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VITÓRIA, SÁBADO, 21 DE JULHO DE 2012 www.agazeta.com.br Pensar Uma questão de fé Entrelinhas JORNALISTA RELATA A VIDA CULTURAL DE PARIS DURANTE O COMANDO NAZISTA. Página 3 Música BIOGRAFIA REVELA A TRAJETÓRIA DE SUPERAÇÕES DE ÍCONE DO ROCK PESADO . Página 5 Letras ESCRITOR DESTACA A DIVERSIDADE DA COLEÇÃO BIBLIOTECA CAPIXABA. Páginas 10 e 11 Artes cênicas PERFORMANCE PROPÕE REFLEXÃO A PARTIR DA FUSÃO DE DANÇA, MÚSICA E TEMPEROS. Página 12 TEÓLOGO COMENTA LIVRO QUE TRAZ NOVAS DESCOBERTAS SOBRE O SANTO SUDÁRIO Páginas 6 e 7

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Pensar é um suplemento veiculados aos sábados no Jornal A Gazeta, do Espírito Santo

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VITÓRIA, SÁBADO, 21 DE JULHO DE 2012

www.agazeta.com.brPensar

Uma questão de fé

EntrelinhasJORNALISTARELATA AVIDA CULTURALDE PARISDURANTE OCOMANDONAZISTA.Página 3

MúsicaBIOGRAFIAREVELA ATRAJETÓRIA DESUPERAÇÕESDE ÍCONE DOROCK PESADO.Página 5

LetrasESCRITORDESTACA ADIVERSIDADEDA COLEÇÃOBIBLIOTECACAPIXABA.Páginas 10 e 11

Artes cênicasPERFORMANCEPROPÕEREFLEXÃOA PARTIR DAFUSÃO DEDANÇA, MÚSICAE TEMPEROS.Página 12

TEÓLOGO COMENTA LIVRO QUE TRAZ NOVASDESCOBERTAS SOBRE O SANTO SUDÁRIO Páginas 6 e 7

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_1.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 20:50:56

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2PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,21 DE JULHODE 2012

marque na agenda prateleiraquempensa

Carol Rodriguesé editora de Mundo de A [email protected]

Gilbert Chaudanneé escritor e pintor.

Helder Salvadoré padre reitor do Seminário Maior da diocesede Cachoeiro e professor de Filosofia eTeologia. [email protected]

Herbert SoareséestudantedocursodeHistóriadoCentroUniversitárioSãoCamilo. [email protected]

Nayara Limaé escritora e graduanda em Psicologia pelaUfes.www.nayaralima-versoeprosa.blogspot.com

Ronald Z. Carvalhoé consultor de empresas e [email protected]

Regina Lúcia Pinto Rangelé professora aposentada e presidenta daAcademia de Letras Humberto de [email protected]

Francisco Aurelio Ribeiroé professor e escritor. Membro da AcademiaEspírito-Santense de Letras. [email protected]

Flávia Dalla Bernardinaé advogada,bailarina e escritora.www.tubodeensaios.com.br

Grandes EsperançasCharles DickensO último romance deCharles Dickens (1812-1870)conta a história de Pip, umórfão de família humildeque ao receber umaherança renega o passado e

muda-se para Londres para tentar inserir-sena alta sociedade. Através dos dilemas doprotagonista, discutem-se questões comoimoralidade, culpa, desejo e desilusão.

704 páginas. Companhia das Letras. R$ 37

Uma Breve Históriada FilosofiaNigel WarburtonTrata-se de uma jornadapela história da filosofia,que começa com Sócrates,há cerca de 2.500 anos, ese estende a nomes como

Kant, Maquiavel e Nietzsche. A partirdessas vidas peculiares levantam-seperguntas éticas que se mantêm atuais.

264 páginas. L&PM Editores. R$ 42

Luzes da África – Paie Filho em Buscada Alma deum ContinenteHaroldo CastroAo lado do filho, o jornalistae fotógrafo percorreu 40mil km por terra no

continente africano, descortinando ariqueza cultural e geográfica da região, semrecorrer aos clichês da miséria e da guerra.

574 páginas. Civilização Brasileira. R$ 64,90

Os Anos de Fartura –China 2013Chan KoonchungA busca de um escritor pelascausas de uma amnésiacoletiva é o ponto de partidadesta ficção que convida oleitor a refletir sobre a China

de hoje e sobre o preço da felicidade.

280 páginas. L&PM Editores. R$ 44

CampusO atual cenário da comunicação em debateOrlando Guilhon, Edgard Rebouças e Max Dias são ospalestrantes do seminário “Observações” – Qual seu papel nademocratização da mídia?, dia 26 de julho, às 19h, no Auditóriodo Centro de Artes, na Ufes. Em debate, o papel do cidadão naconstrução de uma nova relação entre mídia e sociedade.

LiteraturaInscrições para novas acadêmicasA Academia Feminina Espírito-Santense de Letras (AFESL) recebeinscrições, até 31 de agosto, para preenchimento de duas vagasna instituição. Mais informações: http://afesl-es.ning.com/.

14de agostoLeonardo Brantfaz palestraem VitóriaO jornalista, consultor epesquisador cultural vaifalar sobre jornalismocultural no seminárioSustentabilidade paraComunicadores, das 9h às12h, no Radisson Vitória.O evento é promovidopelo SindiJornalistas-ES.As inscrições, gratuitas,podem ser feitas a partirde 1º de agosto, pelowww.sindijornalistases.org.br.

24de agostoObras de Dionísio Del Santo em CachoeiroQuinze trabalhos do artista plástico (1925-1999) integram aexposição “Dionísio – Um encontro no infinito”, em cartaz até 24de agosto, na Sala Levino Fanzeres, no Centro de Cachoeiro deItapemirim. Visitação de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.

José Roberto Santos Nevesé editor do Caderno Pensar, espaço para adiscussão e reflexão cultural que circulasemanalmente, aos sábados.

[email protected] ENIGMA CRISTÃO

Considerado a mais valiosa relíquia do cristianismo, oSanto Sudário permanece como um mistério e até hojedivide cientistas, historiadores, religiosos e escritores.Por diversas vezes, o manto que teria envolvido o corpode Jesus crucificado teve sua autenticidade contestada.Coube a um historiador de arte agnóstico reabrir adiscussão sobre o pano sagrado que se configurou comopeça principal do surgimento do cristianismo. No livro“O Sinal – O Santo Sudário e o Segredo da Ressurreição”,Thomas de Wesselow defende que a Ressurreição e o

Sudário estão relacionados e se esclarecem mutua-mente, como afirma o padre Helder Salvador no artigode capa desta edição. Professor de Teologia e Filosofia,padre Helder faz uma leitura aprofundada das questõeslevantadas pelo historiador, mas aponta que a suaprincipal contribuição é estimular o crente a repensar osconceitos teológicos por meio dos quais se expressa. “ARessurreição para o cristão não é uma questão de prova,mas de experiência de fé”, observa o religioso. Um temasempre urgente e atual para se ler e Pensar.

Pensar na webTrailer do livro “O Sinal”, vídeos doMetallica, poema de Edgar Allan Poe, fotosdo livro “Paris, a festa continuou” etrechos de livros comentados nestaedição, no www.agazeta.com.br

Pensar Editor: José Roberto Santos Neves; Editor de Arte: Paulo Nascimento; Textos: Colaboradores; Diagramação: Dirceu Gilberto Sarcinelli; Fotos: Editoria de Fotografia e Agências; Ilustrações: Editoria de Arte; Correspondência: Jornal

A GAZETA, Rua Chafic Murad, 902, Monte Belo, Vitória/ES, Cep: 29.053-315, Tel.: (27) 3321-8493

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_2.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 21:07:29

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3PensarA GAZETA

VITÓRIA,SÁBADO,

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entrelinhaspor CAROL RODRIGUES

A FESTA PARISIENSENO TEMPO DE HITLER

REPRODUÇÃO

PARIS, A FESTA CONTINUOU– A vida cultural durante aocupação nazista, 1940-4Alan Riding. Tradução:Celso Nogueira e RejaneRubino. Companhia dasLetras. 464 páginas.Quanto: R$ 54 (livro) eR$ 38 (e-book)

Talvez seja um dos exemplosmais memoráveis do com-portamento de um cidadãodiante da ocupação de seupaís pelo inimigo estrangei-ro: o Capitão Renault, per-

sonagem de Claude Rains no clássico“Casablanca”, de 1942. Na trama, entreum deslize ético e outro, há quem con-siga enxergar um certo desconforto nasentrelinhas, mesmo que de uma formabem-humorada, na relação do perso-nagem – um oficial francês – com asautoridades nazistas que dominavam na-quele momento não só a França, mastambém o Marrocos, então um pro-tetorado francês no Norte da África (oque não deixa de ser uma ironia, o filmese passar num país ocupado por um paísocupado). Na produção, filmada no calordos acontecimentos da Segunda GuerraMundial, fica clara a malícia do per-sonagem, que aparenta uma total amo-ralidade, e cujo comportamento flutuaentre o colaboracionismo das atitudes e,gostaríamos de acreditar, a resistência deespírito. Dá para se chamar mesmo demalandragem essa postura ambígua,destinada mais a salvar a própria pele -muitas vezes visando alguns privilégios -do que a batalhar pelo bem comum dapátria expropriada.

Com foco estrito no universo das artes eda intelectualidade francesas, o jornalistanascido no Brasil Alan Riding (um filho debritânicos que já trabalhou para a AgênciaReuters e jornais como o “Financial Ti-mes” e “New York Times”) evoca aqueleque foi um dos períodos mais trágicos dahistória recente da Cidade-Luz no livro“Paris, A Festa Continuou - A Vida CulturalDurante a Ocupação Nazista, 1940-4”(Companhia das Letras). Quando, na Se-gunda Guerra Mundial, os tanques ale-mães adentraram as ruas da cidade quefora musa de tantos escritores e artistas noinício do século passado, a festa móveldescritaporErnestHemingwaycontinuoua se desenrolar. O Estado francês, então,ficou restrito a uma zona não ocupada,com sede na cidade de Vichy. Só que essafesta era estimulada pelo comando na-zista, que controlava com mão de ferrotoda a produção artística do período daocupação. O mercado de arte não seestagnou, a produção de cinema – des-tituída de seus “mecenas” judeus, porconta das perseguições – tampouco foiinterrompida. A produção literária sofreupressões, e aqueles que não resistiramcontinuaram a ser publicados. Em meio atudo isso, teatros, salas de concerto e cafésmantiveram a sua efervescência, dentrodos níveis toleráveis pelos ocupantes.

O autor, que realizou uma abundante

pesquisa repassada nas 464 páginas dolivro, ocupa-se mais com o comporta-mento intermediário dos personagens no-tórios que povoam a obra, sem deixar decontextualizá-los com o momento his-tórico. Claro que houve aqueles que serecusaram a participar da festa. Mas hámenos preto, menos branco, e mais tonsde cinza, nesse controverso espectro com-portamental que vai do colaboracionismoà resistência. E há muitos nomes ilustres.Expõe as atitudes daqueles que ficaramna cidade, como Jean Cocteau, AlbertCamus, Pablo Picasso, Jean-Paul Sartre,só para citar uma ínfima parte das ce-lebridades que aparecem em toda a obra.O último, encarado historicamente como

um resistente notório durante a ocu-pação, é pintado com tintas em tonspastel: segundo Riding, ele soube apro-veitar as oportunidades, sem, no entanto,se envolver tanto assim com a resistência.Continuou trabalhando e sendo publi-cado, inclusive por uma editora, a Gal-limard, que mantinha sua produção ba-seada nas relações com o poder vigente.Já Picasso, o pintor de “Guernica”, sobvigília constante, preferiu uma posturamais passiva, dedicada à pintura.

Com a libertação, os comportamentosengajados ou não foram expostos aopúblico e julgados, com justiça ou não.Nesse sentido, essa inércia de boa parteda inteligência francesa da época – deformação notoriamente cosmopolita na-quele momento – serve como reflexãopara os comportamentos humanos dequalquer período, quando sob algum tipode opressão. O próprio Riding diz que ainspiração para o livro veio das ditadurasda América Latina – o Brasil, entre elas –,já que ele trabalhou na cobertura dosregimes militares da região nos anos 70.O que ele fez nesta obra é uma espécie depatrulha ideológica tardia? Muitos po-dem achar que sim. Mas ao mesmotempo ele consegue mostrar que, jul-gamentos à parte, o contraditório sempreexistiu e resistiu na atitude até da-queles mais engajados.

TRECHO“Alguns estrangeiros tinhamencontrado em Paris um tipodiferente de liberdade. QuandoEdith Wharton se mudou para aFrança pouco antes da PrimeiraGuerra Mundial, a escritoraGertrude Stein já recebia amigoscomo Picasso e Matisse noapartamento que dividia comsua companheira lésbica, AliceB. Toklas. Nas décadas de 1920e 1930, Stein se transformounuma espécie de madrinha da“geração perdida” dos escritoresamericanos, especialmente deErnest Hemingway, ThorntonWilder, John Dos Passos, EzraPound e F. Scott Fitzgerald. Ela eseu irmão, Leo, estavam entre osprimeiros colecionadores deobras de Picasso e Matisse.”

A Grande Galeria do Louvre vazia dias antes da invasão alemã da Polônia

Pablo Picasso (centro), Simone deBeauvoir (à esquerda de Picasso),Albert Camus (acariciando ocachorro) e Jean-Paul Sartre, àdireita de Camus: produçãointelectual sob o controle nazista

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_3.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 20:29:52

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Para escritor norte-americano, mais do que delírio ou arrebatamento romântico, o poemacorresponde a um teorema onde tudo é calculado para provocar no leitor a epifania poética

estudos literáriospor GILBERT CHAUDANNE

EDGAR ALLAN POE: A POESIACOMO MATEMÁTICA DO IMPOSSÍVEL

Até recentemente e aindahoje, se tem no Brasil e emoutros países a imagem dopoeta como uma espécie desonhador desligadão darealidade e salpicado de

boa dose de sentimentalismo. Às vezes,um jovem apaixonado escreve poesia edepois nunca mais, nevermore, como“dizia” o corvo de Edgar Allan Poe. Apoesia seria ligada à juventude e ao amor;numa primeira aproximação, não estátotalmente errado, mas, numa segundaaproximação mais madura, a poesia pre-cisa de algo que pode ser da ordem de –paradoxalmente – uma certa lógica. Opoeta tem mais a ver com o matemáticodo que com o estereótipo do boêmiobêbado tipo Vinicius de Moraes. Há umrigor na poesia, que não é da ordem do 2+ 2 = 4, mas que pode criar uma outralógica, onde 2 + 2 = 5. A poesia está láonde o milagre do impossível é possível –pelo menos dentro do seu próprio círculopoético. A poesia quebra os “círculosviciosos” e os abre para entrar numcanudo de círculos abertos que vão cons-tituir uma espiral de sentido, um jogo deeco onde algo se repete, mas de umamaneira diferente, é o eterno retorno deNietzsche reorientado por Deleuze, por-que, segundo ele, o que retorna é adiferença – daí o leve deslocamento quedá a espiral, espiral que é espiritualização(Teilhard de Chardin). O sentimento nãoé excluído, mas tem o momento no qualele se cristaliza (como Stendhal fala arespeito do amor) e assim sai do estado degeleia para entrar na transferência rei-ficada. O sentimento é mais poderoso seele se tornar objetivo no símbolo (EdgarPoe – O Corvo).

ObjetividadeÉ um grande erro pensar que a poesia

tem que ser sentimental. A poesia temmais a ver com a matemática e até com amedicina – porque ela alcança um altograu de objetividade, ao contrário do queos leitores comuns pensam, e um alto graude saúde. Edgar Allan Poe escreve umpoema ontológico e antológico: “O Corvo”(The Raven), e depois um texto, “Filosofiada composição”, onde explica como fa-bricou logicamente esse poema: mostran-do que o poema é a elaboração de umverdadeiro teorema! Edgar Poe mostra

que a poesia não tem nada a ver comaquelesarrebatamentos românticos,oudovate grego, do poeta visionário – ilu-minado (Rimbaud). A poesia não é delírio,

é uma matemática onde tudo é calculadopara provocar no leitor a epifania poética.Primeiro tem que fisgar o leitor – o tema, oque é mais sedutor que o tema do amor, da

morte, e do amor + a morte = a morte damulher amada. A partir daí, o leitor jáabriu o peito. E no amor se trabalha com oolhar, asolhadelas–meolhequenãoestoute olhando, e reciprocamente, até que,num certo momento, os olhares se cru-zam, e é o relâmpago e logo depois acristalização, e essa cristalização é o poe-ma: eu te amo na geometria do cristal.Quem diria que o espírito de geometria(Pascal) fizesse parte da poesia e nãosomente da matemática ou da filosofia.

No Brasil, um poeta como João Cabralde Melo Neto aderiu a essa poesia “ma-temática” com “maestria” igual à de umoutro poeta matemático: Paul Valery.Aliás, a matemática não tem nada a vercom a ciência e tudo a ver com a poesia.Na ciência, se usa a matemática comolinguagem eficiente, mas a matemáticaem si não tem compromisso nenhum coma tangibilidade dos fenômenos. É umaatividade gratuita – um puro jogo lógico, enão visa a furar a pele do fenômeno paradescobrir as leis da realidade. A ma-temática é um jogo, mas, como todo jogo,tem regras. A poesia é exatamente isso -um jogo do qual resulta uma verdadeiraequação: o poema com sua lógica interna.Isso é muito nítido na poesia de JoãoCabral de Melo Neto, que cria um ver-dadeiro raciocínio poético. O ponto devista do poeta é unitário como o domatemático e nesse ponto as coisas dei-xam de ser percebidas como antagônicas eterminam se casando num jogo, que é umjogo da verdade. E todo mundo sabe que averdade não é quadrada mas redonda. Eassim o mundo que existe pode ser con-siderado apenas como um dos mundospossíveis, entre outros mundos possíveis.O impossível de Rimbaud é o jogo com-binatório de todos os mundos possíveis.

A poesia não é uma flor, a não ser queseja uma flor de cristal – que existerealmente no Saara e que é chamada emfrancês de “rose des sables” (rosa dasareias) e é um conjunto de cristaisordenados de tal maneira que pareceuma rosa. Talvez o deserto seja ne-cessário para esse desnudamento quasemístico (o Saara sobretudo) para poderpromover uma eclosão de cristais: floreseternas que combinam o amor (a flor)com o conhecimento (o cristal), e essaflor de amor-conhecimento só florescena extrema pobreza de ser eu, nu ebelo como o Saara.

Poe, autor de “O Corvo”: “poema antológico e ontológico”, segundo especialista

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_4.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 20:33:11

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5PensarA GAZETA

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pelos fãs, como “Creeping Death” e “FightFire with Fire”.

No terceiro disco, “Master of Puppets”(1986), para muitos considerado o seumelhor trabalho – inclusive para o autordestas linhas –, a banda voltou-se para otema da manipulação. A complexa fai-xa-título descreve o poder exercido pelasdrogas sobre o corpo e a mente humana.Inspirada no filme “Um estranho no ni-nho” (1975), estrelado por Jack Nichol-son, “Welcome Home (Sanitarium)” abor-da a angústia de um interno de ma-nicômio que acompanha impotente asatrocidades cometidas no lugar. “Dispo-sable Heroes” fala dos jovens soldados quesão ceifados nas guerras, e “Leper Mes-siah” ruge contra os falsos religiosos queenriquecem com o mercado da fé.

IndependênciaO autor destaca a independência com a

qual o Metallica conduz sua arte, sem seprender a rótulos ou se importar com aopinião alheia. Prova disso foi a opção degravar baladas, algo inadmissível para osheadbangers xiitas, e a adesão aos vi-deoclipes, a partir da clássica “One”, de1988. No entanto, o livro também apontaas contradições da banda, e a principaldelas talvez tenha sido a rejeição aobaixista Jason Newsted, substituto de CliffBurton. Newsted acabou pagando a contapela morte trágica do primeiro baixista dabanda, sendo humilhado pelos demaisintegrantes, a ponto de seu baixo ter sidolimado na mixagem do álbum “...AndJustice for All” (1988). O tratamentoperturbador dado ao novo baixista e osproblemas existenciais da banda foramexpostos publicamente no documentário“Some Kind of Monster” (2004).

Com narrativa leve e comentários téc-nicos sobre discos e canções, Paul Stenningdestaca ainda a capacidade de reinvençãodo Metallica através das décadas. Após omaterial longo e complexo de “...AndJustice for All”, por exemplo, a bandavoltou à cena com o multiplatinado “Ál-bum Preto” (1991), marcado pela ca-dência e simplicidade, reflexo direto daparceria com o produtor Bob Rock. Emesmo a saída conturbada de JasonNewsted foi compensada pela entrada deRobert Trujillo, em 2003, dando sequênciaa uma trajetória gloriosa que continua aser escrita com tintas ferozes, como opúblico brasileiro pôde conferir no Rock inRio4,emsetembrode2011.Umadevoçãoao som pesado que pode ser sintetizada naletra de “Whiplash” (1983): “Nós nuncairemos parar/Nós nunca terminare-mos/Pois somos o Metallica”.

METALLICA ALL THATMATTERS – A HISTÓRIADEFINITIVAPaul Stenning. Benvirá.Tradução: Bernardo Araújo.392 páginas. R$ 39,90

falando de músicapor JOSÉ ROBERTO SANTOS NEVES

AS GLÓRIAS E OSFANTASMAS DO METALLICA

Estocolmo, madrugada de 27de março de 1986. Após maisuma noite intensa de show ebebedeira, os músicos e aequipe do Metallica viajavampara Copenhague no ônibus

que conduzia a banda durante a turnê doálbum “Master of Puppets”. Apesar dosucesso iminente, o transporte e as con-dições de trabalho eram precários, e osintegrantes resolveram sortear nas cartas omelhor local para dormir. Por uma dessasarmadilhas do destino, o baixista CliffBurton tirou o ás de espadas e decidiutrocar de lugar com o guitarrista KirkHammet. Ao amanhecer, com a pistacoberta de gelo, o motorista perdeu ocontrole do veículo, que tombou perto deumaribanceira.OcorpodeCliff foi ejetadopela janela, sendo esmagado pelo ônibus.

A passagem acima, que traumatizou oscomponentes do Metallica e fãs em todo omundo, é um dos pontos altos do livro“Metallica All That Matters – A históriadefinitiva”, de Paul Stenning. Autor de 24biografias sobre bandas de rock comoIron Maiden, Guns N’ Roses e AC/DC, ojornalista mergulhou na trajetória de su-perações daquele que se tornou o maiorícone do heavy metal contemporâneo,levando um gênero considerado malditopela mídia a um patamar inimaginávelem termos de popularidade. Ao longo de30 anos de carreira, o Metallica vendeumais de 58 milhões de discos e impôs seuestilo pesado e libertário sem abandonarseus princípios, ainda que muitos tor-cessem o nariz para sua fase em meadosdos anos 90, quando os músicos cortaramos cabelos e fizeram discos comerciaiscomo “Load” e “Reload”.

RadicalismoPara contar essa saga vitoriosa, o autor

pesquisou a infância dos integrantes dabanda e descobriu que o guitarrista evocalista James Hetfield cresceu sufocadopelo radicalismo religioso dos pais, se-guidores de uma doutrina chamada Ciên-cia Cristã, para a qual a combinação deDeus, espírito e homem servia como pla-taforma para a cura. Devido à crença dospais, James não podia ter aulas de saúde,biologia ou educação física. Alvo de bul-lying, buscou refúgio na música, paraonde canalizou todo o seu rancor pelacriação severa. Por sua vez, o bateristadinamarquês Lars Ulrich vinha de umafamília de classe alta e sonhava seguir ospassos do pai como tenista, até descobrirque a baixa estatura comprometeria suacarreira esportiva. Felizmente, abraçousua outra paixão, a música, decisão que o

tempo mostrou ter sido acertada.Como se sabe, o círculo se fechou com

o baixista Cliff Burton e o guitarrista DaveMustaine, demitido da banda devido aosexcessos com álcool – e não deve ter sidopouca coisa, porque nos anos 80 os carasentornavam cachoeiras de vodka. Para oseu lugar foi recrutado Kirk Hammet,ex-Exodus, que colaborou para formatar asonoridade única do Metallica.

Enquanto a maioria dos grupos deheavy metal ocupava-se com cruzes in-

vertidas, blasfêmias e letras sobre a IdadeMédia, o Metallica olhou atentamente aoseu redor e constatou que o inferno pareceser aqui. Além do som pesado, agressivo,marcado por guitarras faiscantes, vocaismelódicos e bateria em formato de me-tralhadora, a banda passou a usar as letrasde músicas para expor seu desconfortodiante do mundo. Assim, o segundo ál-bum, “Ride the Lightining” (1984), girouem torno da inevitabilidade da morte,trazendo faixas até hoje reverenciadas

REPRODUÇÃO

O Metallica em 1986, com o baixista Cliff Burton (ao fundo): trajetória de superações

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7PensarA GAZETA

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6PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,21 DE JULHODE 2012

PROFESSOR DE TEOLOGIA E FILOSOFIA ANALISA LIVRO QUEPROCURA REPENSAR A RESSURREIÇÃO E O SANTO SUDÁRIO

religiãopor PADRE HELDER SALVADOR

A IMAGEMRENOVADA DOCRISTIANISMO

Autor de “O Sinal”, o historiador Thomas Wesselow defende a autenticidade do Sudário, baseando sua teoria na análise de passagens bíblicas e debates sobre os resultados obtidos por cientistas

REPRODUÇÃO

Na interpretação do autor, a relíquia cristã representou para os apóstolos a prova fundamental da Ressurreição de Cristo

Foi publicado em português onovo livro de Thomas deWesselow, “O Sinal – O San-to Sudário e o Segredo daRessurreição”, que defendeideias próprias sobre o nas-

cimento do cristianismo.A obra procura repensar a Ressurreição

e o Santo Sudário. Sua estrutura é muitosimples: depois de apresentar os doistemas na primeira parte, analisa os in-dícios históricos sobre a Ressurreição nasegunda. Em seguida, na terceira parte,examina o Sudário e os vários debatescientíficos e históricos a seu respeito. Naquarta parte, explica como o Sudário e aRessurreição podem estar intimamenterelacionados, propondo uma inversão narelação e na compreensão, sobretudopara aqueles que defendem a auten-ticidade do Sudário. Nas outras partes, fazuma narrativa tentando recontar os pri-mórdios do cristianismo de acordo com aideia central da obra.

O autor toma como tese de seu discursoque os dois mistérios, Ressurreição e Su-dário, estão relacionados e ambos mu-tuamente se esclarecem. O seu objetivoconsiste em apresentar de forma clara,num jeito novo, revolucionário e polêmico,a compreensão do surgimento do cris-

tianismo. Como historiador da arte, nãocomo teólogo e nem como especialista noNovo Testamento, aborda a questão apartir de uma perspectiva própria, usandoum dos métodos da história da arte quetem por objetivo fazer uma síntese dosdados obtidos a partir da análise da obra,no caso o Sudário. Constrói um discursoque visa apresentar o surgimento do cris-tianismo a partir da interpretação quesupostamente os apóstolos fizeram doSudário, lendo assim a partir dele osacontecimentos pascais.

O “Sudário” é uma tira de linho quemostra a imagem de um homem queaparentemente sofreu traumatismos fí-sicos de maneira consistente com a cru-cificação e que teria, supostamente, sidousado para envolver o corpo de JesusCristo após sua morte. Cientistas, pessoascrentes, historiadores e escritores diver-gem com respeito ao local, à data e àmaneira como a imagem do Sudário foicriada. Muitas pessoas acreditam que asmarcas presentes no Sudário são impres-são do corpo de um homem, enquantooutras dizem se tratar de uma falsificaçãobem feita. Wesselow defende a auten-ticidade do Sudário, baseando sua teoriana análise de passagens bíblicas e debatessobre os resultados obtidos por cientistas,

entre eles o teste do Carbono 14 que oteólogo Joe Martino e a estudiosa SueBenford alegaram, em 2.000, ter sido feitoem uma área remendada do lençol naIdade Média e não no tecido original. Emsua interpretação, o Sudário foi a provafundamental para os apóstolos de Cristoda sua Ressurreição; esta teria sido a“aparição” feita por Jesus ao ressuscitar epor isso se configura como peça principaldo surgimento do cristianismo e de seucrescimento de fiéis no século I.

Em sua argumentação, Wesselow afir-ma que “após a Páscoa, a primeira preo-cupação dos guardiões do Sudário teriasido determinar o que acontecera comJesus, e o que estava prestes a acontecer atodos os demais. Presumiram que Jesustinha sido ressuscitado, e deve ter sidoimensamente reconfortante para eles sa-ber que pelo menos Daniel previra o tipode Ressurreição que haviam testemu-nhado. Isso lhes confirmava a interpre-tação inicial do Sudário”.

ReviventeDe acordo com o autor, o Sudário é real

e fez contato com o corpo de Cristo, poréma imagem impressa no pano enganou osApóstolos, fazendo-os crer que Cristo tinha

voltado à vida; a Ressurreição seria, naverdade, uma ilusão de ótica. “Os pri-meiros cristãos teriam visto a figura doSudário, portanto como uma forma dopróprio Jesus, ela teria partilhado de suaidentidade, e ele teria partilhado de suasuposta vivacidade. No entendimento de-les, o Sudário não representaria Jesusmorto e sepultado, mas tornaria presenteuma espécie de Jesus vivo – um Jesusrevivente.Emoutraspalavras, seoSudáriosurgiu na Judeia do século I, teria sidointerpretado como uma espécie de Res-surreição”, diz Wesselow.

O autor defende a teoria de que namente dos contemporâneos de Jesus, aimagem no Sudário teria sido algo muitoalém de suas experiências normais. Eleargumenta que “eles viram a imagem nopano como uma nova vida para Jesus” eque, “naquela época, as imagens tinhamuma forte influência psicológica, e eramvistas como parte de um plano distinto daexistência, algo que tinha vida própria”.“Pense em toda a experiência dos após-tolos… Foram para o túmulo três dias apósa crucificação, à meia-luz, e vendo que aimagem que surgia no pano usado para oenterro”. Portanto, se há dúvidas sobrea Ressurreição, o sustentáculo da fécristã fica comprometido. >

Olivro, comoopróprioautordiznoprefácio, não é acadêmico, traz uma

perspectiva própria enquanto historiadorde arte e é dentro desse contexto que deveser lido e interpretado, deixando uma

palavra mais consistente quanto à au-tenticidade ou não do “Sudário” à co-munidade científica, pois a Igreja Católica,detentora dessa peça de linho, não emitiuopinião de sua autenticidade. A posição

oficial é a de que a resposta deve ser umadecisão pessoal do fiel, ao mesmo tempoque convida as comunidades científicas acontinuar a investigação.

Por outro lado, se a morte é a certeza, a

imortalidade é a esperança: tenaz afir-mação da vida contra o fim implacável,pensamento(possível)da filosofiaperanteo problema capital, crença (universal) dareligião diante da obscuridade do que nãofaz sentido. A Ressurreição é a formaconcreta que, em continuidade com atradição bíblica, essa esperança assumiuno cristianismo. Forma intensa e preo-cupação central, alimentada sem dúvidapelo tremendo drama da morte de Jesus.

PolêmicaA Ressurreição tem estado no foco da

atenção e no centro de polêmica. Umapolêmica que se aviva cada vez queaparece uma nova tentativa de crítica,revisão ou atualização, como é apre-sentada pela obra de Wesselow. Diantedisso, não é bom nem produtivo deixar-searrastar ou fascinar pelo movimento dasuperfície sem perceber a corrente defundo que o produz. A fé para ser vivanecessita de uma contínua atualização,pois somente assim deixa de ser teoriaabstrata para se converter em experiênciaefetiva. A Ressurreição, justamente porseu caráter central, necessita disso comespecial intensidade.

É importante, num processo reflexivoda fé religiosa, superar a “sacralização” deconceitos teológicos recebidos como seesses conceitos fossem “imóveis” e a fédependesse completamente deles. Pararefletir eficientemente a fé, faz-se ne-cessário levar em consideração o ConcílioLateranese IV, que orienta que quandofalamosdeDeus,adessemelhançaentreosnossos conceitos e a sua realidade é maiorque a semelhança, como também o prin-cípio tomista que diz que “o fim do ato defé não é o conceito, mas a própria coisa”.

A obra de Wesselow contribui indi-retamente para refletir a fé, não nas afir-mações que faz de forma não acadêmicasobre o Sudário e a Ressurreição, masenquanto estimula o crente a “repensar” osconceitos teológicos por meio dos quais seexpressa e, no caso da fé na Ressurreição,para que se torne hoje um pouco maissignificativa culturalmente e um poucomais vivenciável religiosamente, visto que,para os cristãos, Cristo está vivo hoje, suapresença é real e com ele só tem sentidouma relação atual. A Ressurreição para ocristão não é uma questão de prova,mas de experiência de fé.

>O SINAL - O SANTOSUDÁRIO E O SEGREDODA RESSURREIÇÃOThomas de Wesselow.Tradução: DeniseBottmann, Donaldson M.Garschagen e BeriloVargas. Companhia dasLetras. 512 págs. R$ 39,90(livro) e R$ 27,90 (e-book)

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_6.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 20:14:07

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patrimônio históricopor HERBERT SOARES

A TRADIÇÃO VIVA DE MUNIZ FREIRECasarões preservam a história política, cultural e esportiva do município, através de suascaracterísticas arquitetônicas, móveis centenários e galeria de fotos de personagens ilustres

ACERVO DA CASA DA CULTURA DE MUNIZ FREIRE

Praça de Muniz Freire, no início do século XX, com o casarão da Família Mignone ao fundo; ao lado, a construção em 2012

Aconstrução que mais sedestaca na Praça AntônioGuizzardi, no centro deMuniz Freire, é o que seconhece hoje por Casa daCultura. Esse belo casarão

foi construído em 1927, inicialmentepelas mãos de Pedro Deps e depois porAntônio Campanharo. Segundo o es-critor Carlos Brahim Bazzarela, em “AHistória de Muniz Freire”, os primeirosproprietários foram comerciantes locais,e depois o mesmo foi adquirido peloEstado, funcionando ali a COFAI e aColetoria Estadual.

O casarão encontra-se hoje em poderda prefeitura municipal e o seu estadode conservação é ótimo. No ano 2000,toda construção foi restaurada atravésde uma parceria entre a prefeitura e aempresa Samarco. Passado o restauro,a mesma foi reinaugurada em 22 deabril de 2000.

Suas características arquitetônicassão bem peculiares, destacando-se porsua beleza e vivacidade. Conta com doisandares. O casarão é todo pintado na corsalmão, com alguns detalhes em branco,e suas portas e janelas são verdes. Naparte frontal do primeiro andar, há duasportas grandes de madeira e quatrojanelas, sendo duas de cada lado daporta. A fachada do segundo andarsegue o mesmo estilo do primeiro, comduas portas grandes e quatro janelas. Adiferença entre as duas é que, no se-gundo andar, há uma pequena varanda,de onde se avista a Praça Antônio Gui-zzardi. O interior é todo pintado debranco. Nos fundos há um jardim comalguns bancos, que recebeu o nome deAbgail Maria Mota Areas. No primeiroandar funciona o museu municipal, comdiversos objetos e fotografias de grandevalor histórico para o município. Naescada que dá acesso ao segundo andarexistem duas homenagens. Na paredeesquerda estão as fotos dos membros doGrupo dos Onze do município; já aparede direita homenageia os ex-com-batentes que lutaram na Segunda Guer-ra Mundial.

Chegando ao segundo andar, as pessoasse deparam com a história política eesportiva do município. Logo na entradadesse pavimento, há uma galeria com asfotosdosex-prefeitos.Nessemesmoandar,outra galeria de fotos presta homenagem

aos munizfreirenses ausentes nº1. Esseespaço prima muito pela história esportivado município, com especial destaque parao troféu de campeão capixaba de futebolda primeira divisão, conquistado pelo Mu-niz Freire Futebol Clube, em 1991. Valedestacar o belo auditório, com capacidadepara receber 60 pessoas sentadas.

O acesso ao local é gratuito, fun-cionando de segunda a sexta-feira, das12h às 18h.

Família MignoneSem dúvida alguma, o casarão mais

impactante de Muniz Freire é a atualresidência da família Mignone. Po-dem-se buscar as fotos mais antigas dacidade, e lá estará o imponente casarãonuma praça ainda sem as enormes ár-vores do nosso tempo.

O casarão foi construído para a fa-mília de Giuseppe Vivacqua, sendo pos-teriormente adquirido pela família DeBiase. O encarregado da obra foi Fran-cesco Tallon. Na década de 50, foiadquirido por Américo Mignone e,atualmente, como foi dito no início,

ainda pertence à família Mignone.Não se sabe a data exata de início e

término da construção, mas dados co-letados com os atuais proprietários, queforam repassados por Eunice Vivacqua,neta do primeiro proprietário, trazem ainformação de que o casarão foi cons-truído em 1889. Na Casa da Cultura deMuniz Freire existem fotografias do iní-cio do século passado que registram ocasarão na praça central do município. Éimportante dizer que o primeiro pro-prietário, o imigrante italiano GiuseppeVivacqua, era avô do senador, jurista eimportante político capixaba Atílio Vi-vacqua, nascido na praça onde se lo-caliza o casarão.

Está localizado de frente para a PraçaDivino Espírito Santo e com a lateral paraa Rua Américo Mignone, 148, na partemais movimentada da cidade. É a únicaconstrução do século XIX que sobreviveuao tempo e, com certeza, ainda é a quemais se destaca no centro da cidade.

Desde sua construção até os atuaisdias, o casarão serve como moradia nosegundo andar e, no térreo, como pon-to comercial. É de se admirar o seu

impecável estado. Para coroar a his-tória do município, os poderes com-petentes deveriam criar um cartão-pos-tal da casa, incentivando assim o tu-rismo e a preservação de outras cons-truções históricas.

Há no casarão alguns móveis cen-tenários que pertenceram à família deGiuseppe Vivacqua em 1889, como umaescrivaninha, um cofre e uma pá demadeira usada para cortar polenta. Maso que mais chama a atenção é um filtrode pedra preta com a inscrição “Ri-beiro”. Segundo Eunice Vivacqua, essainscrição remete a Eduardo G. Ribeiro,sendo então a mesma inscrição que estána fachada do Teatro Amazonas.

Por fim, vale destacar o empenho e adedicação dos atuais proprietários. Quan-do entrevistados, é muito fácil observar oamor que possuem pela casa. Mais de umséculo após a sua construção, deve-selembrar de todos os que moraram elutaram para preservar esse patrimônioda cidade, e parabenizar, em especial, osatuais proprietários Elvira, Paulo e Sônia,e os demais familiares, que tantocuidam do casarão.

HERBERT SOARES

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_8.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 20:04:21

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VITÓRIA,SÁBADO,

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poesias

DESABAFO DEUM CABOCLOREGINA LÚCIAPINTO RANGELNoite alta! Céu que brilhaCoruja no toco. Medo no peito.Boi no pasto. Silêncio na roçaVento que uiva. Sonho desfeito.

Nas conversas ocultas! Palavras quedoemSaudade matreira não quer ir emboraSoluço que aperta! Que apertamachuca.Só há um caminho. Chorar com aviola.

Caboclo carente! Amores ocultosOlhares perdidos. Solidão traiçoeiraNoite sem lua, céu carregado.Vida sem jeito! Tristeza certeira.

crônicas

AMARELOpor NAYARA LIMA

Gosto do piso em porcelanato. Nadatenho com a estética estampada nasrevistas de decoração que deixam donasde casa sonhando com gavetas e cortinasperfeitas. Minha única atenção por agoraé para o piso. Gosto dele tanto que neleme sento para escrever o texto. Gostodele tanto ao ponto de gostar dele apenasaté aqui, de modo que quando eu forembora do piso, nada me entristecerá.Falo de um gostar sublime, que nãoaprisiona. Ele reflete para mim tudo oque está fora. Se o senhor ou se a senhoratem o piso em porcelanato, observe comoacontece. Toda a iluminação do dia, e atéas formas do concreto do prédio vizinho,surge, de cabeça para baixo, nos seus pés.É o espelho do fora para o dentro e vocêsobre ele. Uma graça. Não faço pro-paganda para os vendedores de piso em

porcelanato, mas para o grande encontroque se pode ter com o mundo refletido decabeça para baixo, na sua sala. É incrível.Se o seu piso não tem essa vantagem, nãose preocupe. Ele há de ter outras. Eu, porexemplo, tenho visto vantagens enormesem tudo que é chão. O paralelepípedo équase um elemento sagrado no cotidianoda minha história. Foi na rua cobertadele, toda a minha infância. Todo omachucado do momento em que se corree se esquece. Toda a lembrança de que seestá distraído. Diz Guimarães Rosa que“a felicidade se acha é em horinhas dedescuido”. Pois é.

Saudade da topada de quando era fimde tarde e se corria porque alcançar abola era o objetivo de maior importância.Bendito paralelepípedo que me fez cho-rar e tentar, a partir daí, ser a que falava

com mais rapidez o nome dele.O azul do céu agora ficou embaixo, e

as janelas dos demais prédios na Praiade Itapoã vão existindo enquanto asdescrevo sobre o azul. Minha irmã, aprimeira grande atriz de teatro que viem cena, me ensinou que para ser atriz épreciso não ter pudor. Creio que para serescritora se peça a mesma condição.

O amarelo, portanto, surge em luzforte, como um farol alto nos olhos danoite. Minha cachorra sacode o pelocaramelo sobre a porcelana clara de sole nuvem. Não me espanta ter que varrerdepois. O pelo, o sol e a nuvem acon-tecem no concreto de enquanto existo.Gosto da poeira no paralelepípedo, atéque ele brilhe na chuva de inverno.Contemplo a calçada com marca dequem pisou brincando enquanto a mas-sa não estava ainda no ponto. Varro opelo sabendo que depois retorna, comoem ciclo, e acho bonito. Bonito quandoo palhaço derrama tinta sem querer nalona do circo. Os meninos riem. Émelhor assim.

O chão perfeito seria morto.

HOMENAGEM A RUBEM BRAGApor RONALD Z. CARVALHO

De repente, no meio da noite eu acordocom uma angústia estranha, sem ne-nhuma explicação. Acendo um cachim-bo, leio uma velha crônica de Braga,aquela que fala da despedida dos aman-tes, o relógio marca silenciosamente qua-se duas horas da madrugada.

Será insônia? Ou simplesmente nãotenho sono, medo de dormir, talvezseguramente uma vontade de escreversem saber muito o que dizer.

Há muitos anos jurei nunca escreversobre a falta de assunto. Isto posto,escrevo sobre um assunto que aindanão sei, vou descobrindo as palavras àmedida que o computador as desenhana tela e puxando o cachimbo semmuita vontade e com medo da dor degarganta suave que começa no fundoda boca. Afinal, para quem, como eu,passa a vida escrevendo, esta noite deinsônia não é tão difícil assim.

Ah! Velho Braga. Se eu soubesseescrever tão bem como você os meussonhos de simplicidade, se eu soubesse

contar estórias de passarinho ou deestranhas mulheres bonitas, morenas edesconhecidas... A noite seria mais cur-ta, com certeza, e eu não sofreria tantocom esta angústia inexplicável e vadiaque me rouba o sono.

Talvez se fizesse menos calor, ou se eufosse um homem mais simples, sem di-nheiro, sem terapia, sem filhos, e tivesseapenas um cachorro que deitasse ao pé deminha cadeira enquanto escrevesse bo-bagens para serem lidas por velhinhosaposentados no jornal da manhã. Se eutivesse tido a bênção, com que tantosonhei, de viver de escrever, sem muitasambições que não fossem comer e beberum pouco a cada dia que passa.

Mas não. Sonhei demais, amei demais,vivi intensamente demais tantas angús-tias, inexplicáveis ou não, em tantas noi-tes de insônia, que me tornei uma criaturacomplexa, esquisita. A cabeça semprecheia de poemas de outros poetas, umapretensa cultura que me traz, em certosmomentos, muitas coisas boas. Mas que

muitas vezes também me deixa sozinhono meio da noite com a angústia deCampoamor de não saber escrever. Ouescrevendo coisas inúteis como esta crô-nica sem graça.

Crônica de um cronista bissexto, quejamais terá a grandeza de Rubem Bragaou Carlinhos de Oliveira, e que, noentanto, não perde a teimosia e a ilusãode ser sublime.

Abro a janela, ouço um carro passar aolonge, o barulho do vizinho de cimatambém insone. Ou será da linda meninaque estuda à noite, ou do cachorro a quemesqueceram do lado de fora da porta?

Eu sou o cachorro que esqueceramdo lado de fora da porta e que não latee não reclama.

Apenas abana o rabo e espia com ocanto do olho as luzes da noite se es-vaírem até se apagarem por completo.

Por tudo isso, boa noite, velho Braga!Já passou das duas da manhã e eutenho que acordar muito cedo, apenaspara recomeçar a sonhar.

MENINOAh! Menino...Quão demorada foi a tua voltaO ingrato relógio me ludibriouFez-me esperar sem dar esperançaQuase que meu coraçãoNão mais suportou

As lágrimas caíam lentamenteDeixando um sulco de profunda dorEu estava triste e tão solitáriaQuerendo ser alada como um condor

E de repente aporta no caisUm barquinho frágil com ummarinheiroEu quase sem fôlego acreditavaÉ o meu menino, o sonso, o forasteiro

Não, não era verdade eu me enganeiForam os olhos d'alma que me fizeramverO meu eterno e único namoradoAquele homem que me fez morrer.

AGONIAQue agonia ver a partidaDe um barco pro alto-marA sensação de angústia é grandeParece que não voltará

Mas as ondas dóceis e amigasLá vão levando o barquinhoO pescador solitário cantaReza pro vento, sozinho

A noite linda encantaA solidão dá o foraO homem que fugiu de seu portoEle é tão feliz agora...

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_9.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 20:02:12

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VITÓRIA,SÁBADO,

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letraspor FRANCISCO AURELIO RIBEIRO

BIBLIOTECA CAPIXABA, ARIQUEZA DE UMA COLEÇÃO

Em 2009, fui procurado peloseditores da Nova Alexandria,de São Paulo, Rosa e PauloZuccheratto, para coordenaraorganizaçãodeumasériedelivros sobre o Espírito Santo e

escritos, em sua maioria, por escritorescapixabas. Naquele ano, as secretarias deEducação e de Cultura lançavam um beloprograma chamado “Leia, Espírito San-to”, com várias ações destinadas ao in-cremento da leitura, principalmente entreos alunos do ensino fundamental. A edi-tora acreditava nesse mercado, os es-tudantes de primeiras letras, e sabia daquase inexistência de livros informativosou literários destinados a esse público.

Em agosto de 2009, apresentamosaos gerentes da Secretaria Estadual deEducação o protótipo do projeto e elesficaram muito interessados. Um “ex-celente produto” foram as palavras ou-vidas, o que motivou a editora a con-cluir uma pequena tiragem dos livrosaté setembro, para dar início ao pro-cesso burocrático de venda para a Se-du; esperava-se, também, vendê-los pa-ra as Secretarias Municipais de Edu-cação e, pelo menos, as da grandeVitória foram procuradas: Vitória, VilaVelha, Serra. No entanto, o ano acabou,mudaram-se os governos, nenhumacompra foi feita, a editora arcou com o

prejuízo de um investimento sem re-torno e a maioria dos livros não foipublicada. Somente cinco saíram, poisfaziam parte de alguma outra coleçãoda editora: “Canaã, em cordel”; “Meuquerido diário”, “Que panela esquisita,Vovó Rita!”, “História de uma esca-daria” e “Luta armada no Brasil”.

No entanto, os autores não se con-formaram em não ter seus livros pu-blicados. Depois de muita insistência comos editores, eles se convenceram de rea-lizar a edição de uma pequena tiragempara distribuição nacional e de promovero lançamento dos 12 títulos em Vitória, oque ocorreu na noite do dia 04 de julho,com a presença de todos os autores,excetuando Yedda de Oliveira, na Bi-blioteca Pública Estadual. Agora, os livrosestão circulando, na expectativa de quesejam lidos, pois de que adianta escrever epublicar livros, se eles não chegarem aoseu destinatário, o leitor?

MatizesEm síntese, um pequeno resumo do

que tratam os livros e o motivo principalpor que foram feitos. O Espírito Santo éum Estado cuja riqueza histórica é re-fletida em sua cultura de vários matizes.Da antiga capitania governada pelo do-natário Vasco Fernandes Coutinho até os

Os 12 títulos da coleção trazem aspectos importantes das tradições do Estado, incluindo personagens históricos, manifestações populares e estudos sociológicos

dias de hoje, há muita história para contardo Estado que foi chamado por Ziraldo de“o ateliê de Deus”. Um pouco destahistória está retratada na coleção “Bi-blioteca Capixaba”, que reúne desde in-fantojuvenis até abordagens históricas,novelas e biografias, com ênfase na in-terdisciplinaridade e na interface entrehistória e literatura.

Colonizado pelos portugueses a partirde 1535, o Espírito Santo conserva no seunome as marcas da tradição católica. Dosjesuítas, o mais famoso foi o padre José deAnchieta (1534-1597), que escolheu oEstado para sua última morada. Do tra-jeto que fazia a pé da aldeia de Reritiba,cidade que hoje tem o seu nome, até oColégio dos Jesuítas, em Vitória, onde foienterrado, surgiu a tradição dos Passos deAnchieta, contada em uma novela juvenilpor Francisco Aurelio Ribeiro. Do séculoseguinte ao da colonização portuguesa,há a extraordinária história da jovemMaria Ortiz, provavelmente a primeiraheroína brasileira, que liderou a popu-lação de Vitória contra a invasão dosholandeses, em 1625. Quem conta ahistória é a escadaria que, hoje, tem o seunome. Escrita por Neusa Jordem Possatti,a aventura de Maria Ortiz é rememoradano belo livro “História de uma escadaria”,cujas ilustrações são assinadas por Va-leriano, em um rico trabalho de re-

constituição histórica. E, da tradição dosíndios tupiniquins, ficaram a arte e atécnica de fazer a panela de barro, di-fundida no bairro de Goiabeiras, emVitória, sem a qual não existiriam a famae o sabor da moqueca capixaba, famosaem todo o Brasil. O trabalho das pa-neleiras de Goiabeiras foi reconhecidopelo IPHAN, e é um dos patrimôniosimateriais do povo brasileiro. A história dapanela de barro, contada a partir daexperiência de Luci, uma menina quevisita a avó, que mora em Vitória, pode serlida em “Que panela esquisita, vovó Ri-ta!”, de Ercilia Simões Braga, com ilus-trações de Adriana Ortiz.

Voltado também para o segmento in-fantojuvenil, o livro “Meu querido diário”traz ternas lembranças da infância deYedda Moraes, de Cachoeiro de Itape-mirim. As passagens mais marcantes sãorecontadas por meio de bordados daprópria Yedda, que assina o livro emparceria com seu filho Fabiano Moraes,em belo projeto gráfico de Jeasir Rego.Outra grande riqueza do Estado são astradições populares, em suas mais va-riadas manifestações, estudadas por Gui-lherme Santos Neves e Maria Stella deNovais. As “Lendas do Folclore Capixaba”se originaram da profunda miscigenaçãoocorrida no Espírito Santo entre ín-dios, negros e portugueses, daí sua

riqueza e diversidade retratadas emcordel pelo Marco Haurélio, poeta

popular e folclorista. Em cordel também éa adaptação de “Canaã”, obra-prima doescritor maranhense Graça Aranha, peloconsagrado repentista Geraldo Amâncio,que narra os primórdios da imigraçãoalemã no Espírito Santo.

Para o mesmo público, o renomadoescritor Luiz Guilherme Santos Nevesescreveu dois livros que abordam fatoshistóricos de grande importância para acompreensão da atual realidade do Es-tado. Duas histórias fascinantes traz orelato de dois episódios da história local,de grande dramaticidade. O primeiro, “Arevolta do Queimado”, trata da históriareal do grupo de escravos que, duranteum ano, trabalhou na edificação de umaigreja, esperando, em troca, a alforria, quenão veio. O segundo revive a epopeia deBernardo José dos Santos, o CabocloBernardo, que, na madrugada do dia de 7de setembro de 1887, arriscou sua vidapara salvar a tripulação do CruzadorImperial Marinheiro, um dos mais novosbarcos da Marinha de Guerra Brasileira,que se chocou contra o pontal sul da barrado Rio Doce.

Escrito por Vanda Luiza de SouzaNetto, o livro “Os povos que formarama minha terra: índios, negros e por-tugueses” descreve quem eram os pri-meiros habitantes da terra, enfocandoo choque cultural e de interesses queformou a base do povo capixaba. Aautora reconta a trágica história dosíndios botocudos, que, mesmo sendoexcelentes guerreiros, não resistiramao invasor português, resultando emmassacres e emboscadas. A busca pormão de obra gratuita levou os por-tugueses a trazerem, da África, tribosinteiras, reduzidas, no Brasil, à con-dição de escravos.

As demais etnias formadoras do povo edefinidoras da identidade capixaba foramarroladas por Francisco Aurelio Ribeiroem “Os povos que formaram a minhaterra: alemães, italianos, tiroleses, suíços,poloneses, holandeses e pomeranos”. Aobra relata, de forma esclarecedora, aimigração dos vários povos da Europa,além dos libaneses, que, entre os séculos19 e 20, escolheram o Espírito Santocomo a sua nova terra. Fala das di-ficuldades e do desbravamento e co-lonização das terras capixabas, mostran-do também sua importância na formaçãocultural e histórica do Estado.

No mesmo campo, a história, des-taca-se a obra “Luta armada no Brasil”,que faz um balanço crítico da fase em quea firmeza das convicções políticas tirou demuitos jovens a condição humana. Escritopelo capixaba Vitor Amorim de Angelo,este livro essencial traz indagações comoesta: como não se sensibilizar com ossacrifícios pessoais dos que pegaram emarmas para lutar? Atrás de cada partido,cada organização, cada sigla, havia ho-mens e mulheres, pessoas de carne e osso,que sentiram na pele a dureza da vidaclandestina, do isolamento social e darepressão do regime de exceção que, por21 anos, infelicitou o Brasil.

Maria Stella de Novaes, Augusto Rus-chi e Paulo César Vinha são “Os amigos daterra” biografados por Silvana Pinheiro,em um livro que mostra que a luta pelapreservação da vida e da natureza temgerado, ao longo do tempo, discussões edebates acalorados, principalmente por-que a causa ambiental confronta inte-resses econômicos e a noção distorcidaque se tem do progresso. Este livro narraa trajetória dessas três personalidadescapixabas cujo pioneirismo nas questõesligadas ao meio ambiente é motivo deorgulho para os brasileiros.

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EDSON CHAGAS

Em “Os amigos da terra”, Silvana Pinheiro Taets descreve a luta de Maria Stella de Novaes, Augusto Ruschi e Paulo César Vinha em defesa do meio ambiente

CHICO GUEDES

Vanda Netto pesquisou os habitantes que serviram de base para o povo capixaba

Escritor destaca a diversidade cultural da série de livros sobre o Espírito Santo, que reúneinfantojuvenis, folclore, novelas e biografias, com ênfase na interface entre história e literatura

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_10.PS;Página:1;Formato:(548.22 x 382.06 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 20:01:18

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12PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,21 DE JULHODE 2012

dançapor FLÁVIA DALLA BERNARDINA

RECEITA PARACOEXISTÊNCIATemperos, cheiros e estímulos sonoros que compõem performance contemplada em prêmioda Funarte são um pretexto para perguntar: de onde viemos e a que pertencemos de fato?

Não perca o XIX Festival Internacional de Inverno de Música Erudita e Popular deDomingos Martins.

Serão diversas apresentações de orquestras, recitais, corais, danças folclóricas eshow musicais com Dominguinhos e Falamansa, tudo gratuito nos palcos da cidade.

Também serão oferecidos cursos de instrumentos e prática musical comprofessores de renome nacional e internacional como Daniel Guedes, Fabio Zanon,Fábio Presgrave, Fernando Dissenha e Robertinho Silva.

Visite Domingos Martins, de 20 a 29 de julho, e faça parte desse espetáculo.

Confira a programação completa em www.festivaldomingosmartins.com.br

Receita” é o nomedo trabalho dedança/performan-ce de Julia Sala-roli, bailarina ca-pixaba, e Sezen To-

guz, performer turca, contemplado noprêmio de dança da Funarte – KlaussVianna – em 2011.

Julia, que é formada em dança pelaUnicamp, conheceu Sezen num cursode composição coreográfica em Lisboa,onde ficaram por dois anos. Segundoelas, Julia era uma brasileira querendoaprender inglês e Sezen uma turcaquerendo aprender português. O apa-rente vácuo na comunicação aproxi-mou as duas, e daí iniciou-se a pesquisaque hoje resulta na dança/performance“Receita”.

A estreia está marcada para o dia 23de julho e haverá ao todo 10 apre-sentações em espaços alternativos, co-mo a sede do Urucunzeiro e a GaleriaHomero Massena, ambos no Centro deVitória, e na Biblioteca Pública Estadual,além de apresentações nos campus daUfes de Alegre e São Mateus. Comdireção, produção e atuação das co-reógrafas independentes, o trabalhotraz quatro partes que dialogam comfronteiras, receitas e origens.

Mapa-múndiNo movimento que inaugura a per-

formance – “Mapa” –, as bailarinas secolocam diante de um mapa-múndi, cer-cado por diversos potes com especiarias egrãos. Elas experimentam atuar na di-mensão do espaço restrito, das barreirasimpostas, o que confere um desequilíbrioproposital aos movimentos. Depois, su-gerem a inscrição de uma nova car-tografia, utilizando os próprios temperose cheiros. Lançam mão da estrutura domapa para perverter a geografia.

Estímulos sonoros guiados pelos mú-sicos Marcus Neves e Sair Sinam Kes-telli agregam potência à experiênciasensorial proposta. Temperos e cheirose receitas são um pretexto para per-guntar: de onde viemos e a que per-tencemos de fato? Se somos sujeitosinterculturais, provenientes de cons-

tantes processos de miscigenação, po-demos afirmar que viemos daqui ousomos dali?

É justamente nesse sentido que ascriadoras atuam, sem deixar que essasquestões caiam na banalidade ou nasuperficialidade. É claro que o trabalhotende a amadurecer na medida em queentrar em contato com o público, já quea plateia não tem lugar fixo e podecircular livremente ao longo de todo oespetáculo – sair, voltar, experimentar.Ou seja, cada apresentação é uma novaexperiência, uma nova forma de seposicionar e de redescobrir o trabalho,tanto pelas bailarinas, quanto pelo es-pectador.

Esse é outro ponto trazido pela du-pla: os espaços que abrigarão as apre-sentações são, em geral, pequenos, in-timistas, com número limitado de pes-soas. A proximidade do público talvezseja um elemento determinante naconstrução de “Receita”, pois ele pre-cisa estar presente para se abrir aosestímulos e para se envolver com umoutro ritmo, um outro tempo. Essaproximidade também confere uma es-pécie de estado de alerta às bailarinas.Não há clímax, o desenrolar dos mo-vimentos é como um dia comum, in-cluindo todas as surpresas que ele podeoferecer a quem não o menospreza.

Sem movimentos excessivos ou vir-tuosos, é essencial perguntar o motivo ea intenção da ação e não somente o seuresultado. Antes que alcancem qual-quer resposta – ao que parece, não háessa pretensão – elas seguem uma re-ceita, como se assar um bolo fosseorientá-las de alguma forma, até mes-mo para reinventar fórmulas prontas,quebrar barreiras impostas ou se co-municar em línguas diferentes.

Se eu fecho meus olhos, posso ouvir,posso sentir cheiros, a presença da suavoz. Posso ocupar os espaços como seconstruísse uma cartografia própria, on-de cada passo é um território que aden-tro, uma lembrança da qual me aproprio,um lugar onde me reconheço. Nessemapa, açafrão pode ser terra, café podeser montanha, arroz pode invadir o mar.Nessa receita, os ingredientes nãosão substituídos...eles coexistem.

FLÁVIA DALLA BERNARDINA

Bailarinas farão 10 apresentações em espaços alternativos, a partir de 23 de julho

Documento:AGazeta_21_07_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_12.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:19 de Jul de 2012 19:57:45