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Publicado em WILDHAGEN, Cid Dutra (Org.). Diálogos Sociais: reflexões e experiências para a Sustentabilidade do desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais. Belo Horizonte: IDENE, 2008. (p 225-249) PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA: Uma alternativa consistente de escolarização rural? João Valdir Alves de Souza 1 Mônica Alves Gonçalves 2 Introdução Este texto é o resultado de uma pesquisa realizada a partir de uma experiência de extensão universitária, na Escola Família Agroindustrial de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Inicialmente vista como um espaço de intervenção, uma vez que havia demandas de diversas ordens (formação de monitores, produção de material didático, levantamento de acervo bibliográfico, ampliação da biblioteca), a experiência de organização da escola, em conformidade com o que prescreve a Pedagogia da Alternância, revelou-se também um objeto privilegiado de pesquisa, uma vez que já havia uma ampla história que suscitava vários questionamentos: diferente estrutura organizacional e administrativa em relação à escola convencional; aposta em um modelo pedagógico que pretende permitir uma formação, ao mesmo tempo, totalizadora em relação a uma determinada concepção de sociedade e individualizante em relação a uma determinada concepção de personalidade; e, sobretudo, a apresentação de uma alternativa de escolarização adequada às vicissitudes do meio rural (esvaziamento demográfico, dificuldade de realização de transporte escolar, inadequação do calendário agrícola ao calendário escolar convencional) e a um ambiente ainda não totalmente submetido à lógica da divisão técnica e intelectual do trabalho. Dessa forma, constituiu objeto deste trabalho um exercício mais amplo de reflexão sobre os indicadores demográficos e socioeconômicos da região nordeste de Minas Gerais, onde estão concentradas as Escolas Famílias Agrícolas mineiras, sobre os postulados filosóficos e pedagógicos da alternância e sobre suas possibilidades e seus limites, considerados os fatores observados na Escola Família Agroindustrial de Turmalina (EFAT). O principal fator que levou à análise da experiência realizada pela Pedagogia da Alternância foi a ênfase com que vários interlocutores locais se referiram à função 1 Professor de Sociologia da Educação na Faculdade de Educação da UFMG. 2 Licenciada em Pedagogia pela UFMG.

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Pedagogia da alternância Pedagogia da alternância Pedagogia da alternância

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  • Publicado em WILDHAGEN, Cid Dutra (Org.). Dilogos Sociais: reflexes e experincias para a Sustentabilidade do desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais. Belo Horizonte: IDENE, 2008. (p 225-249)

    PEDAGOGIA DA ALTERNNCIA:

    Uma alternativa consistente de escolarizao rural? Joo Valdir Alves de Souza1

    Mnica Alves Gonalves2 Introduo

    Este texto o resultado de uma pesquisa realizada a partir de uma experincia de

    extenso universitria, na Escola Famlia Agroindustrial de Turmalina, no Vale do

    Jequitinhonha, em Minas Gerais. Inicialmente vista como um espao de interveno,

    uma vez que havia demandas de diversas ordens (formao de monitores, produo de

    material didtico, levantamento de acervo bibliogrfico, ampliao da biblioteca), a

    experincia de organizao da escola, em conformidade com o que prescreve a

    Pedagogia da Alternncia, revelou-se tambm um objeto privilegiado de pesquisa, uma

    vez que j havia uma ampla histria que suscitava vrios questionamentos: diferente

    estrutura organizacional e administrativa em relao escola convencional; aposta em

    um modelo pedaggico que pretende permitir uma formao, ao mesmo tempo,

    totalizadora em relao a uma determinada concepo de sociedade e individualizante

    em relao a uma determinada concepo de personalidade; e, sobretudo, a

    apresentao de uma alternativa de escolarizao adequada s vicissitudes do meio rural

    (esvaziamento demogrfico, dificuldade de realizao de transporte escolar,

    inadequao do calendrio agrcola ao calendrio escolar convencional) e a um

    ambiente ainda no totalmente submetido lgica da diviso tcnica e intelectual do

    trabalho.

    Dessa forma, constituiu objeto deste trabalho um exerccio mais amplo de

    reflexo sobre os indicadores demogrficos e socioeconmicos da regio nordeste de

    Minas Gerais, onde esto concentradas as Escolas Famlias Agrcolas mineiras, sobre os

    postulados filosficos e pedaggicos da alternncia e sobre suas possibilidades e seus

    limites, considerados os fatores observados na Escola Famlia Agroindustrial de

    Turmalina (EFAT).

    O principal fator que levou anlise da experincia realizada pela Pedagogia da

    Alternncia foi a nfase com que vrios interlocutores locais se referiram funo

    1 Professor de Sociologia da Educao na Faculdade de Educao da UFMG. 2 Licenciada em Pedagogia pela UFMG.

  • 2

    social dessas escolas, seu carter inclusivo, sua dinmica democrtica e sua proposta de

    compromisso com o desenvolvimento local sustentvel. Dessa forma, os principais

    objetivos da pesquisa foram:

    - Analisar os significados da alternncia e a relao entre escola e comunidade, a

    partir do estudo do caso particular da escola sediada em Turmalina.

    - Situar o contexto histrico de fundao da escola, tendo em vista os sujeitos ou

    movimentos sociais que tiveram maior expressividade neste processo;

    - Identificar as entidades parceiras que contribuem para a manuteno e

    funcionamento da escola;

    - Analisar a adequao das prticas observadas no cotidiano da escola ao projeto

    pedaggico da alternncia.

    Quanto aos procedimentos de pesquisa, foram combinadas vrias abordagens,

    como a leitura da bibliografia pertinente ao tema, particularmente o material publicado

    em decorrncia de dois Seminrios Internacionais (1999 e 2002), a anlise de relatrios

    e da documentao disponvel na escola (Estatuto da Associao de Apoio e o

    Regimento Interno da escola), a observao direta e entrevistas com alguns atores (pais,

    monitores, alunos e ex-alunos) que ocupam lugares estratgicos na organizao da rede

    escolar.

    Origens da Pedagogia da Alternncia

    As Escolas Famlias Agrcolas (EFAs) se originaram das Maisons Familiales

    Rurales da Frana. Toda a bibliografia consultada destaca a iniciativa de trs

    agricultores e um padre de uma comunidade rural do sudoeste da Frana, quando se

    confrontaram com a situao de um adolescente de 14 anos que se recusou a ir escola

    convencional. Como resultado do debate que se seguiu, foi criada, em 1935, a primeira

    Maison Familiale Rurale (MFR) de que se tem notcia. Segundo essa bibliografia, os

    princpios que orientaram a construo da identidade do movimento das MFRs nesse

    perodo de criao e expanso podem ser assim resumidos:

    - A constituio de uma associao de pais responsveis por todas as questes relativas escola, da demanda por sua criao s condies de funcionamento; - A alternncia de etapas de formao entre a Maison Familiale e a propriedade familiar como princpio norteador da prtica pedaggica; - A composio de pequenos grupos de jovens (de 12 a 15) sob a responsabilidade de um monitor como possibilidade de aplicao dos princpios pedaggicos da alternncia;

  • 3

    - A formao completa da personalidade, dos aspectos tcnicos aos morais e religiosos, como pressuposto fundamental do ideal de educao a ser perseguido; - O desenvolvimento local sustentvel como horizonte a nortear a relao entre as pessoas e o meio ambiente que habitam.

    Os agricultores pioneiros que levaram adiante a constituio das Maisons

    Familiales Rurales estavam preocupados em criar estratgias de desenvolvimento para

    sua comunidade, ao mesmo tempo em que se preocupavam com um tipo de educao

    diferenciada para os jovens de seu vilarejo. Eles imaginaram um tipo de escola que seus

    filhos no rejeitariam, porque ela iria atender s suas reais necessidades. Assim, eles

    pensaram em criar uma estrutura de formao que seria da responsabilidade dos pais e

    das foras sociais locais, em que os conhecimentos a serem adquiridos seriam

    encontrados na escola, mas tambm na vida cotidiana, na famlia, na comunidade, na

    vila.

    No comeo, a escola funcionou com quatro jovens. Pouco tempo depois j eram

    40. Aps a segunda Guerra Mundial a experincia foi divulgada pela Frana,

    constituindo-se os Centros Familiares de Formao por Alternncia (CEFFAs), que

    foram reconhecidos pelo governo francs em 1960. Na dcada seguinte os CEFFAs se

    estabeleceram em outros pases europeus (Itlia, Espanha, Portugal), no continente

    Africano, na Amrica do Sul, no Caribe, na Polinsia, na sia e, em seguida, na

    Provncia de Quebec, no Canad (Gimonet, 1999). Em cada localidade para onde a

    experincia foi levada foram feitas adaptaes em decorrncia das circunstncias locais.

    No Brasil, a primeira experincia educativa baseada nos CEFFAs se deu no

    Esprito Santo, em 1968, com a criao da Escola Famlia Agrcola de Olivnia, no

    municpio de Anchieta. O movimento das EFAs nesse Estado se constituiu sob

    influncia das Escolas Famlias Agrcolas Italianas, sendo liderado pelo padre Jesuta

    Humberto Pietrogrande e pelo Movimento Educacional e Promocional do Esprito

    Santo MEPES. Preocupadas com a crise econmica e social por que passavam os

    agricultores do sul do Esprito Santo, na dcada de 60, as lideranas do movimento

    assumiram para si a tarefa de construo das EFAs no Estado.

    A partir da experincia pioneira do Esprito Santo, as EFAs foram se

    expandindo para outros estados brasileiros, como a Bahia (estado com maior nmero de

    escolas atualmente), Cear, Piau, Maranho, Rio Grande do Norte, Rondnia, Amap,

    Gois, Santa Catarina e Minas Gerais. As primeiras Escolas Famlias Agrcolas do

    Brasil eram caracterizadas como escolas informais, com cursos livres e de durao de

  • 4

    dois anos (Begnami, 2002). Seus objetivos principais eram permitir a formao tcnica

    de agricultores, incentivar a permanncia dos alunos no local de origem e incentivar o

    incremento de novas tecnologias no seu meio. Alm disso, diz Begnami (2002), essas

    escolas pioneiras do Brasil se preocupavam com a formao humana e cidad e com o

    engajamento social e poltico dos alunos nas suas comunidades e nos movimentos

    sociais. Posteriormente, a fixao do homem ao campo deixou de ser um lema da

    escola, sendo substitudo pelo lema formao para a liberdade.

    Com a expanso das Escolas Famlias para outras regies, surgiu a necessidade

    de criar uma entidade que pudesse garantir a unidade da proposta pedaggica da

    formao por Alternncia, articular e unir as escolas na busca de solues para seus

    problemas comuns e fortalecer seu projeto poltico de se constituir como alternativa

    vivel escolarizao de populaes rurais. Foi criada, ento, a Unio Nacional das

    Escolas Famlias Agrcolas do Brasil, a UNEFAB, instituda por ocasio da primeira

    Assemblia Geral das EFAs do Brasil, realizada em 1982. Segundo a UNEFAB,

    atualmente esto em funcionamento cerca de 200 EFAs (h outras 40 em fase de

    implantao), onde trabalham 850 monitores, beneficiando cerca de 20.000 alunos e

    100.000 agricultores. Essas escolas j formaram mais de 50.000 jovens dos quais mais

    de 65% permanecem no meio rural, desenvolvendo seu prprio empreendimento junto

    s suas famlias ou exercendo vrios tipos de profisso e de liderana.3

    Em Minas Gerais, segundo a Associao Mineira das Escolas Famlias

    Agrcolas (AMEFA), a implantao das primeiras experincias de escolarizao em

    conformidade com a Pedagogia da Alternncia esteve relacionada com o movimento

    social e eclesial no final dos anos 70 e incio dos anos 80. Essa foi uma poca de

    reestruturao e/ou criao de vrios Sindicatos de Trabalhadores Rurais e formao de

    vrios outros movimentos de organizao dos agricultores na luta pela terra e na

    tentativa de reao da agricultura familiar ao processo de submisso da explorao

    agrcola ao capital internacional (AMEFA, 2004).

    A primeira Escola Famlia Agrcola de Minas Gerais foi criada na cidade de

    Muria, em 1984. A partir de ento, numa tentativa de resposta ao histrico abandono e

    esquecimento de que os agricultores se ressentiam, foram sendo implantadas outras

    unidades em diversas regies do estado, por iniciativas de grupos diversos que

    objetivavam promover o desenvolvimento do meio rural, atravs de alternativas de

    3 Informaes disponveis em: . Acesso em 25 jul. 2007.

  • 5

    ensino e profissionalizao dos filhos de agricultores familiares. Atualmente, existem

    15 EFAs em 14 localidades do estado de Minas Gerais, grande parte delas na

    mesorregio do Jequitinhonha/Mucuri. (Ver quadro 1, em anexo.) Essas EFAs esto

    organizadas em torno da AMEFA, que foi instituda como entidade civil sem fins

    lucrativos em 24 de julho de 1993.

    A AMEFA foi criada para atender s necessidades da formao do quadro de

    monitores, diretores e supervisores pedaggicos das EFAs e prestar assessoria aos

    dirigentes das associaes locais e administrao da sua expanso no mbito do estado

    de Minas Gerais. Sendo assim a AMEFA tem como principal misso ser um espao de discusso, aprofundamento e promoo de propostas alternativas de aprimoramento da formao por alternncia, para melhor atender as necessidades dos jovens e do seu meio, na perspectiva de um desenvolvimento integral e sustentvel das pessoas e do meio rural, numa perspectiva de fortalecer a agricultura familiar, promover a incluso social e melhorar as condies de vida no campo em Minas Gerais (AMEFA, 2004, p. 70).

    Proposta Pedaggica

    Segundo Pedro Puig Calv, uma Escola Famlia Agrcola uma associao de Famlias, pessoas e instituies que buscam solucionar a problemtica comum da evoluo e do desenvolvimento local atravs de atividades de formao, principalmente dos jovens, sem entretanto excluir os adultos (Calv, 1999, p. 5). Sendo assim, as EFAs tm quatro pilares que as caracterizam e as sustentam:

    as associaes mantenedoras da EFA, a Pedagogia da Alternncia, a formao integral

    do aluno e o desenvolvimento local sustentvel.

    O primeiro desses pilares a constituio de uma associao responsvel pela

    EFA nos diversos aspectos: econmicos, jurdicos e gesto. As EFAs representam para

    as suas associaes, no um fim em si mesmas, mas um meio para alcanar o

    desenvolvimento local e coletivo (Calv, 1999). Ou seja, atravs das EFAs suas

    associaes podem atuar em projetos e atividades que favoream o desenvolvimento

    local ao mesmo tempo em que se propem a formar as futuras geraes que vo dar

    continuidade ao projeto.

    Esse primeiro pilar condio necessria formao e manuteno de uma

    EFA, porque sua existncia se vincula a uma organizao local de base participava, em

    que a associao das famlias, as comunidades, as instituies locais, os profissionais do

    setor so os responsveis pela gesto e pelo desenvolvimento local. Essas associaes

    no devem se confundir com as tradicionais associaes de pais e mestres, que, de modo

    geral, existem para dar apoio externo escola na qual estudam seus filhos. Essas

    associaes so a condio apriorstica da existncia da EFA. Ela deve consistir em uma

  • 6

    organizao de base democrtica e participativa, composta por pais e outros atores

    comunitrios, que tenham como principal objetivo a promoo do desenvolvimento

    local.

    O segundo pilar que caracteriza e sustenta uma Escola Famlia Agrcola a

    adoo de uma proposta pedaggica especfica: a Pedagogia da Alternncia. No sentido

    geral, alternncia significa, segundo Calv, um conjunto dos perodos formativos que

    se repartem entre o meio scio profissional (seja na prpria famlia ou na empresa) e a

    escola. Isto sempre dentro de uma interao educativa escola-meio (Calv, 1999, p.

    17).

    Lourdes Helena da Silva (2003) tambm compartilha dessa definio de

    alternncia elaborada por Calv. Ela entende alternncia como estratgias de

    escolarizao que possibilitam aos jovens que vivem no campo conjugar a formao

    escolar com as atividades e tarefas na unidade produtiva familiar, sem desvincular-se da

    famlia e da cultura do meio rural. Da a importncia da Escola Famlia Agrcola como

    uma alternativa de escolarizao desse pblico, uma vez que possibilita ao aluno ter

    acesso escola, ao mesmo tempo em que permite a ele permanecer junto famlia,

    sua cultura e s atividades produtivas (Silva, 2003).

    Para entender melhor em que consiste essa proposta pedaggica nas

    experincias das EFAs, Calv recortou de dois autores, G. Malglaive e Gil Bougeon, a

    discusso sobre os sentidos da alternncia, sentidos esses que aparecem reproduzidos

    em grande parte da bibliografia consultada.

    Segundo Calv (1999), Malglaive distingue trs tipos de alternncia. H a falsa

    alternncia na qual no se estabelece nenhuma relao entre a formao acadmica e as

    atividades prticas. H a alternncia aproximada, que tem organizao didtica que

    une os tempos e espaos de formao, dando-lhes certa coerncia. Contudo, nessa

    perspectiva de alternncia, so utilizados modelos de observao e anlise da realidade

    na qual os jovens tero que trabalhar sem que, no entanto, lhes sejam oferecidos meios

    para atuar sobre ela de modo a modific-la intencionalmente. J a alternncia real

    aquela que almeja uma formao terica e prtica global, permitindo que o formando

    construa o seu prprio projeto pedaggico, coloque-o em prtica e efetue uma anlise

    reflexiva sobre si mesmo (Calv, 1999, p. 19).

    O outro autor citado por Calv (1999), Gil Bourgeon, apresenta uma discusso

    semelhante de Malglaive. Para Bourgeon a alternncia justaposta intercala

    diferentes perodos entre as atividades e os diferentes lugares, o trabalho e o estudo sem

  • 7

    nenhuma relao aparente entre eles. J a alternncia associativa, associa formao

    profissional com a formao geral. As instituies que as constituem tentam organizar

    uma nica formao nas atividades tericas e prticas, dentro de um mesmo programa.

    Mas o sentido pleno da alternncia est no que ele chama alternncia copulativa, um

    processo no qual acontece uma compenetrao efetiva entre os meios de vida scio-

    profissional e escolar, numa unidade integrada de tempo formativo. No consiste, ento,

    em uma sucesso de tempos chamados tericos e outros chamados prticos mesmo se

    estes se encontram no plano didtico. Consiste, sim, num processo de interao entre os

    diversos momentos de atividades, pois nesse tipo de alternncia h uma estreita conexo

    entre todos os elementos do mbito educativo, sejam eles pessoais ou institucionais,

    individuais ou coletivos, da esfera da luta pela sobrevivncia ou do investimento na

    formao.

    A partir da anlise desses autores, Calv (1990) constri seu prprio conceito de

    alternncia, que ele reivindica como o que deve ser perseguido por todos aqueles que se

    ocupam da EFA. Ele chama a isso de alternncia interativa, pois nela, existe uma verdadeira colaborao, co-gesto, co-habitao, co-ao, onde o meio profissional intervm na escola e esta intervm no meio, com intervenes na educao-formao do aluno pela alternncia que no se limita a um ou dois atores, mas se estendem a toda a complexidade do mundo que envolve a vida do formando (famlia, amigos, trabalho, economia, cultura, escola, poltica) (Calv, 1999, p. 19).

    Como se percebe pela discusso dos autores, o sentido da Pedagogia da

    Alternncia ainda est sendo construdo, uma vez que se trata de experincia educativa

    relativamente nova, se comparada ao modelo convencional de escolarizao. Assim, as

    pesquisas e os contornos tericos sobre esse tema ainda esto em emergncia e em fase

    de consolidao. O que preciso verificar em que medida esses postulados so

    efetivamente transpostos para a prtica, uma vez que, como se sabe, entre uma e outra

    h as mediaes a serem construdas a partir dos elementos de que cada comunidade

    dispe.

    O terceiro pilar que d sustentao a uma EFA e a caracteriza como tal a

    formao integral da pessoa, de modo a lhe permitir o desenvolvimento pleno da

    personalidade e a capacidade de construir seu projeto de vida. Essa formao integral

    da pessoa diz respeito a tudo aquilo que pode enriquecer a sua constituio como

    indivduo, considerando todos os elementos que se referem ou interferem na

    aprendizagem, como a organizao escolar, a formao dos profissionais que nela

  • 8

    atuam, a configurao social, as representaes vigentes no meio, o projeto de vida de

    cada um, as condies socioeconmicas da famlia e da comunidade etc.

    A formao do jovem pela alternncia implica o seu envolvimento em

    atividades produtivas, de maneira a relacionar suas aes com a reflexo sobre o porqu

    e o como das atividades desenvolvidas (Silva, 2003). Ou seja, essa formao busca a

    interao entre as atividades prticas e a reflexo terica sobre elas. Nessa perspectiva

    educativa o jovem deve ser o protagonista de sua prpria formao (Gimonet, 2005).

    Ele deve analisar quais contedos so relevantes para seu desenvolvimento pessoal e

    social. A ateno personalizada importante nesse processo de formao, pois a tutoria,

    o dilogo para reviso do caderno da realidade, as visitas s famlias e s comunidades

    so alguns dos procedimentos didticos utilizados para atingir o objetivo da formao

    integral do aluno.

    Por ltimo, o quarto pilar que caracteriza e sustenta uma Escola Famlia

    Agrcola a sua preocupao com questes voltadas para o desenvolvimento local e

    sustentvel. A busca constante das EFAs em promover o desenvolvimento nas

    comunidades locais uma das suas principais caractersticas, pois foi este desejo de

    desenvolvimento local que fez as experincias educativas pautadas na Pedagogia da

    Alternncia surgirem na Frana e expandirem-se para outros pases.

    O desenvolvimento do meio no qual est inserida uma EFA resulta da interao

    de diferentes atores (Forgerd, 1999, p. 64). A interao desses atores concretizada

    dentro de dimenses humanas, econmicas, sociais, culturais, ambientais, numa

    perspectiva global. Sendo assim, a partir da interao dos sujeitos, quando eles tm

    interesses individuais em comum, so conduzidas aes de desenvolvimento de

    competncias, de atitudes, de comportamentos para um bem estar econmico e social

    melhor para todos que vivem nesse meio (Forgerd, 1999). Portanto, quando os atores de

    um determinado contexto compartilham interesses de desenvolvimento em comum, eles

    podem utilizar as EFAs como espao de socializao de suas idias e como lugar de

    partida para as aes e concretizao dessas idias.

    Apesar de j estar bastante consolidado no discurso e na prtica de organizaes

    no governamentais, de movimentos sociais diversos e, mais recentemente, na mdia, a

    discusso em torno da sustentabilidade parece ainda estar longe dos projetos

    pedaggicos da escola convencional. Se essa uma afirmao correta, certo tambm,

    que a centralidade que as EFAs do ao debate sobre desenvolvimento sustentvel as

    distinguem de todas as outras. A Unio Nacional das Escolas Famlias Agrcolas do

  • 9

    Brasil (UNEFAB), assim como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

    Familiar (PRONAF) e o Conselho Nacional dos Sistemas Estaduais de Pesquisa

    Agropecuria (CONSEPA) so entidades que no apenas apostam no desenvolvimento

    da agricultura familiar, mas, sobretudo, reivindicam que ela se constitua na perspectiva

    da sustentabilidade. Por essa perspectiva, todo empreendimento na localidade deve ser

    economicamente vivel, socialmente justo e ambientalmente correto.

    A proposta de desenvolvimento sustentvel da UNEFAB vem sendo construda

    com organizaes no governamentais, sindicatos, pastorais e outras entidades, as quais

    compartilham os seguintes princpios:

    - Assentar-se na pequena produo familiar como base da organizao social e

    tcnica da produo agrcola;

    - Dar prioridade para a segurana alimentar;

    - Promover livre e democrtica organizao dos agricultores e das agricultoras;

    - Organizar-se em sistemas descentralizados de beneficiamento e

    comercializao;

    - Praticar uma agricultura que garanta a sobrevivncia das populaes atuais sem

    comprometer as condies de atendimento s geraes futuras;

    - Estabelecer princpios de equidade na distribuio dos benefcios. Relao com a agricultura familiar

    A agricultura familiar tem capacidade de absorver grande quantidade de mo de

    obra e responde por quatro em cinco empregos gerados no meio rural. Alm disso, ela

    se torna um dos elos fundamentais na modernizao da agricultura, por ter a

    flexibilidade de adaptao a diferentes processos de produo e gerar vrias fontes de

    renda (CONSEPA, 2004).

    Apesar de contar com algumas regies industriais (Metropolitana de Belo

    Horizonte, Zona da Mata e Vale do Ao), Minas Gerais um estado eminentemente

    agrcola. Apesar tambm da forte marca da atividade mineradora, a produo agrcola

    est na base das referncias culturais no Estado: de um total de 853, 516 municpios

    mineiros tm uma populao que no ultrapassa 10 mil habitantes e nessas localidades o

    urbano e o rural se confundem, pois suas relaes, alm de estreitas so dependentes

    (AMEFA, 2004, p. 11).

    Segundo o CONSEPA, a grande capacidade da agricultura familiar em absorver

    mo de obra a transforma em uma alternativa socialmente desejada, economicamente

  • 10

    produtiva e politicamente correta para fazer frente a grande parte dos problemas sociais

    urbanos derivados do desemprego e da descontrolada migrao na direo campo-

    cidade. Assim, investir no conhecimento da e para a agricultura familiar, significa

    para o CONSEPA resolver o problema da migrao campo-cidade e os problemas

    decorrentes dela.

    Para o CONSEPA a agricultura familiar est agrupada em trs modelos:

    - A agricultura familiar consolidada que constitui 27% dos estabelecimentos familiares integrados ao mercado, com acesso a inovao tecnolgica e a polticas pblicas (a maioria funcionando em padres empresariais); - A agricultura familiar em transio que constituda por 24% dos estabelecimentos familiares, aproximadamente, os quais tm acesso parcial aos circuitos de inovao tecnolgica, no tm acesso maioria das polticas pblicas e programas governamentais e no esto consolidados como empresas, mas possuem potencial para sua viabilizao econmica. - J a agricultura familiar perifrica, constituda por 49% dos estabelecimentos rurais, caracterizada pela fragilidade de sua infra-estrutura, e cuja integrao produtiva economia nacional depende de fortes e bem estruturados programas de reforma agrria, crdito, pesquisa, assistncia tcnica e extenso rural, comercializao, dentre outros (CONSEPA, 2004).

    O desenvolvimento e a sustentabilidade da agricultura familiar, nos trs modelos

    citados acima, em especial o modelo da agricultura familiar perifrica, tem sido afetados

    por diversos fatores. Um deles, apontado pelo CONSEPA a dificuldade de acesso dos

    agricultores familiares escolarizao. Essa dificuldade de acesso educao formal

    dificulta que os agricultores familiares compreendam a razo de muitos de seus

    problemas e limita sua participao nos processos de busca de solues para o

    desenvolvimento rural sustentvel.

    Dessa forma, as Escolas Famlias Agrcolas aparecem como uma alternativa

    vivel para o desenvolvimento rural, porque elas visam justamente contribuir para o

    desenvolvimento sustentvel, atravs do trabalho das associaes das escolas, em

    projetos coletivos, que viabilizem o desenvolvimento da instituio, dos alunos, da

    comunidade e dos pequenos produtores. Elas podem contribuir para o desenvolvimento

    do campo, porque atuam na formao terica e prtica dos educandos, respeitando a sua

    cultura e seu meio, de forma que eles tenham conhecimentos tcnicos e filosficos que

    os favoream desenvolver a comunidade, bem como a si mesmos, pois no h

    desenvolvimento de uma pessoa se a sua comunidade no se desenvolve (UNEFAB,

    2002, p. 25).

  • 11

    importante ressaltar que as EFAs no atuam somente na formao dos alunos,

    mas tambm dos familiares, uma vez que so parte constitutiva da proposta pedaggica

    da alternncia. Desse modo, recriam valores, aprendem novos sentidos e significados

    pela luta e trabalho na terra e novas relaes sociais de produo, por meio das

    discusses e atividades na e fora da escola e nos encontros de formao entre pais e

    alunos, diretores, monitores e outros dirigentes do movimento das EFAs.

    A experincia da Escola Famlia Agroindustrial de Turmalina

    O municpio de Turmalina est localizado no alto Jequitinhonha, nordeste de

    Minas Gerais. Seu territrio abrange uma rea de 1.151 km, onde residia, em 2000,

    uma populao de 15.655 habitantes, dos quais 37% no meio rural.

    Tambm no caso da Escola Famlia Agroindustrial de Turmalina destaca-se a

    participao ativa de um padre e seu trabalho de mobilizao das comunidades. Esse

    padre, um italiano que vivia na regio desde os anos 1960, juntamente com lideranas

    do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, em 1994, apoiou a criao do Centro de

    Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), uma organizao no governamental que

    se constituiu em funo da defesa da agricultura familiar e das propostas do

    desenvolvimento regional sustentvel. O Centro presta assessoria aos pequenos

    agricultores, desenvolvendo novas tcnicas de produo e comercializao de produtos

    excedentes.

    Apesar desse trabalho de mobilizao e de efetiva organizao comunitria, essa

    EFA nasceu mais da ao direta do poder pblico municipal, por iniciativa do ento

    secretrio municipal de educao, que da demanda especfica de alguma entidade civil

    organizada. E a est certamente um dos maiores limites ao efetivo funcionamento em

    conformidade com os postulados pedaggicos da alternncia, isto , aquilo que tem sido

    designado como prefeiturizao das experincias das EFAs.

    A administrao municipal do perodo de 1997 a 2000 apoiou amplamente as

    atividades do CAV e, por extenso, as iniciativas de que ele se constitua como parceiro.

    Nesse perodo, a Secretaria Municipal de Educao ampliou polticas educacionais para

    o municpio com o objetivo de universalizar o ensino. Como uma das medidas

    utilizadas para alcanar esse objetivo, a Secretaria adotou o projeto de nucleao

    escolar, que conseguiu atender grande parcela da populao escolarizvel. Alm disso,

    a secretaria criou cursos de alfabetizao para adultos que atendia cerca de 185 alunos e

    ensino supletivo de 1 a 4 srie que atendia 124 alunos.

  • 12

    Mesmo com essas medidas, a administrao municipal no conseguiu atender

    demanda de alunos das comunidades mais distantes. Por um lado, o esvaziamento

    demogrfico de vastas regies rurais do municpio no justificava a manuteno de uma

    escola em cada localidade. Por outro lado, o transporte dirio dos alunos para as escolas

    nucleadas ou para as escolas da sede municipal tornava-se oneroso, precrio e perigoso.

    Na tentativa de resolver esses problemas a secretaria de Educao assumiu a proposta

    de criao e implantao da Escola Famlia Agrcola para atender alunos em idade de

    cursar o segundo ciclo do ensino fundamental (5 a 8 srie).

    Assim, a EFAT iniciou suas atividades no dia 12 de fevereiro de 1998,

    atendendo 125 alunos do ensino fundamental (5 e 8 srie). Posteriormente, a partir de

    2001, passou a atender tambm a alunos do ensino mdio, passando a funcionar

    concomitante com a Educao Profissional Bsica em Agroindstria.

    A escola foi implantada nas imediaes da cidade, numa rea de 20 hectares,

    organizando-se a partir dos princpios filosficos e metodolgicos da Pedagogia da

    Alternncia. Essa alternncia consistia em abrigar os alunos, em regime de internato,

    por rodzio entre meninos e meninas, alternando a permanncia deles a cada 15 dias

    entre a escola o local de moradia. Em outras palavras, durante 15 dias de cada ms, os

    alunos ficam na escola em perodo integral e, nos outros 15 dias, eles voltam para a casa

    dos pais, onde realizam as tarefas que lhes foram atribudas como parte da

    responsabilidade da famlia nesse processo educativo.

    s atividades tericas somavam-se trabalhos prticos na prpria escola, como a

    produo de pes, o cultivo da horta, a produo de frutas (acerola, banana, maracuj,

    mamo, urucum, laranja, figo), alm de viveiro, apicultura, caprinocultura, suinocultura,

    avicultura. Realizavam, tambm, curso bsico de informtica, bordados, corte e costura,

    dentre outras atividades (Laczynski, 2000). Apesar da variedade de opes, logo

    verificaram-se os limites da proposta, uma vez que parte das atividades tinha que ser

    desenvolvida em outros espaos por inexistncia de equipamentos de informtica, por

    exemplo, ou a dificuldade de manter a padaria, a desidratao ou a extrao da polpa de

    frutas. Faltavam, ainda, recursos financeiros para garantir o funcionamento e ampliar

    investimentos, o que a submeteu ao controle do poder pblico municipal quando deveria

    estar sob a administrao da Associao de Apoio Escola Famlia Agroindustrial de

    Turmalina (ASFAT).

    O projeto original da Escola Famlia foi concebido em 1997, mesmo ano em que

    foi implantado o projeto Criana 2000 para adolescentes do meio rural de Turmalina.

  • 13

    No Projeto Criana 2000 os adolescentes ficavam em regime de semi-internato,

    fazendo cursos de bordado, corte e costura, manicure e pedicure, artesanato em palha,

    dentre outros, e freqentavam as aulas do 2 ciclo do ensino fundamental nas escolas

    estaduais da cidade (Laczynsk, 2000).

    Ao que tudo indica, a criao da Escola Famlia Agrcola foi um desdobramento

    do projeto Criana 2000, o que levou a administrao municipal a realizar o duplo

    papel de vincular este projeto ao da Pedagogia da Alternncia e convencer a populao

    beneficiria de que essa era uma boa alternativa de escolarizao. A mobilizao para a

    criao da Associao Pr-Escola Famlia Agroindustrial de Turmaliana foi, portanto,

    induzida pela administrao municipal, o que revelou outro limite da iniciativa: a

    necessidade do convencimento poltico dos vereadores para a aprovao da entrada da

    prefeitura na iniciativa e o convencimento dos pais de alunos, reticentes em enviar seus

    filhos para um internato, a princpio, misto.

    O problema, nesse caso, no estava na boa inteno dos administradores

    municipais, que pretendiam resolver pelo menos parte do problema da evaso escolar ou

    da impossibilidade de esses alunos ultrapassarem as primeiras sries de escolarizao,

    seja pela falta de escolas no local de moradia seja pela falta de transporte escolar nas

    comunidades mais distantes. O problema estava na inverso de um princpio bsico da

    Pedagogia da Alternncia que sustenta a necessidade de a iniciativa partir do pblico

    beneficirio, como expresso do seu desejo de ter acesso a uma escola diferenciada, que

    atenda aos interesses de seus alunos, que permita a reproduo da sua identidade

    cultural e que no leve seus descendentes a engrossar as rotas de migrao

    campo/cidade.

    Para alm, portanto, das questes da esfera poltica e oramentria estava o

    problema do convencimento dos agricultores de que a Pedagogia da Alternncia era de

    fato uma boa alternativa de escolarizao para seus filhos. Pode no ser difcil

    convencer os pais de que no possvel manter uma escola prxima a sua moradia em

    decorrncia do esvaziamento populacional da localidade ou que o transporte escolar

    oneroso, perigoso e demorado (quando no impossvel em decorrncia das chuvas), mas

    no fcil convenc-los de que meninos e meninas podem conviver harmoniosamente

    em uma escola em regime de internato. Essa desconfiana paterna somente foi

    apaziguada com a proposta da alternncia em rodzio acima referida, isto , enquanto os

    meninos esto ocupados das atividades escolares na escola, as meninas esto em casa e

    vice-versa.

  • 14

    Vencida essa primeira etapa, a seqncia se constituiu na formao da

    Associao e no estabelecimento das parcerias, cuja proposta era promover a adeso de

    todos os orgos das trs esferas de administrao (federal, estadual e municipal), de

    organizaes no governamentais e iniciativa privada. Essas parcerias foram

    importantes no apenas para a implantao da Escola, mas para a expanso do

    atendimento a alunos do ensino mdio profissionalizante, o que aconteceu a partir de

    2001.

    Ultrapasados os primeiros obstculos relativos implantao, restava fazer a

    escola funcionar em conformidade com os postulados da Pedagogia da Alternncia. Do

    ponto de vista formal, a proposta entra em sintonia com esses postulados, mas na prtica

    os limites logo se revelaram. Os objetivos da escola foram apresentados no seu

    Regimento Interno, Art 11. Dentre outros, destacam-se os seguintes:

    g) Estimular e apoiar agricultura familiar, buscando incorporar novas culturas economicamente viveis e ecologicamente corretas; h) Buscar alternativas econmicas no campo e na regio, procurando diminuir o xodo do campo para as cidades e da regio para outras regies; j) Tornar a EFA um centro de referncia, de promoo e desenvolvimento do meio rural, criando espaos de atividades diversas para pais, mes, profissionais do compo e ex-alunos; n) Estimular nos jovens um processo de formao permanente para estarem atualizados frente aos desafios e perspectivas do mundo moderno/ contemporneo.

    Alm desses objetivos a escola explicitou claramente sua proposta pedaggica.

    A EFAT tem o seu Projeto Poltico Pedaggico organizado de acordo com os quatro

    pilares bsicos que constituem as EFAs: a Associao, como princpio de participao e

    do envolvimento das famlias e da comunidade; a Pedagogia da Alternncia, como

    estratgia de ao pedaggica mais eficaz, mais apropriada realidade do campo e

    profissionalizao dos jovens rurais; a formao integral da pessoa humana, como

    proposta da ao educativa; e o desenvolvimento rural sustentvel, como meta a ser

    alcanada no mdio e longo prazos.

    Fundamentando-se nesses quatro pilares, a EFAT organiza seus recursos

    didticos de acordo com essa linha pedaggica da alternncia, ou seja:

    - Plano de Estudos que so temas geradores para serem pesquisados em casa

    ou no meio, temas esses que contaram com a partipao dos prprios alunos e

    das famlias na sua elaborao;

  • 15

    - Colocao em Comum o termo imprprio, mas significa compartilhamento

    ou socializao, no tempo escola, dos resultados das investigaes feitas pelos

    alunos no seu perodo de formao no tempo casa;

    - Caderno da Realidade trata-se do caderno de registro, ou fichrio, que

    acumula as informaes recolhidas durante esse tempo em que permance em

    casa e suas observaes relativas ao debate estabelecido com os colegas e o

    monitor no tempo escola.

    - Caderno didtico o material didtico orientador, norteador da ao do

    estudante; ele contm metodologia prpria e elaborado a partir do Plano de

    Estudos, reivindicando uma abordagem mais profunda de cada uma das

    disciplinas;

    - Visitas pedaggicas s famlias trabalho do monitor, que consiste em fazer

    da famlia uma parceira importante na formao do estudante da EFA. Sem o

    acompanhamento pedaggico da famlia um dos pilares do projeto desmorona;

    - Visitas tcnicas s famlias trabalho tambm do monitor, que consiste em

    observar prticas do cotidiano da famlia e promover intervenes;

    - Caderno de acompanhamento meio de comunicao ente EFAT e a famlia,

    tambm utilizado como instrumento avaliao, que at pode substituir o boletim

    e o dirio escolar;

    - Intervenes Externas so palestras, cursos e seminrios realizados a partir

    dos temas do Plano de Estudo;

    - Estgios aprendizagem pela prtica do estudante em local diferente daquele

    ao qual j est acostumado, como a prpria localidade em que vive;

    - Projeto profissional horizonte que deve nortear as aes futuras e concretizar

    o plano de estudos e o exerccio profissional.

    Apesar disso, no entanto, a EFAT acabou se tornando uma escola muito

    prxima s do sistema convencional. A luta daqueles que a querem independente para

    que ela se constitua como escola comunitria, pois assim ela poder aprimorar os

    projetos comprometidos com os postulados da Pedagogia da Alternncia, constituindo

    novas parcerias para financiar alguns dos projetos que se deseja implantar na escola.

    Segundo o presidente e a secretria da associao, a EFAT no consegue outros

    recursos financeiros de ONGs, entidades governamentais e outros, por causa da

    vinculao da escola com a prefeitura. Portanto, o ttulo de escola comunitria poderia

    permitir a ASFAT ampliar e desenvolver seus projetos, atravs da adoo de novos

  • 16

    parceiros para financiar as atividades da escola e da comunidade. Alm disso, a ASFAT

    teria maior autonomia na gesto da escola, podendo desvincular-se das indesejveis

    influncias poltico-partidrias a que inevitavelmente se liga a administrao municipal.

    Concluso

    So muito variadas as experncias concretas das EFAs e em muitos casos os

    resultados so avaliados como muito positivos. No caso em pauta, no entanto, os limites

    se revelaram bastante comprometedores e essa uma adertncia necessria para que se

    evite uma expanso desordenada que jogue por terra a inovadora proposta de uma

    educao sntonizada com os interreses das pessoas do meio rural.

    Quais foram, ento, os principais limites e desafios que a escola enfrentou e

    continua enfrentando atualmente?

    Um deles est no financiamento, o que faz da ASFAT, a Associao

    mantenedora da escola, uma entidade que pouco poder tem na conduo de seus

    destinos. Como o financiamento de responsabilidade da prefeitura, a adminsitrao

    municipal tem ignorado sistematicamente as especificidades do projeto pedaggico,

    submetendo, por exemplo, a escolha da direo aos mesmos mecanismos de

    recrutamento poltico dos cargos de confiana e a escolha dos monitores ao mesmo

    processo de escolha dos professores da rede convencional.

    Da decorrem outros problemas, como submeter o projeto pedaggico a um

    corpo de profissionais que, em sua maioria, nunca ouviram falar em Pedagogia da

    Alternncia. Mesmo com os projetos de formao de monitores, o que permite ampliar a

    qualificao de pessoal, a cada ano todos eles entram na mesma fila geral de

    recrutamento do conjunto dos professores do municpio, o que significa que monitores

    formados podem ir para outras escolas e a EFAT receba, mais uma vez, pessoal no

    qualificado para seu projeto. Alm disso, como a maior parte dos monitores no tem

    dedicao exclusiva, o tempo que eles deveriam dedicar s visitas pedaggicas e s

    visitas tcnicas s famlias o mesmo que eles dedicam a outras escolas convencionais

    onde atuam. Decorre da que a EFAT uma associao de famlias, pessoas e entidades

    preocupadas com o problema do desenvolvimento rural e da educao integral dos

    filhos dos agricultores, mas a prtica se revela muito distante do projeto.

    Mesmo que sejam superados esses limites poltico-institucionais, h outros,

    entretanto, to signficativos quanto complexos. Do ponto de vista didtico-pedaggico a

  • 17

    Pedagogia da Alternncia se sustenta no eixo de formao famlia-escola. Mesmo que

    todos os problemas da escola sejam solucionados, h os limites prprios aos estudantes,

    s famlias, ao meio sociocultural e econmico no qual esto inseridos. Mesmo quando

    os monitores so qualificados para a tarefa, suas visitas pedaggicas e tcnicas

    confrontam a condio real que ordena a vida dos estudantes e suas famlias:

    precariedade das condies de vida, necessidade da utilizao da fora de trabalho dos

    jovens na reproduo da vida familiar, pouca ou nenhuma escolaridade dos pais e/ou

    pouca ou nenhuma capacidade e/ou interesse dos pais em fazer sua contrapartida no

    projeto pedaggico, dentre outros fatores.

    Como foi dito, a regio do Vale do Jequitinhonha se caracteriza pelos baixos

    indicadores sociais e econmicos, o que leva grande nmero de pais de famlia

    migrao, forando ainda mais a entrada das crianas e adolescentes na luta pela

    sobrevivncia. Sem poder dispor de tempo livre para o investimento na formao,

    mandar as crianas de volta casa apenas alivia a necessidade de mo-de-obra familiar

    nas lides cotidianas. Sem dispor de tempo e/ou interesse para estudar a proposta

    pedaggica juntamente com os filhos, os pais no faro nada alm do que fariam se os

    filhos estivessem numa outra escola qualquer. Sem se predispor a mudar hbitos e

    costumes, os pais apenas entraro em conflito com monitores e com os prprios filhos

    quando, por ocasio das visitas tcnicas, tiverem que confrontar o modo como agem

    com o modo como deveriam agir. Somem-se a isso as turmas grandes, as distncias a

    serem percorridas pelos monitores, as precrias condies das estradas de acesso s

    comunidades distantes etc.

    Dessa forma, ficam mais perguntas que respostas nesse primeiro investimento

    na tentativa de explicitar as possibildiade e limites da Pedagogia da Alternncia na

    formao plena de cidados adaptados vida no campo, profissionais aptos a promover

    o desenvolvimento regional sustentvel. No estaria a Pedagogia da Alternncia

    reproduzindo os mesmos vieses idealistas que pretende combater ao pensar sua praxis

    pedaggica? No estaria ela sendo muito romntica ao propor um modelo pedaggico

    adaptvel s circunstancias sem considerar o que as circunstncias podem fazer ao

    modelo pedaggico? Como abrir-se para atender s especificidades do meio sem

    comprometer os fundamantos filosficos e pedaggicos da alternncia?

    No h dvida de que se trata de experincia que no pode mais ser

    desconsiderada em sua concepo, suas prticas e seus efeitos, sobretudo, quando se

    busca uma alternativa de escolarizao adequada ao meio rural de regies francamente

  • 18

    subdesenvolvidas. Mas preciso ficar atento ao modo como vrias experincias

    escolares esto ganhando forma em nome da Pedagogia da Alternncia para evitar que

    em vez de fortalecer a proposta, elas acabem por desqualific-la por inteiro.

    Bibliografia BEGNAMI, Joo Batista. Experincia das Escolas Famlias Agrcolas - EFAs do Brasil. In: Pedagogia da Alternncia: Formao em Alternncia e Desenvolvimento Sustentvel. Braslia: UNEFAB, 2002. BULISANI, E. A; CARBONELL, S. A M.; CASTRO, C. E. F.; MAIA, M. S. D.; PETTAN, K. B. A Pesquisa em Agricultura Familiar. In: Pontes Para o Futuro. CONSEPA: Campinas, 2005.

    CALV, Pedro Puig. Introduo. In: Pedagogia da Alternncia alternncia e desenvolvimento. Primeiro Seminrio Internacional. Salvador: Dupligrfica Editora, 1999. CALIARI, Rogrio. Pedagogia da Alternncia e desenvolvimento local. Lavras, UFLA, 2002. Dissertao (Mestrado em Administrao: Gesto Social, Ambiente e Desenvolvimento).

    FORGEARD, G. Alternncia e Desenvolvimento do Meio. In: Pedagogia da Alternncia alternncia e desenvolvimento. Primeiro Seminrio Internacional. Salvador: Dupligrfica Editora, 1999. GIMONET, J. C. Nascimento e desenvolvimento de um movimento educativo: as Casas Familiares Rurais de Educao e de Orientao. In: Pedagogia da Alternncia alternncia e desenvolvimento. Primeiro Seminrio Internacional, Salvador: Dupligrfica Editora, 1999. LACZYNSKI, P. Projeto Escola Famlia Agroindustrial de Turmalina. In; SANTOS, M. F.; BARBOSA, F. H. (Org.) Novas Experincias de Gesto Pblica e Cidadania. Editora FGV: Rio de Janeiro, 2000.

    MONTEIRO, Marcos Antonio. (Org.) Retrato falado da alternncia: sustentando o desenvolvimento rural atravs da educao. CETEPS, 2000.

    RIBEIRO, S. S.; BEGNAMI J. B.; BARBOSA, W.. Escola Famlia Agrcola Prazer em Conhecer Alegria em Conviver. In: Coleo Alternncia Educativa e Desenvolvimento Local N 1. Belo Horizonte: Segrac, 2002. SANTOS, I. F.; FRANCA, M. J.; BEGNAMI, J. B.. Escola Famlia Agrcola: Construindo Educao e Cidadania no Campo. In: Coleo Alternncia Educativa e Desenvolvimento Local - N 2 - 2004. Belo Horizonte: Editora O Lutador, 2004. SILVA, L. H., As experincias de formao de jovens do campo Alternncia ou Alternncias? Viosa: UFV, 2003. UNEFAB. Pedagogia da Alternncia: alternncia e desenvolvimento. I Seminrio Internacional, Salvador, nov. 1999. UNEFAB. Pedagogia da Alternncia: Formao em alternncia e desenvolvimento sustentvel. II Seminrio Internacional, Braslia, nov. 2002.

  • 19

    Quadro 1 Distribuio e Abrangncia das EFAs em Minas Gerais. Regio Municpio Sede Associao Municpios - Abrangncia

    Vale do Jequiti-nhonha

    Comercinho

    AEFACOM - Associao Escola Famlia Agrcola de Comercinho - Vida Comunitria

    Comercinho e Salinas

    Itaobim

    AEFAMBAJE Associao Escola Famlia Agrcola do Mdio e Baixo Jequitinhonha

    Itaobim, Almenara, Comercinho, Curral de Dentro, Cachoeira do Paje, Pedra Azul, Jequitinhonha, Medina, Itinga, Berilo, Virgem da Lapa, Coronel Murta, Rubelita, Palmpolis, Monte Formoso, Padre Paraso, Rubim, Felisburgo, Santo Antnio do Jacinto, Jordnia, Ponto dos Volantes.

    Itinga

    AEFA JACAR - Associao Comunitria Escola da Famlia Agrcola do Jacar

    Itinga, Coronel Murta e Rubelita.

    Padre Paraso

    AEFAPPA - Associao Escola Famlia Agrcola de Padre Paraso

    Padre Paraso

    Turmalina

    ASFAT - Associao de Apoio Escola Famlia Agroindustrial de Turmalina

    Turmalina, Minas Novas, Chapada do Norte, Botumirim e Veredinha, Leme do Prado, Bocaiva.

    ACERT - Associao Comunitria de Educao e Arte de Turmalina

    Turmalina e Minas Novas

    Virgem da Lapa

    MOPEFAV Movimento Pr Escola Famlia Agrcola no Vale do Jequitinhonha

    Virgem da Lapa, Berilo, Minas Novas, Cel. Murta, Francisco Badar, Jenipapo de Minas, Araua e Chapada do Norte.

    Vale do Mucuri

    Pavo

    AEFAPOL Associao Escola Famlia Agrcola do Povoado de Limeira

    Pavo, Novo Oriente de Minas e Tefilo Otoni.

    Norte de Minas

    So Francisco AEFAV - Associao Escola Famlia Agrcola da Regio do Vale do So Francisco

    So Francisco, Pintpolis, Cnego Marinho, Chapada Gacha , Januria, Cara de Minas

    Vale do Rio Doce

    Conselheiro Pena

    AEFA CHICO MENDES Associao da Escola Famlia Agrcola de Chico Mendes

    Conselheiro Pena, Alvarenga

    Sul de Minas

    Cruzlia

    AEFAC Associao Escola Famlia Agrcola de Cruzlia.

    Cruzlia, Aiuruoca, So Tom das Letras e Baipendi.

    Zona da Mata

    Jequeri

    AEFAJ - Associao da Escola Famlia Agrcola de Jequeri

    Jequeri, Amparo da Serra, Oratrios, Acaiaca, Guaraciaba

    Sem-Peixe

    AEFAC - Associao da Escola Famlia Agrcola de Cames

    Sem Peixe, Dom Silvrio e Alto Rio Doce, Guaraciaba

    Acaiaca

    AREFAP Associao Regional Escola Famlia Agrcola Paulo Freire.

    Acaiaca, Diogo de Vasconcelos, Piranga, Sem Pixe, Espera Feliz, Dom Silvrio, Ponte Nova, Jequeri, Araponga, Barra Longa, Mariana, Guaraciaba, Congonhas, Caratinga Governador Valadares

    Ervlia

    AEFAE Associao Escolas Famlias Agrcolas de Ervlia

    Ervlia

    Fonte: Amefa, 2006.

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