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1 A CONSTITUIÇÃO MATERIAL DAS OBRAS DE ARTE E A SUA BIODETERIORAÇÃO Lília Esteves Laboratório de Conservação e Restauro – José de Figueiredo Curso “ CONSERVAÇÃO DE COLECÇÕES – EDUCAR O OLHAR” Módulo 2. Auditório do Padrão dos Descobrimentos 9 de Março de 2010

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A CONSTITUIÇÃO MATERIAL DAS OBRAS DE ARTE E A SUA BIODETERIORAÇÃO

Lília Esteves Laboratório de Conservação e Restauro – José de Figueiredo

Curso “ CONSERVAÇÃO DE COLECÇÕES – EDUCAR O OLHAR” Módulo 2. Auditório do Padrão dos Descobrimentos 9 de Março de 2010

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Numa perspectiva ecológica, defensora da biodiversidade, todos os sistemas que coabitam no nosso planeta devem estar em equilíbrio. Assim, se agentes animais ou vegetais podem ameaçar a materialidade de um bem patrimonial, eles têm, apesar disso, um papel a desempenhar numa vastíssima cadeia de inter-relações. Bactérias, insectos e fungos podem contribuir para a deterioração e mesmo perda de obras de arte, mas, num plano sistémico, permitem a transformação dos solos das matas e florestas, decompondo os restos dos seres vivos, influenciando a absorção de água nos solos, formando compostos azotados que são utilizados pelas plantas, etc. A intervenção humana deve então reger-se por princípios de razoabilidade e defesa dos diferentes patrimónios que coexistem na Terra. Índice Introdução

Sistemática animal e vegetal Noções básicas de biologia

Os materiais de origem biológica que entram na constituição das obras de arte Madeira Fisiologia, identificação e estudo dendrocronológico Papel História, fabrico e identificação Pergaminho e couro (peles)

Fabrico e identificação Outros materiais de origem biológica (proveniência e identificação) Marfim Tartaruga Barba de Baleia Coral Identificação de animais e plantas desenhados nas obras

Os organismos que deterioram as obras de arte Bactérias Fungos Líquenes Plantas Animais

Prevenção e controle. Anóxia.

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Introdução Sistemática A sistemática é a ciência que estuda o agrupamento dos seres vivos pelas suas semelhanças, para ordenar e facilitar o seu estudo e identificação. Podemos dividi-la em dois ramos: a nomenclatura e a taxonomia (ou taxinomia). Da nomenclatura fazem parte todas as regras e princípios necessários a uma classificação. A taxonomia é o agrupamento e classificação dos seres vivos com base na sua observação. A taxonomia tem variado ao longo dos anos, à medida que têm evoluído os métodos de observação e de estudo. Neste momento, com a possibilidade de se conhecer o seu genoma, muitos organismos têm sido “reclassificados”. Este agrupamento baseia-se numa hierarquia iniciada por Lineu (1758) apenas com cinco níveis. Hoje esta hierarquia completa poderá apresentar mais de vinte níveis, cuja totalidade raramente é usada. Reino Sub-reino Filo Subfilo Superclasse Classe Subclasse Infraclasse Coorte Superordem Ordem Subordem Infra-ordem Superfamília Família Subfamília Tribo Subtribo Género Subgénero Espécie Subespécie Cada um destes grupos é um táxone, a que corresponde um grupo de organismos que formam uma unidade. Exemplo: Uma barata-americana pertence ao reino animalia; ao filo arthropoda; ao subfilo tracheata; à classe insecta; à subclasse exopterygota; à infraclasse neoptera; à ordem dictyoptera; à subordem blattaria; à superfamília blattoidea; à família blattidae; à subfamília blattinae; ao género Periplaneta (do grego - vagabundo) Burmeister, 1838; à espécie Periplaneta americana (L., 1758).

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Lineu classificou-a em 1758 como Blatella americana. Em 1838 Burmeister caracteriza o género Periplaneta e esta espécie é incluída nele como Periplaneta americana e fica: P. americana (Linnaeus, 1758) Burmeister 1838. Claro que normalmente utiliza-se P.

americana (L.). O táxone referente à espécie é um bom exemplo para se ver a aplicação das regras da nomenclatura: dois nomes; o do género em maiúscula e o da espécie em minúscula; em itálico ou sublinhado. No fim deve seguir o nome do autor que a classificou. Pode ainda existir a subespécie que é referida por três nomes: o do género e espécie, como a espécie, seguido nome atribuído à subespécie. Um exemplo: o nome científico do lobo é Canis lupus (Linnaeus, 1758), mais tarde à subespécie de lobo existente na Península Ibérica juntou-se o epíteto específico de signatus e assim ficou – Canis lupus

signatus (Cabrera, 1907) Classificar é descrevê-la e dar-lhe um nome que fica registado. Por vezes aparecem mais nomes (sinonímias) dados por diferentes pessoas, dos quais apenas o primeiro é válido. Identificar é o que nós fazemos. Encontrar um exemplar e ver qual a sua espécie seguindo tabelas ou chaves dicotómicas. Noções básicas de biologia Neste trabalho é necessário ter noções das seguintes matérias: bioquímica, para conhecer os elementos e compostos que entram na constituição dos seres vivos; citologia (estudo das células), para compreender a formação e aspecto das células; fisiologia (estudo do funcionamento de tecidos e órgãos), para conhecer os fenómenos que se processam nos seres vivos; histologia (estudo dos tecidos), para saber identificar tecidos quer animais quer vegetais; biogeografia (proveniência ou distribuição geográfica das espécies), que pode ajudar, além da identificação das espécies, a saber a origem das obras de arte. Bioquímica Na constituição dos seres vivos entram os seguintes elementos e compostos: Água, essencial a todos os seres vivos pois é a base dos fluídos onde se realizam as reacções químicas e permite a dispersão das moléculas. Oligoelementos, elementos que se encontram em percentagens muito pequenas (sódio, potássio, cálcio, etc.), como reguladores de processos celulares, na composição das biomoléculas, ou na estrutura de alguns tecidos, como o cálcio nos ossos. Lípidos ou gorduras, componentes estruturais das membranas (fosfolípidos), podem ainda armazenar e transportar substâncias (esfingolípidos, colesterol). Glícidos ou açúcares, componentes estruturais (celulose, quitina, agar) ou de reserva (amido, glicogénio). Prótidos, aminoácidos que unindo-se por ligações especiais (peptídicas) formam as proteínas. Estruturais fibrosas (colagénio, queratina, elastina), globulares (hemoglobina) e biocatalizadores (enzimas) também globulares. Muitas enzimas são usadas nos processos químicos celulares, mas as responsáveis pelos processos digestivos são segregadas para o exterior e é desse modo que bactérias e fungos deterioram materiais orgânicos que constituem as obras de arte. Ácidos nucleicos, macromoléculas formadas por cadeias de nucleótidos, unidades formadas por um açúcar (pentose), um grupo fosfato e uma base orgânica azotada.

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Existem dois tipos de ácidos nucleicos: o ácido desoxirribonucleico (ADN) e o ácido ribonucleico (ARN). No primeiro o açúcar é a desoxirribose e as bases são a adenina, a timina, a citosina e a guanina. No segundo o açúcar é a ribose e as bases são a adenina, o uracilo, a citosina e a guanina. O grupo fosfato é igual em ambos. O ADN é composto por duas cadeias complementares dispostas em hélice. Citologia As células são as unidades estruturais dos seres vivos. Há seres constituídos apenas por uma célula (unicelulares) e seres constituídos por muitas células (pluriceluluares). Há seres que conseguem sintetizar o próprio alimento (autotróficos) e seres que têm de se alimentar de outros (heterotróficos). Células procarióticas (seres procariontes) – sem membranas internas, sem núcleo individualizado e com parede celular (mureína – composto glicoproteico). Células eucarióticas (seres eucariontes) - com membranas internas, com núcleo individualizado e parede celular celulósica (glícido) nas plantas, de quitina (glícido) nalguns fungos e inexistente nos animais onde existe apenas uma membrana lipo-proteica. Esta membrana permite a passagem de moléculas através da membrana. No caso dos vegetais esta membrana é envolvida pela parede celular e a comunicação inter-celular é feita através das pontuações. No interior das células existe um fluído, de composição química variada, onde se processam as reacções químicas e onde um sistema de membranas forma os vários organitos. No hialoplasma passa-se a primeira parte da respiração – glicólise – e que é semelhante nos procariontes e nos eucariontes. Quanto aos outros organitos temos: mitocôndrias, onde se processa a respiração celular, cloroplastos nas plantas, onde se processa a fotossíntese, ribossomas que associados ao retículo endoplasmático sintetizam as proteínas. Além de outros de menos importância para o nosso trabalho, existe o núcleo individualizado onde se encontra o material genético. Responsável pelas características do indivíduo e pela divisão celular. Esse material genético, constituído ácido desoxirribonucleico (ADN) e proteínas, forma os cromossomas. Os ácidos nucleicos são essenciais na síntese de proteínas e na reprodução celular. Fisiologia Há seres que conseguem sintetizar o próprio alimento (autotróficos) e conseguem produzir a energia de que necessitam a partir do Sol (energia luminosa) (bactérias fotossintéticas e plantas), de compostos de enxofre (bactérias sulfurosas), de outras substâncias orgânicas (bactérias) ou da oxidação de elementos inorgânicos (bactérias quimiossintéticas) e seres que têm de se alimentar de outros (heterotróficos) e através da respiração transformam os produtos absorvidos na energia de que necessitam para as suas actividades (algumas bactérias, fungos e animais). As reacções químicas para estes processos são ao nível do hialoplasma. Na síntese de proteínas a informação começa no núcleo com o DNA, passa ao hialoplasma através do RNAm e termina nos ribossomas associados ao retículo endoplasmático onde os aminoácidos formam as proteínas. Na reprodução celular o DNA, na forma de cromossomas, característicos de cada espécie, sofre uma série de modificações, que vão originar as células-filhas. A reprodução celular pode ser assexuada (mitose) ou sexuada (meiose). Na mitose a divisão celular produz duas células com o mesmo número de cromossomas das células-mães (no caso dos humanos todas as células somáticas). Na meiose a divisão celular produz quatro células com o metade do número de cromossomas das células-mães (no caso dos humanos as células sexuais). Depois tem de haver uma união de duas células

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destas para dar origem ao organismo ou estrutura com o número de cromossomas característico da espécie. Pode ainda haver um tipo de reprodução, em certos organismos, em que partes do corpo se separam e vão dar origem a novos indivíduos. Histologia A histologia estuda os tecidos. É importante para saber identificar uma estrutura, uma peça, se se trata de um tecido animal ou vegetal e mesmo qual a espécie a que pertence. Biogeografia A distribuição geográfica é também muito importante na identificação dos constituintes das obras de arte. Geralmente as populações usam os materiais locais para produzir as suas peças. Também podem importar de determinada região quando não o têm (madeiras do Báltico). Ou trazer de onde há muito (madeiras exóticas do Brasil ou África). Relativamente aos organismos, também são diferentes conforme a sua localização. Regiões quentes geralmente têm maior biodiversidade. Pinturas murais antigas mostram que determinados animais viveram noutros tempos em regiões onde hoje é deserto. Os materiais de origem biológica que entram na constituição das obras de arte Madeira A madeira é um material de origem vegetal essencialmente celulósico. É proveniente das plantas do filo trachaeophyta das classes: Gimnospérmicas, resinosas ou coníferas (com sementes não envolvidas pelo pericarpo, com folhas em forma de agulha ou de escama, e frutos em forma de cone; pinheiros, araucárias, abetos, criptomérias, etc.) e Angiospérmicas (sementes envolvidas pelo pericarpo). As angiospérmicas dividem-se em duas subclasses: Monocotiledóneas (embrião com um cotilédone; palmeiras, canas, palhas, papiro, sisal, etc.) cuja estrutura não é muito rija e por isso podem apenas aparecer nalgumas peças, como o bambu; Dicotiledóneas ou folhosas (embrião com dois cotilédones; algumas herbáceas como o algodão, linho, cânhamo, sumaúma, algumas flores, e as árvores que geralmente têm folhas características) que geralmente produzem um material lenhoso. A madeira, devido à sua qualidade e acessibilidade, tem sido desde sempre um suporte utilizado nas mais variadas aplicações. Desde estacas, habitações, barcos, carpintaria, marcenaria até às mais delicadas obras de arte, a madeira aparece em todas as épocas e todos os locais. O uso de determinada madeira está relacionado com a região ou com as trocas comerciais da época; em Portugal, após os descobrimentos, começa a aparecer mobiliário feito de madeira de árvores tropicais, quando até aí era feito de madeira das árvores autóctones. Os painéis de carvalho utilizados na pintura portuguesa dos séculos XV, XVI e princípios do XVII são sobretudo de madeira de carvalhos do Báltico, que na altura eram muito apreciados devido às suas dimensões e qualidade da madeira. Com a utilização da madeira no fabrico de papel e a utilização de madeiras exóticas na construção, começou mais uma etapa da história deste material, que provoca um abate de árvores cada vez maior. A árvore As árvores são formadas por três partes:

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Raiz - geralmente enterrada no solo, é a parte inferior da árvore. É através dela que a planta absorve do solo a água e os sais minerais que necessita para viver. Caule ou tronco - parte acima do solo donde se extrai a madeira. Conjunto de células justapostas que têm função mecânica de suporte dos ramos e folhas e função fisiológica de condução dos nutrientes. Copa (folhas, flores e frutos) - órgãos de respiração e de reprodução. A árvore absorve a água e sais minerais pela raiz - seiva bruta - que ascende às folhas por vasos condutores - xilema - situados interiormente e constituídos por células mortas. Na folha através da fotossíntese a seiva bruta é transformada em matéria assimilável - seiva elaborada - que depois desce por tubos crivosos - floema - situados em zona periférica, indo alimentar todas as células da planta. As células do floema estão vivas e a passagem das substâncias é por osmose. As árvores crescem em altura devido a um meristema* apical que ocorre no topo do tronco e dos rebentos. Um sistema semelhante existe na extremidade da raiz. Um caule ou raiz podem ser exclusivamente formados por tecidos primários - tecidos formados a partir dos meristemas apicais - ou podem ter tecidos primários e secundários - estes formados directamente de meristemas laterais, os câmbios. Os caules e raízes formados apenas por tecidos primários têm estrutura herbácea. Os caules lenhosos, os que formam a madeira, são constituídos em grande parte por tecidos secundários. O tronco O tronco apresenta altura e diâmetro variáveis conforme a espécie e também conforme a idade e localização da árvore. Se fizermos um corte no tronco perpendicularmente ao eixo, podemos observar quatro zonas principais do exterior para o interior: casca, câmbio, lenho e medula. A casca é a camada mais periférica e dela fazem parte todos os tecidos externos ao câmbio vascular, independentemente da sua origem. O câmbio vascular, embora não se veja por ser constituído por uma só fiada de células, é responsável pelo crescimento em largura da árvore. Este crescimento faz-se por camadas sucessivas, geralmente anuais nos climas temperados, que formam o lenho. Este, além dos anéis que se observam devido a este crescimento sazonal, também se encontra dividido em duas partes que em muitas espécies se distinguem perfeitamente devido à diferença de coloração. A parte mais externa, geralmente mais clara, é o borne ou alburno que vai escurecendo de dentro para fora. É as zonas onde circulam as seivas e como tem nutrientes é mais atacado pelos parasitas. A parte mais interna é o cerne ou durame. Constituído por células mortas e pobre em água, acumula outras substâncias como gomas, taninos, resinas, concreções e corantes que geralmente lhe dão cor escura ou avermelhada e o tornam duro, resistente e pouco atacado pelos insectos. A linha de limite entre o borne e o cerne pode ser nítida ou não, regular ou irregular. Na parte central do tronco situa-se a medula. É constituída por uma estrutura primária de aspecto mole e esponjoso, de espessura variável e que vai desaparecendo com a idade. Composição da madeira O estudo da composição da madeira é importante, para além da identificação da espécie, no conhecimento da madeira para saber qual o seu comportamento e como se deve utilizar. A madeira como todos os organismos vivos é constituída por células. Estas células vegetais variam conforme a função e localização na planta e a sua disposição varia com a espécie.

* Meristema é um tecido com grande capacidade de divisão celular.

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Morfologicamente podemos encontrar cinco tipos diferentes de células na composição da madeira: Elementos vasculares Os vasos condutores, característicos das folhosas, são os canais que asseguram a condução da seiva bruta nas folhosas. São constituídos por células, os elementos vasculares, dispostas topo a topo de maneira a formarem canais longitudinais. Estas células, depois de formadas morrem, ficando com forma de tubo com as extremidades abertas, assim nada se opõe à circulação das seivas, havendo apenas ligeiros estrangulamentos na junção de duas células sucessivas. As aberturas das extremidades dos elementos vasculares chamam-se perfurações e podem ser escalariformes, quando têm tabiques, ou simples. A forma dos elementos vasculares e o tipo de perfurações estão relacionados com a evolução das plantas; as mais primitivas têm elementos vasculares mais longos e estreitos, por vezes com perfurações escalariformes. Aparecem várias formas intermédias, tendo as espécies mais evoluídas os elementos vasculares largos e curtos com perfuração simples. Os elementos vasculares têm pontuações areoladas e em certas espécies apresentam espessamentos espiralados. Em secção transversal os elementos vasculares aparecem como orifícios, circulares ou elípticos, chamados poros. Fibras lenhosas ou liberiformes As fibras liberiformes são células longas, estreitas, fusiformes, de pontas aguçadas, de membrana fina com pontuações simples em fenda. Têm função de suporte ficando muito tempo vivas no borne. São características das folhosas. Fibro-traqueídos Os fibro-traqueídos têm função de suporte e transporte, caracterizando-se entre as fibras liberiformes e os traqueídos. Têm forma de fibra mas as pontuações são areoladas como os traqueídos. A parede é fina, semelhante aos traqueídos, são no entanto mais curtos. Apenas se encontram nalgumas folhosas. Traqueídos Os traqueídos são as células essenciais das resinosas (cerca de 95% do volume total da madeira) mas podem também aparecer nalgumas folhosas. Têm função de suporte e de transporte. Nas resinosas são alongadas, as extremidades arredondadas, a membrana é de espessura variável, mas sempre com pontuações areoladas e extremidades não perfuradas. Têm forma poligonal em secção transversal. Nalgumas folhosas existem traqueídos mas são muito diferentes, poucos e de forma irregular. Parênquima Parênquima é qualquer tecido vegetal que tenha essencialmente funções de reserva. As células de parênquima estão vivas no borne, são pequenas, paralelipipédicas, de parede fina, com pontuações simples. A percentagem e distribuição varia de espécie para espécie. Õ Parênquima radial Constituído por células de contorno rectangular que, neste caso, além de armazenarem, permitem a passagem de substâncias no sentido transversal. Formam faixas dispostas em fiadas radiais, perpendiculares ao eixo, de largura e altura variáveis a que geralmente se chamam raios. Õ Parênquima axial Constituído por células de contorno rectangular ou fusiforme dispostas axialmente. Embora apareça em certas resinosas, geralmente junto dos limites das camadas anuais ou dos canais de resina, nas folhosas é mais abundante, sendo nalgumas bem evidente.

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Outras estruturas Pontuações Pontuações são as zonas em que existe uma interrupção da parede celular, que permite o contacto de substâncias entre células vizinhas. Existem vários tipos de pontuações e a sua disposição é variável. As pontuações areoladas são as mais complexas. Campos de cruzamento Os campos de cruzamento são as zonas em que os elementos axiais entram em contacto com os elementos transversais. As pontuações ao nível destas zonas têm uma morfologia diferente que varia com o tipo de células existente e com a espécie vegetal. Canais de resina Nas resinosas, a resina pode estar localizada em células de parênquima, por vezes em traqueídos e vulgarmente em canais tubulares longos ou cavidades, rodeados de células que segregam a resina para o canal. Os canais de resina podem ser longitudinais ou transversais mas sempre associados a parênquima. Alguns aparecem nos raios. Os canais de resina podem ser importantes na identificação de madeiras, pois além da sua existência ou não, a sua localização e o seu tamanho são variáveis de espécie para espécie. As resinosas que não têm canais de resina têm filas de células que a acumulam. Canais de goma São canais limitados por células secretoras de goma. Característicos das folhosas. Inclusões celulares As células vegetais muitas vezes armazenam restos celulares ou substâncias provenientes do seu metabolismo. São referidos em seguida alguns exemplos. Tilos - Estruturas comuns nos vasos das folhosas. São formados por prolongamentos das membranas, geralmente das células de parênquima, que passam através das pontuações para células adjacentes, geralmente vasos e podem aparecer em quantidade e formas diversas. São mais importantes na transformação e uso da madeira do que na sua identificação. Tilóides - Aparecem nas resinosas. São proliferações das células epiteliais para os canais de resina ou em canais intercelulares. Não passam através das pontuações. Goma - Substância segregada por células especiais ou formada devido à degradação das membranas celulares. É constituída por hidratos de carbono solúveis em água, mas não em álcool. Ex: goma-arábica (Acacia sp.) e goma de cerejeira (Prunus avium L.). Goma-resina - Mistura de goma e resina. Ex: guaiacina (Lignum vitae) e goma-guta, corante amarelo (Garcinia sp.). Resina - A resina é segregada em células especiais devido à oxidação de certos óleos essenciais. A sua composição química é variada, mas é essencialmente constituída por terpenos e ácidos resinosos. Insolúvel em água, mas solúvel em álcool Resinas fortes - São resinas que têm pouco ou nenhum óleo essencial, como o copal. Oleoresinas - São mais ou menos líquidas e contêm uma quantidade considerável de óleo. Ex: terebintina (Pinus sp.), terebintina de Veneza (Larix sp.) e copaiba (Copaifera sp.). Óleos - São produzidos por células de parênquima especializadas. Em certas espécies os óleos são aromáticos como na cânfora (Cinnamomum camphora Nees) Cristais - Aparecem muitos cristais como inclusões nas células vegetais. Estão geralmente localizados nas células de parênquima. Podem ser sais de cálcio ou oxalato de cálcio. Quando as inclusões são granulosas podem ser de sais de silício. Outras substâncias - Podem ainda aparecer: açúcares, taninos, latex ou substâncias corantes, que variam com a espécie.

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Características e disposição dos elementos É o arranjo diversificado de todas estas estruturas: quantidade, morfologia e distribuição, que permite, em parte, a caracterização de cada espécie; a variabilidade destas estruturas também é afectada por outros factores como as estações do ano ou o habitat. Podemos observar a madeira fazendo três tipos de secção: Secção transversal (perpendicular ao eixo da árvore), tangencial (longitudinal não passando pelo centro da árvore) e radial (longitudinal passando pelo centro da árvore). Poros, vasos observados em secção transversal. As dimensões, número, forma e disposição dos poros (porosidade) é muito importante para a sua identificação. Porosidade em anel - Quando os poros da zona de Primavera são nitidamente maiores que os da zona de Outono. Porosidade semi-difusa - Quando a transição do tamanho dos poros é gradual. Porosidade difusa - Quando o tamanho dos poros não apresenta diferença entre as duas zonas. Parênquima radial A morfologia do parênquima radial (que forma os raios) é outro factor importante na identificação da madeira. Número de células laterais, dimensões, morfologia e número são factores importantes para a sua identificação. Raios unisseriados - constituídos por uma só fiada de células em largura ou bisseriados ou plurisseriados - quando têm duas ou mais fiadas de células em largura. Homogéneos - quando são constituídos por um só tipo de células. Heterogéneos - quando são constituídos por mais de um tipo de células. Parênquima axial Pode ser observado em secção longitudinal e transversal, quando visível, é também muito importante na identificação da madeira. Parênquima nas folhosas Parênquima apotraqueal ou metatraqueal - quando não está em contacto com os vasos ou Parênquima paratraqueal ou justavascular - quando acompanha os vasos. Identificação da madeira O aspecto morfológico que caracteriza a madeira, pela disposição de todas estas estruturas, é que nos permite a sua identificação. Esta pode ser feita a olho nu, onde são úteis certas propriedades como a cor, cheiro, sabor, desenho, ou se os elementos que a constituem são de dimensões que permitem a sua observação. Não é no entanto uma identificação específica e pode levar a erros. Muitas vezes utiliza-se uma lupa (aumento de 5 a 10 X) para verificar a disposição dos elementos. Assim conseguem-se observar vasos de dimensões grandes, raios, canais de resina e as camadas de crescimento. No caso das obras de arte, como geralmente não se podem retirar amostras, ou a madeira se encontra muito danificada, este é o método mais utilizado, dando-nos geralmente uma identificação ao nível do género. Mas para uma identificação mais correcta que permita a visualização de todos os elementos, mesmo os mais reduzidos, é necessária a observação microscópica. Para esta observação a madeira tem de ser amaciada para depois serem feitos cortes finos com auxílio de um micrótomo. São necessários cubos pequenos com cerca de 5 mm de lado. Dissociação da madeira Para se observar a morfologia de certos elementos, a madeira tem de ser dissociada, geralmente sob a acção de produtos químicos, separando assim os diversos constituintes. Depois os elementos isolados são corados e observados ao microscópio óptico.

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Dendrocronologia Como se disse anteriormente o crescimento do tronco nos climas temperados é sazonal, sendo interrompido no Verão e Inverno. O crescimento maior dá-se durante a Primavera, madeira inicial, sendo menor no Outono, madeira final. A madeira de Primavera ou inicial - é uma camada cuja função principal é o transporte de grande quantidade de seiva, é uma madeira essencialmente condutora. Nas resinosas é formada por traqueídos de grande diâmetro com parede relativamente fina e poligonal, com numerosas pontuações. Nas folhosas é rica em vasos que têm geralmente diâmetro maior. As fibras têm membrana fina e cavidade celular bastante larga. Aparece sempre mais clara. A madeira de Outono ou final - é uma camada cuja função é essencialmente de suporte. Nas resinosas é formada por traqueídos de secção estreita, parede espessa e fracamente pontuada. Nas folhosas as fibras são estreitas, sólidas e os vasos são raros com diâmetro estreito. Pode ser rica em parênquima. Aparece mais escura devido ao espessamento das paredes celulares. A passagem da madeira de Primavera para a de Outono pode ser progressiva (gradual) ou abrupta. Esta sequência das duas camadas, uma mais clara e uma mais escura, que se formam anualmente, nítidas ou não, são as camadas de crescimento, cuja secção mostra os anéis de crescimento de uma árvore. Nos climas tropicais o crescimento em largura é em função dos períodos de chuva, favoráveis à vegetação, e dos de seca, períodos de repouso, por isso os anéis nem sempre correspondem a um crescimento anual. Numa zona temperada em que os anéis são anuais, quando se corta uma árvore junto ao solo, zona com o maior número de anéis de crescimento já diferenciados, pode saber-se a sua idade contando os esses anéis de fora (último a ser formado) para dentro. A cada ano corresponde uma camada clara e uma camada escura. A sequência anual do lenho das árvores desde há alguns anos tem sido muito útil para estudar os climas e datar madeiras de estruturas antigas através de um processo chamado dendrocronologia. Esta técnica só se pode utilizar em madeiras cujos anéis anuais sejam bem visíveis e estreitos. A espessura de cada anel varia com o clima que fez nesse ano e assim árvores da mesma zona têm espessuras semelhantes em cada ano. Como a cada ano corresponde uma dada espessura, podemos datar madeiras antigas comparando com outras que já sabemos a idade. Para isso fizeram-se padrões dendrocronológicos para várias regiões para se comparar com as madeiras que queríamos datar. Estes padrões foram feitos a partir de árvores das quais se sabia a idade, portanto recentes e com casca, fazendo-as coincidir com madeiras cada vez mais antigas, em que a parte mais recente de uma madeira mais velha fosse coincidente com a mais antiga daquela que já sabíamos a idade. Deste modo foram feitos padrões ou curvas dendrocronológicas até há milhares de anos. Assim se tivermos uma madeira que queremos datar, podemos comparar com a curva dendrocronológica feita para essa região e datá-la. Inicialmente comparavam-se as espessuras dos anéis entre as próprias madeiras, mas depois começaram-se a fazer gráficos com as espessuras dos anéis em ordenadas e os anos em abcissas e são esses gráficos que se sobrepõem com os da curva dendrocronológica. Hoje em dia ainda se fazem os gráficos, mas existem sistemas informáticos que permitem a datação mais rapidamente. Esta técnica tem sido muito utilizada para datar obras de arte, especialmente pintura sobre madeira.

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Papel História do papel A palavra papel deriva de papiro, embora o seu fabrico seja diferente. Considera-se papel qualquer material feito a partir de fibras dispersas em água, que posteriormente se escorre, e depois de secas se entrelaçam sem ordem aparente. Sabe-se hoje que o papel já existia na China no século II a.C. No entanto costuma considerar-se que a invenção do papel ocorreu no século II e atribuí-la a Tsai Lun no ano de 105 d.C. Na realidade ele não inventou, mas modernizou o seu fabrico. Anteriormente o papel era feito com fibras vegetais como o cânhamo, a casca da amoreira, o bambu, a madeira de sândalo, etc., Tsai Lun melhorou a qualidade da pasta juntando-lhe tecidos (restos de trapo, cordas, fios de pesca) e inventando o que se chama papel de trapo. Embora os materiais usados no fabrico do papel tenham variado com a região e ao longo do tempo, ainda hoje o processo de fabrico manual do papel é o mesmo; por isso podemos dizer que o seu fabrico se manteve praticamente inalterável durante 2 000 anos. Rota do papel O segredo do fabrico do papel foi mantido no Oriente, a leste do Turquestão, até cerca do século VIII. Desde a sua invenção foi-se espalhando pela China, passou à Coreia, que nessa época pertencia à China, e a partir daí chegou ao Japão no início do século VII. Este papel que entrou no Japão trazido por monges budistas, era feito com a casca da amoreira-de-papel a Broussonetia papyrifera (L.) Vent. (“Kozo”). Os japoneses começaram a fabricá-lo a partir dessa data (610 d.C.) e posteriormente começaram a usar outras fibras como a Wikstroemia canescens Meisn. (“Gampi”) a partir do século IX e a Edgeworthia papyrifera Seib. & Zucc. (“Mitsumata”) no fim do século XVI (1597). No século VII o papel já era conhecido no Médio Oriente, mas era importado da China. Os árabes descobrem a sua existência em 637 na Pérsia, mas como era importado, aí não dispunham de fábricas, o segredo da tecnologia do seu fabrico somente lhes vai ser facultado no século VIII (751) na batalha de Talas perto de Samarcanda, quando fazem prisioneiros artesãos chineses que sabiam fabricar o papel e que, a partir daí, começam a produzi-lo para os árabes. Esta região de Samarcanda é muito rica em água e conhecida pela produção de linho – Linum usitatissimum L. e cânhamo – Cannabis sativa L. Como era uma potência chinesa, o papel já devia ser aí fabricado desde o século VII. Samarcanda torna-se assim um centro papeleiro famoso. Entre 751 e 1250 o papel vai acompanhar os exércitos do profeta para ocidente. De Samarcanda passa a Bagdad onde é instalada a primeira fábrica em 794. A partir daí vai passando sucessivamente ao Iémen, Damasco (século X) e Tripoli. Segue para Noroeste: Turquia [Antioquia (Antakya) Constantinopla (Istambul)] e Sudoeste: Tunísia, Egipto e todo o Norte de África (Palestina, Magreb, Marrocos). No século X o vale do Nilo e a Síria especializaram-se no fabrico de um papel de linho e cânhamo, semelhante ao de Samarcanda mas de qualidade mais fina, composto de 1/4 de cânhamo e 3/4 de linho. Como se verifica, o papel árabe já não era constituído por fibras de amoreira-de-papel a Broussonetia papyrifera (L.) Vent. ou bambu mas sobretudo por linho do delta do Nilo, Egipto (e mais tarde do Levante espanhol) e cânhamo de Samarcanda ou Síria (e mais tarde Espanha) usados sob a forma de fibras vegetais, mas normalmente tecidos como cordas de cânhamo ou trapos de linho.

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O papel na Europa A entrada do papel na Europa, com os árabes, dá-se por duas vias: Sicília e Espanha. A Sicília é conquistada pelos árabes no século IX e a partir daí começa o fabrico do papel, mas este apenas se expande para o resto da Itália no século XIII: Fabriano (1260), Montefano (1276) e Veneza (1290). Este papel italiano, mais barato e de melhor qualidade que o árabe, vai seguindo a sua rota para Norte até entrar em França. O monopólio do fabrico de papel pelos italianos só acaba no século XIV. A Espanha é conquistada a Sul, através de Marrocos, no século VIII. A partir daí, com a ajuda de artesãos judeus, o fabrico do papel desenvolve-se na Andaluzia com importantes centros de produção em Córdova, Sevilha e Cádiz. Acompanhando os árabes na sua expansão para Norte chega a Toledo em 1085. Entretanto os judeus papeleiros de Córdoba refugiam-se em Xativa, perto de Valência, em 1056 e nesta zona forma-se o que é considerado o primeiro centro papeleiro. A partir daí vão fundando outros centros importantes na Catalunha até chegarem ao Sul da França. O papel mantém-se monopólio dos árabes até ao século XIII, mas com a reconquista os cristãos vão começar a fabricá-lo. Em 1258 Bagdad é tomada pelos mongóis e acaba o poder dos árabes, mas nessa época começam as primeiras experiências de fabrico de papel em Itália e a sua difusão pela Europa. O papel entra em França, no século XIV, quer através de Itália, quer através de Espanha e daí expande-se para o resto da Europa até finais do século XV: Suíça, Alemanha, Holanda, Rússia, Inglaterra e em 1690 chega à América. A entrada do papel na Europa foi olhada com desconfiança até ao século XV, sendo considerado caro e mais frágil que o pergaminho pois ardia, rasgava e desfazia-se facilmente em contacto com a água. Os chineses, no século VI, já gravavam os símbolos da sua escrita em madeira para depois os reproduzir mais facilmente (xilografia). Mas é a invenção da máquina de imprimir por Gutenberg, no século XV, que permitia reproduzir milhares de exemplares por um processo mecânico, que o uso do papel, devido à sua maleabilidade e receptividade à tinta, começa a ser generalizado. O papel tornava-se no único suporte compatível com a nova tecnologia. Foi-se tornando tão importante e usado no fabrico de tantos materiais que em 1868, através duma canção, ficou popular o termo “a era do papel”. O papel em Portugal Portugal também começou a usar papel, primeiro importado e depois criando o seu próprio fabrico. Pensa-se que já era utilizado no reinado de D. Afonso III. Os dois documentos mais antigos em papel, existentes em Portugal, são: uma folha das Inquirições de D. Dinis de 1288, relativa aos julgados de Linhares, Penha Garcia e Aranhas e uma “Provisão” da rainha D. Branca de 1334. Os primeiros centros de produção papeleira em Portugal surgem perto de Leiria em 1411 no reinado de D. João I, na Batalha em 1514, em Fervença (perto do Mosteiro de Alcobaça) em 1537 e em Alenquer em 1565. Mas nessa época o papel produzido não era suficiente e ainda se importava de França e de Itália. Posteriormente vão começar a aparecer mais centros de produção papeleira e também mais testemunhos escritos sobre os mesmos. O primeiro local com características industriais surge antes de 1716 na Lousã. Após o terramoto de 1755, os frades de S. Vicente de Fora, vão para a propriedade da Abelheira, Tojal, onde primeiro fabricaram papel de embrulho sem grande qualidade e depois papel para escrita. A partir daí são vários os centros de fabrico que vão surgindo: Queluz em 1775 Guimarães em 1787 Feira em 1789 Alenquer em 1790

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Torres Novas (Zibreira) em 1818 Perto de Góis (Ponte de Sótão) em 1821 Tomar em 1836 Porto de Mós em 1844 Alcobaça em 1863 Miranda do Corvo em 1864 Serpins em 1868 Braga em 1870 Penela em 1877 Sabe-se, através de um opúsculo publicado pela Inspecção-Geral dos Pesos e Medidas do Reino, que em Portugal em 1863 havia 52 fábricas de papel em que a matéria-prima usada era o trapo (26 em Aveiro, 6 em Braga, 6 em Santarém, 5 em Lisboa, 4 em Coimbra, 2 em Leiria, 2 no Porto e 1 em Viseu. Em 2004 existiam cerca de 35 fábricas de papel em Portugal em que apenas uma utiliza o trapo1. O fabrico do papel Esta expansão do papel pelo mundo, com o respectivo aumento do número de centros papeleiros, também foi acompanhada, ao longo dos anos, por uma variação dos processos de fabrico e dos materiais utilizados. Os processos de fabrico foram evoluindo com o surgimento de novas tecnologias que permitiram uma maior rapidez no fabrico e uma melhor qualidade. Os materiais utilizados variaram com as regiões: quando certas plantas não existiam eram substituídas por outras, e ao longo do tempo, devido à escassez de alguns produtos e à grande necessidade de matérias-primas, tiveram de se usar novas plantas. O fabrico do papel na China Na China no tempo de Tsai Lun o fabrico do papel era basicamente o seguinte: os materiais vegetais a utilizar como fibras, cascas (nas cascas, as fibras eram separadas da parte exterior que não era aproveitada) e restos de trapo, eram tratados de modo a ficarem apenas as fibras. Estas fibras podiam ser agrupadas em molhos que secavam ao sol. Os molhos de fibras eram depois macerados em água à qual se adicionavam substâncias como cal e cinzas. Seguidamente eram colocados em buracos abertos na pedra, regados com água e esmagados, à mão, com pilões de madeira até os materiais estarem completamente desfibrados, formando uma papa. Alguns deles exigiam mais trabalho, como o bambu, que tinha de ser posto durante um mês numa maceração de água de cal. A pasta obtida era diluída numa grande quantidade de água, em cubas, à qual se juntava farinha de arroz, ou cré, alúmen ou colas, para dar consistência à futura folha de papel. Em seguida procedia-se à moldagem da folha do papel. Mergulhava-se uma forma (ou peneira) na cuba e apanhava-se uma certa quantidade desta pasta, a água escorria e formava-se assim uma folha. Esta forma também teve a sua evolução. Mas a moldagem da folha, não era tarefa fácil, pois quando a pasta era colocada na forma, esta tinha de ser muito bem agitada em todas as direcções para a pasta ficar distribuída por igual, enquanto a água escorria, e formar uma folha de papel com a mesma espessura em toda a sua superfície, com as fibras todas interligadas. Esta arte da moldagem vinha de pais para filhos e demorava cerca de 30 anos a aperfeiçoar. Este processo também variou com o tempo, local e tipo de forma. Em seguida processava-se a secagem da folha ao sol ou, mais tarde, preparavam-se várias folhas, que podiam ser secas de dois modos. Ou eram postas num tabuleiro umas sobre as outras, separadas por um feltro, formando uma pilha, prensadas sob uma prensa de madeira, depois retiradas com cuidado, separadas umas das outras e secas ao sol em superfícies polidas, ou as folhas

1 Dr. Pedro Conceição, ANIPC, comunicação pessoal.

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eram aplicadas, uma a uma, com a ajuda de uma escova macia, numa parede vertical lisa exposta ao sol ou aquecida. Quando a folha estava seca separava-se da parede. As folhas de papel podiam ser coradas com tintas obtidas da maceração de vegetais. As primeiras folhas de papel de trapo absorviam a tinta. Um discípulo de Tsai Lun (Zuo Ziyi) aperfeiçoou um método de encolagem que permitia que a folha ficasse mais resistente e própria para a escrita, deixando a tinta secar sem se difundir nas fibras. Para isso a superfície da folha era barrada à mão com uma camada fina, impermeável e incolor, de amido de arroz. O fabrico do papel pelos árabes Os árabes usavam como matéria-prima trapos de linho e cordas de cânhamo. A sua preparação do papel era a seguinte: os trapos e as cordas eram branqueados com água de cal, em seguida eram desfibrados com tesouras. A principal diferença encontra-se no esmagamento das fibras, em vez de ser à mão, era feito com o auxílio de uma mó como os moinhos de azeite ou de farinha. Esta mecanização rapidamente deu origem ao aparecimento de moinhos de papel destinados a esmagar as fibras. A pasta era misturada com água numa cuba. A forma era introduzida na solução para apanhar as fibras, escorrer a água e formar a folha. Esta forma era diferente das chinesas. Em vez de tiras de bambu ligadas por fios de seda era em tiras de cana ligadas com crina de cavalo. Posteriormente o papel passava por uma prensa onde perdia bastante água e por vezes levava uma carga superficial que podia ser de argila branca fina, gesso ou farinha muito branca. Finalmente a encolagem era de água de arroz, cola de amido ou goma adragante. Para o papel ser semelhante ao pergaminho podiam corá-lo com açafrão ou extractos de figo e encerá-lo. Também podia ser corado com corantes vegetais ou minerais. O fabrico do papel na Europa Na Europa, no fim do século XII princípio do século XIII, começam a surgir moinhos que vão originar uma tecnologia diferente da árabe. Os mais primitivos eram em zonas rurais, junto de rios, movidos a energia hidráulica, geralmente artesanais e pertencendo à mesma família. A produção, fornecimento da matéria-prima (trapo) e comercialização do produto final era geralmente controlada por um negociante. As inovações deste processo eram essencialmente o aumento de rendimento devido à trituração automática das fibras pelo moinho hidráulico, muitos moinhos de farinha foram modificados e as mós foram substituídas pelos maços de madeira com movimento vertical, a forma que passou a ser constituída por fios metálicos (latão) dando mais rigidez quando mergulhada na cuba e a encolagem à base de gelatina que protege a folha. Era constituída por uma armação rectangular, em madeira, que em intervalos regulares tinha tiras de abeto, as pontusais, sobre as quais se encontravam duas camadas transversais de fios metálicos em latão, paralelos e muito apertados, as vergaturas, ligadas às pontusais por fios finos. A camada superior, que recebia a pasta, tinha mais fios que a inferior. Esta parte da forma funcionava como uma peneira, para escorrer a água. A forma tinha ainda uma cobertura solta, ou moldura móvel, que encaixava perfeitamente nela, definindo as margens da folha. As dimensões da forma davam à folha o seu formato e a espessura da cobertura dava força ao papel. Esta forma manteve-se inalterável até ao século XVIII. Em 1826 usou-se pela primeira vez na Europa uma forma dividida que permitia fazer duas folhas, mergulhando apenas uma vez na pasta. Mas na China já era usada há muito. A cola animal começou a ser usada pelos italianos e a sua utilização generalizou-se no século XIV pois era barata e tinha boas propriedades. Era feita a partir de aparas de

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peles fervidas em água. A gelatina obtida era filtrada e mantida a uma determinada temperatura. Na secagem também houve uma inovação, os italianos começam a secar as folhas ao ar e ao vento em cordas. Curiosamente, nem os chineses nem os árabes usaram o vento para secar as folhas de papel. Muitas das inovações de que falámos, foram os italianos que as introduziram, por isso o papel italiano obteve uma qualidade nunca vista, conquistou o mercado papeleiro, destronando mesmo o papel espanhol de Xativa. As marcas de água As vergaturas e pontusais da forma observam-se na folha de papel quando olhada à transparência. Baseando-se nisto, os fabricantes de papel começaram a colocar na rede do fundo das suas formas um símbolo (desenho, inscrição ou ambos) que os caracterizasse, chamado marca de água ou filigrana. A filigrana aparece no século XIII em Itália donde se espalha para toda a Europa e parte do Oriente. Inicialmente não dava qualquer informação sobre a fábrica ou região que produziu o papel. Mas com o tempo, talvez devido à concorrência nesta indústria, essa marca começou a ser característica para cada papeleiro. Por isso a filigrana possibilita a identificação da origem do papel, pelo desenho ou outro elemento aí encontrado. Os moinhos e o trapo Desde a sua invenção até ao século XIX, a história do papel está ligada à do trapo. Os trapeiros iam de casa em casa recolher tecidos velhos e usados para vender aos fabricantes de papel dos moinhos. Os trapos, em forma de grandes bolas, eram transportados para os moinhos por mulas por caminhos por vezes difíceis, demorados e até perigosos o que fazia com que o preço do papel fosse bastante elevado, influenciado pelo preço do transporte do trapo. Isso fez com que conventos e universidades, locais onde se usava mais o papel, começassem a fabricar o seu próprio papel para evitar grandes gastos com a sua importação. Como se disse anteriormente, os primeiros moinhos na Europa não eram próprios para papel, eram moinhos adaptados que faziam farinha de trigo ou azeite no Verão e papel no Inverno. Alguns destes moinhos funcionaram até ao século XX. Até ao aparecimento da pasta de madeira e da máquina de papel contínua, o fabrico do papel manteve-se praticamente o mesmo, do século XIII ao XIX. O processo consistia na preparação dos trapos, fabrico da pasta, confecção da folha e acabamentos. Fabrico da pasta As tiras de trapo eram desfiadas com lâminas e colocadas numa espécie de cisterna ou cave em tinas de pedra ou de madeira, onde eram molhadas, o que fazia com que o trapo amolecesse, mexidas regularmente e batidas. O tempo desta fase de maceração variava conforme a qualidade dos tecidos. Para reduzir o tempo de maceração, começou a usar-se água de cal ou lixívia de soda tendo depois a pasta de ser bem lavada. Quando se atingia o ponto de maceração ideal, os trapos eram novamente cortados. Nesta fase o material ia para a sala do moinho. As tiras eram colocadas em pilões cheios de água, para serem esmagadas por martelos ou maços de madeira que batiam no pilão em movimentos cadenciados e sucessivos induzidos pelo moinho. Este processo, além de desfibrar, ia virando a mistura, tornando-a homogénea. Entretanto no século XVII surge na Holanda um novo invento que ainda hoje se chama a “pilha holandesa” ou “hollander”. Nela as fibras eram desintegradas passando várias vezes entre um tambor estriado e uma peça plana também estriada, ficando a massa no ponto desejado. Confecção da folha Em seguida a massa cisada (pronta para o fabrico do papel) passava à casa das tinas para a confecção da folha ou enformação. Era diluída em água limpa e deitada numa

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cuba redonda de madeira muito grande, que mantinha a pasta aquecida. A partir daí usava-se a forma, utensílio principal no fabrico do papel. A forma, com a cobertura, era mergulhada na cuba da pasta e retirada com a suspensão fibrosa. A água ia escorrendo pelo fundo em peneira enquanto se abanava a forma para a espessura da folha ficar homogénea em toda a superfície. Para se obter um papel espesso sobrepunham-se várias camadas de pasta. Em seguida aplicava-se um feltro sobre a folha, voltava-se o conjunto e retirava-se a folha. Por cima desta, aplicava-se um outro feltro que servia de suporte à folha seguinte. Eram assim empilhadas 25 folhas entre 26 feltros. As pilhas de folhas eram então prensadas. A saída de água reduzia a altura da pilha a 1/3 da sua altura inicial. As folhas eram então separadas dos feltros, colocadas umas sobre as outras em montes, prensadas novamente com menos vigor e postas a secar em estendais, geralmente na parte superior do moinho, em molhos de seis a oito folhas pois uma secagem individual poderia deformá-las. Estas salas, “casas do espande” ou enxugo, tinham postigos móveis que permitiam regular a entrada do vento e, consequentemente, a velocidade de secagem. Depois de secos, os molhos eram colocados em pilhas e, ou iam directamente para o acabamento, ou eram revestidos com cola para evitar que a folha absorvesse as tintas (impermeabilização). A cola era uma gelatina animal, transparente, impermeável, regular e que protegia o papel do ataque dos insectos. Com um movimento rápido, um molho de folhas era mergulhado na cola e retirado imediatamente. No início do século XIX a preparação da cola e a colagem eram feitas na casa das colas. Após uma prensagem rápida para sair o excesso de gelatina, as folhas voltavam ao estendal para uma secagem final. Como o processo de fabrico do papel necessita de muita água, os moinhos, e mais tarde as fábricas, situavam-se sempre junto de cursos de água. Acabamento do papel As folhas depois de secas eram prensadas, as margens eram endireitadas, raspadas para retirar impurezas, alisadas com um burnidor de pau de buxo e polidas para igualar o grão. Folhas com defeito eram tiradas para reciclar, as outras eram distribuídas por pilhas conforme a sua qualidade. As de melhor qualidade eram empilhadas, prensadas e embaladas. O papel a partir do século XIX Embora tenha sido inventada em Paris, no ano de 1798, por Nicholas-Louis Robert, é em Inglaterra, no ano de 1803 que se fabrica a primeira máquina de papel contínuo. Associados a este invento, em Inglaterra, ficam os nomes de John Gamble e Bryan Donkin e os irmãos, Henry e Sealy Fourdrinier, cujo apelido ainda hoje é usado para referir a máquina. Já com o uso da máquina de fazer papel, durante certo tempo os papéis continuaram a ser feitos de trapo e a secar ao ar. Em 1805 surge em Portugal uma fábrica de fazer papel “sem dependência de trapos” (usando pasta de madeira). Esta fábrica estava instalada nas margens do rio Vizela, numa terra chamada Cascalheira, pertencia a Joaquim Moreira de Sá e era orientada por um engenheiro inglês Thomas Bishop. Esta fábrica teria sido a pioneira no uso da madeira, mas as invasões francesas obrigaram Moreira de Sá a fugir e foi efémera a sua importância. Assim, é em 1866 que vai surgir em Paris a primeira máquina capaz de fabricar papel a partir da madeira. A partir desta altura a evolução tem sido muito grande quer no domínio das máquinas quer no dos materiais empregues. Hoje em dia, embora a maior parte do papel seja fabricado a partir da madeira, ainda há casos em que se utilizam trapos, palhas ou materiais reciclados. Os constituintes fibrosos do papel Como se viu, o papel é essencialmente feito a partir de fibras de origem variada, mas tem também colas e outros aditivos. Todos estes materiais têm variado com a

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localização geográfica, com a evolução dos processos de fabrico ou ainda com o fim a que se destina o papel. Relativamente às fibras, verificámos que os trapos de fibra de amoreira-de-papel, no Oriente, os trapos de linho e cordas de cânhamo, no Ocidente, foram os materiais mais usados durante muitos séculos. Mas a certa altura a procura de trapos era tanta que começaram a escassear. Devido a esta escassez houve a necessidade de experimentar novos materiais fibrosos, embora a princípio tenham sido usados apenas em papéis de menor importância. Um dos materiais que primeiro se empregou foi a palha dos cereais no princípio do século XIX, no entanto há uma referência ao uso da palha de arroz na China já em 1521. A utilização de madeira no fabrico do papel começa primeiro com resinosas (pasta mecânica em 1843 e pasta química em 1852) e finalmente em 1945 com folhosas. Geralmente na pasta de madeira (em 1852) introduzia-se uma percentagem de trapo para dar firmeza ao papel. Sistemática dos constituintes fibrosos do papel Apresenta-se em seguida a sistemática, segundo o sistema de classificação de Cronquist, dos componentes fibrosos do papel, com a maioria das plantas que têm sido usadas ao longo dos tempos, até aos nossos dias, no fabrico do papel. Divisão: Pinophyta (Gimnospérmicas) Subdivisão: Pinophytina Classe: Coniferopsida (coníferas) Ordem: Coniferales Família: Pinaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Abies sp. Abeto Tronco Pinus sp. Pinheiro Tronco

Divisão: Magnoliophyta Classe: Magnoliopsida (Dicotiledóneas) Subclasse: Dilleniidae Ordem: Malvales Família: Malvaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Gossypium sp. (Fig. 15) Algodoeiro (algodão) Semente

Família: Thymelaeaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Wikstroemia canescens Meisn. “Gampi” Caule

Edgeworthia papyrifera Seib. & Zucc. (Fig. 16)

“Mitsumata” Caule

Família: Tiliaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Corchurus capsularis L. Juta Caule

Ordem: Salicales Família: Salicaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Salix sp. Salgueiro Tronco

Populus sp. Choupo Tronco

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Subclasse: Rosidae Ordem: Myrtales Família: Myrtaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Eucalyptus sp. Eucalipto Tronco

Ordem: Linales Família: Linaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Linum usitatissimum L. (Fig. 17) Linho Caule

Subclasse: Hamamelidae Ordem: Fagales Família: Fagaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Fagus sylvatica L. Faia Tronco

Castanea sativa Mill. Castanheiro Tronco Ordem: Urticales Família: Urticaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Boehmeria nívea (L.) Guadich Ramie Caule

Família: Cannabaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Cannabis sativa L. Cânhamo Caule

Família: Moraceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Broussonetia papyrifera (L.)

Vent. Amoreira-de-papel

(“Kozo”) Caule

Classe: Liliopsida (Monocotiledóneas) Subclasse: Commelinidae Ordem: Cyperales Família: Cyperaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Cyperus papyrus L. Papiro Caule

Família: Graminae ou Poaceae Subfamília: Festucoidea Tribo: Triticeae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Triticum sp. (Fig. 20) Trigo Caule e folha

Secale cereale L. Centeio Caule e folha Hordeum sp. Cevada Caule e folha

Tribo: Aveneae

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Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Avena sp. Aveia Caule e folha

Tribo: Stipeae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Stipa tenacissima L. Esparto Folha

Subfamília: Oryzoideae Tribo: Oryzeae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Oryza sativa L. Arroz Caule e folha

Subfamília: Bambusoideae Tribo: Bambuseae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Bambusa sp. Bambu Caule

Subfamília: Panicoideae Tribo: Andropogoneae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Saccharum officinarum L. Cana-do-açúcar Caule

Zea mays L. Milho Caule Subfamília: Arundinoideae Tribo: Arundineae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Arundo donax L. (Fig. 22) Cana Caule

Subclasse: Liliidae Ordem Liliales Família: Agavaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Agave sisalana Perr. Sisal Folha

Subclasse: Zingiberidae Ordem: Zingiberales Família: Musaceae

Nome científico Nome vulgar Parte utilizada Musa textilis Nee Cânhamo-de-manila Folha

Os constituintes fibrosos do papel Como se viu, o papel é um suporte constituído por materiais fibrosos, de origem vegetal, interligados entre si. As plantas utilizadas dependem da região e da evolução do seu fabrico. Por isso vimos que no Oriente plantas e técnicas são diferentes das do Ocidente e aqui, tem havido uma variação ao longo dos tempos devido à escassez que obriga a utilizar novos materiais. Normalmente a parte usada é o caule por ser mais rico em fibras. São excepções: o esparto ou o sisal cujas folhas são muito fibrosas, os cereais (palha), dos quais se usam caules e folhas e o algodão que são fibras que envolvem a semente.

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Quanto mais longas e puras forem as fibras melhor será a qualidade do papel, como é o caso das fibras orientais (“Kozo”, “Gampi”, ou “Mitsumata”) ou do papel feito de trapo (linho, cânhamo ou algodão). As fibras das espécies arbustivas (não madeireiras) são longas e geralmente provenientes do liber:. Além das fibras encontram-se células de parênquima que variam de forma consoante a espécie, mas são curtas e mais ou menos grossas. As fibras de madeira, mais curtas, são provenientes do lenho: fibras libriformes e elementos dos vasos nas dicotiledóneas lenhosas e traqueídos nas gimnospérmicas. Encontram-se também nas plantas lenhosas células de parênquima radial e axial cuja quantidade varia com a espécie. A madeira implica métodos de transformação mais complexos devido às impurezas existentes. Os constituintes não fibrosos do papel Além dos constituintes fibrosos, materiais diversos como colas, cargas, ou corantes podem ser adicionados à pasta de papel. Todos eles foram sendo introduzidos e variando ao longo do tempo. Cargas As cargas são pigmentos minerais finos, em pó, que preenchem os espaços entre as fibras do papel, aumentando a brancura, tornando os papéis mais opacos e proporcionando uma superfície lisa e uniforme, que facilita a impressão. Embora haja referências ao uso de cargas pelos árabes no século VIII e no Egipto no século IX (talco), o uso regular de cargas parece começar no século XIX. Caulino (Al2O3.2SiO2.2H2O), gesso (CaSO4.2H2O) e outras cargas mais recentes como cré (CaCO3), talco (3MgO.4SiO2.H2O) dióxido de titânio (TiO2), sulfato de bário (BaSO4), dolomite (MgCO3.CaCO3) ou diatomito (SiO2). Além de serem introduzidas na pasta, também podem ser pulverizadas sobre a superfície da folha já formada tornando-a mais resistente. Alguns papéis como o de jornal ou de embalagem têm menos cargas. Colas As colas são necessárias quando se pretende que os papéis não absorvam tinta ou água, por isso são produtos hidrofóbos. No Turquestão em 450 o papel era feito com trapos e cascas e era melhorado com uma colagem feita com cola de sementes. No ano de 700 começaram a ser usadas colas de gelatina feitas a partir de líquenes, farinha de trigo e também de sementes A gelatina animal foi usada pela primeira vez na Europa em 1337. A ideia de usar a resina como cola surgiu em 1800, mas o invento só foi mencionado em 1807. Da resina obtém-se a colofónia que é a base da cola usada actualmente. Corantes O uso de corantes depende do fim a que se destina o papel e a sua aplicação aprende-se com a prática. Os corantes também foram variando ao longo do tempo. Em 1550 usou-se o esmalte para corar de azul o papel, em 1687 utilizaram-se, pela primeira vez na Europa, os ocres, a umbra e o vermelhão e em 1797 os amarelos e castanhos (PbCrO4) na coloração do papel. Em 1856 foi descoberta a anilina. Actualmente são usados dois grupos de corantes: os solúveis e os insolúveis na água. Outros produtos Outros produtos podem ser introduzidos na pasta para conferir ou modificar certas características. O seu número aumenta constantemente por isso apenas citamos alguns: amidos ou gomas, floculantes, resinas, antifúngicos, etc. Para estes produtos serem eficazes devem seguir-se exactamente as indicações dos fabricantes. Identificação

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A identificação de um papel é muito importante para o seu estudo. Saber qual o modo de fabrico ou a espécie vegetal que o constitui permite-nos conhecê-lo, datá-lo e se necessário restaurá-lo para que tenha uma maior durabilidade. Para se identificar um papel, uma amostra é retirada e fervida em água destilada; ao ferver, as impurezas e componentes hidrossolúveis são destruídos ficando as fibras individualizadas. As fibras soltas são postas numa lâmina de vidro, com uma gota de água que se deixa secar para as fibras aderirem ao vidro. Em seguida as fibras são coradas e observadas ao microscópio. A coloração permite que se identifique o tipo de fibra e informa-nos sobre o modo de fabrico do papel, pois conforme o corante, o tipo de fibra e o modo de fabrico a coloração é diferente. Existem vários corantes mas geralmente utilizamos dois: Corante de Herzberg e Corante de Lofton-Merritt. O corante de Herzberg é um bom corante pois dá-nos logo uma informação sobre o tipo de fibra e diferencia também entre pastas mecânicas químicas e trapo. Na tabela seguinte temos as cores que se observam nas fibras quando são coradas por estes dois corantes.

Tipo de pasta Corante de Herzberg Corante de Lofton-Merritt Trapo Avermelhado Incolor

Pasta mecânica Amarelo Azul-verde Pasta semi-química Amarelo a azul Violeta

Pasta química branqueada

Azul, azul-violeta Incolor

Peles (pergaminho e couro) As peles podem ser utilizadas directamente em peças de artesanato ou tratadas (pergaminhos e couros) constituindo documentos gráficos. O pergaminho foi usado como material de escrita por toda a Europa desde o declínio do papiro até à expansão do papel. O couro utilizado geralmente nas encadernações pode também aparecer como suporte ou ser utilizado em variados objectos. Quer o pergaminho quer o couro são fabricados a partir da pele dos mesmos animais (bovinos, caprinos, ovinos, porcinos, ou outros, que variam com a região) diferindo apenas no modo de fabrico. Constituição da pele A pele é constituída por três camadas: a mais externa é a epiderme que contém os pêlos. A do meio é a derme que tem duas partes bem distintas, a superior é a camada papilar e a inferior a camada reticular. Por baixo existe a hipoderme ou carne. Os pêlos são estruturas epidérmicas implantadas na derme. Crescem a partir de uma raíz que está envolvida por um folículo. A intrusão dos folículos na epiderme e a sua dilatação formam as papilas. As papilas estão implantadas na parte superior da derme, por isso esta toma o nome de camada papilar. À superfície da pele observam-se os folículos por onde saem os pêlos. A pele depois de transformada perde os pêlos e são os folículos que nos vão ajudar na sua identificação. Quando se transforma a pele tanto a epiderme como a hipoderme devem ser retiradas, sendo assim couro ou pergaminho constituídos apenas pela derme. Fabrico Durante anos muito utilizado como material de escrita, o pergaminho foi lentamente sendo substituído pelo papel e hoje pouco se fabrica. É utilizado apenas para cartões, diplomas, próteses, candeeiros ou instrumentos musicais. O couro no entanto continua a ser utilizado, além do vestuário, em encadernações.

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A fase inicial de fabrico é semelhante para os dois materiais. A pele é retirada do animal chamando-se então pele verde ou pele fresca. É colocada em água para amolecer e retirar sujidades. É raspada com uma faca do lado da carne para tirar calosidades e eliminar excesso de água. Se tem de ser armazenada ou transportada tem de se fazer uma preservação, que geralmente é à base de sal marinho. Também pode ser preservada secando ao sol. Quando se vai utilizar a pele ela é lavada, para retirar o sal, hidratar e remover sujidades. Esta fase chama-se molho. A pele é então descabelada ou depilada. Esta operação além de soltar os pêlos pode tornar a pele mais firme e mais elástica. Este processo tem variado muito ao longo do tempo. Hoje em dia utilizam-se soluções à base de cal. Após sair da cal, os pêlos eram raspados manualmente com uma faca curva sem gume, hoje em dia os pêlos são raspados mecânicamente. Nesta fase a pele pode continuar o processo ou ser tratada para pergaminho. A pele deve então ser descarnada para retirar toda a hipoderme e tecido muscular. Esta operação era feita com uma faca curva mas com gume afiado. Hoje também é feita mecânicamente. É necessário muito cuidado para não ferir a pele. Posteriormente a pele é lavada e também nesta fase o processo pode continuar ou a pele ser tratada para pergaminho. Seguidamente a pele pode ser cortada ou não. Este corte é feito para tornar a pele mais fina. Geralmente corta-se em duas partes: camada do grão e camada da carne que correspondem à camada papilar e camada reticular da derme, respectivamente. Podem ainda ser cortadas partes defeituosas, acertar-se a pele ou cortá-la em bocados mais pequenos. A operação seguinte é a desencalagem. As peles devido ao contacto com a cal, nesta fase encontram-se muito alcalinas. Para descer o pH as peles são mergulhadas em soluções fracas de ácido acético ou bórico, em cloreto ou sulfato de amónio. É nesta fase que o modo de fabrico se altera. Pergaminho O pergaminho sofre menos transformações. Após a descarnagem (o corte e controle de pH são facultativos) cada pele é colocada numa armação de madeira bem esticada, em todas as direcções para secar lentamente ao ar. Como se pretende uma pele fina antigamente apenas eram escolhidos animais de pele fina, pouco gorda. Posteriormente começou-se a raspar a pele para ficar mais fina. Hoje em dia como a pele é cortada, utiliza-se a camada reticular da derme, pois a camada papilar é usada para couro. Assim que a pele é posta a secar, todas as propriedades requeridas para o produto final devem ser administradas enquanto a pele está molhada, pois assim que a pele seca já não pode ser modificada. Nesta fase pode ser aplicada cal para remover humidade e gorduras, cré para secar, pedra pomes para alisar e a pele pode ainda ser raspada com uma faca especial em forma de meia lua. Hoje as peles são esticadas e secas em estufas e todos os acabamentos podem ser feitos à mão ou à máquina. Quando são cortadas já não necessitam ser raspadas. Podem ser apenas lixadas. Couro Para a pele dar o couro, faz-se então uma preparação ao curtimento à base de enzimas, que vão melhorar as características (flexibilidade e elasticidade) e limpar a pele. Também condicionam o pH. As fontes de enzimas têm variado muito. Hoje em dia utilizam-se soluções fracas de ácidos orgânicos. Antes do curtimento é necessário ainda a piquelagem. Esta é importante para um bom curtimento e também para a preservação da pele. Nesta fase as peles podem ser armazenadas ou transportadas, tendo o cuidado de manter a temperatura baixa para não serem atacadas por fungos.

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A fase seguinte é a do curtimento. Este processo permite que a pele tenha as características desejadas e não se estrague facilmente. Desde sempre têm existido vários tipos de curtimento. Vamos falar dos mais importantes que hoje se utilizam. Curtimento vegetal - Neste processo são utilizados os taninos, substâncias existentes nas plantas, que permitem a modificação da estrutura da pele. Os taninos também coram as peles. Curtimento mineral - A pele é transformada em couro pela acção de compostos inorgânicos. Curtimento com alumen - utiliza-se um composto de alumínio e sulfato de potássio. É um tipo de curtimento muito antigo. Curtimento com crómio - utilizando sais de crómio. É o tipo de curtimento mais recente e hoje o mais utilizado. Curtimento com aldeídos - utiliza essencialmente o formaldeído que reagindo com a pele a transforma em couro. Curtimento com matérias gordas (oleoso) - Também certas gorduras permitem o curtimento. Têm sido utilizados vários produtos orgânicos gordos, especialmente o óleo de peixe. Com o tempo verificou-se que cada um destes tipos de curtimento tinha vantagens e desvantagens e assim tem-se optado por um curtimento combinado de dois ou mais processos. Após o curtimento o couro ainda sofre alguns tratamentos finais: é espremido, a espessura é igualada, neutralização, recurtimento, tingimento, engorduramento, secagem e acabamentos vários (prensagem ou polimento) que lhe dão as propriedades pretendidas dependendo do fim a que o material se destina. Identificação Conforme o animal de que a pele é fabricada varia a sua espessura, dimensões das fibras e disposição dos folículos capilares. Estes aspectos são utilizados para a sua identificação ao microscópio. Hoje em dia a identificação está muito dificultada pois não só as peles são cortadas podendo não se ver a camada papilar, como são prensadas com desenhos que escondem a disposição dos folículos. Ovinos Embora seja difícil distinguir certas raças de carneiro das de cabra, podemos de uma maneira geral verificar algumas diferenças: os pêlos estão implantados irregular e pouco profundamente. Existem dois tipos de folículos: primários e secundários. Os primários são maiores e os secundários são mais numerosos. Nas raças domésticas, os secundários estão agrupados ao lado dos primários, formando estes últimos grupos de três. Caprinos Os pêlos estão dispostos obliquamente na pele e implantados profundamente de maneira regular e paralela. Os folículos primários e secundários estão dispostos de maneira semelhante à dos carneiros domésticos. Bovinos Nestes animais apenas existe um tipo de folículos - primários- dispostos ao acaso. Outros materiais de origem biológica Vários materiais de origem animal e de estrutura rígida, que possam ser trabalhados, têm sido usados pelo homem desde sempre. Como objectos de adorno ou etnográficos, esculturas, suporte de pinturas ou embutidos, estes materiais podem ser encontrados em todos os museus pelo mundo fora2. 2 A procura destes materiais, devido à ganância de ganhar dinheiro ou a certas crenças, levou a que fossem feitos verdadeiros massacres, por vezes até à extinção e, nalguns casos, apenas para se usar uma

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Podemos separá-los em dois grupos: os calcificados produzidos pelos animais por calcificação das células com minerais à base de cálcio e aqueles cuja composição é essencialmente orgânica, não havendo mineralização, mas que devido à sua rigidez são também usados, por vezes até para imitação dos mais nobres. Entre os primeiros temos o marfim que é retirado dos dentes de muitos animais, sobretudo dos proboscídeos (elefantes e mamutes), que é considerado o verdadeiro marfim. O osso retirado de diversos animais, normalmente dos de grande porte que permitem maior quantidade de matéria-prima e que pode ter os mesmos usos do marfim ou mesmo servir para o imitar. O nácar que é um material produzido pelos moluscos para elaborarem os seus abrigos (conchas) ou isolarem materiais estranhos (pérolas). O coral que é uma estrutura fabricada por animais que vivem nos oceanos em colónias e constroem os recifes que lhes servem de abrigo e lhes proporcionam o alimento. Como alguns corais segregam pigmentos, tornam-se muito atractivos, sendo o coral vermelho o mais utilizado. Entre os segundos, aqueles cuja composição é essencialmente orgânica, temos a queratina (proteína), a quitina (glícido) e o marfim vegetal ou corozo (celulose). A queratina aparece em muitas estruturas de variados animais: como o corno (quando existe osso no seu interior), o chifre (apenas formado por queratina), a carapaça da tartaruga, as barbas de baleia, as penas, a haste ou o bico do calau. A quitina é proveniente das asas dos insectos. Quando são de coloração viva e brilho metálico podem ser utilizadas em objectos etnográficos. O marfim vegetal (corozo), é proveniente das sementes de algumas palmeiras que dão um material branco, duro, menos frágil e menos quebradiço que o marfim. Materiais orgânicos calcificados Estes materiais são formados pela deposição de um mineral (mineralização) à base de cálcio (calcificação) na sua parte proteica (células, fibras e substância fundamental). Marfim Marfim é o nome comercial que toma a dentina, constituinte principal dos dentes dos animais. Os dentes são geralmente constituídos por uma camada de cemento que contacta com o osso, pela dentina, parte principal do dente, e por uma camada de esmalte que protege a sua parte superior. Quanto maior for o dente, maior é a quantidade de dentina e mais valor comercial tem. E os dentes dos proboscídeos são os que apresentam maior quantidade e mais beleza. Composição química O cemento forma-se na parte inferior e permite que o dente se una à maxila. É semelhante ao osso em composição e estrutura. A dentina é uma substância mineral compacta, dura, densa, branca ou amarelada. É constituída por uma parte orgânica essencialmente formada por colagénio, elastina e lípidos que vão ficando dentro de uma matriz inorgânica que é constituída por dalite [Ca10(PO4)6(CO3).H2O]. Inicialmente forma-se uma estrutura proteica e o mineral vai-se difundindo nela. A dentina é produzida em forma de agulhas poligonais rugosas. Estas agulhas são constituídas por glóbulos de proteína segmentados por estrias transversais. À medida que a dalite se difunde nestes glóbulos vão-se formando depósitos de minerais esféricos (calcosferitos) que quando se encontram e se fundem param o processo de mineralização. O esmalte forma-se para o exterior. É o mais rijo destes três materiais. Forma-se de modo

pequena estrutura do animal. Por esse motivo foi proibido o abate destes animais e a sua comercialização, mas a caça furtiva e a venda ilícita continuam. Ver artigo "Presentes envenenados" de Susana Oliveira e Fernando Peres Rodrigues. Rotas e Destinos, Fevereiro de 1999, pp. 54-57.

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semelhante à dentina, também em agulhas prismáticas que se depositam em glóbulos que se vão fundindo. As agulhas prismáticas estão paralelas umas às outras, mas mudam de direcção periodicamente o que dá ao esmalte um aspecto de ziguezague. Como se referiu é a dentina que toma o nome de marfim e considera-se que o marfim verdadeiro, o de maior valor e beleza, é o que se retira das presas ou defesas, incisivos superiores de crescimento contínuo, dos proboscídeos. As presas destes animais não têm esmalte e a dentina encontra-se coberta por uma camada opaca a que se chama casca, que é de cemento ou evoluiu do cemento, e que cobre toda a presa substituindo o esmalte; por este motivo o dente quando é retirado do animal, não é muito atractivo. A cavidade pulpar é uma cavidade de forma cónica, que a presa tem no seu interior, que vai alargando para a base e que em vida contém tecido vivo (tecido pulpar ou polpa dentária). História do marfim A utilização do marfim vem desde a Antiguidade. Considerado um material nobre, foi sempre usado em objectos especiais desde a pré-história até aos nossos dias. Na Europa Oriental e Sibéria, onde os mamutes foram abundantes até ao holocénico, teve uma grande expansão, mas na Europa Ocidental, devido à sua raridade teve sempre mais valor. As peças mais antigas serão talvez braceletes de marfim de mamute decoradas, encontradas na Rússia e figuras de marfim encontradas em França entre 35.000 e 10.000 anos a.C. Depois, até ao aparecimento de Cristo, vão aparecendo, além destes países, no Alasca (Inuit), na Índia (Harappa), Tailândia, Grécia (Micenas), Egipto, China (dinastia Shang), Iraque e Itália. A arte da utilização do marfim parece ter chegado à Roma Antiga na segunda metade do século II, ligada à conquista militar. Geralmente era usado para fazer pequenas figuras, caixas, pegas, placas, peças de jogo, taças, etc. No Egipto, como no Vale do Nilo havia elefantes e hipopótamos, o marfim teve vários usos e estimulou a sua utilização noutras civilizações como a Mesopotâmia, Síria, Creta ou Micenas. Após o nascimento de Cristo até ao século XV a produção de objectos de marfim, juntamente com outros materiais, continuou a aumentar por todo o mundo: China (dinastias Zhou, Song e Ming), América do Norte e Sul (cultura Inuit e povos do Peru), Índia e Médio Oriente e na Europa essencialmente Grécia, Itália, Alemanha, França e Grã-Bretanha. No século XIII começa uma importante produção em França, devido à comercialização do marfim em África. Portugal não tem grande tradição na arte de trabalhar o marfim e apenas se conhecem duas peças anteriores ao Renascimento: um cofre hispano-árabe - Sé de Braga, século XI e uma Virgem Abrideira do Paraíso - Évora, século XIV. No século XV com Vasco da Gama, o ocidente influencia a arte de gravar as figuras da dinastia Ming e os comerciantes portugueses começam as trocas com África e, de lá, trazem objectos feitos de marfim. Aparecem assim, entre 1525 e 1600, os marfins afro-portugueses, do contacto entre os navegadores portugueses e os artífices locais onde se cruzam características genéricas de arte africana com referências europeias específicas, sem dúvida portuguesas. Provavelmente os artistas africanos, trabalhando sob encomenda, baseavam-se em desenhos fornecidos pelos navegadores portugueses. Continuam a produzir-se objectos e mobiliário vário de marfim, em Itália, Alemanha, China e no Japão começa a ser comercializado. Embora o trabalho sobre marfim na Ásia já fosse prática muito antiga, com a chegada dos portugueses começam a formar-se várias escolas nessas regiões por eles descobertas. No início do século XIX estabelece-se a conhecida escola de Dieppe (França), seguida da de Biedermeier (Alemanha) onde se começaram a produzir peças famosas. A China e o Japão também acompanham esta produção.

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Utilização do marfim Por todo o mundo, nos mais diversos museus, existem objectos de marfim, de várias proveniências. Muitos objectos têm sido encontrados enterrados. Geralmente a parte oca do dente, próximo da base pulpar, é usada em placas. Amostras soltas são usadas em peças pequenas ou embutidos. As esculturas geralmente são executadas na parte do dente preenchida interiormente e muitas vezes seguem a curvatura da presa. Quando são feitas na zona da parte oca geralmente têm no interior uma "alma"3 em madeira ou mesmo em marfim para reforçar. Fontes de marfim e respectivas características Proboscídeos Os proboscídeos são mamíferos caracterizados por terem o nariz e o lábio superior transformados em tromba que serve de órgão de defesa, preensão e ataque. Geralmente além da tromba têm umas presas bem desenvolvidas muito procuradas pelo marfim. Essas presas servem de arma mas também de ferramentas. Nos nossos dias apenas existem os elefantes, mas na Terra já existiram outros proboscídeos que poderemos considerar como os antepassados dos elefantes. Foram encontrados mamutes no Norte da América, da Europa e da Ásia e alguns recuperados em muito bom estado em fendas profundas de glaciares. Como se referiu, nos nossos dias apenas existem os elefantes. Inicialmente apenas se considerava a existência de duas espécies de elefantes, o elefante-africano (com duas subespécies Loxodonta africana africana e Loxodonta

africana cyclotis) e o elefante-indiano, mas hoje considera-se a existência de três espécies, pois as duas subespécies africanas passaram a espécie: o elefante-africano (elefante-africano-do-mato ou elefante-africano-da-savana) - Loxodonta africana - o maior de todos com orelhas grandes e com as presas encurvadas para a frente; o elefante-africano-da-floresta - Loxodonta cyclotis - com pele mais escura, orelhas mais redondas, tromba mais peluda e presas amarelas ou acastanhadas paralelas dirigidas para baixo; e o elefante-indiano - Elephas maximus - com orelhas pequenas, presas pequenas, geralmente ausentes na fêmea. As duas espécies de África têm uma intumescência na cabeça e a extremidade da tromba com duas expansões digitiformes opostas, enquanto na espécie indiana a cabeça tem duas intumescências e a extremidade da tromba apresenta apenas uma expansão digitiforme. O elefante geralmente usa o dente do lado direito, por esta e outras razões as defesas normalmente são assimétricas. O marfim dos proboscídeos, tem uma característica que o distingue do de outros animais: em secção transversal observa-se um sistema de linhas curvas que se cruzam formando losangos, chamado padrão de Schreger, relacionado com a formação da dentina. Podem observar-se duas áreas, uma mais exterior com ângulos mais visíveis e uma mais interna na região média do dente mais compacta e mais ténue. Observado obliquamente, este padrão aparece com o aspecto de círculos concêntricos, chamados lâminas, que correspondem aos cones de marfim encaixados que se formaram. Quando o animal está vivo esta estrutura mantém-se coesa, as lâminas estão ligadas umas às outras pelos túbulos de dentina (linhas de Schreger) e por isso as fibras de colagénio preenchem interstícios. Quando o animal morre, o dente seca, as defesas tendem a fissurar ou lascar ao longo destas lâminas concêntricas, sobretudo na parte exterior da defesa, pois perto do canal central o material é mais compacto. Esta parte do dente, junto do canal central é muito difícil de trabalhar e por isso muitas vezes em sítios históricos são encontrados restos deste marfim que não foi usado. 3 "Alma" - estrutura geralmente em madeira que se introduz no interior das esculturas para as tornar menos frágeis; usada em peças de prata ou de outros materiais como o marfim.

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O padrão de Schreger apenas se vê a olho nu ou com baixa ampliação, pois como é devido a um efeito óptico originado pelo modo de formação da dentina, desaparece em ampliações elevadas. Entretanto observou-se que os ângulos do padrão de Schreger são mais agudos no marfim de mamute e mais obtusos no dos elefantes actuais. Isto é muito importante para saber a proveniência do marfim, quer para a sua identificação, quer para protecção dos elefantes. Normalmente os elefantes eram mortos para se retirar o marfim das suas presas, por isso, quando se encontraram fósseis de proboscídeos, foi imenso o marfim que se obteve sem ter de se sacrificar animais. Embora os mastodontes tenham deixado algum material, apenas o dos mamutes era um marfim bem preservado que foi muito utilizado. Este marfim de mamute ou marfim fóssil, apareceu em quantidade apreciável na Sibéria e regiões do Norte da antiga União Soviética. Os dentes, e por isso a qualidade do marfim, variam com a espécie, com o próprio animal (idade, sexo, alimentação, altura da morte) e com a sua origem geográfica. O marfim verde, extraído das defesas de animais recentemente mortos, tem muita humidade, é translúcido, os poros contêm uma substância oleosa que torna o material mais fácil de trabalhar, dá-lhe o aspecto transparente e contrai no sentido da largura quando seca. Por isso deve secar lentamente numa sala a temperatura constante e com uma humidade relativa que não seja muito baixa, a ideal será entre 50 a 60%. Na Índia, apesar da grande população de elefantes, apreciavam o marfim vindo da África Oriental, sobretudo de Zanzibar e de Moçambique. Isto era devido ao marfim indiano, além das presas serem pequenas, ter textura quebradiça, ser mais difícil de trabalhar, mais opaco e com tendência a descorar. Marfim de mamute O marfim retirado dos mamutes é chamado marfim fóssil e inicialmente foi muito exportado para a China e posteriormente para o Japão. As presas de mamute, muito encurvadas, cresciam em espiral e podiam ter até sete metros e cento e vinte cinco quilos de peso. O marfim de mamute sofreu alterações na cor e nas propriedades mecânicas que dependem das condições a que esteve submetido, mas como muito ficou preservado no gelo, permitiu ser usado em grande quantidade. Pode ser castanho amarelado e deve ser trabalhado o mais rapidamente possível para não fender ou quebrar. O marfim fóssil também pode ser azul, pois ao estar enterrado os sais metálicos, penetraram lentamente no marfim dando-lhe uma cor azul. Também chamado turquesa, pois os primeiros objectos feitos deste material e observados na Europa provinham da Turquia. Muito abundante na Sibéria e na América do Norte. Nos mamutes as linhas do padrão de Schreger são mais finas, mais juntas e os ângulos que formam entre si são mas agudos que os dos elefantes. Isto é devido à curvatura, muito pronunciada, que apresentam. Marfim de elefante indiano As presas de elefante asiático (como se disse, apenas existentes nos machos) podem atingir cerca de um metro e meio e quarenta quilos de peso. O seu aspecto é de um branco mais denso, opaco e menos fino que o de elefante africano. A sua área de distribuição é actualmente da Índia ao Sul da China e à Península de Malaca, Sumatra e Bornéu. Muitas vezes também são usados os molares do elefante indiano para pequenos adornos. Marfim de elefante africano As presas de elefante africano podem atingir três metros e noventa quilos de peso. Tem sido o mais explorado quer pelas quantidades disponíveis quer pelas suas qualidades superiores. É mais amarelo, translúcido e rijo que o indiano e com menos tendência para

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quebrar quando se trabalha. Geralmente considera-se que é o de melhor qualidade por ser mais macio e mais fácil de trabalhar. Segundo Hipólito Raposo (1991) o marfim pode ser separado em duas categorias principais: o marfim duro proveniente de zonas arborizadas (sombra) e húmidas, perto de rios e de pântanos (Guiné, Gabão e Congo) - de melhor qualidade, mais pesado e consistente, não granulado (grão fino), sem veios, que branqueia com o tempo, mais utilizado em escultura, placas e imagens e o marfim mole proveniente de regiões de savana, clima seco, (Etiópia, Egipto, Zanzibar, Moçambique) - mais leve e mais elástico, mais quebradiço nas pontas - geralmente usado em bolas de bilhar e teclas de piano. O marfim de Pangani, na costa Leste de África perto de Zanzibar, é o mais fino e mais bonito; conhecido como marfim verde, estendia-se até ao Gabão na costa Oeste. Estimado pela sua transparência e pelo seu branco pálido ou amarelo brilhante, vai branqueando com o tempo. É muito duro, pesado e de grão fino. O marfim do Cabo é mais macio amarelado ou esbranquiçado. O Congo foi o maior fornecedor de marfim africano. A relação entre a origem e a qualidade do marfim africano foi descrita em 1886 por Theophil Noack.

Tabela adaptada de: "Prolegomena to Ivory Carving, 1984"

MARFIM Dureza Dente Origem Comentários Elefante africano de savana

Macio Comprido Sul e Leste de África. Senegal

Marfim branco

Elefante africano de floresta

Duro Pequeno, estreito e acastanhado

Zonas do Oeste de África

O melhor marfim, especialmente das

fêmeas. Algum marfim mais rijo pode ter vindo de

Zanzibar Elefante indiano Macio Só nos machos.

Nenhum no Ceilão Índia Marfim branco.

Cheira quando é cortado. O

polimento não é muito bom.

Elefante do SE asiático

Duro Só nos machos Burma, Tailândia, Indochina.

China (extinto)

Semelhante ao indiano

Mamute Macio e muitas vezes em más

condições

Muito comprido e curvado

Ásia do norte e outros locais

(extinto)

Outros animais Os dentes de outros animais, tratando-se de um bom material, se fossem de pequenas dimensões, eram usados para objectos vários, os maiores destinavam-se a obras de arte ou a imitar o marfim verdadeiro. Neste caso eram geralmente aproveitados os dentes dos animais que os possuíam mais bem desenvolvidos. Os dentes que foram encontrados, da época Pré-histórica, variavam consoante as regiões, em consequência dos animais existentes nesses locais. Na Europa Central eram muito usados os dentes de raposa. Em Espanha e Itália os de veado e na República Checa principalmente os dentes

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de castor, mas também os de bovídeos. Com o aumento das viagens e das trocas comerciais, os materiais, nomeadamente os dentes, começaram a poder ser usados por todos. Hipopótamo Classe: Mamíferos Ordem: Artiodáctilos Família: Hippopotamídeos O hipopótamo - Hippopotamus amphibius (L.) - é originário de África. São usados os incisivos e os caninos inferiores que parecem presas.. Foi muito usado no Egipto onde era considerado um animal sagrado. Os incisivos são direitos e formam duas fiadas (interior e exterior) e os caninos são compridos e curvos. É um material denso, duro e difícil de trabalhar, mais denso e de grão mais fino que o de elefante. Em corte longitudinal o incisivo apresenta finas linhas em hipérbole. Também em corte longitudinal o canino apresenta duas zonas bem distintas: uma externa em que a dentina se dispõe em linhas paralelas, lisas, muito juntas e uma interna em que a dentina tem um efeito ondulado. Javali Classe: Mamíferos Ordem: Artiodáctilos Família: Suídeos Há mais de um género de javalis. A espécie europeia, Sus scrofa L. distribui-se até à Ásia, mas as presas são pequenas. Existem duas espécies africanas: o porco-gigante-da-floresta - Hylochoerus meinertzhageni (Thomas) - e o facoquero - Pocochoerus

africanus Pallas - que têm os caninos bem desenvolvidos. No facoquero os caninos superiores são mais robustos, compridos e curvos que os inferiores. Morsa Classe: Mamíferos Ordem: Pinípedes Família: Odobenídeos Os caninos superiores de morsa - Odobanus rosmarus (L.) - são tão desenvolvidos que podem chegar a atingir um metro de comprimento. A morsa apresenta dois tipos de dentina: uma na parte central mosqueada, a dentina secundária, que se encontra rodeada por uma camada creme, uniforme, a dentina primária. A dentina secundária é mais dura, talvez por a sua estrutura não ser rectilínea, mas sim nodular, correndo em várias direcções. Narval Classe: Mamíferos Ordem: Cetáceos Subordem: Odontocetos (baleias com dentes) Família: Monodontídeos O narval - Monodon monoceros L. - é um mamífero marinho que apresenta um dente modificado, enrolado em espiral, formando uma longa presa que pode atingir três metros. Este dente situa-se do lado esquerdo, o do lado direito é muito pequeno e quase todo oco. Geralmente é usado na sua totalidade, embora no Japão o utilizem para fazer anéis ou outros pequenos objectos. Em secção transversal tem anéis concêntricos e linhas radiais. Em secção longitudinal tem bandas onduladas. Cachalote Classe: Mamíferos Ordem: Cetáceos Subordem: Odontocetos (baleias com dentes)

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Família: Physeterídeos O cachalote - Physeter catodon L. é um mamífero marinho da mesma subordem do narval que devido às dimensões da sua grande cabeça, tem na maxila inferior cinquenta pares de dentes cónicos de ponta arredondada muito usados como suporte de pinturas, geralmente de teor marítimo. Em corte verifica-se que são formados por uma camada externa de cemento e uma interna de dentina. Em corte transversal as duas camadas apresentam um padrão de anéis concêntricos. Em secção longitudinal o cemento apresenta linhas direitas que acompanham, a curvatura do dente e a dentina desenha linhas hiperbólicas e por vezes aparecem nódulos de dentina secundária. Crocodilo Classe: Répteis Ordem: Crocodilos Família: Crocodilídeos Os crocodilos - Crocodylus sp. - são répteis que devido a terem dentes relativamente grandes, estes também podem ser usados como marfim. Pata-roxa Classe: Peixes cartilagíneos (Condríctios) Ordem: Lamniformes Família: Sciliídeos A pata-roxa - Scyliorhinus canícula (L.) - é um peixe do grupo dos tubarões, talvez o mais comum na Europa, mas existem vários tubarões cujos dentes desenvolvidos podem ser usados como marfim. Alteração dos marfins O marfim de proboscídeos é um material higroscópico, quando há alteração da humidade relativa expande ou contrai e anisotrópico, as suas propriedades variam conforme a direcção. Com a idade o marfim vai-se tornando quebradiço e se esteve em contacto com a água (submerso) torna-se esponjoso devido à decomposição da parte orgânica. Pode partir, fender, distorcer, estalar ou curvar se as condições climáticas, nomeadamente a humidade e a temperatura, forem desfavoráveis ou se alterarem abruptamente. As fissuras e fendas aparecem nos planos logitudinal-radial e concentricamente entre os cones, o que demonstra a sua formação. As fendas concêntricas provavelmente seguem as camadas mais frágeis dos espaços interglobulares e as radiais formam-se entre os prismas de dentina. A intersecção destes dois sistemas de fendas dá origem à esfoliação do marfim em rectângulos curvos sobretudo em locais com humidade muito baixa. A quebra do marfim de dente de hipopótamo não é entre os cones de dentina, como nos elefantes, mas em linhas longitudinais. Nos dentes de cachalote, o cemento exterior, branco, mantém-se dessa cor enquanto a dentina, camada interna inicialmente amarelada, após longa exposição ao ar e à luz passa a acastanhada. Se o marfim se encontrar armazenado ou exposto em condições de humidade e temperatura adequadas, poderá conservar-se em bom estado durante muito tempo. Mas geralmente, devido à alteração destes factores, muitas vezes acaba por fender ou mesmo lascar. Osso De composição química semelhante ao marfim, o osso é, no entanto, um material mais escuro, mais macio, mais leve, menos denso e menos translúcido. Utilizam-se geralmente os ossos longos das coxas por conterem maior quantidade de material aproveitável. Os animais de onde se obtém o osso dependem da localização geográfica

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mas são especialmente: gado bovino, cavalos, carneiros, búfalos, baleias, cachalotes e elefantes. Haste Estrutura óssea proveniente do desenvolvimento do osso frontal. Alce, rena e veados. Nácar Substância produzida por muitos moluscos, que reflecte a luz. É constituída por cálcio (96 a 98%) e conquiolina (2 a 4%), uma proteína cimentante que mantém as partículas de CaCO3 juntas. Pode aparecer em camadas paralelas muito finas e numerosas revestindo a parte interior da concha de muitas espécies, tomando o nome de madrepérola. Ou ser segregada isoladamente de forma esférica, no interior do molusco formando as pérolas. Pode ser utilizada em objectos isolados ou em embutidos. Coral Também material de origem orgânica calcificado, é formado por organismos marinhos que se agregam em colónias. Materiais orgânicos não calcificados Constituídos essencialmente por proteína ou glícidos endurecidos que formam estruturas que podem ser usadas para produzir peças. Corno Protuberância óssea (projecção do esqueleto) inteiramente coberta de queratina. Característico do gado bovino, búfalos, bisontes, bodes, carneiros e antílopes. Chifre Constituído apenas por queratina (não tem medula óssea) é característico dos rinocerontes. Tartaruga A carapaça (parte dorsal) e o plastron (parte ventral) que protegem a tartaruga, formam um material queratinoso também utilizado quer em objectos isolados, quer em embutidos. Marfim vegetal (corozo) As sementes de algumas palmeiras, dão um material branco, duro, menos frágil e menos quebradiço que o marfim. São especialmente utilizadas as espécies: Phytelephas

macrocarpa Ruiz & Pavon (América do Sul), Hyphaene crinata J. Gaertner (Africa) e Metroxylon amicarum (H. A. Wendland ) Beccari (Pacífico Sul). Bico de Calau Pássaro exótico com um grande bico córneo branco. Pena e plumas Também estruturas de queratina. Identificação de animais e plantas desenhados nas obras Muitas vezes fazemos identificação das espécies botânicas ou animais que se encontram nas pinturas ou iluminuras. Este trabalho, embora muito interessante, por vezes torna-se difícil devido às espécies se apresentarem estilizadas ou com características duplas.

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Os organismos que deterioram as obras de arte Quando as condições de humidade, temperatura, luminosidade e higiene o permitem, vários são os organismos que podem aparecer. Bactérias Podem destruir completamente madeiras e documentos gráficos (papel e peles) e são essencialmente bactérias aeróbias celulolíticas. Como este campo é muito complexo, não identificamos nem sequer a Classe. A maioria das vezes limitamo-nos a realizar uma cultura em caixa de Petri e verificamos se houve crescimento de bactérias pelo aspecto das colónias. As bactérias podem ser esféricas (coccus), em forma de bastonete (bacillus), em forma de vírgula (víbrio) ou em espiral. Podem ser móveis, moverem-se por um (ou dois) flagelos, ou por cílios. Podem reproduzir-se por divisão binária (partição), por formação de esporos ou por conjugação em que duas células se unem e uma parte do material genético duma (dadora) passa para a outra (receptora) que adquire propriedades da dadora. Quando formam esporos, forma-se um por bactéria. É muito resistente, pode estar vivo muito anos e só se desenvolver quando as condições ambientais lhe forem propícia. As bactérias podem ser heterotróficas ou autotróficas, mas neste caso não utilizam água nem produzem oxigénio. Autotróficas fotossintéticas - Consomem energia luminosa. Utilizam como dadores de electrões compostos de enxofre (bactérias sulfurosas) ou outras substâncias orgânicas (bactérias não sulfurosas). Fotossíntese das bactérias sulfurosas: luz CO2 + 2SH2 -----> CH2O + H2O + 2S Autotróficas quimiossintéticas - A energia é obtida a partir da oxidação de compostos inorgânicos, como o azoto ou o enxofre. Heterotróficas Saprófitas - Podem obter a sua nutrição de matéria orgânica morta. Importantes na decomposição de produtos orgânicos do solo. Digerem celulose, amido, proteínas, etc. São utilizadas na produção de queijo, vinagre, etc, e na síntese de antibióticos. Parasitas - provocam doenças Simbiontes - embora vivam em seres vivos utilizando produtos orgânicos não prejudicam o hospedeiro (E. coli, garganta). As bactérias são muito importantes na biodeterioração de vários materiais quer orgânicos, quer inorgânicos. Materiais e tipo de alterações provocadas pelas bactérias: Madeira - modificam as características mecânicas da madeira. Papel e têxteis- provocam manchas de cores variadas e fragilizam-nos. Peles - provocam manchas de várias cores e rigidez. Pedra - provocam mudança de cor, esfoliação, crostas negras e patinas escuras. Vidro - provocam manchas, opacificação e escurecimento.

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Actinomicetes São procariontes heterotróficos que se associam em filamentos ramificados semelhantes a fungos. São considerados entre bactérias e fungos, mas as suas células são procariotas e os seus filamentos são mais finos que os dos fungos e não fragmentam. Podem atacar madeira, papel , têxteis e peles provocando o mesmo tipo de alterações que as bactérias. Podem ainda atacar pedra provocando patinas e tornando-a num pó branco acinzentado. Cianobactérias As cianobactérias são monera de organização semelhante às bactérias mas todas fotossintetizantes pois contêm clorofila. Têm um pigmento azul (ficocianina) que lhes dá o nome de algas azuis. Têm também outros pigmentos, como a ficoeritrina que lhe dá coloração vermelha. Não têm organelos locomotores. Podem formar filamentos ou ramificações. Têm uma túnica mucilaginosa externa. A sua reprodução é por divisão celular. Podem também formar esporos de parede espessa, resistentes a períodos desfavoráveis. Podem ser marinhas, onde fazem parte do plâncton, mas podem crescer sobre calcários ou outras substâncias ricas em cálcio, desde que tenham a quantidade de humidade necessária ao seu desenvolvimento. Atacam a madeira alterando a cor, devido à formação de uma patina. Atacam a pedra e pintura mural, formando camadas e patinas de cores e consistência diferentes. Protista Não deterioram obras de arte. Fungos Os fungos são, também, grandes responsáveis pela destruição de muitas peças. Desde que tenham as condições de humidade, temperatura e luminosidade de que necessitam para se desenvolver, atacam qualquer tipo de material: madeira, papel, peles, texteis ou marfim. Apenas as espécies variam. No nosso trabalho, são relativamente poucas as espécies que aparecem, mas causam grandes danos. Os mais vulgares são aqueles a que se chama bolor (Ascomicetes e Deuteromicetes), mas também já temos visto Basidiomicetes bem desenvolvidos. Aparecem sobre os mais diversos materiais. Os fungos têm características de animais e plantas, daí se ter criado um reino para eles. Características de animais: • não efectuam a fotossíntese • armazenam sob a forma de óleo ou glicogénio e nunca de amido • as paredes celulares de espécies mais evoluídas são quitinosas Características de vegetais: • conseguem utilizar o azoto inorgânico • as paredes celulares de espécies menos evoluídas são celulósicas Os fungos são organismos heterotróficos, de estrutura primitiva, constituídos por uma ou mais células que formam filamentos finos - as hifas - que crescem por elongação terminal. Podem ser septadas ou não. Os septos têm uma perfuração central que permite a passagem de citoplasma de célula para célula, podem por isso ser uni ou multinucleadas. As hifas crescem, ramificam-se e anastomosam-se formando o micélio. Medem de diâmetro entre 0,5 e 0,7µ.

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Como não têm clorofila, são heterotróficos, dependendo do alimento sintetizado por outros organismos. Necessitam de muita húmidade para se desenvolverem. Podem ser: • saprófitos - se vivem em tecidos mortos • pertófitos - se decompõem a parte morta das árvores vivas • Parasitas - se decompõem tecidos vivos Têm digestão externa, isto significa que para transformar em matéria assimilável o material de que se alimentam segregam enzimas digestivas para o exterior, o material é transformado e absorvido para as células posteriormente. Podem ter reprodução sexuada e assexuada. A reprodução assexuada pode ser por fragmentação do micélio, ou por esporos assexuados - os conidiósporos, formados em conidióforos. A reprodução sexuada é por esporos sexuados que resultam da união de duas células que formam um ovo que por meiose forma esses esporos sexuados. Os esporos, produzidos em grande quantidade, são muito pequenos, leves, formados à periferia do micélio, por isso facilmente transportados por correntes de ar encontrando-se assim disseminados por todo o lado. O aspecto pulverulento de muitos fungos é devido ao elevado número de esporos que produzem. O reino dos fungos tem apenas um filo - Eumycophyta - que está dividido em quatro classes das quais apenas três são por nós encontradas: ascomicota, basidimicota e deuteromicota. Ascomicota - fungos que produzem esporos sexuais endógenos, chamados ascósporos. Formam-se oito em cada asco que é o um esporângio especial em forma de saco. Os ascósporos são libertados quando a parede do asco se rompe. Também formam conidiósporos. Basidiomicota - fungos que produzem esporos sexuais exógenos, chamados basidiósporos. Formam-se quatro em cada basídio que é um esporângio situado na ponta de uma hifa. Na parte superior do basídio aparecem quatro pequenos prolongamentos - os esterigmas - onde se irão formar os basidiósporos. Os conidiósporos são raros. Deuteromicota ou fungos imperfeitos - são todos os fungos em que não se conhece reprodução sexuada, apenas apresentam conidiósporos. Como as espécies são morfologicamente semelhantes aos ascomicetes, estas espécies estão a ser colocadas naquela classe, mesmo sem se conhecer a sua forma sexuada. Embora a maior parte dos fungos sejam constituídos por hifas, existem espécies unicelulares, chamadas leveduras. Os fungos devido à sua abundância, grande variedade de processos fermentativos e grande adaptação ecológica, podem causar elevados prejuízos nos mais variados materiais, desde que tenham a húmidade de que necessitam. A primeira fase do ataque pelos fungos na madeira provoca manchas (ardido). Certas espécies podem continuar o ataque e dar origem à podridão (cardido). Madeira - a madeira pode ser atacada quer ainda em árvore ou já manufacturada, podendo ser completamente destruída. Os fungos podem atacar a lenhina dando uma coloração esbranquiçada ao lenho - podridão branca - ou atacar a celulose dando uma coloração castanho-amarelada - podridão castanha. Papel, têxteis e peles - o ataque de fungos no papel pode apenas provocar manchas ou destruir completamente o material, se não for detectado a tempo. Pode modificar as propriedades mecânicas destes materiais. Pedra - os fungos podem provocar manchas, orifícios ou esfoliação da pedra.

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Vidro - provocam manchas e opacificam. Qualquer material orgânico pode ser atacado pelos fungos. Geralmente são espécies pouco desenvolvidas, chamadas bolores. Assim podemos encontrar bolores em marfins, tartaruga, etc. Plantas A maioria dos seres deste reino são pluricelulares, embora possa haver alguns unicelulares. São autotróficos. As paredes celulares são celulósicas. Este reino está dividido em cinco filos. Os três primeiros englobam plantas aquáticas, com o nome vulgar de algas. Os outros dois filos são de plantas essencialmente terrestres. Filos: • Phaeophyta - algas castanhas ou feofíceas • Rhodophyta - algas vermelhas ou rodofíceas • Chlorophyta - algas verdes ou clorofíceas • Bryophyta - briófitas • Trachaeophyta - traqueófitas. As plantas reproduzem-se com alternância de gerações. Uma geração esporófita, produtora de esporos e uma geração gametófita, produtora de gâmetas. Os esporos podem germinar e dar origem a um novo organismo. Cada gâmeta necessita de se unir a outro para se processar o desenvolvimento. Algas verdes As algas aparecem, sobretudo, em paredes húmidas e sombrias, de monumentos. Também podem ser epilíticas ou endolíticas. Preferem meios alcalinos, por isso o calcário é o tipo de pedra mais atacado. Podem ser uni ou pluricelulares. As clorofíceas unicelulares entram na constituição dos líquenes. Líquenes Os líquenes são um grupo à parte, pois são estruturas autónomas, originadas pela associação de uma alga com um fungo. São organismos simbióticos em que a alga, geralmente clorofícea unicelular, produz a matéria orgânica necessária e o fungo, envolvendo a alga, protege-a e absorve a água do exterior. O fungo geralmente é um ascomicete. Os líquenes vivem em todas as regiões do mundo, mesmo naquelas em que a alga e o fungo isoladamente, não poderiam sobreviver, verificando-se assim que os líquenes são fisiológicamente diferentes dos seus constituintes, quando estes estão isolados. Quanto à forma podemos considerar três tipos de líquenes: • Crustáceos - cujo talo forma uma crosta mais ou menos aderente ao substracto,

podendo infiltrar-se nele, sendo impossível separá-los sem quebrar o substracto. Fixam-se a este por hifas que tomam o nome de rizinas.

• Foliáceos - o talo desenvolve-se sobre o substracto aderindo a ele apenas nalguns pontos.

• Fruticulosos - o talo é constituído por ramos cilíndricos ou achatados, muito divididos e adere ao substracto apenas por um ponto basal.

Quanto ao substracto utilizado pelo líquen estes podem ser: saxícolas quando se desenvolvem sobre pedra e cortícolas quando se desenvolvem sobre as cascas das árvores. Podem ser saxícolas/cortícolas se se desenvolvem em ambos os substractos.

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Os líquenes são bioindicadoes de poluição. Muito sensíveis a este fenómeno, existem poucas espécies que se desenvolvem em zonas poluídas. Mesmo estas espécies nunca atingem um desenvolvimento tão grande como numa área menos poluída. A reprodução pode ser assexuada e sexuada. A reprodução assexuada é por sorédios, fragmentos contendo alga e fungo, que se destacam do líquen, são transportados pelo vento e desenvolvem-se noutro local. A reprodução sexuada é feita pelo fungo, que produz os seus esporos em frutificações de dois tipos: apotécios - exteriores ao talo e peritécios - dentro do talo. Estas frutificações podem ter forma e cor muito evidente. As algas multiplicam-se vegetativamente no interior do talo. Os esporos formados germinam e quando encontram a alga conveniente associam-se e formam um novo líquen. Neste estudo apenas nos interessam os líquenes saxícolas, que se desenvolvem sobre os monumentos ou esculturas em pedra. Podem ser epilíticos - se estão sobre a pedra ou endolíticos se estão no interior da pedra. As pedras atacadas são quase sempre calcários. A sua localização no monumento pode variar com a exposição à luz solar, chuva, etc. Os líquenes, na pedra, provocam dois tipos de degradação: degradação mecânica que provoca a desagregação da pedra, devido à introdução de rizinas no substracto, para se fixarem e absorverem água e degradação química devido às substâncias que produzem e que em contacto com o substracto o degradam. Os produtos produzidos são: • dióxido de carbono - que dissolvido na húmidade do talo forma ácido carbónico, que

reage com os minerais. • ácido oxálico - é o ácido mais importante produzido pelos líquenes (pelo fungo). A

sua produção aumenta com a idade do líquen e é maior em rochas calcárias. Tem propriedades quelantes (formam ligações de hidrogénio intramoleculares) e ácidas. Degrada a superfície formando buracos por baixo dos talos e cristaliza em oxalatos que se depositam no talo. Há assim uma relação entre os oxalatos acumulados no talo e a composição mineral e estado de hidratação da pedra.

• outras substâncias (geralmente chamados ácidos, mas nem todos o são) - são compostos orgânicos variados, que podem actuar de variados modos sobre o substracto conforme a sua composição química.

Se a pedra for muito porosa, a cobertura liquénica pode desenvolver um efeito protector, reduzindo os efeitos da chuva, vento e poluentes atmosféricos. Também atacam vidro que corroem, opacificam e furam. O vidro pode ser importante, pois é o constituinte dos vitrais. Também aparecem em azulejos. Briófitas As briófitas não têm tecido de suporte (caule) e não têm vasos condutores. Por isso vivem em locais muito húmidos, para absorver a água directamente do meio. Estão divididas em duas classes: hepáticas e muscíneas (musgos). As hepáticas têm o corpo delgado, são pequenas e geralmente mucilaginosas, vivendo em meios encharcados como águas paradas e solos húmidos. As muscíneas têm um corpo diferenciado. Como não são plantas com vasos condutores, as suas estruturas tomam o nome de: rizoides (não são verdadeiras raízes), cauloides (não são verdadeiros caules) e filoides (não são verdadeiras folhas). Os musgos atacam madeira, azulejos e pedra. A degradação é essencialmente mecânica, pela introdução de rizoides no substracto.

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Traqueófitas São plantas com raíz, caule, folhas e têm vasos condutores. A geração esporófita é a planta folhada. Estão divididas em três subfilos: • Lycophytina - licopodíneas - parecem musgos, mas têm uma nervura nas folhas, têm

ramificação dicotómica. • Sphenophytina - equisetíneas - também têm folhas muito pequenas, a ramificação é

verticilada. • Pterophytina - pterofitinas - Plantas com verdadeiras folhas. Estão divididas em três classes: Filicinae - filicíneas (fetos) Gimnospermae - Gimnospérmicas Angiospermae - Angiospérmicas As filicíneas reproduzem-se por esporos. São importantes na biodeterioração da pedra que podem desagregar pela introdução de raízes. As plantas superiores apenas podem provocar danos em pedra. Ao introduzirem as suas raízes, podem causar a degradação da pedra, partindo e destacando partes desta. Animais Este reino é constituído por organismos heterotróficos pluricelulares. As células não possuem parede celular. Armazenam sob a forma de glicogénio e gorduras. Têm reprodução sexuada. O reino está dividido em nove filos: . Porífera - espongiários (ex: esponjas) . Coelenterata - celentrados (ex: medusa) . Platyhelmintes - platelmintes (corpo achatado, ex: ténia) . Nemathelmintes - nematelmintes (corpo cilíndrico, ex: lombriga) . Annelida - anelídeos (corpo segmentado). Neste filo podem interessar as minhocas

que podem prejudicar os sítios arqueológicos e as políquetas que são marinhos e podem danificar madeiras submersas.

. Echinodermata - equinodermes (ex: ouriços e estrelas-do-mar)

. Mollusca - moluscos. Neste filo podem ser prejudiciais os caracóis, moluscos terrestres, que podem fazer buracos nas pedras e certos moluscos marinhos, como os teredos e as folas, que roem as madeiras submersas. Os teredos fazem nas madeiras túneis revestidos de calcário.

. Arthropoda - artrópodes

. Chordata - cordados Apenas vamos desenvolver estes dois últimos filos. Artrópodes Este filo é constituído por animais de patas articuladas. Está dividido em cinco classes: . Milípodes - ex: bichos-da-chuva . Centípodes - ex: centopeias . Crustáceos - ex: camarões e bichos-de-conta . Aracnídeos - ex: aranhas, escorpiões e carraças . Insectos - ex: moscas pulgas e carunchos Alguns crustáceos podem atacar madeiras submersas. Mas sem dúvida a classe mais importante é a dos insectos.

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Insectos O insectos constituem o grupo animal com maior número de representantes. Com grande variedade de formas e estruturas, adaptam-se a todos os locais. Esta classe tem como características terem o corpo dividido em três partes: cabeça, tórax e abdómen e terem três pares de patas. A cabeça, na parte anterior do corpo, contém os olhos, que são multifacetados, as antenas, que são orgãos de tacto e as peças bucais que variam conforme a alimentação do insecto. No caso dos insectos que degradam a madeira, a armadura bucal é mastigadora. O tórax é a região média do corpo e está dividido também em três partes, cada uma com um par de patas articuladas. No caso de o animal ter asas no estado adulto estas estão implantadas no tórax. O abdómen é a região posterior do corpo e é constituído por onze segmentos sendo o último muito reduzido. É no abdómen que se situa a genitália dos insectos (orgãos sexuais) que é bastante complexa. Genitália, asas, patas, antenas e armadura bucal, são muito importantes na identificação dos insectos. A maior parte dos insectos passa por diversas fases, desde a eclosão do ovo até ao estado adulto, em que as necessidades e formas são bastante variáveis. Estas fases chamam-se metamorfoses. Um insecto pode ter metamorfoses incompletas hemimetabólico) ou completas (holometabólico). Têm metamorfoses incompletas aqueles insectos em que a ninfa é morfologicamente semelhante ao adulto, apenas mais pequena, é o caso das baratas ou dos peixinhos-de-prata. Nas metamorfoses completas o insecto passa por três fases completamente diferentes. Da eclosão do ovo sai uma lagarta, forma alongada, sem asas e com armadura bucal mastigadora. É nesta fase que o insecto causa mais danos. Passado um tempo o insecto passa a pupa. Geralmente protegida por um casulo, a pupa é uma forma que não se alimenta, pois estão a operar-se no insecto mudanças radicais para a transformação em insecto adulto. O insecto adulto tem a forma clássica de insecto. O tempo de duração de cada fase depende da espécie e das condições ambientais. São variados os insectos que podem destruir as obras de arte. Alguns atacam qualquer tipo de material (o mesmo insecto pode atacar papel e madeira, etc.), outros são mais selectivos e apenas se alimentam de um só material (apenas atacam papel). Ordem Zygentoma (tisanuros) Pertencem a esta ordem os peixinhos-de-prata. São insectos sem asas, de forma alongada com dois ou três apêndices na parte posterior do abdómen. Depositam os ovos nas encadernações. Atacam papel, livros, encadernações, etiquetas ou colas. Espécie mais vulgar: Ctenolepisma longicaudata Esch. Ordem Blattodea (ortoptera) Pertencem a esta ordem as baratas. São insectos com corpo de forma oval, alongado e achatado. As antenas são longas e filiformes. Alimentam-se de variadíssimos materiais, mas em bibliotecas ou arquivos apreciam principalmente cola, papel e encadernações onde cruzam galerias superficiais de contornos irregulares. Os excrementos mancham os papeis. Espécies vulgares: Blatella germanica L.; Blatta orientalis L. e Periplaneta

americana L. Ordem Psocoptera Insectos muito pequenos chamados piolhos-dos-livros. Corpo claro, mole e antenas muito longas. Põem os ovos nos livros e alimentam-se de cola, farinha, pele e outros materiais orgânicos. Espécies mais vulgares: Trogium pulsatorium L. e Liposcelis

divinatorius Mueller.

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Ordem Lepidoptera Estes insectos são vulgarmente chamados borboletas, mas quando são muito pequenos tomam o nome de traças. São as larvas que causam os estragos em livros e têxteis. As espécies mais vulgares são: Pyralis farinalis L., Hofmanophila pseuospretella Staiton. e Tinea pellionella L. Ordem Coleoptera Insectos chamados besouros ou escaravelhos. Têm quatro asas em que as duas anteriores são duras (élitros) e cobrem as posteriores que são membranosas. Os estragos são quase sempre provocados pelas larvas, que escavam galerias profundas. Podem só comer cola, papel ou peles, mas podem também atacar madeira. Família Dermestidae Os insectos desta família atacam penas, peles, tecidos e papel. Os géneros mais vulgares são: Dermestes sp., Anthrenus sp. e Attagenus sp. Família Anobiidae Estes insectos são os carunchos. atacam madeira, mas podem também atacar outros materiais, como papel, peles ou tecidos. As espécies mais encontradas: Anobium punctatum DeGeer., Oligomerus ptilinoides (Wollaston) e Calymmaderus solidus (Kiesenwetter). Família Cerambicidae Estes insectos também atacam madeira, são maiores que os anobídeos e atacam só madeira de resinosas. A espécie mais vulgar é o Hylotrupes bajulus L. Família Lyctidae Estes insectos também são maiores que os anobídeos e atacam madeira de folhosas de vasos grandes. A espécie mais vulgar é o Lyctus brunneus Step. Estes insectos quando atacam a madeira libertam um pó, constituído por restos de excrementos e madeira chamado serrim, que varia de aspecto conforme as espécies. Ordem Isoptera Vulgarmente chamadas térmites, são dos insectos mais perigosos para todos os materiais. São celulolíticos mas conseguem roer todos os materiais até chegar àquele de que necessitam. Vivem em grupos sociais, variando a sua morfologia conforme a função que têm na colónia. • Obreiras - são estéreis, sem asas e asseguram a alimentação da colónia. • Larvas e ninfas - são brancos com resíduos de asas. Trabalham como obreiras. • Soldados - defendem a colónia. São estéreis, sem asas, quase cegos e a sua armadura

bucal é muito desenvolvida. O abdómen é mole e pálido. • Indivíduos sexuados - reis e rainhas. Reprodutores. Muito desenvolvidos. Podem ter

asas, que caiem após o acasalamento. A rainha é grande e tem o abdómen cheio de ovos.

As asas caídas denunciam os locais onde se encontram. A espécie mais vulgar em Portugal continental é o Reticulitermes grassei (Clément). Uma colónia pode ter centenas de indivíduos. Podem habitar madeiras secas, mas preferem zonas húmidas e com pouca luz. Por vezes para passarem de uns locais para outros sem ver a luz, fazem tubos terrosos e passam dentro deles. Atacam todo o tipo de madeiras onde escavam galerias colunares ou laminares, divididas por argamassa de aspecto terroso. Evitando a luz corroem a madeira no interior ficando apenas uma ligeira película à superfície. A colónia fora da época da reprodução é constituída essencialmente por obreiras pequenas, muito activas, e soldados. Na época que precede a reprodução dominam os adultos já alados.

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Os ninhos situam-se junto ao chão para melhor captação da humidade, encontrando-se por isso em madeiras em comunicação com o solo, caves, locais húmidos perto de caldeiras, tubos de água com rotura, vãos de portas e janelas dos lados expostos à chuva. Economicamente podem ter dois papeis: podem ser úteis, contribuindo para a transformação de árvores mortas e outras substâncias vegetais, ou podem ser muito prejudiciais ao destruir os materiais utilizados pelo homem ou obras de arte. Os insectos podem destruir uma peça de qualquer material. A degradação provocada pelos insectos é essencialmente mecânica, enquanto que a provocada pelos fungos é essencialmente química. Cordados Apenas as aves e os mamíferos nos interessam. Aves As aves, sobretudo pombos e gaivotas prejudicam muito os monumentos em pedra. Escavam a pedra para fazer abrigos. Os excrementos devido à sua composição, ao depositarem-se na pedra vão provocando a corrosão desta. O seu afastamento é difícil, sobretudo das igrejas onde, quando há casamentos, se costuma atirar arroz aos noivos, o que é um manjar para os pombos. Mamíferos Dos mamíferos têm importância os roedores e o homem. Roedores São considerados roedores todos aqueles mamíferos com dentição especial que os obriga a roer qualquer substância. Os ratos são aqueles que mais podem danificar peças, em museus, bibliotecas ou arquivos. Os ratos necessitam de roer e quando as condições de determinado local o permitem, eles aí fazem um ninho e desvastam tudo à sua volta. Podem ser identificados pelas fezes. Para se evitar esta situação, basta que os locais sejam limpos periódicamente. Os ratos pertencem à família Muridae e as espécies mais prejudiciais são: • Mus rattus L. - ratazana que ataca locais secos, como sotãos, por exemplo. • Mus musculus L. - rato comum das casas e lojas. • Mus sylvatius L. - rato de campo que ataca sotãos e celeiros. O homem O homem é também responsável pela deterioração de muitas obras de arte. Vandalismo e ignorância estão na base dos maiores estragos provocados por esta espécie. Prevenção e controle. Anóxia Anóxia é um processo de desinfestação que utiliza uma atmosfera saturada, no nosso caso, de azoto e que neste momento parece ser o processo menos poluente e prejudicial para as pessoas, peças e ambiente. As peças são colocadas numa câmara, feita à medida, de um plástico especial (filme polibarreira transparente). Nessa câmara podem ainda ser colocados sacos de absorvente químico de oxigénio, para aumentar a anóxia no interior da câmara, e um termohigrómetro, para controlar a temperatura e a humidade. São colocadas duas válvulas com torneira em posição diametralmente oposta e a câmara é fechada com uma pinça termo-selante de impulsos, que a quente permite isolar completamente a câmara. A uma das válvulas é ligado o tubo proveniente do gerador de azoto que introduz o gás na câmara. Caso seja necessário o gerador tem um reservatório de água que permite

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controlar a humidade no interior da câmara. À outra válvula liga-se, também com um tubo, o oxímetro (medidor de oxigénio com leitura digital) que nos vai informando sobre o teor de oxigénio no interior da câmara. Quando este valor é de 0,0% fecha-se a torneira da válvula ligada ao oxímetro, espera-se que a câmara fique com bastante azoto (inchada) e então fecha-se a torneira da outra válvula. Nesta fase a câmara cheia de azoto tem uma forma característica que leva a que seja chamada "bolha". Se não houver qualquer fuga de ar a câmara manter-se-á intacta por um mês. Durante este tempo convém controlar o valor de oxigénio e as dimensões da "bolha", introduzindo mais azoto se necessário. Ao fim de um mês a câmara é aberta, as peças observadas e o interior da câmara também, para se recolherem eventuais insectos que aí tenham morrido. No final é feito um relatório para cada câmara.