pensar_29_07_2012

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VITÓRIA, SÁBADO, 28 DE JULHO DE 2012 www.agazeta.com.br Pensar Uma justiça possível Música O ADEUS A UM DOS MAIORES CANTORES LÍRICOS DO SÉCULO XX. Página 5 Ideias FILÓSOFO ITALIANO APONTA CAMINHOS PARA PENSAR O MUNDO ATUAL. Página 8 Mercado PRODUTORA CULTURAL ANALISA O POTENCIAL DA ECONOMIA CRIATIVA. Páginas 10 e 11 PROFESSOR DE HARVARD APLICA A FILOSOFIA POLÍTICA AOS DILEMAS DA VIDA REAL Páginas 6 e 7 VIAGEM PELO BRASIL PROFUNDO Expedição dos irmãos Villas Bôas revelou um país desconhecido e destacou o respeito pelos índios Página 3 Cinema MOSTRA DA ABD PREMIOU NOVOS TALENTOS DO AUDIOVISUAL NO ESTADO. Página 4

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Pensar é um suplemento do Jornal A Gazeta, do Espírito Santo, veiculado sempre aos sábados.

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VITÓRIA, SÁBADO, 28 DE JULHO DE 2012

www.agazeta.com.brPensar

Uma justiça possível

MúsicaO ADEUS AUM DOSMAIORESCANTORESLÍRICOSDO SÉCULO XX.Página 5

IdeiasFILÓSOFOITALIANOAPONTACAMINHOSPARA PENSAR OMUNDO ATUAL.Página 8

MercadoPRODUTORACULTURALANALISA OPOTENCIAL DAECONOMIACRIATIVA.Páginas 10 e 11

PROFESSOR DE HARVARD APLICA A FILOSOFIAPOLÍTICA AOS DILEMAS DA VIDA REAL Páginas 6 e 7

VIAGEM PELOBRASIL PROFUNDOExpedição dos irmãos VillasBôas revelou um paísdesconhecido e destacou orespeito pelos índios Página 3

CinemaMOSTRA DAABD PREMIOUNOVOSTALENTOS DOAUDIOVISUALNO ESTADO.Página 4

Documento:AGazeta_28_7_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_1.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 19:29:55

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2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,28 DE JULHODE 2012

marque na agenda prateleiraquempensa

Maninho Pachecoé jornalista, designer gráfico e publicitá[email protected]

Paulo Gois Bastosé jornalista e produtor [email protected]

Erico de Almeida Mangaraviteé servidor público e frequentador deconcertos e ó[email protected]

Joemar Bruno Zagotoé procurador do Estado e [email protected]

José Antonio Martinuzzoé professor do Departamento de ComunicaçãoSocial da [email protected]

Caê Guimarãeséjornalista,poetaeescritor.Publicouquatrolivroseescrevenositewww.caeguimaraes.com.br

Tavares Diasé jornalista, escritor e mestre em EstudosLiterários pela Ufes. [email protected]

Maria Francisca dos Santos Lacerdaé mestre em Direito e membro da Academiade Letras Humberto de [email protected]

Aline Yasminé presidente do Instituto Quorum ProduçõesArtísticas e [email protected]

O Rumor dos Cortejos– Poesia CristãFrancesa do Século XXPablo SimpsonNum período marcadopela falência dos ideaishumanistas, os poemasdesta antologia sugerem

caminhos estéticos para além dodesencantamento do mundo e outrasvisões da contemporaneidade quecontemplem também a experiência da fé.

376 páginas. Fap-Unifesp. R$ 40

A BrincadeiraMilan KunderaLançado naTchecoslováquia, em 1967, oprimeiro romance docelebrado autor de “Ainsustentável leveza do ser”aborda os dilemas de um

estudante que é punido com anos detrabalho braçal, após enviar um cartão-postalironizando o dogmatismo comunista.

352 páginas. Companhia das Letras. R$ 27

Aquecimento Global &Crise AmbientalClaudio BlancO jornalista e escritoridentifica as causas doaquecimento global epropõe a cada cidadãoadotar escolhas

conscientes em seu cotidiano para amelhoria da vida no planeta e aconstrução de uma sociedade sustentável.

208 páginas. Editora Gaia. R$ 37

Melhores PoemasSosígenes CostaCom organização de AleiltonFonseca, esta coletâneadestaca a riqueza da obrado baiano Sosígenes Costa(1902-1968), que, apesar doreconhecimento da crítica,

permanece pouco conhecido pelo público.

224 páginas. Global. R$ 35

CampusBolsas para áreas de Cultura e ComunicaçãoA Superintendência de Cultura e Comunicação (Supecc) daUfes está selecionando bolsistas para projetos de extensãonas áreas de produção cultural, teatro, cinema, jornalismo epublicidade. Serão oferecidas 10 vagas, sendo seis para aárea de Cultura e quatro para Comunicação. Inscrições até1° de agosto. Informações: (27) 4009-7621.

MúsicaMárcio Neiva volta ao palco do Carlos GomesO cantor apresenta árias famosas e canções da MPB noespetáculo “Márcio Neiva, amigos e canções”, no dia 2 de agosto,às 20h, no Theatro Carlos Gomes. Ingresso na bilheteria: R$ 10.

17de agostoJosé Miguel Wisnik éatração de ColóquioO ensaísta, músico ecompositor é um dosconferencistas confirmadospara o I Colóquio de Arte ePsicanálise, promovido pelaEscola Lacaniana. O evento vaiacontecer nos dias 17 e 18 deagosto, no hotel Golden Tulip,em Vitória, com o tema “A artee a psicanálise no nosso

século”. Informações sobreinscrições: (27) 3324-0268 [email protected].

14de agostoConferência sobre Drummond na BibliotecaO Prof. Me. Danilo Barcelos Corrêa fala sobre o tema “Asquestões do tempo e do hábito no poema ‘Nosso tempo’ deCarlos Drummond de Andrade”, das 16h às 18h, no Auditórioda Biblioteca Pública Estadual, em Vitória. O evento épromovido pela Academia Feminina Espírito-Santense de Letras.

José Roberto Santos Nevesé editor do Caderno Pensar, espaço para adiscussão e reflexão cultural que circulasemanalmente, aos sábados.

[email protected] O FILÓSOFO É POP

Seus livros vendem milhões de exemplares. As aulas docurso “Justiça” acontecem em um teatro lotado, com trans-missão pela TV pública americana e acompanhamento pelainternet. No Japão, ele é comparado a um astro pop; e naChina, foi eleito o “estrangeiro mais influente do ano”. Adescrição acima caberia perfeitamente a um ídolo da indústriado entretenimento. Mas o personagem que ilustra a capa destasemana obteve toda essa projeção internacional falando defilosofia política – ou melhor, sobre como aplicar as reflexõesde pensadores como Aristóteles e Kant a dilemas morais da

vida real. Este é o discurso de Michael Sandel, que chega aoBrasil na próxima semana, para uma série de palestras emFortaleza, São Paulo e Brasília, entre 4 e 8 de agosto. Naspáginas 6 e 7, o procurador do Estado Joemar Zagoto comentao best-seller “Justiça: o que é fazer a coisa certa”, em que obadalado professor da Universidade de Harvard relacionagrandes interrogações filosóficas a problemas do cotidiano,como aborto, violência, desigualdade social, eutanásia, ca-samento entre pessoas do mesmo sexo, etc. Conteúdo urgentepara ler, pensar e agir. Boa leitura e até o próximo sábado!

Pensar na webVídeos de Michael Sandel, interpretaçõesde Dietrich Fischer-Dieskau, fotos dofestival Espírito Mundo e trechos delivros comentados nesta edição,no www.agazeta.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

Milson Henriquesé cartunista, dramaturgo e ator, não teme-mail e não usa celular.

Documento:AGazeta_28_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_2.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 20:20:53

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3PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

28 DE JULHODE 2012

entrelinhaspor MANINHO PACHECO

ERA UMA VEZNO OESTE

REPRODUÇÃO

A MARCHA PARA O OESTE -A epopeia da ExpediçãoRoncador-XinguOrlando Villas Bôas e CláudioVillas Bôas. Companhia dasLetras. 672 páginas.Quanto: R$ 63

Os irmãos Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Bôas durante a Expedição Roncador-Xingu (1943-49): mergulho no Brasil profundo

Localizado ao oeste, o pla-nalto central do país sem-pre imantou uma áureamística por conta de suaexuberância natural e mis-térios insondáveis. Glauber

Rocha fez todo um filme sobre adelirante saga da ocupação do BrasilCentral: “A idade da Terra”, uma lei-tura glauberiana do sonho de Rondon.Uma remontagem poética do épicobandeirante. Até a primeira metadedo século passado aquela região decerca de um milhão de quilômetrosquadrados, localizada entre os pa-ralelos 15º e 20º, e profetizada pelopadre salesiano João Bosco como ofuturo de uma grande civilização, eraum mundo totalmente ignorado e quedespertava lendas e mistérios.

Muitos escreveram sobre o Brasilprofundo, sertão e sertanejos. Gui-marães Rosa fez desses elementosmatéria-prima para “Grande sertão:veredas”. Euclides da Cunha partiudo brasileiro interiorano para con-ceber o monumental “Os sertões”. Opadre Nando do “Quarup” de AntonioCallado se refugia no Parque Na-cional do Xingu em busca de res-postas sobre sua própria condiçãohumana, em meio à barbárie e es-tupidez política que nos levaram aoGolpe de 64. Muitos foram os cha-mados para desbravar aquele des-conhecido Eldorado, mas poucos osescolhidos. Os irmãos Leonardo, Or-lando e Cláudio Villas Bôas estavamentre esses ungidos.

Típicos pequenos-burgueses pau-listas, os irmãos Villas Bôas estavamcondenados à besta vidinha de SãoJosé do Rio Pardo e não viam a menorgraça diante da medíocre perspectivadesse previsível destino. Tudo mudana virada do ano de 1937, quando opresidente Getúlio Vargas anuncia àpopulação brasileira, através da Rá-dio Nacional, o projeto nacionalistade ocupação do interior “Marcha parao Oeste”, que seria o embrião daExpedição Roncador-Xingu (ERX).Criada em 1943 pelo Estado Novo econtada de forma pormenorizada, 47anos depois, por Orlando e Cláudio(Leonardo morreu na década de 60),a ERX é a base do excelente “A marchapara o Oeste – A epopeia da Ex-pedição Roncador-Xingu” (Compa-nhia das Letras). Trata-se do diário debordo de uma expedição concebidapara desbravar e ocupar o interior,criar vias de comunicação e instalarcampos de pouso e bases militares.Oportunidade ideal para os irmãos

Villas Bôas darem uma guinada emsuas vidas. Incorporados à missão,chefiá-la passa a ser uma questão detempo. A ERX termina oficialmenteem 1951. Mas não para eles, que irãopassar mais trinta e tantos anos nosrincões do país.

Alter egoTal como “Coração das trevas”, de

Joseph Conrad, ou em sua livre tra-dução cinematográfica “ApocalipseNow”, de Coppola, cujo alter ego doescritor (Marlow) e o do cineasta (ca-pitão Benjamin, vivido por Martin She-en) acabam se desviando de suas mis-sões oficiais para embarcar em umaviagem pessoal de autoconhecimentono Congo e no Vietnã, também em “Amarcha para o Oeste” temos uma pau-latina subversão do propósito originaldo livro, que é retratar o lado formal da

missão varguista. Na medida em que aleitura avança e acompanhamos osVillas Bôas se embrenharem mais emais em um Brasil desconhecido, odiscurso oficial vai-se rareando e pas-sam a tomar forma personagens pe-riféricos como sertanejos, negros, ca-fusos, mulatos e... índios. Inicialmenteum obstáculo a ser transposto, os ín-dios transformam-se, progressivamen-te, no objetivo central do livro e que,de uma certa forma, traduz aquele quefoi o principal legado da ERX - ademarcação do Parque Nacional doXingu, área de 27 mil km² concebidapelos Villas e formatada pelo antro-pólogo Darcy Ribeiro.

Existem hoje no Brasil pouco mais de817 mil índios. Quando os primeiroseuropeus chegaram aqui, eram cincomilhões. Em “O povo brasileiro”, Darcynos relata sobre o encontro terríveldaqueles tempos e suas consequências:

os massacres. O conflito entre europeuse indígenas se deu por etapas. A prin-cipal delas foi no nível biótico. O con-tato entre os dois povos contaminounossos autóctones com doenças e pes-tes mortais. Houve, ainda, o massacreecológico, perpetrado pelos europeusna disputa do território, matas e ri-quezas, e o massacre econômico e so-cial, com a escravização desses povos.Em cinco séculos, reduzimos a po-pulação indígena de cinco milhões paramenos de um milhão. Matamos ummilhão de índios a cada cem anos. Elesnos deram um país. Nós retribuímoscom brutalidade e genocídio. O tra-balho dos Villas Bôas prova ser possívelconviver com esses irmãos históricos deformação da nossa brasilidade sem terque recorrer a livros como “A marchapara o Oeste” para se aprender que emalgum momento do passado elesde fato existiram.

Documento:AGazeta_28_7_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_3.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 19:45:39

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4PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,28 DE JULHODE 2012

Oitava edição da Mostra Produção Independente – Janelas, realizada no Cine Metrópolis,revelou uma nova geração de realizadores locais, aponta jornalista e produtor cultural

cinemapor PAULO GOIS BASTOS

BREVE PANORAMA DOAUDIOVISUAL CAPIXABA

DIVULGAÇÃO

Atecnologia digital e as no-vas formas de acesso aconteúdos possibilitadaspela internet impactamna produção audiovisual.A cada vez mais demo-

crática capacidade de captação e edi-ção de vídeos não garante, por si só, odomínio ou consciência da linguagemaudiovisual. Mas não há como negarque a proximidade cotidiana com dis-positivos de registro e de montagemtem possibilitado um volume de ex-perimentações impensado em décadasanteriores.

No contexto capixaba, a Mostra Pro-dução Independente tem se afirmadocomo um espaço anual no qual é pos-sível conhecer um panorama das di-versificadas experiências audiovisuaislocais. Promovido pela Associação Bra-sileira de Documentaristas e Curta-Me-tragistas do Espírito Santo, a ABD Ca-pixaba, esse evento teve a sua oitavaedição realizada entre os últimos dias10 e 14 de julho no Cineclube Me-trópolis (Ufes), em Vitória.

Tradicionalmente, além de uma se-leção competitiva de filmes locais, amostra apresenta uma curadoria te-mática de produções nacionais. Esteano, a programação foi formada ex-clusivamente por curtas-metragens ca-pixabas. Foram selecionadas 57 obrasnos mais diversos gêneros que tota-lizaram 11 horas de exibição. Prati-camente todas as sessões contaram comlotação máxima - uma demostração deque há público para a produção local.

Outra novidade foram as premia-ções das obras por categorias técnicase não apenas de acordo com gêneros eformatos (ficção, documentário e vi-deoclipe). Tal mudança é uma formade reconhecer as especificidades e acomplexidade inerentes ao fazer ci-nematográfico que exige o conheci-mento, a técnica e o trabalho de di-ferentes profissionais.

A partir do resultado do júri e daprópria seleção exibida nos quatroprimeiros dias de mostra, podemosnotar um amadurecimento e a cres-cente profissionalização dos realiza-dores locais. Ao mesmo tempo, ga-nharam destaque os trabalhos de di-retores estreantes e a presença demuitas obras realizadas em oficinas de

Premiações

Troféu Jaceguay Lins – Melhor Ficção:“Romance à la Nelson”, de Mariana Preti

Troféu Jaceguay Lins – MelhorDocumentário:“Espírito Santo Futebol Clube” (foto), de AndréEhrlich Lucas e Lucas Vetekesky

Troféu Jaceguay Lins – Melhor Videoclipe:“Mais Loko”, de Luiz Eduardo Neves

Melhor Direção:Mariana Preti, por “Romance à la Nelson”

Melhor Roteiro:Jovany Sales Rey, por “Como a NoiteApareceu”

Melhor Fotografia:Maíra Tristão, por “Além do Mar que Há entrelá e cá”

Melhor Arte:Alex Vieira, Alexandre Brunoro, Guido Imbroisie Raphael Araújo, por “Confinópolis”

Melhor Som/Trilha:Eduardo Yep e José Luis Oliveira, por “Os ladosda Rua”

Melhor Edição/Montagem:Lucas Bonini e Wayner Tristão, por “PelaParede”

Menções Honrosas:“Aleluia”, realizado por alunos da Escola Estadualde Ensino Fundamental e Médio Marinete deSouza Lima, de Feu Rosa; e “O Jaraguá”, realizadopor alunos da Rede Pública de Ensino de Anchieta

“Tortoise e a Espeleosofia”, de GabrielAlbuquerque

“A História do Puteiro Mais Antigo de Vitória”,de Sidney Spacini

iniciação ou formação audiovisual.A qualidade de alguns filmes da 8ª

Mostra Produção Independente – Ja-nelas já havia sido reconhecida emoutros festivais. É o caso de “Os Lados

da rua”, de Diego Zon. Essa ficção foiselecionada para uma mostra paralelado Festival de Cannes deste ano epremiada como o melhor curta-me-tragem do 22º Cine Ceará – Festival

Ibero-Americano de Cinema, em junho.Filmado nas ruas de Muqui, o curtaconta a história de Carrão, um garotoexcêntrico que fica atordoado ao per-der o seu carro imaginário roubado.

Uma sociedade que vive sob regimetotalitário, comandado por um tirano, eem permanente clima policialesco é oque conta “Confinópolis”, de RaphaelAraújo. Originalmente publicado comoquadrinho, nas três primeiras edições darevista “Prego”, pelo próprio diretor, essaprodução levou o prêmio de melhorcurta-metragem ficção do Fest 2012 -Festival Internacional de Cinema Jovem,que aconteceu no início de julho, nacidade portuguesa de Espinho. No finalde junho, o curta também foi exibido na7ª Edição Cine MuBE Vitrine Indepen-dente, em São Paulo e, em agosto, faráparte da programação da 3ª edição doEspantomania – Mostra de Curtas deHorror/Fantástico de São Paulo.

Gente novaO resultado da premiação da 8ª Mos-

tra Produção Independente – Janelasmostra o quanto o cinema capixaba temse renovado. É o caso de “Romance à laNelson”, dirigido pela estreante MarianaPreti, premiado na categoria de MelhorDireção, além de ter levado o TroféuJaceguay Lins de Melhor Ficção.

Vinda do teatro e cursando o 4ºperíodo do curso de Audiovisual daUfes, Mariana constrói uma narrativainspirada na dramaturgia de NelsonRodrigues e conta um desencontroamoroso envolvendo três persona-gens. O curta apresenta decupagembem marcada, uso de planos fechadose um permanente jogo com os es-pelhos presentes no cenário quaseúnico de um quarto.

Uma das Menções Honrosas da mos-tra, “A história do puteiro mais antigode Vitória” também conta com estrean-te na direção. Sidney Spacini usa alinguagem de um documentário ex-positivo tradicional para recriar a me-mória do Centro de Vitória. Os menosdesavisados que assistem ao curta acre-ditam facilmente que se trata de umaobra documental, dado o tratamentoimpecável da direção de arte, o uso deimagens de época e a presença dedepoimentos de populares.

“Romance à la Nelson”, da estreante Mariana Preti: Melhor Direção e Melhor Ficção

Documento:AGazeta_28_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_4.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 20:22:16

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5PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

28 DE JULHODE 2012

Don GiovanniÓpera de Mozart. Direção:Carl Ebert. Gravadora Arthaus.1961. DVD duplo, 176 minutos,em preto e branco. Importado.Quanto: US$ 35, em média

falando de músicapor ERICO DE ALMEIDA MANGARAVITE

A VOZ SOBERANADO CANTO LÍRICO

Albert era um promissor can-tor lírico, no início de seusestudos para se tornar umprofissional. Gostava depassar o tempo livre mon-tando espetáculos com ma-

rionetes para seu irmão, Martin, deficientefísico e mental. Nessas ocasiões, Albertinterpretava todos os papéis, mostrandoum talento inato para as artes dramáticas.Subitamente, o cantor foi convocado peloExército – afinal, era tempo de guerra – eteve que se juntar às tropas de seu país, emum dos lugares mais frios da Europa. Lá,passou a tomar conta de cavalos, quepereciam devido às condições inóspitas.Deixou para trás a mãe, viúva, e o irmão.Pouco tempo depois, Albert recebeu umacarta da mãe, relatando que o governo doseu próprio país enviara Martin para umcampo de concentração, onde o deixarammorrer de fome. E mais: sua casa foradestruída em um bombardeio. Liberadopara passar alguns dias com a mãe, Albertajudou-a na mudança para a casa deamigos; os objetos que resistiram às bom-bas cabiam em um carrinho de mão.

Resiliente, o jovem mantinha um diá-rio, descrito como sua “tentativa de man-ter uma vida interior em meio ao caos”.Também frequentava, com a mãe, teatrose espetáculos musicais, “desafiando omundo irracional”. Não bastassem taistragédias, Albert foi mais uma vez en-viado para o front: três dias antes do fimda guerra, foi capturado e enviado paraum campo de prisioneiros.

Muitos poderiam pensar que a históriadesse cantor terminaria aí. Entretanto,em 18 de maio de 2012, a imprensa detodo o mundo anunciou a morte, aos 86anos, de um dos maiores cantores líricosdo século XX: o barítono alemão DietrichFischer-Dieskau. Nascido Albert DietrichFischer, cuidou dos cavalos na Rússia efoi capturado na Itália. Com o fim daguerra, os soldados alemães começarama ser enviados para casa. Porém, Fis-cher-Dieskau havia se tornado tão po-pular cantando para as tropas na car-roceria de um caminhão que foi mantidoprisioneiro até 1947. Uma vez liberto,voltou aos seus estudos musicais noConservatório de Berlim. Nessa ocasião,a sorte dos esforçados bateu às portas dobarítono: chamado às pressas como subs-tituto em um concerto, virou uma ce-lebridade da noite para o dia.

Com o passar dos anos, o cantor setornou conhecido pela versatilidade.Abordando desde Bach e Gluck, pas-sando pelas óperas de Mozart e pelosmestres das canções alemãs Schubert,Schumann e Wolf, chegando até com-

positores modernos como Britten e Rei-mann, Dieskau sempre tinha algo a dizerpor meio de sua arte. Dono de um timbreinconfundível, enfatizava a clareza napronúncia das palavras. Suas interpre-tações caracterizavam-se pelo refina-mento e pela atenção aos detalhes.

MontagemArtista multifacetado, Fischer-Dieskau

foi professor, escritor e pintor. No campoda música, deixou muitas gravações. Umdesses registros foi lançado recentementeem DVD: trata-se de uma montagemhistórica da ópera “Don Giovanni”, deMozart. Dirigida por Carl Ebert, foi con-cebida para a inauguração da nova sededa Ópera Alemã, uma vez que o antigoprédio, assim como a casa de Fis-cher-Dieskau, fora destruído durante a

guerra. O ano era 1961, e no pós-guerra aopulência não era bem-vinda. Ademais, ofatídico muro de Berlim havia sido er-guido meses antes. Esse contexto se re-flete na produção, sóbria e modesta. Oscenários são datados e alguns momentosda encenação deixam a desejar, como oduelo entre Don Giovanni e o Comen-dador, montado de maneira nada con-vincente. Além disso, a obra foi cantadaem uma tradução para o alemão, e não nooriginal italiano.

Todavia, musicalmente os resultadossão esplêndidos: Fischer-Dieskau encarnaum Don Giovanni completo. Cínico no triocom Leporello e Donna Elvira, sedutor nodueto com Zerlina, enérgico na “Ária doChampagne” (não se atrapalhando com oandamento aceleradíssimo escolhido peloregente) e arrogante nas cenas do ce-mitério e do banquete, quando é tragado

DIVULGAÇÃO

para as profundezas do Inferno, Dieskaudeixou sua marca em um papel reco-nhecido por grandes interpretações (co-mo as dos baixos Siepi e Ramey e dobarítono Wächter). O tenor Donald Grobecanta as duas árias reservadas ao seupersonagem (Don Ottavio) com perfeiçãotécnica. Walter Berry (Leporello) empolgao público berlinense com a “Ária do Ca-tálogo”, mantendo o bom nível ao longode toda a récita. Quanto às mulheres, odestaque ficapor contadaZerlinadeErikaKöth, em uma atuação de referência.Elisabeth Grümmer (Donna Anna) e PilarLorengar (Donna Elvira), duas cantorasde reconhecido talento, guardam o me-lhor de suas atuações para as árias dosegundo ato. Regência atenta do húngaroFerenc Fricsay. Um belo tributo, que nosfaz pensar que Martin ficaria or-gulhoso pelo sucesso do irmão.

O barítono alemão Dietrich Fischer-Dieskau, que morreu no último dia 18 de maio, aos 86 anos: timbre inconfundível

Documento:AGazeta_28_7_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_5.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 19:42:53

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7PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

28 DE JULHODE 2012

6PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,28 DE JULHODE 2012

LIVRO DE PROFESSOR DE HARVARD PROPÕE SOLUÇÃO PARAPROBLEMAS DO COTIDIANO A PARTIR DA FILOSOFIA POLÍTICA

cidadaniapor JOEMAR BRUNO ZAGOTO

UMA VISÃOHUMANISTADA JUSTIÇA

Filósofo americano provoca o leitor a afastar posturas simplistas e radicais quando se trata de discutir a questão-chave da obra: como devemos nos organizar para alcançar uma sociedade justa?

GIVALDO BARBOSA/AG. GLOBO/2007

Manifestação contra o aborto em Brasília: tema também é discutido no livro

As cotas raciais nas univer-sidades são realmente jus-tas? É justo cobrar impos-tos mais altos dos ricos paraajudar os pobres? As leispodem nos obrigar a seguir

a cartilha do “politicamente correto”? Éjusto que o jogador Neymar ganhe 1500vezes mais que um professor escolar?Quais princípios o governo deve seguir aodecidir questões como aborto, casamentode pessoas do mesmo sexo ou eutanásia?Essas e outras discussões vêm dividindoopiniões sobre o papel e significado dajustiça na sociedade contemporânea. E olivro “Justiça: o que é fazer a coisa certa”,do filósofo americano Michael Sandel,lança muitas luzes sobre elas.

Professor da Universidade de Harvard,Sandel ministra há 30 anos um dos maisdisputados cursos da história daquelainstituição. A cada ano, centenas de alu-nos lotam o anfiteatro do campus paraparticipar de suas palestras sobre “jus-tiça”. O segredo do sucesso parece estarna capacidade de Sandel de ligar grandesinterrogações filosóficas a problemas docotidiano. E mais: em suas mãos, as ideiasde Aristóteles, Kant e Rawls sobre odelicado tema da justiça tornam-se sur-preendentemente acessíveis. Engana-se

quem acha que se trata de um textoreservado aos círculos acadêmicos ou aodebate sobre a realidade norte-ameri-cana. Para se ter uma ideia, a obra jávendeu milhões de cópias no mundotodo. E olhe que estamos falando de umlivro de filosofia moral e política... Alémdisso, Sandel, que já foi capa da revista

“Newsweek” como o estrangeiro maisinfluente na China, é recebido em paísescomo Japão e Coreia do Sul como umacelebridade.

O livro confronta nossas convicçõesmorais com os princípios nos quais elas sebaseiam. E ele faz isso a partir de si-tuações intrigantes. Imagine, por exem-

plo, que você seja o condutor de umbonde desgovernado. Os freios não fun-cionam. À sua frente encontram-se cincooperários nos trilhos. Você tem certezaque, se os atingir, irá matá-los. De repente,você percebe um desvio, onde há apenasum operário que, se atingido, será igual-mente morto. Você tem a alternativa dedesviar o bonde. Qual a coisa certa afazer? Os que optam por desviar partemdo princípio de que é melhor sacrificaruma vida para evitar a perda de muitas.Mas imagine agora que um terroristatenha instalado uma bomba no centro deuma grande cidade. Só ele conhece alocalização dos explosivos bem como aforma de desativá-los. Se não desarmada,a bomba ceifará a vida de centenas depessoas. Suponhamos também que a úni-ca forma de evitar a tragédia decorrenteda explosão seja torturar a jovem e ino-cente filha do terrorista para fazê-lo falar.Você seria coerente e aplicaria o mesmoprincípio que o levou a desviar o bonde?

DilemasSe você está com mais dúvidas do que

respostas, não se preocupe. Afinal, essessão dilemas morais justamente porqueevocam princípios conflitantes. A>

JUSTIÇA - O QUE É FAZERA COISA CERTAMichael Sandel. CivilizaçãoBrasileira. 352 páginas.Quanto: R$ 31,90

abordagem de Sandel nos faz refletirsobre eles como forma de afastar

posturas simplistas e radicais quando setrata de discutir a questão-chave da obra:como devemos nos organizar para al-cançarmos uma sociedade justa? O autorestá ciente de que a filosofia política nãopode “solucionar definitivamente” todasas discordâncias surgidas nas sociedadescomplexas e plurais dos nossos dias, mar-cadas não só por desigualdades de renda eoportunidades, como também pela di-versidade de projetos de vida. Todavia, afilosofia traz “clareza moral para as al-ternativas com as quais nos confrontamoscomo cidadãos democráticos”.

A obra se estrutura a partir da análise detrês escolas de pensamento que têm do-minado as discussões sobre a justiça. Cadauma delas dá respostas distintas à per-gunta “o que é a coisa certa a fazer?”. Aprimeira escola é o utilitarismo, segundo oqual tudodependedeumcálculodecustose benefícios: correto é fazer aquilo quemaximiza a felicidade e o bem-estar geral.Assim, um utilitarista consideraria justocobrar mais impostos dos ricos para ajudaros pobres. Em contrapartida, concordariacom a tortura da filha do terrorista, assimcomo poderia concordar com a supressãodeminorias religiosas seelasperturbassem

a fé professada pela maioria...A segunda abordagem é a da tradição

liberal, que vê a liberdade – e não afelicidade – no âmago da justiça. De ummodo geral, os liberais enfatizam osdireitos individuais, defendem a neu-tralidade do Estado e a livre escolha doindivíduo. Segundo eles, as pessoas sãodonas do próprio nariz. Não cabe aosgovernos induzi-las à virtude. Quempoderá dizer o que é uma “vida boa”?Pouco importa se prefiro ser hippie adedicar minha vida à acumulação debens materiais; se, tendo eu um planode saúde privado, vou ou não usar cintode segurança ao dirigir; se, sendo adultoe capaz, resolver me prostituir. Nada depaternalismo. Para os liberais, o risco daintolerância e da coerção está sempre àespreita quando se cuida de usar a forçada lei para promover ideais morais ereligiosos. Porém, na hora de decidir oque fazer para que as pessoas possamperseguir, por si sós, os próprios ob-jetivos, o pensamento liberal se divide.

Alguns são devotos do “Estado mí-nimo” e torcem o nariz para as in-tervenções do governo no mercado, es-pecialmente para redistribuir renda eriqueza. Segundo eles, há desigualdadedesde que o mundo é mundo; não cabe

aos governos tentar consertar o que a“natureza” criou. Outros, mais iguali-tários, saem em defesa não só das li-berdades civis (religiosa, de expressãoetc.), mas também dos direitos sociais eeconômicos básicos, como saúde, edu-cação e proteção contra o desemprego.Sustentam que as desigualdades são oreflexo de injustiças que se estabelecemdesde o início das nossas vidas. Emboranão defendam uma igualdade absoluta,consideram que só há justiça quando sepermite que a vida das pessoas dependado que cada um escolheu com auto-nomia, e não dos “acasos da natureza”,isto é, das “circunstâncias” que a cada umcabe viver, por sorte ou azar. Assim, o fatode ter nascido rico ou pobre, sadio oudoente, bonito ou feio não deve selar odestino das pessoas. Essa “distribuiçãonatural” não é justa ou injusta; o que éinjusto é o modo como a sociedade lidacom tais circunstâncias.

Sandel faz parte da terceira e últimaescola de pensamento, que se afasta doindividualismo liberal. Apesar de tambémse preocupar com a desigualdade, ele ofaz não só porque ela é resultado dainjustiça com aqueles que nasceram em“desvantagem”, mas, sobretudo, pelapreocupação com a “comunidade”. Se-

gundo ele, à medida que o fosso entrericos e pobres aumenta, as pessoas per-dem a noção de que a vida em sociedadeé um projeto comum. Além disso, Sandelretoma a tradição aristotélica, propondouma “ética baseada na virtude”. Não nosrealizamos plenamente como seres hu-manos vivendo apenas nossa “vida pri-vada”, como pais, trabalhadores e con-sumidores. Ele acredita que podemosrevigorar o discurso político e a vida cívicadiscutindo, como cidadãos, o que é - oudeveria ser - uma “vida boa”. E mais: dápara fazer isso garantindo a tolerância e orespeito mútuo. As pessoas não precisamchegar a um acordo; precisam aprendercom as diferenças. Ele contesta o ideal do“Estado neutro”. Não há como resolver asquestões sobre justiça e direitos sem to-mar partido em controvérsias morais ereligiosas; e, mesmo quando isso é pos-sível, pode não ser desejável.

AbortoO caso do aborto é um bom exemplo.

Os favoráveis à proibição alegam que nãose pode tirar a vida de um ser humanoinocente. Outros discordam desse pontode vista porque reconhecem que a de-finição do “status existencial” do fetoenvolve grande carga moral e religiosa.Argumentam que o debate político sobreo direito das mulheres ao aborto não podeentrar nessa discussão: a política deve serneutra. Para Sandel, contudo, esse po-sicionamento é equivocado porque, naverdade, ele recusa implicitamente a con-cepção moral do catolicismo de que o fetoé um ser humano desde a concepção.

Reconhecer essa premissa não significadefender a proibição do aborto. Significaapenas que a neutralidade, aqui, é im-possível. Por outro lado, não são apenasquestões como o aborto ou a homos-sexualidade que despertam divergênciasmorais. Devemos superar certa tendênciade empobrecimento do debate político,limitando-o a assuntos “gerenciais” e “tec-nocráticos”. Muitas das questões eco-nômicas que nos são apresentadas como“técnicas”, porexemplo, suscitamgrandesindagações em termos de justiça. E, aodiscuti-las, não podemos deixar de ladonossas convicções éticas, morais e es-pirituais. É claro que há muitas sutilezas ecomplexidades nesses debates. Não é porisso, porém, que devemos nos acomodaràs nossas certezas. Afinal, como diz San-del, “meditar sobre a justiça parece le-var-nos inevitavelmente a meditarsobre a melhor maneira de viver”.

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DIVULGAÇÃO

No best-seller “Justiça: o que é fazer a coisa certa”, Michael Sandel relaciona pensamento filosófico com exemplos da vida real

Documento:AGazeta_28_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_6.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 20:23:52

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8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,28 DE JULHODE 2012

ideiaspor JOSÉ ANTONIO MARTINUZZO

PARA PENSAR? SEJACONTEMPORÂNEO!Para o filósofo italiano Giorgio Agamben, o caminho para se refletir a atualidade passa porquebrar o tempo linear e ir além da superfície para tentar “responder às trevas do agora”

DIVULGAÇÃO

Autor propõe aos leitores interrogarem o passado com as perguntas do presente

Há alguns anos, o psica-nalista francês CharlesMelman observou umparadoxo destes temposde comunicação, e qua-se tudo mais, sem limite:

“Há uma formidável liberdade, masela é estéril para o pensamento. Nun-ca se pensou tão pouco”.

Melman assinalava que é o “obs-táculo” que produz o trabalho do pen-sar. Mas, se estamos numa planície defácil acesso a possibilidades de sa-tisfação imediata e recorrente por ob-jetos redentores, o que nos levaria àaventura ou à fadiga do pensar?

Um olhar atento indicaria que mo-tivos não faltam. Mas não é de razõespara pensar que aqui se falará. O temaé o modus operandi do pensar, partedecisiva inclusive para se descobrir noque pensar criticamente.

A nos guiar, o professor de FilosofiaTeorética do Instituto de Arquitetura deVeneza Giorgio Agamben, com seu livro“O que é o contemporâneo? e outrosensaios” (Argos, 2010), cujas obser-vações estão na origem do I Colóquiode Arte e Psicanálise, que a EscolaLacaniana de Psicanálise de Vitória rea-liza nos dias 17 e 18 de agosto.

Como assinalado, o autor não enumerarazões para pensar, mas aponta, entreoutras discussões, um caminho para opensar: na sua visão, é preciso ser con-temporâneo.Aondesevai chegar, ousobreo quê pensar, é por conta e obra de cada“contemporâneo” que assim se fizer.

A análise de Agamben é constituídaem função da necessidade de seus alunosse aproximarem de textos que, na linhado tempo, eram de passados remotos eaté remotíssimos, além daqueles pro-duzidos no presente. Nesse contexto, sepergunta: “De quem e do que somoscontemporâneos? E, antes de tudo, o queé ser contemporâneo?”.

Para discutir tais questões, o autor seampara no exame do fazer poético, damoda, da Literatura, da própria Fi-losofia. De pronto, afasta-se a inter-pretação do senso-comum: ser con-temporâneo não equivale a ser mo-derno ou atual. Muito pelo contrário.

Dialogando com a Filosofia, o pri-meiro aspecto: o contemporâneo é ointempestivo. “É verdadeiramente con-temporâneo a seu tempo aquele que

não coincide perfeitamente com este,nem está adequado a suas pretensões eé, portanto, nesse sentido inatual; mas,exatamente por isso, exatamente atra-vés desse deslocamento e desse ana-cronismo, ele é capaz, mais do que osoutros, de perceber e apreender o seutempo” (p. 58).

O autor avança na sua definição emdiálogo com o fazer poético, tirandoduas conclusões: ser contemporâneo éser capaz de perceber, apontar ou pro-mover fraturas no tempo, para agenciarum encontro de eras e gerações. Tam-bém: ser contemporâneo é instalar-secomo observador e experimentador dasobscuridades do seu tempo.

“Contemporâneo é aquele que man-tém fixo o olhar no seu tempo, para neleperceber não as luzes, mas o escuro.Todos os tempos são, para quem delesexperimenta contemporaneidade, obscu-ros. Contemporâneo é, justamente, aque-le que sabe ver essa obscuridade, que é

capaz de escrever mergulhando a penanas trevas do presente” (p. 62).

Ou seja, ao contemporâneo, são astrevas que lhe concernem, que não ces-sam de interpelá-lo, mas que lhe fogemeternamente à plena compreensão. As-sim, Agamben dá mais um passo, per-mitindo entrever que o contemporâneo éainda um corajoso e persistente, pois suaposição implica “ser capaz não apenas demanter fixo o olhar no escuro da época,mas também de perceber nesse escurouma luz que, dirigida para nós, distanciainfinitamente de nós” (p. 65).

MarcaFalando de moda, e sua tempora-

lidade peculiar, Agamben assinala umaoutra marca do contemporâneo: serdescompromissado com a linearidadedo tempo. O autor segue na viagem“irregular” na linha da cronologia paraassinalar que ser contemporâneo é

também buscar perceber no presente asindeléveis marcas do arcaico.

“Somente quem percebe no mais mo-derno e recente os índices e as as-sinaturas do arcaico pode ser dele con-temporâneo. [...] A origem (...) não cessade operar, como o embrião que continuaa agir nos tecidos do organismo maduroe a criança que continua a agir na vidapsíquica do adulto” (p. 69).

Enfim, para Agamben, ser contem-porâneo é descolar-se do atual, des-viando-se de suas luzes e mergulhan-do-se nas suas trevas, liberto de suasconvicções e verdades, perscrutando naescuridão dos seus fundamentos.

É quebrar o tempo linear para per-ceber relações, interfaces, possibilitan-do-se ler de modo inédito a História. Éinterrogar o passado, ou junto ao pas-sado, com as perguntas do presente, sem,no entanto, ser exitoso por completo.

É focar nos obstáculos e nos obscurosdo atual para enfrentar suas facilidadeshipnóticas e pasteurizadoras. É usar aliberdade para pensar. Ir além da su-perfície para tentar “responder às tre-vas do agora”. É ser o que mais faltaà atualidade.

Contemporâneo éaquele que mantémfixo o olhar no seutempo, para neleperceber não asluzes, mas oescuro. Todos ostempos são, paraquem delesexperimentacontemporaneidade,obscuros.” (p. 62).Giorgio AgambenProfessor de Filosofia

O QUE É OCONTEMPORÂNEO? EOUTROS ENSAIOSGiorgio Agamben. Argos,2010. 92 páginas.Quanto: R$ 19

Documento:AGazeta_28_7_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_8.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 19:27:47

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9PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

28 DE JULHODE 2012

poesias

REFLUXO DANATUREZAMARIA FRANCISCADOS SANTOS LACERDAVejo-te, com os olhos da mente,Em câmara lenta, solenemente,Numa foto antiga, em branco e preto,O olhar nos fatos presentes,Como se olhasse o bordado desfeito.

Querias tomar conta, participar,Davas ordens, nem sempre seguidas.(As ordens das mães são assim).Vigiava as chegadas e as partidasDe todos, e dos netos, enfim.

Aonde vais, menino?Demoraste, hein?Eram tuas frases preferidas.Sempre ignoradas, jamais sentidas.

Vejo-te, hoje, nessa cama, esquálida,Cadavérica, quase ridícula.

Não sei se vês e se pensas,És hoje esfíngica, enigmática.

Todos ao teu redor, perplexos,Aguardam o teu despertar,Neste vale de lágrimas.E todos num mesmo pensar.

Acorda, vem mandar, és sábia.Podes tudo falar, participar.Pedimos perdão pelo choroQue te fizemos amargar.

É muito tarde, estás apática.A ternura não sei se percebes,Não sei se vês e se pensas.És hoje esfíngica,Enigmática.

crônicas

MULHERESDE ATENASpor CAÊ GUIMARÃESSomos todos irmanados por uma mo-lécula de carbono 14 que se torna mais emais complexa e de longe – ou bemperto – tem o formato de uma espiral dematéria orgânica a qual chamam DNA.Somos também irmanados por confian-ça e medo, lucidez e delírio, fome eapatia. Somos, de resto, o que deuerrado – certo? – na linha fina do luzir deum novo dia. E se seguimos condenadosà repetição, como as abelhas e os ratos,temos também a imensa possibilidadedo devir, de construir fato e artefato. Ede inventar pintura e poesia quando écartesiana e concreta a valia.

Também somos, ou ao menos de-veríamos sê-lo, o retrato mais concreto –abstrato? – das máscaras de Deus nasuperfície do planeta. Por isso inven-tamos signos, lendas, mitologia. Pin-tamos na mesma caverna escura o quenos assombra lá fora, ainda que es-tejamos todos dentro da jaula. E à

sombra projetada na parede da cavernapor uma fogueira ladeada por pedras,contamos e recontamos assombro e des-lumbramento. Somos os inventores decada momento, porque à guisa de gar-ras, cascos e venenos potentes, e nolugar de asas, guelras ou couraças, ves-timos a mais vasta armadura, o equi-pamento natural que nos foi dado sa-be-se lá por que mistério, acidente bio-lógico, determinação divina ou tudo issoforjado na mesma têmpera, dois metaisnobres que combinados se tornaramnossa marca no estar no mundo, e quecomungam permanência e evanescên-cia no mesmo pote: a capacidade in-ventiva e a memória.

A mitologia grega inventou tudo antesde tudo ser inventado. Em suas narrativas,a luta de classes surgiu antes de Marx e apsicanálise surgiu antes de Freud. Nopanteão helênico, Mnemosyne, de ondevem a palavra memória, é uma deusa filha

de Urano, o céu, e Gaia, a terra. Ela é irmãde Chronos, o tempo, de onde deriva apalavra crônica, que é o que faço agora, ede Okeanos, o oceano. A memória é entãofilha do céu e da terra, irmã do tempo e domar. Metáforas da infinitude. Insatisfeitoscomessa invençãoabsurdamente linda,osgregos foram além e deram uma filha paraa memória. Calíope, mãe e musa daliteratura e das artes, onde também seincluía a ciência, que por sua vez é mãe deOrfeu, um dos primeiros e grandes poetaspré-homéricos.

Ao personificar memória e invençãoem corpo e almas femininas, mãe e filhaque comungam o tal carbono 14 e aespiral infinita, a cosmogonia grega amar-rou uma sinapse potente do compor-tamento feminino com a propriedade deconservar e criar. Permanecer e ir além. Eessa profundidade, cheia de certeza eintuição, vem sendo amordaçada pelafutilidade da máquina de moer carne domundo. Um sistema que quer nos em-pacotar como salsichas. Que nos anestesiano torpor de um presente contínuo. E quede forma sutil e inarredável nos torna,paulatinamente, órfãos dessas mulheresde Atenas, que pacientemente aguardampelo nosso despertar.

MEMÓRIAS DE PORTO E DE MARpor TAVARES DIAS

Sabiá passa pelo buraco da fechadura.Ganha o mundo. É um sonho sonhadodormindo. De manhã, menino ensinana escola, na hora do recreio: sabiá éum canto mágico vestido de pena.Fininho assim. Se cismar, passa até emburaco de agulha.

Domingo de tarde, menino vai com opai ao zoológico. Tem muita genteespiando a onça pintada. Tirando fotos.Contando mentiras de caçador. A onçase aporrinha, solta um esturro. A terratreme. Menino treme junto. Aprende:onça pintada é um rugido tremendoque mora escondido entre bigodes,dentes e pintas. E não gosta de históriaque não tem dia da caça.

Também tem manhã bonita. Sonhosonhado acordado. Na beira do rio. O Solainda se espreguiçando. O olhar alumiamorno. Lambari chega feliz naflor-d’água. Vê o claro do Sol. Salta umpalmo acima do rio. Menino vê o Sol nas

escamas molhadas do peixe, o espectromulticor. Não conta pra ninguém: peixe éum cristal que tem fosfato dentro e que agente come pra ter boa memória quandocrescer (essa parte é a mãe quem fala, nahora do almoço).

Menino mora em corpo de pré-ado-lescente. Caminha pra casa, na volta daescola. Soninha também. Calha de an-darem juntos por infinitas três quadrase uma praça. Conversa miúda, todahormônios. Rubores e gaguejos. Me-nino escreve numa folha de caderno, denoite: coração deve de ser um poetaque mora no peito da gente e bate asaquerendo cantar feito um galo quandoa gente vê os olhos de Soninha. Guardao papel. Bem dobradinho. No fundo dalata de estilingue, bola de gude e pião.Enterra no jardim.

Menino muda pra corpo de adulto.Conhece mulheres. Encantos. Desfrutade noites de gemidos pares, madru-

gadas de ganidos ímpares. Parceriasgeniais. De fazer amor fazendo de-claração de amor. De se perder nosolhos da amada. Faz poeminha apai-xonado: no trança-trança/de pernas egritos/me deslimito/vago num fora deeu/me acho num descomum/me en-contro no dentro seu/te aperto queestamos/me abraça que vamos/porqueagora eu somos/você todinha ama-mos/en la ventana la luna/corisco var-re a coluna/o enquanto de um gritoplana/milênio em que o nós é um.

Menino de porto e de mar. Danadode andejo - já reside em corpo desessentão. Amansa. Aprende que existeum tal de o outro - irmão. Também ditoo semelhante, o próximo. E faz amizadecom livros. Com a boa música. Com osilêncio. Com pessoas serenas e com asque buscam a serenidade. E tem fi-lhotes doces que só favos de mel. Sorri:a maior riqueza da vida é ela mesma.

ANJO-OPERÁRIO

Venham ver os meninos,Venham ver os divinos.

Todos trabalham e têm fome,Mas não têm teto nem nome.

Não têm escola nem vida,Têm escravidão não nascida.

Não têm terremotos nem guerra,Mas todas as tristezas da Terra.

Têm cabeça-corpo de criança,Mas de adulto a desesperança.

Fazem tênis, carvão, rede, riqueza,Mas ninguém vê sua tristeza.

Venham ver esses meninos,Venham ver esses divinos...

Documento:AGazeta_28_7_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_9.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 19:17:31

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11PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

28 DE JULHODE 2012

10PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,28 DE JULHODE 2012

economia criativapor ALINE YASMIN

INTERNACIONALIZAÇÃO DA CULTURA:UM CAMINHO COM VÁRIAS FACES

Oprocesso histórico dos úl-timos 20 anos convergiuesforços e fatores que le-varam o Brasil a um novopatamar no cenário inter-nacional. Respeito passou

a ser a ordem do dia no que tange à formacomo o mundo nos vê e como se relacionaconosco. Deixamos de ser um país sub-desenvolvido, visto aos olhos estrangeiroscomo um exótico cenário com praias epalmeiras, rodas de batucada em cadaesquina e mulatas com trajes mínimos,reconhecidos por nossa alegria a todaprova e uma desorganização tida até entãocomo endêmica, para nos tornarmos umaeconomia sólida, capaz de reverter o tsu-nami de 2009, se não em marolinhas, masem ondas que não abalaram nossa es-trutura econômica, política e social. Fa-tores que nos levam a sobreviver ao novomaremoto que naufragou Portugal, Gréciae Irlanda e, agora, deixa à deriva milhõesde espanhóis. Todos olham para o Brasilnão mais como a distante Ilha de VeraCruz, mas como uma nação sólida eatrativa para negócios.

Acabamos de sediar a maior reunião daONU em todos os tempos, durante a Rio+ 20. Soma-se a isso o fato do país estar a

um ano e meio de sediar uma Copa doMundo e a quatro das Olimpíadas do Riode Janeiro, e nos vemos na boca de cenados grandes eventos internacionais. Estecenário nos coloca na rota de nos tor-narmos um dos maiores destinos do mun-do em todas as áreas do turismo – cultura,lazer, negócios, ecológico, esportivo e deaventura. O instrumental para consolidareste momento e potencializar ao máximoo fluxo de estrangeiros que nos visitarão,e que aqui deixarão divisas, gerandoemprego e renda, passa pela colocação nomercado internacional de produtos que oEspírito Santo já exporta de maneirapioneira e reconhecida no mercado na-cional. Uma indústria não poluente, quegera divisas, conhecimento, cidadania edivulgação do nosso Estado como po-tencial destino, em especial por sua ri-queza: a arte e a cultura.

IntercâmbioNosso país tem balança comercial equi-

librada, estabilidade monetária, inflaçãocontrolada e mercado interno vitaminado.Deixamos de ser exportadores de ma-térias-primas para enviar ao mundo o quetemos de melhor nos meios produtivos.

INSTITUTO QUORUM

Produtora cultural destaca vocação do Espírito Santo como exportador de talentos artísticose intelectuais, elencando ações efetivas para construção da imagem do Estado no exterior

Dados da Agência Brasileira de Promoçãode Exportação e Investimentos (APEX Bra-sil) mostram que, desde 2000, as ex-portações para a Europa aumentaram5,03%. Criado em 1988, com a par-ticipação de vários países que na geo-política da época eram denominados como“em desenvolvimento”, onde se incluía oBrasil, o Sistema Global de PreferênciasComerciais entre Países em Desenvolvi-mento (SGPC) conta hoje com 43 par-ticipantes outorgantes. O intercâmbio deconcessões comerciais entre seus membrospromoveeampliaos laçoscomerciaisentreos países, não somente em benefício pró-prio, mas também em benefício do co-mércio global. No que tange à economiacriativa, nosso Estado já aponta como umimportante exportador de talentos artís-ticos, culturais e intelectuais, graças àmobilização do próprio segmento.

Cabe perguntar e propor uma respostasobre o tema das indústrias criativas e ainternacionalização da cultura brasileira,não apenas como possibilidade de fo-mento dessa indústria, não poluente e debaixíssimo custo, mas também como fer-ramenta de divulgação do destino Brasil.Nossa experiência de meia década à fren-te do Espírito Mundo, conjunto de fes-

tivais realizados nas cidades de Celles surBelle e Aix-en-Provence (França), Bir-mingham (Inglaterra) e Madri (Espanha),com a participação de mais de 100 artistase técnicos do Espírito Santo, de 2008 a2010, e também de profissionais de ou-tros Estados, a partir de 2011, nos inseriuem importantes expedientes de guiasturísticos de regiões francesas, como a dePACA – Provence, Alpes e Cote d´Azur,-que representam um dos eixos prioritáriosde relações internacionais para o Brasil.Isso nos leva a algumas reflexões. Épreciso fortalecer a imagem do Brasil e doEspírito Santo no cenário internacional,posicionando-os fora do estereótipo ca-ricato ao qual fomos submetidos portantos anos, conforme citamos na aber-tura deste artigo, muitas vezes incen-tivados por instituições que apoiaram aimagem do Brasil que rebola e ri daprópria miséria.

Quem abre este caminho fora domainstream são os artistas emergentes,cujo trabalho autoral não é beneficiadopela mídia convencional e por produtorasespecializadas no segmento entreteni-mento. Tais produtos habitualmente nãosão foco das empresas patrocinadorasbrasileiras, já que a contrapartida em

imagem não é de alcance vultoso,embora os investimentos também

não o sejam. Optam, portanto, por pro-jetos associados a grandes nomes ou ditosem ascensão, todos, sem dúvida, ligados aum movimento de entretenimento quegere retorno em bilheteria e na grandeimprensa internacional. A política de for-talecimento em torno dos artistas in-dependentes torna-se então fundamentalpara ampliar as possibilidades de se mos-trar a verdadeira cara do Brasil, queperpassa estilos e manifestações que vãodo erudito ao contemporâneo, não ig-norando a cultura popular de fato. Aquem caberia então apoiar os artistas quesaem das universidades, coletivos, co-munidades e periferias, cuja possibilidadede investir em um intercâmbio inter-nacional seja ainda um sonho distante? E

por que investir numa carreira inter-nacional?, perguntariam os céticos.

O governo federal assinou em outubrode 2011 um programa conjunto na áreade cultura com a Comissão para Edu-cação, Formação, Cultura e Juventude daUnião Europeia, no âmbito da 5ª Reuniãode Cúpula Brasil/União Europeia. Empauta, a internacionalização da cultura ealguns acordos bilaterais para integrareste movimento, em ebulição no Brasil, epela própria demanda dos países quequerem reconhecê-lo por sua inteligência,produção e difusão artística. Os planos eações efetivas que compõem esse pro-grama não se “capilarizaram” para osEstados e nem integraram os projetos jáimplantados pela sociedade civil.

A resposta cabe então nas duas pontas:para o artista, criar e produzir são pro-

cessos infinitos. O intercâmbio não podeser mensurado por “apreensão”, mas porum resultado empírico que vai colaborarsubjetivamente com o processo criativo. Astrocas de saberes e tecnologias (abarcandoaqui o sentido da tekhne) são funda-mentais para o criador e para o homem.Em um mundo marcado pelo discurso damundialização, pelo contato cada vez maispróximo com o outro e por todas asevoluções tangíveis, o artista deve ter, noseu âmbito de escolha, a expansão de suaspossibilidades como um mecanismo dopróprio desenvolvimento criativo.

Na outra ponta, indicadores do turismoafirmam que o fluxo qualificado turísticoé essencialmente fomentado pelo inte-resse na arte e na cultura de um país,apontados pela Organização Mundial doTurismo e Fórum Econômico Mundial,

conforme citação da professora Dra. AnaCarla Fonseca, em recente curso de Eco-nomia Criativa e Emprendedorismo quecirculou por diversas capitais brasileiras.A própria Embratur, instituição máximado setor no Brasil, cita em carta de apoioao Instituto Quorum, assinada pelo Sr.Marco Antonio de Britto Lomanto, diretorde Produtos e Destinos, a importância dese atrelar a estratégia internacional comoforma de atratividade e motivação dopúblico estrangeiro, conforme Relatório2012 Brasil Business Monitor Interna-tional, que aponta como atração-chave adiversidade cultural para a promoção daimagem do país.

NegóciosA gama de negócios advindos ou a

advir da abertura do Brasil no exteriorposiciona positivamente os centros ditosperiféricos do país no momento de ofertado destino Brasil diante da Copa e dasOlimpíadas. Neste caso, temos outra van-tagem competitiva. Sobre o primeiroevento, estamos na região com maiornúmero proporcional de sedes de jogos doMundial (Rio, São Paulo e Minas Gerais).E a Bahia, nossa divisa ao norte, tambémsediará partidas. No caso das Olimpíadas2016, podemos absorver uma gama dedelegações e equipes que procurem umlocal próximo à sede dos jogos para oúltimo polimento antes das competições.Para que possamos gerir este momentocomo oportunidade de crescimento, épreciso regionalizar a imagem e os des-tinos a partir da cultura e dos movimentosartísticos, o que trará benefícios para todaa economia capixaba. É tempo de debaterinstitucionalmente qual cara queremosdar à nossa imagem no mundo. E comoconstruí-la.

Há de se compreender que fora todosos argumentos, não somente pela oti-mização dos eventos iminentes que irãooportunizar negócios, temos que nos ateraos pontos de crescimento e enrique-cimento artístico numa experiência e vi-vencia com público, técnicos e artistas deoutras culturas. E para além da im-portância da arte e da linguagem nesseintercâmbio no aspecto antropológico efilosófico, abre-se um espaço para nostornarmos finalmente quem verdadeira-mente somos, cuja imagem demons-trará nossa identidade – plural -atrelada a um discurso coerente.

Banda JoeZee em residência artística no festival Espírito Poitou, na França, com a banda francesa Coup d’Marron e a Babilak Bah (MG): projeto continua em 2012

Ilustração de Rodrigo Britto inspirada no shopping Bullring, de Birmingham: registro da edição britânica do Espírito Mundo

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12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,28 DE JULHODE 2012

históriapor MILSON HENRIQUES

O DEDO NA FERIDA DASNOSSAS HIPOCRISIASCartunista comenta livro publicado por Abelardo Romero, em 1967, que identifica naformação do Brasil Colonial a origem dos desvios éticos e morais presentes na sociedade

ualquer estudioso sobre oporquê do Brasil ser umpaís de moralidade tão de-pravada e preconceitostão numerosos, sempreencontra duas alegações –o clima quente que in-

dispõe ao trabalho, excita a luxúria, euma religião baseada na adoração e nomedo. Mas não são apenas causas cli-matéricas, religiosas ou étnicas. A maiorcausa é a falta de ética.

O livro de Abelardo Romero(1907-1979), “Origem da Imoralidade no

ORIGEM DA IMORALIDADENO BRASILAbelardo Romero. Ilustrações:Percy Lau. Editora Conquista.239 páginas.Ano de publicação: 1967.Quanto: de R$ 19 a R$ 50(sebos virtuais)

Não perca o XIX Festival Internacional de Inverno de Música Erudita e Popular deDomingos Martins.

Serão diversas apresentações de orquestras, recitais, corais, danças folclóricas eshow musicais com Dominguinhos e Falamansa, tudo gratuito nos palcos da cidade.

Também serão oferecidos cursos de instrumentos e prática musical comprofessores de renome nacional e internacional como Daniel Guedes, Fabio Zanon,Fábio Presgrave, Fernando Dissenha e Robertinho Silva.

Visite Domingos Martins, de 20 a 29 de julho, e faça parte desse espetáculo.

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QBrasil”, começa pela desmistificação doinfantilismo inocente dos nossos índios, aquem ele chama de “devassos no paraíso”.Assim que nossos selvagens perceberam oávido interesse dos portugueses pela nu-dez das índias, “facilitaram” todo contatodaqueles com elas, com o consentimentoe aprovação das cunhãs, sempre “muitovaidosas e namoradeiras”, segundo ospróprios jesuítas. A poliandria era quasetão igual à poligamia e muitas índiaspossuíam vários maridos. O homosse-xualismo também existia em grande nú-mero, sendo que padre Nóbrega chegou a

escrever que “muitos colonos tinham ín-dios por mulheres, segundo o costume daterra” (pág. 149), e alguns montavamsuas tendas de maneiras femininas, pron-tas para receber homens.

Por conhecerem bem a terra natal enunca terem trabalhado, só se esforçandopara conseguir seu alimento, os indígenasaceitavam tudo, menos a escravidão. Aívem a mais longa e vergonhosa manchadesse Brasil. Longa porque durou desde adescoberta até 1888, já que os por-tugueses estavam acostumados a essaprática em sua terra há mais de meioséculo e desde os primeiros colonos trou-xeram escravos.

Outra das vergonhas que existem desdeo nosso início é a censura governamental.Na página 161, encontramos que o país“era fechado à visitação estrangeira e peloespaço de 315 anos, só podiam entrar eviver no Brasil os que viessem com opropósito de enriquecer, catequizar, es-cravizar ou matar. Os que vinham ob-servar, pesquisar, estudar, tinham de ficarde quarentena, como empestados, ou,quando desciam a terra, inspiravam des-confiança, recebidos com má vontade,observados e perseguidos. Alguns aindanão chegavam às fronteiras e já se ex-pediam ordens terminantes de prendê-loscomo portadores de ideias subversivas”.

Em sua defesa, os fazendeiros diziamque, ao contrário de outros países es-cravocratas que mantinham os negros lon-ge das casas dos “senhores”, aqui, nós

éramos “piedosos” e os escravos podiamentrar e até conviver com seus “donos”.Mas, na página 171, Abelardo Romeroacha que “pior que a sevícia do negro foi,mediante sua compra, tê-lo separado damulher e da filha, reduzindo ambas aamantes ou prostitutas, além de procurardistraí-lo e enganá-lo com mil folgas efestejos, cultivando nele a indolência, ovício, a superstição, a licenciosidade emnumerosos feriados e dias santos de guar-da,privando-osda liberdadepolítica, cívicae moral do homem”.

Ao contrário dos Estados Unidos, co-lonizado por famílias que já levavaminstrumentos de trabalho, cultura, ci-vilidade, sólidos princípios morais e re-ligiosos, nossa colonização foi feita peloindivíduo solteiro, pelo aventureiro embusca de ouro, de pedras preciosas, defazer fortuna e voltar logo para sua terra,ou mandado para cá contra sua vontade,como castigo numa prisão em terra dis-tante. Na expressão do poeta GonçalvesDias, o Brasil foi colonizado pelo rebutede Portugal (seja lá o que isso quer dizer,coisa boa não é). Quanto à moral, se-gundo o livro, a libertinagem imperava.Se os padres em geral tinham suas amá-sias, por que não as teriam também oscasados? Um certo padre Canto, tendoquatro filhos mulatos, vendera dois comoescravos. Assim, era perfeitamente nor-mal o fato de um homem casado, pai defamília, ter quantos filhos quisesse comsuas negras, nunca legitimados. Ninguémestranhava, nem autoridades, nem a igre-ja. Como bem se justificou um fazendeiro:“Se cada senhor reconhecesse os filhosque lhe dão as negras, prejudicaria, poroutro lado, a parte da herança que com-pete aos filhos legítimos. O que seriaodioso. Só um mau cristão ou um mau paicavaria desse modo a ruína dos própriosfilhos”. Como se vê, o nosso falso mo-ralismo, a nossa falta de vergonha edignidade vem desde os nossos primór-dios e continua muito atual.

Para terminar, a dissolução dos cos-tumes, muito citada na Bahia, Recife e Riode Janeiro, também sobrou para nóscapixabas. Um tal Wilberforce, citado nolivro, fala que na região de Guaraparisurpreendeu um casal em pleno coito,durante o dia, numa rede armada navaranda, com uma criança brincando soba rede. Isso, lá no comecinho dessesBrasis de muitas histórias...

Documento:AGazeta_28_7_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_12.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:26 de Jul de 2012 19:41:36