pedro oliveira
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Universidade Lusíada Departamento de História de Lisboa
A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO
– A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL –
Pedro Andrade T. M. Oliveira
Seminário em História Diplomática – Monografia de final de curso, para a obtenção do grau de Licenciado em História
Regente: Professor Doutor Carlos Motta
2001
A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3 1 – Portugal na conjuntura do Pós-Guerra .......................................................... 5 1.1 – As primeiras respostas do Estado Novo à nova ordem mundial ............... 5 1.2 – Visões menos optimistas? .............................................................................. 11 1.3 – Posição de Salazar relativamente ao Leste .................................................. 12 2 – As políticas da Defesa no Pós-Guerra: as raízes da NATO .......................... 14 2.1 – A tradição atlântica na vertente luso-britânica .......................................... 14 2.1.1 – Portugal e o Mar – breve introdução histórica ........................................ 14 2.1.2 – A vertente luso-britânica ............................................................................ 23 2.1.3 – Os Anos 30 ................................................................................................... 24 2.2 – A inflexão da política militar na aproximação à Alemanha ...................... 25 2.2.1 – As relações com Espanha e a política de neutralidade ............................ 31 2.3 – A aproximação ao fim da Guerra ................................................................. 35 2.4 – Pós-guerra, os EUA e a antevisão de Salazar ..............................................44 2.5 – A política de defesa Ibérica: entre Londres e Madrid ................................ 49 2.6 – A Inglaterra e a defesa de Lisboa ................................................................. 50 2.7 – A inércia dos novos conceitos de defesa: a antecipação política ................ 52 2.8 – A importância estratégica das bases intermédias: Os Açores ................... 55 2.8.1 – Os Açores no Pós-Guerra ........................................................................... 62 2.8.2 – Da Europa aos EUA: a extensão de uma ameaça .................................... 63 2.8.2.1 – De 49 a 53: quatro anos de segurança norte-americana ...................... 65 2.8.3 – As Lajes na ponte das operações para o Médio-Oriente ......................... 67 2.9 – A "Doutrina Truman" e o bipolarismo: Guerra Fria ou paz quente? ..... 69 2.9.1 – Na esteira da "Doutrina Truman". O "Plano Marshall" ....................... 73 2.9.2 – A evolução do armamento, uns tantos números... ................................... 74 3 – O processo de adesão ao “Pacto do Atlântico” ............................................... 81 3.1 – A cooperação defensiva no pós-Guerra; background histórico ................. 81 3.2 – De Bruxelas a Washington ............................................................................ 82 3.3 – A difícil introdução de Portugal no panorama das negociações ................ 84 3.4 – Algumas considerações .................................................................................. 115 CONCLUSÕES ....................................................................................................... 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 136 ANEXOS ………………………………………………………………………….. 141 TÁBUA DE ABREVIATURAS ............................................................................. 147 FONTES .................................................................................................................. 150 PUBLICAÇÕES ELECTRÓNICAS …………………………………………... 150 BIBLIOGRAFIA (de carácter geral) ................................................................... 151 BIBLIOGRAFIA (de carácter específico) ......................................................... 152
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
INTRODUÇÃO
Dividido em dois blocos, o mundo do pós-Segunda Guerra Mundial vivera num clima
de tensão gerada pelo bipolarismo de raízes ideológicas antagónicas, capitalismo-
comunismo. O «equilíbrio pelo terror» e a entrada na «Guerra-fria» levaram os
Estados Unidos a procurarem expandir a sua influência ao Ocidente Europeu através
de uma aliança militar de «países ribeirinhos». Portugal, como país de profunda
tradição atlântica, não poderia deixar de se enquadrar na mira das negociações norte-
americanas.
Ao arrepio de preconceitos que, por vezes, tendem a afastar o pesquisador e o leitor
menos atento da verdade histórica, defende-se a tese da integração de Portugal na
NATO numa adaptação possível com a presciência ou antevisão por parte do Governo
e do Presidente do Conselho de Ministros, António de Oliveira Salazar, em particular,
não obstante algum receio inicial de uma aproximação de uma nação vincadamente
democrática a um regime então autoritário.
Pretende-se, também, mostrar a inércia que separava os políticos dos militares em
termos de conceitos estratégicos defensivos traçados entre 1944 e 1948. Ora, é
intenção provar que, quando da assinatura em Washington do então Ministro dos
Negócios Estrangeiros, Caeiro da Matta, o País estava já preparado para entrar na
coligação, preparação essa que se construiu ao longo do período a montante da
formação da NATO.
Por outro lado, é também objectivo avivar a consideração de que o preconceito ou
receio lusos relativos à aproximação norte-americana surgiram só, e durante pouco
tempo, quando da comunicação britânica de 6 de Outubro de 1948 a Portugal sobre as
conversações preliminares decorrentes em Washington, pelo que já era conhecida, 4
anos antes, essa intenção de aproximação.
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É, igualmente, de primeira importância a demonstração de que os Açores foram o
verdadeiro motor de arranque das negociações com Portugal, na medida em que o
objectivo primordial dos EUA com o Pacto do Atlântico se pautou na obtenção de
bases intermédias e avançadas para assegurar a sua própria defesa, mais numa política
geoestratégica defensiva do que numa movimentação desencadeada por divergências
ideológicas, se bem que na esteira da “Doutrina Truman”. Por isso, se debruçou este
trabalho com especial inclinação sobre a questão dos Açores.
Nestes trâmites, a obra, fruto de uma aturada pesquisa, dada ainda pelo Capítulo 1
uma introdução à evolução das Forças Armadas ainda desde os anos 30, apresenta-se
como análise das políticas de Defesa do pós-guerra e das suas relações com o Pacto.
Também se debruça o trabalho, de uma forma exaustiva, sobre a documentação
existente nos nossos arquivos nacionais, em especial – e no que toca à actividade
diplomática inerente ao Pacto do Atlântico – a encontrada no Arquivo do MNE.
Pretende, assim, ter o mérito de conseguir conjugar uma análise técnica e militar com
a diplomacia respectiva. Desta forma, neste abraço político-militar, o trabalho insere-
se no enfoque estratégico global, numa análise das relações bilaterais EUA-Portugal,
isenta e desprovida de motivações ideológico-partidárias.
Em jeito de conclusão, são tecidas algumas considerações sobre a posição portuguesa
na NATO na viragem para o Século XXI. Volvidos 50 anos de Aliança Atlântica e 25
de Democracia em Portugal, parece ser agora tempo suficiente para, com a
maturidade necessária a um trabalho deste género, distante da visão por vezes
regionalista do Estado Novo e da mentalidade revolucionária inevitável característica
da viragem para esta Terceira República, se proceder a uma análise aberta e plena que
não dispensa algo essencial: a visão global.
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1 – Portugal na conjuntura do Pós-Guerra
1.1 – As primeiras respostas do Estado Novo à nova ordem mundial
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o fechar das hostilidades perturbadoras de
que a Europa foi palco, a situação financeira de Portugal – em parte pela política de
baixa salarial adoptada pelo Governo do Estado Novo, ajudada por um ambiente de
neutralidade – era, contudo, positiva: grandes reservas de ouro, divisas e metais
preciosos acumulados pelo Banco de Portugal que apresentava avultados lucros e
importante liquidez, numa perspectiva económica de poupança.
Não obstante a prosperidade financeira e a aparente tranquilidade social, o fim da
Guerra possibilitou uma emergente tendência de afirmação democrática das massas
urbanas, como se demonstrou a 8 e 9 de Maio de 1945 em manifestações de
alacridade popular pela derrota da Alemanha nazi. Com as bandeiras das nações
aliadas, a população gritava vivas às democracias ocidentais, num esforço de
demonstração comprovada da sua superioridade política e moral sobre as ditaduras,
facto aproveitado pela oposição interna ao regime para avivar na população a
consciência de que, derrotadas as ditaduras do Eixo, ainda subsistia um regime
autoritário liderado por António de Oliveira Salazar.
Ante este clima de supremacia das nações vencedoras ocidentais, Oliveira Salazar
apercebia-se da necessidade de alterar, ainda que de um modo muito suave e
cauteloso, o seu discurso político e introduzir as necessárias alterações de índole
institucional com vista a assegurar a sobrevivência do Estado Novo.
No seu discurso de 18 de Maio de 1945, Salazar dizia que «a guerra foi conduzida
pelas potências aliadas sob a bandeira da democracia e do antinazismo, mas sempre
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[lhe] pareceu evidente que estes dois termos traduziam apenas as duas faces ou
aspectos da mesma concepção filosófica e política e não envolviam o ataque a formas
diversas de organização do Poder»1.
E refere dois grandes conceitos da doutrina nazista – o de Estado totalitário e o de
Estado hegemónico –, criticando que «certa dose útil de realismo (...), certa
subordinação conveniente das actividades humanas (...) caíram, por aberrações da
inteligência e falta de limites morais, em absurdos e exageros monstruosos.» Chamou
a esses exageros a «deificação do Estado». Finalmente, em defesa do próprio regime,
evidencia a sua discordância com esses mesmos princípios exacerbados, referindo o
discurso inaugural do I Congresso da União Nacional. Em conclusão, termina dizendo
que «se é indiscutível ter o totalitarismo morrido por efeito da vitória, a democracia,
tanto na sua definição doutrinária como nas suas modalidades de aplicação, continua
sujeita a discussões.»
Nunca tendo exortado o totalitarismo de Estado para o regime, Salazar, opondo-se aos
exageros do modelo nazi e às suas insígnias – totalitarismo, nacionalismo exacerbado
e expansionismo –, procurava tornar compatível com a nova ordem internacional,
regida sob os princípios da Carta do Atlântico2, o regime político da sua própria
concepção que, embora diferenciando-se do nazismo alemão e do fascismo italiano,
partilhava com eles, à escala nacional, determinados traços comuns.
1 V. Oliveira Salazar, Discursos e Notas Políticas, vol. IV (1943-1950), págs. 114-116. 2 Compromisso celebrado em Agosto de 1941, entre F. Roosevelt, pelos EUA, e W. Churchill, pela Inglaterra, a bordo de um navio de guerra no Atlântico, com o objectivo de definir princípios de liberdade e democracia, direitos humanos e direito dos povos à independência. O ponto 3º da Carta do Atlântico consagrava que os EUA e a Inglaterra respeitariam o direito dos povos à escolha da forma de governo que desejassem.
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A breve trecho, medidas de carácter político seriam anunciadas pelo Presidente do
Conselho. Em Agosto de 1945, Salazar, em sessão dos órgãos directivos da União
Nacional, prometia a dissolução da Assembleia Nacional e a realização de «eleições
tão livres como na livre Inglaterra». Em Setembro de 1945, promulgava-se a revisão
da Constituição de 1933, sendo a principal modificação o processo de eleição para o
órgão legislativo. A revisão constitucional de 1945, em contraste com a legislação de
1934 que obrigava a uma única lista num único círculo eleitoral que abrangia todo o
território nacional, procedia à criação de trinta círculos eleitorais correspondentes aos
distritos com a possibilidade de apresentação ao sufrágio de listas plurais.
Para além das anunciadas medidas tomadas no rescaldo da Segunda Guerra Mundial,
outras modificações como a concessão de uma amnistia e indultos para determinados
crimes contra a segurança exterior e interior do Estado, a institucionalização do
habeas corpus ou a extinção dos Tribunais Militares Especiais através da
reorganização dos Tribunais Ordinários, trouxeram uma nova «abertura
democrática»3.
Em Outubro, as comemorações do aniversário da implantação da República, na
capital e no Porto, haviam exigido a extinção do regime autoritário do Estado Novo.
Da sessão pública de oposição ao regime, em Lisboa, resultaria a criação do MUD,
união de esforços democráticos que pretendia ser considerado legal, de natureza
cívica, representante da oposição, e que, no seu próprio Manifesto, reclamava
determinados direitos com vista à honesta "democratização" das eleições marcadas
para 18 de Novembro: a liberdade de imprensa, reunião e propaganda, amnistias para
presos políticos e extinção do Campo do Tarrafal, além do controlo do
recenseamento, do acesso às mesas de voto e da própria fiscalização dos resultados.
3 V. A. H. de Oliveira Marques, Portugal e o Estado Novo., pág. 58.
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Porém, errado seria pensar que a estrutura do Estado Novo sairia completamente
modificada com esta nova abordagem democrática. A censura manter-se-ia, assim
como a habitual sinergia de forças de um estado totalitário: no mês de Novembro, a
PIDE4 apreendia uma das tipografias clandestinas do PCP onde eram impressos
múltiplos exemplares do jornal O Avante.
Oliveira Salazar não permitiria uma abertura democrática muito ampla,
ideologicamente consubstanciada no MUD, como tentava forçar a oposição ao
regime. O êxito do Movimento levaria à reunião de 12 de Novembro resultante da
necessidade de controlar os excessos das movimentações. O simulacro de eleições
livres de 18 de Novembro em que, de novo, sem concorrência eleitoral, as listas da
União Nacional elegeriam os 120 deputados à Assembleia Nacional, acabaria por
demonstrar que Salazar dera o dito por não dito. Todavia, o movimento democrático
que encontrara a sua base de acção no MUD não sucumbiria assim tão facilmente,
mas sempre continuaria vigiado de perto pela polícia política.
Oliveira Salazar, inteligente e cauteloso, sabia até onde podia ir sem que, com isso, a
linha directora da sua política e as exigências resultantes da nova ordem mundial
entrechocassem em natural desfavor do regime do Estado Novo.
Em Dezembro de 1945, na continuação dos acordos relativos à concessão de
facilidades nos Açores às duas potências ocidentais Inglaterra e EUA, seria assinado
com a potência ocidental vencedora um acordo respeitante à aviação civil.
4 Designada, em 1945, "Polícia Internacional de Defesa do Estado", autêntica polícia política, tivera a sua origem na PVDE ou "Polícia de Vigilância e Defesa do Estado". Exercia funções de perseguição e prisão dos opositores ao regime. Em 1969, seria alterado o nome para DGS ou "Direcção-Geral de Segurança".
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«Diferentemente da ditadura franquista em Espanha, o Estado Novo não sairia isolado
do período imediatamente posterior ao termo da Segunda Guerra Mundial (...) A
ditadura salazarista e o Estado Novo poderiam coexistir, sem problemas, com as
democracias ocidentais.»5
Ora, o início da «Guerra Fria» veio, consequentemente, «reforçar as ligações do
Estado Novo e de Portugal às democracias ocidentais desejosas de encontrarem
antídotos e políticas eficazes que pudessem, numa Europa que sofria
generalizadamente as consequências da Guerra, opor-se à expansão da URSS e,
sobretudo, dos partidos comunistas»6, levando as democracias ocidentais, de uma
forma geral, a retirar algumas reservas ao Estado Novo de Oliveira Salazar.
Relativamente ao Plano Marshall, se Portugal, a princípio, renunciara ao discurso de
George Marshall que pretendia auxiliar a Europa na sua recuperação
económica/financeira no pós-Guerra – dizendo Salazar que Portugal escapara
«incólume aos horrores da guerra» e sendo criticado pelos que «consideravam uma
ingenuidade a perda de tão boa ocasião de apanhar alguma coisa ao Tio Sam»7 –,
voltaria pouco depois com a sua palavra atrás; ora, se a balança de pagamentos de
Portugal e Colónias apresentava um superavit de 4.543 milhões de escudos em 1942
durante o conflito, já em 1947 a situação se tinha invertido, apresentando-se um saldo
negativo de 2.970 milhões de escudos8, sendo devido a um grande aumento das
importações pela crescente procura (nomeadamente, produtos agrícolas, pelos maus
anos de 1946 e 1947, e de máquinas industriais para o programa de industrialização
5 V. A. H. de Oliveira Marques, op. cit., pág. 61. 6 Ibid., pág. 63. 7 V. Marcello Caetano, op. cit., pág. 336. 8 Cf. Fernanda Rollo, Portugal e o Plano Marshall, pág. 236.
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lançado no final da Guerra) e a uma forte diminuição das exportações de certos
produtos sobrevalorizados durante a Guerra.
Note-se a política desenvolvimentista norte-americana de ajuda à reconstrução da
Europa Ocidental, acção que visava, a médio prazo, dinamizar a economia ocidental
de que os próprios EUA também faziam parte importante e dependiam. O Plano
Marshall resultou, de certa forma, do declínio do acordo financeiro de fins de 1945
entre a Inglaterra e a França – que visava a reconstrução financeira europeia – quando,
em Breton Woods, o dólar se sobrepôs à libra numa reconhecida impossibilidade
britânica de concretização dessa reconstrução.
Portugal aceitaria mesmo as ajudas dos EUA ao abrigo do Plano Marshall, cabendo-
lhe um total de 50 milhões de dólares, ainda que, por acção do Conselho de Ministros,
tivesse recusado fundos do primeiro exercício de ajuda.
Porém, só com a entrada efectiva de Portugal para a NATO o Governo do Estado
Novo reentraria, como iremos ver, plenamente, no concerto das nações. Isto, ainda
que Portugal não tivesse um regime democrático, o que, por si só, «não obstava à sua
entrada numa estrutura político-militar destinada a assegurar, no espaço geográfico
dominado pelo oceano Atlântico, a defesa das democracias.»9
9 V. A. H. de Oliveira Marques, op. cit., pág. 64.
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1.2 – Visões menos optimistas?
Opiniões de alguns autores, por ventura imbuídas de um espírito mais de “esquerda”,
poderão querer fazer parecer que «o chefe do Governo português jamais se adaptaria
ao desaparecimento do velho mundo anterior à Guerra ou compreenderia as novas
realidades e valores»10. Porém, se analisarmos os principais acontecimentos a jusante
do final do II Conflito até à década de 50, pelo menos, nem na adaptação nem em
compreensão Salazar e o Governo Português demonstraram distanciamento ou
dificuldade de acompanhamento da nova ordem mundial. Ora, se parece crível o facto
de o regime de o Estado Novo ter dado, pelo menos em forma, uma resposta
aparentemente adequada aos novos princípios pelos quais se passou a reger a nova
ordem mundial, aliás para garantir a sua própria sobrevivência – o que, por si só,
representa já uma adaptação – Salazar mantinha, naturalmente, as suas reservas
quanto à nova «época doentia»11 que se assomava e com ela trazia a «instabilidade
das ideias e dos sentimentos»12.
Há, pois, que inserir as afirmações de Oliveira Salazar no seu devido contexto e de
uma forma completa. Assim, tornar-se-ão mais claras à luz da natural instabilidade
por que o mundo do pós-Guerra se regia, num processo bipolarizado pela expansão da
influência da Rússia «imperialista»13, temida pelas nações ocidentais, pois não nos
esqueçamos que não era só para Salazar e para o Estado Novo que este mundo em
mudança representava uma ameaça.
10 V. Fernando Rosas in História de Portugal, José Mattoso, 7º vol., pág. 401. 11 V. Oliveira Salazar, Discursos e Notas Políticas, vol. IV, pág. 276. 12 V. Oliveira Salazar, op. cit., pág. 277. 13 Ibid., pág. 327.
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Uma época em que Salazar receava, igualmente, ver importantes perturbações
conduzidas sob a égide dos pontos defendidos na Carta das Nações Unidas, como
sejam os princípios da autodeterminação dos povos e da democracia que
representavam, respectivamente, uma afronta clara ao império ultramarino português
– pedra basilar da política externa do Estado Novo que via com preferência a
reconstituição da Europa apoiada na Inglaterra e em ligação aos impérios de além-
mar, nomeadamente a África – e ao próprio regime político que sofria já de uma certa
acosmia interna, sacudido pelas novas energias democráticas.
1.3 – Posição de Salazar relativamente ao Leste
Mas era a oposição do Leste que mais arrepiava o Ocidente e Salazar em particular:
«Acabada a Guerra, uma grande e poderosa nação continuou a aumentar e a
consolidar a sua força e afirmou, com a presença ou a ameaça desta força, um
pensamento que podia até certo momento ser considerado de prevenção e reforço da
sua segurança, mas, para além dele, só pode conceber-se como tendência imperialista
e de clara hegemonia. Refiro-me à Rússia.»14
Se bem que não parece haver dúvidas quanto ao facto de Oliveira Salazar não desejar
uma aproximação excessiva ao «imperialismo americano», uma vez que esta nação
defendia princípios ideológicos diferentes dos seus, tanto na forma de regime político
como em termos de política externa (questão colonial) ou até mesmo em questões
culturais, já a «Rússia» – assim como qualquer veleidade de oposição interna
comunista – era encarada como o maior dos males. Sempre o foi, muito antes do fim
do conflito.
14 V. Oliveira Salazar, op. cit., vol. IV, pág. 327.
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«As potências ocidentais consideraram com o esmagamento [incorrecto, no seu ponto
de vista] da Alemanha atingido o seu fim de guerra; a Rússia não, pois (...) alimenta
(...) o sonho da revolução mundial, de que é o máximo expoente e o mais sólido
apoio.»
E, contudo, Salazar acrescentava:
«O Mundo só poderia ganhar com a colaboração que ela pudesse dar à solução de
problemas gerais. Com uma condição evidente: que Moscovo deixasse de representar
o papel de inimigo de toda a ordem (...) e de fomentador de revoluções.»15
Ou ainda:
«O isolamento privaria o Mundo das vantagens que a colaboração russa podia dar-lhe,
sem o libertar completamente dos males da sua presença invisível.» Finalmente, «a
pior hipótese seria evidentemente a guerra.»16
Salazar parecia estar consciente de que a Rússia, como nação vencedora do Leste,
jamais deixaria de exercer uma sentida influência no mundo pós-conflito; sendo
assim, preferível seria a sua colaboração no panorama internacional, desde que
contivesse a sua típica política expansionista.
É, assim, também com a consciência de uma possível invasão vinda de Leste que
Oliveira Salazar anuiria, ainda que tardiamente, – como será analisado mais à frente –
ao convite dos EUA para entrar para a NATO.
15 Ibid., pág. 328. 16 Ibid., pág. 329.
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2 – As políticas da Defesa no Pós-Guerra: as raízes da
NATO
2.1 – A tradição atlântica na vertente luso-britânica
Portugal, banhado pelo Atlântico na sua extensão, «alma da Nação»17, na esteira de
uma longa tradição atlântica, tinha visto privilegiada, pelas Forças Armadas, até 1936,
a opção estratégica de defesa marítima, sendo a Marinha, naturalmente, a arma mais
atendida – opção estratégica que tem as suas raízes na expansão marítima portuguesa
iniciada pelo século XV, com repercussões no extenso Império Colonial tão defendido
pelo Estado Novo; política histórica, geoestratégica, análoga à optada, mais
tardiamente, pela Inglaterra no século XVIII.
2.1.1 – Portugal e o Mar – breve introdução histórica
O reinado de D. Dinis surge na História de Portugal como o importante "motor de
arranque" de uma política de fomento à actividade marítima. Esta política de
incentivos à navegação pode exemplificar-se no recurso generalizado de construções
navais nos estaleiros de Lisboa, Vila Franca de Xira, Santarém, mas também noutros
rios que, aliás, por esta altura, ainda se apresentavam navegáveis muito a montante
dos seus limites actuais. Esta condição levara, na Idade Média, a Coroa a preocupar-se
com possíveis invasões fluviais, principalmente no rio Tejo, importante linha
geográfica. Criou-se, neste reinado, a primeira bolsa marítima, ou bolsa dos
mercadores, em 1293, e armou-se uma frota de guarda-costas para defesa contra os
ataques da pirataria mourisca.
17 V. Jorge Dias, Os Elementos Fundamentais Da Cultura Portuguesa, pág. 16.
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D. Fernando continuou este percurso, sendo no seu reinado que se concretizou a
importante Companhia das Naus (1377), a primeira companhia de seguros marítimos.
Já em 1336 se efectuara uma expedição às ilhas Canárias sob D. Afonso IV, integrada
também por marinheiros genoveses.
Mas foi nos Descobrimentos que Portugal mostrou toda a sua força e saber. Livre de
lutas internas após a paz com Castela de 1411, com uma administração devidamente
centralizada, numa necessidade de defesa da costa algarvia, sequioso de ouro e
cereais, de conquistar terreno aos "infiéis" mouros, de controlar o cobiçado mercado
de especiarias oriental, desde as terras do Norte-de-África, e munido de
conhecimentos náuticos e, sobretudo, de uma preciosa ferramenta de navegação – a
caravela –, o País "lançou-se ao mar".
O grande mergulho de arranque, o que marcou o início da expansão portuguesa, num
mar ainda por explorar, desde a borda d'água da extensa «ocidental praia lusitana»,
deu-se em 1415 com a tomada de Ceuta no reinado de D. João I. Saliente-se o
importante contributo prestado pelo Infante D. Henrique – armado cavaleiro após a
conquista daquela praça do Norte-de-África, quinto filho de D. João I.
Foi também no reinado de D. João que foram descobertas as ilhas da Madeira e Porto
Santo; o escudeiro Gil Eanes, em 1434, dobrava o Cabo Bojador, abrindo as portas à
navegação para Sul. Diogo Cão, em viagens por finais do século XV, abria os
horizontes até ao Reino do Congo e, posteriormente, para a zona dominada por
N'Gola (posteriormente, Angola). O comércio com África crescia ao sabor de um
avanço imarcescível cada vez mais para Sul. As múltiplas campanhas do reinado d' "O
Africano" fizeram alargar os contactos comerciais, sociais e culturais com o Norte-de-
África. A feitoria de Arguim, importante entreposto comercial, fora mandada
construir pelo Infante D. Henrique em 1443.
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Embora os diversos autores não sejam unânimes em apontar a descoberta real dos
Açores – importante arquipélago tratado nesta obra –, até porque talvez a sua
descoberta não tenha sido feita num só tempo de uma forma integral, parece não ser
disparate afirmar que, pelo menos em 1452, as ilhas mais ocidentais Flores e Corvo
tinham já sido descobertas. Desde então se tornaram (as ilhas) importantes pontos de
paragem e base de apoio à navegação oceânica. Nelas passariam a lançar âncoras os
navios mercantes provenientes do "Novo Mundo". Ficaram os Açores conhecidos
como o ponto de apoio central do Atlântico para os navegadores.
Entre 1471 e 1472 chegaram às ilhas de S. Tomé, Príncipe e Ano Bom, João de
Santarém e Pêro Escobar.
Contudo, é inolvidável o facto de ter sido o reinado de D. João II o que mais
contribuiu para a expansão e importância da Nação pelo mundo. Um marco
importante, reflexo deste espírito aventureiro, foi o dobrar do Cabo da Boa Esperança
(1488) por Bartolomeu Dias e Pedro Infante, que validou a possibilidade de se
efectuar uma viagem marítima até à tão afamada Índia.
Paralelamente a Portugal, também a Espanha se debruçava no vasto oceano, sobretudo
com o apoio dos Reis Católicos à viagem de Cristóvão Colombo que se propusera
chegar à Índia navegando para Ocidente, tendo o Príncipe Perfeito declinado tal
inicial proposta, pois, segundo os cálculos portugueses, mais apurados (com erro de
apenas 34º, contra os 82º previstos por Colombo com o apoio dos Reis Católicos),
seria muito mais perto navegar para Oriente pelo Cabo da Boa Esperança. "El
Hombre" estava certo: Colombo, em 1492, chegaria às Antilhas convencido que tinha
acostado na Índia.
Por esta altura já Portugal e Espanha tinham ensaiado a partilha do mundo em duas
partes ainda muito incertas, através do Tratado das Alcáçovas (1479), confirmado um
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ano depois pelo Acordo de Toledo (1480), cabendo a Portugal a exploração do
Atlântico numa área a Sul do paralelo das ilhas Canárias.
Após as viagens de Colombo e os desentendimentos acerca da legitimidade das terras
recém-descobertas por estarem a Sul da linha das Canárias que motivaram o gizar da
Bula Inter-Caetera pelo papa Alexandre VI (1493), chegou-se ao Tratado de
Tordesilhas a 7 de Junho de 1494 que assentava, por vontade de D. João II, num
meridiano definido a 370 léguas a Oeste das ilhas de Cabo Verde, opção que, segundo
diversos autores, representa a prova de que Portugal sabia já da existência de território
na zona do actual Brasil, uma vez que a linha do Tratado passava precisamente nas
fozes dos rios Amazonas e Prata, supondo-se inclusivamente que navegadores como
Duarte Pacheco Pereira já por lá teriam passado.
Reflexo da superioridade científica portuguesa por esta altura suportada por uma
"doutrina de sigilo" – tese defendida por Jaime Cortesão – que procurara ocultar dos
outros povos a actividade marítima portuguesa. Com o Tratado de Tordesilhas,
Portugal e Espanha, "senhores dos mares" instauravam a doutrina do mare clausum,
por oposição ao mare liberum defendido pela Inglaterra e França, indignadas por não
terem sido incluídas nas negociações, chegando mesmo estas nações a desenvolverem
uma política de incentivo ao corso e à pirataria contra a marinha portuguesa.
Pedro Álvares Cabral chegaria mesmo ao Brasil numa viagem que hoje se pensa ter
sido intencionalmente traçada – contrariamente à tese do «descobrimento casual»
defendida pelos cronistas da corte do século XVI – no reinado de D. Manuel na
exploração de uma zona geográfica que havia suspeitas já com D. João II, como se
disse.
Inclusivamente, foram escritas as primeiras obras de carácter tendencialmente
científico, como o Esmeraldo de Situ Orbis de Duarte Pacheco Pereira, um primeiro
livro de síntese que consagrara o surto cultural, verdadeira e indelével prova de
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
inovação portuguesa: o «experiencialismo» do Renascimento que se atrevia a esbulhar
o «saber-livresco» da sua cátedra medieval, até então de primeira referência.
Com D. Manuel, Vasco da Gama chegava à Índia (1497), numa viagem também já
preparada no reinado anterior. A região de Moçambique foi também explorada. Com
a descoberta do caminho marítimo para a Índia, Portugal revolucionou a economia de
finais do século XV e do princípio do século seguinte, fazendo baixar drasticamente o
preço das especiarias que outrora entravam no mediterrâneo através das caravanas
muçulmanas que atravessavam as perigosas areias que circundavam o Golfo Pérsico e
o Mar Vermelho, entregues à sua própria sorte e sujeitas aos ataques de piratas e
salteadores. Portugal desviava, assim, as principais rotas comerciais do Oriente.
Estabeleceram-se importantes zonas de comércio como o Estado da Índia com capital
em Goa e foram nomeados governadores, alguns com o título honorífico de vice-reis
como foi o caso de D. Francisco de Almeida que partiu de Lisboa, em 1505, com mais
de vinte navios e milhar e meio de soldados em direcção ao Oriente pela "rota do
Cabo" com ordem de D. Manuel para a construção de fortalezas que servissem de
base às frotas de controlo do Índico, evitando assim a fuga dos produtos preciosos
pela antiga rota do Mar Vermelho em direcção ao Egipto ou pelo Golfo Pérsico em
direcção ao Líbano, principais portos de abastecimento dos comerciantes
intermediários venezianos.
Afonso de Albuquerque foi outro nome importante na história dos vice-reis,
conquistou Goa e Malaca e tomou Ormuz, pontos estratégicos de primeira
importância. É de referir a criação da Casa da Índia, sede do comércio e administração
do Ultramar português. Lisboa ultrapassava Veneza no comércio oriental, só
acompanhada mais tarde por Sevilha. Era a passagem da economia centrada no
Mediterrâneo para uma economia essencialmente atlântica.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Razão tem Virgílio de Carvalho ao afirmar:
«em termos geopolíticos (...) só parecerá ajustado a quem não estiver ciente de como
foi conseguida a individualidade de Portugal, pretender fazer crer que ele é um país
mediterrânico e do Sul, quando, para o formar e o preservar, e para lhe dar influência
no mundo, houve que o projectar bem para o meio do Atlântico Norte (...) fazendo-o
mais euroatlântico que ibérico...»18
Contudo, na formação da sua «individualidade» ou apogeu da "aventura portuguesa",
a sua projecção foi tanto para o Atlântico Norte como também foi para o Atlântico Sul
e para o Índico – sem os quais se não teria chegado à Índia, China ou Japão.
Portugal chegava ainda, através da sua expansão – não só pelo Atlântico mas também
pelo Índico –, até à China, sendo estabelecido em 1554 um acordo de paz, amizade e
comércio com Cantão pelas mãos de Leonel de Sousa, capitão-mor da marinha
portuguesa. Em 1557 era estabelecida em Macau uma colónia permanente portuguesa,
tornando-se na década de 80 o principal entreposto comercial com a China e o Japão –
o Zipango dos relatos de Marco Polo onde abundavam as míticas "cidades do ouro e
da prata" –, trocando-se a seda chinesa pela prata japonesa. Os portugueses também
descobriram o Japão (1543) primeiro que os outros europeus.
Ora, o Atlântico foi, em estreita ligação aos mares do Índico, a principal forma de
afirmação lusa no seu período áureo iniciado logo no século XV.
Também o facto de a capital Lisboa e do Tejo estarem situadas a meio do território foi
relevante, segundo Virgílio de Carvalho, para o êxito de Portugal na sua expansão
marítima: «a excepcional qualidade do porto de Lisboa; a que se junta a sua
localização central, que fez da capital uma autêntica 'Madrid interior' da unidade
18 V. Virgílio de Carvalho, A Importância do Mar para Portugal, pág. 91.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
estratégica constituída pelo descontínuo conjunto territorial português»19. Segundo
Jorge Dias, foi o estuário do Tejo, «esse forte abraço do mar com a terra, que
definitivamente presidiu aos destinos de Portugal.»20 Veja-se, a título de exemplo, as
múltiplas fortificações edificadas ao longo da barra do Tejo na defesa da Capital –
ponto de confluência de povos e embarcações provenientes de todo o Mundo,
navegantes das rotas do comércio internacional –, continuação de um projecto de
defesa tripartido iniciado com D. João II.
A defesa da costa e das barras dos principais rios foi tarefa essencial para uma nação
que se projectara no Oceano e que era frequentemente assediada por flibusteiros e
outros aventureiros em busca de fortuna. O forte de S. Julião da Barra, o forte redondo
de S. Lourenço da Cabeça Seca, juntamente com a Torre de Belém, e todos os fortes e
fortins da época da Restauração, são actualmente grandes símbolos militares da
tradição marítima portuguesa.
Note-se, ainda, a influência marítima bem patente nas formas artísticas renascentistas,
no estilo genuíno português – o Manuelino – ou mesmo na literatura portuguesa (Os
Lusíadas, de Luís de Camões).
Não obstante esta grande expansão que projectou o Império no topo do panorama
mundial em termos de influência e precursão, Portugal viria a perder gradualmente
grande parte dessa sua influência, nomeadamente com a crescente agressividade e
expansão holandesas e também devido a outras circunstâncias que se prenderam com
a gestão dos dinheiros do Reino e com o desvio da corrente aurífera brasileira para a
Europa do Norte, enfim, e com outros factores, ainda, que não serão aqui analisados
porque não é esse o propósito da obra.
19 V. Virgílio de Carvalho, op. cit., pág. 84. 20 V. Jorge Dias, op. cit.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
No século XVII, a Holanda tornar-se-ia no principal centro de economia-mundo com
projecção no Atlântico e Mar-do-Norte. A ela seguir-se-ia a vez de a Inglaterra
mostrar a sua maturidade nos mares, tornando-se, por sua vez, pelo século XVIII,
também no centro de economia-mundo, centrada no Atlântico.
Madeira e Açores, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Índia
Portuguesa, Brasil, Macau e Japão – os pilares do Ultramar português e da estrutura
política imperialista do Estado Novo, exceptuando os casos do Brasil (independente
em 1822) e do Japão.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Figura 1 – Mapa-Cartaz que mostra o Império Português no Estado Novo.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
2.1.2 – A vertente luso-britânica
A tradicional associação com a Inglaterra permitira «a ambos os países tirar partido
das relações comerciais e de segurança que foram estabelecidas»21; de facto, não
obstante um abrandamento das relações entre estes dois países do século XIV ao
século XVII, a vertente luso-britânica esteve presente, posicionando-se como sendo
uma das mais antigas e duradouras alianças internacionais.
Ambos os países desenvolveram uma expansão baseada no mar; veja-se o caso dos
EUA que, antes da sua independência, não eram mais do que uma colónia inglesa.
Assim, os relacionamentos entre Portugal e a Inglaterra, exceptuando raras excepções
como o ultimatum de 1890 suscitado pela questão do «Mapa côr-de-rosa» e motivada
por disputas territoriais de além-mar, quase sempre estiveram em harmonia
consolidada nas sucessivas alianças luso-britânicas. Veja-se a acção diplomática
desde o século XIV:
– 16 de Junho de 1373, entre D. Fernando de Portugal e a Inglaterra fazem tratado de
amizade e aliança defensiva e ofensiva na luta contra Henrique II de Castela;
confirmação da aliança de 1373 (Julho 1380);
– Entre D. João I e Ricardo II (9 de Maio de 1386) que estipula auxílio e socorros
mútuos perante tentativa de destruição de ambos os Estados (Windsor); a confirmação
de auxílio de 29 de Janeiro de 1642;
– Tratado de Whitehall de 23 de Junho de 1661;
– Tratado de Methuen de 27 de Dezembro de 1703;
21 V. Virgílio de Carvalho, op. cit., pág. 84.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
– Convenção secreta de 22 de Outubro de 1807 que previa a retirada da família real
para o Brasil, ante as invasões francesas; os acordos comerciais de 1832 e 1842;
– A intervenção da Inglaterra, ao abrigo da Quádrupla Aliança, para pôr termo à
guerra civil (21 de Maio de 1847); a confirmação de 14 de Outubro de 1899;
– O segundo tratado de Windsor de Dezembro de 1904; a anuência portuguesa ao
pedido britânico de apreensão dos navios estacionados em portos nacionais (17 de
Fevereiro de 1916) que precipitara Portugal para a Primeira Guerra Mundial;
– O relatório de 17 de Janeiro de 1917 que actualizava o velho mas sempre actual
pacto com a aliada Inglaterra.
Mas avancemos, agora, um pouco mais no tempo até ao século XX, para não fugir ao
tema da obra que está relacionado com a tradição marítima de Portugal.
2.1.3 – Os Anos 30
Em 1930 fora estabelecido um programa de defesa, de vertente atlântica, que
privilegiava a Marinha – onde se incluia o projecto para a construção das modernas
instalações do Alfeite como nova base da Marinha – e o seu rearmamento, numa
perspectiva de defesa da costa e das ligações marítimas com as Ilhas e o Império mas
fora de um quadro de beligerância efectiva, pois os meios técnicos não permitiam a
defesa eficaz de Portugal Continental e Império Ultramarino, pelo que havia a
necessidade de manter uma ligação com a (ainda) poderosa Inglaterra.
Em 1934, também a Aeronáutica do Exército recebera da Inglaterra 20 aeronaves De
Havilland DH-82 “Tiger Moth”, sendo depois fabricados nas OGMA, posteriormente
a partir de 1938, e juntamente com os Gloster Gladiator Mk II.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Por Abril de 1936, após a vitória da Frente Popular em Espanha, foi discutida a
necessidade da reorganização do Exército. O Major-General do Exército ordenava a
mobilização de destacamentos especiais para a protecção da fronteira no sentido de
evitar a passagem de «bandos» – como afirmara – não identificados para Portugal,
sendo a cobertura da mesma estudada pelo General Lobato Guerra ainda em Março –
quatro meses antes do começo da Guerra Civil de Espanha – e que previa a vigilância
da PVDE, GNR e GF22. Em Maio de 1936, Salazar tomou a pasta da Guerra e delegou
em Santos Costa a competência do rearmamento do País.
2.2 – A inflexão da política militar na aproximação à Alemanha
O desenvolvimento da Guerra Civil, iniciada ainda em 1936, condicionaria o
relacionamento entre Portugal e a Inglaterra. Perante a intervenção das potências
europeias na Espanha – Alemanha e Itália, França e Rússia – a Inglaterra optaria por
uma política de contenção, defendendo a não-intervenção, que não colocasse em
causa o processo de apaziguamento com a Alemanha, acabando somente por intervir
no mar.
Já Portugal apoiaria o lado nacionalista, posição divergente da britânica, situação que
se afiguraria funesta à aproximação a Inglaterra, nomeadamente em termos de
aquisição de armamento como defendia Armindo Monteiro. Junte-se-lhe o facto de o
equipamento militar britânico estar já desactualizado por esta altura, a prioridade
britânica no abastecimento interno em detrimento dos pedidos exteriores, e o próprio
receio de surgir aos olhos da diplomacia internacional como incoerente, uma vez que
declarara uma política não-intervencionista, sendo que o fornecimento de material
bélico a Portugal poderia pôr em causa a sua credibilidade. Ainda, afirma o
22 Embora eu não tenha tido acesso a este estudo, aqui fica a cota indicada por António Telo em obra supra citada, pág. 151: AHM, Chelas, Gabinete do Ministro, P.8 C.15.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
historiador António Telo que «as dificuldades na entrega de armamento são uma
forma de pressão sobre Lisboa, para que altere a sua política a respeito da Espanha»23.
Ora, degradadas as relações Portugal-Inglaterra, ainda que por curto período de
tempo, era agora a altura de alterar a rota da política externa de abastecimentos das
Forças Armadas. Então, a política da Defesa, abandonaria agora a Inglaterra como a
principal fonte de rearmamento.
Entretanto, era já conhecido o avanço técnico alemão na indústria bélica –
nomeadamente a dos armamentos terrestres. Potência hegemónica essencialmente
terrestre, encontrava-se num patamar de superioridade relativamente a Inglaterra,
essencialmente marítima. Surgia, então, a inclinação prática e concretizável do
estabelecimento de um acordo luso-germânico de importação de material bélico.
No primeiro trimestre de 1936, seriam enviadas missões de âmbito militar à
Alemanha com o propósito de auscultar vontades germânicas no fornecimento de
armamento a Portugal. Um relatório de 11 de Abril, do Ministério da Guerra, Secção
de Rearmamento do Exército, aponta que:
«a Missão do Oficial de Artilharia em visita aos Estabelecimentos produtores de
Material de Guerra foi recebida (...) na Alemanha, pela Reichsgruppe Industrie com
acolhimento digno de menção...»24
Para além da fábrica Zeiss Ikon A.G., destaque-se a fábrica de armamento pesado
Krupp, sede dos canhões "Big Bertha" de 420mm de calibre usados com sucesso na
Primeira Guerra contra os fortes de Liège, e da primeira "arma secreta": os canhões da
marinha "Paris Gun" de 210mm, de longo alcance, usados para bombardear Paris
desde as florestas de Crepy, a mais de 75 milhas de distância, o que representara já a
23 V. António Telo, Portugal e a NATO – o reencontro da tradição atlântica, pág. 154. 24 AMNE 2P A47 M78.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
consagração das potencialidades da artilharia desta fábrica alemã ao serviço de um
regime tão amante do colossal; durante a Segunda Guerra, a fábrica continuaria
activa, chegando Hitler a reunir-se, pessoalmente, em 1937, com Alfried Krupp para
encomendar três enormes canhões, entre eles o campeão de gigantismo "Gustav", de
800mm.
Outro, de 19 de Março, entusiasma a visão militar germanófila, nestes termos:
«(...) A missão seguiu ontem mesmo para Dusseldorf, em visita às fábricas Krupp,
donde regressará a Berlim (...) depois de ter visitado em Jena as fábricas Zeiss (...)
Creio que os enormes progressos feitos em material de guerra pela Alemanha (...)
mereciam mesmo a nomeação de um adido militar...»
Contrariamente a Inglaterra, o governo de Berlim, ao conceder facilidades de entrega
imediata – retirada dos stocks alemães, se necessário, coisa que a Inglaterra nunca
pusera como possibilidade – ao governo português na venda de armamento, estava
também a propiciar uma aproximação das duas nações que, aliás, já se assemelhavam
pelo sistema político autoritário.
Relativamente ao regime político do Estado Novo, deva dizer-se que, embora não
deva ser classificado de «nazista» ou «fascista» – como, incorrectamente, muitas
vezes o é –, apresentava semelhanças com os regimes alemão e italiano, nazi e
fascista, respectivamente, reflectindo assim certa propinquidade no seu sistema
político autoritário. Esta empatia pode ser demonstrada pela propaganda que entrava
legalmente em Portugal através de revistas (a Sinal, por exemplo); a própria saudação
fascista que Salazar usava – e que abandonaria ao tornar-se óbvio a derrota do Eixo
(outra forma de adaptação às tendências da nova ordem mundial) – é o selo de
aproximação, pelo menos em termos doutrinários, ao regime autoritário nazi;
aproximação também (no pós-1936) em termos de aquisição de material militar.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Ainda em 1936 era feita uma encomenda de uns tantos milhares de espingardas
Mauser Kar-98k25; todavia, seria pouco depois trocada pela aquisição de máquinas
alemãs no reequipamento da fábrica de armamento e munições de Braço de Prata.
Embora a Alemanha contestasse a decisão repentina, também rapidamente aceitaria a
opção portuguesa, pois desejava um bom relacionamento com o País, antigo aliado de
Inglaterra, que previa a aquisição aturada de material militar – em máquinas e armas
para serem montadas nas fábricas, no caso das armas ligeiras –, forma de combater a
influência britânica em Portugal, além de que não tinha nada a perder.
Junkers Ju-52/3m de transporte e bombardeamento são fornecidos (1937), em número
de dez, à Aeronáutica do Exército. A Marinha portuguesa estava sendo abandonada
pela nova estratégia terrestre; aliás as obras da futura base naval do Alfeite estavam
ainda muito atrasadas; isto, não obstante o projecto irreal e "megalómano" para as
modestas verbas militares, idealizado no «programa naval mínimo» de 1937 que
previa forças permanentes para o Continente, Ilhas e África num total de mais de 80
vasos de guerra, entre os quais duas dezenas de submarinos e outros tantos contra-
torpedeiros.
Figura 2 – Junkers Ju-52/3m adquirida na Alemanha para a Aeronáutica Militar: 1937.
25 Adaptação da espingarda longa Mauser Kar-98 da Primeira Guerra Mundial, de calibre 7,92mm, superior ao .303 da Lee britânica.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
A crescente penetração germânica na economia portuguesa continuaria a evoluir de
forma positiva imediatamente antes e ao longo da Segunda Grande Guerra, numa
harmonia de pagamentos materializados em produtos oriundos dos dois primeiros
sectores de produção; ou seja, Portugal pagava à Alemanha com matérias-primas
(estanho e volfrâmio, ou sector primário) e géneros (conservas de peixe, por exemplo,
ou sector secundário)26.
Ainda em 1937 começavam a chegar as armas ligeiras alemãs a Braço de Prata –
fábrica agora já reequipada e com a supervisão de técnicos e operários portugueses
treinados na Alemanha. Um contrato de uma centena de milhar de espingardas
Mauser efectuado em meados de 1937 previa a montagem das mesmas na fábrica de
Braço de Prata. Outras peças, mas de artilharia, chegariam em 1938 numa encomenda
de vários canhões de 75mm, entre outras.
Naturalmente, pela preponderância estratégica terrestre germânica – e pela política
defensiva portuguesa traçada ao arrepio de uma hipotética invasão vinda de Espanha –
, o Exército fora a arma mais privilegiada. A Marinha, como se viu, frustrada pela
inconcretização do seu plano, chegaria mesmo a pedir a aquisição de 1 petroleiro27 –
que se revelaria útil ao garantir o abastecimento mínimo do País de combustíveis
líquidos, furtando-se ao seu primeiro e teórico objectivo de apoio aos navios da
armada – e de 1 rebocador.
Assim, como se pode perceber, o plano de 1937 acabava por se não concretizar.
26 V. diversos contactos entre Portugal e a Alemanha relativamente aos produtos a comercializar e à forma de pagamento das mesmas. ANTT AOS/CO/NE-7. 27 Veja-se a carta, de 23 de Dezembro de 1937, que faz menção à missão a ser concretizada em Janeiro de 1938 com o objectivo de «obter elementos para completar o estudo de um petroleiro a construir para a Armada», fazendo ainda referência aos estaleiros R.&W. Hawthorn Leslie & C.º, entre outros. AMNE 2P A47 M78.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Pela altura do início da Segunda Grande Guerra, Portugal Continental encontrava-se
mal defendido. As Ilhas – ponto estratégico de retirada do Governo em caso de ataque
– e os seus portos estavam mal defendidos, apesar das chamadas de atenção por parte
da Inglaterra.
Ainda em 1940, o Governo Português pediu a Londres apoio no caso de retirada
necessária ante uma invasão de Portugal Continental, e, assim, a revisão dos planos de
defesa. Curiosamente, a Inglaterra anuiu, pois necessitava de uma base alternativa em
caso de ataque a Gibraltar e consequente evacuação, e só os Açores podiam oferecer
tais condições. Portugal aproveitou o ensejo da vontade positiva britânica para,
conjuntamente, desenvolverem infra-estruturas nas ilhas.
Ainda antes do início da construção do aeroporto das Lajes, em 1930 estava já
construída uma pequena pista de terra batida próxima de Achada, entre Angra e as
Lajes na Ilha Terceira. Contudo, pela sua reduzida dimensão, inadequada às
necessidades da aviação, e posição geográfica à mercê das condições climáticas
adversas, desde cedo se sentiu necessidade de construção de um novo aeroporto. Em
1934, um estudo detalhado do Coronel Gomes da Silva indicava a zona da planície
das Lajes como potencial campo de aviação. Construiu-se, então, uma pista de
aterragem também de terra batida com algumas infraestruturas.
Durante a Segunda Guerra, com a crescente agressividade nazi em campo de guerra,
em 1941 a pista das Lajes foi aumentada e transferiram-se tropas e equipamento
incluindo aviões Gladiator. Em 11 de Julho do mesmo ano, era declarada a
capacidade defensiva da base.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
2.2.1 – As relações com Espanha e a política de neutralidade
Relativamente às relações com Espanha – embora não seja este o tema da obra, julgo
que é importante ter uma noção do relacionamento entre os dois países, para se poder
compreender a intervenção de Salazar a favor de Espanha junto dos EUA quando da
adesão à NATO –, deve ser dito que Portugal e Espanha caminhavam para uma
convivência saudável ou, no mínimo, positiva, não obstante o clima conturbado e
perigoso gerado pela Guerra Civil de Espanha.
Num apontamento datado de 5 de Maio de 1939 vem dito:
«(...) D. Nicolas Franco ainda falou na cordealidade das relações existentes entre os
dois países e no empenho, que o Generalíssimo mostrara, em que fôsse com Portugal
que a nova Espanha celebrasse o seu primeiro Tratado diplomático. Referiu-se à
assinatura pela Espanha do pacto anti-comunista, dizendo que nêle nada mais havia
além do que se publicou, e que esta assinatura não representava qualquer desvio da
orientação anterior do seu Governo, não sendo mais do que a afirmação de uma
política que êle vem seguindo desde o primeiro dia da sua existência; e que também
nós portugueses seguimos, embora não tenhamos assinado o pacto.»28
Ora, Portugal acabara de assinar com a Espanha o «Tratado de Amizade e Não-
Agressão», ou «Pacto Ibérico»29, em 17 de Março de 1939. Na comunicação do
Embaixador de Espanha, de 13 de Julho do ano seguinte, pode ler-se:
28 ANTT AOS/CO/NE-7 29 Segundo a obra Salazar e Salazarismo, só pode falar-se, com propriedade, de «Pacto Ibérico», «Bloco Ibérico» ou «Bloco Peninsular», após a visita a Portugal do Conde de Jordana, em Dezembro de 1942.
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«(...) O Embaixador reduziu aos seguintes pontos a mensagem do Generalíssimo: a) a
Espanha na sua política externa e no que interessa à Península continuará a guiar-se
pelo Tratado de amizade com Portugal, amizade e colaboração que deseja estreitar
cada vez mais; b) o Generalíssimo está seguro de que não há qualquer propósito hostil
da Alemanha em relação a Portugal ou às Colónias portuguesas, salvo qualquer acto
atentatório da nossa neutralidade; c) a Espanha receosa de que algum perigo advenha
à península de qualquer exigência ou abuso do lado inglês, está disposta a auxiliar
Portugal com todas as suas forças...; d) e pois que faz este oferecimento naquela
direcção está a Espanha igualmente disposta a empregar todos os esforços primeiro
diplomáticos e depois todos os outros para ajudar a repelir qualquer agressão que
pudesse vir a Portugal do outro lado (visivelmente a Alemanha) (...) A conversa
desviou-se depois para (...) a atitude da Inglaterra em relação a Portugal (que afirmei
ser sempre impecável no sentido de nada pedir que possa pôr em perigo a neutralidade
portuguesa e a paz na Península...»30
Esta carta prova a intenção do Generalíssimo Franco em estreitar relacionamentos
com Portugal e avivar dedicações com o país vizinho, declarando-se mesmo haver
intenção de proteger Portugal, num esforço concertado dos dois países, de um ataque
de Leste (o alemão, inclusivamente). Não nos podemos esquecer que a Espanha, sob o
regime franquista, tinha grande empatia pelo regime nazi, o que, perante as
declarações analisadas, representa uma postura muito forte de levar, com pujança, o
Tratado com Portugal até às últimas consequências.
30 ANTT AOS/CO/NE-7
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Já o relacionamento entre Portugal e a Alemanha, se bem que não tão próximo como
o definido entre Alemanha-Espanha nem, muito menos, entre Alemanha-Itália, era,
ainda assim, sustentado por uma proximidade ideológica política (regimes
autoritários) e cooperação económica, para além do já referido abastecimento
continuado de armamento. As relações entre as duas nações eram, assim, boas; nem o
episódio do afundamento do vapor português «Corte-Real» – por um submarino
alemão sob pretexto de transportar «engenhos de relojoarias» com a finalidade de
matar alemães com a sua utilização em bombas e granadas de tempo – foi capaz de
exaltar os ânimos:
«O Barão Hoyninguen disse-me [a um diplomata de Portugal]: peço-lhe afirme ao
Senhor Presidente do Conselho que pode ter a certeza de que o afundamento (...) não
foi um acto hostil. Também nós não considerámos como acto hostil do Governo
Português a hospitalidade concedida a um barco inglês, que aqui esteve durante 59
horas e procedeu a reparações...»31
Note-se o jogo diplomático de equilíbrios em que cada nação alega não ter penalizado
a outra por alguma falha que pudesse atentar à quebra da neutralidade.
Salazar pretendia manter a Nação fora da beligerância, numa neutralidade respeitada
com o beneplácito britânico, e um bom relacionamento com aqueles países.
Contudo, a situação tenderia a mudar sensivelmente. Após a derrota da França, a
Espanha – certamente influenciada pelos iniciais êxitos alemães – alteraria o seu
estatuto de simples nação neutral para potência não-beligerante, o que motivaria as
preocupações lusas que levariam à assinatura do «I Protocolo Adicional ao Tratado
Luso-Espanhol», em 29 de Julho de 1940, e que estabelecia uma obrigação de
31 ANTT/AOS/CO/NE-7
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
concretização de consultas mútuas nas delicadas situações de segurança que pudessem
alterar a posição internacional dos dois países e, consequentemente, a sua segurança.
Não obstante o «Protocolo Adicional», a Espanha não cumpriria o documento na
íntegra quando, em 23 de Outubro de 1940, assinava um «protocolo secreto» com a
Alemanha à sombra dos princípios recém-acordados entre aquele Estado e Portugal,
ou seja, sem o consentimento, nem sequer conhecimento, por parte deste.
Temia-se que a quebra da neutralidade da Espanha, caso se efectuasse um ataque
alemão a Gibraltar32, arrastasse também Portugal para o conflito, o que felizmente não
aconteceu. Ora, Salazar manteve-se sempre muito próximo e exerceu uma pressão
diplomática para o tentar impedir, fazendo a Espanha respeitar o «Protocolo
Adicional» de Julho de 1940.
Previa-se, igualmente, que, caso o ataque alemão a Gibraltar se concretizasse,
provocasse a mobilização de forças britânicas para Portugal e Açores em particular,
como se referiu, o que provavelmente obrigaria o País a entrar em beligerância directa
ao lado das forças britânicas. Por todas estas razões, a Espanha era, assim, um
verdadeiro "certificado" da neutralidade portuguesa, pelo que não foram poupados
esforços diplomáticos no sentido de evitar o pior.
A posição portuguesa assentava, pois, numa neutralidade frágil e difícil mas,
sobretudo, uma neutralidade "suada".
32 Ataque que se não efectuou por motivos diplomáticos e militares que não serão aqui analisados, não obstante o encontro em Handaia entre Hitler e Franco para a discussão do ataque a Gibraltar, prontificando-se Hitler a enviar o canhão pesado alemão para bombardeamento e tropas aerotransportadas que, de facto, não chegaram a ser enviados.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
2.3 – A aproximação ao fim da Guerra: os contactos com a Inglaterra e os EUA:
a preparação da NATO ou o retorno à estratégia insular
Sem embargo à posição neutral lusa, a actividade militar das Lajes aumentara em
1942 com a participação dos Gladiator em missões de patrulha em apoio aos aliados,
reconhecimento e voos meteorológicos. Em Julho de 1942 chegavam os Ju-52
efectuando voos de transporte de carga.
Com o passar do tempo, o interesse das forças aliadas nos Açores aumentava com a
comprovada utilidade das ilhas como base de apoio.
A partir de 1943, assistiu-se a uma nova viragem na política de defesa que seria
alterada ao se tornar evidente a vitória dos Aliados sobre o Eixo. Ante este novo
cenário, tornou-se preocupação do Estado Novo a sua aproximação aos vencedores. A
Inglaterra procurou também uma reaproximação, uma vez que pretendia obter bases
nos Açores.
A Inglaterra revia, então, a sua posição traçada em 1936, e, em Março de 1943,
fornecia os tanques Valentine que, embora já não muito modernos, representavam um
avanço significativo para os parcos meios técnicos do nosso Exército que, contudo, já
se encontrava mais bem preparado do que qualquer outro ramo das Forças Armadas.
Era formada a primeira unidade blindada, o Batalhão de Carros da Amadora.
Portugal terá visto, na abertura das negociações relativas ao arquipélago dos Açores, a
oportunidade de completar esta segunda fase de rearmamento, usando como
argumento o facto de Portugal correr um risco de invasão por parte da Alemanha,
tornando-se assim necessário proceder ao rearmamento mínimo e proceder à
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
concretização de um plano de defesa conjunto33, hipótese que a Inglaterra só admitia
no referente à defesa das Ilhas e não do continente.
O acordo dos Açores com a Inglaterra foi concretizado em 17 de Agosto de 1943,
após esta ter solicitado, a 18 de Junho do mesmo ano, as referidas facilidades nos
Açores, dando-se a 23 do corrente mês a «anuência de princípio» ao pedido
britânico34. Era permitido aos britânicos o uso dos portos da Horta (Faial), Ponta
Delgada (S. Miguel), dos campos de aviação das Lajes (Ilha Terceira) e Santana (S.
Miguel).
Em 8 de Outubro de 1943, pessoal britânico desembarcava em Angra com
equipamento para o alargamento da pista das Lajes de forma a permitir a sua
utilização por aviões de grande porte. Uma pista "all-weather" para aviões pesados,
de 5.000x150 pés, era construída. A zona central oceânica dos Açores, até então
designada por "Black Pit" ou "Azores Gap", que não permitia a cobertura pelos aviões
britânicos operados a partir de terra, tinha sido coberta com o acordo e consequente
alargamento da pista; a partir de então, aviões britânicos podiam controlar a zona num
raio de 800 km na defesa dos navios mercantes aliados e ataque com grande sucesso
aos "U-Boats" alemães – com a utilização de três esquadrões anti-submarinos, na
Batalha do Atlântico.
A partir deste período, a maior parte do armamento com vista ao reequipamento das
Forças Armadas passava a ser fornecido pela Inglaterra; o afluxo de armamento
alemão, ainda intermitente, seria completamente interrompido em 1944 com o corte
das comunicações em França pelos Aliados.
33 V. António Telo, op. cit., pág. 178. 34 V. Sinopse de História Diplomática, http://www.min-nestrangeiros.pt/mne/histdiplomatica/
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Na inércia do acordo, o Exército português receberia equipamento importante para
atenuar o efeito das lacunas que o fornecimento dos referidos Valentine não
colmatara, completando-se três divisões de infantaria de primeira linha.
A Aeronáutica do Exército, que até 1943 se resumia a 4 esquadrilhas – 2 para o
continente e 2 para os Açores – de caças Gloster “Gladiator”, Gruuman V-1
“Mohawk”, Bell P-39 e Junkers Ju52, viria a receber caças Supermarine Spitfire Mk.I,
Hawker “Hurricane” nas versões IIb e IIc, Lysanders, entre outros modelos que,
embora não sendo o grito da tecnologia da altura (se comparados ao arsenal da RAF
que dispunha já de Spitfire Mk. IX, já para não falar do poderoso bombardeiro Avro
Lancaster muito fora do alcance das possibilidades e eventuais necessidades lusas),
representavam, ainda assim, um salto qualitativo – e quantitativo – muito positivo
para as Forças Armadas.
Ainda durante a Guerra, em 23 de Novembro de 1943, também Washington pedia a
cooperação portuguesa de cedência das bases aéreas e navais dos Açores, incluindo o
direito de construção da pista de Sta. Maria.
A posição «expansionista» norte-americana surgia da necessidade de cimentar bases
num âmbito mais alargado de antevisão do pós-Guerra, no qual os Açores se incluiam
como ponto de apoio nevrálgico da política externa de defesa dos interesses norte-
americanos. Tratava-se de uma primeira definição de um interesse dos EUA (fora do
âmbito da aliança inglesa, linha condutora da política externa do Estado Novo), numa
perspectiva de longo prazo, nos Açores, fora da conjuntura da Guerra.
Todavia, Portugal, num primeiro momento, motivado pelo receio de uma indesejável
quebra de neutralidade e talvez por recear um contágio pelos valores mais ocidentais
(norte-americanos, entenda-se), não permitira logo uma aproximação "excessiva"
norte-americana; e se já a cedência de bases aos britânicos poderia ter posto em causa
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
a neutralidade de Portugal em caso extremo, quanto mais uma ligação luso-
americana...
Sem embargo, após a chegada das forças britânicas às Lajes, Portugal dava
autorização à vinda de alguns conselheiros norte-americanos para ajuda das forças
britânicas estacionadas nos Açores.
A 31 de Dezembro de 1943, Salazar encontrava-se com o novo Embaixador
americano e acedia ao pedido de uma presença americana. Todavia, cauteloso e
receoso de atitudes precipitadas que pudessem acarretar consequências
desnecessárias, exigia que as forças americanas permanecessem sob comando
britânico e persistia em entravar o andamento das negociações, numa atitude
contemporizadora de garantia de que a Alemanha não invadiria o País caso esta viesse
a descobrir (o que seria o mais certo) algum acordo com os Estados Unidos da
América não tolerado pelo regime nazi (contrariamente à já internacionalmente
conhecida e, à partida, inóqua ligação luso-britânica). Ora, esperar por um (já
provável) enfraquecimento militar daquela potência parecia ser uma atitude prudente
e prezada pela administração portuguesa.
A 9 de Janeiro do ano seguinte, Oliveira Salazar dava indicação a Londres que as
Forças Armadas tinham ordens para repelir o desembarque de qualquer contingente
americano que não estivesse sob o comando britânico. Assim, quando o navio
"Abraham Lincoln" se aproximava do porto de Angra transportando um batalhão de
construção, o comando militar português recusava o desembarque; porém, após
grande insistência americana e promessa de auxílio na libertação de Timor, Salazar
dava anuência a um desembarque discreto.
O "928th Engineer Regiment" e o "801st Engineer Battalion" do "US Army",
juntamente com mais 800 trabalhadores desembarcavam em Angra com o objectivo
de «construir uma base aérea». Assim, com a ajuda de trabalhadores portugueses
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
empenhados em tal majestosa empresa, construíram-se três pistas em "A",
pavimentadas, tendo a principal um comprimento superior a 10.000 pés por 300 de
largura, a maior do mundo da altura – o que demonstra já o desejo norte-americano de
estabelecer uma base para utilização continuada e de importância fundamental para as
comunicações aéreas do Atlântico. Para mais, os pesados bombardeiros estratégicos
do SAC, os B-29, exigiam uma pista longa e que estivesse desenhada para suportar
uma aterragem de um “monstro” de 140 toneladas, já que a maior parte das pistas da
altura estavam limitadas a aviões de peso bruto até 120 toneladas.
Utilizando as Lajes, foi possível reduzir o tempo de voo entre os EUA e o Norte de
África para quase metade, prova indelével da grande importância geográfica dos
Açores.
Uns meses após o pedido norte-americano de cedência de bases nos Açores, Salazar
enviava Palmela35 junto de Eden36, anunciando a vontade dos Americanos de
estabelecerem bases nos Açores, independentemente da Inglaterra, e que tal facto não
poderia agradar ao governo britânico, pois representava a consolidação do
«imperialismo americano» na Europa, dando, ainda, indicação da prontidão de
Portugal numa resistência a tais propósitos, propondo-se, ainda, atrasar o processo
negocial com múltiplas desculpas sem nunca dar uma negativa aberta, desde que se
coadunasse com a vontade (e apoio) de Londres. Pretendia-se assim, em jeito de
tergiversação diplomática, contemporizar o problema, sem afrontar em demasia os
Estados Unidos. Importava não facilitar a substituição da Inglaterra, aliado mais
próximo na manutenção dos interesses ultramarinos lusos, por uma nação que, embora
detentora de um gigantismo bélico já reconhecido, pudesse levar a graves inflexões na
política externa nacional, opção obnóxia para o regime salazarista.
35 Domingos de Sousa Holstein Beck, Duque de Palmela, Embaixador de Portugal em Londres (1947). 36 Ministro dos Negócios Estrangeiros (1931), dos Domínios (1939) e novamente dos Estrangeiros em 1952. Ministro de Estado durante a II Guerra, no gabinete de Churchill. E Primeiro-Ministro em 1955.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Mas a resposta de Eden era precisamente diferente da posição portuguesa, uma vez
que a Inglaterra não via incómodo algum em tal aproximação, antes pelo contrário,
anunciando mesmo intenção de ver Portugal a aceitar o pedido inicial americano.
Agora em meados de 1944, a preocupação britânica posicionava-se num eventual
«avanço russo» sobre a Europa, pelo que, para o travar, necessitaria do apoio dos
EUA.
Utilizando a expressão de Salazar, o «avanço do imperialismo americano» não se
afigurava perigoso para o governo de Londres, mas antes o regresso de Washington
ao "monroísmo" ou tradicional afastamento dos assuntos europeus. Dizia o Presidente
James Monroe em 1823: «Our policy in regard to Europe (...) is not to interfere in the
internal concerns of any of its powers» E mais à frente: «It is still the true policy of
the United States to leave the parties to themselves, in hope that other powers will
persue the same course...»37 (Entenda-se a referida doutrina, claro está, numa
mundividência de conflitos coloniais motivados pelas ideias liberais e
independentistas do século XIX, relativamente às possessões luso-espanholas na
América).
37 http://www.nationalcenter.org/MonroeDoctrine.html
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Figura 3 – Homens do "801st Engineer Battalion" do "US Army" na construção da pista 15/33.
Figura 4 – Vista aérea da terraplanagem na localidade das Lajes.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Como bem vê Franco Nogueira, «perante a ameaça crescente da União Soviética e
países seus satélites, afirma-se na Europa Ocidental o desejo de organizar uma defesa
comum»38; porém, essa defesa comum seria, por esta altura, ineficaz por si só.
Oliveira Salazar, cônscio do perigo do avanço soviético, já defendia que o «esmagar»
da Alemanha enquanto poder dominante na Europa Central tinha sido um «erro»39;
ainda assim, concordava que era crescente a influência americana na Europa e,
inclusivamente, que os EUA eram já a primeira potência no Atlântico.
Porém, a breve trecho, perante a posição pertinaz da Inglaterra, principal aliado de
Portugal, de não subscrição à vontade lusa, a Nação tinha de rever a sua posição junto
dos vencedores, pois importava manter boas relações com a Inglaterra e não provocar
descontentamentos desnecessários aos olhos da potência ocidental norte-americana à
qual Oliveira Salazar já reconhecera proeminência no panorama mundial em franca
mudança, como se disse.
Assim, ainda em Junho de 1944, Salazar dava, finalmente, anuência ao pedido inicial
por parte dos Estados Unidos de cedência de Santa Maria nos Açores sob o mais
restrito segredo. Em 4 de Agosto de 1944, a unidade "1391st Army Air Force Base"
foi activada em Santa Maria. Uma empresa de construção civil sob a direcção do
"Army Corps of Engineers" pôs em prática o então designado "Projecto 111". Para
manter o segredo do projecto luso-americano, a companhia "Pan American Airlines"
foi colocada à frente do projecto.
38 V. Franco Nogueira, História de Portugal - 1933:1974, II suplemento, pág. 226. 39 O que, mais uma vez, comprova a preferência, em termos ideológicos, de Oliveira Salazar, pelo regime germânico autoritário mais próximo do seu no tocante, pelo menos, à ordem interna, se bem que em termos de política externa, mantivesse (e preferisse), necessariamente para garantir a manutenção do Império Ultramarino do Estado Novo, uma aproximação a Londres, em vez de um «avanço do imperialismo americano» avesso à continuação dos impérios europeus e forte aversão aos regimes ditatoriais (na Península, em especial, com destaque também para a Espanha franquista).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Juntamente com a aproximação a Inglaterra – logo em 1943 –, tratava-se de um acto
significativo de uma já adaptação do regime, ainda num período anterior ao fim da
Guerra, às alterações que se adivinhavam.
Finalmente, para confirmar a tendência de aproximação, em 28 de Novembro de 1944
– aliás, após a queda do regime nazi – é assinado, pelos governos de Washington e de
Lisboa, nesta mesma cidade, o acordo de concessão de facilidades militares aos
americanos nos Açores.
Como, certamente, difícil não será perceber, esta nova reaproximação luso-britânica
ou regresso aos interesses atlânticos, juntamente com a subsequente aproximação dos
EUA, ambas motivadas pelo interesse estratégico dos Açores na aproximação ao final
da Guerra, representou também uma adaptação de Portugal à alteração política
europeia, ao lado dos aliados ocidentais. De facto, pode ser vista como uma
preparação para a NATO no novo concerto das nações ocidentais.
Com o "VE-Day"40 e a subsequente evacuação de tropas, material logístico e aviões
da Europa para os EUA, os Açores revelaram-se, mais uma vez, de importância
fundamental para a conclusão de dois projectos: o "Green Project" que consistia na
mobilização de regresso de mais de 50.000 veteranos de guerra através da base de
Santa Maria, e o "White Project" ou programa de apoio a aviões tácticos na sua
transladação para o teatro de operações do Pacífico através da base das Lajes; num só
dia, aterraram lá 600 aviões norte-americanos.
40 "Victory over Europe" (8 de Maio 44), fim do teatro de operações da Europa; vitória dos Aliados.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
2.4 – Pós-guerra, os EUA e a antevisão de Salazar de uma nova
ordem mundial
Findo o conflito, a Inglaterra e os EUA restituíam a Portugal as bases dos Açores,
Lajes e Santa Maria, respectivamente, em Junho de 1946.
Num banquete oferecido no Palácio das Necessidades em 10 de Junho de 1946, o
Embaixador dos EUA, Herman Baruch, proferiu um discurso importante:
«Como representante do Governo dos Estados Unidos, é meu privilégio e dever
declarar que o meu Governo – sempre pronto a cumprir as suas obrigações,
respeitando plenamente a soberania portuguesa e profundamente consciente do auxílio
que lhe foi dado por Portugal durante a guerra – (...) o nosso apreço duradouro pela
cooperação e colaboração (...) durante a construção e subsequente largo uso do
aeródromo [de Santa Maria] e das suas instalações. Este aeroporto contribuiu
amplamente para o curso da história durante um passado recente e nós, o povo
americano, havemos de nos lembrar sempre do apoio e do auxílio que os nossos
amigos portugueses nos prestaram. Permitam-me que exprima a esperança e a
expectativa confiante de que a cooperação e as relações amigáveis provadas nesta
ocasião continuem pelos tempos fora.»41
Este é um discurso típico de uma nação que via (e ainda vê) Portugal como uma das
nações atlânticas cujas posições «passaram a ser necessárias à defesa americana»42,
sentindo, naturalmente, os Estados Unidos uma necessidade premente de estreitar
relacionamentos.
41 Oliveira Salazar, op. cit., págs. 225-234. 42 Ibid., págs. 403-422.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Veja-se o sentido futurista da afirmação «a expectativa confiante de que a cooperação
e as relações amigáveis (...) continuem pelos tempos fora», imediatamente precedida
de «os nossos amigos portugueses».
Objectivamente, como se disse atrás no ponto 3, eram os Açores – como importante
base de apoio (aéreo, principalmente) – a sua principal preocupação, mais do que o
continente – tanto mais que as magras possibilidades das Forças Armadas de Portugal
não eram de forma alguma importantes para a defesa dos EUA Como os Açores
pertenciam ao Estado Português, os norte-americanos usaram, por esta altura, de uma
presença diplomática simpática e, ao mesmo tempo, poderosa que lhes granjeasse
posições atlânticas de primeira importância.
Mas não se pense com isto que as relações entre os Estados Unidos e Portugal corriam
"às mil maravilhas". Na verdade, persistiam questões de fundo já referidas: a posição
anti-colonialista ocidental expressa na Carta das Nações Unidas43 (e, portanto, norte-
americana) e a defesa ocidentalista da democracia, ambas chocavam com a típica
política externa do Estado Novo, para além do próprio regime autoritário. Por este
motivo, Portugal não seria convidado para entrar para a Organização das Nações
Unidas em 1945 nem admitido quando do seu pedido em 1946.
Mas o fim da Segunda Guerra Mundial tinha invertido as prioridades da política
mundial. A Alemanha derrotada já não representava perigo para o Mundo; a
«Rússia», «grande e poderosa nação»44 – adversária da Alemanha durante o conflito –
substitui-la-ia no primeiro lugar do pódio das nações imperialistas, tornando-se na
principal ameaça para o Ocidente, como aliás foi aflorado no ponto 3 do Capítulo I.
43 O capítulo XI, artigos 73º e 74º, previa a descolonização dos territórios coloniais. 44 V. Oliveira Salazar, op. cit., pág. 327.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
No seu discurso de 25 de Maio de 1944, proferido no liceu D. Filipa de Lencastre,
Salazar mostrava aperceber-se já das inevitáveis alterações no contexto político
mundial. Punha, inclusivamente, a questão se a aliança luso-britânica deveria ou não
permanecer – admitindo uma certa imprecisão da própria aliança –, exprimindo, de
seguida, a sua posição que assentava na trilogia Portugal–Inglaterra–«Ocidente
europeu» na medida em que «tanto quanto serve Portugal serve a Inglaterra, e tanto
quanto serve a Inglaterra serve o Ocidente europeu» numa forma «perfeita e
ajustada»45.
Ora, se poderá esta visão de uma dupla aliança intercalada parecer um tanto irreal, ela
não deverá ser ingenuamente considerada de anacrónica ou apanágio de um estadista
incoerente. Assim, enquanto Oliveira Salazar via com alguma preocupação a nova
ordem mundial – e admitia já as suas importantes alterações –, defendia a fidelidade
do compromisso com a Inglaterra, opção que viria, mais por vontade da própria
Inglaterra, a revelar-se insustentável, o que não tem necessariamente a ver com
inadaptação ou anacronismo.
Esta vontade de aproximação a Inglaterra poderia ainda explicar-se por outros
trâmites. O Presidente do Conselho podia, com o fim da Guerra e a vitória das
democracias sobre as ditaduras, sentir-se numa posição um tanto desconfortável. Os
EUA eram, pois, a nação vincadamente democrática e tinham força política e militar
mais do que suficiente – caso quisessem – para afrontar o regime autoritário e
Imperial do Estado Novo.
Mas a Inglaterra, principal aliado histórico de Portugal e também Nação de tradição
Imperial, não atiraria a primeira pedra, uma vez que, para além das razões que se
prendem com os históricos tratados luso-britânicos e com a cooperação portuguesa
geoestratégica na opção da cedência dos Açores durante o conflito, o regime
45 V. Oliveira Salazar, op. cit., págs. 55-69.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
democrático britânico suportava também um frágil telhado de vidro que cobria a
região do Ulster e que não fazia esconder a indignação do povo católico da Irlanda.
Um documento46 datado de Fevereiro de 1949, que apresentava o declínio da Irlanda
ao convite para a sua participação no Pacto do Atlântico, dizia o seguinte:
(ponto 4.) «From the strategic point of view, any such alliance or commitment is
equally out of the question. It is quite apparent that the defence of a small island such
as Ireland could only be undertaken effectively by a single authority having at its back
the firm support of a decisive majority of the population of the whole country. The
difficulties of sharing the defence of the country with the State that is wrongly
occupying a portion of it are too obvious to require elaboration...»
(ponto 5.) «The political difficulties of the present situation are aggravated by the
undemocratic practices of the Northern Ireland Government...»
Como se sabe, a independência da Irlanda só seria reconhecida pela monarquia
britânica em 1949, ficando, contudo, de fora a região da Irlanda do Norte – questão
ainda hoje por resolver –, o que indiciava uma política «undemocratic», um problema
que vinha já do século XII, derivado da política hegemónica conquistadora e de
imposição do poder régio de Henrique II, em pleno feudalismo, ainda antes de
estarem em causa disputas religiosas. Assim, outra razão para Salazar se sentir mais
"aconchegado" no seu regime político aliás também pouco democrático.
Por todas estas razões, de tradição histórica, políticas e estratégicas, o Presidente do
Conselho preferia manter a Inglaterra como mediadora das relações entre Portugal e
os Estados Unidos da América.
Na verdade, os EUA estavam mais empenhados na reconstrução da Europa do que em
afrontar o regime autoritário português, para além do facto de desejarem um bom
46 AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2 (0).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
relacionamento com Portugal pela importante situação estratégica dos Açores, pelo
que também não teria sentido ignorarem os vectores da política do Estado Novo e
forçarem a queda do regime e dos territórios ultramarinos – ou até mesmo invadirem
o País e as Ilhas –, já que defendiam os princípios democráticos e tal atitude não
poderia surgir correcta aos olhos das nações ocidentais. Para mais, os EUA desejavam
a paz, assim como todo o Ocidente – incluindo Portugal que não entrara directamente
no conflito.
Oliveira Salazar já em 1944 percebera as intenções expansionistas norte-americanas.
Em 25 de Maio do mesmo ano, dirigia-se ao Congresso da União Nacional:
«Ora as circunstâncias estão-se conduzindo de forma que um dos maiores centros da
política mundial, sobretudo enquanto os Estados Unidos entenderem do seu interesse
ou do seu dever ajudar a Europa a levantar-se das ruínas da guerra, situar-se-á, pela
própria força das coisas, no vasto Atlântico, e só por esse motivo os países ribeirinhos
serão chamados a um papel preponderante: a Inglaterra, a França, a Península Ibérica,
os Estados Unidos, a América do Sul, e desta, em situação de relevo, naturalmente o
Brasil, serão chamados a uma intensa colaboração e através desta o Ocidente europeu
a um dos fulcros de orientação da política geral.»47
A sua acuidade de análise política a longo prazo delineava já os contornos de uma
aproximação norte-americana à Europa, alusão ao futuro Plano Marshall e ao Pacto do
Atlântico, com uma antecipação de quase 5 anos, e que, juntamente com a cedência
subsequente de facilidades aos EUA nos Açores, demonstra uma inequívoca
preparação para a futura integração na NATO.
47 Oliveira Salazar, op. cit., pág. 61.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
2.5 – A política de defesa Ibérica: entre Londres e Madrid
Em 1944, o governo português pediu a Londres a aprovação de um plano de defesa
permanente de Portugal continental, mas a reposta do Estado-Maior inglês foi
negativa, pois os postulados britânicos pelos quais se regiam as relações com Portugal
assentavam agora numa maior aproximação aos EUA, sendo-lhes inconveniente um
compromisso excessivamente duradouro e retrógrado perante a rapidez com que os
acontecimentos internacionais evoluíam, ainda para mais referente ao continente,
situação já discutida em 1943.
A questão foi reposta em 1947. Após novo estudo, o Estado-Maior chegou a duas
conclusões que logo foram transmitidas por O'Malley48: «em primeiro lugar, a
Inglaterra não pode fornecer o equipamento pedido (para mais 5 divisões), mesmo que
queira; em segundo lugar, convém encorajar as preocupações de Portugal com a
defesa da Península, mas dar a entender que só com a ajuda dos EUA se pode montar
um dispositivo crível»49.
Perante a posição britânica de não-cooperação, Lisboa continuaria a reforçar contactos
com Madrid, no sentido de estabelecer planos conjuntos, entre 1944 e 194850.
48 Sir Owen O'Malley, então Embaixador britânico em Portugal. 49 V. António Telo in História de Portugal, João Medina, vol. XII, pág. 299. 50 Planos esses ainda desconhecidos, segundo António Telo in op.cit., pág. 299. Mas refira-se, ainda, a importância dos principais documentos conhecidos: o já referido Tratado de Amizade e Não-Agressão ou «Pacto Ibérico», de 17 de Março de 1939, integrada na primeira fase da política externa do Estado Novo; o (1º) Protocolo adicional ao Tratado Luso-Espanhol (29 de Julho de 1940), reiterando a política de neutralidade peninsular no contexto da 2ª Guerra Mundial; o encontro de 11 de Novembro de 1942, em Sevilha, entre Salazar e o generalíssimo Franco; o acordo comercial de 22 de Fevereiro de 1943; e, finalmente, o 2º Protocolo adicional ao Tratado de amizade e não agressão Luso-Espanhol de 20 de Setembro de 1948.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Segundo José Medeiros Ferreira podiam distinguir-se «dois modelos maiores»,
elaborados em Portugal, no pós-Guerra, com vista à entrada de Portugal no «sistema
militar ocidental»51:
1) – o «modelo» de Santos Costa, Ministro da Guerra, que preconizava a doutrina de
defesa conjunta, luso-espanhola, de Península, com destaque para o reforço da
montanhosa zona pirenaica, numa relação cujo substrato histórico vinha já do auxílio
que o Estado Novo prestara às tropas franquistas no contexto da Guerra Civil
Espanhola, dando ênfase à linha defensiva natural dos Pirinéus;
2) – modelo do general Raul Esteves, protagonista do 28 de Maio de 1926, que no seu
livro A Defesa da Europa Ocidental, defendia o conceito de «defesa recuada»,
combatendo conceitos como «bastião ibérico», diferenciando as funções estratégicas
dos dois países vizinhos, referindo que só em termos de segurança avançada dos EUA
teria sentido conceber a linha dos Pirinéus como «frente de contenção da influência
soviética»52.
2.6 – A Inglaterra e a defesa de Lisboa
Como se viu no ponto 2 deste capítulo, por altura do começo da Segunda Guerra
Mundial, Portugal Continental estava efectivamente mal defendido. A própria capital
se encontrava mal preparada para resistir a um possível ataque vindo de Leste, isto,
não obstante a instalação, em Maio de 1944, de Unidades de Aviação Militar no
Aeroporto Internacional de Lisboa – a Esquadrilha Independente de Caça, composta
51 V. José Medeiros Ferreira, «As Ditaduras Ibéricas e a Fundação da Aliança Atlântica» in O Estado Novo - Das Origens Ao Fim Da Autarcia 1926-1959, vol. I, vários, pp. 395-401. 52 Em minha opinião, tinham os dois razão; ora, se hoje parece verdade que só com o auxílio norte-americano de defesa avançada se poderia conter uma poderosa invasão soviética, também não será mentira afirmar que um esforço concertado de contingentes luso-espanhóis (até pela sua proximidade), ajudados pelos importantes meios bélicos americanos, nomeadamente aéreos, teria maior eficácia.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
por aviões Hurricane Mk.IIc e que tinha como missão defender o sector aéreo da
Capital e cooperar com as forças de superfície na defesa da Capital.
A crer num relatório do Grupo de Artilharia contra Aeronaves N.º 1, Lisboa, ponto
estratégico de primeira importância, mesmo no fim do conflito, «no caso particular da
defesa anti-aérea de Lisboa, estabelecida em 1943 e com vista a fazer face a uma
ameaça vinda de Leste, embora desconheçamos os elementos base em que assentou,
estamos certos que está antiquada e que portanto se impõe o seu reajustamento»53.
Sem embargo à situação de ineficiência generalizada, note-se a intervenção britânica
através dos estudos de defesa anti-aérea elaborados pelo Major General F. W. Barron
tendo em conta as dificuldades acrescidas pelo contínuo e rápido desenvolvimento de
aviões-bombardeiro de grande velocidade e cota de voo.
Num documento relativo ao Plano elaborado pelo Major General F. W. Barron, ou
"Plano B", para a defesa dos portos de Lisboa e Setúbal (1948): «prevê o dispositivo
de contra bombardeamento constituído por duas baterias de calibre médio, cada uma
delas armada com 3 peças de 23,4cm, localizadas respectivamente, a Sul da povoação
de Alcabideche e junto do ponto trigonométrico da Raposa, completando-se a acção
da cada uma delas com a Bateria da Parede, para o grupo do Norte e com a do Outão
para o grupo do Sul»54.
Outras implementações, como a montagem de um sistema "Detector Loop"55 do forte
do Bugio para Noroeste, para detecção de submarinos, foram também previstas, uma
vez que, desde o início do conflito, Portugal (e Lisboa, em especial) não estava
53 «Plano de defesa costeira do porto de Lisboa», AHM 3ª Divisão/1ª Secção/ 54 Idem. 55 Sistema de detecção submarina através de um cabo eléctrico submerso no leito do rio.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
preparado para fazer face a um ataque submarino. Previa o Plano, para o ano de 1948,
mais de 83.000 contos de obras a concretizar.
Este plano vem provar que, mesmo após a negativa de 1947, o apoio britânico, ao
abrigo da aliança luso-britânica, não cessou o seu efeito totalmente, uma vez que este
tipo de auxílio em nada se assemelhava a um plano efectivo de defesa permanente do
Continente, situação a que a Inglaterra jamais se quereria comprometer.
2.7 – A inércia dos novos conceitos de defesa: a antecipação política
No ponto 4 tinha-se já feito alusão à consciência de uma nova ordem mundial,
expressa nos discursos do próprio Presidente do Conselho de Ministros.
Não obstante, ao que parece, não fora esta antevisão política, ou presciência,
acompanhada de uma adaptação subsequente das Forças Armadas à nova ordem
mundial que, como foi visto, se desenhava já nos discursos de 1944. Quatro anos de
inércia separavam os políticos dos militares.
Nos planos de defesa "Plano 45" e "Plano 47"56, referentes aos anos de 1945 e 1947,
respectivamente, as Bases para a sua elaboração consideravam o centro das
preocupações estratégicas um ataque vindo de Leste «com o potencial de que o
Exército espanhol puder dispor». Num documento datado de 17 de Março de 1948 da
Majoria General do Exército, vem expresso o seguinte:
«(...) em todos os planos de operações para a defesa do continente português, se tem
sempre considerado como inimigo provável, senão certo, a Nação vizinha e tanto
56 Considerava-se no "Plano 47" ou "Plano General Carmona" a probabilidade de um ataque isolado de Espanha, como aliás se tinha já admitido nas Bases do "Plano 45" ao se prever uma invasão suportada por um total de 8 Divisões e 1 Divisão couraçada nas direcções Mérida–Montemor-o-Novo e Salamanca–Vale-do-Mondego.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
assim é que em vários documentos, quando se não quer mencioná-la expressamente,
se afirma dever o inimigo ser o tradicional.»57
Ora, a Espanha – não obstante o «Tratado de Amizade» luso-espanhol de 1939 e
«Protocolo Adicional» –, derrotados os países do «Eixo» em 1944, era ainda
considerada (até 1948) como principal agressor pelo "cérebro" militar. Ainda no
referido documento, o Major-General58 demonstra aperceber-se do novo panorama
mundial, descortinando novas obrigações (e preocupações, sobretudo) para as Forças
Armadas e para o Exército em particular:
«Chegados a 1948, com a situação internacional, e em particular a da Europa, por
completo diferentes das de 1945, parece ao Major General do Exército conveniente
ser formulado novo plano de guerra, mesmo que se considere o actualmente em vigor
como correspondendo a uma hipótese, de resto muito pouco verosímil nos tempos
correntes. Isto, evidentemente, no caso de para tal haver já bases».
E ei-lo erguer completamente o véu:
«É um facto ter-se a Europa fraccionado em 2 blocos, ou seja o oriental, constituído
pela URSS e seus países satélites (Polónia, Bulgária, Roménia, Yugº-Eslava,
Checoslováquia) e proximamente a Finlândia e a Itália; o ocidental, orientado e
apoiado pelos Estados Unidos da América do Norte, será constituído, a curto prazo de
tempo, ao que supomos, pela Inglaterra, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.»
O General Passos e Sousa admitia ainda a hipótese de uma de duas «modalidades de
acção» expansionista do bloco Leste: uma «progressão» sobre a França e Norte de
Itália e sobre a Bélgica e Holanda; outra «irrupção» para o Mediterrâneo pela Grécia
ou saída pelo Dardanelos, forçando a resistência da Turquia.
57 «Majoria General do Exército» AHM 3ª Divisão/1ª Secção/ 58 O Major General do Exército Anibal V. Passos e Sousa (General).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Nestes trâmites, fazendo-se uma comparação com a linha directora geopolítica traçada
logo em 1944 pelo Presidente do Conselho, poder-se-ia afirmar que Salazar antevira
já o novo concerto das nações ou, melhor dizendo, dos blocos num mundo
bipolarizado e «perigoso».
Se é certo que uma das grandes preocupações de Oliveira Salazar durante o grande
conflito subjazia no receio de uma quebra da "neutralidade" de Espanha e, portanto,
uma (quase inevitável) consequente incursão espanhola (e nazi) sobre Portugal – pois,
caso a Espanha "fugisse" à sua neutralidade para uma posição ofensiva de forte
inclinação para o «Eixo» arrastaria Portugal para o lado oposto ou dos «Aliados» –, já
na aproximação ao final da Guerra, ao se tornar óbvia a vitória aliada, e no período
imediatamente subsequente, o Presidente do Conselho temia, não uma ofensiva vinda
de Espanha, mas sim da «Rússia» em franca expansão. A questão da Espanha tinha
sido já ultrapassada em 1944. E isto com uma antecedência de quatro anos
relativamente aos pressupostos militares defensivos, timbre de presciência na sua
acuidade de análise geopolítica.
E ainda no encalço das preocupações do Sr. General:
«(...) parece dispor actualmente a URSS de cerca de 360 Divisões, das quais um terço,
no mínimo em condições de actuar rapidamente sobre o continente europeu. Haveria
pois que considerar um efectivo russo de mais de 5.000.000 de homens. (...) Quanto à
aviação (...) é afirmado possuir agora a U.R.S.S. 14.000 aviões e ter uma produção
anual de 40.00059. (...) até a importante frota aérea americana (...) possue apenas cerca
de metade de aparelhos.»
59 Embora possa parecer um número excessivo, faça-se fé nestes números para demonstrar a clara superioridade soviética num possível e temido ataque, o que dá substrutura às afirmações do Sr. General.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Deste discurso poder-se-ia conjecturar uma preocupação por parte das Forças
Armadas, agora conscientes – em 1948 – da profunda alteração do panorama
geopolítico, em reunir esforços concertados na tentativa de atenuar o panorama de
desequilíbrio de forças60 dominado pela «cortina de ferro», sinal de uma preparação,
agora de uma consciência militar, para uma futura coligação ocidental como será o
Pacto do Atlântico.
2.8 – A importância estratégica das bases intermédias: Os Açores
Como se disse no ponto 3 deste capítulo, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, os
Açores foram uma importante base de apoio aos Estados Unidos e à Inglaterra, tanto
que estes dois países, em 1943, tinham pedido ao Estado Português a concessão de
facilidades nas referidas Ilhas.
Os planos do SAC previam, especialmente durante o conflito, a utilização dos Açores
como base intermédia, importante pilar da ponte aérea para as bases avançadas,
utilizadas sobretudo por aviões de transporte.
Inicialmente, para a Inglaterra, como base anti-submarina, os Açores se revelaram de
enorme importância, uma vez que aquela área, "Azores Gap", não poderia ser
sobrevoada por aviões com partida da Grã-Bretanha ou Nova Escócia por falta de
combustível ou reduzida autonomia de voo. A aviação efectuava missões de grande
importância na escolta da marinha mercante e outros navios de guerra ameaçados
pelos mais de trinta "U-Boats" e "vacas leiteiras" alemães que actuavam no mar dos
Açores, na medida em que, pela a presença de aviões-patrulha, os submarinos eram
obrigados a submergir para evitarem a sua intercepção e bombardeamento, pelo que,
uma vez em profundidade, eram incapazes de acompanhar a velocidade superficial
60 O panorama das forças militares, em 1948, reside numa clara superioridade terrestre por parte da URSS contra uma maioria em meios aéreos e navais do bloco ocidental (EUA + Europa Ocidental).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
dos navios que navegavam em "comboio", mais rápido. Os Açores possibilitaram essa
cobertura.
Findo o conflito, no avanço para um mundo bipolar ou «Guerra-fria», os Açores
poderiam ser úteis, não só como base de ponte aérea para aviões de transporte –
utilidade que até hoje nunca deixou de servir – mas, sobretudo, como base para
aviões-cisterna. Aliás, no Christian Science Monitor de 16 de Abril de 1953, os
Açores surgem intitulados de «Uncle Sam's Biggest Gas Station».
Os aviões bombardeiros pesados Boeing B-29 "Superfortress", incluídos no "7th
Bomb Wing, Very Heavy61" constituíam a frota principal da USAF até 1948, altura em
que estariam prontos para integração na USAF os Consolidated B-36 "Peacemaker".
Impulsionados por 4 motores de 8 cilindros-radial com cerca de 2.200 CV cada,
podiam transportar uma carga de bombas de 5.000 libras a uma distância de
aproximadamente 5.200Km. Supondo que seria necessário enviar bombardeiros deste
tipo da costa Leste dos EUA para Inglaterra, uma viagem directa seria difícil pois, a
distância entre estes dois pontos é, no mínimo, de 5.400Km e sem contar com a
distância da "home-base" no Texas até à costa Leste; mas, se fosse efectuado um
reabastecimento aéreo próximo dos Açores, por aviões-cisterna Consolidated C-109
de apoio, os B-29 chegariam ao seu destino podendo mesmo carregar o dobro das
bombas e sem grande perca de tempo e a uma velocidade constante de quase 300
milhas por hora. Foram os primeiros aviões do SAC em tempo de Guerra-Fria.
Em Novembro de 1948, estavam já incorporados no serviço os poderosos B-36 do
SAC, de seis motores de 3.500 CV, mais rápidos e de cota de voo superior, capazes de
61 Desde 3 de Novembro de 1947 a USAF abandonara a antiga organização com o título "Group" e introduzira a "Wing Organization". O 7th Bomb Group tornara-se em 7th Bomb Wing, Very Heavy (indicação de que operava bombardeiros pesados B-29). A sua base de onde operavam, no Texas, passara a chamar-se Carswell Air Force Base (Carswell AFB).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
realizar um voo directo Carswell AFB (no Texas) – Inglaterra (+ de 9.000Km),
carregando bombas convencionais (num máximo de 84.000 libras).
Paralelamente aos B-36, em 1948 entravam ao serviço os North American B-45
"Tornado", primeiros bombardeiros propulsionados a jacto, muito mais rápidos
(900Km/h) mas que, pelo raio-de-acção curto, certamente necessitariam de um
reabastecimento em voo numa possível travessia do Atlântico.
Na primeira metade da década de 50, eram incorporados mais e novos bombardeiros a
jacto, como o Boeing B-47 "Stratojet" que voava já a mais de 950Km/h e tinha um
“ferry range” de aproximadamente 6.400Km; porém, com um carregamento de
10.000lbs de bombas, o seu raio-de-acção não ia muito além dos 4.800Km, sendo
normalmente apoiado por aviões-cisterna KB-29 e KC-97. Refira-se, ainda, os Boeing
B-52 "Stratofortress" que entrariam em serviço em 1955, possuindo um raio de acção
superior a 12.000Km (muito dependente do valor de carga) e a possibilidade de voar a
velocidades muito elevadas e a grandes altitudes (tecto máximo de 50.000 pés) e
podendo transportar 84 bombas Mk-82 de 500 libras.
Se poderá parecer que os Açores a pouco e pouco deixavam de representar uma mais
valia para o reabastecimento destes grandes aviões na simples travessia do Oceano
Atlântico – principalmente após 1955 e a entrada em serviço dos B-52 com vista à
substituição de toda a frota norte-americana de bombardeiros pesados –, revelar-se-
iam estas ilhas já uma preciosidade nas missões de longo curso através do Atlântico
onde seriam reabastecidos em voo pelos novos KC-135 "Stratotanker" – e
continuariam a maratona aérea até às posições avançadas na Rússia ou Médio Oriente.
Assim, os Açores nunca deixariam de se revelarem importantes como ponto de
reabastecimento para aviões de carga – ainda hoje o são –, bombardeiros pesados em
missões de longo-curso e também para aviões de ataque mais pequenos e caças nas
suas viagens para o Sul da Europa e Norte-de-África através do vasto Oceano.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Também com a corrida aos submarinos por parte da URSS – num programa iniciado
logo após o fim da Segunda Guerra, por Josef Stalin, cujo objectivo era o controlo dos
mares através da produção inicial de 1200 submarinos diesel/eléctricos entre 1950 e
196562 – os Açores se revelavam, para os EUA, uma base para aviação anti-
submarina, para além de base de apoio logístico das forças navais na protecção da
marinha, e ainda como base de busca e salvamento.
No final dos anos 50, os Açores seriam também importantes como base para aviões-
radar na linha de cobertura AEW americana do Atlântico-Norte, no sentido Terra-
Nova – Açores, em harmonia com a da Groenlândia – Inglaterra (mais a Norte) e com
a do Alasca – Midway (na costa ocidental). Isto, para além da importância das ilhas
nas comunicações e cobertura electrónica e navegação.
Figura 5 – Mapa de distâncias “overseas”. 62 A morte de Stalin em 1953 e o advento do submarino nuclear interromperia o programa.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Figura 6 – Mapa com a história dos avião-bombardeiros norte-americanos, desde o Pós-Guerra.
A tabela da página seguinte mostra as performances dos bombardeiros norte-
americanos. Relativamente aos raios-de-acção, deve-se retirar cerca de 25% a 40% de
autonomia quando carregados. Os valores variam conforme a carga transportada.
Assim, somente para realizar uma travessia do Oceano Atlântico, tirando os possantes
B-36 e B-52 ou os recentes B-1 e B-2, todos os restantes bombardeiros eram incapazes
de efectuá-la quando carregados e sem um reabastecimento.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Modelo Data Autonomia Carga Máx. Velocid. Máx.
B-29 Superfortress 1942 5.900 km 20.000 lbs 570 km/h
B-32 Dominator 1942 6.115 km 20.000 lbs 570 km/h
B-35 Flying Wing 1946 4000 km 51.200 lbs 630 km/h
B-36A Peacemaker 1946 14.600 km 72.000 lbs 550 km/h
B-45 Tornado 1947 1.600 km 22.000 lbs 910 km/h
B-47 Stratojet 1951 6.400 km 25.000 lbs 960 km/h
B-52 Stratofortress 1952 14.100 km 70.000 lbs 1.040 km/h
B-57 Canberra 1953 3.600 km 5.000 lbs 910 km/h
B-58 Hustler 1956 6.400 km (externa) 2.480 km/h
B-66 Destroyer 1955 2.900 km 25.000 lbs 940 km/h
B-70 Valkyrie (prot.) 1964 9.260 km 50.000 lbs 3.800 km/h
B-1A Lancer (prot.) 1974 8.500 km 115.000 lbs 2.480 km/h
B-1B Lancer 1984 14.000 km 115.000 lbs 1.550 km/h
Tabela 1 – Autonomias (máximas) das aeronaves.
Ora, como se pode constatar, os Açores representavam, na óptica americana, uma
base imprescindível para a USAF para o reabastecimento de aviões (e até,
futuramente, como base de aviões-radar) no mundo bipolarizado do pós-Guerra, e,
para a US-NAVY como base anti-submarina no âmbito das operações ASW.
Observe-se dois os quadros da página seguinte. É curioso o facto de a Espanha surgir,
na carta supra apresentada, como possível base para bombardeiros médios, uma vez
que não pertencia à NATO, o que mostra a vontade por parte dos EUA em alargar o
Pacto do Atlântico à vizinha Espanha. Portugal não surge como base possível, uma
vez que a maior pista em Portugal, a da Ota, tinha somente 8300 pés de comprimento,
demasiado pequena para poderem operar com segurança bombardeiros.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Figura 7 – Carta geoestratégica das Bases do SAC. Os Açores como uma “Base for Tankers”.
Figura 8 – Carta geoestratégica do extenso perímetro defensivo (aéreo e marítimo) norte-
americano. Mostra as linhas AEW: Tor Bay–Açores para Leste; Groenlândia–Escócia, a Norte; Alasca–Midway. Os Açores surgem como base da Força Aérea (“AF”) e da Marinha (“N”).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Para reforçar a importância dos Açores nas negociações luso-americanas, diga-se que,
até, em 1962, a Administração Kennedy, que um ano antes tinha votado contra
Portugal no Conselho de Segurança da UNO, alteraria depois o seu discurso
anticolonialista num sentido de uma maior moderação, pela altura da renovação do
acordo das Lajes, tendo o Governo português, por via de uma grande habilidade
diplomática de Franco Nogueira, usado em seu favor os Açores como “moeda de
troca” para uma revisão da posição norte-americana em relação a Portugal e à sua
política colonial.
2.8.1 – Os Açores no Pós-Guerra
Como fora acordado, os EUA e o Reino Unido transferiram o controlo das bases das
Lajes e de Santa Maria para Portugal, em 2 de Junho do ano de 1946. Sob a
supervisão da Aeronáutica do Exército, foi rebaptizada de Base Aérea n.º 4 (BA-4).
Diferentemente das Lajes, o aeroporto de Santa Maria passara a servir como aeroporto
civil, por decisão do Governo Português, em 10 de Julho de 1946. Ainda em 1946, a 1
de Setembro, o 1391st Army Air Force Base Unit e o Azores Base Command
transferiram-se para as Lajes.
Pouco tempo depois, a 10 de Setembro, um acordo temporário, firmado entre os EUA
e Portugal, dava direitos de utilização aos norte-americanos por mais 18 meses com a
condição de os Estados Unidos manterem os seus serviços e operações de suporte na
base «em colaboração com e sob a superintendência das autoridades portuguesas».
Ao longo da História tiveram as Lajes importância fundamental na execução de
diversos planos e missões. Assim aconteceu na ajuda norte-americana a Berlim –
entre Junho de 1948 e Setembro de 1949 – na “Operation Vittles”, onde aviões C-47,
DC-4 e C-54 prestaram a ajuda vital e necessária a Berlim, cidade cujas ligações
terrestres com a Alemanha Ocidental tinham sido cortadas pelos soviéticos numa
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
tentativa de expulsar as Potências Ocidentais da região; mais de 3.000 descolagens
foram efectuadas na Base das Lajes.
2.8.2 – Da Europa aos EUA: a extensão de uma ameaça
As múltiplas missões de ajuda a Berlim serviram, também, para realçar ainda mais a
importância da Base em operações de contenção da expansão soviética na Europa
Ocidental.
Imbuído de vontade em contribuir para o sucesso da NATO, o Governo Português
anunciou, a 6 de Setembro de 1951, um acordo de utilização da Base das Lajes,
acordo esse que serviu de base para todos os outros subsequentes.
Relativamente aos bombardeiros da URSS no pós-guerra, possuindo uma enorme
frota e contando com o então recente TU-4 "Bull", cópia do B-29 americano63 e capaz
de atacar posições europeias a partir da Alemanha, a União Soviética colocava-se num
patamar de clara superioridade armamentista ante a frágil Europa e de rivalidade
paralela face aos Estados Unidos. Todavia, ainda que com este bombardeiro, seria a
URSS incapaz de efectuar um ataque directo aos EUA desde as bases em território
soviético.
Não espanta, pois, a grande preocupação dos EUA em obter o controlo das ilhas do
Atlântico e do Pacífico para conseguirem bases de apoio intermédias que suportassem
(nomeadamente, no que concerne ao reabastecimento de aviões) um possível se
necessário ataque ao solo soviético e evitassem, da mesma forma, a concretização de
uma ofensiva do inimigo a partir de posições que poderiam (e deveriam) ser as suas.
Açores, Islândia, Groenlândia, no Atlântico; Havai, Midway, Wake Island, para além
63 Durante a II Grande Guerra, num ataque ao Japão, três B-29 aterraram na Sibéria e foram confiscados pelos russos; serviram esses aparelhos como modelo para cópia; daí ter surgido o Tu-4.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
do Alaska – Estado integrante da sua Federação –, no Pacífico; as principais bases
intermédias que trataram os EUA sempre de proteger para evitar "pontes aéreas"
soviéticas, ora pelo Atlântico, ora pelo Pacífico.
Esta opção está, efectivamente, na base da formação da própria NATO, em que, até
para além das questões puramente militares ou políticas, subsistiam ainda motivações
ideológicas na tentativa de travar o perigoso avanço comunista para Ocidente.
E mesmo que o avanço soviético sobre a Europa não pudesse ser travado, sendo as
bases avançadas aliadas ocupadas pela força da União Soviética, subsistiriam as bases
intermédias a partir das quais se desenrolaria o contra-ataque, impedindo, ao mesmo
tempo, um qualquer ataque direccionado agora para os Estados Unidos.
Um estudo do Joint Strategic Plans Group dos JCS americanos revela com a precisão
possível (aproximada) um hipotético avanço da União Soviética sobre a Europa que,
aliás, foi mesmo posto na mira das possibilidades:
Figura 9 – Um hipotético avanço soviético sobre a Europa. Estudo dos JCS.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
2.8.2.1 – De 49 a 53: quatro anos de segurança norte-americana
Com a entrada de Portugal para a NATO, os EUA conseguiram concretizar uma das
suas prioridades geo-estratégicas na vertente euro-atlântica. A URSS era, sempre e
cada vez mais, uma ameaça constante, mas com o domínio norte-americano das bases
intermédias, a sua ameaça ficava, em termos práticos, circunscrita ao palco europeu.
Todavia...
Na segunda metade da década de 50, a URSS dava cartas com a concretização de
bombardeiros capazes de atacar solo americano desde as bases russas; o bombardeiro
Molot M-4 (conhecido no Ocidente por "Bison") descolara pela primeira vez em
Janeiro de 1953, resultado de um projecto soviético de concretização de um
bombardeiro pesado, rápido e capaz de um alcance superior a 10.000Km; desde o
lançamento do B-36 norte-americano que a URSS estava em desvantagem em termos
de bombardeiros pesados da categoria intercontinental, aliás não tinha; ainda contudo,
devido a algumas ineficiências nos motores, a autonomia destes M-4 não excedia em
muito os 8.000Km (“Bison A”), o que obrigou a alterações específicas até que resultou
na versão 3M/M-6 (ou “Bison B”) de 12.000Km em 1956.
Paralelamente, o Tupolev Tu-95 “Bear” mostrara em 1954 que um bombardeiro
pesado com motores turbo-hélice de oito pás contra-rotativas podiam competir
directamente com os turbo-jactos do B-52, e com um alcance idêntico, desenhado para
lançar as maiores bombas de hidrogénio que o homem já conheceu, como provou, em
31 Outubro de 1961, no centro de testes russo das ilhas Novaya Zemlya, na Sibéria,
ser capaz de lançar uma bomba de 28 toneladas de peso e potência de 58
megatoneladas, tão grande que nem no interior da fuselagem do aparelho cabia.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
As novas e enormes preocupações da defesa norte-americana passavam a centrar-se,
então, nas duas aeronaves pesadas. Agora já não se tratava de um caso semelhante ao
do TU-4 “Bull” em que, para garantirem o insucesso de um eventual ataque à
América, os norte-americanos só tinham até então de obter e manter o domínio das
bases intermédias; agora, estas novas máquinas de matar podiam descolar da URSS e
penetrar no espaço aéreo inimigo à velocidade de jacto, largar o armamento e
regressar a casa sem demoras.
Rapidamente se dava a passagem de uma ameaça directa de extensão unicamente
europeia para uma nova plataforma crítica de insegurança ante uma possível ofensiva
directa aos EUA. A potência ocidental, sob a administração Eisenhower, responderia
com a espionagem aérea – nomeadamente com os aviões-espião U-2, a centros de
desenvolvimento nuclear soviético –, e com a continuação do desenvolvimento de
novas armas de longo alcance mais avançadas – como o protótipo bombardeiro XB-70
“Valkyrie” de alta velocidade e custo de 700 milhões de dólares cada mas que seria
abandonado pela administração Kennedy pela sua vulnerabilidade aos enormes
mísseis SAM soviéticos da década de 60 –, até à entrada na era dos ICBM, muito
mais baratos, rápidos e eficazes.
Os protótipos supersónicos desenvolvidos pelos americanos (XB-70 que nunca entrou
ao serviço mas que provou haver, ainda na segunda metade da década de 50,
tecnologia para a velocidade Mach-3) e pelos soviéticos (como o T-4/S-100) serviram
como base empírica de desenvolvimento de futuras aeronaves supersónicas tais como
o Tu-144 russo, adaptação directa do T-4, e o Concorde europeu, projecto
independente, no que concerne aos estudos estruturais, aerodinâmica, termodinâmica
e eficiência de motores.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Figura 10 – Bombardeiro soviético Molot M-4 “Bison”, a descolar pela primeira vez em 1953, e
que semearia o terror, abrindo uma enorme brecha na máquina de defesa americana.
2.8.3 – As Lajes na ponte das operações para o Médio-Oriente
No conflito Israelo-Árabe de 1973, no qual países como o Egipto e a Síria lançaram
um ataque a Israel, o Military Airlift Command tratara de enviar reforços para ajudar
Israel nessa luta. Logo nas primeiras 48 horas da “Operation Nickel Grass” a Base das
Lajes possibilitara mais de duas centenas de aterragens e descolagens. Pelo fim do
conflito, mais de 300 C-5 e 800 C-141 tinham operado nas Lajes, com a anuência
portuguesa a essa movimentação fora do contexto da NATO.
Em 17 de Janeiro de 1991, os EUA puseram em marcha a “Operation Desert Storm”
que consistiu numa campanha de sucessivos ataques aéreos rápidos e precisos contra
alvos iraquianos durante 39 dias antes da invasão terrestre das tropas de libertação.
Como não poderia deixar de ser, as Lajes suportaram essa transladação de material
aeronáutico e logístico para o teatro de operações do Médio Oriente; no fim da guerra,
a Base tinha servido de apoio, directa ou indirectamente, a mais de 12.000 operações
aéreas – incluindo as do âmbito do SAC, MAC, Guard, Reserve, Marine, Navy – e à
transferência de 75.000 pessoas.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Nas principais operações da Europa, Médio Oriente e África, as Lajes
desempenharam um papel importante de suporte a pessoal, aviões de carga – desde os
C-47, passando pelos C-130 e enormes C-5 até aos actuais C-17 –, caças de
intercepção e ataque (especialmente os não operados por porta-aviões, onde se
destacam F-16C, F-15C e “E”, F-117 e A-10), e bombardeiros pesados – incluindo B-
17 e B-29 da década de 40, B-36 da década de 50, os gigantes B-52 e os sofisticados e
temíveis B-1B da última geração – nas suas rotas em missões aéreas globais. Aviões-
cisterna KC-135 e KC-10, sucessores dos C-109, KB-29 e KC-97, são também
operados a partir dos Açores.
Um relatório de Julho de 1961 da Task Force on Portuguese Territories concluía que
as Lajes eram «a mais valiosa instalação» estrangeira que os EUA estavam
autorizados a utilizar por um país estrangeiro64.
Ronald Reagen, em resposta a questões colocadas pelo Diário de Notícias, disse o
seguinte:
«Lajes has been important to Western defense ever since World War II. At that time it
played a significant role in protecting the Atlantic sealanes. Lajes continues to play
that role today (...) Lajes role as part of the brigde between the US and Europe is also
an important element of collective security.»65
Em 1998, a importância das Lajes foi, também, reconhecida, pela nomeação do ACC
para o “1998 Commander-In-Chief Installation Excellence Award” entre as bases
operadas pela USAF.
64 V. Luís Rodrigues, Salazar-Kennedy: a crise de uma aliança, pág. 163. 65 http://www.reagen.utexas.edu/resource/speeches
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Figura 11 – The Christian Science Monitor. A “Gas Station” e base intermédia mais importante a
Leste dos EUA.
2.9 – A "Doutrina Truman" e o bipolarismo: Guerra Fria ou paz
quente?
No dia 5 de Março de 1946, o então Primeiro-Ministro Winston Churchill, em visita
aos EUA, proferiu um discurso, no Westminster College em Fulton, Missouri, que
ficou célebre e ao qual se passou a relacionar desde então o início da Guerra Fria.
Nesse discurso conhecido por "Iron Curtain Speech"66, dizia o Primeiro-Ministro:
«(...) From Stettin in the Baltic to Trieste in the Adriatic an iron curtain has
descended across the Continent. Behind that line lie all the capitals of the ancient 66 "The National Center For Public Policy Research", Iron Curtain Speech.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
states of Central and Eastern Europe. Warsaw, Berlin, Prague, Vienna, Budapest,
Belgrade, Bucharest and Sofia; all these famous cities and the populations around
them lie in what I must call the Soviet sphere, and all are subject, in one form or
another, not only to Soviet influence but to a very high and in some cases increasing
measure of control from Moscow.»
Churchill falava preocupado da segurança do Mundo que, na sua visão, dependia de
um concerto:
«The safety of the world (...) requires a unity in Europe, from which no nation should
be permanently outcast. It is from the quarrels of the strong parent races in Europe
that the world wars we have witnessed, or which occurred in former times, have
sprung (...) Twice the United States has had to send several millions of its young men
across the Atlantic to fight the wars. But now we all can find any nation, wherever it
may dwell, between dusk and dawn. Surely we should work with conscious purpose
for a grand pacification of Europe within the structure of the United Nations and in
accordance with our Charter (...) I repulse the idea that a new war is inevitable -- still
more that it is imminent. It is because I am sure that our fortunes are still in our own
hands and that we hold the power to save the future, that I feel the duty to speak out
now that I have the occasion and the opportunity to do so».
Fazia ainda referência aos horrores da Alemanha nazi:
«Up till the year 1933 or even 1935, Germany might have been saved from the awful
fate which has overtaken her and we might all have been spared the miseries Hitler
let loose upon mankind.»
Em jeito de lição histórica, afirmava:
«We must not let it happen again. This can only be achieved by reaching now, in
1946, a good understanding on all points with Russia under the general authority of
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
the United Nations Organization and by the maintenance of that good understanding
through many peaceful years, by the whole strength of the English-speaking world
and all its connections.»
E terminava, então, com um pedido de auxílio:
«If we adhere faithfully to the Charter of the United Nations and walk forward in
sedate and sober strength, seeking no one's land or treasure, seeking to lay no
arbitrary control upon the thoughts of men, if all British moral and material forces
and convictions are joined with your own in fraternal association, the high roads of
the future will be clear, not only for us but for all, not only for our time but for a
century to come.»
Como que em resposta ao apelo de Churchill, o Presidente dos Estados Unidos Harry
S. Truman, num discurso que é hoje conhecido por "Truman Doctrine"67, a 12 de
Março de 1947, dirigiu-se ao Congresso antes de uma "Joint Session" nestes termos:
«The United States has received from Greek Government an urgent appeal for
financial and economic assistance. (...) The very existence of the Greek state is today
threatened by the terrorist activities of several thousand armed men, led by
Communists, who defy the government's authority (...) Meanwhile, the Greek
Government is unable to cope with the situation. The Greek army is small and poorly
equipped (...) The United States must supply that assistence. (...) No other nation is
willing and able to provide the necessary support for a democratic Greek government.
(...) each dollar spent will count toward making Greece self-supporting, and will help
to build an economy in which a healthy democracy can flourish.»
Como se nota, este é um discurso coerente com a política intervencionista americana
no II grande conflito mundial; porém, agora para fazer face aos Comunistas (em
67 "The Avalon Project at the Yale Law School", Truman Doctrine.
UNIVERSIDADE LUSÍADA Página 71
A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
substituição dos nazis, ambos partidos de políticas imperialistas), sendo, pois, um
discurso que assenta na propugnação democrática contra as forças opressoras do
Leste. E continuava, evidenciando, igualmente, a importância de uma ajuda à Turquia:
«Greece's neighbour, Turkey, also deserves our attention. (...) The peoples of a
number of countries of the world have recently had totalitarian regimes forced upon
them against their will. The Government of the United States has made frequent
protests against coercion and intimidation, in violation of the Yalta agreement, in
Poland, Rumania, and Bulgaria. I must also state that in a number of other countries
there have been similar developments. (...) I believe that it must be the policy of the
United States to support free peoples who are resisting attempted subjugation by
armed minorities or by outside pressures. I believe that our help should be primarly
through economic and financial aid which is essential to economic stability and
orderly political processes. (...) The world is not static, and the status quo is not
sacred. But we cannot allow changes in the status quo in violation of the Charter of
the United Nations by such methods as coercion, or by such subterfuges as political
infiltration. (...) Should we fail to aid Greece and Turkey in this fateful hour, the effect
will be far reaching to the West as well as to the East. We must take immediate and
resolute action. (...) The free peoples of the world look to us for support in
maintaining their freedoms.»
Finalizava o discurso, de uma forma moralizante, a justificar a intervenção norte-
americana:
«If we falter in our leadership, we may endanger the peace of the world and we shall
surely endanger the welfare of our nation. Great responsabilities have been placed
upon us by the swift movement of events.»
UNIVERSIDADE LUSÍADA Página 72
A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
2.9.1 – Na esteira da "Doutrina Truman". O "Plano Marshall"
A Europa, palco de aturadas batalhas da Segunda Grande Guerra, saiu do conflito
profundamente devastada. Londres, grande parte da França e muitas outras regiões
como a já referida Grécia tinham sido destruídas nos seus aspectos político-
económicos e militares, incluindo cidades importantes e vias de comunicação
essenciais ao funcionamento da economia.
Os Estados Unidos, no seguimento do apelo de Churchill, traçada a "Truman
Doctrine" de apoio aos estados contíguos e ameaçados pela perigosa força soviética,
propuseram-se a ajudar financeiramente o Velho Continente a erguer-se do caos e a
readquirir a dignidade e força necessárias para resistir com tenacidade ao espírito
expansionista soviético.
Em 5 de Junho de 1947, o Secretário de Estado George C. Marshall, na Universidade
de Harvard, propôs então uma ajuda por parte dos EUA no âmbito da restauração da
dinâmica económica europeia. Como se sabe, a Europa Ocidental anuiu naturalmente
a essa sua proposta. Foi então legalmente criado "The Economic Cooperation Act of
1948", também conhecido por "Plano Marshall", que promoveu, na prática, a
produtividade agrícola e industrial. O seu sucesso conduziria à atribuição do Prémio
Nobel da Paz ao General Marshall.
O "Plano Marshall", de 3 de Abril de 1948 «for European Recovery» consistia, pois,
numa ajuda financeira à Europa abalada pela II Guerra Mundial, retomando os
princípios da "Doutrina Truman"; baseava a «estabilidade política e a paz» na
existência de uma «economia saudável» e decretava que os EUA prestariam
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
«economic and military support to Greece and Turkey and to any other country
threatened by communism».68
O "Plano Marshall" serviu, assim, de instrumento económico estruturante da
"Doutrina Truman", assim como a NATO se posicionou preferencialmente num plano
militar de segurança, ainda que o substrato ideológico provenha da mesma fonte.
2.9.2 – A evolução do armamento, uns tantos números...
Antes de avançar para as negociações que levariam à integração de Portugal no Pacto
do Atlântico, proponho abrir uma "chaveta" temporal para clarificar a verdadeira
dimensão do conflito entre blocos, ou «Guerra fria», no qual a Europa se viu
mergulhada, arriscando-me a usar uma linguagem técnica que poderá parecer confusa
aos menos informados neste departamento da geo-estratégia mas que é fundamental
para se poder perceber do que realmente se trata, dos perigos reais.
Sem embargo ao que foi dito, os avanços tecnológicos – frutos das necessidades
geradas pelo clima da guerra –, por esta altura, estavam em plena progressão
geométrica, pelo que, se os Estados Unidos da América possuíam a bomba atómica
desde o fim da Guerra, era de esperar que mais tarde ou mais cedo os soviéticos
conseguissem fabricar o seu próprio exemplar, o que na prática se verificaria em
Agosto de 1949, dando início à verdadeira «corrida ao armamento» ou «equilíbrio
pelo terror» apoiado pelos governos de ambos os pólos. A partir daqui, iniciava-se
uma guerra distante e indirecta de propaganda e de competição bélica que levaria aos
excessos de ambos os lados, com mais incidência no caso soviético e que culminaria –
em termos de produção irreflectida de engenhos cada vez mais potentes – em 1961
68 Relativamente a Portugal, veja-se a obra Portugal e o Plano Marshall de Fernanda Rollo.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
com a concretização, a mando de N. Khrushchev, de um engenho de 100Mt69, de
designação "Tsar Bomba", com vista a criar o máximo impacto político no Ocidente;
ou seja, desde a bomba de Hiroshima conseguira-se avançar em mais de seis mil vezes
a potência dos engenhos nucleares, principalmente após a produção da primeira
bomba termonuclear, muito mais energética do que a primitiva resultante da simples
cisão de núcleos radioactivos de urânio ou plutónio.
Em 1955, a URSS, juntamente com sete países do bloco de Leste, formara o Pacto de
Varsóvia como resposta ao Pacto do Atlântico ao qual se tinha recentemente juntado a
República Federal da Alemanha. A administração norte-americana, com a acção da
CIA, apoiaria todos os movimentos anti-comunistas da Ásia e do Médio Oriente,
sustentada na chamada «tese do dominó» segundo a qual o comunismo "contagioso"
se transmitia pelo contacto com Estados vizinhos; assim aconteceu na Guerra do
Vietname em 1965.
A competição de esgrima geoestratégica, geopolítica, ideológica, militar e tecnológica
era de tal forma evidente, reflectindo-se na «corrida ao espaço» após o lançamento
bem sucedido do Sputnik (Outubro de 1957); o avanço científico soviético, feito à
custa de um desequilíbrio orçamental que privilegiava claramente as Forças Armadas
e sorvia os recursos essenciais ao desenvolvimento económico e social do país, quase
fazia o Mundo entrar em estado de choque.
Por inícios da década de 60, uma nova arma impõe novas preocupações: os "ICBM".
Aos SM-65 "Atlas" americanos, os soviéticos respondem com o R-7 (ou "SS-6",
designação ocidental) de 8.000Km de alcance; aos LGM-30 "Minuteman I" dos EUA,
o Leste mostra os seus R-9 "SS-8" já de 13.000Km – note-se a gradação positiva da
evolução dos raios-de-acção –; até que, por fim, o "último grito" em termos do
69 100Mt, equivalente a 100.000.000 de toneladas de explosivo TNT. O flash da explosão desta bomba poderia ser visto a mais de 1.000Km de distância, provocando queimaduras de terceiro grau na pele dos indivíduos que se encontrassem expostos num raio inferior a 170Km do epicentro.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
mísseis intercontinentais é dado, ainda em finais da década de 70, pela URSS com os
R-36M "SS-18 Satan" capazes de voar 16.000Km a uma velocidade superior a "Mach-
20", transportando 10 "MIRV" de 550Kt ou somente uma ogiva termonuclear de
25Mt.
Como que em resposta a esta temível arma escondida em silos subterrâneos à prova
de bombardeamento, Ronald Reagen apresenta em 1983 o programa megalómano SDI
ou "Guerra das Estrelas", uma forma de tentar fazer frente à União Soviética no plano
tecnológico, pois era sabido que, pelo seu custo astronómico, a potência de Leste, que
caminhava já para a recessão, jamais poderia enveredar por tal projecto que, na prática
também se revelaria inconcretizável, sendo mais um instrumento político do que
efectivamente militar.
Nesta verdadeira "era dos mísseis" a «Guerra fria», que vinha já aquecendo desde o
início da "corrida aos mísseis", acaba por quase escaldar em Outubro de 1962 com a
crise dos mísseis de Cuba e o apoio de Fidel Castro a Moscovo, crise que inclui o
abatimento, por parte dos comunistas, de um avião-espião de grande altitude
Lockheed U-2 em missão de reconhecimento, e a passagem do nível de segurança das
Forças Armadas norte-americanas para "DEFCON 2".
É ainda de referir o desenvolvimento paralelo dos "SLBM", que não são mais do que
adaptações dos mísseis da Força Aérea aos submarinos da Marinha. Projectos iniciais
dos EUA no início da década de 60, pouco eficazes e de curto raio de acção, como o
A-1 "Polaris", acompanhados pelos soviéticos, dariam lugar a outros mais eficazes
num projecto que duraria até aos dias de hoje.
Em suma, dir-se-ia que o poder militar soviético, desde os tempos agonizantes de
Khrushchev, passando por L. Brezhnev, se apresentava consideravelmente superior ao
norte-americano. Os mísseis "ICBM" da URSS eram em número superior, de maior
capacidade balística e raio de acção que os da nação rival; a União Soviética produziu
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
também "ICBM" numa diversidade muito maior, gastando quantias sem precedentes
no seu desenvolvimento; mesmo os americanos LGM-30 "Minuteman III" (1970) e o
sucessor LGM-118A "Peacekeeper" (1986) com raios de acção de 10.000Km ficavam
muito aquém dos 16.000Km dos soviéticos "SS-18 Satan" que poderiam atingir
rapidamente qualquer ponto estratégico do globo.
O "Exército vermelho" era, claramente, o maior. A VVS, conjunto das Forças Aéreas
da URSS, composta pela aviação de primeira linha, a VTA ou transporte militar, a
PVO de defesa aérea (que tinha mais mísseis "SAM" terra-ar do que todas as forças
do mundo juntas) e a VMF ou aviação naval, era também a maior, bem à escala do
seu território; até do ponto de vista tecnológico mostrou estar "à altura"70.
A nível de submarinos nucleares modernos, construídos a partir dos anos 70, a
situação pode explicar-se nestes números seguintes: até aos anos 90, em termos de
"SSBN"71 – 35 (EUA) vs 61 (URSS)72, ou seja, cada potência poderia, se necessário,
lançar uma guerra destruidora em simultâneo, na esmagadora dimensão de 648
mísseis contra 880, respectivamente, multiplicados os submarinos pelo número de
mísseis que podem comportar; ora, se estes números não parecerem suficientemente
impressionantes, também há solução: basta multiplicar, igualmente, o número de
mísseis pelos "MIRV" de cada um deles (a uma média de 6), e ficaremos com dois
números inimagináveis: 3900 vs 5300 ogivas nucleares cada uma com uma média de
100Kt (superior a 6 vezes a potência da "Little Boy" lançada sobre Hiroshima), só
70 Veja-se que, até à apresentação do bombardeiro B-2 norte-americano de tecnologia "Stealth", em 1988, os soviéticos tinham já mostrado, pelo menos em caças de combate, aos observadores ocidentais, os seus muito manobráveis Mig-29 que eram detentores de uma tecnologia até à data não imaginada pelos EUA relativamente a uma potência que se julgava ter vários anos de atraso tecnológico. 71 Submarino nuclear com capacidade para lançamento de mísseis balísticos. 72 Dados do Capitão Ernest Louis Schwab, USN, na obra Undersea Worriors, Crescent Books.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
através dos "SSBN", sem ter em conta os "SSN"73 em número duplicado no caso
soviético.
Parando para fazer uma breve mas importante reflexão; em termos nucleares, ainda
que a URSS levasse a vantagem, o que é que isso importava na prática, perante um
hipotético (e concretizável se assim fosse decidido) cataclismo total? Mas a «Guerra
Fria» tratara de ser isso mesmo, uma corrida irracional em que os dois únicos
jogadores do "xadrez geopolítico” só se sentiam seguros quando ultrapassavam o
adversário em termos científicos e, sobretudo, numéricos; tratava-se de uma
verdadeira mentalidade quantitativa.
Actualmente, as forças estão mais equilibradas; a Rússia perdeu grande parte do seu
prestígio, nomeadamente após a queda da URSS. A crise económico-financeira
impediu-a de prosseguir com o mesmo ritmo de produção. Por outro lado, os
múltiplos acordos de redução de armamento nuclear – que começaram logo com os
"SALT I" (1969-1972) e "SALT II" (1972-1979), com continuação no "START" –
proporcionaram uma aproximação das duas potências em número de ogivas
operacionais, procurando reduzir ao mínimo o número de "MIRV e "MARV" devido
à sua enorme eficiência letal, a forma inteligente de ataque nuclear74.
73 Submarino nuclear de ataque (sem mísseis balísticos, mas com possibilidade de lançar mísseis de cruzeiro – "SLCM" – pelos tubos dos torpedos, como são exemplo disso os Tomahawk TLAM-N de 200Kt e 2.200Km de raio de acção). 74 Recorde-se que um engenho nuclear causará maior estrago físico se a sua potência fôr dividida em detonações separadas por uma maior área do que concentrada a sua energia numa só explosão, pelo que o aumento da distância de destruição corresponde à raíz cúbica ( 3 ) do aumento da sua potência..
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Em traços largos, na situação actual conhecida na viragem para o século XXI75, em
termos de capacidade de destruição maciça (nuclear), a vantagem continua a reverter a
favor da Rússia em termos de "ICBM" (cerca de vez e meia a força norte-americana),
porém já com desvantagem em número de "SLBM" (260 contra 432 do lado
americano e 1.036 ogivas contra 3.456, embora possuindo, em contrapartida, vez e
meia o número de "SSBN", 27 contra 18, respectivamente). Relativamente aos
bombardeiros estratégicos, ao que se sabe, os EUA levam clara vantagem em número
e tecnologia, com os seus caríssimos B-2 de 2,1 biliões de dólares, acompanhados
pelos possantes B-1B e os antigos mas ainda eficientes B-52.
Para concluir, como foi dito, a aparente vantagem russa em termos nucleares de pouco
serviria, uma vez que ambas as potências teriam a capacidade de se destruir e
continuar a destruir mutuamente, mesmo após os alvos terrestres terem sido atingidos
– os submarinos poderiam continuar, assim, escondidos nas profundezas dos oceanos,
enviando mísseis "Trident" ou "SSN-18" de médio alcance para alvos seleccionados.
Perante este cenário, os EUA têm vindo a desenvolver um sistema defensivo anti-
míssil cuja eficácia oxalá se nunca chegue a comprovar!
Sem embargo, não há dúvida quanto ao facto de a União Soviética ter demonstrado,
sobretudo desde o fim da Segunda Guerra (mas mesmo antes), uma política agressiva
e deveras imperialista – como Oliveira Salazar logo alertara nos seus discursos –,
imbuída de um espírito de forte patriotismo, substituindo – se a História permite fazer
a comparação – a Alemanha nazi como principal ameaça à paz Ocidental e, por
conseguinte, Mundial. Política Imperialista que tinha já visto fortalecidas as suas
raízes em 1922 quando da proclamação da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, com a Rússia a controlar a Ásia Central russa, o Cáucaso, Bielo-Rússia e a
Ucrânia.
75 Dados da FAS, de Janeiro de 1999.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
E voltando aos anos 40 e às balizas temporais nas quais a obra se insere,
politicamente, na Europa de Leste, a URSS não respeitava os compromissos
assumidos quanto à democratização dos territórios conquistados ao domínio
hitleriano, procurando instaurar regimes políticos autoritários, sob a tutela de partidos
comunistas, controlando assim a Checoslováquia, Polónia, Roménia, Bulgária,
Albânia e Jugoslávia.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
3 – O processo de adesão ao “Pacto do Atlântico”
3.1 – A cooperação defensiva no pós-Guerra; background histórico
Finda a Segunda Guerra, a Europa, palco de aturadas batalhas, vivia ainda escaldada
pelo fogo agressivo das ofensivas nazi-fascistas, não obstante a vitória dos Aliados.
Ora, perante este clima de insegurança, tratados de paz e segurança consecutivos
começavam a desfilar pelas centenárias escadas da diplomacia europeia.
Para além da UNO – importante organização mundial consolidada logo em 1945 –,
um dos primeiros tratados de paz, ainda no rescaldo do conflito, foi o tratado de paz
entre os Aliados e a Itália em 10 de Fevereiro de 1947.
O tratado assinado pouco depois, em 4 de Março de 1947, afigurava-se de maior
importância para a própria formação da futura NATO. Assim, este acordo entre a
França e a Inglaterra, ou Tratado de Dunquerque, consistia num pacto de aliança e
assistência mútua em caso de agressão armada germânica.
Em 2 de Setembro de 1947, é assinado, no Rio de Janeiro, Petrópolis, o Tratado de
Defesa do Hemisfério Ocidental, sendo que o seu domínio se estendia agora, também,
aos EUA, não só à Europa como no precedente Tratado de Dunquerque, numa
iniciativa do Presidente Lindbergh de 15 de Agosto do mesmo ano.
Mas a nova ordem mundial e a actualização dos conceitos de agressão e defesa, agora
direccionados com preocupação para Leste, com especial destaque para a política
expansionista soviética – que se demonstravam no fracasso da Conferência de
Moscovo, no apoio dado pela URSS às tentativas de subversão e tomada de poder
pela força na Grécia e Turquia, na recusa soviética do Plano Marshall e OEEC ou
mesmo no "Golpe de Praga" em Fevereiro de 1948 –, levavam a um alargamento das
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
relações de defesa da Europa (em 17 de Março de 1948) à Organização do Tratado de
Bruxelas, entre a França, Inglaterra e Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo), de
compromisso de assistência mútua em caso de agressão exterior e de resolução
pacífica de eventuais conflitos internos, para além de um sistema de consultas mútuas
no domínio económico, social e até cultural, ou seja, um primeiro acordo de defesa
europeia.
3.2 – De Bruxelas a Washington
A negativa inglesa de 1947, referida no ponto 5 do Capítulo II, quanto à proposta
portuguesa relativa ao estabelecimento de um plano conjunto de defesa permanente,
punha em causa a ideia bilateralista da dupla aliança Portugal–Inglaterra / Inglaterra–
EUA. Londres parecia não ter meios ou não estar interessada em defender Portugal e
apresentava-se confiante do benefício de que a ajuda norte-americana (necessária, no
seu ponto de vista) poderia trazer para a Europa incapaz, perante uma possível ameaça
de Leste, de dar, por si só, uma resposta conveniente. A própria Inglaterra pediria a
Washington o seu envolvimento directo e permanente na defesa do Velho Continente,
pelo que, segundo ela, o já estabelecido Pacto de Bruxelas, no qual, em 1948, se
aliaram a Inglaterra, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, não teria eficácia sem a
sua importante participação, sobretudo quando parecia estar avivada a possibilidade
de um ataque desse calibre à Europa de Leste. Os artigos do referido Pacto
descortinavam princípios federalistas, democráticos, de coordenação económica e um
arquétipo esquema defensivo colectivo ou acordo militar76 não estando agora a
Alemanha classificada como potencial agressor, contrariamente ao anterior Tratado de
Dunquerque.
76 Assim como seria o artigo 5.º da NATO, também expresso no art.º 51 da Carta das Nações Unidas.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Foi no âmbito das novas realidades geopolíticas, bipolarizantes, que se discutiu, na
capital americana, um possível pacto de defesa que comportasse o Atlântico-Norte,
liderado pelos EUA «que compreendem constituir a Europa Ocidental a primeira linha
de defesa do continente americano»77, em nome da salvaguarda dos regimes
democráticos ocidentais78. Em 11 de Abril de 1948, o secretário de estado norte-
americano inaugurou as conversas exploratórias com os senadores Arthur H.
Vandenberg e Tom Connally sobre os problemas de segurança do Atlântico Norte.
Precisamente dois meses depois, a 11 de Junho, a chamada "Resolution 239" ou
"Vandenberg Resolution" era aprovada pelo Senado dos Estados Unidos da América
por 64 votos contra 4. A 6 de Julho começavam as conversações preliminares que
conduziriam ao Pacto do Atlântico, em Washington, entre o State Department e os
Embaixadores do Canadá e integrantes do Tratado de Bruxelas.
A Inglaterra, confiante da eficácia do projecto do Pacto do Atlântico, sugeriria o seu
alargamento à Escandinávia. A França travaria a sua expansão à Grécia e Turquia –
países que os EUA queriam incluir numa primeira fase. Os casos da Espanha79 e
Alemanha nem são postos em causa devido à prevista oposição da França e Benelux.
77 V. Franco Nogueira, op. cit., pág. 226. 78 Não confundir com imposição democrática. Aliás, a ideia de um alargamento à Europa (e a Portugal, em particular) trazia consigo o preconceito – como iremos ver – de que o futuro Pacto do Atlântico iria obrigar os países aderentes e o Estado Novo a inflexionar toda a sua política interna na orientação democrática e externa no sentido da emancipação colonial. 79 Ao que parece, não obstante a aprovação de um documento, por Henry Truman, em Janeiro de 1948 no qual se declarava não haver qualquer benefício para a Europa a manutenção do isolamento diplomático da Espanha, não foi a inclusão da Espanha nas negociações concretizada perante o receio das inerentes reacções europeias. Para mais, a integração da Espanha obrigaria a uma injecção maciça de ajuda militar norte-americana que adviria da necessidade de modernizar as suas forças armadas obsoletas. Por outro lado, a adesão da França ao Pacto do Atlântico estava condicionada à imposição francesa de dirigir os futuros planos defensivos para a linha do Reno e não para os Pirinéus. Para além da questão dos regimes socialistas ocidentais não verem com bons olhos o regime espanhol.
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3.3 – A difícil introdução de Portugal no panorama das negociações
No documento «Pro-Memoria»80 entregue pelo Embaixador de Inglaterra a Caeiro da
Matta81 em 6 de Outubro de 1948, é referida a existência de «exploratory
conversations opened early in July82 in Washington between the signatories of the
Treaty of Brussels (Belgium, France, Luxemburg, the Netherlands and the United
Kingdom) and representatives of the Governments of the United States and Canada
[sete, no total] (...) for the conclusion of a pact of mutual assistance among North
Atlantic countries».
Ao que parece, tratava-se da primeira informação – através da Inglaterra –
apresentada a Portugal relativamente às negociações que decorriam, havia já três
meses, em Washington no âmbito da conclusão do futuro Pacto do Atlântico. Até à
data, Portugal não havia sido contactado directamente pelos EUA
Explicava ainda o documento que «in order to be fully effective, such a pact should
include (...) also certain other North Atlantic countries, such as Portugal, Norway,
Iceland and Denmark.» Falava-se já num arquétipo pacto de segurança, o «North
Atlantic Security Pact», que pretendia alargar a sua esfera de influência a Portugal
entre outros países, e que se enquadraria nos artigos §51 e §52 da Carta das Nações
Unidas e seguiria «in some measure» a esteira do Tratado de Defesa do Hemisfério
Ocidental.
Tratava-se somente de um memorial, meramente informativo, não de um pedido de
decisão por parte do governo português, pelo menos por enquanto.
80 AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0). 81 José Caeiro da Matta. Ministro dos Negócios Estrangeiros desde 1947. 82 Iniciadas, efectivamente, a 6 de Julho de 1948.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Não obstante, um artigo do The Washington Post dizia ser essencial para a estratégia
norte-americana o alargamento do Pacto do Atlântico a países como a Noruega,
Dinamarca, Islândia e Portugal «into full or partial partnership in North Atlantic
defense», dito nestes termos largos: «'Atlantic Powers Want Link With Nations
Owning Bases'». Este artigo, em exposição relativamente longa, fala das posições
estratégicas destes países. Entre outras coisas, refere o caso da Noruega como sendo o
mais propício a aderir com facilidade caso lhe seja feito o convite (por razões que se
prendem com a sua invasão pela Alemanha em Abril de 1940); mais à frente vem
referida a possibilidade portuguesa, embora vista com um certo desprezo ou, no
mínimo, como aspecto secundário: «Similarly, the United States Air Force can use its
present base in the Portuguese Azores whether or not Portugal formally joins the
North Atlantic partnership. Almost a year ago Portugal agreed to let the United
States use the Lagens83Airfield in the Azores for five years, and Defense Secretary
Forrestal expressed his 'deep gratitude' for Portugal's 'generous assistance and
cooperation'»; ainda relativamente a Portugal, diz que, pelo seu antigo tratado («600-
year-old») com a Grã-Bretanha faria pouca diferença em caso de guerra caso o País
aderisse formalmente como «full partner» ao novo Pacto do Atlântico.
Num «Informação–Resumo–Parecer»84 do Ministério dos Negócios Estrangeiros,
do mesmo dia, vem referida, no mesmo âmbito, a «posição da Espanha»: «parece que
Franco não se mostra decidido a dar um passo – um pequeno passo e sem isso não é
possível entrar-se em relações com aquele país em matérias como a de que nos
estamos ocupando. Mas o que é esse passo? perguntei. A concessão de liberdades
desconhecidas actualmente em Espanha: expressão do pensamento; a libertação de
prisioneiros (...) [aliás, tudo coisas a que o Estado Novo português parecia não abrir
83 Em vernáculo, o seu nome era "Lagens"; só mais tarde se passou a chamar Lajes. 84 AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
mão] e disse (...) que os Estados Unidos estavam intransigentes na sua atitude para
com a Espanha.»
Em 31 de Outubro de 1948, é publicado no Diário da Manhã (e, naturalmente, noutros
jornais) um telegrama de Londres distribuído pela Agência France-Press «com
referências à elaboração do Pacto do Atlântico», onde se fazia referência, ao abrigo da
aliança luso-britânica, a «uma adesão formal de Portugal ao Pacto pouco menos de
irrelevante» ou mesmo despicienda.
Noutro «Informação–Resumo–Parecer»85 de 10 de Dezembro do mesmo ano,
António Leite de Faria86, a propósito do referido «Pró-Memória» de 6 de Outubro,
fazia menção de que o subsecretário do Forreign Office de Londres estava interessado
em saber a opinião do Presidente do Conselho, que o Embaixador norte-amerciano
subscrevia inteiramente aquele documento britânico, e considerava, mesmo, urgente
uma resposta por parte do Governo Português, «tanto mais que há razões para supor
que a [referida] Nota de inspiração oficiosa publicada na Imprensa portuguesa [de 31
de Outubro] (...) teria sido interpretada em certas capitais estrangeiras como
significado desinteresse do Governo Português pelo Pacto do Atlântico em
preparação. Ora aquela Nota referia-se apenas à hipótese da nossa adesão ao Pacto ou
união Ocidental [Pacto de Bruxelas], e os seus termos poderiam ter sido influenciados
de certa maneira por uma diligência infeliz do Secretário de Estado Bevin...», e
acrescentando que «o Pacto de Bruxelas está redigido de tal forma (em especial os
seus considerandos relativos à defesa das liberdades democráticas e resistência à
agressão alemã) que nos seria difícil ou impossível tal adesão.» Chega mesmo a
considerar o Pacto do Atlântico «despido das fantasias ideológicas...», ou seja, mais
brando do que o Pacto de Bruxelas se afigurava, factor que facilitaria, de certo modo,
85 Idem. 86 António Leite de Faria. Secretário-Geral do MNE (1948).
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a integração de Portugal; assim, à partida, uma adesão ao Pacto do Atlântico não seria
necessariamente incompatível com o regime político ou mesmo com o Império
ultramarino português.
Esta confusão por parte da Imprensa – que o Diário da Manhã acrescentava: «Não
será excessivo acrescentar que esta impressão dos meios geralmente melhor
informados corresponde por inteiro aos sentimentos profundos do País» –
demonstrava, por si só, um excesso ou precipitação, numa altura em que Portugal
ainda se não tinha pronunciado nem sequer questionado tinha sido relativamente à
conclusão do afigurado arquétipo Pacto do Atlântico.
António Faria, embora mostrasse estar ciente dos eventuais perigos de uma
aproximação – o possível desejo norte-americano de estabelecer bases em território
português –, defendia um não-desinteresse por parte de Portugal quanto à
possibilidade da sua inclusão, «tanto mais que nas linhas gerais ou nos seus objectivos
tal Pacto poderia enquadrar-se no sistema defensivo a que estamos ligados pela
aliança inglesa e até certo ponto pelo Acordo dos Açores. (...) Convirá por isso não
pôr de parte sem sério exame as vantagens que poderiam advir da nossa maior ou
menor associação com os trabalhos de preparação do Pacto do Atlântico (...) Se a
redacção final do Pacto não tornar impossível a nossa eventual adesão, teríamos
oportunidade de entrar de direito próprio no organismo internacional de segurança do
mundo ocidental...». E justificava, dizendo que «parece fora de dúvida que, ao
contrário do que sucedeu em 1939, não será possível manter a neutralidade numa
guerra com a Rússia.»
Falava ainda na questão da Espanha, dizendo que esta tinha «todo o interesse em
entrar no agrupamento dos países Ocidentais», alegando as diversas entrevistas de
Franco e a preocupação por parte do Embaixador de Espanha em saber do estado das
negociações entre «os sete» e Portugal, e que a posição de Portugal relativamente à
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Espanha sairia fortalecida, defendendo ainda a hipótese de «sermos dentro do Pacto os
advogados da inclusão daquele país» ou «seria sem dúvida preferível que entrasse
pela nossa mão do que antes ou independentemente de nós.»
António Leite de Faria mostrava-se, assim, como sendo um dos primeiros defensores
da integração de Portugal no Pacto do Atlântico, defendendo também a inclusão de
Espanha por intermédio de Portugal, posição que fortaleceria o País.
Finalmente, no «Pro-Memoria»87 do MNE, de 31 de Dezembro de 1948 – entregue
por Caeiro da Matta a Sir Nigel88 – o Governo Português declara ao Governo de Sua
Majestade ter tomado conhecimento «com muito interesse» das conversações
exploratórias de Washington, aproveitando o ensejo para agradecer ao Embaixador
britânico, declarando a vontade de ser «mantido ao corrente» das negociações, e para
tecer prévias considerações sobre três pontos considerados importantes pelo Governo:
a) – O desprezo pela ideia de uma federação europeia ou «projectos de inteira fusão
económica e política, de união ou de federação», uma vez que tais projectos iriam
contra a tradição política e cultural multissecular e contra «um ideal de independência
que os tornam irredutíveis a um nivelamento que só seria possível quando aplicado a
Estados de criação recente» (como os EUA);
b) – A oposição à política de estabelecimentos de bases estratégicas «desde o tempo
de paz» em territórios estratégicos;
c) – A defesa da inclusão da Espanha no sistema defensivo ocidental, pela
importância da Península Ibérica na defesa de um ataque vindo de Leste, uma vez que
constitui «uma unidade geográfica e estratégica», pelo que sem a inclusão da Espanha
o sistema defensivo não seria eficaz.
87 AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0). 88 Sir Nigel Ronald. Embaixador britânico em Portugal.
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A defesa da entrada da Espanha, pelo Governo, pode provar-se pelas declarações de
Oliveira Salazar à United Press:
P: [United Press] – «Tem V. Ex.ª a opinião de ser indispensável que toda a Península
Ibérica faça parte do Pacto do Atlântico para o funcionamento efectivo duma frente
ocidental contra a possibilidade duma agressão?»
R: [O. Salazar] – «Nestes termos Portugal é partidário de que se procure a entrada da
Espanha no Pacto do Atlântico ou por qualquer outro entendimento se substitua a sua
adesão formal, se continuarem a verificar-se dificuldades políticas que se lhe
oponham. O funcionamento pleno duma frente ocidental contra uma agressão é
condicionado por uma política de idêntico sentido na Península Ibérica – concluiu o
Sr. Doutor Oliveira Salazar.»89
Em resposta ao memorial de 31 de Dezembro, o Embaixador de Inglaterra entrega, 10
dias depois, um «Pro-Memoria»90 (10 de Janeiro de 1949) com informação
respeitante aos três pontos em questão. Quanto à dúvida portuguesa da «federação
europeia», o Embaixador britânico relembra que o Tratado do Atlântico Norte
proposto é desenhado para fortalecer a capacidade defensiva das partes interessadas
contra uma agressão, e exorciza o preconceito dizendo que isso não pode ser
confundido com medidas promotoras de aproximação política ou económica com
vista a uma integração dos países da Europa Ocidental, não havendo pois qualquer
espécie de conflito entre as visões dos dois estados; quanto às «bases estratégicas»,
Londres responde dizendo que «the proposed Treaty makes no provision for the
establishment in time of peace of military or air bases in territories of special
strategic significance for the defence of the Atlantic», ou seja, as opiniões lusas e
britânicas também são concordes; por fim, na «questão da Espanha», mais uma vez o
89 «United Press». AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0), Serviços de Imprensa. 90 AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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Governo de Sua Majestade corrobora a posição portuguesa, «fully share the
Portuguese Government's view of the importance of the whole of the Iberian
Peninsula in any scheme for Western European defense», lembrando, contudo, que, se
de momento a participação da Espanha levanta algumas dificuldades políticas, o
Governo de Londres está ansioso por ver aquele país associado «politically,
economically and strategically» à Europa Ocidental.
No mesmo dia 10 de Janeiro, o Embaixador Lincoln MacVeagh, representante do
Governo norte-americano em Lisboa, pela primeira vez no âmbito do Tratado do
Atlântico Norte, entrega um «Aide Memoire»91 a Caeiro da Matta. Nesse documento,
é feita menção – através de um texto pré-redigido idêntico ao que seria entregue no
mesmo dia pelo Embaixador de Inglaterra – dos primeiros contactos realizados entre
Londres e Lisboa desde o «Pro Memoria» de 6 de Outubro e respectiva aprovação de
Washington, referindo as «exploratory talks» desenvolvidas entre os sete iniciais; que
nessas conversas fora recomendado que Portugal, a Irlanda, a Islândia, a Dinamarca e
a Noruega [países propostos] fossem consultadas acerca da sua vontade em considerar
a sua participação como originais signatários do Tratado e, se tal se verificasse, na
redacção definitiva dos seus termos; que o Tratado, embora em harmonia com a Carta
das Nações Unidas, será redigido de forma a ser plenamente apropriado para
assinatura de qualquer país do Atlântico Norte seja ou não membro das Nações
Unidas; que o Governo Americano gostaria de receber, informalmente e com
urgência, qualquer posição que o Governo Português desejasse exprimir relativamente
à forma e momento de uma aproximação oficial.
Informa, de seguida, que o Tratado é feito para fortalecer a capacidade defensiva das
partes contra uma agressão externa e que, à imagem do que foi dito pelo Embaixador
britânico, que não haverá perigo de um «federalismo europeu»: «it would in no way
91 Idem.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
derogate from the full sovereignty of the parties» e, não menos importante,: «it will
not be applicable to the colonial possessions of any party except through providing
for consultation should they be threatened»; e quanto à questão da Espanha, é dito que
o Governo dos EUA gostaria mesmo de ver a Espanha incluída quando politicamente
possível, justificando que «under present circumstances Spain's inclusion is not
politically possible for most European participants.»
E para dar mais relevo às suas declarações, diz o Embaixador que estas informações
supra citadas foram redigidas antes do Governo Americano ter tomado conhecimento
tanto da «Aide Memoire» entregue pelo Ministro português ao Embaixador britânico,
de 31 de Dezembro, como das conversações entre eles. Mostra-se igualmente
satisfeito, à imagem do referido documento do dia 31, por haver concórdia de
opiniões entre Portugal e EUA, acrescentando que: a) embora o Governo Americano
aprecie uma progressiva aproximação económica e política de carácter integrante da
Europa Ocidental, o Pacto do Atlântico é um projecto «entirely different» e que não
pode ser confundido com tais medidas (como aliás já se tinha referido); que a nenhum
membro poderia ser imposta a cedência de utilização de parte do seu território ou
bases estratégicas sem o seu total consentimento; que a não-inclusão de Espanha de
momento não deveria ser um obstáculo à integração de Portugal no Pacto.
Um telegrama92 expedido da embaixada de Portugal em Washington, de 26 de
Fevereiro de 1949, informa acerca do progresso da redacção do Pacto do Atlântico,
indicando que a Imprensa não tem feito, nos últimos dias, referência a Portugal.
No «Memorial»93 de 8 de Março de 1949, entregue aos Embaixadores Americano e
Britânico, o Governo Português, após agradecer as informações dadas pelo
92 Idem. 93 Idem.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Embaixador norte-americano nos memoriais antecedentes, pede para ser elucidado
com a precisão possível sobre determinados pontos:
1) – Duração do tratado – mostra-se preocupado com a possibilidade de uma duração
excessiva (20 anos (?), segundo a Imprensa), pois teme-se que, num prazo mais
alongado que o desejável, possam os membros do Tratado envolver-se (mesmo
individualmente) em beligerâncias que não uma guerra mundial do tipo Leste-
Ocidente para a qual o Pacto tinha sido projectado, arrastando as restantes partes para
esse conflito que, no caso português, «da solução desses conflitos demonstrou a
experiência não lhe advieram nunca vantagens correspondentes aos sacrifícios que
uma ou outra vez lhe custaram»;
2) – Espanha – não se exime o Governo Português de reconhecer a Península Ibérica
como uma unidade geoestratégica, pois, numa eventual agressão vinda de Leste, um
reforço concertado das Forças Armadas dos dois países na zona limítrofe dos Pirinéus
representaria uma garantia adicional de segurança na oposição a uma invasão da
Península Ibérica, pelo que há necessidade de saber se as negociações94 com Espanha
nos trâmites definidos, em tais circunstâncias, se revelariam incompatíveis com os
pressupostos do Tratado do Atlântico;
3) – Situação das colónias em face do Pacto do Atlântico – teme-se que a segurança
dos territórios ultramarinos portugueses fora do Atlântico possa ser afectada em
consequência da adesão de Portugal; pedem-se, pois, informações mais detalhadas
acerca do assunto, incluindo a opinião do Governo Americano;
4) – Garantias – a inclusão no Tratado de garantias relativas à integridade territorial
dos Estados membros, uma vez que se prevê a adesão de membros que ainda não
94 Nomeadamente a continuidade da situação sustentada pelo 2º Protocolo adicional ao Tratado de amizade e não agressão Luso-Espanhol de 20 de Setembro de 1948.
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fazem parte da UNO, não se encontrando esses ao abrigo das garantias de segurança
consagradas na respectiva Carta.
Num telegrama expedido95 da Embaixada de Portugal em Washington, de 8 de
Março, informa o Embaixador Pedro Teotónio Pereira que, conforme comunicado
pelo chefe da Divisão da Europa, Mr. Hickerson, o texto está já concluído e que
deverá ter aprovação das partes dentro de poucos dias após imediata comunicação a
Portugal, Islândia, Dinamarca e Itália96, prevendo-se já a publicação no dia 15 do
corrente. Informa também que o governo dos Estados Unidos e o próprio Reino-
Unido veriam «com muito agrado» o rápido pronunciamento de Portugal quanto à sua
vontade de ser convidado a aderir ao Pacto com as nações signatárias, pois seria
divulgada a lista também no dia 15 com a publicação, conjuntamente, pelo que a
resposta teria de chegar antes; caso a resposta fosse positiva, o Portugal ficava desde
já convidado a tomar parte em Washington das discussões finais do Pacto.
A data da assinatura está marcada para dia 4 de Abril com a comparência dos
Ministros estrangeiros.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros responde a Teotónio Pereira com outro
telegrama97 onde reclama não ter havido ainda resposta por parte dos EUA
relativamente aos 4 pontos postos em questão pelo Governo Português em 8 de
Março. Reafirma no telegrama que:
a) – O «Governo foi sempre de parecer entendimento países ocidente europeu
apoiados e ajudados política económica e materialmente por USA era indispensável
para enfrentar expansionismo e eventual ataque por parte da Rússia»; questões
95 AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0). 96 A Irlanda já tinha declinado o convite, em Fevereiro. 97 Telegrama n.º 44, de 11 de Março de 1949. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
relativas à possibilidade de dependência do Pacto do Atlântico ao anterior Tratado de
Bruxelas;
b) – Portugal se mantém intransigente quanto à ocupação de bases em tempo de paz,
duvidando das intenções americanas e alegando que, tecnicamente, «base não
preparada nem ocupada tempo de paz inútil para tempo de guerra»; «não criaremos
'Gibraltares' em território português!» – exclama Caeiro da Matta;
c) – A eventual adesão de Portugal só condicionaria o País a entrar em beligerância
em caso de guerra contra a «Rússia», pelo que uma duração inicial (de 10 anos)
deveria ser acordada;
d) – O problema das garantias aos países não abrangidos pela UNO;
e) – Sem embargo à alínea a), não tem o Governo «manifestado pressa nem empenho»
na tomada de parte nas negociações ou na adesão sem antes ficarem esclarecidas todas
as dúvidas diplomaticamente expostas;
As alíneas f) e g) não são mais do que recordatórios do que até agora foi dito quanto
aos «melindrosos» mas importantes pontos para Portugal, e quanto à questão da
Espanha.
Noutro telegrama98 de 11 de Março, o Embaixador de Portugal em Washington
informa acerca do grande entusiasmo que o Governo de Londres, pelo Embaixador de
Inglaterra, tinha «vivamente» em ver Portugal incluído nas nações signatárias. Diz o
Embaixador, um dia depois, também por telegrama, que há atrasos na aprovação do
texto, pelo que será realizada então uma reunião no dia 16 e a sua publicação adiada
para 18.
98 AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Em 13 de Março, em adiantamento ao telegrama n.º 44 de 11 de Março, Pedro
Teotónio Pereira mostra-se um grande defensor da integração de Portugal, não
podendo responder objectivamente às questões postas por Portugal, mas mostrando-se
empenhado numa resolução célere:
«(...) sempre me pareceu que havia vantagem em discuti-lo [questões propostas por
Portugal] oportunamente quer limitando-nos ao contacto estreito e seguido com
Inglaterra e Estados Unidos quer participando mesmo na discussão geral mediante
adesão de principio subordinada certas reservas essenciais. Por mais de uma vez pedi
orientação com vista à posição a tomar nos meus contactos aqui e não propriamente
para agir pois compreendi que negociações estavam circunscritas Lisboa. Algumas
das nossas dúvidas ou sugestões talvez pudessem ter sido consideradas aqui se temos
tido ocasião de as formular na melhor oportunidade. Essa era a vantagem principal de
tomar parte nestas discussões.»
E, de uma forma presciente, semelhante, até, à qual Salazar nos tinha já habituado,
continua:
«As pressões futuras acerca [dos] Açores não dependem de estarmos ou não no Pacto
do Atlântico. Mas minha [a] dúvida reside em saber se estamos em melhor posição
fora dele para nos defendermos de pretensões alheias do que aderindo sob reserva [da]
recusa incondicional [a] possíveis "Gibraltares" mencionados por V. Ex.ª».
No dia 14 é a vez da Islândia declarar à Imprensa que se mostra intransigente na
questão (também defendida por Portugal) da não cedência de bases em clima de paz.
Ainda em 14 de Março, chega uma resposta – ainda que indirecta e por intermédio da
embaixada portuguesa nos Estados Unidos – aos esclarecimentos pedidos pelo
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Governo de Lisboa, também sob a forma de um telegrama99, informando que será
comunicado o texto, a Lisboa, no dia 16, e que:
a) – Só o país visado poderá autorizar o uso das suas bases;
b) – Foi exigência da França o estabelecimento de um prazo mínimo de 20 anos;
contudo, como o «único agressor porém em vista é naturalmente a Rússia comunista»
haverá uma revisão do Pacto ao fim de dez anos;
c) – O Governo norte-americano crê haver «garantia máxima e recíproca entre nações
signatárias, todas no mesmo pé de igualdade»;
d) – Crê este Governo que a presença de Portugal no Pacto «ajudará a entrada da
Espanha».
Um dia depois, a 15 de Março, o Ministro dos Negócios Estrangeiros envia um
telegrama100 a Teotónio Pereira, informando que a «nossa posição por agora não
pode deixar de ser [a de] aguardar resposta formal [ao] nosso pedido [de]
esclarecimentos.»
O Embaixador de Portugal recebe, ainda no mesmo dia, outro telegrama101 no qual
Caeiro da Matta dá indicações das informações preliminares fornecidas pelo Foreign
Office ao Embaixador da Inglaterra em telegrama que, por sua vez, entregara ao
Director Geral dos Negócios Políticos. Relativamente às 5 questões que Portugal
levantara, confirma-se que:
99 Telegrama no. 87 de Teotónio Pereira, da Embaixada de Portugal em Washington, de 14 de Março. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0). 100 Telegrama Recebido N.º 48. Embaixada de Portugal em Washington. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0). 101 Telegrama Recebido N.º 49. Embaixada de Portugal em Washington. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
a) – O Pacto não continha quaisquer disposições sobre a ocupação de bases em tempo
de paz;
b) – A duração era de 20 anos (com possibilidade de revisão ao fim de 10), se bem
que se Portugal, ao fim dessa década, desejasse poderia retirar-se, em princípio;
c) – A Espanha não iria entrar enquanto Franco continuasse a ser «obstáculo», e que o
Pacto não invalidaria tratados anteriores;
d) – O artigo 4º do Pacto cobria a hipótese de as partes serem consultadas quanto à
defesa de territórios coloniais em caso de ameaça ou agressão;
e) – O texto do Pacto oferecerá garantias «mais eficientes» aos seus signatários do que
a própria Carta das Nações Unidas.
Ainda neste mesmo dia, Teotónio Pereira informa102 que a permanência silenciosa de
Portugal perante o Pacto poderia trazer «a público versões inconvenientes ou (...)
interpretações menos favoráveis...», pelo que urgia fazer alguma declaração; sendo
assim, tomou o Embaixador de Portugal a liberdade de enviar uma declaração à
Imprensa103 «sem carácter demasiado formal», enaltecendo o carácter nobre do
Governo Português em colaborar com os EUA na cedência de facilidades nos Açores
ainda durante o conflito, aproveitando para referir três pontos relevantes para Portugal
no futuro Pacto: bases em tempo de paz, duração do Pacto e a questão da Espanha:
«(...) The Portuguese Government was one of the first governments to express
satisfaction on the idea of a pact of the Atlantic Nations. (...) considering the necessity
to organize a just peace, the Portuguese Government did not even hesitate, after the
102 Telegrama Expedido N.º 89. Embaixada de Portugal em Washington. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0). 103 Telegrama Expedido N.º 90. Embaixada de Portugal em Washington. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
cessation of hostilities, to sign with the American Government an agreement of
limited duration whereby certain transit facilities in the Azores, previously given the
American Aviation during the war, were extended for a period of a few years.
(...)
The Portuguese Government gave evident proof not only of their cooperative spirit
but also of the friendship and confidence which inspire their relations with the United
States of America.
Referring to the manner by which the idea of the North Atlantic Pact has been
brought to light the Portuguese Government could not, nonetheless, refrain from
declaring, with utmost clearness, their decision not to accede to any international
commitment which might tie them to the obligation of granting, in peacetime, military
bases to a foreign power. Less still, should the decision on such course depend upon
the mechanics of an agreement in which the views of other powers might prevail. Such
idea would be entirely contrary to the principle, which does not admit violation, of
national sovereignty.
On the other hand, it appeared to the Portuguese Government that a period of ten
years, possibly extensible, would have been preferable for the duration of the Pact.
Furthermore, Portugal could not fail to notice the exclusion of Spain, their
neighboring power along all of Portuguese land frontier, and whose absence could
only weaken the role which the Iberian peninsula as a strategic block of the highest
importance, might be called to fullfill.»
UNIVERSIDADE LUSÍADA Página 98
A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Ao que parece, esta declaração saíra em primeira página dos jornais de Washington,
como refere o telegrama104 do dia 16 de Março, de Teotónio Pereira:
«Creio que foi ainda tempo de marcar nitidamente nossa posição sem deixar lugar
equívocos. Jornais interpretaram-na unanimemente como atitude simpatizante mas
registando nossas reservas (...) Não recolhi até agora nenhuma reacção desfavorável.»
Segue-se uma série de documentos, memoriais e telegramas que pouco adiantam no
processo de negociação, sendo muitas vezes repetições do que até então tinha já sido
dito ou reivindicado, como seja o «Pro-Memoria» da Embaixada Britânica em
Lisboa de 17 de Março de 1949 que reafirmava 4 das 5 questões já abordadas, ou um
documento ou carta sem remetente105 que, ao que parece, tinha a sua origem na
Embaixada dos EUA em Lisboa e era dirigida a José Caeiro da Matta, à imagem do
memorial britânico, tecendo considerações (repetições) relativas às questões da
duração, Espanha, colónias e garantias, não adiantando muito mais às preocupações
postas pelo Governo Português no referido memorial de 8 de Março.
Destaque merece o «Aide Memoire»106, do mesmo dia 17, que refere o convite feito,
neste mesmo dia, a Portugal, diz isto:
«The American Ambassador had the honor to be received today (...) and in
connection with the invitation extended today to the Portuguese Government to join
with the Government of Belgium, France, Canada, Luxemburg, The Netherlands,
Norway, the United Kingdom, and the United States of America in signing the
proposed North Atlantic Treaty, told the Minister that he had been instructed by his
Government orally to inform that several of the Foreign Ministers of the participating 104 Telegrama Expedido N.º 91. Embaixada de Portugal em Washington. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0). 105 Carta de 17 de Março de 1949. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0). 106 Entregue pelo Embaixador dos EUA ao MNE. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Governments plan to proceed to Washington for signature of the Treaty and to state
that the United States Government would be gratified if he could be present.»
Num telegrama também do mesmo dia, Pedro Teotónio Pereira, informa que fez os
possíveis para encurtar a duração do prazo: «Sem dizer expressamente [aliás, outra
coisa não seria de esperar] que não aceitação [dos] vinte anos implicaria [a] nossa
recusa[,] mostrei grande preocupação (...) Senhor Achilles disse que [os] Estados
Unidos haviam cedido com extrema dificuldade ao pedido [dos] países europeus para
longa duração. Aqueles haviam insistido [na] necessidade sine qua non [do] mínimo
[de] vinte anos (...) Por último[,] pediu-me que transmitisse uma vez mais [a] V. Exa.
[o] desejo instante [de] este Governo ver Portugal comparticipar [no] pacto.»
Um aspecto curioso é referido pelo Embaixador de Portugal, noutro telegrama107,
segundo o qual a declaração de Dean Acheson no convite feito às nações concorrentes
[e a Portugal] se baseava nos princípios importantes da «capacidade de desenvolver
princípios democráticos» e na preparação para «fortalecer [a] segurança [na] área do
Atlântico Norte.» Ora, neste último ponto, não há dúvidas quanto ao facto da posição
geográfica de Portugal ser de primeira importância para o Pacto, pois se trata de um
país vincadamente Atlântico ao qual se junta um arquipélago de primeira importância
geoestratégica, como aliás foi abordado no ponto 8 do Capítulo III; quanto àquele
primeiro ponto, na prática, Portugal não poderia ser considerado referência, contudo,
se efectivamente se não verificava aquele regime mencionado, persistia contudo a
eventual e hipotética capacidade, em parte alterada por uma alteração estratégica de
discurso também já abordada no primeiro capítulo desta obra.
107 Telegrama Expedido, de 18 de Março de 1949. Embaixada de Washington. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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Um telegrama108 seguinte, recebido em Washington, proveniente do MNE, com data
de 18 de Março de 1949, dá informação à Embaixada de Portugal em Washington de
que o Embaixador norte-americano entregara a Caeiro da Matta o texto do Pacto e a
nota convidando o Governo Português para a assinatura a realizar na primeira semana
de Abril (dia 4, em princípio); e que, inclusivamente, entregara nota de resposta às
questões levantadas no memorial de 8 de Março, e que, após o Ministro a ter lido,
tecera as seguintes considerações:
«Nota de resposta ao nosso pedido de esclarecimentos poderia ser em certo modo
aceite pelo que se refere à Espanha, colónias e garantias. Quanto à duração[, a] nota
chama a atenção para os artigos doze e treze que [o] Governo Americano julga
conterem as garantias desejadas pelo Governo Português pela possibilidade de revisão
ao fim de dez anos. Não nos parece exacta [a] maneira de ver desse Governo porque
expressamente [ao] Pacto declara que [a] possibilidade de denúncia e saída só pode
verificar-se ao fim de vinte anos[,] não sendo admissível em face [do] próprio texto
que a revisão ao fim de dez anos mencionada no artigo doze possa ter aquele efeito.
Como penso que [o] Governo não está disposto a assumir os compromissos do acordo
por vinte anos mas só por dez, rogo a V. Exa. fazer as necessárias diligências junto
[do] State Department para o efeito saber se [o] texto que nos foi submetido ainda
pode ser modificado (...) ou se (...) o Governo Português poderia assiná-lo sob reserva
[ao] período [de] duração que para nós não pode ir além de dez anos.»
Em resposta apressada do Embaixador ao telegrama supra referido, dá-se a
informação final de que, após Teotónio Pereira ter conversado com Hickerson e
Achilles sobre a duração do Pacto, se chegou à conclusão que não vão ceder sobre
aquele aspecto – o único ainda por resolver – à partida de importância primordial para
108 Cópia do Telegrama Recebido N.º 52, proveniente do MNE em Lisboa, de 18 de Março de 1949, que surge, incorrectamente, com o nome do remetente Teotónio Pereira; ora, este telegrama foi dirigido ao Embaixador e não enviado pelo memo (provavelmente, uma confusão por parte do AMNE).
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o Governo Português: «Achilles disse-me [ao Embaixador] ontem com toda [a]
franqueza que infelizmente nada havia a fazer nesta altura.» Mostra-se Teotónio
Pereira convicto de que seria criar complicação referir a possibilidade de criar um
regime excepcional para Portugal na adesão com reserva.
No dia 19 de Março é a vez de Inglaterra se pronunciar claramente a favor do
alongamento do prazo – o maior possível, na visão daquele país ainda muito
atormentado pela Guerra –, referindo o Embaixador de Inglaterra que a duração de,
pelo menos, vinte anos dá ênfase ao Pacto como «long term association for peace and
security»109 e não somente como uma aliança efémera contra a União Soviética.
Num telegrama da Embaixada de Portugal em Washington, Palmela informa que, em
conversa com Bevin, este lhe tinha pedido para dirigir um apelo instantâneo ao Sr.
Presidente do Conselho, em seu nome, para a assinatura do Pacto do Atlântico,
elogiando contudo a sua capacidade de «longa visão» que «não podia deixar de ver a
razão que assistia à resolução de fixar o prazo do Pacto em 20 anos», uma vez que se
lhe afigurava como único perigo dos próximos 20 anos o «russo»; «os nossos povos
têm que se purificar das ideias comunistas. Para isso teremos de poder garantir a paz
por um largo período.» Aliás, António de Faria, num «Resumo de Conversa»110 a
respeito da troca de impressões entre o Duque de Palmela e Bevin, reforça as pressões
de Londres no âmbito da subscrição de Portugal ao Pacto, e que parece ao Governo
Britânico que a não-assinatura por parte do País representaria a perda de uma
«chance» única de associação ao «mais poderoso grupo [de] nações que jamais se
aliaram em tempo de paz.»
Também numa conversa com António de Faria, Sir Nigel questiona-o por que só se
apresentou o problema dos 20 anos de duração do Pacto tão tardiamente; prontamente,
109 Carta de 19 de Março de 1949, entregue pelo Embaixador de Inglaterra. AMNE. 110 António de Faria; «Resumo de Conversa» de 19 de Março de 1949. AMNE.
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António de Faria responde-lhe, provavelmente em subterfúgio, dizendo que as
eleições tinham sido a principal razão...
Resumindo, Portugal, contrariamente à Noruega que anuiu de início quando do seu
convite pela mesma altura e que participou activamente das negociações em
Washington, ficou, antes, à espera que se lhe apresentasse resposta formal clara
quanto às suas reivindicações feitas, aliás, em dois tempos – inicialmente, a 31 de
Dezembro de 1948 a Londres, e, a 8 de Março de 1949, aos dois governos de
Washington e Londres – e se deixou ficar para trás no processo das negociações, presa
aos pontos «federação europeia», «bases estratégicas em tempo de paz», «questão da
Espanha», e depois, «duração do tratado», «colónias» e «garantias», respectivamente,
abandonando a sua possibilidade de defender esses mesmos princípios, activamente, e
de certar eventuais excessos, uma vez que não respondera em concordância quando se
lhe dirigiram os dois governos em 10 de Janeiro de 1949. Isto, não obstante a pressão
de Pedro Teotónio Pereira que demonstrou sempre interesse e prontidão exemplares
no desenrolar do processo negocial. Seria, por fim, confrontado com a derradeira
questão posta nos simples termos «Take it or leave it»111, esperando-se então que
Portugal fizesse «the right thing», aderindo ao Pacto, já que, na opinião dos diversos
Embaixadores – qualquer um deles – Portugal estava somente fazendo – diga-se – not
«the right» but the least.
Em carta particular de 20 de Março de 1949, dirigida a Caeiro da Matta, da
Embaixada de Espanha, o Embaixador Nicolau Franco manifesta-se assaz preocupado
com a situação que poderia suscitar a entrada de Portugal na Pacto do Atlântico,
fazendo referência amiúde aos compromissos outrora celebrados e supostamente
111 A expressão é de António de Faria proferida na conversa com Sir Nigel. Na realidade, a não aprovação do pedido português relativo ao prazo foi transmitida de uma forma mais branda, menos directa ou, se se preferir, diplomaticamente correcta.
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ainda em vigor entre os dois países; pede uma audiência com o Ministro dos Negócios
Estrangeiros.
A conversa112 é então realizada no dia seguinte. O Embaixador vinha, ao que parece,
encarregado pelo seu homónimo, o Generalíssimo Franco, de transmitir umas
questões ao Sr. Presidente do Conselho. Após elogiar a argumentação «perfeita» do
Governo Português (e que «não se poderia ter dito melhor» nas relações diplomáticas
de Portugal com os Estados Unidos e a Inglaterra), Nicolau enumera 4 questões, para
o seu Governo, importantes:
a) – Invoca os termos do Protocolo de 29 de Julho de 1940, segundo os quais os dois
Governos têm de se consultar previamente a uma atitude que possa «comprometer a
inviolabilidade dos respectivos territórios metropolitanos ou constituir perigo para a
segurança e independência de qualquer das duas Partes.» Caeiro da Matta explica que
não se trata de uma questão de comprometimento de inviolabilidade alguma, mas
somente de uma posição jurídica que, em relação ao «Protocolo Adicional» em nada
entrechocam; por conseguinte, Portugal, à luz do referido documento (à luz e não "às
escuras" como foi o já referido «protocolo secreto» de 23 de Outubro de 1940 entre a
Espanha e a Alemanha) não necessitaria de estabelecer qualquer contacto prévio,
ainda para mais ao se tratar de um Pacto publicitado e não secreto;
b) – Induzido em erro – talvez por uma precipitação ou mal interpretação da língua
inglesa – pelo artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte, teme que, caso haja um ataque
armado contra uma das partes signatárias, se entre automaticamente em guerra; Caeiro
da Matta diz que a expressão «as it deems necessary» a tal não obriga;
112 «Resumo de Conversa» de 21 de Março de 1949. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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c) – Refere o artigo 8.º como sendo um entrave à manutenção do «Acordo Luso-
Espanhol»; o Ministro, mais uma vez, bem explica que, «segundo as declarações dos
Governos britânico e americano, que não só eram respeitados os acordos existentes
como quaisquer outros que, no futuro, pudessem vir a ser concluídos entre a Espanha
e Portugal; como, aliás também, noutra ocasião, quatro dias depois (a 25 do corrente
mês), lhe diria de forma amistosa que tinha prestado atenção ao conteúdo da nota
recebida a 24: «fê-lo [a leitura da referida Nota] animado de espírito da mais estreita
colaboração e leal amizade e tendo sempre presente a solidariedade de interesses das
duas nações peninsulares.»
d) – Por fim, mostra preocupação quanto ao prejuízo da política de entendimento
popular, ou «Pacto Ibérico», com a entrada de Portugal no Pacto do Atlântico. E
termina de forma exorbitante, ou mesmo escandalosa, ao sugerir que, para não
continuar a sofrer a dupla hostilidade soviética e britânica, «teria de pensar seriamente
sobre se não lhe conviria mais um entendimento com a Rússia», o que corresponderia
a uma viragem de 180 graus na política externa de Espanha, afirmação à qual Caeiro
da Matta disse considerar como traduzindo um «simples desabafo».
A 22 de Março de 1949, o Secretário de Estado norte-americano Dean Acheson
escreve uma carta ao Sr. Presidente do Conselho, dizendo que compreendia a sua
apreensão quanto ao prazo do futuro Pacto; com a mesma compreensão, refere o que
já tinha sido dito ao MNE por interposta pessoa de Teotónio Pereira, que o seu
Governo também achou o prazo demasiado alongado, mas que fora a pressão do
Reino Unido e do Benelux que queriam inicialmente um prazo de 50 anos(!), tendo os
EUA ponderado a questão para uns mais realistas 20 anos, defendendo ainda que um
prazo menor poderia não ter sucesso no seu processo estabilizador da Europa.
Reforça, também, o carácter ocidental e Atlântico da Nação (Portugal): «Portugal is
both in a geographic and historic sense an Atlantic and a European nation», factor
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fundamental que está a montante do processo de aproximação entre as nações
Portugal – Estados Unidos da América.
Refere Dean Acheson a concessão das facilidades prestadas nos Açores pelo País,
como "linha directora" demonstrativa do interesse de Portugal em contribuir para a
segurança na área geográfica em questão: o Atlântico Norte.
E conclui, naturalmente apelando à colação:
«In these circumstances I strongly hope that Portugal will decide to join with the
United States and other Atlantic nations as a full and original partner in this great
cooperative step to promote peace through discouraging aggression and contributing
toward the stability and security of the North Atlantic Area».
Na esteira desta ideia está a declaração do Senador Arthur H. Vandenberg na US
Conference of Mayors quando diz que o Pacto do Atlântico «is the best bet to keep the
present cold war from getting hot...» (New York Heral Tribune de 23 de Março de
1949).
Entre 22 e 30 de Março, as negociações repousam assim em "águas de bacalhau",
talvez por isso se explique a atitude da Imprensa que, no dia 25, chegou mesmo a
anunciar:
«Portugal Decides Against Joining Pact (...) says that Lisbon reports 'from an
authoritative source' that the Portuguese Government has decided 'in principle' to
refrain from participating in the Atlantic Pact».
Só a 30 de Março de 1949 Portugal acaba por aceitar o convite feito duas semanas
atrás a 17. Na comunicação do mesmo dia ao Embaixador MacVeagh:
«(...) tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que o Governo Português aceita
o convite que por intermédio de Vossa Excelência lhe é dirigido e que se fará
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representar pelo seu Ministro dos Negócios Estrangeiros no acto da assinatura do
Tratado do Atlântico Norte.»
A aceitação do convite é transmitida, porém, com reserva de protesto relativamente à
impossibilidade gerada de não discussão do texto do Pacto:
«Ao fazer esta comunicação a Vossa Excelência, não pode o Governo Português
deixar de aludir ao facto de, ao contrário do que em 10 de Janeiro último lhe foi
oficialmente comunicado em relação aos trâmites de elaboração do Pacto, não ter
recebido um texto sobre o qual não teria deixado de fazer as suas observações (...)
Com efeito, em vez de um projecto sujeito a discussão, foi entregue ao Governo
Português o texto dum Tratado em forma definitiva, ao qual se soube depois não ser
sequer possível formular reservas.»
E termina:
«Aproveito o ensejo para reiterar a Vossa Excelência, Senhor Embaixador, os
protestos da minha mais alta consideração.»113
No mesmo dia 30, o Secretário de Estado dos EUA entrega uma carta aos países
signatários com o programa para os dias 2 e 4 de Abril, a que correspondem a
«Private Meeting of the Signatory Powers» e a «Signing Cerimony», com hora
marcada para as 11:00 e 14:30, respectivamente.
De relevante para o dia 2 estava previsto no programa:
I. «Introductory Remarks by the Secretary of State»;
II. «Final Approval of Treaty»;
III. «Approval of Program for Signing Ceremony»;
113 Carta de 30 de Março de 1949. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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IV. «General Discussion of A Meeting of the Council which will be Established Under
Article 9 after the Treaty is in Force».
Para a cerimónia solene da assinatura, do dia 4, que estava prevista começar às 14:30
com música da «Marine Band Orchestral Unit», previa-se:
14:45 – «Arrival of Foreign Ministers»;
15:00 – «Entrance of Foreign Ministers»;
15:05 – «Remarks by the Secretary of State» ao que se seguem as breves declarações
dos Ministros dos Negócios Estrangeiros das partes signatárias;
16:30 – «Entrance of the President»; «the Secretary introduces the signers to the
President»; «Address by the Treaty»; e, finalmente, «Signing of the Treaty» ou
Assinatura.
Em conclusão da problemática da não-inclusão da Espanha no Pacto do Atlântico e
das relações entre os dois Estados Ibéricos, observe-se com atenção os pontos
essenciais da carta entregue no dia 28 de Março de 1949 ao Embaixador de Espanha
que contém o somatório do pensamento e argumentação portugueses, "resumidos" em
14 pontos:
1) – «(...) sempre o Governo Português defendeu, verbalmente ou por escrito, a
necessidade da admissão de Espanha no Pacto em preparação...»;
2) – «Em face do convite dirigido em 17 do corrente (...) só é possível considerar duas
hipóteses (...): a admissão de Portugal no Pacto sem a entrada simultânea da Espanha,
ou a ausência dos dois países peninsulares»;
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3) – «(...) chegou o Governo Português à conclusão de que a admissão de Portugal no
momento presente era vantajosa, tanto para os seus próprios interesses como para os
interesses dos dois países e da Europa Ocidental»;
4) – «(...) a Espanha com a entrada de Portugal disporia ali de uma Potência amiga
pronta a defender os seus interesses...»;
5) – «(...) Portugal não deixaria de utilizar as suas íntimas relações com a Espanha
para tratar com ela os problemas de interesse comum...»
6) – «Concorda o Governo Português com os inconvenientes derivados da aceitação
da regra de unanimidade para a adesão de novos Estados ao Pacto do Atlântico. Tal
facto porém não é da responsabilidade do Governo Português...»
7) – «A eventual recusa por parte de Portugal do convite oficial que lhe foi dirigido
agravaria a situação de isolamento da Espanha...»;
8) – «(...) não julga o Governo Português que a entrada de Portugal no Pacto do
Atlântico possa acarretar novos perigos de ordem militar para a segurança da
Espanha»;
9) – «(...) qualquer alteração da orientação política de Espanha em relação à Rússia
Soviética (...) não seria susceptível de ter sob o aspecto militar quaisquer
consequências de ordem prática favorável à segurança ou integridade territorial da
Espanha [muito antes pelo contrário, como parece evidente]...»;
10) – «Foi à luz das considerações que precedem que o Governo Português estudou se
deveria ou não aceitar o convite (...). (...) não deixou de se assegurar previamente de
que não haveria qualquer incompatibilidade entre aquele Pacto e o Tratado de
Amizade e Não Agressão entre Portugal e a Espanha de 17 de Março de 1939 e seus
Protocolos Adicionais de 29 de Julho de 1940 e 20 de Setembro de 1948. (...) Este
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ponto foi desde o início de capital importância para o Governo Português, que dele
faria condição sine qua non da sua admissão no Pacto do Atlântico. Em face, porém
da sugestão apresentada pelo Embaixador de Espanha, o Governo Português está
disposto a fazer uma declaração no momento da assinatura do Pacto do Atlântico em
conformidade com a sua interpretação acima e a dos dois principais Estados
signatários»;
11) – «O Governo Português não tem dúvidas em declarar que interpreta aquele artigo
[artigo 5.º] como dando-lhe a liberdade de decidir se deve ou não declarar guerra...»;
12) – «No decurso das presentes conversações foi perguntado ao Governo Português
se este poderia pôr como condição da sua participação no Pacto do Atlântico a
inclusão simultânea de Espanha. A resposta a esta pergunta foi implicitamente dada
no número 2 em cima»;
13) – «O Governo Português julga absolutamente impossível conseguir-se [a
conclusão dum Pacto de assistência mútua entre aquele país e os dois países da
Península Ibérica, como maneira indirecta de resolver a dificuldade actual da não
admissão de Espanha no Pacto do Atlântico] no presente momento. Mas não teria
dúvida em se associar a quaisquer esforços que por parte da Espanha venham a ser
feitos naquela orientação em oportunidade mais favorável»;
14) – «o Governo Português sempre interpretou aquele Protocolo [Protocolo
Adicional de 1940] como instrumento de colaboração política que por via de
consultas entre os dois Governos poderia em caso de necessidade dar lugar a um
entendimento mais largo. No pensamento do Governo Português, o Protocolo não tem
em si mesmo o carácter de um Tratado de assistência mútua, mas a elasticidade das
suas disposições, como mais uma vez se verificou nas conversações de agora, torna-o
instrumento valioso de colaboração peninsular e de actuação internacional dos dois
países.»
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Não obstante as naturais e já esperadas preocupações, Espanha acabaria por agradecer
vivamente a Portugal pela defesa dos seus interesses na adesão ao Pacto do Atlântico,
reafirmando a necessidade de consultas no âmbito do Tratado de Amizade e Não
Agressão.
As manchetes dos jornais norte-americanos davam já o mote às negociações finais:
«US Becomes Europe's 'Big Brother' Monday»114, motivadas pela natural ansiedade
gerada na opinião pública com a aproximação da data da assinatura do Pacto do
Atlântico.
Enquanto isto, no Leste a formação do Pacto não podia deixar de ser visto com
preocupação ou mesmo despeito. Num artigo do Washington Post de 27 de Março de
1949, podia ler-se o aviso: «Pact Could Plunge World Into War, Moscow Warns»;
«(...) any minor incident might plunge the world into war»; acrescentava que,
contrariamente, «a Sovietic-American peace pact» fortaleceria a segurança mundial.
A 2 de Abril de 1949, o Presidente da República Oscar Carmona envia um telegrama
a Pedro Teotónio Pereira em Washington, redigido em francês, pedindo para,
juntamente com o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, assinar o Tratado
do Atlântico Norte «au nom du gouvernment portugais».
Numa declaração à Imprensa do mesmo dia, o Embaixador português reforça a ideia
de amizade e cooperação entre o Governo Português e o Norte-Americano:
«Friendship and cooperation with the United States constitutes already a Portuguese
tradition in the highest sense of international interests. As the uanimous invitation of
the United States and of the friendly countries who have taken the initiative in the
Pact, Portugal did not fail in its solidarity in this generous idea which is destined to
114 Standard-Times, New Bedford, Mass., de 31 de Março de 1949. AMNE Arquivo Washington/M-150/70,2(0).
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hold back the dangers of another war and to try to prevent new and unjust suffering to
Peoples loving peace, liberty and true civilization.»
Contudo, surge-nos a ideia de que a questão do artigo 8.º (compatibilidade dos
compromissos anteriores ao Tratado), pelo menos aos olhos de António de Faria,
parecia ainda não estar completamente esclarecida. Efectivamente, como se disse
atrás, segundo o artigo 8.º «cada uma das partes declara que nenhum dos
compromissos internacionais actualmente em vigor entre os Estados está em
contradição com as disposições do presente Tratado...». Ora, num «Memorandum of
Conversation» de 2 de Abril de 1949, A. de Faria, em reunião com Mr. John
Hickerson e Sir Frederick Hoyer Millar, volta a questionar uma afirmação que ouvira
nessa manhã relativamente ao artigo referido na qual se afirmava estar «understood
that no previous international engagements to which any of the participating states
are parties would in any way interfere with the carrying out of their obligations under
this Treaty».
Parece a visão portuguesa um tanto egocêntrica, no sentido em que pretende ser o
Pacto a não interferir nos compromissos anteriores; mas, na verdade, o Pacto do
Atlântico institui precisamente o contrário, ou seja, são as partes signatárias que
declaram não terem compromissos que choquem com os pressupostos do Pacto; desta
forma, cada parte tem, pois, ela própria, de se certificar que não há incompatibilidade.
Não espanta, pois, que Mr. Hickerson, em resposta, afirmasse «that the Portuguese
Government had made clear its opinion, which the US and UK Governments shared,
that the existing treaties between Spain and Portugal were not in conflit with the
provisions of the Treaty and that the sentence in question was entirely consistence
with that opinion.»
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Um dia antes da assinatura, a 3 de Abril, José Caeiro da Matta escreve a Dean
Acheson dizendo que, no seguimento da reunião do dia anterior de cuja discussão
«havida resultou para [ele] a conclusão evidente de que em nada era alterado o Artigo
8.º do Pacto tal como tinha sido até ali interpretado», dava «a aprovação do Governo
Português ao texto definitivo do Pacto», aproveitando ainda para reiterar os protestos
da sua «mais alta consideração».
Figura 12 – Dean Acheson discursando na cerimónia prévia à assinatura.
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Figura 13 – Assinatura de Caeiro da Matta, junto de Pedro Teotónio Pereira ao seu lado direito.
Finalmente, a 4 de Abril de 1949, procede-se à assinatura115 do Pacto do Atlântico em
cerimónia no Departmental Auditorium, Washington DC, e Portugal torna-se um
entre os doze116 fundadores da NATO.
115 Veja-se as assinaturas de Caeiro da Matta e de Pedro Teotónio Pereira, nos Anexos. 116 Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, França, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal e Reino Unido.
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Pela altura do seu regresso a Lisboa, no dia 4 de Abril de 1949, o Ministro dos
Negócios Estrangeiros de Portugal faz as últimas declarações pelo telefone à United
Press:
«Portugal assinando o pacto tem a consciência de contribuir para a larga obra de
solidariedade ocidental, que os seus autores se propuseram para a defesa da nossa
civilização hoje seriamente ameaçada. (...) Como sempre, Portugal trabalha pela paz.»
A entrada em vigor do Pacto só se dá a 24 de Agosto, após ratificação pelos Governos
das partes signatárias.
3.4 – Algumas considerações
Para finalizar, veja-se o essencial sobre o Parecer da Câmara Corporativa
relativamente ao Tratado do Atlântico Norte117:
«Submeteu o Governo à apreciação da Assembleia Nacional o Tratado do Atlântico
Norte. Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia Nacional baixou ele à
Câmara Corporativa para seu estudo...
(...)
Falava o Sr. Doutor Oliveira Salazar em 25 de Maio de 1944 (...) ao Congresso da
União Nacional:
Ora as circunstâncias estão-se conduzindo de forma que um dos maiores centros da
política mundial, sobretudo enquanto os Estados Unidos entenderem do seu interesse
ou do seu dever ajudar a Europa a levantar-se das ruínas da guerra, situar-se-á, pela
117 ANTT AOS/CO/NE-17-1
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própria força das coisas, no vasto Atlântico, e só por esse motivo os países ribeirinhos
serão chamados a um papel preponderante: a Inglaterra, a França, a Península Ibérica,
os Estados Unidos, a América do Sul, e desta, em situação de relevo, naturalmente o
Brasil, serão chamados a uma intensa colaboração e através desta o Ocidente europeu
a um dos fulcros de orientação da política geral.
Assim falava a cinco anos de distância! (...) nas suas palavras desenham-se já
claramente o Plano Marshall e o Pacto do Atlântico(...)
Mais claramente ainda noutro discurso [27 de Fevereiro de 1946] (...):
Dentro ou fora das Nações Unidas, a nossa política externa não tem senão de seguir,
ao lado dos tradicionais imperativos históricos e geográficos, as claras indicações do
último conflito. O centro da gravidade da política europeia, como já tenho afirmado,
senão da política mundial, deslocou-se mais para Oeste e situou no primeiro plano o
Atlântico com os Estados que o rodeiam. Em reconhecê-lo não deixamos de ser
europeus; o que damos é mais largo sentido ao Ocidente.
(...) Os seus signatários só exigem que os respeitem, como eles respeitam os outros
Estados [não procuram a guerra e o conflito, mas sim a paz].
Claramente o proclamou no acto da assinatura do Pacto o nosso Ministro dos
Negócios Estrangeiros:
Sentindo e agradecendo a solidariedade moral e material que deste lado do Atlântico
nobremente lhe foi oferecida, Portugal quer afirmar que vê no Pacto do Atlântico
Norte não só um instrumento de defesa e de cooperação internacional, mas também,
pelas razões e pelos fins que o determinaram, um precioso instrumento de paz...
(...)
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Convém ainda pôr em relevo que o Pacto não envolve nenhuma ideia de federação ou
de união política ou económica, pois cada Estado mantém integralmente a sua
soberania.
(...)
Afinal são estes os princípios que se invocam no Preâmbulo do Pacto: «a salvaguarda
da liberdade» contra «a opressão injusta e violenta»
(...)
Convém recordar (...) as palavras de Dean Acheson, Secretário de Estado dos Estados
Unidos da América do Norte:
É verdade que a origem da realidade que reconhecemos agora remonta mais longe.
Essa realidade é a unidade da fé, do espírito e dos interesses da comunidade das
nações aqui representadas. Essa realidade é o produto de muitos homens e mulheres
simples e corajosos. Essa realidade assenta na afirmação de valores espirituais e
morais, que regem o género de vida que se propõem e tencionam defender por todos
os meios possíveis, se a tanto a necessidade os obrigar (...) Tem este Pacto o fim de as
afirmar e dar-lhes forma. Desta reunião de muitas vontades, movidas por um único
objectivo, resultará para o futuro uma nova inspiração, uma nova força, nova
coragem, que se insuflam nos povos, não só da comunidade atlântica, mas em todos
os povos da comunidade mundial, que procuram, tanto para eles próprios como para
os outros, a liberdade e a paz.
E, com um espírito de grande realismo, o conde Sforza afirmou:
Este Pacto é um instrumento simultaneamente complexo e flexível, em que predomina
a vontade de desanimar, pela nossa unidade, qualquer acção agressiva...
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Para o muito reduzido número daqueles que de boa fé ainda têm hesitações bastaria
lembrar que, se o Pacto tivesse existido em 1914 e em 1939, as batalhas que
semearam a ruína na Itália, Grã-Bretanha, França e Rússia não se teriam ferido.
(...) a firmeza de uma união que agrupasse milhões de homens é a mais sólida garantia
de paz.
(...)
Como observou Rasmussen, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Dinamarca:
Os Estados Unidos, por duas vezes neste século, entraram na guerra para correr em
socorro das nações democráticas europeias (...) Exprimem antecipadamente neste
Pacto que estão prontos a colocar-se ao lado das democracias amantes da paz.
(...)
Citemos ainda as palavras de Pearson, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Canadá
[num discurso um pouco mais forte]:
Este tratado não é uma simples linha Maginot contra a invasão; constitui o ponto de
partida para novo ataque contra todas as tentativas para vedar o caminho à justiça e à
paz.
(...)
Nas declarações que fez à United Press disse S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho
[referente a Espanha e à compatibilidade dos anteriores pactos com Portugal, perante
a NATO]:
O pacto de amizade e não agressão e protocolo adicional entre Portugal e Espanha
são, em princípio, compatíveis com o Pacto do Atlântico. Assim o consideramos e o
declaramos. Mas os compromissos eventualmente emergentes do Pacto ou assumidos
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
em virtude dele têm de ser a cada momento confrontados com os princípios
daqueles...
(...)
Com efeito a exclusão da Espanha foi uma injustiça, que não pode deixar de nos
afectar moral e materialmente. Foi ela o primeiro país que sofreu dentro das suas
fronteiras todo o peso dos bandos comunistas e foi até hoje o único país que, em luta
aberta com eles, os conseguiu vencer. É, pois, bem estranho que ela não seja das
primeiras a serem chamadas a cooperar na luta contra o mesmo inimigo.
Materialmente à defesa de Portugal muito importa também a adesão da Espanha.
(...)
[Salazar:] O funcionamento pleno duma frente ocidental contra a possibilidade duma
agressão é condicionado por uma política de idêntico sentido na Península Ibérica.
(...)
Tornou-se, por isso, indispensável dar uma resposta ao imperialismo agressivo de
Moscovo.
(...)
Não pode Portugal deixar de ter o desejo sincero de concorrer para tão alto propósito.
Acresce que o convite que nos foi dirigido – a nós, que não fazemos parte da UNO –
representou uma merecida homenagem ao nosso Governo.
(...)
No seu já citado discurso de 1946 dizia o egrégio estadista:
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Seja, porém, qual for o futuro molde da organização internacional ou nova ordem no
Mundo, devemos ter por seguro que certo número de factores se conjugam para
conferir a Portugal maior importância internacional, o que se traduz em maiores
deveres e mais pesadas responsabilidades perante o nosso povo e para com as outras
nações.
Não iremos apenas buscar ao novo Pacto a protecção que mais do que outros
poderíamos talvez dispensar, dada a nossa posição geográfica. Mas não podemos
esquecer que somos, por excelência, um país atlântico e que, como tal, nos devemos
unir aos que pretendem manter a paz...
Disse-o (...) o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros:
Portugal é um país atlântico, cuja actividade em longos séculos de história se
desenvolveu em grande parte no vasto mar que lhe fica fronteiro. Dos países a que
estamos ligados pelos caminhos do Atlântico só nos aproximam amistosas relações.
Com alguns perde-se na noite dos tempos a memória dos nossos primeiros contactos.
Com um deles podemos assinalar séculos seguidos de mais estreita colaboração.
(...)
Resta apenas recordar que, conforme declarou o Sr. Doutor Caeiro da Mata, durante
as negociações que precederam ao Pacto do Atlântico, o Governo Português
apresentou como condição sine qua non dessa adesão que as ilhas dos Açores não
seriam em tempo de paz utilizadas como bases militares por nações estrangeiras.
Concluindo, a Câmara Corporativa é de parecer que o Tratado do Atlântico Norte
deve ser ratificado por Portugal, sem qualquer hesitação.
Palácio de S. Bento, 20 de Junho de 1949»
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Também no seu discurso de 25 de Julho de 1949 na sala das sessões da Assembleia
Nacional, refere o Presidente do Conselho:
«O deslocamento do centro de gravidade da política mundial para oeste, verificado a
seguir à primeira grande guerra, não só trouxe os Estados Unidos para o primeiro
plano dessa política, mas aumentou o valor e os riscos do Atlântico, de cuja segurança
passaram a depender quase exclusivamente a Europa, a África e a América. Em tais
condições, o apoio dos Estados Unidos tornou-se necessário à segurança dos países
ribeirinhos do Atlântico Norte na mesma medida em que as posições atlânticas
passaram a ser necessárias à defesa americana.»118
E termina de forma não menos elucidativa:
«Tudo [os contras da adesão] são, porém, coisas de somenos ao lado deste facto
fundamental: grande número de países europeus, ameaçados na sua vida e liberdade,
contam desde agora com o auxílio dos Estados Unidos e uns com o auxílio dos outros
para a defesa do seu património de civilização. Pareceu difícil em tais circunstâncias
estarmos ausentes.»119
118 Oliveira Salazar, op. cit., págs. 403-422. 119 Ibid., págs. 403-422.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
CONCLUSÕES
Em traços largos, três visões político-ideológicas maiores coexistiam no mundo pós-
conflito. Em primeiro lugar, a cartilha democrática representada pelas nações
vitoriosas da Europa Ocidental, apoiada com veemência pelos E.U.A.; junto desta, a
visão conservadora do regime autoritário do Estado Novo próximo da Espanha
franquista, então simpatizantes com a recém-derrotada extrema-direita nazista;
finalmente, a política autoritária de extrema-esquerda, soviética, assente no modo de
produção comunista.
Num primeiro momento, ainda antes da cedência de Santa Maria aos Americanos em
Junho de 1944, mais por conceito político-estratégico e tradição histórica do que por
preconceito, o Governo Português preferia manter a aliança luso-britânica, assente na
trilogia Portugal – Inglaterra – EUA (ou «Ocidente europeu», numa acepção mais
abrangente), em estreita ligação com o continente africano, porquanto se julgava
convir ao regime um posicionamento indirecto no relacionamento com qualquer
coligação de cariz democrático, anti-colonial, «federalista». Por outro lado, a
Inglaterra, por questões históricas (aliança) e políticas (nação imperial, juntamente
com o pormenor da Irlanda do Norte), surgia como o parceiro favorável ao regime nos
relacionamentos entre nações.
O verdadeiro preconceito, ou receio, surgia, esse sim, da incerteza do futuro da Nação
numa aproximação aos Estados Unidos da América, lançado no «Pro-Memoria»
britânico de 6 de Outubro de 1948, porquanto até aos respectivos esclarecimentos pela
via diplomática não se poderia ter, cá, deste lado do Atlântico, a certeza das
verdadeiras intenções daquela aproximação efectiva. Para mais, o facto de a
informação inicial ter sido feita através da Inglaterra, e não directamente pelos EUA,
só levantou ainda mais as preocupações quanto aos reais intentos ou aplicação desse
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
futuro «North Atlantic Security Pact». A ideologia norte-americana e os propósitos da
sua influência, nomeadamente através da Carta das Nações Unidas, eram sobejamente
conhecidos pelo Governo Português; não se tratava necessariamente de um
«preconceito». Assim sendo, como foi referido, a manutenção de uma ligação luso-
britânica parecia, à partida, a melhor opção estratégica para Portugal; tratava-se
simplesmente de um conceito político próprio. Já a menção a um «Pacto do Atlântico
na esteira da Carta das Nações Unidas e do Tratado de Defesa do Hemisfério
Ocidental» se afigurava potencialmente perigoso para os intentos nacionais; daí o
preconceito. Foram necessárias algumas tentativas de esclarecimento aturadas – pelo
menos até ao “Aide Memoire” de 10 de Janeiro do ano seguinte – para que se
exorcizasse, de uma vez por todas, esse preconceito. Mas exorcizou-se!
Provavelmente, foi por se saber da importância que a ligação luso-britânica tinha para
Portugal e pelo confronto de conceitos, ideologias e perspectivas políticas que
afastavam Portugal dos norte-americanos, que os primeiros contactos diplomáticos
com o País relativos à informação dos trabalhos prévios de Julho de 1948 ou
«exploratory conversations» no âmbito do Pacto do Atlântico se efectuaram por
intermédio da Inglaterra.
Após os já referidos esclarecimentos, difíceis no seu propósito, juntamente com a
“negativa” britânica de 1947, eivada pela descida da Grã-Bretanha do pedestal das
potências ocidentais – tendo então «o centro da gravidade da política europeia» se
deslocado «mais para Oeste», após um «cordão sanitário» que vinha já rebentando
sem poder conter a “infecção soviética”, ficando a Europa Ocidental na perigosa linha
fronteiriça entre ideologias e forças antagónicas em tudo opostas –, o Governo,
optaria num segundo tempo, por se adaptar a um posicionamento mais directo ante a
potência norte-americana.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Entretanto, a política de defesa das Forças Armadas definira-se, desde 1945, numa
cooperação luso-espanhola centrada na estratégia de defesa terrestre pirenaica.
Após os primeiros contactos de 6 de Outubro de 1948, Portugal mostrou-se
empenhado em esclarecer e ser esclarecido sobre os seguintes aspectos: repulsa à
ideia de «federação europeia», a não-cedência de «bases estratégicas em tempo de
paz», a defesa da «questão da Espanha» na sua inclusão, a excessiva «duração do
tratado», a compatibilidade do Tratado luso-espanhol de 1939 (e Protocolos
Adicionais), a abrangência das «colónias» e as «garantias» aos membros não
pertencentes à UNO. Contudo, em vez de responder pronta e positivamente à questão
que lhe foi colocada a 10 de Janeiro de 1949 de desejar ser convidado para entrar,
preferiu ficar à espera de resposta formal às suas reivindicações ou esclarecimentos,
numa típica e já conhecida atitude contemporizadora, o que lhe custou a perda do
comboio rápido das negociações, tendo, para entrar no Pacto, de aceitar as imposições
discutidas e aprovadas pelos restantes membros que, pelo contrário, se adiantaram. Só
a 30 de Março de 1949 (5 dias antes da assinatura) o País anuiu ao convite feito duas
semanas atrás no dia 17.
O facto de o Governo insistir nos pontos supra enumerados, esperando resposta
formal, provocou esses atrasos que, de facto, não favoreceram especialmente a
imagem do País perante os Aliados. Para mais, o Governo estava já ciente da
importância estratégica que os Açores tinham para os EUA – em termos defensivos e
das comunicações atlânticas –, podendo, assim, arvorar-se em elemento dificultador
das negociações, o que aliás fez sem que com isso obtivesse algo em proveito próprio.
Relativamente à questão gerada pelo art.º 8º ou «compatibilidade dos compromissos
anteriores ao Tratado», dir-se-ia que Portugal não compreendeu logo – ou não quis
compreender – o significado do mesmo; como se disse, mostrou um certo
egocentrismo ao julgar ter de ser Washington a declarar não haver incompatibilidades
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
relativas ao Tratado luso-espanhol e Protocolos Adicionais, quando deveria ser o País
signatário a declarar tal conformidade, como aliás frisou Mr. Hickerson.
Poderá a NATO representar um complemento do "Plano Marshall", numa estratégia
de aproximar a Europa dos EUA, nomeadamente na esteira da "Doutrina Truman" que
o antecede. Como, aliás, se viu, também o próprio "Plano Marshall" está a jusante e
em complementaridade perfeita com essa mesma doutrina. Os dois instrumentos –
político-económico e político-militar – subordinados à mesma cartilha ideológica.
Não obstante, sem embargo à dicotomia Ocidente/Leste de facto existente, o objectivo
primeiro do arquétipo Pacto do Atlântico, em termos de importância ou prioridade, é,
efectivamente, mais concreto: a necessidade de estabelecer bases intermédias e
avançadas para a própria defesa dos EUA do grande opositor do Ocidente e da paz
mundial – a URSS – e não somente uma contra-propaganda ou instrumento político.
Não se deverá confundir estratégia de defesa com política económica ou ideologias
políticas, se bem que estão aqui, inevitavelmente, interligadas.
Sem embargo, parece certo ser intenção norte-americana a sua aproximação à Europa
ameaçada pelo «imperialismo» soviético da qual também economicamente depende, o
que curiosamente representa também, mais uma vez, um corte com a sua outrora tão
defendida "Doutrina Monroe" do século XIX consagrada no aforismo «a América
para os americanos». Afirmar o contrário seria ir contra as evidências; poderá dizer-
se, uma substituição de doutrinas. Mas, agora, tratava-se, sobretudo, mais de uma
questão geoestratégica de defesa. Ora, podendo marcar vários pontos em uma só
jogada, tanto melhor para os Estados Unidos da América.
Assim, a entrada de Portugal para a NATO foi importante para a potência ocidental
sobretudo pela situação geoestratégica da base intermédia dos Açores. Foi igualmente
importante para a Europa a aproximação norte-americana que via nessa potência a
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
única possibilidade de concretizar uma defesa credível perante a crescente força e
ameaça do bloco Leste.
Sem embargo ao pensamento exposto, não será demasiado arriscado afirmar que, caso
os Açores não pertencessem a Portugal ou somente não tivessem importância
estratégica, os EUA não teriam convidado o País a aderir, pelo menos de início como
membro fundador, ao Pacto de defesa. Ainda que Portugal tivesse negligenciado a
ameaça soviética, não entrando para o Pacto, certamente que os EUA continuariam a
estabelecer relações diplomáticas de proximidade, paralelamente, com o objectivo de
manterem as suas facilidades concedidas nas Lajes.
Como grandes defensores da introdução de Portugal na NATO, destacam-se o
enérgico e eficiente Embaixador português Pedro Teotónio Pereira e António de
Faria. Este último revelou-se indiscutivelmente a favor da inclusão inicial da Espanha.
Não parecem as teses da «defesa ibérica» e da aproximação norte-americana – de
Santos Costa e do General Raúl Esteves, respectivamente – uma contradição. Como
tive oportunidade de referir, pela altura da sua elaboração, as duas opções estratégicas
poderiam eventualmente complementar-se; assim sendo, o apoio proporcionado pelos
EUA poderia ajudar os dois países ibéricos a conterem uma invasão pela via pirenaica
– ainda que a linha de segurança europeia estivesse posicionada mais a Leste, no Reno
– tanto que os Estados Unidos não excluíram, num primeiro momento, a possibilidade
da entrada da Espanha juntamente com Portugal; foi a pressão do Reino Unido e do
Benelux que a inviabilizou. Aliás, Portugal demonstrou ser um grande apoiante da
inclusão da Espanha como fez questão de declarar amiúde a Washington e a Londres.
Ora, por outro lado, o facto de Portugal, mesmo após a sua integração na NATO,
desejar continuar a manter um bom relacionamento e não pôr de parte o
estabelecimento de planos de defesa conjuntos com Espanha, não leva
obrigatoriamente a uma incompatibilidade com os pressupostos da NATO nem com o
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Tratado de Amizade luso-espanhol; foram os próprios membros integrantes do Pacto a
declararem não haver incompatibilidades com tratados anteriores, como aliás foi dito.
E tem todo o sentido, se virmos que, para os países Ibéricos, a linha dos Pirinéus –
difícil fronteira natural por excelência – representava um último obstáculo antes de
uma eventual invasão maciça por essa via, caso a linha do Reno – linha oriental de
defesa europeia, igualmente antiga – não fosse capaz de garantir a sua função como
primeira linha contenção, pelo que importava ter pronto um "plano-b" de emergência
caso esse ataque se concretizasse.
Relativamente à tradição atlântica portuguesa, a entrada de Portugal para a NATO, ao
perspectivar um teatro de operações atlântico através de um dispositivo aeronaval,
representou somente o completar do reencontro que se verificou logo desde 1943 com
o acordo luso-britânico dos Açores que, no plano internacional, reacendeu no vasto
Oceano a importância estratégica das Ilhas para a Inglaterra e, em perspectivas de
futuro, para os Estados Unidos da América que viam esse arquipélago com grande
ambição, e tendo proporcionado essa integração, consequentemente, no plano interno,
um desenvolvimento qualitativo inequívoco nas Forças Armadas Portuguesas.
Por ventura, parecerá excessivo afirmar que para o Governo Português a “opção
NATO” é o menor dos males. Ainda que a NATO não incluísse a defesa dos
territórios ultramarinos e tivesse essências de uma potência de cariz democrático, isso
não obstava a que a NATO fosse encarada, inclusivamente por Oliveira Salazar, como
uma realidade necessária para Portugal. Não será, somente, um “mal”, mas também
um bem, uma segurança, ou seja, a solução possível.
Para mais, o documento NATO não obrigava a democratização alguma e, embora
estivesse «in harmony» com a Carta das Nações Unidas, também não previa a
descolonização; essa seria fruto de um movimento autonómico tendencialmente
necessário e natural, desencadeado por diversas energias, como foi o exemplo
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
brasileiro, e não pela entrada de Portugal na NATO. Como também foi dito atrás, a
confusão que se gerou à volta deste ponto pelo preconceito, e que a Imprensa
transmitiu, prendeu-se com a incompatibilidade de uma eventual entrada de Portugal
para o «Pacto Ocidental» instituído pelo Tratado de Bruxelas em 1948, não devendo
ser confundido com os pressupostos do Pacto do Atlântico, essencialmente militares.
A última palavra oficial de Caeiro da Matta ainda nos Estados Unidos foi: «Como
sempre, Portugal trabalha pela paz». Tratava-se, assim, de um pacto de segurança
defensivo, não ofensivo, que não procurava atrair escaramuças para nenhum dos seus
membros nem lançar qualquer espécie de ultimato aos diferentes regimes políticos ou
às respectivas colónias. Não foi, pois, um «mal» nem um «erro necessário» mas sim
um bem, decerto incómodo pelas razões apontadas, mas conveniente, uma mais-valia.
Os tempos mudaram. A História alterara, assim, o seu rumo e parecia navegar ao
sabor dos ventos que sopravam agora mais de Leste. Assim, em 1949, as grandes
preocupações do Governo já não residiam na tradicional invasão vinda do Leste
próximo, diga-se, da Espanha – questão praticamente ultrapassada em 1944, contudo
arrastada pelos militares até 1948 –; nem já tremiam ao arrepio da inevitável
aproximação dos valores «imperialistas» de Oeste, entenda-se, dos EUA;
preocupações, essas sim, focalizadas para um Leste mais longínquo mas já em rápida
aproximação à Europa Ocidental. Sem embargo, também o País tinha de, com igual
rapidez, redesenhar o seu rumo na difícil carta das "navegações diplomáticas", de
modo a não enfrentar, só, as tempestades da "monção soviética" que, como conta a
História, acabaria por perdurar numa longa «Guerra Fria» suportada por uma paz
sempre quente.
Portugal não poderia razoavelmente prescindir de entrar para o seio da importante
coligação; atitude contrária, em caso de ataque do Leste, só colocaria o País à mercê
de um directório que, nessa situação, iria certamente ignorar a integridade física e
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
política do País, e, eventualmente, ainda antes da hipotética ofensiva, poderia exercer
as devidas pressões para democratizar o País por imposição, o que seria funesto para o
regime do Estado Novo.
Ainda que possa parecer uma contradição, dir-se-ia que a integração de Portugal na
NATO foi, até, uma forma de manter o regime autoritário vigente, pois, como foi
aferido, se contudo a NATO não pressupunha democratização política interna alguma,
uma vez tendo Portugal como membro importante (pelas razões de ordem estratégica
já apontadas) não se iria incomodar em demasia um regime de cuja política a
continuação do acordo das Lajes dependia, se bem que agora um acordo inserido
numa política internacional e mundividência tendencialmente diferentes. Para mais, o
renovado acordo luso-americano das Lajes caducaria por volta de 1953.
Acrescente-se a consideração de que a centenária aliança luso-britânica por si só não
dava garantias de uma defesa eficaz do País, sobretudo após a “negativa” de 1947, e,
perante este jogo de posições, só a NATO poderia responder às necessidades efectivas
e crescentes das Forças Armadas Portuguesas. Na prática, isso viria a constatar-se, por
exemplo, no fornecimento de armas ligeiras, espingardas .30 M1 Garand, ou mesmo,
mais significativamente, na criação da Força Aérea Portuguesa em 1 de Julho de
1952, tornando-se independente das armas "clássicas" e no principal ramo das Forças
Armadas por finais dos anos 50, seguido de perto pelo Exército, ambos apoiados por
Santos Costa com vista à defesa do continente numa perspectiva possível de ligação a
Espanha no dito "projecto" defensivo cis-pirenaico.
Diga-se, ainda, que a entrada de Portugal para a NATO levaria a uma saudável
reorganização no interior das Forças Armadas, bem como a uma importação de
tecnologias e, até, de uma “ocidentalização” da mentalidade.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Como também é sabido, no seguimento da constituição da NATO, é anunciado pelo
Governo, a 6 de Setembro do ano de 1951, o acordo com os Estados Unidos de
utilização das Lajes dentro do panorama de defesa do Tratado do Atlântico Norte, que
surge no seguimento do pedido – dois anos antes, a 28 de Novembro de 1949 – do
Major General Laurence S. Kutter, comandante do Military Air Transport Service, de
abertura das negociações sobre os direitos de utilização das Lajes a longo termo, facto
que actualiza e reforça o prestígio de Portugal no mundo do pós-Guerra.
Figura 14 – Um dos grupos de pilotos portugueses que foram, pelos anos 50 e no âmbito da
NATO, aos EUA para lá receberem formação na luta anti-submarina em aviões Lockheed PV-2, exemplo da aproximação luso-americana.
Figura 15 – Visita aos primeiros F-86 recebidos ao abrigo do MDAP.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Ainda antes de 1955, já a recém-criada FAP dispunha de esquadras equipadas com
caças Republic F-84G “Thunderjet”, Lockheed PV-2 “Harpoon” para missões de
reconhecimento marítimo, e “Helldivers”. Seriam reforçadas, três anos mais tarde,
com F-86F “Sabre” cujos 4 primeiros chegaram à Ota (BA-2) por Agosto de 1958;
isto, numa altura em que o dispositivo elementar da cobertura de radar do País estava
já completo com a montagem dos radares de Montejunto e Estrela, com comando
operacional em Monsanto, e era finalmente construída a Base de Monte Real (BA-5),
inaugurada em 4 de Outubro de 1959, para albergar os recém-chegados F-86. A
Marinha, embora de certa forma desprezada pelo Governo pelo facto de os Açores
terem já assegurada, em caso de guerra, cobertura suficiente por parte dos EUA,
também teria reservado para si um plano de modernização que passaria pela criação
(1953) do Comando de Defesa Marítima dos Açores, sedeado em Ponta Delgada.
Em 1951 seria assinado o MDAA, entre Portugal e os Estados Unidos, e que previa
que o equipamento militar a fornecer pelos E.U.A. a Portugal, ao abrigo do MDAP, se
destinava à defesa do Atlântico Norte – no âmbito NATO, entenda-se –, não podendo
os Governos decidirem isoladamente quanto ao uso desse mesmo equipamento fora
do âmbito predestinado, ou seja, para outros fins – problema que se levantaria após
1957 quando dos movimentos de libertação e das guerras em África, e da consequente
transladação de aviões – inicialmente PV-2 e T-6G “Texan” – transformados nas
OGMA, fornecidos no MDAP, adaptados ao bombardeamento, para as zonas de
conflito de Angola e Guiné, o que, juntamente com o escândalo levantado pelo jornal
London Observer de que Portugal teria usado bombas incendiárias Napalm,
fornecidas pelos EUA, sobre aldeias angolanas, levaria a Administração Kennedy a
suspender o fornecimento de armamento ao País na comunicação de Agosto de 1961
do embaixador norte-americano Elbrick ao recém-empossado Ministro dos Negócios
Estrangeiros Alberto Franco Nogueira.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Votariam, ainda, os EUA duas resoluções na Assembleia-Geral da UNO que proibiam
os estados-membros de fornecerem equipamento a Portugal destinado às guerras de
África. Tanto a UNO como os próprios aliados EUA condenariam a política colonial
portuguesa. As instruções dadas pelo próprio John Fitzgerald – «Yes, against
Portugal» – no Conselho de Segurança das Nações Unidas, tornariam tensas as
relações entre os dois países.
Todavia, pela altura da renovação do acordo das Lages, em meados de 1962 o
Governo Norte-Americano recuaria no sentido de uma maior moderação, como se
disse, o que, mais uma vez, demonstra a importância dos Açores na geoestratégia pós-
1945. Envolto na Guerra do Ultramar, o País dirigiria, então, as atenções da sua
política externa quase totalmente para as colónias africanas, furtando-se aos
compromissos no âmbito da NATO. Esta posição propiciaria uma substituição de
alianças, aproximando-se o País mais da Alemanha (RFA) que passaria a ser o seu
principal fornecedor de armamento, desde corvetas a espingardas-automáticas HK G-
3, em troca de facilidades de utilização da Base Aérea a construir em Beja por 1962,
do aeródromo de Santa Margarida e de um acordo de reparação de aeronaves
germânicas nas instalações das OGMA em Alverca, disponibilizando-se, ainda, a
RFA a construir o hospital militar em Beja e a tratar os feridos do Ultramar.
Mas isto foi o que se passou mais de dez anos após a entrada de Portugal para a
NATO, durante a difícil Administração Kennedy, e propiciado pelos conflitos em
África, o que não impediu que o processo de integração se tivesse efectuado de uma
forma pacífica com vontades de ambas as partes, dos Governos de Portugal e dos
Estados Unidos, por razões diferentes, claro está, mas, ainda assim, confluentes.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Para mais, a visão intransigente de Oliveira Salazar relativamente à manutenção
colonial que levaria o País para uma guerra árdua que se revelaria ineficaz no seu fim
de subordinação dos territórios ultramarinos à mãe-pátria lusitana não pode ser
tomada como contra-argumento à preparação para a NATO ou à adaptação do País e
do Regime à nova ordem mundial pós-conflito (ou ainda antes, como se viu), no
traçar da via de entendimento e defesa comuns com a potência vencedora ocidental.
Finalmente, the last but not the least, como exemplos da visão a longo prazo de
Oliveira Salazar, na adaptação às novas realidades e a uma futura coligação, vejam-se
os seus discursos de 25 de Maio de 1944, o de 27 de Fevereiro de 1946 e o de 28 de
Abril de 1948; isto com uma antecedência de 5 anos relativamente à (futura) NATO e
de 4 anos relativamente às preocupações das altas patentes militares.
Para além desta sua conhecida presciência, ou argúcia se se preferir, a adaptação do
regime desta Segunda República à nova ordem mundial, manifestou-se logo, num
primeiro momento, ainda antes do fim da Segunda Guerra, com o Acordo dos Açores
em Agosto de 1943, e, mais significativamente, em Junho de 1944 com a cedência de
Santa Maria aos EUA; o discurso de 18 de Maio de 1945 de Oliveira Salazar e a
aceitação dos fundos do Plano Marshall, complementam e servem de prova de
adaptação, juntamente, claro está, com a entrada de Portugal para a NATO
oficialmente reconhecida com a assinatura de Caeiro da Matta em nome do Governo
Português, a 4 de Abril de 1949 em Washington. Ora, um processo de adaptação que
se encontra muito a montante da própria integração efectiva em 1949.
Mais do que as preferências doutrinárias e as cartilhas ideológicas dos estadistas,
importa, nas relações internacionais, o percurso que os países tomam nesse concerto.
Não será, pois, necessariamente, no panorama geoestratégico, entrave a uma
adaptação inevitável e necessária à conjuntura internacional a particularidade de um
regime político interno. A História faz-se de acções, não de agrados ou de intenções.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Também o discurso de 25 de Julho de 1949 e o parecer da Câmara Corporativa
dificilmente poderiam, de forma mais clara, completar a demonstração oficial do
próprio reconhecimento de uma adaptação assaz favorável a Portugal, por parte de um
líder que viveu a cavalo entre duas épocas, entre um mundo liderado por um «Eixo»
director autoritário e o pós-Guerra essencialmente democrático, entre uma delicada
posição de neutralidade e uma necessária aproximação aos novos problemas e
ameaças, de um estadista tradicionalmente conservador mas já em exercício de
maturidade necessária à sobrevivência razoável da própria Nação.
É claro que, internamente, a ditadura se manteve na sua essência, e que a perspectiva
colonialista na política externa portuguesa não alterou o seu rumo de intransigência
para com toda a oposição externa incluindo a norte-americana, tendo o País
enveredado pela Guerra do Ultramar nos anos 60. Mas isso não impediu que o
Regime, desde o final da II Guerra se tivesse adaptado a novas realidades diferentes
das até então consideradas, à luz das ideias dominantes, entrando na coligação
ocidental, por uma causa maior.
Terá Portugal conseguiu ultrapassar o referido (e temporário) preconceito, visto que
não estava subjacente democratização imposta alguma ou desmembramento da
Nação, apresentando-se a NATO como a garantia necessária à estabilidade europeia e,
por conseguinte, à paz mundial. Isto, ainda que neste novo concerto não estivesse
incluída a salvaguarda do Império, ao arrepio de uma pesada «cortina de ferro»
deveras mais perigosa ainda do que os princípios democráticos ou anti-colonialistas
defendidos pela nação condutora da própria formação da NATO. Assim, em termos
“imperialistas”, verificava-se, como se disse, o entrechocar de dois vectores
dominantes de política externa: o «imperialismo soviético» – nos termos do próprio
Salazar –, para Ocidente, versus o «imperialismo americano», para a Europa
Ocidental. O histórico imperialismo português direccionado essencialmente para Sul –
para África – não estava, pois, abrangido pela NATO.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Como é dito no referido discurso, os contras da adesão à NATO são, porém, «coisas
de somenos» se comparadas aos benefícios proporcionados por esta coligação de
esforços concertados dos diversos países auxiliados pela intervenção dos EUA,
unanimemente tida como necessária à sobrevivência do «património» e «civilização»
dos Estados «ribeirinhos» do Atlântico e ocidentais ameaçados pela crescente força do
Leste, «na mesma medida em que as posições atlânticas passaram a ser necessárias à
defesa americana».
Deva ainda fazer-se referência ao facto de a expressão utilizada «coisas de somenos»,
não trazer, necessariamente, consigo, uma conotação pejorativa nem, mesmo, um
certo desprezo pela coligação ocidental; indicaria, antes, que alguns possíveis
inconvenientes que dela adviessem seriam amplamente ultrapassados pelas vantagens
a jusante dessa mesma integração.
Recorde-se, como se fez questão de provar ao longo da obra, o facto de Portugal ser
um país essencialmente atlântico ou, preferencialmente, Euro-Atlântico de transição.
Por todas as razões apontadas, perante o novo concerto das nações, não poderia
Portugal permanecer ausente. A integração de Portugal na NATO, mais uma
necessidade de defesa, geoestratégica e política – no seu amplo sentido –, do que
convicção ideológica, mas repleta de adaptação possível.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto ao futuro? Será, já, a NATO uma contradição?
Percorridos 50 anos de paz ao abrigo da Aliança Atlântica, num mundo actual em
tudo bem diferente do traçado no pós-1945, arrefecidas as tensões pelo fim da
escaldante “Guerra Fria”, e, porém, sacudido pelos acontecimentos recentes do 11 de
Setembro de 2001, é agora altura, também, de nos questionarmos quanto ao sentido da
existência de uma NATO e da participação de países como Portugal numa coligação
cujo nome, pelo menos, tende, cada vez mais, a perder o seu verdadeiro sentido.
Como coligação em expansão permanente, soube a NATO adaptar-se às inevitáveis
alterações a nível estratégico impostas pelo avanço da História. A actualização dos
conceitos estratégicos resultou dessa necessidade que, ao longo do tempo, se
verificou, na prática, em uma substituição de uma estratégia puramente defensiva e
estática num concertado programa de acção mais flexível, findo o período de “Guerra
Fria”, como se pôde observar na sua intervenção na Bósnia (1995), passando a actuar
em missões «out of area». Ainda assim, nunca deixou de ser uma coligação defensiva,
tendo, há bem pouco tempo, conquistado o mérito de poder celebrar o seu 50.º
aniversário sem nunca ter defraudado os seus propósitos iniciais: a manutenção da
Paz.
Em pleno século XXI, a Rússia, ex-líder da ex-URSS, já não representa uma ameaça à
paz mundial. O fim da “Guerra Fria” alterara a rota das preocupações estratégicas das
grandes potências competidoras, e da própria Europa reconstruída 40 anos após o fim
do último dos grandes conflitos mundiais.
Ainda que se fale numa futura coligação estritamente europeia de esforços defensivos
comuns, a jusante de uma União Europeia que, até à data, já conseguiu a união
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
monetária, porém a verdadeira realidade é a de que a NATO ainda persiste, muito
embora o seu sentido actual esteja em tudo alterado com a recente aproximação
colaborante e pacífica da própria Rússia. Uma coligação que pretendia afastar a
Europa da esfera da influência soviética, é agora a sua via de aproximação.
Os atentados terroristas do 11 de Setembro de 2001 a Nova Iorque e a Washington
trouxeram consigo outra curiosidade: pela altura da assinatura do Tratado em 1949,
dificilmente poderiam as partes signatárias supor que a primeira vez que seria
invocado o artigo 5.º – relativo às agressões externas aos membros– seria para a frágil
Europa auxiliar os armipotentes Estados Unidos da América e não o inverso.
50 anos é já um longo tempo para uma coligação de tantos países, que assistiu a
alterações tão drásticas como as que se passaram nas últimas duas décadas. Terá ainda
sentido existir tal Organização, mesmo após a inversão das linhas directoras da sua
formação em finais dos anos 40 numa mundividência muito diferente da actual? O
que não levanta dúvidas é o facto de a sigla NATO estar verdadeiramente
desactualizada, pelo que a área da sua influência ultrapassou largamente o território
inicialmente confinado ao Atlântico Norte.
Para os EUA a resposta a essa questão parece ser de anuência. Não espanta, pois, que
a nação fundadora e mais poderosa da Organização do Tratado do Atlântico Norte
deseje mantê-la, exercendo, assim, o seu prestígio sobre as outras. Por outro lado, não
obstante os acontecimentos do 11 de Setembro que puseram em causa toda a máquina
da Defesa norte-americana, os EUA são, actualmente – e tudo indica que continuarão
a ser por muitos anos –, a potência dominante, tanto a nível militar como económico.
Nestes trâmites, parece ser natural a vontade das outras nações menos poderosas e
desenvolvidas estarem em contacto privilegiado com a potência dominante. A NATO
é ainda um desses privilégios.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
E Portugal? Que futuro na NATO?
Portugal continua a ser aquele pequeno «jardim à beira-mar plantado». Desde o
Ultramar que o País não está envolvido num conflito sério. E mesmo essa guerra foi
conduzida fora do âmbito da NATO, como se disse. Não tem tido ameaças terroristas
maiores como tem a Espanha nem pretendido envolver-se directamente em
escaramuças, mesmo nas recentes intervenções da NATO na Bósnia-Herzegovina,
Kosovo ou até no Afeganistão.
Como também está demonstrado, não anseiam os EUA uma presença intermitente ou
tímida de países mais pequenos como Portugal nas acções militares no âmbito da
NATO, mas sim, à medida das possibilidades de cada Estado, uma acção solidária e
capaz de dar cartas em cenário de guerra, se necessário. Desta forma, terá Portugal de
rever a sua posição junto dos restantes membros, não para se excluir da coligação,
mas sim para impressionar, positivamente, à sua medida, claro está.
Portugal poderá, ainda, servir como país comprador de material militar em segunda
mão, como aliás o tem vindo a fazer. Não deixa de ser impressionante a inércia de
quase vinte anos que separa a entrega de uma aeronave na USAF da sua transladação
para a Força Aérea Portuguesa!
O Tenente-Coronel Edward C. Mann da USAF, na Conferência Internacional sobre
“Poder Aerospacial” em que participei, realizada nas instalações do Estado Maior da
Força Aérea pelas comemorações do 50.º aniversário da FAP, disse reconhecer o iato
tecnológico que separa os EUA de países como Portugal, mas que, ainda assim,
haverá sempre lugar para aquele tipo de missões que não obrigam a um emprego de
tecnologia de ponta, destinados a esses países menos ricos.
Quando, num dos intervalos da dita Conferência, me dirigi ao próprio Edward Mann e
lhe perguntei “off the record” a sua opinião relativamente a possíveis contribuições de
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Portugal no âmbito da NATO tendo em conta a posição preferencialmente euro-
atlântica portuguesa e a importância geoestratégica das Lajes, ele me respondeu
começando por dizer que aquela questão «was very complex» e que dependia de
muitos factores... Quando insisti na importância dos Açores, ele olhou para mim,
abrindo os olhos, e exclamou: «Oh, it is important! Still is!» A sua curta resposta,
convenientemente interrompida pelo recomeço do último simpósio dessa Conferência,
deixou-me inquieto mas, ao mesmo tempo, esclarecido quanto à imagem que os EUA
têm desse “pequenino rectângulo” que mal surge no mapa, certamente mais difícil de
identificar do que o ainda menor mas estrategicamente melhor posicionado “ponto”
no meio do Oceano Atlântico, cartograficamente sobrecarregado de símbolos de
importância geoestratégica (do tipo “Base”, “Air Force Base”, “Navy”, “Base for
Tankers”) e de rotas de navegação.
Ora, findo o sistema global de bipolaridade que separou o Ocidente do Bloco-Leste, o
conceito geoestratégico de “base intermédia” perdeu significado. Não obstante, ainda
que os incessáveis avanços tecnológicos tenham permitido aos aviões de carga e
bombardeiros estratégicos adquirirem raios-de-acção superiores, esse incremento não
foi assim tão significativo ao ponto de serem consideradas despiciendas as operações
de reabastecimento. Por outro lado, aeronaves de menor dimensão como caças não
sofreram, assim, tamanhas alterações em termos de autonomia de voo.
O avião de combate Lockheed-Martin F-16 “Falcon”, operado por diversas esquadras
norte-americanas, dispõe de um raio de acção de cerca de 3.900Km com máximo
combustível interno e externo, o que não chega para uma travessia completa do
Atlântico. Como o F-16, outras aeronaves há, como o McDonnell Douglas FA-18
“Hornet”, cujo “ferry range” não ultrapassa os 3.600Km, embora este possa ser
operado a partir de porta-aviões. O caça de superioridade aérea e ataque F-15E
“Eagle” mal consegue completar o percurso “costa-a-costa” sem armamento, não
podendo operar a partir de porta-aviões. Nem mesmo o gigante de carga Lockheed C-
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
5 “Galaxy” vai além dos 5.500Km se transportar uma carga máxima de 118 toneladas,
bem como sucede com o novo C-17 “Globemaster III”. Verifica-se, pois, que mesmo
as grandes aeronaves, quando transportando grandes cargas, por verem reduzidos os
seus raios de acção, necessitam de reabastecimento, em voo, preferencialmente, como
se disse, necessidade que os Açores satisfazem na perfeição. Nem o advento dos
bombardeiros pesados intercontinentais retiraram às Lajes o seu valor estratégico
excepcional de base intermédia.
Assim, numa transladação de aviões, armamento e todo o tipo de material logístico
dos EUA para um teatro de operações (no Médio-Oriente, por exemplo), a Base n.º 4
dos Açores, ainda que tenha perdido parte do seu inicial prestígio, continuará a ter
importância geoestratégica, já não como base intermédia mas como uma gas station
de luxo “emprestada ao Tio Sam”. Por quase 60 anos, serviram as Lajes de ponte-
aérea permanente das deslocações pelo vasto Oceano. Como reza a frase de um site
norte-americano sobre as Lajes: «From B-17s and C-47s to B-1s and C-17s, Lajes was
and will continue to be the fueling station that gets the aircraft and crews where they
need to ‘fly, fight and win’»120.
No relatório anual da FAS relativo aos gastos com treino para 2001 vem expresso que
«a cooperative security relationship with Portugal is also essential to continued U.S.
access to Lajes Air Base in the Azores, which is a key component of U.S. force
projection capabilities...»121
Nestes trâmites, Portugal, ainda que sem equipamento militar de grande número e
sofisticação tecnológica, e de fraco interesse continental, continuará, ainda, devido à
óptima posição geoestratégica das Lajes, a interessar à política externa e diplomacia
norte-americanas. «Still»!
120 http://www.lajes.af.mil/history5a.html 121 Department of State Foreign Policy Objectives, “Annual Report 2001”, FAS
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
ANEXOS
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
The North Atlantic Treaty
Washington D.C. – 4 April 1949
The Parties to this Treaty reaffirm their faith in the purposes and principles of the
Charter of the United Nations and their desire to live in peace with all peoples and all
governments. They are determined to safeguard the freedom, common heritage and
civilisation of their peoples, founded on the principles of democracy, individual
liberty and the rule of law. They seek to promote stability and well-being in the North
Atlantic area. They are resolved to unite their efforts for collective defence and for the
preservation of peace and security. They therefore agree to this North Atlantic Treaty:
Article 1
The Parties undertake, as set forth in the Charter of the United Nations, to settle any international
dispute in which they may be involved by peaceful means in such a manner that international peace and
security and justice are not endangered, and to refrain in their international relations from the threat or
use of force in any manner inconsistent with the purposes of the United Nations.
Article 2
The Parties will contribute toward the further development of peaceful and friendly international
relations by strengthening their free institutions, by bringing about a better understanding of the
principles upon which these institutions are founded, and by promoting conditions of stability and well-
being. They will seek to eliminate conflict in their international economic policies and will encourage
economic collaboration between any or all of them.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Article 3
In order more effectively to achieve the objectives of this Treaty, the Parties, separately and jointly, by
means of continuous and effective self-help and mutual aid, will maintain and develop their individual
and collective capacity to resist armed attack.
Article 4
The Parties will consult together whenever, in the opinion of any of them, the territorial integrity,
political independence or security of any of the Parties is threatened.
Article 5
The Parties agree that an armed attack against one or more of them in Europe or North America shall
be considered an attack against them all and consequently they agree that, if such an armed attack
occurs, each of them, in exercise of the right of individual or collective self-defence recognised by
Article 51 of the Charter of the United Nations, will assist the Party or Parties so attacked by taking
forthwith, individually and in concert with the other Parties, such action as it deems necessary,
including the use of armed force, to restore and maintain the security of the North Atlantic area.
Any such armed attack and all measures taken as a result thereof shall immediately be reported to the
Security Council. Such measures shall be terminated when the Security Council has taken the measures
necessary to restore and maintain international peace and security.
Article 6
For the purpose of Article 5, an armed attack on one or more of the Parties is deemed to include an
armed attack:
• on the territory of any of the Parties in Europe or North America, on the Algerian Departments
of France, on the territory of or on the Islands under the jurisdiction of any of the Parties in the North
Atlantic area north of the Tropic of Cancer;
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
• on the forces, vessels, or aircraft of any of the Parties, when in or over these territories or any
other area in Europe in which occupation forces of any of the Parties were stationed on the date when
the Treaty entered into force or the Mediterranean Sea or the North Atlantic area north of the Tropic of
Cancer.
Article 7
This Treaty does not affect, and shall not be interpreted as affecting in any way the rights and
obligations under the Charter of the Parties which are members of the United Nations, or the primary
responsibility of the Security Council for the maintenance of international peace and security.
Article 8
Each Party declares that none of the international engagements now in force between it and any other
of the Parties or any third State is in conflict with the provisions of this Treaty, and undertakes not to
enter into any international engagement in conflict with this Treaty.
Article 9
The Parties hereby establish a Council, on which each of them shall be represented, to consider
matters concerning the implementation of this Treaty. The Council shall be so organised as to be able
to meet promptly at any time. The Council shall set up such subsidiary bodies as may be necessary; in
particular it shall establish immediately a defence committee which shall recommend measures for the
implementation of Articles 3 and 5.
Article 10
The Parties may, by unanimous agreement, invite any other European State in a position to further the
principles of this Treaty and to contribute to the security of the North Atlantic area to accede to this
Treaty. Any State so invited may become a Party to the Treaty by depositing its instrument of accession
with the Government of the United States of America. The Government of the United States of
America will inform each of the Parties of the deposit of each such instrument of accession.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Article 11
This Treaty shall be ratified and its provisions carried out by the Parties in accordance with their
respective constitutional processes. The instruments of ratification shall be deposited as soon as
possible with the Government of the United States of America, which will notify all the other
signatories of each deposit. The Treaty shall enter into force between the States which have ratified it
as soon as the ratifications of the majority of the signatories, including the ratifications of Belgium,
Canada, France, Luxembourg, the Netherlands, the United Kingdom and the United States, have been
deposited and shall come into effect with respect to other States on the date of the deposit of their
ratifications.
Article 12
After the Treaty has been in force for ten years, or at any time thereafter, the Parties shall, if any of
them so requests, consult together for the purpose of reviewing the Treaty, having regard for the factors
then affecting peace and security in the North Atlantic area, including the development of universal as
well as regional arrangements under the Charter of the United Nations for the maintenance of
international peace and security.
Article 13
After the Treaty has been in force for twenty years, any Party may cease to be a Party one year after
its notice of denunciation has been given to the Government of the United States of America, which
will inform the Governments of the other Parties of the deposit of each notice of denunciation.
Article 14
This Treaty, of which the English and French texts are equally authentic, shall be deposited in the
archives of the Government of the United States of America. Duly certified copies will be transmitted
by that Government to the Governments of other signatories.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
Assinaturas de José Caeiro da Matta e de Pedro Theotónio Pereira.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
TÁBUA DE ABREVIATURAS
AAC – Air Combat Command
AEW – Airborn Early Warning
AFB – Air Force Base
AHM – Arquivo Histórico Militar
AMNE – Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros
ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo
ASW – Anti-Submarine Warfare
BA – Base Aérea
DGS – Direcção Geral de Segurança
EUA – Estados Unidos da América
FAP – Força Aérea Portuguesa
FAS – Federation of American Scientists
GF – Guarda Fiscal
GNR – Guarda Nacional Republicana
ICBM – Intercontinental Ballistic Missile
JCS – Joint Chiefs of Staff
JFK – John Fitzgerald Kennedy
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KT – Kiloton (unidade equivalente a 1.000 de toneladas de TNT)
MAC – Military Airlift Command
MAP – Military Assistance Program
MARV – Maneuverable Re-entry Vehicle
MDAA – Mutual Defense Assistance Act
MDAP – Mutual Defense Assistance Program
MIRV – Multiple Independently Targetable Re-entry Vehicle
MNE – Ministério dos Negócios Estrangeiros
MT – Megaton ou megatonelada (unidade equivalente a 1.000.000 de tons)
MUD – Movimento de Unidade Democrática
NATO – North Atlantic Treaty Organisation
NSC – National Security Council
OEEC – Organization for European Economic Cooperation
OGMA – Oficinas Gerais de Material Aeronáutico
PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado
PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado
RAF – Royal Air Force
RFA – República Federal da Alemanha
SAC – Strategic Air Command (USAF)
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SALT – Strategic Arms Limitation Talks
SLBM – Submarine-launched ballistic missile
SS – Submarino convencional de ataque e patrulha (diesel/eléctrico)
SSBN – Submarino nuclear com capacidade de mísseis balísticos ou “boomer”
SSG – Submarino convencional equipado para disparar mísseis de cruseiro
SSN – Submarino nuclear de ataque ou “hunter-killer”
START – Strategic Arms Reduction Talks
TNT – Trinitrotolueno
UNO – United Nations Organisation
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
US – United States
USAF – United States Air Force
USN – United States Navy
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
FONTES
AHM, Arquivo Histórico Militar.
AMNE, Arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
ANTT, Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
PUBLICAÇÕES ELECTRÓNICAS
The Avalon Project at the Yale Law School, http://www.yale.edu/lawweb/avalon/
FAS, Federation of American Scientists, http://www.fas.org/
Global Security.org, http://www.globalsecurity.org/
MNE, Ministério dos Negócios Estrangeiros, http://www.min-nestrangeiros.pt/mne/
NARA, National Archives and Records Administration, http://www.nara.gov/
The National Center For Public Policy Research, http://www.nationalcenter.org/
NATO, North Atlantic Treaty Organization–Official Homepage, http://www.nato.int/
Ronald Reagan Presidential Library, http://www.reagan.utexas.edu/
U.S. Department of State, http://www.state.gov/
USAF Museum, http://www.wpafb.af.mil/museum/
The 65th Air Base Wing History Office, http://www.lajes.af.mil/
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
BIBLIOGRAFIA (de carácter geral)
MARQUES, António Henrique de Oliveira, História de Portugal, 3.º vol., 6.ª edição,
Lisboa, Palas Editores, 1981, 3 vols.
MATTOSO, José (coord.), História de Portugal, Lisboa, Editorial Estampa.
MEDINA, João (coord.), História de Portugal, dos tempos pré-históricos aos nossos
dias, Ediclube, Lisboa, 1993, 15 vols.
MOREIRA, António, PEDROSA, Alcino, As grandes datas da História de Portugal,
Editorial Notícias.
NOGUEIRA, Franco, História de Portugal, 1933:1974, II suplemento, Porto, Livraria
Civilização, 1981.
SERRÃO, Joel (Direcção), Dicionário de História de Portugal, Porto, Livraria
Figueirinhas, 6 vols.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
BIBLIOGRAFIA (de carácter específico)
CAETANO, Marcello, Minhas Memórias de Salazar, Lisboa, Editorial Verbo, 1977.
CARVALHO, Virgílio de, A Importância do Mar para Portugal, Bertrand Editora –
Instituto de Defesa Nacional, 1995.
COSTA, Alberto, FERREIRA, José Medeiros, GAMA, Jaime, VITORINO, António,
TEIXEIRA, Nuno Severiano e outros, Política Internacional, Os 50 anos de Aliança
Atlântica, n.º 19, 1999.
DIAS, Jorge, Os Elementos Fundamentais Da Cultura Portuguesa, INCM.
FERREIRA, José Medeiros, «As Ditaduras Ibéricas e a Fundação da Aliança
Atlântica», in VÁRIOS, O Estado Novo, das Origens ao Fim da Autarcia, Lisboa,
Editorial Fragmentos, 1987, 3 vols.
MARQUES, António Henrique de Oliveira, SERRÃO, Joel, Portugal e o Estado
Novo, Editorial Presença.
UNIVERSIDADE LUSÍADA Página 152
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OTAN, Manual da OTAN, Serviço de Informação da OTAN, Bruxelas, 1984.
RODRIGUES, Luís Nuno, Salazar-Kennedy: a crise de uma aliança, Editorial
Notícias.
ROLLO, Fernanda, Portugal e o Plano Marshall, Lisboa, Editorial Estampa, 1994.
ROSAS, Fernando, O Estado Novo (1926-1974), 7º vol. da História de Portugal
dirigida por José Mattoso, Editorial Estampa, Lisboa.
SALAZAR, António de Oliveira, Discursos e Notas Políticas, Coimbra, Coimbra
Editora, 1946-67, 6 vols.
SCHWAB, Ernest Louis, Undersea Warriors, Crescent Books.
TELO, António José, Portugal e a NATO, o reencontro da tradição atlântica, 1ª
edição, Lisboa, Edições Cosmos, 1996.
– «A política externa do Salazarismo», in História de Portugal, dos tempos pré-
históricos aos nossos dias, vol. XII, Ediclube, Lisboa, 1993.
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A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL NA NATO – A ADAPTAÇÃO POSSÍVEL
VÁRIOS, O Estado Novo, das Origens ao Fim da Autarcia, Lisboa, Editorial
Fragmentos, 1987, 3 vols.
VÁRIOS, Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989.
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