peÇa: a semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. o...

36
PEÇA: A Semente PESQUISADOR: RIBEIRO, Lucas Henrique RESUMO A Semente, de Gianfrancesco Guarnieri, é uma peça que retrata o cotidiano de militantes operários de uma fábrica de São Paulo, e como suas relações com o trabalho afeta os outros aspectos de suas vidas. A peça foi vetada alguns dias antes de sua estreia, em 1961, pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, devido a sua, nas palavras dos censores, “intenção de demolir o regime democrática brasileiro”, e, mesmo que o veto tenha sido revogado após um curto período de tempo, sua influência sob o modo como a peça é vista hoje em dia é considerável. O processo que levou ao veto da peça está disponível no Arquivo Miroel Silveira (AMS), vinculado à Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), e possui peculiaridades, discutidas nesse trabalho, quando comparado aos outros seis mil cento e dezesseis arquivos presentes no Arquivo. Palavras-chave: censura, Gianfrancesco Guarnieri, A Semente, teatro, peças vetadas, Arquivo Miroel Silveira.

Upload: others

Post on 22-Jan-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

PEÇA: A Semente

PESQUISADOR: RIBEIRO, Lucas Henrique

RESUMO

A Semente, de Gianfrancesco Guarnieri, é uma peça que

retrata o cotidiano de militantes operários de uma fábrica de São

Paulo, e como suas relações com o trabalho afeta os outros

aspectos de suas vidas. A peça foi vetada alguns dias antes de

sua estreia, em 1961, pela Secretaria de Segurança Pública do

Estado de São Paulo, devido a sua, nas palavras dos censores,

“intenção de demolir o regime democrática brasileiro”, e, mesmo

que o veto tenha sido revogado após um curto período de tempo,

sua influência sob o modo como a peça é vista hoje em dia é

considerável. O processo que levou ao veto da peça está

disponível no Arquivo Miroel Silveira (AMS), vinculado à Biblioteca

da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São

Paulo (ECA-USP), e possui peculiaridades, discutidas nesse

trabalho, quando comparado aos outros seis mil cento e

dezesseis arquivos presentes no Arquivo.

Palavras-chave: censura, Gianfrancesco Guarnieri, A

Semente, teatro, peças vetadas, Arquivo Miroel Silveira.

Page 2: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

AUTOR: GIANFRANCESCO GUARNIERI (1934 – 2006)

O envolvimento de Gianfrancesco Guarnieri com o mundo artístico se

deu desde sua infância. Nascido em Milão em 1934, sob o nome de

Gianfrancesco Sigfrido Benedetto Martinenghi de Guarnieri, o futuro

dramaturgo convivia com a música devido a ocupação de sua mãe e de seu

pai, a primeira sendo uma harpista de renome, Elsa Martinenghi, e o segundo

um maestro de sucesso, Edoardo Guarnieri, ambos italianos vindos para o

Brasil ao sentirem os primeiros efeitos da perseguição política imposta por

Mussolini na Itália aos militantes com posições políticas de esquerda.

A saída de Gianfrancesco e de seus pais foi autorizada sem muitos

empecilhos, já que, “para o governo italiano, era ótimo mandar embora do país

todas as pessoas que fossem de esquerda” (ROVERI, 2004). O enfrentamento

político, entretanto, não acabou na Europa, já que Elsa e Edoardo encontraram

no Brasil o governo de Getúlio Vargas, explicitamente inspirado em ideais

fascistas1. O pai de Gianfrancesco chegou a possuir ligações com o Partido

Comunista no Rio de Janeiro, num pequeno grupo focado em fazer pichações

pela cidade. Sobre a posição política de Edoardo, o dramaturgo diz:

Eu não diria que meu pai tenha sido um anarquista, pois se

presume que o anarquismo possua alguma ideologia. Ele não.

Ele era um cara que gostava de subverter, mas subverter tudo,

entende? (GUARNIERI apud ROVERI, 2004, p. 19)

Guarnieri começou a lidar com o teatro durante a adolescência, ao

ingressar no Colégio Santo Antonio Maria Zacaria e ao participar do grupo

teatral da escola como ponto2 em suas apresentações (ROVERI, 2004). Seu

contato com a arte continuou sempre permeado por um viés político, o que

mais tarde o ajudou a criar, junto a outros artistas, um teatro de discussão dos

problemas sociais e com pretensões nacionais. Sua ligação com o universo

teatral é amplamente intensificada no período em que se envolve com o

movimento estudantil e a União Nacional dos Estudantes (UNE). Chegando a

1 “Sob influência das doutrinas nazi-fascistas, Vargas procurou controlar e dominar a produção simbólica, as artes e as comunicações. Inovou, ao perceber a importância da cultura popular na formação dessa estrutura ideológico-cultural que, segundo ele, lançaria as bases do Brasil contemporâneo, industrial e desenvolvimentista.” (COSTA, 2006, p.96) 2 Pessoa que, durante uma apresentação teatral, posiciona-se perto do palco e lê as falas de um ator caso ele as esqueça.

Page 3: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

assumir o cargo de secretário-geral na União Paulista dos Estudantes

Secundaristas (UPES), é nesse meio que Guarnieri começa a frequentar mais

os teatros paulistas, já que ia às apresentações de peças para conseguir

convites gratuitos para os estudantes. (KHOURY, 1983)

Inserido neste contexto, o italiano ajuda a criar o Teatro Paulista do

Estudante (TPE), grupo de teatro amador formado por estudantes militantes

ligados à Juventude Comunista. Guarnieri, no TPE, participava das peças

como ator, chegando inclusive a ganhar o Troféu Arlequim no Festival de

Teatro Amador de São Paulo ao atuar na segunda peça apresentada pelo TPE,

Está Lá Fora um Inspetor, de J.B. Priestley. (ROVERI, 2004)

Ficando cada vez mais famoso por seu sucesso no TPE, Guarnieri e

outros nomes do Teatro Paulista do Estudante passam a ser agraciados com

outros prêmios e a ganhar visibilidade no meio artístico. Isso culmina na fusão

do TPE com o Teatro de Arena, criado há pouco tempo na cidade de São

Paulo pela primeira turma formada na Escola de Arte Dramática (EAD).

Finalmente, no Teatro de Arena, escreve sua primeira peça de sucesso, o que

acaba por renovar a dramaturgia brasileira e ajuda a criar um teatro com

intenções nacionais, Eles Não Usam Black-Tie. A peça, que estreia em 1958,

traz um conteúdo explicitamente político, diretamente influenciada pela

bagagem acumulada pelo italiano no movimento estudantil e no meio operário

(do qual não participou ativamente, porém).

O sucesso da peça de Guarnieri salvou o Teatro de Arena de uma grave

crise econômica pela qual passava. Gianfrancesco então segue com êxito no

meio e continua trabalhando a problemática dos conflitos sociais na vida das

pessoas pobres do Brasil em suas duas seguintes peças, Gimba, de 1959, e A

Semente, de 1961.

Enfrentando problemas com o Estado devido ao explícito conteúdo

político expresso em suas peças, como o veto de A Semente em 1961,

Guarnieri passou por certos desafios após o Golpe de 1964. Na noite do início

da ditadura militar o dramaturgo estava realizando um debate sobre sua peça

O Filho do Cão, que trazia a questão da miséria no Nordeste do Brasil, na

Universidade de São Paulo (USP) localizada na rua Maria Antônia, quando

Page 4: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Entrou um cara correndo e disse: Foi dado o golpe, é a

revolução, é a revolução. Foi aquele zum-zum-zum no teatro, eu

tinha a certeza de que o golpe viria. Os alunos ficaram me

olhando, eu os encarei e disse: Viram só? C.Q.D – conforme

queríamos demonstrar! Eu e os estudantes saímos correndo do

teatro e fomos para a frente da sede do jornal Última Hora, na

Av. Prestes Maia.

Naquela época eu era colunista do jornal, escrevia historinhas

bem populares. Corremos para o jornal para tentar descobrir

qual seria a posição do general Amauri Kruel, comandante do

Segundo Exército, e do governador Ademar de Barros. No

fundo, nós esperávamos que eles oferecessem alguma

resistência, mas que nada. Não houve resistência. Ou melhor,

quem resistiu, ou caiu ou foi cassado. (GUARNIERI apud

ROVERI, 2004, p. 120)

No dia 1 de abril de 1964, logo após o golpe, os integrantes do Teatro de

Arena decidiram fechá-lo, antes que fossem obrigados a fazer isso pela força

ditatorial do novo regime. Uns tempos depois, porém, o Arena volta à ativa com

a peça Tartufo do francês Molière

“Que negócio é esse?”, gritamos na época! “Não pode ser

encenado o Guarnieri? Então vamos de Molière em cima deles!”

(Pausa.) Agora, nós não queríamos abrir mão da nossa

dramaturgia e estava difícil. Estava difícil porque a Censura

imediatamente radicalizou mesmo e não queria saber de nada.

Existiam temas-tabus, e então durante algum tempo e muita

gente de fibra partiu para a História e começamos a descobrir

analogias: “Vamos falar do hoje lançando mão do ontem”.

(GUARNIERI apud KHOURY, 1983, p. 47)

Após o fim do Arena, Guarnieri continua construindo sua carreira de

dramaturgo com algumas peças para o TBC e o Teatro São Pedro. De acordo

com Guarnieri (2006 apud ROVERI, 2006), na década de 1980 começou a

investir em sua carreira de atuação televisiva, tendo interpretado papeis em

novelas em inúmeras redes de televisão. Filmava um papel na novela

Belíssima da Rede Globo quando, em 2 de junho de 2006, devido a

complicações vindas de uma hemodiálise, foi internado no Hospital Sírio-

Page 5: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Libanês. Após 20 dias, Guarnieri morreu devido a insuficiência renal crônica.

(FOLHA ONLINE, 2006)

A OBRA: A SEMENTE

As três primeiras peças escritas por Guarnieri podem ser consideradas

uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O

protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida

na favela em Gimba (que guarda certa semelhança com a vida camponesa

retratada em O Filho do Cão) demonstram a percepção do autor ao considerar

e analisar os conflitos sociais construídos historicamente no Brasil, numa

perspectiva que Pupo e Arantes (2008) definem como Realismo Crítico3.

Os textos, entretanto, guardam certas diferenças entre si. Enquanto

Gimba é ambientada em uma favela carioca e trata dos conflitos inerentes a

esse espaço, Eles Não Usam Black-tie e A Semente são peças características

do autor que retratam o meio operário. O enredo de ambas desenvolve-se a

partir de uma greve de fábrica, mesmo que ela tenha um significado diferente

em cada uma das peças: em Black-tie é tida como meio de conquista de

melhores condições de vida, em A Semente é essencialmente uma arma

revolucionária. (PRADO, 1993)

A representação revolucionária da greve em A Semente de Guarnieri e a

sua relação com os personagens operários filiados ao PCB dialoga

profundamente com as práticas e tendências sindicais da segunda metade da

década de 1950, sendo que

A luta pelo aumento dos salários, intensificada devido ao

fenômeno inflacionário crescente, provocou no movimento

operário uma politização sensível. Os sindicatos, sobretudo as

bases, começam a aprender os mecanismos mais globais que

determinam a sua condição de explorados e iniciam um

processo de intervenção consciente na economia e política

3 “O Realismo Crítico está ligado à realidade social do nosso tempo e implica em considerar que há várias perspectivas desta realidade pois cada um conhece os objetos através dos seus próprios sentidos.” (PUPO; ARANTES, 2008, p. 6)

Page 6: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

nacionais que desembocarão nos anos 60 na proposição de

reformas estruturais. (CASTRO apud LOWY, 1980, p. 67)

A crítica de Guarnieri nas peças, especialmente em A Semente, não

para na burguesia e no aparato policial do Estado, que agia sob os

trabalhadores das fábricas através da Divisão de Polícia Política e Social (DPS)

(PUPO; ARANTES, 2008). O dramaturgo tece suas opiniões em relação ao

Partido Comunista do Brasil (PCB) e a exacerbada burocracia com a qual ele

se organiza através do retrato de um grupo atuante na fábrica em que o

protagonista, Agileu, trabalha no enredo.

A peça A Semente retrata a vida de pessoas operárias de São Paulo e

lida com a influência que a exploração do trabalho gera e que permeia as

diversas relações nas quais elas se envolvem, sejam afetivas, políticas ou de

outros caráteres. O protagonista supracitado possui um ideal revolucionário

que transborda os limites impostos pela célula do PCB atuante na história, e

sua posição política, quase sempre expressa de forma explosiva, reverbera em

suas ações com os companheiros militantes, a esposa, os outros

trabalhadores. Nos trechos em que Agileu lida com moradores de rua e com o

personagem João (após o segundo perder a esposa grávida de seu filho

durante repressão policial em uma greve) percebe-se que a incisividade de seu

discurso durante toda a peça, necessária em seus termos de luta, decorre de

uma esperança no potencial revolucionário de movimentos grevistas.

Além das críticas à organização do PCB, Guarnieri (1978) condena

veementemente as forças policiais do Estado, retratando tanto a repressão

física durante a greve (GUARNIERI, 1978, p. 113-118) quanto a corrupção no

aparato burocrático da instituição, como a manobra do testemunho de Rosa

(esposa de Agileu) para incriminá-lo (GUARNIERI, 1978, p. 49-52).

Outra questão polêmica na qual tocou Guarnieri em A Semente e que

não passou despercebida pelos olhos dos censores foi a instituição da Igreja.

Ao presenciar o velório do filho de um companheiro trabalhador, o protagonista

da peça tenta convencer o pai de que aquele devia ser um motivo propulsor

para a greve. Como na maior parte da peça, Agileu está exaltado em seu

discurso, quando

Page 7: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

HOMEM 1 – Respeita o cadáver, anticristo!

AGILEU – Anticristo, porque luto pela libertação da esmagadora

maioria da humanidade? Anticristo porque quero a morte desses

infeliz sirva ao mentos para alguma coisa? Anticristo porque eu

quero que o sacrifício dessa criança possa abrir os olhos de

seres iguais a mim? Anticristo, eu? E Cristo não morreu também

por isso e não é usado como bandeira, e bandeira avacalhada

por todos vocês?! Apaga essa velas, Américo, carrega o corpo

do teu filho nas costas e caminha para a praça. Berra bem forte

o teu sofrimento. Atira esse cadáver junto a milhões de outros e

forma uma barricada, uma barricada de mortos para os que

ainda estão!

Apesar das críticas incisivas às formas de organização do Brasil de seu

período, que levou a problemas com os órgãos censórios e com instituições

civis, a peça foi bem recebida pela crítica especializada quando de sua estreia,

em 27 de abril de 1961. O crítico Paulo Duarte, na Revista Anhembi de maio de

1961 4 , destaca A Semente como a melhor obra do autor e, quiçá, da

dramaturgia brasileira, dando crédito ao caráter político da obra.

Guarnieri tem escolhido um “tema proibido” como constante: a

luta de classes. E “A Semente” vai adquirindo dimensões

maiores como autêntica obra de arte, na exata medida em que

nos damos conta das dificuldades que implicam o tratamento de

um tema de tal sorte cru, onde autores menos experientes

tiveram suas melhores intenções transformadas em meros

panfletos políticos repudiados pelas nossas plateias. Isso pela

simples razão de que discutir política na Praça da Sé é bastante

diverso de discutir política sobre um palco, principalmente

quando o nosso atual público de teatro se habituou a encher as

salas de espetáculos para se entreter ou desfastiar-se. (...)

(...) “A Semente”, além de primorosa obra artística, se presta à

liquidação de um preconceito. Não se limitou o autor à discussão

da luta de classes ou à cirurgia das mazelas do atual sistema

social. Foi mais longe: desbastou a questão até o cerne e

descortinou ao público, em toda a sua autenticidade, a vida do

4 Conferir Apêndice 4.

Page 8: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

operário paulista empenhado nos movimentos reivindicatórios ao

lado da sua própria organização partidária. Com toda a

sinceridade, despida de demagogias ou radicalismos, “A

Semente” fotografa a tragetória (sic) do líder operário à frente da

massa que vanguarda, não lhe escondendo as fraquezas, a

paixão da sua batalha ou as renúncias que lhe impõe a

liderança. Mostra-nos um operário humano, sem auréola,

continuamente às voltas com seus problemas domésticos,

sentindo o peso de uma conjuntura social adversa, amando,

errando, solidarizando-se; mostra-nos a base e o vértice da

pirâmide social capitalista: a gerência da grande indústria

escudada no poder constituído e o depósito de lixo, em cujo

monturo vão se alimentar os velhos mendigos e as crianças

famintas, numa geografia bastante nossa: os bairros do Brás e

da Mooca. (DUARTE, 1961)

Outro elemento que chama atenção em A Semente é sua estrutura

formal. O diretor da primeira montagem, Flávio Rangel, relata, na Apresentação

do volume 2 da Coleção Teatro de Guarnieri da Editora Civilização Brasileira,

que

O tratamento da peça não é realista; havia alguns elementos de

“teatro total”, havia uma destacada influência cinematográfica,

mas havia sobretudo uma liberdade completa no que respeita à

maneira formal. Lida, a peça apresenta enormes dificuldades

para a encenação, e aceitá-la era de algum modo uma disputa.

A tentativa de solucionar as vinte e duas sequencias esparsas

por dez cenários de maneira realista, afigurou-se impraticável.

Hoje, tenho quase que certeza de que seria também um erro.

(RANGEL, 1978)

A influência cinematográfica na peça é constante, tanto é que, de acordo

com Schmidt (2010), “algumas rubricas de Guarnieri chegam a ser cômicas

(um bom exemplo é a presença de urubus no lixão onde Agileu conversa com

os mendigos), quando imaginamos a dificuldade de realizá-las num palco

italiano tradicional como o do TBC”. Schmidt (2010) diz que essa interferência é

Page 9: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

proposital, já que Guarnieri e Flávio tinham como objetivo levar o texto aos

cinemas, o que não chegou a acontecer.

O grande número de cenários e as rápidas mudanças entre eles,

expressões típicas de obras audiovisuais, são, para Duarte, partes

fundamentais para contribuir com o clima do enredo.

A unidade da ação é conduzida numa contínua fragmentação de

espaços: a praça pública, a casa do líder, o depósito de lixo, o

quarto do casal de operários, a sala de reunião da base

partidária, a porta da fábrica, o interior da fábrica, a delegacia de

polícia e vários outros sítios onde o desespero, a traição, a luta e

a morte vão encontrar uma compensação final no amor, na

esperança e na solidariedade. Poder-se-ia mesmo dizer que

esses sentimentos são as determinantes da obra de Guarnieri.

Daí a razão pela qual, através de “A Semente”, vislumbramos

um amanhã sem dores, sem maldade, um amanhã quando as

crianças famintas terão “... todos os aviões do mundo”, quando

os mendigos não carecerão de matar a fome nos monturos, nem

os homens terão as suas mulheres metralhadas por gritarem por

“... queremos pão, feijão com arroz!” (DUARTE, 1961)

A CENSURA

O processo censório da peça A Semente está registrado no Arquivo

Miroel Silveira (AMS) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, sob

o código DDP 5157. O documento é composto por dezessete telegramas

enviados à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-

SP), três recortes de jornais, dois abaixo-assinados (um com treze e outro com

sessenta e três assinaturas), uma carta da diretora do Ginásio “Boni Consilii” e

outra em nome das famílias de Sumaré, o contrato de representação de peça

teatral entre a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) – da qual

Guarnieri fazia parte – e o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), duas cópias do

parecer dos censores da Divisão de Diversões Públicas do Setor de Órgãos

Auxiliares Policiais da Secretaria de Segurança Pública, o despacho do Diretor-

Page 10: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Substituo do DDP vetando a apresentação de A Semente, quatro cópias do

parecer de Benjamin Raymundo da Silva da Delegacia Especializada de

Ordem Social do DOPS acerca da censura da peça, o requerimento de censura

assinado por Roberto Freire (representando a Sociedade Brasileira de

Comédia), um comprovante de devolução do manuscrito da peça assinado por

um representando do DOPS, um ofício do diretor substituto da SSP-SP

dirigindo-se ao secretário da segurança pública a respeito de um pedido de

apresentação da peça para um censor em específico, uma autorização de

direitos de representação da peça e um exemplar datilografado do texto. Há

ainda um ofício não assinado do SOAP lamentando a liberação da peça por

parte do Secretário da SSP-SP.

O processo censório de A Semente difere um pouco do padrão

encontrado em outros processos do Arquivo Miroel Silveira. A principal

diferença é o fato de não haver um documento que relate com clareza a

liberação da peça após o seu veto inicial. Entretanto, os recortes de jornais

encontrados e o ofício dirigido ao Secretário da SSP-SP nos mostram como a

peça pôde ser encenada. Outro tópico que foge do padrão dos processos é o

fato de haver, além do típico parecer dos censores, um documento escrito por

Benjamin Raymundo da Silva – respondendo pela Delegacia Especializada de

Ordem Social do DOPS – analisando a peça e aconselhando o veto.

Benjamin Raymundo, em seu parecer5 (PROCESSO DDP 5157, AMS-

ECA-USP, p. 28-31), diz que o comportamento do protagonista possui “o

rancor próprio que os comunistas votam ás [sic] coisas religiosas”. Os censores

da Secretaria de Segurança Pública também utilizaram o argumento de que “há

na peça [...] cenas que são flagrantes despeito aos sacerdotes, o que,

consentida a representação de ‘A Semente’, daria margem a justos protestos

do clero”.

De fato, a dramaturgia da peça não agradou a inúmeros setores da

sociedade ligados à Igreja Católica. Após a emissão do veto de A Semente, a

Secretária de Segurança Pública de São Paulo recebeu onze telegramas de

entidades católicas parabenizando a decisão da Comissão de Censura, dois

5 Conferir Figuras 13 à 16

Page 11: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

abaixo-assinados e duas cartas. Isso demonstra que havia sintonia entre as

considerações dos censores e a opinião pública de setores conservadores da

sociedade.

Um dos principais argumentos usados pelos censores Nestor Lips, Dalva

Janeiro e Willy de Paula Teixeira, da Secretária de Segurança Pública de São

Paulo, no parecer da Comissão de Censura6 que decidiu pelo veto da peça foi

o fato de

As nossas autoridades policiais também não foram poupadas,

pois elas são nitidamente, abertamente, desconsideradas e

desacatadas, em algumas cenas de “A Semente”.

Há um Delegado de Polícia que, chamado para apaziguar uma

greve, faz, dentro da própria fábrica, declarada apologia a um

extinto partido político7.

Em determinada cena, passada na Delegacia, a autoridade força

uma testemunha (a esposa de um dos cabeças do movimento

subversivo) a assinar uma folha de depoimento em branco.

A crítica à polícia também é afirmada por Benjamin Raymundo da Silva

em seu parecer para o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)8

como um dos principais fatores, se não o principal, para o veto da peça

Depois, e aqui está a parte mais negativa da peça, é

desaprimorosa (sic) a maneira como é tratada a polícia, na

6 Conferir Figuras 17 e 18. 7 Os sensores fazem referência ao movimento integralista mencionado no seguinte trecho: “[...] PATRÃO – O senhor como delegado, fala muito livremente! DELEGADO – Talvez. Mas sei o que digo. O Brasil esteve a pique de seguir o bom caminho. A situação internacional decidiu para pior! PATRÃO – Como assim? DELEGADO – O caminho do integralismo. [...]” (GUARNIERI, 1978, p. 112) 8 “À Delegacia de Ordem Política e Social [subordinada ao Departamento de Ordem Política e Social] cabia fiscalizar o fabrico, a importação, a exportação, o comércio, o emprego ou o uso de matérias explosivas; fiscalizar a entrada e permanência de estrangeiros; instaurar, avocar, prosseguir e ultimar inquéritos relativos a fatos de sua competência; proceder ao registro de jornais, revistas e empresas de publicidade em geral; inspecionar hotéis, pensões e semelhantes; fiscalizar aeroportos, estações ferroviárias e rodovias; proceder investigações sobre pessoas suspeitas, lugares onde se presuma qualquer alteração ou atentado contra a ordem política e social; organizar, diariamente, boletins de informações de todos os serviços executados nas últimas 24 horas; e finalmente, ‘identificar e prontuariar os indivíduos suspeitos por crimes e contravenções atentatórias à ordem política e social, organizados em fichário apropriado, “de modo a facilitar os trabalhados estatísticos de seu movimento e toda e qualquer investigação’” (CORRÊA, 2015)

Page 12: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

pessoa de agentes que entram em cena para o desempenho dos

papéis desleais, antipáticos e violentos. Assim é que se atribui a

um Delegado de Polícia o haver feito a mulher de Agileu assinar

uma declaração em branco que, preenchida a seu bel prazer

constituia (sic) um libelo contra a pessoa do marido que a polícia

tinha interesse em prejudicar.

Ainda num diálogo entre o dono de uma indústria e um Delegado

que comparecera ao estabelecimento para debelar uma gréve

(sic), a autoridade confessa que o mundo teve o ensejo de

escolher, no último conflito mundial o caminho certo – o

integralismo – e preferiu a estrada oposta.

Em última análise, pela palavra de uma autoridade, a polícia era

FASCISTA (sic).

Finalmente, quando a peça chega ao fim a polícia ainda é

apresentada como desleal, ao soltar Agileu para que êste (sic)

fosse apontado como traidor pelos próprios companheiros,

enquanto prendia outros comunistas que seguiam a orientação.

A trama foi preparada pela autoridade policial, em cuja equipe

figuram homens falsos e violentos.

É sabido que, para os comunistas, a instituição que deve ser

combatida com veemência e intransigência é o policial porque

constitui a ação corecitiva (sic) que impede a propagação do

ideal vermelho. Isso o autor consegue com maestria.

O apontamento de Benjamin e dos censores para a questão da Igreja e

da força policial está de acordo com as manifestações contrárias à peça que

estão presentes no processo arquivado (PROCESSO DDP 5157, AMS-ECA-

USP, p. 11-25). A enorme quantidade de contatos realizados por colégios

católicos é a forma pela qual a Igreja se faz presente no processo censório,

mesmo que sob um manto de instituição civil. No Telegrama Urbano Nº

532629, assinado por Maria de A. Souto, encontra-se o seguinte texto, que

resume as críticas recebidas nos outros telegramas, cartas e abaixo-assinados:

Diretoria Corpo Docente Colégio “Sacré-Coeur de Marie” louvam

ato Vossência proibindo peça “A Semente” autoria Guarnieri

altamente prejudicial mentalidade costumes juventude sã.

Agradecem interesse Vossência integridade caráter e espírito

família paulista.

Page 13: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Tal argumento liga-se àquele presente no parecer dos censores da SSP-

SP, cujo texto é

“A Semente” é, ora implícita ora explicitamente, uma obra

claramente subversiva; desobediente aos preceitos legais do

país, com intenção de demolir o regime democrático brasileiro,

cuja estrutura jurídica é solidamente definida.

Interessante notar, porém, que os censores utilizam termos que

enobrecem a figura de Guarnieri, mesmo que estejam constatando que a peça

deve ser vetada. Caracterizações como “jovem e talentoso escritor

Gianfrancesco Guarnieri”, “ilustre teatrólogo”, “Gianfrancesco Guarnieri, de cujo

talento indiscutível esperamos outros trabalhos que venham enaltecer, ainda

mais, a bela, difícil e complexa arte, que é o Teatro.” A contradição entre

algumas ideias é expressa, por exemplo, quando os censores consideram

Que a peça do ilustre teatrólogo – cujos ideais políticos e sociais

ignoramos – faz do palco veículo, direto ou indireto, como

dissemos, para propaganda de caráter subversivo, contrariando

a organização política e social do Brasil e a índole da população

brasileira.

Ao mesmo tempo, Benjamin Raymundo diz que Guarnieri “parece um

Lenine redivivo”. Essa dualidade na descrição do autor é padrão nos processos

do AMS, às vezes utilizando-se da fama e da carreira artística do escritor para

a liberação da peça, outras vezes constatando seu histórico e suas relações

políticas e sociais para justificar o veto ou a censura.

5. A INFLUÊNCIA DA CENSURA

No caso de Guarnieri, sua ligação com o movimento estudantil e o

Partido Comunista do Brasil, como relatado anteriormente, influenciou e muito

no veto de sua peça. O contexto brasileiro e internacional no momento da

estreia da peça era alimentado pela tensão da Guerra Fria. A luta por influência

entre os blocos capitalista e socialista, representados respectivamente pelos

Estados Unidos da América (EUA) e pela União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas (URSS), tornava os aparelhos repressores estatais atentos às

manifestações contrárias ao sistema vigente. Uma peça como A Semente, que

critica o sistema capitalista, não era bem vista por uma sociedade

Page 14: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

conservadora como a brasileira dessa época. Interessante notar que além dos

setores conservadores, o Partido Comunista do Brasil também se opôs à peça,

já que ela criticava sua burocracia como um empecilho na luta revolucionária.

O processo censório que levou ao veto de A Semente é um tanto

complexo. Os materiais jornalísticos presentes e a pesquisa feita no arquivo da

Folha de São Paulo permitem-nos concluir que havia uma expectativa pela

estreia da montagem, já que Guarnieri havia se consagrado desde o

lançamento de Eles Não Usam Black-Tie e o seguinte sucesso de Gimba. Tal

expectativa, somada ao histórico da atuação política de Guarnieri, contribuiu

para a manifestação de setores civis, principalmente ligados à Igreja, pedindo o

veto da peça. Além disso, o fato de conter um parecer de um diretor do DOPS

prova que os ferrenhos comentários do dramaturgo acerca da polícia foram um

incômodo um tanto quanto significativo. Tal parecer de Benjamin Raymundo

contribuiu para dar legitimidade à decisão dos censores.

Entretanto, os contatos de Guarnieri e do diretor da peça, Flávio Rangel,

com o secretário da Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, Virgílio

Lopes da Silva, permitiram que uma comissão especial fosse criada para

reavaliar a peça (ROVERI, 2006) e, realizando alguns cortes, liberar sua

encenação, como relatado em uma das notícias, que diz que

Achavam-se presentes os srs. Constantino Milano Neto,

presidente da Federação dos Trabalhadores em Empresas de

Difusão Cultural e Artística do Estado de São Paulo; Sylvio

Checchia, presidente da Associação dos Empresarios de

Teatros e Casas de Diversões; Daniel Bernardes e Paulo

Seyssel, presidente e vice-presidente, respectivamente, da

Associação dos Empresarios de Circos; Abrahão Kaniefsky, 1º

secretário do Sindicato dos Músicos Profissionais; Otávio

Gonçalvez, presidente do Sindicado dos Atores

Cinematográficos; Antonio Vieira e Paulo F. Marques, presidente

e tesoureiro, respectivamente, do Sindicato dos Empregados em

Teatros e Cinemas; Nicolau Rato, presidente do Sindicato dos

Empregados em Empresa Distribuidoras de Filmes; Eugenio

Braga, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas

Editoras e de Publicações Culturais; e Francisco Nunes,

Page 15: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

presidente do Sindicato dos Radialistas e Publicitários do Estado

de São Paulo.

O estigma do veto, as manifestações da Igreja, do PCB e de outros

setores, majoritariamente conservadores, porém, fizeram com que a peça não

passasse de uma temporada de montagem, mesmo que com relativo sucesso.

Ao analisar a trajetória da peça após o veto, é interessante notar que

seu ano de estreia foi 1961, período marcado pela tensão da Guerra Fria citada

anteriormente, que refletiu na América Latina em inúmeros governos militares

ditatoriais, como o imposto ao Brasil em 1964. Após o Golpe, e ainda mais

após o AI-5, a censura e a perseguição política realizadas pelo Estado

aumentaram (COSTA, 2006), o que tornou muito difícil a encenação de peças

com críticas tão explícitas como A Semente.

Tal fato elucida o porquê da peça quase nunca ser destacada nos

estudos e nas notícias acerca da vasta obra de Gianfrancesco Guarnieri,

mesmo com a seguinte declaração do dramaturgo

S[érgio Khoury] – O grito parado no ar foi um grande sucesso,

Botequim nem tanto. Você tem uma peça que está relutando em

ser levada, que é Basta... De tudo que você escreveu até hoje,

qual a peça que mais gosta, aquela que seria sua obra-prima?

G[ianfrancesco Guarnieri] – São duas: Eles não usam black-tie,

que não é pelo fato de ser a primeira, não, acho a peça bem

construída, bem feita... a outra é A semente, que se fosse levada

hoje talvez eu mexesse um pouquinho no texto. (KHOURY,

1984, p. 68)

A peça só aparece nos meios de comunicação atuais devido a seu

processo. A pesquisa acerca das notícias sobre a peça foi realizada através do

mecanismo de busca do arquivo online do jornal Folha de São Paulo, cobrindo

os anos de 1960 à 2015 e abrangendo todos os cadernos das edições. Os

termos pesquisados foram “Guarnieri”, “Gianfrancesco Guarnieri” e “A

Semente”. No arquivo da Folha de São Paulo, a notícia mais recente com

conteúdo específico sobre A Semente ironiza o processo arquivado no AMS

pela acusação de Guarnieri ser um “Lenine redivivo”9.

9 Conferir Apêndice 9

Page 16: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

CONCLUSÃO

O veto aplicado à peça A Semente, de Gianfrancesco Guarnieri, resultou

da abordagem objetiva do dramaturgo em relação aos conflitos sociais e às

formas de resistência e repressão existentes no Brasil durante a década de

1950 e início de 1960. O histórico político de Guarnieri, assim como as críticas

realizadas em suas peças anteriores e os contextos teatrais nos quais se

inseria (tanto o TPE quanto o Teatro de Arena tinham ideias políticas de

esquerda), também foram fatores que contribuíram para a censura não poupar

a peça. Interessante notar que, diferentemente da maioria dos processos

arquivados no AMS, o processo de A Semente possuía, além do parecer dos

censores, um parecer censório de um secretário do DOPS (supostamente

requisitado pelos censores do DEIP), adicionando, junto com as manifestações

civis ligadas à entidade religiosas, legitimidade ao veto da peça.

Mesmo que o veto tenha caído muito rápido devido à rede de contatos

de Guarnieri e do diretor da peça, Flávio Rangel, a peça não é tão conhecida

nos dias atuais. Sem registros de encenações após a década de 1960, e quase

completamente ignorada pela mídia (que apenas lhe faz referências como mais

uma das peças de Guarnieri, sem destaque), A Semente e seu processo

censório servem como documento de como a disputa entre projetos políticos

antagônicos que fica clara nos anos de 1960 devido ao auge da Guerra Fria

impacta sobre a produção cultural mundial e, lidando especificamente com o

Brasil, como esse impacto que reverbera até os dias atuais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTRO, Sandra. Apogeu e Crise do Populismo: 1945-1964. In: MICHAEL

LÖWY (ET ALÜ). Coletivo "Edgar Leuenroth". Movimento Operário

Brasileiro. Belo Horizonte: Vega, 1980. p. 52-81.

CORRÊA, Larissa Rosa. O Departamento Estadual de Ordem Política e

Social de São Paulo: As atividades da polícia política e a intrincada

organização de seu acervo. Disponível em:

<http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao33/mat

eria04/>. Acesso em: 10 set. 2015.

Page 17: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

COSTA, Maria Cristina Castilho. Censura em cena: Teatro e censura no

Brasil: Arquivo Miroel Silveira. São Paulo: Edusp, 2006.

DUARTE, Paulo. "A semente", de Gianfrancesco Guarnieri. Revista Anhembi,

São Paulo, v. 42, n. 126, p.825-828, maio 1961.

FOLHA ONLINE (Ed.). Gianfrancesco Guarnieri morre aos 71 anos em São

Paulo. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u62714.shtml>. Acesso em:

01 set. 2015.

GUARNIERI, Gianfrancesco. Teatro de Gianfrancesco Guarnieri: A Semente.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

KHOURY, Simon. Gianfrancesco Guarnieri. In: KHOURY, Simon. Atrás da

Máscara: Segredos pessoais e profissionais de grandes atores brasileiros. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. p. 11-71.

LÖWY, Michael. Do Movimento Operário Independente ao Sindicalismo de

Estado: (1930-1945). In: MICHAEL LÖWY (ET ALÜ). Coletivo "Edgar

Leuenroth". Movimento Operário Brasileiro: 1900/1979. Belo Horizonte:

Vega, 1980. p. 24-51.

COUTINHO, Lis. de Freitas. O Rei da Vela e o Oficina (1967-1982): censura e

dramaturgia. 2011, 209 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Comunicações e

Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

NEVES, Lucília de Almeida. CGT no Brasil: 1961-1964. Belo Horizonte: Vega,

1981.

PUPO, Thaís; ARANTES, Luiz Humberto Martins. O mito na dramaturgia de

Gianfrancesco Guarnieri. Horizonte Científico, Uberlândia, v. 2, n. 1, p.1-30,

out. 2008.

RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: Estética e política. São Paulo:

Exo Experimental Org; Ed. 34, 2005.

ROVERI, Sérgio. Gianfrancesco Guarnieri: Um grito solto no ar. São Paulo:

Cultura - Padre Anchieta, 2004.

SCHMIDT, Bernardo. "A Semente", de Guarnieri. Disponível em:

<http://bernardoschmidt.blogspot.com.br/2010/02/semente-de-guarnieri.html>.

Acesso em: 02 set. 2015.

SCHMIDT, Bernardo. Sobre o filme "Gimba, Presidente dos Valentes".

Disponível em: <http://bernardoschmidt.blogspot.com.br/2010/11/sobre-o-filme-

gimba-presidente-dos.html>. Acesso em: 02 set. 2015.

Page 18: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

HEMEROTECA: APÊNDICE – LISTA DAS MATÉRIAS DE JORNAIS E

REVISTAS DA ÉPOCA

TÍTULO AUTORIA DATA JORNAL CADERNO FIGURAS

1. As estreias do

mês

Carlos de

Moura

11 de

abril de

1961

Folha de

São

Paulo

Ilustrada

1

2. Preparativos

finais para a

estreia de “A

Semente”

Carlos de

Moura

22 de

abril de

1961

Folha de

São

Paulo

Ilustrada

2

3. Após sua

liberação,

estreia hoje “A

Semente” no

TBC

Carlos de

Moura

28 de

abril de

1961

Folha de

São

Paulo

Ilustrada

3

4. “A semente” de

Gianfrancesco

Guarnieri

Paulo

Duarte

Maio de

1961

Revista

Anhembi

Artes de

30 dias

4-7

5. O conflito

básico em “A

Semente”

Carlos

Von

Schmidt

09 de

maio de

1961

Folha de

São

Paulo

Ilustrada

8

6. Encontro com

os estudantes:

conferência

sobre “A

Semente”

Carlos de

Moura

12 de

maio de

1961

Folha de

São

Paulo

Ilustrada

9

7. Debate sobre a

peça “A

Semente” na

União Cultural

Brasil-URSS

-

04 de

junho de

1961

Folha de

São

Paulo

Primeiro

Caderno

10

8. Festivais de

Teatro

Carlos de

Moura

15 de

junho de

Folha de

São Ilustrada

11

Page 19: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

1961 Paulo

9. Para censor,

Guarnieri era

“Lênin

redivivo”

-

24 de

dezembro

de 2003

Folha de

São

Paulo

Ilustrada

12

Page 20: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

HEMEROTECA: MATÉRIAS DE JORNAIS E REVISTAS DA ÉPOCA

Figura 1

“As estréias do mês

‘Sem Entrada e Sem Mais Nada’, de Roberto Freire vai a cena na

próxima quinta-feira, em uma montagem do Pequeno Teatro de Comédia, sob

a direção de Antunes Filho. *

A Cia. Nidia Licia e o Teatro da Cidade, em sua primeira coprodução,

anunciam para o dia 20 a ‘premiere’ de ‘Quarto de Despejo’, uma teatralização

de Edi Lima do livro de Carolina de Jesus, em uma encenação de Amir

Haddad. *

Empenhado ao máxima na valorização do autor nacional, o Teatro

Brasileiro de Comédia apresenta no dia 27 o texto de Gianfrancesco Guarnieri.

“A Semente”, sob a direção artística de Flavio Rangel.”

Page 21: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 2

“PREPARATIVOS FINAIS PARA A ESTRÉIA DE ‘A SEMENTE’

Page 22: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

[...] pelo menos 5 ensaios gerais. A estréia será dia 27 * Para melhor se

familiarizarem com o ambiente da peça, os atores estão visitando várias

fábricas da cidade, principalmente as indústrias metalúrgicas. Nas cenas de

interior da fábrica, aparecem várias máquinas, ceidades por uma empresa

paulista. * Como ‘Sem Entrada e Sem Mais Nada’ de Roberto Freire, também

‘A Semente” foi impressa pela editora Massao Ohno, que pretende lançar essa

nova edição no dia da estréia. As [...] presença teatral) * Já estão totalmente

gravados os temas musicais de ‘A Semente’. A ‘Canção do Amor

Desesperado’, de Caetano Zamma está chamando a atenção dos gravadores e

talvez seja lançada por ocasião da estreia.* Participam de ‘A Semente’ os

seguintes atores: Cleide Iaconis, Leo Vilar, Natália Timberg, Amelia Bittencourt,

Gianfrancesco Guarnieri, Estenio Garcia, Juca de Oliveira, Flavio Migliaccio,

Ilema de Castro e muitos outros.”

Figura 3

“Após sua liberação, estréia hoje ‘A Semente’ no TBC

Afastados todos os empecilhos legais que ameaçavam impossibilitar sua

encenação, estreia hoje no Teatro Brasileiro de Comedia, a peça de

Page 23: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Gianfrancesco Guarnieri. A Divisão de Diversões Públicas interditara a

apresentação do espetáculo sob a alegação de que o texto continha

características subversivas.

Não se conformando com a medida, o autor, juntamente com o diretor

Flavio Rangel e com Roberto Freire, diretor-representante do TBC, requerio ao

sr. Virgílio Lopes da Secretaria da Segurança do Estado a formação de uma

comissão que opinasse sobre a validade daquela proibição, composto por

Aloisio Marques, diretor da Escola de Arte Dramática e presidente da Comissão

Estadual de Teatro Dulce Sales Cunha, Ernesto Leme representante da

Academia Paulista de Letras, Decio de Almeida Prado, presidente da

Associação Paulista de Criticos Teatrais, Carlos Pinto Alves, escritor Quirino da

Silva, crítico e Vicente de Paula Melilo, da Confederação das Famílias Cristãs.

Após ter assistido ao espetáculo nas primeiras aulas de ontem, a

comissão, por cinco votos contra dois, manifestou-se favoravelmente à exibição

de ‘A Semente’.

Entretanto, em vista dos numerosos problemas, surgidos com a

paralisação do teatro por mais de 12 horas, ficou transferida para hojea estreia

do espetáculo, que consta com um numeroso elenco, em que se destacam

Leonardo Vilar, Cleide Iaconos, Natalia Timberg, Elisio de Albuquerque,

Gianfrancesco Guarnieri, Amelia Bitencourt, Juca de Oliveira, Stenio Garcia e

Caetano Zama.”

Page 24: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 4

Page 25: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 5

Page 26: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 6

Page 27: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 7

Page 28: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 8

Figura 9

Page 29: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 10

Page 30: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 11

Figura 12

Page 31: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

IMAGENS DO PROCESSO DE CENSURA

Figura 13

Page 32: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 14

Page 33: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 15

Page 34: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 16

Page 35: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 17

Page 36: PEÇA: A Semente...uma tríade que resume a posição e a crítica política do dramaturgo. O protagonismo do operário em Black-tie e em A Semente e o contexto da vida na favela em

Figura 18