percepção sonora de harmônicos

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    D.C.

    ANTUNES&A.GOUVEIA

    JR.

    Estudos de PsicologiaICampinasI26(1)I57-64Ijaneiro -.maro 2009

    (2003) realizou um estudo de reviso e anlise histrico-

    -filosfica a respeito da construo da diferena sexual

    na medicina do sculo XIX. A autora baseou-se nas

    produes acadmicas da rea no perodo e no estudo

    das teorias da cincia do sculo XVIII que, com a influn-

    cia newtoniana e as transformaes econmicas e pol-

    ticas, passou a trabalhar com um modelo no qual exis-

    tiam dois sexos radicalmente distintos, diferentemente

    da herana grega que a influenciava at ento. Segundo

    Rohden (2003), tais produes esto repletas do que

    chamou de naturalizao de diferenas, tais como

    vulnerabilidade fsica, moral e intelectual, e argumen-

    taes sobre sua imutabilidade independentemente das

    influncias externas, no sentido de defender certa

    fragilidade permanente nos sujeitos do sexo feminino.

    Na rea de psicologia, diversos trabalhos tratam

    das diferenas perceptuais entre homens e mulheres

    (Becker, 1993; Beech & Beauvois, 2005; Breedlove, 1993;

    Hampson & Kimura, 1993; Jongman, Sereno & Wang,

    2001; Leontiev, 1960; Nater, Abbruzzese, Krebs & Ehlert,

    2006; Sanders & Wenmoth, 1998; Sluming & Manning,

    2000). Alguns destes atribuem mais valor s variveis

    biolgicas, como os efeitos hormonais (Becker, 1993;

    Beech & Beauvois, 2005; Breedlove, 1993; Sanders &

    Wenmoth, 1998; Sluming & Manning, 2000); outros, s

    variveis ambientais, como a socializao e a aprendiza-

    gem (Jogman et al., 2001; Leontiev, 1960). Eagly e Wood

    (1999) apresentam duas teorias divergentes sobre a

    origem das diferenas sexuais no comportamento

    humano, dentro das quais parecem estar presentes os

    trabalhos citados. A primeira envolve disposies biol-

    gicas e baseia-se em uma psicologia evolucionria

    segundo a qual adaptaes evolutivas, por meio de

    processos que envolvem mecanismos especficos,

    causaram diferenas psicolgicas e sexuais. Assim, seria

    devido a tal distino que homens e mulheres diferem

    psicologicamente e ocupam diferentes posies sociais.

    A segunda busca respostas nas estruturas sociais, e

    representada pela psicologia social. De acordo com os

    autores citados, essa teoria defende que o fato de

    homens e mulheres ocuparem diferentes posies

    sociais torna-os psicologicamente diferentes, de modo

    a se ajustarem a essas posies.

    Pesquisas mostram que, de fato, homens e mu-

    lheres apresentam diferentes desempenhos em tarefas

    que requerem habilidades distintas (Flores-Mendoza,

    2000; Gil-Verora et al., 2003; Rosa e Silva & S, 2006). Assim,

    alm das diferenas anatmicas externas e dos caracte-

    res sexuais primrios e secundrios, sabe-se que existem

    vrias outras diferenas de desempenho em funes

    como a linguagem (Flores-Mendoza, 2000; Hampson &

    Kimura, 1993) o processamento das informaes, as

    emoes, as sensaes (Gil-Verora et al., 2003; Hampson

    & Kimura, 1993), a cognio em geral e o humor (Rosa e

    Silva & S, 2006). Ou seja, de acordo com tais autores, as

    diferenas esto nas maneiras pelas quais os crebros

    dos homens e das mulheres funcionam, e como isto se

    reflete no comportamento e na cognio, embora

    muitas destas diferenas sejam sutis.

    Segundo Hampson e Kimura (1993), em resulta-

    dos de testes padronizados de QI no h diferena no

    desempenho geral entre os sexos, mas sim, no desem-

    penho em habilidades especficas. No caso, os homens

    teriam desempenho melhor em atividades que reque-

    rem habilidades espaciais, quantitativas e de fora, e as

    mulheres em atividades que requisitam habilidades

    verbais, de velocidade perceptual e acurcia, bem como

    coordenao motora fina. Segundo os autores, tais

    diferenas manifestam-se desde alguns meses aps o

    nascimento, o que sugere um determinante biolgico,

    uma vez que o contato com a cultura e a possibilidade

    de aprendizagem ainda no foram muito extensos nesta

    fase.

    Becker (1993) afirma que possvel que o efeito

    de hormnios esteroides no crebro seja um fator

    importante nos comportamentos motores e sensrio-

    -perceptuais. Sabe-se que a exposio pr-natal aos

    hormnios desencadeia efeitos organizacionais perma-

    nentes, enquanto flutuaes hormonais peridicas no

    adulto produzem efeitos de ativao no crebro e no

    comportamento (Sanders & Wenmoth, 1998). A primeira

    a chamada ao organizadora e ocorre na vida

    intrauterina; a segunda a ao ativacional e ocorre navida adulta (Breedlove, 1993). Nesse mesmo sentido,

    Sluming e Manning (2000) afirmam que o nvel de testos-

    terona ao qual o feto exposto no perodo pr-natal

    leva a uma lateralizao do sistema dopaminrgico, o

    que facilita o desenvolvimento do hemisfrio direito,

    realando habilidades como matemtica, espacial e

    musical. No caso, a exposio do feto testosterona

    teria uma ao organizadora para a aptido a tais

    habilidades.

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    Atendo-se a esta questo, Sluming e Manning

    (2000) afirmam que a msica humana seria explicvel

    em termos de seleo sexual. Desta forma, homens e

    mulheres que tenham sido expostos a um maior nvel

    de testosterona durante a gestao tenderiam a ter

    realadas habilidades musicais. No entanto, isto no

    significa que necessariamente tais habilidades sejam

    mais acuradas em homens, j que o julgamento da boa

    msica, em particular, seria crucial em qualquer situao

    de corte; assim, seria mais apurado quando a mulher

    est em seu perodo frtil e, neste caso, a ao hormonal

    teria um efeito ativacional. O desempenho de escuta

    das mulheres parece depender da fase do ciclo mens-

    trual, isto porque uma mudana na interpretao

    musical do hemisfrio esquerdo para o hemisfrio direito

    parece ser favorvel quando o nvel de estrognio est

    baixo, o que possvel na ovulao, que associada

    baixa concentrao de estrognio - e esta se correlacionacom o realce da apreciao musical.

    Porm, para Sanders e Wenmoth (1998) o que

    ocorre justamente o contrrio. Embora tambm aqui

    os efeitos ativacionais dos hormnios na assimetria

    cerebral e na cognio sejam discutidos em relao s

    diferenas sexuais, os autores relatam que o desempenho

    auditivo das mulheres, em um teste de identificao de

    vozes consonantes e em outro de reconhecimento de

    coro musical, modifica-se em diferentes fases do ciclo

    menstrual. O que ocorre uma diminuio no desem-

    penho do ouvido esquerdo (hemisfrio direito) e

    aumento do desempenho do ouvido direito (hemisfrio

    esquerdo) durante o perodo frtil. Deste modo,

    pode-se notar que h, na literatura especializada,

    discordncias em relao s habilidades perceptuais

    no que tange aos desempenhos de homens e de

    mulheres, e na ao hormonal correlata.

    Por outro lado, representantes do que Eagly e

    Wood (1999) chamaram de teoria de origem baseadana psicologia social tambm realizaram estudos a

    respeito da percepo sonora, embora poucos tenham

    sido encontrados. Um deles um estudo clssico de

    Leontiev (1960), no qual foram realizados experimentos

    visando demonstrar que diferenas existentes na

    percepo de sons (tons) ocorrem de acordo com a

    experincia vivida por cada indivduo em relao a eles,

    seja por diferenas culturais (como em idiomas tonais),

    ou de atividade ocupacional em relao ao som. Outro

    exemplo, mais atual, a pesquisa de Jongman et al.

    (2001), na qual os autores compararam a escuta de

    chineses e americanos de tons mandarins, verificando

    que nos chineses havia uma vantagem do ouvido

    direito (hemisfrio esquerdo) sobre o esquerdo (hemis-

    frio direito), enquanto nos americanos (sem experincia

    com linguagem tonal) tal vantagem no existiu. Segun-

    do tais estudos, a aprendizagem no apenas interfere

    na percepo sonora, como tem um papel fundamental

    nela.

    Enquanto alguns pesquisadores focam suas

    pesquisas e anlises na questo biolgica, procurando

    verificar a influncia hormonal no desempenho de

    atividades realizadas por homens e mulheres, outros

    buscam explicaes no ambiente e no papel da apren-

    dizagem, embora no tenham realizado pesquisas em

    relao s diferenas entre homens e mulheres, mas

    entre pessoas de pases e etnias diferentes. Dentre os

    primeiros, no que tange habilidade de percepo

    musical, h ainda controvrsias; por exemplo, sobre o

    efeito ativacional dos hormnios em mulheres durante

    a ovulao para uma melhora em tal percepo e sobre

    o efeito organizacional na vida intrauterina que definiria

    uma habilidade perceptual mais acurada. J os segundos

    esto em concordncia sobre a funo essencial exer-

    cida pela aprendizagem no desempenho em atividades

    que requerem tais habilidades. Tendo em vista a diver-

    gncia de dados na literatura a respeito da discrimi-

    nao sonora, o objetivo desta pesquisa foi estudar se

    existem diferenas no desempenho de uma tarefa de

    discriminao de sons harmnicos, entre homens e

    mulheres, com e sem histria prvia de aprendizagem

    no contato com instrumentos musicais.

    Mtodo

    Participantes

    Participaram do estudo 34 pessoas; 17 eram ho-

    mens (mdia de idade (M) 20,53, desvio-padro - dp=3,37)

    e 17 eram mulheres (M=20,00, dp=2,40).

    Instrumentos

    Para a realizao da pesquisa foram utilizados:

    um questionrio, um CD-ROM contendo os estmulos

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    do teste, um discman (Kenwood portable compact

    disc player, dpc-171), um fone de ouvido (Sontec

    CD-128 - frequncia: 20-18,000HZ, impedncia: 32ohm,

    potncia mxima de entrada: 100mw), folha de respostas

    desenvolvida para o teste, rgua e caneta.

    O questionrio continha as seguintes questes:

    nome, sexo, idade, data de nascimento, escolaridade,

    profisso, com que frequncia ouve msica, qual o tipo

    de msica preferido, se toca algum instrumento (com

    que frequncia e se profissionalmente ou no), se

    realizou algum curso de msica, se faz uso de algum

    medicamento ou droga ou o fez nos ltimos trs meses,

    se destro ou canhoto, se possui ciclo menstrual regular

    (no caso das mulheres), qual a data da ltima mens-

    truao (no caso das mulheres).

    O CD-ROM tinha 23 faixas. A primeira continha

    as instrues a respeito do teste propriamente dito,

    exatamente como segue: Cada faixa deste compostapor cinco sons diferentes e cinco sons iguais que esto

    entre um som diferente e outro. O primeiro som o

    modelo; voc deve optar por um dos quatro sons dife-

    rentes subsequentes, podendo escolher at dois sons

    em caso de dvida. No h resposta errada. Voc deve

    marcar sua opo na folha de respostas assinalando

    qual o som escolhido e depois entreg-la ao experi-

    mentador.

    As duas faixas seguintes consistiram em tenta-

    tivas para o participante verificar se havia entendido asinstrues, e as vinte seguintes consistiam no teste pro-

    priamente dito. Cada faixa do CD-ROM, a partir da

    segunda, continha um estmulo modelo, em seguida

    um estmulo que foi chamado de som branco (expli-

    cado a seguir); aps o som branco, o primeiro estmulo-

    -resposta e, em seguida, outro som branco similar ao

    primeiro; foram quatro estmulos de comparao

    (estmulos-respostas) em cada faixa intercalados com o

    som branco, conforme exemplo na Figura 1.

    Os estmulos-modelo foram teras e quintasharmnicas de notas musicais retiradas das duas oitavas

    centrais do piano: do-mi, do-sol, re-fa#, re-la, mi-sol#, mi-

    si, fa-la, fa-do, sol-si, sol-re, la-do, la-mi, si-r#, si-f#, do-mi,

    do-sol, re-fa#, re-la, mi-sol#, mi-si, fa-la, sol-si.

    Os estmulos de comparao foram: um est-

    mulo igual ao modelo, a tera (ou quinta) do modelo

    apresentado mais sua oitava, a primeira nota do estmulo

    apresentado mais sua oitava e as notas do estmulo-

    modelo invertidas (na sua ordem). Cada estmulo foi

    intercalado com o som branco, que equivale s notas

    das duas oitavas centrais do piano (de d a d) tocadas

    temporalmente juntas, a fim de evitar que o estmulo

    anterior interferisse na percepo do posterior. A ordem

    das faixas foi aleatorizada, bem como a ordem de

    apresentao dos estmulos de comparao.

    As folhas de respostas continham as tentativas

    (faixas), e em cada tentativa quatro alternativas (A, B, C e

    D). Um exemplo da folha de respostas pode ser

    observado na Figura 2.

    Figura 1. Exemplo de uma faixa do CD-ROM contendo: umestmulo modelo seguido de um som branco, doprimeiro estmulo de comparao, outro som branco,do segundo estmulo de comparao, outro sombranco, do terceiro estmulo de comparao, outro

    som branco, do quarto estmulo de comparao, outro

    som branco e fim da faixa.

    Figura 2. Folha de respostas com as tentativas e, em cada tentativa,

    quatro alternativas. Universidade Estadual Paulista Jlio

    de Mesquita Filho, campus Bauru (SP), 2003.

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    Procedimentos

    Todos os participantes responderam individual-

    mente ao questionrio inicial. Aps esta fase cada um,

    em separado, ouviu as instrues contidas na primeira

    faixa do CD e os estmulos em uma nica sesso e teste,

    marcando na folha de respostas qual alternativa identi-

    ficou como correta. A rgua foi utilizada para ajudar oparticipante a seguir as alternativas na folha de respostas.

    A tarefa de cada participante foi discriminar/

    identificar qual dos estmulos de comparao equivalia

    ao estmulo-modelo. Ao participante era permitido

    modificar o volume do aparelho quando achasse

    necessrio, porm no era permitido que voltasse

    qualquer uma das faixas. Foram considerados acertos

    as escolhas iguais ao modelo. Havendo duas escolhas

    feitas, se uma das escolhas fosse igual ao modelo, a

    resposta era considerada correta.

    Os dados foram tabulados em planilhas de dados

    conforme as informaes demogrficas coletadas nos

    questionrios, sexo e experincia com instrumentos

    musicais. Para o primeiro grupo de dados (demogr-

    ficos), foram feitas correlaes (Coeficiente de Correlao

    de Spearman) de forma a obter possveis indcios de

    variao dos dados de forma harmnica entre si. Para

    as variveis sexo e experincia com instrumentos

    musicais, a anlise foi feita estatisticamente por meio

    de uma anlise de varincia para ambas as variveis

    simultaneamente (ANOVA de duas vias), de forma a

    tentar identificar se os grupos diferiam entre si em

    relao a cada uma destas variveis (homens versus

    mulheres; pessoas com experincia versus pessoas sem

    experincia) e em sua interao (mulheres com expe-

    rincia versus mulheres sem experincia; homens com

    experincia versus homens sem experincia). Os

    resultados foram considerados significativos quando

    apresentaram uma probabilidade menor que 0,05

    (p

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    9,00. As mulheres que relataram ter uma histria prvia

    de aprendizagem musical obtiveram uma mdia de

    15,23, e os homens, de 15,56, de uma total de vinte

    pontos.

    Nesta mesma figura pode-se perceber a diferena

    da mdia de acertos entre as mulheres com e sem apren-

    dizagem e entre os homens, tambm com e sem

    aprendizagem. As outras variveis coletadas por meiodo questionrio, tais como idade, escolaridade, profisso,

    frequncia com que ouvia msica, tipo de msica

    preferido, uso de medicamento ou droga, se destro ou

    canhoto e, no caso das mulheres, perodo menstrual,

    quando comparadas estatisticamente com o resultado

    do teste, no apresentaram significncia.

    Discusso

    Na introduo deste artigo foram apresentadostrabalhos que divergem em relao origem das dife-

    renas perceptuais, se estritamente de fundo biolgico

    ou social. Os resultados apresentados neste trabalho

    revelam que, no grupo que foi estudado, as mulheres

    apresentaram, de modo geral, um desempenho melhor

    em relao ao desempenho dos homens na tarefa de

    discriminao sonora de harmnicos proposta neste

    experimento, embora tal diferena no seja considerada

    estatisticamente significativa. A hiptese de que a

    percepo sonora dos homens mais apurada do que

    a das mulheres devido ao hormonal organizacional,

    e que a percepo das mulheres sofre flutuaes de

    acordo com o perodo do ciclo menstrual, como

    afirmado por Sluming e Manning (2000), ou mesmo por

    Sanders e Wenmoth (1998), embora em direes opostas,

    parece no ter encontrado corres-pondncia nos dados

    apresentados.

    Talvez tal flutuao seja muito sutil para influen-

    ciar os resultados do teste aplicado, ou o tipo de tarefa

    proposto no experimento em questo dilua tal diferena.

    Isso no necessariamente significa que no haja influn-

    cias de mbito biolgico na percepo de sons conso-

    nantes; a percepo um processo complexo que inclui

    tanto a base do aparato biolgico quanto a aprendi-

    zagem. De acordo com Forgus (1971), por percepo

    entendem-se os processos realizados pelo organismo,

    integrando em um nico processo as informaes do

    ambiente obtidas por meio dos rgos sensoriais; deste

    modo, as percepes so a integrao das sensaes.

    Segundo Kandel, Schwartz e Jessell (1995), estas ltimas

    consistem na recepo e transduo de eventos fsicos

    do ambiente por meio de sistemas especializados para

    as diferentes modalidades sensoriais, capazes de filtrar

    propriedades relevantes dos estmulos, gerando dados

    para o sistema nervoso central. Na percepo, essas

    informaes so transformadas em representaes

    experienciadas pelo indivduo como qualitativamente

    diversas (objetos, gostos, eventos, sons, figuras) e isso

    pode ocorrer de maneira simples ou exigir apren-

    dizagem. Ou seja, o aparato perceptivo encontra-se pr-

    -formado ao nascimento, mas , em grande parte,

    influenciado posteriormente pela aprendizagem ao

    longo da histria de vida (Forgus, 1971), que modela

    fatores como sensibilidade, preferncia e discriminao

    de estmulos. Esta ltima, por sua vez, encontra-se entre

    os tipos de processos perceptuais mais complexos que

    envolvem aprendizagem (Forgus 1971; Roth & Frisby,

    1986). Segundo Matos (1981), ela ocorre quando um

    sujeito age de forma diferente diante de informaes

    distintas do ambiente (estmulos).

    No caso desse experimento, so diversos os

    estmulos que caracterizam um som complexo, como

    a fala (Fitch, Miller & Tallal, 1997) e a msica (Shamma,

    1999), e influenciam diretamente sua percepo. So

    eles o tom, o timbre, a modulao, os intervalos e o

    Figura 3. Pontuao dos participantes, divididos nos grupos

    mulheres e homens, sem e com aprendizagem. Univer-

    sidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, campus

    Bauru (SP), 2003.

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    volume (Shamma, 1999). Considera-se que os seres

    humanos so capazes de perceber coerentemente os

    atributos de cada fonte sonora que chega aos seus

    ouvidos, bem como julg-los. Esta capacidade de anali-

    sar o som est baseada em um processo complexo

    descrito por Shamma (1999), no qual o som primeira-

    mente analisado em termos de algumas variveis per-

    ceptualmente significantes e, em um nvel mais avan-

    ado, tais variveis so organizadas e agrupadas de

    acordo com regras especficas.

    interessante verificar, porm, como a varivel

    experincia prvia com instrumentos musicais ou

    simplesmente aprendizagem sobressaiu em relao

    s variveis diferena sexual e perodo do ciclo

    menstrual, no caso das mulheres. Deste modo, a ques-

    to sobre a qual a anlise deve pairar refere-se aos dados

    revelados pelo grupo dos sujeitos que relataram ter uma

    experincia prvia em relao aos instrumentos

    musicais, experincia esta que exige diretamente o

    desenvolvimento da percepo de sons harmnicos.

    Tal percepo, embora tenha um componente de base

    biolgica, parece ter sido desenvolvida no decorrer da

    histria de vida dos participantes. Esses sujeitos apre-

    sentaram um desempenho efetivamente superior

    queles que no tinham experincia em relao aos

    instrumentos musicais e manipulao dos sons, inde-

    pendentemente se do sexo feminino ou masculino.

    Assim como revelado por Leontiev (1960) e por

    Jongman et al. (2001), o fator cultural e a aprendizagem

    so os aspectos que mais influenciaram as habilidades

    que envolvem percepo sonora nesta tarefa. Ou seja,

    parece que, independentemente dos fatores referentes

    lateralizao e s flutuaes hormonais, a aprendiza-

    gem foi o fator determinante para um desempenho

    superior. Assim, mesmo que existam diferenas garanti-

    das pelo aparato biolgico, favorecendo de imediato o

    desempenho de um sexo ou de outro, como algumas

    das pesquisas citadas na introduo afirmam, os dados

    apresentados permitem inferir que a aprendizagem o

    fator determinante para o desempenho das habilidades

    de discriminao sonora de harmnicos, tal como foi

    realizada neste trabalho.

    Resta, no entanto, questionar a dicotomia esta-

    belecida entre as teorias explicitadas por Eagly e Wood

    (1999). Haveria, de fato, necessidade de opor variveis

    biolgicas e sociais? Tal oposio, tomada de um modo

    sectrio, confere legitimidade crtica de que cada uma

    contm em si um contedo ideolgico influenciado

    pela prpria histria da cincia, tal como indicam as

    anlises de Rohden (2003) no mbito da construo das

    diferenas sexuais na medicina. Se o gnero humano

    participa, em seu desenvolvimento, de trs nveis de

    seleo - filogentico, ontogentico e cultural -, re-

    conhecer isso nos dados encontrados nos diversos

    experimentos cientficos, de modo a tornar explcitas

    inclusive as contradies porventura encontradas,

    talvez traga mais legitimidade prpria cincia. No

    obstante, mais trabalhos nesta direo parecem ser

    ainda necessrios.

    Referncias

    Becker, J. B. (1993). Hormonal influences on extrapyramidalsensoriomotor function and hippocampal plasticity. In J.B. Becker, S. M. Breedlove, D. Crews & M. M. McCarthy(Eds.), Behavioral endocrinology(pp.325-356). Cambridge,Mass: MIT Press.

    Beech, J. R., & Beauvois, M. W. (2005). Early experience of sexhormones as a predictor of reading, phonology, andauditory perception. Brain and Language, 96, 49-58.

    Breedlove, S. M. (1993). Sexual differentiation of the brainand behavior. In J. B. Becker, S. M. Breedlove, D. Crews &M. M. McCarthy (Eds.), Behavioral endocrinology(pp.39-70).Cambridge, Mass: MIT Press.

    Eagly, A. H., & Wood, W. (1999). The origins of sex differencesin human behavior: evolved dispositions versus socialroles. American Psychologist, 54 (6), 408-423.

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  • 8/9/2019 Percepo Sonora de Harmnicos

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    ANTUNES&A.GOUVEIA

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    Recebido em: 24/4/2007Verso final reapresentada em: 10/12/2007Aprovado em: 17/1/2008