexto, cabendo ao público o papel de discernir sobre essa informação.

E se a percepção de risco geral pode ser afetada pelo conteúdo midiático, os

julgamentos pessoais são menos flexíveis para mudarem em função dessas

informações (WAHLBERG; SJOSBERG, 2000). Além do mais, os autores

questionam a duração dessa influência, que pode ser mais imediata que de longo

termo.

Essa conclusão pode soar inocente e até mesmo anacrônica, o que muito

provalvemente se deve à rápida mudança no meio midiático desde então.

Atualmente o uso da mídia e principalmente da publicidade com o intuito de

direcionar opiniões positivas ou negativas do público quanto a um determinado

assunto ou atividade é comum e alguns estudos apontam esses elementos como

importantes na percepção pública (DI GIULIO; PEREIRA; FIGUEIREDO, 2008). Não

se trata de uma novidade, podemos citar diversos exemplos na história, desde o uso

massivo da publicidade pelos regimes nazifacistas no século XX, até a forma como a

mídia norteamericana engajou-se na construção da teoria da existência de armas

nuclares no Iraque, legitimando aos olhos da sociedade a invasão do país. No Brasil

de hoje vivemos diariamente e de forma cada vez mais intensa essa experiência, na

qual a mídia é um instrumento para manobrar a opinião pública e o jornalismo tem

papel fundamental, ao evocar uma aura de credibilidade enquanto exprime um

discurso tendencioso. Além disso, o advento da internet e o uso de redes sociais nos

coloca num contexto por um lado novo, ao facilitar a comunicação entre as pessoas

e o acesso à informação, e por outro similar, pois submetida ao controle e

manipulação dos grupos que detêm o poder político.

Outro fator importante é que a quantidade de informações circulando pelos

meios de comunicação atualmente é tão grande e instável que cria-se um ambiente

de falta de confiança nessas informações. Além do mais, no campo científico, existe

uma profusão de pesquisas tanto contrárias como favoráveis sobre diversos

assuntos. Guivant (2001) nos fornece um interessante exemplo da questão da

confiança nas instituições e da influência da mídia num contexto atual sobre os

riscos. Diferente de outros países, a autora identifica no Brasil uma falta de

preocupação com a questão dos transgênicos. Em parte, diz ela, isso é resultado do

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alto grau de incerteza do assunto, pois as informações propagadas pela mídia, por

especialistas e pelas instituições são muito numerosas e contraditórias entre si, além

de serem progressivamente desmentidas. Assim, cria-se uma falta de confiança

nessas informações, além da desconfiança quanto às instituições que teriam o papel

de controlar os possíveis riscos advindos dessa tecnologia. A autora ainda coloca

que, somando-se esses fatores - a falta de confiança nas instituições de controle e a

incerteza nas informações fornecidas, formou-se um ambiente de expectativa zero

de controle dos riscos, no qual existe uma aceitação da situação que é acentuada

pela ignorância das proporções desses riscos.

2.4 ESTUDOS DE PERCEPÇÃO DE RISCO NO BRASIL E EM CONTEXTOS DE MINERAÇÃO.

No Brasil, existem muitos estudos sobre os impactos e riscos associados à

produção de cimento, à mineração e à poluição industrial. Entretanto, as pesquisas

de percepção são mais frequentemente voltadas aos temas da educação ambiental,

ou da percepção ambiental em geral. Também é frequente a realização de pesquisas

de percepção de risco na área da saúde, envolvendo questões de saúde e

segurança do trabalho por exemplo.

Além do estudo de Guivant (2001) que relaciona os temas percepção de

risco, saúde, mídia e agricultura, Neves e Jeolás (2012) nos apresentam um

panorama dos estudos voltados à percepção de riscos nas Ciências Sociais, muitos

voltados à temática da segurança do trabalho ou à saúde e políticas públicas.

Cioccari (2012) nos apresenta uma pesquisa da percepção dos riscos de

trabalhadores de minas de carvão sobre suas atividades, numa perspectiva que

ilustra bem a representação da aceitação voluntária de riscos (em razão da

vulnerabilidade social), como heróica e necessária.

Valente, Figueiredo e Coelho (2008) trazem um importante contraponto entre

a percepção dos riscos da mineração diante dos benefícios econômicos de tal

atividade para duas comunidades portuguesas. Em Aljustrel, onde a atividade

mineira esteve paralisada por um período de dez anos, os riscos ambientais são

menos valorizados como fator de percepção da população que os benefícios tais

como geração de emprego e renda, fixação da população e melhoria da serviços,

entretanto, há percepção dos riscos principalmente quanto a danos físicos dos

trabalhadores e à incerteza do futuro, quando a mina for desativada. Já em

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Panasqueira, os benefícios sociais não são tão salientados, enquanto os impactos

negativos tais como riscos físicos e morais, poluição de água, solo e ar, parecem

preocupar mais que na outra localidade. O estudo aponta para a importância de uma

multiplicidade de fatores na formação da percepção da população sobre os riscos e

impactos da mineração e chama a atenção quanto a uma visão antropocêntrica

desses riscos por parte da comunidade (VALENTE; FIGUEIREDO; COELHO, 2008).

As pesquisas na área de percepção ambiental têm sido adotadas como

ferramentas de gestores e organizações participantes, principalmente no que diz

respeito às Unidades de Conservação. A conceituação de percepção, por ser muito

subjetiva é ajustada pelos parâmetros do pesquisador dependendo de seus objetivos

(PACHECO; SILVA, 2006). O uso da percepção também pode ser uma interessante

ferramenta na avaliação de riscos ambientais e impactos ambientais, quando

incorporado na gestão dos riscos (COELHO et al., 2004). Di Giulio et al (2010)

chegou a mesma conclusão ao estudar a comunicação e gestão de riscos

ambientais em áreas contaminadas por chumbo no vale do rio Ribeira, entre Paraná

e São Paulo. Podemos citar também a pesquisa de Santos (2013) sobre a

percepção dos riscos ambientais relacionados ao gasoduto que corta São Mateus do

Sul no Paraná e o estudo de Freire (2011) sobre a percepção dos riscos ambientais

tecnológicos relacionados à indústria petroquímica no município de Madre de Deus,

na Bahia. Esses estudos são apenas alguns casos num crescente leque bibliográfico

que alia os temas da percepção ambiental e a avaliação dos impactos ambientais e

riscos ambientais.

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3. MINERAÇÃO INDUSTRIAL E IMPACTOS DA PRODUÇÃO DE CIMENTO PORTLAND

A mineração tem sido tema frequente de pesquisas no Brasil e nos noticiários

cotidianos, pela importância crescente da atividade na economia nacional, pela

discussão acerca do novo marco regulatório da atividade ou por desastres

ambientais ocasionados pelo setor. O caso do rompimento da barragem de rejeitos

de Fundão em Mariana, Estado de Minas Gerais, pertencente à empresa Samarco -

da qual são acionistas as grandes corporações mineradora Vale S/A e BHP Billiton,

ainda está presente na mídia e longe de ser solucionada. O rompimento causou a

degradação profunda de parte da bacia hidrográfica do rio Doce, um número elevado

de mortes e a remoção de comunidades inteiras, além da desconfiguração completa

de seu modo de vida. Com isso, o desastre até hoje é motivo de revolta e comoção

social, sobretudo pela lentidão da ação do Estado em apurar as falhas e aplicar

medidas punitivas e mitigatórias. Além disso, a empresa resiste em assumir a

responsabilidade pelo desastre e colaborar com as investigações.3 Esse caso

enuncia muitas falhas no sistema de regulação dessas atividades, assim como o

alcance dos riscos de tais empreendimentos quando se efetivam em impactos reais.

Revela também o desconhecimento da população sobre esses riscos, que não são

considerados nos processos de tomada de decisões sobre a instalação das

empresas (ARTIGAS, 2016).

Quanto à proposta de um novo marco regulatório da atividade, o projeto de lei

tramita desde 2011 no Congresso Nacional, sofrendo modificações ao longo desse

período. Ele é reflexo do projeto neodesenvolvimentista adotado pelos últimos

governos, e visa estimular o crescimento da atividade através de concessão de

benefícios diversos (isenção de tarifas, terrenos a baixos preços, etc.), ao mesmo

tempo que aumenta a participação do Estado no setor, por meio de maior regulação

e arrecadação de impostos. Entretanto, a medida apresenta diversas contradições.

Além disso, o estímulo pretendido à atividade privilegia a atuação de grupos

empresariais bem estabelecidos e investidores estrangeiros, ou seja, marginaliza

pequenas empresas nesse processo, mas oportuniza facilidades ao capital

3Acompanhamento do caso pelo Jornal El País. Disponível em:

<http://brasil.elpais.com/tag/desastre_mariana/a/>

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coorporativo. Atualmente a atividade é normatizada pelo Decreto de lei nº 227/1967,

mas representantes do legislativo e agências do governo, influenciadas pelo

lobbying de empresas do ramo, têm demostrado a intenção de modernizar4 esse

marco legal, adequando-o ao crescimento da atividade no Brasil e à importância que

ela alcançou em termos econômicos (BITTENCOURT, 2013). Alegam também a

necessidade de aumentar a arrecadação e facilitar os investimentos na área. Isso

aconteceria com a simplificação da forma de concessões de exploração,

implementação de mudanças nos órgãos de política mineral, entre outras medidas.

Especialistas do tema e dos impactos socioambientais da atividade minerária

questionam muitos pontos da proposta desde que ela foi lançada (BITTENCOURT,

2013; CASTRO; MILANEZ, 2015). Em suma, o Novo Código favorece determinados

grupos empresariais, não avança em questões sociais e nem mesmo nas

ambientais, mesmo que um dos objetivos alegados para as mudanças na legislação

seja o aprimoramento do controle dos impactos ambientais. Representantes da

sociedade civil, como trabalhadores da mineração, comunidades impactadas e

ONGs, alegam que as decisões sobre o código não estão sendo tomadas de

maneira democrática. Apesar da importância do tema para toda a sociedade, são as

grandes corporações que estão conduzindo essa discussão, com a anuência do

Congresso e Ministério Público (OLIVEIRA, 2013).

A discussão do marco regulatório problematiza toda a questão da mineração no

Brasil. É possível estendê-la a outras atividades voltadas à geração de commodities

e à ambiguidade da ação governamental que, para desenvolver a indústria ou a

agropecuária monocultora como base do crescimento econômico nacional, acaba

penalizando o meio ambiente e as comunidades tradicionais que dependem da terra.

Em muitos casos a consequencia é o aprofundamento de situações de

vulnerabilidade social (ALTVATER 1995; AVILA; MONTE-MÓR, 2011).

A isso se soma a contraditória atuação do estado como regulador dessas

atividades, já que esse exercício entra em conflito direto com a política de

desenvolvimento econômico priorizada pelo próprio estado (LIMA, 2011).

Considera-se, portanto, o papel da mineração no Brasil como um elo de uma rede de

relações econômicas, políticas e de exploração de recursos entre países periféricos

4É importante salientar como o termo modernização tem sido adotado no discurso desses agentes como

eufemismo para medidas impopulares ou restritivas, muitas vezes de direitos constitucionais, mas que

favorecem entidades empresariais.

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e centrais ou mesmo entre territórios de uma mesma nação que gera bem estar e

ordem em uma região sob o custo da geração de desordem e caos em outra região

(ALTVATER, 1995). Esse panorama pode ser bem ilustrado quando consideram-se

as grandes mineradoras e toda a trajetória dos minérios até seu consumidor final.

Quanto a isso, existe a tendência globalizante de corporações internacionais

dividirem seus processos produtivos entre empresas distintas e estabelecê-los em

diferentes países ou regiões, o que muitas vezes acontece num formato de

oligopólios, como é o caso do cimento no Brasil, ou mesmo com a formação de

cartéis5 (IFAGNER, 2009). A produção primária e extrativa, a chamada “fase quente”,

é legada em geral aos países da periferia capitalista, isso acontece por dois motivos:

por um lado, muitos dos países centrais já exauriram suas reservas minerais,

hídricas, florestais e energéticas e dependem da importação desses recursos para

seu processo econômico. Por outro lado, os países em desenvolvimento, além da

dependência tecnológica que têm dos primeiros, apresentam menos restrições de

emissões carbônicas, regulação ambiental mais permissiva, sindicatos e

movimentos sociais menos organizados, oferta de mão de obra barata e reservas

naturais ainda vastas (ALTVATER, 1995).

Além disso, muitos desses países, como é o caso do Brasil, mas também de

países asiáticos, africanos, do leste europeu e da América Latina - lançam mão de

incentivos fiscais, programas de financiamento da indústria, flexibilização da

legislação trabalhista e ambiental e isenções tarifárias de serviços para atrair as

empresas implantadoras da “fase quente”. A instalação dessas empresas é

fundamentada no discurso neodesenvolvimentista, segundo o qual elas levarão ao

desenvolvimento social, através da oferta de empregos, do incremento da

infraestrutura nas regiões onde se instalam e da dinamização geral da economia na

indústria, no comércio e nos serviços (MALERBA; MILANEZ; WANDERLEY, 2012)6.

Esse discurso é questionado pelos autores citados, que o enquadram dentro do

“paradoxo latino americano” no qual, sob o pretexto de atrair empresas

multinacionais para gerar divisas para o país e revertê-las em benefícios sociais,

5 Site do CADE. Disponível em: <http://www.cade.gov.br/Default.aspx?5ed120e93bd027ec390659ee4508>.

Reuters Brasil. Disponível em: <http://reuters-brasil.jusbrasil.com.br/noticias/112353737/punicao-inedita-do-

cade-<lanca-duvidas-sobre-industria-do-cimento>. 6 As empresas transnacionais tendem a concentrar nos países periféricos a “fase quente” da produção, que vai

até o beneficiamento do produto, ou sua semifinalização, e a “fase fria”, em que há menos consumo energético,

geração de poluição e os produtos ganham maior valor agregado, próxima dos mercados consumidores (Bühler,

2007 apud Malerba, Milanez, Wanderley, 2012, 54).

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acontece a quebra da organização territorial local, com o domínio dessas empresas

e a gradual exclusão de pequenos produtores e comunidades tradicionais, criando

dependência econômica, impactos ambientais e desagregação cultural.

Paul Little (2002) argumenta, nesse sentido, que nesse modelo de

crescimento econômico os recursos naturais são dirigidos sobretudo para

exportação e os impactos negativos incidem sobre o local. Altvater (1995) trata esse

processo como pilhagem de ilhas de sintropia, na qual a matéria geradora de

energia é extraída e transportada até a região onde se fará a utilização dessa

sintropia acumulada pela natureza, que em geral não é o mesmo local onde

acontece a extração (ALTVATER, 1995).

O conceito de desenvolvimento tem papel fundamental nesse contexto. O que

Altvater (1995) classifica como “desenvolvimento insustentável”, Little (2002) chama

“desenvolvimento por pilhagem” e Sachs (1993, p. 50) de “mal desenvolvimento”.

Isso porque para Sachs (2002), é possível entender o desenvolvimento por outra

perspectiva: a do Ecodesenvolvimento, o qual não pode ser pautado pelas forças de

mercado e deve harmonizar objetivos sociais, ambientais e econômicos. Sobre isso

o autor declara:

“O desenvolvimento sustentável é um desafio planetário. Ele requer estratégias complementares entre o Norte e o Sul. Evidentemente os padrões de consumo do norte abastado são insustentáveis. O enverdecimento do Norte implica uma mudança no estilo de vida, lado a lado com a revitalização dos sistemas tecnológicos. […] No Sul a reprodução dos padrões de consumo do Norte em benefício de uma pequena minoria resultou em apartação social” (SACHS, 2002, p. 58)

A crítica também se estende à situação do Brasil como exportador primário e

as diversas desvantagens em estimular esse tipo de economia, situação a qual José

Augusto Pádua nomeia de “dilema do berço esplêndido” (PÁDUA, 2016) . Muitos

consideram que o beneficiamento de tais produtos primários em território brasileiro

agregaria valor de mercado ao produto e seria um benefício ao país. Porém, Castro

e Milanez (2015) argumentam que os impactos da atividade não se restringem à

lavra e beneficiamento. O alto consumo de energia e água também causa impactos

indiretos, assim como a criação de uma onerosa infraestrutura de transporte

especificamente para essas indústrias. Nesse sentido, mesmo o beneficiamento

interno de produtos primários ainda estaria dentro da “fase quente” da indústria.7

7 Malerba, Milanez e Wanderley (2012) apontam como exemplo o caso do beneficiamento de minério de ferro

no Pará. É importante ressaltar que há casos que fogem dessa regra, como a produção do cimento, que costuma

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Alguns mitos sobre a atividade mineradora são adotados como argumentos

pelos porta-vozes do setor mineral e dos governos na defesa da mineração. Um

deles é o que relaciona o desenvolvimento econômico de determinados países do

norte com sua riqueza mineral, como no caso de Canadá, Austrália e Estados

Unidos, idéia que muitos estudos desmistificam, demonstrando que a mineração

teve participação pequena ou pontual na economia desses países ao longo de sua

história (MALERBA; MILANEZ; WANDERLEY, 2012; BITTENCOURT, 2013).

O código minerário corrente coloca a mineração como atividade prioritária, o

que pode levar a conflitos pelo uso da terra. É comum que nas audiências públicas,

ou nos processos para autorização da atividade, adote-se o argumento da prioridade

da mineração no âmbito jurídico em razão de seu pretenso benefício econômico e

social (pela geração de empregos)8. Essa é uma interpretação possível de trechos

da Constituição de 1988, do CONAMA e do Código Mineral, porém, como elucidam

Malerba, Milanez e Wanderley (2012), esses mesmos documentos também dão

margem a outras interpretações. Nesse ponto, é importante destacar que o uso das

expressões 'interesse nacional' e 'utilidade pública' voltadas para a mineração são

recorrentes nesses discursos e estão presentes nos documentos citados, mas estes

também consideram de interesse nacional e utilidade pública outras atividades ou

usos da terras, sem que exista distinção de prioridade entre essas diversas

possibilidades.

As mudanças propostas no novo marco legal tem como objetivos a expansão

da exploração mineral, o aumento das divisas do Estado a partir de tais atividades, a

ampliação da atividade minerária com a instalação de indústrias de base e o

desenvolvimento de instrumentos para mitigação dos impactos ambientais.

Apesar dos primeiros objetivos de expansão da atividade parecerem ir na

contramão do objetivo de mitigar impactos ambientais (BITTENCOURT, 2013), as

propostas do Código e do Plano Nacional da Mineração 2030 (MME, 2010)

trabalham com a noção de mineração sustentável, que é questionada por muitos

pesquisadores (SCOTTO, 2014). Nesse sentido, mesmo a possiblidade de avanço

aliar os processos de extração, beneficiamento e transformação na mesma localidade e, em geral, faz uma

distribuição regional do produto final, sendo o mercado interno o principal consumidor (SNIC - Resultados

Preliminares 2015 e 2014). Disponível em: <http://www.snic.org.br/resultados_pre_dinamico.asp> 8 Um exemplo pode ser visto na discussão acerca do novo marco legal. Um dos pontos mais contestados do

texto é o que estabeleceria a criação de uma Agência Nacional de Mineração, que substituiria a CPRM em suas

funções e teria poder decisório quanto ao uso da terra em locais com potencial de exploração mineral, como por

exemplo a criação de Terras Indígenas ou de áreas de conservação ambiental.

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tecnológico tem se mostrado pouco eficiente no que diz respeito à mitigação de

impactos ambientais ou redução do consumo energético.

Scotto (2014) considera que no Brasil existe um esforço de grandes empresas

do setor em se adequar às recomendações de iniciativas internacionais sobre a

sustentabilidade na indústria ou na mineração. O papel dos órgãos reguladores e

das agências financiadoras desses empreendimentos é importantíssimo, pois são

suas exigências de adequação, apresentação de projetos e melhorias nesse sentido

que pautam as ações corporativas. Vale dizer, contudo, que muitas dessas

entidades, como o Banco Mundial, têm adotado uma visão do desenvolvimento

sustentável vinculada ao crescimento econômico e às regras do mercado como

condições para a sustentabilidade. Essa noção também pode ser encontrada entre

os empresários brasileiros, que tendem a considerar o tema da sustentabilidade em

suas empresas apenas na medida em que ele é favorável à imagem corporativa e ao

aumento da produtividade e dos negócios. Todavia, apesar da temática da

sustentabilidade na mineração no âmbito nacional e internacional ser

majoritariamente uma prática discursiva, a nível local ela tem favorecido a criação de

projetos e de ONGs comprometidas com causas sociais e ambientais (SCOTTO,

2014).

Além das questões sobre o crescimento acelerado da mineração e o papel do

Brasil como exportador de produtos primários, existe também o problema do uso do

território que acaba redefinido pela mineração, ou melhor, limitado. A presença de

lavras pode representar, em muitos casos, a perda de funções tradicionais daquele

espaço, do ecossistema local e mesmo da paisagem. A atividade não só pode

impossibilitar o desenvolvimento de outras no mesmo espaço, a agropecuária por

exemplo, como pode impactar negativamente atividades no entorno, como a pesca.

Também podem ser prejudicadas funções sociais e culturais do espaço, como área

ritual, de uso coletivo para pastagem, coleta, ou como áreas de preservação

ambiental. Há também a questão jurídica que separa a propriedade de superfície da

subsuperfície, o que muitas vezes cria conflitos ambientais entre os proprietários da

terra, ou os usuários tradicionais da área, que muitas vezes não têm posse legal da

terra, e as empresas que pretendem explorar o minério (MALERBA; MILANEZ;

WANDERLEY, 2012).

Ao não considerar de maneira satisfatória os usos já existentes dos territórios

propensos à mineração, o Novo Código Mineral também pode acabar contribuindo

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para a existência de conflitos socioambientais. Ele não resolve impasses quanto à

extração mineral em terras indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação e

considera apenas a posse legal da terra passível de indenização, excluindo diversos

outros tipos de uso da mesa de negociação. Desse modo, o processo de mudança

do marco legal reforça contradições, subordina as dinâmicas territoriais locais ao

plano econômico nacional e, em muitos sentidos, limita o debate do setor ao negócio

da mineração ao desprezar os aspectos socioambientais da atividade

(BITTENCOURT, 2013).

3.1 MINERAÇÃO NO ESTADO DA PARAÍBA

Se as questões acima descritas parecem ter pouco peso na realidade

paraibana, pela escala da produção mineral nesse estado relativamente a outros

com reservas maiores e com mineração de alta produtividade, é preciso considerar o

futuro projetado para a atividade no país. Essa projeção é identificada por

documentos, como o Plano Nacional da Mineração 2030 (MME, 2010), que institui

as Áreas de Relevante Interesse Mineral (ARIM).

O investimento na mineração a nível nacional, além das políticas públicas,

dos incentivos fiscais, da discussão acerca do marco legal, passa pelo investimento

em pesquisas geológicas. O Mapa das Áreas de Relevante Interesse Mineral no

Brasil (CPRM, 2009), estabelece áreas de maior interesse para a exploração de

diversos minerais. Apesar do destaque de regiões no norte, sudeste e sul do Brasil,

onde a mineração é atividade já bastante desenvolvida ou, no caso da Amazônia,

uma “nova fronteira”, o estado da Paraíba está incluído entre as áreas de interesse.

Quanto aos metais, o estado apresenta ocorrências de tungstênio, ferro,

nióbio, ouro, estanho e cobre. A região do Seridó é sem dúvida a mais importante

desse mapa, mas o alto sertão também é destacado. Sobre as rochas e minerais

industriais (rochas carbonáticas, argilas, gipsita, rochas ornamentais, diatamita,

feldspatos, rochas para brita, talco e magnesita), o estado apresenta favorabilidade

em todo o território. Já considerando as gemas (turmalina, água marinha e

esmeralda), a Paraíba tem favorabilidade parcial, sendo principalmente na região do

Seridó e do Alto sertão. Há também ocorrências de energéticos (como turfa, linhito,

carvão e urânio) na faixa litorânea, principalmente ao norte. Além disso, o mapa

inclui as águas minerais, que ocorrem principalmente na Zona da Mata e serra da

Borborema. Tamanha favorabilidade ocorre devido à localização geológica do

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estado, na Província Mineral da Borborema (CPRM, 2009).

O contexto atual de exploração mineral na Paraíba já passa por mudanças,

em sua maioria estimuladas por políticas públicas voltadas à formalização ou

incentivo, além de fazerem parte de um panorama de desenvolvimento econômico

através da industrialização e crescimento da infraestrutura voltada a esse setor.

Assim, temos um cenário atual no qual muitos dos aspectos discutidos acima podem

ser encontrados em menor ou maior grau, e no qual a insuficiência das mudanças

propostas para o código minerário, certamente terá impactos significativos.

Pode-se dividir a mineração paraibana em contextos distintos: a exploração

de base garimpeira, intensa sobretudo na região do Seridó Paraibano, alcançando a

região de Campina Grande e também ocorrendo no Alto Sertão; a mineração

industrial mais presente na região litorânea (principalmente nos municípios

metropolitanos de João Pessoa) e em Campina Grande.

3.2 A INDÚSTRIA DO CIMENTO

3.2.1 A indústria do cimento no Brasil e no mundo

A produção de cimento no Brasil foi iniciada na Paraíba, ao fim do século XIX,

apesar de por curto período de tempo. Essa produção surgiu num ambiente

industrial paralelo ao têxtil e alimentício, entre as primeiras indústrias do país. Apesar

de funcionar esporadicamente durante o início do século XX após comprada pela

Votorantim, essa fábrica foi fechada em poucos anos.

O mercado nacional de cimento era pequeno e abastecido por importações, já

que a instalação de uma planta industrial nacional, pelos altos custos, não interessou

aos investidores até o final da década de 1920, quando a fábrica da Companhia

Brasileira de Cimento Portland (CBCP) em São Paulo, de capital principalmente

canadense, passou a funcionar. Durante a década posterior mais fábricas foram

abertas sob o controle das empresas CBCP, Companhia Nacional de Cimento

Portland (CNCP) e Votorantim (SANTOS, 2011).

Após essa década, o mercado do cimento se fortaleceu, principalmente diante

do crescimento urbano e de infraestrutura, além da expansão das malhas viárias.

Isso significou também a execução de novos projetos, atraindo investimentos de

grupos internacionais como Lafarge, Holsim e Cimpor. Além da entrada de capital

estrangeiro, o estímulo do estado para a produção, a definitiva adoção do cimento

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pela construção civil e o investimento de capital carreado de outros ramos foram

facilitadores desse crescimento. O empresariado nacional também passou a ter

papel principal nos investimentos desse setor, diminuindo a importância do capital

estrangeiro na indústria do cimento (SANTOS, 2011).

Uma característica do setor cimenteiro é que ele se expande ou decresce

conforme a situação econômica do país. Por exemplo, durante a crise da década de

1980, o consumo de cimento estagnou, passando a elevar-se em meados dos anos

de 1990 e apresentando crescimento significativo após 2003. Vários fatores

contribuíram para isso: grandes obras de infraestrutura, programas habitacionais, os

Programas de Aceleração do Crescimento (PAC). A abertura econômica e demais

condições favoráveis de países como o Brasil para a atuação dessa indústria acabou

atraindo os grandes conglomerados internacionais, que em muitos casos usam de

fusões e incorporações de empresas menores para dominar o mercado regional.

Todavia, o cenário também foi favorável para os grandes grupos nacionais que

passaram a atuar internacionalmente. Em 2010 a Votorantim e o Grupo Camargo

Correia compraram a maior parte do capital acionário da Cimpor, de origem

portuguesa, o que tornou a situação do mercado brasileiro mais estável para estes

conglomerados e inclusive permitiu às empresas expandirem sua atuação na

Europa, África e Ásia, além de países americanos (SANTOS, 2011).

Esse mercado concentrado do cimento, em alguns momentos é relacionado à

cartelização por operações de divisão regional do mercado, aumento conjunto dos

preços e medidas que objetivavam a quebra de empresas menores (IFANGER,

2009). Em 2014, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE,

condenou algumas empresas do setor cimenteiro por prática de cartel no mercado

nacional durante o ano de 2006. Entre elas estão a Intercement, a Cimpor e a

Votorantim, que tem fábricas no litoral paraibano e estão entre as maiores empresas

do cimento no mundo (ou são parte de grandes conglomerados empresariais),

dominando também o mercado brasileiro.9

Atualmente a preocupação mundial com a diminuição dos gases do efeito

estufa está motivando diversas medidas impostas ou adotadas pela indústria, que é

intensiva no uso de energia elétrica e térmica. Nesse sentido existe uma busca

conjunta do setor privado, dos governos e da sociedade científica por soluções

9 Notícias no site do Governo do Estado da Paraíba. Disponível em: <http://www.paraiba.pb.gov.br/com-cinco-

novas-fabricas-paraiba-sera-2o-maior-produtor-de-cimento-do-pais/>

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mitigadoras também na produção cimenteira. Em 2014, por exemplo, foi lançado o

Mapeamento Tecnológico do Cimento – Brasil, numa parceria entre a indústria do

cimento, a International Energy Agency – IEA, a Cement Sustainability Initiative/

World Business Council for Sustainable Development e outros atores

(parlamentares, acadêmicos e da sociedade civil), sob coordenação do Sindicato

Nacional da Indústria do Cimento – SNIC e Associação Brasileira de Cimento

Portland - ABCP. O estudo deve mapear e observar as emissões de CO² pela

indústria cimenteira do Brasil. Os resultados devem ser associados a cenários para

os próximos 20 ou 50 anos, dos quais farão parte as alternativas de redução dessas

emissões (SNIC, 2013).

Relacionados a esse panorama, estudos tem sido desenvolvidos buscando

trabalhar o conceito de sustentabilidade na indústria do cimento, desde a eficiência

tecnológica e energética até a busca de novos materiais que substituam parte do

minério componente do cimento ou a própria necessidade de cimento na construção

civil10. Entretanto é previsto que o consumo de cimento cresça nas próximas

décadas e que ele seja ainda mais necessário. A busca por substitutos viáveis do

cimento também é necessária considerando que a extração mineral tem limites, já

que o calcário e demais minérios incorporados ao produto são finitos (SNIC, 2013).

3.2.2 O processo de produção do cimento, seus riscos e impactos.

A produção de cimento portland tem diversas etapas, começa com a

exploração do minério em lavras de calcário, argila e gesso ou caulim, passa à

transformação dessa matéria mineral no cimento, até a embalagem do produto e

transporte para o consumidor final. Para que esse processo fique mais claro, e a

partir dele sejam abordadas as suas externalidades e riscos, explica-se de maneira

simplificada suas etapas11.

O processo se inicia com a mineração de calcário e da argila, dos quais são

extraídos carbonato de cálcio, sílica, alumínio e minério de ferro, matérias primas do

cimento. Essa extração é feita em lavras extensas a céu aberto e com uso de

maquinário. Esses minérios são então transportados para a fábrica, entrando em

outra etapa do processo na qual o equipamento industrial é fundamental. São feitas

10 Informações obtidas durante participação no 1º Simpósio UFPB em sustentabilidade na cadeia do Cimento,

em agosto de 2015. 11É ilustrativo desse processo o vídeo produzido pelo SNIC que explica o processo de produção do cimento.

Fonte: Site do SNIC. Disponível em: <http://www.snic.org.br/processo.asp>.

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a moagem e homogeneização do material já triturado resultando na chamada farinha

crua, ou cru. O cru, que apresenta o aspecto de um pó fino, é então destinado aos

fornos rotativos que, sempre em funcionamento, precisam atingir altas temperaturas

para, após um rápido resfriamento, transformar o material no que a indústria chama

de clínquer. É necessária então a moagem do clínquer e incorporação de outros

materiais para se chegar ao cimento, trata-se essencialmente de gesso ou caulim,

mas outras adições também são possíveis. Essas adições tem objetivos específicos,

como a redução da impermeabilidade ou maior resistência e podem vir inclusive de

resíduos industriais ou agrícolas12. O produto finalizado então é armazenado em

silos e ensacado dependendo da forma de distribuição, para transporte aos

revendedores (SANTI; SEVÁ FILHO, 2004). A figura 01, a seguir, ilustra o processo.

Figura 01 - Processo de produção de cimento Portland:

Fonte: Adaptado de Carvalho (2008) e WBCSD (2009).

Todo esse processo depende de grande quantidade de energia para funcionar, tanto

eletricidade quanto combustível. A alimentação dos fornos rotativos é um ponto

importante na busca de eficiência energética na indústria do cimento. Para diminuir o

uso de combustíveis fósseis buscou-se no processamento de resíduos industriais

material para geração de energia térmica, o que passou a ser chamado de

coincineração ou cooprocessamento, no qual se destaca a queima de pneus

inutilizados, e resíduos como o de EVA13, por exemplo (SANTI, 2003). Essa medida

12 Site da Lafarge. Disponível em: <http://www.lafarge.com.br/wps/portal/br/2_2_1-Manufacturing_process> 13 EVA é A Espuma Vinílica Acetinada, conhecida como EVA é uma espuma sintética flexível utilizada na

confecção de diversos produtos, como calçados e tapetes.

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é bastante discutida pela bibliografia atual e não há consenso sobre até que ponto

ela pode ser benéfica ou prejudicial ao meio ambiente a à saúde humana.

Apesar da prática da coincineração ser considerada uma solução para o

problema dos resíduos sólidos na medida que permite incinerar material que seria

destinado a aterros sanitários ou armazenamento em substituição aos combustíveis

fósseis. No entanto, essa solução alternativa tem sido bastante contestada por seu

teor poluente e pela emissão de carbono implicada no atual contexto de crise

climática (LINS; ROCHA, 2011). Considerando não só a destinação alternativa dos

resíduos industriais ou agrícolas, mas também a diminuição do uso de combustíveis

fósseis finitos, a princípio a medida atenua dois problemas ambientais. Essa ideia é

adotada por muitos Estudos de Impacto Ambiental, amparando discursos que

defendem a sustentabilidade dos processos produtivos das fábricas de cimento14.

Muitos autores, entretanto, apontam falhas nessa visão. Santi e Sevá Filho

(2004) criticam essa abordagem, apontando a coincineração de resíduos em fornos

de clínquer como fator de expansão dos riscos, já que não há estudos conclusivos

sobre os efeitos da queima desses diversos materiais sobre o ambiente e a saúde

humana, e em muitos casos (isso pode variar de acordo com o estado), não há

controle de quantidade ou tipo de resíduo destinado a esse fim. Os autores

classificam esse processo como complexo e pelo seu ineditismo, um experimento

social em larga escala, no qual os riscos sobretudo à saúde são divididos com a

população (SANTI, 2003; SANTI; SEVÁ FILHO, 2004).

O resíduo queimado pode conter diversos tipos de poluentes, que não são

completamente eliminados pela incineração, podendo ser exalados em forma de

gases tóxicos ou serem encontrados mais concentrados no próprio cimento (LINS;

ROCHA, 2011). São muitos os estudos relacionando esses poluentes a problemas

de saúde diversos, como os de Milanez (2007), Winder e Carmody (2002), Porto e

Fernandes (2006) (LINS; ROCHA, 2011). Os estudos de caso feitos nesse sentido

evidenciam não só situações complexas onde a saúde dos trabalhadores é exposta

a riscos pouco conhecidos, mas também conflitos ambientais envolvendo as

comunidades próximas às fábricas.

Santi e Sevá Filho (2004), realizaram um estudo de caso do Polo Cimenteiro

14 Por exemplo, no Estudo de Impacto Ambiental – EIA referente à implantação de lavra a céu aberto para

EXTRAÇÃO DE CALCÁRIO, ARGILA E AREIA, nos municípios de Alhandra e Pitimbu, Elaborado pela

empresa Geoconsult. Fortaleza, 2012. Processo SUDEMA No. 2011-004606/TEC/LI-0947.

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na região metropolitana de Belo Horizonte que identificou diversos riscos aos quais a

população e os trabalhadores das fábricas estão expostos. Destacou-se a poluição

gerada pela coincineração nos fornos de clínquer que utilizava resíduos industriais

diversificados misturados à queima, atividade autorizada pelo orgão ambiental

competente (SANTI; SEVÁ FILHO, 2004).

Pinto Junior e Braga (2006), num estudo sobre a saúde de trabalhadores dos

fornos de coincineração de uma fábrica cimenteira em Cantagalo (RJ), alertam para

a falta de dados relacionando a saúde dos trabalhadores ao contato com emissões

de material particulado ou gases tóxicos. Os problemas de saúde dos trabalhadores,

verificam os autores, apesar de associados a suas atividades, nem sempre são

encarados como doenças do trabalho ou acidentes de trabalho e na maioria das

vezes não são registrados por mecanismos como a Comunicação de Acidente de

Trabalho (CAT), tornando esses casos invisíveis aos órgãos de vigilância da saúde

do trabalhador. Relatou-se também que o uso de EPIs nem sempre é suficiente para

evitar efeitos do contato com tais emissões, como irritação, tontura, dores de cabeça

e náuseas. Os autores alertam ainda para a possibilidade desses riscos à saúde que

incidiam diretamente sobre os trabalhadores da fábrica, especialmente aqueles

envolvidos na atividade dos fornos rotativos, no futuro podem atingir uma parcela

bem maior da população pela gradual poluição ambiental gerada (PINTO JUNIOR;

BRAGA, 2006).

Porém, os impactos ambientais e riscos da produção do cimento não se

restringem àqueles gerados pelos fornos rotativos, estando em todas as etapas do

processo. Os impactos da instalação e operação das fábricas de cimento podem ser

tanto potenciais (riscos) quanto manifestos, afetando sociedade, ambiente e saúde e

segurança laboral de diversas formas e podendo ser compreendidos como positivos

ou negativos.

Os potenciais de impactos sociais negativos incluem pressão sob a

infraestrutura local, danos à saúde da população, problemas sociais associados ao

aumento do fluxo de pessoas como crimes e prostituição, diminuição da coesão

comunitária, mudanças na percepção e nos valores culturais da comunidade. Alguns

potenciais impactos sociais positivos são suporte financeiro a grupos sociais

vulneráveis, melhora na infraestrutura local, geração de empregos e estímulo do

crescimento econômico local, gerando alternativas de renda e atração de outras

indústrias (CSI, 2005).

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Quanto à saúde e segurança laboral, os potenciais impactos são doenças

respiratórias, queimaduras, alergias e acidentes. Esses riscos podem aumentar

conforme o uso de químicos e material explosivo, porém programas para controle

desses riscos, além de treinamentos voltados à segurança e saúde dos funcionários

devem ser adotados (CSI, 2005).

Os impactos ambientais potenciais da extração e fabricação do cimento são

diversos. Entre eles aquele que mais tem chamado atenção e motivado a busca por

medidas mitigatórias é a emissão de poluentes, sobretudo os gases do efeito estufa.

Além destes, pode haver emissão de material particulado, de substâncias voláteis,

além da contaminação de efluentes líquidos, a geração de resíduos sólidos

contaminados, e o risco de acidentes mais sérios, como incêndios, explosões,

vazamentos e derramamento de material. Pode existir também a destruição de sítios

arqueológicos, cavernas e locais de importância imaterial para a comunidade, além

das profundas modificações na paisagem cênica. A poeira gerada e a poluição

sonora, além do próprio impacto da instalação da lavra e fábrica, também podem

afetar a biodiversidade local. Após a produção, o transporte do cimento, que no

Brasil é predominantemente feito por rodovias, é outra fonte de impactos negativos

ao ambiente (CSI, 2005; SANTI; SEVÁ FILHO, 2004).

Os conflitos ambientais ocasionados por esses impactos são comuns em

várias regiões do Brasil. Carvalho (2008), abarcando o caso da indústria cimenteira

de Sobradinho (DF) que gera impactos na comunidade de Lençol Queimado,

determina que há fontes poluentes em todas as etapas do processo de fabricação do

cimento, desde a extração até a distribuição, e sugere formas de diminuir esses

impactos e chegar à resolução de conflitos relacionados à atividade. A autora sugere

a adoção da Ecologia Industrial e do Ciclo de Vida para a melhor gestão dos

impactos e a gestão pacífica dos conflitos socioambientais, enfatizando também

medidas como a coincineração de resíduos como solução para o problema

ambiental da destinação de resíduos industriais.

Valéria Oliveira e Maria Pardo (2007) realizaram a pesquisa de conflitos

ambientais gerados pela produção de cimento portland no bairro América em

Aracaju, entre os anos de 1975 a 1984. Tendo a memória dos moradores e a

pesquisa histórica como fontes, as autoras descrevem os longos anos de

divergências entre a Fábrica de Cimento Portland e os moradores do bairro América,

as formas buscadas para solucionar esse conflito e a decisão de mudança da fábrica

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para outra região, após décadas de sua instalação. Ressalta-se que a população

criou uma dependência econômica da fábrica por muitos moradores do bairro serem

empregados na mesma e o fechamento não era considerado benéfico a nenhuma

das partes. Além disso, a instalação da fábrica em 1967 foi recebida com entusiasmo

pela população dada a geração de empregos e os impactos negativos só foram

percebidos como danosos com o aumento da densidade demográfica na região. A

decisão de construir uma nova fábrica em local afastado entretanto, teve motivação

econômica – foi escolha da Votorantim, proprietária da fábrica, para ampliar e

modernizar sua produção – apesar de a pressão dos movimentos sociais certamente

ter contribuído (OLIVEIRA; PARDO, 2007).

No estado da Paraíba, Gutierres (2011) realizou uma análise da gestão

ambiental de mineradoras à partir da ótica da população tendo como objetivo

verificar se a certificação ISO 14001 melhoraria a relação com a comunidade. As três

mineradoras investigadas, entre elas a Fábrica de cimento pertencente à Cimpor, na

Ilha do Bispo em João Pessoa, apresentaram contextos e modelos de gestão

diferentes, com percepções diversas da população. Os resultados indicaram que as

mineradoras mais próximas de áreas urbanas geraram mais impactos ambientais e

sociais, segundo a percepção da população, que as medidas socioambientais

adotadas pelas empresas. Estas, apesar de entendidas positivamente pela

população, causam pouco impacto, com isso o autor conclui que a certificação

ambiental não é garantia de um bom relacionamento entre empresa e comunidade

(GUTIERRES, 2011).

Já Freitas (2010) construiu sua dissertação sobre os benefícios trazidos pelo

cooprocessamento de pneus inservíveis em João Pessoa, nos fornos da cimenteira

Cimpor. A pesquisa aborda os benefícios socioeconômicos da destinação dos pneus

para esse fim, gerando renda a catadores por exemplo, os benefícios ambientais

que traria a queima de pneus como combustível no lugar do coque de petróleo, pois

seria menos poluidora (FREITAS, 2010). O uso desse material para alimentação dos

fornos rotativos, como já abordado anteriormente, é bastante questionável pois é

possível a emissão de óxido arsenioso para a atmosfera, com o risco de acúmulo no

ambiente (LINS; ROCHA, 2011).

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4. ASPECTOS METODOLÓGICOS

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

4.1.1 O Litoral Sul paraibano

O litoral paraibano está localizado na Bacia Sedimentar Pernambuco-Paraíba

(figura 04), dentro da qual está a sub-bacia Alhandra, que alcança todo o litoral sul,

desde a Falha de Itabaiana, logo a norte de João Pessoa, até a Falha de Goiana, já

nas proximidades da divisa com o Estado de Pernambuco.

Figura 04 – Bacias Sedimentares Potiguar, Paraíba e Pernambuco:

Fonte: BARBOSA et al., 2003.

No constante ao litoral sul do Estado, a Bacia Pernambuco-Paraíba foi

preenchida primeiramente com a Formação Beberibe, depois com a Formação

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Itamaracá, para então receber a Formação Gramame e acima os depósitos

terciários, sobretudo a Formação Barreiras sobre a qual estão os Tabuleiros

Litorâneos. Para essa pesquisa é especialmente importante a Formação Gramame

que, composta por calcários e margas formando uma plataforma carbonática de

depósitos marinhos, é de interesse para a exploração minerária. Na região de João

Pessoa e ao longo do rio Gramame existem afloramentos desse material, que em

sua maior extensão está mais profunda, entre 100 e 150 metros, chegando a 30

metros de espessura no litoral sul da Paraíba (BARBOSA et al., 2003).

O litoral sul encontra-se inserido nas bacias hidrográficas do rio Gramame e

Abiaí. A Bacia do Gramame é de suma importância na região, pois, além de abarcar

boa parte do litoral sul e da cidade de João Pessoa, é fonte de abastecimento de

água para a capital e região metropolitana por meio do açude Gramame-Mamuaba.

Existe uma grande preocupação com essa bacia pois especialistas prevêm um

aumento na demanda do abastecimento para a região da grande João Pessoa,

acima da capacidade do açude. Além disso, a poluição do rio Gramame e seus

afluentes pelas indústrias e usinas de cana é uma ameaça à saúde das

comunidades ribeirinhas e do meio ambiente em todo o percurso do rio (SILVA et al.,

2002).

A região da Zona da Mata era originalmente coberta por mata atlântica em

grande extensão do território, mas hoje as áreas de mata estão reduzidas. O plantio

em monoculturas de cana de açúcar é a causa principal do desmatamento da mata

atlântica nessa região, porém atualmente a urbanização, os loteamentos para

construção de habitações ou veraneio estão contribuindo para uma mudança na

paisagem que também causa impactos ambientais negativos, inclusive com

supressão de vegetação nativa.

Quanto à formação social do litoral sul, é fundamental evidenciar a presença

de grupos indígenas Tabajara e comunidades quilombolas. Na atualidade eles então

entre os principais afetados pela industrialização crescente, já que em muitos

aspectos ainda preservam modos de vida tradicionais, nos quais a pesca e a

agricultura familiar são centrais econômica e culturalmente.

Em 1574 a Capitania da Paraíba foi desmembrada da Capitania de Itamaracá

concedida a Pero Lopes de Sousa em 1534. Conflitos entre potiguaras e

portugueses, que resultaram na Tragédia de Tracunhaém, motivaram o aumento do

controle na região e a expulsão dos franceses. Até o século XVII, a ocupação

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portuguesa se concentrou no litoral, onde a presença dos franceses, de grupos

indígenas das etnias Tabajara e Potiguara e, posteriormente, dos holandeses, definiu

a dinâmica da colonização dos primeiros tempos.

Aliados aos Tabajaras, os portugueses conseguiram a retirada dos franceses

e fundaram em 1585 a Cidade Real de Nossa Senhora das Neves, atual João

Pessoa. Essa data marcou também o armistício entre Tabajaras e Potiguaras, que

limitaram seu território ao norte do rio Paraíba (BORBA, 2006, 38).

Após fundada a Capitania foram formados aldeamentos indígenas onde eram

aldeados povos aliados, sob forma de controle da Coroa portuguesa, mas também

em contrapartida pelas alianças em conflitos. No caso dos Tabajaras, após a

conquista da capitania, estes receberam três léguas de terra da Coroa por meio da

Sesmaria da Jacoca, que correspondia a grande parte do litoral sul da Paraíba.

Dentro dessa Sesmaria foram fundadas algumas aldeias, entre elas a Vila Nova de

Alhandra e a de Jacoca em 1614, atual cidade do Conde (MEIRA; APOLINÁRIO,

2010).

A convivência entre os aldeados e os colonizadores no entanto, sempre foi

marcada por conflitos, invasões da Sesmaria e levantes dos aldeados. Com a

expansão da pecuária durante o século XVII no sertão e o crescimento populacional,

esses conflitos se acentuaram. A Sesmaria foi a partir de então sendo fragmentada.

Isso foi consequência também da legalização de posses e aforamentos com suporte

da Constituição de 1824 e da Lei de Terras de 1850. Os Tabajaras perderam mais da

metade de seu território e grande parte da Sesmaria tornou-se propriedades

privadas. Os habitantes pobres livres, dentre eles comunidades negras e Tabajaras,

ficaram restritos aos “espaços devolutos” ou permaneceram na condição de

arrendatários (MEIRA; APOLINÁRIO, 2010; MARQUES, 2015).

Foi o caso dos habitantes de comunidades negras que viviam em

aldeamentos na Sesmaria, como a comunidade de Gurugi, que se tornou parte de

uma fazenda após a Lei de Terras e assim permaneceu até meados do século XX.

Importante lembrar que em 1888 a escravidão foi abolida, mas na prática a condição

dos trabalhadores libertos não mudou muito. Apesar de livres, muitos tiveram que

permanecer nas fazendas onde eram escravos, economicamente atrelados aos

donos das terras, sem direitos e sob violenta coerção.

Essa estrutura agrária herdada do regime escravista sustentou-se por

gerações na Paraíba como no Nordeste como um todo, motivando o surgimento das

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ligas camponesas em 1955. A primeira liga camponesa da Paraíba foi fundada em

1958 em Sapé, seguida por outras em toda a Zona da Mata, como a de Alhandra,

tornando-se posteriormente sindicatos. Em meio aos muitos conflitos entre

camponeses e fazendeiros, que reprimiam violentamente os primeiros com amparo

do Estado, o governo lançou o Pró-Álcool, na década de 1970. Estimulando a

expansão canavieira, o programa incentivou ainda mais os conflitos agrários

(MONTEIRO; GARCIA, 2012; TARGINO; MOREIRA; MENEZES, 2011).

Finalmente, da resistência das ligas camponesas aliadas à CPT resultou a

instalação de alguns assentamentos rurais de reforma agrária, como o de Mucatu

que hoje está na área de impacto da fábrica Elizabeth. No caso de alguns

assentamentos no Gurugi, após o ano de 2001 famílias passaram a buscar o

reconhecimento do território como quilombola. Entretanto no decorrer do processo

alguns moradores passaram a temer a mudança de seus títulos individuais dos lotes

já assegurados pela reforma agrária, para a condição de terra comunal e inalienável

que o Incra concede às terras quilombolas. Mesmo assim, atualmente a região tem

três comunidades quilombolas: Guruji, Ipiranga e Mituaçu, todas no município de

Conde (MONTEIRO; GARCIA, 2012) .

4.1.2 O Polo Cimenteiro

Além da ampliação de fábricas e lavras já existentes, novas foram e estão

sendo implantadas. No litoral sul são cinco ao todo, formando um polo cimenteiro

que deve aumentar consideravelmente a produção de cimento do estado. A

construção desse complexo despertou expectativa por parte da população, que

também experimenta seus impactos. A cobertura midiática do processo tende a

evidenciar a criação de empregos e a geração de impostos relacionados à atividade,

mas esporadicamente noticiou acidentes industriais (como as nuvens de poeira) e

conflitos ambientais, como a disputa territorial da fábrica Elizabeth com assentados

de Mucatu e o povo Tabajara em Alhandra15. Os municípios envolvidos têm

características socioeconômicas parecidas e compartilham a APA de Tambaba,

decretada unidade de conservação em 2002. Também estão dentro da área de

atuação do Comitê de Bacias Hidrográficas do Litoral Sul16.

15 Notícia sobre o conflito no site do Ministério Público Federal da Paraíba:

http://www.prpb.mpf.mp.br/news/acordo-entre-tabajaras-e-fabrica-de-cimento-poe-fim-a-conflito 16 Ver site da AESA: http://www.aesa.pb.gov.br/comites/litoral_sul/

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Figura 05 – Localização das fábricas nas Bacias Hidrográficas:

Fonte: Adaptado de AESA, 2009.

Para abarcar a instalação de um polo cimenteiro no litoral sul, que abrange

vários municípios, foram selecionadas duas das fábricas como recorte possível para

essa pesquisa. A razão da escolha dessas duas fábricas foi a facilidade de acesso

aos documentos de seu licenciamento ambiental, o tempo de existência das fábricas

e lavras. Uma delas está em processo de instalação e ampliação da área de lavra

desde 2011, a outra é recente e têm aproximadamente dois anos de atividade. As

duas também estão em municípios distintos. Além disso, existem conflitos

ambientais já documentados ou latentes em torno de sua instalação. A fábrica da

Intercement-Cimpor está num contexto bastante interessante, e que contribuiu para

sua escolha como objeto de estudo, que envolve a mobilização social das

comunidades do Conde e João Pessoa, principalmente as ribeirinhas, pela proteção

ambiental do rio Gramame, importante não só para o cotidiano dessas comunidades,

mas para o abastecimento de toda a cidade de João Pessoa. Já a fábrica da

Elizabeth Cimentos em Alhandra, além de já estar em funcionamento, apresenta um

contexto de conflito sobre o território desde sua implantação.

A escolha de duas fábricas visa não restringir a pesquisa à condição de

estudo de caso, até porque não se propõe a obter um diagnóstico completo do caso,

mas de um aspecto específico que é a percepção social sobre a presença das

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cimenteiras, de sua atuação na região e dos impactos envolvidos nesse processo.

Além disso, permite uma análise comparativa na qual pode-se testar as hipóteses do

estudo em recortes ligeiramente diferentes e explorar as particularidades de cada

caso de acordo com seu contexto geofísico e social. Elas estão na Zona da Mata Sul

da Paraíba, na Mesorregião da Mata Paraibana e dentro das bacias do Rio

Gramame e Abiaí (BRASIL, 2011).

Recorte 1: A fábrica de cimento da Intercement-Cimpor obteve licença

ambiental pela SUDEMA em 2011 juntamente com a lavra da empresa Cimpor no

município do Conde, que já estava em funcionamento e deve ser ampliada. O

empreendimento está localizado na fazenda Caxitu, área rural do Conde17. Os

núcleos habitacionais mais próximos à mineradora são: Jardim Primavera, Condessa

do Vale, Carnaúbas, N. Sra. Da Conceição, Mituaçu, Caxitu e Guruji no Conde. Em

João Pessoa as localidades de Gramame e Engenho Velho também são afetadas

pelo empreendimento.

O empreendimento está próximo ao Distrito Industrial de João Pessoa e à BR

101. O rio Gramame também está próximo e seu tributário o Água Boa corta o

terreno designado como área da empresa para eventual expansão da lavra.

Ressalta-se a importância do local da fábrica dentro da bacia hidrográfica do rio

Gramame, e de outros patrimônios materiais e imateriais do entorno, como a Estrada

Velha para Recife, a Ponte dos Arcos, as áreas de Mata Atlântica, as cacimbas e o

rio Jacoca18.

O município de Conde se emancipou de João Pessoa em 1963 e em 2015

contava com a estimativa de 23.975 habitantes (IBGE, 2014). Localizado na Zona da

Mata sul paraibana, está inteiramente dentro do bioma Mata Atlântica. O IDH do

município, em 2010, foi de 0,618, com PIB per capita19 de 23.832,30 reais, o terceiro

do estado, para o qual contribuem principalmente as atividades de serviços e

industriais, sendo a agropecuária bem menos significativa nesse sentido. Entretanto,

a renda per capita média dos residentes em domicílios particulares, segundo o IBGE

(2010), é bastante baixa, cerca de R$200,00 na área rural e R$240,00 na área

urbana, apesar de não estar entre as mais baixas do estado. O município alcança

0,36 no Índice de Gini, e a incidência de pobreza é de 65,95%, segundo o IBGE

17 Em alguns momentos do texto refere-se a este conjunto de fábrica e lavra como Projeto Caxitu. 18 Informações disponíveis no site: <http://www.museudopatrimoniovivo.com/#!comunidades/c1h6a>. 19 Realizado em 2013, com o ano de 2010 como referência.

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(2010). A população de homens e mulheres é equilibrada. Aproximadamente 2/3 da

população é alfabetizada.

O turismo de sol e mar é uma das atividades econômicas fortes no município,

apesar de também haver desenvolvimento do turismo rural. Hoje também cresce o

setor imobiliário do município, voltado sobretudo ao veraneio, com loteamentos tanto

na faixa litorânea quanto na zona rural. A pesca e a aquicultura são atividades

também representativas, apesar de não estarem fortemente vinculadas à geração de

PIB. A agropecuária tem sua principal representação nas atividades de plantio e

processamento de cana de açúcar, coincidindo nesse caso com a atividade

industrial. A implantação de um distrito industrial no município também alavanca

essa atividade, ao dar condições tributárias bastante favoráveis a empreendimentos

do setor, além de todo um planejamento logístico estratégico empreendido pelo

Estado. Outro ponto de destaque é a existência de algumas comunidades

quilombolas na área rural do município, importantes pontos de guarda da memória e

cultura tradicional do Conde. Na Barra do rio Gramame encontra-se também um

grupo do povo indígena Tabajara.

Recorte 2: A fábrica Elizabeth Cimentos LTDA e sua respectiva área de lavra,

pertencem ao grupo Votorantim e estão localizadas na fazenda Timbaúba II, Mucatu,

entre os municípios de Pitimbu e Alhandra. Suas atividades foram iniciadas em

fevereiro de 2015, porém entre 2010 e 2013 a empresa esteve envolvida em um

conflito ambiental com assentados de Mucatu, incluindo o grupo Tabajara de

Alhandra, que não aceitavam a instalação da fábrica num terreno que tinha sido

parte do assentamento de Mucatu20. O empreendimento está entre as localidades

de João Gomes e Subaúma e próximo 2 km da área urbana de Alhandra. Os

núcleos populacionais mais próximos são João Gomes e Subaúma, o assentamento

Mucatu, Sobradinho (em Pitimbu) e Acais, além do centro de Alhandra. O terreno do

empreendimento é cortado pelo tributário rio Aterro e pelo riacho João Gomes cuja

nascente está no entorno, e logo ao sul da área da fábrica está o riacho Acais. O

município de Alhandra também faz divisa com o Açude Gramame-Mamuaba, que

abastece João Pessoa e região metropolitana.

O município de Alhandra tornou-se sede em 1959, com população estimada

em 2015 de 19.238 habitantes (IBGE, 2014). Assim como o Conde e Pitimbu,

20 Idem.

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Alhandra se encontra na Zona da Mata, inserida no bioma Mata Atlântica. O IDH do

município, em 2010, foi de 0,582, com PIB per capita21 de 31.794,04 reais, segundo

do estado da Paraíba, para o qual contribuem principalmente as atividades de

serviços. A indústria tem uma pequena contribuição, assim como a monocultura de

cana de açúcar, além disso a agricultura familiar é uma atividade de destaque. Assim

como os outros municípios abordados, a renda per capita dos residentes em

domicílios particulares é baixa segundo levantamento do IBGE (2010),

aproximadamente R$170,00 na área rural e R$226,40 na área urbana. A população

de mulheres é ligeiramente superior à de homens e a alfabetização alcança 11.918

habitantes (IBGE, 2010).

Pitimbu tornou-se município em 1963, e alcançou a população estimada em

2015 de 18.685 habitantes. Com IDHM (2010) de 0,570, Pitimbu apresentou PIB per

capita22 de 7.105,68 reais, pouco expressivo em comparação com outros municípios

do estado. O PIB municipal é gerado principalmente pela agropecuária, com

destaque para o monocultivo de cana de açúcar, e pelo setor de serviços, sobretudo

o turismo de sol e mar e o mercado imobiliário, a indústria tem uma contribuição

menor. A população de mulheres e homens é equilibrada e a população alfabetizada

é de 10.821 habitantes (IBGE, 2010). A renda per capita dos residentes em

domicílios particulares é R$142,40 na área rural e R$186,80 na área urbana (IBGE,

2010).

Os três municípios abrigam a APA de Tambaba, que atualmente sofre com os

impactos de loteamentos destinados ao turismo e também com alguns casos

pontuais de exploração mineral, como é o caso do calcário para fins industriais. Na

região também há comunidades quilombolas e Terras indígenas.

4.2 METODOLOGIA

Para alcançar os objetivos propostos, determinou-se como referencial teórico

a abordagem sociocultural dos riscos. Dessa forma, a metodologia de levantamento

de dados e análise é predominantemente qualitativa, com o auxílio de dados

secundários quantitativos levantados em pesquisa documental.

As pesquisas de percepção com abordagem sociocultural geralmente utilizam

metodologias qualitativas pois estas têm se mostrado mais adequadas aos objetivos

21 Realizado em 2013, com o ano de 2010 como referência. 22 Realizado em 2013, com o ano de 2010 como referência.

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de tais estudos. A partir desse tipo de pesquisa é possível acessar informações mais

subjetivas e complexas, que não estão ao alcance de outros métodos. Além disso, o

objeto do estudo é a percepção dos atores, enquanto representação do real. É

essencial que os métodos de coleta de dados proporcionem esse alcance.

A entrevista é uma forma de complementar dados objetivos ou quantitativos

obtidos através de índices e indicadores. Além disso é uma importante ferramenta

para a geração de dados a partir de conteúdos subjetivos, relacionados à percepção,

aos valores, ao comportamento individual ou de determinado grupo social e ao

significado que os sujeitos atribuem à realidade que vivenciam. Ou seja, um

processo de interação social, que objetiva informações específicas (BONI;

QUARESMA, 2005).

A entrevista, em conjunto com a observação participante dificultam ao

pesquisador limitar suas observações às condizentes com suas expectativas ou

preconceitos, já que oportunizam um maior período de contato com o entrevistado e

seu contexto, assim como tornam mais difícil a sustentação de um discurso

programado ou inventado (GOLDENBERG, 2013).

Considerando todos esses fatores, os métodos de coleta de dados dessa

pesquisa foram a entrevista semiestruturada individual e a observação participante,

além de consulta documental e de dados quantitativos secundários.

Foram consultados os dados de censos do IBGE, principalmente referentes

aos municípios pesquisados. Além destes, os Relatórios de Impacto Ambiental

anexos aos processos de Licenciamento Ambiental dos projetos pesquisados,

entregues à SUDEMA e disponibilizados no site do órgão. Também apoiou-se em

dados referentes à indústria do cimento e ao impacto ambiental da atividade

disponibilizados pelo Sindicato Nacional da Indústria do Cimento - SNIC e pela

World Business Council for Sustainable Developement - WBCSD.

Para definição da amostra para o levantamento de dados primários,

selecionou-se atores sociais que de alguma maneira fossem capazes de contribuir

com a pesquisa através de informações ou de sua experiência no contexto

pesquisado. Eles foram escolhidos por indicação ou oportunisticamente, pela maior

disponibilidade para contribuir com a pesquisa. As entrevistas seguiram um roteiro

semiestruturado. Os atores entrevistados foram: especialistas no assunto, gestores

ambientais, membros de movimentos sociais e ambientalistas, pessoas da

comunidade, representante do legislativo estadual, de agência de desenvolvimento,

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e de ONGs envolvidas com a temática. Demais detalhes sobre os atores

entrevistados estão logo abaixo, no quadro 01.

A análise e interpretação dos dados consiste na sistematização dos dados

coletados, com construção de categorias temáticas desenvolvidas a partir dos

objetivos e da identificação dos temas abordados nas entrevistas, após transcritas. A

partir da seleção de informações representativas da percepção dos atores e das

diferentes avaliações que estes apresentaram sobre a temática serão discutidos os

resultados confrontando-se os corpos teórico e empírico da pesquisa e tendo em

vista os objetivos elencados.

4.2.1 Dados dos entrevistados

Ao total foram realizadas onze entrevistas. Os atores depoentes terão seus

nomes substituídos por números nessa pesquisa, por questões éticas. Todas as

entrevistas foram feitas nos locais de trabalho dos entrevistados, no município de

João Pessoa ou no caso das comunidades, em suas residências; em Mituaçu, a

entrevista foi feita em grupo no espaço Quintal Cultural. Abaixo suas características

básicas serão descritas, no quadro 01.

Quadro 01:

Atividade Profissional

Grupo de atuação Local de Residência Data da entrevista

Entrevistado 01 Professor Universitário

Especialista João Pessoa 09/08/2016

Entrevistado 02 Educador ambiental em ONG

Comunidade e ONG

João Pessoa (Gramame, área diretamente atingida pela fábrica)

19/08/2016

Entrevistada 03 Professora Universitária

Especialista João Pessoa 03/10/2016

Entrevistado 04 Diretor da CINEP Gestor público estadual

João Pessoa 04/10/2016

Entrevistado 05 Analista do ICMBio Gestor ambiental João Pessoa 04/10/2016

Entrevistado 06 Deputado Estadual Legislativo João Pessoa (já foi morador de Mucatu)

09/11/2017

Entrevistado 07 Pequeno Agricultor Comunidade João Gomes, Alhandra

28/01/2017

Entrevistados 08*

Pequenos Agricultores

Comunidade João Gomes, Alhandra

28/01/2017

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Entrevistado 09**

Funcionário público (Sec. Cultura Conde)

Comunidade Mituaçu, Conde 07/02/2017

Entrevistada 10**

Funcionária pública Comunidade Mituaçu, Conde 07/02/2017

Entrevistada 11**

Autônoma Comunidade Mituaçu, Conde 07/02/2017

* Nesse caso entrevistou-se um casal que respondeu às perguntas de maneira conjunta. ** Entrevistados em grupo focal.

Infelizmente não foi possível a realização de entrevistas com representantes da

SUDEMA, Procuradoria da República – PB, Associação Paraibana dos Amigos da

Natureza - APAN, e com as empresas pesquisadas, apesar dos contatos e das

tentativas realizadas. Desse modo, apesar da relevância dos resultados obtidos,

ainda há lacunas de informação que talvez trouxessem outras variáveis à discussão,

sobretudo no que diz respeito ao posicionamento das empresas e da SUDEMA em

relação ao tema.

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5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.1 ALGUNS DADOS SOBRE A MINERAÇÃO INDUSTRIAL NA PARAÍBA

Primeiramente, no intuito de fazer uma exploração inicial do contexto

pesquisado de maneira mais ampla, expõe-se aqui alguns dados secundários

confrontados para, ainda que de maneira superficial, abordar a seguinte questão: A

presença da mineração industrial, como contribuinte à receita estatal, significa

necessariamente a melhoria na qualidade de vida da população? Apesar de ser essa

uma questão de difícil resposta, já que a qualidade de vida é determinada por uma

multiplicidade de fatores, esse é um argumento frequente para a decisão de

autorizar a instalação desses empreendimentos.

As indústrias da mineração paraibana têm se concentrado na região de

Campina Grande, no litoral, mas também em maior ou menor grau ao longo da

rodovia BR 230 até o alto sertão. Se observarmos a arrecadação anual da

Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais - CFEM veremos

como primeiros da lista aqueles municípios que abrigam indústrias da mineração,

com uma pequena variação dos minérios explorados nas regiões apontadas,

conforme o quadro 02.

Quadro 02:

Oito municípios com maior arrecadação CFEM da Paraíba e sua posição no IDHM 2010

Município Arrecadação CFEM por município (R$)*

Posição no ranking estadual do IDHM 2010**

IDHM

Mataraca 2.048.110,00 210º 0,536

Santa Rita 1.493.223,59 23º 0,627

Pitimbu 1.099.764,71 150º 0,570

Caaporã 330.148,55 68º 0,602

Sapé 164.907,75 151º 0,569

Boa Vista 137.539,75 11º 0,649

Pedra Lavrada 110.967,81 132º 0,574

João Pessoa 97.716,41 1º 0,763

Fonte: Diretoria de Procedimentos Arrecadatórios (DIPAR) - Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. * Arrecadação total do ano de 2016.

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** Os dados mais recentes disponíveis do IDHM são de 2010.

Esperar-se-ia que a arrecadação de CFEM interferisse diretamente na

melhoria da qualidade de vida da população destes municípios, caso fosse

direcionada aos serviços públicos por exemplo. Todavia essa expectativa não é

confirmada pelos dados elencados, o que pode ter diversos motivos, inclusive a má

gestão dos recursos públicos (VILLAS-BOAS, 2011). Verificando o Índice de

Desenvolvimento Humano dos Municípios - IDHM, um índice vastamente usado para

a avaliação da qualidade de vida da população e que considera parâmetros como

renda, longevidade e escolaridade, pode-se observar a disparidade no

posicionamento de alguns municípios que mais arrecadam o CFEM.

Observa-se no quadro que apenas João Pessoa apresenta IDHM considerado

alto, ultrapassando a média brasileira. Os municípios de Santa Rita, Boa Vista e

Caaporã apresentam IDHM médio, ainda assim abaixo da média do estado

enquanto os outros, mesmo Pitimbu e Mataraca, obtém IDHM baixo se comparado a

outras cidades. Desse modo, não é possível correlacionar a arrecadação da CFEM,

ou mesmo a presença da atividade minerária automaticamente a um alto valor no

IDH.

Villas-Boas (2011) observa esse descompasso entre a atividade minerária, o

CFEM gerado e os indicadores de bem estar e desenvolvimento humano de

municípios do semiárido brasileiro, mesmo aqueles nos quais esta é a principal

atividade econômica. A autora ainda afirma que o CFEM, como retorno da mineração

pela exploração dos bens minerais, não reflete um padrão de justiça socioambiental

(VILLAS-BOAS, 2011).

Entre os municípios de maior arrecadação de CFEM (tabela 01), estão

aqueles que abrigam empreendimentos de mineração industrial. Em Mataraca, no

litoral norte, a Millennium Inorganic Chemicals Mineração Ltda. produz minério de

titânio a partir de concentrados de ilmenita e rutilo. É a maior produção brasileira e a

única de dióxido de titânio do país (GUTIERREZ, 2011; MME, 2010). Santa Rita,

município da região metropolitana de João Pessoa, apresenta maior variedade de

indústrias mineradoras, porém de menor porte. Estas são voltadas principalmente à

produção de cerâmica vermelha, água mineral e areia.

Boa Vista, que seria o 8º município de maior arrecadação de CFEM, conta

com as principais jazidas de bentonita em operação do Brasil - o estado da Paraíba

liderou as concessões de lavra, requerimento e autorizações de pesquisa para esse

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tipo de minério até 2009. Sabe-se que o estado também concentra a maioria das

empresas beneficiadoras e produtoras de bentonita do país, apesar de haver

carência de dados oficiais nesse sentido (MME, 2009).

A indústria do cimento, presente nos municípios de João Pessoa, Caaporã e

Pitimbu, está entre os maiores geradores de CFEM. Com exceção de João Pessoa,

que tem o diferencial de ser a capital do estado, os outros municípios que abrigam

cimenteiras apresentam IDHM pouco expressivos.

A dinâmica de funcionamento da mineração industrial é bem diferente da

observada no garimpo. A indústria do cimento por exemplo, é uma das que mais se

expandiu no Brasil nos últimos anos e ainda tende a crescer, apesar da atual

retração do mercado – é uma indústria que caminha lado a lado com a construção

civil. Ela é ao mesmo tempo essencial ao desenvolvimento, no que se relaciona à

melhoria da infraestrutura viária, energética e toda a estrutura urbana das grandes e

pequenas cidades, e produz consideráveis impactos negativos, tanto local quanto

globalmente.

Essas indústrias de grande porte também interagem com as pequenas

mineradoras e beneficiadoras comprando o minério produzido, para transformá-lo

em produtos comerciais. A construção civil é um mercado importante nesse contexto.

As beneficiadoras e empresas desse setor instaladas em cidades de predomínio

agrário, como é o caso de muitos municípios paraibanos, levaram a transformações

socioespaciais na geografia dos municípios. Elas acabam acelerando o

abastecimento elétrico e sanitário de distritos afastados dos centros urbanos,

motivando a melhoria das rodovias e expandindo o alcance da telefonia fixa, móvel e

internet. Apesar de não serem mudanças diretamente executadas pelas empresas,

podemos qualificá-las como impactos positivos de sua presença ali. Entretanto essa

presença leva a modificações drásticas da paisagem, com a instalação de elementos

urbanos e industriais num ambiente antes essencialmente rural (ARAÚJO; FARIAS;

SÁ, 2008).

A mineração industrial também é favorecida por iniciativas públicas mais

extensivas, que visam atrair as empresas e dinamizar a economia do estado, como é

o caso da criação de distritos industriais, como nas cidades de João Pessoa,

Campina Grande e Conde. Porém, o maior estímulo oferecido a esses

empreendimentos é relacionado não diretamente à mineração, mas à indústria. O

Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Industrial da Paraíba – FAIN, gerido pela

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Companhia de Desenvolvimento da Paraíba – CINEP e criado pela lei estadual Nº

4.856/86, proporciona incentivos fiscais através de Crédito Presumido do ICMS,

mediante o compromisso com algumas medidas estabelecidas por um Protocolo de

Intenções, em geral relacionadas ao desenvolvimento industrial em regiões de

indústria diminuta. Além disso, a CINEP também apoia a atividade pelo Programa de

Apoio à Industria de Mineração, que visa desenvolver a produção mineral por meio

de apoio técnico, financeiro e mercadológico, o Programa de Implantação de Pólos

Vocacionados, e outros programas voltados à qualificação de mão de obra,

incentivos fiscais e locacionais. Pequenas indústrias podem ainda recorrer ao

Programa Empreender, do Governo Federal em parceria com os estados, para

acesso a linhas de crédito.23

Pensando no futuro da mineração paraibana, importa aludir à futura instalação

de empresas multinacionais de mineração do ferro, anunciadas pela mídia digital

para o alto sertão paraibano24. Essas empresas se beneficiarão diretamente de

grandes obras de infraestrutura feitas pelo Estado Brasileiro ou governos estaduais,

como a Transposição do rio São Francisco, a Ferrovia Transnordestina e a

ampliação do Porto do Pecém-CE (MIN, 2011).

Por fim, a mineração industrial paraibana cresceu nos últimos anos,

especialmente quando relacionada à contrução civil. No estado da Paraíba, o

incentivo dessa indústria é parte de um leque de iniciativas governamentais que

visam o crescimento econômico, adotando a visão neodesenvolvimentista nacional,

envolvendo as indústrias de base, a expansão da malha de transporte e do Porto de

Cabedelo, a criação de polos setoriais de desenvolvimento e o investimento em

geração de energia.25 Se até o momento atual existia uma tendência de

crescimento relacionada ao conjunto de programas governamentais voltados ao

desenvolvimento de infraestrutura na região nordeste, a atual conjuntura de crise

política e de recessão econômica do governo Temer afetou fortemente o setor.

23 Informações obtidas através do site da CINEP-PB. Disponível em:

<http://www.cinep.pb.gov.br/site/pagina.php?m=3&sm=11>. Último acesso em: 01/12/2015.

24Site Notícias da Mineração. Disponível em:

<http://www.noticiasdemineracao.com/storyview.asp?storyID=801881782&section=Projetos&sectionsource=s1

450690&aspdsc=yes>.

25 Notícias no site do Governo do Estado da Paraíba. Disponível em: <http://www.paraiba.pb.gov.br/com-cinco-

novas-fabricas-paraiba-sera-2o-maior-produtor-de-cimento-do-pais/>

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5. 2 RESULTADOS E DISCUSSÃO DA PESQUISA QUALITATIVA

Ao explorarmos as representações dos entrevistados sobre os impactos e

riscos socioambientais relacionados ao Polo Cimenteiro, a exposição desses

resultados será dividida por subcategorias referentes a temas específicos, sendo as

grandes categorias: Riscos e Impactos ao Meio Ambiente, à Sociedade, e Agência e

Interação dos atores.

Visto que os assuntos identificados nos resultados são numerosos, eles serão

apresentados a partir da subdivisão entre Meio Ambiente e Sociedade, dentro dos

quais as subcategorias temáticas serão discutidas. Ressalta-se que essa divisão tem

o objetivo didático de facilitar a discussão de cada tópico e organizar os dados.

Entretanto os tópicos tratados se correlacionam e misturam nos depoimentos dos

atores, e a interligação desses subtemas é evidenciada na discussão dos resultados.

5.2.1 Riscos e Impactos ao Meio ambiente 5.2.1.1 Qualidade do Ar Quanto à poluição atmosférica por emissão de gases tóxicos ou agravantes

do efeito estufa, e ainda, pela emissão de material particulado (poeira, fuligem), os

entrevistados 06, 07 e 08 descreveram a ocorrência de algum nível de emissão

atualmente verificável empiricamente no caso de Alhandra:

“[...] A Elizabeth aqui, você pode ir à noite, a partir de seis horas eles abrem os boeiros [se referindo às chaminés] e aí soltam fumaça e pó. Ainda, quando foi? Foi sábado, eram seis horas da noite, quando eu voltei já eram nove horas, aí é que tinha fumaça, eles vão soltando aos pouquinhos, soltam durante a noite, aí poluem toda aquela região com o pó do cimento. Eles garantem que não está havendo poluição, mas a poluição tá aí...” (Entrevistado 06)

Os entrevistados 07 e 08, apesar de afirmarem que sua vizinhança não é

atingida diretamente pela poeira, descrevem o que acontece na direção oposta:

“Presta atenção naquele galpão. Ele era azulzinho até o canto, presta atenção como ele está de lá pra cá. Ele não é branco não, aquilo era azul. Vocês podem ver nas árvores do lado de lá, todas cheias de pó. […] E também como a chaminé é muito alta, o vento leva pra longe [a fumaça], eu acho que afeta mais o pessoal de Mata Redonda.” (Entrevistado 07) “Quando a gente passa de moto ali sem capacete a gente sente o pó nos olhos, ardem os olhos. […] Eu, quando estava estudando a noite percebia que era muito pó na escola, então isso não é bom para as crianças. O pessoal todo dia tem que estar lavando a escola porque o pó é muito grande, quando joga água fica aquela goma, quando molha. Principalmente quando o vento está a favor, aí é que trás mesmo.” (Entrevistados 08)

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Os outros entrevistados referiram-se à poluição atmosférica causada por

empreendimentos semelhantes ou à indústria em geral, mostrando conhecimento do

potencial poluidor, mas sem se referir a impactos diretamente relacionados às

fábricas e minas do Polo Cimenteiro. Isso talvez se deva ao fato de alguns dos

entrevistados não frequentarem a região cotidianamente, e também que o Projeto

Caxitu ainda não está em operação, no caso dos atores de Mituaçu. Apenas o

Entrevistado 04, gestor governamental, não citou especificamente a poluição

atmosférica. Entre as percepções declaradas, algumas se referem a um grau de

risco amplo:

“[…] A produção de cimento tem uma emissão, uma pegada de carbono, muito alta. Desde a extração que usa máquinas com motor diesel, caminhões, geradores, a queima do cimento libera uma quantidade muito grande de gás carbônico, [...] e num cenário de aquecimento global, acho isso uma péssima idéia” (Entrevistado 01)

Outras remontam ao conhecimento de casos de poluição em

empreendimentos próximos, como a fábrica da Cimpor em João Pessoa ou da

fábrica de Cerâmica da Elizabeth:

“[…] Existe a fábrica de cimento em João Pessoa mesmo, [...] Ilha do Bispo, e a população sofre muito com poeira. Não sei se existem casos de silicose [...], mas você entra na casa deles, passa o dedo pela mesa, e tá lá (a poeira). Então isso pode acontecer” (Entrevistado 01)

“Olha, o que a gente conhece é da Ilha do Bispo, que a gente acompanha mais de perto, a questão dos filtros que tem que ser colocados. [A poeira] chega lá no centro histórico de João Pessoa, dá problema respiratório, afeta o pulmão e tal. Isso nas pessoas, então você fica imaginando isso em toda a vida animal, em toda a biodiversidade que isso vai afetar. No solo, porque essa poeira vai pro solo, vai entrar nos aquíferos... Enfim toda a cadeia, toda a biodiversidade é afetada com essa poluição. Pra isso existem os filtros, pra licenciamento ambiental.” (Entrevistado 03)

E nesse caso, o entrevistado, além de se referir a um empreendimento de

impacto semelhante, demonstra conhecer alguns aspectos do processo de produção

que oferecem riscos maiores de poluição atmosférica, como é o caso da alimentação

dos fornos rotativos para a queima do clínquer:

“Uma prova disso é que você passa aqui na BR e a Cerâmica Elizabeth cotidianamente está lançando material particulado na atmosfera, 24 horas por dia. Imagine essas indústrias que estão num lugar mais escondido, mais longe da estrada. E assim, o material que eles usam pra queimar é tudo: desde apara de borracha, de EVA e tudo o mais, até coisas que importam de outros países. Até agregam no meio do cimento, elementos que a gente não tem controle químico. Há uns três anos atrás, numa vistoria de rotina na Lafarge Holcim, eles tinham lá um resíduo de forno que eles estavam trazendo da China pra incorporar no cimento. Isto é, a gente não sabe os riscos que isso pode trazer. [...]” (Entrevistado 05)

As empresas citadas no estudo, como forma de mitigar e controlar os

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impactos atmosférico, comprometeram-se a manter programas de monitoramento

das emissões, além do uso de filtros de manga (RIMA ELIZABETH CIMENTOS,

2011; RIMA INTERCEMENT-CIMPOR, 2011). Essas são as medidas comuns

adotadas na indústria cimenteira e via de regra exigências dos órgãos ambientais,

além de parâmetros de sustentabilidade. Entretanto a poluição atmosférica ainda é

uma preocupação social, como nos exemplificam as falas dos entrevistados.

Atualmente a indústria cimenteira em todo o mundo têm feito esforços em reduzir

tais emissões. Em 2005 a Cement Sustainability Initiative – CSI publicou diretrizes

para medições e relatórios de emissões e desde então empresas do setor tem

aderido a essas diretrizes. Isso teve um efeito positivo para a indústria nacional, que

passou a adotar o uso de filtros e os programas de monitoramento, porém a indústria

do cimento ainda é uma das grandes emissoras de dióxido de carbono (CO²) para a

atmosfera, correspondendo à 5% das emissões totais, além dos gases de óxidos de

nitrogênio e enxofre - NOx e SOx (SNIC, 2008). A preocupação internacional com os

índices crescentes de poluição atmosférica e as consequentes mudanças climáticas

evidenciam a importância do assunto. Dessa forma, se mesmo adequando-se a

diretrizes mínimas exigidas pelo Estado, a poluição aérea gerada pelas fábricas

ainda é um incômodo aos residentes locais, o controle dos impactos deveria ser

mais rigoroso.

Os relatórios de impacto ambiental das empresas também indicam que elas

usam coque verde de petróleo26 como combustível básico para seus fornos rotativos,

podendo aderir ao cooprocessamento de resíduos no futuro. Como mencionado no

Capítulo 02, a alimentação desses fornos é assunto controverso tanto pelo uso de

um material tão potencialmente degradante como o coque verde, quanto no que diz

respeito aos riscos do cooprocessamento (SANTI; SEVÁ FILHO, 2004). Ainda que

considerado pela indústria como um posicionamento “sustentável”, existem outras

opções de geração de energia economicamente viáveis que geram menos impactos

ao meio ambiente, ao menos no que diz respeito à poluição atmosférica, uma

preocupação comum e significativa tanto para a comunidade de entorno quanto num

aspecto global.

26 Coque verde é um subproduto do processamento de derivados do petróleo amplamente utilizado em

segmentos industriais como substituto do carvão. O Porto de Cabedelo tem sido usado nos últimos anos para

descarregamento desse material, operação que também envolveu conflitos com a população local.

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5.2.1.2 Qualidade da água Todos os entrevistados se referiram aos impactos sobre os corpos d’água da

região, seja como já incidentes ou como riscos decorrentes da operação das

fábricas. Os atores que melhor conhecem as áreas citaram impactos diretamente

relacionados à presença das empresas, referentes a poluição da água e

modificações no curso de córregos.

Apesar de, inicialmente, afirmar que não há impacto corrente no rio Jacoca,

que corta o terreno da fábrica da Intercement-Cimpor, o Entrevistado 02 recorda

mudanças na qualidade da água desse mesmo rio durante o período inicial de

implantação do empreendimento:

“[…] Como as pessoas usam o rio ali como área de lazer: Juntam os amigos e vão pra lá fazer uma festinha e tudo o mais, juntam a família e tomam banho. Numa dessas vezes e logo depois que ela se instalou, eu percebi a água mais esbranquiçada, a água não era mais transparente como antes. E aí conversando com as pessoas lá, o pessoal falou: ‘Isso aí é porque tem essa fábrica aí, e eles estão cavando, removendo muito a terra pra poder construir e tal, o resto do solo cai ali no rio’. Então fica essa coisa... ficou mais branco.” (Entrevistado 02)

Desse modo, nota-se que a mudança referida nesta fala está relacionada à

implantação do empreendimento que, tendo sido interrompida, não causa impactos

perceptíveis ao entrevistado desde então. Outro tipo de impacto é mencionado pelos

entrevistados que moram ou frequentam a região de Mucatu:

“[…] Entre Abiaí, o assentamento Abiaí, sede velha e Mucatu, tem um rio que ela [a fábrica] mandou trancar pra fazer um lago e o povo arrombou e voltou a ser o que era. Então tem um bocado de probleminhas, e está no início, você imagine quando começar mesmo a explorar.” (Entrevistado 06)

Aqui o entrevistado se referiu a um barramento em curso d’água feito pela

empresa Elizabeth na fazenda Mucatu. Podemos qualificar essa interferência como

um impacto negativo aos olhos dos moradores locais devido a sua atitude. Além

disso ele acrescenta:

“São as águas. Eles acham que os rios, que está diminuindo a água […] Drenaram água que estava espalhada, estava aí, e criava peixe, criava camarão, essa coisa toda. Eles drenaram, as águas vão secando.” (Entrevistado 06)

Os moradores de João Gomes afirmam que ações da empresa estão

causando assoreamento no entorno, atingindo rios e nascentes (essa questão será

retomada ao longo do texto):

“Assoreando o curso do rio, até a nascente. Mais de uma que está sendo prejudicada e as soluções não chegam.” (Entrevistado 07)

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Quanto aos riscos esperados, o entrevistado 01 demonstra conhecer a

degradação aos aquíferos que podem ser causados por empreendimentos

industriais, mas em relação ao recorte em estudo, refere-se à preocupação dos

Índios Tabajara da barra do Gramame:

“Eu conheço os índios e seus representantes ali no Conde e eles vêm a tempos se manifestando já, desde o início das obras. A preocupação é principalmente com os rios da região. Rios que eles utilizam pra obtenção de alimento, e que tem afluentes próximos da mineração, ou da fábrica E eles já estão alertas, já me falaram de eventos de movimentação de terra e tal, então eu acho que seriam os primeiros prejudicados.” (Entrevistado 01)

Os entrevistados 07 e 08 afirmaram que ainda não houve impacto, além do

assoreamento, nas fontes de água que abastecem suas propriedades. Entretanto

sua principal preocupação é que no futuro isso venha a acontecer. O risco que

consideram mais grave é o da poluição ou diminuição das fontes de água, afetando

a saúde da comunidade e a produção da agricultura familiar:

“Eu acho que vai poluir as águas, não vai dar nem dez anos. [...] Dois anos talvez já comece a afetar a agricultura familiar. Acredito que sim. […] A gente fica assim meio com medo, por causa das águas, que tem a decida assim da fábrica, e a gente fica com medo de afetar ele [vizinho da fábrica] e aos demais porque [...] tem irrigação. É com isso que a gente mantêm a agricultura.” (Entrevistados 08) “Não mudou não [o nível dos poços], mas tem gente que fica pensando e falando que essas águas vão diminuir com a extração de pedras. O tempo é que vai dizer.” (Entrevistado 07)

Os entrevistados 02, 03, 06 e da comunidade de Mituaçu, demonstraram

preocupação não só com o risco de poluição dos rios, mas com suas possíveis

consequências socioeconômicas e a própria relação das comunidades com os rios

no cotidiano:

“O que me preocupa é: Como é que uma empresa desse porte se instala ali? Próxima de um manancial tão importante que é o rio Jacoca, que tem a sua importância porque cai no Gramame, que […] é mais importante porque abastece todo, toda a cidade metropolitana. Então isso me preocupa, porque é uma poluição a mais que vai estar chegando no rio, e a gente também vai estar consumindo essa poluição, bebendo dessa água suja […]. E a mesma coisa vai acontecer com o Jacoca. O rio Jacoca é um rio um pouco menor, mas que tem a sua potência com relação à pesca, à questão do camarão e do caranguejo. Mas que essa fábrica já vai também trazer problemas iguais ou piores do que ao rio Gramame, por ele ser menor. Essa é uma preocupação muito grande, porque a comunidade perde muito... não é só com a perda do, de chegar lá e não ter o camarão pra pescar. Existe todo um contexto […]. Porque quando o pai de família não tem o camarão pra pescar, a sua família começa a passar umas privações com relação ao que eles vivenciam na comunidade.” (Entrevistado 02) “Olha, eles dizem que não, que são fábricas altamente modernas, essa coisa toda. Mas para mim é um risco grande. Qual é? Primeiro é a questão da poluição, a questão das águas que aos poucos vão desaparecendo. Então como será o futuro

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desses trabalhadores? E aí eu não falo só da Elizabeth, mas vamos dizer do Polo Industrial de Caaporã... Hoje são assentados, que produzem agricultura agroecológica, para as feiras […]. Então, um Polo industrial, como é que vai ser? Mucatu mesmo, a Elizabeth [...] O pessoal usa essa água pra tomar banho, para beber, então como é que vai ficar no futuro?” (Entrevistado 06) “A gente se preocupa muito com o rio Jacoca, porque é o único rio hoje que ainda se tem o lazer. Na segunda-feira no rio da Santinha tem um monte de gente, o pessoal vendendo as coisas, ganhando seu dinheirinho. Muita gente dependendo do rio. [...] E a gente sempre associa o Jacoca com o Gramame. É que a comunidade da gente está entre esses dois rios. O Jacoca desemboca no Gramame. […] Nós temos até problema quando um pescador vai vender um camarão em João Pessoa. Isso ficou até difícil pra eles, que se eles disserem que é do rio Gramame, ninguém compra, só compra se for do rio Jacoca. […] E a gente tem medo também porque a luta que a gente vem com esse rio há mais de 20 anos, a gente começar uma nova luta agora com o rio Jacoca, vai ser difícil porque as pessoas não acreditam mais que a gente consiga.” (Entrevistado 09)

A questão da água mostrou-se uma grande preocupação dos atores, o que

não se restringe a um pensamento ambientalista, mas é sobretudo uma questão de

disponibilidade do recurso hídrico. Isso envolve o uso do território e acesso às fontes

de água, as atividades de subsistência e também a relação cultural com os rios no

cotidiano e como lugar de lazer.

Em relação às informações expostas nos Relatórios de Impacto Ambiental

dos empreendimentos, ambos contam com programas de monitoramento da

qualidade da água e tratamento de efluentes. A Elizabeth Cimentos também contou

com modificações no terreno com objetivo de melhor escoamento das águas

pluviais. É importante pontuar o consumo, que no caso da Intercement-Cimpor seria

de 120 m3/dia de água na fase de operação, além de cerca de 200 m3/dia na fase

de implantação e 800 m3/mês na atividade extrativa, tudo isso a partir de poços

tubulares, assim como na Elizabeth Cimentos. Essa água é utilizada principalmente

para resfriamento do material (RIMA-ELIZABETH CIMENTOS, 2011).

Apesar do medo da poluição, que é um risco real, mas pode ser evitado pelo

monitoramento e controle, o uso da água como recurso talvez seja o problema mais

sério, pois num contexto que inclui crescente falta de água em diversas regiões do

estado, contaminação do lençol freático, e um crescimento significativo no consumo,

a existência de grandes consumidores como a indústria cimenteira pode gerar sérios

conflitos futuros e situações de injustiça ambiental.

5.2.1.3 Poluição Sonora Quanto à poluição sonora causada pela operação das fábricas, minas, ou

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mesmo pela circulação de veículos, as respostas foram diversas. O Entrevistado 02

afirma não perceber barulho vindo da fábrica em Caxitu, que ainda não opera, nem

ter ouvido reclamações nesse sentido. A Entrevistada 03 considera esse um risco. O

entrevistado 05 afirma o mesmo, referindo-se a outra fábrica já em operação.

Entretanto, referindo-se à fábrica da fazenda Mucatu, o Entrevistado 06 afirma:

“Então, é barulho. É, barulho, gente que tem vontade de vender a parcela que está próxima à fábrica […]. Depois a questão da pedra que é explodida, o minério, com grandes tiros assim, muito barulho. Quando eles vão estourar avisam até para o povo, isso tira a tranquilidade da população.” (Entrevistado 06)

Os moradores do local confirmam que realmente são perturbados pela

poluição sonora, sobretudo as explosões:

O barulho é esse que você está escutando aí [de maquinário industrial e caminhões]. De certa forma sim [incomoda], mas também não é uma coisa que não se possa conviver. Nem por isso eu vou deixar de viver aqui, por causa desse barulho.” (Entrevistado 07) “As explosões cada vez ficando mais fortes, a gente se incomoda bastante. [...] Tudo bem, tem o alarme, mas a gente trabalhando fica tão distraído que às vezes não percebe que o alarme está tocando, aí quando [explode], aquele abalo grande.” (Entrevistados 08)

Quanto a isso, as empresas mantém planos de controle de ruídos, com vistas

a manter a poluição sonora dentro dos parâmetros legais (RIMA – ELIZABETH

CIMENTOS, 2011; RIMA INTERCEMENT-CIMPOR, 2011). É interessante notar que,

apesar de não ser uma preocupação recorrente, o ruído parece estar interferindo no

cotidiano dos moradores próximos à fábrica Elizabeth Cimentos, conforme os relatos

acima. Esse dado desperta um questionamento: estariam as emissões de ruído

acima dos parâmetros legais ou esses parâmetros não estão adequados à situação?

5.2.1.4 Solo e Agricultura Os impactos sobre a produção agrícola foram bastante mencionados durante

as entrevistas, porém de maneira genérica ou como riscos, sem a constatação de

que já seja um impacto real. O entrevistado 02 diz quanto a isso:

“Não, a gente não tem queixa das pessoas que moram ali próximo. Mesmo porque, assim, tem uma área grande, que eles chamam de reserva, então fica um pouco afastado das comunidades, onde tem mais movimento de pessoas, de carros, tudo… O [polo] está dentro duma área de mata mesmo assim, removeram uma área grande de mata pra construir essa fábrica. Ao redor tem mata e o rio,[...] e as casas ficam um pouquinho afastadas. As pessoas que produz ali agricultura familiar, então ele não trouxe nenhuma queixa, nada disso […].” (Entrevistado 02) “Até agora não atrapalhou não. Eu não sei pra frente.” (Entrevistado 07)

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Os riscos negativos sobre a produção agrícola são alguns dos que mais

preocupam os entrevistados e são inseparáveis da possibilidade de degradação

ambiental como consequência da atividade.

“Eu não sei se [impacta] diretamente, mas aquela região é produtora de legumes e hortaliças, o solo é bom a aguada é boa. E provavelmente o preço do alimento vai aumentar, porque vai ter que vir de mais longe. Eu acho que isso é um efeito direto. […] O que mais me preocupa realmente nisso é retirar pessoas que estão produzindo alimento dos seus locais, destruir fonte de água, e mananciais, possíveis mananciais de abastecimento local. Tudo isso eu acho perigoso, tornar a terra infértil.” (Entrevistado 01) “Tanto a produção, o manuseio e tudo o mais. E sem contar que você tá dentro de uma área que tem hoje [assentamento] rural, de agricultura familiar do estado da Paraíba, com uma produção enorme. Caaporã também tem de assentamento considerável, com produção de alimentos, porque a agricultura familiar produz muito mais do que o agronegócio para alimentos. E essas fábricas estão no entorno desses assentamentos, têm corpos d'água, tem recursos que envolvem, que beneficiam esses assentamentos. Todas essas questões estão envolvidas.” (Entrevistado 05) “A comunidade... Hoje eles têm água, perfuram poços, ou tiram água através da energia, bomba. [...] Eles têm hoje a tarifa verde da energia, é uma tarifa bem menor para na madrugada eles irrigarem. Agora se eles não tiverem, se essas águas secarem, qual é o futuro desses produtores? Que hoje produzem inhame, batata, o milho, e em período de seca eles têm água para irrigar... Como vai ser o futuro? É um futuro sombrio.” (Entrevistado 06)

O risco que a atividade representa à agricultura familiar, tanto pela poluição e

outras formas de impacto no ambiente quanto pelas mudanças na ocupação do

território, foi constantemente apresentado nas falas dos entrevistados, sendo um dos

aspectos mais preocupantes para estes. O risco está ao mesmo tempo relacionado

a um contexto amplo de mudanças sociais e econômicas, que no Litoral Sul têm se

intensificado nas últimas décadas.

Além disso, outro tipo de impacto relatado pelos entrevistados 07 e 08 foi o

assoreamento de áreas no entorno da fábrica causado por descarte de água, o que,

afirmam os moradores, está afetando nascentes e poços e indiretamente é um risco

à agricultura:

“A areia onde... Porque a gente sempre costuma cavar um poço, então fica uma barragenzinha pra juntar água pra dali daquela junção de água irrigar. [...] Pra cima tem um escoamento da água que vem da fábrica, e trás muita areia. á aterrou tudo a areia, e está chegando no poço dele, onde ele irriga. Era bem fundo e já não é mais fundo porque a areia está descendo de lá pra cá, porque eles fizeram uma vala bem grande e no final botaram manilhas, aquelas que constrói bueiro.” (Entrevistados 08)

“Um tempo desse eu fui ali num terreno vizinho e consegui ver um buraco, um buraco não, uma cratera: porque depois que eles implantaram a fábrica eles botaram uma canaleta por baixo da terra pra sair aqui embaixo, dentro da mata, [...] é uma ladeira. E aquele excremento de água causou um buraco enorme naquela decida, mas um buraco que cabe uma casa dessa tranquila dessa assim. Embaixo, como

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afundou, trouxe abaixo a ladeira de barro. […] É como areia movediça” (Entrevistado 08)

Podemos considerar esses relatos como indicadores de que ações da

empresa de modificação em seu terreno estão interferindo nas áreas vizinhas e

causando preocupação e transtorno aos moradores. Mesmo que não se trate de

descarte de resíduos e apenas de drenagens do terreno, se essas medidas causam

modificações no relevo, merecem atenção dos reguladores, já que representam um

risco à paisagem, ao ecossistema e ao abastecimento de água das propriedades de

entorno.

5.2.1.5 Fauna, Flora e Paisagem Quanto a impactos sobre o ecossistema local, ou seja, a locais onde ainda há

bolsões de fauna e flora nativos, os entrevistados demonstram preocupação com a

possibilidade de degradação futura, mas quase não se referem a impactos já

observados. O entrevistado 02 acredita que a mata no entorno da fazenda Caxitu

ainda está preservada, o que observa de maneira positiva, mas também afirma que

“removeram uma área grande de mata para construir essa fábrica”. Já os

entrevistados 03, 07 e 08 acreditam que houve desmatamento no local onde foi

implantada a fábrica da Elizabeth, em Alhandra, os entrevistados 09 e 10

observaram o mesmo na área de fábrica da Cimpor, no Conde. O Entrevistado 08

afirma que um grupo de moradores avisou ao IBAMA sobre o desmatamento de uma

área interna ao terreno da empresa, mas sem resultados:

“Na mesma semana que a gente foi falar com o IBAMA [...] eles pararam de repente, passaram o trator na área, aguaram, aí quando o agente veio o mato já estava grande. […] Tinha mata, tinha fruteira, um monte de coisa, só que foi no terreno deles. Mas como a gente queria se agarrar a qualquer coisa, então corremos atrás. Inclusive no papel, quando fizeram, como é que chama? A maquete... aí era uma coisa linda, com matas ao redor tal, as da única mata que tem ao redor, eles nunca plantaram nada. A única mata que tem é do vizinho, que ele já preservava, daqui do lado de cá. E do lado de lá a mata que tinha está coberta de pó de cimento, você passa do lado está tudo branco. Eles diziam que ao redor ia ser tudo preservado, tudo história, nunca plantaram um pé de nada.” (Entrevistados 08)

É possível que se trate de uma remoção de vegetação autorizada pelos

órgãos competentes, de qualquer modo o depoimento confirma que a instalação da

empresa acarretou no desmatamento de uma área e que o planejamento

apresentado à comunidade, no qual haveria uma recomposição da mata em volta da

fábrica. Esta seria uma medida importante para mitigar outros impactos além do

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desmatamento, como a emissão de ruídos, a degradação cênica, até mesmo na

emissão de material particulado.

Alguns entrevistados relatam as mudanças na paisagem:

“[...] acho que próximo do ano passado pra cá, se instalou lá, próximo do rio Jacoca uma fábrica gigante […]. Lá do meu quintal eu percebo a torre que é gigantesca.” (Entrevistado 02) “Ah eu acho terrível! Levei um susto quando vi aquela fábrica lá em Alhandra, que de repente você não vê nada, aí de repente você vê uma fábrica lá, então, desmatam tudo... então a questão da paisagem é desmatamento.” (Entrevistado 03)

Essas mudanças na paisagem são percebidas predominantemente como o

choque do elemento fabril com o ambiente rural. Esse impacto não pode ser

desvinculado de outros, como a poluição, o desmatamento e as mudanças na

ocupação do território em si. Um risco citado é o de ocorrerem mudanças na

paisagens comuns à mineração:

“A abertura de crateras enormes, difíceis de recuperar, se é que são recuperáveis. Uma cicatriz na paisagem, que não tem o que fazer depois.” (Entrevistado 01)

Nesse sentido os Relatórios de Impacto Ambiental consideram este um

impacto inevitável. Essa mudança na paisagem é especialmente destacada por

estarem as fábricas em zonas rurais, num contraste com o entorno. Porém uma

característica comum da mineração em grande escala é a interferência profunda no

relevo, resultado da extração do minério. Esse risco foi lembrado apenas por um

entrevistado, mas é, além de inevitável, bastante grave.

Nota-se pelos depoimentos que os impactos e riscos ambientais são

preocupações pertinentes aos entrevistados em geral. Por um lado, existem

parâmetros claros a serem seguidos no intuito de controlar os riscos e limitar os

impactos a um nível aceitável, por outro, alguns entrevistados parecem não confiar

no cumprimento dessas medidas e no rigor das agências reguladoras.

Um questionamento que surge não só das dados coletados, mas também da

bibliografia (PINTO JUNIOR; BRAGA, 2006) é se essas normas estão adequadas às

situações referidas, já que mesmo funcionando dentro do limite legal ainda são

percebidos impactos que causam transtornos à população. Essa questão é

importante pois, como se pode perceber na fala dos entrevistados de Mituaçu, eles

acreditam que para garantir a segurança do empreendimento bastaria que este

esteja adequado aos parâmetros legais. Mas sendo assim, porque tantas fábricas

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operando sob a licença dos órgãos ambientais e contando com outros mecanismos

de controle dos impactos, são acusadas de degradarem o ambiente?

Nesse estudo foram observados impactos ambientais relevantes para a

população. Salienta-se com isso o poder de percepção de mudanças no ambiente,

mesmo as mais sutis, pelas pessoas que vivem na região. Os moradores podem

observar os impactos das cimenteiras em tempo integral, podem sentir seus efeitos,

na saúde e na subsistência por exemplo, no decorrer de um longo prazo. Além disso,

apesar de pautada em metodologias científicas para avaliar os impactos, a atuação

daqueles responsáveis por esse controle também é passível de ser influenciada por

fatores subjetivos, já que envolve atores diversos, seus interesses pessoais e seu

poder de decisão ou influência.

Apesar da preocupação com a preservação ambiental, as entrevistas

demonstram que na maior parte das vezes os entrevistados preocupam-se

sobretudo com o uso dos recursos naturais pelos moradores da região.

Considerando a situação de vulnerabilidade social, esse uso é de extrema

importância para as comunidades. Contribui para essa preocupação a memória de

casos consecutivos de degradação ambiental pela indústria, principalmente quando

se refere às fontes de água.

Entre os riscos mais mencionados estão os de poluição dos rios,

assoreamento de nascentes e diminuição na disponibilidade do recurso hídrico.

Nesse caso, todos os entrevistados demonstraram preocupação nesse sentido e

esse é um risco que podemos avaliar como real e grave, já que, mesmo numa região

com boa rede hídrica, o consumo de água é alto e variado: as monoculturas e os

empreendimentos industriais exigem abastecimento hídrico considerável. João

Pessoa e parte das cidades metropolitanas contam com abastecimento a partir das

bacias hidrográficas do litoral sul, e atividades econômicas importantes para as

comunidades atingidas pelas fábricas, como a pesca e a agricultura familiar, também

dependem da saúde dos mananciais aos quais recorrem. Nesse caso, o

conhecimento empírico, associado à observação e à experiência em situações

semelhantes, é um fator importante na avaliação desses riscos.

O risco de poluição atmosférica e seus consequentes danos à saúde humana

foram recorrentemente lembrados nas entrevistas, e a menção ao caso da fábrica

Cimpor na Ilha do Bispo, em João Pessoa, é emblemático nesse sentido,

influenciando a percepção tanto dos atores das comunidades como de especialistas

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e gestores. Mais do que em conteúdo exposto pela mídia, o que marcou os

entrevistados que se referiram ao assunto, foi sua memória do local, de ver a poeira

acumulada e ouvir as queixas dos moradores vizinhos a tal fábrica.

É interessante notar quanto à percepção dessas mudanças ambientais e dos

riscos dessa natureza que, como enfatizam muitos autores (BICKERSTAFF, 2004;

TUAN, 2012), o uso dos sentidos físicos, o conhecimento empírico, a observação do

ambiente, o saber sobre o funcionamento daquele local são os aspectos mais

importantes. A percepção a partir desses fatores predomina entre os atores que

frequentam as áreas pesquisadas, sobretudo os moradores. Nesse caso, também é

possível destacar a diferença na percepção dos atores das comunidades no recorte

1 (Fábrica Intercement-Cimpor - Conde) e 2 (Fábrica Elizabeth - Alhandra). Os que já

se depararam com os impactos dos empreendimentos tem uma visão pessimista

sobre o assunto, enquanto que aqueles que ainda aguardam a instalação da fábrica,

mostram-se otimistas e não demonstram se preocupar com tantos impactos

ambientais e nem conhecê-los. Sua maior preocupação, a poluição do rio Jacoca, é

também uma reminiscência de danos ambientais já experimentados, ou seja, eles

avaliam os riscos de acordo com vivências prévias.

Além da experimentação prévia dos impactos, outros fatores podem ser

elencados como influentes nas variações da percepção dos atores, todavia muitas

das preocupações de especialistas e leigos são as mesmas. O impacto sobre as

fontes de água é um exemplo. Nesse sentido, salientamos que esse é um risco que

sobressai na percepção dos atores e para uma avaliação mais profunda de tal, o

conhecimento técnico é fundamental. Nesse ponto, o fortalecimento do diálogo entre

população e academia ou orgãos gestores teria um papel fundamental na prevenção

da poluição das fontes de água, do assoreamento de nascentes, ou mesmo no

acompanhamento do nível dos lençóis freáticos. O interesse nessa preservação é

abrangente, já que o impacto negativo sobre as fontes de água afetaria a agricultura

familiar, que abastece os grandes centros, a qualidade de vida das comunidades,

sua fonte de renda e os ecossistemas, além do próprio abastecimento de água de

diversos municípios.

Importante notar que as divergências de percepção verificadas nessa

pesquisa não são derivadas de uma oposição entre peritos e leigos, mas

predominantemente da distância geográfica dos locais estudados e do

conhecimento empírico dos atores, tanto sobre os impactos das indústrias quanto

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sobre o modo de vida da população. Ou seja, os atores que apresentaram uma

percepção mais apurada ou mais específica dos riscos e impactos, são aqueles que

frequentam essas áreas cotidianamente. Os outros atores formam sua percepção a

partir do conhecimento científico ou das informações divulgadas pela mídia, tendo

uma visão também mais geral e ampla do assunto. Novamente, sustentamos o

argumento defendido pelo referencial teórico (SLOVIC; FICHOUFF; LICHENSTEIN,

1984; RENN; ROHRMANN, 2000) de que conhecimento empírico e técnico são não

apenas conciliáveis, mas colaborativos na avaliação dos riscos. Ainda considerando

a proximidade física das fábricas, podemos considerar essa uma variável

significativa na diferença da percepção dos riscos entre as comunidades: em

Alhandra, os entrevistados são vizinhos da fábrica, enquanto que no Conde, a

comunidade de Mituaçu está um pouco mais distante.

Pode ser que, no caso dos assentados de Alhandra e de especialistas e

gestores ambientais, a afiliação ideológica destes também seja um fator de

influência em sua percepção das empresas (RENN; ROHRMANN, 2000). Quanto

aos primeiros, existe uma identidade ideológica campesina, relacionada à luta pela

terra. Os segundos apresentam ideologias relacionadas ao ambientalismo, alguns se

identificam mesmo como ecologistas ou ambientalistas; e ainda no caso da CINEP,

há uma ideologia neodesenvolvimentista definida, ainda que em muitos momentos

dialogando com os ideais da sustentabilidade.

Ao longo das conversas, também notou-se que alguns entrevistados não

restringem sua fala às fábricas mencionadas na pesquisa. Muitas das afirmações e

impressões são relacionadas às indústrias em geral, à poluição que já acontece,

principalmente no rio Gramame. Isso demonstra que, por um lado, os atores estão

cientes do contexto complexo no qual interagem diversas fontes de risco, o que

pode ser considerado um sistema de riscos (NEVES; JEÓLAS, 2012). Por outro,

evidencia a falta de informações sobre essas fábricas em específico.

No caso do Conde, o movimento SOS Gramame luta para denunciar a

poluição do rio que tem como fonte as indústrias do distrito industrial de João

Pessoa e do Conde e as usinas de cana de açúcar, e pressionar as autoridades a

tomar medidas cabíveis contra as empresas. A organização das comunidades

ribeirinhas do Gramame para identificar as fontes poluentes já tem mais de 20 anos,

então podemos dizer que já faz parte da memória dessa população a presença

industrial como fonte de poluição, de danos à saúde e danos econômicos. Desse

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modo, as comunidades ribeirinhas do Gramame e os demais envolvidos no

movimento SOS Gramame têm uma memória da presença industrial na região como

nociva às suas vidas e ao ambiente, ao mesmo tempo que, contraditoriamente,

acreditam nos resultados benéficos de tais empreendimentos. Talvez, como alerta

Boholm (1998) a vulnerabilidade social torne os riscos mais aceitáveis para esses

atores.

5.2.2 Riscos e Impactos à Sociedade

Os impactos sociais advindos desse tipo de empreendimento podem ser

diversos, além disso podem ser avaliados tanto positiva quanto negativamente. Aqui

elencaremos os tipos de impacto social citados pelos depoentes como já observados

ou considerados riscos esperados.

5.2.2.1 Tradições Culturais A preocupação com possíveis impactos à tradições culturais27, assim como ao

modo de vida da população local transparece em alguns depoimentos. Cabe

ressaltar a impossibilidade de “preservar” a cultura, num sentido estático, ao passo

que esta não é homogênea ou inerte e sim “historicamente construída e

(re)significada” (GONÇALVES, 2010, p. 71). Todavia, conforme o pensamento de

Sahlins, a sociedade capitalista tem como locus da relação do ser humano com o

meio a economia, e não mais as relações sociais. Nesse sentido, Habermas aponta

as distorções trazidas por “mediadores discursivos” nessa relação, como dinheiro e

poder (GONÇALVES, 2010).

Considerando essas informações, no Litoral Sul nos deparamos com um

contexto em que esses mediadores discursivos, embora tenham sido sempre

presentes, agora se expandem de uma forma acelerada e esse movimento é

percebido pelos atores. Durante as entrevistas esse é um assunto abordado – o

impacto à cultura tradicional - porém de maneira difusa e sistêmica. Dois

entrevistados ao avaliarem esse risco, remeteram às mudanças que tem acontecido

27 Existem diversas definições conceituais de Cultura, conforme diferentes escolas e autores. Destacamos a

definição de Clifford Geertz (1974) para o qual cultura é uma teia de significados, um contexto, socialmente

construído, e a de Marshall Sahlins (1999), que entende o termo como significação, mediação entre o ser

humano e seu meio (GONÇALVES, 2010, 67-69). Nesse sentido, as tradições locais fazem parte do que

chamamos cultura, embora esta esteja em constante reformulação.

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na região do vale do rio Gramame com a instalação cada vez maior de indústrias, o

crescimento populacional e todos os efeitos advindos disso no ambiente e no modo

de vida da população:

“Um exemplo que eles [fazem] muito, é prático, é que depois da poluição, aí dá pra fazer uma comparação da poluição que está por vir do rio Jacoca e uma comparação do que a gente já vivencia do rio Gramame. [Depois da] poluição do rio Gramame, muitas das culturas locais elas morreram: Por exemplo a Lapinha, que é uma tradição secular da comunidade do quilombo Mituaçu, ela morreu porque os pescadores não tinham mais a renda pra apoiar sua família, nem tinha renda pra comprar as indumentárias pra fazer a festa cultural da lapinha, o tecido dos vestido bem elaborados e tudo o mais, mas o recurso faltou e a lapinha sucumbiu com a poluição do Gramame. Acho que há dois anos atrás a lapinha foi resgatada, mas com muita dificuldade. Não é tão elaborada, então existe uma força da comunidade pra fazer, mas, ou seja, muito com a beleza, tem a beleza do tradicional, as pessoas fazem porque gostam, porque amam, mas a coisa visual, de quem vai olhar, já não tem mais. Então, isso não é somente a perda do camarão, eu penso assim, mas da [identidade] local, da cultura local, [aqueles outros fazeres] que tem a ver, que precisam ser valorizado, se fortalecer.” (Entrevistado 02)

Outro aspecto interessante é abordado pelos entrevistados 08, ao demonstrar

a relação próxima da comunidade com aquele local:

“E tinha gente que dizia assim: ‘mas vocês vão vender caro e vai dar pra comprar outra terra noutro lugar’. Mas só que a gente tem as raízes, tem história. Não é simplesmente a gente se apegar num dinheiro, simplesmente num dinheiro... Dinheiro a gente arranja trabalhando, ou muito ou pouco mas a gente arruma. Então não é simplesmente a gente se apegar a um dinheiro e dizer assim ‘eu saio daqui e vou pra outra’, aí daqui a pouco inventam de fazer lá também e eu vou me mudar e vou ficar feito cigano, feito marimbondo se mudando de casa em casa?” (Entrevistados 08)

Vê-se como as mudanças ambientais na região afetam diretamente costumes

e tradições. Nesse ponto, o senso de comunidade e os laços com o local onde os

moradores sempre viveram tem um significado além do financeiro, e, não estando

numa situação de vulnerabilidade social acentuada, a perspectiva de perda dessa

referência é avaliada negativamente, como um risco à própria identidade dos

entrevistados.

Milton Santos, em seu livro A Natureza do Espaço, destacou o que chamou

de papel da proximidade como produtor de consciência, no que diz respeito às

relações de vizinhança, uma vez que da troca entre as pessoas “adensadas” surge

um “entendimento holístico” do meio. O autor também aponta a noção de

coopresença enquanto associada à condição de vizinhança, que determina a

interdependência como praxis (SANTOS, 2009, 319). O reconhecer-se em meio à

comunidade e em relação com o lugar são reforçados, portanto, por essas tradições

e memórias.

Apenas um dos entrevistados se refere a impactos efetivos relacionados

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diretamente às cimenteiras, ressaltando a presença temporária desproporcional

masculina como vetor de mudanças na comunidade:

“Cidade pequena tem um impacto, porque é uma quantidade de homens, vindos de outras regiões, e com dinheiro da própria renda... Começam a beber, também drogas, e também certos hábitos. Até música tem impacto também, você está trazendo a cultura de fora, aquela cultura muito... Vem final de semana, música alta, música sei lá, hip hop, que as pessoas ali não ouviam, talvez as pessoas ali ouvissem mais brega, forró... Então tem que começar a ser inseridos novos hábitos, novos ritmos, novas formas de agir. Esses dias estava conversando com um jovem [...] de Alhandra, e ele falando sobre a chegada dessa leva de peões e tudo o mais, e o crescimento dos evangélicos na área com isso... Porque ali é uma das últimas áreas de Jurema, […]. Começaram a se proliferar os templos evangélicos neoprotestantes nessa região. O cara conversou comigo, diz que no município acontecia, uma conversa informal, não tenho dados sobre isso.” (Entrevistado 05)

Ressalta-se a preocupação dos atores com a preservação de tradições

culturais religiosas, que são elementos identitários da população original e estão em

choque não só com os novos habitantes, mas com a adoção de novos costumes

consequentes da urbanização e até mesmo da globalização, de maneira que as

tradições culturais, antes protegidas por algum grau de isolamento, atualmente estão

mais expostas a essas interferências.

Nota-se que nessa categoria os atores descrevem os impactos que já

identificaram, de natureza mais sutil que as mudanças ambientais. Visto que eles

observaram tais fenômenos relacionando-os à presença das novas indústrias,

podemos dizer que são impactos de importância significativa. É certo que não

podemos isolá-los de um conjunto de mudanças vinculadas à industrialização e

urbanização da região, mas de fato à chegada de um grande contingente de

trabalhadores, sobretudo nas condições descritas, é alvo recorrente de reclamações

em muitos casos semelhantes. Como veremos a seguir, alguns impactos negativos

desse fenômeno na segurança e saúde pública, especialmente interligados às

relações de gênero, são costumeiros nesse tipo de empreendimento e geralmente

invisibilizados.

5.2.2.2 Segurança No que diz respeito à segurança pública, os entrevistados se referiram

predominantemente à situação atual do Litoral Sul, onde a violência tem crescido

com o aumento populacional e a urbanização. Ou seja, falaram de impactos e não

tanto de riscos, e quando mencionados, estes riscos estão relacionados a um

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contexto de crescimento urbano geral:

“Esse de fato é um paradoxo, na medida em que você leva mais riquezas, você também pode induzir, se você não investir em educação, não tiver desde escola em tempo integral, esporte, lazer para os jovens, você pode induzir a que a droga chegue nas periferias. Em bolsões de vulnerabilidade social muito grande, ela chega e aí a delinquência aumenta. Mas por outro lado, se você tiver esse controle, essa segurança, se tiver esse controle e a perspectiva que em decorrência de maior fluxo de pessoas, em maior quantidade de [andantes], de maior riqueza, vai também despertar na delinquência instalada no Brasil inteiro uma oportunidade de negócios criminosos, se você não tiver cuidado com isso, você vai prever. Porque é melhor fazer uma política preventiva do que corretiva, e nós vamos ter sempre que conviver com isso.” (Entrevistado 04)

A questão da segurança parece preocupar os entrevistados num sentido mais

amplo, relacionando-se à urbanização e industrialização da região como um todo e

os impactos que esse processo já apresenta no Litoral Sul quanto ao aumento da

violência e insegurança. Essa visão sistêmica do aumento da violência é

demonstrada também nos trechos seguintes:

“A segurança na região hoje é triste, toda essa região Litoral Sul teve muitos assassinatos provenientes das drogas. Quer dizer, essas indústrias entrando, três fábricas mais a destilaria Tabu que são quatro. Um conglomerado de fábricas, elas tem trazido muito problema em termos de drogas, e hoje você tem nesses municípios, zona rural, comunidades que você se não for conhecido não entra, nos assentamentos. É uma região que vive esse problema de drogas. [...] Que também vem muita gente de fora, de Pernambuco, de todo canto […]” (Entrevistado 06) “É uma região muito violenta, já a algum tempo, e só vem [escalando], há algum tempo que eu conheço aquela região do Conde, Jacumã, outras praias [do litoral sul], e vejo relatos de pessoas que moram lá, que as vezes a situação de violência é muito grande, certo? Assaltos que rendem famílias inteiras, levam tudo, e dão coronhadas na cabeça, com muita violência, e esses homicídios [que] acontecem nos bolsões de pobreza, geralmente são homicídios de origem passional, e vem aumentando. [...] Minha percepção é de que vem aumentando. Eu não sei se tem a ver com a cimenteira, ou simplesmente a expansão da cidade naquela direção.” (Entrevistado 01)

Vale ressaltar que os entrevistados relacionam em vários momentos o

aumento da violência com o uso ou tráfico de drogas e com a presença de agentes

externos (“gente de fora”, “de Pernambuco”). O uso de drogas e sua relação com o

aumento da violência pode ser um elemento alegórico de um processo em que

vulnerabilidade social, saúde e segurança pública devem ser pensadas de maneira

conjunta. É imprescindível, portanto, que esses problemas sejam levantados nos

estudos prévios e mitigados, mas preferencialmente prevenidos por políticas

públicas ou medidas adotadas pelas empresas. Além disso, o aumento da circulação

de pessoas de fora, apontado como vetor de transtornos sociais, também foram

observados como consequência direta da instalação do Polo Cimenteiro:

“Eu acho que cresceu mais a violência. Hoje a gente não sabe ali quem é, quem não

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é. Então a questão da segurança mudou muito. Antes eu ficava ali no ponto, pra ir pra Alhandra e subir pra João Pessoa. Por exemplo, hoje ele vai ter que me esperar e pegar um alternativo, a não ser quando eu já vou com ele. Mas quando ele está trabalhando eu tenho que pedir a alguém pra esperar, porque hoje a gente não tem mais segurança. A gente não sabe quem é ali, quem não é, a gente não sabe. Passa muita gente. Aumentou a insegurança, hoje a gente tem medo.” (Entrevistados 08)

“Olha, durante o processo de instalação você tem isso, grandes obras geralmente mobilizam uma quantidade de mão de obra muito grande, e migrante, são os chamados “peões de trecho”. Então eles se deslocam em busca de obra e se instalam nos municípios ali perto. Essa instalação tem gerado alguns desconfortos pra comunidade, uma das questões que se reclamava era da [prostituição]. Isso agora depois da operação, isso deve ter diminuído. Teve muito caso de prostituição infantil, de brigas e violência assim gratuita, em função de bebedeira de final de semana... Quando essa galera se instala ali nas cidades mais próximas, eles terminam alugando um lugar pra umas 30 pessoas, uma casa […]. E geralmente as meninas jovens estão muito vulneráveis porque não tem grande conhecimento de como é que funciona a [vida] e aliado a isso uma certa pobreza local, leva um pouco a essa coisa de dinheiro, da farra, da extravagância... Todo peão de obra no fim de semana ele é meio rico, que recebe a semana.” (Entrevistado 05)

Os riscos à segurança pública são mencionados nos RIMA das empresas como uma

consequência da vinda de trabalhadores de fora, conforme citado no tocante à

cultura. O Relatório de Impacto Ambiental da Elizabeth Cimentos aponta o aumento

do fluxo de pessoas nos arredores do local do empreendimento como motivo de

ansiedade em relação a aspectos de segurança e saúde por parte dos moradores

locais, porém não aponta medidas mitigatórias para isso e nem observa a

vulnerabilidade maior de determinados grupos sociais, como mulheres e crianças.

No Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Mucatu existe uma breve referência a

essa questão:

“Muito embora seja uma situação temporária, haverá um desequilíbrio nos índices humanos, ressaltando-se que a população masculina, que é a maior força de trabalho da construção civil, será superior à feminina. […] A concentração de um número significativo de trabalhadores no local ao longo do período de implantação do empreendimento (400 operários no pico da obra) poderá deixar a população local apreensiva quanto às questões de segurança pessoal e patrimonial, posto que atualmente a maior parte da população de Mucatu e João Gomes considera que a região é tranquila e o povo é ordeiro e pacato, podendo estes valores ser alterados durante a permanência dos trabalhadores envolvidos com o projeto.” (RIMA ELIZABETH CIMENTOS, 2011)

A vulnerabilidade das mulheres, crianças e adolescentes é tema de

discussões e estudos atuais no que se refere aos impactos socioambientais de

empreendimentos e desastres ambientais. Nesses estudos, o abuso e a exploração

sexual são recorrentemente identificados nos contextos de instalação de grandes

empreendimentos: aumento da prostituição, dos casos de estupro, e mesmo o

aumento da violência doméstica e do tráfico de pessoas são apontados. O risco é

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maior para mulheres e criança, mas também para pessoas negras ou indígenas,

portanto há de se considerar o elevado grau de vulnerabilidade das mulheres negras

e indígenas, sobretudo quando menores de idade. Os fatores de risco, portanto,

podem se somar para alguns indivíduos, essa interposição é abordada por

Crenshaw (1989) como o princípio da interseccionalidade (SILVA; BRITO; LIMA,

2017).

Apesar de transpassar todas as categorias de impactos e riscos sociais, esse

problema geralmente não é contemplado pelos estudos prévios de impactos

ambientais ou é abordado superficialmente. Dessa forma, a questão do gênero é

invisibilizada, o que torna deficitário, quando não ausente, o planejamento de

projetos preventivos e políticas públicas voltadas para esses grupos sociais (SILVA;

BRITO; LIMA, 2017).

Segurança no Trabalho: Além disso, como impacto diretamente relacionado às fábricas de cimento,

alguns entrevistados lembraram-se dos casos de acidentes de trabalho nas fábricas:

“Houve um acidente na própria fábrica, nessa fábrica especificamente que a gente fala que está aqui dentro do vale do Gramame. Houve um acidente lá, teve uma pessoa que foi a óbito […]. Houve mais dois que ficaram gravemente feridos, enfim, teve isso. Mas no entorno a vida continua normal […], pacato, tranquilo, tem esse ar de interior: Tudo tranquilo […].” (Entrevistado 02) “De trabalho eu já vi, já acompanhei [a notícia] de que morreram funcionários em desastres trabalhistas lá dentro […].” (Entrevistado 06)

5.2.2.3 Saúde Pública Danos à saúde humana que tem direta relação com os impactos ambientais

tais como poluição atmosférica e de aquíferos, além de serem uma grande

preocupação, não foram percebidos pelos entrevistados enquanto impacto corrente.

Ou seja, mesmo quando questionados especificamente sobre isso, os depoentes

negaram conhecer casos de doença ou demais alterações de saúde entre a

população relacionados diretamente à atuação das fábricas cimenteiras. Entretanto,

o risco que a atividade representa nesse sentido preocupa a maioria dos

entrevistados:

“Afeta [a saúde] com certeza [...] O pó não vem pra esse lado daqui, ainda não. Mas eu não penso só em mim. As pessoas que vivem mais pra lá com certeza futuramente vai afetar. No momento ainda tá cedo, mas depois...” (Entrevistados 08)

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“A gente já vê, alergia vem através do ar, e a gente já vê a mudança do clima, da chuva pro sol, o quanto as crianças vão ao posto, com problema na respiração, imagina com essa poluição. A gente aqui está um pouco distante dela, mas conforme ela for trabalhando, vai atingir a gente também.” (Entrevistada 11)

Nesse sentido, alguns deles relembram os impactos à saúde que foram

ocasionados pela indústria do cimento:

“[...] Ilha do Bispo, e a população sofre muito com poeira. Não sei se existem casos de silicose [...], você entra na casa deles, passa o dedo pela mesa, e tá lá {a poeira} então isso pode acontecer [...]” (Entrevistado 01) “Outra coisa é assim, se vai poluir o rio vai piorar a qualidade da água. Se vai desmatar, as nascentes vão acabar. Então tudo isso piora a qualidade de vida... Se vai ter essa poeira branca no ar, vai piorar o ar das pessoas, que vão respirar esse ar e ter problemas respiratórios e problemas de saúde; e vai encarecer o sistema de saúde... Então é uma bola de neve.” (Entrevistado 03).

Os riscos à saúde humana provenientes de indústrias costumam estar entre

os fatores que mais influenciam a percepção social. No caso da produção de

cimento, o histórico de danos à saúde da população mais próxima (CARVALHO,

2008; PINTO JUNIOR, BRAGA, 2006) faz com que essa expectativa negativa seja

ainda maior, mesmo que não se identifique no momento a ocorrência de impacto

nesse sentido. Esse talvez seja o tópico levantado durante as entrevistas que mais

remonta a recortes específicos conhecidos dos atores. Os sérios impactos à saúde

da comunidade do bairro Ilha do Bispo ocasionados pelo funcionamento da fábrica

da Cimpor em João Pessoa causaram um conflito longo e que está na memória da

sociedade. Mesmo que medidas de controle tenham sido adotadas pela fábrica,

esses anos de poluição atmosférica severa ainda são lembrados pelos entrevistados

como referência para suas preocupações presentes quanto à instalação do Polo

Cimenteiro. Além disso, o conflito ambiental em torno da poluição do rio Gramame

também é importante na formação da opinião de alguns entrevistados, tendo em

vista que, ao menos no vale do rio Gramame, a instalação da cimenteira na fazenda

Caxitu seria mais uma fonte de riscos ambientais:

“Esse rio Jacoca, tendo problemas da fábrica, ele vai desembocar no rio Gramame. Aí a gente se preocupa, porque nós temos crianças e as nossas crianças tomam banho nesses rios, mesmo assim poluído, eles não querem deixar de tomar banho. E nós tivemos aqui na comunidade um crescimento muito grande de pessoas com câncer. […] E foi descoberto em uma dessas reuniões que isso (a poluição por metais pesados no Gramame) causava… E nós perdemos muitas pessoas aqui por conta de câncer, que usavam o rio, que comiam o alimento do rio.” (Entrevistado 09)

É importante ressaltar que esse tipo de impacto, por ser gradual, pouco

acompanhado por indicadores e difícil de relacionar a uma fonte causadora, muitas

vezes não é percebido em sua magnitude antes de afetar um conjunto significativo

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de pessoas (BECK, 2011; GUIVANT, 2001)

Outro risco à saúde levantado em uma entrevista pode ser relacionado ainda

ao que afirma Ulrich Beck (2011) ao dizer que hoje os riscos vão além do

mensurável pois o avanço científico é muito mais rápido na produção de tecnologia

que no estudo e avaliação de seus impactos:

“Na escola tem uma rede de alta tensão que passa, que a gente tem pesquisado que ela emite radiação. E também afeta muito a memória, mas principalmente eu fico pensando nas crianças, porque tem uma rede de alta tensão do lado. Eu penso que não era pra ter deixado.” (Entrevistados 08)

Sendo este um risco real ou não – podemos saber? - ele exprime uma sensação de

insegurança da população, à qual contribui a incerteza dos dados científicos

divulgados pela mídia (GUIVANT, 2001). Além disso, nos lembra que os riscos da

indústria cimenteira não se limitam aos portões da fábrica, eles incluem outras

estruturas, como a rede elétrica, a logística de transporte e o abastecimento de

água, e podem ser indiretos como aqueles consequentes do aumento da circulação

de pessoas: violência, abuso de drogas e transmissão de doenças. Um exemplo é o

aumento de DSTs, que pode ser consequência da implantação de grandes

empreendimentos mas não é citada nos depoimentos. Nesse caso, a vulnerabilidade

é maior entre as mulheres e o silêncio em relação a isso prejudica a identificação, o

monitoramento e a implementação de medidas preventivas ou mitigadoras desses

impactos (SILVA; BRITO; LIMA, 2017). A Organização Mundial da Saúde – OMS

considera que mulheres jovens e meninas são mais vulneráveis à infecção pelo vírus

HIV justamente pela série de fatores sociais que as desfavorecem. Segundo a

instituição:

“Os fatores de risco mais importantes para óbito ou incapacidades nesta faixa etária, em países de baixa e média renda, são a falta de contraceptivos e o sexo inseguro. Estes problemas resultam em gravidez não desejada, abortos inseguros, complicações na gravidez e no parto e infecções sexualmente transmissíveis, inclusive pelo HIV. A violência é um risco adicional significativo para a saúde sexual e reprodutiva da mulher e pode levar também a transtornos mentais e outros problemas crônicos de saúde.” (OMS, 2009, 12)

Políticas preventivas de implementação simples, como a distribuição de

preservativos e os programas de educação sexual podem ser bastante eficazes,

mas devem vir aliadas a um conjunto de ações mais amplas com o intuito de mitigar

os riscos à saúde da população nesses contextos específicos.

Em relação ao abuso de drogas e álcool, que também está contemplado entre

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os transtornos mentais, o problema é identificado nas entrevistas relacionado às

questões de segurança pública, sem uma abordagem correta do setor de saúde. Os

prejuízos a saúde mental da população podem ser riscos derivados de outros

problemas de saúde, de vulnerabilidade socioeconômica e mesmo do rompimento

dos laços comunitários. Porém, este é um tema silenciado tanto nos depoimentos

quanto nos estudos de impactos ambientais.

Em 2003, a Organização Mundial da Saúde - OMS declarou que as

perturbações depressivas unipolares (que incluem abuso de álcool e drogas)

estavam em segundo lugar no ranking das principais contribuintes da carga global

de doenças, atrás apenas do HIV. A própria agência declara que o impacto das

perturbações mentais é subrepresentado nas estimativas, já que muitas vezes não é

identificado e outras leva ao ostracismo social dos doentes, afetando outros

aspectos da sua vida, como o econômico, o social e o político (OMS; WONCA,

2009).

Essa situação de negligência de maneira alguma está restrita ao contexto do Litoral

Sul ou ao leque de impactos da indústria cimenteira. Trata-se de um problema

global, identificado em diversos países e podendo ser agravado pela vulnerabilidade

social e características locais. Se a instalação de tais empreendimentos contribui

para o agravamento da situação, esse é um risco que deve ser avaliado.

5.2.2.4 Serviços públicos Nenhum entrevistado pode citar melhorias nos serviços públicos tais como

abastecimento de água e luz, esgotamento sanitário, unidades de saúde e de

policiamento diretamente relacionadas à instalação das fábricas de cimento. Nesse

sentido, os entrevistados da comunidade de João Gomes relatam que não houve

mudanças, os serviços continuaram os mesmos.

O entrevistado 06, além de afirmar que não houve nenhuma melhora nesse

sentido que beneficiasse a sociedade, se refere à instalação da rede elétrica de

abastecimento da fábrica Elizabeth dentro do quadro de conflito que se estabeleceu

entre a empresa e os assentados da fazenda Mucatu:

“[…] Teve que passar com rede elétrica no assentamento e o pessoal ou ela indenizou, garantiu [inaudível], aquela rede elétrica alta, só pra fábrica entendeu.” (Entrevistado 06)

O mesmo assunto é lembrado pelo entrevistado 02, quanto à instalação da

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fábrica da Cimpor/Interment, no Conde:

“[…] Teve implantação de alguns postes mais potentes, mais altos, não sei como é que se diz. E o relato que as pessoas fazem é que é especificamente pra poder gerar lá nessa fábrica […], um contrato da Energisa com a empresa Elizabeth que foi a mencionada na época. Então tem toda uma, isso foi uma mudança muito visível, todo mundo viu, os postes enormes, os cabos são bem diferentes. E é uma outra rede, tem uma rede mais baixa do lado e essa vem pro lado da rua... E, enfim, pra ser colocada tiveram podas indevidas, a algumas macaiberas na matas”. (Entrevistado 02)

Observa-se que o depoente percebe a passagem da rede de alta tensão

como mais um fator de impacto, na paisagem e na fauna local. Num contraste com

essas representações, o Entrevistado 04 toca no assunto de uma perspectiva mais

ampla:

“[…] Não somos produtores de energia, nós não temos água. E as indústrias que demandam grande quantidade de água e grande quantidade de energia, são indústrias que, para se instalarem na Paraíba, porque a Paraíba está geograficamente privilegiada, vão ter que conversar com a Chesf, para fazer aquilo que fez com a Bratex em Campina Grande, pra fazer aquilo que faz... São linhas de transmissão que você tem de Xingó ou de Paulo Afonso, pra trazer diretamente, porque senão, se colocar a energia que vem pra Paraíba, a energia residencial, para as indústrias, você causa um colapso, um apagão, nesse caso... Não só na Paraíba, mas é, em todo o nordeste.” (Entrevistado 04)

O entrevistado 04, ainda, acredita na possibilidade de a vinda de indústrias,

de maneira geral, serem agentes de melhoria na qualidade de vida da população

através do incremento dos serviços públicos, o que também envolve o pagamento

de impostos. Paralelamente, o entrevistado 09 espera que, sendo o processo

mediado por uma gestão municipal responsável, as medidas compensatórias da

empresa Cimpor possam ser convertidas em benefício à comunidade:

“Você não vai instalar uma indústria no meio do nada, você só instala se tiver uma infraestrutura, uma infraestrutura de água, de energia, de drenagem, de esgotamento, de pavimentação. E isso termina propiciando também às comunidades locais todos esses serviços. Eles terminam sendo beneficiados, por essa demanda industrial. Os cidadãos terminam também sendo beneficiados, terminam depois, instaladas as indústrias, beneficiados com os empregos, se não com um emprego direto, com emprego indireto que a riqueza gerada ali... Porque vai gerar mais ICMS, vai gerar mais ISS, vai gerar mais impostos, as prefeituras arrecadarão mais e terão mais condições de oferecer saúde, educação, policiamento [...]. E ao estado compete sim aumentar policiamento, propiciar aquilo que lhe é de competência, tanto opcional como de leis ordinárias […].” (Entrevistado 04) “Diz que a gestão passada foi muito parceira com a fábrica. Até consertaram um colégio no Alto Caxitu. Eles deixaram o colégio semi novo. E tiveram outras parcerias da outra gestão com eles que parece que não deram muito certo não, [por]que a outra gestão só visava o dinheiro: Em vez de trocar por uma ação no colégio, eles preferiam pedir à fábrica dinheiro. Mas agora tem tudo pra melhorar, porque a gestão agora não trabalha dessa forma não. Eu acho que tem como se fazer uma parceria muito legal com a fábrica.” (Entrevistado 09)

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Essa expectativa de impacto positivo exprimida pelos atores é conflitante com

o que observa o Entrevistado 05 em relação à situação presente do Litoral Sul como

um todo:

“Eu acho que nisso deu uma encolhida, que teve todo um crescimento e ele (o serviço público) não evoluiu, […]. Houve um crescimento no número de assaltos muito grande, em função dessa, digamos, do não acompanhamento da força policial em função à quantidade de pessoas que passaram a habitar e a utilizar a área {do litoral sul}. Então a polícia, a quantidade do efetivo, continua a mesma. Em contrapartida você tem o aumento de uso dessas áreas, não só por turistas, mas o turismo é um termômetro, mas de pessoas também que vieram morar. Houve um aumento da população acredito, desses municípios […].” (Entrevistado 05)

O depoente também se refere a Alhandra como “uma cidade deficitária em

saneamento e em água tratada”, fato interessante se considerarmos que trata-se de

um município hidrograficamente privilegiado. Além disso ele continua, sobre o

atendimento público de saúde:

“Isso é difícil avaliar, porque por exemplo, com as políticas públicas de saúde, que teve incentivo, criação de PSF [...] Nos últimos anos, de 2005 pra cá, até esse ano, houve uma melhora geral em todos os municípios […]. Mas na Paraíba, me parece que esse crescimento nessa região lá não foi tão proporcional […].” (Entrevistado 05)

Além disso, como discutido nos tópicos acima, há um déficit importante de

políticas preventivas e mitigadoras e instituições voltadas aos atendimento de grupos

vulneráveis, sejam elas de iniciativa pública ou privada. Enquanto isso, os riscos aos

quais essas pessoas estão submetidas aumentam à medida que a industrialização

avança.

Ainda sobre a infraestrutura, o entrevistado 04 ressalta a necessidade de boa

infraestrutura e logística por parte das grandes empresas, incluindo as malhas

rodoviária e ferroviária. Para atrair esses empreendimentos, o Estado tem que

oferecer a estrutura necessária. Porém, outro entrevistado percebe descaso com as

estradas de acesso às localidades onde se instalaram fábricas, atribuindo

responsabilidade sobre isso às empresas:

“[…] Da divisa com Pernambuco até Caaporã, e vindo para Alhandra, a estrada está imprestável. O Governo do Estado está agora recapeando […]. Eu passei lá, buracos são... Quer dizer: são grandes empresas que não tem responsabilidade nem por onde passam as suas carretas. (Entrevistado 05)

A comunidade reconhece a importância do asfaltamento da PB 028, que vai

até a fábrica Elizabeth, o que representa uma importância significativa no

escoamento da produção da agricultura familiar. Entretanto ressalta que as vias de

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acesso à comunidade ainda estão em más condições e que, como moradores e

produtores agrícolas também mereciam investimentos nesse sentido por parte do

poder público:

“Então a gente sentia muita necessidade de um asfalto ali. […] A única coisa boa que veio foi esse asfalto. E, mesmo assim, a gente não ficou tão satisfeita assim, porque a gente acha que a gente também é importante. Então esse asfalto era pra ter vindo muito antes, pensando no povo.” (Entrevistados 08)

Apesar de algumas melhorias, nota-se nos depoimentos que estas são

facilidades voltadas para a operação das empresas. Embora possam beneficiar

parcialmente a população, essas medidas não são contrapartidas aos impactos

causados. Sobretudo no que se refere à segurança e à saúde, essa é uma

necessidade detectada pelos entrevistados.

5.2.2.5 Impostos A questão dos serviços públicos, impactos sociais e infraestrutura está

diretamente relacionada à arrecadação de impostos, ao incremento econômico que

a instalação industrial pode gerar e à oferta de empregos diretos e indiretos. Estes

são geralmente os benefícios citados pelos atores e instituições que consideram

necessária ou vantajosa a instalação de empreendimentos industriais. Todos esses

assuntos, entretanto, são objeto de controvérsia de acordo com as entrevistas.

Em geral os atores desconhecem a situação fiscal dessas indústrias, ou seja,

quais impostos ou taxas são pagos por elas ao Estado e sob quais há isenção, e

ainda mais, qual o destino dessa arrecadação. O entrevistado 04 explica a questão

dos incentivos fiscais nesse contexto, à qual o entrevistado 06 complementou ao

afirmar que essas indústrias têm isenção fiscal por dez anos:

“O governador então decidiu atrair essas grandes indústrias produtoras de cimento, para se constituir na fronteira com Pernambuco, essa fronteira sul, um Polo Cimenteiro. E naturalmente aí ele propiciou incentivos de duas ordens: o incentivo locacional, que é a concessão do terreno, vendendo o terreno de forma subsidiada pra atrair essas grandes indústrias - que é o caso da Elizabeth, da Brennand e da Cimpor; e o incentivo fiscal, que aí são duas vertentes: tem o FAIN [...] e os incentivos que são próprios, inerentes da Secretaria da Receita.” (Entrevistado 04)

Porém outros entrevistados avaliam negativamente ou mostram-se

desconfiados quanto a essas medidas, por exemplo:

“[…] mas em geral eles são dispensados de uma série de outros [encargos], que em geral eles poderiam contribuir mais pra o enriquecimento municipal. Geralmente é assim, esses contratos são muito desiguais, porque eles isentam essas empresas de cumprir com alguns impostos e taxas que são importantes pra poder o município se auto gerir. [...] Gera muito pouco pra o município, em virtude dessa forma de

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relacionamento que o Estado tem com o poder industrial, com o poder econômico, principalmente com as indústrias.” (Entrevistado 05)

Essa desconfiança quanto às possibilidades de beneficiamento a partir da

arrecadação estatal se dá principalmente considerando os municípios:

“Ao município eu acho difícil, geralmente cai numa caixa… do Estado, provavelmente pouca coisa se vê voltando ao município mesmo.” (Entrevistado 01)

“Se sabe que é [bom] pra arrecadação do município uma indústria dessa, arrecadação grande, que eu não sei o valor mas a gente sabe que é grande. Mas se fosse destinada ao povo do munícipio era uma beleza. A gente sabe que o dinheiro público se perde hoje pelo meio dos caminhos, do destino. Não é só daqui não, isso é no país inteiro, taí a Lava-Jato: o dinheiro público se perde no caminho uma parte.” (Entrevistado 07)

Essa expectativa positiva em relação à arrecadação do Estado, embora

exaustivamente utilizada pelas instituições interessadas na instalação dos

empreendimentos, dificilmente corresponde à realidade, um exemplo é a

comparação feita no Quadro 02 (ver página 62). Sendo assim, seria mais coerente

formarmos nossa opinião acerca desse possível benefício com base em informações

mais completas, que permitam também o cálculo do incremento em gastos públicos

que essas decisões podem gerar. Nesse caso, o conhecimento técnico é aliado

imprescindível na avaliação dos riscos ao desmistificar noções do senso comum

(SLOVIC; FICHOUFF; LICHENSTEIN, 984), embora, como argumentaram Dake e

Wildalski (1990), a informação não seja determinante da percepção e as respostas

entre leigos e especialistas possam ser diferentes por uma série de outros fatores.

5.2.2.6 Emprego, Renda e qualificação profissional Ao serem perguntados sobre os benefícios do Polo Cimenteiro, quase todos

os entrevistados se referiram à geração de emprego e renda como uma

possibilidade, entretanto também ressaltaram que esse é um discurso comum dos

empreendedores e do próprio Estado, que agrada a população, mas que na

realidade pode não se concretizar como o esperado. Os entrevistados que têm mais

contato com a realidade local foram os que responderam sobre a geração de

emprego como impacto já incidente:

“Olha, a chegada dessas indústrias na região tem toda uma expectativa, de geração de emprego, de criação de oportunidades. Tem algum compromisso de responsabilidade social [inaudível] os recursos... E gera pouco emprego. Para essas comunidades eles já são empregos, subempregos dentro da estrutura. Então as pessoas que moram em Acaú, em Pitimbu, em Caaporã, trabalham nos serviços

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gerais, na área de segurança, na área de [...] manutenção de equipamentos [...]. Não tem, eu diria, uma força e um esforço de capacitação local pra uma atividade que segundo o pessoal aqui do Estado, seria uma atividade típica daquela região em torno da mina de calcário que existe no subsolo. É o que dizem, que essas empresas estão procurando essa área em virtude da oferta de matéria prima pra produção do cimento.” (Entrevistado 05) “Ela trouxe benefícios no início que pegou muitos trabalhadores, filhos jovens, para trabalhar naquele trabalho pesado: Perfurar o chão, fazer os alicerces, carregar... Mas hoje não, hoje são funcionários qualificados, vem de fora... E claro, pegam alguns para limpeza e essa coisa, mas para a indústria mesmo é a partir de máquina e de pessoas qualificadas, de mão de obra qualificada.” (Entrevistado 06, sobre a fábrica Elizabeth Cimentos)

Quanto à expectativa de aumento da empregabilidade, os moradores da

comunidade de Mituaçu mostraram-se animados e confiantes nessa possibilidade,

benefício futuro que os motiva a ter uma percepção positiva da vinda da fábrica. A

isso contribui a situação de vulnerabilidade econômica de parte da população de

Conde:

“Eu pensei por esse ângulo: Que bom a gente ter uma fábrica tão próxima da nossa comunidade, porque iriam sim dar oportunidade para outras pessoas, mas com certeza iriam priorizar quem está mais próximo. Mas ainda está meio que parada, atualmente não tem trabalhando lá ninguém ainda. Mas eu creio que daqui pra frente vai ser sim um benefício. De uma forma ou de outra é um benefício à comunidade, isso a gente quer.” (Entrevistada 10) “Eu acho assim: quanto mais fábricas chegarem pra nossa região, pro nosso município, melhor. Porque nós temos muita gente desempregada hoje, o desemprego é muito grande.” (Entrevistado 9)

Quanto aos trabalhadores que foram empregados durante a implantação da fábrica

Elizabeth, os moradores esclarecem:

“Vinha muita gente de fora, vizinhos, de Alhandra, Mata Redonda, está entendendo? Dos sítios vizinhos aqui da comunidade não. Agora, daqui dos vizinhos, Andressa, Mucatu, aí empregou um bocado de gente.” (Entrevistados 08)

A partir desses relatos, podemos inferir que a geração de emprego existe,

mas é pontual, temporária e para a população local está restrita a funções que

exigem pouca ou nenhuma qualificação. Juntamente a isso temos o fato de a

presença feminina na área da construção civil ser subrepresentada – novamente, as

mulheres são majoritariamente excluídas em seu acesso a potenciais impactos

positivos da vinda das fábricas. Apesar de pouco se falar sobre o quadro de

empregos aberto, a expectativa de geração de emprego é evidente. O que

certamente não se restringe ao Polo Cimenteiro em específico, mas tornou-se um

discurso corrente de qualquer empreendimento econômico:

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“[…] São sempre alguns empregos, [inaudível] sempre que se faz um Relatório de Impacto Ambiental, existe o Relatório Socioeconômico e o Relatório Ambiental, [...] o meio físico e biológico. O Socioambiental é sempre favorável a esses empreendimentos, e eu acredito que não seja diferente nesse caso. Empregos, receitas, etc… Aumento de consumo.” (Entrevistado 01)

Duas questões interligadas se relacionam a esse tema na percepção dos

entrevistados, a educação formal ou técnica e o uso de mão de obra de fora. Assim,

as representações do risco quanto à criação de empregos, positivas ou negativas,

estão sempre vinculadas à condição da qualificação profissional da população local.

Sobre isso o entrevistado 05 diz o seguinte:

“E uma mudança que eu digo é uma mudança social. Porque cria-se a expectativa de geração de emprego e renda [...] e na verdade está se oferecendo muito pouco. Você tem cursos de carpintaria naval… Eu nem sei no que deu, mas parece que uma das condicionantes era se fazer cinco ou seis cursos, e um dos cursos era de carpintaria naval, outro de marinharia, patrimônio histórico, coisas que você talvez tenha pouco uso na comunidade. No início eles deram vários cursos rápidos, vinculado à construção civil, carpintaria de construção civil, armador, pedreiro. Mas assim, empregou muito pouco, e as mulheres se empolgaram com essa coisa, até de ter carteira assinada, um rendimento certo. E participaram desse processo de formação mas não foram absorvidas. Então tudo isso gera uma mudança também da comunidade, sobretudo a expectativa de querer se inserir num novo mercado, numa nova forma de operar. [...] Isso é uma [dança] digamos até [permissiva] né, porque você não tem de fato a inserção dessa mão de obra no mercado. […] Então quer dizer, está começando um processo inverso. Em vez de no começo ter o ensino pra capacitação, pra formar mão de obra para ser usada, na verdade grande parte dessa mão de obra qualificada está vindo de fora, inclusive de Minas Gerais... Aqui tem uma questão também que é: se você ver hoje a quantidade de ônibus que se deslocam para Recife e para João Pessoa no final da tarde, oriundos dessas empresas [...] enorme. Então as pessoas com mais qualificação não residem na região, não distribui renda local, e isso é um impacto muito grande também.” (Entrevistado 05, sobre a fábrica Brennand em Caaporã, e o contexto geral do Litoral Sul)

Essa preocupação não se restringe aos gestores ambientais, especialistas ou

comunidade, mas também parte do entrevistado que representa a Companhia de

Desenvolvimento:

“O Polo Automobilístico que foi implantado em Goiana, eu não sei quantos nordestinos ou paraibanos, ou [...] pernambucanos, estão em postos de chefia ou de comando. Ou se estão em postos de menor importância, com menor ganho salarial. Isso é uma preocupação que existe, porque se não preparamos os nossos jovens, termina por você propiciar empregos para pessoas mais bem qualificadas que virão de outras regiões e isso é um fato. Na implantação do Polo Automobilístico muitos italianos vieram morar aqui em João Pessoa, muitos paulistas, muitos mineiros, paranaenses…. É bom para o mercado imobiliário? É excelente. É bom para João Pessoa, que enfim vai ter um caldo cultural maior, vai gerar mais emprego, vai captar mais recursos? É bom, nessa parte. O Polo Cimenteiro não tem uma cadeia em escala que produza tantos empregos quanto... Empregos técnicos, e de mão de obra qualificada, tanto quanto em um polo da qualidade do Polo Automobilístico. Por isso que a Paraíba não se contenta ficar só com o Polo Cimenteiro, mas em induzir também um Polo Cerâmico, para que as empresas ceramistas do Brasil inteiro venham para a Paraíba [...]” (Entrevistado 04)

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A importância da qualificação profissional e mesmo da oferta de educação

básica de qualidade é ainda maior entre pessoas mais vulneráveis, como mulheres,

pessoas negras e indígenas no que diz respeito à empregabilidade. Isso porque,

somando-se ao fato de encontrarem mais barreiras no acesso a esses serviços e

direitos, esses grupos são subrepresentados em cargos de nível gerencial, executivo

e técnico (SILVA; BRITO; LIMA, 2017). Apesar desse ser um problema que inclui

outros fatores, como o preconceito ou a falta de estrutura de suporte - a

disponibilidade de creches, por exemplo, é fundamental para permitir a inclusão de

mulheres no mercado de trabalho - um dos mecanismos para mitigá-lo é a oferta de

qualificação profissional para esses grupos. Seguindo esse pensamento, torna-se

essencial o diálogo entre Estado e empresa, com o objetivo de criar ações conjuntas

que possam promover as soluções cabíveis.

Não havendo mecanismos de qualificação profissional acessíveis à população

local, é provável que a geração de emprego contemple pessoas de fora em vez da

comunidade local. O impacto social antes considerado um benefício pode então

passar a ter um peso negativo, sobretudo se riscos sobre a agricultura familiar e

ocupação do território entram nessa conta:

“Bem, elas vão ter que mudar de estilo de vida. [...] Provavelmente algumas vão parar na periferia das cidades, alguns como aconteceu no distrito industrial de João Pessoa: Algumas pessoas que viviam do rio Gramame hoje trabalham nas fábricas que poluem o rio.” (Entrevistado 01) “[...] Também é uma preocupação minha porque os meus amigos todos estão nas fábricas, a grande maioria deles. E tem essa ilusão, [eu vou contar]: ‘Porque a fábrica me dá um emprego, carteira assinada’, esse blá blá blá, e todo o restante no entorno é esquecido. E têm também amigos mais jovens do que eu que vislumbram um emprego na fábrica, e eles também não conseguem perceber que essa fábrica, ela destrói uma comunidade, a comunidade que ele vive. Então eu conheço muita gente que tem essa ilusão ainda, e pessoas até que tem perfil empreendedor, eu conheço amigos que, […] quando a gente tá junto conversando a conversa deles é de empreendedor. Então ele pode conseguir muitas coisas com isso mas só que na cabeça dele está tão introjetado que tem que trabalhar na fábrica e ter a carteira assinada que ele não percebe esse outro lado, que pode até ser mais rentável pra ele do que a própria fábrica. Então é uma coisa meio que natural, implantada. As pessoas assimilaram isso porque os pais trouxeram. Enfim, e fora as pessoas que estão lá porque perderam sua saúde, eu conheço muita gente que adoeceu. Na minha família têm pessoas que trabalharam a vida toda na fábrica, hoje não trabalham mais porque adquiriram uma doença. E essa doença impede de viver bem, impede de trabalhar também, aí tem esse recurso e vive só disso. Enfim, então eu conheço muita gente que tem essa questão de ‘a fábrica é uma coisa boa’, mas ela não é 100% boa.” (Entrevistado 02, sobre as indústrias que estão no vale do rio Gramame)

Em Alhandra, os entrevistados de João Gomes evidenciam ainda outra face

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do impacto da presença da fábrica na empregabilidade e renda local: muitos dos

trabalhadores da construção da fábrica, ao perderem o emprego com a conclusão

da obra, foram absorvidos pela agricultura familiar como mão de obra:

“As pessoas que, os vizinhos que ainda ajudaram a levantar ela voltaram tudinho pra agricultura, hoje é a agricultura que emprega a todos. E é equivalente a o quê? Um agricultor ganha [...] uns mil reais por mês. [...] E voltaram tudinho, as pessoas que quando a gente estava lutando pra que ela não fosse implantada, pessoas que ficaram contra a gente e achavam que ia ser um mar de rosas. Hoje a gente vê o resultado, eles estão aí na agricultura, tem emprego pra todo mundo.” (Entrevistados 08)

Desse modo fica estabelecida uma questão de difícil resposta sem uma

análise cuidadosa: quantos empregos gera uma fábrica de cimento, sobretudo para

as comunidades afetadas, e quantos empregos ela põe em risco, no caso de causar

impactos à produção agrícola? Sem informações mais claras nesse sentido, é difícil

afirmar que a instalação de tais empreendimentos seja benéfica economicamente

para a população local. Com isso, não se pode esquecer que há uma cadeia de

empregos diretos ou indiretos, movimentada pela produção cimenteira de maneira

mais ampla, regionalmente. Mas para esse ser considerado um impacto positivo, há

que se pesar na mesma balança também os reflexos negativos em outras atividades

econômicas e seu potencial empregabilístico.

5.2.2.7 Economia Considerando todos os impactos e riscos sociais que podem ser associados

ao Polo Cimenteiro, dá-se a necessidade de contextualizar a história econômica e

política recente da região. Alguns dos entrevistados em vários momentos situam

suas impressões nesse contexto regional. A entrevistada 03, por exemplo, discorre

sobre as atividades econômicas no Litoral Sul durante as últimas décadas:

“Foi toda uma associação ali do latifúndio com esse capital financeiro, pra fazer essas usinas. E houve uma grande expulsão de trabalhadores rurais. Isso coincide com o outro tema que [inaudível], coincide com a periferização e a favelização, por exemplo, de João Pessoa, assim como de Recife e outras cidades. Então você tem uma capitalização do campo. Com isso todos aqueles antigos trabalhadores, rendeiro, meeiro, que tinham aquelas relações que alguns chamam de pré-capitalistas, os chamados camponeses: Eles então ficam sem terra, são expulsos e vão encher, inchar as cidades. Então tem essa associação aí com as usinas... Isso foi nos anos 70, nos anos 90 veio a associação com o polo cimenteiro, a indústria da construção civil. […] Então o latifúndio, ele tá sempre arrumando um jeito de se manter, se fortalecer e se associar com o capital e com os grupos políticos. […] Parece uma grande conspiração, não é? (Entrevistada 03) “Porque existe uma opção de “desenvolvimento”, entre aspas, econômico,

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fundamentado na especulação imobiliária […]. Poderíamos ter feito outras opções e fazer outras decisões, como investir num ecoturismo sustentável por exemplo, aproveitar aquelas praias e criar parques, pra fazer trilhas... Enfim, explorar a natureza, de uma forma economicamente viável. Mas não há esse conhecimento, não há esse interesse. Infelizmente aqui no Estado da Paraíba, é muito forte essa mentalidade da construção, que começou a crescer nos anos 90, porque até 1980 [...] cresceu muito o setor de comércio e serviços. A partir dos anos 90 houve uma virada na economia. O setor da construção civil passou a ser o mais dinâmico, e aí a gente teve como representação política nos anos 90 um representante do setor da construção civil, que criou um grupo econômico, uma oligarquia […].” (Entrevistado 03)

As falas acima se referem a um fluxo de crescimento populacional e

mudanças intensas na economia e na paisagem rural do litoral. Da mesma forma, o

Entrevistado 05 também achou importante explicar a expansão da monocultura

canavieira no Litoral Sul como pano de fundo para uma mudança na ocupação do

território:

“Aqui nessa realidade do Nordeste [...], teve dois grandes momentos de crescimento, de criação e expansão da indústria canavieira. Foi com o Pró Alcool nos anos 70, e teve outro agora no governo Lula, com o estímulo à produção de energia limpa, incentivo à [produção] etanol, que na verdade foi pra salvar os usineiros. E com isso houve uma diminuição sensível da área de sitiantes, de pequena agricultura. Eles foram com tudo e ampliaram as suas áreas... Então é um mundo do capital.” (Entrevistado 05)

Essas respostas nos levam à importância da formação socioeconômica da

região e as mudanças nesse cenário a partir de um grande espectro de influências

externas, como a urbanização, a industrialização, a globalização e os programas de

incentivo a determinadas atividades. Inicialmente a monocultura da cana de certa

forma cria um ambiente no qual a agricultura familiar e a pequena propriedade

tendem a perder espaço para outras atividades econômicas num recorte local, e isso

se comunica com as escolhas econômicas nacionais. Num contexto mais amplo,

portanto, a instalação do Polo Cimenteiro faz parte de um conjunto de

direcionamentos econômicos do Estado da Paraíba, que está em conformidade com

a política desenvolvimentista adotada nos últimos anos. O tema é complexo e

apresenta contradições em qualquer contexto, e os depoimentos dos atores refletem

isso quanto ao recorte do Polo Cimenteiro no Litoral Sul.

Além disso, no que diz respeito ao cimento, dois entrevistados ressaltam o

potencial produtivo da Paraíba como um risco provável. Como afirma o entrevistado

01:

“Bem, a Paraíba tem uma faixa muito estreita de área agricultável. A vocação do nosso estado não é agrícola certo? Mesmo a produção de cana aqui é inferior a alguns estados do sul e sudeste por exemplo, por conta de solo e água. Talvez o

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cimento seja nosso maior recurso mineral, certo? Eu sei que existem outros como a vermiculita no interior, algumas pedras preciosas, semi preciosas, mas nenhuma delas é uma commodity como o cimento bruto.” (Entrevistado 01) “Eu não tenho dúvida que mais alguns anos e a Paraíba será certamente o segundo maior produtor de cimento do Brasil, ficando apenas atrás de Minas Gerais.” (Entrevistado 04)

Alguns entrevistados ainda consideram que um melhor direcionamento

econômico para a região seria o incentivo ao turismo e lamentam o descaso com a

agricultura familiar:

“Eu percebo como o recrudescimento de uma economia insustentável. Então eu só lamento, porque como eu disse nós temos potenciais turísticos enormes, pra poder fazer uma exploração daquele lugar sem precisar da indústria de chaminé, e houve uma opção pela indústria de chaminés, então eu só lamento.” (Entrevistada 03) “É como se a agricultura também não fosse um meio de sobrevivência, e a gente sabe que é o principal, que sem o alimento não tem como a gente sobreviver. E o lucro, a lucratividade é muito grande nessa região. Porque o pessoal trabalha muito, tem muito agricultor, principalmente agricultura familiar, muito, é muito grande aqui.” (Entrevistados 08)

Podemos dizer, sabendo da formação política econômica paraibana, que são

escolhas econômicas que favorecem grupos oligárquicos. Portanto, a “vocação” do

lugar, como aponta o entrevistado 01, também tem uma carga de escolha política.

No caso do litoral sul, uma vocação bastante lembrada é o turismo, no entanto os

investimentos são bem menores. O Entrevistado 04, apesar do discurso de base

neodesenvolvimentista ao avaliar positivamente alguns dos riscos da indústria do

cimento, não deixa de se referir ao potencial positivo do setor turístico, concordando

com a Entrevistada 03 nesse ponto:

“E a Paraíba tem belezas extraordinárias, que podem captar outro tipo de indústria: a indústria turística, [...] O trade turístico, esse é o nome que se utiliza, poderia ser mais proativo e propositivo com os governos municipais e com o governo estadual, do que é, vamos dizer assim, a valoração das indústrias [...]” (Entrevistado 04)

Além disso, alguns dos depoentes consideram que o saldo econômico pode

ser negativo no que tange à população local:

“Eu não consigo perceber coisa boa porque, por exemplo, quando o rio Gramame deixa de abastecer muitas comunidades aqui por causa da poluição dessas fábricas, são muitas famílias que deixam de ter uma melhora de vida, se alimentar bem, poder vender o seu camarão e ter o seu recurso, em troca de alguns empregos, aqui e acolá, que elas [indústrias] oferecem. Então eu não sei se isso é um benefício, eu não consigo entender isso como um benefício. […] Com certeza afeta e a economia acho que melhora. O problema eu acho, como eu sou ambientalista, é essa questão. E meio ambiente com o capitalismo, ele tem um diálogo bem difícil, bem distante. Eu acho que existe possibilidade de crescer, de ter progresso sem destruir o entorno. Eu acredito, a tecnologia vem provando. [...] A economia melhora, mas o rastro que deixa

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no caminho é realmente muito ruim de ver, é difícil de você aceitar. Tendo como fazer um meio termo, tendo como fazer uma conciliação...” (Entrevistado 02) “Eu acho o seguinte: a questão dessa industrialização, é uma industrialização que eu diria emergente, você não vê uma coisa planejada. Então tem calcário ali, a indústria do cimento crescendo, corre todo mundo pra ali, cada um faz uma fábrica. [Isso não pode ser] desse jeito, nenhum setor da economia pode ser assim. É como você pegar nos anos 80 o camarão [que] estava bombando, pipocando: Acabou o camarão marinho, assim, você não tinha mais captura. [...] O capital ele é oportunista, ele quer se apropriar dos espaços, da conjuntura e tudo o mais.” (Entrevistado 05)

Pode-se inferir dessas representações que os atores têm uma visão dos

impactos e riscos econômicos do Polo Cimenteiro inserida num contexto histórico e

econômico complexo. Apesar de acreditarem na possibilidade de crescimento da

atividade e no resultado positivo para a economia do Estado, não consideram que

isso necessariamente acarretará em uma melhora na situação econômica das

comunidades, pois localmente outros riscos negativos se sobrepõem a essa

possibilidade.

Retomando alguns tópicos para uma discussão mais ampla, podemos dizer

que os riscos e impactos sociais discutidos na maioria das vezes tem uma relação

identificável de causalidade com os impactos ambientais, se fosse possível isolá-los

em categorias. Ao que parece estes são mais evidenciados nas entrevistas que os

impactos ao meio biofísico, seja como preocupação ou como expectativa positiva.

Não deixa de ser contraditório, dada a urgência do assunto, que esta e outras

pesquisas encontrem justamente no âmbito social os maiores problemas

relacionados à instalação dos empreendimentos, à Avaliação de Impactos

Ambientais e às medidas adotadas pelos poderes público e privado.

Apesar de sua flagrante importância, esse tipo de impacto não parece estar

entre as principais preocupações das agências reguladoras ou das empresas. Nos

Relatórios de Impacto Ambiental ganham um lugar periférico, além de figurarem

como justificativa para a instalação dos empreendimentos ao ter os riscos positivos

ressaltados de maneira a favorecer a opinião pública, como no caso da geração de

emprego e renda. As ações mitigadoras e compensatórias não são efetivas, mesmo

que esses impactos afetem profundamente as comunidades próximas das fábricas.

Alguns riscos nem mesmo são identificados ou analisados pelos atores,

mesmo os que têm responsabilidade sobre o controle destes. Esses silêncios são

preocupantes sobretudo no que concerne aos estudos prévios e aos agentes

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reguladores, pois sem que a extensão e gravidade dos impactos socioambientais

sejam avaliadas, não há possibilidade de monitoramento ou mitigação. Dessa forma

os custos dos danos causados são transferidos ao Estado e à população.

Essas observações, lembramos, são encontradas em outros estudos e

contextos, e as mesmas dificuldades são apontadas: num conjunto em que

interagem vulnerabilidade social, pouca ou nenhuma participação popular nos

processos decisórios, e desvinculação entre temáticas ambientais e os movimentos

sociais, há uma transferência da responsabilização e dos danos à sociedade,

sobretudo aqueles que estão mais próximos da fonte de impactos (ACSELRAD;

MELLO; BEZERRA, 2009).

É provável, ainda, que contribua para esse cenário a falta de integração entre

ciências exatas, biológicas e humanas, que pode ser observada desde a

universidade até a composição técnica dos órgãos reguladores e das empresas

privadas. Isso leva à falta de visão holística ou sistêmica dos impactos

socioambientais por parte dos especialistas, o que também é característico da

atuação dos órgãos públicos, que também encontram entraves para dialogarem

entre si.

Ao longo das conversas notou-se também que os entrevistados não

restringem sua fala às fábricas mencionadas na pesquisa. Muitas das afirmações e

impressões são relacionadas às indústrias em geral, à poluição que já acontece,

principalmente no rio Gramame. Isso demonstra que, por um lado, os atores estão

cientes do contexto complexo no qual interagem diversas fontes de risco, o que

pode ser considerado um sistema de riscos (NEVES; JEÓLAS, 2012). Por outro,

evidencia a falta de informações sobre essas fábricas em específico.

No caso do Conde, o movimento SOS Gramame luta para denunciar a

poluição do rio que tem como fonte as indústrias do distrito industrial de João

Pessoa e do Conde e as usinas de cana de açúcar, e pressionar as autoridades a

tomar medidas cabíveis contra as empresas. A organização das comunidades

ribeirinhas do Gramame para identificar as fontes poluentes já tem mais de 20 anos,

então podemos dizer que já faz parte da memória dessa população a presença

industrial como fonte de poluição, de danos à saúde e danos econômicos.

Autores como Bickerstaff (2004) e Coelho, Valente e Figueiredo (2012) se

referem à memória da presença da indústria ou da mineração em comunidades

como elemento relevante para a percepção, muitas vezes de maneira a relacionar a

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atividade a benefícios econômicos. Nesse caso podemos dizer que também

acontece o oposto, e essa memória vai de encontro ao que Bickerstaff (2004)

classificaria como estigma da poluição.

As comunidades ribeirinhas do Gramame e os demais envolvidos no

movimento SOS Gramame, por exemplo, têm uma memória da presença industrial

na região como nociva às suas vidas e ao ambiente. Todavia, essa memória é

constantemente reforçada pela experiência e observação, já que a poluição do rio

continua sendo denunciada pela população. Ao mesmo tempo, contraditoriamente,

os entrevistados desse local acreditam nos resultados benéficos de tais

empreendimentos. Talvez, como alerta Boholm (1998) a vulnerabilidade social torne

os riscos mais aceitáveis para esses atores.

Chegamos então a um dos resultados mais significativos da pesquisa: a

invisibilização de grupos vulneráveis nos estudos prévios e nas tomadas de decisão.

Retomando o princípio da intersecionalidade de Crenshaw, fatores como gênero e

classe social podem se sobrepor, aumentando a vulnerabilidade de determinados

grupos (SILVA; BRITO; LIMA, 2017). No Litoral Sul podemos destacar os grupos

indígenas e quilombolas, que historicamente enfrentaram conflitos territoriais para

permanecer em suas terras, e as mulheres, crianças e adolescentes, que

identificadas como mais vulneráveis nas entrevistas, nas políticas públicas locais28 e

subrepresentadas politicamente.

Se a vulnerabilidade social é um fator de aumento do risco, embora possa

influenciar a percepção deste por parte das pessoas mais vulneráveis a ponto de

torná-los mais aceitáveis, forma-se um ciclo destrutivo: Quanto mais vulnerável

socialmente é um grupo ou local, mais chances de tolerar os riscos socioambientais

apresentados pelos empreendimentos contanto que exista uma contrapartida

econômica, mesmo que alusiva e até ilusória. Esta é tão significativa a estes grupos

pois simboliza a possibilidade de inclusão social a partir do ganho financeiro, já que

são poucos os mecanismos públicos que suprem essa necessidade (ACSELRAD;

MELLO; BEZERRA, 2009).

O risco da geração de empregos então é visto como positivo, aliado à

vulnerabilidade social e falta de suporte estatal de modo a ser entendido e defendido

por muitos como chance de melhora da qualidade de vida. Da mesma forma, a

28 Por exemplo nas campanhas contra exploração sexual infantil, um desafio enfrentado pelos órgãos públicos

da Paraíba, especialmente no litoral.

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geração de impostos e movimentação da economia local são entendidos como

impactos prováveis e positivos, ainda que falte informações a respeito. Trata-se, na

verdade, da adoção de uma narrativa institucional já cristalizada nos processos

decisórios do tipo, e usada como barganha para negociar o apoio popular. Nesse

sentido, a vulnerabilidade é um elemento crucial na forma como acontece essa

“negociação”, assim como a experiência e a memória.

Comparando as percepções dos entrevistados nas comunidades em Alhandra

e no Conde, podemos perceber melhor essa diferença: Em Alhandra, onde a

agricultura familiar é uma atividade bem estabelecida e a fábrica já opera, a

percepção relacionada à geração de empregos não é positiva. A indústria em

alguma medida compete territorialmente com a produção agrícola familiar, além

disso gerou empregos para a comunidade apenas durante a implantação. Já no

Conde, a proximidade com João Pessoa, com um ambiente urbano e industrial e a

diversidade maior de atividades econômicas, fazem com que a oferta de empregos

pela fábrica de cimento seja percebida como benefício certo, assim como aponta

Boholm (1998).

Além disso, a afiliação ideológica (RENN; ROHRMANN, 2000) também surge

como um fator de influência quando comparamos a percepção dos atores. No caso

dos agricultores do assentamento em Alhandra, existe uma identidade ideológica

campesina construída ao longo das décadas, relacionada à luta pela terra. Os

especialistas e gestores ambientais em geral apresentam ideologias relacionadas ao

ambientalismo, alguns se identificam mesmo como ecologistas ou ambientalistas; e

ainda no caso da CINEP, há uma ideologia neodesenvolvimentista definida, ainda

que em muitos momentos dialogando com os ideais da sustentabilidade, já que o

entrevistado em questão é também um gestor ambiental.

Também é interessante notar que um dos riscos destacados nas entrevistas

foi o de perdas culturais. Como os outros, esse aspecto não pode ser separado de

um contexto de mudança regional, com a invasão da área rural por elementos

urbanos, indústria, aumento populacional e especulação imobiliária. A instalação do

Polo Cimenteiro certamente contribui para a aceleração desse processo, mas ele

não está restrito a esse evento. Podemos fazer um paralelo com os estudos citados

por Bickerstaff (2004) e relacionar a preservação das tradições culturais com a

manutenção de uma identidade, que também está ligada à paisagem e à noção de

vizinhança (TUAN, 2012; SANTOS, 2009).

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O senso de pertencimento também se mostra importante na visão dos atores

das comunidades. Eles recorrem a essa identidade como elemento de união e

fortalecimento na defesa de seus interesses, e ao mesmo tempo temem que as

mudanças trazidas pela indústria sejam um fator destrutivo para esse senso de

comunidade.

5.2.3 Agência e Interação entre os Atores

Além dos riscos e impactos provenientes da instalação e operação das

fábricas de cimento, as entrevistas tiveram por objetivo levantar algumas

informações sobre a participação dos atores nas audiências públicas anteriores à

instalação dos empreendimentos, a comunicação entre os atores, sobretudo entre a

empresa e a comunidade, as fontes de informação dos atores, a quem estes

atribuem responsabilidade sobre o controle dos riscos ambientais advindos da

mineração e ainda, qual seu grau de confiança nas instituições responsáveis por

essa gestão. A essas atuações interessadas, chamamos agência (BICKERSTAFF,

2004). Também surgiram durante algumas entrevistas os temas: conflitos ambientais

e responsabilidade coorporativa, que dialogam com os tópicos apontados.

5.2.3.1 Audiências Públicas

A realização de audiências públicas, além de uma exigência legal para o

licenciamento de grandes empreendimentos, também é a principal ocasião para

esclarecimento de dúvidas por parte da população quanto ao processo, aos

possíveis impactos de tal instalação e para a manifestação social favorável ou

desfavorável à aprovação do projeto. Sendo assim, as audiências são uma

ferramenta fundamental na democratização das decisões públicas. Paralelamente,

as empresas também podem optar por organizar reuniões com a população, no

intuito de fornecer informações e também de aprimorar seu relacionamento com a

vizinhança. Perguntados sobre a participação nas audiências públicas referentes às

fábricas em questão, os entrevistados especialistas afirmaram não terem participado,

ou terem informações sobre elas. Os entrevistados 02 e 09 reclamam da falta de

informação sobre as audiências nas comunidades do Conde, apesar de terem

ciência de uma reunião que ocorreu na comunidade de Mituaçu na qual o assunto foi

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discutido entre gestores do estado e moradores. Eles recordam o não recebimento

de um convite ou informação oficial sobre as reuniões, mesmo assim alguns

estavam cientes do evento por outros meios:

“Não, não. Eu nem sabia que tinha ocorrido a audiência pública pra instalar a fábrica. Eu fiquei sabendo da fábrica num movimento político na comunidade de Mituaçu, por um acaso, numa reunião que tinha ocorrido lá de uma gestão anterior. E tinha lá alguns políticos falando, como era no quintal de um amigo meu eu fui. E disseram que estava se instalando no Conde um polo que vai gerar não sei quantos empregos. Existe um polo sendo instalado aqui, mas como é que vai ser? Que impactos vai gerar? Como é que esse contexto rural, natural, vai ficar com a instalação, após a instalação e durante a produção disso? [...] Eu tive essas reflexões porque fiquei sabendo nesse dia. Mas de audiência […] nada nada, só foi acontecendo e a gente foi percebendo mesmo.” (Entrevistado 02) “Não, nada (sobre as audiências). Foi chegando… Acho que eles fizeram contato só com a prefeitura mesmo. […] Tudo era escondido.” (Entrevistado 09)

Já o Entrevistado 05 afirma, referindo-se ao Projeto Caxitu e ao Projeto Mucatu:

“Não fui nem comunicado sobre as audiências dessas outras... E tem um impacto direto, não na reserva, mas na APA de Tambaba.” (Entrevistado 05)

Porém no tocante a outra fábrica integrante do Polo Cimenteiro, diz:

“Eu recebi um convite pra essa da Brennand. As outras eu fiquei sabendo mas não, como não era próximo da reserva, a Sudema não achou que precisava convidar [...] Não, eu fui nessa da Brennand, que eu achei uma grande encenação, e teve uma outra do parque industrial de Caaporã, que essa já foi mais séria” (Entrevistado 05)

As falas sugerem que, ao menos na percepção desses atores, a divulgação

das audiências foi restrita, o que pode ter sido um complicador para sua participação

ou organização prévia para tal. Apesar de alguns deles afirmarem que não houve

audiência pública, o site da Sudema afirma sua realização, sem detalhar data ou

local. Isso significa, então, que a divulgação não foi ampla e, se a reunião que

aconteceu na comunidade de Mituaçu se tratava da audiência, isso não ficou claro

para os entrevistados.

Em se tratando da fábrica da Elizabeth Cimentos, os depoimentos

demonstram uma situação diversa. Foram realizadas ao menos três audiências,

conforme consta no site da Sudema. Além dos moradores de João Gomes, o

Entrevistado 06 relatou participação em uma Audiência:

“Sim, a gente fez aqui a audiência pública, na assembléia. Era tudo aquilo, era uma luta desigual, desigual... Agora, teve a sua vantagem de se prevenir o pessoal, ninguém foi enganado. E isso foi muito, vamos dizer, politicamente. E a campanha, tem o deputado Branco Mendes, que é de Alhandra, foi prefeito, é deputado. Ele

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jogou pesado na região, ele jogou o povo contra mim, [disse] que eu tava contra o desenvolvimento. A Correio fez miséria. Ia pra Alhandra e via o povo, e os jovens: Todo mundo queria, queria que instalasse, porque ia ter emprego para eles. Até agora não tem nenhum, entendeu? Mas jogou a população contra o mandato, mas não atingiu a gente. […] Mas foi campanha feia, foi campanha feia mesmo que fizeram contra o mandato, que nós estávamos contra o desenvolvimento do Litoral Sul, e a imprensa entrou nessa, ela recebia para fazer isso, e a fábrica financiou, jogou pesado.” (Entrevistado 06)

Os entrevistados da comunidade de João Gomes dizem terem sido avisados sobre

as audiências em todas as ocasiões. Apesar dessa divulgação não ser ampla na

localidade (com carros de som, convites aos moradores), ela foi feita por meio de

cartazes, ou foi avisada por outros atores envolvidos no processo.

“A audiência foi o boca a boca mesmo.” (Entrevistado 07)

“Tinha sempre uma placa, um cartaz mostrando que as audiências iam ser em tal dia. […] Tânia sempre passava pra gente quando ia ter, quando não ia. Tinha um vereador aqui de Alhandra mesmo, Walfredo José, ele estava sempre buscando as coisas tudinho. Nos informando, nos ajudando, e a CPT, tudo assim.” (Entrevistados 08)

Nota-se que a divulgação oficial foi cumprida, mas que a organização entre os

próprios atores interessados foi essencial na disseminação dessa informação entre

os moradores do entorno, assim como no preparo e no engajamento social que

tornaram as audiências essenciais para a participação pública no processo:

“As audiências foram boas, porque era nas audiências que a gente podia falar o que a gente achava, então era muito bom. O povo ouvia, era a voz do povo mesmo. […] As autoridades ouviam, mesmo que não gostassem, que ficassem ali com raiva, mas a gente falava o que a gente achava. Foram muito boas as audiências, a única coisa boa que teve foram as audiências, até que por fim teve a última audiência, já não foi lá na Câmara de Vereadores, já foi noutro canto, a gente foi muito vaiada, tudinho. Mas graças a Deus deu tudo certo [...]. Tânia, que era da CPT, sempre trazia pessoas para falar, pra nos ajudar sabe? Sempre tinham aquelas pessoas que nos apoiavam, vindos da universidade, que falavam também.” (Entrevistados 08)

Os entrevistados das comunidades ressaltaram o papel importante de alguns

membros do legislativo estadual e municipal, de Ongs e de especialistas, sobretudo

os professores da universidade federal:

“Eles dizendo que era bom, e a gente dizendo que não presta. E o pessoal da universidade vinha nos ajudar, defendia muito dizia ‘Não, porque a agricultura, o povo das comunidades...’ mostrando a realidade. Porque na verdade eles pregam uma coisa que eles mesmos sabiam que não era aquilo. É como a história da janela do avião [relembrando uma história contada durante a conversa]: o cabra pode ter estudado onde for mas ele sabe que isso aí não existe, porque quando quebrar a janela de um avião, aqui em baixo já era. E as audiências eram muito boas também porque eles, quando entraram aqui, eles pensaram uma coisa, que ia ser tudo muito bonito. Só que foi o contrário, a gente teve um rejeição muito grande, aí por conta disso eles também trouxeram pessoas, pensando que a gente quisesse vender e tudo mais. Só que foi o contrário, nas

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audiências foi a maior briga, e a gente toda se preparava também. Então foram muito boas as audiências, a gente aprendeu muito com as audiências, falava e sempre buscava também as coisas. A Tânia, a CTP, ajudaram muito, também o Frei Anastácio.” (Entrevistados 08)

Fica evidente nos trechos acima a importância das audiências públicas como

ocasião não apenas de manifestação da opinião pública e de atores sociais diversos,

de debate e esclarecimento, e informação da população não especialista. Esses são

momentos de fortalecimento político da população, ao encontrar um ambiente em

que representantes das empresas, governo e agências gestoras podem se colocar,

mas também precisam ouvir as queixas e preocupações da comunidade.

Mesmo dada sua importância, podemos ver que muitas pessoas interessadas

não são informadas dos eventos, sobretudo aquelas que não são moradoras do

entorno das fábricas. Assim limita-se o público presente e mesmo a capacidade de

articulação comunitária para se preparar para as reuniões.

Outro aspecto que fica implícito nessas conversas é que, quando não através

da articulação dos atores interessados no sentido de afirmar sua participação ativa

no processo decisório, não há mecanismos que estimulem o diálogo com os grupos

mais vulneráveis. Estes excluídos do processo decisório, perde-se uma fonte ímpar

de informações sobre necessidades específicas que são valiosas para essas

pessoas, por exemplo a necessidade instalação de creches como forma de

aumentar o acesso das mulheres ao mercado de trabalho.

Para garantir o direito à participação nas tomadas de decisão desses grupos

vulneráveis, há que se fazer um mapeamento desses atores e suas dinâmicas

locais, para de alguma maneira incluí-los na discussão. Existem, por exemplo,

diretrizes voltadas a esse objetivo que podem auxiliar os responsáveis pela

organização e divulgação das reuniões a torná-las mais acessíveis. Isso pode

significar desde o provimento de transporte, até a adaptação da linguagem utilizada

às possibilidades de compreensão de pessoas leigas (SILVA; BRITO; LIMA, 2017).

Além disso, a presença de especialistas cumpre um papel político e social

significativo, possibilitando um debate técnico real que também se torna social e

multidisciplinar.

5.2.3.2 Fontes de Informação

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Os atores foram questionados também quanto a suas fontes de informação

sobre os temas da entrevista. Assim, eles responderam tanto sobre onde buscam

informações variadas, quanto os meios pelos quais souberam de informações

específicas sobre as fábricas do Polo Cimenteiro. O entrevistado 01 se refere

principalmente à imprensa e às mídias digitais:

“Bem, como eu recebo informação [...] É da imprensa alternativa, da imprensa normal, redes sociais” (Entrevistado 01)

Já outros entrevistados, além da mídia digital, consideram que as relações de

trabalho ou sociais contribuem para seu conhecimento sobre o contexto:

“Olha eu sempre estou olhando na internet, eu tenho lido... Como eu faço parte de um grupo relativamente grande aqui - nós somos uma ONG e somos 15 pessoas, então a gente está sempre trocando informações. Nas redes sociais, nos fóruns que a gente está sempre participando. Na semana passada a gente estava lá na universidade, estava lá na rede das águas. A gente também estava levando nossa fonte, em relação ao rio Gramame, então lá a gente trocou muita informação. Enfim a gente está sempre nos espaços buscando informações.” (Entrevistado 02) “Eu me informo assim, como professora universitária, leio artigos produzidos sobre a Paraíba, me informo em blog, internet, conversando com colegas aqui que são geólogos … E viajando, que eu estou sempre viajando pro interior do estado... Enfim, estou sempre fazendo trabalho de campo.” (Entrevistada 03)

Além disso, os entrevistados gestores e o representante do legislativo

também consideram os dados recolhidos diretamente nos órgãos estatais, como

parte das funções que exercem, por exemplo:

“Aqui na Cinep, esses dados vão fluindo. Como eu sou, apesar de ser engenheiro e professor, eu trabalho muito desenvolvimento regional e dou muita palestra a respeito de desenvolvimento regional, eu tenho esses dados, e esses dados eu termino pegando na Sudema, pegando na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Secretaria de Infraestrutura, na própria Secretaria de Planejamento Orçamento e Gestão, na Cinep, na Sudema, na Cagepa, na PBGás. Eu vou pegando esses dados [...]” (Entrevistado 04) “Eu trabalho na área e estou na região. Além de trabalhar com essa coisa de gestão ambiental pública, estou na região, antenado no que está rolando no entorno. Então eu gerencio uma área de preservação, uma reserva extrativista. [...] Eu parto do princípio de que o impacto pode ser causado aqui do lado, mas um impacto a 30 ou 40 km pode ser muito maior, e impactar muito mais aqui do que aqui do lado. A gente tem que estar antenado e assim, se vinculando a um território, um território grande, que é Mata norte Pernambuco, Mata Sul, Paraíba, Conde, Alhandra, Igarassu […]. Toda essa área do entorno” (Entrevistado 05)

Para os entrevistados da comunidade de João Gomes, foi importante a busca

e divulgação de informações sobre o andamento do processo e os detalhes técnicos

ou políticos envolvidos como forma de resistência nos momentos de reuniões

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públicas ou audiências:

“Nós tinhamos muita fonte. E também toda semana eram uma ou duas viagens que a gente saia aqui em comitiva. Era pesquisar, procurar apoio, procurar os órgãos, e era onde a gente podia procurar ajuda. A gente sempre estava participando de reunião, onde tivesse a gente estava, pra se informar também. E assim, foi mais de ano, um ano de muita correria. Mesmo quando a gente soltava os fogos, é como na favela do Rio de Janeiro, aí todo mundo, todo mundo, de velho a criança, todo mundo corria saber o que estava acontecendo. De repente enchia de gente aí: Era pra gente fazer barreira num canto, era pra ir conversar alguma coisa, alguém que tinha viajado e tinha trazido alguma notícia. Soltavam os fogos e rápido :‘Vamos conversar aqui’, está entendendo? O povo estava muito unido, afim de resolver.” (Entrevistados 08)

Já os atores de Mituaçu disseram não ter acesso a muitas informações a

respeito, mesmo sobre a instalação da fábrica, as informações circularam

informalmente entre a população, mas não foram divulgadas de outro modo, nem

mesmo pela mídia. Assim, a narrativa institucional pode ser a fonte de informação

central sobre o assunto.

Ressalta-se desse modo a importância da busca de informações através de

outros atores ou nas próprias audiências públicas e como a obtenção desse

conhecimento foi fundamental na organização e agência política da comunidade.

Dessa forma, a própria disseminação de notícias dentro das comunidades

costumava ser imediata, através de estratégias próprias, muito mais que

individualmente, através da mídia por exemplo.

Apesar de nesse estudo a mídia não ter muito peso na informação dos atores,

é importante lembrar que muitos teóricos consideram-na além de aparato discursivo

de alguns grupos, também um ator em si nos processos decisórios. Nesse sentido

não se pode considerar que a participação de veículos de comunicação nesse tipo

de decisão público-privada seja imparcial ou apenas instrumental. Especialmente no

contexto brasileiro, os grupos oligárquicos que entendemos dominarem a posse da

terra, a atividade industrial e a esfera política são os mesmos que detém o sistema

midiático.

5.2.3.3 Controle dos Riscos Ao serem perguntados se é possível controlar os riscos de tais

empreendimentos, os atores deram respostas relacionadas a condições para que

esse controle seja efetivo. A maioria dos entrevistados afirma acreditar na

possibilidade de controle, apesar de não necessariamente acharem que esse

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controle está sendo feito:

“Controlar é sempre possível, limitar o alcance da mineração,em áreas onde o impacto sobre mananciais, sobre solos férteis, sobre áreas já formadas pra agricultura não fossem atingidas. Ocupar o espaço razoável, que seja possível, sem destruir o que já estava funcionando bem.” (Entrevistado 01) “Eu acho que é possível controlar o risco, evitar acho que não. Mas controlar, minimizar o risco, acho que a tecnologia avança o tempo todo. E até mesmo se pensar em recursos renováveis, a própria natureza te oferece muitos recursos […]. Diminuindo um pouco os impactos que podem estar causando uma empresa como essa, uma indústria como essa aí levantada. Então eu acho que tem condições sim, eu acho que é só a gente parar pra pensar e ser mais sensível à questão do ambiente […]. Ter mais consciência, ampliar a consciência, que consciência todo mundo já tem, agora precisa ampliar e ir pra prática mesmo.” (Entrevistado 02) “Eu não duvido que a indústria cimenteira esteja produzindo impactos, mas são impactos que estão sendo controlados, pela Cinep e pela Sudema. Na hora que nós detectamos que está acontecendo alguma coisa diferente do acordado nos contratos de compra e venda ou dos contratos aqui com a Cinep, nós fazemos vistorias e acionamos a Sudema para a correção de rumos.[…] É possível controlar, mas também ninguém está, vamos dizer assim, imune ao acaso.” (Entrevistado 04)

Outros entrevistados são mais exitantes nessa afirmativa: “Só se a população local realmente se engajar e tentar resistir. O que eu acho muito difícil, porque é uma população pouco alfabetizada, pouco educada e que em geral a mídia e a própria publicidade, o capital de publicidade dessas empresas sabe trabalhar muito bem a cabeça das pessoas pra poder se instalar.” (Entrevistada 03) “Eu não tenho esperança não, porque o poder econômico é muito forte. Quando eles implantam uma coisa dessas eles já estão pensando lá, quinze anos pra frente, a gente ainda está aqui. E a população não é capaz de reconhecer isso..." (Entrevistado 06) “Eu acho que não [dá para evitar os riscos]. Evitar como? […] O governo é que não tem interesse mesmo, o governo aqui lutou contra o povo pra se instalar, porque vai ser a favor do povo hoje?” (Entrevistado 07)

Podemos notar que os entrevistados 02 e 03 de certa forma relacionam as

possibilidades de controle dos riscos de maneira eficaz com a educação e

informação da própria população, mas também acreditando que o engajamento

social e a “vontade política”, são necessários nesse quesito. Quanto a isso, os

entrevistados 08, assim como os entrevistados 09 e 10, de certa forma relacionam o

controle às ações de vigilância e denúncia:

“Eu acho que a gente de alguma forma pode até controlar. Eu acho que com a união, não de todos da comunidade porque tem gente que é individual, mas com o pequeno grupo que existe, eu acho que tem uma forma de controlar.” (Entrevistados 08)

É importante também apontar a expectativa do Entrevistado 02 de que os avanços

tecnológicos possam contribuir com a mitigação de impactos. O Entrevistado 04

parece entender que o sistema vigente de controle dos impactos ambientais é

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suficiente para esse papel. Já o os entrevistados 06 e 07 não acreditam ser possível

evitar os riscos pois a sociedade se vê imobilizada frente a um poder decisório

maior, o econômico.

Ao serem questionados quanto à atribuição de responsabilidade pelo controle

dos riscos e impactos provenientes da mineração industrial, todos os entrevistados

citaram o Poder Público. Os entrevistados 01, 02, 04, 06, 09 especificam os órgãos

ambientais (SUDEMA, IBAMA e Secretaria de Meio Ambiente) como principais

responsáveis, o entrevistado 04 ainda acrescenta a AESA e ANA como parceiras

nesse controle. O entrevistado 06 também amplia essa responsabilidade para as

muitas instâncias de poder estatal, como o executivo, o legislativo, o judiciário, o

ministério público e os órgãos ambientais. A entrevistada 03 acredita que nesse caso

quem deveria ter mais controle sobre a atividade minerária são as Secretarias de

Recursos Hídricos e de Mineração.

Além do poder público, apenas o entrevistado 01 atribuiu às empresas essa

responsabilidade, embora o entrevistado 06 em muitos momentos discorra sobre a

necessidade de que as empresas hajam com responsabilidade socioambiental. O

entrevistado 02 lembrou a importância da comunidade compartilhar dessa vigilância

enquanto denunciante de qualquer degradação ou impasse. Ou seja, apesar de não

serem os responsáveis institucionais, os cidadãos também tomam um papel

importante no controle dos riscos. Já os entrevistados 08, apesar de apontarem a

participação de órgãos reguladores, acreditam que a população é a maior

responsável pois não confiam na ação isenta dos outros atores:

“Eu acho que é mais da comunidade, porque geralmente prefeitura e esse pessoal se une muito, tem uma questão política, se une muito, você tá entendendo? [...] Porque se partir pro lado dos órgãos públicos, ou privados, ou sei lá o que for, a gente nunca vai ter esse apoio pra esse controle aí não. Porque eu me lembro como se fosse hoje, eu me lembro que a gente foi um dia no IBAMA (para uma denúncia de desmatamento). […] Passaram dois meses pra vir. [...] Quando o agente do IBAMA chegou ele disse ‘não, aqui não tem nada irregular não, a pastagem está tudo em ordem, capim está grande, a terra está coberta’, e a gente disse ‘Não, essa parte aqui você está vendo desse jeito, mas não era desse jeito assim não’. Mas ele já sabia, porque não é possível, eu vou denunciar uma coisa hoje, aí automaticamente aquela pessoa que estava fazendo o malfeito, já pára de fazer o malfeito que estava fazendo, não é estranho? Aí o cara promete que vem no outro dia olhar e passa dois meses pra vir. Ele deu tempo pra recuperar, porque quando chegasse não tinha o que fazer, a pastagem já tinha voltado ao normal. [...] É por isso que eu digo, se não partir de nós isso aí, os orgãos públicos meu amigo, não tem não, não vão resolver. Tem que ser na pura sorte mesmo como diz o ditado, porque se for esperar que alguém, algum orgão público venha a ficar do lado do povo mesmo é difícil.” (Entrevistados 08)

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Certamente contribui para a falta de confiança demonstrada por parte dos

atores a falta de detecção dos riscos nos estudos prévios. Como discutido nos

tópicos sobre impactos e riscos, muitas vezes não é feita a identificação ou

abordagem de alguns problemas de maneira satisfatória. Assim prejudica-se a

capacidade de controle dos responsáveis (SILVA; BRITO; LIMA, 2017).

Considerando-se ainda que os riscos muitas vezes funcionam em efeito dominó, ou

seja, estão vinculados entre si, a invisibilização de uns prejudica todo o conjunto.

5.2.3.4 Confiança nas instituições

Durante as conversas, as falas dos entrevistados também demonstraram o

grau de confiança desses atores nas instituições gestoras dos riscos ou

responsáveis pelos empreendimentos. Essas representações não são restritas à

questão do Polo Cimenteiro em si, mas apontam a relação desses atores em

situações semelhantes de maneira geral. Podemos destacar algumas opiniões

importantes nessa discussão:

“Olha, eu acho que as empresas de modo geral são negligentes, eu acho. Que todas elas têm responsabilidade social, poucas delas aplicam essa lei. […] Então, quando eu digo que são pessoas que fazem... Anteriormente a gente não tinha essa resposta, porque eram outros gestores. Hoje, alguns gestores respondem a nossa denúncia. Então eu não posso dizer que o MPF não tá fazendo o papel direito, tá sim, tá fazendo o papel dele muito bem feito. […] A SEMAM faz, mas de uma maneira muito lenta, a SUDEMA faz, mas também de uma maneira muito lenta, então assim cada um faz aquilo que está dentro do seu campo de trabalho. Eu também não sei como é que funciona lá, mas aqui tem chegado poucas coisas com relação à SEMAM e à SUDEMA.” (Entrevistado 02) “A gente confia na legislação, mas a gente sabe que muitas vezes ela não é respeitada. Ainda mais agora que tem uma PEC lá no Senado que já foi aprovada na primeira instância, pra tirar o licenciamento dessas indústrias de grande porte, pra desburocratizar. Então, por aí você imagina, se aprovam um negócio desse, o dono lá vai ficar dando vivas, e não colocar aquele filtro que precisa colocar pra poder impactar minimamente. […] O fato de ver mais os impactos negativos é pelo próprio histórico mesmo de implantação dessas indústrias no país, e principalmente aqui no nordeste, especificamente na Paraíba. Então a gente sabe que existe toda uma frouxidão pra questão da compensação.” (Entrevistada 03) “Porque se partir pro lado dos órgãos públicos, ou privados, ou sei lá o que for, a gente nunca vai ter esse apoio.” (Entrevistados 08)

Destaca-se a opinião da entrevistada 03, quando lembra as mudanças

recentes em leis e instituições ambientais, tais como o Licenciamento Ambiental e o

Código Florestal. Além disso, a descrença dos entrevistados 08 nos órgãos gestores,

nas empresas e nos representantes políticos é observada em vários momentos da

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entrevista, e se relaciona à falta de apoio durante o conflito com a fábrica.

O entrevistado 04, representando o posicionamento da CINEP, diz confiar no

processo de controle dos órgãos gestores, entretanto levanta algumas questões que

dialogam com as demais opiniões. Os entrevistados da comunidade de Mituaçu

também demonstraram confiança nas normas regulamentadoras da indústria e nos

órgãos gestores para manter o controle dos riscos e impactos:

“Tem o Ibama e tem a Sudema... Então têm sempre esses institutos, que nós esperamos, sempre estejam vigilantes para a ação, para a probabilidade das coisas acontecerem ou de não acontecerem. […] porque no licenciamento também, precisa fazer as vistorias, fazer a vigilância. Porque não basta você dar licença de operação e esquecer que aquela fábrica existe. [...] É multidisciplinar, que possa formar os cargos, de forma concursada, desses agentes, desses órgãos, de forma que eles possam fazer de forma independente, de governo, que eles sejam agentes do estado, pra defender a sociedade.” (Entrevistado 04) “Dentro das normas hoje e das fiscalizações que estão acontecendo, dos exemplos que já tem, eu acho que é uma irresponsabilidade muito grande uma pessoa montar uma fábrica e cair no mesmo erro do passado nos dias de hoje. Eu acho que se está vindo uma fábrica pra cá nesse momento, eles não vão chegar e jogar seus [detritos] dentro do rio, sabendo já dos riscos que eles correm também. Tanto a gente corre risco na comunidade como eles correm também de serem autuados. Então acho que eles não vão chegar assim a toa pra botar uma fábrica aqui. Existe uma responsabilidade mutua, e a gente nessa gestão também, hoje nós temos uma secretaria de meio ambiente lá.” (Entrevistado 09)

Desse modo, transparece a ambiguidade do estado, que têm função

regulamentadora, mas nem sempre a cumpre com rigor pois isso se chocaria com a

noção desenvolvimentista de estímulo à indústria. A questão do funcionamento dos

órgãos gestores também é levantada pelo Entrevistado 05, de maneira mais

profunda:

“Apesar de a gente ter uma legislação muito rígida, quem executa, quem tem responsabilidade pela execução, fica muito à mercê do que, vamos dizer assim, esse poder industrial faz, então controla inclusive as indicações de diretorias e tudo mais desses orgãos. [...] Então assim, o modelo de controle do estado hoje é muito fraco, é muito falho. Ele não tem pessoal capacitado, ele tem muita ingerência política e tem muita ingerência do poder econômico. Então o estado não pode ficar, eu diria, a mercê dessas coisas. Você tem que ter um quadro técnico qualificado pra poder avaliar riscos futuros. [...] Pra você ter uma idéia, a Sudema nunca teve um concurso público, nunca teve um concurso público pra analista ambiental. Então é tudo assim, é alguém que é amigo de alguém, o quadro técnico da Sudema é todo antigo, pessoas desestimuladas, ganham um baixo salário” (Entrevistado 05)

No trecho, fica aparente a desconfiança do ator sobre o financiamento privado

de campanhas e suas implicações na gestão pública. O entrevistado 06 toca no

tema da responsabilidade socioambiental, e acredita que sem um aprimoramento na

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legislação, é improvável que as empresas tenham uma conduta responsável:

“Porque a fábrica, ela prometeu estradas e essa coisa toda, mas ela fez estradas até só a indústria. E não, em benefício do povo não tem nada, não tem nada! Nenhuma responsabilidade, nenhuma responsabilidade socioambiental. Eu volto a dizer o seguinte, não existe nenhuma legislação no estado que force a essas indústrias terem uma responsabilização socioambiental, não tem. Então enquanto não tiver isso, que regulamente, então, quem tá fadado a ser penalizado é a população. [...] Uma coisa eu sei, que ao ser implantada é uma maravilha, as chaminés, essa coisa toda, não tinha problema, era altamente moderno. Na realidade não é, a poluição ela continua acontecendo, se não é 100% mas é 20%, 30%.” (Entrevistado 06)

Os atores ressaltam problemas nos órgãos gestores que abalam a confiança

da população e principalmente dos especialistas, tais como falta de pessoal

qualificado para os cargos de gestão, ingerência política, conflitos de interesses

entre agências estatais e até mesmo a falta de comunicação entre diferentes órgãos

públicos. Além disso, alguns entrevistados demonstraram esperar que as empresas

seguissem preceitos da Responsabilidade Ambiental Corporativa, mas as poucas

ações por parte das indústrias que foram mencionadas são referentes à

compensação ambiental exigida pela SUDEMA.

5.2.3.5 Conflitos Ambientais Partindo dos tópicos anteriores, verifica-se um conjunto de elementos que

propicia a existência de conflitos ambientais. Durante as entrevistas buscou-se

explorar o assunto. Os entrevistados 03 e 04 não se referem a conflitos ambientais,

apesar de o entrevistado 04 afirmar que sabe ter havido impasses, mas sem

conhecê-los profundamente preferiu não comentá-los. O entrevistado 02 não se

refere a conflitos especificamente, mas à falta de comunicação, assunto que será

abordado em seguida.

Todavia os entrevistados 05 e 06 referem-se mais detalhadamente ao conflito

ambiental envolvendo a Elizabeth Cimentos, os índios Tabajara da região e os

assentados na fazenda Mucatu, em Alhandra:

“[…] Começaram a pipocar algumas questões, primeiro aquele embate entre a Cimento Elizabeth e a terra Tabajara. […] Foi um impasse forte, muito forte, na verdade a terra é Tabajara mas assim, houve uma interferência de um militar ou ex militar que comprou terras, isso eu acompanhei pela imprensa somente, eu não tenho informação suficiente.” (Entrevistado 05)

Os entrevistados 06, 07 e 08 relatam um pouco do ocorrido: “Então um parceleiro vendeu uma parcela... Ele já tinha, a parcela já tava emancipada

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pelo Incra, quer dizer, o Incra tinha dado documento, ele já tinha pago e ele registrou em cartório a propriedade dele. Uma vez que ele registrou o Incra não tinha mais força. Mas assim mesmo os trabalhadores se levantaram, e se levantaram muito em cima da questão. Quer dizer, a questão que se fazia muito lá é a questão ambiental, uma vez que lá é uma região cortada por rios, não são perenes mas são porque acumula água o ano inteiro e onde você cava tem água com facilidade, e tem muita produção, através de irrigação, de mamão, de bananeira, de sacupi, de graviola [...] Então o que acontece hoje lá: acontecem conflitos vamos dizer. […] Teve um grupo que foi contra, mas o cabra na justiça. Usou muita polícia, despejo... Aí implantaram a fábrica. Do mesmo jeito foi a outra lá em Pitimbu, essa última. […] E foi um conflito pesado, onde a gente envolveu Incra, o Incra nacional, a Ouvidoria Agrária do Incra nacional, e tudo o mais. E não se conseguiu, não se conseguiu praticamente nada.” (Entrevistado 06)

“A gente ainda resistiu muito, se não me engano foi um ano ou mais de luta, que a gente procurava todas as fontes que pudessem nos ajudar que não fosse feita. Mas também quando a gente ficou sabendo que ia ser construída, aí também já estava tudo legalizado por parte deles, que eles não são bobos. Aí não teve mais jeito não. Mas foi uma briga boa, porque nos deu experiência, e também nos deu assim, trouxe um grande respeito deles para conosco, porque a gente mostrou que o povo ainda faz [barulho], que o povo ainda tá vivo. Quando o povo se levanta pra lutar faz muita coisa, então eles ficaram no canto deles e a gente ficou no canto da gente, assim, separados. Porque na verdade o desejo deles é que eles chegassem tomando conta de tudo e fosse todo mundo embora e vendesse todas as terras pra eles, tá entendendo? […] Quando a gente viu que não tinha mais jeito, então: ‘Fique daí pra lá, que a gente fica daí pra cá agora nem você abre pra gente mas a gente também não vai abrir pra você’.

Eles queriam comprar tudo? Tudo, tudo, tudo... na época a Prefeitura, aliada na época, entrou com uma ação de desapropriação, [ou] queria entrar com uma ação de desapropriação, que a gente seria desapropriado para a fábrica. [...] Aí começou a guerra de verdade, começou porque a gente não queria abrir mão das nossas terras e muito menos sair do nosso lugar que é aqui.” (Entrevistados 08)

Os depoentes ressaltam a falta de apoio entre os legisladores e gestores públicos:

“A gente não teve muito apoio. A gente foi descobrindo, quando buscava apoio, que o apoio estava todo do lado deles. Pra cada lugar que a gente ia só encontrava portas fechadas, abertas de uma certa forma, mas fechadas... Do lado jurídico, governo do Estado, Município na época. A gente foi no DNPM ainda em Campina Grande, a gente foi na AESA, SUDEMA, IBAMA, tudo. Aí nada... Eles só diziam que estava tudo legal. O único jeito que a gente achava de combater mesmo era no grito, porque as outras formas que a gente procurou, as portas estavam todas fechadas. […] Quem nos ajudou foi o Frei Anastácio (deputado estadual) e a CPT, foi de começo ao fim quem nos apoiou, nem de igreja, nada, só do povo mesmo. […] E uma pequena parte do povo, porque muitos estavam ‘Não, quero que ela venha porque vai ter emprego’, então foi mais o povo da comunidade mesmo, o povo isolado. Pouca gente veio de fora pra ajudar, aquele número limitado. Se na época as comunidades vizinhas todas estivessem contra também eu creio que a gente tinha conseguido.” (Entrevistados 08)

Quanto ao desfecho, apesar de não impedirem a instalação da fábrica, os

moradores entendem o resultado como positivo, já que suas reivindicações

mudaram consideravelmente o curso dos acontecimentos:

“Resultado deu, porque tudo que o povo se manifesta as coisas mudam, diferente de o grande chegar pra lhe oprimir e você ficar quieto. Se você se manifestar muda alguma coisa.” (Entrevistado 07)

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Podemos dizer com base nesses depoimentos que trata-se de um conflito de

longo termo anterior à instalação, que chegou a tornar-se violento, posto que

envolveu a polícia, mas estendeu-se juridicamente e através da mobilização social

em busca de negociar as decisões quanto à fábrica.

Os conflitos ambientais de tipo territorial são comuns no estabelecimento de

empreendimentos industriais no Brasil, podendo ter diversos motivadores mas aqui

se observa principalmente o uso da terra como principal ponto do conflito (LITTLE,

2001). Esses processos podem gerar violência, inclusive com apoio do poder

público, como foi o caso do conflito em Mucatu.

5.2.3.6 Comunicação com as empresas Nenhum dos entrevistados disse ter feito contato com as empresas, a não ser

por meio das audiências. Essa é uma questão essencial no relacionamento entre os

atores, no depoimento do Entrevistado 02 pode-se obter uma primeira impressão

sobre o assunto:

“[…] A comunidade, a gente não consegue chegar na pessoa da empresa. As pessoas que estão lá são trabalhadores, e eles não tem voz de comando, nada. A gente vai e, diz que não pode e tudo o mais, e nós… É tão difícil conversar e até de dizer sobre isso, porque tem hora que ele diz: ‘Não, eu sou apenas empregado’. Então os impasses são ali mesmo, com as pessoas que estão lá. Enfim, nem vale a pena a gente conversar sobre isso, porque apontamos pra eles, eles apontam pra gente e fica uma conversa solta. E as pessoas que tem poder e voz de comando na empresa a gente não alcança, a gente não consegue falar com elas [...] Parece um fantasma que a gente não vê. […] A Cimpor mesmo, nunca abriu o diálogo, pra conversa, nada.” (Entrevistado 02)

A queixa do entrevistado 02 é sintomática de uma estratégia de atendimento adotada

pelo setor empresarial que dificulta o contato com o público ao invisibilizar a sociedade

coorporativa responsável pelo negócio. Os meios de contatar a empresa para queixas e

denúncias são dissolvidos em atendimentos telefônicos terceirizados e mesmo gravações,

tornando impossível o diálogo face a face entre os interessados, já que nem mesmo é

possível saber quem é o responsável. Os moradores de João Gomes expressam o

seguinte:

“Não tenho contato não. Reclamação aqui, quando foi feita foi coletiva, quando se tinha um grupo que reivindicava [quando havia] alguma coisa errada. Mas esse grupo cada vez mais está se resumindo” (Entrevistado 07)

“Tem um aqui que faz parte da comunidade que sim. Assim, não é muito do nosso agrado sabe? Que ele se envolveu demais. A gente não gosta nem de estar procurando contato não. […] Mas essa pessoa da comunidade, as vezes alguma

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coisa ele vai lá, mas a gente não gosta não. [...]Porque já tiveram algumas coisas que a gente fez contato e não resolve nada, é só conversa fiada e pronto. E quando a gente se une mesmo pra fazer alguma coisa num instante a gente resolve. A gente gosta mais assim, de que ele vá lá, tá entendendo? Ele vai lá na empresa procurar alguém... Eu não gosto não sabe? Dessa forma não.” (Entrevistados 08)

Apesar da expectativa positiva quanto à instalação da cimenteira, os moradores de

Mucatu também reclamam da falta de comunicação:

“A gente ficou só esperando o pior. A comunidade não sabia de nada. Só via o pessoal construindo e perguntava ‘o que é que está construíndo ali? É a fábrica de cimento’. E quando falaram que era fábrica de cimento a gente ficou com medo. Na beira do rio. […] Eu queria saber como se instala uma fábrica assim, sem tudo isso que a gente conversou. Sem chegar na comunidade, conversar, pra gente ficar sabendo. Porque eu acho que com a conversa, com a comunicação, as coisas ficam até mais fáceis. Senão a gente fica até assustada.” (Entrevistado 09)

E ironizam quando perguntados se alguém já entrou em contato com a empresa:

“A ex prefeita. Só ela mesmo. [risos] Da comunidade não.” (Entrevistada 11)

Discutindo conjuntamente todos esses elementos da agência dos

interessados, que em grande parte representam um campo de participação nas

decisões públicas, podemos destacar a comunicação como aspecto chave. Como foi

discutido no segundo capítulo, a comunicação entre empresas, gestores e a

população é essencial no estabelecimento de uma relação de confiança e ajuda

mútua, além de contribuir na democratização das decisões. Soma-se a isso a

oportunidade de, por meio da comunicação institucional, aproximar a percepção

social do conhecimento técnico quanto aos riscos (EUROPEAN COMMISSION,

2014; RENN; ROHRMANN, 2000).

Há muitas vantagens nessa via, desde a melhora na identificação de

possíveis riscos ou impactos, o esclarecimento de dúvidas que a população possa

ter e que fazem sua percepção divergir dos impactos e riscos reais, e a melhora na

relação de confiança entre sociedade e empresa, ou entre sociedade e gestores

(EUROPEAN COMMISSION, 2014; SIEGRIST; CVETKOVICH; ROTH, 2000).

Contudo, mesmo que esse fator seja citado no RIMA das empresas, as entrevistas

indicam que a comunicação não está sendo eficiente e em muitos momentos é

inexistente.

A Cement Sustainability Iniciative – CSI, têm entre seus principais pontos no

trabalho pela sustentabilidade no cimento a relação com os Stakeholders, sejam eles

ONGs, comunidades e moradores vizinhos, gestores e governantes públicos,

associações comerciais, funcionários e mídia. Os objetivos desse engajamento

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estão citados no Guidelines for Environmental & Social Impact Assessment (ESIA,

2005).

A Cimpor-Intercement, A LafargeHolcim e a Votorantim, algumas das

empresas presentes no Polo Cimenteiro, são membros do CSI, portanto se

comprometem a publicar relatórios sobre todo o acordado no CSI Key Performance

Indicators (KPIs) anualmente. O fato de a empresa ser membro do CSI e não manter

um canal de comunicação com a comunidade, portanto, é uma contradição explícita

(EUROPEAN COMMISSION, 2014). Assim sendo a adesão das empresas à

iniciativa torna-se puramente uma peça de marketing.

A relação da comunicação de riscos com a criação de uma relação de

confiança entre os atores e o comunicador, tem um efeito direto na sensação de

incerteza que o público tem ao lidar com decisões sobre as quais não tem domínio

teórico ou experiência (FREWER, 2004; SIEGRIST; CVETKOVICH; ROTH, 2000). O

esclarecimento das dúvidas e temores da população melhora as chances de

aproximar a percepção pública das probabilidades reais de riscos em tais

empreendimentos, desse modo decisões mais lúcidas podem ser tomadas.

A questão da comunicação, apesar de fundamental, está sendo negligenciada

pelas empresas e até mesmo pelos gestores públicos em relação à população,

conforme os depoimentos. Nesse sentido, as audiências públicas mostram-se

essenciais, tornando-se oportunidades únicas de debate e negociação entre

população, governo e empresas quando há organização social. Trata-se também de

um dos poucos mecanismos de participação popular nas decisões do poder público,

não obstante os muitos problemas que se apresentam nas audiências, como o

tecnicismo da linguagem ou a defesa de interesses individuais e de grupos

específicos (VALLA, 1998). Geralmente marcadas pela assimetria de conhecimento

entre a comunidade e a empresa, o que fortalece a desigualdade no exercício de

poder e autoridade política entre os atores, esses eventos podem também

transformar-se de ferramenta democrática em formalidade, apenas legitimando o

Licenciamento Ambiental ao cumprir a exigência de consulta popular. Uma forma de

tornar essas reuniões mais justas portanto, é o apoio de pesquisadores e

professores das universidades, assim como de ONGs, fornecendo informações

confiáveis e tornando possível o questionamento dos dados apresentados pelas

empresas.

São ocasiões em que a comunidade científica e os ativistas ambientais

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cumprem um papel social importante, indo além da pesquisa e do desenvolvimento

científico. A participação de especialistas nas reuniões, enriquecendo a discussão

com informações e análises críticas, contribui assim na defesa dos direitos dos

cidadãos e ambiente frente às necessidades do mercado. Além disso, as audiências

tornam-se oportunidades de compartilhamento desse conhecimento entre a

comunidade científica e a população, democratizando-o. Assumindo que a

população leiga encontra diversos entraves na obtenção de informação, e não tem

conhecimentos técnicos para fazer uma análise técnica mais profunda, essas trocas

com os especialistas são essenciais (RENN; ROHRMANN, 2000; SLOVIC;

FICHOUFF; LICHENSTEIN, 1984) .

Ressalta-se ainda a necessidade de tornar essas interações entre atores,

além de mais igualitárias, mais inclusivas. Ou seja, buscando localizar os grupos

vulneráveis e incluí-los nos debates e decisões, já que são aqueles mais afetados

pelos riscos (SILVA; BRITO; LIMA, 2017).

Retomando alguns dos resultados obtidos, podemos dizer que em relação ao

ambiente existe uma forte preocupação com os riscos tecnológicos relacionados aos

empreendimentos. Essa preocupação, comum a todos os atores, se acentua entre

os que dependem de recursos naturais das áreas afetadas e os especialistas, que

conhecem situações semelhantes em outros contextos e temem os mesmos danos.

Em relação aos impactos verificados, a observação empírica tem papel essencial, já

que nem sempre os dados científicos estão disponíveis, divulgados ou nem mesmo

existem.

No que se refere ao reflexo social dessas instalações, os impactos são

percebidos geralmente como danosos, porém em muitos aspectos ainda são

invizibilizados. Poucos entrevistados tem uma noção clara, por exemplo, da relação

entre vulnerabilidade de grupos específicos e a exposição aos impactos. Quando

pensam em riscos sociais (num cenário futuro), no entanto, os atores tendem a não

considerá-los tão preocupantes - a não ser no que diz respeito à saúde. Como risco

positivo, geralmente exaltam o aumento da empregabilidade. Os especialistas não

são tão otimistas nesse sentido, já que se pautam em dados científicos para fazer

uma “previsão” dos impactos, dados estes nem sempre ao alcance do público leigo.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os assuntos abordados nessa dissertação, são fundamentais para que

possamos entender o momento histórico que vivemos e, quem sabe, tornar mais

justas e transparentes as decisões tomadas pelo poder público e pelo setor privado,

já que de interesse comum.

Num contexto de mudanças drásticas e cada vez mais rápidas na ocupação

territorial, na relação do homem com o ambiente, e de quebra da confiança nas

instituições, é fundamental que decisões desse porte sejam seriamente discutidas,

de maneira holística e democrática, diante de um bom aporte de conhecimento, para

que seja possível a avaliação honesta das vantagens e desvantagens de tais

medidas (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009). O diálogo entre as partes, além

de necessário, é o modo mais coerente e inteligente de agir nesse contexto no qual

risco e escassez se sobrepõem (BECK, 2011). Desse modo, consideramos

necessária e enriquecedora a análise da percepção social, não somente no que diz

respeito à educação ambiental, à qual geralmente estão vinculados esses estudos,

mas também como instrumento de gestão pública.

A partir da discussão integrada dos resultados dessa pesquisa, é possível

perceber que os temas tratados não se restringem ao caso do Polo Cimenteiro, nem

às fábricas escolhidas como foco da pesquisa. Antes, representam ações e

percepções compartilhadas em contextos semelhantes e também retratos de

mudanças conjunturais do país, e dos conflitos referidos por Ulrich Beck (2011).

Os resultados dessa pesquisa estão em conformidade com os temas abordados

pela Justiça Ambiental em resposta à noção inicial de Beck (2011) de que os riscos

são democráticos. Os pesquisadores que integram esse movimento afirmam com

base em muitos casos estudados, que a vulnerabilidade social, junto à escassez de

recursos naturais, potencializam os riscos de degradação ambiental em certas

áreas, atingindo determinados grupos com mais severidade (ACSELRAD; MELLO;

BEZERRA, 2009).

A percepção social quanto aos riscos, concluiu-se, refere-se principalmente ao

que ameaça o modo de vida dos atores e sua relação com o entorno enquanto fonte

de recursos naturais, de sobrevivência e lugar de formação da identidade cultural

das populações. O pensamento ambientalista é significativo na formação de opiniões

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sobre o contexto, mas não central. Embora parte dos atores se identifiquem com

esse viés de pensamento e até mesmo façam parte de movimentos ambientalistas,

são os impactos sociais que têm mais peso na avaliação dos impactos e riscos em

geral. Assim sendo, a noção de justiça ambiental torna-se bastante útil na busca de

integrar os ideais ambientalistas e a necessidade de equidade social e

desenvolvimento econômico. A partir dela entendemos que na realidade esses

temas são inseparáveis (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009).

Alguns dos aspectos mais importantes discutidos ao longo da pesquisa são os

referentes à agência e interação dos atores. São problemas de comunicação entre

entidades e/ou grupos sociais, negligência na prestação de informações, conflitos de

interesse que se refletem nas decisões públicas, decisões estas que impõem

barreiras à participação de diversos seguimentos da sociedade. Quanto a isso, é

interessante considerar que os desafios apresentados apontam na direção da falta

de cidadania e democracia, relacionados acima de tudo à ocupação do território.

Sendo provável a instalação de todas as fábricas, é necessário que se atente às

muitas falhas que existiram nesse processo até o momento. Melhorar a

comunicação das empresas com a população, fornecer informações, demonstrar

abertura para resolução de conflitos são pontos essenciais para estabelecer uma

relação de troca e confiança entre os atores e até o momento isso não foi feito.

Desse modo a tomada de decisões privilegia os interesses individuais e

empresariais aos coletivos. Como é defendido pela Justiça Ambiental, somente a

participação popular efetiva e a transparência na divulgação de informações poderia

tornar mais justo o processo decisório, mas para isso é preciso também alcançar

uma condição de igualdade de oportunidades, que gere um ambiente realmente

democrático (JACOBI; SOUZA, 2011).

Também é importante que os órgãos gestores aprimorem sua comunicação com

a população e estejam mais abertos a prestar esclarecimentos, e também melhorem

sua ação regulatória que é alvo de diversas críticas, já que se essa ação não é

efetiva, ela acaba por favorecer as empresas em detrimento do interesse público.

Além de uma questão de confiança nas instituições, trata-se de um direito do

cidadão previsto constitucionalmente e recorrentemente sacrificado em nome de

empreendimentos industriais que lucram com a exploração do patrimônio da união,

sob a égide dos incentivos fiscais, sem dar o retorno social esperado.

Não podemos esquecer que as fábricas geralmente pertencem a grupos

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multinacionais, com isso o benefício financeiro gerado é predominantemente

exportado, muitas vezes junto com o produto explorado e os recursos naturais. A

degradação permanece. Soma-se ao duplo risco referido por Rinkevicius (2000), a

omissão e chancela do poder público, aprofundando ainda mais esse cenário de

injustiça quando deveria mediar o processo. Diante da displicência e até conivência

dos reponsáveis diretos (Empresas e Estado), resta à sociedade civil a função de

monitoramento e denúncia dos riscos, e mesmo a imposição de limites aos riscos, o

que muitas vezes gera conflitos violentos. A vulnerabilidade social de alguns

seguimentos da sociedade, todavia, torna essa atuação um desafio perverso e

improvável. Sem equidade socioeconômica e política entre os atores, a

democratização do processo é ilusória.

Havendo abertura para diálogo e decisão participativas, há melhores chances de

se prevenir conflitos entre os atores, além de aprimorar a prevenção e mitigação de

impactos. Para tanto é necessário também que se cumpra na medida do possível

aquilo que é acordado em reuniões e audiências públicas. Uma das críticas ao

Licenciamento Ambiental é justamente a negociação de compensações e mitigações

de maneira a não inviabilizar economicamente a instalação. Para Zhouri (2008),

essa é uma forma de usar os recursos ambientais a partir de uma fórmula

mercadológica, o que subverte o objetivo da ferramenta.

No caso do Polo Cimenteiro, um projeto econômico amplo que agrega diversos

municípios e empresas diferentes, seria importante também a avaliação dos

impactos ambientais de forma conjunta, considerando todo o Litoral Sul. Desse

modo seria mais fácil aos órgãos gestores uma visão ampla, complexa e integrada

dos impactos dessas fábricas, o que facilitaria decisões mais lúcidas e um melhor

direcionamento de recursos, compensações e mitigações.

Para proporcionar impactos sociais positivos a partir dessas instalações, é

necessário o investimento em cursos de formação técnica voltados à população do

litoral sul, pois de outra maneira o maior benefício da instalação das empresas, a

geração de empregos, torna-se mais um problema: a imigração de trabalhadores

qualificados. Nesse sentido, uma sugestão é que a oferta educação técnica

profissional voltada para a população local seja uma condicionante da obtenção de

licença. Além do mais, é preciso melhorar a infraestrutura estatal no que diz respeito

a serviços públicos que, por exemplo, visem garantir a segurança pública e a

atenção à saúde da população. Essa demanda exige gastos públicos consideráveis

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que devem ser contabilizados ao planejar a instalação de indústrias, as

contrapartidas exigidas das empresas e sobretudo o limite na oferta de benefícios

fiscais.

Pensando ainda na importância na participação de especialistas nas decisões

públicas, contanto que num diálogo construtivo com a percepção social, formulamos

as seguintes questões: Num cenário fictício, mas não muito distante da nossa

realidade atual, no qual as universidades e o setor de pesquisa e desenvolvimento

científico fossem de iniciativa privada, haveria necessidade de um retorno social

dessas pesquisas? Os temas pesquisados teriam relevância social ou apenas

atenderiam às demandas do mercado? Haveria um senso de cidadania entre os

pesquisadores que os motivasse a participar ativamente em processos decisórios

desse tipo, ainda mais quando isso requer um posicionamento questionador das

medidas da iniciativa privada? Pensando nessas questões, destaca-se também

como resultado dessa pesquisa a importância do ensino público de qualidade e do

incentivo à pesquisa acadêmica como forma de, não apenas tornar as tomadas de

decisões mais democráticas, mas também de aperfeiçoar a avaliação dos riscos e

impactos ambientais de maneira independente dos interesses privados.

Finalmente, essa pesquisa teve algumas limitações: o número de entrevistas foi

menor que o previsto, e não foi possível entrevistar representantes das empresas

envolvidas, apesar de tentativas, a tempo de seguir com o estudo. Uma pesquisa

mais ampla, com mais tempo para execução poderia suprir melhor as lacunas de um

estudo que se direciona ao Polo Cimenteiro como um todo.

Sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas dentro dessa temática, que

deem conta da configuração sistêmica, complexa e multidisciplinar de um processo

de Licenciamento Ambiental, assim como de suas lacunas. Dessa forma o diálogo

em torno da participação popular nas decisões que trazem riscos socioambientais e

dos próprios procedimentos adotados pelo SISNAMA serão enriquecidos e

problematizados de maneira mais próxima ao pensamento do público.

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APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas

Dados socioeconômicos Nome:______________________________________________Idade:_________ Profissão/ Ocupação:_________________________________________________ Local de Residência:_________________________________________________ Escolaridade:______________________________________________________ Roteiro semi-estruturado:

Estabelecendo um vínculo com as memórias do passado

1 - Há quanto tempo você mora aqui/trabalha aqui/frequenta ou conhece essa área ou comunidade?

2 - Você sabe da instalação/operação de uma fábrica de cimento em conjunto com área de lavra nessa região? Você sabe da instalação de um polo cimenteiro no litoral sul?

3 - O que mudou em sua vida e da comunidade desde a chegada da fábrica?

Percepção de impactos ou mudanças (relação passado x presente)

4 - Você percebeu ou ouviu falar de mudanças na natureza, no meio ambiente, desde que a fábrica começou a ser instalada?

5 - Algum desses impactos, dessas mudanças que falamos interfere diretamente na sua vida? Quais? Como?

6 - A seguir, elenco alguns tipos de impactos para perguntar durante a conversa caso não sejam citados, com o objetivo de detalhar as respostas anteriores:

Qualidade do ar; Qualidade da água dos rios e poços, ou mudanças no leito/curso do rio; Qualidade do solo, produção agrícola; Poluição sonora (barulho constante, explosões)

No caso do respondente só lembrar impactos negativos, fazer as perguntas a seguir:

7 - Você acha que a fábrica trouxe benefícios? Quais? E quanto a empregos?

8 - Você conhece alguém que trabalhe, tenha trabalhado ou pretenda trabalhar na cimenteira? O que ela/ela acha do emprego?

9 - Você acha que a fábrica gera impostos ao município? [sim ou não]

Se sim, você acredita que esses impostos foram ou serão convertidos em benefícios ao município? Sabe algum exemplo?

10 – Antes da instalação da fábrica, havia problemas de segurança no município ou na região? Pode exemplificar?

11 – Você acha que a presença da fábrica mudou a segurança e número de acidentes de trânsito?

12 – Você acha que a instalação ou o funcionamento da fábrica/mina afeta a saúde da população? Se sim, de que maneira?

13 - Teria algum exemplo conhecido?

14 - Quanto aos serviços públicos, como as unidades de saúde ou de policiamento, abastecimento de água, luz e telefonia, você avalia que houve mudanças relacionadas à presença das cimenteiras?

Caso o entrevistado se refira a impasses entre a empresa e a comunidade, explorar

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o assunto:

15 – Isso é um conflito entre a comunidade e a empresa?

Conhecimento do entrevistado sobre os riscos associados ao empreendimento (em relação ao futuro, próximo ou distante).

Até agora a conversa foi sobre os impactos positivos e negativos já observados da instalação das fábricas ou funcionamento das minas. Nas perguntas seguintes, vamos pensar nos riscos futuros.

Explicar de maneira simples o conceito de risco ambiental.

16 – Você acha que a produção de cimento apresenta riscos? De que tipo?

As questões abaixo tem como objetivo aprofundar a anterior, caso o entrevistado não lembre de alguns tipos de riscos, então não necessariamente elas serão feitas, mas no roteiro tem a função de me lembrar o que pode ser perguntado conforme o andamento da conversa.

17- Você acha grave o risco de acidentes relacionados à fábrica? E à saúde das pessoas?

E quanto ao risco de poluição, mudanças no ambiente, na paisagem?

E de problemas sociais como o aumento da violência?

Para a economia da cidade, o que você acha que pode acontecer no futuro com a instalação da fábrica? (crise econômica após fechamento da mina/ crescimento econômico do município)

18- Alguns desses riscos te preocupam em especial?

19 – Se o/os risco/riscos em questão se tornar/tornarem realidade [se isso acontecer no futuro], como afetará sua vida e de sua família? (no caso do entrevistado não residir nas proximidades dos empreendimentos, perguntar como afetará a vida das comunidades do entorno)

20 – E quais desses riscos podem afetar as gerações futuras? [pensando nas gerações futuras, nos seus filhos e netos e o mundo onde eles viverão]

21- Você acredita que é possível controlar ou evitar esses riscos? Como?

Sobre acesso a informação e confiança nas instituições envolvidas

22- Você participou ou conhece alguém que tenha participado das audiências públicas sobre a instalação da fábrica? Pode me contar sobre ela? [a intenção é saber se o entrevistado se sentiu acolhido, ouvido, informado satisfatoriamente]

23 – Você ou algum conhecido já fez algum contato com a empresa? Pode contar como foi?

24 – Você sabe de quem é a responsabilidade sobre o controle dos riscos ambientais da mineração?

25 – Você avalia que essas responsabilidades têm sido cumpridas? Por favor exemplifique (com exemplos locais ou distantes).

26 – Como você se informa sobre os temas que falamos? [resposta aberta, posso dar exemplos para facilitar a resposta: pela televisão, rádio, jornais, internet, pessoas conhecidas, trabalho...]

27- Existe alguma dúvida sobre esse tema ou sobre a fábrica que você gostaria que fosse esclarecida? Ou então, você tem alguma sugestão sobre o que precisa ser estudado ou incluído nessa pesquisa?

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Questões direcionadas: Aos gestores – dos orgãos reguladores:

1 – O que pode me dizer sobre a mineração na Paraíba? Há alguma especificidade no licenciamento ou nos processos de regulamentação dessa atividade?

2 – E especificamente sobre a indústria do cimento?

3 – Minha pesquisa, como expliquei, é sobre o Polo Cimenteiro do Litoral Sul, dentro do seu conhecimento, existem impactos significativos, positivos ou negativos, dessas empresas que não foram previstos antes da implantação? E os que foram previstos, quais são?

4 – No seu dia a dia de gestor, quanto à mineração e principalmente às cimenteiras, quais os principais problemas ou limites? O que você acha que deveria funcionar melhor?

5 – Você acha que a percepção tanto da população quanto dos especialistas é importante para a implementação desses empreendimentos?

Gestores – governantes:

1 - Quais os prós e contras da instalação das cimenteiras no seu município/Litoral Sul?

2 – Você recebe demandas da população ou de especialistas relacionadas às cimenteiras? E da comunidade?

3 – A percepção positiva ou negativa da população a respeito das fábricas e minas afeta seu posicionamento e atuação enquanto governante quanto às empresas?

Empresa:

1 – Há impactos ambientais ou sociais, ou ainda riscos que passaram a preocupar a empresa e não foram previstos antes da implantação? Como a empresa tem lidado com isso? E os previsto quais foram?

2 – Quais as medidas compensatórias ou como a empresa atua para contribuir com a comunidade de entorno, o município e a região?

3 – Como é o relacionamento da empresa com a população? De que maneira as pessoas podem entrar em contato com a empresa? Como são resolvidas as divergências que podem surgir entre a empresa e a comunidade?

4 – Como a percepção da população é acolhida e considerada nas decisões da empresa que afetam diretamente a região ou ambiente?

[Para a Cimpor/Intercement] O Estudo de Percepção Ambiental realizado durante o licenciamento ambiental da fábrica foi utilizado de alguma maneira?

Especialistas:

1 – Você conhece impactos ambientais ou riscos diretamente relacionados à atuação das cimenteiras na região?

2 – Como percebe a presença dessas indústrias no Litoral Sul?

3 – Pode me contar sobre conflitos ambientais que tenha conhecimento relacionados às empresas em questão?

4 – Quais fatores você acredita influenciarem a percepção das pessoas sobre as cimenteiras?