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COORDENAÇÃO NATÁLIA MARINHO FERREIRA-ALVES Os Franciscanos no Mundo Português II As Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco CEPESE

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COORDENAÇÃONATÁLIA MARINHO FERREIRA-ALVES

Os Franciscanos no Mundo Português IIAs Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco

CEPESE

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Introdução

NATÁLIA MARINHO FERREIRA-ALVES

Professora Catedrática da Universidade do Porto, é Licenciada em História e Doutorada em História (especialidade em História da Arte) pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Pertence a várias sociedades nacionais e estrangeiras, entre as quais se destacam a Royal Society of Arts (England), a Academia Nacional das Belas-Artes (Académica Correspondente), a Real Academia de Bellas Artes de Santa Isabel de Hungria, Sevilha (Académica Correspondente), Membro fundador do Grupo de Estudios de História del Brasil y Portugal (GEHBP), sediado na Universidade de Buenos Aires (Argentina), sendo atualmente Membro do Comité Científico da Revista NORBA-Arte, do Departamento de Historia del Arte – Universidad de Extremadura. Foi Presidente do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1994/96), Presidente da Associação Portu-guesa de Historiadores da Arte - A.P.H.A. (1994/ 96), Coordenadora do Mestrado de História da Arte em Portugal da F.L.U.P. (1996/1998; 1998/2000), Diretora do Curso de Licenciatura em História da Arte do Departamento de Ciências e Técnicas do Património da F.L.U.P (2005/2006), e Presidente do Departamento de Ciências e Técnicas do Património da F.L.U.P. (1999/2002; 2002/2004; 2006/2008).No CEPESE (Centro de Estudos da População, Economia e Socie-dade), desempenha presentemente as funções de Coordenadora do Grupo de Investigação Arte e Património Cultural do Norte de Portugal, onde colaboram mestres e doutores portugueses, bem como doutores brasileiros. Desde 1980, a sua atividade como docente e como investigadora tem--se centrado na Arte da Talha e na Imaginária (séculos XVII-XIX), sen-do inúmeras as conferências que proferiu em Portugal e no estran-geiro, tendo participado em cursos especializados na área da História da Arte em Portugal dos séculos XVII-XVIII, realizados em Espanha e em Fundações e Universidades do Brasil, designadamente: Fun-dação Joaquim Nabuco (Recife – Pernambuco); Fundação Casa de Jorge Amado, Museu Carlos Costa Pinto e Museu da Arte da Bahia

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Introdução

(Salvador – Bahia); Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Escola de Belas-Artes da Universidade Federal da Bahia. Participou nos anos de 2009 e 2010 nos Cursos de Pós-Graduação (mestrado e doutoramento) da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qualidade de Professora Convidada.No âmbito da sua área de investigação tem orientado dissertações de mestrado e teses de doutoramento, bem como projetos de in-vestigação de pós-doutoramento aprovados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Tem coordenado vários projetos de investigação entre os quais: Por-tugal/Brasil – Brasil/Portugal. Duas faces de uma realidade artística (Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobri-mentos Portugueses, 2000); Artistas e Artífices no Norte de Portugal (séculos XII-XXI), integrado no CEPESE (2005-2008), e classificado de Excelente pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia; Os Francisca-nos no Mundo Português (Porto: CEPESE, 2009-2012).

Das suas inúmeras publicações no âmbito da História da Arte Portu-guesa destacam-se: A Arte da Talha no Porto na Época Moderna (Artis-tas e Clientela. Materiais e Técnica). Porto: Câmara Municipal do Porto, Documentos e Memórias para a História do Porto-XLVII, 1989, 2 vols.; Niccolò Nasoni (1691-1773). Un artista italiano a Oporto. Firenze: Ponte alle Grazie Editori, 1991 (em colaboração); A escola da talha portuense e a sua influência no Norte de Portugal. Lisboa: Edições Inapa, 2001; bem como a coordenação científica das obras Artistas e Artífices no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2008; Dicionário de Artistas e Artífices do Norte de Portugal. Porto: CEPESE, 2008; Os Fran-ciscanos no Mundo Português. Artistas e Obras. I. Porto: CEPESE, 2009; A encomenda. O artista. A obra. Porto: CEPESE, 2010; A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2011; A Santa Casa da Misericórdia de Vila Real. História e Pa-trimónio. Porto: CEPESE, 2011 (coautoria; co-coordenação científica).

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Introdução

PAULA CRISTINA MACHADO CARDONA

Itinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

ResumoCom processos fundacionais distintos, as Ordens Terceiras de São Francis-co floresceram no território do Alto-Minho. Seis concelhos tinham instituí-do Ordens Terceiras, a saber: Melgaço, Monção, Caminha, Viana do Castelo, Ponte de Lima e Arcos de Valdevez. Refira-se que apenas as Ordens Terceiras de Ponte de Lima, primeiro e Viana do Castelo depois, se autonomizam cons-truindo templos próprios, as restantes permaneceram nos espaços das igrejas conventuais da Primeira Ordem e casos houve, aquando da extinção das Or-dens religiosas em 1834, que assumiram a propriedade das igrejas conventuais e dos seus respetivos bens móveis. Ocupando espaços das igrejas conventuais franciscanas, ou criando igrejas próprias, estas comunidades confraternais de-sencadearam processos de encomenda artística que implicaram a presença de artistas e artífices, na maior parte dos casos de reconhecida experiência, que deixaram um importante legado artístico que importa, atualmente, dimensio-nar num contexto regional e local.

Palavras-chave: Ordens Terceiras, encomendas artísticas, encomendantes, artistas, Alto-Minho.

AbstractWith distinct founded processes, the Third Orders of St. Francis flourished in the territory of Alto-Minho. Six town councils had instituted Third Orders: Melgaço, Monção, Caminha, Viana do Castelo, Ponte de Lima and Arcos de Valdevez. Only the Th ird Orders of Ponte de Lima and Viana do Castelo be-Only the Third Orders of Ponte de Lima and Viana do Castelo be-come independent, constructing proper churches, the remains had remained

CEPESE – DESCRIÇÃO BREVE

O CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade é um Centro de Investigação com vocação interuniversitária, fundado em 1990 pela Universidade do Porto e pela Fundação Eng. António de Almeida, com sede num edifício autónomo da Universidade do Porto.Considerado como unidade de investigação desde 1996, no âmbito da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, agrega investigadores de vá-rias Universidades e outras instituições de ensino superior, públicas e privadas, de diferentes regiões do País, contando, ao presente, com mais de 300 associados, dos quais 121 doutorados. Na última avalia-ção internacional, o Centro recebeu a classificação de “Muito Bom”, a mais elevada no domínio da História e Ciências Sociais.A sua investigação, embora tendo como tronco comum a História, desenvolve-se numa perspetiva multidisciplinar, recebendo impor-tantes contributos das áreas da Sociologia, Economia, Relações In-ternacionais, Património Cultural, Demografia e Prospetiva, apoian-do a realização de estudos, propiciando a discussão e o debate dos resultados da investigação em Seminários regulares e pluridisci-plinares, e promovendo a edição de obras de carácter científico e de uma revista, População e Sociedade, a qual publicou, até ao mo-mento, 19 números. Para além dos seus próprios projetos, o CEPE-SE desenvolve projetos de investigação em colaboração com outros Centros e Universidades, nacionais e estrangeiros, com alguns dos quais mantém protocolos de colaboração, privilegiando dessa forma a internacionalização da sua atividade científica.Para esse efeito, o Centro apoia a investigação dos seus membros, convida especialistas externos nas áreas de investigação referidas, mantém um sítio na Internet (www.cepese.pt), onde fornece infor-

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Introdução

in the spaces of the conventuals churches. With the extinguishing of the Reli-gious Orders in 1834, the majority of the Third Orders of St. Francis, in Alto-Minho had assumed the property of the conventuals churches and its patri-mony. Occupying the churches of the First Order, or creating proper churches, these confraternities will unchain artistic processes that had implied the pres-ence of artists, of recognized experience, that had left an important artistic legacy that matters, nowadays, put on measure in a regional and local context.

Keywords: Third Orders of St. Francis, artistic orders, Maecenas, artists, Alto Minho.

mação atualizada sobre a sua atividade, notícias, working papers, bases de dados e disponibiliza a edição online da sua revista e outras publicações suas, dispondo ainda de uma biblioteca especializada, informatizada e disponibilizada online, aberta aos associados, inves-tigadores e a alunos de mestrado e doutoramento. O CEPESE presta ainda apoio científico e financeiro à investigação de jovens licenciados que pretendam efetuar cursos de mestrado e doutoramento, apoio que se traduz no acesso livre à biblioteca, na concessão de estágios, nas ações de formação e metodologia do trabalho científico que de-senvolve e na disponibilização de bolsas de iniciação à investigação.

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TÍTULO Os Franciscanos no Mundo Português II. As Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco

COORDENAÇÃONatália Marinho FERREIRA-ALVES

EDIÇÃOCEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e SociedadeRua do Campo Alegre, 1055 – 4169-004 PortoTelef.: 22 609 53 47Fax: 22 543 23 68E-mail: [email protected]

DESIGN Diana Vila Pouca

ISBN978-989-8434-14-2

SETEMBRO 2012

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COORDENAÇÃONATÁLIA MARINHO FERREIRA-ALVES

Os Franciscanos no Mundo Português IIAs Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco

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IntroduçãoNatália Marinho Ferreira-Alves

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL LUSO-BRASILEIROOs Franciscanos no Mundo Português II.As Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco(Rio de Janeiro, 8-10 de novembro de 2011)

Realizou-se no Rio de Janeiro, de 8 a 10 de novembro de 2011, o V Semi-nário Internacional Luso-Brasileiro Os Franciscanos no Mundo Português II. As Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco. O evento, cuja organização conjunta ficou a dever-se ao CEPESE, à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/Escola de Belas Artes – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais), pre-tendeu dar continuidade ao encontro científico realizado também no Rio de Janeiro, em novembro de 2008, subordinado ao tema Os Franciscanos no Mundo Português I. Artistas e Obras, tendo-se debruçado agora os investiga-dores sobre as Ordens Terceiras de São Francisco.

Contando com a presença de vinte e dois especialistas portugueses, brasi-leiros e espanhóis, representando a comunidade universitária dos três países (Universidade do Porto, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidades Federais do Rio de Janeiro, da Bahia, da Paraíba e de Minas Gerais, Universidade Esta-dual de São Paulo, Universidad de Santiago de Compostela e Universidad

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Introdução

de La Laguna – Tenerife), o seminário congregou de forma significativa um público diversificado, destacando-se os alunos da área das pós-graduações ligadas à História da Arte, Belas-Artes, Museologia, História das Mentalida-des, e outras áreas das Humanidades.

A sessão oficial de abertura do Seminário contou com as intervenções do Prof. Doutor Luiz Roberto de Azevedo Cunha, em representação do Mag-nífico Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC--Rio), Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J., da Profª. Doutora Natália Marinho Ferreira-Alves (Coordenadora do Grupo de Investigação Arte e Património Cultural do Norte de Portugal – CEPESE), da Profª. Doutora Maria Cristina Volpi (Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro/ Escola de Belas Artes), da Profª. Doutora Anna Maria Monteiro de Carvalho (Coordenadora do Projecto de Pesquisa Os Franciscanos no Rio de Janeiro; PUC-Rio), do Prof. Doutor Eugênio de Ávi-la Lins (Coordenador-Adjunto no Brasil do Grupo de Investigação Artistas e Artífices no Mundo Português – CEPESE; Universidade Federal da Bahia); e da Profª. Doutora Maria Elisa Noronha de Sá Mader (Coordenadora do Pro-grama de Pós-Graduação em História Social da Cultura, PUC-Rio).

Dando início aos trabalhos, a Profª. Doutora Natália Marinho Ferreira-Alves, na sua qualidade de Coordenadora do Grupo de Investigação Arte e Património Cultural do Norte de Portugal – CEPESE, proferiu a conferência inaugural inti-tulada Apresentação do Programa de Investigação desenvolvido no CEPESE pelo Grupo de Investigação Arte e Património Cultural do Norte de Portugal.

Desde 2005, o Grupo de Investigação Arte e Património Cultural no Norte de Portugal (CEPESE) tem vindo a desenvolver uma pesquisa cujo objectivo prioritário é o estudo do papel desempenhado pelos intervenientes na criação artística no Mundo de Expressão Portuguesa, designadamente a partir do sé-culo XVI, tendo-se dado um particular enfoque, ainda hoje em permanente

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Introdução

actualização, à actividade dos artistas e artífices que, de todo o país, e particu-larmente das regiões do Norte, cumpriram uma diáspora que levou além-mar linguagens estéticas e processos ancestrais de construção, bem como adapta-ções de esquemas inventivos da matriz italiana, filtrados pela prática dos artí-fices portugueses. A realização de eventos científicos em Portugal e no Brasil (2005, 2006 e 2007), visando o estudo específico da actividade de artistas e artífices no Mundo de Expressão Portuguesa, levou-nos mais tarde (2009), a proceder a uma análise particular da triangulação A Encomenda. O Artista. A Obra, que produziu resultados da maior relevância.

O plano traçado para esta investigação de fundo, fez-nos de seguida debru-çar sobre o caso específico da Ordem Franciscana (2008), no espaço geográfico já referido, observando-se a riqueza do binómio artista-obra e, face ao interesse suscitado, como se pode verificar pelas actas do encontro já publicadas, compro-metemo-nos perante a comunidade científica a dar continuidade a essa fascinante pesquisa, ocorrendo em 2011 o evento cuja temática versou as Veneráveis Ordens Terceiras, estando já programado para 2012 (Ponte de Lima) o seminário intitula-do Os Franciscanos no Mundo Português III. O Legado Franciscano.

Concretamente nas investigações efectuadas em torno das Ordens Terceiras de São Francisco, pudemos constatar que estas constituem no panorama da His-tória, da História da Arte, e da História da Cultura e das Mentalidades, um dos capítulos mais importantes das Épocas Moderna e Contemporânea no Mundo de Expressão Portuguesa. Desde a sua fundação até aos nossos dias, sempre acompanharam a vida das cidades e vilas onde estavam inseridas, desempe-nhando prioritariamente um papel assistencial. Esta acção, levada a cabo por leigos enquadrados pela Ordem de São Francisco, vai ter um profundo reflexo a nível social já que, integrando membros dos vários estratos sociais, exerce uma função aglutinadora que podemos percepcionar nas festividades religiosas que se organizavam sob a sua égide ao longo do ano litúrgico. Simultaneamente, as

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Introdução

Ordens Terceiras vão transformar-se em promotoras de uma actividade artísti-ca, quase sempre notável, associada à construção de estruturas próprias para a sua organização (capela ou igreja, casa do Despacho e hospital) e apoiando de forma significativa as Ordens Primeiras, às quais estão ligadas.

Neste segundo seminário sobre os Franciscanos, as Ordens Terceiras foram analisadas em várias vertentes e, graças aos estudos agora publicados, pensamos ter sido dado um passo importante na compreensão mais profunda e científica sobre o verdadeiro papel desempenhado pelos Terceiros Franciscanos.

Em traços gerais, deixando para o leitor estudioso o prazer da descoberta da novidade, desejamos referir que foi possível analisar o impacte das Ordens Terceiras no desenvolvimento urbano, para exemplos como o do Rio de Janeiro, e fazer uma especial reflexão para o contraponto espanhol de Santa Cruz de Te-nerife, possibilitando uma visão do tecido urbano sob outro enfoque, trazendo para o debate uma perspectiva mais rica não confinada unicamente a questões de leitura urbanística imediata. Por outro lado, e graças a várias comunicações, foi viabilizada a determinação de paralelismos entre as construções erguidas por iniciativa dos Irmãos Terceiros em terras do Reino, hoje portuguesas e brasilei-ras, não só a nível das opções arquitectónicas, mas também nos revestimentos dos interiores das igrejas, que reflectem o gosto pela talha ricamente dourada, realçada pela policromia, e na decoração dos tectos, por vezes magnífica, graças à criatividade evidenciada pelos artistas nas soluções utilizadas. Igualmente a importância de imponentes assentos destinados aos Irmãos Terceiros no con-texto espacial da capela-mor e sua análise comparativa com esquemas desen-volvidos em comunidades monásticas, revelou-se uma pista de pesquisa que necessita um trabalho de maior fôlego, pelo seu interesse.

O manancial inesgotável das fontes notariais, para além de um número importante de contratos, articulados segundo as normas vigentes na época neste lado do Atlântico, trouxe-nos, mais uma vez, a prova do fantásti-

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Introdução

co contributo dos artistas e artífices portugueses que, em terras do Bra-sil, produziram exemplares artísticos que levavam consigo no saber-fazer quotidiano da sua terra natal reproduzindo padrões estéticos que, ainda hoje, são o testemunho de um Portugal, designadamente de um Norte por-tuguês, já mergulhado no nosso passado desaparecido ou adulterado.

Por fim, importa referir, constituindo o ponto alto da participação dos Ter-ceiros Franciscanos dentro do calendário litúrgico, o significado da Procissão de Cinza no contexto da época, não só pelo que ela representa efectivamente sob o ponto de vista religioso, mas pela sua envolvência social (por vezes com litígios que levaram à criação de outros núcleos urbanos), pelos esquemas de-vocionais implementados, com modificações ocasionadas por várias circuns-tâncias, bem como pelos percursos estabelecidos no tecido urbano, reprodu-zindo as alterações operadas na estrutura da cidade.

No último dia do seminário, foi apresentado publicamente pelo Prof. Doutor Eugênio de Ávila Lins o Relatório das Actividades desenvolvidas no Brasil pelo Grupo de Investigação Artistas e Artífices no Mundo Português, sendo depois li-das pela Profª. Doutora Natália Marinho Ferreira-Alves, as conclusões do Semi-nário, tendo sido os trabalhos oficialmente encerrados pelos representantes da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pelo Presidente do CEPESE, Prof. Doutor Fernando de Sousa.

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IntroductionNatália Marinho Ferreira-Alves

V LUSO-BRAZILIAN INTERNATIONAL SEMINARThe Franciscans in the Portuguese World II.The Venerable Third Orders of Saint Francis(Rio de Janeiro, 8-10 of november 2011)

The V Luso-Brazilian International Seminar The Franciscans in the Portu-guese World II. The Venerable Third Orders of Saint Francis, was held in Rio de Janeiro from the 8th. to the 10th. of november 2011. The scientific event was organized by the CEPESE (Research Centre for the Study of Population, Econ-omy and Society), the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (PUC-Rio), and the Federal University of Rio de Janeiro (School of Fine Arts – Post-graduation Programme in Visual Arts), and it was intended to give continuity to the previous one also held in Rio de Janeiro in november of 2008, under the title The Franciscans in the Portuguese World I. Artists and Works.

The seminar had the participation of twenty researchers from Portugal, Brazil and Spain, representing some of the most prestigious universities of the three countries (University of Oporto, Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro, Pontifical Catholic University of São Paulo, Federal Uni-versities of Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba and Minas Gerais, State Univer-sity of São Paulo, and the Universities of Santiago de Compostela and of La Laguna-Tenerife). Also worth pointing out was the presence of a very

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Introduction

diversified public that could be seen attending the working sessions, espe-cially students of post-graduations courses in History of Art, Museology, History of Mentalities and other areas of the Humanities.

The Seminar’s official opening session had the interventions of Professor Luiz Roberto de Azevedo Cunha, representing the Rector of the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rev. Josafá Carlos de Siquei-ra, S.J., of Professor Natália Marinho Ferreira-Alves (Coordinator of the Re-search Group Art and Cultural Heritage in Northern Portugal – CEPESE), of Professor Maria Cristina Volpi (Coordinator of Post-graduation Programme in Visual Arts of the Federal University of Rio de Janeiro /School of Fine Arts), of Professor Anna Maria Monteiro de Carvalho (Coordinator of the Research Project The Franciscans in Rio de Janeiro; PUC-Rio), of Professor Eugênio de Ávila Lins (Adjunt-Coordinator in Brazil of the Research Group Artists and Craftsmen in the Portuguese World — CEPESE; Federal University of Bahia); and Professor Maria Elisa Noronha de Sá Mader (Coordinator of Post-gradu-ation Programme in Social History of Culture, PUC-Rio).

Starting with the working sessions, Professor Natália Marinho Ferreira-Alves, as Coordinator of the Research Group A.C.H.N.P. — CEPESE, gave a lecture under the title The Presentation of the Research Programme developed by the Re-search Group Art and Cultural Heritage in Nothern Portugal (2004-2011).

The major plan established for this research, led us to analyse the specific case of the Franciscan Order (2008), in the above mentioned geographical area, by observing the complex relation artist-work. Following the enormous attention for the subject, as it is already proven in the published proceedings, we took the commitment towards the scientific community to carry on with this fascinating research. Therefore, the central theme chosen for the Interna-tional Seminar in 2011 was The Third Orders of Saint Francis, and for the one to be held in Ponte de Lima this year, the theme will be The Franciscans in the Portuguese World III. The Franciscan Legacy.

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Introduction

In reality, during our researches, we were able to notice that the Francis-can Third Orders, in the context of History, Art History, and History of Cul-ture and Mentalities, are one of the most important chapters of Modern and Contemporary Ages in the Portuguese World. Since their foundation until present times, they have always accompanied the life of cities and villages where they were established, playing a major role in care and assistance. This action, undertaken by laymen belonging to the Third Order of Saint Fran-cis, will have a deep impact on the social level, because by the integration of members of different social levels, it had a clear cohesive role in religious festivities organized under their aegis along the liturgical year. Simultane-ously, the Franciscan Third Orders will become promoters of notable artistic activities, associated with the construction of structures for their own orga-nization (churches or chapels, hospitals and dispatch houses) and signifi-cantly supporting the First Orders, which they are linked to.

In this second seminar about Franciscans, the Third Orders were analysed in several ways, and thanks to the studies now published, we think a very im-portant step towards a deeper scientific knowledge about the real contribution of the Franciscan laymen was done.

In general terms, leaving to the scholar reader the pleasure of discovering the recent researches, we want to point out that it was possible to analyse the Third Orders’ impact in the urban development, for examples such as Rio de Janeiro, and make a special reflection in the comparison with the Spanish one of Santa Cruz de Tenerife, thus allowing us to have another different approach towards urban network and therefore to bring to discussion a wider perspective confined not only to issues of an immediate urban examination. On the other hand, and due to several papers presented, it was possible to make a parallel between the architecture practiced in Portugal and Brazil ordered by the Franciscan laymen, not only for the options chosen for the buildings, but also for the interiors of their churches, covered with gilded woodcarved

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Introduction

retables, reflecting a particular taste for the use of gilded surfaces set off by polychromy, as well as their magnificent ceilings decoration thanks to the artists´creativity in the selected solutions. Likewise, the importance of impos-ing seats for the Administration of the Confraternity in the presbytery and the comparative analysis with schemes used in monastic communities, proved to be an interesting matter for further researches.

The abundant notary documental sources, besides an important number of contracts written as it was usual practice in Portugal, gave us again the proof of the huge contribution of Portuguese artists and craftsmen who reproduced in Brazil artistic examples that they carried in their minds as well as their daily-life know-how, that still remain as a testimony of Portuguese heritage, particularly of the Northern Portugal, already belonging to our disappeared or adulterated past.

Finally, we must mention, as the high light of the Third Order of Saint Fran-cis participation in the liturgical calendar, the meaning of the Procession of Ashes, within the context of those times, not only for what it really means from a religious point of view, but also for the social insertion (sometimes with litigations that led to the foundation of other urban centres), for the im-plemented devotional schemes, with changes caused by several circumstances, as well as for the ways set up in the urban structure.

On the last day of the scientific event, Professor Eugênio de Ávila Lins, pre-sented the Report of Activities developed in Brazil by the Research Group of Artist and Craftsmen in Portuguese World, and Professor Natália Marinho Fer-reira-Alves read the Seminar Conclusions. The works were officially closed by the representatives of the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro and of the Federal University of Rio de Janeiro, and by the President of CEPESE, Professor Fernando de Sousa.

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V Seminário Internacional Luso-BrasileiroOs Franciscanos no Mundo Português II.

As Veneráveis Ordens Terceiras de São FranciscoRio de Janeiro, 8-10 de novembro de 2011

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Participantes

Alberto DARIAS PRÍNCIPELa Orden Tercera como motor de la expansión urbana y la renovación de Santa Cruz de Tenerife

Anna Maria Fausto MONTEIRO DE CARVALHOA Capela Primitiva da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro

Cesar Augusto Tovar SILVAA pintura do forro da igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: contribuições para sua análise iconográfica

Eugênio de Ávila LINSO trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

Janaína de Moura Ramalho Araújo AYRESAs Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador: uma outra espacialidade

Joaquim Jaime B. FERREIRA-ALVESA primeira igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco no contexto da arquitetura religiosa do Porto da segunda metade do século XVII

Leonardo ETEROO medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

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Luís Alexandre RODRIGUESA ação dos padres de Brancanes em Vinhais. O Seminário da Senhora da Encarnação e constituição da Venerável Ordem Terceira da Penitência

Luiz Gustavo GAVIÃOIgreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: a iconografia e o esplendor como poéticas do barroco joanino

Magno MELLOIlusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Ter-ceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

Manuel Augusto Lima Engrácia ANTUNESCapela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Sete-centista. Os bancos de espaldar da “Mesa” na Igreja da Ordem Terceira

Marcelo Almeida OLIVEIRAOs contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

Maria Berthilde MOURA FILHA/Ivan CAVALCANTI FILHO

Uma “Capela Dourada” e outra por dourar”: o caso das Ordens Terceiras do Recife e da Paraíba

M. Carmen FOLGAR DE LA CALLE/Enrique FERNÁNDEZ CASTIÑEIRAS

Venerada y Ornada: arquitectura y retablos de la capilla de la Orden Tercera de Santiago de Compostela

Maria Eduarda MARQUESRito e Poder: o desfile da procissão das cinzas dos Terceiros seráficos e a elevação da praça do Recife à categoria de vila

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Mozart Alberto BONAZZI DA COSTAA reconstituição dos retábulos da Capela da Venerável Ordem Terceira Franciscana em São Paulo: um partido com base na tradição entre os anos trinta e noventa do século XX

Natália Marinho FERREIRA-ALVESA Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

Paula Cristina Machado CARDONAItinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

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La Orden Tercera como motor de la expansión urbana y la renovación de Santa Cruz de Tenerife

Alberto Darias Príncipe

La tradición narra cómo después de predicar en el castillo de Carma-no, San Francisco de Asís levantó una expectación tan extraordinaria que, ante el deseo de los oyentes de seguirlo, el Santo lo impidió diciéndoles: “Yo ordenaré lo que deberéis hacer para salud de vuestras almas”. Francisco comprendió que debía hallar una solución para todos estos seglares que se empeñaban en acompañarlo,estado,ocupación u otros compromisos im-pedían llevarlo a la práctica, por lo que solventó este inconveniente con la fundación de la Orden Tercera 1.

Tomás Celano, su primer biógrafo, escribía en 1228 sobre la existencia de este tipo de seglares que se habían puesto bajo una normativa menos estric-ta pero igualmente reglamentados por el espíritu seráfico, lo que confirma S. Buenaventura en la biografía oficial (Legenda Maior) cuando se refiere a la Orden de Frailes de la Penitencia 2. Textos posteriores fueron acotando, con el paso de los años, sus características. Y así, antes de 1459, el dominico Antonio, arzobispo de Florencia, comenta en su Summa Theológica:”Bajo la regla y el hábito de la Orden Tercera de San Francisco militan muchos de uno y otro sexo, unos como ermitaños, otros como hospitalarios y otros agrupados

1 MUELAS, 1969: 48.

2 SAN BUENAVENTURA, 2004: 50

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Alberto Darias Príncipe

en congregación”. Estos primeros hagiógrafos coinciden en señalar como año fundacional el de 1221, tal y como lo hace patente el Santo en la I Carta a los Fieles, documento que se considera el texto fundacional 3.

Los inicios de la Orden Tercera en Santa Cruz de Tenerife

Los franciscanos acompañaron a los primeros conquistadores de las Islas en los inicios del siglo XV; de hecho hay constancia de ello en 1417. La regla-mentación seráfica indica a los frailes que incluyan a la orden tercera en sus trabajos de cristianización, por lo que es indudable que, en cuanto se llevaron a cabo las primeras conversiones de los indígenas prehispanos, se prestara atención a este señalamiento; así se hace constar por escrito en uno de los capítulos celebrados en Icod, localidad de Tenerife: “Celen por conservar el espíritu de la Tercera Orden, para lo que no omitirán los ejercicios que señalen la regla y los estatutos en los días que acostumbran” 4.

La llegada de los franciscanos, en Santa Cruz de Tenerife, va acompañada como era habitual de la Orden Tercera, pero ahora el proceso es más complejo y dilata-do. La existencia anterior de un convento de dominicos en este lugar supone una fuerte oposición por parte de los predicadores, quienes pensaban que incluir una orden más en un pueblo tan pequeño mermaría considerablemente las rentas de su ministerio. Por eso se negaron a la nueva fundación en 1651. Pero los religiosos expulsos no se desanimaron, y años después consiguieron licencia del rey Carlos II, aprovechando la cesión de una ermita en los aledaños del núcleo 5.

3 GARCÍA SANTOS, 2003: s.p.

4 INCHAURBE ALDAPE, 1966: 318. Citado también por HERNÁNDEZ GONZÁLEZ, 2005: 1.

5 DARIAS PRÍNCIPE, 2004: 48.

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Suponemos que pareja a esta segunda fundación llegarían los terciarios, pero documentalmente sólo consta el año 1712 cuando la junta directiva toma el acuerdo de levantar capilla propia dentro de la iglesia conventual, es-pacio que había sido donado en 1723 por los frailes, de forma “perpetua e irrevocable”. Los terciarios levantaron lo que después sería la cabecera de la nave del evangelio, pero que en ese momento era un recinto autónomo puesto que también, pareja a esta obra, comenzaba la ampliación de la iglesia, a la que terminaría agregándose la que se llamó capilla de Nuestra Señora del Retiro. Pero esta conjunción restó intimidad para sus reuniones y ejercicios puesto que se fundían los dos espacios a través de dos arcos, uno hacia la nave del evangelio y otro hacia la capilla mayor. A pesar del magnífico retablo barroco dorado y estofado, en el que se entronizó una Dolorosa de candelero, de muy buena factura, y de la rica armadura mudéjar que cerraba el conjunto, se de-cidió dejar este lugar a la iglesia y buscar un espacio en la huerta del convento para levantar su nueva sede, independiente del conjunto sacro 6

La repercusión urbana

El nuevo espacio urbano creado por el convento alcantarino, y de manera especial por la Orden Tercera, desarrolló una conciencia cantonal diferente al núcleo fundacional conformado por la parroquia y la antigua burguesía comercial. Es cierto que el entorno del cenobio franciscano no fue el primer barrio en desgajarse del núcleo primigenio del lugar, puesto que el convento dominico se adelantó al ser más antiguo, pero este carecía de la fuerte co-herencia del conjunto seráfico. De hecho, mientras que en su entorno apenas se establece una trama plenamente urbana, este por el contrario dio lugar a la

6 DARIAS PRÍNCIPE, 2004: 52.

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creación de un barrio que terminó por ser idiosincrático de la propia ciudad.La Orden Tercera puede ser considerada (empleando un término tomado

de la profesora Margarita Rodríguez González, del todo inexacto, pero tre-mendamente expresivo) como la primera “asociación de vecinos” de Santa Cruz de Tenerife. Factor fundamental fue el hecho de convertirse en la sede social de un amplio sector de comerciantes extranjeros, todos ellos terciarios, que desde el principio quisieron marcar diferencias con la antigua casta mer-cantil, formada no sólo por canarios sino también por extranjeros, sobre todo por malteses y genoveses. De entre los parroquianos del convento franciscano destaca la colonia irlandesa: llegaron como consecuencia de los problemas político-religiosos que asolaban su país, pero también animados por los pri-vilegios que la Corona, con tal motivo, concedió en la Real Orden de 23 de octubre de 1718; entre 1701 y 1750, la afluencia es tan masiva que llega a re-presentar el 12 % de la inmigración europea en Santa Cruz de Tenerife 7. Aquí se afincaron los Eduardo, posteriormente trasladados a La Laguna, los Madan, los Creagh, los Reylli, los Power, etc. De todos ellos destacaron, por su apoyo y aportación económica a la Orden Tercera, los Forstall y los Russell 8.

Pedro Forstall, natural de Kilkenny, ya se encontraba en Santa Cruz antes de 1750. No fue solo un comerciante sino que, como muchos de sus conciudada-nos, compatibilizó este oficio con el de las armas, llegando a ser castellano de la fortaleza de La Rosa. Contrariamente a lo habitual entre los irlandeses que contraían matrimonio con canarios, este lo hizo con Antonia Russell, hija de otro irlandés 9. Como veremos más adelante, éstas serían las dos familias que van a sobresalir en el ornato de la capilla, hasta el punto de que por ello se les concedió el privilegio de ser enterradas en el presbiterio del recinto terciario.

Todas estas familias comenzaron a levantar sus viviendas en un sitio concreto,

7 CIORANESCU, 1977: 102.

8 CIORANESCU, 1977: 379.

9 CIORANESCU, 1977: 379.

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la pequeña colina que corría paralela a la costa y que, en consonancia con ello, se denominó calle de La Marina. A ellos se unirían otros comerciantes, armadores, consignatarios de buques y, finalmente, las representaciones consulares de las naciones extranjeras. La atracción de esta nueva vía en el gremio mercantil hizo que vecinos tradicionales del casco fundacional terminaran por levantar su casa en este lugar. Así parece que ocurrió con los Carta que al menos comenzaron a levantar aquí su tercera casa, aunque terminaría siendo de los Hamilton.

Mediado el setecientos, se construirá, algo más separado de la costa, un nuevo templo que va a constituirse en el otro punto de desarrollo del futuro barrio del Toscal, la iglesia del Pilar. La expansión urbana de esta parte alta fue más lenta, no llevándose a cabo hasta el siglo XIX. La demora de este proceso fue debida a que los propietarios de estas huertas eran de La Laguna (la anti-gua capital de la Isla), la mayoría pertenecientes a instituciones religiosas. No obstante, el sector no dejó de crecer, debido a una ocupación espontánea de autoconstrucción, al margen de sus dueños que terminarán por vender ante la imposibilidad de detener esta tendencia.

El mecenazgo en la capilla de la Orden Tercera

Mientras estuvo en uso la capilla de la Virgen del Retiro, los terciarios decidie-ron adosar a su espalda, y comunicándola con esta, dos espacios necesarios para el correcto funcionamiento de sus actividades: un cuarto de enseres y la sala de Ánimas. Roberto de La Hanty fue la persona que se comprometió a llevarlo a cabo. Este personaje era también un irlandés nacido en Munster, en el condado de Tipperari y nacionalizado español a los treinta y cinco años. Así logró ocupar di-ferentes cargos públicos de responsabilidad: familiar del Santo Oficio, coronel de forasteros, alcaide del castillo de San Juan y regidor. Provenía de una familia adi-

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nerada, como lo demuestra el número de inmuebles que poseía en Santa Cruz 10. Por eso cuando se deciden a abandonar la capilla del Retiro se aprovecharon

estas habitaciones. El proceso fue largo y caótico, el número de hermanos cre-cía en esos años y la futura capilla iba quedando en cada remodelación siem-pre pequeña. El dato que da una idea más clara de esta situación es el hecho que el cuarto de despojos fue cuatro veces absorbido por el nuevo templo. Éste fue independizándose progresivamente de la iglesia conventual hasta que, en 1758, se solicita permiso para abrir un acceso a la calle y hacer un campanario. La capilla se abrió al culto en 1760. Como no poseía retablo, la efigie del Señor del Huerto quedó colocada solo sobre un trono. Faltaba, además, ampliar la fábrica para ubicar el camarín, el coro, la sacristía y el cuarto de despojos. Una última petición de nuevos espacios a los frailes cristalizó en la cesión de una nueva parcela de la huerta. Pero, hasta el año de 1768, no podemos decir que la construcción estuviera rematada y sus diferentes espacios definidos 11.

El maestro mayor durante todo este largo proceso fue José Luis Gutiérrrez, quien ya había intervenido en la construcción del antiguo Hospital militar. Profesional de reconocido prestigio, llegó a ostentar el cargo de maestro mayor de las obras reales. En cuanto a los trabajos de carpintería, sería Juan Hernández Delgado quien llevó a cabo los trabajos en la armadura del recinto, así como la rica labor de ebanistería 12.

Las familias encargadas de tomar el mecenazgo del edificio fueron, como hemos visto, irlandesas: los Russell y Los Forstall. Tomás y Andrés Russell, ya se habían hecho cargo de la capilla desde que se empezaron a cambiar los es-pacios dejados por Roberto de La Hanty pero, una vez concluida la construc-ción, había que suplir las carencias ya que era necesario el amueblamiento y aderezo de los lugares principales. De este modo durante tres años, desde 1760

10 CIORANESCU, 1977: 379. CIORANESCU, 1977: 379.

11 DARIAS, 2004: 52 DARIAS, 2004: 52

12 DARIAS, 2004: 52 DARIAS, 2004: 52

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hasta 1763, edificaron el camarín, levantaron el retablo, amueblaron el coro y construyeron el nuevo cuarto de despojos 13. La limitación espacial forzará a una distribución que debió someterse a una tipología inusual. Si de una parte el buque del templo y su capilla mayor seguían la conformación ordinaria, con el arco de triunfo como elemento segmentador, el coro debió colocarse en alto, retranqueando para ello un segmento de la pared del lado de la epístola mientras que debajo se disponía el cuarto de despojos. El púlpito siguió igual-mente una modalidad muy poco usual en Canaria, aunque usado en templos extrainsulares, a modo de balcón con un acceso extraeclesial. Finalmente, la comunicación de los dos grandes accesos al santuario conventual obligaba a dejar libres los espacios correspondientes a las puertas que abrían hacia el in-terior, si bien esto último no era en aquel momento problema, pues la costum-bre de disponer regularmente de bancos en los templos apenas tiene un siglo, hasta entonces sólo se usaron los reclinatorios y los pocos escaños propiedad de las cofradías, hermandades, etc.

Tomás y Andrés Russell continuaron su apoyo a la institución, ahora enri-queciendo su menaje. De este modo llegaron algunas de las piezas más pre-ciadas de la capilla: la efigie del Señor del Huerto con los apóstoles y el ángel que conformaban el paso de Semana Santa, además de sus correspondientes vestidos, la urna sacramental de plata para el monumento del Jueves Santo, unas vinajeras de plata sobredorada… Incluso Tomas Russell, privadamente, dono la efigie del Crucificado 14.

Pedro Forstall, por su parte, se encarga de la decoración de la capilla. Manda a pintar al fresco el arco de triunfo y a jaspear techos, puertas y otros elementos de madera que complementaban el interior del recinto, además de la capilla, sacris-tía, la sala de juntas y el camarín de la Virgen del Retiro. Tampoco se quedaron cortos en su generosidad para con las aportaciones hechas en el mobiliario. La

13 INCHAURBE ALDAPE, 1960: 31. INCHAURBE ALDAPE, 1960: 31.

14 INCHAURBE ALDAPE, 1960: 31. INCHAURBE ALDAPE, 1960: 31.

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pieza que aún sigue impactando al visitante es la lámpara de 144 cm. de alto por 162 de ancho, en bronce dorado, segmentada en tres cuerpos y con dieciocho brazos. La obra fue encargada a Londres donde se fabricó en 1773. Cuelgas de damasco para exornar los días principales la capilla mayor, dos atriles de plata, un terno de damasco blanco encargado a Sevilla, el trono del patrono, el dorado y los remates del órgano, y una campana de 142 libras y media de peso, encar-gada igualmente a Londres y donde figura inscrito su nombre. Finalmente donó ochenta onzas de plata y veinticinco pesos para una urna del patrón 15.

No hay constancia escrita pero podemos asegurar que la Orden Tercera guar-da otro donativo de gran valor artístico donado por los Forstall. Se trata de un juego de vinajeras, complementado con un cáliz y una cruz de altar. La seguri-dad de esta aseveración se basa en la decoración incisa que aparece en la base de estos objetos dentro de una cartela: nueve clavos repartidos en grupos de tres, con sus puntas en ángulo (cuartel que se ubica en la diestra superior en el escudo de la familia), timbrado por una cimera y surmontado con un dragón alado. En la base figura una filacteria con el lema de la casa “In cordia inimicorum regis”.

No hay fundamento, sin embargo, para dar crédito a la leyenda de la cruz que se denomina de María Estuardo. La tradición atribuye que fue llevada por la reina al patíbulo, pasando posteriormente a una familia inglesa que terminó por emigrar a Canarias donde la donó a la Orden Tercera. En realidad de se trata de una pieza típicamente franciscana, orden que conocía a la perfección el trabajo de la taracea en carey y nácar.

El siglo XIX marca el fin de estos mecenazgos y el comienzo de la deca-dencia. Las diferentes exclaustraciones que forzaron a los frailes a desalojar el convento, de las que se aprovechó el ayuntamiento con presteza, terminaron con la desamortización de Mendizábal cuando se cerró definitivamente la casa religiosa. El Estado se incautó también los bienes de la Orden Tercera.Los ter-ciarios protestaron por el atropello, puesto que ni sus bienes pertenecía a los

15 INCHAURBE ALDAPE, 1960: 31. INCHAURBE ALDAPE, 1960: 31.

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franciscanos ni la institución estaba comprendida dentro de la legislación de desahucios religiosos. Finalmente les fueron devueltos y restablecidos como institución en 1849 agregándose a la iglesia del Pilar. A partir de este momento la decadencia fue completa. La solución la vino a dar la reinstauración de los franciscanos en Santa Cruz. Los terciarios cedieron “En usufructo y a perpetui-dad”, a la comunidad decretándose la fundación en 1918 e inaugurándose seis años más tarde, los que se emplearon en remodelar y ampliar el edificio 16.

Estudio de la fábrica y su iconografía

El edificio ha sido bastante transformado en el exterior. Las primeras pre-visiones de habitabilidad no fueron suficientes; por ello los frailes colocaron una planta más sobre la capilla y ampliaron la fábrica a costa del espacio de la huerta. Por suerte, el templo fue respetado por lo que las obras son yuxta-posiciones que no han impedido que el recinto de los terciarios sigua siendo uno de los conjuntos más armoniosos del arte religioso canario, al mantenerse intacto el ambiente original. El resultado es una combinación donde el final del lenguaje barroco se continúa sin estridencias con la morfología del rococó, ampliable al menaje litúrgico que conserva en la práctica totalidad.

Al exterior sólo revela su adscripción terciaria en el escudo de piedra que apoya en la clave de la única entrada al exterior. Presenta como base el cordón franciscano entrelazado dejando un espacio donde se inscribe el lema que reseña la institución “V. O. Tercera”. Sobre él, el emblema ornado en su perímetro exterior con rocallas mientras que en el campo se tallan las dos insignias franciscanas por excelencia, dentro de una cartela las cinco llagas y detrás se alza la cruz con los brazos de San Francisco y Cristo cruzados. Surmontando el conjunto una corona real abierta.

16 DARIAS, 2004: 53. DARIAS, 2004: 53.

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Nave del templo

Ya en el interior, en la nave del templo, además de las grandes puertas de comunicación con la iglesia del antiguo convento, jaspeadas, y las puertas del camarín de la Virgen del Retiro, siguiendo el gusto de las chinoiseries, el buque de la iglesia se ve ocupado por el gran Vía crucis de Juan de Miranda. Es éste el más antiguo que se encuentra en Canarias y por sus proporciones, sólo paran-gonable con el de la catedral de Las Palmas, confeccionado un siglo después. Sin embargo no tiene la calidad de las pinturas individuales de esos años del pintor (c. 1773-74), aquí utiliza un pincel más rápido. Pedro Tarquis asevera que las obras se inspiraron en la Biblia de Van Borcht, obra que sabemos poseía Mi-randa en su biblioteca, por lo que parece una afirmación acertada. En cualquier caso, está claro que hay una influencia constante de los grabados flamencos del siglo XVII (Rubens y su escuela). Técnicamente Miranda utiliza una combina-ción de paleta clara y oscura pero no tanto por su vinculación al barroco como por conferirle un mayor dramatismo a la obra. La composición es igualmente simple; los protagonistas ocupan la mitad inferior mientras que el resto superior lo dedica a fondos arquitectónicos o paisajísticos, por lo demás bastante simples, no obstante resulta grata la desenvoltura con la que trata a los diferentes perso-najes. Por desgracia en torno a los años setenta del siglo XX, una desafortunada restauración deterioró el conjunto. Empastaron y reintegraron malamente las telas llegando como consecuencia en algunas partes, a desprenderse la pintura 17.

En su afán de enriquecer el templo se decidió pintar el frente del arco de triunfo. Centra la composición el escudo seráfico de la cruz con los brazos de Cristo y San Francisco timbrado nuevamente con la corona real abierta y rodeado de ángeles y rocallas, si bien con un tratamiento arcaizante por su correcta simetría y reiteración formal. A partir de ahí se daba paso a una

17 A�rad���mos a �a pro��sora Rodr����� Gon����� �as s���r�n�ias ��� sobr� �st� t�ma A�rad���mos a �a pro��sora Rodr����� Gon����� �as s���r�n�ias ��� sobr� �st� t�ma nos ha indi�ado.

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abundante vegetación de flora autóctona. El lugar preferente, a la derecha, es- tá el escudo del reino de Castilla en cuyo consejo se trataban los asuntos de las Islas. A la izquierda el de Canarias. En esos momentos se buscaba un emble-ma que identificara al Archipiélago y que no quedó definido hasta que Viera y Clavijo lo imprimiera en el primero volumen de su Historia de Canarias. Éste se aproxima a la idea del historiador, pero invierte la disposición (coloca al Teide en la parte superior); todo ello nos hace suponer que la pintura del conjunto se debió llevar a cabo antes de la primera edición de la obra.

La Capilla Mayor

Entrados ya en la capilla y pasada las laudas funerarias de sus benefactores, el de los Russel, colocada a partir de 1767, y el de los Forstal al año siguiente, el recinto adquiere su mayor calidad artística.

El retablo

A partir de aquí dos elementos van a centrar la atención del visitante: el retablo y la cubierta portuguesa. El primero es un auténtico pionero de un lenguaje artístico que va unido al rococó pero que sin embargo le precede. Hablar del gusto, en la cultura occidental, por las chinoiseries queda aquí fuera de lugar porque haría extender este trabajo, pero si es necesario adver-tir que en Canarias no sólo llega esta novedad a través de los libros y graba-dos sino que es protagonista de primera línea pues por el puerto de Santa Cruz pasaba el galeón de Manila cargado con múltiples objetos de China (recordemos que una de las razones por las cuales Nelson estaba interesado en tomar Santa Cruz era apresar esta nave que estaba fondeada en la bahía).

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La ornamentación de este lenguaje se caracterizaba por una abundante de-coración vegetal, menuda y prieta, además de un copioso acompañamiento de angelotes que de manera lúdica revoloteaban llevando símbolos o simple-mente se derramaban por los lugares en los que cupiera tal decoración: enju-tas, predelas, alerones, nichos, etc. También en este recinto, concretamente en el altar, se anuncian algunos detalles que pasarían también al arte rococó, nos referimos a las sombras chinescas. Por lo demás, resulta paradójico que, en un tema eminentemente trágico como es el pasional, se echara mano de esta ornamentación tan jovial.

El retablo es pionero en su estilo, pues ya en las fuentes documentales se men-ciona que entre el año 1742 y 1745 se había hecho “Un retablo de follaje”, que indu-dablemente hace referencia a la decoración vegetal de la que hemos comentado 18.

El tema pasional al que nos hemos referido, es sin embargo esperanzador gracias a la simbología pintada en el ático, de la que hablaremos más adelante. El discurso arranca desde la predela donde dos cartelas encierran los inicios del tema dicho. Hablamos de la representación del beso de Judas, en la calle de la Epístola, y la escena de Jesús ante Anás en la del Evangelio. Afirmamos que es Anás y no Pilatos, como se ha venido diciendo hasta ahora, pues aunque inten-cionadamente se ha borrado la cara de este personaje, el tocado que porta, una mitra colocada de manera inversa a la de los prelados, es adoptado en la tradición pictórica como atributo de los sacerdotes del Antiguo Testamento. Además de la rica decoración oriental que flanquea al tabernáculo, en otros espacios se aprovecha para seguir disponiendo símbolos de la pasión como el paño de la Verónica que se coloca sobre el plinto que precede al estípite superior.

El cuerpo principal se ve presidido por la imponente imagen de La oración de Jesús en el huerto. Esta efigie es con mucho el mejor Cristo de Getsemaní de Canarias. Se desconoce todo sobre él pero creemos no errar si afirmamos que

18 TRU�ILLO RODRÍGUEZ, 1977: 202. TRU�ILLO RODRÍGUEZ, 1977: 202.

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procede de Andalucía, con una cronología que podemos incluir en el segundo tercio del siglo XVIII. La perfección anatómica de su trabajo sólo es comparable con el profundo dramatismo que emana de su rostro donde el dolor se hace vivo a través de la expresividad que marca la talla de su rostro contraído por la angus-tia. Completa el conjunto un ángel que aparentemente suspendido en el vacío ofrece a Cristo el cáliz de dolor mientras enseña la cruz del martirio.

Dos grupos de ángeles adornan los paños y el cuarto de naranja del nicho. Los primeros, cuatro, más conmovidos, llevan elementos de la Pasión: la escalera del descendimiento, la columna de los azotes, la disciplina, etc. Antitéticamente los del cuerpo superior, risueños y ajenos a sus compañeros, llevan flores.

Este epicentro devocional que atrae la atención de los fieles por el juego tridi-mensional de los elementos que comparten la escena, pero también indudable-mente por el volumen que logra que éste sea el punto de inflexión donde apunta la pirámide visual, tiene un símil igualmente pasional pero ahora de carácter se-ráfico. El espectador no comprende, hoy en día, el significado del extraño escorzo dado a San Francisco, pero si se le añade una pieza que ha sido retirada del culto, el Cristo seráfico que participaba en la primigenia iconografía se comprenderá inmediatamente que estamos ante el milagro de laestigmatización del Santo.

El tercer nicho que completa el cuerpo principal está ocupado hoy por una imagen que nada tiene que ver con el primitivo mensaje ya que se trata de un San José de Olot (imagen seriada en yeso) carente de valor artístico y agregado con posterioridad. Por fortuna un detalle nimio como es la pequeña cartela que corona la clave del hueco, que dibuja en su interior una rosa, permite descifrar la incógnita. Es una costumbre inveterada el complementar la ad-vocación pintando sobre el continente alguno de los atributos de la efigie. En consecuencia la imagen que en su día estuvo en este lugar fue Santa Rosa de Viterbo, terciaria del siglo XIII, y una de las copatronas de la capilla.

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El ático del retablo, en buena lógica debería estar en consonancia con todo el tema doliente, es decir, cualquiera de las múltiples imágenes contemplati-vas que se enmarcan dentro del tema de La Dolorosa. Sin embargo la elegi-da es una figura triunfante: La Inmaculada. A nuestro juicio este cambio es lógico, no sólo porque el tema Inmaculista es una devoción eminentemente franciscana, sino porque el iconógrafo ha querido dar al conjunto un mensaje esperanzador al ubicar como meta a la Inmaculada Apocalíptica, vencedora del Maligno. María, apoyada sobre la luna, aplasta al dragón que se retuerce aplastado bajo la presión su peso. La representación ha escogido uno de los últimos modelos contrarreformistas al transformar a la Bestia en serpiente 19. María es, pues, según la interpretación patrística, la nueva Eva que consigue vencer al pecado que entró con la primera. Es la corredentora, y el mensaje del ático está comunicando una misiva de ánimo y confianza.

Sin embargo, el modelo ha quedado anclado en el pasado. Ya desde finales del siglo XVII, jesuitas y franciscanos imponen una nueva imagen que pronto llega a gozar de gran popularidad: La Virgen apocalíptica que asaetea con una lanza a la Bestia. Lo sorprendente es que ese nuevo modelo está a pocos me-tros de distancia, en el arco de triunfo de la iglesia del vecino convento. Pensa-mos que el sentido, en parte, lúdico por la aportación rococó sea incompatible con la agresividad y se centre en una visión más maternal de la Virgen.

Con el ático no termina la misiva del retablo sino que sobre él se coloca un remate con el tradicional abrazo de San Francisco y Santo Domingo, licencia histórica muy repetida en los conventos de estas ordenes mendicantes como mensaje subliminal que acercara a las dos congregaciones enzarzadas en habi-tuales discordias de las que Santa Cruz no fue una excepción.

19 TRENS, 1947: 178 � 184. TRENS, 1947: 178 � 184.

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Cubierta a la portuguesa

Canarias no fue especialmente adicta a la cultura del ingenio y la agudeza, si bien tenemos excelentes ejemplos donde el conocimiento de este tipo de progra-mas han sido resueltos con absoluta solvencia 20. En este caso nos inclinamos a pensar que este proyecto ha sido elaborado por un personaje poco habitual en las Islas, por su conocimiento de las escrituras, aplicado a la confección de una icono-logía rigurosa y profunda. Nos referimos al padre Antonio Delgado Sol “el único provincial que tuvo tres mandatos en Canarias (…) visitador de la Orden” 21, y cuyo liderazgo organizativo fue modélico en uno de los momentos más brillantes de la provincia franciscana del Archipiélago. Consideramos que el programa confeccio-nado en la armadura de la Orden Tercera fue llevado a cabo por la misma persona y en momentos similares a los de la capilla de Los Dolores de Icod y, aunque aquel simplifica más su configuración que éste, el esquema mantenido es semejante.

Partiendo de cuatro pechinas, la planta cuadrilonga del espacio de la capilla pasa a configurar un ochavo en la armadura, adoptando ésta la solución que en Canarias denominamos de techos a la portuguesa consistente en la sustitución de la tracería mudéjar por paneles de madera lisos y pintados. El cambio se lleva a cabo gracias a cuatro pechinas sobre cada una de las cuales se pintó un evangelista acompañado de su correspondiente tetramorfo. La decoración no es banal, más allá de lo decorativo estamos ante el símbolo de las bases sobre las que gravita la doctrina de la Iglesia. A partir de ahí viene la glorificación de la Orden Tercera, manifestada en la representación de sus santos más notables que comunican al creyente, para que sirvan como ejemplo, las virtudes que los caracterizan y que son explicitadas a través de textos bíblicos y alegorías. Así se resume en la filacteria que se despliega en el panel que marca el eje de

20 R��ord�mos a �st� r�sp��to �a �ons��ta d�: DARIAS PRÍNCIPE � RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, R��ord�mos a �st� r�sp��to �a �ons��ta d�: DARIAS PRÍNCIPE � RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, 2001: 33-46.

21 DARIAS PRÍNCIPE � RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, 2001: 33-46. DARIAS PRÍNCIPE � RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, 2001: 33-46.

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la narración “Quist sumus septem amus ante Dominum”. En el almizate donde confluye cada paño, el Espíritu Santo, en un rompimiento de gloria, reparte los siete dones que hicieron destacar las virtudes de estos bienaventurados.

No es nuestra intención el estudio iconográfico en su conjunto pues ya parte de este trabajo ha sido elaborado en el excelente estudio de Manuel J. Hernán-dez González 22, nos limitaremos a complementar los textos bíblicos existentes y su significación con respecto a cada personaje del que se sirve.

El primer problema que encontramos es que el autor manipula el párrafo inscrito para que de este modo sea apropiado al personaje al que acompaña. Por ejemplo en el panel dedicado a San Luis Rey de Francia el texto está tomado del salmo veintidós (El Señor es mi pastor), pero en lugar de poner los versículos completos: “(Super aquam refectionis educavit me: animam meam convertit.) Educit me super semitas justitiae (propter nomen suum)”. El iconólogo apocopa el conjunto suprimiendo el texto que ponemos entre paréntesis quedando solo la frase que traducida libremente seria “me lleva por senderos de justicia”. Gracias a ese texto puede colocar a sus pies la alego-ría de la justicia que se confirma con el gesto del monarca al pisar el mundo, como signo de desprecio por las vanidades humanas, mientras levanta el cetro del poder y dirige su mirada hacia las alturas.

Desgraciadamente la incuria y el abandono al que llevó la exclaustración temporal y la falta de interés por el patrimonio de sus sucesivos propieta-rios, ha hecho que buena parte de los paneles hayan perdido gran parte de su capa pictórica, sobre todo en las bases, que es donde se colocaron las inscripciones, perdiéndose así el mensaje dirigido al espectador. Así ocurre con los faldones de Santa Margarita de Cortona, la pareja de San Elzeario y la Beata Delfina o Santa Isabel de Hungría.

Estos desperfectos no son recientes pues una de las imágenes ha sido su-plantada por una pintura del año 1902, ejecutada por Ubaldo Bordanova,

22 HERNÁNDEZ GONZÁLEZ, 2005. HERNÁNDEZ GONZÁLEZ, 2005.

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quien trazó una recreación simbolista, muy próxima al gusto pompier, rom-piendo la unidad de lenguaje del conjunto. Suprimió la alegoría y creo un tex-to nuevo sin relación alguna con las citas bíblicas. Esto demuestra no solo el desconocimiento del artista de la cultura de ingenio y agudeza, que comenzó a desaparecer en el siglo XIX, sino la indocumentación en la que el clero canario había caído al ser incapaz de resolver este jeroglífico cuando en las Islas se ha-bía repetido hasta la saciedad el versículo del capítulo XXIV del libro del Ecle-siástico (Et quasi plantatio rosae en Jericho), para acompañar a la Virgen Tota Pulchra en los retablos inmaculistas 23. En su lugar se escribe “Rosa nómine Rosa re”, sin hacer referencia a ninguna cita literaria. Por su parte a la efigie de la santa se le disimula el hábito con una túnica transparente. Sólo el crucifijo permite comprender que la imagen no es una divinidad pagana.

San Ivo, abogado y patrón de los juristas, presenta aquí algunas variantes de su iconografía habitual 24. El santo ciñe en su cintura el cordón de terciario, pero además de la toga de abogado se le representa como doctor al adosár-sele la muceta, en consecuencia el ángel no le ofrece el bonete sino el birrete doctoral; solo que en su desconocimiento el pintor confundió los colores y en lugar de usar el rojo de derecho utiliza el negro. La paloma de la sabiduría, que acostumbra a ubicarse sobre su cabeza, ahora se traslada a la alegoría, portando en su pico el laurel de la paz. La cartela toma su texto de un versícu-lo de la Epístola a los romanos de San Pablo “preciosi pedes evangelizantium bona” (en realidad este las ha tomado de Isaías, 52,7) que se puede traducir por “cuan hermosos los pies de los que anuncian buenas nuevas”, pues si el pro-feta se refiere a los encargados de anunciar el destierro de Babilonia, el apóstol hace alusión a los que van anunciando el evangelio 25; en nuestro caso, los beneficios de la palabra para el uso del bien y, como complemento, se coloca

23 DARIAS PRÍNCIPE, � RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, 2002: 74. DARIAS PRÍNCIPE, � RODRÍGUEZ GONZÁLEZ, 2002: 74.

24 REAU, 1997: 134. REAU, 1997: 134.

25 VVAA, 1965: 338 � 339. VVAA, 1965: 338 � 339.

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junto al santo la alegoría del Buen Gobierno, la dama con la cornucopia de la abundancia, y el caduceo, el atributo del dios Mercurio que los romanos lo emplearon como símbolo de equilibrio moral y buena conducta 26.

San Roque presenta la iconografía tradicional: hábito de peregrino, re-mangado en una pierna para mostrar la pústula de la peste, acompañado del perro que lleva un pan en la boca. La alegoría, prácticamente desapa-recida, a pesar de que se vislumbra la cara y el pecho de una mujer. Sí ha quedado la cartela con la cita bíblica “trahom eos, in vinculis charitatis”. Nuevamente el pintor trocea un versículo, en este caso el número IV del capítulo XI del profeta Oseas “los atraje con ligaduras humanas, con lazos de amor”. Confirmación de la caridad de San Roque en su atención a los peregrinos hasta el punto de que él mismo llegó a contagiarse.

Existen en Canarias otras capillas terciarias franciscanas. Quizá la más pa-rangonable por su opulencia y por su ubicación extra conventual, yuxtapuesta al conjunto cenobítico, pero emancipada hasta el punto de que sobreviviera a la crisis de la desamortización de Mendizabal, es la de Santa Cruz de La Pal-ma. Sin embargo, sin menosprecio a la institución palmera, ésta de Santa Cruz de Tenerife tiene un cariz muy peculiar gracias a la coincidencia de distintos aspectos singularizadores que la extraen del mero medio local:

El carácter sociourbano, de este sector capitalino, permanece indeleble, a pesar de la fuerte transformación que la evolución de su trama metropolitana ha sufrido. En la actualidad conserva su espíritu legado al comercio y al mar. El barrio del Toscal, el más castizo de toda la ciudad, mantiene el sentido marinero y portuario sobre el que se montó la idiosincrasia de aquella ciudad de pescadores (de ahí el mote de “chicharrero” 27 que tienen los habitantes de

26 CIRLOT, 1997: 120. CIRLOT, 1997: 120.

27 Chi�harro, p�� m�s �ono�ido �omo tra��ro d�� �én�ro d� �os a�ant�pt�ros. M�� ab�ndant� �n Chi�harro, p�� m�s �ono�ido �omo tra��ro d�� �én�ro d� �os a�ant�pt�ros. M�� ab�ndant� �n �as �ostas �anarias � pi��a �sp��ia� �n �a primitiva a�im�nta�i�n d� �a ��as� h�mi�d� d� Santa Cr�� d� T�n�ri��. Los habitant�s d� La La��na, anti��a �apita� d� �a is�a d� T�n�ri��, ��amaban �hi�harr�-ros, �on �n mati� tota�m�nt� d�sp��tivo a �os habitant�s d� �sta pob�a�i�n, d�rant� m��hos años rada � p��rto d� �a �i�dad s�ñoria�

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esta población). El hecho de que hayan desaparecido sus casas consignatarias, consulados, comercios ultramarinos… en la zona más noble, y sus ciudadelas, grupos de casa humildes de una sola planta o los tugurios y garitos que cons-tituyeron su conjunto, no ha sido obstáculo para que su trama urbana perma-nezca invariable. Unos y otros, herederos de aquella fundación terciaria que modeló esta peculiar dicotomía como símbolo autoafirmativo que la libraría de ser fagocitada del centro urbano que veía con sorpresa como un sector de su población era consciente de la alteridad que por primera vez hacía acto de presencia en un conjunto hasta entonces compacto.

Éste fue también uno de los últimos actos de presencia de la cultura portuguesa en la tradición artística canaria. En años posteriores seguiríamos recibiendo piezas lusitanas, pero eran importaciones promovidas por encargos particulares. Los techos portugueses de la Orden Tercera y de la Iglesia del Pilar, casualmente levantada a muy poca distancia de la primera y casi coetánea a esta, fueron obras espontáneas emanadas del gusto insular cuya carga de portuguesismo permanecía aún presente.

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FIGURA 1 – Santa Cruz de Tenerife en 1701 por el ingeniero Miguel Tiburcio Rosell y Lugo

(A la derecha el primitivo Templo franciscano en el extrarradio de la ciudad).

FIGURA 2 – Santa Cruz de Tenerife en 1797. Se ha construidoel puerto y el Barrio del Toscal comienza a expandirse.

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FIGURA 3 – Retablo mayor de la actual capilla de la Orden Tercera(Hoy incorporado al exconvento franciscano como cabecera de la nave de la epístola.).

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FIGURA 4 – Techo a la portuguesa de la capilla mayor de la Orden Tercera con los Santos Terciarios

FIGURA 5 – Arco de triunfo de la capilla.

(en él aparecen los tres escudos relacionados con la Orden. De izquierda a derecha el Reino de Castilla, el escudo de la Orden y el de Canarias.).

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“(...) E acontecia algũas vezes que hũ lugar todo se queria despovoar, & seguir o padre zeloso das almas, deixando patria, fazenda & filhos. Polo qual o Santo Padre requerido & importunado do geral e particularmen-te de muitos, que entendesse também de dar aos casados, como fizessem penitencia & vivessem em stado mais seguro de sua salvaçaõ, no anno do Senhor de mil & duzentos & vinte hũ instituhio modo & ordem de penitẽtes gerao pera todo christão que não vive em religião (...)”FREI MARCOS DE LISBOA 1

Introdução

No Brasil colonial e imperial, as Irmandades e Ordens Terceiras – confrarias laicas de cunho religioso, surgidas na Idade Média, dedicadas à beneficência social e à ajuda mútua – destacaram-se como o principal, para não dizer o único espaço de organização e convivência da população. Respaldadas juridicamente pela igreja e pelo governo, em torno delas reuniam-se os vários segmentos da sociedade com o intuito de promover suas atividades religiosas, sociais e pro-fissionais, e de garantia assistencial, desde o nascimento até a morte. As Irman-

1 Lisboa, 2009: 227-241.

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dades representavam as antigas corporações de ofício. As Ordens Terceiras, as mais poderosas, vinculavam-se às Ordens Primeiras (franciscana, beneditina, carmelita, dominicana). Na verdade, essas confrarias agiam como verdadei-ras entidades de classe, separadas para brancos, índios, negros e pardos.

A Ordem Terceira dos Irmãos da Penitência, criada em 1221 pelo próprio São Francisco de Assis 2, desenvolveu-se no Brasil em 1585, com a chegada dos fra-des franciscanos em Olinda, vila-sede da capitania Pernambuco. A capitania era a mais próspera da colônia devido à sua grande concentração de engenhos de cana-de açúcar e seu donatário, Jorge Albuquerque Coelho, conseguira junto ao Geral da Ordem de São Francisco em Portugal a criação da Custódia de Santo Antônio do Brasil, em carta patente de 13 março de 1584, confirmada pelo alva-rá régio de 29 de maio do mesmo ano. Em 27 de novembro 1586, o reconheci-mento da nova custódia foi publicado na Bula Papal Piis Fidelium votis, de Xisto V, tornando extensivo a todo território colonial o favor concedido ao donatário.

A primeira Irmã Terceira da Penitência foi uma viúva olindense chamada Ma-ria Rosa, que vivia na Casa de Nossa Senhora das Neves – um recolhimento com capela – na companhia de outras mulheres da elite pernambucana 3. Maria Rosa tomara o habito franciscano em 1577, no pequeno oratório de São Roque, cons-truído por um frade capucho ainda no tempo do fundador da capitania, Duarte Coelho. Em 1585, em escritura lavrada 4, doou aos frades a Casa das Neves e ter-renos para a construção conventual.

2 A Ord�m, �r�to d� �m pro��ndo d�s�jo do santo d� �on�i�iar r��i�ião � m�ndo pro�ano, visava �on�r��ar p�ssoas ��� d�s�jass�m ��var �ma vida �ristã int�nsa no �x�r���io da mis�ri��rdia � da �aridad�, s���ndo os �nsinam�ntos da Ord�m Fran�is�ana, mas s�m s� a�astar d� s�as famílias e de seus afazeres cotidianos. Sua Regra, definida pelo próprio Patriarca de Assis, foi aprovada em fins do século XIII pelo papa Nicolau IV (1288-1292) e vigorou até 1882, quando teve sua redação renovada pelo então papa Leão XIII (1878-1903).

3 D�ntr� ��as tr�s sobrinhas do prim�iro donat�rio da �apitania d� P�rnamb��o, D�art� Co�- D�ntr� ��as tr�s sobrinhas do prim�iro donat�rio da �apitania d� P�rnamb��o, D�art� Co�-lho. Eram elas D. Isabel, D. Cosma e D. Felipa de Albuquerque, filhas de sua irmã e Jerônimo d� A�b����r���.

4 �ABOATAM, 1858, Part� I vo�. II: 375-380.

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Deste primeiro chamamento laico fundaram-se as demais Ordens Terceiras no Brasil, consolidando-se no século XVII com o desenvolvimento sempre crescente da burguesia. Mas a colaboração dos franciscanos, Primeiros e Terceiros, no poder régio sempre foi dominante, desde a grande atuação da rainha Santa Isabel (1270-1336) em prol de sua divulgação em Portugal 5, estendendo-se à Dinastia de Bragan-ça. Conta o historiador Frei Basílio Röwer que D. João IV, ao subir ao trono em 1640, “fez o voto de se alistar entre os Irmãos Terceiros e assistir todos os anos à festa de S. Francisco, voto que também os seus descendentes cumpriram religiosamente” 6. No Brasil imperial, os membros da realeza, D. Pedro II e as princesas D. Januária e D. Francisca, tornaram-se irmãos Terceiros da Penitência em 1835; a imperatriz D. Teresa Cristina, a princesa D. Isabel e seu esposo o conde d’Eu, em 1870 7.

Do ponto de vista jurídico, a Ordem Terceira de São Francisco dependia da Ordem Primeira, cujo Custódio (o mais alto cargo franciscano) tinha a função de dirigi-la em tudo o que dizia respeito à Regra, sem a aprovação do qual as resoluções da Mesa Diretora da irmandade não teriam valor legal. Como obrigação religiosa, cabia aos seus seguidores a construção de altares, de capelas e, até mesmo, de igrejas, se abastados, dedicadas a um santo devo-cional da Ordem Franciscana. Como penitentes, deveriam promover a pro-cissão das Cinzas (anunciando e abrindo o período da Quaresma), o auxílio aos doentes, viúvas, órfãos e velhos desamparados, e o sepultamento aos mortos 8, daí a construção de hospitais e cemitérios para os seus associados.

Comumente, os Terceiros Penitentes sediavam a própria capela devocional dentro da igreja conventual e, mais raramente, exterior a ela. Eles também construíam, para suas atividades, outras dependências: sacristia, sala de con-

5 Lisboa, 2009: 233-237.

6RöweR, 1945: 206.

7 IPHAN, Ar��ivo Noronha Santos, Livros da V�n�r�v�� Ord�m T�r��ira d� São Fran�is�o da P�- IPHAN, Ar��ivo Noronha Santos, Livros da V�n�r�v�� Ord�m T�r��ira d� São Fran�is�o da P�-nit�n�ia, Pasta 2029, Caixa 530.

8 “Hoje, a ação beneficente substituiu bastante a penitente”. Ver baRata, 1975: 61.

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sistório, biblioteca, secretaria, portaria e, às vezes, até mesmo uma segunda igreja, chamada Casa de Oração. Isto ocorria sobretudo nas cidades grandes, cujos habitantes mais ricos eram, em geral, Irmãos Terceiros. Algumas dessas construções eram tão importantes que ficavam junto ao convento, reunidas em torno de um segundo claustro ou formavam um prédio isolado, como foi o caso da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro, que veremos a seguir.

Os Terceiros Penitentes do Rio de Janeiro

A Ordem Terceira de São Francisco da Penitência foi fundada no Rio de Janeiro pelos noviços da congregação de São Francisco de Lisboa, Luiz Figuei-redo, e sua esposa, Antônia Carneiro, que fizeram sua profissão de fé no dia 20 de março de 1619 9, diante do custódio do convento de Santo Antônio, Frei Paulo de Santa Catarina e de toda comunidade franciscana. Havia onze anos que o convento se estabelecera no morro do mesmo nome, em terras doados pelo então governador Afonso de Albuquerque.

Renasciam, deste modo, as antigas confrarias de São Francisco e de Santo Antônio, atuantes na cidade desde o século XVI e que haviam sido extintas por ocasião da escritura de posse do morro aos frades, em 1607, para que o fu-turo convento tivesse monopólio do culto daqueles dois santos 10. O que revela a existência de uma forte devoção franciscana por parte da sociedade local.

Ainda naquele ano de 1619, com a associação de outros membros laicos, o guardião do convento, Frei Bernardino de Sant’Iago, deu permissão para ini-ciar a construção de uma capela para os “Penitentes de São Francisco”, como os

9 Tombo I, nas p��inas ��� pr���d�m o t�rmo d� ab�rt�ra � “R�s�mo Hist�ri�o da V�n�r�v�� Ord�m T�r��ira d� São Fran�is�o da P�nit�n�ias, 1905: 5 � s��. RöweR, 1945: 40-41. V�r baRata, 1975: 59.

10 RöweR, 1945: 28.

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Irmãos Terceiros eram chamados no Rio de Janeiro 11, em terreno cedido pelos frades contíguo à igreja conventual. Concluída três anos depois, a capela ficou localizada na lateral esquerda da nave do templo (no sentido da Epístola), como mostra o mapa holandês Rio Genero, datado de 1624 12. Foi inaugurada em 17 de setembro de 1622 – dia em que os franciscanos celebram em todo mundo a festa de Impressão da Chagas 13 – e consagrada a Nossa Senhora da Imaculada Conceição, padroeira de Portugal e da Ordem de São Francisco. Nessa ocasião foi eleita a primeira Mesa Diretora, que teve Frei Tomás de São Boaventura esco-lhido como Comissário e o fundador, Luís de Figueiredo, como Ministro.

Em 1647, os Irmãos Terceiros instituíram na cidade a Procissão das Cinzas, uma obrigação que, como penitentes, lhes cabia promover, para relembrar aos fiéis a abertura da Quaresma e o arrependimento pelos excessos cometidos no Carnaval. A procissão era aparatosa, composta de vários andores com ima-gens colossais de Cristo, da Imaculada, São Francisco, Santo Antônio e outros santos de devoção da Ordem 14. Saía da capela e percorria as principais ruas do centro da cidade, retornando ao seu lugar de origem quatro horas depois 15. Na verdade, esta prática sempre teve um sentido de transição entre os dois perío-dos para boa parte da população, o que levou a Ordem Terceira a extingui-la, em 1861, por atitudes consideradas desrespeitosas às normas religiosas.

Com o crescente número de irmãos ingressos, a capela da Conceição tor-nou-se pequena para comportar seus membros e, em 1653, a administração

11 “Como eram chamados os membros desta �rdem no Rio de Janeiro”. Ver “Como eram chamados os membros desta �rdem no Rio de Janeiro”. Ver baRata, 1975: 55.

12 Grav�ra �m �obr� 20 x 15 �m. Bas�ada no d�s�nho d� Ni�o�as van G�����r��n, �m �. d� 1622- Grav�ra �m �obr� 20 x 15 �m. Bas�ada no d�s�nho d� Ni�o�as van G�����r��n, �m �. d� 1622-1623.P�b�i�ado �m Reys-boeck, Amst�rdam, 1624. V�r siLva-NigRa, 1950.

13 Consta na hagiografi a de São Francisco que nesse dia ele orava no monte Alverne quando teve Consta na hagiografia de São Francisco que nesse dia ele orava no monte Alverne quando teve a visão de Cristo na forma de um serafim alado, ocasião em recebeu os estigmas da Crucificação.

14 Ima��ns �m ��� som�nt� a �ab��a, as mãos � os pés são �s���pidos �m mad�ira ma�i�a, todo Ima��ns �m ��� som�nt� a �ab��a, as mãos � os pés são �s���pidos �m mad�ira ma�i�a, todo r�sto é ripado, o ��� as torna m�nos p�sadas.

15 V�r d�s�ri�ão d� �ma d�ssas pro�iss��s das Cin�as �m ��an Baptist� V�r d�s�ri�ão d� �ma d�ssas pro�iss��s das Cin�as �m ��an Baptist� DebRet. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Tomo III, São Pa��ão, EDUSP � B��o Hori�ont�, Editora Itatiaia, 1989, p. 31.

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decidiu-se pela construção de uma nova igreja 16. Para tanto, os frades fran-ciscanos venderam à Ordem Terceira, por 50$000, o terreno contíguo à igreja conventual. No entanto, em novembro de 1657, sob a administração do Cus-tódio Frei Pantaleão Batista, a escritura de venda foi substituída por outra de doação, sendo a quantia antes tratada convertida em esmola para obras no convento. A partir de tais acordos, foi iniciada a construção desse segundo templo, que viria a ser consagrado a São Francisco da Penitência. Quarenta anos depois, os Irmãos Terceiros tentaram aumentar os fundos do terreno onde estavam instalados, pedido que lhes foi negado “por ser prejudicial às obras da cisterna do Convento com seus alegretes e passadiços” 17. A rara vista da “Cidade de São Sebastião”, de François Froger, datada de cerca de 1695 18, mostra a capela da Conceição junto ao convento e mais algumas incipientes construções laterais, que se imagina serem já as da nova igreja.

A partir de então, começaram os desentendimentos entre eles e os frades e, como consequência, a igreja, com suas dependências (sacristia, sala da congregação e capela do noviciado), foi sendo construída com diversas in-terrupções. Entre os motivos, são citadas questões acerca de mais terreno, da proibição de terem torre sineira (os irmãos seriam atendidos pelos sinos do convento), da localização da porta de entrada (que só podia figurar no fron-tispício com a função de ornato), dos púlpitos (nos quais foi não foi permitida a realização de sermões) e das catacumbas, só construídas nos começos do século XIX, quando então foram interrompidos os enterramentos no centro

16 M�rio Barata in�orma ���, s���ndo do��m�nta�ão, as obras s� tiv�ram in��io �m 1657. V�r M�rio Barata in�orma ���, s���ndo do��m�nta�ão, as obras s� tiv�ram in��io �m 1657. V�r baRata, 1975: 63.

17 baRata, 1975: 85. A���r�t�: �ant�iro o� r���t����o d� mad�ira, p�dra o� ar�amassa, ��� s� �n-�h� d� t�rra � ond� s� �riam p�antas. Passadi�o: �orr�dor o� �a��ria ��� �om�ni�a dois �di���ios.

18 François Froger,“St. Sebastien, Ville Episcopale du �résil”.Desenho a bico-de-pena, gravado François Froger,“St. Sebastien, Ville Episcopale du �résil”.Desenho a bico-de-pena, gravado (grav. De Fer, geógrafo do Delfim), 11,4 x 36 cm. Publicada em sua obra Relation d’un voyage fait en 1695, 1696 et 1697 aux Côtes d’Afrique, Détroit de Magellan, Brezil, Cayenne et Isles Antilles, Paris, 1698. FBN, S��ão d� Obras Raras, r��istro 51, 2, 13.

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da igreja. O desenho aquarelado de Guilherme Frederico Rommy 19 e a planta do IPHAN 20 mostram a existência de um corredor a céu aberto entre a igreja conventual e a dos penitentes, no qual estaria prevista a construção de uma escada que conduziria ao coro e à torre sineira.

FIGURA 1 – Fachada do Conjunto Arquitetónico do Convento de Santo Antônio e da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência

no detalhe do Panorama Circular do Rio de Janeiro

19 Detalhe do “Panorama Circular do Rio de Janeiro”. Desenho aquarelado de �uilherme Frede- Detalhe do “Panorama Circular do Rio de Janeiro”. Desenho aquarelado de �uilherme Frede-ri�o Romm�. Gravado por Sa�athé, bas�ado no panorama atrib��do a Fé�ix Émi�� Ta�nna� o� a Lo�is-S�nphori�n M��nié, datado d� 1821. 8 a��ar��as m�dindo �ada �ma 0,51 m x O,39m, não assinado � �om anota���s a ��pis, p�b�i�adas na r�vista b���a Archives d’Architecture moderne, em 1990 (figura n.º1). Em Pereira, 1994: 169-195.

20 IPHAN, Mapot��a, 1951. “P�anta-baixa do térr�o o� prim�iro pavim�nto do �onj�nto ar��it�t�ni- IPHAN, Mapot��a, 1951. “P�anta-baixa do térr�o o� prim�iro pavim�nto do �onj�nto ar��it�t�ni-co da igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro”, ANS-03755.

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FIGURA 2 – Planta-baixa do térreo ou primeiro pavimento do conjunto arquitetónico da igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro

Fonte: IPHAN, Mapoteca, 1951, ANS-03755.

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Diante de tantos percalços, a igreja da Penitência demorou a ser concluída. Iniciada em 1653, somente teve o prédio acabado em 1720, recebeu grande par-te da decoração interna entre 1726 e 1740, e foi finalmente inaugurada em 4 de outubro de 1773, sob a invocação de São Francisco da Penitência ou das Chagas.

A capela da Conceição continuou a prestar serviços de culto aos Irmãos Ter-ceiros até aquela data, quando passou a outras funções, como por exemplo, a servir de Casa de Oração. Não se tem notícias de seu aspeto interior até os anos 30 do século XVIII. Mas é interessante notar que, mesmo já estando para ser substituída, ela foi totalmente redecorada juntamente com a nova igreja, ambas dentro da segunda fase do Barroco em Portugal – a das igrejas “forradas de ouro”. E em trabalho executado pelos mesmos entalhadores – os importantes artistas portugueses Manuel de Brito e Francisco Xavier de Brito.

FIGURA 3 – Interior da Igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro

Foto: Alex Salim, 2011.

FIGURA 4 – Altar-mor da Capela de Nossa Senhora da Conceição Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro

Foto: Alex Salim, 2011.

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A talha barroca da Capela de Nossa Senhora da Conceição

Manuel de Brito já era conhecido por seu trabalho como mestre-entalhador na igreja de São Miguel da Alfama, em Lisboa, entre 1724-1726, como primeiramente notou Reynaldo dos Santos 21. Na igreja da Penitência do Rio de Janeiro ele assinou os seguintes contratos: em 1726, para fazer o risco e execução do revestimento em talha da capela-mor, “da parte do arco para dentro”; em 1732, para a execução de um púlpito, a ser entregue em três meses; em 1736, para o revestimento parietal dos interstícios entre os altares laterais e do coro. O outro artista, Francisco Xavier de Brito (- Minas,1751) 22, foi designado como escultor pela Ordem Terceira da Penitência, com a qual assinou, em 1735, o contrato do risco e execução da talha do arco-cruzeiro e da cimalha da nave. No ano seguinte, contratou “nova obrigação de dar as sete capelas de todo acabadas e ajustadas no tempo de dez meses” 23. Seis destas capelas correspondem às da nave da igreja. A sétima seria, portanto, a capela de Nossa Senhora da Conceição 24.

Reconhecendo a tipicidade da época e a identidade de estilo entre es-sas duas obras, o historiador Mário Barata atribuiu a Francisco Xavier de Brito “o altar com dossel, pilastras de grandes volutas, pendentes, figuras de quase vulto”; e a Manuel de Brito, “a talha parietal (hoje existente só do lado esquerdo) 25, [pois] ela é do mesmo estilo da existente na nave da Pe-

21 Contrato do a�tar-mor �m 31 d� maio d� 1723. Do��m�ntos r�v��ados por G�rmain Ba�in, �om Contrato do a�tar-mor �m 31 d� maio d� 1723. Do��m�ntos r�v��ados por G�rmain Ba�in, �om a aj�da d� R��na�do Santos. baziN, 1984: 328.

22 S�� traba�ho na P�nit�n�ia do Rio d� �an�iro o ��vo� a Minas G�rais �m 1741, ond� s� d�sta�o� S�� traba�ho na P�nit�n�ia do Rio d� �an�iro o ��vo� a Minas G�rais �m 1741, ond� s� d�sta�o� como entalhador nas igrejas de Nossa Senhora do Pilar e de Santa Efigênia, em �uro Preto, e tam-bém �omo �s���tor, s�ndo d�si�nado �stat��rio �m 1790. baRata, 1975: 25.

23 baRata, 1975: 27. baziN,1984, I: 300.

24 CaRvaLho, 2008: 251-260.

25 A ta�ha do �ado dir�ito �oi d�str��da �m 1812 para a �o�o�a�ão do t�m��o do pr�n�ip� �spanho� A ta�ha do �ado dir�ito �oi d�str��da �m 1812 para a �o�o�a�ão do t�m��o do pr�n�ip� �spanho� D. P�dro Car�os, ��nro � sobrinho d� D. �oão VI.

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nitência”. E “no arco de ligação com o convento surgem os medalhões com busto tão peculiares ao primeiro entalhador Brito” 26.

A meu ver as atribuições do historiador não deixam dúvidas. Se não, ve-jamos: serviram de enquadramento ao retábulo da Conceição quatro pilas-tras misuladas, da ordem compósita, nas quais foram salientadas imagens dos quatro evangelistas 27, assentes em volutas baixas, um tipo de composição que o artista utilizou largamente na igreja da Penitência e que levou para Minas. O coroamento foi fechado por um grande dossel com sanefas, encimado pela fi-gura da Caridade, ladeadas de figuras angélicas, tratadas em grande estatuária.

Basta comparar a composição desses dois elementos – pilastra e coroamento – com os dos retábulos laterais da Penitência para que as semelhanças fiquem evidentes. O mesmo pode-se dizer da autoria de Manuel de Brito, se compa-rarmos a talha lateral da capela da Conceição com a que o artista executou para capela-mor da igreja da Penitência: dividida em painéis retangulares, a talha preenche todo espaço até a cimalha, emoldurando inclusive pinturas e janelas. A composição combina diversos elementos decorativos característi-cos do estilo joanino, como sanefas, cortinados, medalhões, volutas em curvas e contracurvas, folhagens retorcidas, conchas vieiras, flores, feixes de palmas e plumas, cabecinhas angélicas, frisos verticais de folhelhos e festões de botões florais. Os conjuntos apainelados destacam elementos da iconografia mariana tirados da Litania da Virgem – estrela matutina, rosa mística, torre de Davi, etc. Do lado da Epístola, esta composição ficou totalmente prejudicada quan-do, em 1817, foi construído aí um mausoléu em mármore de carrara para abrigar os restos mortais do príncipe D. Pedro Carlos, de Espanha, sobrinho e genro de D. João VI (casado com D. Maria Cristina).

26 baRata, 1975: 52.

27 A s�m��han�a dos ��� �xist�m no r�t�b��o-mor da Cap��a d� Nossa S�nhora da Con��i�ão, d� A s�m��han�a dos ��� �xist�m no r�t�b��o-mor da Cap��a d� Nossa S�nhora da Con��i�ão, d� Lo�r�s, d� a�toria do �nta�hador B�nto da Fons��a A��v�do. Smith, 1962: 98, ��. 59.

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Fica evidente, também, que tanto a capela quanto a igreja continuaram a receber o mesmo tratamento decorativo após os trabalhos dos dois Brito, pois as mesas dos seus altares, provavelmente de finais do século XVIII ou inícios do XIX, confecionadas na forma de sarcófago, com apliques de rocalhas dou-radas sobre fundo azul, indicam a presença do Rococó segundo um mesmo padrão e o piso, o mesmo tratamento em embutido marmóreo.

Por outro lado, a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição que serve de orago à capela dos Terceiros, é um magnífico exemplar do barroco português da primeira metade do século XVIII.

FIGURA 5 – Imagem de Nossa Senhora da ConceiçãoMadeira policromada e dourada, século XVIII, procedência portuguesa.

Altar da Capela de Nossa Senhora da Conceição Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro.Foto: Alex Salim, 2011.

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Das invocações marianas, a da Imaculada Conceição é, sem dúvida, a mais divulgada no mundo luso e brasileiro, desde as diretrizes da Contrarreforma, quando a igreja Católica confrontou com a Igreja Reformada 28, que repudiara a veneração das imagens santas, dentre elas a da Imaculada Conceição, por julgar que essa ideia não estava diretamente explicitada na Bíblia. Impulsiona-da pelos jesuítas 29, a doutrina imaculista tomou corpo e intensificando-se nos países católicos. Na verdade, o Concílio de Trento (1540-1563) 30, ao falar da universalidade do pecado original, ainda que não tenha definido o dogma da exceção de Maria, determinou sua observância segundo o que fora estabeleci-do no Concílio de Basileia de 1438, pelo papa franciscano Sisto IV 31, que pro-clamou Maria como Santa e Imaculada, imune ao pecado original pela graça de Deus e estabeleceu sua festa em oito de dezembro. As palavras do Concílio de Trento não tardaram a tornar a doutrina imaculista opinião universal no catolicismo e foram decisivas para a sua expansão no programa catequético do Novo Mundo. A Virgindade Perpétua de Maria foi proclamada dogma de fé pelo papa Pio IX, na Bula Ineffabilis Deus, de oito de dezembro de 1854.

A instituição oficial do culto deu-se com D. João IV, em 25 de março de 1646, seis anos após a retomada do reino à Coroa de Espanha. A Imaculada Conceição foi então eleita padroeira de Portugal e de suas colônias 32.

28 Fundada em 1520 pelo teólogo alemão e ex-frade agostiniano �artinho Lutero (1483-1546). Fundada em 1520 pelo teólogo alemão e ex-frade agostiniano �artinho Lutero (1483-1546).

29 F�ndada �m 1537 p��o �spanho� In��io d� Lo�o�a. F�ndada �m 1537 p��o �spanho� In��io d� Lo�o�a.

30 Convocado pelo papa Paulo III, o conclave fi xa a posição da Igreja Católica em relação a todos Convocado pelo papa Paulo III, o conclave fixa a posição da Igreja Católica em relação a todos os pontos �riti�ados p��os prot�stant�s, ao m�smo t�mpo �m ��� �stab����� os obj�tivos � méto-dos para a �orma�ão � �orta���im�nto do ���ro � da a�toridad� papa�.

31 (1414-1484) nascido Francesco Della Rovere, pertenceu � �rdem Franciscana. (1414-1484) nascido Francesco Della Rovere, pertenceu � �rdem Franciscana. Papa �m nov� d� a�osto d� 1471.

32 A partir d�ssa data, mais n�nh�m r�i d� Port��a� �so� �oroa na �ab��a, por s� �onsid�rar ��� A partir d�ssa data, mais n�nh�m r�i d� Port��a� �so� �oroa na �ab��a, por s� �onsid�rar ��� s� a vir��m tinha �ss� dir�ito. Nos ��adros ond� apar���m r�is o� rainhas, a �oroa �st� po�sada ao �ado, sobr� �ma m�sa, n�m tambor�t� o� a�mo�ada d� ��tim.

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Na escultura supracitada, a representação de Nossa Senhora da Imaculada Conceição segue os padrões iconográficos da Contrarreforma 33: uma mulher jovem e bela (símbolo da ausência do pecado), de fartos cabelos (símbolo da fertilidade) 34 e ventre volumoso (símbolo da Mãe Puríssima que irá gerar o Salvador da Humanidade). Mostra uma atitude de serena e de sublime con-trição (com as mãos postas em oração, símbolo de sua inconteste aceitação à maternidade divina). Está de pé, apoiada em nuvens, sobre uma lua crescente e o globo terrestre, sob os quais uma serpente se enrosca em atitude de ataque (símbolo do pecado original e da heresia), que ela esmaga. Veste uma túnica branca (símbolo da pureza) com um largo manto azul, vermelho e dourado (cores da realeza). Deveria portar à cabeça uma coroa (símbolos de sua reale-za). Está em glória, ou seja, num espaço celeste, acompanhada de querubins (figurinhas aladas retomadas na arte cristã do clássico Cupido).

Dentro da tipologia do barroco, a movimentação da escultura enfa-tiza a linha sinuosa do corpo, com inflexões em contraponto à direita e à esquerda, a expansão volumétrica, a riqueza e agitação das vestes, notadamente do veu e do manto. Este lhe cobre o ventre num repu-xado em linhas diagonais acentuadas e a túnica cai em pregas ondu-ladas. As nuvens e os querubins desenvolvem movimentos diversos. A policromia das vestes indica a realeza da Virgem. A cor clara da túnica contrasta com as do manto, em azul forte e vermelho, decora-das com desenhos, ramagens e debruns dourados. Os querubins pos-suem os olhos negros e os cabelos castanho-claro e cacheados. Suas feições lembram as da Virgem. A execução revela a mesma delicadeza de entalhamento, o que faz supor se tratar da mão do mesmo artista 35.

33 CaRvaLho, 2010:

34 S�mbo�o m�ti�o �m div�rsas ���t�ras. S�mbo�o m�ti�o �m div�rsas ���t�ras. CiRLot, 1984:130.

35 Em a���ma r�sta�ra�ão, os ���r�bins da Ima��m da I�r�ja da P�nit�n�ia r���b�ram �m do�- Em a���ma r�sta�ra�ão, os ���r�bins da Ima��m da I�r�ja da P�nit�n�ia r���b�ram �m do�-ram�nto tota� sobr� a po�i�romia ori�ina�, nat�ra�ista, ��� a nosso v�r, �omprom�t� a b����a do todo �s���t�ri�o.

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Podemos dizer que esta imagem funcionou (e ainda funciona) como um poderoso instrumento de convencimento doutrinário, no papel que lhe destinou o ideário da Contrarreforma.

Considerações finais

Tanto o aparato decorativo quanto a cuidadosa escolha iconográfica, numa capela que se tornara secundária, só se justificam na medida do desejo e ne-cessidade de os Irmãos Terceiros continuarem a permanecer como um im-portante foco de referência junto à igreja da Ordem Primeira. E de marcar a diferença de objetivos dos dois templos.

No gosto do espetáculo e na fruição dos sentidos, que o Barroco propiciava, o programa iconográfico da capela visou exaltar o tempo da Igreja, na figura dos quatro Evangelistas, que narraram a história de Jesus enviado por Deus para trazer a salvação aos homens por meio da humildade e da misericórdia. E o valor da Caridade, sobre a qual as demais virtudes se assentam, represen-tada na figura de uma mulher protegendo e abraçando três crianças, tornando claro, nestas presenças infantis, a assunção também das virtudes da Fé e da Esperança, tendo a Imaculada Conceição na função de medianeira da graça divina. Neste sentido, a Ordem Terceira procurou afirmar a imagem de credi-bilidade dada ao seu programa assistencial, através da qual promovia a apro-ximação com o público que frequentava a igreja de Santo Antônio, permane-cendo como um traço de união entre aquelas duas entidades. O destaque dado ao túmulo de D. Pedro Carlos reforça a marca do reino nesta visualidade.

Na igreja da Penitência, as soluções iconográficas da Ordem Terceira visaram enfatizar questões doutrinárias da própria Ordem Franciscana, e também sociais dentro do espírito do franciscanismo, buscando modelos mais próximos de serem imitados dentro da esfera do laicato, na qual os Irmãos Penitentes se enquadravam.

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No retábulo da capela-mor, o coroamento ressalta a figura de Jesus como Salvador do Mundo – sentado sobre o globo terrestre, executando o gesto tri-nitário (que O reafirma como Segunda Pessoa da Santíssima Trindade) e cer-cado pela milícia angélica. O camarim dramatiza a visão no Monte Alverne, na qual Jesus, como um anjo seráfico, confere a São Francisco as chagas de sua crucificação, gesto que irá irmaná-Lo ao santo. Os retábulos e nichos da nave da igreja representam religiosos conventuais e Irmãos Penitentes que, além da atitude mística e misericordiosa, tiveram uma atuação de verdadeiros apósto-los de Cristo, na doutrinação e no combate em defesa da fé. A saber: no lado da Epístola, as imagens de Santa Rosa de Viterbo (O. 3.ª franciscana), São Roque (O. 3.ª) e Santo Ivo (O. 3.ª franciscana), Santa Bona (O. 3.ª franciscana), São Lúcio (0.3.ª franciscana) e S. Luís, rei de França (O. 3.ª). No lado do Evangelho, Santa Isabel, rainha de Portugal (O. 3.ª franciscana/clarissa), São Gonçalo do Amarante (frade dominicano), São Vicente Ferrer (frade dominicano), São Eleazário (O. 3.ª), Santa Delfina (O. 3.ª) e São Gualter (frade franciscano).

Do ponto de vista da arte, os dois templos, concentrados notoriamente na tipologia do Barroco português de meados aos fins do século XVIII, período em que a obras se realizaram, configuraram-se na mais notável representativi-dade artística daquela poderosa Irmandade no Rio de Janeiro. Uma diferença de propostas, é verdade, mas que se irmanam, pelo grande efeito doutrinário, que continua a ser indicado pela Igreja Católica como um caminho pelo qual o fiel pode estabelecer o seu elo com o Divino.

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A pintura do forro da igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro:

contribuições para sua análise iconográficaCesar Augusto Tovar Silva

A Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, confraria re-ligiosa cuja origem remete aos tempos do próprio São Francisco (1182-1226), foi a primeira ordem terceira a se estabelecer na cidade do Rio de Janeiro. Tal instituição deu-se em 20 de março de 1619, por meio da profissão de fé de Luís Figueiredo e Antônia Carneiro, casal lisboeta já pertencente à Ordem como noviços nos tempos em que viviam no Reino. A partir desse fato, a Ordem cresceu rapidamente, tanto em membros quanto em patrimônio acumulado, o que permitiu, entre os anos de 1619 e 1622, a construção de uma capela própria em terreno cedido pelos frades franciscanos junto à igreja de seu con-vento localizado no morro de Santo Antônio.

A capela inicial dos terceiros, dedicada à Imaculada Conceição, logo se tornou pequena para o crescente grupo de irmãos. Diante dessa realidade, em 1653, a administração decidiu substituí-la por outra maior, cujas obras de construção tiveram início quatro anos depois. Contudo, o problema de espaço insuficiente para o número de membros persistiu. Dessa forma, a partir de 1715, os terceiros deram início ao seu templo definitivo no terreno ao lado da igreja conventual. Para seu programa decorativo, foram contratados os entalhadores Manuel de Brito e Francisco Xavier de Brito, já notáveis por suas realizações em Portugal,

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e o pintor e dourador português Caetano da Costa Coelho que, conforme dom Clemente da Silva Nigra, já devia estar na cidade desde os primeiros anos do século. Do trabalho desses artistas, o interior da igreja de São Francisco da Peni-tência resultou numa obra de arte única na América portuguesa, marcada pela uniformidade dentro do estilo barroco da época de dom João V.

Data do ano de 1732, o primeiro acordo firmado entre os irmãos terceiros e Caetano da Costa Coelho. Por meio desse contrato, cabia ao pintor realizar na capela-mor “a pintura de todo o teto que há de ser da melhor perspetiva” e os oito painéis de suas paredes 1. O mesmo documento estabelecia ainda a douração de toda a obra de talha desse espaço.

FIGURA 1 – Forro da capela-morFoto: Alex Salim.

1 BATISTA, 1941: 139-140

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Em 1736, concluídas as obras da capela-mor, o pintor foi novamente contratado. Segundo o novo acordo, ajustado definitivamente em 1737, Caetano da Costa Coelho ficava obrigado a “fazer a pintura de todo o teto do corpo da capela do arco para baixo de melhor perspetiva, diversi-dade e perfeição, imitando a que vem de dentro da capela-mor” 2. A nova empreitada seria concluída em 1743.

FIGURA 2 – Forro da naveFoto: Alex Salim.

2 BATISTA, 1941: 146.

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O programa iconográfico da pintura monumental realizada nos forros da nave e da capela-mor da igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro é obra de grande complexidade e de difícil com-preensão. Diante desse pensamento, o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar este tema, mas contribuir com alguns pensamentos que possam ajudar o questionamento e a possível identificação de alguns de seus elementos.

Durante um século, cogitou-se que a obra de pintura do forro da igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro fosse obra de José de Oliveira Rosa, pintor ativo na cidade durante a primeira metade do século XVIII. Cou-be a Manuel de Araújo Porto Alegre, célebre membro da Academia Imperial de Belas-Artes, tal atribuição. Em 30 de novembro de 1841, por ocasião da sessão comemorativa ao terceiro aniversário do Instituto Histórico e Geográ-fico Brasileiro, Porto Alegre apresentou uma comunicação intitulada “Me-mória sobre a antiga escola de pintura fluminense”. Nela afirmou que: “Uma escritura de contrato entre a Confraria e Caetano da Costa Coelho, em que a Ordem se obriga a pagar-lhe 6:100$000 rs. pela pintura do teto e dourado da igreja, podia excitar grandes dúvidas sobre o ser ou não de José de Oliveira aquela obra: a tradição constante das testemunhas oculares e dos discípulos que sobreviveram a este mestre desmentem o documento” 3.

Desde então, José de Oliveira Rosa passou a ser citado como o autor da pin-tura monumental da igreja da Penitência. Somente em 1941, Nair Batista, his-toriadora do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (atual IPHAN 4), voltou a associar o nome de Caetano da Costa Coelho à dita obra. A partir da redescoberta e publicação da documentação encontrada nos arquivos da Ordem Terceira de São Francisco, a pesquisadora atribuiu a responsabilida-de de tal empreitada ao pintor português. Além disso, levantou a possibilidade de outros pintores terem sido contratados como auxiliares de Caetano da Cos-

3 PORTO ALEGRE, 1841: 552.

4 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

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ta Coelho, entre os quais estaria o próprio José de Oliveira Rosa. De fato, tal possibilidade se evidencia quando se contrasta detalhes de figuras pintadas na capela-mor e na nave do templo, tais como anjos e o próprio São Francisco.

A época da atuação de Caetano da Costa Coelho no Rio de Janeiro coincide com a da presença na Bahia do pintor santareno António Simões Ribeiro. Au-tor, entre outras obras de pintura, do forro em perspetiva ilusionista da biblio-teca dos jesuítas de Salvador, Simões Ribeiro só teria desembarcado no Brasil entre 1735 e 1736, época da conclusão da pintura da capela-mor da igreja dos terceiros franciscanos do Rio de Janeiro 5. Portanto, a conclusão da decoração do forro desse espaço, em 1736, lhe garantiu o pioneirismo da pintura em quadratura na América portuguesa 6.

Embora pioneira na colônia, a pintura realizada na igreja da Penitência mes-clava as novas tendências da pintura ilusionista conforme se desenvolvia em Portugal a antigos recursos da pintura de quadratura. Aqui, salvo a abertura no centro da composição, a arquitetura pintada não induziria à sugestão do “ras-gamento do suporte”, conforme os princípios desenvolvidos pelo padre Andrea Pozzo em seu tratado Perspectiva Pictorum et Architectorum (1693-1700).

No caso do forro da igreja da Penitência, o artista optou por uma velha fórmula em que os falsos elementos arquitetónicos não levavam o olhar ao infinito, porém arrematavam o ambiente e iludiam em relação às suas dimensões. É o que se veri-fica através dos arcos pintados sobre o forro de tabuados e que ligam uma parede à outra, de forma a contribuir para a valorização do interior do edifício.

Em Portugal, a arte de pintar forros transformara-se desde fins do século XVI, integrando linguagens do Maneirismo ao Barroco, dentre as quais se destacaram elementos decorativos de brutescos, apainelados de caixotões e

5 meLLo, 1998: 141-161.

6 Empr��o a��i o �on��ito d� quadratura �omo �m tipo d� d��ora�ão i��sionista, na ��a� ���-m�ntos ar��it�t�ni�os são pintados �m par�d�s, ��p��as � t�tos, d� �orma a par���r�m s�r �ma �xt�nsão da ar��it�t�ra r�a� do �di���io. V�r aRgaN, 2003: 419; meLLo, 1998: 75.

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quadraturas. No final do XVII, influências espanholas, italianas e francesas contribuíram para a substituição dos modelos tradicionais pelos da perspe-tiva ilusionista com uso da falsa arquitetura. A prática, contudo, foi dinami-zada somente no século seguinte, a partir da difusão do tratado de Andrea Pozzo e da presença e atuação do pintor florentino Vincenzo Baccherelli no Reino, entre 1702 e 1718. A esse coube a realização da pintura do forro da portaria do mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa (1710), marco da pintura ilusionista em perspetiva aérea em Portugal.

Integrada a essas transformações, verificou-se também a tendência de li-mitar o centro da quadratura com o uso do quadro recolocado (quadro ripor-tato), prática que corresponde à pintura da cena central do forro dentro dos mesmos princípios da perspetiva de frontalidade das representações parietais. Dessa forma, o centro da pintura, ao invés de tender ao infinito numa sugestão de romper com o suporte – conforme a tendência coroada por Andrea Pozzo na igreja de Santo Inácio, em Roma –, privilegiava a figura aí retratada como se a dimensionasse em direção ao espectador.

A opção por esse recurso parece apontar para a lacuna provocada pela au-sência do ensino acadêmico em Portugal – realidade da qual decorreu a difi-culdade enfrentada pelos artistas lusitanos na realização do desenho do corpo humano, sobretudo em escorço necessário para a sugestão de ascensão além dos limites do suporte. A essa explicação convém acrescentar a ideia de que os artistas portugueses buscaram traduzir as novas tendências à sua própria realidade artística e cultural, o que resultou numa composição própria repre-sentada em todo seu império. Em concordância com Magno Moraes Mello, a “leitura portuguesa dos processos italianos adaptou aos seus próprios pa-drões, especificidades materiais e culturais o que, de modo algum, poderá ser pensado como uma ‘má interpretação’ ou incompreensão dessas fontes” 7.

7 meLLo, 1998: 23.

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A pintura do forro da igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: contribuições para sua análise iconográfica

De fato, essa é a tendência observada na pintura monumental da igreja da Penitência. No forro abobadado da nave, Caetano da Costa Coelho e seus auxiliares construíram uma quadratura formada por meio da pintura de elementos arquitetónicos e decorativos – arcos, colunas, capitéis, mí-sulas, entablamentos, balcões, volutas, medalhões, cartelas, tarjas e guir-landas – que emolduram a cena central, caracterizada por uma acentuada frontalidade. O recurso garantiu a valorização do quadro recolocado fren-te à riqueza de detalhes da quadratura, chamando a atenção do espectador à cena aí representada: “A glória de São Francisco”.

Nela, o santo aparece emoldurado por um medalhão de nuvens, cercado por quatro trios de querubins. As representações dos dois trios superiores, em menor escala e em tonalidades mais claras que os trios inferiores, eviden-ciam uma intenção de pintar o conjunto dentro dos princípios da perspetiva aérea, de forma a sugerir a ideia de profundidade. A cena, contudo, con-trariando os cânones difundidos por Pozzo, não foi dotada de mobilidade. Notadamente frontalizado, sem o escorço que poderia sugerir sua elevação além dos limites físicos impostos pelo suporte, São Francisco foi representa-do de joelhos sobre as nuvens, em atitude de contemplação. A ascensão do conjunto, portanto, não é sugerida pela representação do movimento físico, mas pelo profundo sentimento de espiritualidade provocado pela atitude do santo com braços erguidos e olhar voltado ao alto. A isso se somam os raios de luz que dele emanam e, o que não é muito comum nas representações desse santo, as asas abertas a sugerir seu voo aos céus 8.

8 �utra singularidade dessa iconografia é o cordão com quatro nós atado � cintura do santo. Tradi�iona�m�nt�, �st� poss�i tr�s n�s simbo�i�ando os votos d� pobr��a, �astidad� � ob�di�n�ia pr�prios da Ord�m.

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FIGURA 3 – Forro da capela-morFoto: Alex Salim.

A cena aqui representada é o coroamento da mensagem iconográfica impres-sa em toda a igreja. Dois anos antes de sua morte, Francisco tivera a visão do monte Alverne – representado na igreja pelo conjunto escultórico do retábulo--mor –, na qual lhe aparecera, em meio a uma intensa luminosidade, “Jesus Cristo, Filho de Deus, em semelhança de Serafim” 9. Em conformidade com a hagiografia franciscana oficializada por São Boaventura 10, frei Marcos de Lisboa registrou na primeira parte das Crônicas da Ordem dos Frades Menores (1557):

9 LISBOA, 1557: Part� I, Livro 2, Cap. 55.

10 A partir das d��is��s do �ap�t��o ��ra� da Ord�m �m 1260, �o�b� a São Boav�nt�ra a tar��a d� A partir das d��is��s do �ap�t��o ��ra� da Ord�m �m 1260, �o�b� a São Boav�nt�ra a tar��a d� escrever a biografia dita oficial de São Francisco (Legenda maior e Legenda minor). Após a apro-va�ão no �ap�t��o ��ra� d� 1263, o d� 1266 proibi� todas as o�tras ����ndas do santo � ord�no� a d�str�i�ão das m�smas. V�r LE GOFF, 2005: 52.

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“... hũa manhã junto da festa da exaltaçaõ da santa Cruz de setembro vio descender dos altos Ceos hũa semelhança de Seraphim q tinha seis asas como o vio Isaias propheta, assi ascendidas em fogo respladescente, q lãçavaõ de si grades raios de claridade & resplandor. E como avoando com grandissima ligeireza, chegasse ao lugar onde estava o varão de Deos Francisco, apareceo entre as asas a figura de hum homem crucifi-cado, que tinha os pés & maõs estendidas em Cruz & encravados com cravos, & com lançada em o lado direito. E as asas assi maravilhosamen-te eraõ ordenadas, que as duas de cima tinha estendidas, & levantadas sobre a cabeça, & as duas do meo trazia estendidas, & com ellas voava, & fazia semelhãça de Cruz, & as outras duas trazia recolhidas, com ellas somente cobrindo o corpo ate os pès” 11.

Continua ainda frei Marcos de Lisboa que, desaparecendo a visão,

“deixou hum maravilhoso ardor & sempre ardente fogo de amor, em o altar do seu coraçaõ do seu Santo, & não menos maravilhosa figura de suas sagradas chagas imprimidas em sua carne, porque logo apareceraõ em as mãos e pès do santo padre os sinaes dos cravos, como os tinha vistos em aquella figura de IESV crucificado. [...] E o lado direito tinha assi como ferido de hũa lança, feita em elle hũa chaga aberta & verme-lha, pela qual quasi sempre lhe corria sangue” 12.

Da narração hagiográfica conclui-se que a experiência da estigmatização aproximara São Francisco ao sacrifício de Cristo na Cruz, devoção esta que ocupara lugar central na espiritualidade franciscana. 13 No forro da igreja da Penitência, alguns elementos iconográficos também representam a identifica-ção de São Francisco ao Cristo. Tal ocorre, sobretudo, na capela-mor, onde se

11 LISBOA, 1557: Part� I, Livro 2, Cap. 55. LISBOA, 1557: Part� I, Livro 2, Cap. 55.

12 LISBOA, 1557: Part� I, Livro 2, Cap. 55. LISBOA, 1557: Part� I, Livro 2, Cap. 55.

13 vaUChez, 1995: 150.

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vê, ao centro do forro, uma falsa abertura que serve de moldura à representa-ção do “Milagre da Porciúncula”, ocorrido em 1223, quando, em resposta aos apelos do santo, Jesus e Maria lhe teriam aparecido prometendo indulgência a todos os que, contritos e confessados, viessem à igreja de Nossa Senhora da Porciúncula, junto a qual viviam os primeiros franciscanos em Assis. Seguin-do ainda a narrativa de frei Marcos de Lisboa:

“E no anno do Senhor de mil & dozentos & vintetres, em nossa Senhora da Porciuncula, estando hũa noite em sua cella apartada fazendo oraçaõ ao Senhor polos peccadores com grande fervor, apareceolhe hum Anjo & disselhe, que fosse a igreja, porque nosso Senhor Iesu Christo & sua sacratíssima madre com grande multidão de anjos o estavaõ esperando. E logo se levantou & foi a igreja. E entrando pela porta vio Iesu Christo em o altar maior em hũa cadeira real assentado, & sua gloriosa madre a sua destra assentada, acompanhados de grande numero de Anjos” 14.

Também na capela-mor, pinturas em grisalhas de tonalidade rósea, emoldu-radas por tarjas, representam o santo junto ao Cristo. No lado do Evangelho, novamente a “Cena da Porciúncula”; no lado da Epístola, “Francisco receben-do o Menino Jesus dos braços da Virgem”; próximo ao arco-cruzeiro, “Fran-cisco na cena da deposição da Cruz junto à Virgem e ao corpo de Cristo”. 15 Próxima ao coroamento do grande retábulo, existe ainda uma quarta grisalha. Contudo, seus traços imprecisos dificultam a identificação de sua iconografia.

O recurso da representação em grisalhas foi também estendido à nave, pri-vilegiando cenas da vida e milagres do santo de Assis. Nesse espaço, dispostas sobre os elementos do falso entablamento, foram pintadas figuras de eclesiás-ticos, santas, rainhas e um ou mais reis cujas histórias se relacionam à Ordem. Muitas delas portam ou leem livros, cujo possível conteúdo é sugerido pelas

14 Lisboa, 1557: Part� I, Livro 2, �ap. 1.

15 sobRaL, 2011.

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grisalhas ao fundo. 16 Entre estas, tomo como exemplo a visão que os frades franciscanos tiveram de São Francisco subindo ao céu em um carro de fogo, também narrado nas Crônicas por frei Marcos de Lisboa:

“E de noite velando o sancto em ferventissima oração, apareceo aos frades subitamente quasi a hora de meya noite hum carro de fogo de maravilhoso resplandor, o qual entrando pela porta da casinha dos frades, estando algũs delles em oração, & outros dormindo, deu tres voltas pela casa, & sobre o carro vinha são Francisco assentado, & sobre elle hũa nuvem redonda & muy clara de fermosura do sol, q fez esclarecer toda escuridade da noite” 17.

A identificação das figuras reais, santas e eclesiásticos, tanto da nave quanto da capela-mor, ainda é um desafio a ser vencido. Alguns atributos, contudo, justificam uma possibilidade de reconhecimento, a começar pela capela-mor. Nesse espaço, a partir do arco-cruzeiro, foram posicionados, tanto no lado do Evangelho quanto no da Epístola, um rei, um eclesiástico e uma rainha ou santa. Escondida entre os elementos decorativos, contudo denunciada por sua sombra, existe uma figura que parece ter sido inserida posteriormente na composição. No lado da Epístola, entre a figura feminina e a grisalha na qual São Francisco recebe o Menino Jesus dos braços da Virgem, foi representado um homem de barba, com livro à mão e uma concha na lapela, atributo que levou Karl Werner Funke a identificá-lo como São Tiago. A historiadora da arte Janaína de Moura Ramalho Araújo Ayres chamou a atenção para a possibilidade dessa figura ter uma iconografia correspondente no lado oposto da capela 18.

Entre as figuras pintadas nas partes laterais do forro da capela-mor, o úni-co personagem que não deixa dúvidas em seus atributos é São Luís, rei da

16 RabeLo, 2011.

17 LISBOA, 1557: Part� I, Livro 1, �ap. 14. LISBOA, 1557: Part� I, Livro 1, �ap. 14.

18 aYRes, 2008: 138; FUNKe, 2004: 425.

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França (1214-1270), notável membro da ordem terceira franciscana. 19 Posi-cionado no lado do Evangelho, próximo ao arco-cruzeiro, foi representado com cabelos longos, bigode, coroa e manto real, de acordo com sua icono-grafia tradicional. Sua representação nesse espaço harmoniza-se com a prin-cipal iconografia da capela, ou seja, a cena da estigmatização representada pelo conjunto escultórico do retábulo-mor. Conta a tradição que, ao retor-nar de uma das Cruzadas das quais participara no Oriente, São Luís trouxe consigo a coroa de espinhos e os cravos da crucificação de Cristo, relíquias para as quais mandou construir a Sainte Chapelle, em Paris. Na pintura aqui tratada, é uma das figuras que não porta um livro. Ao invés disso, tem os três cravos em uma das mãos. Com a outra, indica em direção ao altar-mor, onde São Francisco recebe as marcas da crucificação de Cristo. É para esta cena que o rei também parece voltar o seu olhar.

Na nave, as figuras foram organizadas em duas formas de agrupamen-tos – quatro formados por possíveis santos franciscanos e outros dois por eclesiásticos. Os grupos de santos são formados sempre por três figuras. No entanto, o olhar atento leva à dúvida se todas as personagens centrais de cada um desses trios sejam de fato reis, pois em três casos tais figuras fo-ram representadas imberbes e com traços femininos. Nos dois grupos de eclesiásticos, localizados em frente à cena da apoteose do quadro central, estão dispostos, da esquerda para a direita: um bispo, identificado pela mitra branca; um papa, identificado pela tiara branca; outro bispo, também identi-ficado pela mitra branca; e um cardeal, identificado pela sotaina e pelo bar-rete vermelhos. Embora o uso de luvas vermelhas não se restrinja aos papas, nesta iconografia elas parecem ser usadas como elemento de diferenciação do sumo pontífice em relação demais eclesiásticos.

19 vaLLaDaRes, 1978: �stampa 202.

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Em publicação de 1975, dedicada à igreja da Ordem Terceira da Penitência do Rio de Janeiro, o professor Mário Barata indicou três das figuras de eclesi-ásticos como sendo os doutores da Igreja, Santo Agostinho (354-430), Santo Ambrósio (c.340-397) e São Gregório (c.540-604) 20. No livro, a identificação aparece na legenda referente à foto de um detalhe da pintura, correspondente ao grupo de eclesiásticos representados no lado do Evangelho do templo. Em-bora não especificado, a ordem de apresentação dos doutores sugere que eles estejam dispostos da mesma forma. Contudo, conforme já se demonstrou, os paramentos das figuras indicam se tratar respetivamente de um bispo, um papa, outro bispo e um cardeal. Dos doutores apontados, apenas São Gregório chegou a ser papa. Santo Agostinho e Santo Ambrósio eram bispos. Portanto, caso as figuras correspondam de fato a esses doutores, São Gregório só po-deria ser o segundo do grupo. Talvez, a identificação do terceiro eclesiástico como São Gregório possa ser justificada pela maneira como a figura foi cons-truída, em forma piramidal e o rosto virado para baixo, conforme um painel do mesmo santo que se encontra na antiga sala do Capítulo do Convento de Santo Antônio, devidamente identificado por meio de uma legenda. Quanto à quarta figura, exclui-se a possibilidade de se tratar de um dos tradicionais doutores da Igreja, já que nenhum deles era cardeal. 21

Deve-se a Mário Barata e a Clarival do Prado Valladares o reconhecimento e o mérito das primeiras sugestões de análise iconográfica da pintura do forro da igreja da Penitência. Contudo, excetuando os atributos inquestionáveis de São Francisco, São Luís, Jesus e Maria, considero difícil estabelecer a real iden-tificação das demais figuras. Até mesmo em relação aos eclesiásticos, a identi-ficação até agora feita parece carecer de argumentação sólida. Em relação aos reis, rainhas e santas o desafio da identificação é tarefa ainda mais árdua pois,

20 baRata, 1975: 36.

21 Além dos doutores aqui citados, São Jerônimo (347-420), monge respons�vel pela tradução Além dos doutores aqui citados, São Jerônimo (347-420), monge respons�vel pela tradução latina da �íblia (Vulgata), também é considerado um dos quatro doutores tradicionais da Igreja.

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como já justificado em outros estudos, os atributos de cada uma dessas figuras – coroas, cetros, rosas e livros – são escassos e repetitivos 22.

No entanto, se considerarmos a vida de reis, rainhas, santas e eclesiásticos que se destacaram na história franciscana, sobretudo em relação à sua Or-dem Terceira, pode-se cogitar algumas possibilidades de identificação. Con-forme proposto nos estudos de Janaina Ayres e de Klaus Werner Funke 23, entre as figuras da nave e da capela-mor, podem também estar representa-dos Santa Isabel de Portugal (1271-1336), rainha que, após enviuvar do rei D. Dinis, tornou-se monja de Santa Clara; Santa Isabel da Hungria (1205-1227), rainha que, também ao enviuvar, tomara o hábito da Ordem Terceira de São Francisco; Santa Rosa de Viterbo (1235-1253), irmã terceira francis-cana; São Boaventura (1221-1274), autor da biografia oficial de Francisco; Papa Inocêncio III (1198-1216), responsável pela aprovação verbal da pri-meira regra franciscana, em 1210; Honório III, papa entre 1216 e 1227, que aprovou definitivamente a regra da Ordem Franciscana (Regula bullata), em 1223; e Gregório IX, papa entre 1227 e 1241, responsável pelas canonizações dos dois principais santos da Ordem, São Francisco e Santo Antônio.

A inclusão de Santa Isabel de Portugal, Santa Isabel da Hungria e Santa Rosa do Viterbo no elenco acima pode também ser justificada pelo fato delas terem sua tradicional iconografia ligada à representação de rosas – flores pre-sentes por toda a extensão da pintura do forro da igreja da Penitência. As rosas também se associam ao milagre da Porciúncula, representado na capela-mor.

Narra a lenda que, logo após a confirmação papal à graça da indulgência da Porciúncula, Francisco, em resposta à tentação de abandonar a vida mendican-te, teria-se lançado sobre um espinheiro, preferindo as dores da paixão de Cristo que os deleites do mundo. Conforme a narração de frei Marcos de Lisboa:

22 aYRes, 2008: 136; FUNKe, 2004: 421-422.

23 A�RES, 2008: 137; FUN�E, 2004: 423-425. A�RES, 2008: 137; FUN�E, 2004: 423-425.

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“E logo apareceo hũa muy grande claridade, & no meio da geada q fazia porq era em Janeiro, entre as silvas & tojos muitas rosas vermelhas & brancas muy fermosas & muitos Anjos daqlle lugar ate a igreja. E hũ dos Anjos disse a S. Francisco. Vaite logo à igreja que esta la nosso Senhor Iesu Christo & sua Madre, & o Sãto se vio milagrosamente vestido, & o caminho dali a igreja todo estrado de ricas alcatifas e tapetes. E tomãdo doze rosas brancas e doze vermelhas, foyse à igreja per o caminho q os Anjos tinhã feito, & vio Christo estar em o altar, & à sua destra sua gloriosa Madre cõ grande cõpanhia de Anjos, & offerecidas aqllas rosas ao Señor, lãçouse em terra cõ profundíssima humildade fazendo reve-rencia e disse. Sãtissimo Señor & governador dos ceos & da terra, vos fostes servido cõceder esta indulgencia & plenaria remissão aos fieis q esta igreja de vossa sãta Madre visitarem, & o vosso Vigairo na terra, ordena q seja hũ dia cada anno, o qual, porq seja o que for mais vossa santa võtade, peço a vossa altíssima Magestade, q assineis, polos mere-cimentos de vossa gloriosa Madre nossa avogada. O Señor respõdeo, q queria q fosse o segũdo dia Dagosto, & q começasse o primeiro dia em q sam Pedro foy livre dos ferros de Herodes as vesperas, & assi tornou a confirmar & conceder a dita indulgencia plenaria” 24.

Desde a arte medieval, a iconografia cristã convencionou ter na rosa branca o símbolo da pureza imaculada da Virgem, e nas pétalas da rosa vermelha, as cinco chagas de Cristo 25. No forro da igreja da Penitência, rosas brancas e ver-melhas se misturam, em possível alusão à pureza e às chagas de São Francisco. São querubins os responsáveis por espalhá-las por toda a extensão da pintura, circundando ou coroando os santos que abraçaram a causa franciscana.

Mensageiros de Deus, os anjos estão representados por todo o forro. São quase todos querubins, dispostos aos pares ou trios, em atitudes jocosas e car-regando flores ou medalhões. Quatro serafins foram representados, parte nos

24 Lisboa, 1557: Part� I, Livro 2, �ap. 2.

25 CaRR-gomm, 2004: 193; maRCoNDes, 2010: 186-187.

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elementos de falsa arquitetura, parte no céu que se abre na cena do quadro re-colocado no centro da nave. Estão dispostos dois de cada lado, respetivamente sobre as grandes cornijas em que estão assentados os eclesiásticos. Dois deles se destacam por portarem um ramo de lírio, no lado do Evangelho, e uma cruz de trave dupla, no lado da Epístola.

No teto da igreja da Penitência, as mensagens das quais o grande número de anjos é portador são traduzidas nas flores que carregam, entre as quais se destacam as rosas. No painel central da capela-mor, Jesus, vestido de vermelho, aparece carregando a cruz, como o Senhor dos Passos. A Virgem, por sua vez, está vestida de branco sob o manto azulado. No entanto, onde estão os dois na cena apoteótica da nave? Estão por todo o teto, traduzidos nas flores vermelhas e brancas das quais os anjos são mensageiros. Também entre os serafins, que conduzem a luz da glória de São Francisco, está representada a pureza da Vir-gem no lírio do lado do Evangelho e o sacrifício do Cristo na cruz erguida do lado da Epístola – dois significados que se conjugam na figura de São Francisco.

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O trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira

de São Francisco de SalvadorEugênio de Ávila Lins

SONÊTO

A S. Francisco tomando o poeta o habito de Terceyro

Ó magno serafim que a Deus voasteCom asas de humildade e paciência,E absorto já nessa divina essênciaLogras o eterno bem a que aspiraste:

Pois o caminho aberto nos deixaste,Para alcançar de Deus também clemênciaNa ordem singular de penitênciaDêstes Filhos Terceiros, que criaste.

A Filhos, como Pai, olha queridos,E intercede por nós, Francisco Santo,Para que te sigamos e imitemos.

E assim, desses teus hábitos vestidosNa terra, blasonemos de bem tanto,E depois para o Céu juntos voemos.

GREGÓRIO DE MATOS

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Nos estudos existentes sobre os trabalhos realizados pelo mestre carpinteiro Gabriel Ribeiro para a Ordem Terceira de São Francisco de Salvador, tem sido recorrente a consideração de que o projeto para o frontispício de seu templo, ca-racterizado pelo completo revestimento em cantaria, não constitui um exemplo artístico vinculado à tradição portuguesa, sendo resultante da influência do bar-roco espanhol – ou até mesmo filiado à manifestação deste na América Espanho-la. O desconhecimento que muitos autores apresentam da historiografia da arte lusa e até mesmo a pouca atenção dada à conceção espacial e demais elementos arquitetónicos que o mestre português concebeu para o referido templo se colocam como fatores influentes na formação e persistência dessa teoria.

Também são desconsideradas as condicionantes estabelecidas para a elabo-ração do projeto, apontadas por fontes documentais, principalmente aquelas advindas dos frades franciscanos doadores do terreno onde ocorreu a cons-trução. Desse modo, o texto busca identificar as diversas circunstâncias, tem-porais e espirituais, advindas dos agentes envolvidos na encomenda e na ela-boração do projeto, de forma a ampliar a discussão sobre este monumento. Ao mesmo tempo, procura aprofundar o universo artístico/cultural do Mestre Gabriel Ribeiro e suas ressonâncias nas atividades artísticas que exerceu.

Fundação da Ordem Terceira de São Francisco

No decorrer do século XVII, as Ordens Terceiras existentes na Europa se fortalecem graças a um novo imaginário social, calcado na construção da identidade tridentina, que tinha como uma das premissas a valorização da ação humana e de sua autonomia, baseada no papel das “boas obras”, da prá-tica sacramental e na valorização do Santos como protetores contra perigos e, sobretudo, como modelos a imitar.

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O trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

Esse fortalecimento teve ressonâncias imediatas nos territórios do Reino de Portugal, influenciando o aparecimento, no território brasileiro no perí-odo Colonial, de Ordens Terceiras e também Irmandades e Confrarias, que, aos poucos, tornam-se as principais formas de organização leiga no contexto da sociedade colonial. Estes grupos apresentam inicialmente um caráter re-ligioso e, no decorrer dos tempos, motivados pelas contingências da época, convertem-se em instrumentos de poder social, econômico e político.

A Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Bahia teve sua fundação decorrente desse processo e, tão logo, seus membros se tornaram as figuras mais proeminentes da Bahia colonial. Provas disso, segundo Casimiro, são “os valores dos bens deixados à Ordem, em seus testamentos, e o lugar de destaque que ocupavam na vida pública da cidade” 1.

A iniciativa da fundação partiu do Frei Cosme de São Damião, religioso que exercia o elevado cargo de Custódia da Província de Santo António do Brasil. A patente da fundação, datada de 1635, encaminhada ao Guardião do Convento S. Francisco da Bahia, veio acompanhada dos estatutos que deviam reger a Instituição. A instalação da Ordem se fez no primitivo e modesto Con-vento de São Francisco, cuja Casa do Consistório era usada para a realização das reuniões. Na ausência de igreja própria, a imagem da padroeira Santa Isa-bel, Rainha de Portugal, foi colocada no altar de N. Senhora da Conceição, localizado na Igreja do referido Convento 2.

No ano de 1636, imediato ao da fundação, assentou a Mesa “fazer casa de consistório, por baixo do dormitório novo do Convento dos Religiosos” 3. A con-clusão da obra ocorreu em 1644 e, logo em seguida, os Terceiros desejaram completá-la com um altar para a realização das atividades litúrgicas e dos exercícios espirituais preconizados pela Regra.

1 CASIMIRO, 1995: 176.

2 ALVES, 1948: 11.

3 ALVES, 1948: 14.

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O processo espiritual também era uma questão relevante para os res-ponsáveis pelos destinos da Ordem Terceira de São Francisco da Bahia, sendo favorecido por duas importantes determinações do Papa Alexandre VII: a primeira, a confirmação do Instituto e, a segunda, a concessão de indulgência, plenária aos Irmãos, no dia da receção do hábito e in articulus mortis, além de muitos outros privilégios.

Embora tendo assumido o compromisso de professar a vida religiosa de acordo com a “forma de vida” preconizada por São Francisco, ainda em vigor: pobreza, penitência e imitação de Cristo, os franciscanos também eram atentos ao desenvolvimento material, especialmente às suas deman-das, a exemplo da criação de cenário mais amplo para as festas e reuniões dos Terceiros. Assim, por vezes, precisaram deixar “seu compromisso em segundo plano por ser incompatível com as exigências e os valores da vida social predominantes na Bahia colonial” 4.

A crescente importância da Ordem Terceira na cidade do Salvador

No Brasil, sobretudo durante os séculos XVII e XVIII, regista-se o fenôme-no de filiação de aristocratas à Ordem de São Francisco, motivado pelo valor usufruído pelas Ordens junto à sociedade da época. Para esta, tornar-se irmão terceiro era uma prova de aceitação social pelas camadas mais significativas da colônia. Também havia a crença no status que a condição de membro da Or-dem oferecia, o qual agraciava e somava-se a outros títulos de que os irmãos eram portadores, como “homens bons”.

4 CASIMIRO, 1995: 175.

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O trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

O prestígio alcançado pela Ordem de São Francisco, somado ao crescimen-to do número de irmãos, abriu caminho para a proposta de construção de uma igreja própria, com traços físicos capazes de suprir as necessidades do culto e compatíveis ao poder econômico e social dos irmãos terceiros. Cir-cunstância alheia à vontade da Mesa ligada à Ordem apressou o cumprimento dessa exigência no início do século XVIII.

Em 1686, o Guardião Frei Tomaz da Presentação iniciou a obra da cons-trução do grande Convento de São Francisco, que substituiria o primitivo, arruinado e pequeno. Cientes da necessidade sentida pelos Terceiros de ter um templo próprio, os Frades do Convento decidiram, em 1692, doar terras contínuas à sua edificação para que, nelas, fossem construídas a nova capela, o consistório, o claustro e demais dependências necessárias:

Aos vinte e três de outubro de 1692, unânimes, e conforme estando legiti-mamente congregado o Deffinitorio com o discriptorio, que sendo caso, que os Irmãos da // Terceiros Ordem de N.S. P.S. Francisco, congregados neste Convento da Cidade da Bahya quizessem fazer nova capella, consistório, claustro e mais cazas necessárias para seus exercícios da banda do Ginipa-peiro, que graciozamente lh’o permittiamos, e dávamos toda a terra, que lhe necessário fosse para a parte do Ginipapeiro [...] 5.

No ano de 1697, a construção do grande Convento se encontrava bastante avançada, chegando a escurecer a Casa do Consistório onde se reuniam os Terceiros e prejudicar a celebração da missa. Nessa emergência, deliberou a Mesa levantar igreja própria e casa anexa, o que motivou a encomenda de plantas aos melhores profissionais da cidade. Marieta Alves (1948) nos in-forma que a documentação hoje existente no Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco não permite esclarecer o processo de escolha dos riscos para o novo templo. Além disso, explica a mesma autora, o secretário Luiz Gomes

5 ALVES, 1948: 19.

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Coelho, bastante minucioso nas informações prestadas a Jaboatão 6, cronista da Ordem, descuidou-se de mencionar o autor da planta da Igreja dos Tercei-ros da Bahia, informando apenas que “approvada a melhor pela nossa meza, e tão bem pela deffinitorio do Convento em dezoito de dezembro de 1701, resolveo dar-se princípio à obra com toda a promptidão” 7.

O conhecimento do autor do projeto para o novo templo da Ordem Ter-ceira de São Francisco de Salvador se deve às pesquisas realizadas por Marie-ta Alves, que havia encontrado nos documentos da Ordem Primeira a cópia do “Termo da concordata que seus antecessores fizeram com a Mesa da Or-dem 3.ª para a edificação da Igreja”, no qual está registrado o nome do Mestre Gabriel Ribeiro como riscador do referido templo:

[...] todos abaixo assignados, ahi estando na mesma meza capitular-mente congregados, se apresentarão nellas varias e differentes plantas feitas pelos Mestres Architetos desta cidade, para que de todas ellas se fizesse escolha da que se mostrou melhor, segundo o parecer dos mais scientes votos, e por Ella se prosseguir na fabrica das novas obras que esta Veneravel Ordem 3.ª intenta edificar: e sendo vistas e ponderadas com a maior attenção as ditas plantas se fez escolha de uma feita pelo Mestre Gabriel Ribeiro, por ser Ella a que se achou mais bem repartida em melhor proporção e com toda as circumstancias conducentes ao magnífico da obra // e luzes della [...] 8.

6 JA��TÃ�, Fr. A. de Santa �aria. Novo �rbe Ser�fico �rasílico ou Crônica dos Frades �enores da Prov�n�ia do Brasi�. Rio d� �an�iro, 1858.

7 �ABOATÃO, 1858: 303.

8 ALVES, 1948: 16.

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Condicionantes para a construção do templo

As condicionantes políticas, religiosas e artísticas para a construção do novo templo envolvem um conjunto de aspetos tangíveis e intangíveis, que perpas-sam diversos segmentos da sociedade. Eis alguns: os que fazem doações, os que encomendam e os que são responsáveis pela execução das demandas. To-dos estes estabelecendo parâmetros que correspondem às responsabilidades/deveres e direitos que envolvem os entes participantes do processo.

As primeiras condicionantes para a construção do templo partem dos religio-sos franciscanos, quando estes fazem a doação do terreno para que os Terceiros implantem a nova capela e anexos. Uma questão a esclarecer é que o termo de doação não exprime plenamente a transação feita entre os religiosos e os ir-mãos terceiros. Os Franciscanos, como Ordem Mendicante, por princípio, não podem possuir “bens de raiz” nem realizar qualquer tipo de venda ou compra. Desta forma, a solução para realizar as transações sempre foi o sistema de do-ação e por parte dos religiosos, recebendo a contrapartida através de esmolas. Esta questão encontra-se claramente expressa na reunião capitular de 1692:

Aos vinte e três de outubro de 1692, unânimes, e conforme estando legitimamente congregado o Deffinitorio com o discriptorio, que sen-do caso, que os Irmãos da // Terceiros Ordem de N.S. P.S. Francis-co, congregados neste Convento da Cidade da Bahya quizessem fazer nova capella, consistório, claustro e mais cazas necessárias para seus exercícios da banda do Ginipapeiro, que graciozamente lh’o permit-tiamos, e dávamos toda a terra, que lhe necessário fosse para a parte do Ginipapeiro, dos alicerces que estão feitos para dentro, com obriga-ção e condição, em que em nenhum tempo abrirão sepulturas nenhúa em o seo clautro, capella, e mais cazas sem consentimento deste Con-vento, correspondendo com suas esmollas todos, os que se enterrarem

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nas taes sepulturas a este Convento, como fazem os mais fieis; porque he razão, que sendo ricos e poderosos, e nós pobres e mendigos nos privem das nossas esmollas, com que geralmente concorrem os fiéis; pois não temos outra couza, mais que o amor de Deos. Em fé de que fizemos este termo, dia mez, e anno ut supra 9.

Retomando as condicionantes dos religiosos franciscanos, estas estão explicita-das na escritura de doação das terras, realizada em 31 de julho de 1701. Primeira-mente, as impostas pelas condições físicas do terreno doado, sendo este, em essên-cia, um desmembramento da cerca conventual. Os documentos demonstram que a nova estrutura conventual iniciada pelos religiosos franciscanos situava-se quase ao meio de uma área retangular, posicionado, na sua maior dimensão, paralela à cumeada da Mancha Matriz da cidade do Salvador, no sentido Norte-Sul. As ter-ras que foram doadas aos irmãos terceiros, estavam localizadas na parte Norte do retângulo, correspondendo o lado do Evangelho da nova igreja conventual que se encontrava em construção, possuindo grande parte do terreno acentuado declive na direção do antigo rio das Tripas. Se comparada a totalidade da cerca conven-tual, possuía pequena dimensão, restringindo, desta maneira, as dimensões do templo a ser construído. Pelo termo de doação e posse, constata-se que parte da área já se encontrava ocupada com construções que funcionariam como senzalas e cômodos destinados a ampliação do convento:

[...] propozerão aos ditos Religiosos lhe quizessem dar e largar no dito sitio do Genipapeiro tante terra quanto bem lhe fosse necessária para nella fabricarem a sua Igreja, Cimiterio, Consistório, Casa de fabrica, e todas as mais fabricas digo e todas as mais casas necessárias para o bom governo e administração e exercício da sua Venerável Ordem ter-ceira, entrando na dita largura, e cumprimento da sua planta as quatro cellas do dormitório novo, que corre por parte do nascente, com os

9 ALVES, 1948: 20.

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seos baixos, por lhes não serem necessários ao dito Convento: e outro sim toda a terra, que corre do pé do dito dormitório e lugar das quatro cellas até a ribanceira para elles fazerem seo jardim, em que possão plantar suas flores para os dias de suas festas, hábitos e procissões, pagando-lhe porem o custo que lhes tem feito a obra, que occupão as ditas quatro cellas altos e baixos, assim do officio de Pedreiro, como de Carpinteiro, e seos materiaes que contará de sua medição, e avalia-ção, tudo por seo justo valor e estimável preço; e como a elles doados lhes pertencião as esmollas das covas dos defuntos que se enterrão nos ditos Cimiterios digo que se enterrão no dito Convento em que entrão as dos Irmãos terceiros da dita Venerável Ordem, por não fi-carem defraudados as dita esmola, darião elles doados pelas covas de seos irmãos quer fossem muitos quer poucos em cada um anno de esmolas trinta mil reis simples applicados para a enfermaria delles do-adores;[...] entrarão os ditos Irmãos da Meza e o Ministro em nome de todos os mais irmãos pelas quatro cellas dentro, janellas conventuaes, pondo mãos pelas paredes feixando e abrindo as portas e janellas, das ditas quatro cellas, e depois vindo ao sitio do Ginipapeiro, ahi andarão os ditos Irmãos passeando de uma parte para outra até a Ribanceira que fica da banda do Desterro e Senzallas, assim dentro do muro como de fora da porta do carro, arranco arvores, quebrando ramos, botando terra para oar, fechando e abrindo portas das senzallas, e finalmente fazendo todos os actos, cerimoniase requisitos que em semelhantes actos se costuma fazer, em signal de que tomavão posse das ditas ter-ras e obras de quatro cellas, tudo em presença de vários Religiosos do dito Convento e seo Sindico Pantaleão Rodrigues [...] 10.

Como mostrado, a área doada estabelece uma série de elementos naturais e construídos que condicionaram a ocupação do espaço, interferindo na implan-tação e localização do templo dos Terceiros, no pré-dimensionamento espacial, em espacial na sua dimensão, no fluxo de circulações, tanto das cerimônias re-

10 ALVES, 1948: 28. ALVES, 1948: 28.

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ligiosas quanto aqueles destinados às atividades diárias de manutenção, no con-trole dos acessos e privacidade dos religiosos, mais precisamente do espaço da clausura. Entre os elementos de restrição, consta a determinação para que a por-ta principal do templo dos Terceiros não fosse voltada diretamente para a rua e a exigência de construção de um claustro entre os dois templos, quando estes se situassem em posição correspondente. Estes elementos foram determinantes na conceção do projeto da igreja nova, apresentado por Gabriel Ribeiro:

[...] com declaração porem por elles doados na dita Igreja não farão nunca porta principal para a rua: e sendo caso que facão elles doados a sua a sua Igreja em correspondência dos doadores, mediará entre uma e outra um claustulo, para por elles as duas Igrejas se communicarem e receberem as luzes necessárias, e fazendo os ditos doados, como doado-res as partes necessárias, as quaes terão toda a grandeza necessaria para entrarem e sahirem as Procissões com os seos andores, das quaes portas terão elles doadores as chaves de todas aquellas que fecharem a clausura delles doadores: porem terão elles doados uma porta para a da cerca para a serventia das águas da fonte, como também poderam fazer uma porta para a rua em forma de portaria, e no interiordella com sua com-panhia para por ella entrarem e sahirem os ditos doados e seos Irmãos, quando lhes bem parecer, por evitarem desta maneira alguma moléstia aos Religiosos de se servirem pela sua portaria, da qual porta terão os ditos doados a chave, por lhes ficar a dita porta no interior das suas obras fora da Clausura dos doadores, e nas ditas obras poderão fazer todas as mais portas de muro a dentro que necessárias lhes forem como também janellas, de tal sorte que lhes não devasse o Convento dos ditos doados e seos Irmãos queirão fazer hospital fora dos muros da Clausura delles doadores, em parte que lhes possa ser conveniente, são contentes que possa haver serventia das ditas suas obras para a dita enfermaria por arcos ou corredores, como melhor lhes convier, abrindo para isso

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as portas necessárias, de tal sorte que não possão impedir: e outro sim disse o sobredito Sindico e doadores que elles davão mais e largavão aos ditos doados aquella terra que occupão as quatro cellas ate a ri-banceira para a parte do Desterro, para nella fazerem o seo jardim, por acima dizem, e não poderão fazer na dita terra obras algumas de nenhuma qualidade que // sejão; e nesta forma disseram elles Reli-giosos e o dito Sindico Pantaleão Rodrigues que davão e havião por bem doada aos ditos Irmãos terceiros, deste dia para sempre a dita terra que necessária lhes for, no sitio de Genipapeiro [...] 11.

Após a escolha do risco de Gabriel Ribeiro para o novo templo pelos Irmãos Terceiros, estes o submetem aos religiosos do Convento para que fosse avaliado e aprovado, em Mesa de Definição Conventual a 18 de dezembro de 1701. Após as devidas apreciações do risco, os religiosos levantaram uma questão muito interessante ligada à implantação da igreja e dependências dos terceiros com relação ao conjunto conventual. O fato das construções se encontrarem relativa-mente separadas da igreja conventual, configurando um espaço aberto signifi-cativo possibilitaria, no entendimento dos religiosos, que, em tempos futuros, a Ordem Terceira se desanexasse do convento, com o intuito de abrigar Religiosos Observantes, caso a Coroa lhes permitisse fundar tal casa em Salvador:

[...] onde estava convocada a meza de Definição, a quem pelo nosso Irmão Ministro forão apresentadas todas as plantas, e insinuando a que dellas se havia escolhido, e que para effeito de se metter mãos as obras da Veneravel Ordem 3.ª faltava somente approvação de suas P.P.R.R., a cujos pés prostada toda a Congregação da Mesma Ordem nas pessoas dos Irmãos da Mesa com toda a humildade assim o pedião. O que visto nossos muitos R.R.P.P. em meza de Difinição approvarão e confirmarão a eleição da planta escolhida; mas por considerarem que a artefactura das obras que a dita planta demonstrava e a sua posição poderia pelo

11 ALVES, 1948: 23. ALVES, 1948: 23.

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tempo adeante ser motivos de novidades e alterações que perturbassem a paz, concórdia e união que deve ter, manter e observar sempre este nossa Congregação da Venerável Ordem 3.ª com este convento de N.P.S. Francisco dos Religiosos Capuchos desta cidade da Bahia, com quem a Venerável Ordem 3.ª desde a sua erecção conglutinada por Breve e concessão dos Summos Pontífices, de quem não será nunca em nenhum tempo rasão que se desanexe, pois do mesmo convento e Religiosos del-le bebeo sempre a Venerável Ordem 3.ª o leite da Santa doutrina e lhe forão os seus Religiosos Mestres e companheiros inseparáveis em todos os exercícios espirituais, não faltando de sua parte em concorrer com tudo quanto é temporal e espiritual necessário para o bom regimen da Venerável Ordem 3.ª e consolação de todos os filhos della; nesta consi-deração com todos os votos da meza da Definição se approvou a escolha da dita planta, e e se acordou que por ella edificasse a nossa Venerável Ordem 3.ª as suas obras novas todas as vezes que lhe parecesse sem du-vida nem contradição alguma, obrigando a que por parte do convento se lhe não impederia a fabrica das ditas obras, nem em tempo algum, com tanto que esta meza da Venerável Ordem 3.ª por si e como cabeça da mesma Ordem 3.ª se obrigasse a não alterar ou mudar de substancia a obra que na dita planta se demonstrava, nem abrir della para fora da clausura mais portas do que aquellas que na dita planta lhe está destina-da, para // lhe servir de portaria virada para a parte da Igreja do Con-vento, e que outossim, agora nem em tempo algum impetrarião elles Irmãos 3.º Breves Pontifícios pelos quaes pretendão desanexar as ditas obras da clausura e obe.ª deste convento dos Padres Capuchos, para ad-mittir nellas aos Religiosos 3.º ou observantes (em caso que Sua Mages-tade lhe conceda licença de virem a fundar a esta cidade) o que ouvido pelo Ministro e por todos os mais Irmãos da meza [...] 12.

12 ALVES, 1948: 17. ALVES, 1948: 17.

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As condicionantes estabelecidas pelos religiosos franciscanos, tanto por questões de ordem temporal como espiritual, denotam uma interferência direta na conceção do “projeto” para as novas instalações físicas e o intuito destes manterem sempre um controle sobre os Terceiros. Não esqueçamos que grande parte dos recursos financeiros que adentram para o Convento via “esmolas” e “acordos contratuais 13” era proveniente da Ordem Terceira.

No que se refere às condicionantes estabelecidas pelos Irmãos Terceiros para a escolha do risco para o novo templo, que deveriam constar da docu-mentação da Ordem Terceira – atas, contratos e certidões – infelizmente de-sapareceram, como já se referiu Marieta Alves. Como protesta a autora, “não se explica e muito menos se desculpa a falta dos preciosos documentos que se prendem à monumental construção. Sobre ela paira, no Arquivo, silêncio sepul-cral”. Neste caso, pode-se inferir que os padrões estéticos ou os “gostos” dos Irmãos Terceiros podem ser identificados na atualidade mediante a análise dos documentos da Ordem relativos às questões arquitetónicas e aos bens ar-tísticos integrados e móveis que constituíram, em épocas posteriores, objetos de contratos, notas e recibos. De acordo com Ana Palmira Casimiro:

[...] Tais vestígios demonstram a preferência daqueles irmãos por de-terminados padrões de arte e refletem sempre a escolha pelos que eles consideravam nobre, rico e bom. Hábitos estéticos identificados com o gosto europeu e com os cânones barrocos na sua expressão mais erudi-ta. O exemplo que melhor representou a mentalidade e os hábitos esté-ticos dos irmãos Terceiros de São Francisco foi, sem dúvida, a escolha do modelo do frontispício da Igreja da Ordem [...] 14.

13 Assinados p��os S�ndi�os dos Conv�ntos. Assinados p��os S�ndi�os dos Conv�ntos.

14 CASIMIRO, 1995: 176. CASIMIRO, 1995: 176.

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Como já referido, os irmãos terceiros de São Francisco haviam-se tornado as figuras de maior destaque da Bahia colonial, seja na esfera política seja na econômica. A Ordem, na realidade, apresentava um perfil elitizado e uma hierarquização própria, porém, similar àquela existente fora da instituição. Essa caracterização era fortalecida por seus próprios estatutos, cujas cláusu-las exigiam certificados de bens e de abundantes meios de subsistência ou o pagamento de custosas “jóias” de entrada.

É de domínio público a rivalidade existente entre as entidades religiosas leigas, principalmente entre as duas mais poderosas no período colonial, franciscanos e carmelitas. Todos os elementos que compunham a vida temporal e espiritual (edificações, paramentos, procissões, celebrações litúrgicas, etc.) dessas instituições eram motivo para disputas, que ajudavam na demarcação dos espaços de poder na sociedade. Assim, a escolha do “risco” para um novo templo, nestas instituições, se inseria num processo bastante organizado, a começar por uma convocação pública feita pela Mesa – constituída pelos membros da associação – aos profissionais mais qualificados da cidade, dentre estes os mestres pedreiros/carpinteiros, arquitetos e engenheiros para que fossem apresentados “riscos” a serem apreciados e avaliados pelos referidos associados. Em sessão, os membros da Mesa opinavam sobre os projetos apresentados e escolhiam aquele que atendia plenamente os anseios, no que se refere às questões construtivas, econômicas e de gosto. Em alguns casos, os membros da Mesa eram assessorados por profissionais da área convidados para este fim. Parte desse meticuloso procedimento encontra-se registrado no termo de concordância realizado entre os religiosos franciscanos e os irmãos terceiros para a aprovação da planta pelos primeiros:

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Aos dezoito de dezembro deste presente anno de mil setecentos e um, no convento de N.P.S. Francisco desta cidade do Salvador, Bahia de To-dos os Santos, e casa de despacho da sua Veneravel Ordem 3ª da peni-tencia, onde se congregarão o Ministro della o Coronel Domingos Pi-res de Carvalho, o Vice Ministro Antonio Moreira de Azevedo comigo Secretário e mais Irmãos, que na meza da mesma Ordem servem este presente anno, todos abaixo assignados, ahi estando na mesma meza capitularmente congregados, se apresentarão nellas varias e differentes plantas feitas pelos Mestres Architetos desta cidade, para que de todas ellas se fizesse escolha da que se mostrou melhor, segundo o parecer dos mais scientes votos, e por Ella se proseguir na fabrica das novas obras que esta Veneravel Ordem 3ª intenta edificar: e sendo vistas e ponde-radas com a maior attenção as ditas plantas se fez escolha de uma feita pelo Mestre Gabriel Ribeiro, por ser Ella a que se achou mais bem repar-tida em melhor proporção e com toda as circumstancias conducentes ao magnífico da obra // e luzes della [...] 15.

O “risco” apresentado por Gabriel Ribeiro satisfazia os interesses dos membros da Ordem, justamente por ser um projeto espacialmente bem concebido, com bom dimensionamento das áreas e condizente com a magnificência artística que era es-perada. A compreensão aprofundada do projeto e de seus atributos exige que tra-cemos, ainda que brevemente, o perfil profissional desse artífice/artista, pondo em relevo as circunstâncias temporais e espirituais que envolveram sua vida.

Poucos são ainda os dados sobre a vida de Gabriel Ribeiro, sejam estes li-gados ao período em que viveu em Portugal ou à sua atuação na cidade do Salvador, encerrada em 29 de agosto de 1719, data de seu falecimento. Através da pesquisa realizada por Jaime Joaquim Ferreira-Alves sobre a construção da Igreja da Congregação do Oratório do Porto/Portugal, tivemos conhecimento que Gabriel Ribeiro trabalhou como mestre carpinteiro nas obras do referido edifício no período de junho de 1684 e maio de 1685. Por meio de contrato

15 ALVES, 1948: 16. ALVES, 1948: 16.

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celebrado com a Congregação em 15 de novembro de 1682, “os mestres car-pinteiros José dos Santos e Gabriel Ribeiro se obrigavam a executar, para a obra referida, tudo que pertencia à carpintaria” 16.

Quanto às razões que levaram o mestre carpinteiro a vir para Salvador, pouco pode ser dito, já que, até este momento, estas permanecem desconhecidas. O pri-meiro registro que temos de Gabriel Ribeiro na Bahia, se refere a sua admissão como Irmão Menor na Santa Casa da Misericórdia de Salvador em 1698. O “Livro de Car-tas de Examinações de Oficiais de 1686 a 1712 da Câmara”, pertencente ao Arquivo da Fundação Gregório de Mattos, de Salvador, esclarece que Gabriel Ribeiro obteve licença para exercer sua profissão nesta cidade em 29 de julho de 1699. Esclarece ainda que o referido mestre teve seu ofício examinado na cidade do Porto 17.

Em termos de atividade profissional, não há registros de sua atuação entre 1698 e 1700, sendo seu primeiro trabalho em Salvador associado ao ano de 1701 e justamente à Ordem Terceira dos Franciscanos. Nos anos seguintes, Gabriel Ribeiro atua intensamente na Santa Casa da Misericórdia de Salvador, tanto na qualidade de arquiteto e quanto mestre carpinteiro 18.

Em 1703, a Mesa da Santa Casa da Misericórdia tomou a decisão de mandar construir o Recolhimento para mulheres junto ao hospital da referida instituição. Para isto, convocou publicamente os profissionais da cidade para que apresentem seus “riscos”, seguindo as necessidades da Santa Casa. O “risco” escolhido foi ela-borado pelo Mestre Gabriel Ribeiro, depois de avaliado pelos membros da Mesa e por peritos convidados pela Santa Casa, entre os quais os mestres pedreiros: Ro-drigues Ferreira, Ignácio Teixeira Rangel, Manoel Vieyra, Jozeph Gonçalves Pena, Faustino de Almeida, Jozeph Quaresma e Antonio da Sylvia Aguiar 19.

16 FERREIRA-ALVES, 1993: 388. FERREIRA-ALVES, 1993: 388.

17 ALVES, 1976: 146. ALVES, 1976: 146.

18 V�r in: V�r in: LINS, Eugênio de Ávila. “Artistas e artífices que atuaram na Santa Casa da �isericórdia de Salvador: Séculos XVII e XVII”. IN: A �isericórdia de Vila Real e as �isericórdias no �undo de Expr�ssão Port����sa. Porto: CEPESE, 2011, p. 213-234.

19 ASCM-LA, 1681-1745: 33. ASCM-LA, 1681-1745: 33.

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No ano seguinte, a Santa Casa iniciou o assentamento da escada em már-more vinda de Lisboa, com incrustações de mármore policromado nos de-graus, balaustradas e arcos, seguindo o “risco” do Mestre Gabriel Ribeiro:

[...] foi chamado o capitão Ignácio Teixeira Rangel com quem esta mesa, prezente o dito Provedor, havia apresentado o assentar o dito Ignácio Teixeira a escada que havia vindo do reino, de pedra mármore no preço de trezentos mil reis, a saber: asentar a dita escada, e por os materiaes que sejão necessários the a por em sua ultima perfeição, conforme o risco do mestre Gabriel Ribeiro: E não entra aqui telhado, nem telha, nem tapamentos de janellas; e a mais obra, digo, de janellas, nem entra o tapamento de janellas que se hajão de tapar, nem reboque da escada para baixo. O mais como fica dito se obriga a fazer pellos ditos trezentos mil reis que logo recebeu em dinheiro de contado da mão do thezourei-ro desta Santa Casa Manoel Barboza Teixeira [...] 20.

Este espaço, composto pela escada e galeria que se abre para a Baia de Todos os Santos, se constitui um dos elementos mais importantes e belos da arquite-tura colonial brasileira.

Logo em 1705, Gabriel Ribeiro apresentou um novo “risco” para o Recolhi-mento da Santa Casa, motivado pela decisão da Mesa de empreender alterações no projeto original da edificação. Mas uma vez, a Mesa convocou peritos na cidade para emitirem suas opiniões, prevalecendo a necessidade de se efetivar as mudanças, o que levou à aprovação do “risco” oferecido pelo referido mestre 21.

Em 1706, Gabriel Ribeiro realizou serviços de carpintaria na Santa Casa, constituindo-se estes: na colocação do forro da escada, execução das grades torneadas para as janelas do claustro e de um oratório para a enfermaria das

20 SCM � LA, 1681-1745: 76. SCM � LA, 1681-1745: 76.

21 ASCM-LA, 1681: 78. ASCM-LA, 1681: 78.

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mulheres 22. A partir deste ano, a documentação existente no arquivo da Santa Casa não registra mais nenhuma atividade do mestre em suas dependências.

No que concerne a outras obras realizadas fora do âmbito da Santa Casa da Misericórdia e da Ordem Terceira de São Francisco, os estudiosos de história da arte concordam com a ideia de que o mestre carpinteiro foi responsável pelo projeto e pela execução da portada do Paço do Saldanha, tido como o mais importante exemplar da arquitetura civil do país. Até a presente data, não foi encontrado registro da atividade profissional do mestre Gabriel Ri-beiro em Salvador no período de 1707 até o ano do seu falecimento em 1719. Cremos que novas investigações poderão elucidar esta questão, pois parece impossível que um profissional com a sua experiência tenha permanecido inativo durante este longo período.

22 ASCM-LA, 1681: 80. ASCM-LA, 1681: 80.

FIGURA 2 – Paço do SaldanhaFoto: Alex Salim, 2011.

FIGURA 1 – Santa Casa da Misericórdia de Salvador

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Um aspeto importante do contexto da vida do mestre Gabriel Ribeiro que deve ser ressaltado diz respeito às referências culturais e artísticas que con-tribuíram para a sua formação profissional em Portugal. Sabemos que esta é uma questão muito difícil de ser resolvida, porém, alguns fatos ligados ao panorama artístico da cidade do Porto, na segunda metade do século XVII, possibilitam algumas especulações sobre o assunto.

Portugal, na segunda metade do século XVII, após a Restauração, viveu um período de crescimento das instituições religiosas e, por conseguinte, uma re-novação de suas estruturas físicas, que passaram a incorporar novos padrões na arquitetura e nas mais diferentes manifestações artísticas. Fenômeno seme-lhante também ocorreu no Brasil, quando praticamente todas as edificações religiosas foram substituídas por estruturas novas e de grande porte. Destaca-mos dentro do panorama artístico da cidade do Porto, no citado período, duas referências fundamentais de sua produção: a construção de novos templos, com destaque para a capela da Ordem Terceira de São Francisco, e a constitui-ção de duas novas tipologias retabulares.

A Irmandade da Ordem Terceira de São Francisco foi instituída em 1633, se estabelecendo inicialmente em uma capela no claustro do Convento dos re-ligiosos franciscanos. O crescimento do número de irmãos e o aumento das atividades religiosas determinaram a necessidade de construção de um templo próprio. Para isto, os religiosos franciscanos doaram um terreno junto “a la por-taria de la parte de fuera de la clausura, em que se solian enterrar alguns difuntos pobres” 23, tendo as obras sido iniciadas em 1675. É interessante perceber que situação similar ocorreu com a Ordem Terceira de Salvador. O professor Jaime Ferreira-Alves, em seus estudos sobre os terceiros do Porto, nos fornece uma descrição do referido templo com base em iconografias do século XVIII:

23 NOVAIS NOVAIS apud FERREIRA-ALVES, 2003: 353.

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A vista do Porto de 1736 apresenta-nos o lado poente do corpo e a fachada da capela, vendo-se ainda as estruturas que correspondiam à sacristia, casa do despacho e hospital. A capela-mor, de menor al-tura em relação à nave, não está visível. A estrutura quadrangular da nave, ladeada por pilastras de canto, rematadas por pináculos, é rasga-da, no lado poente, por cima do telhado da sacristia, por uma janela. Na fachada, vê-se uma portada, duas janelas e, na empena, rematada por uma cruz, a mancha negra que se vê na imagem poderá ser inter-pretada como um óculo. Teodoro de Souza Maldonado limitou-se a fornecer-nos uma imagem pouco precisa da fachada, onde aparecem apontados os mesmos elementos referidos. Mais pormenorizada é a representação do frontispício que nos fornece, em 1791, Manuel Mar-que de Aguilar. Na fachada, rematada por uma empena, onde se abre um óculo circular, rasgam-se três vãos (portadas e duas janelas de om-breira e lintel lisos). A portada, enquadrada lateralmente por grandes aletas, segundo modelos divulgados por gravuras da segunda metade do século XVI e do século XVII e pelos tratados mais utilizados na época, forma, juntamente com o nicho que a sobrepuja e as armas da Venerável Ordem Terceira de São Francisco que coroa o nicho, um eixo que acentua a verticalidade do frontispício 24.

Segundo o referido autor, o frontispício da capela da Ordem Terceira de São Francisco do Porto segue um esquema corrente na arquitetura religiosa da época, onde são encontradas variantes utilizadas na referida cidade em outros exemplares contemporâneos: “a Igreja de São Nicolau (1671-1676), com alterações setecentistas; a Igreja da Congregação do Oratório (1680-1703); e a Capela da Ordem Terceira de São Domingos (inicio da construção: 1683), tam-bém modificada no início do século XVIII” 25. Vale ressaltar que Gabriel Ribeiro trabalhou na Igreja da Congregação do Oratório.

24 FERREIRA-ALVES, 2003: 363. FERREIRA-ALVES, 2003: 363.

25 FERREIRA-ALVES, 2003: 364. FERREIRA-ALVES, 2003: 364.

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O trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

No que se refere às outras manifestações artísticas, destaca-se a produção escultórica da segunda metade do século XVII, mais especificamente a talha. À época, a cidade do Porto constituía um grande centro produtor de talha, suas oficinas exerceram grande influência em outras áreas geografias, que iam além do termo da referida cidade. Segundo Natália Marinho Ferreira-Alves, a partir da segunda metade do Seiscentos, período também conhecido como “barroco nacional”, são desenvolvidos dois esquemas retabulares paralelos:

[...] o primeiro, e que será o mais divulgado, tem como melhor mode-lo o retábulo-mor da Igreja do Mosteiro de São Bento da Vitória do Porto, rematado superiormente com arquivoltas que dão continuidade às colunas torsas e cuja decoração de simbologia eucarística – cachos de uvas e fênices – é enriquecida com meninos e enrolamentos de folhagens; e o segundo, que se apresenta como uma estrutura em an-dares, na sequência da tradição maneirista, onde os registros verticais e horizontais permitem a inserção de um número superior de imagens, como podemos constatar no retábulo da Árvore de Jessé 26.

Com efeito, foi a primeira tipologia a que alcançou maior difusão no terri-tório brasileiro, sendo, por vezes, usada como referência principal em estudos comparativos. Em função disso, a segunda permaneceu praticamente vincu-lada ao período dos retábulos maneiristas na historiografia da arte brasileira, convencionando o desconhecimento de sua permanência até a segunda meta-de do século XVIII, ainda que incorporando elementos barrocos e, posterior-mente, associados ao Rococó. É neste universo artístico que Gabriel Ribeiro obteve sua formação profissional e realizou suas primeiras atividades práticas. Quando chegou à Bahia, já trazia um referencial artístico que indubitavel-mente se manifestou na sua produção, seja naquela parcela ligada à arquitetu-ra, seja na vinculada à carpintaria e escultura.

26 FERREIRA-ALVES, 2003: 742. FERREIRA-ALVES, 2003: 742.

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O “risco”

Os desafios enfrentados por Gabriel Ribeiro para atender as demandas e condicionantes apresentados pelos religiosos franciscanos e, sobretudo, pe-los Irmãos Terceiros foram diversos e complexos. Transitavam os desafios em questões que abarcavam tanto condicionantes físicas, dadas pelo terreno, quanto religiosas, de gosto e de poder.

Devido à dimensão do terreno doado e à sua declividade, além da exigência dos religiosos franciscanos para que a porta do templo não se voltasse direta-mente para rua, o edifício teve sua implantação recuada com relação à rua e ao frontispício da igreja da Ordem Primeira, sendo obrigado, por conseguinte, a ocupar grande parte da encosta. Como solução arquitetónica, adotou-se a so-lução de superposição de algumas de suas dependências, a sala do consistório sobre a sacristia e desta sobre o ossuário.

FIGURA 3, 4, 5Legenda: 1. Igreja, 2. Sacristia, 3. Claustro,

4. Pátio, 5. ConsistórioFonte: AZEVEDO, 1975: 27.

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O trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

O recuo permitiu a criação de um pátio fechado por muros, no qual o portão de acesso – que se constitui em uma belíssima peça escultórica em cantaria – não está posicionado na direção da porta principal do templo, mas correspondente a antiga portaria.

FIGURA 6 – Portão de acessoFonte: Adenor Godin.

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A planta da igreja se constituía de uma só nave e mais capela-mor, liga-da a uma sacristia transversal por duas pequenas galerias que se abriam originalmente para dois espaços abertos. O do lado da Epistola veio a se constituir em um pequeno claustro e, o do lado do Evangelho, em um pátio que, posteriormente, foi fechado e coberto. Ainda a respeito das ga-lerias, deve-se chamar a atenção para o fato de que o excelente trabalho de cantaria ali presente também é de autoria do mestre Gabriel Ribeiro e que esse dado poucas vezes é mencionado.

FIGURA 7 – Galeria do lado da Epístola

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O trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

O risco original do mestre Gabriel Ribeiro segue o modelo de muitas das igrejas construídas na cidade do Porto, na segunda metade do século XVII, incluindo aí variantes arquitetónicas, compreendendo a igreja com sua nave única, sacristia transversal a nave, sobreposta pela sala do Con-sistório, uma portaria localizada no espaço entre os dois templos e algu-mas dependências, dentre as quais a secretaria, localizada no lado Norte da sacristia, junto à escada de acesso do Consistório. Durante os séculos XVIII, diversas alterações construtivas foram realizadas no templo modi-ficando significativamente o risco original, tais como a criação de tribunas em ambos os lados da nave. No século seguinte, novas intervenções ocor-reram, principalmente no interior da nave da igreja, culminando com a substituição praticamente total de sua talha.

No que concerne à volumetria da edificação projetada por Gabriel Ri-beiro – retirando-se todos os acréscimos posteriores realizados nos séculos XVIII e XIX –, verifica-se que este praticamente repete o padrão da Igreja de Ordem terceira de São Francisco do Porto: capela-mor, de menor altura em relação à nave, possuindo esta última base quadrangular, ladeada por pilastras de canto rematadas por pináculos e, na fachada rematada por uma empena, rasgam-se três vãos (portada e duas janelas) 27.

O trabalho escultórico existente no frontispício do templo filia-se à Escola do Porto, quando adota ao modelo de estrutura retabular de tradição ma-neirista, utilizado durante a segunda metade do século XVII e ainda durante o século seguinte, onde as marcações verticais e horizontais possibilitam a inserção de um maior número de imagens. Vale ressaltar a existência de uma quantidade significativa de fachadas retabulares em Portugal, a exemplo da Santa Casa da Misericórdia de Braga, datada de 1660.

27 S���ndo as p�s��isas d� A�v�s, as d�as portas ��� hoj� �ad�iam a prin�ipa� �oram ab�rtas �m S���ndo as p�s��isas d� A�v�s, as d�as portas ��� hoj� �ad�iam a prin�ipa� �oram ab�rtas �m 1830. V�r ALVES, 1948: 57.

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A igreja da Venerável Ordem Terceira da Penitência do Seráfico Padre São Francisco da Congregação da Bahia constitui-se um magnífico exemplar das relações e inter-relações que permeiam o universo humano do que chamamos o “Reino de Portugal e Além-Mar”. Neste, o temporal e o espiritual se conju-gam, gerando uma cultura única, dentro da diversidade. O texto apresenta-do não teve a pretensão de ser conclusivo, uma vez que são ainda inúmeras as lacunas que permeiam seu tema central. Desejou, diante desses impasses, apontar a necessidade, cada vez maior, de se realizar uma revisão da historio-grafia da arte brasileira, contando necessariamente com a contribuição dos pesquisadores portugueses que, nas últimas décadas, têm realizado significa-tivo trabalho no campo da História da Arte.

FIGURA 8 – Frontispício

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O trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

Fontes

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Eugênio de Ávila Lins

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As Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador:

uma outra espacialidadeJanaina de Moura Ramalho Araujo Ayres

O Conjunto formado pelo Convento e Igreja de São Francisco de Assis 1, na cidade de Salvador, Bahia, possui um dos conjuntos mais notáveis e requin-tados no tocante a decoração interna do período colonial brasileiro. Cabe, porém, uma breve explanação das razões pelas quais um ambiente francis-cano (da ordem primeira) apresenta-se tão adornado. Segundo o “Livro dos Guardiães do Convento de São Francisco da Bahia (1587-1862)”, editado pelo IPHAN, 1978, são dois os motivos, sendo o primeiro: “Salvador, capital do Brasil-colônia, primava pelo fausto, máxime na época das minas auríferas, deixando o seu reflexo também na ornamentação dos templos e ocasionan-do a rivalidade entre as Ordens religiosas e as Irmandades” 2. O Segundo diz que: “O Convento de S. Francisco figurava, desde 1630, como casa de estudos filosóficos e teológicos e, desde fins do século XVII, como sede da Província franciscana, justificando por isso dimensões mais amplas e prestando-se espe-cialmente para funções litúrgicas mais solenes” 3.

Especificamente sobre a riqueza artística arrebatadora, os franciscanos a incentivaram segundo o conceito, então em voga,

1 FLEX�R; FRA��S�, 2009: 467.

2 WILLE�E, 1978.

3 WILLE�E, 1978.

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Janaina de Moura Ramalho Araujo Ayres

“de que para o culto divino todo o ornato seria pouco. Valia tal justifi-cação também para a Sacristia, dependência da Igreja, para o claustro inferior, pelas costumeiras rasouras (procissões internas) e para a sala do Capítulo. Havia, aliás, padroeiros abastados que de bom grado custeavam a confecção e conservação dos altares da Igreja e do Capítulo” 4(...)

A decoração interna da Igreja demorou um bom tempo para ser concluída em vista não só da quantidade de ambientes e do tipo de decoração pretendi-da, mas também pela busca de recursos financeiros.

FIGURA 1 – Interior da Igreja de São Francisco de Assis,

Salvador, Bahia.

4 WILLE�E, 1978.

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As Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador: uma outra espacialidade

Persuasivos, dramáticos, coloridos e exuberantes, os revestimentos orna-mentais constroem um ambiente único e coeso, onde a retórica corrobora para que o fervor cristão chegue ao seu ponto máximo. Afinal, este é o barro-co, organizando o espaço, preparando o físico e alimentando o espírito para a maior função que pode ser atribuída a um ambiente interno: fazer deste templo a morada de Deus, através do Santíssimo Sacramento.

Todo esse vocabulário ornamental pode ser traduzido nas obras de talha profusa, ricamente dourada e trabalhada em detalhes fitomorfos, zoomorfos e antropomorfos, azulejaria historiada e pintura – seja no estofamento das imagens ou nos forros artesoados da nave, da sala do capítulo, da sacristia e da portaria; ou mesmo onde a pintura ocupa in-teiramente o suporte, seguindo a técnica da perspectiva ilusionista e da quadratura, como no caso das abóbadas de berço dos altares do transep-to ou no forro retilíneo da portaria do convento.

Esta comunicação pretende justamente ater-se a esta curiosa variação da estrutura compositiva, espacial, dos forros do transepto em relação aos da capela-mor e da nave. O forro da capela-mor (talha e douramento: 1737-1741), abobadado, mais parece invadido e absolutamente ocupado pela talha vivamente dourada das paredes laterais, que sobem e avançam a ci-malha, formando florões e elementos organizados segundo padrões geomé-tricos estilizados. Até mesmo alguns elementos de talha da tribuna parecem se repetir no forro. Contudo, não há pinturas neste espaço.

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Janaina de Moura Ramalho Araujo Ayres

FIGURA 2 – Forro, em talha dourada,

da capela-mor da Igreja de São Francisco de Assis, Salvador, Bahia

FIGURA 3 – Forro artesoado da nave

da Igreja de São Francisco de Assis, Salvador, Bahia

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As Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador: uma outra espacialidade

O forro da nave, em formato de abóbada em esquife – isto é, aquela forma-da por um tronco de pirâmide, sem base, e cujas faces laterais são superfícies curvas – com dimensões bem maiores, já apresenta uma composição espacial diversa. Na nave, o forro é artesoado: compartimentado por molduradas en-talhadas, douradas e em formatos variados - octogonais, quadrangulares e em estrelas de oito pontas – (cujos riscos são inspirados no tratado de Sebastiano Serlio) que servem de acabamento para pinturas alegóricas acerca da Imaculada Conceição da Virgem Maria, devoção tipicamente franciscana. Entretanto, nem este forro e nem o supracitado simulam qualquer alteração espacial que vise am-pliar os espaços. Apesar de sutis insinuações pictóricas de figuras em escorço, as molduras que adornam tais pinturas, formando padrões de dinâmica estrutura decorativa, muito tácteis, reafirmam a bidimensionalidade do suporte.

Em suportes de dimensões reduzidas, talvez estreitas demais, e localizadas em pontos “não tão evidentes” da igreja – em comparação com os anteriores –, são precisamente as pinturas dos altares dos braços do transepto que irão con-ferir ao suporte bidimensional (as abóbadas de berço) uma “ideia de unidade”, de composição única, de cobertura total da superfície, pois ali já não se obser-vam mais as características dos tetos compartimentados ou fragmentados em caixotão. Agora, nota-se uma nova visualidade, a intensão de se construir a ideia de uma “falsa” terceira dimensão, um engano dos olhos, proporcionado pelo jogo dos contrastes entre luzes e sombras forjadas pictoricamente e pela presença dos ilusórios elementos arquitetónicos.

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FIGURA 4 – Pintura da abóbada de berço (transepto, no lado do Evangelho),

na Igreja de São Francisco de Assis, Salvador, Bahia

FIGURA 5 – Pintura da abóbada de berço (transepto, no lado da Epístola),

na Igreja de São Francisco de Assis, Salvador, Bahia

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As Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador: uma outra espacialidade

Atualmente, alguns dos principais historiadores da arte que se dedicam ao campo da pintura – e mais especificamente, da pintura de perspetiva – como Luís de Moura Sobral 5, Giuseppina Raggi 6, Vitor Serrão e Magno Moraes Mello 7, concordam em atribuir ao escalabitano António Simões Ribeiro a autoria de tais pinturas – e não somente elas, mas também as pinturas do forro artesoado na nave! Ativo em Portugal entre 1700 e 1734, e aluno de Vincenzo Baccherelli, depois de atuar em cidades como Coimbra, Lisboa e na própria cidade natal, Santarém, viajou rumo ao Brasil, chegando por volta de 1735 e radicando-se na cidade de Salvador, Bahia, lá permanecendo até, pelo menos, 1748 8. Responsável pela introdução da pintura ilusionística na Bahia, e con-siderado por muitos como o verdadeiro fundador da escola baiana de pintura, influenciou um grande número de artistas (e teve como principal seguidor José Joaquim da Rocha) que, com grande aceitação na colônia, pintaram du-rante todo o século XVIII.

Novamente recorro ao “Livro dos Guardiães”, pág. 19, na seção que trata sobre os “Guardiães deste Convento, depois da Separação desta Província” 9, para citar o Frei Manuel do Nascimento: “Este Guardião governou o triênio e fez grandes obras, e de consideração. (...) Dourou o altar de S. Luís e o da Sra. Da Glória e os dois arcos grandes de ambos estes altares, e mandou pintar os seus tetos. (...) [1741-1743]”. Esta colocação mostra-se de suma relevância à medida que indica o período de realização das pinturas, período este que já contava com a presença de Simões Ribeiro em nossas terras. Mais que isso, no mesmo livro há indicações de que, à época de Frei João da Conceição San-

5 SOBRAL, 2008: 511-522.

6 RAGGI, 2006a: 406-413. RAGGI, 2007: 46-65; RAGGI, 2006b: 61-86; RAGGI, 2004: 241-256.

7 MELLO, 2000: 383; MELLO, 2001.

8 PONTUAL, 1969: 451 ap�d MELLO, 1998: 141. S���ndo �sta �ont�, Ant�nio Sim��s Rib�iro p�rman��� na Bahia até 1755.

9 Província de Santo Antônio do �rasil separada da Província de Santo Antônio de Portugal pelo Papa Alexandre VII (1659-1660).

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Janaina de Moura Ramalho Araujo Ayres

tiago [1732-33] houve obra do forro e teto da Igreja; com Frei Jerônimo da Graça [1733-35], a pintura e douramento do primeiro lanço de forro da Igreja (atribuindo ao mesmo Frei a autoria); e à época de Frei Manuel das Mercês se douraram os dois últimos lanços do forro [1735-38]. Como já contávamos com a presença de Simões Ribeiro em 1735, é perfeitamente possível a hipóte-se de que seja realmente o autor das pinturas do forro da nave (assim se cogita devido ao traço) e, assim, dos forros do transepto.

Observo que, em comparação com a pintura de forro da antiga Biblioteca dos Jesuítas (1735-36), atual Museu da Catedral Basílica de Salvador, as pinturas em questão (1741-43) não alcançaram “o mesmo grau ilusório” (refiro-me aí a questão perspética/espacial), pois neste último caso, a noção de planaridade mostra-se mais notória se comparada à de profundidade (com os vários pontos de fuga) daquela pintura dos jesuítas. Ainda assim, alguns elementos de ambas as pinturas se assemelham, como alguns detalhes dos elementos arquitetónicos.

Enfim, adornadas por guirlandas de flores que bailam pela cena, as duas obras pictóricas (tanto a do lado do Evangelho como a do lado da Epístola), organi-zam-se em três tramos: central e laterais. Os laterais são compostos por duas figuras angélicas assentadas em composições em quadratura, cartelas em grisail-le e concheados. Estas estruturas de falsa arquitetura são representadas, ainda que timidamente, segundo certo esquema perspético, com visibilidade de baixo para cima, mas as figuras antropomorfas – que pouco variam de posição (com relação aos lados do forro e de forro para forro), não seguem o mesmo padrão visual e ficam limitadas à representação frontal, sem a profundidade proposta e objetivada pela pintura de perspetiva ilusionista. Ou seja, como estes anjos foram elaborados tecnicamente para serem vistos frontalmente, e o observador os está observando do chão, a certa altura, então eles estão sendo vistos de forma distorcida. Em outras palavras: como a visão do observador está oblíqua a estas figuras, isto é, como ele não está no mesmo patamar visual destas, as mesmas apresentam-se a ele deformadas – penso que achatadas.

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As Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador: uma outra espacialidade

Estas áreas laterais, em muitos pormenores remetem a outra obra pictórica de António Simões Ribeiro: o conjunto da Igreja do Hospital de Jesus Cristo 10, no Convento de Nossa Senhora de Jesus, Santarém, datado de 1723-25. Esta remetência é um dos principais pontos que reforça a autoria das pinturas dos forros do transepto da igreja baiana devido à semelhança do traçado.

Na região central do forro, o pintor simulou uma espécie de cúpula, possi-velmente buscando acentuar a verticalidade à medida que as linhas de força apontariam para um ponto de fuga central. Todavia, esta “cúpula” não é inteiramente vazada, como na representação da Camara degli Sposi, 1474, de Andrea Mantegna, dando-nos a falsa impressão de que há um arrombamen-to, um rompimento do suporte. A mesma também difere da que o próprio Simões Ribeiro pintou no forro da Igreja do Hospital de Jesus Cristo, onde há uma abertura para atmosfera celeste.

Aqui, diversamente, há segmentos que partem da região central e que divi-dem a borda externa em oito pontos, resultando em oito gomos com pequeni-nos óculos. Observa-se que na pintura do lado da Epístola, cujo altar corres-ponde ao de São Luiz de Tolosa, estes óculos parecem estar abertos revelando enfim um azul celeste, atmosférico – o mesmo azul que reverbera em outros pontos da composição como, por exemplo, nas vestes dos anjos e na moldura da falsa cúpula. No lado oposto, no altar correspondente ao de Nossa Senhora da Glória, curiosamente o que se vê não é o mesmo efeito, pois o tom que apa-rece na parte interna destes óculos é muito baixo, mais próximo do terroso, nada tendo a ver com o azul vibrante de seu oposto – o que limita, diminui de certa forma a noção ilusória de rompimento do suporte.

10 A igreja do “Hospital” fazia parte integrante do Convento de Nossa Senhora de Jesus dos Reli- A igreja do “Hospital” fazia parte integrante do Convento de Nossa Senhora de Jesus dos Reli-giosos da �rdem Terceira de São Francisco, Santarém. � nome atual deve-se � instalação, neste espaço, do antigo hospital fundado por João Afonso (fidalgo da corte de D. João I que, em 1426, fundou o primitivo templo de Jesus Cristo) em 1834, quando houve a extinção as ordens religiosas, tempo em que os frades franciscanos da �rdem Terceira abandonaram o cenóbio (habitação de monges que vivem em comunidade).

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Janaina de Moura Ramalho Araujo Ayres

Enfim, este breve estudo objetivou sublinhar a diversidade espacial/com-positiva entre os três forros, nomeadamente capela-mor, nave e forros do transepto – sobretudo, sem nenhuma intenção de criar qualquer hierarqui-zação entre os ornamentos de talha e pintura que, afinal, se complementam.

Finalmente, teve como alvo a capacidade indiscutível do pintor Antó-nio Simões Ribeiro em responder com admirável versatilidade e compe-tência às várias necessidades compositivas, cujas exigências mostraram--se completamente diversas.

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As Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador: uma outra espacialidade

Bibliografia

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Janaina de Moura Ramalho Araujo Ayres

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A primeira igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco

no contexto da arquitetura religiosa do Porto da segunda metade do século XVII

Joaquim Jaime B. Ferreira-Alves

Introdução

Na segunda metade do século XVII, e de uma forma particular no seu úl-timo quartel, o Porto notabilizou-se por uma grande atividade em todos os campos artísticos. Período historicamente marcado pela regência (1668-1683) e reinado (1683-1706) de D. Pedro II (1648-1706), pela paz com a Espanha (1668) e com a Holanda (1669), vai caracterizar-se, tanto no país como no Porto, por um incremento económico. Esta conjuntura refletir-se-á na cidade num conjunto de construções religiosas e civis, que lhe moldarão o perfil e irão dotá-la de alguns dos seus edifícios mais importantes levantados em Seis-centos, tendo sobrevivido alguns até ao presente.

Esta atividade encontrou nos artistas que nela viviam, e nos que atraiu, uma plêiade que soube dar resposta às encomendas que lhe foram feitas. As di-versas artes, já com créditos firmados na cidade, encontraram nessa segunda metade do século XVII, uma clientela que lhes permitiu incrementar as suas atividades e talvez solidificá-las e notabilizá-las no Porto, na sua área de influ-ência, e no Brasil, para onde iam, desde o século XVI, muitos dos seus artistas.

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Do período em estudo, queremos referir o carpinteiro Gabriel Ribeiro, que ve-remos associado em 1683 à Congregação do Oratório do Porto, e que depois terá o seu nome ligado a obras importantes em Salvador.

Restringindo o atual trabalho à arquitetura religiosa iremos mencionar um conjunto de novas igrejas levantadas na cidade entre 1671 e 1703, entre as quais se encontra a primeira igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco. Ainda que limitados ao tema que nos propusemos estudar, não podemos esque-cer, que outras obras de grande importância, no campo da arquitetura religiosa, se fazem ao mesmo tempo que se levantam as igrejas inseridas neste trabalho. A primeira obra que queremos referir pela relevância que tem na arquitetura portuense, é a fachada da igreja de São Lourenço. O edifício dos jesuítas, cuja primeira pedra foi lançada em 10 de agosto de 1573, manteve-se em obras para a sua edificação ao longo do século XVII, dando-se início à fachada em 1690 que seria concluída em 1709 1. O frontispício da igreja de São Lourenço, pela sua qualidade e inovação, poderia ser resultado de uma nova traça, que nada teria a ver com o projeto do século XVI. Tal iria acontecer, alguns anos depois, com a fachada da igreja do Convento de São João o Novo 2, projetada nos inícios do século XVIII, para uma estrutura dos inícios do século anterior, e para a qual o seu riscador foi influenciado pelo que se estava a fazer em São Lourenço.

A mesma situação aconteceu provavelmente com a igreja do Mosteiro de São Bento da Vitória, cujo programa construtivo, substituindo a igre-ja velha, se desenvolve nos finais de Seiscentos e inícios de Setecentos. A abóbada da igreja “nova athe o fim da dita igreja”, arrematada por Domingos Pires (Domingos Pires de Matos) em 19 de maio de 1699 3, e

1 MARTINS, 1986: 112-115.

2 O novo �rontisp��io do Conv�nto d� São �oão o Novo �om��o� a s�r �onstr��do no triénio do prior Frei In�cio de Lis (1725-1728). Ficaria concluído a partir de 1779.

3 No m�smo dia �ontrataram os m�str�s p�dr�iros �oão Mor�ira, Ant�nio da Costa � Man��� L��s para �a��r�m o dormit�rio da part� s�� do Most�iro d� São B�nto da Vit�ria. Ar��ivo Distrita� do Porto, Notarial. Po4, lv. 101, fl. 111v.-112v.

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a nova capela-mor (1699-1703) 4, são obras que correspondem à última fase da “igreja nova” 5, colocando-a assim como um dos exemplos mais importantes da arquitetura religiosa do último quartel do século XVII. Ainda que executada em Vila Nova de Gaia, a intervenção feita, a partir de 1690, no Mosteiro de Santo Agostinho da Serra 6 merece uma referên-cia especial pela importância do conjunto arquitetónico intervenciona-do. As obras em causa foram a demolição, deslocação e reconstrução do claustro (contrato de 23 de agosto de 1690) e a construção de um novo coro (12 de novembro de 1690), trabalhos para os quais foram contra-tados os mestres pedreiros Manuel do Couto e João da Maia. O novo coro, com apontamentos da autoria do arquiteto Domingos Lopes, que fez sem dúvida o risco, é uma estrutura quadrangular que separa a igreja do claustro, profusamente iluminada pelas aberturas que rasgam as pa-redes laterais e a cabeceira, arrematada esta por uma empena, que uma cruz, na parte central, e pináculos laterais sobre acrotérios valorizam. Esta nova estrutura obrigou à demolição do claustro, que foi reconstru-ído num espaço mais recuado. Será provavelmente nesta altura que re-cebe a platibanda – em Rolwerk flamengo – onde em quatro cartelas, correspondentes às quatro aberturas de acesso ao claustro, se lê ANNO/DOMINI/NOSTRI/1692, ano da conclusão da obra.

4 FERREIRA-ALVES, 1997: 215-220.

5 DIAS, 1997: 52.

6 FERREIRA-ALVES, 1991 � 1998: 297-305; 41-45.

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FIGURA 1 – Vila Nova de Gaia. Claustro do Mosteiro de Santo Agostinho da Serra.

Fotografia do Autor

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Estas obras de referência para a história da arquitetura religiosa portuense da segunda metade do século XVII, são coevas de outras também importan-tes e das quais selecionámos, para este trabalho, cinco novas igrejas: a igreja paroquial de São Nicolau (1671-1676); a igreja de Nossa Senhora da Graça (1674-1701), pertença do Colégio dos Órfãos, fundado pelo padre Baltasar Guedes em 1650/51; a igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francis-co (1675-1690/91); a igreja da Venerável Ordem Terceira de São Domingos (1683-1685/1713-1723) e a igreja da Congregação do Oratório (1694-1703).

1. As novas igrejas

1.1. Igreja de São Nicolau (1671-1676)

Com a nomeação de D. Nicolau Monteiro (1581-1672) para Bispo do Porto (1671-1672), a antiga ermida de São Nicolau, que fazia as funções de igreja pa-roquial desde 1583, foi substituída por uma igreja de maiores proporções e mais condigna para a função que desempenhava e pela importância crescente da pa-róquia 7, a segunda da cidade com mais população, segundo o cômputo apre-sentado na Corographia Portugueza (1706-1712), pelo padre António Carvalho da Costa. Lançada a primeira pedra, em cerimónia solene, em 6 de dezembro de 1671, foi feito um contrato notarial, em 9 de fevereiro de 1672, pelo qual os mestres pedreiros Manuel Rebelo e Gregório Fernandes, ambos residentes em Vila Nova de Gaia, se obrigavam a executar para a nova igreja: uma capela-mor; duas sacristias, cada huma por sua banda, e uma tribuna por trás da capela-mor. Todas estas obras seriam realizadas segundo a traça e apontamentos que tinham sido feitos para aquela finalidade. Com a morte de D. Nicolau Monteiro em 20

7 FERREIRA-ALVES, 1992: 39-63.

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de dezembro de 1672, coube ao seu sucessor D. Fernando Correia de Lacerda, Bispo do Porto de 1673 a 1683, dar continuidade à obra. Em 8 de maio de 1675, contrataram o ofesial de emmaginario Domingos Lopes para executar a arma-ção da parte edificada e, em 16 de maio, o mestre pedreiro Marcos Gonçalves, foi incumbido de acabar a igreja, na forma das trassas, feitas em dois papéis, executadas pelo arquiteto padre Pantaleão da Rocha de Magalhães ( ? – 1703). Um dos riscos representava a portada e todo o frontispício da igreja, e o outro mostrava o arco do choro, planta do taboleiro da porta principal, campanário do sino e planta do taboleiro da porta travessa que sahe para a rua da Ourive-saria. As obras da nova igreja estariam concluídas antes de setembro de 1676, já que foi sagrada por D. Fernando Correia de Lacerda no dia 6 daquele mês e ano. A igreja manteria a sua estrutura seiscentista até 1758, altura em que um incên-dio levaria à construção de uma nova capela-mor e a alterações significativas na sua estrutura e fachada como iremos referir.

1.2. Igreja de Nossa Senhora da Graça (1674-1701)

O Colégio dos Órfãos, fundado pelo padre Baltasar Guedes (1620-1693) em 1650/51, teve como espaço de culto a ermida de Nossa Senhora da Graça, edifício dependente do Senado da Câmara do Porto. Esta antiga ermida situava-se, como a São Miguel o Anjo, fora das muralhas e a pouca distância da porta do Olival. Estas duas ermidas e a de Santo António, defronte da porta de Carros, foram apro-veitadas, na segunda metade de Seiscentos, por três instituições que se implan-taram na cidade. A de Nossa Senhora da Graça, como referimos, passou a fazer parte do Colégio dos Órfãos; a de São Miguel o Anjo, foi entregue à fundadora do Recolhimento da Rainha Santa Isabel, vulgarmente designado por Recolhimento do Anjo; e a de Santo António seria doada à Congregação do Oratório.

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Três objetivos nortearam o padre Baltasar Guedes: recolher jovens órfãos, que era necessário abrigar e alimentar; aumentar as instalações e melhorar a ermida 8. Estas foram os objetivos a que se propôs e que são relativamente conhecidos através da Relação que escreveu.

Em 1674 inicia-se a construção de uma nova igreja para substituir a ermida. Para a sua concretização contrataram, em 31 de outubro de 1678, o mestre pedreiro e arquiteto Gregório Fernandes para executar a capela-mor e cru-zeiro 9. Com a morte de Gregório Fernandes, em 10 de dezembro, assumem a responsabilidade da obra, em nome dos filhos do mestre que arrematara a empreitada, os mestres pedreiros Manuel Rodrigues, sogro de Gregório Fer-nandes, e João Moreira, contramestre que foi da dita obra. Em 24 de julho de 1682, um novo contrato com os mestres pedreiros Manuel Rodrigues, Agosti-nho Rebelo e João Moreira obriga-os a acabar de fazer e aperfeiçoar o cruzeiro e as mais obras necessárias. Neste documento faz-se referência ao frontispício onde se colocariam as armas da cidade do Porto e um nicho para uma imagem de Nossa Senhora de oito palmos.

A Igreja de Nossa Senhora da Graça nos finais do século XVII(Manuel Pereira de Novais)

“La iglesia, como era hermita, carecia de la excellencia de no tener Sa-cramento; oy le tiene y com toda ostentacion de pompa y singular vene-racion, porque la capilla mayor està oy muy sumptuoza, con una tribuna, de magnifica distribuycion de celosías y resaltos de muchos labores en el entalle de singular modelo y primor, y el techo de la bobeda de grande costo y riqueza; porque toda ella es de estuque con labores de grande agudesa a lo brutesco dorada y al oleo de vivísimas tintas, todo de mu-

8 FERREIRA-ALVES, 1985, 265-271.

9 “Gr���rio F�rnand�s m�str� d� p�dr�iro morador ��� �oi �m Vi��a Nova d� Gaia ��� o dito Gr�- “Gr���rio F�rnand�s m�str� d� p�dr�iro morador ��� �oi �m Vi��a Nova d� Gaia ��� o dito Gr�-��rio F�rnand�s d���nto tomo� por �mpr�itada a �ap���a � �r���iro da i�r�ja d� Nossa S�nhora da �raça do Colegio dos �eninos �rfaõs”.

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cho asseo y genio; los lados collacterales de la capilla estan repartidos en cuadros de mucha talla y moldura, en los cuales se ven illuminados los Mysterios de la Virgen Santísima, cortando el friso y cornixa de por medio con variedad de figuras, y muchas follaxes y deliniamientos de perfectísimos azulejos y con tribunas que se forman entre claraboyas de las vidrieras, en el cuerpo de la iglesia con que resplandeçe, en lindos enrredos, assi a la vista como a la perfeccion”.

Por último, num documento mais tardio de 9 de junho de 1701, refere-se uma obra na igreja, para acabar de se fazer, na forma da planta feita por José da Rocha, e para a qual contrataram os mestres pedreiros João Moreira, Ma-nuel Moreira, João Moreira o novo, Marcos Rodrigues (assina Marcos Rodri-gues de Novais), José Rodrigues e Agostinho Rebelo.

O conjunto, constituído pelo Colégio dos Órfãos e pela igreja de Nossa Senhora da Graça, foi demolido para dar lugar ao edifício da Academia de Marinha e Co-mércio, cuja construção percorre o século XIX e que faria desaparecer o complexo arquitetónico fundado pelo padre Baltazar Guedes com o contributo dos portuen-ses e das esmolas que Pantaleão da Cruz, irmão do fundador, angariou no Brasil.

1.3. Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco (1675-1690/91)

Os Terceiros de São Francisco instituíram-se “no ano de 1633”, tendo como primeiro local de culto a capela de Santa Isabel que ficava situada no claustro do Convento de São Francisco do Porto. O processo para possuírem o seu próprio espaço para o culto iniciou-se em 1638/39. Para a sua concretização contra-taram o mestre pedreiro e arquiteto Valentim Carvalho, que foi um dos mais importantes construtores portuenses da primeira metade do século XVII 10.

10 FERREIRA-ALVES, 2003: 348-353. FERREIRA-ALVES, 2003: 348-353.

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O aumento do número de irmãos, levou os Terceiros de São Francisco a pensarem em construir uma “nueba Iglesia y Capilla”, segundo as palavras de Manuel Pereira de Novais, cuja primeira pedra foi lançada pelo bispo D. Fernando Correia de Lacerda (1628-1685/1673-1683) em 17 de maio de 1675. Escolhido o espaço, lado poente da portaria do Convento de São Francisco, as obras tiveram início em 1676. Em 27 de abril, fez-se o contrato notarial para a execução da “capella nova”, obra arrematada pelo mestre de pedraria Marcos Gonçalves, artista que ficaria responsável pela empreitada até à sua conclusão, exceto no respeitante ao lajeamento da capela (1685) que foi da responsabili-dade do mestre pedreiro Pascoal Fernandes. A obra de carpintaria foi arrema-tada em 1680 por Francisco António e António de Castro 11.

FIGURA 2 – Vila Nova de Gaia. Claustro do Mosteiro

de Santo Agostinho da Serra

11 FERREIRA-ALVES, 2003: 353-359. FERREIRA-ALVES, 2003: 353-359.

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1.4. Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Domingos (1683-1685/1713-1723)

Fundada a Venerável Ordem Terceira de São Domingos em 1676, e depois de alguns anos a funcionar da igreja de São Domingos do Porto, na capela da Santíssima Trindade, os irmãos terceiros decidem levantar um edifício pró-prio, num terreno cedido pelos dominicanos.

QUADRO 1 – Cronologia da Venerável Ordem Terceira de São Domingos 12

1676. FEVEREIRO.13 – Princípio a Venerável Ordem Terceira de São Domingos

1680 – Confirmação dos estatutos

1683.AGOSTO.4 – Decisão por parte da Mesa de erigir uma capela para os Terceiros de São Domingos, separada da igreja dos dominicanos; outubro.26 – doação de um terreno pelos dominicanos aos irmãos Terceiros; dezembro.18 – início da obra da capela que teria por padroeira Santa Catarina de Siena.

1685.JANEIRO.7 – Primeira missa na capela

1702 – Transferência do Santíssimo Sacramento da igreja de São Domingos para a igreja da Venerável Ordem Terceira de São Domingos

1712. NOVEMBRO.3 – resolução da fundação de uma nova igreja devido ao aumento de número de irmãos

1713.FEVEREIRO.20 – lançamento da primeira pedra da nova igreja pelo bispo D. Tomás de Almeida

1723.ABRIL.11 – bênção da nova igreja e primeira missa

1724.JUNHO.11 – decisão para que a sacristia se fizesse na Casa do Despacho

1745.AGOSTO.14 – início do conflito entre os dominicanos e os irmãos da terceiros

1755.ABRIL.5 – bula de extinção da Venerável Ordem Terceira de São Domingos

1778.ABRIL.24 – incêndio e total destruição da igreja do Convento de São Domingos; maio.22: por ordem régia foi entregue aos dominicanos a igreja dos Terceiros

12 Bib�iot��a P�b�i�a M�ni�ipa� do Porto. R�s�rvados, ms. 64. Bib�iot��a P�b�i�a M�ni�ipa� do Porto. R�s�rvados, ms. 64.

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Em 16 de novembro de 1683 contratam os mestres de pedraria Pantaleão Vieira e Pascoal Fernandes para executarem a capela, cujo projeto foi execu-tado pelo padre Pantaleão da Rocha de Magalhães. Lançada a primeira pedra em 18 de dezembro daquele ano, ficou pronta, segundo as notícias que che-garam até nós, em pouco mais de dois anos, sendo rezada a primeira missa em 7 de janeiro de 1685. Sobre a sua estrutura só sabemos o que sobre ela diz Manuel Pereira de Novais:

determinaron erigir nueba capilla […] Començòsse la fabrica material desta iglesia en el dicho patio ò adro y en estando en el stado de per-feccion, acabada com mucho arte y disposicion de architectura […]. Consta este sanctuario de una moderada Iglesia que recibe cinco altares, el de la capilla mayor y quatro en el cuerpo della, dos de cada lado. Esta primeira igreja, devido ao crescente número de irmãos, foi substituída por uma de maiores dimensões, cuja primeira pedra foi lançada em 20 de fevereiro de 1713 sendo a obra concluída em 1723.

1.5. Igreja da Congregação do Oratório (1694-1703)

Estabelecida no Porto a Congregação do Oratório 13 em 1680, num espaço fora das muralhas, em frente da porta de Carros, tiveram como primeiro lugar de culto a capela de Santo António que o Senado da Câmara do Porto lhes doara, razão pela qual as primeiras obras, não excluindo melhorias na capela vão ser feitas, essencialmente, nas instalações necessárias para os oratorianos.

Em 1694, dão início à construção de uma nova igreja – até o ano de 1694 se servirão os padres da igreja velha – aproveitando-se parte da antiga para capela-mor. Em julho daquele ano, começaram a abrir os alicerces das pa-redes do corpo da igreja e do frontispício. Para a edificação da nova igreja

13 FERREIRA-ALVES, 1993: 379-406. FERREIRA-ALVES, 1993: 379-406.

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temos conhecimento que foram feitos cinco contratos: um primeiro relacio-nado com os lados da igreja; um segundo levou à execução do frontispício; um terceiro tem a ver com o coro e acréscimo da obra; um quarto tratou da obra do cruzeiro e, finalmente um quinto, daria origem ao lajeamento e portais. Os mestres pedreiros responsáveis pela empreitada foram Manuel do Couto e João da Maia, exceto a abóbada, feita, entre 1700 e 1702, pe-los mestres pedreiros João Moreira e António da Costa, e o vigamento da responsabilidade do mestre carpinteiro Domingos Nunes. O autor do risco para a nova igreja foi o padre Pantaleão da Rocha de Magalhães.

FIGURA 3 – Porto. Frontispício da igreja da Congregação do Oratório

Fotografia do Autor

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2. Riscadores e artistas

No estudo da arquitetura portuense do século XVII, tarefa árdua e que ne-cessita ainda de um trabalho de inventariação e pesquisa, nomeadamente na sua vertente civil, existe quase sempre um desconhecimento sobre quem pro-jetou e por vezes também sobre quem executou a obra. Trabalhos diversos in-formam-nos sobre vários nomes de responsáveis da arquitetura feita em Seis-centos no Porto, mas não temos um levantamento sistemático dos riscadores de arquitetura que desenvolveram essa atividade na cidade, nem dos artistas que executaram essas traças. Por outro lado, as notícias dispersas que existem sobre algumas das figuras mais conhecidas não nos informam sobre a totali-dade do que fizeram, nem sobre a sua formação. Por isso a história dos arqui-tetos e dos executantes das obras continua lacunar.

O problema do arquiteto, tracista ou riscador é o mais complexo. Total-mente desconhecido para muitas das construções, identificado para outras, é, mesmo nestes casos, um assunto que nos levanta algumas questões. Frequen-temente os documentos silenciam o autor dos projetos, outras indicam-nos a autoria de riscos para partes da obra e não para a sua totalidade, o que não nos permite concluir que todo o edifício é do riscador referido. Por vezes, pode-mos arriscar uma atribuição quando um nome conhecido na arte de projetar aparece como testemunha de um contrato de obra de pedraria ou carpintaria. Toda esta complexidade leva a que, para a maior parte desta arquitetura seis-centista, se desconheça o autor do projeto.

Pelo que conhecemos, excetuando casos pontuais de intervenção de arqui-tetos de outras partes do reino, nomeadamente de Lisboa, a maior parte dos riscos são feitos por portuenses de nascimento ou de adoção, ou por riscadores que viviam nos arredores da cidade.

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Grande parte dos projetos, o que acontece nos edifícios escolhidos por nós, são executados por arquitetos amadores e frequentemente sacerdotes, como é o caso do padre Baltasar Guedes e do padre Pantaleão da Rocha de Magalhães. Pessoas conhecedoras da arte do desenho, dominando a tratadística mais usu-al (Sebastiano Serlio, Andrea Palladio, Vicenzo Scamozzi etc.), tendo acesso a alguma informação mais atual, e conhecendo as inúmeras gravuras que ins-piram os artistas do tempo, vão levar para as suas obras esses conhecimentos. Por outro lado, nestes arquitetos amadores é visível o apego a uma tradição resultante da sua formação e do gosto de quem encomenda, sendo frequente os documentos referirem na execução de uma obra a obrigação de seguirem modelos já existentes, aquilo que há anos designámos por modelos arquite-tónicos. Todas estas razões explicam a permanência de gosto, as tentativas tímidas da introdução da novidade e, principalmente, a continuidade de uma arquitetura despojada, que encontra nos elementos decorativos da fachada e na pujança de alguns interiores uma certa busca da modernidade.

Os artistas que executam as obras escolhidas são-nos mais familiares. A sua referência nos diversos documentos (notariais, conventuais, camarários etc.) permitem termos um conhecimento seguro de quem constrói, ainda que, como referimos anteriormente, não exista um conhecimento total da sua atividade. Alguns dos mestre pedreiros, designados também por mestres pedreiros de ar-quitetura ou mesmo por arquitetos, como é o caso, entre outros, de Gregório Fernandes, são os autores dos riscos de muitos dos edifícios construídos, prática de longa tradição e que se manteve posteriormente. Utilizando os elementos que referimos para os arquitetos ou repetindo modelos já existentes, inovam ou mantêm o conservadorismo da arquitetura portuense de Seiscentos.

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QUADRO 2 – Arquitectos. riscadores. tracistas.artistas.

ARQUITECTOS. RISCADORES. TRACISTAS.ARTISTAS

NÚMERO DE ARTIGOS

IGREJA DE SÃO NICOLAU (1671-1676)

padre Baltasar Guedes (?)padre Pantaleão da Rocha de Magalhães

FERNANDES, Gregório – mestre pedreiro e arquiteto (1672)REBELO, Manuel – mestre pedreiro (1672)GONÇALVES, Marcos – mestre pedreiro (1675)LOPES, Domingos – escultor, imaginário, mestre carpinteiro, mestre de arquitetura (1675)

IGREJA DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA (1674-1701)

padre Baltasar GuedesJosé da Rocha

FERNANDES, Gregório – mestre pedreiro e arquiteto (1678)RODRIGUES, Manuel – mestre pedreiro (1680/82)MOREIRA, João – mestre pedreiro (1680/82 e 1701)MOREIRA, Manuel – mestre pedreiro (1701)MOREIRA, João, o novo – mestre pedreiro (1701)GONÇALVES, Marcos – mestre pedreiro (1701)RODRIGUES, José – mestre pedreiro (1701)REBELO, Agostinho – mestre pedreiro (1701)

IGREJA DA VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO (1675-1690/91)

padre Baltasar Guedes GONÇALVES, Marcos – mestre pedreiro (1676)ANTÓNIO, Francisco – mestre carpinteiro (1680)CASTRO, António de – mestre carpinteiro (1680)FERNANDES, Pascoal – mestre pedreiro (1685)ALMEIDA, José de – oleiro (1689/90)ALMEIDA, Manuel – imaginário, escultor (1689/90)COSTA, Manuel da – mestre pedreiro (1689/90)SILVA, João da – pintor (1689/90)

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ARQUITECTOS. RISCADORES. TRACISTAS.ARTISTAS

NÚMERO DE ARTIGOS

IGREJA DA VENERÁVEL ORDEM TERCEIRA DE SÃO DOMINGOS (1683-1685/1713-1723)

padre Pantaleão da Rocha de Magalhães VIEIRA, Pantaleão – mestre pedreiro (1683)FERNANDES, Pascoal – mestre pedreiro (1683)

IGREJA DA CONGREGAÇÃO DO ORATÓRIO (1694-1703)

Domingos Nunes, mestre carpinteiro, mestre entalhador, riscador de arquitetura

padre Pantaleão da Rocha de Magalhães

Campanha de obras de 1683 e 1685, onde se inclui a igrejaFERNANDES, Manuel – mestre pedreiro (1683)REIS, Baltasar dos – mestre pedreiro (1683)GOMES, Manuel – mestre pedreiro (1683)GONÇALVES, João – mestre pedreiro (1683)FERNANDES, António – mestre pedreiro (1683)COSTA, António da – mestre pedreiro (1683)RODRIGUES, Manuel – mestre pedreiro (1683), responsável pela vistoriaSANTOS, José dos – mestre carpinteiro (1683)RIBEIRO, Gabriel – mestre carpinteiro (1683)MARTINS, André – mestre pedreiro (1685)

NOVA IGREJACOUTO, Manuel do – mestre pedreiro (1694)MAIA, João da – mestre pedreiro (1694)MOREIRA, João – mestre pedreiro (1700/02)COSTA, António da – mestre pedreiro (1700/02)FERREIRA, Sebastião – mestre de estuquesROCHA, João da – marceneiro

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3. Tipologia arquitetónica

Das cinco igrejas que são objeto deste trabalho, da última metade do século XVII, só existem atualmente duas e mesmo estas alteradas em relação ao que teriam sido anteriormente. A igreja de São Nicolau, cuja capela-mor foi re-construída após o incêndio de 1758, sofreu, na mesma altura, transformações na fachada que alteraram o que seria o seu frontispício primitivo, como atesta a presença da pedra de armas de D. Frei António de Távora (1690-1766), co-nhecido também por D. Frei António de Sousa, bispo do Porto de 1757-1766. Posteriormente receberia um revestimento de azulejo. A igreja da Congre-gação do Oratório, é a que se conserva com menos alterações, exceto no que diz respeito ao desaparecimento da escadaria exterior, que lhe dava acesso, ao revestimento de azulejos da autoria de Jorge Colaço (1868-1942) e aos vitrais colocados nas janelas. As outras três desapareceram. A da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, a partir dos finais de Setecentos, foi substituída pela atual. Só a conhecemos através das vistas setecentistas do Porto.

A igreja de Nossa Senhora da Graça foi demolida para dar lugar ao edifício da Academia Politécnica e mais tarde Universidade do Porto. Conhecemo-la parcialmente pelos desejos de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova, executados em 1833. É este autor que nos permite igualmente conhecer a igreja da Vene-rável Ordem Terceira de São Domingos, na sua versão de 1713-1723, demoli-da para a abertura da rua Ferreira Borges.

Através das igrejas existentes, das imagens que possuímos de dois dos três templos desaparecidos e da análise de outras suas contemporâneas, as cinco igrejas inserem-se dentro de uma arquitetura que se mantém ligada formal-mente ao passado mesclando formulários maneiristas com despojamento, inovando por vezes pelos motivos que decoram as suas fachadas, dando-lhes

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apontamentos tímidos de movimento. Esta arquitetura que se pode designar por protobarroca prepara-nos para a pujante vertente barroca que irá caracte-rizar o Porto, a partir do fim do primeiro quartel do século XVIII.

Estruturalmente dividem-se em três áreas: um corpo de dimensão média (poucas igrejas ultrapassam esta realidade), seguido de outro de muito menor dimensão e altura, constituído pela capela-mor, ao qual se encontra adossada a sacristia, quase sempre de pequenas dimensões. Os dois corpos, rasgados por vãos de dimensão variável, têm a parede fronteira e da cabeceira em empena e são cobertos por telhados de duas águas. Interiormente são igrejas de uma única nave, com tetos em abóbada de berço (de estuque ou de pedra com decoração em caixotões), desaparecendo a tradicional cobertura de caixotões de madeira com pintura, esquema tradicional que se manterá na arquitetura religiosa por-tuguesa ao longo do século XVIII. Na nave, com os altares quase sempre inseri-dos nas paredes, e na capela-mor, o azulejo vai dar lugar à talha, ou convive com ela, mas onde frequentemente o domínio do revestimento em madeira dourada e a policromia das imagens caracterizam muitos dos espaços sacros portuenses.

A plasticidade arquitetónica concentra-se: no arco cruzeiro, cujo remate va-loriza o seu interior e onde encontramos a influência dos tratados e gravuras que circulavam na época e que serviam de base à inovação que se pretendia; nas pilastras que ritmicamente enobrecem as paredes laterais; no suporte do púlpito; por vezes no coro e principalmente na fachada.

3.1. Frontispícios

Os frontispícios das cinco igrejas estudadas apresentam uma tipologia idên-tica, ainda que só dois, como dissemos, tenham chegado até hoje. Excetuando a igreja de Nossa Senhora da Graça as fachadas estão isentas de torres sineiras, que são inexistentes (igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco), ou

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se situam num plano que não interfere com a fachada (igreja da Congregação do Oratório), ou são substituídas por uma simples sineira (igreja de São Nicolau).

A fachada da igreja de São Nicolau, enquadrada por pilastras de canto e dividida em três panos por duas pilastras, apresenta no pano central um eixo constituído por porta-janelão-nicho. As obras efetuadas na segunda metade do século XVIII alteraram o janelão e o nicho, fazendo este último irromper no entablamento, acentuando a verticalidade da composição através do óculo oblongo do tímpano e a cruz, sobre acrotério, que remata o frontão. A por-tada, excetuando a pedra de armas, manteria o esquema seiscentista descrito no documento de 16 de maio de 1675, segundo o qual teria de ser de ordem coríntia e constituída por duas colunas e duas cartelas, que acompanhavam na forma da traça as colunas.

As colunas coríntias teriam os fustes até ao primeiro terço lavrados e dos “lassos (laço – anel do fuste) para cima estriados com suas meias canas, e le-variam por trás um trespillar (pilastra) de capitel dórico. As cartellas que ham de aparelhar com as colunas, seriam revestidas pela parte da frente com lavor de pedras ovadas e coadradas”. No documento, no que diz respeito à porta-da, indica que o executante deveria seguir em alguns pormenores da obra de Jacomo de Villona (Giacomo Barozzi da Vignola – Regola delli cinque ordi-ni d?architettura), informação pouco frequente nos apontamentos relativos a obras. A fachada, cujo frontão tem o tímpano tripartido, é rematada de cada lado por três pedestais com pináculos, que acentuam a verticalidade das pilas-tras da fachada e das paredes laterais.

O frontispício da igreja de Nossa Senhora da Graça é visível parcialmente num dos três desenhos que Joaquim Cardoso Vitória Vilanova fez sobre as obras da Academia Politécnica. Nele é possível ver-se um pormenor da facha-da, enquadrada por pilastras de canto e arrematada por frontão, com elemento decorativo no tímpano. Limitados na análise da fachada da igreja do Colégio dos Órfãos conhecê-la-emos através das palavras de João de Oliveira Torres.

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A Igreja de Nossa Senhora da Graça numa descrição de João Oliveira e Torres 14

“Ela era exteriormente de singela arquitectura e a sua frente virada ao poente, era destituída de ornatos: a porta era quadrada, isto é, sem volta; dos lados salientavam-se, acima da padieira, de um lado, em meio rele-vo, um braço empunhando uma espada, do outro uma esphera armilar; mais acima uma larga janela por onde entrava a luz para o coro; acima n’uma edicula, uma imagem da Virgem com o menino ao colo. Era notá-vel esta imagem, que parece ser de granito, por ter, como nenhuma ou-tra, uma pequenina espada ao lado direito da cinta. Depois a arquitrave, cruz simples, e ao lado sul uma larga torre que pouco se elevava além do frontispício e que terminava em forma piramidal.Ao entrar no templo, dava logo na vista o escudo das armas reais, esti-lo D. Maria I, muito bem pintadas, no guarda-vento; depois havia seis altares, quatro divididos em dois por lado e dois encostados ao arco cruzeiro, porque o templo era dos que têm um espaço que antecede a capela-mor que se chama – cruz latina – ; os altares eram: do lado do evangelho o primeiro, dedicado a S. Marçal, a quem o Corpo de Bom-beiros fazia sua festa; o segundo era do Senhor Jesus. Do outro lado o primeiro era da Senhora da Conceição dos Militares, que a festejavam; e o segundo era de S. João de Deus. Na face do arco cruzeiro, do lado do evangelho, Nossa Senhora da Conceição da Rocha, e do outro lado o de Jesus Maria e José. Além destes havia um oratório na porta do lado do evangelho, onde se via a imagem de S. Filipe Nery e que supomos fora deslocada do altar em que no primeiro quartel do século passado se co-locou a imagem da Senhora da Conceição da Rocha, culto que proveio do encontro casual de uma imagem da Senhora em Carnaxide, que por se achar entre umas rochas, delas tomou o nome.

14 TORRES, 1913: 526-527. TORRES, 1913: 526-527.

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A capela-mor era pequena, e no trono existia, como já dissemos, a an-tiquíssima imagem da Padroeira. A abobada do templo era em parte de pedra e pela altura da cornija haviam uns nichos com imagens como ainda hoje se observa na igreja da Serra do Pilar”.

Da igreja da Venerável Ordem Terceira de São Domingos, conhecemos a fachada, através do desenho de Vila Nova, que pertence ao período da sua reconstrução (1713-1723), onde se vê a influência do frontispício da igreja da Congregação do Oratório e uma quantidade de elementos formais e decorati-vos que nos indicam a viragem da arquitetura portuense do protobarroco para o Barroco que caracterizará a cidade do Porto: fachadas cenográficas numa sucessão de elementos formais e decorativos de intensa plasticidade. Da pri-mitiva fachada não temos qualquer informação.

Ao contrário desta realidade, o frontispício da igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco aparece nas três vistas do Porto de 1736, 1789 e 1791. A vista do Porto de 1736 apresenta-nos o lado poente do corpo da igreja e a fa-chada, vendo-se ainda as estruturas que correspondiam à sacristia, casa do des-pacho e hospital. A capela-mor, de menor altura em relação à nave não é visível. A estrutura quadrangular da nave, ladeada por pilastras de canto rematadas por pináculos, é rasgada, no lado poente, por cima do telhado da sacristia, por uma janela. Na fachada vê-se uma portada, duas janelas e o frontão rematado por uma cruz, e a mancha negra que se vê no tímpano poderá ser interpretada como um óculo. Teodoro de Sousa Maldonado limitou-se, em 1789, a fornecer-nos uma imagem pouco precisa da fachada, onde aparecem apontados os mesmos elementos referidos. Mais pormenorizada é a representação do frontispício de-senhado por Manuel Marques de Aguilar, em 1791. Na fachada, rematada por frontão onde no tímpano se abre um óculo, rasgam-se três vãos (portada e ja-nelas de lintel e ombreiras lisas). A portada, enquadrada lateralmente por gran-des aletas, forma com o nicho que a sobrepuja e as armas da Venerável Ordem

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Terceira de São Francisco, que o rematam, o eixo central da fachada. No nicho, com o mesmo tipo de decoração lateral da portada, estava a imagem de pedra da Rainha Santa Isabel, esculpida (1689-1690) por Manuel de Almeida, um dos mais notáveis escultores portuenses do seu tempo 15.

O frontispício da igreja de Santo António dos Congregados é o mais monu-mental das igrejas referidas, excetuando o da igreja da Venerável Ordem Tercei-ra de São Domingos, levantado, como referimos, no primeiro quartel do século XVIII, e que cronologicamente já não pertence ao grupo dos edifícios estuda-dos. A fachada, de um barroco moderado segundo Carlos de Passos, divide-se horizontalmente em duas áreas: a primeira, de cantaria, com um portal de arco pleno, rematado por um frontão curvo interrompido, e duas janelas, ambas com remates similares; a segunda, dividida por pilastras e encimada por um frontão.

A segunda área da fachada está dividida por pilastras onde nos três panos centrais se rasgam janelas, rematadas por frontões (frontão triangular para a central e frontões curvos para as laterais), e enquadradas por molduras gra-níticas com enrolamentos. Estes, juntamente com as formas túrgidas e movi-mentadas que rematam os frontões das janelas do piso inferior, colocam esta fachada como um exemplo do protobarroco portuense. O frontão que remata todo o conjunto tem no tímpano um nicho (ladeado por elementos decora-tivos e com frontão curvo) onde se encontra uma imagem de Santo António. Nesta fachada, seguindo-se uma prática comum no século XVII, o riscador criou um ritmo através dos frontões. No eixo central, ao frontão curvo inter-rompido da portada, corresponde um triangular da janela, e a este um curvo no nicho, assim como numa leitura horizontal encontramos nos remates das janelas uma alternância que contraria a rigidez do frontispício. Como em São Nicolau, o frontão é ladeado por pináculos (três de cada lado) que assentam, neste caso, numa platibanda.

15 FERREIRA-ALVES, 2003: 363-364. FERREIRA-ALVES, 2003: 363-364.

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Conclusão

A segunda metade do século XVII, e particularmente o último quartel da centúria, representa um período de grande importância no contexto da arqui-tetura do Porto na Época Moderna. Este período, pelo número de construções realizadas, pela qualidade de muitas delas e pelos aspetos de modernidade numa continuidade de gosto, distingue-se do que foi feito anteriormente e prepara-nos para a pujança artística que caracteriza a cidade no século XVIII. Por outro lado, o Porto como segunda cidade do reino, com ligações pro-fundas com o Norte e com o exterior, nomeadamente o Brasil, vai exportar modelos artísticos e artistas que levarão estas experiências portuenses a uma vasta área do território português, prática com antecedentes e que se acentua em Setecentos e na centúria seguinte.

A primeira igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco insere-se, como referimos, no contexto dessa arquitetura que, não se libertando das lições do passado, inova o seu espaço interior e as suas fachadas através do fulgor e pujança da decoração. Esta, nas fachadas, irá contrariar, por vezes de uma forma tímida, a rigidez e secura arquitetónicas através de formas túrgidas, de enrola-mentos e de ritmos, que nos preparam para um tempo novo que se aproxima.

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O medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

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Como notoriamente reconhecida, a igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto é considerada a grande obra de Aleijadinho no Estado de Minas Gerais. Na época em que tal igreja foi construída, havia no Brasil as irmanda-des da ordem terceira de São Francisco, na segunda metade do século XVIII.

Aleijadinho, antes de executar a fachada da igreja de São Francisco de As-sis de Ouro Preto, já havia desenhado a fachada da igreja de São Francisco de Assis de São João d’El Rei, a pedido da irmandade daquela vila. Assim, a irmandade franciscana de Vila Rica (atual Ouro Preto), admirada com a fachada bem projetada de São João d’El Rei, pediu ao mestre que refizesse o frontispício para a igreja de Ouro Preto.

Sabe-se que, apesar do desenho da igreja de São João d’El Rei ser ante-rior ao da igreja de Ouro Preto, aquela só veio a ser realizada em 1786, en-quanto esta tem o frontispício com a nova portada concluído entre 1773-74, e o medalhão entre 1774-75.

Antônio Francisco ao modificar o projeto da fachada da igreja de Ouro Preto, recua as janelas laterais do coro, e acrescenta sobre a portada um novo relevo com a imagem de Nossa Senhora da Conceição, abaixo do medalhão já existente no projeto inicial. Assim, a junção do relevo com Nossa Senhora da Conceição (que apresenta um formato de seta) com o medalhão da imagem de São Francis-co logo acima, “empurra” e valoriza o arranque de frontão na fachada da igreja.

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FIGURA 1 – Porto. Desenho da fachada da igreja de São Francisco de Assis de São João d’El Rei

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Aleijadinho [consult. 17 novemrbo de 2011].

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O medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

FIGURA 2 – Fachada da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

Fonte do autor.

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Este arranque de frontão também está presente no interior da igreja, no altar-mor, o que vem acentuar ainda mais uma leitura de continuidade em direção ao céu, iniciada com o gesto de São Francisco, no medalhão, com os braços abertos e a cabeça voltada para o alto.

FIGURA 3 – Medalhão de São Francisco de Assis no Monte Alverne.Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

Fonte do autor.

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O medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

Vale destacar, ainda, que os braços abertos de São Francisco se posicio-nam na mesma linha do entablamento do edifício, mantendo, assim, har-monia do medalhão com o entorno da fachada da igreja. E ainda, um fato curioso é que o gesto de São Francisco de Assis, com os braços abertos no desenho do projeto da igreja de São João D’El Rei, foi utilizado na igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto. Logo, quando da realização do meda-lhão da igreja de São João d’El Rei, o São Francisco de Assis nele esculpido passou a ter os dois braços estendidos para frente.

Acredita-se que Aleijadinho tenha tido o medalhão da capela de Nossa Senhora do Carmo, no Rio de Janeiro, como uma das fontes de inspiração para a feitura do medalhão de São Francisco no Monte Alverne, em Ouro Preto. A viagem ao Rio de Janeiro teria ocorrido com o fim de o escultor se defender de um processo de paternidade movido por Narcisa Rodrigues da Conceição. Nesta oportunidade, teria observado o relevo na referida capela, em pedra de lioz, vinda de Portugal.

FIGURA 4 – Medalhão da capela de Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro

Fonte do autor.

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Outra possível fonte de inspiração para a execução do medalhão de Ouro Preto pode ter vindo do livro “I Fioretti di San Francesco” (ou “As Florinhas de São Francisco de Assis”), que descreve revelações de São Francisco de Assis, bem como, narrativas sobre o movimento franciscano. É provável que Aleija-dinho tenha tido contato com este livro, que na edição de 1510, publicada em Milão, possui um desenho que reproduz o milagre do Monte Alverne; desenho este que, segundo historiado, se assemelha com o revelo da igreja de Ouro Preto.

Por fim, já havendo constatações de que Aleijadinho teve por influência a en-ciclopédia de Cesare Ripa para a realização de algumas de suas esculturas, é pos-sível especular que o relevo em questão também tenha inspiração em desenhos daquela enciclopédia, como, por exemplo, a estampa “Congiuntione delle cose humane com le divine”, que apresenta um gesto similar ao do relevo, conforme a figura n.º 5 (desenho realizado pelo autor, reproduzindo a citada estampa).

FIGURA 5 – Desenho realizado pelo autor a partir da enciclopédia de Cesare Ripa

Fonte do autor.

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O medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

A leitura da forma

Estar diante do medalhão de Ouro Preto é estar diante de um relevo que apresenta, a partir do primeiro plano, alto, médio e baixo-relevo, com carac-terísticas semelhantes aos relevos picturais (aqueles onde a perspetiva é mos-trada através da distribuição gradual das massas para sugerir a profundidade), porém, possuindo certas peculiaridades, como será detalhado neste tópico.

Segundo Raquel Quinet Pifano, “a perspetiva vem transformar efetivamente o espaço psicofisiológico em espaço matemático. Assim o campo de visão esfe-roidal – decorrente do fato do ser humano enxergar com dois olhos sempre em movimento – é reparado pela ideia do olho único e imóvel”. Já no espaço da per-ceção imediata, diz a autora que “cada elemento – considerando o espaço vazio como elemento – possui conteúdo próprio, um ‘valor específico’, ou seja, possui existência autônoma em relação ao outro”. Assim, na perspetiva a atenção se volta para a ação, “e toda ação é um colocar-se em relação ao outro ou à outra coisa qualquer, a ação não tem caráter episódico e sim universal” 1.

Logo, partindo desses conceitos, tudo indica que, nos relevos de Aleijadi-nho, o escultor trabalha, primordialmente, com a perceção imediata. Todavia, a busca de perspetivação do espaço nos relevos de Aleijadinho estão em al- busca de perspetivação do espaço nos relevos de Aleijadinho estão em al-guns elementos, como na auréola de São Francisco e no templo de Assis no relevo da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, já que estes dois ele-mentos, por terem formas geométricas, parecem mais evidentes em apontar a perspetiva quando comparados às demais figuras representadas no referido relevo, que trabalham por escorço seus volumes. Contudo, Aleijadinho se pre-ocupa mais com a clareza narrativa, com o seu caráter “episódico” (oriundo da perceção imediata), do que com caráter “universal” (proposto pela perspeti-ção imediata), do que com caráter “universal” (proposto pela perspeti-proposto pela perspeti-va), reforçando um conteúdo antes “predicatório que retórico” 2.

1 PIFANO, 1997: 353.

2 PIFANO, 1997: 353.

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A inserção de um chão a partir da figura em primeiro plano é um instru-mento que ajuda a resolver o problema da perspetiva, no entanto, Aleijadinho parece não ter se preocupado em construir este chão, no medalhão de Ouro Preto, com São Francisco, dado que reforça o uso da perceção imediata.

Já o relevo da capela de N. S. do Carmo, no Rio de Janeiro, anteriormente mencionado, se preocupa em marcar um chão, indicado por meio de degraus em primeiro plano, o que assegura o solo firme em que se ajoelha São Simão Stock, além da representação de uma pequena barra próxima aos pés e um frasco no primeiro degrau, o que acentua o jogo de perspetiva. Contudo, ape-sar da busca pela perspetiva, a tendência à grande profundidade, neste relevo, parece reduzida com a forte presença das figuras, onde se tem basicamente três planos marcados, quais sejam, São Simão Stock em primeiro plano, Maria e o menino Jesus em segundo plano e os querubins ao fundo.

No que tange aos relevos Portas do Paraíso de Ghiberti e Púlpito da Res-surreição de Donattelo, ao contrário do relevo da capela de N. S. do Carmo, a profundidade obtida através da perspetiva é intensa, representada por sutis passagens entre as zonas sobrepostas. Todavia, esta intensa profundidade não é a regra, muitos relevos, mesmo dentro de uma retórica barroca clás-sica no continente europeu, não trazem sempre extrema profundidade, isto porque no relevo existe um jogo complicado da relação entre o volume real dos planos com o desenho das linhas; daí a tendência, em muitos relevos, de trazer ênfase às figuras que se apresentam em planos mais próximos da superfície e evitar uma profundidade acentuada.

Podemos notar, ademais, que o relevo em estudo apresenta São Francisco de Assis em primeiro plano com a cabeça um pouco maior em relação ao cor-po, para corrigir a visão à distância dos observadores, que tende a diminuir o tamanho dos elementos que estão mais altos, quando vistos de baixo. Já o corpo e a cabeça de Cristo, que têm quase o mesmo tamanho da cabeça dos querubins ao seu lado, se apresentam bem diminuídos em relação ao Santo,

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O medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

para trazer a sensação de distância, sugerindo que Cristo estaria bem mais elevado, no céu. Logo, Aleijadinho explora os recursos da escala de grandeza.

Também, no relevo com São Francisco no Monte Alverne, não há convergência das linhas para um mesmo ponto de fuga, peculiar à perspetiva. O que ocorre, no caso em estudo, é a ideia de profundidade, que ganha realce com a relação de so-breposição das massas, principalmente pela presença do templo, da vegetação, das pedras, da auréola sobre o Santo e dos raios de luz que resplandecem do Cristo.

Por todo o exposto, percebe-se que Aleijadinho volta mais sua atenção para a distribuição das massas e da sobreposição dos corpos, preocupando-se com a eloquência da narrativa, do que com o rigor das leis da perspetiva. Vale ressaltar, outrossim, o brilhantismo desta obra, que é enriquecida de detalhes, apesar da dificuldade enfrentada pelo artista para relacionar todos os planos do relevo de Ouro Preto, que foi realizado com a junção de onze blocos de pedra sabão.

Logo, a distribuição das massas por Aleijadinho permeia a questão do Equi-líbrio Geral segundo o Dicionário de Escultura de Machado de Castro:

“O Equilíbrio Geral porém, é mais difícil de perceber-se, explica-se; porque não pertence a uma só peça mas sim ao total de qualquer com-posição. v.g. Faz-se um Baixo, Meio ou Alto Relevo: se um dos seus lados enche o Quadro debaixo acima é preciso que o lado oposto o con-trabalance com arte sem afetar a Arte, introduzindo-lhe alguns objetos diversos; mas sempre análogos ao assunto expressado” 3.

Desta forma, partindo da definição de Machado de Castro, pode-se dizer que no relevo de São Francisco no Monte Alverne encontra-se presente este contra-balanceamento citado pelo autor, isto porque, se do lado superior esquerdo da obra aparece uma concentração de luzes e sombras geradas pelos diversos anjos, nuvens e o Cristo, todos muito próximos e emaranhados; do lado direito apare-

3 CASTRO, 1937: 42.

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ce apenas o templo, em baixo relevo, trazendo uma sensação maior de vazio (se comparado com os inúmeros elementos do lado oposto), provocando, assim, harmonia no conjunto da obra, além de destacar a perceção de profundidade, que certamente não ficaria tão nítida se todo o relevo estivesse coberto com aquela concentração de luzes e sombras existentes no plano superior esquerdo. Sendo assim, podemos afirmar, sem medo de errar, que Aleijadinho, em seu relevo, contrabalanceia os elementos “com arte sem afetar a Arte”.

Uma conceção do espaço

O conhecimento artístico no período barroco, segundo Giulio Carlo Argan, (que também pode ser aplicado ao período colonial) não está mais ligado à natureza, mas sim, forma um sistema único de comunicação, que é o da per-suasão e a influência sobre o pensamento moral. 4 Ademais, acrescenta que “o conceito de forma como representação da realidade entra em crise: a técnica pode até continuar sendo um processo de imitação, mas a imitação da ideia, e não mais da natureza” 5. Esta imitação pura e simples da natureza é abandonada esporadicamente por Aleijadinho para se fazer compreensível entre os devotos por meio da ico-nografia, comunicando-se através dos elementos que encantam os sentidos, como, por exemplo, no modo como Jesus se apresenta como um anjo de seis asas, inusitadamente com a metade do corpo (da cintura para cima) e com folhas envolvendo a cintura, rodeado de nuvens e feixes de luz; como também nos lírios, que representa a inocência e a paz.

4 ARGAN, 2004: 22.

5 ARGAN, 2004: 22.

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O medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

A obra de Aleijadinho está repleta de símbolos que buscam, acima de tudo, criar um diálogo com os devotos por meio das imagens, principalmente se conside-rarmos o alto índice de analfabetismo no século XVIII. O que transparece é que o escultor tinha a finalidade de passar mensagens religiosas até mesmo nos pe-quenos detalhes, como, por exemplo, a árvore cortada no lado inferior esquerdo do medalhão (fazendo alusão a morte), mas que, no entanto, possui ramos bro-tando de seu tronco, deixando entrever a constante renovação da vida. Assim, em suas obras, Aleijadinho explora o espaço de forma minuciosa, a fim de expressar o que lhe vem à imaginação criadora. Parece que ao invés de sub-meter os elementos simbólicos ao espaço a priori, subverte esta ordem, cons-truindo o espaço conforme os elementos que esculpe, os quais são prioritários.John Bury, comentando sobre as esculturas de relevo pleno dos doze profetas, suscitou que Aleijadinho não submeteu as esculturas ao Adro, como era a tra-dição à época (quando as esculturas eram encomendadas para ocupar certo local já estabelecido), mas sim, criou o Adro para albergar os profetas 6. Con-tudo, esta forma de construção do espaço também parece ocorrer em outras obras do escultor, como no medalhão de São Francisco, ou seja, os elementos esculpidos no relevo tomam posição ativa na obra, adotando o espaço em que o medalhão será disposto (a pedra sabão) posição passiva - assim como o Adro que tinha a função primordial de ressaltar os profetas. Logo, apesar de os relevos de Aleijadinho possuírem um universo finito para se concretizar (como o bloco de pedra ou o bloco de madeira), tal circuns-tância não aparenta ser limitadora do resultado da obra, já que quando con-cretizada toma força tão monumental que cria no observador a sensação de ocupar, tal obra, o tamanho exato que deve/merece ter. Trata-se da grande façanha do escultor, que faz do cenário coadjuvante de suas obras.

6 BUR�, 1991: 29.

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Leonardo Etero

Bibliografia

ARGAN, Giulio Carlo, 2004 – Imagem e Persuasão. Ed. Cia das Letras.

BASTOS, Francisco de Paula Vasconcellos, 2006 – A igreja de São Francisco de Assis de Vila Rica. Belo Horizonte: Edição do Autor.

BURY, John, 1991 – Arquitetura e arte no Brasil Colonial. São Paulo: Nobel.

CASTRO, Machado de, 1937 – Dicionário de escultura: inéditos de história da arte/ Joaquim Machado de Castro. Lisboa: Livr. Coelho. Disponível na internet em: http://purl.pt/778 [consult. 16 novembro de 2011].

OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de; SANTOS FILHO, Olinto Rodrigues dos e SANTOS, Antonio Fernando Batista dos, 2002 – O Aleijadinho e sua oficina. Catálo-go das esculturas devocionais. São Paulo: Capivara.

PIFANO, Raquel Quinet, 1997 – “O Espaço na Obra de Aleijadinho: Simbólico ou Perspectivado?”, in CESÁRIO, Wellington; MANSUR Monica; PAULA, Marcus Vinícius de (orgs.) – Tradição e Inovação. Anais do 5.º Encontro do Mestrado em História da Arte. Rio de Janeiro: UFRJ, EBA. p. 351-356.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais. O Seminário da Senhora da Encarnação

e constituição da Venerável Ordem Terceira da Penitência

Luís Alexandre Rodrigues

No registo da “vizita vigessima outava” efetuada, em 13 de fevereiro de 1763, ao Real Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, o escrivão men-cionava o nome do reverendo padre Frei António de Nossa Senhora das Ne-ves, louvando-o com o título de “Missionario Apostólico fundador do Seminá-rio de Nossa Senhora da Encarnação da villa de Vinhaes” 1. Na mesma lauda, evidenciavam-se os poderes conferidos ao visitador, “para que vesite, corrija, amoneste, y castigue tam in capite quam in membris, y si fuere necessário forme processos, y los concluja [...] como en todo lo demas, a lo que detreminam las Constituciones Appostolicas de los seminarios”, e declarava-se que tais compe-tências lhe eram conferidos pelo Geral da família Cismontana, Frei Pedro Juan de Molina, leitor de sagrada teologia e “teologo da de la Magestada Católica en su Real Junta por la Immaculada Conception segunda vez Menistro Geral de toda la Ordem de Menores de N.P. S. Francisco” 2. A esta luz, compreende-se que espíritos ilustres como Frei José de Sant’Ana, citado em 1760 como “escritor

1 IAN/TT � Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, Lv.1, fl. 49.

2 IAN/TT � Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, Lv.1, fl. 49.

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coronista, e guardiam” do Seminário de Brancanes, gostassem de perpetuar a função que exerceram. Era em nome dessa memória que, a seguir ao nome, acrescentavam “ex vezitador do da Encarnação da villa de Vinhaes” 3.

A constatação dos laços que uniam as casas dos missionários apostólicos, obriga a que se considere a relação dos missionários franciscanos de Bran-canes com Vinhais, vila da diocese de Miranda do Douro, situada na estrada que ligava Bragança e Chaves. O convento de Brancanes esteve intimamente relacionado com Santo António do Varatojo (Torres Vedras), convento fran-ciscano integrado, desde 1534, na Província dos Algarves de que se desligou em novembro de 1679, altura em que passou a Seminário Apostólico das Mis-sões. Já o lançamento da primeira pedra da igreja de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, fundado na quinta de Branca Anes 4, na periferia de Setúbal, ocorreria em 27 de junho de 1682 por iniciativa de Frei António das Chagas 5 e contou com o patrocínio de D. Pedro II. O andor em que transportava a pri-meira pedra foi levado aos ombros pelos prelados dos conventos estabelecidos em Setúbal numa cerimónia em que o arcebispo de Lisboa, simbolicamente, lançou nos alicerces espécimenes de todas as moedas que corriam no reino 6.

3 IAN/TT � Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, Lv.1, fl. 45.

4 Era propri�dad� d� Fran�is�o Var��a P�r�ira � d� s�a m��h�r, D. Ana Maria d� Carva�ho. Arquivo Distrital de Setúbal – Arquivo pessoal de João Carlos de Almeida Carvalho (1817-1897), do�. 62/18.

5 Fr�i �oão das Cha�as morr�ria no ano �m ��� tinha dado prin��pio ao s�min�rio d� Bran�an�s. MARIA SANTÍSSIMA, Fr�i Man��� da, 1799 � Historia da fundação do Real Convento e Seminario do Varatojo, com a compendiosa noticia da vida do venerável padre Fr. Antonio das Chagas e de alguns varoens illustres filhos do mesmo convento e seminario, Porto: Na �fficina de Antonio A�var�s Rib�iro.

6 Arquivo Distrital de Setúbal – Arquivo pessoal de João Carlos de Almeida Carvalho (1817-1897), doc. 32/12, fl. 60.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais.

FIGURA 1 – Frontaria principal da antiga igreja do Convento de Brancanes

Mas as obras conheceram uma progressão irregular e só voltariam a ani-mar-se, em 1711, quando beneficiaram do calor de D. João V. Além deste fato, esta data também é importante por sinalizar o momento em que o mostei-ro franciscano de Brancanes se transformou em Seminário de Missionários Apostólicos e passou a ter governo autónomo.

Todavia, só em 11 de agosto de 1713 o noviciado estaria em condições de acolher João da Lapa, o primeiro 7 noviço a dar entrada em Brancanes. A maioria dos que se lhe seguiram era oriunda de zonas do centro e do sul do país, terras mais próximas

7 IAN/TT � Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, Lv.1.

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do convento. Mas não passaria muito tempo para se poder contar candidatos a fra-des de coro oriundos de Braga, do Porto, de Barcelinhos e de freguesias do bispado de Lamego. E também de Trás-os-Montes. Embora não saibamos se foi o primeiro transmontano a tomar ordens, o padre Francisco Pinto, de Monforte de Rio Livre, povoação perto de Chaves, então integrada no bispado de Miranda, tomava o hábito na casa de Brancanes em 21 de maio de 1725. Portanto, a crescente presença de no-viços do norte do país traduz o modo como os padres de Brancanes influenciavam áreas distantes de Setúbal em resultado do seu progressivo direcionamento para as terras setentrionais. Em Trás-os-Montes, a importante praça de guerra de Chaves cedo mereceu a atenção dos missionários. No Verão de 1719, Frei Manuel das Onze Mil Virgens e Frei José de S. João chegavam a esta “pobre villa feita huma Babiló-nia de escândalos e huma sodoma de torpezas” onde encontraram “muita parte da gente tam rebelde a ouvir a palavra de Deos” 8. No combate a este ambiente, os mis-sionários apostólicos percorreriam diversas aldeias das imediações da antiga cidade romana e, provavelmente, desbravaram o campo para Vinhais.

QUADRO 2 – Itinerário de pregação da missão pelos padres apostólicos de Brancanes (1744)

8 IAN/TT, Crónica de Brancanes, Tomo 2º, Missões mais notáveis que tem feito, man�s�ritos da Livraria, nº 852, fl.61.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais.

Já os caminhos que levavam a Bragança e a Miranda do Douro, só mais tar-de, parece, seriam percorridos com afoiteza pelos padres de Brancanes. Neste mundo muito ruralizado a superstição e outros prolongamentos do paganismo ancestral continuavam vivos 9, oferecendo aos seguidores de S. Francisco razões para o empenhamento na transformação da consciência religiosa das popula-ções. Num manuscrito sobre a ação missionária dos padres de Brancanes dá-se nota do envio para Miranda do Douro de frei José de Santa Teresa e de frei José dos Santos, uma parelha que, deixando Brancanes no primeiro de maio de 1744, chegou à cidade duriense nos primeiros dias de agosto. Manter-se-iam nos limi-tes desta diocese durante quase dois anos pois só regressaram a casa em dois de abril de 1746. Embora se conheça o seu percurso, à ida e à vinda, interessa-nos o itinerário plasmado no quadro anterior 10, sobretudo por se dar nota dos dias que os missionários permaneceram nos aglomerados visitados.

Como se vê, na maioria das povoações demoravam-se quinze dias na pre-gação da missão. No rol das exceções estavam Mirandela e Mascarenhas, com uma permanência de 21 dias, Miranda do Douro que foi visitada duas vezes onde se demoraram trinta dias da primeira vez e vinte da segunda. Desta vez, corria o mês de fevereiro de 1745, “abriram missão na Sé [...] aonde pregavão todos os dias” perante uma catedral repleta de fiéis.

Ao mesmo tempo, poderia causar admiração a brevidade da passagem por Bragança se não conhecêssemos a advertência do cronista, ressalvando “nam repare em gastar tam poucos dias em Bragança sendo huma cidade tam populoza com quatro conventos que havia tido pouco antes missão e

9 Embora centrado noutro contexto geogr�fico, continua a ser importante o estudo de SANT�S, Eugénio dos, 1981 – “�issões e �ission�rios do interior da região de �uimarães (séc. XVIII)”, in Actas do Congresso Histórico de Guimarães e sua Colegiada. 850º Aniversário da Batalha de S. Mamede (1129-1978), G�imarã�s, vo�. III, pp. 219-236.

10 IAN/TT, IAN/TT, Crónica de Brancanes, Tomo 2º, Missões mais notáveis que tem feito, man�s�ritos da Livraria, nº 852, fls. 541-542.

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fizerão somente aquelles quinze dias para comprir com quem lhes pedio” 11. Contudo, nesta notícia, ressalta uma primeira estação de setenta e cinco dias em Vinhais, logo complementada com uma segunda visita em que os mis-sionários se demoraram igual número de dias. O que, sem dúvida, equiva-lia à superação de um período de dificuldades já que “(o) medo (d)os seus longes e a aspereza e pobreza” destas terras transmontanas cediam perante um “caminho das missois mais trilhado, (pois) graças a Deos que se sabe hir, e vir, e fazer lá muito fruto” 12. Frase ilustrativa de como era profundo e generalizado o desconhecimento da geografia do país enquanto, de forma subentendida, apontava a urgência da ação missionária.

Portanto, a conjugação de fatores como a presença continuada dos missioná-rios, o conhecimento mais profundo das idiossincrasias locais, o estreitamento de laços com os vários estratos da pirâmide social e o relacionamento com os que tinham poder de decisão, seriam determinantes para a decisão dos francis-canos de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes se fixarem em Vinhais, vila onde edificaram um seminário, iniciado em 1752, a partir da qual irradiaram os princípios que levaram à criação da Venerável Ordem Terceira da Penitência.

Assim, o processo da constituição da Ordem Terceira da Penitência de Vi-nhais surge estreitamente ligado à pregação da missão e à fundação do Se-minário. Por isso, é importante olhar para os desejos e para as ambições de alguns próceres locais e para a forma como os Missionários Apostólicos de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes entendiam e praticavam os ideais da igreja militante. Só assim se pode explicar a capacidade de, num território afastado de centros urbanos importantes, se congregarem as vontades capa-zes de materializarem um cometimento que possibilitaria uma base de apoio

11 IAN/TT, IAN/TT, Crónica de Brancanes, Tomo 2º, Missões mais notáveis que tem feito, man�s�ritos da Livraria, nº 852, fl. 542.

12 IAN/TT, IAN/TT, Crónica de Brancanes, Tomo 2º, Missões mais notáveis que tem feito, man�s�ritos da Livraria, nº 852, fl. 540.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais.

à constância na ação missionária. Neste contexto tem relevância o requeri-mento, datado de 1754 ou 1755, em que José de Morais Sarmento pedia o traslado 13 de um alvará régio que se guardava no cartório do cabido da Sé de Miranda do Douro. Resumimos as informações que nos parecem mais ade-quadas para a compreensão de algumas das circunstâncias relacionadas com a fundação do Seminário:

1• A fundação do seminário era um desejo dos locais, razão pela qual se congraçavam os oficiais da Câmara, a nobreza e o povo de Vinhais;

2 • A vila, “copiosa de moradores”, administrava mais de “quarenta luga-res de destricto” e, em tal vastidão, não contava com qualquer conven-to de religiosos. Existia apenas um convento de freiras de Santa Clara, muito pobre, e um único pároco curava a totalidade da freguesia;

3 • Perante as carências de assistência espiritual, pois “padicião todos ne-cessidades de confessores e directores de suas consciências” tentaram al-cançar do monarca a licença para se edificar “hum hospício de religiosos reformados do numero de dez sendo seis confessores tres pregadores e hum so leigo”. Graça semelhante, e com visível “fruto de suas almas”, tinha já sido concedida aos habitantes de Miranda do Douro e de Mirandela.

4 • D. João V, em 26 de outubro de 1739, acolheu favoravelmente uma petição que lhe tinha sido apresentada no sentido de se “fundar hum hospício de relegiosos Missionários” em Vinhais.

A edificação foi autorizada mas o arranque das obras, por razões nem sempre esclarecidas, seria sucessivamente protelado. Em 22 de setembro de 1751, alcan-çada a licença do rei, a câmara, nobreza e povo endereçavam uma petição ao bispo da diocese de Miranda do Douro, D. Frei João da Cruz, com a finalidade

13 MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A Ord�m MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A Ord�m Terceira e a casa do fundador do convento de S. Francisco de Vinhais”, Separata de O Instituto, Coimbra, Impr�nsa da Univ�rsidad�, pp. 24-26.

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de obterem a sua indispensável concordância. Ao processo juntar-se-iam ainda declarações tendentes a assegurar que, no futuro, os padres fundadores seriam respeitadores tanto da jurisdição episcopal como dos direitos paroquiais, nome-adamente em matérias relacionadas com o pagamento dos dízimos.

Na mesma petição já se dava conta da presença de dois religiosos na vila de Vinhais, Frei Diogo dos Prazeres e Frei Francisco de S. Alberto, ambos envia-dos pelo guardião de Brancanes, Frei António de Nossa Senhora das Neves, para pregarem a missão e dirigirem a fundação do novo seminário. Uma carta do guardião do Real Seminário de Brancanes para estes padres, datada de 8 de maio de 1751, “dia da Aparição do Senhor S. Miguel protector das Missões deste Seminário” é bastante esclarecedora não só por lhes recomendar zelo na “nova fundação do hospício, ou Seminário, que para Missionários se intenta dar principio na villa de Vinhaes pela devoção, piedade, liberalidade do sar-gento mor José de Moraes Sarmento e mais fieis daquela província, que por tão repetidas vezes pedirão os fundadores a este Seminário” mas ainda pela enfatização da vontade de “cooperar(em) com os rogos” do bispo de Miranda do Douro, D. Frei João da Cruz. Em nome da salvação das almas.

O bispo carmelita, em 15 de outubro de 1751, ordenaria a medição e demar-ção e demar-demar-cação do chão destinado à obra do seminário, situado “no fim da Rua Nova de S. Caetano no sítio chamado da Taipa” 14, numa propriedade doada por José de Morais Sarmento e, em 5 de novembro do mesmo ano, colocaria os seus sinais no documento que licenciava a edificação do seminário. Seria dedicado a Nossa Senhora da Encarnação e na solenidade do lançamento da primeira pedra 15, ocorrida em 6 de janeiro de 1752, o antístite fez-se representar pelo doutor Caetano de Sá Ferreira, chantre na Sé. Contudo, muitas das circuns-

14 MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A Ord�m MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A Ord�m Terceira e a casa do fundador do convento de S. Francisco de Vinhais”, Separata de O Instituto, Coimbra, Impr�nsa da Univ�rsidad�, p. 21-30.

15 CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � Bragança e Miranda, Porto: Tipografia Porto �édico, Lda., vo�.II, p. 353.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais.

tâncias relacionadas com o arranque e com desenvolvimento da empreitada não são conhecidas. Em todo o caso, as obras ainda decorriam em 1758 como se deduz de um trecho das Memórias Paroquiais, especialmente quando o clérigo informador, referindo o convento das freiras de Santa Clara, noticiava a existência em Vinhais de:

“outro (mosteiro) de religiosos de Brancanes que a custa das rendas manda erigir o Mestre do Campo Joze de Moraes Sarmento natural des-ta villa com algum consorcio, ou ajuda de mais nobreza povo e terra della que todos concorrem com igoal zello para o exito, e conservação dos Religiozos Missionários” 16.

Relativamente aos contributos formais para o delineamento da obra, as fontes

conhecidas são pouco reveladoras. Em 18 de novembro de 1767, Frei José de Sant’Ana 17, natural do arcebispado da Baía, duas vezes eleito em guardião e o primeiro que obteve a patente de escritor e cronista de Brancanes, registaria na “taboa do semiterio” desta casa o falecimento ocorrido no Seminário da Encar-nação de Vinhais, em 19 de julho de 1767, de Frei Constantino da Conceição. Nasceu em Azurara, no bispado do Porto, vestiu o hábito seráfico em 18 de ou-tubro de 1732 e professou como irmão leigo em 8 de dezembro do ano seguinte.

Antes de se deslocar para Vinhais já tinha ido ao bispado da Baía na com-panhia de dois missionários de Brancanes, certamente com o intuito de es-tudarem as possibilidades do prolongamento das missões ao território do Brasil. Nesta perspetiva, a integração do irmão Constantino da Conceição na comitiva não deixaria de estar relacionada com funções de conselheiro

16 IAN/TT � IAN/TT � Memórias Paroquiais, Vinhaes, nº346, Tomo 41, fl. 2101.

17 Fa����� �m 15 d� s�t�mbro d� 1782, �om 65 anos. Tinha nas�ido na �r����sia d� Nossa S�- Fa����� �m 15 d� s�t�mbro d� 1782, �om 65 anos. Tinha nas�ido na �r����sia d� Nossa S�-nhora do So�orro, t�rmo da �idad� d� S�r�ip�. En��anto d�voto, m�ito s� �sm�ro� no ornato � asseio do “altar da sua Senhora Santa Anna”, na igreja de �rancanes. IAN/TT - Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Bran-canes, Lv. 4, fls. 47-47v.

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técnico tendo em vista, no caso de aí permanecerem os missionários de Se-túbal, a necessidade de se edificar a igreja e alojamentos

Em relação com a obra de Vinhais, esta notícia de óbito interessa-nos es-pecialmente por se mencionar que Frei António de Nossa Senhora das Neves, quando incumbido da fundação do novo seminário:

“o escolheu para u(m)a das pedras fundamentais dele, a cuja edificação contribuio muito com seu zelo, e com o seu brasso, sendo carpinteiro de mediana suficiência” 18.

Informação importante por revelar como o irmão leigo de Azurara, radicado em Setúbal, vem dar contributos importantes na obra de Vinhais e ainda por testemunhar a capacidade das casas de religião se bastarem a si próprias em ma-térias como a conceção, a execução e a direção de obras. O que explica os laços de família existentes entre o programa arquitetónico da frontaria de Brancanes e o da frontaria do seminário de Nossa Senhora da Encarnação de Vinhais.

O bispo, pandorcas e algazarras

O contacto do jovem João da Cruz com Trás-os-Montes ocorreu em 1709 por ter vivido em Chaves numa altura em que seu pai era governador de armas da Província. Só depois entraria na Ordem dos Carmelitas descalços, onde era já professo em 1718. Pelas suas qualidades seria destinado, em fevereiro de 1739, a ocupar a cátedra episcopal do Rio de Janeiro, sendo sagrado bispo na igreja pa-triarcal, em 5 de fevereiro de 1741, por D. Tomás de Almeida. Três meses mais tarde chegava ao Rio de Janeiro, então uma cidade habitada por quase vinte mil

18 IAN/TT � IAN/TT � Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, Lv. 4, fls. 35-35v.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais.

almas, duas paróquias, uma na catedral e outra na candelária, três colegiadas, qua-tro conventos masculinos, hospital, Casa da Misericórdia e muitas confrarias 19.

Contudo, a igreja catedral, “arruinada e velha” mostrava incapacidade para a realização dos ofícios divinos, que foram sendo transferidos para a capela de Santa Cruz e para a igreja do Rosário dos Pretos 20. Fora do Rio de Janeiro, a maioria das igrejas “estavam em estado deplorável” e os padres, muito pobres e raros viam-se obrigados ao uso do altar portátil como resultado das grandes distâncias que tinham que vencer. Seria neste ambiente em que grande parte do povo é pobre e o clero mal preparado que D. João da Cruz vislumbrou o contributo positivo que poderia ser prestado pelos missionários. O padre José de Castro, a quem devemos as informações biográficas do bispo, dando nota do apreço votado aos frades Capuchinhos, que eram em reduzido número, salientou como Frei João da Cruz gostava do padre do Varatojo, donde saíram os missionários fundadores da casa dedicada a Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes. Na vocação evangelizadora destes padres franciscanos vislumbra-va a capacidade e, sobretudo, a persistência na ação que eram atributos mui-to necessários no território onde o prelado procurava contrariar alguns dos atos desmedidos dos poderosos, a dissolução dos costumes e as influências que certos traços multiculturais exerciam sobre o comportamento religioso. Dificuldades de tanta monta levaram-no a dividir o bispado em mais duas dioceses, a de S. Paulo e a de Mariana, mas não evitaram que o pedido para ser rendido naquelas paragens. O que aconteceria em 1745 com a nomeação para aquela cátedra do bispo de Angola, D. Frei António do Desterro 21.

19 CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � Bragança e Miranda, Porto: Tipografia Porto �édico Lda, vol. II, p. 349.

20 CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � Bragança e Miranda, Porto: Tipografia Porto �édico Lda, vol. II, pp. 320-321.

21 CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � Bragança e Miranda. Porto: Tipografia Porto �édico Lda, vol. II, p. 323.

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Pouco tempo depois seria indigitado para a diocese de Miranda do Douro. Uma vez na catedral do nordeste transmontano, D. Frei João da Cruz tinha presentes as recordações do Brasil e a compreensão dos efeitos negativos que resultavam de uma instrução religiosa deficitária. Talvez por isso se explique a sua fixação nos comportamentos que entendia corresponderem a desvios da correta prática religiosa e dos bons costumes. Acreditando nos efeitos conti-nuados da persuasão, às vezes acompanhados de penas pecuniárias, não deu descanso à pena pelo que redigiu e fez publicar pastorais sobre temáticas di-versas onde se levantava a flâmula da proibição sobre “toda a casta de jogos [...] toda a casta de bailes e ajuntamentos de homens e mulheres, de dia, à noite, nas casas ou nos campos”, sobre “todas as pandorcas que em muitas partes se costumam fazer nos domingos e dias santos, de dia e de noite, e nos demais dias de trabalho”. Neste grupo de festividades ficavam compreendidas algumas celebrações do ciclo natalício, especialmente “as chamadas festas de Santo Estevão que se fazem em várias partes do bispado por serem escanda-losas e ocasionarem a ruína espiritual e temporal do próximo” e ainda “por se comporem de pandorcas, danças, algazarras, e tumultos occazionados pella eleição de hum rei, e outras mais dignidades, que nellas elegem, por cuja occa-zião tem ja havido mortes, e pendencias pellos excessos de comer, e beber, que nos ditos dias se fazem [...] com muitas offensas a Deus”. À superficialidade como, em certos casos, as práticas religiosas eram entendidas nos ambientes rurais agregava-se a continuidade de celebrações culturais solidamente cal-deadas pela longa duração e que o racionalismo crescente tendia a combater e a desvalorizar para dar solidez à sua afirmação. Daí que o reconhecimento da necessidade de se agir sobre as massas ocorresse em simultâneo com a transferência para os padres de Brancanes da antiga admiração pelos padres do Varatojo, um renascimento que faria despertar da letargia de uma década a motivação para a obra do hospício de Vinhais.

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Por uma causa, tenacidade

Simultaneamente, encerravam-se todas as contradições e impasses rela-cionados com a instalação de outras comunidades religiosas em Vinhais. De facto, já em 1717, quando dois missionários trinos do seminário de Sagun 22 pregavam a missão na região transmontana, se tinham registado tentativas de fundar uma casa em Vinhais para albergar padres desta comunidade castelha-na. Nesta altura, a iniciativa de tal fundação devia ter pertencido a António de Morais Ferreira, pai de José de Morais Sarmento, uma vez que quando Frei João Velasquez chegou a Lisboa, na Quaresma de 1718, era dele a carta que levava para o segundo, recomendando-lhe toda a ajuda que pudesse à causa. Contudo, as diligências efetuadas na corte não foram suficientes para vencer a animosidade da comunidade do Varatojo, representada por Frei Gaspar da Encarnação, cujos argumentos influenciaram a decisão de D. João V de não caucionar a instalação dos padres castelhanos na vila transmontana. Em 1723, Após constatar que não existia maneira de inverter os entraves à criação do hospício em Vinhais, José de Morais Sarmento recolher-se-ia à vila.

Diga-se que a estratégia dos frades trinos vinha sendo desenhada desde 1714 e tinha em Frei Álvaro da Apresentação um aríete. Por isso a aproxi-mação à mitra da Sé de Miranda do Douro só se entende no quadro da cria-ção de condições propícias à criação no bispado de hospícios para os frades Descalços da Santíssima Trindade 23. Ao prestígio intelectual, Frei Álvaro da Apresentação – lente de Sagrada Teologia na universidade de Salaman-ca – acrescentava a circunstância de ser natural de Chaves, o facto de ser

22 Fr�i �oão V���s���� �ra ���m diri�ia a missão � “tra�to� �om a ��mara, nobr��a, � povo d� Vi- Fr�i �oão V���s���� �ra ���m diri�ia a missão � “tra�to� �om a ��mara, nobr��a, � povo d� Vi-nha�s a �ri�ir n��a h�m hosp��io d� missionarios para ��jo ����ito s� o���r���o ���� para ir a Lisboa solicitar o consenso régio”. C�NCEIÇÃ�, Frei Cl�udio da – Gabinete histórico: desde Janeiro de 1755 até dezembro de1758, 1868, Tomo XII, 2ª ed., p. 126.

23 RODRIGUES, L��s A��xandr� � “Anti�os Most�iros � Con�r��a���s do Distrito d� Bra�an�a. RODRIGUES, L��s A��xandr� � “Anti�os Most�iros � Con�r��a���s do Distrito d� Bra�an�a. Subsídios artísticos”. Revista Brigantia, �ragança: 2006, vol. XXVI, nº 1/2/3/4, pp.785-861.

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sobrinho da madre abadessa das freiras beneditinas de Bragança e a autori-dade de quem, com alguma frequência, subia aos púlpitos de Bragança e de Chaves. Assim se explica que este eclesiástico tenha conseguido fundar os hospícios de Miranda do Douro e de Mirandela.

Em 1724, Frei Álvaro da Apresentação, quando pregava 24 a Quaresma em Vinhais, percebendo os anseios dos locais, apressou a proposta da fundação de um mosteiro. Porém, conhecida a notícia, os franciscanos de Bragança sa-íram a terreiro, esgrimindo a falta das competentes autorizações fundacio-nais, para mostrarem ao bispo e ao rei o seu descontentamento. De imediato o monarca passou ordem ao corregedor para mandar demolir os hospícios de Mirandela e de Miranda do Douro e fazer recolher a Espanha os religiosos. A gravidade do caso levou o geral dos trinos descalços a enviar a Lisboa um seu representante, Frei Cristóvão, onde alcançou a revogação da ordem anterior. Na sequência deste lance, Frei Álvaro foi mandado recolher.

Contudo, oferecia-se uma nova oportunidade para a concretização dos in-tentos de alguns notáveis de Vinhais. Daí que José de Morais Sarmento, em nova petição apresentada a D. João V, afirmasse a pretensão de se poder erigir hum hospício de missionários reformados que, de acordo com as palavras de Frei Cláudio da Conceição, não continha quaisquer indicações que deixassem ver a predileção por esta ou por aquela ordem. Escutado o apelo, foi concedida a mercê e, em 1740, foi passado o competente alvará. Mas a José de Morais Sarmento estava ainda reservado o vaso do desconsolo à medida que ia sendo confrontado com a indisponibilidade de sucessivos institutos, como os Car-melitas Descalços, os Capuchos, os padres do Seminário do Varatojo e até dos franciscanos de Brancanes, para virem para Vinhais.

Em anexo transcrevemos uma passagem da “Cónica de Brancanes” em que se destaca a pretensão de José de Morais Sarmento e a sua persistência de dé-

24 C�NCEIÇÃ�, Frei Cl�udio da, 1868 – C�NCEIÇÃ�, Frei Cl�udio da, 1868 – Gabinete histórico: desde Janeiro de 1755 até dezembro de1758, Tomo XII, 2ª ed.

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cadas na fundação do convento e seminário. Será, pois, nesta perspetiva que se deve entender a calorosa e concorrida manifestação que se organizou para uma das entradas dos missionários em Vinhais, em 1744, e a prontidão com que este fidalgo, um interlocutor atento e privilegiado, fez chegar a informa-ção à casa de Setúbal. Mas nem a capacidade de persuasão nem a oferta dos cabedais para se fazer a obra nem a garantia de assegurar “huma suficiente congrua” ao seminário determinavam o guardião de Brancanes a aceitar ou a formalizar a recusa definitiva. Mais tarde, esta prolongada ambiguidade le-varia o cronista a lamentar que desse Deus as nozes a quem não tem dentes.

Por isso, seria necessário acionar outros canais que pudessem levar a Roma a insistência de José de Morais Sarmento e o apoio do bispo. Em 20 de fevereiro de 1753, Benedito XIV mandava passar o Breve Ecclesiae Regimini, diploma que não só consentia na criação de um convento mas ainda determinava que fosse de missionários franciscanos. Por proposta do geral da família seráfica a matéria seria submetida à análise da comunidade de Brancanes, votando-se pela fundação e elegendo-se os padres fundadores, ato em que se contaram “mais votos (a favor de) frei António de Nossa Senhora das Neves”.

O epílogo de um processo longo e obtuso ou a resposta consequente ao auto de medição e de visita executado nos últimos dias de outubro de 1751, por incumbência do bispo de Miranda do Douro, D. Frei João da Cruz, que teve como protagonistas maiores o reverendo Francisco de Mo-rais Sarmento, abade de S. Facundo e protonotário apostólico, e o padre João Afonso Roxo, cura de Vinhais. Assim se reconheceu o sítio onde se daria início à edificação do seminário para os missionários apostólicos, os mesmos que muito se empenharam na criação da Venerável Ordem Ter-ceira da Penitência de Vinhais.

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Odor de santidade a favor da propaganda

Um assento, lavrado pela mão de Frei Manuel das Onze Mil Virgens, dando fé do falecimento, “nos ares pátrios”, em 6 de fevereiro de 1746, de Frei Francisco da Ascenção 25, “filho professo deste seminario de Brancannes com idade de sincoenta e três annos, e vinte e três de habito” 26, tem, a nosso ver, um significado que ultrapas-sa a mera formalidade de um registo de óbito. De facto, a projeção de algumas das circunstâncias associadas à vida e ao falecimento do padre Francisco da Ascensão participavam de uma operação com alcance maior que o engrandecimento da sua bonomia uma vez que o que estava em causa era a personificação das qualidades intelectuais e humanas do conjunto dos padres de Brancanes, a perspetiva da aceita-ção local e regional dos seus membros, e, por outro lado, o favorecimento da dina-mização de uma ideia que ia perdendo fulgor. Parece-nos, pois, que a partida para a eternidade do padre Francisco da Ascensão, “morte precioza [...] com maravilhosos signaes de predestinado” seguida da divulgação de tão “ditosa morte” na Gazeta de Lisbo, de 8 de março de 1746, ainda que oferecesse matéria com interesse jornalís-tico, se explica melhor no âmbito de propósitos propagandísticos. E mesmo que se aceite a observação de um missionário relativa ao facto do seminário nada ter feito para isso, parece-nos que o anonimato do agente informador não oculta o interesse direto dos padres de Brancanes pela fama que se acrescentava ao seu convento nem anula os objectivos que moviam alguns notáveis de Vinhais como o abade José An-tónio de Morais ou o sargento-mor de cavalaria José de Morais Sarmento.

25 Neste texto não podemos deter-nos com pormenores biogr�fi cos do padre Francisco d Ascen- Neste texto não podemos deter-nos com pormenores biogr�ficos do padre Francisco d Ascen-são, nat�ra� d� Tinh��a, �ntão no t�rmo d� Mon�ort� d� Rio Livr�, o ��a�, ant�s d� 1725, data �m ��� v�sti� o h�bito d� Bran�an�s, j� �ra ��éri�o �om �st�dos no �o�é�io da Comapanhia d� ��s�s d� Mont�rr��, V�r�n. Vd. Crónica de Brancanes, Tomo 2º, Missões mais notáveis que tem feito, manuscritos da Livraria, nº 852, fl. 597 e ss.

26 “�uando veio a ser novisso neste Semin�rio (de �rancanes) era ja sacerdote e tinha estudado “�uando veio a ser novisso neste Semin�rio (de �rancanes) era ja sacerdote e tinha estudado Filosofia e Theologia: teve sempre vida mui exemplar, e penitente, exercitousse muitos annos nas missoens com muita edificação e copiozo fructo”. IAN/TT - Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, Lv. 4, fls. 13-13v.

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Mas o relato é também importante por deixar ver algumas semelhanças entre o sentimento religioso e a respetiva compreensão numa região perifé-rica de Portugal e práticas multiculturais correntes nas zonas que os portu-gueses tentavam colonizar enquanto se manifestam as vivências associadas ao culto das relíquias e algumas das metodologias que os religiosos incre-mentavam para favorecer o estreitamento de laços com a generalidade da população. A fama de santidade pendia para os intentos dos padres porque se adequava bem ao espírito da missão e ao enaltecimento dos contributos catequéticos. Convinha, por isso que a morte de Frei Francisco da Ascenção se transformasse num acontecimento com ecos capazes de vencerem o cimo dos montes que aconchegam Vinhais. Então:

“o povo daquela villa, e suas vizinhanças o aclamarão por venerável com toda a província ainda a beijar lhe os pes, tocar rosários em seu cadáver, e a cortar lhe o habito para relíquias, remediando a muitos doentes, enfermos, que se valerão do seu patrocinio repentinamente, e os que não podião che-gar a sua prezença se pegarão com as relíquias do seu habito, escriptos, ou couzas semelhantes com que ficavão remediados nas suas necessidades” 27.

Outras manifestações de exceção, ainda que corporais, ajudavam a configu-rar este prodigioso quadro. Assim, Frei Francisco da Ascenção:

“ficou com o semblante formozissimo e flexível, e sendo sangrado depões de vinte horas lançou sangue liquido: esteve tres dias exposto na igreja das religio-zas (de Santa Clara) daquella villa com sentinellas, e guardas a porta, para de-fender o túmulo dos concursos que vinhão venerar com excessiva devoção” 28.

27 IAN/TT � IAN/TT � Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, Lv. 4, fls. 13-13v.

28 IAN/TT � IAN/TT � Ordem dos Frades Menores, Missionários Apostólicos, Convento e Seminário de Nossa Senhora dos Anjos de Brancanes, Lv. 4, fl. 13v.

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Uma devoção que decorria do facto de ter morrido em Vinhais em casa de José de Morais Sarmento. Um acontecimento que, mais uma vez, se cruzava com esta personalidade, a mesma que ao ter conhecimento da presença do pa-dre na sua terra natal, Tinhela, para onde se retirou em cuidados de saúde, “o veio logo buscar e o levou para sua caza para a villa de Vinhaes, parte para cura lo e convalece lo como bom amigo e parte para ter la prendas do seminario do qual pertendia os fundadores para o novo seminario que pertendia fundar” 29.

Talvez por reconhecer que muitos milagres eram imputados à pressa de fazer santos, em 1755, Frei João de Jesus Maria, um dos cronistas que escreve-ram a “Chronica de Brancanes, Tomo 2.º”, para descargo da sua consciência, advertia que este manuscrito não podia conhecer o rigor dos prelos antes de passarem pelo menos vinte anos sobre alguns dos sucessos descritos.

A Ordem Terceira da Penitência

Em 7 de novembro de 1762, cerca de uma década depois de se ter dado an-damento à obra do Seminário e Convento de Nossa Senhora da Encarnação de Vinhais, a Ordem Terceira da Penitência realizava a primeira sessão oficial “na capella da portaria ou do capítulo que estava situada entre a entrada do convento e a igreja” 30. O aparecimento da irmandade parece dever muito ao trabalho de Frei António de Nossa Senhora das Neves que, por ter sido um dos fundadores e guardião do convento, orientou os seus passos de acordo com os objetivos da ação apostólica em que se contava a propagação do espírito

29 IAN/TT, IAN/TT, Crónica de Brancanes, Tomo 2º, Missões mais notáveis que tem feito, man�s�ritos da Livraria, nº 852, fls. 602-604. � próprio José de �orais Sarmento notificaria o guardião de �ranca-n�s dos a�ont��im�ntos ��� rod�aram a mort� d� Fr�i Fran�is�o da As��nsão.

30 MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A Ord�m MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A Ord�m Terceira e a casa do fundador do convento de S. Francisco de Vinhais”, Separata de O Instituto. Coimbra: Impr�nsa da Univ�rsidad�, p. 10.

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das Ordens Terceiras da Penitência. No entanto, devemos entender que a vida da Ordem já pulsava antes da data da sua constituição oficial. Na verdade, antes da cerimónia em que o padre guardião e outros religiosos missionários lançaram o “habito de terceiros a muitas pessoas de hum e outro sexo, tanto nesta villa como fora della” foi necessário um período probatório de noviciado que implicava um acompanhamento espiritual em permanência. Este devia ser o trabalho do Comissário visitador, cargo que, depois da primeira reunião, passaria a ser exercido, por Fr. Félix de Santo António, missionário que já ti-nha exercido como guardião do seminário.

FIGURA 2 – Vinhais. Igreja, Casa do Despacho e Seminário de Nossa Senhora da Encarnação

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De resto, o reconhecimento da importância desta função entrava no mesmo conjunto de preocupações em que estava a necessidade de elegerem o Minis-tro e mais cargos da Mesa do Despacho para que tanto as matérias espirituais como os assuntos com uma vertente mais material pudessem ser bem admi-nistrados. Por isso foi necessário dar existência legal à irmandade a qual, nos termos da primeira ata, publicada pelo padre Firmino Martins, tinha como mesários um Ministro – o abade de S. Facundo, Francisco de Morais Sarmen-to – e uma Ministra, um Vice-ministro, um Secretario, um Mestre – José de Morais Sarmento – e uma Mestra de Noviços, quatro Definidores, o Síndico, o Zelador do culto e, sinal que a irmandade contava com vários irmãos inscritos que residiam fora do perímetro de vila de Vinhais, um Zelador de Fora.

Em 10 de novembro de 1762, a escrituração em casa de José de Morais Sarmento de um “treslado da escriptura de nomeação de vincullo” 31 à Ve-nerável Ordem Terceira da Penitência de Vinhais revela-se muito impor-tante porque o mestre de campo de auxiliares revelava que seu pai, António de Morais Ferreira, já falecido, “tinha instituído hum vinculo ou capela no terço de seus bens e tomara o dito terço no seu cazal de rais sito nesta villa e bairros della” sendo formado por casas que tinha em Vinhais e ainda por terras, linhares, prados, vinhas, castanheiros e outras árvores de fruto e sem fruto, além da tapada da quinta de Prada. Oneravam estes bens duas missas cantadas, “huma a Nossa Senhora de Belem no seu dia ou oitavario com sermão podendo ser (e) outra a São Joze”. Por vontade do instituidor, José de Morais Sarmento seria o primeiro administrador – razão pela qual, em 1743, se inventariaram os bens – com continuidade na sua descendência ou da sua irmã, D. Maria Arcângela de Morais Sarmento, residente em Lisboa, onde estava casada com António Vaz Coimbra. Importa considerar que An-

31 Ar��ivo da C�mara M�ni�ipa� d� Vinhais - Ar��ivo da C�mara M�ni�ipa� d� Vinhais - Treslado da escriptura de nomeação de vincullo que fas Joze de Morais Sarmento desta villa de Vinhaes a Veneravel Ordem Terceira da Penitencia da mesma villa, doc. s/cota, s/nº.

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tónio de Morais Ferreira, considerando a hipótese de interrupção na linha sucessória, tinha determinado, como se especificava nas notas do tabelião Manuel Ferreira Botelho, em 22 de julho de 1726, que José de Morais Sar-mento nomeasse o vínculo “em hum lugar pio a favor da alma delle institui-dor e de suas obrigaçoins” 32. Ora, como os dois irmãos nomeados “não ti-nham filhos nem esperança de os haver por serem ambos de muito provecta idade” entenderam que, entre outros lugares, deviam preferir a:

“Ordem Terceira da Penitencia novamente erecta no seminário apostó-lico dos reverendos mecionarios religiosos observantes do seráfico pa-dre Sam Francisco desta villa assim por ser a mais apta ademenistração do referido vínculo e comprimento de seus encargos como por ter agora o seu prencipio a dita ordem e se fazer per si mesma merecedora de todas aquellas attençois que conduzem para o seu estabelecimento con-servação e perpetuidade [...] e favoresser se com estas obras e exercícios esperituais a alma do sobredito instituidor e de suas obrigaçoins” 33.

Assim se nomeava o vínculo “para que pella pesoa de seus ministros e mais offessiais da meza pudessem ademenistrar pessuir e desfrutar” a Ordem Ter-ceira. Para se completar a formalização do processo, enunciavam-se as obri-gações dos terceiros de S. Francisco. Às duas missas cantadas com sermão, o administrador acrescentava agora novas imposições aos bens vinculados.

32 Ar��ivo da C�mara M�ni�ipa� d� Vinhais - Ar��ivo da C�mara M�ni�ipa� d� Vinhais - Treslado da escriptura de nomeação de vincullo que fas Joze de Morais Sarmento desta villa de Vinhaes a Veneravel Ordem Terceira da Penitencia da mesma villa, doc. s/cota, s/nº.

33 Ar��ivo da C�mara M�ni�ipa� d� Vinhais - Ar��ivo da C�mara M�ni�ipa� d� Vinhais - Treslado da escriptura de nomeação de vincullo que fas Joze de Morais Sarmento desta villa de Vinhaes a Veneravel Ordem Terceira da Penitencia da mesma villa, doc. s/cota, s/nº.

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QUADRO 1 – Imagens do oratório de José de Morais Sarmento

ORATÓRIO DE JOSÉ DE MORAIS SARMENTO* (1743)

“item lhe foi apartado primeiramente hum oratórioque consta de hum Corsefissioe huma Senhora da Conceiçam pintadaduas de bulto e huma emcarnada e outra name hum Senhor atado a coluna com espinho de Christo emcastrado em prata [...] e huma imagem de Sam Bento que esta no oratório”

* Arquivo da Câmara Municipal de Vinhais, s/cota, s/nº. Esta relação conta de um documento sem título

e incompleto, datado de Março de 1743, em que se avaliam os bens “apartado(s) para o novo morgado”

administrado por José de Morais Sarmento.

Uma parte respeitava a missas rezadas anualmente, “em seos propios dias”, em honra de Nossa Senhora da Purificação, Nossa Senhora da Encarnação, Ressurreição de Cristo, Nossa Senhora dos Prazeres, Crucificação, Santa Cruz de Maio, Santo António, Santa Ana, Nossa Senhora da Assunção, Nossa Se-nhora da Natividade, S. Francisco, Todos os Santos, Nossa Senhora da Con-ceição e ao Menino Deus; a outra parte onerava perpetuamente a Venerável Ordem com uma contribuição anual de 60 000 réis, “de simples e pura es-mola”, que devia ser entregue ao síndico do seminário de Nossa Senhora da Encarnação para “as despezas da sãochristia hornatos e cultos devinos obras do mesmo seminario e sua reedificação ou para aquellas nessessidades que no mesmo seminario ocorrerem” 34. Cláusulas de vínculo de doação causa mor-tis que, mesmo quando se tratavam matérias de “pençois e incargos”, foram aceites sem objeções tanto pelo padre João Alves Ferreira, cura de Vinhais e ministro da Ordem Terceira, como pelos outros oficiais da Mesa.

34 Ar��ivo da C�mara M�ni�ipa� d� Vinhais - Ar��ivo da C�mara M�ni�ipa� d� Vinhais - Treslado da escriptura de nomeação de vincullo que fas Joze de Morais Sarmento desta villa de Vinhaes a Veneravel Ordem Terceira da Penitencia da mesma villa, doc. s/cota, s/nº.

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Por dar cumprimento às disposições do seu pai mas também pelo em-penhamento na fundação de uma instituição monástica, José de Morais Sarmento tornar-se-ia uma figura incontornável da vila de Vinhais. Razão para que a sua memória tivesse sido perpetuada em inscrições lapidares e imortalizado numa tela onde surge a meio corpo, com rosto emoldurado por cabeleira empoada em pose composta com punhos de renda e indis-farçável orgulho na cruz da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo que lhe pende ao pescoço em fita de seda vermelha. Na luta com o esquecimento, uma filactéria com inscrição – atualizada após o seu falecimento – recorda a posição social e deixa ler a biografia essencial deste “Fidalgo da Caza de Sua Magestade Fidelíssima Cavalleiro na Ordem de Christo Sargento Mayor de Cavalaria Ajudante das Ordens do General de Trás os Montes”.

José Ferreira Sarmento foi outro vinhaense ilustre que exerceu as funções de ministro da Ordem Terceira. Nesta qualidade tratou das matérias expres-sas num “instrumento de doação intervivos”, com data de 13 de agosto de 1768, em que D. Maria Arcângela de Morais Sarmento, já viúva de António Vaz Coimbra, celebrou com o procurador que a Ordem Terceira tinha em Lisboa, doando “certos bens em Rebelle no termo de Vinhais que rendiam annulmente treze alqueires de pão” a favor da irmandade com declaração “que o rendimento dos bens doados aplicara a dita Veneravel Ordem para alumiar o Santíssimo Sacramento da sua Ordem e frades della” 35. Mas para que todas as dúvidas se dissipassem, esclarecia-se: “se entendera no con-vento dos padres missionários”. Em setembro de 1775 o tabelião António Pinto Coelho deslocava-se ao seminário de Nossa Senhora da Encarnação de Vinhais para, na presença dos oficiais da Ordem Terceira, lavrar uma es-critura de venda 36, a João Domingues e sua mulher, Isabel, dos bens doados e que constavam de uma quinta em Rebelhe, junto à povoação de Candedo.

35 Arquivo da C�mara �unicipal de Vinhais, doc. s/cota, s/nº. Arquivo da C�mara �unicipal de Vinhais, doc. s/cota, s/nº.

36 A.D. �ragança – Notarial, Vinhais, Cx. 39, Lv. 497, fl s. 52-52v. A.D. �ragança – Notarial, Vinhais, Cx. 39, Lv. 497, fls. 52-52v.

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Destinava-se o produto da transação, no valor de 105 000 réis, a garantir a sustentação da lâmpada do Santíssimo na igreja do seminário. Na mes-ma altura, na “caza do capítulo” da Venerável Ordem Terceira, celebra-se uma “escretura de juro” 37 em que eram partes os mesmos compradores e os oficiais da Ordem Terceira, ainda por causa dos bens doados por D. Maria Arcângela. Em representação da Venerável Ordem, assinaram o documento Baltazar Ferreira Sarmento, ministro da ordem, o padre António de Morais Silva, mestre de noviços, o padre João Alves, definidor, Serafim Jorge, zela-dor e o doutor Manuel Fernandes Santos como procurador da Ordem.

Todavia, a nosso ver, a importância deste documento não se esgota no enunciado das cláusulas dos formulários notariais que as partes aceitaram e assinaram. De facto, julgamos que, nestes dois documentos, merece ser assinalada a assistência, na qualidade de testemunhas, de Domingos Álvares e Mateus Fernandes, mestres pedreiros naturais de Gontinhais, no termo da vila minhota de Caminha. Presenças que enfatizamos pela natureza do ofício praticado e pela relação de continuidade espacial entre a igreja, a casa do despacho da Ordem Terceira e o seminário, o que dá sustentação à hipó-tese dos mestres minhotos se empregarem nos trabalhos da obra da Ordem Terceira. A vizinhança da nova edificação com o sítio onde se escreveu o documento, pensamos, poderá justificar a chamada dos mestres pedreiros para testemunharem a formalização daquelas escrituras.

Ainda que muito se desconheça relativamente aos trâmites da empreitada, a obra poderia ter sido iniciada no último trimestre de 1772 ou no ano seguinte. Nesta perspetiva queremos destacar os termos de uma exposição, datada de setembro de 1772, dirigida ao Intendente Geral da Polícia, em que os mesários da Venerável Ordem Terceira identificavam a antiga casa de residência de José de Morais Sarmento, a mesma que lhes fora doada, onde:

37 A.D. �ragança – Notarial, Vinhais, Cx. 39, Lv. 497, fl s. 53v-54. A.D. �ragança – Notarial, Vinhais, Cx. 39, Lv. 497, fls. 53v-54.

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“constituirão os supplicantes capella publica com authoridade do or-dinário, e solemne benção do ditto sitio para as funçõens da mesma ordem que tem feito e vão fazendo na ditta capella, cantando se missas e celebrando se os officios pelas almas dos irmãos defuntos” 38.

Outras informações posicionam “as cazas” 39 que foram do doador como estando “sós, sobre si, no fim do terreiro da portaria do convento das religiosas da mesma (vila), sem prospecto algum para a sua entrada, e terreiro”. Definindo-se como uma casa comprida, formavam o “principal das dittas cazas, trez salas em linha recta, ao andar da rua”. Além de outras serventias, havia uma capela com porta para a rua, sendo neste espaço que a Ordem Terceira desenvolvia algumas funções, nomeada-mente religiosas, já que para esse efeito os mesários tinham pedido e obtido, desde 3 de setembro de 1766, licença do bispo D. Frei Aleixo de Miranda Henriques 40. Era nesta casa que morava o capelão da Ordem, apesar dos vários sinais de ruína. Mas algumas informações já apontam a vontade de se proceder à mudança da capela “e faze la de novo, com formalidade de igreja contígua ao ditto seminário” 41.

38 Arquivo da C�mara �unicipal de Vinhais, doc. s/cota, s/nº. Arquivo da C�mara �unicipal de Vinhais, doc. s/cota, s/nº.

39 O “A�to d� poss� dos b�ns doados por �osé d� Morais Sarm�nto ja d���nto a V�n�rav�� Ord�m O “A�to d� poss� dos b�ns doados por �osé d� Morais Sarm�nto ja d���nto a V�n�rav�� Ord�m Terceira” tem a data de 20 de dezembro de 1762. � tabelião, António de �orais Pinto, escreveu: “as �a�as do dito �o�� d� Mora�s Sarm�nto sitas n�sta vi��a d��ront� do �onv�nto d� Santa C�ara � d���as �omo tamb�m da propri�dad� ��� t�m p��ada ���as d� �ortinha �am�iro p�mar � hortas d� t�do �h� d�i poss� m�t�ndo �h� as �hav�s das portas das ditas �a�as na mão � ���� abrindo � fichando as ditas portas emtrando e sahindo e passiando pellas cazas como tambem lhe dei pedra e telha das mesmas e elle pegando e tudo e lançando para tr�s como tambem terra [...] e notefiquei ao padr� �oão A��onso Roxo �ap���ão das r��i�io�as d�sta vi��a � I�ab�� Di����s �riada d� �o�� d� �oraes Sarmento que se achavão assestindo nas ditas cazas as despeijassem” e reconhecessem �omo ����timos propri�t�rios os m�s�rios da Ord�m T�r��ira da P�nit�n�ia. Ar��ivo da C�mara �unicipal de Vinhais, doc. s/cota, s/nº.

40 CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � CASTRO, Padr� �osé d�, 1947 � Bragança e Miranda. Porto: Tipografia Porto �édico Lda, vol. II, p. 359. Contudo, o que fica dito demonstra que as obras não começaram em finais de 1766 como afirmou o autor citado.

41 Arquivo da C�mara �unicipal de Vinhais, doc. s/cota, s/nº. Arquivo da C�mara �unicipal de Vinhais, doc. s/cota, s/nº.

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Para a concretização deste propósito é que formalizaram um pedido ao inten-dente da polícia, visto que tanto a capela como a casa fidalga deviam ser demo-lidas “para se aproveitarem dos seus materaes de pedra, madeira e telha por lhes ficar assim mais suave e menos custoza a nova obra”. Iniciativa que assinalava o princípio de um empreendimento arquitectónico de algum fôlego e que de-monstra como nos seus começos a irmandade não contava com casa ou capela própria onde os assuntos pudessem ser despachados e os ofícios religiosos re-alizados 42. Por isso, o patrocínio dos missionários apostólicos seria, mais uma vez, oportuno, por autorizarem que, enquanto não tivessem casa do despacho e igreja, a irmandade se pudesse socorrer da Capela da Portaria do seminário para as sessões e da espaçosa igreja do seminário para as funções religiosas.

Uma lápide existente na cabeceira deste templo testemunha o falecimento do mestre de campo e cavaleiro da Ordem de Cristo, José de Morais Sarmen-to, ainda em 1762, confirmando-o como fundador do seminário e ainda da Ordem Terceira. Contudo, como veremos, a sua morte, ainda antes da irman-dade poder abrir as portas da sua igreja e da sua casa do despacho, não sig-nifica que não tenha possibilitado a concretização destas obras uma vez que este notável vinhaense legou todos os seus bens à Venerável Ordem, incluindo uma cortinha e o terreno onde se implantou a casa com seu “pateo curral ou despejo das mesmas” 43 e ainda uma capela com o título das Chagas de S. Fran-cisco. Esta capela, “sita nas casas da mesma Ordem que foram de seu fundador

42 Fa�to ��� não �ra inédito. V�ja-s�, por �x�mp�o, o �aso da Ord�m T�r��ira d� S. Fran�is�o Fa�to ��� não �ra inédito. V�ja-s�, por �x�mp�o, o �aso da Ord�m T�r��ira d� S. Fran�is�o do Porto ��� t�v� “prin��pios no anno d� 1633, n�ma �app���a dos ��a�stros do �onv�nto d� S. Francisco”. De resto, como sustentou o autor que vimos seguindo, entre 1633 e 1639, os terceiros “não tiveram um espaço fixo no convento de São Francisco”. FERREIRA-ALVES, J. Jaime, 2003 – Elementos para o estuo da arquitectura das duas primeiras capelas da Venerável Ordem Terceira de São Francisco do Porto, R�vista da Fa���dad� d� L�tras da Univ�rsidad� do Porto Ci�n�ias � Técnicas do Património, Porto, I.ª Série, vol. 2, p. 348.

43 MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A �rdem Terceira e a casa do fundador do convento de S. Francisco de Vinhais”, Separata de O Instituto, Coimbra, Impr�nsa da Univ�rsidad�, p. 18.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais.

José de Morais Sarmento”, foi o espaço onde a Mesa reuniu em maio de 1769, em junho de 1770, em maio de 1771 e, novamente, em junho de 1772. Nos anos seguintes, verificar-se-ia o regresso ao seminário, tendo a ata de 1775 a particularidade de dar como “principiada a obra da sua igreja”, entenda-se, da Ordem Terceira, além de destacar o “fervoroso zello, trabalho excessivo, e dispêndio considerável” de José Bernardo Ferreira Sarmento, Ministro, que seria premiado com a reeleição 44. Mas só em 1780 surge a primeira notícia a dar nota da realização de uma sessão “nas casas e egreja da Veneravel Ordem Terceira da Penitência” 45, uma referência de grande significado por apontar a conclusão dos trabalhos da igreja e casa do despacho da Venerável Ordem. Podendo agora prosseguir no trabalho de aproximação da comunidade laica aos ideais do franciscanismo, os padres missionários continuaram a envol-ver alguns dos seus membros no esforço continuado de alargamento territo-rial e espiritual da confraria tanto mais que, desde 1777, o seminário obteve os privilégios, honras e isenções inerentes à proteção da casa real tanto mais que D. Maria I também se declarou filha de S. Francisco na sua Venerável Ordem Terceira da Penitência do convento de Lisboa.

Por isso, manteve-se a ligação estreita que unia o convento-seminário e a Venerável Ordem Terceira da Penitência. Nesta geografia relativamente peri-férica, os missionários de Brancanes não projetaram somente a catequização das almas e a difusão da herança do poverello de Assis também procuraram lançar raízes num terreno pobre e com uma assistência deficitária mas que, mesmo assim, era disputado por outras casas religiosas, igualmente desejosas de ampliarem a capacidade de influência.

44 MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A �rdem Terceira e a casa do fundador do convento de S. Francisco de Vinhais”, Separata de O Instituto, Coimbra, Impr�nsa da Univ�rsidad�, p. 12.

45 MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A MARTINS, Firmino, 1929 � “S�bs�dios para a hist�ria r��i�iosa do Distrito d� Bra�an�a. A �rdem Terceira e a casa do fundador do convento de S. Francisco de Vinhais”, Separata de O Instituto, Coimbra, Impr�nsa da Univ�rsidad�, p. 13.

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Anexos

“[...] Honroza entrada (1744) com que receberam nesta villa aos nos-sos missionarios della e deu noticia por hua carta hu cavalheiro prin-cipal da mesma villa (José de Morais Sarmento) na forma seguinte

Os nossos padres missionarios entraram nesta villa sabado a horas de Ave Maria com huma solemne procissão bem ordenada composta de muito cle-ro em que entravão alguns abbades meus parentes, e o chantre que sucedeo acharse aqui, e a nobreza desta terra, e visinhanças que he muita, e grande numero de povo. Ao entrar desta villa se lhe fés a oração seguinte a que cor-respondeo o padre frei Jozé dos Santos com outra mui discreta e espiritual em divido agradecimento. Estm muito contentes da terra, e os moradores delles, e já conhecem que he muito diferente da que lhe pintavão, e não se desagradam das almas e só o maior mal que lhe achão he a falta de exercícios santos por falta de ministros de Deos que lhe repartão o pam eperitual [...] 46”.

Ambiguidade do guardião de Brancanes relativamente à fundação do convento

“[...]Para inteligência destas grandes e obsequiozas demostraçois advirto que este fidalgo Jozé de Moraes Sarmento, e todos os mais cavalheiros desta villa ha vinte sette annos que andão na pertençao de fundar ali hum seminario como o nosso posto que mais pequeno e tendo já decreto Del Rei, licença do Senhor Bispo e do Nosso Reverendíssimo (guardião) e havendo pertendido fundadores de Brancanes e havendose lhe dado por reposta o que elles mes-

46 IAN/TT, IAN/TT, Crónica de Brancanes, Tomo 2º, Missões mais notáveis que tem feito, man�s�ritos da Livraria, nº 852, fl.543.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais.

mos pediao, que se mandarião lá missionarios que vissem o terreno, e que com sua informação, e avizo se rezolveria afinal a reposta com effeito a este fim se emcaminhavão estas suplicas. Porem tanto que lá chegavao os padres missionarios por taes enfazes, ou iquivocos se continuarão as repostas, e tal segredo tem havido entre os ditos padres e o nosso padre guardiam até hoje ainda elles não conseguirão a total repulsa, ou despedida, nem a firme aceita-ção da fundaçam nem eu por mais deligencias que pus pude averiguar, se foi má informação que deram os padre missionarios, se foi ate ma vontade nos pertendidos, sei que o padroeiro pertendente se offrece com dinheiro seu que dis tem junto a fazer a obra e a por lhe huma suficiente congrua e que sera ver-gonhozo fiscal no dia do juízo para este seminario, e para o de Varatojo aonde também pertendeo, e pertende a perto de trinta annos, e nos que lhe devera-mos puxar pela capa e pedir lhe muito por amor de Deos que nos concedesse o que tam liberal offrece, ainda até o presente se nam tem feito aceitação da sua offerta e também sei que há e tem havido nesta caza muitos religiosos que tem encomendado a Deos e pedido a fundação com grande vontade de irem para ella mas dá Deos as nozes a quem não tem dentes” 47.

“Senhor Intendente Geral da Policia 48 Dizem o ministro, e mais officiaes da mêza da Venerável Ordem Terceira

do seminário da villa de Vinhaes que entre os mais bens, que na sua fundação,

lhe dotou, e doou Jozé de Moraes Sarmento, já defunto da ditta villa, são as cazas que forao da sua morada, que estão sós, sobre si, no fim do terreiro da portaria do convento das religiosas da mesma, sem prospecto algum para a sua entrada, e terreiro, sendo o principal das dittas cazas, trez salas em

47 IAN/TT, IAN/TT, Crónica de Brancanes, Tomo 2º, Missões mais notáveis que tem feito, man�s�ritos da Livraria, nº 852, fls. 544-545.

48 Arquivo da C�mara �unicipal de Vinhais, s/cota, s/nº. Arquivo da C�mara �unicipal de Vinhais, s/cota, s/nº.

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linha recta, ao andar da rua, nas quaes constituirão os supplicantes capella publica com atuthoridade do ordinário, e solemne bênção do ditto sitio para as funçoens da mesma ordem que tem feito e vão fazendo na ditta capela, cantando se missas e celebrando se os officios pelas almas dos irmãos de-funtos ficando o mais resto das dittas cazas que ja padece grande ruína para o capellão da mesma ordem, que vive nellas, e porque os supplicantes tem determinado mudar a ditta capella, e faze la de novo, com formalidade de igreja contigua ao ditto seminário lhes he preciso demolir a ditta capella, e resto das casas para se aproveitarem dos seus materiaes de pedra, madeira, e telha por lhes ficar assim, mais suave e menos custoza a nova obra, sem que a demolição da antiga cauze deformidade algua por não ter galarias nem emparelhar com outros edifícios, nem estar em rua publica, mais que fim do ditto tereiro, para onde não faz face algua, e só tem hua porta por onde se entra para a capella, e outra a hum canto por onde se entra para a cozinha, como tudo he bem constante e notório a Vossa Senhoria por ter evidente noticia e conhecimento do sitio e forma das dittas cazas, cuja demolição por ser útil aos supplicantes que são senhores e possuidores da ditta ca-pella, e seu resíduo, e não perjudicar a terceiro, nem encontrar as leis da policia, se lhes deve permittir a facultar por este juízo para que não suceda vir a impedirsse por outro, que at´agora não se embaraçou.

Pedem a Vossa Senhoria lhes faça mercê declarar por sua devida reso-lução que a demolição intentada não encontra as leis de policia e que os supplicantes a podem fazer, como couza sua, de que lhes he licito dispor a seu prudente arbítrio

e receberão mercê”.

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A ação dos padres de Brancanes em Vinhais.

Ao cimo, escreveu-se o seguinte despacho:“tendo os supplicantes, domínio in solidum das cazas de que se trata as

podem demolir a seu arbítrio, s em offença da lei da policia pois que com a sua demolição se não desforma o prospecto da rua suposto o sitio em que se achão, e do qual tenho pleno conhecimento”.

LISBOA, 28 DE SETEMBRO DE 1772

[ASSINATURA(*)]”.

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Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro:

a iconografia e o esplendor como poéticas do barroco joanino

Luiz Gustavo Gavião

(...) Como é manifesto, por si e pelas referidas razões, que as imagens são muito importantes na instrução do povo, não nos estenderíamos muito mais sobre esse assunto e evitaríamos o supérfluo, se a isso não fôssemos levados pela arrogante inconveniência dos hereges, que apesar de tudo ousam censurá-las e se esforçam para bani-las de todos os luga-res por considerá-las nocivas à salvação dos homens.CARDEAL GABRIELE PALEOTTI, 1582

O estudo da imagem cristã revelou, desde os primeiros registros do século III, uma história de adaptações, transformações e renovações, o que exigiu dos pesquisadores uma perceção atenta sobre o contexto de sua produção. Foram várias as funções e os valores atribuídos à imagem, muitas vezes objeto de dis-cussões nos concílios sobre a legitimidade de seu uso. Se a função didática garantiu inicialmente a sua permanência, a gradual ampliação de suas funções, sobretudo a devocional, colaborou para que a imagem se tornasse uma das ferramentas fundamentais da divulgação, promoção e exercício da fé cristã.

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A tarefa de traduzir textos sagrados e hagiográficos, milagres e novas devo-ções em linguagem imagética, pictórica ou escultórica, conduziu a sua produ-ção a um receituário de regras, de acordo com uma intricada rede de fatores. A relação entre encomendante e artista, por exemplo, constitui relevante ponto de investigação sobre o gosto e as necessidades de uma determinada época e espaço e, consequentemente, da flexibilidade ou adaptabilidade das regras até então elaboradas e consagradas pela tradição. Isto porque nesta relação aparece de forma mais visível os interesses de uso da imagem, a sua destinação pública ou privada e os valores culturais, estes dinâmicos e mutáveis, ali expressos. A iconografia, mais que o estilo, aparece intimamente ligada à vontade do cliente e à adequação, muitas vezes invenção, do artista no processo de execução.

No contexto da Baixa Idade Média, por exemplo, a clientela diversificou-se, seguindo de perto o florescer das cidades e da renovação da vida urbana. Neste ambiente de grande mobilidade, os ofícios necessários à manutenção das ne-cessidades cotidianas especializaram-se, em uma múltipla oferta de serviços. A burguesia comerciante não apenas ascendeu em um vigoroso sistema de produção e de negociação dos excedentes, mas gradualmente se posicionou como uma classe social relevante em uma sociedade rigidamente hierarquiza-da. A sua participação no processo de revitalização das cidades e no fomento do fazer artístico parece, então, indubitável. Como bem diz Jacques Le Goff:

“Até o fim do período, a Igreja protege o comerciante e ajuda-o a vencer o preconceito que fazia dele um objeto de desprezo pela classe senhorial ociosa. Ela procura reabilitar a atividade responsável pelo progresso econômico e transformar o trabalho-castigo definido no Gênesis – o homem decaído deve, como penitência, ganhar o pão com o suor de seu rosto – num valor de salvação” 1.

1 LE GOFF, 2007: 77.

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Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: a iconografia e o esplendor como poéticas do barroco joanino

Interessante notar que neste movimento de decadência do sistema feudal e de crescimento das cidades, a imagem religiosa encontrou terreno fértil de desenvolvimento, pois as igrejas, agora urbanas, ostentavam uma profusão de esculturas, vitrais e painéis pictóricos. O templo se transformou em um livro imagético, um espaço de esplendor e de aprendizado sobre o sagrado através da educação pelo olhar. Enquanto monumento, ele era também o símbolo maior da cidade. Conforme Georges Duby:

“Numa revigorante emulação, cada cidade punha mãos à obra para reconstruir sua catedral, querendo-a mais gloriosa, mais vasta ain-da, mais alta, mais luminosa que as vizinhas. Esses monumentos eram o orgulho da cidade. Seu florescimento atesta a prosperidade urbana, e também atesta a má consciência dos ricos, que pensavam redimir-se oferecendo para a reconstrução da igreja matriz uma parte de seus ganhos. Mas atesta, sobretudo, o poder e o orgulho dos dirigentes da Igreja secular” 2.

Ao mesmo tempo em que havia a “má consciência dos ricos” e “o or-gulho dos dirigentes da Igreja secular”, as recém-criadas ordens mendi-cantes traziam um ideal de pobreza e despojamento, uma reação con-trária que buscava reconduzir o cristianismo e a sociedade ao original apostolado. São Francisco viveu nesta época e sua ação evangelizadora esbarrou, como era de se esperar, na realidade que ele mesmo vivenciou como filho de um rico comerciante de tecidos. A prosperidade material e o exemplo a ser seguido de Cristo e dos Apóstolos pareciam se chocar em contradições que somente a complexidade cada vez mais evidente de uma sociedade urbana poderia comportar. A adaptação foi o cami-nho e a fundação das ordens terceiras o seu testemunho. Testemunho também do sucesso dos frades mendicantes, pois conseguiram ofertar às

2 DUB�, 1995: 81.

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classes prósperas, inclusive a burguesia comerciante, um lugar de exer-cício espiritual através da penitência. E isso somente foi possível porque os franciscanos e, claro, as outras ordens mendicantes contemporâneas, participaram ativamente da vida das cidades.

Tomando o referencial da pobreza como ponto de partida, percebemos na vida de São Francisco a essência que guiou as três ordens instituídas pelo próprio santo. As biografias mais antigas tratam de Francisco como um jo-vem mundano, filho de um rico comerciante de tecidos. Jacques Le Goff assim menciona esta fase adolescente:

“Em que passava o tempo o jovem Bernardone? Nos divertimentos de seu tempo, nada mais: nos jogos, no ócio, nos bate-papos, nas canções, e em matéria de roupas andava sempre na moda. (...) A característica mais interessante é que esse filho de comerciante, por um reflexo na-tural à nova geração de seu grupo social, procurava levar um ritmo de vida cavaleiroso, imitando o comportamento dos nobres mais que pra-ticando as virtudes e os defeitos da burguesia comercial” 3.

Francesco Bernardone nasceu em Assis em 1181 (ou 1182), época de trans-formações intensas das estruturas feudais medievais 4. Como mencionamos acima, muitas cidades renasciam como importantes núcleos de negócios, abas-tecidas pela agricultura em expansão. Este desenvolvimento urbano, acompa-nhado de notável crescimento demográfico desde o século XI, conferiu subsí-dios para o florescimento de uma classe social intermediária entre a nobreza e as camadas populares: a burguesia comercial. A pobreza como opção fazia sentido no contexto familiar próspero a que Francisco pertencia, um dos pilares da re-gra franciscana redigida após o seu período de conversão. Segundo Le Goff:

3 LE GOFF, 2007: 59.

4 LE GOFF, 2007: 71.

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“A todos os homens, portanto, é preciso pregar, pregar o Evangelho. Mas que há de essencial no Evangelho? De que é que a gente esquece e o que é que a gente trai em relação a ele? O despojamento, a pobreza. O progresso da agricultura e a venda dos excedentes que daí resultam, o avanço do pequeno e do grande comércio, eis o que, pela sedução crescente do dinheiro que substitui as práticas simples da autonomia econômica, da troca, espalha cada vez mais sua corrupção” 5.

Não nos ocuparemos das razões da conversão de São Francisco, mas de sua ação renovadora no seio do cristianismo. A aprovação informal do papa Ino-cêncio III para a primeira Regra dos Frades Menores, em 1209, anunciou a ins-tituição do fenômeno de proliferação das ordens mendicantes, primeiramente a dos franciscanos, seguida dos dominicanos e dos carmelitas. Interessante notar que a rápida propagação deste novo modelo de organização de ordens regulares, intermediárias em relação ao clero secular e às ordens monásticas medievais, atendia, sobretudo, a demanda espiritual cada vez mais visível na complexa sociedade urbana. A mobilidade, contrária à reclusão dos monges, dava aos frades o tom da peregrinação e da pregação, espalhando a palavra sagrada em uma rede espacial mais ampla e de forma mais dinâmica 6.

Como referimos acima, outro fenômeno observado no século XIII, acom-panhando a movimentação das ordens mendicantes, foi o crescente interesse de leigos por seguir uma vida de acordo com a palavra de Deus. As ordens ter-ceiras, intimamente associadas às ordens primeiras, foram instituídas como estratégia para atender a uma demanda espiritual, sem que os leigos abando-nassem seus afazeres cotidianos. O primeiro agrupamento teria ocorrido sob a orientação do próprio São Francisco, constituindo um braço laico na ação evangelizadora dos frades. Como bem diz William de Souza Martins:

5 LE GOFF, 2007: 108.

6 MARTINS, 2009: 36.

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“A instituição das ordens terceiras pelas ordens mendicantes foi um dos últimos desdobramentos da intensa renovação de atitudes espirituais ini-ciada ainda no século XII, quando a preocupação obsessiva pelo Juízo Final cedeu aos poucos lugar a um cristianismo mais evangélico, pautado pelos atos e sofrimentos do Cristo histórico. (...) Os movimentos heréti-cos dos séculos XII e XIII, a renovação das antigas ordens monásticas e o surgimento das ordens mendicantes constituíram diferentes faces de um mesmo impulso religioso, cuja marca principal era o anseio em seguir o mais fielmente possível a vida dos primeiros discípulos de Cristo. Por outro lado, ao distanciar-se das preocupações escatológicas da espiritua-lidade monástica da alta idade média, na raiz das quais se encontrava um profundo desprezo pelos valores do mundo, a espiritualidade renovada do século XIII guardava um papel mais ativo para os leigos” 7.

Seguindo de forma mais branda os princípios da ordem dos frades menores, os irmãos terceiros cresceram sob os três votos franciscanos: a castidade, a pobreza e a obediência. Reservados em sua totalidade aos frades, os votos serviam como modelos a serem adaptados ao modo de vida laico, funcionando como concei-tos simbólicos que conferiam identidade ao grupo. A penitência, dentro de uma perspetiva ética de decência moral, significava um aperfeiçoamento espiritual que, para os leigos, residia na simplicidade, no elogio à humildade e à disciplina.

Após a morte de São Francisco, em 1226, os conventos multiplica-ram-se e toda a contradição do período vivenciada pelos franciscanos manifestar-se-ia na riqueza ornamental de seus interiores. A Basílica de Assis, construção iniciada em 1228, traz uma exuberante decoração pictórica que cobre paredes e forros de suas duas naves 8, com narra-

7 MARTINS, 2009: 35.

8 A ��riosa ar��it�t�ra da Bas��i�a d� Assis �omporta d�as i�r�jas, a in��rior, mais anti�a, � a s�p�rior. A �ompara�ão �ntr� as d�as r�v��a o d�s�nvo�vim�nto do G�ti�o ita�iano, �onh��ido por sua austeridade e eleg�ncia. A igreja inferior mostra uma solução arquitetônica mais grave, ainda sob a influência do rom�nico, enquanto a superior, mais esguia, filia-se, de forma modesta, ao �osto do ��ti�o int�rna�iona�.

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Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: a iconografia e o esplendor como poéticas do barroco joanino

tivas da vida do santo, e de outros ligados à Ordem, e cenas do Antigo e do Novo Testamento. Se todo esse capricho pareceria estranho ao voto de pobreza, a iconografia seria, desde a origem do movimento franciscano, a chave para o entendimento desta abertura ao requinte decorativo. A imagem, sobretudo a pictórica, teria a função maior de mostrar com clareza os exemplos de vida espiritual, principalmente em um mundo mergulhado no século. Segundo Duby:

“No entanto, os mendicantes, e sem dúvida os franciscanos antes de quaisquer outros, utilizaram a imagem. Uma imagem simples, demons-trativa, direta, aquela que, em todos os tempos todas as propagandas usam nos meios populares. Para prolongar os efeitos de suas palavras, sentiram a necessidade de colocar em série, lado a lado, diante dos olhos dos que escutavam, as cenas do drama evangélico, ou as da vida de Francisco, que se identificara com Cristo a ponto de receber os estig-mas. Recorreram à pintura. Essa arte é mais ligeira, menos dispendiosa. Presta-se melhor à multiplicação da imagem. A esta os frades atribuí-ram um papel complementar. Julgavam-na adequada para favorecer na intimidade um diálogo direto entre o fiel e Jesus. Não era verdade que um dia o Crucificado se debruçara sobre Francisco para lhe falar? In-ventores de uma pastoral muito eficaz, os mendicantes foram os agentes de uma vulgarização precoce da imagem de piedade. Gostariam de vê-la espalhar-se por todos os lares” 9.

O aparente excesso, então, seria conveniente para criar uma ambientação propícia à reflexão, além de traduzir no mundo terreno a maravilhosa presença de Deus. Assim, a aparente oposição entre riqueza e pobreza se perdeu em um sentido puramente simbólico, em uma necessidade de concordar com o gosto da época e, sobretudo, de participar culturalmente de seu tempo. A suntuosi-

9 DUB�, 2002: 90.

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dade gótica garantia ao encomendante, ou doador, uma desculpa formidável à sua permanência no século, pois o investimento financeiro destinado a obras e ornamentações seria justificada como uma redenção ou mesmo penitência.

Se voltarmos nossa atenção para o período Barroco, veremos que parte da conceção gótica de execução de seus espaços de culto permanece, mas em um novo contexto. Os questionamentos contra o uso excessivo de imagens acon-teceram em vários períodos da história da Igreja, ora de forma radical, como na crise iconoclasta bizantina do século VIII, ora de maneira mais branda, como na busca pela simplicidade dos interiores nus cistercienses do século XI. A Reforma Protestante, no que se refere ao assunto, trouxe novamente à tona as discussões sobre o perigo da idolatria, pautadas em passagens bíblicas condenatórias e que justificariam a proibição da imagem. No sentido oposto, Bíblia também ofereceria subsídios necessários à sua defesa, pois o homem fora modelado segundo a imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1,26).

A iconografia católica a partir de então assumiria funções diferenciadas, em um programa de representação eloquente, persuasivo e propagandístico. Os novos tempos foram de afirmação, continuidade e renovação. Afirmar a verdade da Igreja na figura principal do Papa e continuar com a sua doutrina evangelizadora constituíram as ações básicas de resposta às contestações dos protestantes. Renovar as estratégias de transmissão dos conteúdos que expli-cassem os porquês desta continuidade, frente aos apelos oriundos de outra forma de exercitar a fé cristã, foi a especificidade do período barroco, aqui se diferenciando do gótico. Nesta particularidade, as artes emprestaram toda a sua força persuasiva para reorganizar a sociedade em profunda crise. José Antonio Maravall, na obra A cultura do Barroco, nos diz que:

“O valor da eficácia dos recursos visuais é incontestado na época. Vi-época. Vi-. Vi-nha do fundo medieval a disputa sobre a superioridade do olho ou do ouvido para a comunicação do saber a outros. Enquanto no mundo me-dieval se optou pela segunda via, o homem moderno torna-se adepto da

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primeira, ou seja, da via do olho. No Renascimento, isto que acabamos de sustentar se confirma plenamente, e, em algum momento, menciona-mos a defesa que do olho faz um Galileu, entre outros. Essa disputa se reproduziu, e até mesmo se intensificou, durante o Barroco. Difundiu--se muito entre os escritores franceses do momento e, em relação aos espanhóis, acrescentemos aos testemunhos que registramos em outras partes o de Suárez de Figueroa, que faz uma declaração perfeitamente ajustada a nosso ponto de vista, reforçando-o consideravelmente: am-bos, segundo ele, olhos e ouvidos, são portas de acesso válidas para o conhecimento das coisas, mas em suma, são os olhos, entre os sentidos que servem à alma, por onde entram e saem muitos afetos” 10.

E os olhos seriam afetados por uma arte dramática, gesticulada e intensa-mente emocional do barroco religioso, que, longe de conter sentimentalismos exagerados de quem a produzia – considerando aqui a parceria entre o cliente e o artista – evidenciava uma clara intenção de agir no plano psicológico. Era projetada e funcional, a serviço do poder que a Igreja desejava manter. Titus Burckhardt a diferencia da produção medieval, esta última, segundo o autor, essencialmente religiosa por ser toda ela símbolo e instrumento do divino 11.

Werner Waisbach, em sua análise sobre a plástica barroca, diz que:

“Os esforços naturalistas do barroco, comparados com qualquer período anterior da arte cristã, aspiram a dominar a realidade, enquanto a mími-ca e a expressão fisionômica tratam de reforçar ali o caráter real do as-sunto, mediante significativos e apurados traços expressivos. Cabeças de rostos inacabados, bocas abertas, olhos em branco, para caracterizar dor, angústia, morte e êxtase, segundo pede cada situação, são representados atendendo a observação da realidade. As figuras santas e os seres sobrena-turais aparecem individualizados e subjetivados como homens vulgares.

10 MARAVALL, 1997: 391. MARAVALL, 1997: 391.

11 BURC�HARDT, 2004: 251. BURC�HARDT, 2004: 251.

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Este gênero de caracterização naturalista era familiar à arte cristã desde o gótico, mas o grau de concepção subjetivista se acentuou poderosamente no barroco. Nela influiu o desenvolvimento e o enriquecimento da expe-riência e dos conhecimentos psicológicos e antropológicos” 12.

O artista devia refletir em sua obra o sentimento de religiosidade do ou-tro, espelhada em imagens cuidadosamente estudadas com a intenção de capturar a atenção, de tocar a emoção e de atrair forças favoráveis à manu-tenção de um sistema que se desejava conservado. Persuadir, neste sentido, não seria uma ação em si, mas justamente a pesquisa de como atingir os fins pretendidos. A arte barroca foi uma arte de meios, de artifícios controlados e teorizados para se alcançar o irracional. Assim, as narrativas não deviam demonstrar fatos, mas fazê-los acontecer a partir da adesão do espectador. Não era ao intelecto que a imagem se dirigia e sim às paixões. Por visar o irracional, muitos teóricos insistiram em contrapor o aparente caldeirão de sentimentalismos barrocos ao cientificismo matemático do Renascimento. Vale salientar que este período histórico foi inicialmente abordado no sé-culo XVIII sob olhares preconceituosos, tanto no que diz respeito à forma, quanto aos temas. Relevante dizer que a associação do Barroco aos valores eclesiásticos e monárquicos, alvos de ferrenhas críticas no Século das Luzes, colaborou para a tardia perceção de sua real natureza racional.

Sob estas conceções, intencionamos analisar a iconografia religiosa barroca pertencente à Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Peni-tência do Rio de Janeiro como peça chave da legitimação de todo o seu rico aparato ornamental. Esta igreja constitui um dos exemplares mais coesos da arquitetura religiosa barroca da primeira metade do século XVIII no Brasil. A harmoniosa combinação de elementos formais, o uso de materiais diversi-ficados e o eficiente programa iconográfico apresentado na talha, na escultura

12 WAISBACH, 1948: 323. WAISBACH, 1948: 323.

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e na pintura, dão testemunho do esplendor característico da arte religiosa do período. O reinado próspero de D. João V, beneficiado pela descoberta do ouro em Minas Gerais, conferiu à arte luso-brasileira um desenvolvimento orna-mental capaz de atender aos princípios contrários à simplicidade dos templos protestantes. Estes princípios, originados das sessões do Concílio de Trento, colaboraram para a profusão de tratados destinados ao melhor entendimento sobre o espaço sagrado e o uso de todos os seus elementos compositivos.

Outro aspeto relevante para o presente estudo encontra-se novamente na aparente contradição entre a essência mendicante da família franciscana e a opulência ornamental do interior do templo, agora em um novo contexto. A talha dourada de cobertura total, o forro monumental em perspetiva, os retábulos detalhadamente ornamentados da fase joanina, o elaborado piso de mármores coloridos da capela-mor e os numerosos painéis pictóricos nar-rativos evidenciam os vultosos gastos desta empreitada. Se em Assis a igreja gótica expressou a riqueza de seu interior justificado pelo seu contexto social e cultural, buscamos, então, as razões da majestosa fábrica decorativa da igre-ja dos irmãos terceiros do Rio de Janeiro, justamente quando os protestantes usavam tal riqueza como munição contra o catolicismo.

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FIGURA 1 – Interior da Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, no Rio de Janeiro

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Para trilhar um caminho coerente e elucidativo para as questões postas acima, consideraremos três importantes análises de naturezas distintas, mas complementares. A primeira, de cunho sociológico, visa reconhecer a relação entre o encomendante e os artistas contratados para os trabalhos da igreja. A segunda, ligada aos aspetos teológicos do período, intenciona mostrar que o conceito de riqueza, conforme os tratados escritos durante e após o Concílio de Trento, continha significados contrários à ideia de luxo e muito mais afinado à prática espiritual. Finalmente, os aspetos simbólicos que realizam a costura entre os conceitos que acima citamos, propondo o programa iconográfico como o ponto nodal da poética barroca.

A figura do encomendante em uma ordem terceira era representada pelo ministro, no caso franciscano, e de parte da cúpula administrativa eleita por um período específico. Seu perfil, segundo William de Souza Martins, era constituído por expressivo contingente da camada mercantil no total de membros da associação, negociantes que vinham, desde o sé-culo XVII, crescendo não apenas em número, mas também alcançando o estatuto de elite 13. Vale salientar que este grupo de negociantes participou e se beneficiou das transformações que resultaram na elevação do Rio de Janeiro a centro de maior relevância do império português na América. A fundação da Colônia do Sacramento, em 1680, e a descoberta do ouro em Minas Gerais foram, sem dúvida, a alavanca de tal promoção da cidade, o que resultaria mais tarde, na sua conversão à capital do vice-reinado.

Alguns fatores nos dão pistas sobre esta preferência dos negociantes pela filiação a uma ordem terceira. O primeiro ponto, também observado no caso carmelita, consistia na possibilidade do membro de uma associação ser recebido em qualquer outra no mundo português. No caso dos nego-ciantes de grosso trato, aqueles que mantinham relações financeiras de im-portação e exportação, entre outras atividades, esta mobilidade era atrativa,

13 FRAGOSO, 2007: 39. FRAGOSO, 2007: 39.

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pois a inserção nas redes comerciais acontecia de forma mais fácil. Outra questão, de ordem espiritual, residia nos privilégios relacionados a indul-gências concedidas aos membros, as quais refletiam a consciência da época sobre assuntos ligados à preocupação sobre a salvação da alma 14.

A composição do quadro de membros pertencentes à camada abastada as sociedade colonial creditou aos irmãos terceiros a realização de uma obra artística de exceção. A raridade de tal empreendimento na cidade ainda foi pouco estudada, mas podemos dizer que, associada à riqueza da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, o que explica a rapidez da feitura da maior parte da decoração interna, houve a escassez de artistas locais capazes de realizar obras de tamanha envergadura. As oficinas de leigos começavam a se estruturar de forma ainda acanhada, revelando ini-cialmente o nome do pintor José de Oliveira Rosa, mas o amadurecimento aconteceria somente na segunda metade dos setecentos 15. Vale dizer que os irmãos terceiros, além de importarem imagens escultóricas de Portugal, contrataram também a sua mão-de-obra. O escultor Francisco Xavier de Brito, o entalhador Manuel de Brito e o pintor Caetano da Costa Coelho são testemunhos de artistas portugueses empregados pela ordem.

A década de 1730 foi, sem dúvida, o período de maior concentração de obras de ornamentação interna, conforme documentos existentes sobre os contratos de trabalho. Sabemos que Francisco Xavier de Brito executou as esculturas da nave entre 1736 e 1739. Os livros de escrituras da ordem mostram referências de contratos relacionados ao douramento da talha, pinturas dos forros da nave e

14 MARTINS, 2009: 42. MARTINS, 2009: 42.

15 No início do século XVIII, a tradição de ofi cinas mon�sticas e conventuais, apesar da visível No início do século XVIII, a tradição de oficinas mon�sticas e conventuais, apesar da visível decadência, ainda era o sistema de produção mais significativo. A proliferação das irmandades �ai�as no m�smo p�r�odo pod� s�r �onsid�rada �omo o imp��so maior para a m��tip�i�a�ão das oficinas também laicas. Entretanto, o real florescimento ocorre apenas nas décadas finais dos setecentos, revelando os renomados artistas fluminenses, como o escultor Valentim da Fonseca e Si�va � do pintor �osé L�andro d� Carva�ho.

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da capela-mor e painéis parietais, entregues aos cuidados do pintor Caetano da Costa Coelho e de sua oficina desde 1732 16. Sobre esta oficina, é bem provável que tenha sido uma das primeiras a alavancar a Escola Fluminense de Pintura, revelando José de Oliveira Rosa como possível discípulo 17.

Importante mencionar que, acompanhando o posterior florescimento das oficinas laicas, o gosto rococó penetrou com intensidade no Rio de Janeiro ainda na década de 1750. Gradualmente se sobrepondo à exuberância do Bar-roco joanino com uma estética mais delicada, leve e clara, o estilo foi uma opção para as irmandades mais humildes, pois as soluções decorativas de ta-lha pontual, esta destinada geralmente à ornamentação em torno dos vãos, por exemplo, reduziam os gastos de forma significativa. Mesmo as mais ricas, como a Ordem Terceira do Carmo, perceberam a elegância palaciana do roco-có, explorando a sua gramática de rocalhas, linhas sinuosas e cores suaves em interessantes composições de interiores. A iconografia também sofreu altera-ções, amenizando o tom dramático das visões místicas e experiências de êxtase e penitência, preferindo representações levemente alegres, como observamos em algumas pinturas de Raimundo da Costa e Silva e de Leandro Joaquim. Esta realidade poderia, em parte, explicar a razão do templo dos terceiros de São Francisco ser considerada uma raridade joanina no ambiente fluminense.

Para além dos aspetos religiosos que trataremos a seguir, o investimento da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência para dotar o seu templo de uma conveniente e adequada ornamentação aponta para a necessidade de tornar visível a doação dos recursos de seus membros. A contratação de mes-tres renomados, a aquisição dos melhores materiais e a fábrica de um barroco joanino também em voga em Portugal, não apenas traduziam a maravilha do

16 BATISTA, 1941: 89. BATISTA, 1941: 89.

17 � pintor fl uminense José de �liveira Rosa é geralmente apontado como o precursor da Escola � pintor fluminense José de �liveira Rosa é geralmente apontado como o precursor da Escola de Pintura no Rio de Janeiro setecentista. De sua oficina, importantes nomes da arte colonial se �ormaram, �omo �oão d� So�sa � Fran�is�o M���i.

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mundo celestial, mas também deixavam claro o vultoso gasto com tal obra. Este gasto marcava a posição de destaque da ordem no contexto fluminense e era visto como um ato decoroso no seio de uma elite mercantil que acumulava riquezas. Doar parte de sua renda para as coisas do divino amortecia em parte a culpa pelo acúmulo de capital decorrente dos lucrativos negócios. Assim, verificamos que o esplendor trazia, entre outras, uma função social.

Os diversos tratados que ditavam regras de edificação e composição de toda a imaginária davam o sustento teórico e, muitas vezes teológico, do requinte orna-mental da época. A principal fonte era, sem dúvida, o próprio Concílio de Trento, o qual nas sessões finais da década de 1560, legitimou o uso das imagens no inte-rior das igrejas e também os ornatos esplendorosos. Segundo Antony Blunt:

“Em suas tentativas de livrar de abusos a Igreja, os protestantes estiveram próximos de negar por completo o valor de todo o tipo de arte religiosa. Imagens e pinturas cheiravam a idolatria, enquanto que a decoração das igrejas e o ritual impressionante da missa eram exemplos daquele mun-danismo a que Satã atraíra a Igreja Católica. Assim, tão logo a Igreja Ro-mana desistiu de tentar um meio-termo com os protestantes e enveredou por um caminho que reforçava as doutrinas e métodos tradicionais em oposição a Lutero e Calvino, tornou-se necessário para os teólogos justifi-car os alicerces sobre os quais se erguia a arte religiosa e provar que, longe de serem idólatras, as imagens sagradas eram uma incitação à piedade e um meio de salvação. Desse modo, as primeiras obras a respeito das artes produzidas pela Contrarreforma são uma série de tratados em que os ar-gumentos utilizados pelos teólogos anteriores nas lutas iconoclastas são revividos e voltados contra os protestantes” 18.

18 BLUNT, 2001: 146. BLUNT, 2001: 146.

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A expansão dos valores e funções das imagens decididos no concílio contou com nomes de peso da época, como São Carlos Borromeo e o cardeal Gabriele Paleotti. Suas ideias foram repetidas vezes revisitadas pelos tratadistas do século XVII e se tornaram fontes indispensáveis para a correta ornamentação dos interiores das igrejas 19. Relevante dizer que estes tratados também versavam sobre os locais mais convenientes para a construção da igreja, seja pela adequação dos espaços, seja pela sua importância da fachada como símbolo iconográfico da cidade.

Se a arquitetura religiosa recebeu atenção maior dos teóricos pela sua im-portância de espaço sagrado, as outras artes também foram alvo dos trata-distas. No mundo português, encontramos o pequeno ensaio intitulado Arte da pintura. Symmetria e perspectiva, de Phillipe Nunes, o qual, nos escritos introdutórios, percebemos nitidamente a influência do pintor e teórico lis-boeta Francisco de Holanda. A obra, de cunho didático, oferecia ao leitor instruções básicas para o bem pintar. Mesmo com a função marcadamente de orientação técnica, o texto traz um teor muito influenciado pela Contrar-reforma, com citações de defesa do uso da imagem que remonta a São Gre-gório e o famoso Concílio de Nicéia. Sua posição contrária aos protestantes aparece em elogios à pintura, que o autor chama de arte quase divina 20.

O elogio à pintura aparece também em algumas passagens dos escritos de Francisco de Holanda, pintor contemporâneo ao Concílio de Trento. Dele, notamos, sobretudo em sua Da pintura antiga, certa afinidade com o que se discutia no concílio, quando versa sobre adequação e decoro no ofício do pintor 21. Há também numerosos capítulos sobre a representação do sa-grado, explicando o autor como as figuras santas deveriam ser criadas em concordância com a Igreja. Segundo o pintor:

19 BLUNT, 2001: 147. BLUNT, 2001: 147.

20 NUNES, 1615: 39. NUNES, 1615: 39.

21 HOLANDA, 1983: 163. HOLANDA, 1983: 163.

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“(...) a santa madre igreja, como alumiada do espírito santo, grande-mente favorece e conserva a espiritual pintura como perfeito livro e história do passado, e como memória muito presente do futuro e como muito necessária contemplação das operações divinas e huma-nas, muito apartada de toda a superstição e mau rito dos gentios e da idolatria, querendo naquelas mesmas figuras e pinturas, em que o de-mônio era falsamente servido e honrado e sacrificado, naquela mesma maneira noutras mais verdadeiras imagens e pinturas fosse o imortal Deus aplacado e servido e contemplado” 22.

Estes exemplos, entre tantos outros publicados ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII, demonstram o quanto o universo católico repetiu a base tri-dentina em diversas obras sobre o pensar e o fazer arte religiosa. A circu-lação de impressos, livros e gravuras, colaboraram para a universalidade de uma linguagem teatral, persuasiva e esplendorosa, reservadas as parti-cularidades das escolas artísticas regionais. É notável a intimidade das or-dens franciscanas com a cultura barroca do período e a sua participação ativa nos movimentos de defesa do uso das imagens santas, assim como das devoções amplamente combatidas pelos protestantes. Vale mencionar a polêmica em torno da invocação da Imaculada Conceição, embate que contou com o protagonismo franciscano na manutenção, divulgação e pro-teção desta devoção tão cara ao mundo português. No que se refere ao esti-lo, a gramática barroca encontrou na esfera franciscana um campo fértil de desenvolvimento e inventividade, como observamos em alguns casos des-tacados, como a deslumbrante talha joanina da Igreja de São Francisco do Porto, a exuberante Capela Dourada dos irmãos terceiros de Recife e a mo-numental decoração interna da igreja do convento franciscano de Salvador.

22 HOLANDA, 1983: 46. HOLANDA, 1983: 46.

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No Brasil, a consolidação das ordens conventuais e monásticas no sécu-lo XVII garantiu inicialmente a transmissão e aplicação dos valores triden-tinos nos principais núcleos urbanos da colônia. Os tratados de edificação e as gravuras de tradução guiaram o fazer artístico do período, marcado pela ação de frades e monges pintores, escultores e entalhadores. Somente no início dos setecentos teríamos um documento jurídico e, ao mesmo tempo pastoral, que passou a colaborar na regulamentação do culto cató-lico: as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707. Apesar da natureza local do documento, os bispos do Rio de Janeiro e de Olinda já utilizavam este conjunto de leis, decretos e disposições episcopais como modelo a partir da década de 1720. Organizado pelo Arcebispo Sebastião Monteiro da Vide, os cinco livros que compõem as constituições tratam de todos os aspetos da vida cristã, desde regras sobre a celebração litúrgica à ornamentação da igreja, assim como os locais ideais de sua edificação.

Logo no primeiro livro, verificamos a preocupação com a explicação sobre o uso das imagens nos espaços sagrados. Conforme o texto:

“O uso das sagradas imagens de Cristo Nosso Senhor, de sua mãe santís-sima, dos anjos e mais santos é aprovada pela Igreja Católica, que manda as haja nos templos e sejam veneradas, não porque se creia que nelas há alguma divindade por que devam ser veneradas, mas porque o culto que lhes dá se refere somente ao que elas representam. Portanto, conforma-mo-nos com a antiga tradição da Igreja Católica, e definições dos sagra-dos concílios, ordenamos que às ditas imagens, ou sejam de pintura, ou de escultura, se faça a mesma veneração que aos originais e significados, considerando que no culto que a elas damos veneramos e reverenciamos a Deus nosso Senhor e aos santos que elas representam” 23.

23 VIDE, 2010: 261. VIDE, 2010: 261.

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Mais adiante, no quarto livro, o assunto retorna, com o seguinte conteúdo:

“Manda o sagrado Concílio Tridentino que nas igrejas se ponham as imagens de Cristo Senhor Nosso, de sua sagrada Cruz, da Virgem Ma-ria Nossa Senhora e dos outros santos que estiverem canonizados ou beatificados, e se pintem retábulos ou se ponham figuras dos mistérios que obrou Cristo Nosso Senhor em nossa redenção, porquanto com elas se confirma o povo fiel em os trazer à memória muitas vezes, e se lembram dos benefícios e mercês que de sua mão recebeu e continua-mente recebe. E se incita também, vendo as imagens dos santos e seus milagres, a dar graças a Deus Nosso Senhor e os imitar. E encarrega muito aos bispos a particular diligência e cuidado que nisto devem ter, e também em procurar que não haja nesta matéria abusos, supersti-ções, nem coisa alguma profana ou inonesta” 24.

A visível ênfase sobre o assunto expressava, mais de um século depois do

Concílio de Trento, a continuidade das preocupações em justificar a presen-ça das imagens e também de eliminar quaisquer vestígios de idolatria. No contexto colonial, onde as culturas africanas e indígenas parcialmente cris-tianizadas deixavam uma herança pagã perigosa em uma terra de dimensões continentais, o protestantismo era, então, apenas uma das preocupações, ao lado das questões polêmicas em torno dos cristãos novos. As constituições, nascidas na fase áurea do Barroco luso-brasileiro, liberavam e incentivavam a proliferação das imagens santas nos espaços sagrados.

No mesmo livro, os ornamentos aparecem como necessários ao culto e o texto faz uma curiosa distinção entre as irmandades mais ricas e as outras com menos recursos financeiros. Entretanto, as orientações são cla-ras ao dizer que, independentemente das condições materiais das ordens e irmandades, o ornamento é parte fundamental dos ofícios divinos. O

24 VIDE, 2010: 397. VIDE, 2010: 397.

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capítulo se encerra com os seguintes avisos: O que tudo, na quantidade e qualidade, será conforme a possibilidade de cada uma das igrejas, mas have-rá muito cuidado que tudo seja limpo, são e decente, e que não celebre senão em cálices ao menos de prata com patenas do mesmo 25.

Certamente a diferenciação entre as associações por condição material pre-via a ostentação e a suntuosidade das mais ricas, deixando clara a sua permis-são e necessidade. Somada à função social discutida anteriormente, agora a ornamentação assumia também a função teológica, pois fazia parte indispen-sável da ambientação de um espaço que deveria expressar a essência do divi-no. Assim, a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência se ins-crevia nesta condição, devendo, na sua posição de associação abastada no seio colonial, de dotar a sua igreja da mais esplendorosa decoração, realizada pelas mais hábeis oficinas de pintura, escultura e talha disponíveis no momento.

Cabe agora verificar, dentro desta conceção espiritualizada do esplendor, a leitura propriamente simbólica dos elementos constitutivos, ponto-chave da justificativa de tamanha riqueza ornamental. A iconografia barroca cristã havia sofrido alterações significativas desde o início do século XVII e a seleção de te-mas específicos, como o êxtase, a visão, a ascensão e a penitência se tornaram os preferidos em uma estética voltada para a persuasão. As novas devoções, como bem identificou Emile Mâle, também colaboraram para a proliferação das ima-gens nos interiores das igrejas 26. Todo o repertório imagético, seja ele devocio-nal, decorativo ou narrativo, impregnava o templo de mensagens de humildade, caridade e pobreza, exemplos claros aos fiéis que viviam no século.

Antes de adentrarmos especificamente nas questões iconográficas, vale uma breve menção sobre a hierarquia dos espaços arquitetónicos, justa-mente por conter simbolismo relevante para o entendimento do todo. A igreja possui a solução típica da arquitetura religiosa luso-brasileira, com

25 VIDE, 2010: 401. VIDE, 2010: 401.

26 M�LE, 1982: 187. M�LE, 1982: 187.

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dois caixotões separados pelo chamado arco cruzeiro, dividindo a nave e a capela-mor. Interessante notar que o transepto que conferia o desenho da cruz latina em plantas tradicionais europeias se transformou em menção puramente simbólica através da inclusão deste arco, geralmente dotado de rica ornamentação. Do adro à capela-mor, o caminho da ascensão celestial se materializava em espaços visivelmente demarcados, seja pelo uso de ma-teriais diferenciados ou por referências iconográficas. No caso da igreja de São Francisco, é notável a combinação de diferentes pisos, como a estreita faixa de pedra abaixo do coro, imediatamente ligada à portada frontal, às vezes considerada como nártex, o revestimento de madeira da nave propria-mente dita e os elegantes embutidos de mármores coloridos da capela-mor. Estes materiais indicam claramente os graus de importância de cada parte.

A composição da nave, com as paredes inteiramente revestidas de talha dourada, apresenta doze santos escultóricos, seis dispostos em altares e ou-tros seis menores colocados entre os mesmos, em posição um pouco mais acima. Há também, no plano mais elevado, oito painéis narrativos da vida de São Francisco e de Santa Clara, quatro de cada lado. No forro, há a majestosa pintura em perspetiva, representando a ascensão de São Francisco assisti-da pelos Doutores da Igreja. O conjunto iconográfico confere imponência à nave, ao mesmo tempo em que convida à reflexão sobre as mensagens que cada santo ou história evocam.

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FIGURA 2 – Nave, lado da Epístola

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A disposição das esculturas pode ser visualizada com maior nitidez no qua-dro abaixo, seguindo a ordem dos santos a partir da entrada do templo na direção do arco cruzeiro.

QUADRO 1 – As esculturas da nave

ALTARES DA NAVE

EVANGELHO EPÍSTOLA

Ivo de Treguier Vicente Ferrer

São Roque Gonçalo do Amarante

Isabel de Portugal Rosa de Viterbo

IMAGENS ENTRE OS ALTARES

EVANGELHO EPÍSTOLA

Bona Luiz de França

Lúcio Delfina

Elisário Gualter

Como anunciado nos tratados pós tridentinos e, especialmente, nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, as imagens deveriam ser reverenciadas pelo que representavam e não como portadoras de aspectos divinos por elas mesmas. Assim, parece clara a mensagem oriunda das figuras dos santos: de Ivo de Tréguier a cari-dade, pois fora advogado em defesa dos pobres sem a cobrança dos honorários. De São Roque, além da caridade por cuidar dos doentes, a peregrinação, ação típica dos franciscanos no exercício do apostolado. De Isabel de Portugal a renúncia aos bens materiais, a exemplo de São Francisco. Do lado da Epístola, os santos dominicanos Vicente Ferrer e Gonçalo do Amarante, além da franciscana Rosa de Viterbo, vive-

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ram histórias relacionadas à pregação e à penitência. Os outros seis santos também reforçam os atributos da ordem, enfatizando as mensagens de caridade, renúncia e penitência. Interessante mencionar que o total de doze nos remete de forma simbó-lica aos apóstolos de Cristo, pedra angular do cristianismo 27.

Desde a época de feitura da composição interna da Basílica de Assis, as ordens franciscanas consideraram a pintura como veículo eficaz para narrar visualmente as vidas dos santos. Dispostos lado a lado, os painéis criam um discurso não ne-cessariamente cronológico, mas, sem dúvida, concatenado a partir de fragmentos de histórias que acabam se ligando em um todo coerente. No caso da nave da igreja da Ordem Terceira da Penitência, a tradição se manteve e as cenas retratam milagres, êxtase, visões e outros temas da vida de São Francisco e de Santa Clara, as quais complementam e realçam todo o trabalho dos santos citados. Dispostas acima dos altares, as pinturas seriam a fonte exemplar não apenas para os santos, mas para todo o fiel que se colocasse diante dessas imagens. Assim, os irmãos ter-ceiros deveriam, em consonância com a humildade característica de sua ordem, divulgar o trabalho franciscano, ajudar os mais necessitados e assumir a penitên-cia como um elo fundamental de união com o sagrado.

Coroando a iconografia geral da nave, a ascensão de São Francisco apresentada na pintura em perspetiva do forro, talvez a primeira deste estilo feita no Brasil, nos conduz à promessa divina após uma vida de regramento espiritual: a entrada no reino celestial. Testemunhada pelos Doutores da Igreja, a ascensão geralmente procurava aproximar a biografia dos personagens fundamentais do catolicismo aos acontecimentos essenciais da vida de Jesus. Assim, a cultura barroca legitima-va a santidade destas figuras emblemáticas de forma imagética, colocando evan-gelistas e doutores como uma forma de validar os acontecimentos.

27 Algumas igrejas de relevante papel no mundo colonial fl uminense repetiram esta simbologia Algumas igrejas de relevante papel no mundo colonial fluminense repetiram esta simbologia do n�m�ro do��. Citamos a��i a I�r�ja d� Monts�rrat do Most�iro d� São B�nto, �om s��s ��atro santos r�is, ��atro santos bispos � ��atro santos papas, dispostos na nav�. H� também os do�� painéis ���pti�os d� �osé L�andro d� Carva�ho r�pr�s�ntando os ap�sto�os, na anti�a Cap��a R�a�, hoj� I�r�ja d� Nossa S�nhora do Carmo.

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FIGURA 3 – Forro em perspetiva da nave

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Realizado de forma espetacular, o forro confere unidade ao mesmo tempo em que cria uma ambientação de esplendor voltada a transformar as informa-ções em arrebatamento, algo que ultrapassa a mera e tradicional função didá-tica da imagem. Aqui, em direta associação com todos os elementos materiais e formais da nave, o aprendizado se daria através da elevação, da meditação conduzida pela maravilha e graça da presença de Deus, a partir do artifício decorativo que o Barroco usou amplamente como ferramenta persuasiva.

Caminhando para a parte mais sagrada do templo, a capela-mor, a icono-grafia continua como instrumento no processo de edificação da consciência através de simbolismos que exaltam o poder e a glória do trabalho francisca-no. O arco cruzeiro, limite máximo que o fiel poderia chegar, obedecendo a hierarquia dos espaços, exibe, de cada lado e próximo à base, os dois santos fundadores das ordens mendicantes e parceiras na renovação cristã do sécu-lo XIII: o próprio São Francisco e São Domingos, este último da Ordem dos Pregadores. A ligação entre as duas associações já havia aparecido na nave, com a presença de dois santos dominicanos, conforme citamos anterior-mente. Os fundadores estão ali como guardiões do mistério da iluminação, o mesmo papel que no Barroco as irmandades costumavam dar aos anjos tocheiros. No alto, o duplo medalhão com os brasões da ordem e das armas de Portugal, encimada pelos braços cruzados de Jesus e São Francisco, con-ferem o sentido de submissão à Coroa, através do regime do padroado, e também da união do santo com Cristo pela impressão das chagas.

Na capela-mor, espaço reservado somente aos sacerdotes, um conjunto ico-nográfico mais subjetivo trata especificamente de níveis diferenciados do tema do nascimento. Quatro painéis do lado da Epístola mostram o nascimento de Francisco, a sua conversão e o encontro com o Papa Inocêncio III. No lado do Evangelho, as cenas da fundação das três ordens franciscanas acompanham um painel que mostra o santo sustentando uma igreja que ameaça ruir, uma alusão à passagem em que ele ouve de Deus a ordem para reconstruir a igreja. Esta cena

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tem um duplo sentido: o primeiro, de ordem material, refere-se à pequena cape-la de São Damião que estava em ruínas. A outra, de natureza simbólica, revela o papel dos frades menores na renovação urgente da Igreja no século XIII 28. Os temas destas imagens se unem ao conjunto escultórico do altar-mor, onde São Francisco, ajoelhado, recebe as chagas do Cristo Seráfico.

A impressão das chagas situa-se teatralmente representada no camarim da capela-mor, sobre um trono escalonado de cinco degraus. São Francisco, no segundo nível, direciona o seu olhar em reverência ao Cristo que parece des-cer em sua direção. A diagonal formada entre as duas figuras sugere a movi-mentação tipicamente barroca, justamente para conferir maior dramaticidade à cena. Esta passagem hagiográfica, sem dúvida a de maior significado para as ordens franciscanas, simboliza o amor divino estampado no corpo, repetindo a cena da Paixão de Cristo ao se sacrificar para a salvação do homem.

A curiosa imagem seráfica relacionada ao episódio da visão não se desen-volveu com intensidade na arte colonial, mas vem de uma longa tradição ico-nográfica cuja fonte mais antiga reside na primeira biografia de São Francisco, escrita pelo frei Tomás de Celano 29. Apesar de o texto mencionar a aparição de um homem crucificado com as seis asas do serafim 30, exemplares de pin-turas do século XIII começaram a identificar tal personagem a Jesus. Na Ba-sílica de Assis, Giotto havia pintado um painel no século seguinte sobre esta mesma cena, seguindo o modelo dos pintores precedentes.

28 Esta passagem da vida de São Francisco aparece na biografi a escrita por Tom�s de Celano, Esta passagem da vida de São Francisco aparece na biografia escrita por Tom�s de Celano, ainda no século XIII. Interessante notar que Celano dividiu esta fonte hagiogr�fica em dois livros. No prim�iro, a r�sta�ra�ão da i�r�ja d� São Damião t�m �m �o�o mat�ria�, pois h� a r���r�n�ia d� s�� �stado �am�nt�v�� d� �ons�rva�ão. No s���ndo �ivro, no �ntanto, o t�or s���r� ��� São Fran�is�o r�par� a I�r�ja �omo �m todo.

29 Fr�i Tom�s d� C��ano �oi admitido na ord�m �m 1215 p��o pr�prio Fran�is�o, �s�r�v�ndo a Fr�i Tom�s d� C��ano �oi admitido na ord�m �m 1215 p��o pr�prio Fran�is�o, �s�r�v�ndo a sua biografia a pedido do Papa �regório IX, a partir de 1228.

30 CELANO, 1978: 37. CELANO, 1978: 37.

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FIGURA 4 – Altar-mor: São Francisco recebendo as Chagas

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À frente do trono, a imagem de Nossa Senhora da Conceição completa o grupo escultórico do retábulo-mor com sentido associado também ao tema do nascimento. O dogma da imaculada conceção de Maria, somente definido oficialmente em 1854, despertou várias polêmicas ao longo da história da Igreja. A sua defesa contou com a liderança dos frades menores desde a época da fundação da ordem, se transformando na sua principal devoção. Em resumo, o dogma defende a pureza de Maria, nascida livre do pecado original e, por essa razão, a única mulher possível a assumir a sagrada maternidade de Jesus.

De um modo geral, a iconografia da nave atua no campo das ações, com os modelos de conduta de santos que escolheram a via da caridade e da penitên-cia. A capela-mor anuncia os vários níveis de renúncia e entrega que resultam em um renascimento, um grau adiantado de espiritualidade que, apesar de aparentemente distante do fiel, sugere uma possibilidade a partir do árduo trabalho e, claro, da fé. No medalhão central do forro, São Francisco finalmente é recebido pela Virgem Maria e por Jesus Cristo, a iluminação como tema essencial de uma religião que apostou na vitória sobre a morte. Esta vitória, muito desejada em todos os tempos e preocupação real no mundo colonial, seria a continuidade da vida para além do corpo material.

Reservados os momentos de relação íntima do fiel com a sua devoção par-ticular, o conjunto iconográfico da igreja possui inter-relações projetadas para conferir unidade no discurso persuasivo. Unidade através da diversidade de linguagens, de soluções espaciais e de materiais. Imaginar o homem do século XVIII diante de tamanha suntuosidade e perceber na riqueza o poder espi-ritual sugere a potência da Igreja naquele momento de reafirmação de seus valores dogmáticos. Sugere também o quanto a gramática barroca funcionou com sucesso na sua razão maior de provocar os sentidos.

A igreja dos irmãos terceiros no contexto colonial funcionou como um verdadeiro teatro da penitência, com sua rica iconografia cenograficamente arranjada para tocar as paixões e despertar o encantamento. A talha intei-

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ramente dourada, com toda a profusão de anjos, querubins, motivos florais, emblemas e elementos simbólicos complementares, integrava uma rica com-binação de formas convenientemente organizadas e concordantes com as es-crituras que atestavam tal esplendor ornamental. Assim, ao eliminarmos o conceito atual de luxo para nos referirmos ao conjunto artístico do templo, comum quando vivenciamos a experiência de estar em um ambiente de tal natureza e maravilha, cedemos lugar a um entendimento mais profundo sobre necessidades de uma época complexa. Como vimos, o esplendor atendia a funções diferenciadas e integradas, reunindo em uma mesma direção os de-sejos de uma classe abastada de manter estreito vínculo com a vida espiritual, a legitimação da riqueza através dos tratados e o protagonismo da iconografia como agente de difusão da conduta cristã. A poética barroca, então, pode ser expressa na Ordem Terceira da Penitência em sua máxima potência, motivo deste raro exemplar fluminense ser tão caro à História da Arte no Brasil.

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Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Terceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

Magno Mello*

Os estudos que desenvolvo sobre a pintura na antiga capitania do ouro em terras brasileiras, entre os séculos XVIII e XIX, concentram-se, exclusivamente, na pintu-ra de falsa arquitetura representada nos tetos de igrejas 1. Após o primeiro contato, verifica-se um dado significativo: a decoração dos tetos pintados apresenta diversos formulários ou gramáticas. Encontramos desde os caixotões, passando pela pin-tura que simula arquiteturas pictoricamente executadas entre meados do século XVIII, até o primeiro quartel do século XIX. Vemos desde cenas aplicadas aos te-tos; quadros recolocados; muros parapeitos; figuras esvoaçantes em nuvens circu-lares – com ou sem apoio da arquitetura pictórica e com ou sem termo de posiciona-mento 2; membranas arquitetónicas em maciças construções de falsa arquitetura; até aplicação de rocalhas na parte central sustentadas por grossos pares de espécies de arcos triunfais no emolduramento da iconografia principal, para além de outras es-truturas arquitetónicas falsamente construídas, mas que não caracterizam pontos de sustentação, pois se trata de elementos arquiteturais com notável função decorativa.

* � autor agradece � FAPE�I� (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de �inas �erais) o apoio r���bido para a parti�ipa�ão n�st� �on�r�sso int�rna�iona�.

1 MELLO, 1998a: 85-102, 2002.

2 “Com termo de posicionamento” trata-se de fi guras que estão apoiadas a determinadas estru- “Com termo de posicionamento” trata-se de figuras que estão apoiadas a determinadas estru-turas arquitetónicas; “sem termo de posicionamento” são figuras que voam e se deslocam a partir do �spa�o pi�t�ri�o. V�r �EMP, 1994.

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Magno Mello

Temos um núcleo principal de artistas protagonistas, também seguidores ou discípulos que, em dado momento assumem determinada obra por conta própria. A grande atuação de artistas mineiros como quadraturistas pode ser vista a partir de c.1750/55. A documentação é insuficiente, muitas obras sem autoria e muitos artistas sem obras. Não obstante, os espécimes existentes em Minas colonial garantem uma gama de formulários amplos e diversificados. Inicia-se agora estudo mais específico, sobre a pintura de quadratura na capi-tania do ouro, seja na análise documental (novos documentos foram locali-zados), seja no estudo e análise entre a história da arte e a história da ciência – um binómio importante para este gênero pictórico.

Importante referir que todo o núcleo pictórico existente na capitania minei-ra que, descende destes formulários avança para uma segunda geração de qua-draturistas, isto é, seguidores menores dos grandes protagonistas desta forma decorativa ou mesmo aprendizes, ajudantes que tomariam algumas obras por conta própria, ampliando este universo decorativo.

A decoração de tetos se fazia em forma de empreitada, e a especialização era prática comum. Alguns pintores poderiam trabalhar para diversos artistas apenas como decoradores de partes não muito importantes, mas que comple-mentariam o universo artístico ideado pelo mestre. Convém ficar atento para a decoração quadraturista, isto é, reconhecer a quadratura como uma forma pictórica. No universo da decoração arquitetónica, nem o historiador que tra-ta da pintura, nem o historiador que trabalha com a arquitetura aceitam o quadraturismo de forma independente. O primeiro porque se trata do engano construtivo, e o segundo por se tratar de arquitetura fictícia. Ora, a arquitetura perspetivada situa-se em dois mundos sem uma real definição em concreto. Para a análise mais pormenorizada é necessário verificar a presença ou não de relações espaciais entre o ambiente real e a ilusão pretendida. A liberdade interpretativa na construção deste novo espaço deve ser tomada em conside-ração – é a constatação de ausências de vínculos estruturais. Portanto, a pin-

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Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Terceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

tura de falsa arquitetura pertence a um ambiente real, e as características deste espaço podem influenciar uma conceção de ilusionismo, na realização de uma tipologia (morfológica) unitária e, ao mesmo tempo, realista. Aqui, a praxe é operativa e não aplicativa, pois se deve ver a perspetiva como ferramenta de integração cultural por intermédio da cultura religiosa, da matemática (a ci-ência) e da produção pictórica de ateliê – uma fusão entre praxe e especulação.

O trabalho de pintura era longo, desgastante e impossível de se realizar apenas com um pequeno grupo de especialistas e esta especialização está no centro das nossas atenções. Em Minas colonial (como em toda a cultu-ra artística que promove a decoração dos tetos), vemos esta especificidade dos trabalhos: a do quadraturista e a do figurista. Em Minas Gerais não era diferente. A questão que se coloca aqui é: como conhecer estes espe-cialistas e como individuar estes trabalhos. A identificação dos afazeres na decoração de um teto pintado com elementos de falsas arquiteturas é muito complexa. Sabe-se que, na produção dos tetos pintados, ao menos seis ou sete decoradores participam. É significativo referir que entre os diversos especialistas havia sempre aqueles pintores dedicados à pintura de festões, de vasos, de flores, de figuras humanas de pouca expressão, como outros que se dedicavam a criar a ossatura arquitetónica e promover a transposição do desenho para o suporte matérico. É neste momento que se concentram todas as atenções. Uma das grandes questões referentes à pintura de falsa arquitetura é a percepção por parte dos investigadores no que diz respeito à transposição do projeto inicial para o suporte. Uma questão fulcral: qual o método usado pelo artista para transpor sua falsa arquitetura para o intradorso do teto? Esta e tantas outras investigações técnicas/científicas ainda estão no centro das pesquisas e não se tem ain-da um denominador comum. Recorde-se que a transposição do motivo pictórico para o teto é de extrema importância também para a pintura de caixotões, mesmo sem os efeitos de profundidade espacial.

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Para real entendimento de todo este panorama é necessário, primeira-mente, completa inventariação das obras e dos artistas presentes na capi-tania do ouro. Em seguida, estudo de gramática por gramática na tentativa de uma visualização global deste universo pictórico estendido por toda a capitania de modo significativamente diverso do panorama da quadratura no restante do país – tarefa que, aos poucos, a histografia da arte mineira vem realizando nos últimos dez anos 3.

A primeira notícia deste gênero, na capitania, foi lançada na região de Cacho-eira do Campo, com a presença do português Antônio Rodrigues Belo 4. Sabe--se pouco sobre esse artista; era natural do Porto e, em 1742, casa-se, em Minas Gerais, declarando ter 40 anos. Em 1733 teria dourado e pintado os caixilhos para a Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, em Cachoeira do Campo, próximo a Ouro Preto. Trabalhou ainda em Casa Branca, entre 1738 e 1742 morando nesta freguesia em 1739. Em seguida reside na freguesia de Nossa Senhora de Nazaré 5 onde teria encarnado outras imagens; entre 1755-1756 pintou o teto, as paredes e o coro desta mesma Matriz recebendo por este trabalho 1200$00 rs, pagos pela mesa administrativa. Não se conhece até o presente momento infor-mações sobre suas atividades e seu aprendizado na cidade do Porto.

Outra área de atuação da quadratura foi a região de Diamantina. Aqui a presença é isolada pela atuação do bracarense José Soares de Araújo (1723-1799). 6 Esse decorador está na região diamantífera entre 1759 e 1799, tra-balhando ativamente como decorador em diversas igrejas na cidade. Nas

3 At�a�m�nt� o �r�po d� p�s��isa, Perspectiva Pictorum, �st� inv�ntariando toda a pint�ra �m Minas G�rais n�m traba�ho d� inv�sti�a�ão ini�iado �m 2007 � ��� n�st� mom�nto �onta �om a �ata�o�a�ão d� mais d� ��m nom�s d� pintor�s � ��r�a d� ��inh�ntas obras j� inv�ntariadas. Est� �r�po r�a�i�a bi�na�m�nt� �m �on�r�sso int�rna�iona� d� hist�ria da art�.

4 NEGRO, 1958a, vo�. 20.

5 At�a�m�nt� j� �xist�m prosp����s d� r�sta�ro �om novidad�s �m r��a�ão ao t�to da �ap��a- At�a�m�nt� j� �xist�m prosp����s d� r�sta�ro �om novidad�s �m r��a�ão ao t�to da �ap��a--mor da �atriz de Cachoeira. Ao que tudo indica a pintura de Antônio Rodrigues �elo est� subja-cente � pintura que hoje contemplamos.

6 SANTOS, 2002. Ess� a�tor apr�s�nta amp�a do��m�nta�ão sobr� o pintor d� Bra�a.

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suas pinturas ressalta-se o centro figurativo dos tetos – um espaço mínimo onde a cena central se desenvolve de modo que a moldura arquitetónica acima da cimalha real ocupa quase toda a representação do forro. As suas formas são maciças e de grande poder de construção, ou seja, essencialmen-te tectônico; os fustes apresentam-se com caneluras, os capitéis são com-pósitos, os entablamentos, os balcões de formas semicirculares, as grandes mísulas e consolos projetam o espaço para o alto construindo espacialidade física como suporte matérico da iconografia. A arquitetura falsa de José Soa-res de Araújo assenta-se num plano bastante rico de estruturas pintadas que edificam um espaço para além do limite da sanca. Em toda a produção deste bracarense, não se notam grandes atuações em relação ao escorçamento fi-gurativo, pelo contrário, a sua preocupação com estes efeitos perspéticos se concentra apenas na arquitetura pintada. Importante referir que a pintura ideada por este artista conta com soluções interessantes nos ângulos e no remate entre a construção real do templo e a idealização de sua arquitetura fictícia. Alguns fragmentos confrontados da sua quadratura parecem lem-brar modelos que estavam presentes em alguns tratados entre os séculos XVII e XVIII. Apenas como ponto de partida, verificam-se alguns motivos, no formulário usado pelo artista em Diamantina, muito próximos dos ele-mentos expostos no Perspectiva Pictorum do jesuíta Andrea Pozzo 7. Sobre este aspeto é importante realizar um estudo pormenorizado; neste momen-to, apenas uma pequena contribuição para futuros estudos.

As representações de falsa arquitetura na região de Minas Gerais contam com grandes realizações que se prolongaram cronológica e estilisticamente merecendo, atenção e espaço próprio. A pintura de forro, em algumas vilas da capitania mineira, modifica-se em modelos específicos: representação de nuvens isoladas que se abrem em visões celestiais, quase como um contar de histórias; efetivação de diálogo simples e ingênuo, quase primitivo, e mais

7 POZZO, 1693/1700.

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imediato entre a Igreja e o conjunto de fiéis ali congregados. Como referência deste formulário aparece o nome de José Joaquim da Natividade – decorador de grande potencial em atividade no Sul de Minas Gerais cuja vasta docu-mentação ainda não tem um estudo específico. O formulário de José Soares de Araújo ainda não está suficientemente estudado, sendo importante realizar catalogação mais acurada e profunda, muito mais do que apenas soluções his-tóricas ou religiosas. É fulcral investir num estudo mais técnico e científico de modo a perceber o funcionamento da construção perspética idealizada pelo pintor na construção do seu espaço pictórico. Ainda na zona diamantífera, é de referir Luís Caetano de Miranda, um artista conceituado que conhecia bem os meandros da pintura de falsa arquitetura e pode ter trabalhado com o decorador bracarense. Em seu inventário pos mortem foi encontrado o tratado em dois volumes in follio do trentino Andrea Pozzo – trata-se do Perspectiva Pictorum amplamente difundido entre a Europa, a América e a China. Isso nos permite pontuar que a tratadística europeia também circulava entre os artistas mineiros do período setecentista/oitocentista 8.

O desfecho desta forma pictórica na região pode ser caracterizado pelas mãos do professor Manuel da Costa Ataíde 9. Seus tetos pintados se concen-tram nas primeiras décadas do século XIX. Suas composições conservam, no centro geométrico, o desenvolvimento da rocalha sustentada por grupos de colunas a partir dos entablamentos e balcões. É difícil precisar a formação ar-tística deste decorador. Seu conhecimento acerca da perspetiva, da pintura, da cenografia e do desenho arquitetônico é bem apurado e, em alguns documen-tos, Ataíde vem sempre referido como grande conhecedor da arte da pintura e do desenho. Sobre seu trabalho é possível debruçar-se com mais atenção, pois

8 SANTOS, 2000: 43.

9 Uma das prim�iras p�b�i�a���s sobr� Man��� da Costa Ata�d� � �osé Soar�s d� Ara�jo �oi d�: N�- Uma das prim�iras p�b�i�a���s sobr� Man��� da Costa Ata�d� � �osé Soar�s d� Ara�jo �oi d�: N�-gro, 1969. A investigação mais atual sobre �anuel da Costa Ataíde é de: CA�P�S, 2007. É significativo r�ssa�tar ��� no Brasi� o �onj�nto dos t�tos pintados �oram �st�dados p��a prim�ira v�� por: O�iv�ira, 1978-79; O�iv�ira, 1982-83. Não s� pod� �s�����r a p�b�i�a�ão d�: Andrad�, 1978.

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suas decorações perspetivadas sobreviveram e ainda há documentação bas-tivadas sobreviveram e ainda há documentação bas-tante significativa que vem sendo estudada não somente sob o ponto de vista histórico ou filológico, mas também sob aspetos artísticos e científicos no que tange à construção do seu espaço fictício nos diversos tetos que pintou. Sua ocupação estava dividida entre as várias patentes militares que alcançou e a atividade de pintor-decorador; em 1797 é ordenado sargento, em 1799, alferes e em 1818, professor da Arte de Pintura e Arquitetura 10.

Além da brilhante capacidade do exercício da pintura de elementos arquitetô-nicos, da decoração parietal em falsos azulejos, das encarnações, dos quadros de cavaletes e/ou dos tetos em caixotões, é fulcral recordar a solicitação que este ma-rianense apresentou ao rei D. João VI na intenção de criar uma Aula de Desenho e Arquitetura na cidade de Mariana. Por conseguinte, em 1818, Ataíde apresenta sua solicitação por intermédio de seu procurador Manuel Roiz Franco:

Senhor – Ninguem milhor que Vossa Majestade Real sabe quanto he util a Arte do Desenho e Architetura Civil e Militar e da Pintura: e que haja neste novo Mundo principalmente nesta Capitania de Minas Geraes en-tre a mossidade homens habeis de admiravel esfera que desejaõ o Estudo e praxe do risco das Cartas Geograficas e Topograficas no Desenho e Pintura aos animaes, plantas, aves e outros productos da natureza: Por isso com a mais profunda humildade e Obediencia prostrado aos Augus-tos Pes de Vossa Magestade Real representa Manoel da Costa Athayde Professor, das Artes Sobreditas, e habitante da Cidade Mariana, e aqui Supplicante que dezejando muito e não tendo maiores possibilidades para saciar os seos proprios dezejos de ser util ao publico, e a sua Naçaõ e ainda a todo o Mundo, na instruçaõ, adiantamento, e aperfeiçoamento das sobreditas Artes para se colher o fructo dellas e das dispoziçoins do Throno, se digne Vossa Magestade Real criar este ramo de instruçaõ na sobredita Cidade Mariana mostrando cada vez mais Benefico, e libera-

10 AP�, Códice 257, secção Capitania, fl s. 152; AP�, Códice 285, secção Capitania, fl s. 225 v; AP�, Códice 257, secção Capitania, fls. 152; AP�, Códice 285, secção Capitania, fls. 225 v; APM, C�di�� 377, ma�o 22.

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lisimo para com a dita sua leal cidade, a quem tanto tem protegido com o seo Paternal amor, desterrando assim a ignorancia, e a Viciozidade, e promovendo as Artes e sciencias, e a instruçaõ popular, e geral dos Vassalos, contemplando ao Supplicante ha hipotheze, de que por hum Exame se mostre digno da graça, merce e liçaõ que aspira. 11

Este documento permite observar que Ataíde já dava suas lições de desenho e de pintura e, sua proposta voltava-se para a criação de uma aula pública – o ensino em Minas colonial funcionava, na maioria das vezes, de modo infor-mal e sempre condicionado ao núcleo específico dos artistas. Pensar numa aula sob o ponto de vista formal era grande novidade. Ataíde sabia disso, pois convivia com muitos pintores e contava também com seus ajudantes. Uma aula oficializada permitiria maior repercussão não apenas do ensino especu-lativo, mas, de modo mais evidente, daquilo que tantas pinturas já provavam: a existência de um leque de pintores no uso da quadratura tão amplo quanto o universo do Nordeste – recorde-se que, desde 1735, está em Salvador o escala-bitano Antônio Simões Ribeiro 12 e, desde 1706, está no Rio de Janeiro o por-tuense Caetano da Costa Coelho 13, ambos trabalhando como quadraturistas para ordens religiosas diversas e em templos de grande importância.

Cabe ressaltar um Brasil colonial com diversidades culturais, como a ampla diferença nos formulários da arquitetura picta. Ressalta-se, além do mais, que Ataíde pretendia lecionar tanto os aspetos especulativos como a praxe pictórica, pois chama a atenção para o estudo e a praxe. Nesse contexto, a sua proposta abrangia desde as cartas geográficas até as aves e outros produtos da natureza. Nota-se que seus conhecimentos transitavam entre o estudo teórico e/ou acadé-mico das artes e da arquitetura e a capacidade de execução prática e, por que não

11 APM, ��di�� 377, mar�o 22. APM, ��di�� 377, mar�o 22.

12 MELLO, 2008 MELLO, 2008

13 Os novos do��m�ntos sobr� �st� artista port����s no Rio d� �an�iro �stão s�ndo a�vo d� �m Os novos do��m�ntos sobr� �st� artista port����s no Rio d� �an�iro �stão s�ndo a�vo d� �m estudo específico. AYRES, (no prelo).

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Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Terceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

dizer, habilidade e perícia da prática pictórica. No mesmo documento, anterior-mente citado, ainda é atestado que Manoel da Costa Ataide, morador nessa cida-de, hé Professor das Artes de Architetura e Pintura, tendo dado bastantes provas de que não só he capaz de por em praxe o risco das Cartas Geograficas dos animais, plantas, aves e outros produtos da natureza, como o explicar e instruir aos que quiseram aproveitar. Isso nos permite deduzir que se discutia sobre pintura e seu ensino era cobiçado. A questão do estudo ou do ensino de artes ou de tópicos como Desenho, Pintura, Perspetiva e até mecanismos de Cenografia em Minas colonial ainda não é estudada suficientemente; salvo algumas teses, de mestrado ou doutorado, que fazem alguma referência a tal discussão.

Em 1813, Manuel da Costa Ataíde vem referido em documentação avulsa da Ordem Terceira do Carmo da cidade de Ouro Preto que diz (...) remeto a V M o risco q fiz pª o Altar-mor de N Senhora, todo proporcionado em pre-ceito de Ordem compósita de Architetura (...). 14 Percebe-se que, para além do estudo e da capacidade construtiva de elementos arquitetônicos pictóricos, Ataíde também era capaz de produzir formas arquitetónicas construtivas, nes-te caso, não para projetos de arquitetura, mas para a produção de máquinas retabulísticas. Poder-se-ia pensar que esse exercício também o capacitava na experimentação de formas de falsa arquitetura. O risco dos retábulos poderia servir de discussão mental em relação a sua aplicabilidade em estrutura pictó-rica nos intradorsos de tantos tetos que executou. A ordem compósita para o desenho do altar-mor, referida no documento, será reencontrada nas pinturas de tetos que realizou não somente em Ouro Preto, mas em outras vilas como Itaverava, Ouro Branco e na cidade de Santa Bárbara. Registam-se, ainda, re-toques na pintura do teto da nave do Bom Jesus de Congonhas do Campo em 1818 e o teto da capela-mor da igreja do Rosário de Mariana, em 1823 15.

14 Do��m�nta�ão av��sa no Ar��ivo da Ord�m T�r��ira do Carmo d� O�ro Pr�to. A trans�ri�ão d�st� Do��m�nta�ão av��sa no Ar��ivo da Ord�m T�r��ira do Carmo d� O�ro Pr�to. A trans�ri�ão d�st� do��m�nto �oi P�b�i�ada �m Ivo Porto d� M�n���s, Manuel da Costa Ataíde, s/d, p.44.

15 MENEZES, p. 15, s/d. MENEZES, p. 15, s/d.

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Sobre este último trabalho citado, outra documentação deve ser revista. Em 1826, Manuel da Costa Ataíde acusa a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Mariana do não pagamento de trezentos mil réis referente aos trabalhos que realizou naquela igreja. Para o andamento do libelo, Ataíde nomeia duas teste-munhas a seu favor, os pintores Francisco Xavier Carneiro e João Lopes Maciel.

... provará ser o Autor muito perito na sua Arte de pintura, e como tal muito procurado para todas as obras de maior circunstancia, de que costu-ma dar enteira satisfasao, fasendo as emfim com aqueila percisão devida aos habeis Professores de semelhante Arte, como dirão as testemunhas. 16

Em outra parte, o mesmo documento chama atenção para

...e ajuste que fez a Irmandade de Nossa Senhora do Rosario dos Pretos desta cidade de Mariana com o Alferes Manuel da Costa Ataíde Professor de Pintura sobre o douramento e pinturas do retábulo do altar mor da sua Igreja como também a pintura do thecto da mesma capela mor (...).

Decerto Ataíde era reconhecido não somente por suas habilidades pictóricas ou arquitetónicas, mas também pelo amplo conhecimento teórico que tinha. O fato de chamar artistas como testemunhas garante ao marianense a segurança de ver sua obra comentada por outros pintores não somente próximos da sua arte, mas testemunhas de sua capacidade de produção. Paralelamente a estas questões, a documentação na igreja do Rosário de Mariana nos dá outras importantes in-formações como (...) será o tecto da Capella Mor depois de bem apparelhado de branco, desenhado, e pintado com hua elegante e moderna perspetiva (...).

Outro objeto significativo e que merece análise pormenorizada diz respeito a algumas bibliotecas em Minas Gerais. No auto de sequestro dos bens do cônego Luis Vieira, realizado em 9 de julho de 1789, encontram-se listados

16 Cartório do segundo ofício de �ariana, cod. 239, Auto 5972, fl . 4. Cartório do segundo ofício de �ariana, cod. 239, Auto 5972, fl. 4.

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Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Terceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

perto de 800 volumes. 17 Do pintor Manoel da Costa Ataíde, entre os vários pertences, figuram apenas três livros: Hum livro da Bíblia estampado (4$800); Hum Do segredo das Artes dous Tomos (2$000); Dicionário Francês (2$000) 18.

No que se refere a inventários, outro artista coevo de Ataíde, que também nos interessa, é Francisco Xavier Carneiro (1765-1840). Em seu inventário post morten encontra-se registrada vasta descrição de bens como tintas, qua-dros, diversas estampas, seis exemplares de desenho para pintores e livros dos quais destacamos (...) as [ciências] das sombras relativas ao desenho; e Do Se-gredo necessário para as artes da pintura (...). É possível que este último trate da obra de D. Bernardo Montòn, Segredos de Artes Liberales, y Mecanicas – re-copilados, y traducidos de varios, y selectos autores, que tratam de phisica, pin-tura, arquitectura, optica, chimica, doratura, y charoles, con otras varis curiosi-dades ingeniosas (Madrid, 1734). Não podemos assegurar que o livro seja esse, mas, conforme a cronologia, é bem possível, para além de o conteúdo deste impresso atender muito bem ao nosso pintor em relação, seja às tintas, seja às preparações de cenas ou de imagens perspetivadas. Note-se que, na página 43 do citado volume, Bernardo Montòn informa sobre como Construir uma Linterna Magica. A Lanterna Mágica foi muito usada por jesuítas europeus desde o século XVII, sendo seu precursor o alemão Atanásio Kircher, profes-sor no Colégio dos Jesuítas em Roma. Acreditamos que Ataíde e Xavier Car-neiro possuíam a mesma obra de Montòn. Como eram contemporâneos e já que Xavier Carneiro depôs a favor de Ataíde no libelo de 1826, é de se pensar que tais discussões teóricas e/ou práticas poderiam acontecer entre os dois decoradores. Outro aspeto significativo é a possível troca entre eles de livros ou de impressões. Chama-se a atenção para uma possível rede de difusão do saber perspético e das condições específicas da pintura em geral. O pedido que Ataíde fez para a criação da aula pública não estaria colocado apenas para

17 ��HRER, In ST�LS; TH��AS, (org.), 2009. p. 261-279; ��HRER, 2007, p. 53-57 e 98-99. ��HRER, In ST�LS; TH��AS, (org.), 2009. p. 261-279; ��HRER, 2007, p. 53-57 e 98-99.

18 Cart�rio d� s���ndo o���io d� Mariana, �od. 68, A�to 1479. Cart�rio d� s���ndo o���io d� Mariana, �od. 68, A�to 1479.

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seu próprio deleite ou satisfação pessoal. A troca de impressões nos canteiros de obras ou nos estúdios deviam ser frequentes.

Outro livro interessante encontrado na biblioteca de Xavier Carneiro é aquele das sombras relativas ao desenho, que podemos identificar com mais precisão. Trata-se, certamente, de obra traduzida do francês para o português em 1799 pelo frei José Mariano da Conceição Veloso: Sciencia das sombras re-lativas ao desenho: obra necessaria a todos os que querem desenhar architectura civil e militar, ou que se destinam à pintura.

Perante tantos documentos e variadas informações é significativo rever o documento que apresenta a obra de pintura do teto da igreja do Carmo de Ouro Preto, a qual infelizmente, não aconteceu. O texto é esclarecedor quanto ao modelo decorativo escolhido por Ataíde:

(...) que a exemplo de todos os Templos, e ainda muito de outros edifí-cios públicos, e particulares, se tem adotado segundo o gosto dos anti-gos e modernos; e eu alcanço ser acerttado. Sendo este templo de Nossa Senhora do Carmo, magestoso, e ademiravel, pella sua construção e veziveis perfeiçoens; se descobre nelle alguns retoques contra a regra e razão, como se vê em alguns corpos; confundidos com a mesma cor branca q tem as paredes; qdo. Elles são para destinação e Ornato de seu composto. 1.° para acerto do seu ornato (...) acho ser acertado que se entregue no dito Tecto, depois de novo branquiamento, hua bonita, valente e espaçosa pintura de Perspectiva, organizada de corpos de Arquitetura, Ornatos, Varandas, festoins, e figurado, o que for mais acertado; sem que confunda os espaços brancos q devem apareser pª beneficio, e destinção da mesma pintura, e athé ella não só animara a igreja mas fará sobre sahir os mesmos Altares já doirados; e a simalha real q o sircula, seja de hua bonita cor geral azul clara, ou por sima della hum brando fingimento de pedra, azul da Prússia 19.

19 Do��m�nto av��so � Ar��ivo da Ord�m T�r��ira do Carmo d� O�ro Pr�to. A trans�ri�ão d�st� do- Do��m�nto av��so � Ar��ivo da Ord�m T�r��ira do Carmo d� O�ro Pr�to. A trans�ri�ão d�st� do-��m�nto �oi P�b�i�ada �m Ivo Porto d� M�n���s, Manuel da Costa Ataíde, s/d, p.97-98.

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Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Terceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

Neste documento, Ataíde salienta o gosto dos antigos e modernos. Isso signi-fica que tem conhecimento do universo pictórico e arquitetônico do seu tempo que a sua relação com o mundo clássico é notória e evidente. Ainda, o pintor chama a atenção para alguns retoques contra a regra e razão, como se vê em al-guns corpos. Demonstra que seu conhecimento passa pela cultura especulativa da construção perspética, pois os corpos são fragmentos de falsa arquitetura que ele acredita ser acertado representar para que não haja confusão com o resto da pintura. Finalmente, a sua referência a uma valente e espaçosa pintura de Perspetiva. Tudo remete a uma produção quadraturista e cenográfica. Sua intenção é causar surpresa e forte admiração ao fruidor. Percebe-se a liberdade interpretativa a partir da ausência de vínculos estruturais, pois as característi-cas deste espaço podem influenciar na conceção do ilusionismo e na realização de uma tipologia unitária e realista ao mesmo tempo. Tudo condicionado a uma praxe operativa e não aplicativa da construção do espaço tridimensional. É a perspetiva como ferramenta de integração cultural e, concomitantemente, entre difusão teórica e praxe pictórica de ateliê. Para melhor entendermos a construção perspética de qualquer representação, é fundamental ter em conta que entre o pintor e a cena existe um plano de projeção. Sem embargo, as medi-das reais de um objeto serão alteradas pela perspetiva, segundo a aproximação ou o afastamento do plano de projeção que, no nosso caso, trata-se do suporte abobadado que só existe na mente do artista. Neste mesmo documento, Ataíde nos dá informação precisa sobre forma (aspeto exterior de um corpo); volume (valorização do claro-escuro e dos tons); cor (relacionada com a luz, pois a cor só se manifesta na luz); espaço (posição dos corpos, aqui é a pintura tridimen-sional) e pintura, isto é, o espaço inventado.

Após estas reflexões, é possível transferir o comentário de Ataíde para a obra que foi realizada: a trama arquitetónica na capela de São Francisco de Assis em Ouro Preto. Neste teto, Ataíde cria uma espécie de zona de fuga que, acima da cimalha do edifício, projeta rica intenção de ilusionismo na tentativa

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de continuar as paredes laterais do templo. A construção perspética lança o es-paço para o alto, não fura o teto, mas dá maior relevo ao centro da rocalha que institui a espacialidade finita – toda a atenção é dispensada à rocalha. Manuel da Costa Ataíde pode ter usado quatro pontos de fuga para a elaboração da sua trama arquitetónica, os quais criam uma zona de fuga de modo que maior número de pessoas pudesse ver a obra sem grandes deformações anamórficas.

De modo geral, as decorações internas de arquitetura com pinturas de temática figurativa – em muitos tetos (abobadados ou não) em que se repre-sentam em perspetiva elementos arquitetônicos – podem classificar-se em dois grupos: primeiro refere-se ao fato de que o artista concebe a decoração sem que o fruidor seja obrigado a ver a obra a partir de um ponto prefixado, ou seja, sem impor ao olhar um ponto fixo; a segunda hipótese decorativa é instituída (ou concebida) para que o fruidor tenha a sensação ilusória de que os elementos pictóricos são incorporados tridimensionalmente ao espa-ço arquitetônico físico. No teto de São Francisco, com a disposição de quatro pontos de fuga, percebe-se a intenção do artista de não obrigar apenas a um espectador a ver a quadratura perfeitamente construída, mas possibilitar que mais de um indivíduo possa captar toda a mensagem do seu espaço tri-dimensional presente no seu universo imagético. Para tal, os quatro pontos de fuga criam ampla área perspética. Essa proposta foi discutida e utilizada pictoricamente por Antonio Palomino em seu tratado publicado na Espa-nha em 1724, o que não quer dizer que o marianense teve nas mãos o texto espanhol, mas permite deduzir que o artista mineiro era capaz de perceber qual seria a melhor opção para suas intervenções perspéticas.

A pintura em São Francisco aplica-se a um teto cruciforme de braços iguais e ocupa o centro do quadrado que se apoia em quatro colunas por intermédio de arcarias. Nas duas extremidades da composição, abrem-se dois pórticos com colunas em fuste canelado e capitel compósito, rematados com arcos ple-nos com volutas e grande número de putti.

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A arquitetura transforma-se em palco, numa das mais belas e triunfais nar-rativas da vida do catolicismo, a figura da Virgem acompanhada por anjos que tocam harpas e flautas. Figuras que se apoiam em nuvens, raios e luzes doura-das, atuam num completo palco teatral onde, em arquitetura, a pintura com-pleta sua graça e enche de triunfo a Igreja Tridentina. Nesta composição, estão presentes dois espaços celestiais: um muito rico, em azul forte com nuvens cinzas e brancas, que é o espaço vazado das arquiteturas falsas; e o outro, o céu luminoso, dourado e radiante da rocalha central onde a Virgem, em posição de prece e acompanhada por imenso cortejo, dirige seu olhar aos crentes que se encontram no espaço físico do templo, embora não rasgue o suporte, ao contrário, situe-se, ainda, de modo finito e espacialmente limitado. É o espaço finito e mensurável da aparição no grande espaço transcendental e infinito do universo; é a cultura mineira revestida de influências europeias, não somente de Portugal e da fase dourada de D. João V, mas de todo o continente europeu. Não se pode deixar de pensar na influência via Portugal, da cultura artística austríaca e germânica. Mesmo que não se verifique, em Minas Gerais, a pre-sença concreta de tratados de perspetiva mesmo que o quadraturismo não se tenha estabelecido aqui diretamente, a partir dos modelos italianos reinter-pretados em Portugal, nesta capitania é forte a influência da Europa, detetável nas estampas, ideias, modos, textos, temas e composições que eram desejadas, importadas e cultivadas pelas irmandades, ambiciosas de se modernizarem.

Em geral, o ilusionismo continua presente no século XIX, porém mais ornamental do que arquitetônico. O papel fundamental desempenhado pela quadratura distingue-se radicalmente dos demais efeitos considerados ape-nas como simples decorativismos. O sucesso deste formulário é a síntese en-tre os elementos arquitetônicos e a justaposição das figuras que ali integram com grande naturalidade: a Virgem constitui o ponto central das linhas de força no centro da composição; nos quatro assentos da cobertura impõem--se os quatro Doutores da Igreja, enquanto que, por cima das arcadas, os

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anjos voam num espaço destacado. Parece que a única coisa que o pintor tem a fazer é enganar os olhos dos fruidores, fazendo parecer verdadeiro o que é falso. Em poucas palavras, perspetiva, transgressão, tradicionalismo e frontalidade ou, apenas, vontade espacial.

Algumas observações técnicas são pertinentes e podem ser esclarecedoras. Consideremos as transições (ou passagens proporcionadas pela arquitetura pintada), graças às quais é assegurada a ligação com a arquitetura, quando a decoração cobre toda a superfície da abóbada, de uma cornija a outra, o entablamento, o friso horizontal, os capitéis e os medalhões das cornijas for-mam uma separação natural, servindo-se de uma espécie de tela para sobres-saírem às cenas num espaço luminoso. O ponto de fuga depende da posição do observador, pensada previamente pelo artista, tendo em conta pontos de observação naturais: a entrada da igreja, no centro ou a saída da nave, no li-miar de eventuais capelas. Para qualquer decoração de teto, há um ponto de vista ideal. Aqui em São Francisco, parece que o eixo perpendicular ao chão passa pelo centro da composição, portanto o espectador deve colocar-se de tal modo que o seu olhar esteja num plano vertical; mas se o eixo não passa pelo centro temos apenas uma visão oblíqua, neste caso, o ponto de observação situa-se fora da pintura. É o que acontece aqui em São Francisco e em tantas pinturas do tipo ilusionista em Minas colonial. Este é o universo decorativo do professor Manuel da Costa Ataíde. Estamos diante de um processo entre o quadro recolocado e a pintura ilusionista do tipo zenital. Mas o quadro reco-locado é arquitetônico, tectônico e dentro do interesse do artista-decorador e de seus interlocutores; e esta vasta dimensão centralizada no teto é o centro de todas as preocupações. Seus tetos privilegiam o universo imagético e inscreve arquitetonicamente o tema instituído pelas gravuras. Não será o quadro cen-tral uma espécie de proximidade em relação ao mundo narrativo e historiado da Contra Reforma? É o princípio desde os fundamentos no século XVI em formas mais classicizantes após um Renascimento extremamente difuso na

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Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Terceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

Europa. Lembre-se, apenas, de que as orientações das figuras pictóricas estão dispostas para o fruidor que penetra no espaço arquitetônico. Em São Fran-cisco de Assis, somos inundados pela gigantesca rocalha que contém a Virgem e seus músicos num turbilhão de efeitos em constante movimento. Tudo se restabelece quando o fiel penetra no espaço real do edifício. Ataíde soube im-por esta situação. A quadratura é o revestimento, a ossatura ou a membrana arquitetónica que se abre perante o mundo imagético. Por isso, no documento da igreja do Carmo, é notória a diferença entre os espaços da arquitetura picta e os espaços brancos que devem aparecer para benefício e distinção da mesma pintura, fazendo-a sobressair. Pode entender-se que é um modo de diferenciar dois espaços: o tectônico e o simbólico do tema religioso. Perante todo este universo, este teto cumpre uma intensidade dramática inédita.

Os conceitos de Ataíde, suas escolhas e seus modelos foram sempre fiéis a essas fórmulas morfológicas. Sua maior preocupação foi com o centro da quadratura (talvez uma moldura bem formulada para a suntuosa rocalha central). A rocalha é engrandecida, se comparada a outros modelos coe-vos, e ainda mais elaborada. Talvez, aqui, uma espécie de liberdade barro-ca, como salienta Wittkower, assentada nos pressupostos do Rococó. Ora, Ataíde não está tornando sensível e presente o universo sagrado? Não é essa a cultura mineira dos séculos XVIII e XIX? Importa, realmente, assegurar ao Barroco ou ao Rococó esta paternidade? Para a Igreja, o ponto fulcral é somente atingir o fiel, seja por meio do sermão ou do olhar voltado para o alto, o universo pictórico da iconografia.

Assim, a representação de arquiteturas pictóricas e de um mínimo de refe-rência tratadística era, sem dúvida, comum a todos esses núcleos que, em fun-ção das suas realidades, construíam pequenos mundos, com as suas próprias aspirações estéticas alternativas, adquirindo a possibilidade de (re) elaboração autónoma – o que poderíamos chamar de processos operativos e não de sim-ples aplicação de normas ou regras preconcebidas. Na verdade, o que se impõe

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é o exercício de base teórica única que todos tiveram que procurar, isto é, o conhecimento da perspetiva – o seu funcionamento, o seu emprego e as suas capacidades – como ferramenta de persuasão. Neste caso, um fundamento comum à totalidade do mundo luso-brasileiro, é o contato específico com a teoria e a prática da representação perspetivada. Mesmo que o quadraturismo não tenha aqui se estabelecido diretamente, a partir dos modelos italianos, é bastante forte a influência da Europa nesta capitania, onde comerciantes tra-ziam, em seu retorno da Europa, gravuras, culturas diversas, formulários em universos pictóricos assistidos ou o fruto de uma vivência livresca comum à época. As Ordens Terceiras encontravam suas melhores soluções: a pintura de tetos, o uso de formas tridimensionais, a perspetiva que insinua tanto a ima-ginação ou a conjetura, criando uma relação com o simples ato de ver ou de experimentar oticamente, uma pintura disposta numa parede vertical.

A pintura de falsa arquitetura, em Minas Gerais, durante o período aqui analisado, não apresenta preocupações matematizadas. O professor Ataíde apresenta preocupação em impor uma perspetiva num sentido de importân-cia e sutileza na representação, em função da sua capacidade em relacionar o espaço interno com as pinturas parietais, o espaço real do templo e a mensa-gem espiritual que se pretende expor, uma história completa.

Homogéneo e pleno de finitude, o espaço pictórico reveste-se no sagrado que associa o desejo de ser divino (ou etéreo) e incorruptível com o tempo infinito do poder e da apologia da Igreja que, mesmo em pleno século XIX, conduz sua máxima expressão em Minas colonial numa espécie de último reduto da força e do poder papal.

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Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Terceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

FIGURA 1 – Igreja de São Francisco em Ouro Preto.Pintura do intradorso da nave por Manuel da Costa Ataíde (1801)

Fonte: LIMA, Renata (org.), 2011 Tetos do Brasil. São Paulo: Ed. Babel, 2011 (foto de Bruno Veiga).

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FIGURA 2 – Igreja de São Francisco em Ouro Preto.Pintura do intradorso da nave por Manuel da Costa Ataíde (1801)

Fonte: LIMA, Renata (org.), 2011 Tetos do Brasil. São Paulo: Ed. Babel, 2011 (foto de Bruno Veiga).

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FIGURA 3 – Igreja de São Francisco, Ouro Preto.Estudo provável da construção perspética

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SANTOS, Antônio Fernando Batista, 2002 – A igreja de Nossa Senhora do Carmo em Diamantina e as pinturas ilusionistas de José Soares de Araújo: identificação e caracterização (Dissertação de mestrado apresentada a Escola de Belas Artes - UFMG). Minas Gerais.

SANTOS, Antonio Fernando Batista, 2000 – “Artistas pintores do distrito diamantino, re-vendo atribuições”, in FLEXOR, Maria Helena (org.) – IV Colóquio Luso-brasileiro de his-tória da arte. Salvador: Reitoria da UFB.

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

Os bancos de espaldar da “Mesa” na Igreja da Ordem Terceira

Manuel Augusto Lima Engrácia Antunes

A tradição católica romana, ao longo da época moderna, parece desaconse-lhar, limitar e em muitos casos proibir a atitude sentada no interior dos templos.

Paralelamente, as tipologias dos móveis de assento: individuais ou coletivos, com ou sem espaldar, com ou sem braços; e os seus acessórios tais como su-pedâneos, degraus, espaldares e doceis serão objeto de estrita regulamentação.

Igualmente os espaços autorizados para cada tipo de assento seriam estabe-lecidos e hierarquizados.

Aos Leigos caberiam as mais severas restrições, com exceções para os di-tos “primeiros” de entre eles: a realeza, a nobreza titular, a magistratura, os “varões ilustres”. Enquanto uma Ordem de Leigos, a situação dos Terceiros Franciscanos assume neste particular especial relevância.

Estas notas pretendem contribuir para a interpretação do mobiliário de assento no espaço sacro, focando em especial o caso de uma tipologia – os bancos de espaldar, tendo em conta as peças sumptuosas que a Ordem Terceira de S. Francisco faz instalar na Capela-mor da sua Igreja privativa em 1798, para uso dos Irmãos da Mesa. Estes bancos de espaldar e o seu autor Luís Chiari foram já incluídos em vários estudos publicados, nomea-

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damente por parte de Pinto de Matos 1, Carlos Passos 2, Robert Smith 3, Maria Clementina Quaresma 4 e Paula Mesquita Santos 5.

Começaremos por uma tentativa de olhar para a tipologia em questão: os bancos de espaldar.

Seguidamente anotar a situação dos tipos de assento e dos espaços ocupados, provavelmente no caso de exceção mais emblemático em Portugal: a instalação do rei, do príncipe e dos infantes na capela-mor da Capela Real, neste caso em Mafra.

Finalmente, a modo de documentação anexa, transcrevemos um pequeno tex-to de introdução a uma edição dos meados do século XVIII dos Estatutos e Regra dos Terceiros Franciscanos, onde se espelham algumas das pretensões do Porto nestas época, as indulgências concedidas que recomendariam a assiduidade na igreja particular da Mesa e dos Irmãos. E um trecho das Constituições Sinodais do Porto regulamentando o uso dos móveis de assento nas igrejas da diocese.

“Do assento que há de ter o Bispo na sua catedral, e dos que hão de ter nela os Cardeais, Legados, Arcebispos, Prelados, Magistrados e varões ilustres[…]Se lhe há de levantar um trono de três degraus do pavimento ao menos […]Neste trono se há de por uma cadeira de espaldas, alta, e levantada, que faça majestade […]Os assentos dos mais, assim Príncipes, como Senhores Ilustres, Seculares, Nobres e Magistrados, etc., ainda que grandes, e levantados, se lhes devem pôr os assen-tos fora do Coro, e do Presbitério, como se dispõe nos sagrados Cânones” 6.

1 MATOS, 1880: 14-15.

2 PASSOS, 1931: 174-181.

3 SMITH, 1964.

4 QUARESMA, 1962.

5 SANT�S, 1995: 195-226, com os bancos ilustrados, fig. 1, p. 199.

6 ANDRADE, 1671: 93, 94 � 98.

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

“Que nas Igrejas se não assentem em cadeiras de espaldas, nem em tam-boretes, nem haja assentos própriosAs Igrejas são para se exercitar nelas atos de devoção, e humildade, e não de vaidade, e ostentação, e quanto maiores forem as pessoas, tanto maior é a obrigação, que lhes corre de darem exemplo aos outros. Por tanto mandamos sob pena de excomunhão maior, ipso facto incur-renda, e de trinta cruzados para as despesas da justiça, e acusador, que nenhuma pessoa Eclesiástica ou secular, de qualquer estado, ou condição que seja, enquanto se disser Missa, ou celebrarem os Ofícios Divinos, se assente em cadeiras de espaldas, ou tamboretes nas Igrejas deste nosso Bispado, ainda que sejam de Regulares, ou por outra via isentas, exceto os Cardeais, Patriarcas, ou Primazes, Arcebispos, Bis-pos, e Núncios Apostólicos, os quais conforme o Cerimonial Romano poderão estar sentados nas ditas cadeiras nos Presbitérios por cima dos degraus do altar-mor.”[…]“Porém as pessoas seculares, que por razão de suas dignidades podem conforme o dito Cerimonial, e direito ter as ditas cadeiras de espaldas, posto que sejam do hábito de qualquer das três Ordens Militares, as não poderão ter na Capela-mor, nem em outra qualquer, quando nela se celebrarem os Ofícios Divinos sob as ditas penas.E insistindo alguma pessoa em ter cadeira na Igreja, ou dentro na capela-mor, não lhe sendo lícito conforme esta disposição, manda-mos a cada um dos Párocos, e a quaisquer outros Sacerdotes Secula-res, ou Regulares, sob pena de excomunhão maior, e vinte cruzados por cada vez, que não digam Missa, nem façam os ofícios Divinos, até com efeito a tal pessoa obedecer, e nos avisem com brevidade, ou a nosso Vigário geral, para se proceder com agravação de censuras contra os ditos desobedientes” 7.

7 C�NSTITUIÇÕES, 1735: 424-425.

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“Todo o assento na Igreja é cerimonial, na medida em que quer o sa-cerdote quer os fiéis têm as suas partes designadas a desempenhar nos serviços. Apesar disso, o clero detinha assentos permanentes na igreja, que simbolizavam a autoridade santificada do seu ofício, muito antes de se pensar ser necessário quaisquer equipamentos para os leigos” 8.

1. O Banco de espaldar

O banco, que se pode definir como um assento baixo com ou sem espaldar, suficientemente comprido para acomodar mais de uma pessoa, seria conhe-cido já na Grécia, e surgiria mencionado na literatura grega como o tipo de assento em que as pessoas se sentavam ao ouvir os discursos dos filósofos e sofistas gregos, enquanto que o conferencista ocuparia um trono formal 9. Também são referidas as crianças na escola como sentando-se em bancos 10.

Existem muitos bancos de pedra em teatros e santuários gregos, na sua maioria datando do séc. IV para o séc. III a.C., com ou sem espaldares e braços 11. Os espaldares destes bancos, quando existem, são geralmente per-pendiculares, sem decoração, e os braços apresentam uma decoração em volutas na frente, tal como nas pernas na sua extremidade inferior 12.

Também entre os Etruscos o utilitário banco parece ter sido usado, tanto quanto na Grécia 13.

No período romano os bancos foram naturalmente também usados tal como o haviam sido na Grécia. Segundo Plauto, os bancos seriam olha-

8 GRAHAM, 1994: 14.

9 RICHTER, 1966: 47.

10 RICHTER, 1966: 47. RICHTER, 1966: 47.

11 RICHTER, 1966: 47. RICHTER, 1966: 47.

12 RICHTER, 1966: 47. RICHTER, 1966: 47.

13 RICHTER, 1966: 90. RICHTER, 1966: 90.

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dos como os assentos dos humildes, provavelmente com razão, pelo pouco conforto que teriam para oferecer 14.

Bancos de pedra em volta das paredes seriam usados pelos estudantes para ouvir as palestras dos conferencistas, encontrando-se igualmente nos vestí-bulos de templos e câmaras sepulcrais 15. É muitas vezes difícil determinar o período exato ao qual estes bancos pertencem, pois o desenho é praticamente sempre o mesmo, com pernas em forma de volutas ou pernas de animal, e por vezes braços em forma de voluta, aparecendo com e sem espaldares 16.

Na tradição Ocidental, vemos desenhar-se uma hierarquia nos móveis de assento, segundo a qual:

• um assento individual é mais importante que um assento coletivo;

• um assento com espaldar e braços é mais importante que um assento só com espaldar;

• um assento com espaldar é mais categorizado que um assento raso.

Assim, uma cadeira com braços, teria uma categoria superior a uma cadeira sem braços; uma cadeira sem braços seria superior a um banco ou a um tam-borete; por sua vez um tamborete seria superior a um banco; e um banco de espaldar superior a um banco raso 17.

Para além destas diferenças de tipologia dos assentos, a hierarquia dos assentos seria ainda marcada pela presença de outros equipamentos – de elevação, e de armações têxteis.

Penélope Eames 18, ao abordar o panorama da Europa medieval, tendo

14 RICHTER, 1966: 104. RICHTER, 1966: 104.

15 RICHTER, 1966: 104. RICHTER, 1966: 104.

16 RICHTER, 1966: 104. RICHTER, 1966: 104.

17 GRAHAM, 1994: 6. GRAHAM, 1994: 6.

18 EAMES, 1977. EAMES, 1977.

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em linha de conta os casos da Inglaterra, França e Borgonha identifica os bancos e tamboretes como as formas mais correntes de assentos na Idade Média, sendo o banco considerado superior ao tamborete 19.

Refere igualmente que por vezes as regras de precedência forçariam gran-des senhores a ocuparem os mais humildes destes assentos, como se verifi-caria numa citação do célebre dicionário de H. Havard ao descrever como o Carlos o Temerário, teria jantado com os Duques de Berry e da Bretanha, dando-lhes a honra do banco enquanto ele próprio e o Duque da Calábria se sentariam na sua frente em tamboretes 20.

Os bancos seriam frequentemente usados pelos grandes senhores para jan-tarem, com a precedência assinalada pela presença de doceis acima da posição das pessoas presentes, como se pode ver nas iluminuras e pinturas 21.

Tal como acontecia no caso das cadeiras, a presença de um taburno (nor-malmente fixado ao banco) era importante em contextos deste tipo 22. Há uma quantidade de testemunhos escritos a respeito de bancos, formas e tamboretes, embora a maioria das referências não incluam qualquer tipo de descrição 23. Bancos e tamboretes seriam usados quer em átrios quer em câmaras, e os bancos de câmara eram muitas vezes dispostos em redor das paredes como cadeiras de coro eclesiásticas 24.

Clare Graham 25, ao tratar de cadeiras cerimoniais e comemorativas na Grã--Bretanha, no capítulo respeitante às catedrais e igrejas 26, dedica sobretudo atenção aos assentos destinados aos membros do clero que presidiam, clara-

19 EAMES, 1977: 202 � b�n�h�s, �orms and stoo�s. EAMES, 1977: 202 � b�n�h�s, �orms and stoo�s.

20 EAMES, 1977 : 202. EAMES, 1977 : 202.

21 EAMES, 1977 : 202. EAMES, 1977 : 202.

22 EAMES, 1977 : 202. EAMES, 1977 : 202.

23 EAMES, 1977 : 202. EAMES, 1977 : 202.

24 EAMES, 1977: 203. EAMES, 1977: 203.

25 GRAHAM, 1994: 14. GRAHAM, 1994: 14.

26 GRAHAM, 1994, �ap�t��o II, Cath�dra�s and Ch�r�h�s, p. 14. GRAHAM, 1994, �ap�t��o II, Cath�dra�s and Ch�r�h�s, p. 14.

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mente expressivos do conceito de autoridade, mas inclui igualmente assentos distintivos para certos oficiais leigos, dividindo este capítulo sobre assentos eclesiásticos em duas secções: assentos fixos e assentos móveis 27.

Esta autora refere que os bancos para os leigos começariam a surgir no sé-culo XIV, embora as pessoas de consideração tivessem sem dúvida já ante-riormente, as suas próprias instalações 28. Estes equipamentos poderiam ser permanentes e imponentes nas suas capelas privadas, ou nos seus lugares nor-mais de culto, como seria o caso das cadeiras de coro fornecidas para o rei e a rainha na igreja na Torre de Londres, nos meados do século XIII 29.

Compartimentos ou “currais” privados ou “assentos separados” para os mais abastados surgiriam primeiramente referidos no final do período me-dieval 30. Esta ideia espalhar-se-ia rapidamente no séc. XVI para responder a exigências individuais: e numa igreja do Lincolnshire uma família teria mes-mo um compartimento suplementar para instalar os seus cães até ao início do séc. XIX 31. O compartimento do senhor local seria frequentemente decorado com o seu brasão de armas, e sobre-elevado ou de outra forma distinto arqui-tetonicamente dos restantes assentos 32.

Outros compartimentos em igrejas paroquiais poderiam reservar-se a al-gum uso especial, por exemplo para mulheres ou para os membros da co-munidade ligados à fábrica da igreja 33. Estes últimos poderiam distinguir-se pelas varas de ofício colocadas ao seu lado 34.

27 GRAHAM, 1994: 14. GRAHAM, 1994: 14.

28 GRAHAM, 1994: 17. GRAHAM, 1994: 17.

29 GRAHAM, 1994: 17. GRAHAM, 1994: 17.

30 GRAHAM, 1994: 17. GRAHAM, 1994: 17.

31 GRAHAM, 1994: 17 � 19. GRAHAM, 1994: 17 � 19.

32 GRAHAM, 1994: 19. GRAHAM, 1994: 19.

33 GRAHAM, 1994: 19. GRAHAM, 1994: 19.

34 GRAHAM, 1994: 19. GRAHAM, 1994: 19.

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Os oficiais do governo local poderiam igualmente possuir os seus compar-timentos próprios 35. Também neste caso, estes seriam numa posição dianteira e muitas vezes sobre-elevados ou distintos de outra forma arquitetónica 36.

Aproximando estas referências medievais da utilização na época moderna, no contexto do interior sacro, podemos considerar testemunhos importantes em Portugal entre o século XVI e o século XVIII, com a presença de bancos de es- século XVIII, com a presença de bancos de es- XVIII, com a presença de bancos de es-paldar situados numa clara hierarquia, entre cadeiras, bancos rasos e tamboretes.

Em 1557 existe registo de um conflito que opôs o Bispo do Porto, Dom Rodrigo Pinheiro e os Vereadores e mais Oficiais da Câmara, quanto aos seus assentos na Sé do Porto, quando vinham com as insígnias da cidade e varas na mão, em corpo da Câmara 37. Os Vereadores e Oficiais da Câmara costu-mavam sentar-se em banco 38. Pretendiam passar a sentar-se em cadeiras de espaldas 39. Conseguiriam despacho favorável do Rei, com uma ressalva – as cadeiras poderiam ser usadas, mas colocadas em fio, umas ao direito das ou-tras a modo de banco, que tudo parecesse um corpo 40.

Em 1685 nova questão em relação ao uso de cadeiras de espaldas na Sé do Porto, por parte de Vereadores e Oficiais da Câmara 41. Nas solenidades em que estivesse o Senhor exposto, as cadeiras deveriam ser razas [provavel-mente tratar-se-ia de tamboretes] 42.

Durante o século XVII e grande parte do século XVIII, o Cabido da Sé de Lamego e os Oficiais da Câmara ter-se-iam envolvido numa polémica arrastada que visaria o uso de cadeiras de espaldas na Sé – uma reivindica-

35 GRAHAM, 1994: 19. GRAHAM, 1994: 19.

36 GRAHAM, 1994: 19. GRAHAM, 1994: 19.

37 ANTUNES, 2007, vo�. I, 545, � ANTUNES, 2007, vo�. I, 545, � Corpus Codicorum, p. 7.

38 ANTUNES, 2007, vo�. I, 545. ANTUNES, 2007, vo�. I, 545.

39 ANTUNES, 2007, vo�. I, 545. ANTUNES, 2007, vo�. I, 545.

40 ANTUNES, 2007, vo�. I, 545. ANTUNES, 2007, vo�. I, 545.

41 ANTUNES, 2007, vo�. I, 545, � ANTUNES, 2007, vo�. I, 545, � Corpus Codicorum, p. 159.

42 ANTUNES, 2007, vo�. I, 545, � ANTUNES, 2007, vo�. I, 545, � Corpus Codicorum, p. 159.

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ção antiga, à qual o cabido de Lamego sempre se tinha oposto 43. Existem ainda no Museu de Lamego três grupos de bancos de espaldar - um par, um conjunto de oito, e um isolado. Segundo João Amaral, citado por Celi-na Bastos, os bancos teriam sido feitos em 1736 por encomenda do Cabi-do, tendo sido provavelmente feitos no Porto. Nesse mesmo ano, segundo a mesma fonte teria sido encomendado um bufete ainda existente 44. No início do século XX um conjunto de oito bancos de espaldar e o bufete encontrar-se-iam ainda na Casa do Cabido.

Em 1762, fora da Igreja, mas respeitando à Casa do Despacho da Irmandade dos Clérigos, no Porto, são encomendados ao Mestre Manuel Moreira Dias, assentos, respeitando a duas cadeiras de braços, e seis bancos de encosto 45.

Em 1773, perante nova tentativa por parte dos Oficiais da Câmara de Lamego, o Cabido declararia ao Rei, que “em todas as funções da sua as-sistência lhe mandava pôr (aos Oficiais) prontos assentos cobertos de ve-ludo e franjados de ouro, que são os mais decentes, e decorosos, que tem a Catedral, e em que o mesmo Cabido se assenta nas maiores solenidades”, tratando-se de bancos de espaldar, com as respetivas capas 46. Os bancos de espaldar teriam sido muito usados nos séculos XVII e XVIII, por parte do clero secular, por parte de Irmandades, Misericórdias e Confrarias, por parte dos Procuradores do Povo 47.

43 �AST�S,1999: 45-48, entrada das peças 3ª, 3b e 3c, �AST�S,1999: 45-48, entrada das peças 3ª, 3b e 3c,

44 BASTOS,1999: 47-48, �ntradas �itadas. BASTOS,1999: 47-48, �ntradas �itadas.

45 ANTUNES, 1998, vo�, I, 52; COUTINHO, 1965: 284. ANTUNES, 1998, vo�, I, 52; COUTINHO, 1965: 284.

46 BASTOS,1999: 48. BASTOS,1999: 48.

47 BASTOS, 1999 : 47. BASTOS, 1999 : 47.

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2. Topografia cerimonial 48

Altar-morOs principais altares das Igrejas, ou seja aqueles onde se fazem ordinariamen-

te os Ofícios públicos e solenes 49.

Dissertação sobre os principais altares das Igrejas

A parte mais nobre e a mais essencial dos Altares, é a que é chamada por Santiago - a Mesa celeste: Caelestis mensa; por S. Gregório de Nissa e pelo Papa Nicolau I – a santa Mesa: Mensa Sancta; por S. Optat a sede do corpo e sangue de Jesus Cristo, de onde os justos recebem o penhor da salvação eterna, a defesa da fé e a esperança da Ressurreição: Sedes et corporis at sanguinis Christi unde à multis pignis salutis aeterna et tutela fidei, et spes ressurrectionis accepta est; por Stº Agostinho e por S. Leão – a mesa sagrada: Mensa sacra; por Teodoreto, a mesa mística: Mensa mystica; e por Simeão Arcebispo de Tessalónica, o Santo dos Santos, a cátedra e o assento de Deus, o repouso, o propiciatório e a oficina do grande sacrifício, o túmulo de Jesus Cristo e o tabernáculo da sua glória : Sancta Sanctorum, cathedra, locus Dei, requies, propitiatorium, magni Sacrificii officina, Christi monumentum et ejus gloria tabernaculum 50.

48 S�bt�t��o �sado por HAMELINE, 2001: 351- 355. S�bt�t��o �sado por HAMELINE, 2001: 351- 355.

49 THIERS, 1688, pref�cio – �[�] les Principaux Autels des Eglises, c�est-�-dire ceux o� l�on fait THIERS, 1688, pref�cio – �[�] les Principaux Autels des Eglises, c�est-�-dire ceux o� l�on fait ordinairement les �ffices publics et solemnels.�

50 THIERS, 1688: 2, �ap. I. THIERS, 1688: 2, �ap. I.THIERS, 1688: 2, �ap. I.: 2, �ap. I.

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

As Igrejas Catedrais eram o modelo e a regra das outras Igrejas, os Altares das Igrejas Catedrais eram igualmente o modelo e a regra dos Altares das outras Igrejas, os quais por conseguinte não tinham mais Retábulos que os Altares das Igrejas Catedrais 51.

Vários autores têm tratado a questão da ocupação e utilização da capela--mor, geralmente reservando-a exclusivamente para clérigos, e relegando os leigos para a nave, ou corpo da igreja 52.

Propomos aqui, a título de exemplo, a consideração dos assentos para cléri-gos e leigos na Capela Real, nas cerimónias da sagração da basílica de Mafra, em Outubro de 1730 53.

“Os degraus do Altar eram dois, os quais estavam cobertos com uma riquís-sima alcatifa, o pavimento do Presbitério, e mais casa estava de pano verde.[…]Na parede lateral da parte do Evangelho estava levantado um Trono Pon-tifical de três degraus cobertos de pano encarnado, sobre ele a Sede Ponti-fícia coberta de brocado carmesim, com os seus dois degraus de diante, o fixo coberto de pano, e o móvel de veludo carmesim, e dois escabelos pin-tados aos lados, encostados ao espaldar do docel, que todo era de brocado carmesim com franjas de ouro.Junto do Trono Pontifical, ao seu lado direito, no mesmo pavimento, e altura de degraus iguais ao mesmo Trono, estava o de Sua Magestade, e Altezas com docel, e espaldar de veludo carmesim, guarnecido de ouro,

51 THIERS, 1688 : 182, cap. XXIII – Les contre-Autels, ou Retables des Autels [�] – Et comme THIERS, 1688 : 182, cap. XXIII – Les contre-Autels, ou Retables des Autels [�] – Et comme ��s É��is�s Cathédra��s étoi�nt �� modè�� �t �a ré��� d�s a�tr�s É��is�s, ��s A�t��s d�s É��is�s Ca-thédra��s étoi�nt a�ssi �� modè�� �t �a ré��� d�s A�t��s d�s a�tr�s É��is�s, ��s����s par �ons����nt n’avoi�nt non p��s d� R�tab��s ��� ��s A�t��s d�s É��is�s Cathédra��s.

52 ERLANDE-BRANDENBURG,1989. CHEDOZEAU, 1998. PALACIO, 1998. GOMES, 2001: 29- ERLANDE-BRANDENBURG,1989. CHEDOZEAU, 1998. PALACIO, 1998. GOMES, 2001: 29-CHEDOZEAU, 1998. PALACIO, 1998. GOMES, 2001: 29-61. �ARTINS, 1994, 2.ª parte, p. 964-965, e 971, quanto �s tribunas instaladas na parte superior das par�d�s �at�rais da Cap��a mor; � 2000/01, p. 7-33. ANTUNES, 2007, vo�. I: 499 � Os ass�ntos do patim a�to, � p. 513 � O Coro baixo � os s��s ass�ntos.

53 PRADO, 1751: 19. PRADO, 1751: 19.

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Manuel Augusto Lima Engrácia Antunes

quatro cadeiras camerais de veludo da mesma cor, e do lado esquerdo o genuflexório coberto com um pano de veludo: oito coxins, quatro em baixo para ajoelharem, e quatro em cima para se encostarem.Abaixo deste Trono à parte direita estava disposta uma quadratura de bancos de encosto cobertos de razes, e os dois degraus dele de pano verde, para se assentarem os Cónegos.Ao lado esquerdo do sólio estavam bancos razos para os Beneficiados assistentes, cobertos de pano verde, e diante do lugar do primeiro a lan-terna com sua vela dentro, e em cima um coxim recamado de ouro car-mesim, com o Pontifical coberto com pano da mesma matéria: junto da almofada a candela apagada.Detrás dos bancos Diaconais estavam outros de encosto cobertos de rás, com um só degrau nú, para os Beneficiados não assistentes, e Notários.Defronte do Trono Pontifical estavam dois bancos razos de dois palmos de altura, cobertos de pano verde, para neles se assentarem os Capelães do Ilustríssimo e Reverendíssimo Patriarca: abaixo dos bancos Presbiterais estavam uns bancos para os nobres, que o acompanhavam, cobertos de razes com seu degrau nú.Detrás dos bancos Diaconais, abaixo dos bancos dos Notários, estava o Coreto para os Cantores coberto de razes.As cadeiras razas, e bancos para a Corte de Sua Magestade estavam nos lugares costumados, como na planta se mostra.Diante do Altar defronte do Trono Pontifical estava o genuflexório de pau dourado com as suas almofadas de brocado carmesim para o Ilustríssimo e Reverendíssimo Patriarca fazer oração.Junto à parede lateral do lado da Epístola estava uma credencia de oito palmos de comprimento, coberta com toalha crespa, a qual pendia de todos os lados até ao pavimento; sobre ela estava o cofre forrado de ve-ludo carmesim […] Junto desta credencia estava um bufete de cinco palmos coberto de ve-ludo carmesim franjado de ouro, cuja cobertura estava feita em forma, que igualmente de todos os lados chegava ao pavimento; sobre a qual o

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

Ilustríssimo e Reverendíssimo Patriarca, assentado na cadeira gestatória escreveu, se fez a sigilação, e se colocarão as relíquias nas caixas.Outro bufete de seis palmos coberto do mesmo veludo com franja do mesmo, sobre o qual estava o Féretro, que era de pau coberto de veludo carmesim, guarnecido de ouro, e soco no meio para se pôr o cofre das relíquias.Na parte colateral da parte da Epístola estava a sede gestatória com dois escabelos aos lados.Junto dos degraus do Altar da parte do Evangelho estava o cepo para a Cruz Pontifical[…]Das preparações para a Sagração da Igreja no dia seguinteO Trono Pontifical era de tela branca, e da mesma o docel, e espaldar, ficando o de Sua Magestade o mesmo, de que acima se faz menção”

Segundo este cerimonial da Capela Real em 1730, podemos considerar uma diferenciação marcada: pelas tipologias dos assentos; pela qualidade dos têx-teis e as cores das armações ou guarnição desses assentos; pelo mobiliário de elevação – ter ou não degraus, e ter tecido ou não no revestimento dos degraus, e sua coloração; pela presença de mobiliário e acessórios ligados aos assentos – genuflexórios, almofadas, coxins.

Podemos assim identificar:

TIPOLOGIAS DE TRONOS:

Eclesiásticos– trono do Patriarca;Leigos– trono do Rei, do Príncipe e Infantes.

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TIPOLOGIAS DE MÓVEIS DE ASSENTO:

Eclesiásticos– sede pontifícia– sede gestatória– bancos de espaldar: para os Cónegos, Beneficiados não assis-tentes e Notários;– bancos rasos : para os Beneficiados assistentes, Capelães, Leigos– cadeiras “camerais”– bancos rasos: para os Nobres– cadeiras rasas: para a Corte.

TIPOLOGIAS DE ANEXOS DOS MÓVEIS DE ASSENTO:

Eclesiásticos– genuflexório– almofadasLeigos– genuflexório– coxins

TÊXTEIS DE ARMAÇÃO E GUARNIÇÃO DOS ASSENTOS:

Eclesiásticos– brocado– tapeçaria de liço (raz)– pano verdeLeigos– veludo– tapeçaria de liço (raz)– pano verde

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

PAVIMENTO E DEGRAUS:

Eclesiásticos– degraus do altar– degraus do trono do Patriarca– degraus dos bancos de espaldar– degraus dos bancos razosLeigos– degraus do trono do Rei, Príncipe e Infantes– degraus dos bancos de espaldar– degraus dos bancos razos

TÊXTEIS DE REVESTIMENTO DOS DEGRAUS E PAVIMENTO

Altar– alcatifa ricaEclesiásticos– veludoLeigos– pano verde– sem revestimento (degraus nus)

OS CONJUNTOS DIFERENCIADOS DE TRONOS INCLUEM:

Doceis– armação de doceis, com espaldar e sobrecéu : brocado para o Patriarca; veludo para a família real;Degraus– três degraus para o trono do Patriarca; degraus para os tronos da família real;– revestimento têxtil dos degraus fixos e móveis para o Patriarca; para a família real.

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Manuel Augusto Lima Engrácia Antunes

Assentos– mobiliário de assento – a sede pontifícia para o Patriarca; e cadeiras camerais para a família real;– armações e guarnição têxteis nos assentos.Mobiliário anexo aos móveis de assentoGenuflexórios para o Patriarca e para a família realAlmofadasCoxinsNos têxteis – Matérias-primas e cor.

OS BANCOS DE ESPALDAR DIFERENCIADOS INCLUEM:

Degraus– dois degraus para os bancos dos Cónegos– revestimento têxtil dos degraus – pano verde;– um degrau nú para os Beneficiados não assistentes e NotáriosAssentos– bancos de espaldar– armações de tapeçaria de liço.Nos têxteis – Matérias-primas e cor.

OS BANCOS RAZOS INCLUEM:

Degraus

No topo desta hierarquia teríamos o ‘trono’, que surge como uma designação de móvel de assento ligada à função 54: assento destinado a um alto persona-gem no exercício das suas funções 55. A maior parte das vezes surge colocado sobre um estrado ao qual se acede por degraus, e geralmente é encimado por

54 RE�NI�S, 1992 : 43. RE�NI�S, 1992 : 43.

55 RE�NI�S, 1992 : 43. RE�NI�S, 1992 : 43.

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

um docel 56; ou seja: uma cadeira de braços, elevada sobre degraus, e coberta com tecido. Tendo por detrás um espaldar e por cima um docel também de tecido. Os degraus por sua vez seriam atapetados com têxteis.

Ladeando a cadeira do trono, em nível inferior, geralmente encontramos dois tamboretes”.

3. Terceiros Franciscanos no Porto na 2.ª metade do século XVIII

“Prolóquio

Sendo esta nobre, e fidelíssima Cidade do Porto a segunda do feliz Reino de Portugal, e que, à proporção, pode aspirar a igualdade da Corte; pois os seus moradores, os seus templos, e edifícios, o seu comércio, e o seu fausto a consti-tuem, sem desvanecimento, grande: não é nela menos avultado o zelo do Culto Divino, e o fervor da devoção, e piedade, que como glorioso espírito lhe anima a formosa simetria, e estrutura do seu corpo; pois ainda o material, e o insensível sabem achar eloquente estilo, com que louvam ao seu Criador Soberano, em desempenho do Profeta Coroado: Laudate Dominum de Terra, [Ps.148].

A devoção, porém, que se faz mais transcendental, e que, em espiritual pro-pagação, se arrimou mais nobremente fecunda nesta Cidade, foi a dos Filhos Terceiros do humano Serafim o Glorioso patriarca S. Francisco: pois com aquela emulação santa, que aos Coríntios persuadia o Apóstolo das Gentes : Aemulamini autem charismata meliora, parece, que desatinam todos o cami-nho da salvação, se o não buscam à luz da humildade de Francisco, que sabe dirigi-los pelo mais excelente: Et adhuc excellentiorem viam vobis demostro.

56 RE�NI�S, 1992 : 43. RE�NI�S, 1992 : 43.

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E com razão; porque o Céu, querendo formar em Francisco um especial portento da Graça, dispôs, que não houvesse sexo, estado, ordem, ou hierar-quia, que a si não atraísse, ligados com o cordão de Francisco, que vale o mes-mo, que com os vínculos, e nós indissolúveis do amor, e da caridade: In funi-culis Adam traham eos, in vinculis charitatis [Osee cap. II, n.º 4].

E como Francisco havia de ter Filhos primeiros, segundos, e terceiros; para que a Ordem do seu espiritual nascimento não introduzisse alguma desconsolação no logro das regalias, destinou a Suma Providência a cada Ordem outro especial vínculo, ou morgado tão rico, nobre, e glorioso, que cada qual arroga a si as prerrogativas de primeira, ainda sem confundir os números da sua descendência.

Referem Alva, Carrilho, e o Excelentíssimo Senhor Bispo Cornejo, que o nos-so Patriarca relevara a um seu devoto, que a impressão gloriosa das cinco Cha-gas, com que o Senhor lhe clarificou, e ilustrou o corpo, fora feita em três actos separados, e distribuídos, e com intervalo de tempo entre um, e outro, como expressos prémios para as três Ordens de seus Filhos. O primeiro foi o das Mãos para os primeiros Filhos; porque estes haviam de ter sempre as suas como crava-das para o exercício dos bens temporais. O segundo foi o dos Pés para os Filhos segundos; porque estes os não haviam de ter sempre presos no voto de clausura. O terceiro foi o do Lado para os Filhos Terceiros; porque no peito reside o amor, só o amor, e caridade, havia de ter unidos a estes Filhos ditosos.

E simbolizando-se nestas três Ordens as três Divinas Pessoas (como escreveu o Douto Arbiol) ou ilustrando especialmente o Padre com o seu poder a pri-meira Ordem; o Filho com a sua sabedoria a Ordem segunda; e o Espírito Santo com o seu amor a Terceira Ordem: assim como entre a Trindade Santíssima não há primazia, ou maioria, assim também, com a proporção devida, cada uma das três Ordens de Francisco, sem derrogar de seus Irmãos as preeminências se satisfaz com as próprias glórias, como se todas fossem as primeiras; porque a

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

humildade, em que se fundam, é a maior elevação, a que se exaltam.Sendo, pois, o mais firme estabelecimento de todas as Ordens a bem or-

denada disciplina, e disposição da Regra, porque se hão de governar, e a que hão-de obedecer; e o decurso dos tempos faz em alguns casos ser preciso a variação, ou reforma dos preceitos; de unânime consenso se determinou, que os Estatutos, que havia nesta Ordem se reduzissem a nova forma, em que, emendando-se, e acrescentando-se o que pareceu mais justo, e congruente ao bom governo, se dessem à estampa, para que mais facilmente pudessem todos ter notícia da forma, que hão de guardar, e em que hão de viver, para que, como Filhos do Grande Francisco, encaminhem as suas ações pela via da perfeição, que os conduza felizmente à gloriosa estação da Bem-aventurança. O que se faz na forma seguinte” 57.

“Indulgências

O Exmo. e Rmo. Senhor Lucas dos Marqueses Tempi Arcebispo de Nicomé-dia, Núncio Apostólico neste Reino de Portugal, concedeu a todos os nossos Irmãos, que em cada um dia assistirem aos exercícios espirituais, que se fazem na nossa Igreja em todo o tempo do ano, 50 dias de Indulgência na forma costumada da Igreja, e aos que fizerem no tempo da Quaresma, e da Semana santa, 100 dias. Aos que vierem devotamente à Procissão de Cinza 300 dias.

E assim mais a todos os Cristãos, de um e outro sexo, que confessados, e comungados, visitarem a nossa Igreja no dia de Sta. Isabel Rainha de Portugal, e rogarem a Deus na forma costumada da Igreja, 5 anos de Indulgência. Foi esta graça concedida em 26 de agosto de 1751.

Item concedeu mais 100 dias de Indulgência na forma costumada da Igreja

57 ESTATUTOS ESTATUTOS, 1751.

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a todos os nossos Irmãos em cada uma das vezes que acompanharem os nos-sos Irmãos defuntos. Foi esta graça concedida em 29 de outubro de 1751.

O que tudo consta dos despachos Originais juntos às petições, que se con-servam guardados no nosso Cartório. [Bento XIV]” 58.

“Título IX – Da Reverência, e Imunidade devida às Igrejas, e lugares Sagrados[…]Constituição IV – Que nas Igrejas se não assentem em cadeiras de espaldas, nem em tamboretes, nem haja assentos próprios

As Igrejas são para se exercitar nelas atos de devoção, e humildade, e não de vaidade, e ostentação, e quanto maiores forem as pessoas, tanto maior é a obri-gação, que lhes corre de darem exemplo aos outros. Por tanto mandamos sob pena de excomunhão maior, ipso facto incurrenda, e de trinta cruzados para as despesas da justiça, e acusador, que nenhuma pessoa Eclesiástica ou secular, de qualquer estado, ou condição que seja, enquanto se disser Missa, ou celebrarem os Ofícios Divinos, se assente em cadeiras de espaldas, ou tamboretes nas Igrejas deste nosso Bispado, ainda que sejam de Regulares, ou por outra via isentas, ex-ceto os Cardeais, Patriarcas, ou Primazes, Arcebispos, Bispos, e Núncios Apos-tólicos, os quais conforme o Cerimonial Romano poderão estar sentados nas ditas cadeiras nos Presbitérios por cima dos degraus do altar-mor.

Os nossos Visitadores, quando forem por visitação a algum lugar; os Páro-cos, quando estiverem fazendo estação; e fora do tal ato se não assentarão em cadeira, sob pena de se lhes dar em grave culpa, porém os tais não poderão estar no Presbitério, mas por baixo dos degraus do altar-mor.

Os Inquisidores Apostólicos, quando estiverem em alguma Igreja fazendo

58 ESTATUTOS ESTATUTOS, 1751.

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

ato, ou diligência do Santo Ofício; e todas as mais pessoas, a que conforme o Cerimonial Romano, e direito é lícito estar assentado nelas nas Igrejas.

Porém as pessoas seculares, que por razão de suas dignidades podem con-forme o dito Cerimonial, e direito ter a ditas cadeiras de espaldas, posto que sejam do hábito de qualquer das três Ordens Militares, as não poderão ter na Capela-mor, nem em outra qualquer, quando nela se celebrarem os Ofícios Divinos sob as ditas penas.

E insistindo alguma pessoa em ter cadeira na Igreja, ou dentro na capela--mor, não lhe sendo lícito conforme esta disposição, mandamos a cada um dos Párocos, e a quaisquer outros Sacerdotes Seculares, ou Regulares, sob pena de excomunhão maior, e vinte cruzados por cada vez, que não digam Missa, nem façam os ofícios Divinos, até com efeito a tal pessoa obedecer, e nos avisem com brevidade, ou a nosso Vigário geral, para se proceder com agravação de censuras contra os ditos desobedientes.

E proibimos, sob pena de excomunhão maior, e de dez cruzados, aplicados na forma sobredita, que nenhum homem, de qualquer qualidade que seja, tenha na Igreja assento próprio, e particular apropriado para si, nem as mu-lheres estrados, mas os assentos sejam comuns, e iguais para todos, e havendo alguns assentos, ou estrados próprios, os nossos Visitadores os mandarão ti-rar, e lançar fora com brevidade.

E achando os ditos nossos Visitadores, que os caixões das Confrarias, Irman-dades, e assentos dos oficiais delas estão em parte, onde fazem impedimento, ou ocupam muito a Igreja, os mandarão mudar para outra parte, ou tirar” 59.

59 C�NSTITUIÇÕES C�NSTITUIÇÕES, 1735: 424-425.

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Conclusão

A consideração de duas obras-primas de obra de ensamblagem e de ta-lha no Porto neoclássico, encomendadas pela Mesa dos Terceiros Fran-ciscanos no final do séc. XVIII, instaladas na capela-mor da sua igreja particular para seu uso cerimonial – bancos de espaldar - parecem poder ficar enriquecidas ao perspetivar, por um lado, esta tipologia de móveis de assento, e o seu posicionamento privilegiado numa dita “topografia ceri-monial”, sobretudo tratando-se de Leigos.

A comparação ainda se pode estender ao nível superior do laicado, com um caso emblemático na corte de D. João V.

Dois textos incluídos são considerados igualmente peças importantes para o entendimento desta encomenda portuense.

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Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista.

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Manuel Augusto Lima Engrácia Antunes

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Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre

a qualidade construtiva de seu edifícioMarcelo Almeida Oliveira

Contextualização

Ao ler sobre arquitetura e/ou urbanismo do período colonial brasileiro, é notória a escassez de informações a respeito da atuação conjunta de empreen-dedores, artistas e/ou artífices em antigos núcleos urbanos.

Por sua vez, verificam-se questões que nos parecem bastante recorrentes nos textos sobre as realizações desse período, como a afirmação da geniali-dade em torno daqueles artistas que primavam por seus conhecimentos, suas técnicas e pelo arremate em suas obras. É ainda comum observar nessas refe-rências a exaltação de obras ou edifícios considerados excecionais sob o ponto de vista de valores artístico e histórico.

Diante desse quadro, propomos contribuir para o aprofundamento do estudo da arquitetura e do urbanismo de modo mais amplo; focando não somente o fato excecional, o erudito, mas buscando compreender a qualidade da construção co-lonial por meio de análise de procedimentos usuais, como a elaboração dos con-tratos de serviços que possibilitaram a realização de edificações de inegável beleza.

Assim, detivemo-nos no material apurado pelo Cônego Raimundo Trinda-de, sobre a construção da Capela de São Francisco de Assis, em Ouro Preto.

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Marcelo Almeida Oliveira

QUADRO 1 – Contratos ou Termos de Ajustamentos . Capela de São Francisco de Assis, Ouro Preto

ANO CONTRATO ARREMATANTE

1766 “Condiçoens eadevertençias sobre o Risco p.r donde seha-de rematar aobra daCapella daveneravel ordem 3ª deS.Francisco de Va. Rica”. Auto de Arrematação por Concor-rência Pública. (TRINDADE, 1951: 294-300).

Domingos Moreira de Oliveira

1772 “Condiçoens p.a se rematarem as Abobadas dos Corredores, eBarrete da Capella Mor da Igreja do Patriarca S. francisco de Tijolo, cal, etc” (TRINDADE, 1951: 334-338).

Henrique Gomes de Brito

1773 “Condiçõens comque Se rematou apintura e douramento da CapelaMor de S. Francisco em preço de 400$000 rs” (TRINDA-DE, 1951: 391-393).

João Batista de Figueiredo

1774 “condiçoens pelas quais Sehá defazer anova Portada daCapela de N. Snr.a dos Anjos da Ordem 3ª de S. Fran.co desta V.a Rica” (TRINDADE, 1951: 376).

José Antônio de Brito

1790 “Ajustou esta Ven.el ordem o retabolo da Capela Mor com Antonio Francisco Lisboa em 18 de Outubro de 1790 conforme as Condiçoens que se achão nesta mesma ordem pela quantia de 1:750$000” (TRINDADE, 1951: 379).

Antônio Francisco Lisboa

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Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

ANO CONTRATO ARREMATANTE

C.1794 “Auto de Rematação das grades, deferro para anova Igreja” (TRINDADE, 1951: 345-346).

Baltazar Gomes de Azevedo(Freguezia de Santa Maria do Fromedo, Vila de Cabuais, Bispado do Porto, Província do Douro)

C.177? “Condiçõens, pelas quaes Sehá de Rematar afactura das ba-randas depedra por sima dos Corredores da Capela do Patriar-ca S. Francisco de Va. Ra.” (TRINDADE, 1951: 351-354).

?

1801 “Deve o Alferes Manoel da Costa Atahide morador na Cidade Marianna a Conta dos Donheiros que recebe por conta do ajuste da obra do Douramento da Capela Mor e mais Pintura comforme as condiçõens da dita obra (...)” (TRINDADE, 1951: 405).

Alferes Manoel da Costa Athaide

1823 “Condiçoins do Ajuste daObra das Sinco portas, edas quatro janellas do Coro, q faz esta Veneravel Ordem 3ª dePenitencia de S.m Francisco de Assis desta Imperial Cidade do Ouropreto, com o offecial Lucas Evangelista de Jesus, declaradas emo Termo pella Meza dada. Ordem, no Livro delles afolhas 218,vo asquais ficaõ no Arquivo da Ordem assignadas pello dito Offiçial, esseo fiador Cap.m Manoel d’Asemçam Crus, naforma abaixo declarada (...)”(TRINDADE, 1951: 355-357).

Lucas Evangelista de Jesus

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ANO CONTRATO ARREMATANTE

1829 “Condiçoens com que sehade fazer aobra do Retabolo dos dous Altares Colateraes da Igreja da Veneravel Ordem 3ª da Penitencia de São Francisco d Assis da Imperial Cidade do Ouro-preto” (TRINDADE, 1951: 419-420).

Vicente Alves da Costa

1849 “Condições com que a Comissão abaixo assignada faz o ajuste do resto da talha dos dous Altares Collateraes da Igreja da Veneravel Ordem de S. Francisco d’Assis d’esta Cidade com o Snr. Antonio Fernandes Ramos debaixo das Condições abaixo declaradas” (TRINDADE, 1951: 427-428).

Antônio Fernandes Ramos

1859 “Dizemos nós abaixo assignados, o primeiro como represen-tante da Veneravel Ordem 3ª da Penitência de S.m Franco. d’Assis desta Cidade do Ouropreto, competentemente autorisado pelo Termo 14 do corre. e o segundo co official de Carpenteiro e entalhador, que contratamos, como fato contractado temos, o acabamento e collocação de dous altares collateraes da m.ma Capella na forma das seguintes condiçõis (...)” (TRINDADE, 1951: 429-430).

José Pinto de Souza Júnior

1873 “Aos vinte e um dias do mez d’abril do anno de mil oitocentos setenta e trez, reunida a mesa administrativa, declarou o ir-mão procurador que o fim da presente reunião era deliberar-se sobre a factura dos dois altares da capella e que para esse fim achava-se presente nas imediações da capella o entalhador Francisco Pereira de Castro, cidadão portuguez, de reconheci-do merito, que se propunha a construil-os segundo os neces-sarios preceitos da arte (...)” (TRINDADE, 1951: 435-436).

Francisco Pereira de Castro

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Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

ANO CONTRATO ARREMATANTE

1882 “Termo do contracto celebrado pela Mesa Administrativa da Veneravel Ordem 3ª de S. francisco de Assis da cidade do Ouro Preto para construção de dous altares lateraes da respectiva Capella e fornecimento dos materiaes necessarios (...)” (TRINDADE, 1951: 437-439).

Miguel Antônio Treguellas

1888 “Aos 24 de Abril de 1888 no consistório da Capella da Veneravel Ordem 3ª de São Francisco de Assis da Imperial Cidade de Ouro Preto, reunida a Mesa Administrativa para tomar conhecimento da proposta que faz Salvador Improta para incumbir-se do douramento e pintura dos altares late-raes da Capella e julgando-a rasoavel resolveo contractar o mencionado Salvador o dicto trabalho que será feito nas seguintes condições e sob as seguintes clausulas: (...)” (TRINDADE, 1951: 439-440).

Salvador Improta

1890 “Termo de obrigação que faz o cidadão italiano Lourenço Petricio para douramento do sexto altar lateral da respectiva Capella” (TRINDADE, 1951: 441).

Lourenço Petricio

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A análise de contratos, como vertente metodológica, permite-nos visão mais inteirada do processo construtivo e entendimento de procedimentos técnicos adotados nos canteiros de obras. Nesse sentido, o fato arquitetónico é percebido a partir de iniciativas ligadas não só à atuação de artistas, mas também à de Ordens Terceiras (contratantes de algumas das principais obras da arquitetura religiosa em Minas Gerais) e de diversos outros empreendedores e prestadores de serviços.

A partir da citada vertente de pesquisa, constata-se que alguns artistas e/ou artífices mostravam-se polivalentes, ora como empreendedores, ora como subordinados dos arrematantes das obras, o que acontecia de acordo com as circunstâncias e as oportunidades de serviço.

Essa diversidade de papéis leva-nos a refletir a respeito do exercício dos obreiros numa ampla rede ou cadeia de trabalho – onde coexistiram fiscais, fornecedores de matérias-primas e materiais de acabamento, mestres, oficiais e encarregados –; realidade refletida em diversos tipos de situações, especial-mente nos canteiros das construções.

O fato arquitetónico, observado desse modo, é o resultado do empenho de muitos indivíduos, e não só daqueles considerados excecionais, como Antô-nio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e o Mestre Manoel da Costa Athaide, cujas atribuições também eram niveladas por meio de contratos.

Contratos de serviços

Ao considerar a atuação das Ordens Terceiras na Capitania de Minas Ge-rais, sobretudo ao longo do século XVIII, período em que ocorre a afirmação da religião católica sob os auspícios do poder régio, é notória a influência que essas organizações de leigos tiveram no apuro da arquitetura religiosa.

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Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

As obras mais significativas, aquelas que demandaram o envolvimento de grande número de artífices e artistas e/ou aquelas mais dispendiosas, reque-reram de seus proponentes ou contratantes o estabelecimento de estratégias construtivas e procedimentos administrativos. Diante desse universo de in-vestigação, enfatizou-se o entendimento de contratos que orientaram a execu-ção da Capela de São Francisco de Assis, em Ouro Preto.

Ao nos determos à análise de registros históricos, observa-se a semelhança formal existente entre os contratos feitos na atualidade e aqueles elaborados pelas Ordens Terceiras.

Dizemos que quaisquer iniciativas relacionadas à execução de obras e/ou ser-viços, concernentes ao campo da construção civil, devem estar respaldadas por instrumento regulatório. Nesse caso, o documento constituído, um contrato de prestação de serviço, deve deixar bem claro o objeto desse contrato, além de pro-cedimentos e/ou regras de conduta a serem seguidos, ficando explicitados deveres e direitos relativos a contratantes e contratados, assim como ocorria no passado.

Nesse contexto, salienta-se que os contratos protegeram não só os interesses de contratantes, mas também de contratados. Por exemplo, percebe-se a existência de cláusulas que previam a aplicação de multas, a favor dos contratados, devido a atra-sos de pagamentos. Os direitos dos prestadores de serviços ficavam resguardados, mesmo quando ocorria a dilatação dos prazos de execução das obras.

Além das citadas questões, encontram-se evidenciados os seguintes itens nos conteúdos das fontes consultadas: o objeto contratado; o valor da obra; os prazos de execução; as penalidades; as parcelas do pagamento devido; as responsabilidades pela contratação de mão-de-obra e pelo fornecimento de materiais; a qualidade e a quantidade de serviços; o tipo de acabamento. Além disso, são também evidenciadas informações relativas à procedência de ma-térias-primas, à utilização de determinadas técnicas construtivas, à adoção de precauções referentes a condições climáticas.

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Por meio dos registros verificados (contratos e documentos correlatos), também é possível identificar os nomes dos prestadores de serviços, tanto de empreiteiros, quanto de seus subordinados, o que nos permite um melhor en-tendimento a respeito da construção civil, durante o período colonial.

Os Contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto

Ao tratar das Ordens Terceiras, salientamos que as franciscanas e as carme-litas, bastante atuantes na Capitania de Minas Gerais, congregaram em torno de si a elite dominante, destacando-se como promotoras de edificações re-quintadas no âmbito da arquitetura religiosa do século XVIII.

Desse período, os contratos examinados – também denominados como termos de obrigações, termos do contrato, ajustamentos ou condições para arremates de obras – foram categóricos ao tratar da obediência ao risco, preocupação identificada em várias etapas da edificação da Capela de São Francisco, seja na construção das partes de alvenaria, seja na execução de portas e janelas, seja na manufatura dos retábulos.

Houve pensamento dominante que incidiu na regulação de todos os serviços, fato observado, por exemplo, nos contratos acordados entre a Mesa Administrativa da Venerável Ordem Terceira Franciscana e os Mestres Construtores Domingos Moreira de Oliveira (pedreiro), Henri-que Gomes de Brito (pedreiro), Lucas Evangelista de Jesus (carpinteiro), José Antônio de Brito (canteiro), Vicente Alves da Costa (entalhador), José Pinto de Souza Júnior (carpinteiro e entalhador), Francisco Pereira de Castro (entalhador) 1.

1 TRINDADE, 1951: 292-293, 338, 352, 355, 377, 419, 429-430, 436.

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Além de os contratos valorizarem a existência da traça ou do risco, como algo imprescindível para a realização e a valorização da obra, também refletiam noções recorrentes, como: segurança ou cautela construtiva, perfeição, gosto, solidez, cer-tamente tudo de acordo com os preceitos da arte divulgados naquela época, con-siderados por meio de rebatimentos culturais ocorridos na Capitania 2.

Nesse domínio, é patente a regulação das citadas noções, o que foi viabiliza-do por meio da realização de constantes fiscalizações pelos louvados, mestres construtores de reconhecida expertise e experiência. Desse modo, a obra da capela franciscana constituiu um todo harmônico, onde cada parte foi conce-bida em função da ideia do todo, observado como um grande conjunto arqui-tetónico, disposto na diversidade de seus elementos compositivos.

Para alcançar o referido apuro, havia interesse dos Terceiros Francis-canos na seleção de pessoas “iluminadas” para desempenharem funções específicas, como ficou dito em relação à necessidade de a Ordem contar com a assistência de secretários talentosos, que pudessem exercer com cla-reza suas obrigações na Mesa Administrativa. Esse mesmo raciocínio pode ser considerado em relação às obras da Capela.

Ocorreram determinadas situações, já no século XIX, em que os “ilumina-dos” da Ordem foram compelidos a criar comissões, certamente constituídas por pessoas influentes e também esclarecidas, que ajudaram no encaminha-mento de questões técnicas, como a definição das obrigações do Mestre Enta-lhador Vicente Alves da Costa, no ano de 1845, e a avaliação da proposta feita, no ano de 1869, pelo artista Joaquim Ernesto Coelho, para a construção dos dois últimos altares laterais e para o douramento de todos os seis 3.

As situações imprevistas, como as citadas, tiveram tratamento especial por meio da nomeação das referidas comissões e, certamente, foram tomadas como fonte de aprendizado para a elaboração dos ajustamentos de serviços realizados.

2 TRINDADE, 1951: 355, 376-377, 419, 436.

3 TRINDADE, 1951: 324-325, 424, 435.

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De uma maneira geral, os contratos eram bem feitos e suas cláusulas ex-primiam conhecimento e experiência de obra. O conteúdo desses registros refletia o universo daqueles construtores, artífices e/ou artistas, que estavam direta ou indiretamente envolvidos com os Terceiros.

Ao considerar os itens listados nos contratos, ficava sempre evidenciada a cláusula da fiscalização, que, ao ser cumprida, condicionava o pagamento da obra e evitava a ocorrência de improvisos. Era ressaltada a necessidade da obediência ao risco, em planta e perfil, e às condições contratuais. Nos ajustamentos feitos, a última parcela de pagamento era viabilizada por meio da louvação de dois peritos, nomeados para a defesa das partes envolvidas. No contrato do Mestre Pedreiro Domingos Moreira de Oliveira e de outros, adotou-se esse mesmo procedimento 4.

A ocorrência de imperfeições e improvisos, na obra, geralmente era alvo de advertências, situações previstas nos contratos. Fornecia-se ao ajustante do serviço cópia dos termos acordados, para evitar desavenças na conclusão dos objetos contratados. Essa precaução pode ser verificada nas condições para a execução dos retábulos laterais, trabalho assumido pelo entalhador Vicente Alves da Costa, no ano de 1829, perante a Ordem Terceira da Peni-tência de São Francisco de Assis 5.

Prudência e bom senso não faltavam à Mesa Administrativa da Ordem. É importante comentar a cautela dos Terceiros quanto à formalização dos con-tratos. O auto de arrematação da capela, que tinha valor de escritura pública, fora também registrado em cartório. Outro cuidado, na condução das obras ajustadas, pode ser notado por meio da importância atribuída à figura do fia-dor, cuja presença se faz sentir na assinatura conjunta de termos lavrados.

4 Em 1794, quando foram finalizadas as obras sob sua responsabilidade, houve nomeação de dois p�ritos d� r��onh��ida r�p�ta�ão na Capitania, para o �xam� � o j���am�nto d��as, a sab�r: Antônio Francisco Lisboa e José Pereira Arouca. TRINDADE, 1951: 333.

5 TRINDADE, 1951: 420.

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Supõe-se que a partir do final da primeira metade do século XIX, quando o poderio das congregações religiosas de leigos dava sinais de decadência, a partir da redução de suas finanças, esses cuidados foram intensificados. Mesmo assim ocorreram desavenças e prejuízos acarretados à Ordem Ter-ceira, como no caso do entalhador Francisco Pereira de Castro, que não cumpriu seu contrato na construção dos dois últimos altares laterais e, pos-sivelmente, não sofreu penalizações pela inexistência da figura de um fiador idôneo nesse ajustamento em específico 6.

Diante dessa e de outras situações, percebe-se que a experiência adquirida pela Mesa dos Terceiros, frente à administração da obra, trouxe refinamentos nas elaborações dos contratos, principalmente daqueles formalizados no sé-culo XIX. Citam-se, por exemplo, as cláusulas de rescisão verificadas nas con-dições para a contratação do Mestre Carpinteiro e Entalhador José Pinto de Souza Júnior, referentes à conclusão de dois altares colaterais no ano de 1859. O outro exemplo é o termo ajustado com o pintor Salvador Improta, no ano de 1888, para o douramento e a pintura dos altares laterais da Capela de São Francisco 7. Nesses dois exemplos, a possibilidade de rescisão dos menciona-dos contratos foi considerada somente a favor da Ordem.

O estabelecimento de multas e a rescisão de contratos foram recursos utili-zados também para a regulação da conduta de empreiteiros ou ajustantes. Es-sas disposições tinham a finalidade de evitar atrasos nos prazos de conclusão dos serviços e, em casos extremos, de dispensar obreiros, se esses não corres-pondessem às expectativas da Ordem contratante diante da possibilidade de eles não alcançarem os padrões de perfeição exigidos na execução dos riscos.

Os contratos poderiam ainda prever a retenção de pagamentos, caso ocor-ressem danos e imperfeições nas obras, além da hipoteca de bens de contrata-dos, se esses não concluíssem os serviços ajustados.

6 TRINDADE, 1951: 424-426, 435-436, 440.

7 TRINDADE, 1951: 429, 440.

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Ao tratar da existência de algum outro tipo de infortúnio, poderia haver a aplicação de multa também a favor do contratado, se o pagamento atrasasse, situação explicitada no item 5 (cinco) do termo acordado entre o mencionado José Pinto de Souza Júnior e a Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco de Assis de Ouro Preto. Nesse caso, previu-se a aplicação da multa de 6% ao ano sobre o pagamento não efetuado 8.

Por sua vez, em época de crise, os Terceiros poderiam postergar o cumpri-mento de suas despesas de contratos, se não existissem recursos disponíveis para saldá-las. Essa situação ficou explicitada no termo assinado entre a Ordem Terceira e o entalhador Miguel Antônio Treguellas, no ano de 1882, para a cons-trução de altares laterais e para o fornecimento dos respetivos materiais 9.

Essa situação também ficou caracterizada no atraso da liquidação do con-trato celebrado entre o Mestre Pedreiro Domingos Moreira de Oliveira e a Or-dem Terceira. O prazo de pagamento da primeira etapa da obra ficou dilatado por cerca de 65 anos, quando a dívida dos Terceiros foi finalmente saldada com os herdeiros desse mestre construtor 10.

Interessa observar que os contratos, além de obrigações e punições, previam ainda benefícios e incentivos, em especial, para aqueles ajustantes dispostos a cumprir prazos e regras predefinidas. No item 8 (oito) do contrato do Mestre Carpinteiro e Entalhador José Pinto de Souza Júnior, ficou explicitada que a Ordem garantia-lhe a prerrogativa da construção de mais dois altares laterais, se o seu desempenho fosse satisfatório em trabalho já acordado. Havia outras formas de incentivo, como a oferta de gratificação, benefício assinalado no item 4 (quatro) do contrato do entalhador Miguel Treguellas, caso esse finali-zasse sua obra antes do prazo estabelecido 11.

8 TRINDADE, 1951: 429.

9 TRINDADE, 1951: 438.

10 TRINDADE, 1951: 301.

11 TRINDADE, 1951: 430, 438. TRINDADE, 1951: 430, 438.

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Materiais empregados

É possível discorrer sobre o cuidado dos Terceiros em relação à qualidade executiva da Capela de São Francisco de Assis, por meio da análise da especificação de certos materiais utilizados nessa edificação, referenciados em alguns contratos. O desenvolvimento desse assunto permite-nos ainda observar a existência de procedimentos ou padrões construtivos que, possivelmente, foram usuais na origem de outras edificações religiosas, daquelas de maior vulto no período colonial em Minas.

No universo dos materiais empregados, podemos inicialmente tratar dos tipos de pedras requeridos para a execução da mencionada Capela. A uti-lização desse e de outros elementos construtivos, leva-nos a refletir sobre a correspondência entre custo e benefício.

Os construtores certamente tinham conhecimento a respeito do potencial e/ou das propriedades físicas dos materiais existentes em cada região. Eram escolhidos aqueles que tivessem melhor qualidade e maior rendimento e du-rabilidade a um custo moderado. Nesse caso, o custo certamente era regulado pelas variáveis: distância percorrida e empenho do obreiro no transporte da mercadoria ou da matéria-prima almejada.

Assim, de modo genérico, fez-se a opção pelo uso do quartzito para a mo-denatura dos alçados, o enquadramento dos vãos e a estruturação do edifício e da esteatita, vulgarmente conhecida como pedra sabão, para as esculturas e/ou os ornatos arquitetónicos.

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FIGURA 1 – Frontispício da Capela de São Francisco de Assis, Ouro PretoFoto: Marcelo Almeida Oliveira, 2011.

A referência explícita ao uso do quartzito e da esteatita é verificada nos pri-meiros contratos, em específico, no Auto de Arrematação da Capela, datado de 1766, nas condições para execução da nova portada (1774), e no registro referente às condições de fatura das varandas sobre os corredores laterais [17??].

Diante dessas obrigações, os arrematantes, além de suas respetivas atua-ções estarem condicionadas pela vigência de noções como segurança, cau-tela e perfeição, deveriam ainda se submeter à obediência do risco, fato já mencionado. Deveriam também conduzir, para o local da obra, toda pedra e outros materiais, como areia, cal e tijolos; materiais necessários à conclusão dos serviços ajustados, garantindo ainda a qualidade do produto adquirido.

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O quartzito deveria vir da serra do Itacolomi, situada na proximidade da ci-dade de Ouro Preto. Para a obtenção da pedra a ser utilizada na nova porta-da, fez-se a seguinte advertência: “(...) Sera damais dura, eclara, que Seachar; Como tambem adeSabam e toda dehuma côr izenta defios, e bixocas” 12.

De uma maneira geral, exigia-se que o quartzito não fosse areento nem mole, traços de degradação desse tipo pedra. Havia, certamente, controle de qualidade na seleção do material obtido, o que acabava condicionan-do a escolha da lavra e o modo de extração da matéria-prima utilizada. Os blocos de aparência mais homogênea eram, provavelmente, requeridos para comporem as partes estruturantes da elevação principal e das laterais do edifício. Com relação às sapatas da fundação, segundo os padrões téc-nicos estabelecidos, eram executadas por meio de pedras duras e de boa grossura. Para as soleiras, além das citadas condições, deveriam ser direi-tas, para evitar desníveis, e ser de lajes “de morro”.

O emprego da pedra foi copiosamente mencionado nas referências documentais. Isso se encontra relacionado à execução de pisos, soleiras, portas, janelas, cunhais ou pilastras e respetivos embasamentos, elemen-tos compositivos do frontispício, portada, zimbório, pias de água benta, arco cruzeiro, púlpitos, óculos da capela-mor, capitéis, chafariz (lavabo). A maneira como esse material foi empregado na construção de alicerces, elementos estruturais e vedações das paredes, na marcação de vãos, na criação de volumes e na elaboração de finos arremates contribuiu para o apuro alcançado na obra em questão.

Convém salientar que o contrato de 1766, segundo as cláusulas nona, décima e décima terceira, já previa a construção de artifício denominado “fengimento” (fingimento) 13, com o sentido de imitar a cantaria lavrada, especialmente para o enquadramento de vãos, molduras de óculos e ja-

12 TRINDADE, 1951: 376.

13 TRINDADE, 1951: 297-300. TRINDADE, 1951: 297-300.

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nelas, e para a modenatura dos alçados, a partir da execução de cunhais e cimalhas de argamassa. Esses “fengimentos”, como eram tratados os res-saltos (de areia e cal) da alvenaria, foram igualmente utilizados em muitas outras edificações religiosas do Estado.

FIGURA 2 – Alçado lateral da Capela de São Francisco de Assis, Ouro PretoFoto: Marcelo Almeida Oliveira, 2011.

Além da pedra, sobressai também o emprego da madeira no conjunto arquitetó-nico examinado. Nos registros elaborados, a canela e o cedro encontram-se bastante citados. Essas duas variedades de madeira, oriundas de zonas de mata, fizeram parte do elenco de variedades disponíveis na região de Ouro Preto e foram aproveitadas nas construções aí realizadas, principalmente por serem espécies nobres.

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No caso da Capela de São Francisco de Assis, o cedro fora utilizado para a construção de altares, pelo fato de sua madeira ser macia e apropriada ao entalhe. Com relação à canela parda, como a densidade de sua madeira é maior, ou seja, mais dura e resistente, fora mais bem aproveitada para a forração do piso de tabuado. Os registros ainda nos dão conta do emprego da canela preta para a execução de portas e janelas.

Afora esses usos, a madeira tivera ampla finalidade no acabamento de toda a obra, dos cancelos a peças de sino 14.

Interessa observar que existiam contratos específicos para o fornecimento de materiais. Segundo fontes escritas, toda a madeira destinada ao acabamen-to deveria ser “livre de brozio e muito perfeita” 15. Nesse sentido, havia contro-le de qualidade na extração da matéria-prima, o que acontecia por meio da realização de vistorias nas matas das fazendas e chácaras da região.

A relação das madeiras de cedro, verificada em cópia de documento da-tado de 1825, relativo à carta enviada pela Mesa da Venerável Ordem Ter-ceira ao Sargento-mor Antônio Pedro de Azeredo Dantas, possibilita-nos entendimento mais acurado sobre a qualidade do produto encomendado, cuja especificação se encontra bastante detalhada. Pela descrição das di-mensões das pranchas de cedro, destinadas à execução de dois altares la-terais, é possível estimar o volume de madeira gasto e o porte das árvores cortadas; essas deveriam ser bem robustas e altas 16.

A grande procura por esse tipo de matéria-prima, após certo tempo de exploração nociva das matas, resultou na escassez de oferta desse produ-to e, consequentemente, no aumento de seu custo final, fato associado às distâncias percorridas e às dificuldades do transporte disponível, geral-mente efetuado por carreiros.

14 TRINDADE, 1951: 349-350, 357, 359, 367-369, 413-415, 422.

15 TRINDADE, 1951: 416.

16 TRINDADE, 1951: 414-416.

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A falta de madeira de lei já era sentida desde o início do século XIX; nessa época as variedades botânicas mais valorizadas encontravam-se longe e dis-persas em relação aos locais em que eram utilizadas, fato comentado em do-cumento de 1825, ano em que são tomadas as primeiras providências para a construção de novos altares laterais 17.

Em certas situações, as madeiras eram doadas à Ordem e mesmo assim não havia folga de recurso financeiro para a realização do carreto. Nesse contex-to, os Terceiros poderiam tomar atitudes drásticas, como a venda de objetos valiosos; por exemplo, joias, para o custeio desse tipo de despesa. Isso parece ter acontecido por volta de 1839, quando houve tentativa de contratação dos Mestres Entalhadores Vicente Alves da Costa e Camillo Batista para dar con-tinuidade às obras dos altares laterais da Capela 18.

No rol dos materiais, citados nos contratos de execução da capela, ressal-ta-se ainda a utilização de tintas “dasmais finas, emelhores que ouverem no Pais”, a ser empregadas nos douramentos e nas pinturas artísticas, conforme assinalado no contrato do português João Batista de Figueiredo, arrematante dos serviços de pintura e douramento do teto da Capela-mor do Patriarca São Francisco 19. Esse fato demonstra, mais uma vez, a preocupação da Ordem em relação à qualidade do acabamento na referida obra.

Nesse sentido, um serviço de bom acabamento, na construção civil, também está associado à habilidade e/ou à expertise de quem utiliza o material. Importa saber que o citado João Batista – considerado professor de Manoel da Costa Athaide e o autor das pinturas dos forros da Igreja do Rosário e da Matriz de Santa Rita Durão 20 – provavelmente detinha elevado grau de exigência na escolha de materiais a ser adotados em seus

17 TRINDADE, 1951: 413-414.

18 TRINDADE, 1951: 423. TRINDADE, 1951: 423.

19 TRINDADE, 1951: 393. TRINDADE, 1951: 393.

20 TRINDADE, 1951: 395. TRINDADE, 1951: 395.

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próprios trabalhos. Isso, certamente, foi fator decisivo para a aquisição de produtos específicos, diante da demanda existente.

Salienta-se que a Ordem Terceira era a responsável pela compra desse ma-terial no Rio de Janeiro, e muitos desses produtos foram obtidos por meio de contatos com droguistas e boticas, conforme observação constante na extensa relação de materiais obtidos, no ano de 1801, para a realização dos serviços ajustados com o Mestre e Irmão Athaide 21.

Essa oportunidade para a aquisição de produtos, fora dos limites da Ca-pitania, possivelmente resultou na disseminação de influências artísticas nas principais vilas e cidades mineiras do período colonial. Além de tintas, outros tipos de encomendas poderiam vir também do Rio, como: livros, gravuras e outros objetos que acabavam servindo como fontes de inspiração para o de-senvolvimento das artes e/ou dos trabalhos aqui efetuados. Era estreita a liga-ção entre Minas e Rio, a partir do contra fluxo também existente, em função do escoamento das riquezas minerárias enviadas à Corte.

A situação acima identificada, ao considerar a obrigação dos contratantes, quanto ao fornecimento de petrechos para a execução de serviços ajustados, também é observada nos termos celebrados com os Mestres Entalhadores Vi-cente Alves da Costa (1829), Antônio Fernandes Ramos (1849), José Pinto de Souza Júnior (1859), Miguel Antônio Treguellas (1882) 22.

Os Terceiros foram também responsáveis pelo desdobramento de madeiras; pelo empréstimo de peças feitas; pelo fornecimento de madeiras, pregos e ou-tros materiais; pela montagem de andaimes; pela cessão do barracão de obras, conhecido como armazém, que servia de almoxarifado e residência temporá-ria para os contratados e, ainda, pelo ajustamento de serviços específicos de pedreiro para a instalação de altares.

21 TRINDADE, 1951: 403-405.

22 TRINDADE, 1951: 419-420, 427-430, 437-439. TRINDADE, 1951: 419-420, 427-430, 437-439.

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Convém ainda mencionar, com relação à construção da capela examinada, que parte dos materiais utilizados para a sua execução foi doada por particu-lares, o que deveria ser uma prática comum entre os devotos abonados das congregações religiosas em Minas.

Citam-se, por exemplo, as doações de cal e de tijolos feitas respetivamen-te por Dona Teresa Josefa Caetana Alves de Castro e pelo Capitão-mor José Bento Soares. Foram materiais necessários para o ladrilhamento do corredor da sacristia (do lado voltado à cidade de Mariana). O mencionado serviço, re-alizado pelo Mestre de Obras, Pedreiro e Irmão, Manuel Fernandes da Costa, encontrava-se concluído em 1826, para a solenidade da Semana Santa 23.

Detalhes construtivos

Verifica-se a preocupação dos construtores em relação aos rigores do clima, ao tratar da incidência demasiada de chuva e umidade em Ouro Preto. Existia, como até hoje existe, naquela cidade, uma constante inquietação por parte de seus moradores em conter esses excessos, por meio de proteção das paredes e dos telhados contras as águas pluviais.

Essa questão encontra-se refletida de diversas maneiras, principalmente nos primeiros contratos. Nas condições ajustadas com o Mestre Pedreiro Do-mingos Moreira de Oliveira, em 1766, destacamos a atenção dispensada aos seguintes pontos: o emboçamento do telhado ou a realização de “amourisca-dos” na cobertura, objetivando a defesa contra os temporais; a instalação de gárgulas na cimalha real, com o sentido de lançar as águas longe das fachadas; a execução de revestimentos de pedra nas empenas, visando à proteção contra infiltrações; a construção de canais junto às torres, com o intuito de facilitar o escoamento de chuva e de meias-canas nas cimalhas, tornando possível o

23 TRINDADE, 1951: 342. TRINDADE, 1951: 342.

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pouso da estrutura de madeira do telhado, na parte interna do edifício, visan-do à melhor proteção das paredes contra as águas 24.

Todos esses artifícios foram, supostamente, concebidos e executados a par-tir do conhecimento e/ou da experiência dos obreiros, resultado do aprendi-zado prático ao longo do tempo.

Nos autos para a construção das abóbadas dos corredores laterais e do bar-rete da capela-mor, serviço arrematado por outro Mestre Pedreiro, Henrique Gomes de Brito, no ano de 1772, ficaram estabelecidos outros cuidados a fim de evitar infiltrações, que poderiam ocorrer por meio do piso das varandas superiores e arruinar o edifício. Para o revestimento do piso dessas varandas, construídas logo acima dos corredores da sacristia, foi especificado o uso de lajes “de morro”, de modo que, ao serem assentadas, em contrapiso bem regu-lar e “direito”, suas juntas pudessem ser impermeabilizadas com “batume”, o que tornava o edifício mais bem acabado e protegido. Ficou esclarecido que, na parede da capela-mor, as lajes deveriam ficar embutidas meio palmo ou cerca de 11 centímetros, para dificultar o surgimento de umidade descendente na alvenaria nessa parte da construção 25.

Deveria ainda ser adotada outra medida preventiva, no tratamento da ci-tada parede, situada entre a varanda e a capela-mor, no segundo piso. A in-tervenção recomendada dizia respeito à execução de barrado de cal e pó de carvão peneirado, tendo quatro palmos de altura, cerca de 88 centímetros 26

.

Tudo deveria ser feito com perfeição e segurança, pré-requisitos igualmente exigidos na execução do barrete da capela-mor e das abóbadas dos corredores laterais. No caso do barrete, chamou-nos atenção as recomendações de cons-trução dos arranques de saída dos arcos, a ser viabilizados por meio de pedras bem resistentes engastadas nas paredes; condições certamente estabelecidas por

24 TRINDADE, 1951: 298-299. TRINDADE, 1951: 298-299.

25 TRINDADE, 1951: 335-336. TRINDADE, 1951: 335-336.

26 TRINDADE, 1951: 336. TRINDADE, 1951: 336.

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quem detinha conhecimento de obra e sabia orientar procedimentos técnicos de acordo com os recursos disponíveis naquela época. A finalização da mencio-nada obra previa o encaixe de peça quadrada de pedra, de face de dois palmos e meio, no encontro das arestas dos arcos, com previsão de furos para suporte de florão e lampadário. Quanto às abóbodas, constituídas de tijolo, cal e pedra, erguidas a partir de grossas paredes de alvenaria, para combater os empuxos laterais, foram executadas por meio de guias, escoras e pontaletes de madeira, à semelhança do que possivelmente acontecera na construção do barrete 27.

Prestação de serviços

A leitura da documentação transcrita pelo Cônego Raimundo Trindade possibilita-nos tratar de assunto que é fundamental para a compreensão da construção da Capela de São Francisco: a participação de um grande número de pessoas, destacando-se dentre elas os arrematantes. Alguns deles foram ar-tistas e artífices de excecional habilidade que sobressaíram em suas respetivas áreas de atuação. Tinham suas próprias equipas de trabalho, constituídas a partir da seleção e do treinamento de recurso humano disponível.

Os arrematantes eram responsáveis, dentre outras funções, pela alimenta-ção de seus subordinados e pela organização dos serviços de apoio, atividades que influíram diretamente na disposição e/ou no rendimento do conjunto hu-mano envolvido com a execução do edifício. Além disso, esses trabalhado-res, mesmo sujeitos a fiscalizações e a determinações impostas pelas Ordens Terceiras (fundamentadas nas condições de contratos), eram autoridades no domínio da obra e não raras vezes foram figuras de referência no campo da prestação de serviços.

27 TRINDADE, 1951: 336-338. TRINDADE, 1951: 336-338.

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Nesse sentido, sobressai o exercício do português Mestre Pedreiro Domin-gos Moreira de Oliveira, por ele ser construtor experiente, notável em sua arte e executor da primeira etapa da Capela de São Francisco. Apesar de ele ser considerado iletrado, foi responsável pela logística da obra e pela coordenação dos trabalhadores a ele subordinados. De acordo com o auto de arrematação, oficializado em dezembro de 1766, ele deveria trazer consigo três oficiais e seus serventes para a boa disposição e o bom andamento da construção 28.

Ao longo do século XIX, a prestação de serviços ficou evidenciada por meio de profissionais que auto se intitularam como empresários e igualmente de-sempenharam seus ofícios para a Ordem Terceira, como é o caso do Mestre Carpinteiro e Entalhador José Pinto de Souza Júnior (1859) e de outro Mestre Entalhador, Miguel Antônio Treguellas (1882), divulgado pelo “Almanack de Ouro Preto” como proprietário de uma oficina de “Marcenaria, Esculptura em ornatos, carpintaria, etc.” 29.

Ao refletir sobre essa temática relativa aos serviços ajustados, torna-se evi-dente que a maioria dos termos de arrematação previa a contratação de oficiais, o que demandava dos empreiteiros experiência na coordenação de atividades, experiência essa direcionada a várias frentes de trabalho ao mesmo tempo.

Para exemplificar o fato de os arrematantes congregarem suas próprias equipas de trabalhos, constituídas por oficiais e ainda por serventes, cita-se o serviço ajustado com o Mestre Domingos de Oliveira que, ao coordenar a primeira etapa da Capela de São Francisco, reuniu, em torno de si, outros mestres para exercerem seus ofícios. Assim, verifica-se a atuação de Martinho Fernandes, como responsável pelo aparelhamento da cantaria desse edifício, e de João Alves Viana, executor dos corredores da capela, inclusive do rebo-co 30. Ao tratar do telhado e do forro da capela, José Ribeiro de Faria (c.1784),

28 TRINDADE, 1951: 291-292, 300. TRINDADE, 1951: 291-292, 300.

29 TRINDADE, 1951: 432, 438-439. TRINDADE, 1951: 432, 438-439.

30 TRINDADE, 1951: 342-343. TRINDADE, 1951: 342-343.

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por sua vez, contou com o suporte dos seguintes oficiais: Francisco Rodrigues Lajes, Henrique Gomes de Brito, João de Almeida Lanhoso, Miguel da Costa Peixoto, José Barbosa de Oliveira e seu escravo 31.

Aqui cabe esclarecimento quanto ao trabalho dos serventes, nessa e em ou-tras obras. Os serventes, na atualidade, no geral, são trabalhadores aprendizes e/ou servem em especial aos pedreiros. São eles considerados uma categoria inferior em relação à dos oficiais, aqueles que já conhecem bem seus respe-tivos ofícios. Assim, na edificação examinada, essa categoria era constituída, possivelmente, em sua maioria, por escravos. Salienta-se ainda que havia os serventes de aluguel, certamente escravos destinados ao trabalho pesado e ge-radores de renda para seus senhores. A construção civil, no período colonial, evidenciava a estrutura de poder existente naquela época.

No universo pesquisado, percebe-se uma organização de serviço baseada na hierarquia e na autoridade. No topo da pirâmide, permaneciam os mestres, aque-les que sabiam exercer seus ofícios, tinham o reconhecimento de seus pares, po-deriam ser louvados e/ou ser arrematantes de obras, dentre outras prerrogativas.

Ao analisar o conjunto humano relacionado à construção da capela estu-dada, é importante comentar que também havia flexibilidade nos ajustes das relações de trabalho. Em determinadas situações, o arrematante da obra po-deria ser o artista, como o ocorrido nos contratos do Alferes Manoel da Costa Athaide (c.1801) e do Mestre Antônio Francisco Lisboa (1790). Esses contratos eram referentes à pintura e ao douramento da capela e à construção do retá-bulo da capela-mor 32. Em outras circunstâncias, o artista fazia parte do plantel de mestres e/ou oficiais de algum empreiteiro de maior prestígio na sociedade da época, que valia das qualidades de sua equipe para a obtenção de serviços e a angariação de contratos vantajosos. Isso é evidenciado, por exemplo, por meio da atuação de Antônio Francisco Lisboa na execução da portada de São

31 TRINDADE, 1951: 364-365. TRINDADE, 1951: 364-365.

32 TRINDADE, 1951: 378, 408-410. TRINDADE, 1951: 378, 408-410.

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Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

Francisco, obra ajustada pelo Mestre Canteiro José Antônio de Brito (1774) 33.A mesma pessoa poderia desempenhar vários papéis em uma mesma obra,

até mesmo o de louvado, fato também sucedido com o citado Antônio Fran-cisco Lisboa, que adquiriu ainda mais importância no contexto de construção da capela, no período de 1793 a 1794, como louvado da obra de pedreiro 34.

Convém mencionar que, ao longo do século XIX, houve dificuldades na contratação de mão-de-obra especializada, fato considerado por meio dos registros de ajustamentos não levados adiante. Esses e outros documentos de época permitem-nos comentar sobre duas questões: o empobrecimento dos Terceiros Franciscanos e a escassez de artistas e/ou artífices no univer-so da prestação de serviços 35.

Segundo o Cônego Raimundo Trindade, o Mestre Entalhador Vicente Al-ves da Costa, responsável pela execução dos altares laterais, na proximidade do arco cruzeiro, de acordo com as condições estabelecidas em 1829, fora dos últimos artistas que contribuíram para o esplendor da arquitetura religiosa em Minas. Vicente Alves da Costa já era reconhecido por seu trabalho reali-zado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto, caso semelhante ao do Mestre Canteiro João Alves Viana, anteriormente comentado 36.

Diante do tema apresentado, consideramos a Capela da Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco um verdadeiro ninho de artistas e ar-tífices, destacando-se nesse seleto grupo os nomes de Antônio Francisco Lis-boa (arquiteto, escultor e entalhador), Baltazar Gomes de Azevedo (ferreiro), Domingos Moreira de Oliveira (pedreiro), Francisco Pereira de Castro (enta-lhador), Francisco Rodrigues Lages (pedreiro), Henrique Gomes de Brito (pe-dreiro), João Alves Viana (pedreiro), João Batista de Figueiredo (pintor), João

33 TRINDADE, 1951: 375-377. TRINDADE, 1951: 375-377.

34 TRINDADE, 1951: 479. TRINDADE, 1951: 479.

35 TRINDADE, 1951: 424-427, 435. TRINDADE, 1951: 424-427, 435.

36 TRINDADE, 1951: 387-388, 417-420. TRINDADE, 1951: 387-388, 417-420.

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de Almeida Lanhoso (carpinteiro), João Luís Pinheiro Lobo (carpinteiro), José Antônio de Brito (canteiro), José Barbosa de Oliveira (pedreiro e canteiro), José Pinto de Souza Júnior (entalhador), José Ribeiro Carvalhaes (pedreiro), José Ri-beiro de Faria, Lucas Evangelista de Jesus (carpinteiro), Manoel da Costa Athai-de (pintor), Manuel Gonçalves Neves (carpinteiro), Manuel da Rocha Monteiro (pedreiro), Manuel Fernandes da Costa (pedreiro), Martinho Fernandes (can-teiro), Miguel Antônio Treguellas (carpinteiro), Miguel da Costa Peixoto (pe-dreiro), Vicente Alves da Costa (entalhador), dentre outros 37.

De acordo com os documentos referenciados pelo Historiador Raimun-do Trindade (1951) e pela Investigadora Judith Martins (1974), é percetível a diversidade de obreiros atuantes na região de Ouro Preto e Mariana; es-pecialmente no período entre o final da primeira metade do século XVIII e as primeiras décadas do XIX. Destacaram-se nesse elenco, principalmente, a mão-de-obra de pedreiro, carpinteiro, pintor e entalhador, conforme os Gráfi-cos n.º 1 e 2, que possibilitam a visualização de registros relativos à construção das Capelas de São Francisco de Assis, em Ouro Preto e em Mariana.

Quanto às etapas construtivas, referentes à atuação dos citados obreiros na edificação da capela franciscana, em Ouro Preto, o conjunto documental orga-nizado por Judith Martins leva-nos a observar que, ao longo do século XVIII, a partir sobretudo de 1766 até o início da segunda metade do XIX, houve dois surtos de obra: o primeiro, de maior intensidade, ocorreu entre 1766 e 1795; o segundo aconteceu por volta de 1806 e 1835. Isso demonstra que a conjuntura econômica daquela época, fora a questão do declínio da oferta de mão-de-obra especializada na região, influiu diretamente na dilatação do prazo de execu-ção do conjunto arquitetónico examinado. A poderosa Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Ouro Preto já dava sinais de seu enfraquecimento.

37 MARTINS, 1974, v. 1: 79-87, 88-89, 131-136, 160-161, 174, 215-216, 220, 262, 285, 347-348, MARTINS, 1974, v. 1: 79-87, 88-89, 131-136, 160-161, 174, 215-216, 220, 262, 285, 347-348, 337, 350, 364- 379, 393. v. 2: 53-54, 69, 83-86, 92-93, 108-109, 290, 306.

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Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

GRÁFICO 1 – Especialidades de artistas e artífices, Capela de São Francisco de Assis, Ouro Preto

Fonte: MARTINS, 1974.

GRÁFICO 2 – Especialidades de artistas e artífices, Capela de São Francisco de Assis, Mariana

Fonte: MARTINS, 1974.

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GRÁFICO 3 – Etapas construtivas, Capela de São Francisco de Assis, Ouro Preto

Fonte: MARTINS, 1974.

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Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

Considerações finais

O estudo da Capela da Venerável Ordem Terceira do Patriarca São Fran-cisco, segundo análise dos termos ajustados para a sua edificação, amplia a compreensão do quadro da arquitetura religiosa mineira, no período colonial.

Os documentos pesquisados revelam informações sobre as relações de tra-balho entre artistas e artífices e a qualidade construtiva do conjunto arquite-tónico, o que nos permite ir além do debate centrado em questões referentes à genialidade de alguns artistas e à excecionalidade de monumentos executados.

No universo das informações apreendidas, fica evidente a ocorrência de procedimentos regulatórios (fundamentados na existência dos contratos) que são demonstrativos do rigor da Mesa Administrativa da Ordem Terceira na condução das diversas etapas construtivas da Capela de São Francisco.

Por isso, dizemos que os Terceiros foram os verdadeiros responsáveis pelo apuro alcançado na execução de sua capela, pois souberam viabilizar, em ter-mos práticos e por meio dos contratos, o maior objetivo deles: a materializa-ção de um edifício que fosse verdadeira joia em termos de arquitetura.

Algumas cláusulas que ficaram destacadas no conteúdo dos ajustamentos, celebrados entre os arrematantes e os Terceiros, são esclarecedoras desse as-sunto, considerado a partir da necessidade da obediência ao risco, da necessi-dade do emprego de bons materiais, da busca de soluções técnicas adequadas ao ambiente trabalhado e da obrigatoriedade de fiscalizações periódicas. Isso pressupunha, conforme mencionado, a realização de uma obra com seguran-ça, perfeição, gosto e “possível” brevidade.

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Bibliografia

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CAMPOS, Adalgisa Arantes, 2000 – Roteiro Sagrado, Monumentos religiosos de Ouro Preto. Belo Horizonte: Tratos Culturais/ Editora Francisco Inácio Peixoto.

CARRAZZONI, Maria Elisa (coord.), 1980 – Guia dos bens tombados. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura.

DEL NEGRO, Carlos, [1964] – Escultura ornamental barrôca do Brasil, 2 vols. Belo Horizonte: Edições Arquitetura UFMG.

LIMA JÚNIOR, Augusto de, 1978 – A capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo (1.ª edição, 1940).

MARTINS, Judith, 1974 – Dicionário de artistas e artífices dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais, 2 vols. Rio de Janeiro: Departamento de Assuntos Culturais, Ministério da Educação e Cultura.

SALLES, Fritz Teixeira de, 2007 – Associações religiosas no ciclo do ouro: introdução ao estudo do comportamento social das irmandades de Minas no século XVIII, 2.ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Perspectiva.

TRINDADE, Cônego Raimundo, 1951 – São Francisco de Assis de Ouro Prêto. Crô-nica narrada pelos documentos da Ordem. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

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Uma “Capela Dourada” e outra por dourar”: o caso das Ordens Terceiras do Recife e da Paraíba.

Maria Berthilde Moura FilhaIvan Cavalcanti Filho

Entre 1585 e 1660 os franciscanos fundaram treze casas conventuais na zona litorânea do nordeste do Brasil, em áreas localizadas nos atuais estados da Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Esses conventos, até o final do período colonial, passaram por grandes modificações no que tange à sua configuração espacial e, em alguns destes, as igrejas conventuais foram pro-vidas de capela situada transversalmente à nave única no lado do Evangelho. Esse novo espaço de culto e oração constituía a capela da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, destinada as atividades religiosas da-queles que abraçavam a Ordem Franciscana sem fazer o voto de castidade. Segundo a Regra da Ordem, a confraternidade era assim definida:

A Ordem Terceira Secular de São Francisco é uma associação de cris-tãos cujos membros procuram, sob o governo da Ordem Franciscana e segundo o espírito da mesma, atingir, no século, a perfeição cristã, por um modo consentâneo à vida secular e de acordo com a Regra para eles proposta pelo Seráfico Pai São Francisco e aprovada e inter-pretada pela Sé Apostólica. 1

1 Regra e Constituições da Ordem Terceira de São Francisco, 1959: 16.

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A Ordem Terceira da Penitência, já presente na Europa desde 1221, quando o próprio São Francisco ampliara o direito do exercício de sua doutrina àque-les que não podiam abandonar as obrigações sociais ou familiares às quais já se achavam engajados 2, teve repercussão também em Portugal, sendo levada para territórios ultramarinos como forma de estender aos conquistadores por-tugueses as práticas do cotidiano religioso e cultural da metrópole. Nesse con-texto, a Ordem funcionava para os lusitanos como uma âncora a lhes conferir segurança e autoconfiança em terras estranhas e recheadas de incertezas 3.

No Brasil, curiosamente, a Ordem Terceira teria chegado antes da Ordem Primeira, pois foi atendendo a uma solicitação de uma terciária franciscana, a viúva D. Maria da Rosa, e do governador da capitania de Pernambuco Jorge de Albuquerque Coelho, que El Rei Felipe I de Portugal, através de pedido en-caminhado ao Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores, Frei Francisco Gonzaga de Mântua, liberou a vinda oficial do primeiro grupo de francisca-nos 4, a fim de integrar o projeto catequético-colonizador da metrópole, que já contava com jesuítas (1549), beneditinos (1581) e carmelitas (1583) 5.

Entre os franciscanos, os aspirantes a terceiros, para serem admitidos, ti-nham que preencher alguns requisitos entre os quais estavam pureza de san-gue, boa conduta, status financeiro, idade produtiva, profissão reconhecida e exclusividade de filiação a esta Ordem Terceira 6. Esses critérios “indireta-mente” favoreciam o estabelecimento de uma instituição de reconhecido (e elevado) nível económico-social, pois ao mesmo tempo em que gozava das

2 GARCEZ, 2007: 32.

3 RUSSEL-WOOD, 1989: 64.

4 �ABOATAM, 1858, I, ii: 381-385.

5 A parti�ipa�ão da I�r�ja n�ss� pro��sso a�ont��ia através do Padroado Ré�io � a�ordo �ntr� a I�r�ja �at��i�a � o �ov�rno d� Port��a�, ond� a prim�ira �on��ria ao s���ndo pod�r�s d� int�rvir nas questões religiosas nas colônias, em troca da proteção do clero secular ou regular por parte do Estado. AZZI, 1979: 162.

6 RUSSEL-WOOD, 1989: 67.

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Uma “Capela Dourada” e outra por dourar”: o caso das Ordens Terceiras do Recife e da Paraíba

condições materiais para o pleno exercício da filantropia, alimentava a auto-estima de seus membros, ávidos por uma posição de prestígio na sociedade colonial, status esse que a vinculação à Ordem implicitamente lhes conferia 7. O valor da joia para ingresso no noviciado de um ano constitui um indicati-vo dessa característica seletiva da Ordem Terceira Franciscana, assim como as contribuições mensais, e por que não, o acolhimento de várias devoções originárias da nobreza europeia, que foram trazidas para o imaginário da con-fraternidade no Brasil, a saber: Santa Isabel, Rainha de Portugal; São Luís, Rei de França; e Santa Isabel, Rainha da Hungria. A versão brasileira gerava assim uma forte discriminação social, que se distanciava da realidade europeia, por lá não haver uma diversidade maior de raças, credos e costumes.

Enquanto confraternidade/associação religiosa, a Ordem Terceira de São Francisco podia ser criada sem estar atrelada a um espaço físico próprio. Afi-nal era uma instituição com fins assistenciais cujo objetivo principal – o de ajudar aos pobres, doentes, encarcerados e marginalizados da sociedade – en-volvia atividades externas. Entretanto, estava intimamente ligada ao compo-nente religioso e doutrinário, o qual tinha fundamentado sua gênese. Assim sendo, a necessidade de um espaço próprio para a agenda litúrgica constituía a principal preocupação da confraternidade após seu estabelecimento. Nesse contexto, a primeira iniciativa devia ser a construção de capela onde o Co-missário, frade da comunidade franciscana à qual a Ordem estava vinculada, presidiria todas as cerimônias religiosas, a saber, a celebração diária de missas, a condução dos exercícios espirituais e o treinamento de noviços.

Nos conventos franciscanos do Brasil colonial, esta capela, geralmente, estava diretamente atrelada à nave da igreja conventual, situando-se transversalmente a ela, e comunicando-se com a mesma através de arco monumental, de porte análogo àquele que fazia a ligação da nave com a capela-mor. A capela da Or-dem Terceira da Penitência era comumente localizada no lado do Evangelho, e

7 CAVALCANTI FILHO, 2009: 26.

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sua construção era viabilizada através de cessão de terreno por parte dos frades do convento em Capítulo Provincial 8, ficando a mesma, como qualquer outra edificação que os irmãos terceiros viessem a erigir a posteriori, dentro da área da cerca conventual destinada para a confraternidade 9. Essa sala de oração devia ser menor que a igreja à qual estava anexa, guardando, através de sua escala, uma hierarquia de valores dentro do contexto franciscano. É importante ressal-tar que, no caso do nordeste do Brasil, algumas Ordens Terceiras nem sequer tiveram instalações físicas próprias dentro dos complexos conventuais, como aconteceu em Ipojuca e Sirinhaém, em Pernambuco, muito provavelmente de-vido à escassez de recursos das respetivas confraternidades.

Há dificuldade em se precisar datas relativas à construção das capelas de Ordens Terceiras Franciscanas no Brasil, tendo em vista a história do francis-canismo só ter sido oficialmente registrada a partir de 1755, quando o frade pernambucano Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão foi nomeado cronista da Ordem dos frades menores, com a incumbência de levantar e documentar todas as informações sobre os conventos franciscanos desde a fundação da Custódia de Santo Antônio do Brasil, em 1584, em Portugal. 10 Não obstante, o registro iconográfico “Rio Genero”, datado de 1624 11, já destaca a presença de construção – capela da Ordem Terceira – justaposta transversalmente à igreja conventual franciscana do Rio de Janeiro, esta fundada em 1606, junto com os conventos do Recife e de Ipojuca, em Pernambuco. Vale salientar que nessa época tanto as casas do Sudeste como as do Nordeste pertenciam à mes-

8 Cap�t��o Provin�ia� �ra a ass�mb�éia ��ra� ��� o�orria d� tr�s �m tr�s anos �om todos os ��ardi��s dos conventos para decidir questões relativas � �rdem e seus encaminhamentos. A reunião acontecia na �ap��a do Cap�t��o, sit�ada no ��a�stro da s�d� da Prov�n�ia, no �aso brasi��iro no �onv�nto d� Sa�vador.

9 CAVALCANTI FILHO, 2009: 84-85.

10 Custódia era um grupo de conventos que não se qualifi cava para ser Província, j� que para Custódia era um grupo de conventos que não se qualificava para ser Província, j� que para �onstit�ir �ma, d�via a�r��ar oito o� nov� �om�nidad�s d� �rad�s.

11 REIS FILHO, 2000: 159. REIS FILHO, 2000: 159.

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ma Custódia, que se tornou Província em 1657 12. Nesse ano os conventos do sudeste formaram uma nova Custódia – da Imaculada Conceição – que ficou vinculada a Província recém-fundada 13.

Considerando o caso do Rio de Janeiro, as evidências atestam que de-corridos apenas dezoito anos da fundação do convento – em 1606 – os irmãos terceiros já tinham sua própria capela anexa à igreja conventual dos frades menores. Ainda no sudeste, o livro do tombo do convento de São Francisco em São Paulo, fundado em 1639, registra que “no ano de 1676 principiaram os irmãos terceiros a fazer a sua capela” 14. Apesar de só iniciarem a construção trinta e sete anos depois, a mesma fonte destaca a presença de terceiros desde a fundação do convento.

Nos casos das fundações franciscanas da Paraíba (1589), e de Recife (1606), objetos do presente trabalho, Frei Jaboatão destaca que as capelas das Ordens Terceiras só foram iniciadas em 1704 e 1696, respetivamente. É importante lembrar que os vinte e quatro anos de ocupação holandesa no nordeste – de 1630 a 1654 – contribuíram para essa lacuna cronológica, pois a reconstrução/restauração dos conventos danificados pelos batavos só teve início no terceiro quartel do século XVII, a partir da determinação do Provincial Frei Daniel de São Francisco 15.

Estas capelas marcaram o início das construções patrocinadas pelos ter-ceiros dentro dos complexos conventuais do Recife e da Paraíba e, como era recorrente, a partir delas se configuraram, progressivamente, outros espaços: sacristia, casa dos exercícios, claustro, etc., gerando dois conjuntos edificados que são contemporâneos e geograficamente muito próximos. Talvez por isto, se assemelham em diversos aspetos de organização espacial e tratamento ar-

12 MUELLER, 1957: 80. MUELLER, 1957: 80.

13 ROWER, 1922: 16. ROWER, 1922: 16.

14 ORTMANN, 1951: 17. ORTMANN, 1951: 17.

15 �ABOATAM, 1861, II, ii: 332. �ABOATAM, 1861, II, ii: 332.

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tístico, fato que levou a definir o objetivo da presente comunicação: identificar traços de semelhança que nos permita aproximar estes dois conjuntos arqui-tetónicos dos terceiros enquanto resultados de um mesmo tempo e intenção de demonstrar poder e status em contextos distintos – o próspero Recife e a pouco próspera cidade da Paraíba do século XVIII.

Definido este objetivo, nos interessa acompanhar a progressiva constru-ção desses conjuntos, entender a forma como se organizam espacialmente, conhecer os artistas e artífices que neles intervieram. No entanto, verifica--se que a história dos terceiros do Recife está mais bem documentada, em oposição à falta de informações sobre as atividades destes na Paraíba, fato que dificulta nossa análise e instiga um estudo em conjunto, não pelo de-sejo de sanar lacunas documentais através de estudos formais, mas tentar ver através do objeto artístico a expressão de um tempo.

A Ordem Terceira do Recife e sua “Capela Dourada”

Como o estabelecimento da Ordem Franciscana Secular estava diretamen-te relacionado com as condições financeiras dos seus membros, e a cidade do Recife era um importante centro econômico e portuário, os terceiros reci-fenses se anteciparam no tocante a decisão de erigirem capela própria, anexa à nave da igreja conventual de Santo Antônio. Em 13 de maio de 1696 foi lançada a pedra fundamental da capela sendo encarregado da obra o mestre pedreiro Antônio Fernandes de Matos, que havia sido admitido na Ordem em 17 de setembro de 1695. 16 Dezasseis meses depois, foi inaugurada com uma missa, tendo como titular as Chagas de São Francisco 17.

16 PIO, 1938: 16-17. PIO, 1938: 16-17.

17 �ABOATAM, 1861, II, ii: 464-465. �ABOATAM, 1861, II, ii: 464-465.

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Ver comparecer o nome de Antônio Fernandes de Matos como responsá-vel pelas obras desta capela dos terceiros significa associá-la a um dos mais ricos e renomados profissionais atuantes em Pernambuco naquela época. Natural do Minho, Matos tem sua atuação como mestre pedreiro no Recife documentada a partir de 1671 e, em curto espaço de tempo, ascendeu social e economicamente, atuando como mestre e contratador de obras públicas, ar-rematador da cobrança de impostos, capitão de uma fortaleza que construiu às suas custas e ofereceu ao Rei. Até sua morte, em 1701, exerceu a atividade de mestre pedreiro, e ao falecer deixou a Ordem Terceira de São Francisco recifense como herdeira e testamenteira de seus bens, mas também como responsável pela administração dos contratos de obras ainda vigentes 18.

Sob sua orientação foi edificada a capela dos terceiros, que mede 7 metros x 19,5 metros, sendo provida de seis altares/retábulos distribuídos três a três nas paredes laterais, os quais, junto com o altar-mor situado no leste litúrgico, ficam separados da nave por grade de jacarandá disposta em “U” de modo a isolar a parte sagrada da capela daquela onde os irmãos terceiros assistiam as cele-brações. Na verdade a função desse elemento divisor era a mesma da chancela do presbitério, que podia até servir como mesa de comunhão em cerimônias religiosas 19. Afinal nesses altares laterais, também eram celebradas missas com a participação exclusiva dos respetivos benfeitores e suas famílias. 20 Conside-rando os altares laterais, no sentido horário de quem acessava a capela pelo arco monumental de comunicação com a igreja conventual, estão as imagens de São Ivo Doutor, Cristo na coluna e o Senhor dos Passos (no lado do Evangelho), e

18 MELLO, 1957: 11. MELLO, 1957: 11.

19 GUEDES, 2004: 30-33. GUEDES, 2004: 30-33.

20 Ta� tipo�o�ia d� p�anta d� nav� �oi r��orr�nt� na ar��it�t�ra ����si�sti�a ��so-brasi��ira, Ta� tipo�o�ia d� p�anta d� nav� �oi r��orr�nt� na ar��it�t�ra ����si�sti�a ��so-brasi��ira, a �x�mp�o d� i�r�jas j�s��tas do R�ino, �omo a d� Santarém � a d� São Ro��� �m Lisboa; �ap��as d� t�r��iros �arm��itas, �omo a d� �oão P�ssoa, na Para�ba, � Ca�ho�ira, na Bahia; a�ém d� i�r�jas d� Minas G�rais �omo a d� São Fran�is�o � d� N. S. do Carmo �m O�ro Pr�to. BAZIN, 1983, vo�. I: 87; 83; 219.

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N. S. da Soledade, Santa Isabel da Hungria, e São Roque (no lado da Epístola). A capela apresenta ainda oito tribunas e o coro alto, que só foi edificado em 1864 21.

Os trabalhos de embelezamento e decoração de seu interior, no entanto, transcorreram por mais trinta anos, como documentam os livros de receitas e despesas da Ordem, que não apresentam nenhum registro de serviços efetua-dos após 1724, ano atribuído à sua conclusão. Esta data foi justificada por Fer-nando Pio, também, devido ao fato de ter sido iniciada, em 1723, a construção do Hospital, não sendo “presumível que se tratasse daquele empreendimento sem que estivesse completamente pronta a igreja da Ordem” 22.

A pujança decorativa em termos de azulejos, pinturas a óleo nas paredes e no teto caracterizado por caixotões, e principalmente o alto nível da talha dourada presentes nesta capela lhe valeram a denominação por Robert Smith de “capela dourada” 23. Mais uma vez Antônio Fernandes de Matos teve participação efe-tiva nesta etapa, pois sendo ministro da Ordem, entre os anos de 1698 a 1700, pode orientar alguns dos trabalhos de ornamentação executados então.

Por sua vez, Fernando Pio destaca que o conjunto decorativo desta “capela dourada” é resultado do trabalho conjunto de artistas portugueses e pernam-bucanos, alguns sendo mestres e outros escravos, muitos dos quais “deixaram nas obras grandiosas o anonimato dos artistas plebeus” 24.

Exemplifica esta forma de produção um documento que registrou, em 1698, a execução da grade de madeira que separava a capela dos terceiros da nave da igreja conventual, talhada pelo mestre Luís Machado, também au-tor do grande arco de ligação entre estas 25. Contido no “Livro Segundo de

21 PIO, 1938: 26. PIO, 1938: 26.

22 PIO, 1938: 16-18. PIO, 1938: 16-18.

23 SMITH, 1979: 101-107. SMITH, 1979: 101-107.

24 PIO, 1938: 21. PIO, 1938: 21.

25 Estando danifi cada esta primitiva grade de madeira, foi substituída por outra do mesmo Estando danificada esta primitiva grade de madeira, foi substituída por outra do mesmo mat�ria�, �ntr� 1741/42 �, �m 1843, �oi �x���tada a at�a� �rad� d� ��rro, por Domin�os Rab���o da L��. PIO, 1938: 24.

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Receitas e Despezas” da ordem, tal documento especifica a participação dos escravos, assim referidos: um “preto da praça” que trabalhou no transporte do jacarandá, vindo da Bahia; um “preto do Carmo”, que recebeu a quantia de 1$600 para fazer seis balaustres; e dois “pretos officias” que trabalharam 56 dias na obra. Cita também, o nome de mestres que tiveram maior relevância na obra, como José da Costa, que torneou 74 balaustres, outros entalhadores, pedreiros e auxiliares que executaram serviços de menor porte, além daqueles que forneciam matéria-prima, a exemplo de Domingos Rodriguez, a quem foi comprada a “emceragem” utilizada na grade 26. Registros desta natureza per-mitem uma visão da mescla de indivíduos que atuaram nesta obra.

No mesmo ano de 1698, trabalhava na “capela dourada” o mestre Antônio M. Santiago, executando a talha da capela-mor, com dois nichos para as imagens de São Cosme e São Damião e mais um sacrário, frontal, painel e dois armários a serem colocados de cada lado da referida capela para serviço da credência 27.

Estes são alguns dos poucos artistas cujos nomes foram revelados nos docu-mentos de época, pesquisados por historiadores que excecionalmente tiveram acesso aos arquivos da ordem. Fica evidente quanto é desproporcional o conhe-cimento sobre estes, perante a valiosa obra da “capela dourada”, não sendo iden-tificados, por exemplo, os artistas que executaram as pinturas existentes nas suas paredes, embora os documentos demonstrem que estas datam entre 1699 e 1700, enquanto os painéis do forro de caixotão foram executados entre 1701 e 1702 28.

Lembra Glauco de Oliveira Campello que os escritos do Frei Jaboatão não colaboram muito para revelar estes artistas e artífices que trabalharam entre os franciscanos, uma vez que apenas comparece o nome de Frei Francisco dos Santos, ligado às obras de Nossa Senhora das Neves de Olinda, em 1585; Frei Eusébio da Expectação, em Igaraçu; mestre Gonçalves Olinda, em Recife

26 PIO, 1938: 23. PIO, 1938: 23.

27 MARTINS, s.d.: 185. MARTINS, s.d.: 185.

28 PIO, 1938: 18. PIO, 1938: 18.

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e Ipojuca; e Frei Daniel de São Francisco no convento do Paraguaçu. Justifica Campello que “na obra de Jaboatão, o papel desses personagens está sempre encoberto por alguma outra atividade na hierarquia religiosa, dificultando a delimitação de suas intervenções na conceção dos conventos e igrejas” 29.

Em contrapartida, o arquivo da irmandade guarda o registro de vários ar-tistas, carpinteiros, ferreiros e ourives que entraram como irmãos terceiros para a Ordem. Alguns deles, como André Luiz Pinto, “oficial de carapina” e Manuel Botelho, ourives, trabalharam na “capela dourada”, estando documen-tado o pagamento de obras por eles efetuadas. 30 Sendo conhecido o alto nível econômico e social dos irmãos terceiros, é curioso perceber que, em 1836, o entalhador Manoel da Silva Amorim “o maior artista na sua especialidade” na época, ingressou para a confraternidade utilizando parte dos honorários recebidos por trabalhos realizados para a própria Ordem 31.

Esta escassez de artistas identificados perdura nas demais obras que vão integrar o conjunto edificado dos terceiros em Recife. Estando concluída a capela, a irmandade decidiu construir sacristia própria, a qual ficava por de-trás do altar-mor, sendo acessada por duas portas laterais ao mesmo. Pouco se sabe sobre esta obra, dificultando o seu estudo o fato de estar documentada em conjunto com outras coevas, sendo os gastos registrados sem especifica-ção. Evidências sinalizam que, antes de os terceiros terem sacristia exclusiva, deveriam usar a sacristia da igreja dos frades para a guarda de seus utensílios sagrados bem como dos paramentos litúrgicos, pois a via-sacra do lado do Evangelho ligava diretamente a capela à sacristia da citada igreja, localizada na parte posterior da capela-mor conventual 32.

29 CAMPELLO, 2001: 83. CAMPELLO, 2001: 83.

30 PIO, 1938: 21. PIO, 1938: 21.

31 PIO, 1938: 39. PIO, 1938: 39.

32 Via Sacra era o corredor que ligava a sacristia � capela-mor da igreja conventual. Na arquitetura Via Sacra era o corredor que ligava a sacristia � capela-mor da igreja conventual. Na arquitetura dos Frad�s M�nor�s do Nord�st� havia d�as: �ma no �ado do Evan���ho, � o�tra no �ado da Ep�sto�a.

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Com o crescimento da irmandade, e consequentemente, das práticas relati-vas à formação dos novos irmãos terceiros, foi necessária a provisão de outro espaço litúrgico – a casa dos exercícios – que se destinava a preparação dos noviços. Esta capela ficava paralela à igreja conventual, se confrontando com a parede leste da sacristia da “capela dourada”, que também servia de apoio litúrgico às celebrações que ali ocorriam. Relata Fernando Pio que:

“Essa Casa de Exercícios compunha-se apenas, a princípio, de uma pe-quenina capela que, com o correr dos anos, foi criando dimensões e re-cebendo constantes melhorias: assim, em 1728 e 1729, confecionaram--se retábulos, fizeram-se obras de talha e douramento no altar do Santo Cristo; em 1729 e 1730, pintaram-se painéis. Ainda em 1736, continua-vam as obras de aperfeiçoamento e foi nesse ano que deliberou a Mesa a fatura de dois altares para neles serem colocadas as imagens do Senhor Ecce Homo e do Senhor dos Passos” 33.

A incorporação dessa nova capela ao conjunto resultou numa massa cons-truída em forma de “U” cujo fechamento a leste gerou um claustro exclusivo medindo 12 metros x 12 metros. Trabalharam neste claustro, entre 1704 e 1706, os mestres pedreiros João Pacheco Calheiros e Manoel Ferreira Jacome, o qual aprendeu o ofício com Antônio Fernandes de Matos e tornou-se tam-bém conceituado no Recife, sendo por vários anos líder da sua classe com a função de juiz do ofício de pedreiro e atuando em obras significativas, entre as quais consta o risco da planta da Igreja de São Pedro dos Clérigos, em 1728. 34

33 PIO, 1938: 23. PIO, 1938: 23.

34 MARTINS, s.d.: 95. MARTINS, s.d.: 95.

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FIGURA 1 – Organização espacial do conjunto edificado dos franciscanos no Recife

Além desses espaços, em 1723, os terceiros conseguiram licença dos frades me-nores para a construção de um hospital destinado aos irmãos pobres e enfermos, 35 o qual foi edificado ao sul das instalações pré-existentes. O projeto foi delineado pelo sargento-mor engenheiro da Capitania de Pernambuco, João Macedo Corte Real 36, no entanto, a obra só foi inaugurada sessenta e um anos depois, devido a desenten-dimentos com os religiosos do convento, alegando que a nova construção de dois pavimentos embaraçava a vista da varanda da sacristia da igreja dos frades 37.

Entre os profissionais que executaram as obras do hospital foi identificado

35 �ABOATAM, 1861, II, ii: 466. �ABOATAM, 1861, II, ii: 466.

36 MARTINS, s.d.: 54. MARTINS, s.d.: 54.

37 PIO, 1938: 45-46; �ABOATAM, 1861, II, ii: 467. PIO, 1938: 45-46; �ABOATAM, 1861, II, ii: 467.

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apenas o nome do mestre Luís Nunes, que fez a imagem de São Jacome, em 1764, e as imagens de Cristo crucificado, São Francisco e Santa Isabel, para a capela do hospital, entre 1765 e 1766 38.

Em 1753, como a casa dos exercícios já não comportava o número de novi-ços, foi decidida a reedificação da capela, 39 conferindo-lhe as dimensões que hoje apresenta – 8 metros x 21 metros, afora a capela-mor – exatamente as medidas que tinha a nave da igreja dos frades menores. Era, portanto, uma capela com di-mensões de igreja, o que realmente passou a ser no início do século XIX, quando os terceiros obtiveram licença do Definitório da Bahia para dotá-la de frontispício próprio voltado para a Rua do Imperador, deixando o acesso de acontecer exclusi-vamente pela igreja do convento. Esta decisão acarretou numa grande reforma da capela, sendo seu leste litúrgico (espaço do altar-mor) transferido para a extremi-dade oposta da nave, ou seja, contra a parede leste da sacristia 40.

É importante ressaltar que nesse período o conjunto franciscano de Salvador, capital da Colônia, já dispunha de igreja da Ordem Terceira com situação similar, inclusive ostentando há cerca de cem anos o frontispício mais elaborado da arquitetura religiosa colonial no Brasil, um verdadeiro retábulo monumental a céu aberto, cuja erudição transparece na sua conceção geral e nos elementos formais que definem sua composição esculpida na cantaria 41. Para os Terceiros do Recife, não podia ser diferente, já que Pernambuco era a segunda economia nordestina, onde pessoas de destaque social e político formavam o corpo da irmandade secular, a qual, com recursos próprios, con-seguiam se equiparar, ou mesmo sobrepujar a Ordem dos Frades em termos de qualidade arquitetónica e decorativa de suas construções.

O desligamento físico da igreja da Ordem Terceira através de entrada própria

38 MARTINS, s.d.: 144. MARTINS, s.d.: 144.

39 PIO, 1938: 28. PIO, 1938: 28.

40 CAVALCANTI FILHO, 2009: 121-122. CAVALCANTI FILHO, 2009: 121-122.

41 Sobr� �ma an��is� s�m�nti�a d�ss� �rontisp��io, v�r CASIMIRO, 1996. Sobr� �ma an��is� s�m�nti�a d�ss� �rontisp��io, v�r CASIMIRO, 1996.

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na verdade refletia essa realidade de independência já iniciada com a constru-ção de sacristia, e continuada através da provisão de outros espaços exclusivos, culminando com a permissão, obtida em 1804, para a igreja ter frontispício pró-prio 42. O termo de concessão proibia, no entanto, a ereção de torre ou campa-nário, ou qualquer outra construção que prejudicasse o convento, e consequen-temente a boa convivência entre as duas Ordens. No mesmo ano os Terceiros negociaram com a Irmandade do Santíssimo Sacramento a compra de um fron-tispício de mármore vindo de Lisboa, colocado a venda por não se ajustar as dimensões da Igreja do Corpo Santo. 43 Se até então, um muro fechava todo o terreno da Ordem, frente à Rua do Imperador, aparecia ali uma imponente igreja, com fachada de mármore, configurando uma imagem muito diferente.

FIGURA 2 – O conjunto edificado da Ordem Terceira de São Francisco do Recife:o claustro e a fachada da antiga casa dos exercícios

42 CAVALCANTI FILHO, 2009: 122. CAVALCANTI FILHO, 2009: 122.

43 PIO, 1938: 31-34. PIO, 1938: 31-34.

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Internamente, a igreja adotou a disposição em “U”, definida por grade de isola-mento tanto dos seis altares laterais distribuídos três a três, como da capela-mor situada no leste litúrgico, sendo flanqueada por vias sacras de acesso à sacristia, lo-calizada na parte posterior do altar-mor. Em sentido horário para quem entra na igreja foram dispostos os altares de Santa Clara, São Ivo Doutor, e Nossa Senhora (do lado do Evangelho), e Santo Antônio, Santa Isabel Rainha de Portugal e São Luís Rei de França (do lado da Epístola), havendo ainda dois púlpitos, seis tribu-nas laterais, e o coro alto situado na extremidade da nave, oposta à capela-mor.

A decoração interna da igreja foi sendo complementada no decorrer do sé-culo XIX: em 1816, o mestre Alexandre Felipe da Silva talhou dois altares cuja pintura e douramento só foram executados em 1826, pelo mestre João Vicente, também contratado para “pintar e dourar os quatro altares colaterais, oito tri-bunas com suas sanefas, dois púlpitos”. 44 Entre os anos de 1830 e 1831, foi feito o douramento do coro pelo pintor João Baptista Correia. 45 Manoel da Silva Amorim “o maior artista na sua especialidade” na época, talhou as imagens de Santa Clara e de São Luiz, em 1836, e mais dois anjos para os altares, em 1867 46.

O consistório de honra e o cemitério constituíram outras instalações dos ter-ceiros na área cedida pelos frades menores, ao sul do convento. A primeira, si-tuada no pavimento superior, na ala leste do claustro, sediava as reuniões oficiais da Ordem, enquanto que a segunda, localizada a oeste da capela, se destinava ao depósito dos ossos dos irmãos terceiros, tradicionalmente um dos espaços mais concorridos pela irmandade por representar o último acolhimento a todos os membros que, em vida, trabalharam pela causa franciscana. Ficava assim cons-tituído o imponente conjunto edificado dos terceiros, que cresceu gravitando em torno da “capela dourada”, ícone da irmandade do Recife e, provavelmente, mode-lo para o que será executado na vizinha cidade da Paraíba, como relatado a seguir.

44 PIO, 1938: 36. PIO, 1938: 36.

45 PIO, 1938: 41. PIO, 1938: 41.

46 PIO: 1938: 39. PIO: 1938: 39.

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A Ordem Terceira da Paraíba e sua “capela por dourar”

O contexto em que foi edificado o conjunto dos terceiros da Paraíba, no século XVIII é bem distinto daquele vivenciado no Recife. Encerrado o pe-ríodo no qual parte do nordeste brasileiro esteve sob dominação holandesa, assumindo João Fernandes Vieira, em 1655, o governo da Capitania da Pa-raíba, disse haver encontrado esta “completamente devastada pela guerra, pelo incêndio e pela seca dos últimos anos” 47. A cidade era reflexo desta mesma condição e, em 1691, o capitão engenheiro de Pernambuco, José Pais Esteves, assim a descreveu: “Tem sento e setenta vizinhos, e a mayor parte das cazas terreas fabricadas de madeira, e barro; poucas de pedra e cal, e muitas menos de sobrado tãobem feitas da mesma materia. As que avia no-bres de pedra e cal ficarão queimadas do tempo dos olandezes” 48.

Enfrentando este quadro de destruição e decadência, a cidade pouco pros-perou física e economicamente, ao longo do século XVIII, surgindo também o obstáculo da capitania ter sido anexada à Pernambuco, entre os anos de 1756 e 1799, medida que fazia parte da política centralizadora do governo de D. José 49. Mergulhados nesta realidade, os terceiros erigiram sua capela a partir de 1704, e depois, a sacristia e a casa dos exercícios. 50 Considerando o contexto, fica difícil justificar tal empreendimento, a não ser por uma neces-sidade de demonstrar status social, ou se opor a evidente decadência local, havendo, portanto, um objetivo muito mais simbólico do que real a cumprir. Sobre isto, observou Carla Mary de Oliveira que:

47 MACHADO, 1977: 263. MACHADO, 1977: 263.

48 Arquivo Histórico �ilitar – 2.ª Divisão, 1.ª Secção, N.º 7. Arquivo Histórico �ilitar – 2.ª Divisão, 1.ª Secção, N.º 7.

49 MOURA FILHA, 2010: 258. MOURA FILHA, 2010: 258.

50 �ABOATAM, 1861, II, ii: 387. �ABOATAM, 1861, II, ii: 387.

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Embora não haja, necessariamente, uma ligação direta entre opulên-cia decorativa e aumento da riqueza local, o inverso é paradoxalmente mais comum do que se imagina: ostentar riqueza, quando ela não existe, pode ser muito importante numa sociedade permeada por interesses e poderes simbólicos, tal como era a do Brasil Colonial 51.

Somamos a esta constatação a nossa hipótese de que a opulenta “capela dourada” do Recife, alimentava o ideário dos terceiros da Paraíba que a adota-ram como modelo a ser seguido, embora ajustado as limitações locais. De fato, a situação da Capela da Ordem Terceira da Penitência do Convento de Santo Antônio da Paraíba muito se assemelha à do Recife no tocante à sua confi-guração espacial e àquela dos outros espaços anexos, criados para atender a demanda operacional e litúrgica da irmandade. Aqui, tanto a capela, quanto a sacristia e a casa dos exercícios acham-se dispostos igualmente ao modelo recifense, embora não cheguem a fechar um claustro próprio, que fica simula-do através da presença de galerias que ladeiam externamente a nave da igreja conventual, o corpo da capela e a casa dos exercícios, organizadas em forma de “U”, sem haver o fechamento ao sul caracterizando o claustro 52.

51 OLIVEIRA, 2009: 150. OLIVEIRA, 2009: 150.

52 �uanto ao arranjo em “U” dos blocos da capela, sacristia e casa dos exercícios, observa-se �uanto ao arranjo em “U” dos blocos da capela, sacristia e casa dos exercícios, observa-se que essa configuração espacial foi adotada no convento de São Francisco do Conde, na �ahia. H� ind��ios ��� o m�smo iria a�ont���r no �omp��xo �onv�nt�a� d� Cair�, ��ja Ord�m T�r��ira não �h��o� a �on���ir s�a �asa. O �onv�nto d� O�inda a�ompanho� par�ia�m�nt� �ss� d�s�nho, não s� sab�ndo ��ando �oi ini�iada a �ap��a dos t�r��iros, s�ndo s�a �xist�n�ia r��istrada por �aboatão �m 1757. �ABOATAM, 1858, II, ii: 504-505: 581-582: 380.

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FIGURA 3 – Organização espacial do conjunto edificado dos franciscanos na Paraíba

A capela da Ordem Terceira da Paraíba mede aproximadamente 7 metros X 15,5 metros, sendo provida de altar-mor flanqueado por duas portas que dão acesso à sua sacristia. Apresenta apenas os dois altares laterais próximos à capela--mor – um dedicado a N. S. do Ó e outro a São Luis, rei de França – e as quatro primeiras tribunas que os emolduram superiormente, todos revestidos na talha dourada. As superfícies remanescentes das paredes laterais da capela não foram providas de tal revestimento, permanecendo totalmente despidas, à exceção da presença de duas tribunas próximas ao arco que abre para a nave da igreja conven-tual. O teto artesoado, disposto igualmente àquele do Recife, não foi finalizado, ficando os painéis dos caixotões sem xilopinturas. Portanto, é um espaço sacro cujo recheio inacabado nos levou a caracterizá-la como uma capela “por dourar”.

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Quanto à casa dos exercícios, as dimensões adotadas (10 metros x 27 me-tros) acenam para a evidência de ter havido um grande número de admissões na Ordem Terceira em meados do século XVIII, já que a referida capela, ini-ciada em 1748 53, era maior que a igreja conventual, que media 10 metros x 26 metros 54. É importante destacar que este espaço, igualmente dedicado às Chagas de São Francisco 55, não foi transformado em igreja autônoma, como em Recife, mantendo sua configuração original, onde o altar-mor se encontra na extremidade oposta da sacristia, ou seja no lado onde se abriria a porta de acesso principal à eventual igreja. Seu presbitério é separado do corpo da capela por grade de jacarandá, sendo provido de altar-mor dedicado ao Cruci-ficado e dois altares laterais onde estão entronados São Joaquim e a Imaculada Conceição. Não existe a disposição em “U” englobando os altares laterais e o presbitério, como acontece tanto na “capela dourada” como na antiga casa dos exercícios de Recife, hoje igreja da Ordem.

Não tendo sido construído um cemitério exclusivo para os terceiros, na Pa-raíba, a casa dos exercícios foi dotada de um carneiro com dez sepulturas situ-ado abaixo da nave, para o qual se tem acesso por escada de pedra localizada no eixo da capela, vedada por alçapão de madeira. Também integra o conjunto edificado pela irmandade, o consistório de honra, situado acima da sacristia, correspondendo à área total desta, sendo o acesso feito por escadaria externa à referida antecâmara. A Ordem Terceira da Paraíba nunca teve hospital, não havendo sequer registros de iniciativa do gênero.

Quanto aos artistas e artífices que executaram as obras, ocorre que, se para o conjunto dos terceiros do Recife trabalha-se com grandes lacunas de infor-mações, na Paraíba enfrenta-se a total ausência destas. Carla Mary de Oliveira introduz seu estudo sobre a pintura do forro da casa dos exercícios, dizendo:

53 �ABOATAM, 1861, II, ii: 387. �ABOATAM, 1861, II, ii: 387.

54 CAVALCANTI FILHO, 2009: 121. CAVALCANTI FILHO, 2009: 121.

55 �ABOATAM, 1861, II, ii: 387. �ABOATAM, 1861, II, ii: 387.

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“Seu forro é mais uma, dentre as inúmeras pinturas existentes em igrejas bar-rocas no Brasil, das quais não se conhece a autoria e, tampouco, se encontrou, até hoje, algum documento que aponte qualquer pista a este respeito” 56.

Encontramos, portanto, as mesmas dificuldades apontadas pelos demais pesquisadores que exploram a arquitetura dos franciscanos, pois como bem comentou Gilberto Freyre, em trabalho intitulado A propósito de Frades, nos arquivos da Ordem, em geral, “falta documentação escrita que corresponda a sua importância” no Brasil colonial 57.

Mesmo os escritos de Jaboatão pouco esclarecem sobre as obras realizadas nos conventos franciscanos, observando Glauco Campello que na mesma “qua-se não há referências aos trabalhos manuais nos conventos, aos riscos dos proje-tos e, muito menos, à contribuição dos artífices em alguns trabalhos específicos, embora o autor tenha sido contemporâneo e até ordenador de alguns desses trabalhos” 58. Isto ocorreu na Paraíba, onde Jaboatão foi guardião do convento de Santo Antônio por duas vezes: de 1741 a 1742 e de 1751 a 1753 59.

Foi esta falta de informações, somada a observação de características for-mais que se repetem nos conjuntos edificados dos terceiros do Recife e da Paraíba, que nos levou a apontar a hipótese de uma mobilidade do “modelo” e dos artistas que poderiam ter atuado em ambas. Esta possível mobilidade pode conduzir a uma explicação sobre as semelhanças observadas na orga-nização espacial da “capela dourada” do Recife e da inacabada capela dos terceiros da Paraíba, como detalhamos a seguir.

Principiamos por observar o pé direito das duas capelas. Percebemos que no Recife este é bem mais elevado, em relação à capela da Paraíba,

56 OLIVEIRA, 2009: 149. OLIVEIRA, 2009: 149.

57 FRE�RE, Gi�b�rto, 1959 - FRE�RE, Gi�b�rto, 1959 - A propósito de Frades. Sa�vador: Livraria Pro�r�sso Editora. Ap�d. CAMPELLO, 2001: 84.

58 CAMPELLO, 2001: 83-84. CAMPELLO, 2001: 83-84.

59 Livro dos Guardiães do Convento de Santo Antônio da Paraíba, 1966: 188-189.

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o que resulta em uma disposição distinta e, por que não dizer, mais pro-porcionada na primeira e atarracada na segunda.

Visualizando a distribuição dos elementos que compõem a parede onde se insere a capela-mor, verifica-se que a sua composição se repete em Recife e na Paraíba. Está dividida em três tramos verticais, sendo o central e de maior dimensão ocupado pelo altar-mor que se encontra ladeado pelos outros dois tramos, assim organizados e seccionados em três partes: no Recife, na porção inferior estão as portas de acesso à sacristia dos terceiros, sobre estas há painéis intermediários com pintura e, por fim, os painéis superiores, cuja área ocupada se aproxima daquela das portas inferiores. Na Paraíba ocorre a mesma dispo-sição, mas os painéis intermediários foram substituídos por sanefas em talha, com a representação das cinco chagas de São Francisco. Nas duas capelas esta composição é arrematada por uma xilopintura, cuja forma é definida pela cor-nija superior ao nicho do altar-mor e pela curvatura abatida do forro.

FIGURA 4 – Esquema compositivo das capelas dos terceiros do Recife e da Paraíba: leste litúrgico

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Nas paredes laterais se repete a divisão em tramos verticais. No Recife há uma sequência de altares laterais, num total de três, entremeados por faixas onde se inserem as tribunas, painéis com pinturas e revestimento azulejar na base. A mesma sequência ocorreria na capela da Paraíba, caso tivesse sido concluída, embora suas dimensões mais reduzidas indiquem que haveria ape-nas dois altares em cada lateral. Destes foram executados apenas um em cada lado, cercados por faixas contendo os mesmos elementos: tribuna, pintura e um espaço vazio na base que, certamente, receberia os azulejos.

No entanto, se definirmos linhas horizontais sobre estas paredes laterais, vão aparecer com mais evidência as diferenças decorrentes da altura do pé di-reito. No Recife, sendo este maior, as tribunas estão situadas acima da cornija que corre sobre o arco dos altares, e as faixas intermediárias têm dois painéis com pinturas, situados entre esta cornija e os azulejos. Na Paraíba, o pé direito reduzido fez com que as tribunas fossem rebaixadas e alinhadas com a base dos arcos dos altares. Sob as tribunas ficou apenas um painel com pinturas que define o espaço a ser ocupado pelos azulejos.

FIGURA 5 – Esquema compositivo das capelas dos terceiros do Recife e da Paraíba: lado do Evangelho

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Considerações finais

Como pressuposto deste artigo, adotamos a hipótese da adoção de um “modelo” seguido nas capelas dos terceiros em Recife e na Paraíba. Concluí-da a nossa análise, sustentamos esta hipótese por verificar que a repetição de formas e composição dos elementos decorativos demonstra, de fato, a apro-priação de uma única matriz – aquela da “capela dourada”, embora com pro-porções diferentes e linguagens estilísticas também distintas, provavelmente resultado da capela da Paraíba ser um pouco posterior à do Recife. Ao mesmo tempo, nos parece que as diferenças apontadas reforçam a idéia da adequação do modelo às possibilidades econômicas da pouco próspera cidade da Paraíba naquela época, onde a capela dos irmãos terceiros permaneceu “por dourar”.

Atentando para outros detalhes que pudessem ser explorados em nossa análise, observamos que, tanto no Recife quanto na Paraíba, curiosamen-te, está a imagem de São Gualter representada em painel localizado sob a primeira tribuna do lado da Epístola, junto à capela-mor. Vale salientar que São Gualter constitui figura representativa para a Ordem Seráfica no mun-do português pois, segundo a tradição, foi um dos semeadores da doutrina franciscana em território luso no século XIII.

A presença desta imagem reforça a idéia da utilização de uma mesma ma-triz, sendo mais uma evidência da circulação desta e, talvez, dos artistas que a reproduziram de forma tão próxima a ponto da representação simbólica de São Gualter comparecer na mesma posição em ambas as capelas.

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Maria Berthilde Moura Filha. Ivan Cavalcanti Filho

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Venerada y Ornada: arquitectura y retablos de la capilla de la

Orden Tercera de Santiago de CompostelaM. Carmen Folgar de la Calle

Enrique Fernández Castiñeiras

Los comienzos de la Tercera Orden Seglar en Compostela

Los estudios sobre la VOT Franciscana en Galicia son todavía muy escasos, pues, como señala González Lopo, “continua siendo en la actualidad la gran desconocida entre las diferentes ramas que forman el frondoso árbol plantado por san Francisco en el siglo XIII, afirmación que es válida no sólo para nuestra comunidad, sino para el conjunto del territorio peninsular” 1. Con todo lo que sí se puede señalar es que el movimiento seglar franciscano experimenta un gran avance a lo largo de los siglos XVII y XVIII, y la prueba de ello la tenemos, en la Tierra de Santiago, en el porcentaje de testadores laicos que se declaraban terciarios franciscanos: 4,1% a mediados del XVII frente al 22,6% un siglo des-pués 2. Un resurgimiento que tiene su explicación en el marco del proceso de potenciación del asociacionismo surgido después del concilio de Trento 3.

1 GONZÁLEZ LOPO, 2005: 569.

2 MARTÍN GARCÍA, 2005: 747.

3 MARTÍN GARCÍA, 2009: 362.

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Y es en este contexto en el que tenemos que analizar la capilla objeto de este es-tudio, cuyo origen es difícil de precisar por la escasez de documentación y porque en ella muchas veces no se diferencia entre terciarios regulares y seglares. Lo que sí consta es la presencia en la ciudad de Santiago de comunidades de terciarios regulares desde el siglo XIV 4, aunque no sería extraña la existencia en Compostela de la VOT desde el siglo XVI, según se recoge de modo impreciso en un folleto de 1891 5; lo cierto es que en los testamentos de mediados de siglo no hay referencias a terciarios regulares, lo cual coincide con el momento de crisis que supuso inclu-so la desaparición de los dos centros de terceros regulares de la ciudad 6.

Será, como indica González Lopo, a raíz de los acuerdos tomados en el capítulo provincial de Toledo de 1606 donde se ordena a las provincias franciscanas que emprendan una campaña a favor de la VOT, cuando probablemente en la década de 1640 surja la actual Orden Seglar compostelana, cuyos comienzos pasarían por serias dificultades económicas al depender sus ingresos de las limosnas que aportaban los miembros al profesar y en las anualidades correspondientes; es por ello que hasta 1662 no pudieran acometer la construcción de una capilla propia 7, una decisión tomada tres años después de haberse realizado una copia de las “Or-denaciones Generales” guardadas en el archivo de la cofradía 8.

4 E� or�ani�ador d� �a vida �r�m�ti�a d� �os t�r�iarios �n Ga�i�ia ��� Fr. A��onso d� M���id, ��i�n funda en 1372 el convento de Sancti Spiritus de �elide (A Coruña) (CASTR�, 1984: 251-252 y �ARCÍA �R�, 1991: 7-16). A él se deben también las dos fundaciones de Santiago: una masculi-na, la de Santa �aría a Nova (1390) vinculada a la comunidad de San Francisco y otra femenina, �a d� Santa Cristina da P�na, ��� adopta �a r���a �n 1401 � s� vin���a a� �onv�nto d� Santa C�ara (�ARCÍA �R�, 2006: 155-157).

5 En é� �� �nton��s ar�hiv�ro s�ña�a ��� “La VOT s����ar d� P�nit�n�ia… �s anti���sima, �omo parece de un documento municipal, en el cual consta que ya en el siglo XVI era muy lejano su ori-gen; se sabe con certeza que en la misma época tenía capilla separada del convento” (��NZÁLEZ L�P�, 2005: 572).

6 En 1570 �a rama mas���ina s� in�orpora a �a Obs�rvan�ia � �n 1577 �a rama ��m�nina s� integra en el convento de Santa Clara (��NZÁLEZ L�P�, 2005: 573).

7 GONZÁLEZ LOPO, 2005: 573- 574.

8 TAÍN, 1995: 769.

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Una capilla que se construye al lado del convento de San Francisco, siguiendo una práctica que es habitual en todo el mundo católico, ya que la VOT contó siem-pre con el amparo religioso y el apoyo legal de los frailes menores 9; en concreto la capilla compostelana forma un ángulo recto con la fachada conventual francis-cana y su ubicación lógicamente es extramuros, de acuerdo con los criterios adop-tados por las ordenes mendicantes en los momentos de su fundación, enfrente a una de las puertas de la muralla, la denominada de San Francisco 10.

Como antes señalamos es en 1662 cuando se decide la construcción de la capilla, lo cual exigió la compra a los frailes del convento de San Francisco de un terreno situado al lado de su cenobio, como consta en la escritura proto-colizada el 31 de julio de 1662: “a la mano yzquierda quando se entra por la puerta principal de dicho conuento, frontero de la muralla y puerta de la çerca de dicha çiudad” 11. En esta escritura notarial se indica la intención de cons-truir una capilla cuya altura había de ser la del “primer trepadito del quarto nuebo 12 que se ha hecho en dicha portería”, así como “los altares, retablos y todo lo neçesario para la deçençia della”.

El maestro cantero Andrés de Castro se encargó de la construcción de la capilla, que en octubre de ese mismo años estaba ya rematada 13 , mientras que el retablo fue

9 MARTÍN GARCÍA, 2005: 745.

10 Esta p��rta hab�a sido r��onstr�ida �n 1741 s���n �� pro���to pr�s�ntado por C��m�nt� Esta p��rta hab�a sido r��onstr�ida �n 1741 s���n �� pro���to pr�s�ntado por C��m�nt� Fern�ndez Sarela (F�L�AR, 1985: 41-42, l�m. 8). En la década de 1830 fue demolida, corriendo as� �na s��rt� simi�ar a �a d� otras p��rtas d� �a m�ra��a d� �a �i�dad, ���a d�mo�i�i�n s� ini�i� �n 1800, �ons�rv�ndos� so�o �a P��rta d� Ma�ar��as.

11 Archivo de la Venerable �rden Tercera de Santiago (AV�TS), Archivo de la Venerable �rden Tercera de Santiago (AV�TS), Escritura de compra de la capilla vieja, 31 d� j��io d� 1662 ant� ��an d� Q�intana. TAÍN, 1995: 769.

12 D�b� tratars� d�� dormitorio n��vo �onstr�ido �n ti�mpos d� �a ��ardian�a d�� P. Antonio d� D�b� tratars� d�� dormitorio n��vo �onstr�ido �n ti�mpos d� �a ��ardian�a d�� P. Antonio d� Velasco (1659-1663) PAZ�S, 1979: 182.

13 As� s� r��o�� �n �os r��ibos �ons�rvados �n �� AVOTS. TAÍN, 1995: 770. As� s� r��o�� �n �os r��ibos �ons�rvados �n �� AVOTS. TAÍN, 1995: 770.Andrés d� Castro p�di�ra s�r �� mismo ma�stro �ant�ro ��� �n 1674 �st� trabajando �n �a �api��a de San Antonio de �elide (A Coruña) en una obra tasada por Domingo de Andrade (FERNÁNDEZ �ASALLA, 2004: 999).

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realizado en 1671 por Antonio de Vaamonde 14 y pintado por Antonio de Castro 15.La VOT para afrontar los gastos recurrió a los ingresos aportados por la fun-

dación de misas perpetuas, así la primera fundación que consta es del año 1671 y a favor de Domingo Freire de Andrade, un rico mercader en cuyas exequias el 16 de diciembre de 1673 se le menciona como bienhechor y fundador de la capilla 16.

Desde los primeros tiempos la presencia de los terciarios en Compostela va unida a prácticas devotas como el ejercicio del Víacrucis que celebran por primera vez el 3 de abril de 1661, tras el acuerdo tomado por la junta el 27 de marzo de recuperar lo que “en esta ciudad es un ejercicio que está olvidado”; el itinerario a seguir – que tenía como meta la ermita de San Paio, situada en la ladera del monte Pedroso – fue señalado por medio de cruces que costearon los miembros de la VOT, por carecer la orden de medios 17. Además de esta práctica devocional, implantada incluso antes de disponer de capilla propia, hay que destacar la organización de la procesión del Domingo de Ramos o del Ecce Homo que se celebró por primera vez el 13 de marzo de 1674 18. Dos actos religiosos que tuvieron continuidad en el tiempo.

14 En �as ���ntas d� 1671 s� r��istran “ En �as ���ntas d� 1671 s� r��istran “ochenta y ocho reales que pago a dicho Vaanonde por la composición del retablo que tiene dicha capilla y echura de las tarimas”, AV�TS, Libro 2º de Juntas 1659-1675, �o�. 90v.

15 E� 5 d� a�osto d� 1671 �� abonan “ E� 5 d� a�osto d� 1671 �� abonan “doscientos y veinte reales… por hauer pintado el retablo de la capilla de dicha ermandad”, AV�TS, Libro 2º de Juntas 1659-1675, fol. 118r.

16 GONZÁLEZ LOPO, 2005: 574. GONZÁLEZ LOPO, 2005: 574.

17 GONZÁLEZ LOPO, 2005: 580. GONZÁLEZ LOPO, 2005: 580.

18 GONZÁLEZ LOPO, 2005: 580. GONZÁLEZ LOPO, 2005: 580.

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La capilla actual: Diego de Romay y Domingo de Andrade

En la junta celebrada el 4 de septiembre de 1676 los hermanos terciarios deciden construir una nueva capilla argumentando que “por quanto en dicha Benerable orden tercera ay mucho número de hermanos y hermanas y bienen a los santos servicios, Biacruçes y fiestas, profesiones abitos y domingos del cordón y que la capilla que tiene…es muy pequeña y estrecha para dichos menesteres”. Para ello –previo acuerdo con el padre Guardián de San Francisco de la cesión por 200 ducados del “sittio neçesario para otra capilla…espaciosa en ancho y largo”- recurren “a los hermanos [terciarios] Diego de Romay y Domingo de Andrade, Maestros Arquitectos 19, para que tomasen las medidas e hiçiesen la planta de ella para reconocer poco más o menos el coste que tendría” 20.

La compra de terreno, formalizada el 11 de diciembre, supuso que a una capilla de sólo “siete braças de largo de nueve palmos cada una” y “tres braças de ancho” 21 se le añadían “12 brazas de largo de nueve palmos cada una y cinco brazas y media de ancho, cuio sitio havía de correr pegado a la otra Capilla vieja desde la esquina del quarto nuebo del comvento de San Francisco por la parte de avajo corriendo el largo hacia el vendabal y muralla de la ciudad, entrando por la huerta del conventto con dicho ancho y largo haciendo frentte dicha Capilla por el nortte adonde está la muralla que divide dicha huerta, dejando la capilla vieja para sacristía” 22.

19 Véas�: sobr� Andrad� PÉREZ COSTANTI, 1930: 15-23; BONET, 1966: 359- 428; GARCÍA Véas�: sobr� Andrad� PÉREZ COSTANTI, 1930: 15-23; BONET, 1966: 359- 428; GARCÍA IGLESIAS, 1993a: 336-377; � TAÍN, 1998. � sobr� Roma� PÉREZ COSTANTI, 1930: 485-487; BONET, 1966: 429-442; GARCÍA IGLESIAS, 1993a: 377-399; � FERNÁNDEZ GASALLA, 2004: 1033-1120.

20 AV�TS, Libro 3º de Juntas, 1675-1717, fol. 15 r. y v. AV�TS, Libro 3º de Juntas, 1675-1717, fol. 15 r. y v.

21 As� �onsta �n �a �s�rit�ra d� �ompra d� 1662 �xp�dida por �� �s�ribano ��an d� Q�intana, As� �onsta �n �a �s�rit�ra d� �ompra d� 1662 �xp�dida por �� �s�ribano ��an d� Q�intana, TAÍN, 1995: 769-770.

22 AV�TS, “Escritura de cesión del sittio para en el hacer nueba capilla de la T.�.”, Libro 3º de AV�TS, “Escritura de cesión del sittio para en el hacer nueba capilla de la T.�.”, Libro 3º de ��ntas, 1675-1717, �o�. 35 v. , �it TAÍN, 1998: 249.

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De acuerdo con el presupuesto de 27 000 reales presentado por Diego de Romay se convoca, como era habitual, un concurso público con el fin de asig-nar la obra al “Maestro que más bajase” 23. Con todo, la falta de medios, pues se dependía de las limosnas y donaciones de los fieles 24, supuso que la cons-trucción de la nueva capilla no se iniciase hasta 1681 y que su edificación se prolongase durante veinticinco años, pudiendo al fin inaugurarse el 23 de agosto de 1706 con la bendición de la capilla por el terciario D. José Antonio Jaspe Montenegro, obispo de Prisren, auxiliar de la diócesis, y el traslado del Santísimo Sacramento seis días después 25.

La obra se inicia, como señala Taín, en 1681 bajo la dirección de Diego de Romay, pero poco después la fábrica debió interrumpirse pues en la junta ce-lebrada el 19 de marzo de 1691 se decide poner fin a la obra, solicitando para ello la ayuda económica a los miembros de la orden, y ofreciéndose Romay, ante tal situación, a no “lleuar nada” por su trabajo 26. Pero no será hasta casi un año después cuando, en la junta del 17 de febrero, se consideren las condiciones presentadas por Domingo de Andrade, “que ahora nuebamente auía echo”, y se acuerde convocar de nuevo un concurso público 27. No hay constancia del nombre del maestro que asumió esta segunda fase de la obra, pero sí de que el proceso constructivo fue seguido por Domingo de Andra-de, a quien entre mayo y septiembre de 1692 se abonan diferentes partidas, recogidas en el Libro de juntas, en cuanto era el que “corría con la obra de la Capilla” y al que el 8 de agosto de 1701 se le pagan 15 reales por el tiempo y

23 AV�TS, Libro 3º de Juntas, 1675-1717, fol. 15 v. AV�TS, Libro 3º de Juntas, 1675-1717, fol. 15 v.

24 Una minuciosa lectura del Libro 3º de Juntas (1675-1717) ha permitido a �onz�lez Lopo com- Una minuciosa lectura del Libro 3º de Juntas (1675-1717) ha permitido a �onz�lez Lopo com-probar �na r��a�i�n �ntr� �as ��nda�ion�s d� misas p�rp�t�as � �a �ompra d� �arros d� pi�arra � de cantería para las obras de la capilla (��NZÁLEZ L�P�, 2005: 574).

25 GONZÁLEZ LOPO, 2005: 574. GONZÁLEZ LOPO, 2005: 574.

26 El avance de los trabajos queda refl ejado en la detallada información de la compra de mate- El avance de los trabajos queda reflejado en la detallada información de la compra de mate-riales recogida en el Libro de Juntas (TAÍN, 1995:772).

27AV�TS, Libro 3º de Juntas, 1675-1717, fol. 138 r. y v.AV�TS, Libro 3º de Juntas, 1675-1717, fol. 138 r. y v.

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la comida invertidos durante cinco días “por yr a la mediçión” de la capilla 28. Cabe suponer que la contrata se hizo de nuevo a la baja y que esto repercutió en

la solidez de sus muros, pues en el acta de la junta celebrada el 11 de abril de 1701 se dice que la “fábrica auía cesado por falta de medios y [por] hauerse condenado por falsa vna de las paredes de ella, que es la que sale hacia la guerta del conbento, por diferentes maestros de el arte, y hauerse echo de barro, por cuia causa no se podía proseguir en ella” 29. De ahí que los terciarios reclamasen la citada visita de Andrade en agosto de 1701 y requiriesen incluso, muerto ya Diego de Romay 30, que otro maestro de prestigio, el benedictino fray Gabriel de Casas, inspeccionase las obras y en agradecimiento le obsequian en noviembre del mismo año 31.

Por ello, con el fin de asegurar la buena marcha de la obra y evitar nuevas incidencias, ejercerá, entre abril de 1702 y agosto de 1706, como “aparejador” Tomé Vidal 32, un maestro cantero que por las mismas fechas consta ejecutan-do en Compostela trazas de Gabriel de Casas 33.

Aunque el avance de la obra permitió la bendición de la capilla el 23 de agosto de 1706, eso no supuso el final de la fábrica pues todavía en 1708 se construye a los pies de la capilla el coro alto, pensado para que los frailes franciscanos pu-diesen asistir desde el propio convento a los cultos de los hermanos terciarios 34.

28 AV�TS, Cuentas de la edifi cación de la capilla AV�TS, Cuentas de la edificación de la capilla, �o�. 16r., TAÍN, 1995: 773 � 775.

29 AV�TS, Libro 4º de Juntas, 1701-1741 AV�TS, Libro 4º de Juntas, 1701-1741, �o� 2r. � 3r.

30 Había fallecido en agosto de 1694 (��NET, 1966: 431) Había fallecido en agosto de 1694 (��NET, 1966: 431)

31 En el libro de Cuentas de la edifi cación de la capilla, conservado en el AV�TS, se registra el En el libro de Cuentas de la edificación de la capilla, conservado en el AV�TS, se registra el 7 d� novi�mbr� d� 1701 �o �astado por “vn recado de camino de plata [�omp��sto por] cuchara, tenedor y cuchillo… por asistencia a la fábrica de la Capilla” (AV�TS, Cuentas de la edificación de �a �api��a, �o�. 20r. TAÍN, 1995: 775).

32 AV�TS, Cuentas de la edifi cación de la capilla fol. 20r. TAÍN, 1995: 775. AV�TS, Cuentas de la edificación de la capilla fol. 20r. TAÍN, 1995: 775.

33 En �on�r�to �a obra �n �a ��� trabaja �s �n �� �amar�n � sa�rist�a d� �a �api��a d� �a Vir��n En �on�r�to �a obra �n �a ��� trabaja �s �n �� �amar�n � sa�rist�a d� �a �api��a d� �a Vir��n del Portal, vinculada al convento de Santa �aría de �elvís (FERNÁNDEZ �ASALLA, 2004: 1211).

34 Para ���o s� habi�it� �na p��rta “ Para ���o s� habi�it� �na p��rta “en la pared alta…de suerte que no falte a la clausura religiosa” (AV�TS, Concordia entre el convento de San Francisco y la V�T firmada el 11 de mayo de 1708, carpeta nº 103, TAÍN, 1995: 776).

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En el Archivo de la VOT se conserva una traza de la capilla, formada por planta y alzado; un proyecto carente de firma pero que muy probablemente es el realizado por Andrade en 1676, a juzgar por el tipo de letra del texto expli-cativo 35. Según este proyecto estaba prevista una capilla de planta rectangu-lar de una sola nave organizada en cinco tramos, el central ligeramente más ancho, y cuyos muros se articulaban con sencillas pilastras toscanas que flan-queaban arcos de medio punto abiertos en el espesor del muro, posiblemente destinados a cobijar sepulturas 36; la cubierta se resolvía con una bóveda de cañón reforzada por arcos fajones, una bóveda alunetada aunque sólo preveía apertura de vanos en los tramos impares.

Sin embargo no fue este el proyecto seguido, pues, como antes indicamos, la falta de medios motivó que la obra avanzase con gran lentitud hasta que en 1691 se decide su reanudación, pero con cambios que requirieron que Domin-go de Andrade hiciese una nueva propuesta acompañada de unas condiciones “que ahora nuevamente auía echo”. Unas condiciones y un nuevo proyecto que no se conservan, lo que no impidió que la autoría de la capilla se vinculase al maestro de obras de la catedral dadas las reiteradas referencias que a él cons-tan en la documentación del archivo de la VOTS 37.

35 F�� dada a �ono��r � atrib�ida a Domin�o d� Andrad� por Ta�n, ��i�n a �a vista d� �as di��r�n- F�� dada a �ono��r � atrib�ida a Domin�o d� Andrad� por Ta�n, ��i�n a �a vista d� �as di��r�n-�ias �on �a �api��a a�t�a� �onsid�ra ��� d�b� �orr�spond�r a �a prop��sta �n�ar�ada por �os h�rma-nos t�r�iarios �n �� mom�nto ��� d��id�n �mpr�nd�r �a �onstr���i�n d� �a �api��a a�t�a�, � �orr�s-pondería al proyecto presupuestado por Diego de Romay en 27.000 reales (TAÍN, 1995: 774 y 777).

36 Los �nt�rrami�ntos �n �� int�rior d� �a i���sia �ontin�aron hasta s� prohibi�i�n por �� �obi�rno Los �nt�rrami�ntos �n �� int�rior d� �a i���sia �ontin�aron hasta s� prohibi�i�n por �� �obi�rno �n 1833, mom�nto �n �� ��� �os �ran�is�anos � �os t�r�iarios ����aron a �n a���rdo por �� ��a� �� �onv�nto ��d�a t�rr�no d� s� h��rta � �a VOT �orr�r�a �on �os �astos d� habi�itar �n �spa�io para cementerio (PAZ�S, 1979: 273).

37 F�� Co�s��o Bo��as �� prim�ro ��� s�ña�� ��� �a �api��a ��� “p�an�ada � �onstr�ida por F�� Co�s��o Bo��as �� prim�ro ��� s�ña�� ��� �a �api��a ��� “p�an�ada � �onstr�ida por Domingo de Andrade desde 1682 a 94”, bas�ndose en las citas recogidas en el Libro de Cuentas (C�USEL�, 1933: 592). Autoría recogida por �onet Correa en el capítulo dedicado a Andrade (��NET, 1966: 392-393) y �ARCÍA I�LESIAS, 1993, XIII: 350).

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FIGURA 1 – Planta y sección de la capilla de la Orden Tercera. AVOTS

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Lo construido antes de 1691 apenas debió pasar de la cimentación, pues inclu-so se cambió la orientación de la capilla; en el proyecto de 1676 la capilla mayor se preveía en el lado sur con el fin de establecer, a través de las dos puertas que flanqueaban su altar, la comunicación interna con el convento de San Francisco, mientras que los fieles accederían por la puerta prevista al noreste en el último tramo. Por el contrario a la actual capilla, aún manteniendo la misma comuni-cación interna con el convento, se accede por el tramo sureste, el más próximo al convento, mientras la capilla mayor se encuentra en el lado norte del solar.

La capilla actual mantiene la solución de una amplia nave dividida en cinco tramos, el último correspondiente al coro, cubierta con una bóveda de cañón reforzada con arcos fajones, pero ahora esos arcos se apean en sencillas ménsulas al haberse eliminado las pilastras previstas en el proyecto inicial de 1676. Se mantiene además tanto la solución de los nichos horna-cinas, abiertos en el espesor de los muros pero todos de idénticas dimensio-nes, como el mismo número de vanos, ahora abiertos sobre los arcos y no en el arranque de la bóveda. El mayor cambio se acusa en la capilla mayor concebida como espacio autónomo, pues rebasa ligeramente la anchura 38 de la nave generando un espacio cuadrangular que se cubre con una media naranja asentada sobre pechinas lisas; un abovedamiento que requirió el re-fuerzo de los ángulos con pilastras de fuste rehundido.

38 Un �nsan�hami�nto ��� sin �mbar�o no s� a��sa a� �xt�rior, p��s s� aprov��ha �� �sp�sor Un �nsan�hami�nto ��� sin �mbar�o no s� a��sa a� �xt�rior, p��s s� aprov��ha �� �sp�sor d�� m�ro d� �a nav�.

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FIGURA 2 – Capilla de la Orden Tercera, Santiago de Compostela

El escaso presupuesto y posiblemente el aprovechamiento del material de la capilla primitiva explica sus muros de mampostería enjalbegada, que ayudan a destacar la sillería empleada en los elementos estructurales de la nave, así como en la capilla mayor su cúpula y el marco de las dos vanos laterales; son estos los únicos dos puntos de una articulación más cuidada con arcos de medio punto, moldurados e impostados – hoy en parte ocultos por los retablos dieciochescos en ellos encajados-, flanque-ados por pilastras cajeadas que rematan con un frontón triangular 39, única concesión ennoblecedora junto con el florón de la clave de la cú-pula que en una obra de Andrade cabe justificar, como dice Monterroso,

39 Ho� pr�sididos por s�ndos �s��dos �ran�is�anos �nmar�ados por s�n�i��os a�antos ��� s� Ho� pr�sididos por s�ndos �s��dos �ran�is�anos �nmar�ados por s�n�i��os a�antos ��� s� in�orporan �n 1716, ���ha �n �a ��� s� abonan “cuarenta reales por abrir los escudos de los dos colaterales de la capilla mayor” (AV�TS, Libro de Cuentas, 1701-1741, fol. 66r.).

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por el propio espíritu humilde de los terciarios y sus escasos medios 40.El resultado es un interior en el que la organización del cuerpo de la nave con sus

nichos hornacina, destinados a enterramientos, recuerda sobre todo a la solución que presenta el proyecto que en 1634 había realizado el arquitecto Bartolomé Fernández Lechuga para la capilla de la cofradía de Nuestra Señora del Rosario de la iglesia de Santo Domingo de Bonaval 41, pero también la disposición que el propio Domingo de Andrade propone en 1695 para la iglesia de Santa Clara de Santiago 42. Mientras que la solución de un espacio cupulado para la capilla mayor remite a la casi coetánea capilla de la Virgen del Portal, obra atribuida a Domingo de Andrade 43.

Aunque hasta el 23 de agosto de 1706 no se celebró la bendición solemne de la capilla, ya en la Semana Santa de ese año los hermanos terciarios decidieron construir un monumento de Jueves Santo con el fin de dar mayor solemnidad a las celebraciones de Semana Santa 44, algo a lo que se opusieron los francis-canos, encabezados por su guardián Fr. Francisco de Castro, temerosos de que eso pudiera repercutir en los actos que se celebraban en su iglesia; se produjo así un enfrentamiento, con intervención del arzobispo, con pleito incluido al que se puso fin con una escritura de concordia firmada en 1708 45. A este intento de la VOT para dar mayor relieve a los actos de Semana Santa posible-mente se debe un proyecto conservado en el archivo de la orden que pudiera corresponder a ese pretendido monumento de Jueves Santo 46.

40 MONTERROSO, 1997: 190. MONTERROSO, 1997: 190.

41 FOLGAR, 1989b: 251-258. La �vo�a�i�n d�� pro���to d� F�rn�nd�� L��h��a no r�s��ta �x- FOLGAR, 1989b: 251-258. La �vo�a�i�n d�� pro���to d� F�rn�nd�� L��h��a no r�s��ta �x-traño t�ni�ndo �n ���nta �a admira�i�n ��� Andrad� s�nt�a por �st� ar��it��to ba��ano a ��i�n ha�� r���r�n�ia �n s� �ibro Excelencias, Antigüedad y Nobleza de la Arquitectura (Santiago, 1695).

42 E� pro���to d� Andrad� ��� �j���tado por �� ma�stro P�dro d� Arén, FOLGAR, 1990: 127-138. E� pro���to d� Andrad� ��� �j���tado por �� ma�stro P�dro d� Arén, FOLGAR, 1990: 127-138.

43 BONET, 1966: 393. BONET, 1966: 393.

44 S� ����bra�i�n o��paba �n pap�� d�sta�ado �n �� �a��ndario t�r�iario, �om�n�ando �on �� S� ����bra�i�n o��paba �n pap�� d�sta�ado �n �� �a��ndario t�r�iario, �om�n�ando �on �� rezo de Vía Crucis y siguiendo con los desfiles procesionales (�artín �arcía, 2005: 756).

45 Véas� GONZÁLEZ LOPO, 2005: 578-579. Véas� GONZÁLEZ LOPO, 2005: 578-579.

46 Se trataría del proyecto, dado a conocer por Taín (1995: 782). Se trataría del proyecto, dado a conocer por Taín (1995: 782).

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Otras obras tras la inauguración de la capilla:

Una vez concluida la construcción de la capilla, lo más urgente era habilitar el mobiliario que permitiese la celebración de los cultos y, como era práctica habitual, la atención se centró en el retablo mayor; su encargo en 1711 coinci-dió con la fecha en la que doña Juana de la Peña hizo una donación que supuso una importante inyección para las arcas de la orden, pues permitiría además cuatro años después la construcción de la sacristía 47. Dos obras para las que la VOT, una vez más, recurrió a los más solventes artífices que trabajaban en la ciudad: a Miguel de Romay, entallador y escultor, para la ejecución del reta-blo que más adelante analizaremos, y al dictamen del arquitecto Fernando de Casas 48 para la construcción de la sacristía 49.

En la junta celebrada el 19 de mayo de 1715 los terciarios informan, tras solicitar permiso al Padre Provincial, de “la neçesidad que tenia esta Venerable horden de una sacristía para mayor desencia del culto diuino, rebistirse los sa-cerdotes que celebran el santto sacrificio de la misa en dicha capilla”, decidién-dose construir la sacristía “a espaldas del Altar mayor” 50.

Meses después, en febrero de 1716, tras deliberar si era más conveniente que la obra se hiciese “a jornal o rematarla en maestro que corra con ella”, deciden “que la obra de dicha sachristía se aga por jornal. Y a de lleuar dicha sacristía su alto sobrado y las paredes ygualarán con la cornija de la capilla de auajo”, acordando además tratar “con Fernando de Casas maestro de obras de

47 En 1711 ��ana d� �a P�ña, �sposa d�� ri�o m�r�ad�r �ompost��ano Gr��orio B�rn�rd��, En 1711 ��ana d� �a P�ña, �sposa d�� ri�o m�r�ad�r �ompost��ano Gr��orio B�rn�rd��, cedió a la orden bienes inmuebles en Santiago y un elevado número de fincas y rentas en varias feligresías rurales, percibiendo la hermandad los primeros ingresos en 1715 (��NZÁLEZ L�P�, 2005: 575).

48 Sobr� �st� ar��it��to d� �a �at�dra� d� Santia�o véas� COUSELO, 1933: 233-245; GARCÍA Sobr� �st� ar��it��to d� �a �at�dra� d� Santia�o véas� COUSELO, 1933: 233-245; GARCÍA IGLESIAS, 1993� � FERNÁNDEZ GONZÁLEZ, 2008.

49 TAÍN, 1995: 776. TAÍN, 1995: 776.

50 AV�TS, Libro 3.º de Juntas, 1675-1717, fol. 233v.234r.

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la santa yglesia la forma y disposición que ha de lleuar dicha sachristía” 51. La construcción de la sacristía, que fue posible gracias a la cesión de los

franciscanos de un solar detrás de la cabecera de la capilla, permitió dis-poner de un espacio “donde se puedan guardar los ornatos y revestirse más conmoda y decentemente los religiosos” 52; una estancia que en mayo de 1719 estaba terminada procediéndose, tras el reconocimiento del arquitecto Si-món Rodríguez, a la entrega del último pago al maestro cantero Esteban de Castro que había tomado la obra a jornal 53.

Se completa así la imagen externa del conjunto de la capilla, que se presenta como una construcción modesta en la que destaca sólo en altura el espacio de la capilla mayor con su cubierta a cuatro vertientes y la torre campanario, en el ángulo noroeste de la sacristía, único elemento que indica su carácter religioso.

Al mismo tiempo que se edificaba la sacristía se procedió a urbanizar el es-pacio delimitado por la capilla y el convento franciscano, posiblemente bajo la supervisión de Fernando de Casas 54; se cumplía así lo ya expuesto en la junta de 19 de mayo de 1715, pues los franciscanos cedían el terreno a cambio de “que esta Venerable horden a su costa a de encañar el agua que suele venir para la guerta del convento, desmoronar el muro viejo que corre desde el cruçero de la entrada de la portería asta dar juntto a dicha capilla y hacer dicho muro de nuebo desde dicho crucero asta la referida capilla, de suerte que en el pedazo de guerta o rincón que está a aquella parte a de quedar plazuela y esta se a de enlosar y dicho muro a de ser de tal altura que por él no se registre la portería

51 AV�TS, Libro 3.º de Juntas, 1675-1717, fol. 246v.-247, cit FERNÁNDEZ ��NZÁLEZ, 2008: 179-180. AV�TS, Libro 3.º de Juntas, 1675-1717, fol. 246v.-247, cit FERNÁNDEZ ��NZÁLEZ, 2008: 179-180.º de Juntas, 1675-1717, fol. 246v.-247, cit FERNÁNDEZ ��NZÁLEZ, 2008: 179-180.

52 Cuentas de la edifi cación de la capilla, fol. 3r.-5v. y Concordia entre el convento de San Francisco Cuentas de la edificación de la capilla, fol. 3r.-5v. y Concordia entre el convento de San Francisco y la V�T firmada el 16 de julio de 1715 ante el escribano Ignacio Antonio �il, �it. TAÍN, 1995: 776.

53 Los datos registrados tanto en el Libro 4º de Juntas, 1717-1741 como en el Libro 4º de Los datos registrados tanto en el Libro 4º de Juntas, 1717-1741 como en el Libro 4º de cuentas, 1701-1741, reflejan el avance de la obra, pero también que la función de esta nueva d�p�nd�n�ia �staba p�nsada no so�o a modo d� sa�rist�a, ��� �om�ni�a �on �a �api��a a través d� �as dos p��rtas abi�rtas �n �a bas� d�� r�tab�o ma�or, sino también �omo sa�a d� j�ntas (FERNÁDEZ ��NZÁLEZ, 2008: 180-181).

54 Así lo consideran Taín (1995, 776) y Fern�ndez �onz�lez (2008: 181). Así lo consideran Taín (1995, 776) y Fern�ndez �onz�lez (2008: 181).

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del convento” 55. Con ello, como recoge el documento de concordia firmado el 16 de junio de 1715, se configuraba “vna plazuela decentte y aseada para que tanto el comuento como dicha Capilla tengan la enttrada más desembarazada y hermosa, y dicha plazuela la han de allanar y enlosar” 56.

Como tantas veces ocurre la escasez de medios obliga a una contrata de obra a la baja que acaba repercutiendo en la solidez de los muros, de ahí que en la década de 1780 fue necesaria una labor de consolidación realizada de acuerdo con el plan presentado por Manuel de Prado, según el mismo declara en el informe presentado en 1821 en la Academia de San Fernando: “La iglesia de la tercera Orden de esta Ciudad, declarada por falsa por los más maestros de ella, por lo cual dispusieron acimbrarla en virtud del desplome que tienen ambas paredes, aberturas de bóvedas, arco toral y media naranja, se le ha buscado para proporcionar un reme-dio, con el cual ahorrarse la ermandad de hacer un dispendio que le era imposible en jamás, supuesto había que tirar lo más de la iglesia y hacerla de nuebo. Con efecto tiene ya la satisfación de tener las paredes aseguradas y que no se desbiaran más ni una línea, en razón de que le dispuso un tra-bazón y enlace en la armazón del tejado que no le permitirá a las paredes desbío alguno; y sólo le falta el ataque de arcos y bóbedas, que se están trabajando…” 57. Para plasmar esta solución y así evitar la ruina de la bóveda, al año siguiente, la VOT encargó al maestro de obras José Pérez Machado reforzar los muros con doce estribos de doce varas de altura y con los cimientos necesarios para su seguridad, siete por la parte de la huerta y cinco hacia el campillo 58. Desconocemos la razón, pero este

55 AV�TS, Libro 3º de Juntas, 1675-1717, fol. 234r.

56 AVOTS., Con�ordia �ntr� �� �onv�nto d� San Fran�is�o � �a VOT �irmada �� 16 d� j��io AVOTS., Con�ordia �ntr� �� �onv�nto d� San Fran�is�o � �a VOT �irmada �� 16 d� j��io de 1715, carpeta nº 103, TAÍN, 1995: 776.

57 OTERO, 1982: 486. OTERO, 1982: 486.

58 COUSELO, 1933: 522. COUSELO, 1933: 522.

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reforzamiento de los muros – ya previsto por Domingo de Andrade en su proyecto de 1676 para el muro que linda con la huerta – no se llego a materializar y la obra de consolidación de sus muros fue dirigida por el maestro de obras franciscano Manuel Caeiro.

Los retablos: Miguel de Romay y Simón Rodríguez

Es en la capilla mayor de la Venerable Orden Tercera donde se sitúan los tres retablos del templo y para su ejecución los hermanos terciarios recurrieron, como había ocurrido en anteriores ocasiones, a maestros de prestigio que además contaban con el aval de haber trabajado con ante-rioridad para los frailes franciscanos. Y así confían la traza y ejecución del retablo mayor a Miguel de Romay – que en 1694 se había encargado de “recomponer” los pasos procesionales de la cofradía de la Vera Cruz 59 – y el diseño de los retablos colaterales a Simón Rodríguez, que desde 1720 estaba trabajando en el convento.

El 1 de julio de 1711 se formaliza la escritura notarial por la que Miguel de Romay asume la ejecución, siguiendo su propia traza, del retablo mayor; una tarea que estaba terminada en 1714 y por la que le abonaron doscientos doblones 60.

59 FERNÁNDEZ GASALLA, 1996: 238. FERNÁNDEZ GASALLA, 1996: 238.

60 En �as ���ntas d�sd� �� año 1711 s� r��istran s���sivas partidas � �n 1714 s� di��: “ En �as ���ntas d�sd� �� año 1711 s� r��istran s���sivas partidas � �n 1714 s� di��: “Yten un mill ducientos y sesenta y nuebe reales que en ocho de mayo, 22 de junio, nuebe de julio y tres de agosto de este dicho año [1714] pago a Miguel de Romay a cuenta de los que se le deue de la echura del rretablo de la Capilla”. AVOTS, Libro d� C��ntas, 1701-1741, �o�. 51 v.

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FIGURA 3 – Retablo mayor de la capilla de la Orden Tercera, Santiago de Compostela

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Es un retablo, de cuerpo único y ático, que se adapta al arco semicircular del testero, siguiendo el modelo de “máquina” barroca experimentado en el retablo mayor de la iglesia de Santa Clara de Santiago, que Domingo de Andrade había trazado en 1700. Y es que Miguel de Romay, que como re-tablista que empieza trabajando con Antonio de Afonsín 61, se mueve como éste entorno al taller del arquitecto de la catedral 62 y se muestra heredero de su fastuosidad ornamental. Si bien, como dice Otero Túñez, este retablo de la Tercera Orden marca el comienzo de la etapa de madurez de Romay.

El retablo se asienta sobre un pedestal de cantería animado por leves resaltos geométricos, similares a los de los retablos del crucero de la antigua iglesia de la Compañía de Santiago trazados por Domingo de Andrade, esto hace pensar que aquí ese basamento estaba ya contemplado en el proyecto de la capilla; pero en 1715 fue rasgado con el fin de establecer el acceso a la nueva sacristía, lo que se observa en el corte que presenta. De esa fecha son por tanto también las dos puer-tas en cuyos recuadros centrales aparecen tallados los escudos franciscanos más frecuentes: los brazos de Cristo y san Francisco sobre la Cruz y las cinco llagas.

Sobre el pétreo pedestal se alza todavía un elevado banco, en el que se esta-blecen los distintos planos del retablo, que se interrumpe en la calle central; esta aparece hoy muy alterada al haberse sustituido tanto el primitivo altar como el sagrario para integrar unas anodinas gradas; con esta intervención se perdió “un escaparate y custodia para el Niño” pagado en junio de 1711 a Jacinto de Barrios 63.

El cuerpo principal lo articulan tres pares de columnas salomónicas de capi-teles compuestos, asentadas sobre pedestales acantaliformes y dispuestas en dos planos, con el fin de situar en un plano ligeramente avanzado las calles laterales y de conseguir una mayor profundidad óptica en la abocinada hornacina princi-

61 Entr� 1704 � 1705 Roma�, �omo �s���tor, � A�ons�n, �omo �nta��ador, �oin�id�n trabajando Entr� 1704 � 1705 Roma�, �omo �s���tor, � A�ons�n, �omo �nta��ador, �oin�id�n trabajando �n �a �at�dra� �n �a �aja d�� �r�ano d�� �ado d�� �van���io � �n �� r�tab�o d� N��stra S�ñora d� �a Soledad (�TER�, 1958: 194 y FERNÁNDEZ CASTIÑEIRAS, 2002: 397).

62 OTERO, 1958: 193- 208, GARCÍA IGLESIAS, 1993b: 286-302. � MONTERROSO, 2004a: 60-65. OTERO, 1958: 193- 208, GARCÍA IGLESIAS, 1993b: 286-302. � MONTERROSO, 2004a: 60-65.

63 AVOTS, Libro d� C��ntas, 1701-1741, �o� 38v. AVOTS, Libro d� C��ntas, 1701-1741, �o� 38v.

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pal presidida por la Virgen de los Dolores 64. La secuencia de planos se acusa en el entablamento, que semeja interrumpirse en la parte media al quedar oculto por un óvalo, sostenido por ángeles, en el que se muestra un corazón llameante con cuatro puñales en alusión a la titular. En las calles laterales se superponen dos hornacinas ocupadas por san Luis rey de Francia y santa Rosalía, en la parte baja, y san Antonio de Padua y santa Isabel de Hungría en la parte alta.

El ático vuelve a repetir la articulación tripartita, de modo que sobre un banco se disponen columnas salomónicas y machones que enmarcan la calle central, presidida por un alto relieve con la escena de la Estigmatización de san Francisco 65, y dejando a ambos lados pequeños espacios triangulares ocupados por rizados roleos. Su entablamento se adapta a la curvatura del marco pétreo, quebrándose en los puntos correspondientes a los soportes para así volver a destacar los planos, al tiempo que se complementa con las habituales cinco cabezas de querubines entre acantos.

Miguel de Romay mientras que en lo referente a la estructuración sigue las pautas de Andrade, en la imaginería realizada para este retablo 66 acusa, como dice Monterroso, la dependencia del taller de Mateo de Prado 67. Esto está perfectamente reflejado en la talla de san Antonio de Padua al presentar las características introducidas en Galicia por Prado a mediados del siglo XVII, frente a las hasta entonces dominantes debidas a Francisco de Moure; unas peculiaridades que tendrán una gran difusión y que reiteradamente

64 La �onstr���i�n d� �a sa�rist�a p�rmiti� habi�itar �na �sp��i� d� �amar�n, a� ti�mpo ��� �� vano La �onstr���i�n d� �a sa�rist�a p�rmiti� habi�itar �na �sp��i� d� �amar�n, a� ti�mpo ��� �� vano prin�ipa� ��� horadado ��n�rando s� �i�rr� a�rista�ado �� ����to d� transpar�nt�.

65 En �as ord�na�ion�s ��n�ra��s d� �a V�n�rab�� Ord�n T�r��ra d� p�nit�n�ia di�tadas por �ra� En �as ord�na�ion�s ��n�ra��s d� �a V�n�rab�� Ord�n T�r��ra d� p�nit�n�ia di�tadas por �ra� B�rnardino d� Si�na �n 1629 s� s�ña�an a �o �ar�o d�� año �it�r�i�o �na s�ri� d� ����bra�ion�s �ran�is�anas d� in���dib�� ��mp�imi�nto �omo son �as nov�nas a san Fran�is�o, san L�is r�� d� Fran�ia o santa Isab�� d� H�n�r�a, éstos dos ��timos �n s� �ondi�i�n d� patronos. Sobr� �a �orma d� vida t�r�iaria véas� MARTÍN GARCÍA, 2005: 751-760.

66 No s� d�b� a s� mano �a Vir��n d� �os Do�or�s, ima��n d� v�stir ��� pr�sid� �a horna�ina No s� d�b� a s� mano �a Vir��n d� �os Do�or�s, ima��n d� v�stir ��� pr�sid� �a horna�ina prin�ipa� vin���ab�� a� ta���r d� �osé F�rr�iro � datab�� ha�ia 1770.

67 MONTERROSO, 2004b: 63. MONTERROSO, 2004b: 63.

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continuarán hasta las primeras décadas del XVIII, momento en el que el santo recupera sus habituales atributos: el lirio y el libro. Mateo de Prado impone un san Antonio joven, con abundante pelo, tonsurado y barbilam-piño. Con la mano izquierda sujeta la parte inferior del hábito para así poder mantener de pie al Niño – lo sagrado no puede tocarlo la mano del hombre- mientras que la derecha la pone amorosamente sobre su espalda. Un Niño que no aparece desnudo o con un vestido que dejaba ver buena parte de su cuerpo como era habitual, sino que aparece cubierto por una túnica que lle-ga a media pierna y que va ceñida a su cintura con un cíngulo.

FIGURA 4 – Detalle del retablo mayor de la capilla de la Orden Tercera, Santiago de Compostela

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Venerada y Ornada: arquitectura y retablos de la capilla de la Orden Tercera de Santiago de Compostela

La cuidada estructuración del retablo y su exquisita y minuciosa talla se complementa con una espléndida policromía dorada, obra realizada en 1729 por Domingo García del Coto, que recibió por el trabajo 10 500 reales 68.

En los laterales del amplio presbiterio se ubican los retablos colatera-les, acomodados a los nichos que para este fin dispusiera Domingo de Andrade 69. Son dos muebles que fueron ejecutados entre 1737 y 1738 por Manuel de Leis 70 y Francisco das Moas 71. La relación del Libro de Cuentas recoge el abono a ambos artistas de dos partidas: la primera en 1737 de 2 200 reales por cuenta de “los dos colaterales que hicieron en la capilla” y la segunda en 1738 de trescientos reales “por bía de gratificaci-ón a Manuel de Leys y Francisco das Moas, Maestros de arquitecttura de los colaterales que hizieron” 72.

68 AVOTS, Libro d� C��ntas, 1701-1741, �o� 168, �it. COUSELO, 1933: 383. AVOTS, Libro d� C��ntas, 1701-1741, �o� 168, �it. COUSELO, 1933: 383.

69 En �as ���ntas d� 1704 s� r��istran 5.000 r�a��s �ntr��ados por D. Di��o d� M�r�a a ��i�n �a En �as ���ntas d� 1704 s� r��istran 5.000 r�a��s �ntr��ados por D. Di��o d� M�r�a a ��i�n �a “B�n�rab�� Ord�n T�r��ra hi�o ��si�n d� vno d� �os dos �o�at�ra��s d� �a �api��a n��va d�j�ndo�o a su galantería y liberalidad” (AV�TS, Libro de Cuentas, 1701-1741, fol. 17 r.).

70 S� vin���a�i�n �on �os t�r�iarios s� r�montaba a� m�nos a� año 1714, ���ha �n �a ��� s� S� vin���a�i�n �on �os t�r�iarios s� r�montaba a� m�nos a� año 1714, ���ha �n �a ��� s� r��istra s� nombr� �ntr� �os ��� hab�an �ontrib�ido a �os �astos d�� r�tab�o ma�or �on �a t�sti-monial aportación de “tres reales y 26 maravedíes” (AV�TS, Libro de Cuentas, 1701-1741, fol. 55r.). Sobre este artista véase F�L�AR, 1974a: 20-21, �ARCÍA I�LESIAS, 1993: 302-303 y MONTERROSO, 2004b: 92-93.

71 S� trata d� �n artista ���, �omo Man��� d� L�is, s� m��v� �n �� �ntorno d� Sim�n Ro- S� trata d� �n artista ���, �omo Man��� d� L�is, s� m��v� �n �� �ntorno d� Sim�n Ro-dr����� � sobr� todo d� F�rnando d� Casas, �on ��i�n trabaja �n varias obras d� �a �at�dra� compostelana (C�USEL�, 1933: 457-459).

72 La s���nda partida ��� �ibrada �� 26 d� a�osto d� 1738 �, �nos d�as d�sp�és, �� 31 d�� La s���nda partida ��� �ibrada �� 26 d� a�osto d� 1738 �, �nos d�as d�sp�és, �� 31 d�� mismo m�s s� �� pa�a a Fran�is�o das Moas 38 r�a��s “por dos tarimas para los colaterales yncluso maderas, cabezón y trabaxo”. AV�TS, Libro de Cuentas, 1701-1741, fol. 220 r., 223r. � 221v. r�sp��tivam�nt�.

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FIGURA 5 – Retablo colateral de la capilla de la Orden Tercera, Santiago de Compostela

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Aunque Leis y Moas aparecen citados como maestros arquitectos, posible-mente aquí estén siguiendo, como señaló Otero Túñez 73, una traza del arqui-tecto Simón Rodríguez. Atribución que avala la vinculación de este maestro con obras compostelanas de los franciscanos 74, pero sobre todo las caracte-rísticas del retablo, así como el hecho de que en varias ocasiones tengamos documentado a Leis interpretando trazas de su maestro Rodríguez: primero en 1721 en el retablo catedralicio de la Virgen de la Prima y en 1735 en el re-tablo de san Francisco de Borja de la antigua iglesia de la Compañía y en los tres retablos de la capilla del Cristo de Conxo. Como en estos muebles, en los de la Tercera Orden nos encontramos el mismo tipo columna de fuste abom-bado, los múltiples planos que provocan el hundimiento de la calle central y su contraste con el plafón sobresaliente del remate, así como todo el lenguaje decorativo tan característico que este arquitecto utiliza tanto en obras lígneas como pétreas: los óvalos, frutas y paños con borlas que ornamentan los fustes de las columnas; las placas de diseños y volúmenes diferentes; las asas que enlazan el banco del retablo con el primer cuerpo y éste con el segundo; o los grandes óvalos rodeados de hojarasca.

Son dos retablos idénticos en su estructuración en los que desde el banco se establece un acusado juego de planos escalonados que va desde las estrechas pilastras de los extremos, pasando por las columnas de fuste abombado hasta las pilastras que flanquean la hornacina de la calle central. Pero esta disposición de planos a partir de la cornisa se hace todavía más acusada en el ático con un ori-ginal cierre, entre arco de medio punto y adintelado, que culmina en un plafón que con su vuelo cobija la calle central. Y esa audaz estructura se enriquece con el complemento decorativo antes mencionado en el que encontramos – junto a

73 OTERO, 1953: 407; FOLGAR, 1989a: 106. OTERO, 1953: 407; FOLGAR, 1989a: 106.

74 R��ordar ��� ad�m�s d� s� vin���a�i�n �on �as dos �om�nidad�s �ran�is�anas �ompost�- R��ordar ��� ad�m�s d� s� vin���a�i�n �on �as dos �om�nidad�s �ran�is�anas �ompost�-lanas – primero hacia 1717 con Santa Clara y pocos años después en San Francisco (F�L�AR, 1989a) – los propios hermanos terciarios le habían encargado, como ya señalamos, el reconoci-mi�nto �n 1719 d� �a obra d� �a sa�rist�a.

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las ménsulas acantaliformes y otros motivos vegetales de tallos entrelazados con cintas – diseños geométricos siempre jugando con el círculo que suelen relegar-se a planos secundarios como los laterales de los plintos.

En definitiva unos retablos en los que se impone la tensión barroca de un juego de planos que provoca el desbordamiento del marco pétreo que había diseñado Domingo de Andrade.

La buena situación económica de los hermanos terciarios permitió que sólo tres años después de su conclusión los retablos fueran pintados y dorados, como se recoge en las cuentas de 1740: “ttres mill quinientos nouentta y un rreales que pague a francisco varreiro pintor por dorar los dos Collaterales de la capilla según scritura de remate y más reciuos” 75.

El programa iconográfico de estos retablos es difícil de reconstruir en su aspecto originario, pues a lo largo de los años su imaginería ha ido cambiando. Pero si observamos los motivos que figuran en los óvalos de sus entrecalles podemos deducir que el situado en el muro norte respondería a una advocaci-ón franciscana ya que se representan los escudos de los brazos superpuestos y de las cinco llagas, mientras que en el otro aparecen el sol y la luna, por lo que cabe decir que estuvo presidido por la Inmaculada.

En resumen, tres retablos que responden a dos modelos singulares de la retablística barroca compostelana.

75 AVOTS, Libro d� C��ntas 1740-1845, s.�. AVOTS, Libro d� C��ntas 1740-1845, s.�.

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Nota bene

Para este estudio – asociado a los proyectos de investigación: Artífices e pa-trons no monacato galego. Futuro, presente y pasado (INCITE09 263 131 PR), I.P. Ana E. Goy Diz; y Encuentros, intercambios y presencias en Galicia entre los siglos XVI y XX (HAR2011-22899), I.P. Juan M. Monterroso Montero. Grupo de investigación de la USC: GI-1907 (Iacobus) – hemos tenido acceso a los Libros de Juntas de la VOTS, nuestro más sincero agradecimiento a su presi-dente D. Antonio Díaz Otero.

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Rito e Poder: o desfile da procissão das cinzas

dos Terceiros seráficos e a elevação da praça do Recife à categoria de vila

Maria Eduarda Marques

Procissão das Cinzas de Pernambuco

Um negro magro em sofolié justo,De joias azorragues dois pendentes,Bárbaro Peres, e outros penitentes,De vermelho um mulato, mais robusto.Com as asas seis anjinhos, sem mais custo,Uns meninos fradinhos inocentes,Dez ou doze brichotes mui agentes,Vinte ou trinta canelas de ombro onusto.Sem debita reverencia, seis andores,Um pendão de algodão, tinto em tejuco,Em parelha dez pares de menores;Atrás um negro, um cego, um mameluco,Três lotes de rapazes gritadores:Eis a procissão de cinza em Pernambuco

GREGÓRIO DE MATOS

O soneto que descreve a procissão das cinzas de Pernambuco foi escrito por Gregório de Matos, provavelmente entre 1695 e 1696, no tempo em que ele viveu, de volta do exílio em Angola, uma vida de privações na capitania de Pernambuco. O poeta faleceu no Recife em 26 de novembro de 1696, no

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ano seguinte da constituição canônica da Ordem Terceira do Recife, ocorrida em 12 de junho de 1695, por intercessão dos abastados mercadores da ‘pra-ça”. Embora crítico irreverente dos desmandos da Igreja católica no ambiente colonial, no corpo da obra poética do “Boca do inferno”, há uma variante marcadamente religiosa, de inspiração franciscana, que tematiza a culpa, a salvação, a expiação dos pecados e a efemeridade da vida. Gregório de Ma-tos foi devoto de São Francisco de Assis e chegou a tomar o hábito seráfico na Ordem Terceira de Salvador. Entretanto, o soneto “Procissão das cinzas de Pernambuco” não tem a marca da poesia religiosa gregoriana, mas dos seus versos de circunstância, caracterizados pelo tom irônico e impiedoso de sua sátira social. No soneto, o poeta assinala a pobreza dos andores, tintos “em tejuco” ou sujos de lama, e as alegorias do préstito, frequentado por “um cego”, “um mameluco”, “um negro magro”, “mulatos” e agentes estrangeiros, ou “brichotes”, figuras caricatas de inversão da ordem social. É descrito um quadro social transgressor, identificado com as camadas mais inferiores da hierarquia social, em contraste com os valores vigentes nas sociedades ibéri-cas do Antigo Regime, nomeadamente os ideais de “qualidade” e de “pureza de sangue”, que fundamentavam a base social das Ordens Terceiras francis-canas. No verso gregoriano, a procissão dos penitentes dos irmãos francis-canos, tradicionalmente organizada com o zelo das precedências e com o aparato faustoso preparado pelas Ordens Terceiras franciscanas, compostas pelas elites locais coloniais, desfila em Pernambuco pobre e desqualificada socialmente, suscitando a verve satírica do poeta 1.

Considerando o período em que viveu em Pernambuco, Gregório de Matos certamente escreveu sobre o desfile organizado pelos irmãos pe-nitentes da Ordem Terceira de Olinda, uma vez que a procissão do Recife só foi autorizada a desfilar em 1710, em razão dos conflitos políticos, que conflagraram a capitania, quando o poeta já havia falecido. Confronta-

1 Sobr� a obra d� Gr���rio d� Matos, v�r HANSEN, 1989.

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ram-se em Pernambuco o agricultor produtor de açúcar de Olinda e o mercador reinol do Recife. Sem registro em outras áreas açucareiras da colônia americana, a contenda foi travada entre o Recife ascendente dos mercadores, pejorativamente chamados “mascates”, que aspirava à eman-cipação política, e a Olinda decadente dos “ nobres” senhores de engenho, que insistiam em conservar artificialmente seus privilégios. Para Evaldo Cabral de Mello, em seu estudo clássico A fronda dos mazombos nobres contra mascates, Pernambuco 1666-1715, a luta pelo poder local gerou em Pernambuco “um antagonismo hegemônico que tendeu a subordinar to-das as demais rivalidades da capitania” 2.

A crer no testemunho, na forma do soneto satírico de Gregório de Matos, ao final do século XVII, o desfile das cinzas de Olinda parece não ter parti-lhado da grandiosidade dos ritos penitentes realizados nas principais vilas da colônia da região açucareira e também daqueles organizados na região das minas, onde predominavam as Ordens Terceiras. Enquanto entidades sele-tivas, voltadas para o exercício da caridade cristã, as Ordens leigas seráficas, compostas pelas elites locais, tendiam a organizar a procissão das cinzas como um espetáculo marcado pelo aparato dos andores, profusão de ornamentos e alegorias e atividades musicais 3. A pobreza plástica e a desqualificação social do préstito penitente de Olinda traduzia a decadência insustentável da vila du-artina e da aristocracia agrária açucareira, que ali floresceu ao tempo da Nova Lusitânia, antes do domínio holandês (1630-1654).

Entretanto, se não o mais rico, o préstito dos Terceiros olindenses se amparava na prerrogativa que gozava a Ordem Terceira da Penitência de São Francisco de Olinda de ter sido a mais antiga entidade seráfica da América portuguesa, fundada

2 CABRAL DE MELLO, 2003: 141.

3 Ada��isa Arant�s Campos d�sta�a a ri����a da ���t�ra art�sti�a d�s�nvo�vida p��os T�r��irosfranciscanos de �inas �erais, relativamente � procissão das cinzas, notadamente em Vila Rica,ond� os T�r��iros �oram r�spons�v�is também por �m �rand� s�rto �onstr�tivo � ornam�nta�identificado com o desenvolvimento do estilo rococó. Ver CA�P�S, 1999.

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entre 1555 e 1575, anterior à construção do convento de Nossa Senhora das Neves, o primeiro convento erguido na colônia americana, em 1585. A devoção dos mo-radores de Olinda por São Francisco precedeu a instalação da Ordem seráfica na colônia. Como observou o poeta, historiador e cronista mor da Ordem franciscana Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, em sua obra basilar, Novo orbe seráfico bra-sílico ou crônica dos frades menores da província do Brasil, publicada em Lisboa em 1761, ao tempo do donatário fundador da Nova Lusitânia, Duarte Coelho (1534-1554), viveu em “Marin de Pernambuco” (Olinda) um religioso Menor que teria construído uma capelinha dedicada a São Roque, onde nela teria iniciado uma Irmandade Terceira. Desde então, os moradores da vila podiam vestir o hábito, fazer os exercícios e as obrigações da regra seráfica. Entretanto, a população ansia-va por ter permanentemente uma casa dos religiosos franciscanos. Em nome dos fiéis pernambucanos, o donatário Jorge de Albuquerque Coelho, filho de Duarte Coelho, solicitou a Frei Francisco Gonzaga, ministro geral da Ordem, a fundação de uma Custódia no Brasil. Vivia nesta época em Olinda a viúva do rico agricultor Pedro Leitão, chamada Dona Maria da Rosa, que, ao final do século XVI, doou terreno de sua propriedade para a construção do Recolhimento de Nossa Senho-ra das Neves, para abrigar um grupo de Terceiras regulares. O Recolhimento de mulheres serviu de base para o estabelecimento definitivo da Ordem dos Frades Menores na vila duartina, a partir de 1584, quando foi criada a Custódia da Ordem franciscana do Brasil, a cargo do Frei Melchior de Santa Catarina. No corpo da igreja do convento de Nossa Senhora das Neves foi instalada, perpendicularmente ao altar-mor, a capela dos Terceiros olindenses, espaço litúrgico exclusivo das elites pertencentes aos primeiros troncos familiares duartinos 4.

4 Frei Antônio de Santa �aria Jaboatão foi professado no convento franciscano de Paraguaçu(�A) em 1717. Depois de concluir os estudos, dedicou-se por trinta anos � pregação. Além de po�ta, �oi m�str� dos novi�os no �onv�nto d� I�ara�� � ��ardião dos �onv�ntos d� �oão P�ssoa �do Recife. �cupou os cargos de definidor, secret�rio e cronista da província de Santo Antônio.Como historiador, �s�r�v�� O catálogo genealógico das principais famílias que procederam de Albuquerques e Cavalcantis em Pernambuco e Caramuru na Bahia, important� �st�do da ��n�a-�o�ia das prin�ipais �am��ias �o�oniais d� P�rnamb��o � da Bahia.

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Da crónica histórica de Frei Jaboatão, é possível apreender a sociabilidade e o poder dos primeiros seráficos olindenses. Esta aduz à origem “aristo-crática” da formação da Ordem Terceira de Olinda à época de sua criação, no último quartel do século XVI. Alguns membros dos ramos familiares identificados com os primeiros colonos agricultores de cana-de-açúcar e fundadores da Nova Lusitânia logo tomaram o hábito franciscano, quando da chegada da missão de Frei Melchior de Santa Catarina. Além do nobre clã dos Albuquerque, proveniente de Dona Brites de Albuquerque, esposa de Duarte Coelho, integravam a Ordem Terceira o fidalgo florentino Felipe Cavalcanti e sua esposa D. Catarina de Albuquerque. Dentre outros ilustres moradores da vila, destaca-se o capitão-mor D. Felipe de Moura, que gover-nou a capitania entre 1593 e 1595. O governador tornou-se protetor da Or-dem seráfica e mandou construir um carneiro de mármore na capela-mor, ao lado do Evangelho. Entretanto, se no texto de Frei Jaboatão é possível identificar a adesão das primeiras famílias integrantes da fidalguia coloni-zadora quinhentista à Ordem Terceira olindense, não há registro a respeito da realização da procissão das cinzas. O rito seráfico dos Terceiros da vila duartina certamente não escapou à crônica acurada do frade historiador por descuido, mas talvez pelo fato do cortejo nunca ter alcançado ali a relevân-cia e a magnificência que teve em outras vilas coloniais.

Durante as primeiras décadas do século XVII, no período anterior à do-minação holandesa, Olinda experimentava o auge da opulência da produção açucareira de Pernambuco, a mais rica e próspera capitania da América portu-guesa. A vila, sede urbana dos senhores de engenho, vivia inebriada pela eufo-ria da riqueza do açúcar. O fausto e o aparato excessivos ensejaram a distensão da moralidade. Frei Manuel Calado, autor de O valeroso lucideno e o triunfo da liberdade, uma das mais importantes narrativas sobre a guerra contra os ho-landeses, publicada em 1648, relacionou o assalto dos holandeses e a queda de

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Olinda em 1631, ao castigo de Deus, em razão de sua riqueza e pecado: “havia sobre ela caído a vara da divina justiça; a instância dos pecados em que estava rondada” 5. Também para Frei Jaboatão, a destruição da vila foi resultante de sua grandeza: ...o nome de Olinda...assim como foi um presságio feliz de sua futura grandeza, foi também anúncio riste de sua vindoura fatalidade, em que só com a breve, e ligeira mudança de uma letra, se havia tornar Olanda, a que era Olinda destino fatal, e que acompanha de ordinário as coisas, grandes, que com seu mesmo crescimento acrescentam e acarretam a sua própria ruína” 6.

As interpretações providencialistas dos cronistas coevos sobre a der-rocada da vila duartina, em função do ataque holandês, indicam a predo-minância de um ambiente social marcado pela abundância excessiva, pelo luxo e pela prodigalidade de seus moradores. Como também observou Sebastião da Rocha Pitta, em sua História da América Portuguesa (1730), “os pernambucanos vivendo com regalo e magnificência pareciam menos observantes da religião” 7. Predominava em Olinda uma sociabilidade pouco propícia à obediência aos princípios seráficos, na forma da obser-vação da regra de uma perfeição evangélica de renúncia à vida mundana e penitência dos pecados. O espetáculo alegórico da procissão das cinzas, voltado para a disciplina, a expiação e a redenção dos pecados, assim como para a afirmação da precariedade da vida mundana, na exterioridade de exemplos ascéticos, pode não ter sensibilizado a aristocracia canavieira da vila, imersa na euforia da riqueza e na relativização dos princípios morais.

Ademais, a Santa Casa da Misericórdia de Olinda, fundada provavelmente em 1539, tornou-se o reduto quase exclusivo dos proprietários ligados ao culti-vo da cana e à produção do açúcar. A Ordem Terceira franciscana dividia com a Santa Casa da Misericórdia a adesão da açucarocracia local. Seus membros

5 CALADO, 1987: 48.

6 �ABOATÃO, 1980: 143

7 PITTA, 1952: 183.

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comandavam atividades espirituais, promoviam diversas cerimônias litúrgicas e desfrutavam do privilégio do uso de vestuário e insígnias próprias, por ocasião dos enterros e procissões. Os irmãos da Misericórdia eram refratários ao ingres-so aos seus quadros das camadas mercantis emergentes do Recife. A Santa Casa de Olinda cristalizou-se como aquilo que António Manuel Hespanha define como “espaço social simbólico exemplar” das elites locais 8, uma agremiação exclusiva dos proprietários descendentes das famílias dos primeiros colonos afi-dalgados chegados a Pernambuco com Duarte Coelho, a chamada” nobreza da terra”. O pertencimento à instituição era um sinal distintivo de “qualidade” e de “nobreza”, conforme o ideal de “pureza social” do Antigo Regime transplanta-do para o ultramar. Para a Misericórdia e seu hospital eram revertidos amplos cabedais. As despesas de ostentação, relacionadas ao culto e aos ritos religiosos eram primordialmente destinadas à entidade. Vivendo a “lei da nobreza”, em fausto e riqueza, no ambiente exclusivo criado pelas regras rigorosas de admis-são, na Santa Casa de Olinda estava lotada a aristocracia canavieira.

A procissão da penitência dos leigos franciscanos começou a desfilar pelas ruas de Olinda em um momento de muita conspicuidade, luxo e opulência dos senho-res de engenho, no auge da produção açucareira, quando havia mais de 150 enge-nhos em funcionamento na capitania. Embora não haja registro preciso, sabe-se, contudo, que o préstito promovido pela Ordem Terceira da vila começou a desfi-lar por volta de 1620, pelo menos duas décadas antes da aparatosa procissão dos Terceiros de Salvador, datada de 1649. O cortejo soteropolitano foi narrado com alento por Frei Jaboatão, que destacou a riqueza e a pompa barroca do espetáculo. Na narrativa do cronista da província franciscana são destacados os andores e a riqueza das alegorias e ornatos, “tudo com muita propriedade, lustro, asseio e a maior grandeza” 9. A descrição de Frei Jaboatão aduz ao relevo social dos irmãos Terceiros de Salvador, figuras de destaque da elite branca de letrados, senhores

8 HESPANHA, 1994: 318-319.

9 �ABOATÃO, 1980: 299.

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de engenho, plantadores de cana e criadores de gado do sertão, os “principais” da governança da capitania. Dentre eles, destaca-se o coronel Domingos Pires de Carvalho, pertencente ao clã dos Garcia D’Ávila, responsável pela construção da capela dos Terceiros em 1702 10. Pelo empenho e cabedais investidos pelos mem-bros da irmandade, a procissão penitente soteropolitana gozava de grande prestí-gio social. O mesmo não se verificou com o rito dos olindenses. Os irmãos fran-ciscanos da vila careciam de ânimo, disciplina devocional e do investimento de grossos cabedais para realizar o desfile do com a mesma magnificência alcança-da pelos congêneres soteropolitanos. Entretanto, por terem iniciado a tradição da procissão das cinzas na América portuguesa, aos Terceiros de Olinda eram conferidos privilégios e primazias, em relação às demais irmandades francisca-nas, quanto à organização do rito penitente no ambiente colonial.

Se, no período ante bellum, é possível identificar as razões que contribuíram para a falta de empenho e de magnificência por parte da aristocracia olindense na organi-zação do cortejo das cinzas da vila duartina, durante e após a ocupação holandesa, o quadro de desprestígio e de negligência do préstito só veio a ser acentuado. O assal-to, seguido de um incêndio devastador provocado pelo inimigo batavo, na noite de 25 de novembro de 1631, trouxe danos físicos irrecuperáveis para Olinda. Em 1638, fustigado pelo clero calvinista, o conde Maurício de Nassau decretou a proibição da saída de procissões católicas. Com o esvaziamento do convento de Nossa Senhora das Neves, a procissão das cinzas promovida pelos Terceiros olindenses provavel-mente feneceu durante o período holandês, sobretudo considerando o êxodo dos senhores de engenho e de suas famílias para o meio rural ou para a capitania da Bahia. A decisão de Nassau de construir a Mauritstadt nas adjacências da ilha de Antônio Vaz e do istmo do Recife, próxima ao porto, para ali instalar a sede do Brasil holandês em 1639, foi fatal para o destino da vila duartina.

Após a restauração da suserania portuguesa, em 1654, Olinda jamais re-cuperou sua importância, embora tenha retomado a condição de “cabeça” da

10 MARQUES, 2004. MARQUES, 2004.

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capitania. A “nobreza da terra”, predominante no Senado da Câmara, estava arruinada e interiorizada assim como não dispunha dos recursos para reedifi-cá-la. A vila acrópole, fundada sobre cinco colinas, consoante com o modelo olisiponense, transformou-se em um “amontoado de pedras” 11. Seus princi-pais edifícios, vias e logradouros públicos não lograram ser reconstruídos. O Recife, em vez, florescia em dinamismo urbano, populacional e económico. Embora submetido à jurisdição do termo de Olinda, foco das disputas, devido às condições naturais privilegiadas do seu ancoradouro e aos melhoramentos urbanísticos realizados por Nassau, o Recife manteve a centralidade econômi-ca conquistada ao tempo dos flamengos, sobretudo por sediar as atividades relacionadas ao capital comercial e usurário. Centro do comércio e morada dos comerciantes, o Recife contava ainda com uma forte linha de defesa cons-truída pelos engenheiros militares holandeses. Ao contrário de Olinda, que por conta de sua topografia, não podia ser adequadamente fortificada.

Depois de vencido o invasor holandês, para a “praça” da capitania de Per-nambuco rumou um grande contingente de imigrantes aventureiros, advin-dos do reino, em condição subalterna, atraídos pelas oportunidades de negó-cio nas redes comerciais deixadas pelos holandeses. Ao final do século XVII, esse segmento social ascendente já produzia grandes fortunas. Entretanto, como eram impedidos pela “nobreza da terra” de ingressar na prestigiosa Santa Casa da Misericórdia de Olinda, como irmãos de primeira categoria, assim como no Senado da Câmara da vila, os mercadores fizeram da Ordem Terceira franciscana um espaço de sociabilidade devocional quase exclusivo da comunidade mercantil, no qual estavam reunidos os mais abastados “ ho-mens de negócio”, enriquecidos no grande comércio ultramarino, no tráfico de escravos, no financiamento das safras de açúcar, na cobrança de impostos e no arremate de obra públicas. De acordo com Cabral de Mello, “a Ordem

11 A �xpr�ssão é d� S�rva�s Carp�nti�r, médi�o d� Utr��ht, m�mbro do Cons��ho Po��ti�o do A �xpr�ssão é d� S�rva�s Carp�nti�r, médi�o d� Utr��ht, m�mbro do Cons��ho Po��ti�o do �ov�rno ho�and�a, �itado por GONSALVES DE MELLO, 1987: 59.

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Terceira de São Francisco funcionou como a contrapartida mascatal da Santa Casa olindense, seja no plano simbólico do prestígio, seja no prático dos servi-ços dispensados aos sócios” 12. Desprovidos de “qualidade de nascimento”, mas majoritariamente de origem cristã velha das províncias do norte de Portugal, no seio da irmandade franciscana, entidade da tradição católica do reino, os mercadores buscavam alcançar legitimação e prestígio social.

Vale notar que, embora arruinada e sem os recursos necessários para re-construir seus principais edifícios, vias e logradouros públicos, Olinda subiu de vila à categoria de “cidade” com a instalação, em 1676, da sede do Cabi-do, numa tentativa da Coroa de transformar a vila numa espécie de “burgo episcopal”, como na expressão de Evaldo Cabral de Mello 13. A presença do Cabido na vila semidestruída e abandonada por seus moradores tradicionais, além de ter produzido um impacto na composição do poder local, concorreu para fazer prevalecer ali uma religiosidade específica, mais inclinada ao cato-licismo clerical, de caráter oficial, do que para as práticas do catolicismo leigo das confrarias e irmandades terceiras. Predominava na Olinda post bellum o domínio dos clérigos e das Ordens religiosas primeiras, uma religiosidade sin-gular, onde os “bispos e os cônegos eram mais enraizados do que os padres”, como observou Gilberto Freyre 14. Os membros do Cabido tendiam a exercer grande influência nas decisões das Ordens religiosas instaladas na vila.

Ao fim do século XVII, em 1697, a Ordem Terceira do Recife já havia demons-trado o poder financeiro e o prestígio de seus irmãos congregados com a cons-trução de sua capela, ricamente ornada com silhares azulejares, pintura e talha dourada, a chamada “capela dourada”, onde podiam realizar com pompa e exclu-sividade suas celebrações litúrgicas. As exéquias de Antônio Fernandes de Matos, em agosto de 1701, cercadas de magnificência e dos signos da “lei da nobreza”,

12 CABRAL DE MELLO, 2003: 156. CABRAL DE MELLO, 2003: 156.

13 CABRAL DE MELLO, 2003: 180. CABRAL DE MELLO, 2003: 180.

14 FRE�RE, 1980: 64. FRE�RE, 1980: 64.

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mobilizaram os moradores do Recife, com a realização de missas solenes e de procissões suntuosas. O funeral do rico mercador foi também um momento de afirmação pública da grandeza dos Terceiros da “praça”. Entretanto, faltava-lhes realizar o tradicional séquito das cinzas, de forma independente da irmandade olindense, que neste momento encontrava-se em franca decadência, como bem expressou o poeta Gregório de Matos no soneto “Procissão das cinzas de Pernam-buco”. Queriam os leigos seráficos do Recife não apenas cumprir o tradicional rito penitente de inauguração da quaresma, mas também tornar visível, na hierarquia das precedências do préstito, o relevo social alcançado pelos irmãos, prósperos “homens de negócio” do Recife, marcados na origem pelo “defeito mecânico”, isto é, do trabalho manual, considerado característico da condição vil.

Durante o Antigo Regime, os espetáculos processionais organizados pelas Ordens religiosas, impregnados pelo espírito barroco, além de divulgarem a cultura hagiológica, conforme as determinações tridentinas promulgadas em 1564, ensejavam também a dramatização da ordem social vigente. As pro-cissões, verdadeiros teatros sacros, conformavam um espaço público de re-presentação, em que os membros das confrarias eram obrigados a despender com largueza recursos para garantir o fausto e o aparato da celebração. Ao fim da primeira década do século XVIII, os Terceiros franciscanos do Recife já dispunham de amplos cabedais para organizar o rito público penitente, o mais importante da devoção seráfica, com distinção e grandeza. Na hierarquia dos corpos sociais em espetáculo, os dirigentes da Ordem almejavam exercer suas prerrogativas e privilégios, no sentido de ocupar o couce do cortejo, onde tradicionalmente desfilavam as imagens dos santos seráficos, os ricos objetos de culto e as pessoas mais graduadas da vida civil e eclesiástica. Realizar a pro-cissão das cinzas era a derradeira conquista simbólica a ser alcançada pelos leigos franciscanos do Recife. As manifestações litúrgico-religiosas estavam associadas ao processo de consolidação do prestígio da Ordem recifense e à promoção social dos seus congregados “homens de negócio” da “praça”.

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No âmbito das disputas acirradas que antagonizavam a “nobreza da terra” de Olinda aos “homens de negócio” do Recife, numa tentativa vã de impedir as representações dos irmãos franciscanos abastados da praça, os Terceiros de Olinda, empobrecidos, mas com o apoio decisivo dos membros do Ca-bido, lograram perpetrar sucessivos embargos à realização independente do préstito recifense, avocando a si a primazia de terem sido a primeira enti-dade seráfica a organizar o desfile penitente na América portuguesa. Desde a constituição canônica da Ordem Terceira do Recife os irmãos recifenses rogavam realizar a procissão das cinzas. Mas a autorização para desfilar só foi obtida em 1710. Em razão da demanda judicial promovida pelos Tercei-ros de Olinda, cujo processo chegou aos tribunais eclesiásticos em Lisboa, o desfile foi então suspenso, só voltando a ser realizado nas quartas-feiras de cinzas, a partir de em 1720. A tradição do rito penitente perdurou até 1864, quando deixou de desfilar pelas ruas do Recife.

No processo de renovação das elites coloniais e das disputas pelos espaços de exercício do poder local, o investimento simbólico na organização e na grandiosidade do rito não estava apenas ligado à manifestação do sagrado, mas à afirmação de poder dos corpos constituídos da “praça” perante a resis-tência da açucarocracia de Olinda, que embora arruinada, buscava limitar a escalada social dos mercadores, oriundos do reino em condição subalterna, enriquecidos com as atividades mercantis e financeiras do porto do Recife. Ameaçada no seu predomínio econômico, político e simbólico pela ascensão dos “mascates”, a “ nobreza da terra’ tentava impedir, com artifícios, quaisquer manifestação de independência ou de grandeza dos recifenses. Constituída canonicamente a Ordem Terceira do Recife, em 1695, a partir de então foi in-tensificado o clamor dos irmãos recifenses para realizar a procissão das cinzas no povoado, de forma separada do préstito de Olinda. No início do século XVIII, a querela de cariz religioso-devocional acabou por assumir contornos políticos, no contexto das disputas da capitania de Pernambuco, onde a “no-

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breza da terra” olindense, reunida na Santa Casa da Misericórdia e no Senado da Câmara da vila, se opunha à projeção social dos mercadores emergentes do Recife, os “mascates”, agremiados na Ordem Terceira franciscana da “praça”.

Em 26 de agosto de 1708, os irmãos franciscanos do Recife receberam a encomenda, feita em Portugal, de andores imponentes, ricas alfaias e mag-níficas imagens. Um novo breve e novas vestimentas para os santos da devo-ção seráfica foram destinados a engrandecer o desfile penitente da “praça”. Recusavam-se os irmãos do Recife a oferecer seus recursos plásticos e ce-nográficos para o desfile empobrecido da vila. Tendo como referência mo-delar o rito organizado pela Ordem Terceira franciscana do Porto, o intuito era desfilar a procissão no Recife, com solenidade, pompa e magnificência, exteriorizando o poder e o relevo social dos homens e mulheres que com-punham a Ordem leiga. Preparava-se a Ordem Terceira de São Francisco do Recife para movimentar a sua procissão das cinzas no primeiro dia da quaresma de 1709, quando foi embargada pela Ordem Terceira de Olinda, que contava em sua Mesa com figuras de destaque do Cabido, sob a alegação da proximidade de menos de uma légua entre as duas cidades. Insatisfeitos com o impedimento, a partir de janeiro de 1709, os irmãos recifenses redigi-ram sucessivos ofícios, ao reverendo Padre Provincial, Frei Estevão de Santa Maria, responsável pelo governo da província franciscana (conjunto de con-ventos), nos quais, reiteravam a solicitação da licença para a realização do préstito no dia de sua tradição litúrgica, na quarta-feira de cinzas.

As petições informavam sobre os volumosos gastos despendidos nos pa-ramentos da procissão e acusavam o “imprudente abuso”, por parte dos de Olinda, no embargo ao desfile, em razão destes perceberem o aumento do “singular zelo no lustre e bem das almas” 15. Havia ainda o argumento da in-dependência do distrito do Recife em relação ao de Olinda, bem como a se-paração jurídica das duas entidades seráficas. Frei Estevão, mobilizado pelo

15 PIO, 2004: 88. PIO, 2004: 88.

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Cabido e pelos representantes do Senado da Câmara de Olinda, respondeu negativamente ao pleito dos recifenses. Como se propalava um préstito apa-ratoso e ostentatório, à altura dos vastos cabedais acumulados pelos “homens de negócio”, o Cabido, temeroso que os Terceiros do Recife realizassem o seu desfile, publicou uma pastoral com pena de excomunhão para os que contri-buíssem ou participassem do desfile. Acossado pelo Cabido e pela insistência dos pedidos dos irmãos recifenses, Frei Estevão retirou-se do eixo das dispu-tas entre Olinda e o Recife, asilando-se no convento de Ipojuca. E a procissão das cinzas do Recife não saiu às ruas no ano de 1709.

Estando vago o Cabido, em 5 de fevereiro de 1710, chegou a Pernambuco o novo e polêmico bispo D. Manuel Álvares da Costa. Junto com ele, veio tam-bém a carta régia de D. João V, endereçada ao governador Sebastião Castro e Caldas (1707-1710), com a permissão para a criação da vila do Recife. O governador, favorável aos recifenses, mas temeroso da reação dos intrépidos colonos olindenses, vassalos leais e descendentes diretos dos que lutaram con-tra o inimigo holandês, tratou de levantar às escondidas o pelourinho provi-sório, símbolo da justiça e da autonomia municipal. Continuava em curso a demanda jurídica da Ordem Terceira do Recife para a realização da procissão das cinzas, em meio às agitações que precederam a reação da nobreza. A prin-cípio, o hesitante e recém-chegado bispo, ainda não inteiramente conhecedor das contendas da terra, concordou com a apelação dos recifenses. No dia 7 de março de 1710, quatro dias após a instalação do “pelourinho grande”, a procis-são desfilou pela primeira vez pelas ruas do Recife. Contudo, não foi realizada no dia litúrgico, mas na primeira sexta-feira da quaresma. A saída do primeiro préstito penitente do Recife ocorreu em meio ao processo de consolidação da enlevação do povoado à categoria de vila, quatro dias depois da instalação do “pelourinho grande”, pelo governador Sebastião Castro e Caldas, concorrendo para acirrar os ânimos e agravar a reação da nobreza olindense à autonomia política do Recife, estabelecida pelo governador de forma abrupta e sem tenta-

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tiva de conciliação. Posteriormente, o bispo mudou de posição e passou a atu-ão. Posteriormente, o bispo mudou de posição e passou a atu-Posteriormente, o bispo mudou de posição e passou a atu-ar em defesa da “nobreza da terra” de Olinda. De caráter oscilante, D. Álvares da Costa depois vetou a movimentação da procissão do Recife 16.

De acordo com a narrativa do médico-cirurgião, Dr. Manuel dos Santos, identificado com a causa mascate, em sua Narração histórica das calamida-des de Pernambuco, escrita em 1712, o impedimento da procissão das cinzas “resultou solicitarem os recifenses com mais empenho, do que há mais tempo haviam solicitado, que Sua majestade fizesse o Recife vila...” 17. A querela rela-tiva à saída do préstito dos Terceiros do Recife ensejou os debates na direção da autonomia política do povoado da jurisdição de Olinda, colocando em evi-dência os limites concernentes aos excessivos poderes do Senado da Câmara de Olinda. Para o médico simpatizante dos recifenses, o cumprimento da car-ta régia de D. João V, ordenando ao governador a criação da vila do Recife, “ foi a causa de todos os seus trabalhos” 18. Com efeito, a movimentação apara-tosa da procissão das cinzas do Recife, externando pompa e magnificência, em contraste com o estado de penúria da procissão da vila, golpeou a “nobreza da terra” no plano das representações simbólicas, no âmago do seu orgulho e de sua distinção social. O rito penitente dos irmãos Terceiros do Recife de 1710, embora ocorrido na sexta-feira após as cinzas, foi o estopim que desencadeou o período de instabilidade política na capitania de Pernambuco, suscitando a reação da açucarocracia olindense à enlevação da “praça” à condição de vila, conflito que ficou consagrado na historiografia como a “guerra dos mascates”.

A narrativa acurada de Frei Jaboatão registra a retomada da realização da procissão das cinzas do Recife no ano de 1720: “No ano de 1720, a catorze de fevereiro, sendo Provincial a primeira vez frei Hilário da Visitação, minis-tro reeleito Manuel Lopes Santiago, Comissário frei serafim da Porciúncula,

16 Para maior apro��ndam�nto, V�r MARQUES, 2010: �ap.4. Para maior apro��ndam�nto, V�r MARQUES, 2010: �ap.4.

17 SANTOS, 1890: 20. SANTOS, 1890: 20.

18 SANTOS, 1890: 22. SANTOS, 1890: 22.

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depois de vencidas algumas dificuldades, e oposições, entre os da cidade de Olinda e estes do Recife, querendo aqueles, pela vizinhança das praças, emba-raçar os de Recife, se fez a sua procissão de cinza, continuando-se até agora, com todo ornato e culto, que pede tão devota religiosa e agradável função” 19. Entretanto, bastante comedido, o historiador franciscano não dedicou ao rito recifense o mesmo entusiasmo de seu alentado relato sobre a realização do desfile das cinzas soteropolitanas. As querelas que envolveram a movimen-tação do préstito no Recife, antagonizando entidades congêneres, podem ter sido motivo de constrangimento para os membros da Ordem seráfica.

O Arquivo da Ordem Terceira do Recife dispõe de um documento, de autor anônimo, intitulado “Ano de 1739. Livro em que se acha a forma de com-por as procissões de cinza e enterro do Senhor”. O manuscrito contém uma minuciosa descrição do séquito realizado em 1739, marcado pela pompa de sua execução. Na grandiosa e rica manifestação pública, os ensinamentos e as alegorias penitentes, tais como caveiras e cilícios, misturam-se às imagens dos santos da devoção franciscana e a tecidos adamascados, crucifixos, tocheiros, salvas e outros objetos de culto em prata e ouro. Quase trinta após sua primei-ra e conturbada saída, a procissão das cinzas assumiu grandes proporções no Recife no decorrer do século XVIII, atraindo um grande contingente de fiéis que percorriam as principais ruas do Bairro de Santo Antônio, em meio aos andores e às imagens dos santos da devoção franciscana. Por volta do final do século, a procissão passou, inclusive a absorver manifestações da tradição popular, como a figura do “Papa angu”, espécie de farricoco, que abria o desfile espantando as crianças com um relho. Migrado do sagrado para o profano, o “Papa angu” hoje integra as manifestações carnavalescas da cidade. Do extinto rito das cinzas do Recife remanesce também uma memória de luta e de resis-tência indelevelmente associada ao momento fulcral do processo de autono-mia política e de elevação do povoado à condição de vila.

19 �ABOATÃO, 1980: 466. �ABOATÃO, 1980: 466.

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A reconstituição dos retábulos da Capela da Venerável Ordem Terceira Franciscana

em São Paulo: um partido com base na tradição entre os anos trinta e noventa do século XX

Mozart Alberto Bonazzi da Costa

Introdução

Obras de arte, objetos e espaços antigos podem guardar registros repre-sentativos de diferentes instâncias como a histórica, a estética, a técnica e a simbólica... A sua conservação e/ou restauração, pode exigir o conhecimento de um considerável conjunto de informações e técnicas que favoreçam a ma-nutenção dos vestígios presentes nos originais. O templo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência de São Paulo, além das histó-ricas instalações, abriga uma vasta coleção de bens móveis que documenta a evolução da sociedade paulistana em diversos períodos.

Durante boa parte do século XX, a atuação de dois excelentes profissio-nais versados em alguns dos antigos ofícios mecânicos, especificamente os da talha, douração e policromia, atuaram na capela da irmandade terceira sediada no Largo São Francisco, devolvendo a integridade à maior parte dos preciosos e ameaçados conjuntos escultóricos de talha dourada e policro-mada presentes no templo terceiro.

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Mozart Alberto Bonazzi da Costa

Este artigo aborda esta empreitada, buscando resgatar informações e regis-trar alguns dos procedimentos que marcaram a atuação desses profissionais sobre os bens patrimoniais dos terceiros franciscanos paulistas. Para tanto, procede-se aqui a uma revisão do histórico texto do frei Adalberto Ortmann (OFM), a respeito dos terceiros franciscanos em São Paulo, entre os séculos XVII e XVIII, e apresenta-se parte dos estudos que vimos realizando na VOT--SF-SP, há pouco mais de quinze anos.

Hoje, a irmandade terceira se vê novamente às voltas com reformas, como as que buscam eliminar infiltrações pelos telhados, configurando uma obra de porte, quase concluída. O projeto também prevê a realização de obras de res-tauro, como as que procurarão devolver a integridade a alguns dos conjuntos de talha, que não foram restaurados no século anterior. Entre eles, há exem-plares que guardam a configuração original, contendo na pátina, elementos agregados às suas superfícies e ranhuras por mais de dois séculos.

Merecerão atenção no projeto, em seguida, as pinturas, que juntamente com a parte arquitetónica e a escultórica, além dos demais bens móveis, utilitários, que compõe a significativa coleção da VOT-SF-SP, hoje reunida e parcialmen-te tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico e Ar-quitetónico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT 1.

1. O templo da Venerável Ordem Terceira Franciscana de São Paulo

Desde a instalação dos franciscanos em São Paulo de Piratininga a fraterni-dade terceira reuniu algumas das mais ilustres famílias e personalidades pau-

1 O m�smo CONDEPHAAT r�a�i�o� �st�dos nos ��timos anos, d�s�nvo�v�ndo �m proj�to �om o objetivo de tombar objetos e obras pertencentes � coleção de bens móveis da V�T-SF-SP, ainda não prot��idos, o ��� s� �sp�ra, v�nha a a�ont���r �m br�v�.

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A reconstituição dos retábulos da Capela da Venerável Ordem Terceira Franciscana em São Paulo

listanas, fazendo erigir em 1676, quando contava com mais de trinta anos de existência, uma capela contígua à igreja conventual.

Um precioso manuscrito (Memória sobre a fundação do Convento de São Francisco de São Paulo 2) escrito em 1743, e conservado no arquivo do Convento de Santo António do Rio de Janeiro, além de referir-se à igre-ja da Primeira Ordem de São Francisco, menciona a construção da capela dos Terceiros em São Paulo:

“Neste convento se acha sita uma capela cujo arco está na parede da nossa igreja, a qual pertence à Ordem Terceira da Penitência, onde se fazem com muita edificação e aproveitamento todos os exercícios espi-rituais; está ornada com todo primor. E de haver Terceiros neste con-vento, consta ser logo do princípio de sua fundação”.

Em seguida, cita em transcrição extraída do Livro do Tombo do convento pau-

lista, um tópico escrito no ano de 1676: “O fazer, porém, a sua capela, consta do livro do arquivo deste convento que, sendo o Pe. Fr. João de São Francisco comis-sário no ano de 1676, principiaram os Irmãos Terceiros a fazer a sua capela” 3.

A antiga capela da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitên-cia de São Paulo foi erguida alinhada ao eixo do transepto da igreja da Ordem Primeira, lado da epístola, junto a histórica construção de taipa de pilão, do convento franciscano erigido no século XVII, que em 1827, passaria a abrigar a Academia de Direito de São Paulo. Em 1930, essa instituição de ensino seria incorporada à Universidade de São Paulo, tornando-se a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, que seria instalada em uma nova construção no mes-mo local, após a polêmica demolição do antigo prédio do convento.

2 A�ém d� t�r sido r�prod��ido �m ORTMANN, 1951: 27, �st� do��m�nto �oi apr�s�ntado �m o�tras p�b�i�a���s d�sta�ando-s� as Páginas de História Franciscana do Brasil do �r�i Bas��io Röewer �.F.�.).

3 ORTMANN, 1951: 27.

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Entre os dois templos, havia uma passagem aberta em arco, como era comum em conjuntos arquitetónicos franciscanos. A capela da Ordem Terceira, não apre-sentava entrada para o Largo São Francisco; o que só aconteceria em 1784, após a obtenção de autorização dos frades, para a construção no terreno contíguo ao templo primeiro, vizinho ao conjunto arquitetónico terceiro, remanescente do século XVII. Procedeu-se em seguida à demolição da antiga capela e à constru-ção da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco e dependências da Ordem, inaugurados em 1787, cuja planta é atribuída ao traço do arquiteto-frei Galvão 4.

Nascido em 1737, na cidade de Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo, Antônio de Sant’Anna Galvão estudou no Seminário dos Jesuítas de Belém da Cachoeira, na Bahia, instituição reconhecida pelo alto nível de ensino, tornando-se franciscano aos 21 anos de idade, sendo ordenado no Rio de Janeiro. Foi Canonizado pelo Papa Bento XVI, em 11 de maio de 2007. A ele são atribuídos dois projetos com planta octogonal na cidade de São Paulo: o templo terceiro franciscano, no largo São Francisco e o da Igreja do Mosteiro da Luz, onde viveu 5.

A planta cruciforme do atual templo terceiro franciscano apresenta na inter-secção entre o tronco e os braços da cruz, estruturando o transepto, onde tra-dicionalmente estaria centralizado o Sancta Sanctorum 6, paredes octogonais ornamentadas por grandes conjuntos escultóricos construídos ao modo de car-telas compostos por elementos ornamentais concheados e fitomórficos, com-pletamente dourados – são representativos do período de transição da primeira (romana) para a segunda (francesa) fase de influência do estilo joanino.

4 � arquiteto �enedito Lima de Toledo (2007: 43; 2001/2006: 41), atribui ao Frei �alvão, que �ra �omiss�rio da Ord�m T�r��ira o tra�o da nova p�anta d�ssa igreja octogonal, no Largo de São Francisco.

5 TOLEDO, 2007: 43.

6 � Santo dos santos é o local sagrado do templo, onde o altar, enquanto arquétipo de “�étilo” (a casa de Deus) marca o ponto onde ocorre a comunicação entre o divino e o humano, sacralizando o local antes vulgar (R��UE, 2004: 20).

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A reconstituição dos retábulos da Capela da Venerável Ordem Terceira Franciscana em São Paulo

Sobre esse corpo octogonal se desenvolve uma abóbada, construída a par-tir da subdivisão das superfícies laterais de um tronco de cone em oito par-tes triangulares, arrematadas nos vértices por largos elementos emoldurados também em formato triangular. Nesse octógono dois triângulos alinhados ao eixo do transepto, envidraçados para favorecer a iluminação, separam de cada lado três painéis que, como ocorre com o painel arredondado que encima o conjunto, abrigam pinturas atribuídas a José Patrício da Silva Manso 7.

Entre 1784 e 1787, a direção do eixo central da capela terceira franciscana, que se desenvolvia alinhada ao eixo do braço do transepto, lado da epístola, da igreja da Ordem Primeira, foi alterada. A criação de uma nova direção de eixo para o templo terceiro, agora paralelo ao da igreja Conventual, possibilitou uma signifi-cativa ampliação da nave da capela dos terceiros, que passou a ter a portada prin-cipal aberta para o Largo São Francisco, fechando-se a passagem interna entre os dois templos que tiveram as suas fachadas alinhadas, compondo o monumental conjunto arquitetónico do tradicional largo paulista, tal como se conhece hoje.

Desde então, a planta do templo terceiro franciscano paulistano não foi al-terada. Houve mudanças quanto à distribuição e exposição de peças de ima-ginária religiosa, distribuídas pelos vários retábulos de altares presentes na ca-pela, em momentos diversos, assim como aquisições e venda de alfaias, obras de arte 8, e objetos litúrgicos, sem que, no entanto, se alterasse a estrutura original da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco.

7 Pintor, dourador e restaurador que atuou em São Paulo no último quartel do século XVIII.

8 In���i�m�nt�, �ntr� m�itos �x�mp�os, s� pod� d�sta�ar a v�nda d� dois rar�ssimos b�stos relic�rios em barro cozido e policromado (Santa Apolônia e Santa Inês), remanescentes do sé-culo XVII, atribuídos por Silva-Nigra (1998:103) ao �estre de Angra, a um colecionador de arte religiosa brasileira, residente em São Paulo (vide: livro de Atas, (19- 07-1986, fl. 67). Em ressalva redigida no Livro de Atas (16-8-1986, f. 68), o valor referido em ata anterior, seria atualizado para CR$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil cruzeiros).

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2. A talha barroca e rococó na igreja da Ordem Terceira Franciscana em São Paulo

Encontram-se no Brasil, inestimáveis exemplares da arte, arquitetura e or-namentação, remanescentes do período colonial; o esplendor do período Bar-roco presente principalmente em estados como a Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Pará, Paraíba e Rio Grande do Sul, representa uma sig-nificativa parte das realizações artísticas e arquitetónicas das colônias de além mar que compunham o Mundo Português setecentista e oitocentista.

A Vila de São Paulo de Piratininga, não pôde erigir templos grandiosos como as construções nordestinas já que, isolada da faixa litorânea pelas bar-reiras oferecidas pela Serra do Mar, não teve as mesmas facilidades comerciais que geraram a prosperidade das cidades à beira mar. Assim, no lugar da pedra e da cal, ou do preciso assentamento dos blocos de mármore de Lioz prove-nientes de Portugal (como se pode encontrar nos conjuntos arquitetónicos da Sé de Salvador, ou, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, na mesma cidade, no Estado da Bahia) a técnica construtiva utilizada em terras paulistas foi a do barro socado ou taipa de pilão 9.

Em São Paulo, o revestimento interno de templos com talha dourada e policro-mada, na maior parte dos casos, reduziu-se aos retábulos de altares. Isto pode ser observado em exemplos com reduzida ornamentação, como é o caso dos retábu-los presentes na Capela de São Miguel Paulista, onde se encontram paredes lisas. Mas também se pode encontrar neste Estado, alguns conjuntos entretalhados de maior elaboração, como os presentes na Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência, que além dos conjuntos retabulares e tribunas, abrigam revestimentos parietais.

9 Taipeiro, em São Paulo, era profissão muito respeitada, sendo a sua presença j� registrada desde as primeiras Atas da C�mara de Santo André da �orda do Campo (T�LED�, 2001: 41).

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2.1. A talha dourada na primitiva capela franciscana

A presença de obras de talha na capela terceira franciscana remonta à se-gunda metade do século XVII. No Livro 1.º de Termos (fol. 180), se encontra referência lavrada em 1.º de abril de 1687, a respeito da soma de dezasseis mil e trezentos e vinte réis, reunida por meio da doação de sete irmãos terceiros, cujos nomes se encontram entre os de maior relevância para a saga bandeirista paulista (Pedro da Rocha Pimentel - ministro, Salvador Cardoso de Almeida; e os demais que, além dessa doação, também contribuíram para a construção da capela: Diogo Bueno, Gonçalo Lopes, António Bueno, Manoel de Arzão, Fernando de Camargo). A referida soma destinava-se a aquisição de um re-tábulo, “a conta das ordinárias que haviam de pagar em quatro anos”, cujos nomes e quantias se encontram especificados no documento 10.

Em 25 de novembro de 1735, reuniram-se os irmãos em Mesa Redonda, com o objetivo de “dotar a capela com um retábulo de maiores dimensões, substituindo o primitivo por outro mais vistoso e artístico” 11. A arrecadação naquela data de 776$900rs, surpreendeu a todos sendo, no entanto, insuficien-te para cobrir a quantia de 1:100$000rs, apresentada pelo entalhador.

Embora não exista no arquivo da Ordem um livro de despesas que compro-ve a autoria deste retábulo, é provável que se trate de Luís Rodrigues Lisboa, que naquele momento era o único entalhador presente na Vila de Piratininga.

Em um documento da Câmara Paulista (Despacho da Câmara Municipal: Regis-tro de uma carta de exame de Luís Rodrigues Lisboa, oficial de entalhador, lavrado em 1 de janeiro de 1738), no qual os Srs. Juízes vereadores e o procurador do Senado da Câmara da Cidade de São Paulo, em cumprimento das Ordenações de Sua Ma-jestade, emitem uma carta de licença geral, em virtude de não haver na cidade de São Paulo um juiz do ofício de entalhador, que pudesse examinar o candidato Luiz

10 ORTMANN, 1951: 61. ORTMANN, 1951: 61.

11 ORTMANN, 1951: 63. ORTMANN, 1951: 63.

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Rodrigues Lisboa, treinado no dito ofício, e por constar ser o mesmo perito e apto a executar “toda a obra (...) pertencente ao ofício” de entalhador, e tendo recorrido ao Corregedor da Comarca, solicitando uma licença geral para desempenhar as fun-ções de entalhador, foi autorizado a exercê-las como mestre entalhador examinado. O oficial, diante do juiz presidente do Senado, prestou o juramento sobre os Santos Evangelhos de bem servir ao dito ofício, tendo sido lavrado documento subscrito por Matias Ferrão de Abranches, escrivão da Câmara, em 16 de janeiro de 1738 12.

É importante ressaltar que nessa época, ao contrário do que ocorria na Metrópole em relação à formação dos entalhadores, não existia em terras paulistas um sistema desenvolvido para a formação e fiscalização de oficiais mecânicos, o que teria levado Luís Rodrigues Lisboa a requerer em 1738 uma licença para desempenhar tal atividade em São Paulo. Para o frei Adalberto Ortmann, essa solicitação se destinava à obtenção de autorização para a exe-cução do referido retábulo da Ordem Terceira Franciscana 13.

Vale lembrar que os Regimentos dos Ofícios Mecânicos regulamentavam em Portugal, o exercício de cada profissão, em relação “à técnica, à moral social, à disciplina interna do seu desempenho, ao exame dos candidatos a mestres, à instituição das autoridades e à discriminação das autoridades e dos deveres” 14.

Em Portugal, levavam-se em média cinco anos trabalhando como aprendiz para poder requerer o direito de se submeter a uma prova para a obtenção de autorização para a abertura de uma loja 15, o que pode ser mais pormenorizada-mente verificado no Livro dos Regimetos dos Officiaes Mecanicos da mui Nobre e Sepre Leal Cidade de Lixboa, de 1572 16. Em 1768, o Senado da Câmara de Lisboa oficializaria um novo regimento, pelo qual seria possível diferenciar com

12 ORTMANN, 1951: 79-80. ORTMANN, 1951: 79-80.

13 ORTMANN, 1951: 66. ORTMANN, 1951: 66.

14 LAN�HANS, 1943: XII. LAN�HANS, 1943: XII.

15 BONAZZI DA COSTA, 2001-2006: 72. BONAZZI DA COSTA, 2001-2006: 72.

16 CORREIA, 1926: 110. CORREIA, 1926: 110.

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maior clareza as funções dos entalhadores 17 e as dos marceneiros. No entanto, tais rigores não eram compatíveis com a realidade encontrável em São Paulo.

Quanto ao novo retábulo da capela dos terceiros, em 17 de fevereiro de 1736, a Ordem Terceira realizou outra Mesa Redonda, com o objetivo de arre-cadar o restante da quantia necessária para a sua construção, o que envolveu providências como o recebimento de esmolas já prometidas; a aplicação de todos os rendimentos para esse fim 18 (excetuando-se o patrimônio dos sufrá-gios e as esmolas dadas ao patrimônio de N. Sra. da Conceição).

Deixou-se também de promover a festa da Imaculada Conceição, aplicando-se a quantia correspondente (50$000rs), para a construção do retábulo, até que estivesse concluído. O irmão ministro foi então autorizado a adquirir todas as madeiras ne-cessárias para a obra, acertar o feitio, e elaborar o contrato, que deveria ser lavrado em escritura, e no qual deveriam estar estipulados os valores relativos às prestações, assim como cláusulas preventivas específicas para o caso de os irmãos terceiros não poderem, por algum motivo, arcar com as prestações dentro do prazo estipulado 19.

O retábulo de N. Sra. da Conceição, executado entre os anos de 1736 e 1740 20, constitui exemplar construído em terras paulistas, de talha da primeira fase esti-lística do reinado de D. João V, sob a influência romana, apresentando pilastras misuladas sustentadas por atlantes em meio à volutas sobre as quais se erguem co-lunas salomônicas, com o terço inferior espiralado e estriado, ornado com filetes lisos alternados com filetes perolados. Entre as espiras dos dois terços superiores das colunas, encontram-se ornamentos folheares entremeados de flores 21.

17 SMITH, 1962: 12. SMITH, 1962: 12.

18 ORTMANN, 1951: 63. ORTMANN, 1951: 63.

19 Id�m. Id�m.

20 Nesse período em Portugal, ocorria a segunda fase de infl uência estilística (francesa) da Nesse período em Portugal, ocorria a segunda fase de influência estilística (francesa) da ta�ha joanina.

21 BONAZZI DA COSTA, 2001/2006: 70. BONAZZI DA COSTA, 2001/2006: 70.

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FIGURA 1 – Retábulo da Imaculada Conceição (antigo retábulo-mor)

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Os capitéis são compósitos e sustentam uma arquitrave tripartida, orlada por filetes perolados na base, astrágalos no centro e ao alto, um rendilhado de acanto. Nos frisos, os acanthus mollis estilizados, se alternam sobre fundo liso e acima, os mútulos ou dentículos, são arrematados por cimalha com canelura. Encima o conjunto um baldaquino arrematado em sanefa, da qual pendem franjas, e sobre este, um monumental emblema da Ordem Franciscana, ladeado por anjos de coroamento ou, arcanjos e serafins assentados sobre fragmentos de arcos 22.

O trono que sustenta a imagem de N. Sra. da Conceição, é ornamentado com folhagem acântica e arrematado com caneluras. É orlado por ornatos em forma de coração e, em seu douramento, se alternam folhas de cor branca, como o fundo, e folhas e cimalhas ricamente douradas.

Nesse conjunto retabular destacam-se a estrutura em formato de arco triunfal e os elementos ornamentais, cujo traço apresenta proporções condizentes para com os cânones clássicos, pelo que se pode inferir a possibilidade de o entalha-dor ter recebido um treinamento adequado quando ainda vivia em Portugal.

No entanto, o mesmo não se dá em relação às figuras angelicais (tenham ou não sido executadas pelo mesmo entalhador), que denotam pouco conheci-mento em relação à escultura da forma humana segundo as proporções clás-sicas, contrariamente ao que se costuma encontrar nas obras eruditas presen-tes na talha realizada em Portugal naquele período, não se devendo deixar de mencionar também o apuro estético e técnico apresentado pelas obras italianas, principalmente as romanas, que serviram de modelo aos entalhadores portu-gueses durante a primeira fase de influência estilística do reinado de D. João V.

Desse modo, documentos como o despacho da Câmara Municipal, que autoriza a Luiz Rodrigues Lisboa a trabalhar como entalhador examinado, atestam a raridade desse tipo de mão-de-obra especializada em terras pau-listas, assim como a inexistência de sistemas de treinamento e fiscalização como existiam na metrópole.

22 BONAZZI DA COSTA, 2001-2006: 70. BONAZZI DA COSTA, 2001-2006: 70.

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Mesmo contendo anacronismos estilísticos e/ou imprecisões técnicas, esse importante conjunto retabular, documenta as condições encontráveis no perío-do colonial em Piratininga, para solucionar problemas como o da ornamentação interna de templos religiosos católicos, com talha dourada e/ou policromada.

2.2. A nova capela e o repertório ornamental

Após a demolição da antiga capela, em março de 1784, durante as obras para a ampliação do templo terceiro, o retábulo-mor (1736-1740), que ainda se encontrava em boas condições e ricamente dourado 23, foi desmontado e guardado, até ser remontado na nova capela, que seria inaugurada em 1787.

Depois de remontado, o antigo retábulo-mor permaneceu em localização aproximada à que ocupava na capela-mor do antigo templo, porém, com a alteração da planta para a nova construção, ficou localizado na extremidade do braço do transepto, lado da Epístola, onde se encontra até hoje. Em lugar do conjunto de imagens de São Francisco das Chagas, que abrigou na antiga capela, foi consagrado à N. Sra. da Conceição, em 1787 24.

O novo retábulo-mor, da autoria de José de Oliveira Fernandes (c.1791), montado ao fundo da capela-mor após o término da construção de 1787, apresenta elementos em estilo Rococó, como os ornatos de composição assi-métrica, com formatos de rocailles ou concheados, e auriculares 25. As colunas apresentam o fuste reto, canelado e com bracelete para a demarcação do ter-

23 A do�ra�ão d�st� r�t�b��o r��ni� as doa���s d� 66 Irmãos � �nvo�v�� a v��tosa soma d� A do�ra�ão d�st� r�t�b��o r��ni� as doa���s d� 66 Irmãos � �nvo�v�� a v��tosa soma d� 996$560rs (�RT�ANN, 1951: 67).

24 Na segunda metade do século XIX, em visita a São Paulo, os então recém casados princesa Na segunda metade do século XIX, em visita a São Paulo, os então recém casados princesa Isab�� d� Bra�an�a � Gaston d’Or��ans N�mo�rs, �ond� D’E�, nat�ra�i�ado pr�n�ip� brasi��iro, r���b�ram b�n�ãos diant� d�sta ima��m � d� s�� r�sp�tivo �onj�nto r�tab��ar.

25 As As rocailles t�m ori��m �ran��sa � os a�ri���ar�s são prov�ni�nt�s da �s�o�ada Bavi�ra, na R��ião S�� da A��manha.

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ço inferior. Os ornamentos dourados sobressaem sobre fundo azul claro, que substituiu o branco original, após as intervenções para a reconstituição dos conjuntos escultóricos da capela (1930-90).

FIGURA 2 – Novo Retábulo-Mor, 1791 (conjunto de imagens de São Francisco das Chagas)

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Embora predomine no retábulo-mor a ornamentação em estilo Rococó, se podem detetar no conjunto, elementos de influência romana, muito difun-didos em Portugal durante a primeira fase do reinado de D. João V (1706 - 1725), como os fragmentos de arcos que encimam o par de colunas laterais, semelhantes aos encontráveis no tratado Perspectiva Pictorum atqüe Arquitec-torum, do jesuíta Andrea Pozzo 26. Ao lado da boca da tribuna, se encontram pilastras caneladas exibindo palmetas no frontal da base.

Encimando este conjunto, em lugar de um frontão rococó, ou de formas que remetessem aos baldaquinos joaninos da fase anterior, encontram-se refe-rências à estrutura das arquivoltas concêntricas do antigo Estilo Nacional Por-tuguês (1675-1706). Um coroamento em triplo arco, dividido em três faixas pintadas em tom azul claro, rebaixadas e emolduradas por perfis bocelados dourados, apresenta uma ornamentação em relevo, com elementos conche-ados e auriculares e, portanto, já rococó, com influência francesa e bávara, tendo ao centro um emblema da Ordem Franciscana, em grandes dimensões.

Este conjunto retabular, recebeu o conjunto de imagens de São Francisco das Chagas (ou do Monte Alverne), composto pelas imagens de São Francisco de Assis ajoelhado diante do Cristo Seráfico, para receber as chagas. Essas imagens de provável origem portuguesa 27, já haviam estado no altar-mor da antiga capela, em atendimento às exigências feitas em 1740, pelo doador, ir-mão Manuel de Oliveira Cardoso: “ficar perpetuamente na tribuna do altar--mor, como está no Rio de Janeiro” 28.

26 � tratado do jesuíta Andrea Pozzo, publicado em 1693 e 1700, levou a infl uência do �arroco � tratado do jesuíta Andrea Pozzo, publicado em 1693 e 1700, levou a influência do �arroco ita�iano a v�rias part�s da E�ropa, � �ontém part� do r�p�rt�rio ornam�nta� adotado �m Port��a�, na primeira fase de influência estilística do Estilo D. João V. Em 1989, essa obra foi reeditada pela Dov�r P�b�i�ations d� Nova Ior���.

27 Com bas� �m r��ato ora� tradi�iona�m�nt� div���ado na irmandad� t�r��ira, a Sra. Vi�ma Sa- Com bas� �m r��ato ora� tradi�iona�m�nt� div���ado na irmandad� t�r��ira, a Sra. Vi�ma Sa-raiva Sato (V�T-SF-SP), afirma que as imagens são portuguesas.

28 ORTMANN, 1951: 68. ORTMANN, 1951: 68.

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No século XX, a distribuição desse conjunto de imagens na camarinha passaria por algumas variações como pode ser verificado consultando-se fotos tomadas entre os anos de 1950, encontráveis em publicações como a do frei Adalberto Ortmann ou em conjuntos fotográficos como o realiza-do em 1970, pelo pesquisador Eduardo Etzel.

Para compor o trono deste retábulo, dimensionado segundo proporções que remetem a antigas determinações tridentinas, como a exposição do San-tíssimo, foram construídos cinco degraus, também ornamentados com rocail-les e auriculares, dos quais apenas quatro podem ser encontrados no camarim. O quinto degrau (que hoje integra a coleção da VOT-SF-SP) foi retirado para possibilitar a instalação do conjunto escultórico de São Francisco das Chagas.

Do mesmo modo, ao examinar as antigas fotografias do retábulo-mor da capela terceira franciscana de São Paulo, se pode notar a ausência do res-plendor que envolve a figura do Cristo Seráfico. Esse componente do con-junto escultórico provavelmente tenha sido acrescentado no século XX, pelo Sr. Waldemar T. Chaves, a respeito de quem se tratará a seguir. Até o mo-mento, não se encontrou documentação que comprove essa afirmação. No entanto, encontram-se nos Livros de Atas da Ordem (fol. 151-V, de 25-02-1965), registro a respeito da douração dos três pares de asas do Seráfico e notícias sobre a restauração do Crucifixo (fol. 134, de 20-09-1975).

Além do novo retábulo, construído por volta de 1791, para a nova capela--mor, e do antigo retábulo-mor, que ficou localizado no lado da Epístola no transepto da nova capela, encontra-se no lado do Evangelho, no transepto, o retábulo de São Miguel, proveniente do antigo Mosteiro de São Bento, demolido no início do século XX. Ladeando o arco-cruzeiro existem dois retábulos (do cruzeiro), sendo o do lado da Epístola consagrado a São Luis de França e o do lado do Evangelho, à N. Sra. das Dores.

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Na nave, a partir da porta de entrada, estão instalados seis retábulos enci-mados por tribunas, localizando-se do lado da Epístola, os altares de Santo Antônio de Categeró (Cartagerona), Santo Ivo e Santa Isabel (desmontado). Do lado do Evangelho, estão instalados os altares consagrados à Divina Jus-tiça, Santa Margarida de Cortona (que apresenta a pátina original), e Santo Antônio de Pádua (em branco após a raspagem e a reconstituição).

No 4.º Livro de Termos (fol. 80 – 15-02-1828), está registrado um termo de ajuste, entre a Mesa da Venerável Ordem Terceira com o mestre entalhador Guilherme Francisco Vieira, contratado ao preço de $230:400rs, para construir quatro retábulos para a nave da igreja, “com aquele asseio que pede uma obra de tanta circunstância, obrigando-se a Ordem Terceira assistir-lhe com as madeiras precisas e pregos e cola e um servente, fazendo-lhe a mesma Ordem o pagamento em três porções (...)” 29.

Em novo Termo de declaração (fol.8 - 02-05-1828) fez a Mesa um novo ajuste pelo qual se pagaria ao mesmo mestre entalhador Guilherme Francisco Vieira, a quantia de noventa mil réis, para conferir o mesmo risco do retábulo--mor aos dois retábulos já existentes na nave da capela; e aos quatro para cuja construção foi contratado, “apresentando em todos eles a mesma perspetiva, e assim mais os seis remates das tribunas do corpo da igreja” 30.

Excetuando-se o retábulo de São Miguel Arcanjo, que seria integrado ao conjunto no início do século XX, desde o segundo quartel do século XIX, a capela terceira paulistana abriga esse significativo conjunto de talha, represen-tativo das duas fases estilísticas do estilo D. João V e do Rococó, como registro da estética e da história terceira franciscana, em boa parte do período colonial e no início da República, em Piratininga.

29 ORTMANN, 1951: 335. ORTMANN, 1951: 335.

30 Embora a encomenda tenha ocorrido após o início da �issão Artística Francesa (1816), Embora a encomenda tenha ocorrido após o início da �issão Artística Francesa (1816), e a criação da Academia e Escola Real no Rio de Janeiro (1820), pelas quais a estética ne-o���ssi�a �onso�ido�-s� no Brasi�, o tra�o �n�om�ndado p��os t�r��iros para os r�t�b��os da s�a �ap��a, ainda �ra ro�o��.

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3. A Venerável Ordem Terceira Franciscana em São Paulo no século XX – a preservação de um patrimônio

Irmã terceira desde 1950, a Sra. Vilma Saraiva Sato acompanhou diferentes fases da irmandade franciscana de São Paulo, participando ativamente de suas atividades. Em entrevista concedida durante a realização desta pesquisa 31, comenta que entre as décadas de 1930 e 1970, a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, em São Paulo, viveu uma fase de prosperidade, graças à administração do seu ministro, o Sr. Paulo Monteiro, que ocupou esse cargo entre os anos de 1936 e 1972. Durante sua gestão foram realizadas importantes obras, desde as de recuperação arquitetónica e dos ornamentos da igreja, até a construção de novas dependências na sede da irmandade e a aquisição de imóveis que integraram os bens dos terceiros no século XX. O seu dinamismo foi determinante à preservação e ampliação do patrimônio da Ordem, tendo contribuído entre outras realizações, para que não se perdes-sem irremediavelmente os originais de talha dourada presentes na igreja 32.

Essa informação pode ser constatada consultando-se a grande quantidade de documentos a respeito da administração dos bens da Ordem Terceira, nes-te período, presentes nos arquivos da entidade, por meio dos quais se verifica que nos primeiros anos da década de 1930, a Ordem Terceira contratou o Sr. Carlos Teixeira Chaves, ex-professor do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, e seu filho Waldemar Teixeira Chaves, para reconstituir os retábulos de alta-res, relevos parietais, castiçais entre outros objetos, pertencentes ao acervo da fraternidade, que se apresentavam deteriorados.

31 Entr�vista �on��dida ao a�tor, na S�d� da Ord�m, �m 14 d� a�osto d� 2001. Entr�vista �on��dida ao a�tor, na S�d� da Ord�m, �m 14 d� a�osto d� 2001.

32 Na mesma entrevista (14 ago.2001), a Irmã Terceira Vilma Sato comenta que o ministro Paulo Na mesma entrevista (14 ago.2001), a Irmã Terceira Vilma Sato comenta que o ministro Paulo �onteiro foi o respons�vel pela estabilidade econômica que a Vener�vel �rdem Terceira Franciscana d� São Pa��o viv�� d�rant� a s�a pro����a ��stão, ap�s a ��a�, a irmandad� �ntraria �m d��ad�n�ia.

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Para que posteriormente se torne mais clara a atuação desses profissionais junto à Ordem Terceira Franciscana de São Paulo cabe aqui uma menção ao contexto em que ambos se formaram.

Diferentemente do que ocorrera em diversos momentos da história da Vene-rável Ordem Terceira Franciscana Paulista, a partir do último quartel do século XIX e na primeira metade do século XX, havia em São Paulo, além de diversas outras especialidades, sistemas dirigidos ao treinamento de profissionais em técnicas especializadas como a do entalhe, da pintura e da douração de objetos em madeira, principalmente dirigidos à construção de mobiliário de luxo.

Para atender às necessidades da nova elite paulistana surgida a partir do últi-mo quartel do século XIX algumas medidas foram tomadas entre elas cuidados com a malha viária, serviços de infraestrutura da cidade, construção de novas residências, instalação de bancos e casas comerciais, bem como a implantação de uma instituição que formasse trabalhadores capacitados para atender à de-manda desse novo grupo. Em 1873, cria-se a Sociedade Propagadora da Instru-ção Popular, como projeto educacional de iniciativa particular, que posterior-mente, em 1882, se transformaria em Liceu de Artes Ofícios de São Paulo 33.

Como já havia ocorrido em outros pontos do Brasil (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Salvador) a formação da mão de obra em São Paulo passou a se inspirar então na estrutura dos Licées franceses, com um currículo que envolvia disciplinas das áreas de Ciências Aplicadas e Artes. Lembrando-se que a talha integra o grupo das artes do desenho, composto pela arquitetura, a pintura e a escultura. Para que se possa proceder a qualquer intervenção em originais da cultura material, é necessário um conhecimento pormenorizado a respeito de cada parte constituinte, em diversas vistas 34.

33 LICEU, 2000: 21, 25. LICEU, 2000: 21, 25.

34 R�s�midam�nt� �ada obj�to tridim�nsiona� o� d�ta�h� d�st� s�ria �omposto por �m n�m�roso R�s�midam�nt� �ada obj�to tridim�nsiona� o� d�ta�h� d�st� s�ria �omposto por �m n�m�roso �onj�nto d� vistas, nas mais div�rsas dir����s; ini�iando-s� p��as mais b�si�as hav�ria a �ronta� � post�rior, as �at�rais, a s�p�rior � a in��rior.

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O desenho pode servir para a transposição dos registros formais, nas me-didas exatas, para os suportes que abrigarão os ornatos, no caso dos trabalhos de reconstituição aqui enfocados, a madeira. Tratando-se de obras de arte exe-cutadas por meio de técnicas tradicionais, é necessário que se desenhe cada ornato, construído a partir de medidas e proporções de acordo com as regras canônicas clássicas, adaptadas ao modo pessoal de cada artista.

As transformações políticas e econômicas ocorridas no exterior e no Brasil entre o final do século XIX e primeiras décadas do século XX significaram pro-fundas mudanças sociais e estéticas em São Paulo, trazendo com elas as tendên-cias que conduziram a uma forte resistência por parte de segmentos moder-nizantes em relação aos estilos clássicos. A esse respeito a pesquisadora Maria Cecília França Lourenço comenta: “em tempos de modernismo, com posições marcadas contra o passado, foi mais comum a destruição do patrimônio do que a sua preservação” 35. No entanto, a mesma autora destaca que originais do perí-odo colonial e imperial brasileiros, despertavam a simpatia por guardarem con-teúdos que poderiam favorecer a constituição de uma identidade nacional 36.

A estética presente nos conjuntos de talha do templo terceiro franciscano em São Paulo passaria a incomodar a alguns, entre os segmentos da nova elite, partidária de uma modernização do Brasil a qualquer custo 37; porém, como que alheios a essas mudanças cruciais, que atingiriam o pensar e o fazer, em atendimento aos interesses dos irmãos terceiros, os oficiais aqui estudados dariam prosseguimento à realização dos seus trabalhos, como entalhadores e pintores-douradores, mantendo-se fiéis aos procedimentos tradicionais.

A atuação do Prof. Carlos junto ao templo se estendeu por dezoito anos quando foi substituído pelo filho, Waldemar Teixeira Chaves, que o havia au-xiliado desde o início dos trabalhos. Este último foi um oficial marceneiro de

35 L�UREN�, 2007:121. L�UREN�, 2007:121.

36 L�UREN�, 2007: 102. L�UREN�, 2007: 102.

37 FABRIS, 2007: 71. FABRIS, 2007: 71.

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excelente nível, que exercia trabalhos como entalhador, samblador e pintor--dourador, tendo executado trabalhos até o ano de 1992. A excelência do seu trabalho como entalhador e pintor-dourador é inegável; no entanto, como não tinha conhecimentos ligados à teoria da restauração, o partido que marcou a sua atuação merecerá nesse trabalho algumas breves considerações.

FIGURA 3 – Novo Retábulo-Mor (1791) – detalhe de mísula

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3.1. A reconstituição (1930-1990) dos retábulos, relevos parietais e castiçais: um partido com base na tradição

Do desenvolvimento da Teoria do Restauro por Cesare Brandi, na Itália, principalmente a partir da fundação do Instituto Centrale del Restauro, em 1939 38, resultaria uma linha de atuação largamente experimentada, cujos fundamentos permanecem básicos ao estudo e à formação dos profissionais da área da Conservação e Restauração até os dias atuais.

Outras propostas, como as encontráveis na Carta de Veneza, redigida em 1964, apresentam aspetos relativos à preservação de características originais, que certamente poderiam ter embasado uma atuação adequada, de acordo com esses parâmetros, por parte dos oficiais aqui estudados.

A atuação dos profissionais Carlos (até a década de 1940) e Waldemar Teixeira Chaves (até a década de 1990 39) no templo ora estudado, não se pautou nos preceitos que regem a preservação dos elementos originais em detrimento da sua substituição pela simples reconstrução de possibilida-des de leitura do objeto estético. Vale ressaltar, no entanto, que o desenvol-vimento sistemático das escolas de restauro no Brasil, só aconteceria dé-cadas depois da sua atuação ou em momento em que não se encontravam mais em condições para adquiri-los.

Observa-se, portanto, que o partido adotado pelo Prof. Carlos e seu fi-lho para os cuidados com os originais do templo estruturou-se no modo tradicional, vigente por séculos em Portugal, para o qual seria admissível raspar a policromia e a douração desgastadas ou substituir partes ataca-das por xilófagos ou destruídas em ocorrências diversas, por novas partes,

38 BRANDI, 2004: 19. BRANDI, 2004: 19.

39 � sr. �aldemar, após se propor a trabalhar para a irmandade por meio período (devido a sua � sr. �aldemar, após se propor a trabalhar para a irmandade por meio período (devido a sua idade avançada), passou em 1992, a sofrer pressões por parte do então ministro da �rdem – Sr. João Azarias de Sobral (que voltaria ser ministro da �rdem na primeira década dos anos 2000), para ��� traba�hass� �m p�r�odo int��ra�.

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executadas em madeiras de mesma constituição, buscando-se por uma la-vra condizente com o nível de execução dos mestres barrocos 40.

Desse modo, a maior parte dos retábulos, castiçais, assim como as carte-las e demais elementos ornamentais, aplicados sobre as superfícies parie-tais do templo terceiro franciscano em São Paulo, sofreu intervenções no século XX, pelos oficiais aqui enfocados.

Em 1992, ao ser afastado de suas atividades junto à Ordem 41, o Sr. Wal-demar deixou alguns trabalhos inacabados (a douração do retábulo de Santo Antônio de Pádua, a recuperação do retábulo de Santa Margarida de Cortona, que permanece inalterado, e a reconstituição do retábulo de Santa Isabel, que chegou a desmontar inteiramente).

Antes da atuação desses oficiais, a talha que recobre o templo terceiro franciscano apresentava-se pintada de branco e os seus elementos orna-mentais e filetados, dourados. No século XX, em atendimento a solicita-ções dos irmãos terceiros, o conjunto foi pintado de um tom claro de azul, mantendo-se a douração de ornatos e filetes.

3.2. Entre as décadas de 1930 e 1990, a recuperação de um conjunto patrimonial ameaçado: materiais e técnicas

Para que se possa entender a atuação desses oficiais, nos conjuntos de talha aqui enfocados, se procederá a seguir a uma apresentação resumida contendo alguns dados técnicos a respeito da sua produção.

De acordo com os procedimentos tradicionais dirigidos à reconstitui-ção de originais de talha, após a raspagem dos conjuntos entretalhados o

40 BRANDÃO, 1984: 843-846. BRANDÃO, 1984: 843-846.

41 Sem condições para exercer a atividade por oito horas di�rias o excelente profi ssional, foi afasta- Sem condições para exercer a atividade por oito horas di�rias o excelente profissional, foi afasta-do dos trabalhos de reconstituição iniciados meio século antes (Livro de Atas, de 14-03-1992, fol. 11).

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oficial substituiria partes seriamente infestadas por xilófagos, ou seja, que tivessem perdido a integridade estrutural e/ou formal, por novas partes de madeira. Para que isso ocorresse, deveria dominar algumas técnicas bási-cas à construção de conjuntos escultóricos de talha, entre elas o desenho de componentes estruturais e ornamentais, assim como, o entalhe de orna-tos em madeira e a acoplagem de partes entalhadas por meio de encaixes clássicos ou sambladuras, que confeririam resistência aos conjuntos, em relação aos diversos tipos de esforços ou empuxos que viessem a sofrer, devido às variações do grau de umidade e temperatura.

O entalhe é um misto de dois conceitos dirigidos ao domínio da forma tridi-mensional: o primeiro seria o de escultura, que pela aceção clássica, envolveria apenas a retirada de partes de um mesmo bloco, o que na talha, ocorre quando se extraem as formas do material básico, por exemplo, para a construção de um ornamento, retirando-se o excesso de matéria de um bloco básico, que poderia ser composto por diversas partes de madeira, coladas.

O segundo conceito seria o de modelagem, segundo o qual tanto se poderia extrair quanto acrescentar matéria durante o processo de exe-cução. Este processo também ocorre para a formação dos monumentais conjuntos entalhados por meio de partes encaixadas, já que é impro-vável a construção de retábulos ou conjuntos escultóricos desse porte, utilizando-se blocos únicos de lenho, lembrando-se que, além de ques-tões ligadas às dimensões da matéria-prima, a madeira maciça apresenta sérias tendências para a produção de trincas, o que torna conveniente a composição de conjuntos constituídos por diversas partes sobrepostas, entrecruzando-se as direções dos veios.

Para a obtenção das formas escultóricas, utilizam-se ferramentas cortan-tes como os formões, que apresentam o gume cortante reto, com os quais é possível produzir grande quantidade de variações formais no plano e em convexidades. Também é possível utilizar as goivas e os acanaladores, cujo

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perfil de corte, nas versões mais comuns tem o formato em U 42, em ângulos diversos (para a execução de acanaladuras ou estrias e de trabalhos em áreas arredondadas ou em concavidades em geral) e os perfis em V (bifurcadores, para a produção de riscos e acabamentos em cantos ou em ângulos).

Os diferentes tipos de madeiras apresentam diversificados graus de du-reza sendo, em muitos casos, necessário amplificar a potência dos golpes sobre o material por meio do uso de maças ou macetes de bater, normal-mente feitos de madeira, para não danificarem os cabos dos formões ou goivas, que também são feitos desse material. Desse modo, o aprofunda-mento da parte cortante das ferramentas na madeira é facilitado, deixan-do-se o uso exclusivo da mão para golpes sobre o cabo da ferramenta, em partes delicadas, e em acabamentos finos.

Quanto aos encaixes clássicos existem inúmeros tipos dirigidos a esforços ou empuxos de diversas intensidades, possibilitando bom travamento, fun-damental a manutenção da integridade dos conjuntos de talha. Entre eles estão as sambladuras em calha e espiga, com dente centrado em uma ripa e encaixe em outra, a cola de Milão, com encaixes angulosos que possibilitam bom travamento, assim como o faz o malhete ou rabo de minhoto, constitu-ído por uma mecha em forma de rabo de andorinha 43.

3.2.1. A remoção da policromia: ferramentas de confecção artesanal e seus possíveis usos

Em processos tradicionais de recuperação de peças em madeira, para a reti-rada de camadas de policromia, douração ou verniz, pode ser indicado o uso de

42 Entr� os m�nos �onh��idos �stão os �orm��s para a�ana�ad�ras �m �antos r�tos o� ��rvos � Entr� os m�nos �onh��idos �stão os �orm��s para a�ana�ad�ras �m �antos r�tos o� ��rvos � os de cantos curvos com meio bossel ao centro (��NAZZI DA C�STA, 2010: 45).

43 BONAZZI DA COSTA, 2010: 49. BONAZZI DA COSTA, 2010: 49.

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raspadeiras de metal ou de vidro, já que o calor gerado pela fricção entre as duas superfícies (base de preparação ou fundo, policromia e/ou douração contrapos-tos aos grânulos e elementos constituintes das lixas), chega a provocar alterações nos materiais formando um tipo de pasta que chega a inutilizar as lixas.

Em junho de 2001, conhecemos o Sr. Ilário Carvalho, então marceneiro e funcionário da Ordem Terceira Franciscana em São Paulo. Anos antes, este profissional, havia acompanhado os trabalhos do Sr. Waldemar Teixeira Chaves e, embora não se tenha apresentado oportunidade para que o jovem marceneiro aprendesse o ofício com o velho mestre pôde, no entanto, ob-servar os procedimentos adotados pelo oficial, desde a desmontagem dos retábulos, a sua completa raspagem, a substituição de partes infestadas por novas partes de madeira, o desenho e o entalhe dos elementos ornamentais segundo os modelos originais, o preenchimento de lacunas (galerias) cria-das por insetos xilófagos utilizando uma massa composta por cola e serra-gem fina de madeira à qual se costuma acrescentar fungicidas, a montagem dos conjuntos entalhados, a aplicação de fundo, a policromia e a douração.

Por meio de entrevistas com o Sr. Ilário, tivemos contato com um conjun-to de ferramentas de corte em aço, contendo perfis diversos, nos formatos e medidas exatas de partes componentes dos elementos ornamentais pre-sentes na talha da igreja 44. Segundo ele, essas peças foram confecionadas pelo Sr. Waldemar, especialmente para a raspagem de partes específicas dos ornamentos e, é possível que algumas entre essas ferramentas, tenham servido para a construção de elementos emoldurados para a substituição de partes perdidas daqueles retábulos.

44 Est� �onj�nto d� ��rram�ntas s� �n�ontra sob a ��arda da V�n�r�v�� Ord�m T�r��ira d� São Est� �onj�nto d� ��rram�ntas s� �n�ontra sob a ��arda da V�n�r�v�� Ord�m T�r��ira d� São Fran�is�o da P�nit�n�ia �m São Pa��o.

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FIGURA 4 – Brunidor e jogo de ferramentas em aço (confeção: Sr. Waldemar Teixeira Chaves)

Apesar das inúmeras e inovadoras tecnologias disponíveis na época (entre os anos de 1930 e 1990), para a produção desse tipo de componentes, este con-junto de ferramentas constitui uma importante prova documental dos pro-cedimentos adotados pelo oficial para a reconstituição das obras de talha do templo terceiro franciscano paulistano.

Como raspadeiras, as peças possuem perfis diversos, aos quais foram con-feridos chanfro e gume cortante. Em demonstração apresentada em data em que também concedeu entrevista 45, o Sr. Ilário Carvalho sobrepôs algumas das ferramentas sobre áreas entalhadas, como declarou ter visto o Sr. Wal-demar T. Chaves proceder, encaixando com precisão os perfis sobre algumas partes determinadas, simulando o processo de raspagem.

45 Entr�vista �on��dida p��o Sr. I��rio Carva�ho ao a�tor, �m 21-06-2001, na S�d� da Ord�m Entr�vista �on��dida p��o Sr. I��rio Carva�ho ao a�tor, �m 21-06-2001, na S�d� da Ord�m T�r��ira Fran�is�ana �m São Pa��o.

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FIGURA 5 – Demonstração do processo de raspagem pelo Sr. Ilário Carvalho

No caso de uso em tupias, ferramentas de corte como estas podem ser cha-madas de fresas para tupia estacionária e em alguns processos caseiros, chegam a substituir as fresas industrializadas. É provável que esse conjunto de ferramen-tas tenha sido confecionado pelo profissional, utilizando o aço mola, já que o aço rápido, pela rigidez e o aço doce, pela flexibilidade, não seriam adequados.

A espessura recomendada para esse tipo de peça metálica varia entre 6mm e 9mm, a medida máxima, por já estar na dimensão do rasgo do eixo giratório da máquina no qual seria encaixada. Diferentemente de serem compostas por única barra, em uma versão mais atualizada e segura, essas peças seriam estru-turadas de modo a conter um conjunto de facas entrecruzadas, cujos gumes cortantes de perfis idênticos, encaixados ao eixo giratório da máquina em alta rotação, confeririam os mais diversos tipos de formatos aos caibros, ripas, etc.

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As tupias possuem uma peça componente que serve como guia, para que se mantenha devidamente distanciado o gume cortante das fresas em rotação, em relação aos caibros, sarrafos ou ripas (no entanto, essa peça de segurança não elimina os consideráveis riscos às mãos do oficial), que deslizando sobre a base tangenciarão de modo orientado e controlado o ponto de corte das fer-ramentas que lhes conferirão os formatos dos perfis.

Como as raspadeiras dirigidas às superfícies e convexidades, costumam apresentar formato retangular e rebarba cortante em apenas um dos lados; a descrição do Sr. Hilário, causou-nos inicialmente um estranhamento, já que os perfis presentes nas peças do conjunto em questão, são mais comuns ao uso como fresas. No entanto, por serem constituídas de única barra de ferro e te-rem perfis diferenciados em cada uma das extremidades, não poderiam girar, já que o desenho do perfil presente em uma extremidade poderia comprome-ter os formatos diferenciados, presentes na outra extremidade.

Nesse caso, devido às inúmeras variações formais presentes no conjunto de talha aqui enfocado, contendo além de formatos lineares, concavidades e convexidades, que dificultariam o emprego de raspadeiras tradicionais, retas, é possível que esse conjunto de ferramentas tenha sido construído contendo tipos diversos de perfis, para o uso como raspadeiras.

Os procedimentos adotados pelo oficial seriam usuais em oficinas de mar-cenaria, sobretudo para a raspagem ou para a construção de emoldurados e de peças componentes do mobiliário de estilo, que costumam possuir perfis clássicos ou acanaladuras e partes filetadas, em linhas retas ou curvas, assim como de ambas (mistilíneos). Entre os perfis mais utilizados, estão o perfil plano, com filete ou listel; o perfil convexo, como o bocel, o cordão, o quar-to de círculo e o toro; perfis côncavos, como a escócia, gola e meia-cana; e côncavo-convexos, como o dulcina e o talão.

Não se pode deixar de mencionar que por falta de familiaridade para com a teoria da restauração, a raspagem dos conjuntos entalhados, efetuada pelos profissionais que atuaram na Igreja da Venerável Ordem Terceira Franciscana

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de São Paulo, deixou de levar em consideração a importância da manutenção da base de preparação, policromia e douração originais, depositárias de páti-nas compostas além de pigmentos, aglutinantes e vernizes, em configurações resultantes das reações químicas que sofreram, e por elementos agregados às superfícies e ranhuras dos conjuntos desde o século XVIII.

Ressalta-se aqui a importância da pátina original enquanto documento de uma série de procedimentos ligados às técnicas empregadas para a pintura e douração daquele conjunto de talha. Entre outros fatores, esses revestimen-tos guardavam os registros de um vasto conjunto de conhecimentos e infor-mações conceituais e técnicas, desenvolvido desde a composição da base de preparação com gesso e “bolo armênio”, que receberia as camadas de tinta e de ouro, com grau de porosidade e textura adequado; a transformação dos lingotes de ouro 24k em folhas de espessuras finíssimas; a produção de cores com os materiais disponíveis na época, que se misturados levando-se em conta fórmulas tradicionais, largamente experimentadas, poderiam ser estáveis; os aglutinantes e os instrumentos para a sua produção, mistura e aplicação, assim como a grande quantidade de vocábulos específicos desen-volvidos para a sua denominação.

O conjunto de ferramentas aqui estudado se adequa à raspagem de diferentes formatos conferidos à madeira, posteriormente dourados, policromados ou en-vernizados, assim como, à confeção de novos componentes de madeira (quando utilizadas como fresas), em processos de reconstituição. Oferece uma rica gama de possibilidades para o trato de suportes cujas medidas fujam de padrões industriais, já que é composto por tipos de peças com perfis e medidas diferenciadas.

Não se deve esquecer que o trabalho realizado pelos oficiais Carlos e Wal-demar Teixeira Chaves se dirigiu aos formatos presentes na talha antiga, con-cebida em um universo de absoluta exclusividade, rigorosamente adaptada às medidas dos espaços aos quais se destinava, representando o modo de pensar em períodos históricos e locais diversos nos quais, para a realização do objeto estético, não se preteriria a excelência do fazer artístico/artesanal, manual.

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3.2.2. A nova douração: da aplicação da base de preparação ao douramento

Tradicionalmente o preparo das superfícies dos conjuntos de talha para a

douração e a policromia envolveria a aplicação de inúmeras camadas de gesso grosso, gesso mate e bolo armênio, podendo-se em casos ideais aplicar-se até cinco camadas de cada tipo, chegando a totalizar até quinze camadas de prepa-ração, que seriam constituídas por gesso misturado com colas extraídas da pele ou de cartilagens animais, que após cada aplicação e a secagem, seriam lixadas. Este processo tinha o objetivo de suavizar as superfícies que receberiam as fi-níssimas folhas de ouro que poderiam se romper com extrema facilidade, caso fossem aplicadas sobre áreas que apresentassem quaisquer irregularidades.

Havia também diferenciações em relação ao tipo de gesso básico do fun-do, para a preparação de áreas brunidas (brilhantes) ou mates (foscas), assim como se procederia de diferentes modos, em caso de uma primeira douração ou na recuperação de áreas anteriormente douradas 46.

Era procedimento tradicionalmente indicado no caso de superfícies já dou-radas, que se raspasse minuciosamente o ouro velho, para que não restassem quaisquer resíduos da antiga douração, o que poderia comprometer a aderência das novas folhas de ouro, provocando o seu desprendimento. Buscava-se assim tornar os suportes resistentes, sem a presença de lesões, podridões ou carun-chos, para “garantir a durabilidade deste novo e dispendioso investimento” 47.

As etapas da preparação das superfícies da talha para o douramento envol-viam a aplicação da base de preparação ou fundo de gesso e cola após o que se aplicaria camadas de uma mistura terrosa com gesso, cola e lápis chumbo (bolo armênio), para conferir maior resistência à superfície a ser dourada 48.

46 ALVES, 1989: 197. ALVES, 1989: 197.

47 BRANDÃO, 1984: 843-846. BRANDÃO, 1984: 843-846.

48 ALVES, 1989: 198. ALVES, 1989: 198.

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Por volta do ano 2000, localizamos na sede da Ordem Terceira uma embalagem de bolo armênio, material utilizado pelo Sr. Waldemar T. Chaves na preparação do fundo para a douração que, além da marca e do tipo, continha uma pequena receita para o uso; tratava-se de uma caixa de madeira, em cujo rótulo se encon-travam as seguintes informações: Fabrique de Couleurs et Vernis Le Franc, Paris. Assiette a dorer – rouge. Notre assiette pour La dorure est parfaitement broyée. Elle est tré douce et peut s’employer après quatre ou cinq jours de contact avec l’eau 49.

Os douradores dos séculos XVII e XVIII trabalhavam juntamente com os bate-folhas, que confecionavam artesanalmente lâminas finíssimas com as quais se douraria. No apogeu do Barroco, os douradores utilizavam ouro de 24k, que, se bem conservado nos conjuntos de talha, teria o seu brilho manti-do por tempo indeterminado 50.

A seguir, apresenta-se transcrição de texto da Redação do Jornal Folha de São Paulo 51, em entrevista concedida em 1987 52, onde o Sr. Waldemar Teixeira Chaves descreve algumas das técnicas que empregou na reconstituição de peças de madeira pertencentes ao acervo da Venerável Ordem Terceira Franciscana:

“A primeira etapa é a raspagem das peças de madeira (um castiçal, por exem-plo), feitas em cedro maciço; depois vem um banho com soda cáustica. Quando elas estão totalmente limpas, recebem quinze demãos de uma mis-tura de gesso com gelatina. A cada uma delas, as peças têm que ser lixadas.Após essa etapa, chega a hora do aplique de oito camadas de um barro vermelho, que é misturado com uma cola feita com nervos de coelho. Detalhe: só serve um tipo especial de barro que é colhido na Armênia

49 F�bri�a d� Cor�s � V�rni��s F�bri�a d� Cor�s � V�rni��s Le Franc, Paris. Bo�o � v�rm��ho. Nossa bas� para do�ra�ão é perfeitamente triturada (uniformemente moída). É muito suave e pode ser empregada após quatro ou cinco dias de contato com �gua (T. A.).

50 ALVES, 1989: 198. ALVES, 1989: 198.

51 A barroca igreja das Chagas completa duzentos anos. In: Fo�ha d� São Pa��o - Visitando São Pa��o, B-16 � T�rismo � Q�inta-��ira, 10.s�t.1987.

52 Vid� no m�smo �ad�rno: Vid� no m�smo �ad�rno: Restaurador trabalha há trinta anos.

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e tratado na França. Finalmente, vem o momento em que as finíssimas folhas de ouro 23 quilates são aplicadas. A peça, que está revestida com o barro e a cola, é molhada e a folha adere instantaneamente.Essas folhas, pequenos quadrados de 7 x 7cm, que não podem ser tocadas pelas mãos – elas podem se desfazer ao simples contato – são habilmente controladas por Waldemar com suaves sopros e o auxílio de uma faca. Um dia depois de ser aplicado, o ouro é polido com brunidores de pedra ágata”.

Além de apresentar alguns dos procedimentos técnicos adotados pelo Sr. Waldemar Teixeira Chaves, outro trecho da entrevista mencionada acima também expõe a constante preocupação por parte do profissional em relação às dificuldades encontradas então pelos terceiros para a aquisição de novos materiais, para que pudesse dar continuidade ao processo de restauro já que, por diversas vezes, a falta destes gerou atrasos nos trabalhos por ele realizados.

A Sra. Vilma Sato (VOT-SF-SP), acompanhou os trabalhos do mestre enta-lhador e dourador, por vários anos e, como tesoureira, esteve envolvida com a li-beração de verbas destinadas à aquisição dos materiais necessários ao desenvol-vimento dos trabalhos, assim como, aos pagamentos efetuados ao profissional.

Em seu depoimento 53, falou a respeito do elevado nível de exigência do oficial, em relação à qualidade dos materiais adquiridos, especialmente com a cola totin, extraída da pele de coelhos, adquirida em grandes quantidades, lembrando-se que, segundo a formulação tradicional, um quilo dessa cola, seria diluído em 8 ou 10 litros de água, mantendo-se uma pequena quantidade preparada em banho-maria durante o uso 54.

Utilizando folhas de ouro industrializadas, produzidas na Itália, França ou Alemanha, o Sr. Waldemar Teixeira Chaves, empregou a técnica do dourado “à água”, que difere da técnica do dourado “a mordente”, muito comum em

53 Entr�vista �on��dida ao a�tor, na S�d� da Ord�m, �m 14. a�o. 2001. Entr�vista �on��dida ao a�tor, na S�d� da Ord�m, �m 14. a�o. 2001.

54 TURCO, 1994: 14. TURCO, 1994: 14.

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peças comercializadas hoje. O dourado à água envolve um elevado grau de complexidade, em etapas como a do brunimento, obtido pelo emprego do brunidor, instrumento constituído por haste apresentando engastada em uma das extremidades, uma pedra de ágata, com a qual se fricciona delicadamente as superfícies douradas, produzindo-se um efeito de brilho, tornando a su-perfície uniformizada, sugerindo o efeito das placas metálicas polidas, não restando aparentes registros de emendas ou sobreposições de folhas.

A cola totin, tradicionalmente tem-se mostrado como a mais indicada ao bom desempenho do processo de douração à água. Segundo relato da irmã ter-ceira Vilma Sato, a respeito de informações fornecidas pelo dourador, a cola deveria ser aplicada em concentração suave, misturada com algumas gotas de água e pequena quantidade de álcool, acrescido com a finalidade de facilitar a aplicação. No entanto, a concentração não deveria ser excessiva, pois, isso po-deria acarretar o desprendimento das folhas durante o processo de brunimento.

Após a secagem do conjunto dourado, o dourador poderia obter informa-ções precisas a respeito do ponto ideal para dar início ao brunimento, por meio do som produzido pelo contato entre o brunidor e as superfícies dou-radas, passando a friccioná-las suavemente com a superfície lisa da ágata, até obter o brilho desejado. Com o objetivo de reduzir o atrito sobre a superfície do ouro, poderia molhar o brunidor em água pura ou misturada com sabão 55.

Uma vez iniciado, o processo não poderia ser interrompido; portanto, o trabalho envolvia dedicação integral. Após a obtenção das áreas douradas brunidas e mates, o dourador finalizaria o trabalho com a aplicação de verniz incolor, brilhante ou fosco, distribuído uniformemente sobre as superfícies, o que protegeria aos conjuntos de talha que, se conservados livres de umidades, acúmulo de sujidades e riscos resultantes de conservação inadequada pode-riam ter durabilidade garantida por tempo indeterminado.

55 A Sra.Vilma Sato não recebeu do ofi cial, informação a respeito do tipo de sabão por ele utili- A Sra.Vilma Sato não recebeu do oficial, informação a respeito do tipo de sabão por ele utili-�ado n�ss� pro��dim�nto.

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Embora as intervenções no conjunto de talha da capela terceira franciscana paulista possam ser vistas por especialistas da conservação e restauro como um tipo de contrafação, não se pode negar que a qualidade do trabalho do Sr. Walde-mar Teixeira Chaves, enquanto entalhador, samblador e dourador, foi excecional.

Graças a isso, mantém-se na Ordem Terceira Franciscana em São Paulo, exemplares nos quais é possível diferenciar as áreas brunidas ou brilhantes, das áreas mates ou foscas, o que caracteriza um extremo refinamento do pro-cesso de douração. Infelizmente, devido à necessidade de retirada de camadas de tinta branca que recobriram muitos dos conjuntos de talha construídos no Brasil, aplicadas devido a interpretações inadequadas das tendências neoclás-sicas no século XIX, é incomum no nosso país encontrar conjuntos dourados com esse nível de preciosismo.

Para reconstituir os elementos de talha barroca e rococó presentes no templo terceiro franciscano paulista, os oficiais Carlos e Waldemar Teixeira Chaves demonstraram pleno conhecimento conceitual e domínio técnico, do processo escultórico do entalhe e da montagem de partes em madeira, da preparação do fundo e aplicação da douração e policromia. Certamente, a tradicional instituição de ensino à qual estiveram ligados, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, assim como, o conservadorismo estético dos membros da paulista Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência, em muito contribuíram para esse fim.

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Considerações Finais

A Teoria Brandiana não indica que em obras de arte danificadas ou mutila-das sejam realizadas intervenções por meio de analogias, ou seja, com base em registros formais e cromáticos presentes nos originais avariados, recriarem-se as partes perdidas de modo que o novo trabalho se mescle às áreas originais não sendo mais reconhecível, o que poderia constituir uma falsificação.

Esta linha propõe que, com base em registros pertinentes e representativos das instâncias histórica e estética, se busque restabelecer a unidade potencial da obra, sem que isso venha a constituir um falso histórico ou a perpetrar uma ofen-sa estética 56. Desse modo por meio de técnicas apropriadas, devem ser produzi-das com base em registros remanescentes, presentes nos originais, reintegrações que de perto possam ser reconhecidas e à distância, se tornem “invisíveis” 57.

Embora propostas mais recentes, como as apresentadas por Salvador Muñoz Vinhas, relativizem muitos entre os conceitos apresentados pela Te-oria Brandiana 58, é necessário admitir que os procedimentos adotados pelos Srs. Carlos e Waldemar Teixeira Chaves não mantiveram os conjuntos em seu aspeto original, não cabendo aqui qualquer tentativa de defesa. No entanto, é possível que alguns aspetos referentes às profundas alterações porque o con-junto retabular e relevos parietais da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Franscisco passaram, mereçam atenção.

Como ocorre em diversos locais do mundo, processos envolvendo questões relativas à conservação e restauração de bens culturais no Brasil, e nesse caso específico em São Paulo, têm sido marcados por excessiva lentidão; prova-velmente devido às dificuldades para a obtenção de recursos que cubram aos elevados custos envolvidos nesse tipo de projeto, obrigando muitas vezes que

56 BRANDI, 2004: 33. BRANDI, 2004: 33.

57 BRANDI, 2004: 47. BRANDI, 2004: 47.

58 VIÑAS, 2004. VIÑAS, 2004.

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grupos interessados tomem atitudes drásticas, como ocorreu com os irmãos da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência de São Paulo, frente à ameaça de perda total do patrimônio.

Desse modo, em um período propício, quando as finanças da irmandade estiveram equilibradas (sob a direção do ministro Paulo Monteiro), foram ini-ciados e desenvolvidos os trabalhos de recuperação dos retábulos de altares e revestimentos parietais presentes na capela terceira franciscana paulista, efe-tuados com base nos procedimentos tradicionalmente adotados no Mundo Português para esse tipo de realização, estendendo-se por quase seis décadas.

Como se pode observar por meio dos dados aqui apresentados, ao término dessa fase, quando a irmandade terceira entrou em decadência, os trabalhos sofreram diversas restrições, até serem interrompidos. No entanto, graças às intervenções realizadas pelos Srs. Carlos e Waldemar Teixeira Chaves, o esta-do atual dos conjuntos de talha dessa igreja pode ser considerado bom, embo-ra os conjuntos deixados inacabados ou os que ainda não sofreram interven-ções sejam mais seriamente ameaçados.

Na primeira década do século XXI, após muitos anos de planejamentos infrutíferos pelos irmãos terceiros, teve início sob o patrocínio do Estado, a recuperação do telhado, responsável por danosas infiltrações que agrediam a antiga construção de taipa de pilão, chegando a atingir as obras de arte pre-sentes no seu interior.

As más condições resultantes ameaçaram seriamente a integridade do con-junto arquitetónico e artístico pertencente à Venerável Ordem Terceira Fran-ciscana de São Paulo, composto pela sede da irmandade, as dependências do antigo externato São Francisco de Assis (hoje desativado e que, em 1987, che-gou a abrigar 570 alunos), e a capela, na qual se conservam algumas das mais importantes obras de arte realizadas no período colonial em terras paulistas, como os retábulos de altares, as imagens e as pinturas.

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Neste momento, intensificam-se entendimentos oficiais com o objetivo de recuperar os conjuntos de talha, como o que se encontra desmontado ou os que se encontram infestados por agentes destrutivos e logo após, pretende-se intervir sobre as pinturas que compõe a numerosa coleção presente no tem-plo. Essa nova etapa do projeto exigirá consideráveis recursos, que certamente ultrapassarão as possibilidades financeiras da irmandade terceira, que hoje conta com um número bastante reduzido de irmãos, sendo imprescindível a continuidade do patrocínio estatal.

Ao mesmo tempo, o projeto prevê a reinstalação da irmandade terceira em sua tradicional sede, com espaços suficientes para que possa dar prossegui-mento ao desenvolvimento das suas atividades.

Esse conjunto arquitetónico tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico e Arquitetónico do Estado de São Paulo – CONDEPHAAT em 19 de abril de 1982, somado à preciosa coleção de bens móveis da VOT-SF--SP, que se encontra na iminência do tombamento pelo mesmo órgão, deverão constituir um novo e importante museu, dedicado à memória da Venerável Or-dem Terceira de São Francisco de Assis da Penitência, na cidade de São Paulo.

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1987. “Restaurador trabalha há trinta anos”. Folha de São Paulo - Visitando São Paulo, B-16 – Turismo – Turismo. 10 de set. 1987.

Afastamento do Sr. Waldemar Teixeira Chaves do trabalho de reconstituição dos exem-plares de talha do templo terceiro franciscano paulista (Livro de Atas, 14-03-1992, fl. 11).

Atualização do valor de venda dos dois bustos relicários acima mencionados (Livro de Atas 16-8-1986, f. 68).

Caixa de Bolo Armênio (madeira): Fabrique de Couleurs et Vernis Le Franc, Paris.

Carta de Veneza. Disponível na internet em: http://www.icomos.org.br/cartas/Car-ta_de_Veneza_1964.pdf - acesso em 24.dez.2011

Conjunto de ferramentas em aço (raspadeiras) e brunidor.

Documento do tombamento da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco. Dis-

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A reconstituição dos retábulos da Capela da Venerável Ordem Terceira Franciscana em São Paulo

ponível na internet em: http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.bb3205c597b9e36c3664eb10e2308ca0/?vgnextoid=91b6ffbae7ac1210VgnVCM1000002e03c80aRCRD&Id=2912a077515bc010VgnVCM2000000301a8c0 [acesso em 22 dez.2011]

Documento referente à venda de dois bustos relicários em barro cozido e policroma-do (Santa Apolônia e Santa Inês), remanescentes do século XVII, atribuídos por Dom Clemente Maria da Silva Nigra ao Mestre de Angra (livro de Atas, 19- 07-1986, fl. 67).

Notícias sobre a restauração do Crucifixo (Livro de Atas da Ordem, 20-09-1975, fol. 134).

Registro a respeito da douração dos três pares de asas do Seráfico (Livro de Atas da Ordem, 25-02-1965, fol. 151-V).

Entrevistas

Entrevista concedida pela irmã terceira Vilma Saraiva Sato ao autor, na Sede da Ordem, em 14-8-2001.

Entrevista concedida pelo Sr. Ilário Carvalho ao autor, na Sede da Ordem Terceira Franciscana. Em São Paulo, em 21-6-2001.

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análise de um esquema devocionalNatália Marinho Ferreira-Alves

Memento Homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris

Introdução

O Padre António Vieira, na Quarta-Feira de Cinza do ano de 1672 1, inicia o ser-mão proferido na igreja de Santo António dos Portugueses com uma citação bíblica que define inequivocamente o significado das celebrações penitenciais desse dia tão importante para o Mundo Católico: Lembra-te Homem que és pó e que em pó te hás--de tornar 2. Para compreendermos bem o significado da sua proposta de reflexão para os cristãos que o escutavam, basta tão-somente interiorizar as suas palavras:

Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais: ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer: outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura: mas a futura vêem-na os olhos; a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são essas? Pulvis es, et in pulverem reverteris. Sois pó, e em pó vos haveis de converter 3.

1 VIEIRA, 2000: 53-71.

2 Gn 3, 19.

3 VIEIRA, 2000: 55.

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Com efeito, a meditação sobre o percurso humano é um dos temas mais marcantes ao longo do ano litúrgico, Na missa desse dia, após serem quei-mados os ramos de oliveira (ou outros) que foram benzidos no Domingo de Ramos do ano anterior, procede-se à imposição das cinzas aos fiéis, sendo um símbolo visível da penitência a que devem submeter-se, aceitando com humil-dade o fim terreno como expiação dos pecados do Homem. A Quarta-feira de Cinza, com a cerimónia da imposição das cinzas e com a realização da Procissão de Cinza, dá início ao período da Quaresma que deve ser entendido como uma preparação da Páscoa, o mais importante ciclo da vivência cristã já que, ao celebrar-se a vida e a morte de Cristo, anuncia-se também a sua Ressurreição e a promessa de uma vida eterna para todos aqueles que segui-rem as Suas palavras e acreditarem na Sua mensagem redentora. A lembrança da fragilidade da vida do Homem, da fugacidade da sua passagem por este mundo, é recordada permanentemente ao longo do período que medeia entre a Quarta-Feira de Cinza e a Semana Santa, com a celebração de um ritual que convida a uma meditação sobre a Morte, não como uma manifestação eivada de morbidez, mas como uma prática de afastamento das mundanidades, di-reccionando o nosso espírito para as verdades fundamentais da Fé, e para a prática da caridade para com os nossos irmãos em Cristo.

1. A Venerável Ordem Terceira de São Francisco do Porto e a Procissão de Cinza

A Venerável Ordem Terceira de São Francisco do Porto, organizava a suas expensas uma procissão de grande aparato cénico na Quarta-Feira de Cinza, desempenhando um papel de suma importância na sociedade da época. Uma

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

das primeiras informações que temos data de 1661 4, referindo-se à quantia de quinhentos e cinquenta réis entregues pelo Irmão Síndico ao Irmão Vigário do Culto Divino para os gastos que forem necessarios para a procição da sinza.

Anos mais tarde, a procissão realizada em 1674 5 fornece-nos dados preciosos que nos irão permitir ter uma ideia aproximada da sua crescente importância, quer pelo número de andores (treze), quer pelas figuras extremamente sugestivas, cuja visão motivaria, por certo, a multidão de fiéis. Este cortejo penitencial do século XVII 6, apresenta uma particularidade interessante no que respeita às figuras; com efeito, relativamente às outras procissões que tivemos oportunidade de analisar, apa-recem-nos algumas diferenças que importa referir, quer pela novidade, quer pela quantidade de pormenores de grande riqueza iconográfica, tais como:

• a figura do Demónio, aqui chamado de Tentador, vestida de negro levando um forcado na mão;

• as figuras de Adão e de Eva, vestidos de peles, levando Adão uma cadeia no pé e uma enxada na mão, e Eva com cabeleira e uma maçã na mão;

• a figura do Paraíso vestida de verde, com um ramo na mão direita, e na esquerda uma redoma de vidro cheia de água sobre um prato de prata cheio de terra, lembrando o paraíso terreno;

• a figura do Querubim, figura ligada à Expulsão do Paraíso, descrito com vestido de gala, com asas pequenas na cabeça e outras grandes nos ombros, levando na mão esquerda uma rodela, e na direita uma espada afogueada;

• duas figuras de Cinza, caminhando a par, vestidas com hábito de burel, com cabeleiras desgrenhadas e barbas hirsutas, levando cada uma delas na mão um prato grande de cinza com uma caveira e ossos;

• a figura da Penitência vestida com hábito de burel, com cabeleira e barbas, levando nas mãos um espinheiro carregado de cilícios e disciplinas e uma cadeia no pé.

4 PINTO FERREIRA, �. A., 1966: 604.

5 AV�TSF, ESTAT 36 (1660-1694): 40-40v.

6 V�r An�xo I.

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De igual modo, se refere que a procissão seria governada por cinco irmão dos que já haviam sido ministros, distribuídos da seguinte forma: do prin-cípio até o primeiro andor um; do primeiro até ao quarto, outro; do quarto até o oitavo, outro; do oitavo até décimo segundo, outro; do décimo segundo até ao palio, outro. Ainda relativamente a esta procissão é-nos apontado um elemento relevante quando, no final da descrição, se afirma: esta é a forma da procissão que se há de guardar inviolavelmente daqui por diante.

No entanto, só em 1699, se realizou com a imponência que a tornaria fa-mosa tendo saído regularmente todos os anos até 1793, sofrendo uma inter-rupção, entre esta data e 1802, devido às obras da nova igreja e do cemitério catacumbal. De 1802 a 1831, foi novamente organizada, sendo interrompida devido às lutas liberais e ao cerco do Porto, e retomada em 1850, 1851, 1857, 1863, 1866 e 1870. O cortejo processional saía habitualmente da igreja de São Francisco na Quarta-Feira de Cinza, mas nos anos de 1851, 1857 e 1870, devi-do às condições atmosféricas adversas, saiu no domingo seguinte.

São várias as referências elogiosas que chegaram até nós feitas por escritores ilustres, comparando-a com outras realizadas na cidade, ao cuidado de orga-nizações religiosas de grande prestígio. Assim, em 1864, Francisco Ferreira Barbosa, mencionando as procissões que na cidade mais se distinguiam pela sua magnificência e riqueza, cita as do Carmo, Trindade, Terço, e São Francis-co, dizendo que não temos receio de sermos desmentidos, se dissermos, que em parte alguma se fazem estas demonstrações e actos externos do culto divino com egual pompa e deslumbrante luxo mas, apontando a procissão que saía de São Francisco na Quarta-Feira de Cinza, enumera os doze andores, referindo que a esculptura das imagens e riqueza dos seus adornos são admiráveis 7.

Cinco anos depois, em 1869, outro autor refere-se desta forma relativamen-te à procissão dos Terceiros de São Francisco: a sua riquíssima e apparatosa procissão de quarta-feira de Cinza, leva doze andores magestosamente ador-

7 BARBOSA, 1984: 111-112.

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nados, distinguindo-se com admiração pela sua inexcedível esculptura, as ricas imagens feitas pelo estatuário portuense João Joaquim Allão, morador que foi na rua do pinheiro, que todas esculpio, excepto o crucifixo, que veio de Roma […] Esta procissão é uma das mais ricas e interessantes d’esta cidade 8.

Ainda no século XIX, R. Pinto de Mattos explicita os motivos pelos quais o cortejo penitencial dos Terceiros Franciscanos era famoso:

Esta magestosa procissão tem nomeada dentro e fora do reino, pela per-feição das imagens, riqueza dos andores e alfaias de grande merecimento artístico.Os bordados dos mantos e dos vestidos de algumas imagens, e os desenhos das sanefas dos andores, tudo bordado a fio de ouro fino, são trabalhados de muito mimo, delicadeza e merecimento, no que são eminentes e se dis-tinguem muitas senhoras d’esta cidade; pois em lavores d’este genero, é o Porto uma das principaes terras do paiz, se não fôr a primeira da Europa.As corôas, os resplandores e as jarras de prata são d’um trabalho artitico inexcedivel, e de muito valor real, até mesmo as jarras de madeira pelo delicado trabalho e bom gosto de talha dourada 9.

Como podemos constatar, por esta descrição pormenorizada, a procissão era de facto um evento de grande aparato devido não só ao número de an-dores e de figuras alegóricas, mas também, e principalmente, pela qualidade artística das imagens, e riqueza dos adornos feitos de materiais preciosos, sem esquecer os tecidos sumptuosos, utilizados nas vestes dos santos e nas guarni-ções dos próprios andores.

Se temos conhecimento que a Venerável Ordem Terceira de São Francisco tinha como principal missão, para além da assistência espiritual e obediência aos princípios fundamentais da Fé, cuidar dos necessitados, quer provendo

8 PINTO, 1869: 9.

9 MATTOS, 1880: 32-33.

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ao seu sustento, quer dando-lhe assistência hospitalar, como compreender a preocupação constante com uma organização cuidada e de grande impacte relativamente à Procissão de Cinza?

Nesta perspetiva, temos de recordar que a admissão como irmão da Ve-nerável Ordem Terceira de São Francisco era muito apreciada, sendo muitos os requisitos exigidos e demorando muito tempo até se concretizar. O ser ir-mão terceiro significava, por um lado uma proteção até ao fim da vida e um auxílio garantido em caso de necessidade, mas também por outro lado, e não menos importante, um enquadramento social, dando-se grande relevo à sua participação na Procissão de Cinza. Em ata da Mesa de 1806, o escultor Ma-Cinza. Em ata da Mesa de 1806, o escultor Ma-nuel Joaquim Alves de Sousa, morador na rua do Pinheiro, afirmava que tinha vestido as imagens da procissão havia já três anos, sem receber remuneração alguma pelo seu trabalho, e que, por esse motivo, como recompensa pelo pre-juízo sofrido, pedia à Mesa que o admitisse como irmão terceiro, comprome-tendo-se, enquanto fosse vivo a preparar e a vestir as ditas imagens 10.

Com efeito, para marcar de forma decisiva o seu posicionamento no tecido social da época, a Ordem Terceira procurava, graças aos donativos obtidos por parte dos seus membros, desde os mais humildes, mas principalmente os mais abastados, tornar a Procissão de Cinza um acontecimento marcante na vida da cidade dando início ao tempo quaresmal.

São inúmeras as informações de que dispomos acerca do desvelo com que este assunto era tratado, buscando-se por todas as formas, que o decoro fosse sempre observado. Os pagamentos efetuados abrangem os itens mais diversos, tais como, a título exemplificativo: a invocação de bom tempo para a realiza-ção da procissão ($360 réis de três missas às almas); os sermões (4$800 réis do sermão de Cinza pelo Reverendo Padre Comissário); a música (2$400 réis da musica da missa de dia de Cinza); o jantar depois da procissão (6$580 réis pelo jantar depois de Cinza); vários serviços ($480 réis de se engomar a roupa para a

10 AV�TSF, �ESA 904 (1782-1810): 338. AV�TSF, �ESA 904 (1782-1810): 338.

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procissão, e $240 réis a quem levou a cruz da Penitência na procissão); o conser-to dos hábitos (2$080 réis do conserto dos hábitos dos santos que se alargaram e abaixaram e olandilha e mais gastos); a limpeza das pratas (1$200 réis por limpar os resplendores e mais prata para a procissão); a armação da igreja no dia da procissão (3$840 réis a João Pereira da armação da igreja do dia de Cinza); o conserto de andores (8$380 réis de vários gastos para conserto dos andores e chapas de ferro para todos); o trabalho do escultor ($840 réis ao escultor de compor algumas imagens dos andores; 1$600 réis para reformar os serafins para a nuvem do andor do Senhor das Visões e fazer seis serafins novos; 8$400 reis para o querubim) 11; o trabalho do pintor ($800 réis ao pintor Pedro da Silva de pintar o vestido da morte para a procissão de Cinza 12; 15$620 réis a Brás Ferreira Dias pelas tintas, óleo e ouro para a encarnação dos santos 13; 1$600 réis de pintar a enxada de Adão e reformar os rostos das imagens da procissão, mais $960 réis por encarnar a cabeça e mãos de Santa Margarida de Cortona 14).

No ano de 1768 15 são referidas avultadas despesas, procurando reformar e enriquecer os andores, as imagens e outros ornamentos, podendo depreender-depreender--se que a procissão necessitava de intervenções consideradas importantes, ten-do para isso sido chamados artistas de renome da cidade, ou encomendando al-guns trabalhos a outro centro conhecido pelos seus escultores; assim: o escultor João Ferreira da Silva recebeu 34$740 réis pela feitura de oito cabeças novas, de dedos, e outras composições de vários santos, que se mandaram consertar dos que vão na nossa procissão de Cinzas; foram pagos 5$060 réis por duas caretas de pau que se mandaram fazer em Braga para fazer a forma de Adão e Eva; os carpinteiros José e Manuel Francisco receberam 69$980 réis de material e jor-

11 AV�TSF, SEC 288 (1728-1729/1727-1732): 42. AV�TSF, SEC 288 (1728-1729/1727-1732): 42.

12 AV�TSF, SEC 288 (1729-1730/1727-1732): 26. AV�TSF, SEC 288 (1729-1730/1727-1732): 26.

13 AV�TSF, SEC 286 (1768-1769/1768-1772): 26. AV�TSF, SEC 286 (1768-1769/1768-1772): 26.

14 AV�TSF, SEC 286 (1768-1769/1768-1772): 26. AV�TSF, SEC 286 (1768-1769/1768-1772): 26.

15 AV�TSF, SEC 286 (1768-1769/1768-1772): 26. AV�TSF, SEC 286 (1768-1769/1768-1772): 26.

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nais de carpinteiros dos andores; o entalhador Domingos Teixeira Guimarães, por oito pirâmides para as varas do palio e pelo conserto da cruz de Santo Ivo Doutor, recebeu 8$820 réis. Ainda nesse mesmo ano, foram pagos 12$500 réis pela armação de quarenta e dois varais dos andores e oitenta e sete jarras para os ciprestes; 5$295 réis pelas igrejas que se fizeram para ir no andor das visões; 24$000 réis pelo douramento das varas do palio e respetivas pinhas; e ainda, 34$400 réis pelo douramento de oitenta e seis jarras para os ciprestes.

É dentro deste espírito de decoro e de imponência, que devemos entender o prestígio alcançado pelos Terceiros Franciscanos com a realização da Procissão de Cinza em 1880. A documentação revela-nos que, na Sessão de 30 de outubro de 1879 16, foi exarada uma petição de vários irmãos a pedirem a saída da Procissão de Cinza no ano seguinte mas, verificando-se a falta de recursos sufficientes para a mesma procissão poder sahir com o lu-zimento e magestade propria do acto, o despacho da referida petição ficou adiado. O assunto foi retomado na sessão ocorrida em 19 de novembro do mesmo ano 17, dizendo o Irmão Ministro que era de parecer que fosse autorizada a saída da procissão, já que lhe havia constado haver alguns Ir-mãos devotos que tomavam a seu cargo todos os trabalhos e despezas a fazer. Tendo sido chamado à Sala das Sessões o contínuo, António Moreira Frei-re, este apresentou uma lista com os nomes dos irmãos que se obrigavam à ornamentação de todos os andores, e uma segunda lista com os donativos recolhidos para esse fim, constituindo já um montante razoável. A Mesa, attendendo à respeitabilidade das pessoas empenhadas no sahimento da re-ferida Procissão, e confiada na generosidade de outros muitos Irmãos que se prontificavam a contribuir generosamente com os seus donativos para a necessaria pompa deste religioso acto, decidiu dar o seu consentimento. Para acompanhar todo o processo, foi nomeada uma Comissão constituí-

16 AV�TSF, �ESA 453 (1876-1886): 23-24. AV�TSF, �ESA 453 (1876-1886): 23-24.

17 AV�TSF, �ESA 453 (1876-1886): 24-24v. AV�TSF, �ESA 453 (1876-1886): 24-24v.

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

da pelo Irmão Ministro, pelos ex-definidores Jerónimo de Barros Freire e Tomás António das Neves e do Irmão José António da Silva Teixeira.

A importância deste assunto pode ser comprovada pelo que ficou exa-rado na Sessão efetuada em 12 de dezembro de 1879 18. De acordo com as palavras do irmão Ministro, o objetivo principal desta reunião tinha a ver rigorosamente com a Procissão de Cinza a sair no ano de 1880, já que ele, na sua qualidade de Presidente da Comissão que havia sido nomeada para o acompanhamento dos trabalhos, via-se na obrigação de informar a Mesa de uma situação extremamente comprometedora para a reputação da Ve-nerável Ordem Terceira de São Francisco. Com efeito, tendo-se procedido à contagem e verificação do estado dos hábitos que os Irmãos deviam levar na procissão, constatou-se que o seu número era diminuto, e os existentes precisavam de serem consertados e tingidos. Perante esta ocorrência, a Mesa, consciente da necessidade imperiosa de se fazer esta avultada des-pesa, mesmo desconhecendo se as dádivas, que embora prosseguissem a um bom ritmo, chegariam para cobrir todos os gastos, deu parecer posi-tivo para a Comissão resolver tudo da melhor forma, já que era preciso que a dita procissão se apresentasse com o numero indispensavel de Irmãos, e que a remonta dos habitos quer fosse feita a expensas da Ordem quer do producto da subscrição, ficava sendo propriedade da Casa.

O zelo por parte da Mesa e da Comissão por ela nomeada, presidida pelo próprio Irmão Ministro, surtiu os melhores resultados, já que na Ses-são de 19 de março de 1880 19, foi apresentada uma exposição elogiando os Irmãos Tomás António das Neves, Jerónimo de Barros Freire e José António da Silva Teixeira, por terem aceitado a espinhosa tarefa que lhes foi commettida pelos protectores dos andores e pela Mesa de se incumbirem de todos os aprestos precisos para o maximo luzimento do acto processional.

18 AV�TSF, �ESA 453 (1876-1886): 24v.-25. AV�TSF, �ESA 453 (1876-1886): 24v.-25.

19 AV�TSF, �ESA 453 (1876-1886): 26v.-27. AV�TSF, �ESA 453 (1876-1886): 26v.-27.

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A Mesa aprovou por unanimidade todos os termos da exposição apresen-tada, louvando os referidos Irmãos por tomarem a iniciativa e cooperarem desveladamente, contribuindo para que a Procissão de Cinza se realizasse com grandeza e lustre sem a mínima despeza por parte da Ordem.

O empenho das sucessivas Mesas na grandiosidade patente no cortejo processional manifestou-se novamente na Procissão de Cinza que saiu no dia 19 de fevereiro de 1896, onde foram usadas pela primeira vez as oito varas de prata, com três metros de altura, bem como o rico manto e túnica de veludo da Rainha Santa Isabel de Portugal (tendo-se aproveitado a cer-cadura bordada a ouro fino, que datava do século XVIII), ofertas da Mesa cujo mandato terminou em 30 de junho de 1897 20.

O aparato cénico e a majestade apontados pelos autores que atrás ci-támos mantiveram-se inalteráveis ao longo dos tempos, como podemos comprovar pela Procissão de Cinza realizada em 1905, a última sobre a qual possuímos uma relação pormenorizada. Tendo sob a sua pro-teção o andor de Nossa Senhora da Conceição, e considerando o seu estado impróprio para figurar no préstito, o irmão José Bento Pereira e sua mulher D.ª Maria da Conceição Maldonado Pereira, tomaram a seu cargo todas as despesas inerentes à sua reforma, com particular destaque para as novas vestes da imagem da Virgem (um manto de veludo azul francês e um vestido de cetim branco, mandados fazer na reputada casa de Júlio Rodrigues Machado, um véo de sêda branca ricamente bordado a sêda frôxa, uma cabelleira natural e camisas e saias delicadamente fei-tas e bordadas pelas mãos da offertante) 21. De igual modo, D.ª Deolinda Cândida Monteiro ofereceu à imagem de Nossa Senhora da Conceição uma pulseira de ouro de alto quilate, ornamentada com granadas, que foi estreada na mesma procissão, sendo considerada notável como primor

20 Programa da Procissão de Cinza: s/fl.

21 Programa da Procissão de Cinza: s/fl.

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

artístico da antiga ourivesaria portugueza 22. Para maior brilho, a Mesa vigente à época, fizera uma subscrição para comprar oito lanternas de prata, de estilo D. João V, trabalho artístico inexcedível 23, que figuraram na referida procissão, fazendo assim perdurar a lembrança da sua passa-gem pelo governo da Venerável Ordem.

2. Estrutura da Procissão de Cinza

A procissão obedecia a uma estrutura cuidadosamente preparada sen-do composta para além dos andores – as peças mais importantes, uma vez que a sucessão das imagens constituía a essência do discurso cate-quético – por outros elementos igualmente permanentes, tais como: a Cruz da Ordem, diversas figuras alegóricas, o Anjo Querubim, anjos, tochas, lanternas e o palio.

QUADRO 1 – Estrutura da Procissão de Cinza

Elementos Permanentes

Cruz da Ordem

Andores

Figuras alegóricas

Querubim

Anjos

Tochas

Lanternas

Palio

22 Programa da Procissão de Cinza: s/fl.

23 Programa da Procissão de Cinza: s/fl.

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Ao analisarmos a estrutura da procissão verificamos que, a partir do número de treze andores referidos para a data recuada de 1674, as al-terações foram significativas, tendo em linha de conta os anos para os quais possuímos uma relação completa dos andores que fizeram parte da procissão; assim, o seu progressivo aumento, levou a que fossem armados: em 1724 24 vinte e três andores; em 1751 vinte e quatro ando-res; e em 1782 vinte e cinco andores, tornando-se insustentável a sua montagem a partir desta data, assistindo-se a um decréscimo em 1784, ano em que são mencionados unicamente treze andores.

Neste nosso estudo escolhemos os anos de 1724, 1850 e 1905, para examinar a organização da procissão já que se a primeira, graças a uma descrição pormenorizada, nos permite ter uma visão precisa de uma cenografia complexa na qual os andores pontificam, as duas últimas, mostram uma estabilização do número de andores e, particularmente a de 1905, possibilita-nos o conhecimento de todas as figuras que faziam parte do cortejo.

24 V�r An�xo II. V�r An�xo II.

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

QUADRO 2 – Organização da Procissão de Cinza de 1724

Cruz da Comunidade (1 irmão)

1.º andor: Nossa Senhora da Conceição (seus devotos)

Quatro Anjos

Figura do Paraíso (1 irmão)

Anjo de Gala (1 irmão)

Adão e Eva (1 irmão)

Querubim

Anjo de Gala (1 irmão)

Figura da Morte (1 irmão)

Anjo

Figuras da Cinza (1 irmão)

Anjo

Figuras da Contrição (2 irmãos)

Anjo

Figura da Confissão (1 irmão)

Anjo

Figura da Penitência (1 irmão)

Anjo

2.º andor: São Francisco despindo-se (6 irmãos)

Dois Anjos

Tochas (4 irmãos)

3.º andor: São Francisco seguindo Cristo (6 irmãos)

Dois Anjos

Tochas (4 irmãos)

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4.º andor: Visões de São Francisco (6 irmãos)

Dois Anjos

Tochas (4 irmãos)

5.º andor: São Francisco dando a Regra (6 irmãos)

Dois Anjos

Tochas (4 irmãos)

6.º andor: Confirmação (6 irmãos)

Dois Anjos

Tochas (4 irmãos)

7.º andor: São Francisco abraçando Cristo(seus devotos)

Dois Anjos

Tochas (4 irmãos)

8.º andor: Os Bem-Casados (6 irmãos)

Dois Anjos

Tochas (4 irmãos)

9.º andor: São Roque

Anjos

10.º andor: Santa Luzia (4 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

11.º andor: Santo Ivo (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

12.º andor : Santa Margarida de Cortona (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

13.º andor: São Geraldo Maltês (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

14.º andor: Santa Clara de Monte Falco (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

15.º andor: São Henrique, Rei (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

16.ºandor:Santa Ângela de Foligno (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

17.º andor: São Luís, Rei (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

18.º andor: Santa Rosa de Viterbo (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

19.º andor: São Ricardo, Bispo (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

20.º andor: Santa Isabel, Rainha da Hungria (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

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Natália Marinho Ferreira-Alves

21.º andor: São Carlos Borromeu (4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

22.º andor: Santa Isabel, a Rainha Santa(4 irmãos)

Anjos (2 irmãos)

Tochas (4 irmãos)

23.º andor: Andor da Ordem (os devotos)

Anjos de Gala (2 irmãos)

Lanternas (4 irmãos)

Mesa imediata (12 irmãos)

Palio (6 irmãos)

Lanternas (4 irmãos)

O motivo da redução drástica da composição de vinte e cinco andores em 1782, para treze andores dois anos depois, é revelado no documento exarado em Mesa de 17 de junho de 1782 25, sobre a urgência da reforma a efetuar nos ando-res e imagens da Procissão de Cinza. Ao lermos os Apontamentos da redificação de que precisa a Procissão de Cinza para sair no ano seguinte, podemos verificar o estado pouco recomendável em que se encontravam andores, imagens, anjos e demais figuras, não constituindo um espetáculo adequado aos objetivos busca-dos pela Ordem Terceira mas, pelo contrário, dando uma visão deplorável e não edificante aos fiéis que assistiam ao cortejo processional. Assim:

25 AV�TSF, �ESA 904 (1782-1810): 1-2. AV�TSF, �ESA 904 (1782-1810): 1-2.

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

• no 2.º andor (São Francisco despindo-se), o Bispo precisava de novas vestes e duas cotas que a Ordem não possuía;

• no 3.º andor (São Francisco seguindo Cristo), o Santo precisava de um hábito novo, uma vez que por não o haver o ano passado foi preciso pedir um por empréstimo aos padres, e mais outros o que se censurou muito e, por essa razão, viram-se obrigados a remediar com hábitos que não estavam em condições de serem usados;

• no 4.º andor (Visões de São Francisco), a reforma e consequente des-pesa deviam ser grandes já que, para além de São Francisco precisar de um hábito novo, o Cristo na nuvem necessitava de voantes, e o conserto da nuvem usada no anterior havia custado uma verba avultada;

• no 5.º andor (São Francisco dando a Regra), o Santo precisava também de hábito, e a cadeira que fazia parte da cena estava velha e podre, sendo necessário substituí-la por uma nova;

• no 6.º andor (São Francisco recebendo a confirmação) a reforma era urgente, uma vez que se utilizava uma capa vermelha do ornamento rico da Ordem, que era danificada pela chuva, tornando-se necessário mandar fazer outra nova para as funções da capela; para além disso, não só São Francisco precisava de um hábito novo, como a figura do Papa devia aparecer com o vestuário inerente ao cerimonial: vestido clerical, cota, murça, estola e camuro;

• no 7.º andor (São Francisco abraçando Cristo), o Santo precisava de um hábito novo e o andor de novos varais;

• no 12.º andor (Santo Ivo, Doutor), eram necessários castiçais novos para o altar, uma vez que se haviam quebrado os existentes por estarem velhos;

• no 17.º andor (Santa Ângela de Foligno), os três anjos precisavam de serem reformados, apesar da reparação feita no ano anterior ter sido muito dispendiosa;

• no 24.º andor (Andor da Ordem), São Francisco precisava de um hábito novo;

• no 25.º andor (São Francisco morto), para além de ser necessário reformar os varais, precisavam das figuras do Papa, do Bispo Cardeal e

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dois frades, que iam no mesmo andor, uns porque não existiam e outros porque estavam contra o cerimonial da Igreja;

• todas as Santas precisavam de toucas novas, uma vez que as que ti-nham não estavam decentes por serem velhas e rotas;

• todos os santos precisavam de capelas e palmitos de flores;

• era necessário reformar todos os ciprestes que estavam incapazes de servir, bem como os panos dos andores que se achavam danificados e precisavam de novos galões;

• a Ordem precisava de um pano novo para o púlpito igual ao ornamen-to, e três vestimentas.

Feita esta descrição, verificou-se que a maioria dos vinte e cinco andores mencionados que faziam parte da procissão estavam muito arruinados, não se encontrando em condições de serem utilizados sem uma profunda refor-ma, estimada em 600 000 réis, quantia considerada muito avultada; por outro lado, havia que tomar em consideração os gastos feitos nos anos anteriores, bem como aqueles que se tornariam indispensáveis nos anos seguintes para proceder às reparações inevitáveis, constituindo um grande prejuízo para a Ordem Terceira. Para além destes aspetos relacionados com os enormes gas-tos permanentes, havia a ainda a acrescentar a desordem e dificuldade que o mesmo grande número de andores motivava para se não poder regir e dispor a mesma procissão com a compostura e decência a ela tão essenciais. Pelos motivos apontados, a Mesa deliberou reduzir o número de vinte e cinco ando-res para treze bons, enriquecendo nove dos existentes e fazendo quatro novos para seguir a ordem dos passos de São Francisco, uma vez que estas interven-ções não ultrapassariam um conto de réis.

Graças a um documento datado de 12 de janeiro de 1784 26, sabemos que os Terceiros de São Francisco tiveram autorização, por dois Decretos Apostólicos

26 AV�TSF, �ESA 904 (1782-1810): 20. AV�TSF, �ESA 904 (1782-1810): 20.

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da Nunciatura, para diminuir o número de andores para treze, retirando-se o de São Francisco dando a bênção aos Santos Mártires, e o de São Francisco na presença do sultão do Egipto, tirando-se também sete anjos ao grande núme-ro que seguia na procissão, e, em lugar das três figuras que iam no andor de São Francisco morto, sobre o sepulcro fossem somente dois anjos. Por outro lado, outros Irmãos desejavam que na Procissão de Cinza fosse um andor com a padroeira Santa Isabel, Rainha de Portugal, e noutro andor a Sagrada Ima-gem de Santo Cristo que se acha na Casa do Despacho, a que noutro tempo se tratava por andor da Ordem. De igual modo, o número de anjos era também diminuído mas, mesmo assim consideravam-no excessivo, do que resultava não virem alguns adornados com o asseio necessário e, por outro lado, como se verificava um decréscimo na entrada de irmãos, a Ordem tinha de dar à sua custa os anjos que faltassem, quando tinha outras mais despesas a que acudir, não só para socorrer os irmãos pobres, mas também na satisfação dos legados. Uma vez obtida a autorização mencionada, a Mesa achava que ficaria a dita procissão de Cinza muito grave com boa aceitação do público e de uma vez posta na sua verdadeira regulação com a menor despesa possível.

No entanto, a situação não ficaria totalmente resolvida, uma vez que a Mesa, a 4 de janeiro de 1793, registou que tendo recebido ordem para reformar a Procissão de Cinza, os mesários votaram por unanimidade que a Ordem não consentia que reformador algum reformasse a sua procissão para que não per-dessem as suas regalias, e principalmente por ser uma Ordem independente sem estar debaixo do domínio de sua Excelência Reverendíssima, e caso tives-sem qualquer impedimento não se faria a procissão 27.

Posteriormente, em 1850, o número de andores fixar-se-ia em doze 28, sendo também doze os que nos são elencados em 1905. Comparando estes dois exem-plos com a procissão de 1724, verificamos que foram retirados onze andores,

27 AV�TSF, �ESA 904 (1782-1810): 160-161. AV�TSF, �ESA 904 (1782-1810): 160-161.

28 MATTOS, 1880: 28. MATTOS, 1880: 28.

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mantendo-se unicamente aqueles que foram considerados essenciais, tais como: o primeiro, de Nossa Senhora da Conceição, como Padroeira do Noviciado da Ordem; o último, chamado Andor da Ordem, com São Francisco de joelhos perante o Senhor Crucificado, recebendo os estigmas; os restantes dez eram os santos da Ordem, cujo exemplo era apresentado como modelo de penitência a todos os que assistiam e participavam na procissão. Relativamente à procissão de 1724, nas de 1850 e 1905 foram retirados os seguintes andores:

• São Francisco despindo-se (2.º andor); • São Francisco seguindo Cristo (3.º andor); • Visões de São Francisco (4.º andor); • São Francisco dando a Regra (5.º andor); • Confirmação (6.º andor); • São Francisco abraçando Cristo (7.º andor); • Santa Luzia (10.º andor); • São Geraldo Maltês (13.º andor); • Santa Clara de Monte Falco (14.º andor); • São Henrique, Rei (15.º andor); • São Ricardo, Bispo (19.º andor).

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

QUADRO 3– Andores da Procissão de Cinza de 1724

1.º andor: Nossa Senhora de Conceição

2.º andor: São Francisco despindo-se

3.º andor: São Francisco seguindo Cristo

4.º andor: Visões de São Francisco

5.º andor: São Francisco dando a Regra

6.º andor: Confirmação

7.º andor: São Francisco abraçando Cristo

8.º andor: Os Bem-Casados

9.º andor: São Roque

10.º andor: Santa Luzia

11.º andor: Santo Ivo

12.º andor: Santa Margarida de Cortona

13.º andor: São Geraldo Maltês

14.º andor: Santa Clara de Monte Falco

15.º andor: São Henrique, Rei

16.º andor: Santa Ângela de Foligno

17.º andor: São Luís, Rei

18.º andor: Santa Rosa de Viterbo

19.º andor: São Ricardo, Bispo

20.º andor: Santa Isabel, Rainha da Hungria

21.º andor: São Carlos Borromeu

22.º andor Santa Isabel, a Rainha Santa

23.º andor: Andor da Ordem

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QUADRO 4– Andores da Procissão de Cinza em 1850 e 1905

1.º andor: Nossa Senhora da Conceição

2.º andor: Bem-Casados (São Lúcio e Santa Bona)

3.º andor: Santa Ângela de Foligno

4.º andor: São Roque

5.º andor: Santa Rosa de Viterbo

6.º andor: Santo Ivo, Doutor

7.º andor: Santa Margarida de Cortona

8.º andor: São Luís, Rei de França

9.º andor: Santa Isabel, Rainha da Hungria

10.º andor: São Carlos Borromeu

11.º andor: Santa Isabel, Rainha de Portugal

12.º andor: Cristo Crucificado (chamado Andor da Ordem)

Por outro lado, e tomando como referências os cortejos penitenciais realiza-dos em 1724 e 1905, podemos constatar o resultado da diminuição de andores e anjos, remetendo-nos para os elementos essenciais sem, no entanto, se per-der o brilhantismo da encenação.

QUADRO 5 – Andores da Procissão de Cinza em 1850 e 1905

Estandarte - Penitência

Triunfo da Criação do Homem

Figura do Paraíso

Figura da Inocência

Figura da Culpa

Querubim

Anjo (com símbolo)

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

1.º andor: Nossa Senhora da Conceição

Cruz da Ordem

Anjos (dois)

Figura da Contrição

Figura da Confissão

Anjo (com símbolo)

2.º andor: Bem-Casados

Anjo (com símbolo)

3.º andor: Santa Ângela de Foligno

Anjo (com símbolo)

4.º andor: São Roque

Anjo (com símbolo)

5.º andor: Santa Rosa de Viterbo

Anjo (com símbolo)

6.º andor: Santo Ivo, Doutor

Anjo (com símbolo)

7.º andor: Santa Margarida de Cortona

Anjo (com símbolo)

8.º andor: São Luís, Rei de França

Anjo (com símbolo)

9.º andor: Santa Isabel, Rainha da Hungria

Anjo (com símbolo)

10.º andor: São Carlos Borromeu

Anjo (com símbolo)

11.º andor: Santa Isabel, Rainha de Portugal

Anjo (com símbolo)

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Natália Marinho Ferreira-Alves

12.º andor: Cristo Crucificado (chamado Andor da Ordem)

Figura da Penitência

Figura da Humildade

Figura da Castidade

Palio

A descrição da procissão realizada em 1905 29 permite-nos entender de forma mais concreta não só a estrutura organizativa do cortejo penitencial, mas principalmente o discurso catequético proposto pela sucessão de ando-res e figuras alegóricas. Um estandarte de damasco roxo ornamentado com galões de ouro fino, com a palavra penitência bordada a ouro em ambos os lados, para que fosse visível à sua passagem e permanecesse na memória depois desta, iniciava o desfile sacro, indicando o objetivo que norteava todo o cerimonial desde a saída da igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, durante todo o percurso pelas ruas da cidade, até ao seu regresso à mesma igreja. As figuras alegóricas que se sucediam – o Triunfo da Cria-ção do Homem (figura com uma palma na mão); o Paraíso (figura com um ramo de flores, para recordar o Paraíso terreno); a Inocência (figura com uma pomba na mão); a Culpa (figura com um ramo, lembrando a árvore cujo fruto Deus havia proibido a Adão e Eva de comer); o Querubim (o anjo que expulsara Adão e Eva do Paraíso, pelo pecado cometido, o Pecado Ori-ginal) – davam o mote aos fiéis para a necessidade da penitência, como meio de expiação da culpa, almejando o perdão do Senhor.

O primeiro andor, o de Nossa Senhora da Conceição, era precedido por uma figura alegórica que levava uma açucena na mão, para que ninguém es-quecesse a pureza de Maria, Mãe do Salvador, enquanto quaro cantores canta-vam a Saudação angelica.

29 Programa da Procissão de Cinza: s/fl.

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

Após ter sido apresentada a Mãe do Redentor (aquele que redime os peca-dos do Mundo), seguia-se a Cruz da Ordem, atrás da qual dois anjos levavam duas salvas de prata com cinza, recordando a nossa condição humana: Me-mento Homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris. As alegorias que vinham a seguir, a Contrição e a Confissão eram explícitas quanto às palavras escritas nos respectivos escudos que apresentavam: no da Contrição estava escrito Re-cebei, ó Deus, um coração contricto e humilhado 30, enquanto no da Confissão podia ler-se Não deixarei, por vergonha, de confessar os meus pecados 31.

A partir destas alegorias, cada andor era precedido de um anjo que levava na mão um símbolo alusivo à respetiva imagem. Assim, antecedendo:

• o 2.º andor, de São Lúcio e Santa Bona – os castos esposos, represen-tados de joelhos a receber a Regra da Ordem Terceira das mãos de São Francisco – um anjo levava duas disciplinas na mão direita, e na es-querda um ramo de murta simbolizando a penitência e da humildade;

• o 3.º andor, de Santa Ângela de Foligno – olhando aterrorizada uma caveira e vários ossos, símbolos da Morte – um anjo para lembrar a Dôr e a Contrição, levava um cilício e um ramo de cipreste, respetiva-mente nas mãos direita e esquerda;

• o 4.º andor, de São Roque – vestido com roupas de romeiro, e a cintu-ra cingida com o cordão da Ordem, dando um pedaço de pão a um cão que lhe lambia uma ferida na perna esquerda – um anjo para lembrar a caridade que devia praticar-se para com os pobres, levava ao colo um pequeno cão, associado ao santo;

• o 5.º andor, de Santa Rosa de Viterbo – cuja imagem era apresentada com o hábito de freira franciscana, usando uma coroa de rosas brancas, símbolo da sua virgindade, com os olhos pousados numa caveira – um anjo, para lembrar o exemplo da santa, levava numa bandeja de prata uma coroa de rosas brancas;

30 SOUSA REIS, 1999: 418. SOUSA REIS, 1999: 418.

31 SOUSA REIS, 1999: 418. SOUSA REIS, 1999: 418.

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Natália Marinho Ferreira-Alves

• o 6.º andor, de Santo Ivo, Doutor – envergando batina e sobrepeliz, tendo aos pés as insígnias de Doutor em Teologia e Cânones, represen-tado em êxtase com a mão direita sobre o coração e a esquerda segu-rando o livro de orações – um anjo levava nas mãos a Sagrada Bíblia;

• o 7.º andor, de Santa Margarida de Cortona – igualmente vestida com o hábito de franciscana, e contemplando com grande recolhimen-to o crucifixo que abraçava – um anjo levava disciplinas e um ramo de cedro, recordando a simbologia da penitência e da Morte;

• o 8.º andor, de São Luís, rei de França – trajado de acordo com o seu estatuto régio, levando na mão direita o ceptro real, símbolo do seu poder terreno, e na esquerda uma coroa de espinhos e os três cravos da Crucifixão que apertava ao peito, recordando o seu papel na cruzada para libertar o Santo Sepulcro do domínio do Islão, mas com a sua coroa de Rei deposta aos pés – um anjo levava o escudo de França, para lembrar a condição do monarca, santificado pela sua humildade e práticas de penitência;

• o 9.º andor, de Santa Isabel, rainha da Hungria – envergando tam-bém o hábito de franciscana, com a coroa aos pés, e representada segu-rando um saco com pão associado à sua ação misericordiosa junto dos pobres – um anjo trazia uma salva de prata com pães, em lembrança da piedade da rainha;

• o 10.º andor, de São Carlos Borromeu – Arcebispo de Milão e Carde-al, vestido com os seus trajes eclesiásticos, olhando para um crucifixo que segurava nas mãos, com uma corda ao pescoço e com os pés en-sanguentados, recordando aos fiéis a sua participação na procissão de penitência, pedindo ao Senhor que livrasse Milão da peste que assolava a cidade – um anjo levava a cruz episcopal, símbolo da sua alta condi-ção na hierarquia da Igreja, mas apontando a humildade e a fé do Santo como exemplos a seguir;

• o 11.º andor, da Rainha Santa Isabel de Portugal – representada com o hábito de irmã terceira franciscana, com a coroa aos pés, mostrando as rosas no regaço a seu marido, o rei D. Dinis, que a surpreendera quando distribuía dinheiro aos pobres – um anjo segurava uma salva de prata

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

onde se viam rosas variadas, recordando o conhecido milagre da rainha, exemplo da caridade a praticar para com os necessitados;

• o 12º andor, do Senhor Crucificado, também chamado Andor da Or-dem – imagem de grande qualidade artística 32, que tinha a seus pés São Francisco de Assis, recebendo os estigmas – um anjo levava uma lança, um dos símbolos da Paixão do Senhor, lembrando aquela que trespas-sara o lado de Cristo.

Após este andor, e ladeadas pelos membros da Mesa da Venerável Or-dem Terceira de São Francisco, seguiam-se três figuras empunhando os respetivos símbolos alegóricos: a Penitência, com uma cruz na mão direi-ta, e uma disciplina e cilícios, na esquerda; a Humildade levando ao colo um cordeiro; e a Castidade dade segurando um ramo de canela em flor. Quatro cantores entoavam o Misere mei Deus.

Por fim, seguia-se o palio feito de gorgorão de seda roxa finamente bor-dado a ouro do melhor quilate, notavel pelo seu valor artistico e riqueza dos bordados que datam do seculo XVII, levando oito varas de prata 33, debaixo do qual vinha o Vigário do Culto Divino da Ordem que levava uma relí-quia numa cruz de prata dourada que, segundo a tradição, continha frag-mentos dos ossos dos Santos Mártires de Marrocos.

O Bispo do Porto, D. António de Sousa Barroso, a pedido especial da Mesa, participaria nesta procissão, abrilhantando-a com a sua presença, levando sob o palio uma cruz de prata dourada com uma relíquia, constituindo este facto um caso inédito na cidade, já que nenhum prelado havia tomado parte num cortejo desta índole até então. De igual modo, o Bispo de Meliapor, D. Teo-tónio Manuel Ribeiro Vieira de Castro, guiaria o andor de São Carlos Borro-meu, e o reitor do Liceu do Porto, o reverendíssimo Dr. Francisco Martins, guiaria o andor de Santo Ivo 34.

32 As imagens, incluindo a de Cristo Crucifi cado, foram executadas pelos reputados escultores por- As imagens, incluindo a de Cristo Crucificado, foram executadas pelos reputados escultores por-tuenses �anuel Joaquim Alves de Sousa Alão e de seus filhos, João e José. S�USA REIS, 1999: 421.

33 Programa da Procissão de Cinza: s/fl.

34 Programa da Procissão de Cinza: s/fl.

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Natália Marinho Ferreira-Alves

3. Percurso da Procissão de Cinza: permanências e modificações no circuito

Relativamente ao percurso da Procissão de Cinza dos Terceiros Franciscanos temos conhecimento que, ainda no ano de 1732, os andores saíam já montados dos claustros do convento de São Francisco para a igreja e, devido à dificuldade da passagem dos andores pela porta de ligação por ser exígua, foi necessário mandar alargá-la e alteá-la, obra essa que foi custeada pela Ordem 35.

No que respeita a dados concretos sobre o itinerário escolhido para os anos de 1850, 1880 e 1905, podemos constatar que existem diferenças entre as duas primeiras e a última, embora devamos considerar algumas pequenas altera-ções nas dos anos 1850 e 1880.

O cortejo processional nos anos de 1850 e de 1880 saiu, como sempre, da Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, seguiu pela rua dos In-gleses, subindo pela rua de São João até ao largo de São Domingos; daí, pela rua das Flores, até ao largo das Freiras de São Bento (ou Feira de São Bento), chegando à praça de D. Pedro (contornada pelo lado sul); subiu a calçada dos Clérigos, rua da Assunção, até ao largo do Anjo. Aqui, enquanto a procissão de 1850 seguia pela praça da Cordoaria (lado sul), descia a rua do Calvário, e rua de Belmonte, a procissão de 1880, ao chegar ao cimo da rua da Assunção, atravessava a Porta do Olival, continuava pela rua de São Bento da Vitória, rua de São Miguel, rua das Taipas, até à rua de Belmonte. Em 1850, o percurso, depois da rua de Belmonte, continuava pela rua da Ferraria, rua do Reguinho, até à Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco; mas em 1880, en-contramos uma alteração, uma vez que a partir da rua de Belmonte, seguia pela rua de Ferreira Borges, rua da Nova Alfândega e, finalmente, a Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco.

35 MATTOS, 1880: 31. MATTOS, 1880: 31.

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

QUADRO 6 – Percurso da Procissão de Cinza em 1850

Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco

Rua dos Ingleses

Rua de São João

Largo de São Domingos

Rua das Flores

Largo das Freiras de São Bento

Praça de D. Pedro (lado sul)

Calçada dos Clérigos

Rua da Assunção

Largo do Anjo

Praça da Cordoaria (lado sul)

Rua do Calvário

Rua de Belmonte

Rua da Ferraria

Rua do Reguinho

Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco

MAPA 1 – Percurso da procissão de cinza de 1850

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Natália Marinho Ferreira-Alves

A procissão de Cinza que ocorreu em 1905, também designada por pro-cissão de Penitência, saiu nessa Quarta-feira da igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco pelas 14 horas 36 e fez um percurso diferente da-quele que tivemos oportunidade de observar para 1850 e 1880; com efeito, podemos verificar que aparecem referidas as ruas de Mousinho da Silveira e de Sá da Bandeira, inserindo-se também as ruas de Santa Catarina e For-mosa, fazendo-se em seguida a descida pelas ruas de Santo António e de D. Maria II. A partir daqui fez-se o caminho inverso àquele que anteriormente se praticava: em vez da procissão subir até ao largo de São Domingos e, em seguida, a rua das Flores até ao Largo das Freiras, passou a descer a rua das Flores, Largo de São Domingos, rua Ferreira Borges, rua do Comércio do Porto, rua Nova da Alfândega, até novamente ao ponto de partida: a igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco.

QUADRO 7 – Percurso da Procissão de Cinza em 1880

Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco

Rua dos Ingleses

Rua de São João

Largo de São Domingos

Rua das Flores

Largo das Freiras de São Bento

Praça de D. Pedro (lado sul)

Calçada dos Clérigos

Rua da Assunção

Largo do Anjo

Praça da Cordoaria (lado sul)

36 Programa da Procissão de Cinza: s/fl.

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

Rua do Calvário

Rua de Belmonte

Rua da Ferraria

Rua do Reguinho

Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco

QUADRO 8 – Percurso da Procissão de Cinza em 1905

Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco

Rua do Infante D. Henrique

Rua de São João

Rua Mousinho da Silveira

Praça do Visconde Almeida Garrett

Praça de D. Pedro (lado oriental)

Rua de Sá da Bandeira

Rua Formosa

Rua de Santa Catarina

Rua de Santo António

Praça de D. Pedro (lado ocidental)

Rua de D. Maria II

Rua das Flores

Largo de São Domingos

Rua Ferreira Borges

Rua do Comércio do Porto

Rua Nova da Alfândega

Igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco

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Natália Marinho Ferreira-Alves

MAPA 2 – Percurso da procissão de cinza de 1905

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

Conclusão

Com este nosso estudo procurámos analisar uma das procissões mais im-portantes realizadas na cidade do Porto, entre os séculos XVII e XX. Toman-do a seu cargo a complexa organização do cortejo processional, a Venerável Ordem Terceira de São Francisco cumpria uma das suas mais importantes obrigações, uma vez que, para além de dar apoio aos mais desprotegidos e carenciados da sociedade (pobres, em geral, viúvas, órfãos e doentes), con-tribuindo com esmolas regularmente distribuídas, e cuidando da sua se-pultura cristã, o seu papel desempenhado na sociedade ia muito mais além. O prestígio alcançado pelos Irmãos Terceiros Franciscanos, se é certo que tinha muito a ver com a caridade praticada, no seguimento do exemplo de São Francisco, visava também exercer uma função catequética junto dos fi-éis, contribuindo para o engrandecimento da Ordem. É nesta perspetiva, que devemos entender o relevo dado pelas sucessivas Mesas à imponência e majestade da Procissão de Cinza, um dos momentos importantes do ciclo quaresmal, chamando os cristãos ao arrependimento e expiação das suas culpas, tomando como exemplo os diversos santos que, nos seus andores, recordavam àqueles que participavam no cortejo processional o seu próprio testemunho de vida para alcançar o perdão divino, tendo como intercesso-ra a Virgem Imaculada, padroeira da Ordem, cujo andor era o primeiro, e São Francisco de Assis recebendo os estigmas, ajoelhado perante o Senhor Crucificado, transportado no último andor, símbolo máximo da Penitência como meio para atingir a Salvação. Estava assim fechado o discurso iniciado com as palavras Memento Homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris.

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Natália Marinho Ferreira-Alves

FIGURA 1 – Andor de Nossa Senhora da Conceição

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

FIGURA 2 – Andor dos Bem-Casados (São Lúcio e Santa Bona)

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Natália Marinho Ferreira-Alves

FIGURA 3 – Andor de Santa Ângela de Foligno

FIGURA 4 – Andor de São Roque FIGURA 5 – Andor de Santa Rosa de Viterbo

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

FIGURA 6 – Andor de Santo Ivo, Doutor

FIGURA 7 – Andor de Santa Margarida de Cortona

FIGURA 8 – Andor de São Luís, Rei de França

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Natália Marinho Ferreira-Alves

FIGURA 9 – Andor de Santa Isabel, Rainha da Hungria

FIGURA 10 – Andor de São Carlos Borromeu FIGURA 11 – Andor de Santa Isabel, Rainha de Portugal

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

FIGURA 12 – Andor de Cristo Crucificado, com São Francisco ajoelhado (chamado Andor da Ordem)

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Natália Marinho Ferreira-Alves

Anexos

Anexo IProcissão de Cinza de 1674

• a cruz da comunidade entre dois religiosos que levam os cerufrários

• a charola de Nossa Senhora da Conceição consertada de festa, levam--na quatro irmãos e dois anjos diante dela com tarjes e outros dois de trás com tarjes vestidos de festa e quatro irmãos com tochas a ela

• a figura do Tentador vestida de negro com um forcado na mão

• duas figuras uma de Adão e outra de Eva, emparelhadas e vestidas ambas de peles. Adão com cadeia no pé e uma enxada na mão, Eva com cabeleira e uma maçã na mão.

• a figura do Paraíso vestida de verde com um ramo na mão direita e na esquerda uma redoma de vidro cheia de água sobre um prato de prata cheio de terra

• a figura do Querubim vestido de gala com asas pequenas na cabeça e outras grandes nos ombros, na mão esquerda uma rodela e na direita uma espada afogueada

• duas figuras de cinza emparelhadas vestidas em habito de burel com granhas e barbas e cada uma delas leva na mão um prato grande de cin-za com uma caveira e ossos em cima

• a figura da Penitência vestida em hábito de burel com cabeleira e bar-bas nas mãos um espinheiro carregado de cilícios e disciplinas e uma cadeia no pé

• o primeiro andor de Nosso Padre ante do Bispo de Assis

• segundo andor de Nosso Padre seguindo a Cristo, ambos com cruzes aos ombros

• 3.º andor das Visões, que o Nosso Padre teve sobre as Três Ordens

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

• 4.º andor da Confirmação da Regra Terceira que deu o Papa a Nosso Padre

• 5.º andor do Nosso Padre dando a Regra a São Lúcio e Santa Bona

• 6.º andor de São Roque

• 7.º andor de Santa Rosa

• 8.º andor de Santo Eleziário e de São Delfini, condes

• 9.º andor de São Luís, Rei de França

• 10.º andor de S. Ivo, Provisor

• 11.º andor dos Santos Mártires do Japão

• 12.º andor de Nossa Padroeira a Rainha Santa

• 13.º andor de Nosso Padre recebendo as Chagas, que é o andor da Ordem

Seguem-se os irmãos da Mesa e logo as comunidades religiosas depois dos quais vai o Santo Lenho de baixo do nosso palio roxo levando as varas quatro irmãos sacerdotes dos que foram definidores na Mesa pas-sada (anterior) e quatro lanternas que levarão quatro irmãos seculares dos que forao definidores na Mesa passada. Irão governando a procissão cinco irmão dos que já foram ministros distribuídos por este modo. Do principio até o primeiro andor um. Do primeiro até ao quarto outro. Do quarto até o oitavo outro. Do oitavo até décimo segundo outro. Do décimo segundo até ao palio outro.

Acerca dos confeitos e guarnições para os penitentes levam dois irmãos que foram definidores, ou tiveram oficio na Mesa passada, e esta é a forma da pro-cissão que se há de guardar inviolavelmente daqui por diante com as mesmas penas que ficam apontadas e de tudo sobredito se assentar em Mesa.

FONTE: Arquivo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, ESTAT 36 (1660-1694), fl. 40-40v.

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Natália Marinho Ferreira-Alves

Anexo II Procissão de Cinza de 1724

• Cruz da Comunidade• Primeiro andor: Nossa Senhora da Conceição – para o levarem os seus devotos• Quatro anjos

a irmã Luísa Teresa Angélica (Ribeira)o irmão António Esteves (Açougues)o irmão Luís de Sousa de Oliveira (Congostas)o irmão José António da Costa (Feira)

• Figura do Paraíso: o irmão António Ferreira (a São Domingos)• Anjo de gala: o irmão João dos Santos • Adão e Eva: o irmão Manuel de Aguiar• Querubim• Anjo de gala: o irmão Miguel Ferreira (Congostas)• Figura da Morte: o irmão o reverendo Dr. António Fernandes• Anjo comum• Figuras da Cinza: o irmão Manuel Monteiro (Ferraria de Cima)• Anjo comum• Figura da Contrição: os irmãos reverendos Caetano José e Pantaleão Ferreira Torres (Miragaia)• Anjo• Figura da Confissão: o irmão o reverendo António Parreira Correia• Anjo• Figura da Penitência: o irmão Baptista Lopes de Figueiredo (Fonte Aurina)• Anjo• Segundo andor: São Francisco (Nosso Padre) despindo-se

o irmão João Soareso irmão Manuel Vieirao irmão João Parreirao irmão Manuel Ribeiro dos Santoso irmão João Carvalhoo irmão António Ferreira (todos da Banharia)

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

• Anjos (dois)• Tochas: os zeladores

o irmão José Baptista (rua Nova)o irmão Manuel Pereira (Fonte Aurina)o irmão Manuel Ferreira (Banhos)o irmão João Tavares (rua dos Mercadores)

• Terceiro andor: São Francisco (Nosso Padre) seguindo Cristo o irmão João Pereirao irmão Henrique da Costao irmão António dos Santoso irmão Domingos Alveso irmão João Lopeso irmão João Martins, todos da Banharia)

• Anjos (dois)• Tochas: os zeladores

o irmão Alexandre Ferreira (Banharia)o irmão António da Silva (pé das Aldas)o irmão Gregório Ferreira Pinto (rua Chã)o irmão Manuel Pereira (Souto)

• Quarto andor: Visões de São Francisco o irmão João Pereirao irmão Henrique da Costao irmão António dos Santoso irmão Domingos Alveso irmão João Lopeso irmão João Martins (todos da Banharia)

• Anjos (dois)• Tochas: os zeladores

o irmão Francisco Pinto (rua das Flores)o irmão Manuel Ferreira de Araújo (Porta de Carros)o irmão João Baptista de Sousa (rua do Loureiro)o irmão Manuel Rodrigues (Ferraria de Cima)

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Natália Marinho Ferreira-Alves

• Quinto andor: São Francisco dando a Regra o irmão João de Matoso irmão José Barbosao irmão Francisco Pereirao irmão Manuel Joãoo irmão António Vieira Mendeso irmão Matias Nogueira (todos da Banharia)

• Anjos (dois)• Tochas: os zeladores

o irmão José e Azevedo (Miragaia)o irmão João de Almeida (Taipas)o irmão Francisco da Costa Silva (Cordoaria)o irmão Francisco Peixoto (Ferraria de Baixo)

• Sexto andor: Confirmação o irmão José Ferreirao irmão José Coutinhoo irmão Manuel Ferreira de Carvalhoo irmão Inácio Fernandeso irmão António Diaso irmão Domingos da Silva (todos da rua Chã)

• Anjos (dois)• Tochas: os zeladores

o irmão Manuel Pereira (Congostas)o irmão Manuel da Fonseca (Ribeira)o irmão André dos Santos (Vila Nova)o irmão António de Oliveira Basto (Santo Ildefonso)

• Sétimo andor: São Francisco abraçando Cristo (para o levarem: os seus devotos; autor Dâmaso de Oliveira, a Santa Ana• Anjos (dois)• Lanternas

o irmão Vicente da Silva Carneiroo irmão José Duarte Barretoo irmão José Soares Cerqueirao irmão Manuel Gonçalves da Costa

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

• Oitavo andor: os Bem Casadoso irmão Manuel Pinto dos Santoso irmão José Pereira Gramachoo irmão Gualter de Pinhoo irmão Manuel Joãoo irmão João Ferreira o irmão Luís de Fontes todos de (Banhos)

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão Tomás Coelho (Biquinha)o irmão Ambrósio da Silva (Fonte da Rata)o irmão Tomás Luís (Porta Nova)o irmão Gonçalo de Oliveira (Lada)

• Nono andor: São Roque (para o levarem e tochas a eleição do irmão o Sargento-mor Leão de Sande)• Anjos• Décimo andor: Santa Luzia

o irmão Manuel Gomes da Silvao irmão João Rodrigues Barbosao irmão António Pinto Banhoso irmão José Parreira Mendes (todos dos Banhos)

• Tochas o irmão José de Freitas Velosoo irmão José Correia Pardejoo irmão Amaro Pereira Chaves o irmão Bento da Costa Guimarães

• Décimo primeiro andor: Santo Ivo o irmão o reverendo Luís de Carvalhoo irmão o reverendo Manuel da Silvao irmão o reverendo Inácio do Coutoo irmão o reverendo João da Cunha

• Anjos (dois)

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Natália Marinho Ferreira-Alves

• Tochas o irmão o reverendo Dr. José dos Reis Teixeirao irmão o reverendo Dr. Gualter de Sá Lopeso irmão o reverendo Dr. João Geraldes da Serra e Mirandao irmão o reverendo Dr. António Fernandes

• Décimo segundo andor: Santa Margarida de Cortona o irmão Cristóvão Coelhoo irmão Manuel Coelhoo irmão António Vieirao irmão Domingos Alves Roriz (todos dos Banhos)

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão António Teixeira Diaso irmão Bento de Camposo irmão André de Sousa Matoso irmão António Cardoso

• Décimo terceiro andor: São Geraldo Maltês o irmão Fernando Alves de Sousao irmão António Alves de Sousao irmão João Francisco Caldaso irmão Luís Gonçalves Leite (todos de Banhos)

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão António Fernandes Limao irmão Jerónimo da Silva Guimarãeso irmão Leonardo da Costao irmão Gaspar da Rocha Cardoso

• Décimo quarto andor: Santa Clara de Monte Falco o irmão Faustino Luíso irmão Luís Pinto Leitãoo irmão Ventura Lealo irmão Sebastião dos Santos (todos da Ferraria de Baixo)

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão António Coelho Macieirao irmão Manuel Alves Ferreirao irmão João Ferreira Pintoo irmão Manuel Parreira de Almeida

• Décimo quinto andor: São Henrique Rei o irmão João Rodrigueso irmão João de Pinhoo irmão António da Silvao irmão Manuel Alves (todos da rua dos Mercadores)

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão José da Cruzo irmão João da Costao irmão António Moreira da Fonsecao irmão Geraldo Barbosa

• Décimo sexto andor: Santa Ângela de Fulgino o irmão Manuel Moreirao irmão Jerónimo Alveso irmão António de Bastoo irmão António Francisco (todos rua dos Mercadores)

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão Manuel Pereira (Banharia)o irmão André Pinto de Matos (Ferraria de Cima)o irmão Gonçalo Pereira (aos Canos)o irmão Manuel Gomes (Porta Nova)

• Décimo sétimo andor: São Luís Rei o irmão Domingos Soares o irmão Pedro Vieirao irmão João Franciscoo irmão Custódio de Sousa (Ferraria de Cima)

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Natália Marinho Ferreira-Alves

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão Vicente Pedroo irmão Luís Pipero irmão Domingos Pinto de Azevedoo irmão Geraldo Belens

• Décimo oitavo andor: Santa Rosa de Viterbo o irmão Caetano Alveso irmão Isidoro Martins Soutoo irmão António Ferreira de Paivao irmão Manuel Alves (Congostas)

• Anjos (dois) • Tochas

o irmão Sebastião Rodrigues Limao irmão Bento Ribeiro Pereirao irmão Paulo Barbosa Pereirao irmão Manuel Pires Fragoso

• Décimo nono andor: São Ricardo Bispo o irmão João Fernandeso irmão Manuel da Rochao irmão Bento Carvalhoo irmão Manuel de Freitas (todos Ferraria de Cima)

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão reverendo Dr. António dos Reis de Oliveirao irmão reverendo Dr. Cristóvão de Magalhãeso irmão reverendo António dos Santos Correiao irmão reverendo António Gomes de Sousa

• Vigésimo andor: Santa Isabel Rainha da Hungriao irmão Domingos Gonçalves de Carvalhoo irmão Manuel Alves Ferreira o irmão Damião de Oliveira o irmão José Vieira (todos das Congostas)

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão Pascoal da Silva Cabralo irmão António Manuel Bragao irmão António da Costa Neveso irmão Gaspar Carneiro da Silva

• Vigésimo primeiro andor: São Carloso irmão Lourenço Gomes o irmão Miguel Rodrigueso irmão Luís da Silvao irmão José da Silva Araújo (todos das Congostas)

• Anjos (dois)• Tochas

o irmão Francisco Alves Ferreirao irmão António Gomes Correiao irmão Domingos Alves da Cunhao irmão João de Moura de Carvalho

• Vigésimo segundo andor: Rainha Santao irmão Luís da Rochao irmão Joaquim da Silvao irmão António Nogueira o irmão António Parreira da Costa (todos da Rua Chã)

• Anjos• Lanternas

o irmão Duarte Cláudio Huett Souto Maioro irmão José Monteiro Moreira

• Vigésimo terceiro andor: da Ordem (para o levarem: os seus devotos; autor Domingos da Costa Lima, a Santa Ana)• Anjos de gala (dois)• Lanternas

o irmão Amador Mendes Unha o irmão Manuel Francisco da Costao irmão António da Maiao irmão Luís Mendes de Carvalho

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Natália Marinho Ferreira-Alves

• Mesa imediatao irmão Manuel Alves Correiao irmão António Nunes da Silvao irmão João Ferreira Pachecoo irmão António Pinto Paivao irmão António de Oliveira Silva o irmão Manuel Dias «Rabaso» o irmão Manuel Monteiroo irmão Luís Parreira Portoo irmão o reverendo João Tinocoo irmão João de Macedo Feirao irmão Manuel Alves dos Santoso irmão Manuel de Almeida Coutinho

• Palioo irmão o reverendo Lourenço Tomás Banhos o irmão o reverendo Domingos Carneiro Vianao irmão reverendo João Pacheco Ribeiro o irmão o reverendo Manuel Soareso irmão o reverendo João Domingues da Conceiçãoo irmão o reverendo Manuel de Brito Salgado

• Lanternaso irmão Domingos Alves Bragao irmão Manuel Gonçalves Braga o irmão Manuel Lopes Barbosao irmão José Fernandes Guimarães

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A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

Governo

1. o irmão Manuel Pinto Correia, da Cruz da Comunidade até o andor da Conceição2. o irmão Domingos Martins da Cruz, desde o andor da Conceição até o das Visões3. o irmão o reverendo abade da Sé António da Costa Falcão, desde o andor das Visões até o da Confirmação4. o irmão José Borges Monteiro, desde o andor da Confirmação até o dos Bem Casados5. o irmão Tomás de Sousa Machado, desde o andor dos Bem Casados até o de Santo Ivo6. o irmão António Quaresma de Carvalho desde o andor de S. Ivo até o de S. Henrique Rei7. o irmão o reverendo Cónego Manuel dos Reis Bernardes desde o an-dor de S. Henrique Rei até o de S. Luís Rei8. o irmão Teodoro de Amorim, desde o andor de S. Luís Rei até o da Rainha Santa de Portugal

FONTE: Arquivo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, SIND 1342 (1698-1724), s/fl; SEC 287 (1719-1727/1724-1725), fl. 38v-39.

Fontes

Arquivo da Venerável Ordem Terceira de São Francisco (AVOTSF).ESTAT 36 (1660-1694)SIND 1342 (1698-1724) SEC 287 (1719-1727/1724-1725)SEC 288 (1728-1729/1727-1732)SEC 288 (1729-1730/1727-1732)SEC 286 (1768-1769/1768-1772)MESA 904 (1782-1810)MESA 453 (1876-1886)

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Natália Marinho Ferreira-Alves

Bibliografia

BARBOSA, Francisco Ferreira, 1984 – Elucidário do Viajante no Porto. Coimbra: Im-prensa da Universidade.

MATTOS, R. Pinto de, 1880 – Memoria Historica e Descriptiva da Ordem Terceira de S. Francisco no Porto com as Vidas dos Santos cujas imagens costumam der conduzidas na sua Procissão de Cinza. Porto: Typographia Occidental.

PINTO, J.M.P., 1869 – Apontamentos para a História da Cidade do Porto. Porto: Ty-pographia Commercial.

PINTO FERREIRA, J. A., 1966 – “Os majestosos andores da Procissão de Cinza. Ve-lhas e belas tradições portuenses”. Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, vol. XXIX. Porto: Câmara Municipal do Porto.

Programa da Procissão de Cinza no Porto. Descripção dos andores, anjos e mais figuras allegoricas ou symbolicas, ruas do transito,etc., etc. Porto: Typographia e Papelaria Rebelo, 1905, s/fl.

SOUSA REIS, Henrique Duarte e, 1999 – Apontamentos para a verdadeira história antiga e moderna da Cidade do Porto, IV volume. Porto: Biblioteca Pública Municipal do Porto.

VIEIRA, Padre António, 2000 – Sermões (organização e introdução de Alcir Pécora). São Paulo: Hedra.

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Itinerários estéticos das Ordens Terceiras

do Alto-MinhoPaula Cristina Machado Cardona

Nota prévia

A existência das Ordens Terceiras Franciscanas remonta ao tempo de Fran-cisco de Assis e foram reguladas em 1221 por Honório III. A regra sofrerá alterações e ampliações como a que ocorre em 1289, com Nicolau IV. Nesta ampliação da primeira regra define-se a dimensão assistencial destas irman-dades – assistir os leprosos, em albergarias e asilos. Em 1495, é-lhes concedida a prerrogativa de procederem aos enterramentos dos seus irmãos; em 1516, passam a poder usar hábito sem prévia licença episcopal. A bula Inter Caetera expedida por Leão X em 1521 determina uma nova regra na qual as Ordens Terceiras ou irmandades da Penitência ficam debaixo da tutela dos frades menores e com uma Província específica. Trento apoiará estas organizações, como aliás fará com as todas as confrarias, criando por via destas, uma rede estruturada para propagação de uma nova moral religiosa 1.

Apoiadas e incrementadas pelos Capuchos, as irmandades da Penitência encontraram nas igrejas dos conventos Franciscanos espaço para crescerem e difundirem a sua influência social. Estavam sob tutela da Província de Santo António, sobretudo as que se fundaram antes da divisão desta em duas dando

1 FIGUEIREDO, 2008: 54

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Paula Cristina Machado Cardona

origem à criação, em 1705, à Real Província da Conceição para cuja depen-dência passarão. Com sucesso conquistado no seio das classes mais privile-giadas, as Ordens Terceiras beneficiaram de legados consideráveis por parte deste estrato social somando-se, por fenómeno de massificação devocional, comerciantes endinheirados e oficiais mecânicos a par da massa populacional anónima que aderia, sem esforço, aos apelos de esmolas destinadas a financiar a construção ou as encomendas de ornatos para as capelas e estruturas ane-xas que estas corporações ocuparão. Serão também amplamente beneficiadas com a extinção das Ordens Religiosas, ficando como proprietárias dos bens móveis e imóveis das comunidades religiosas franciscanas.

O nosso estudo incide sobre seis Ordens Terceiras que se instituíram no Al-to-Minho em Melgaço, Monção, Caminha, Viana do Castelo, Ponte de Lima e Arcos de Valdevez, incorporando uma análise mais detalhada, do ponto de vista da encomenda artística, nos casos das Ordens Terceiras de São Francisco de Viana do Castelo e Ponte de Lima que construíram igrejas próprias.

Processos fundacionais

No Alto-minho, as irmandades da Penitência, associações laicais com perfil de confraria assumem expressão entre o segundo quartel do século XVII e a primeira metade do século XVIII, as datas das suas fundações não deixam margem para dúvida: Viana do Castelo, 1622; Ponte de Lima, 1634 e em Caminha a Ordem Terceira da Penitência, fundada em 1634 na igreja Matriz, é transferida em 1641 para a igreja do convento de Santo António. Estas três Ordens Terceiras sob tutela da Província de Santo António, transi-tarão a quando da divisão desta, para a Província da Conceição.

Sob esta subordinação estarão as Ordens Terceiras de Arcos de Valdevez fundada em 1726, na dependência institucional da Ordem Terceira de Pon-

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Itinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

te de Lima, cujo processo de autonomia se verificará na segunda metade do século XVIII; Monção cuja fundação ocorre também no século XVIII, por insistência da comunidade local que reivindicou a instituição de uma Ordem Terceira e de uma comunidade de frades Franciscanos para suprir as suas ne-cessidades espirituais. Uma das capelas da igreja do convento franciscano de Nossa Senhora da Glória e São Bento foi atribuída à Ordem Terceira em 1746 e Melgaço, onde a instituição da Ordem Terceira está associada à fundação do hospício de Nossa Senhora da Conceição, pelos frades franciscanos da Pro-víncia da Conceição, igualmente em 1746, é neste local que se instalaram ten-do sido eleita pela primeira vez a Mesa em setembro de 1752 2.

Ordens Terceiras Franciscanas – Geografias Devocionais

As Ordens Terceiras iniciam o seu percurso fundacional no interior das igre-jas conventuais franciscanas. A localização das suas devoções nos altares do cruzeiro do lado da epístola e em capelas eretas do mesmo lado, próximas à capela-mor, parece impor-se como uma regra comum para os casos em análise.

Esta geografia devocional denota claramente a importância que estas instituições assumem no seio da comunidade conventual franciscana que as tutelavam, uma vez que estes altares, próximos da capela-mor, o espaço mais nobre da igreja, garantiam a necessária visibilidade do culto das imagens dos patronos das Ordens Terceiras.

Note-se ainda que quatro dos seis altares destas Ordens Terceiras eram pri-vilegiados, isto é, as missas neles celebradas conferiam a possibilidade de “sal-var as almas do purgatório” e esta condição era de extrema importância para o reforço do culto e devoção dos fiéis, contribuindo para acentuar a expressão pública destas irmandades da Penitência.

2 FIGUEIREDO, 2008: 63-72

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Paula Cristina Machado Cardona

QUADRO 1 – Ordens Terceiras, mapa devocional no interior das igrejas franciscanas1

CONCELHO/IGREJA CONVENTUAL

LOCALIZAÇÃO DAS DEVOÇÕES

INVOCAÇÃO PRIMITIVA

INVOCAÇÃO ATUAL

OBSERVAÇÕES

Melgaço – N.ª Sr.ª da Conceição

Altar do cruzeiro do

lado da epístola (?) 2

Desconhecida St. António Altar privilegia-do por breve do Papa Bento XIV

Monção – São Bento e de N.ª Sr.ª

da Glória

Altar do cruzeiro do lado da epístola (?) 3

Capela do lado da Epístola

St. AntónioN.ª Sr.ª

de Lourdes

S. BentoN.ª Sr.ª

de Lourdes

Altar privilegia-do por breve do Papa Bento XIV

Arcos de Valdevez – São Bento

Capela colateral do lado da Epístola

S. Bento Imaculada Conceição

Caminha – Santo António

Altar colateral do lado da Epístola

St.ª Isabel S. Bernardino

Ponte de Lima – Santo António

Altar do cruzeiro do lado da epístola (?) 4

S. Lúcio Imaculada Conceição

Na nova igreja da Ordem Terceira

Altares privilegia-dos por breve do Papa Bento XIV

Viana do Castelo – Santo

Altar do cruzeiro do lado da epístola

S. Ivo Imaculada Conceição

Altar privilegia-do por breve do Papa Bento XIV

1. O mapa devocional das Ordens Terceiras no interior das igrejas franciscanas, teve por base o estudo levado a cabo por Ana Paula Valente Figueiredo intitulado Os Conventos Franciscanos da Real Província da Conceição. Análise histórica, tipológica, artística e iconográfica. [Tese de Doutoramento em Arte, Património e Restauro, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa]. Lisboa.

2. Avaliação feita com base noutros casos documentados, para esta realidade não existem, até ao momento, fontes documentais que permitam identificar com segurança ser esta a localização do altar da Ordem Terceira.

3. Avaliação feita com base noutros casos documentados, para esta realidade não existem, até ao momento, fontes documentais que permitam identificar com segurança ser esta a localização do altar da Ordem Terceira.

4. Avaliação feita com base noutros casos documentados, para esta realidade não existem, até ao momento,

fontes documentais que permitam identificar com segurança ser esta a localização do altar da Ordem Terceira.

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Itinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

Itinerários estéticos no interior das igrejas conventuais – encomendantes, artistas e obras

Estruturamos a nossa abordagem ao estudo artístico das Ordens Tercei-ras do Alto-Minho, começando por contextualizar o fenómeno nos concelhos fronteiriços de Melgaço e Monção seguindo-se Arcos de Valdevez, que, como referimos, são fundadas sob os auspícios da Real Província da Conceição, por-tanto, mais recentes por comparação a Caminha, Ponte de Lima e Viana do Castelo, instituídas sob tutela da Província de Santo António dos Capuchos.

Ordem Terceira de Melgaço

Com referimos a Ordem Terceira instala-se em 1746 no hospício de Nossa Senhora da Conceição, proveniente possivelmente da Matriz, não sabemos exatamente em que local. O que se regista é que após a extinção das Ordens religiosas, os irmãos Terceiros, solicitaram a posse da igreja conventual, o que nos leva a crer que se encontraria aí instalada. A autorização ser-lhes-á con-cedida por carta régia de 1834. Esta Ordem Terceira é extinta em 1900 e o edifício passará para a gestão da Santa Casa da Misericórdia 3.

O edifício que atualmente se conserva data de 1757, ano em que decidem construir uma nova igreja que se inaugura um ano depois, 1758, a fachada foi intervencionada em 1767 4.

Apesar de não termos documentada a localização do altar da Ordem Terceira no interior desta igreja conventual, a julgar pela leitura dos restantes casos, que se instalaram nos altares do cruzeiro do lado da epístola, estamos em crer que em Mel-

3 FIGUEIREDO, 2008: 88

4 MONUMENTOS. Dispon�v�� na int�rn�t �m: �http://���.mon�m�ntos.pt/Sit�/APP�Pa��sU- MONUMENTOS. Dispon�v�� na int�rn�t �m: �http://���.mon�m�ntos.pt/Sit�/APP�Pa��sU-s�r/SIPA.aspx?id=9628. [�ons��t. 21 d� O�t. 2011].

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Paula Cristina Machado Cardona

gaço se verificava a mesma situação, a Ordem Terceira estaria instalada no altar com invocação de Santo António, altar privilegiado por breve do Papa Bento XIV.

O retábulo está datado de 1761, apresenta uma decoração marcada pela presença dos concheados e pintura marmoreada das superfícies, elementos perfilados na fase final do barroco, o rococó. Desconhecemos a proveniência da oficina de talha e a autoria do mestre pintor-dourador.

Ordem Terceira de Monção

Fundada em 1746, na sequência de uma reivindicação popular, ocupará provavelmente o altar do cruzeiro do lado da epístola na igreja franciscana de São Bento e de N.ª Sr.ª da Glória. A construção do templo deveu-se a doações particulares, das famílias mais abastadas de Monção, em especial de um lega-do 12 000 cruzados, que do Rio de Janeiro enviou o coronel Manuel Martinho de Castro, natural de Monção 5.

O altar onde, julgamos, se instituiu a Ordem Terceira tinha invocação de San-to António, atualmente, São Bento, foi altar privilegiado por breve do Papa Ben-to XIV em 1748. A estrutura retabular, enquadrada num gosto marcadamente rococó, já de transição para o neoclássico, terá sido executada na década de 70 do século XVIII, período que corresponde a obras de intervenção profundas na igreja, em particular na fachada. A aproximação cronológica é também feita com base na data de pintura do retábulo gémeo do lado do evangelho, 1792.

Da incumbência da Ordem Terceira foi a encomenda do retábulo da capela de Nossa Senhora de Lourdes, capela essa construída no local onde existia uma porta de acesso ao convento, o retábulo, que representa uma gruta foi encomendado em meados do século XIX 6. A Ordem Terceira de Monção,

5 FIGUEIREDO, 2008: 48-49.

6 FIGUEIREDO, 2008: 279-287.

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Itinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

tomará posse do convento de São Bento e de N.ª Sr.ª da Glória precisamente no ano da extinção das Ordens Religiosas, 1834, a portaria que lhe oficializará a posse data de 2 de julho de 1840, na qual fica expressa a utilização por parte daquela, da igreja, sacristia e órgão 7.

Ordem Terceira dos Arcos de Valdevez

O edifício conventual tem fundação datada de 1674, portanto pertencente à Or-dem dos Capuchos de Santo António. As obras da igreja são concluídas em 1724.

Dois anos após a conclusão da igreja a Ordem Terceira de São Francisco instala--se na capela lateral do lado da epístola, com invocação de São Bento, sendo de-pendente da Ordem Terceira de Ponte de Lima. Os seus estatutos são aprovados em 1732 e o processo de autonomia da sua congénere limiana terá lugar em 1754.

O retábulo que atualmente decora a capela foi assente em 1825, provavel-mente pela mão do mestre entalhador Manuel José Rodrigues, natural de Viana do Castelo, o valor correspondente ao último pagamento foi de 47.600 réis. O douramento da estrutura far-se-á em 1828 e custou à Ordem Terceira, 60.000 réis. A imagem que aí se expõe – Nossa Senhora da Conceição – terá vindo do retábulo-mor em 1832. Trata-se de uma imagem setecentista da provável auto-ria do mestre imaginário e entalhador bracarense frei Jorge dos Reis 8.

Em 1834 com a extinção das ordens religiosas, a igreja transitou para a Or-dem Terceira de São Francisco. Em 1850, a 27 de julho, a Câmara Municipal dos Arcos solicita autorização para adquirir o extinto mosteiro de São Bento para aí instalar repartições públicas e um quartel para as tropas que ocasional-mente estacionavam nos Arcos 9.

7 FIGUEIREDO, 2008: 88.

8 FIGUEIREDO, 2008: 88 � 277.

9 CARDONA, 2004: vo�. III, 534

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O mosteiro acaba por ser vendido em hasta pública, adquirindo-o José Luís de Nogueira, primeiro visconde de Mozelos. Em 1856, jun-to à igreja foi instalado o cemitério municipal dos Arcos de Valdevez inserindo-se atualmente a igreja no perímetro cemiterial. A Ordem Terceira de Arcos de Valdevez foi extinta em 1912 e a igreja passa para a tutela da paróquia arcuense 10.

Ordem Terceira de Caminha

O edifício conventual foi fundado em 1618, sob a égide dos Capuchos de Santo António, contou com o patrocínio da população de Caminha e com uma esmola de um legado, no valor de 1.000 cruzados de Pedro Gonçalves Ribeiro reitor da igreja de Seixas que em contrapartida se fez sepultar na Casa do Capítulo 11.

A Ordem Terceira, que teve a sua primeira fundação em 1634 na igreja Matriz de Caminha, passa para a igreja do convento em 1641, possivelmente ocupando o altar do cruzeiro do lado da epístola com invocação de Santa Isa-bel, atualmente São Bernardino. Sem qualquer estrutura retabular, removida aquando das obras que o templo sofreu na década de 90 do século passado, ostenta apenas um nicho com a atual imagem evocativa.

Após a Extinção das Ordens religiosas, a Ordem Terceira toma posse do templo por decreto de D. Maria II em 1855, o convento é vendido a um particular e adquirido em 1898 pela Congregação das Irmãs Francis-canas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, acordando com a Ordem Terceira a gestão do templo. Passa por várias vicissitudes que levam à de-cadência da igreja, sendo ocupado de novo na década de 20 do século XX

10 FIGUEIREDO, 2008: 88 � 96. FIGUEIREDO, 2008: 88 � 96.

11MONUMENTOS. Dispon�v�� na int�rn� �m: �http://���.mon�m�ntos.pt/Sit�/APP�Pa��sUs�r/MONUMENTOS. Dispon�v�� na int�rn� �m: �http://���.mon�m�ntos.pt/Sit�/APP�Pa��sUs�r/SIPA.aspx?id=9628. [�ons��t. 21 d� O�t. 2011]

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Itinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

pela congregação feminina anteriormente mencionada que levam acabo nos anos 90 do mesmo século, uma profunda remodelação da igreja 12.

Ordem Terceira de São Francisco de Ponte de Lima

Em Ponte de Lima, a Ordem Terceira tem a sua fundação datada de 1634 e estatutos redigidos em 1683, instala-se inicialmente no convento de Santo António, construído em 1480. A Ordem Terceira ocupou provavelmente, o altar do cruzeiro do lado da epístola com invocação de São Lúcio, atualmente Imaculada Conceição. O retábulo que provavelmente aí existia, não chegou aos nossos dias, um nicho recebe a imagem da Imaculada.

O espaço da igreja conventual era à época exíguo, razão que terá sido evo-cada pela Ordem Terceira, para daí sair em 1678 e ocupar uma capela que se encontrava em ruínas na cerca do convento. Esta mudança pretextará, a par da recuperação do edifício, a construção de valências de apoio: sacristia, casa do despacho, esta construída entre 1683 e 1691. Importa referir que, à seme-lhança do que acontecerá com Viana do Castelo, as casas do despacho ser-viam, igualmente, para acondicionamento da fábrica processional. Em 1683, o inventário arrola 13 imagens, seguramente processionais.

Sabemos que para a capela entretanto intervencionada foi encomendado um retábulo. Estas estruturas serão demolidas em 1723, para dar lugar à construção de uma nova igreja para a Ordem Terceira, que se inicia e termina em 1745 13.

12 MONUMENTOS. Dispon�v�� na int�rn�t �m: �http://���.mon�m�ntos.pt/Sit�/APP�Pa��sU- MONUMENTOS. Dispon�v�� na int�rn�t �m: �http://���.mon�m�ntos.pt/Sit�/APP�Pa��sU-s�r/SIPA.aspx?id=9628. [�ons��t. 21 d� O�t. 2011]; FIGUEIREDO, 2008: 63-88.

13 FIGUEIREDO, 2008: 66 � 141. FIGUEIREDO, 2008: 66 � 141.

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Ordem Terceira de Viana do Castelo

A Ordem Terceira da Penitência de Viana do Castelo, é instituída na igre-ja do convento de Santo António em 1622, nessa data, a 18 de abril obtêm licença de Frei Gaspar da Conceição, ministro Provincial de Santo António de Portugal, para construírem, à sua custa, uma capela no mosteiro de Santo António de Viana com invocação de São Ivo. Os argumentos usados foram:

A quantidade de devotos e a grande devoção à Ordem Terceira da Penitência;A ação caritativa que dirigiam à comunidade vianense e aos frades do

mosteiro de São Francisco do Monte;A contribuição de 20 000 réis que a Ordem Terceira atribuiu para as obras

de construção do mosteiro;Necessidade de um espaço para enterramento dos seus irmãos.O espaço ser-lhes-á atribuído, a 27 de maio de 1624, por escolha dos frades

franciscanos: altar colateral do lado da epístola com obrigação de dotá-la de “Retabollo, lâmpada alomiada e tudo o mais que necessário lhe for para nella se celebrar conforme o nosso estado, e estatutos da nossa província, e a restau-rar de todas as ruínas, que pello tempo nella acontecer”.

Entre 1627 e 1628 fazem uma série de doações em dinheiro, para as obras do convento, dentre as quais constava o altar destinado à colocação da ima-gem do seu patrono, São Ivo, ao todo o montante foi de 80.000 réis, razão pela qual, os padres ministros provinciais frei Gaspar Cardoso e frei Luís de Jesus lhes concederam o altar colateral do cruzeiro da igreja para “a sua confraria do gloriozo St.º Ivo”, cederam igualmente um espaço “um carreiro” do altar até às grades para sepultura dos irmãos da 3ª Ordem 14.

Os primeiros estatutos datam de 1663. Constitui a primeira regra dos irmãos Terceiros e define a sua estrutura organizacional: um ministro, que tinha que ser “um bom prelado”, com mandato de 1 ano, o resto da Mesa era composta

14 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fl s. 2-5. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fls. 2-5.

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Itinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

por um secretário, que alternadamente era leigo ou eclesiástico e um vigário do culto divino, que em alternância ao secretário seria secular ou sacerdote, eram eleitos dois definidores e um síndico que eram presididos pelo comissário visitador, esta era a estrutura de governo da Ordem Terceira no século XVII 15.

Retábulo e imagens

O inventário de 1666 menciona o retábulo de São Ivo onde estaria coloca-do a imagem do santo com um diadema de prata e na mão um crucifixo, por cima desta imagem estaria a de Nossa Senhora da Conceição, com coroa dou-rada e uma relíquia, numa cruz de ébano, marchetada com bronze dourado, que estava no sacrário com pavilhão de tafetá 16.

Neste inventário e a propósito deste primeiro retábulo é apresentada a indi-cação que teria sido comprado aos frades do convento.

Esta estrutura permanecerá até 1724, data em que será substituída por uma nova estrutura a par de um conjunto de obras que a Ordem fará: um edifício consistorial, destinado a reuniões da Mesa e um outro espaço que utilizariam para acondicionamento das imagens e andores processionais.

Desde a sua instituição no espaço conventual e muito provavelmente antes de se fixarem fisicamente, a Ordem Terceira dirigia grande parte da sua ação na exteriorização pública da sua devoção, dando particular importância e assumindo como prioridade, o aparato processional, como se infere da análise da procissão de Cinzas, a mais importante e que programavam minuciosamente. As

15 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro dos estatutos, 1663. Foram identifi cados Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro dos estatutos, 1663. Foram identificados no ar��ivo da Ord�m 5 �ivros d� �stat�tos: O prim�iro �om o t�t��o Compromisso � Estat�tos dos Irmãos Terceiros da Vener�vel �rdem da Penitencia de nosso Ser�fico Padre S. Francisco sita no �onv�nto d� Santo Ant�nio d� Viana, ano d� 1663; o s���ndo �ivro, datado d� 1727; o t�r��iro �ivro d� 1893; o ��arto d� 1912; o ��into d� 1933.

16 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro do invent�rio, 1663 – 1736, fl . 6. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro do invent�rio, 1663 – 1736, fl. 6.

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“figuras”, só podiam ser distribuídas após aprovação da Mesa, o que significava que os irmãos custeavam a armação dos andores, por sorteio e na proporção dos seus recursos financeiros. O itinerário era também rigorosamente planeado, desciam a rua da Picota, da porta de São João a São Bento e seguiam pela rua Nova da Bandeira, recolhendo de novo ao convento 17.

Em 1670 obtêm autorização do ministro provincial da Província de Santo António de Portugal, com compromisso vinculativo para as Mesas futuras, utilizarem apenas os santos da Ordem, anjos e algumas figuras da penitência nos andores da procissão das Cinzas 18.

Este é o início de um vasto processo de encomenda de imagens processio-nais patrocinadas pelas esmolas dos irmãos, nota desse esforço é dado pela anuência que obtêm a um pedido que dirigem ao ministro provincial da Or-dem, em 1678, para se impedir o empréstimo das imagens que “com seu bom zello e dispêndio” os irmãos têm mandado fazer 19.

O inventário de 1666 arrola a imagem de São Francisco, imagem de roca isto porque indicam: “o corpo de nosso padre Sam Francisco que esta em casa das mossas de Paio Casado com suas maos e pés” e respetivo andor; uma ima-gem processional, igualmente de roca, de São Ivo, Santa Margarida de Corto-na e São Conrrado e quatro andores novos, pintados 20.

O aumento do número de imagens processionais e por consequência de andores obrigou, em 1684, a uma alteração do trajeto processional das Cinzas, por ser mais cómodo aos irmãos que transportavam os andores por “poderem tolerar os passos”. Assim dirigem-se, logo que saídos do convento de Santo António, ao campo do Forno, daí, à Porta da Ribeira e depois a São Bento 21.

17 Ar��ivo da Ord�m T�r��ira d� Viana do Cast��o, Livro dos �stat�tos, 1663. Ar��ivo da Ord�m T�r��ira d� Viana do Cast��o, Livro dos �stat�tos, 1663.

18 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro dos estatutos, 1663, fl . 68. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro dos estatutos, 1663, fl. 68.

19 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro dos estatutos, 1663, fl . 71. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro dos estatutos, 1663, fl. 71.

20 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro do invent�rio, 1663-1736, fl . 6. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro do invent�rio, 1663-1736, fl. 6.

21 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro dos estatutos, 1663, fl . 73v. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro dos estatutos, 1663, fl. 73v.

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Em 1693, são encomendadas 12 novas imagens do hagiológio franciscano para a procissão das Cinzas:

São Ivo, São Francisco, São Roque, São Conrrado, São Núncio, São Luís rei de França, Nossa Senhora da Conceição, Santa Margarida de Cortona, rainha Santa Isabel de Portugal, rainha Santa Isabel da Hungria, Santa Bona e Santa Rosa de Viterbo.

Em 1721-1722 16 novas imagens com plintos são encomendadas para a mesma procissão. Obra feita no Porto, pelo mestre imaginário José D’ Agram, que cobrou pelo ajuste de todas as imagens, 100.000 réis 22.

Importa referir que o período que medeia entre 1720-1726 será profícuo em encomendas de ornatos quer para as dependências da Ordem entretanto criadas, quer para as procissões. Estas obras foram comparticipadas na totali-dade pela irmandade em geral ou por particulares.

Comparticipações coletivas, irmãos da Ordem:

Construção da sacristia (1670 – 1675);12 Imagens da procissão das Cinzas (1693);16 Imagens da procissão das Cinzas, encomendadas ao mestre imaginário

José D’Argam da cidade do Porto (1721-1722);Hábitos para seis imagens processionais (1724-1725);Estandarte (damasco roxo) mandado fazer em Lisboa (1725-1726);Retábulo de São Francisco, imagem e respetivo estofo, executado pelo mestre

ensamblador Pedro Salgado de Landim, Vila Nova de Famalicão (1726-1727).

22 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl . 1. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl. 1.

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Na obra do estandarte comparticipou Gaspar Malheiro Reimão, que apare-ce no arrolamento dos 131 irmãos que se coletaram para esta obra. Em 1720-1721, comparticipa também nas 16 imagens processionais mandadas fazer no Porto 23. Vinculados à Ordem Terceira de Viana do Castelo, os Malheiros Reimão aparecerão de várias formas envolvidos na vida da irmandade: João Malheiro Reimão toma hábito a 10 de abril de 1717 dando de esmola 3 480 réis 24, será procurador da Ordem Terceira no Rio de Janeiro.

O Livro das Patentes regista a correspondência trocada entre a Ordem Terceira de Viana e João Malheiro Reimão para cobrança da dívida de Paulo Mendes Cam-pelo. Entre 1747 e 1764 foram trocadas 22 cartas, na última, datada de 5 de novem-bro de 1764, revela-se que ainda se procurava solução para o pagamento da referida dívida. João Malheiro Reimão intervirá também, em 1755, no caso de João Gon-çalves Cabeças, irmão da Ordem que falece o Rio de Janeiro nomeando a Ordem Terceira de Viana, como testamentária dos seus bens 25. Da família Malheiros Rei-mão, saliente-se ainda D. António, bispo do Rio de Janeiro, que em 1758, constrói para o seu palácio, a capela dedicada a São Francisco de Paula, que recebeu imagens vindas do Rio de Janeiro como a de São Francisco de Paula com seu resplendor e báculo de prata que enquadra o retábulo da capela-mor. Esta capela será menciona-da como modelo a seguir nova igreja dos Terceiros em concreto o seu presbitério 26.

Às de doações de carácter coletivo, somavam-se ainda doações particulares, assumidas maioritariamente pelos ministros da Ordem de que é exemplo Ma-nuel Correia Seixas que passa, em 1731, à qualidade de benfeitor da Ordem, retratado nesse ano – “pelo custo com o retrato do irmão Manuel Correia Seixas com argolla, panno e molduras, 4 380” 27.

23 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl s. 2; 67. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fls. 2; 67.

24 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das contas – 1662-1718, fl . 319. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das contas – 1662-1718, fl. 319.

25 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fl s. 54v.-56. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fls. 54v.-56.

26 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Apontamentos da obra de pedraria, S/fl . Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Apontamentos da obra de pedraria, S/fl.

27 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa – 1718-1769, fl . 46. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa – 1718-1769, fl. 46.

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António Peixoto, doação de um crucifixo para o oratório da sacristia (1675);Anónima devota, patrocina o feitio do estandarte (1724-1725);Manuel Correia Seixas paga o pálio de damasco roxo mandado fazer em

Lisboa no valor 266.127 réis; comparticipa, juntamente com o anterior minis-tro, António de Barros e Lima, o douramento do retábulo de São Ivo (1725-1726); patrocina os 18 resplendores de prata das imagens processionais que custaram 110 550 (1726-1727) 28.

Anónimo, devoto de Lisboa, oferece o resplendor de prata da imagem de São Francisco (1726-1727).

As igrejas das Ordens Terceiras de Ponte de Lima e Viana do Castelo. Processos de autonomia e encomendas artísticas

Em Ponte de Lima, a primitiva igreja e casa do despacho, dará lugar, após o seu desmantelamento em 1723, a uma nova igreja, sacristia e consistório obras que se executarão, como dissemos, em 1745.

O mestre pedreiro autor da obra foi Feliciano Alves do Rego, natural de Caminha, que a executou pela quantia de 1 150 000 réis 29. O madeiramento de todo o edifício, feito em madeira de castanho, fornecida pelos irmãos Terceiros, foi adjudicada ao mestre carpinteiro Manuel de Oliveira, da cida-de do Porto, pela quantia de 120 000 réis 30.

Finalizadas as obras dá-se início ao programa ornamental da igreja, certa-mente dotada de estrutura retabular na capela-mor, uma vez que, em 1751, encomenda-se para esse espaço, ao mestre carpinteiro limiano Pedro de Oli-veira, a imagem de Nossa Senhora da Conceição, cujo douramento, estofo e

28 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl . 8. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl. 8.

29 LEMOS, 1977: 91-95. LEMOS, 1977: 91-95.

30 CARDONA, 2004: vo�. II, 505. CARDONA, 2004: vo�. II, 505.

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encarnamento foi da autoria de Domingos Álvares, mestre pintor dourador natural de Barcelos. Atualmente esta imagem encontra-se no coro alto.

Cinco anos depois e beneficiando do legado deixado pelo irmão da Ordem, Lourenço de Amorim Costa, que morre no Brasil, a Mesa toma a decisão de executar o retábulo da capela-mor. Esta encomenda incluía um novo progra-ma ornamental que a encomenda expressa de forma clara: esculturas, púlpi-tos, sanefas, anjos tocheiros e castiçais.

A conceção do risco coube ao mestre entalhador bracarense José Álvares de Araújo e a execução dos retábulos, púlpitos, imagens, sanefas, anjos, castiçais e cruzes e três frontais foi entregue aos irmãos vimaranenses António da Cunha Correia Vale e Manuel da Cunha Correia.

A obra de talha decorre entre 1756 a 1761. A obra de douramento começará em 1766 e tem a assinatura do mestre pintor-dourador vianense Luís Pinheiro de Azevedo Lobo, autor da pintura de todos os restantes suportes entalhados da igreja e sacristia. 1780-1781, marca o fim desta grande empreitada decorativa 31.

Após a extinção das Ordens Religiosas, a Ordem Terceira toma posse da igreja e estruturas conventuais, mantendo até aos dias de hoje e levando acabo entre 2003-2007, com a colaboração da Câmara Municipal de Ponte de Lima e com recurso ao programa operacional da cultura, uma obra de profunda remodelação, do núcleo museológico aí instalado em 1978.

Em Viana do Castelo, testemunha-se a existência de uma sacristia em 1666 pertencente à Ordem Terceira usada para apoio às funções litúrgicas que de-corriam no seu altar mas também para acondicionamento dos ornamentos processionais. A exiguidade deste espaço face ao aumento do espólio proces-sional da Ordem, a par de um esboço de autonomização, conduzi-os ao primei-ro processo de edificação de uma estrutura que lhes valesse para as reuniões da Mesa e acondicionamento da fábrica, a autorização do Ministro Provincial surge a 29 de julho de 1724. Alegam para além das questões acima apontadas,

31 DANTAS, 2008: 27-31. DANTAS, 2008: 27-31.

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os inconvenientes que sentiam na saída dos acompanhamentos por se achar, algumas vezes, a porta da igreja fechada. A autorização para a construção da sua casa, ao lado da igreja, foi sujeita a condicionalismos: a largura foi deter-minada pelos frades do convento; a altura não devia impedir as frestas da igre-ja, a utilização seria expressamente a que apresentaram como motivo da sua construção, estava interdito o acesso a mulheres, estavam obrigados a assegu-rar a reparação dos eventuais danos causados à igreja, decorrentes da obra da casa; no caso de lhes ser permitido acesso direto para a igreja, deviam fazer uma parede com uma abertura mínima que impedisse a passagem pessoas; o irmão guardião do convento teria a chave da porta de acesso entre a casa e a igreja, abrindo-a para a procissão das Cinzas, aniversário das Almas, dia de São Ivo, dia de Santa Isabel e dia de Santa Rosa de Viterbo 32.

Num claro processo de reforço da sua devoção e de conquista de espaços próprios para uso privado da Mesa, a Ordem Terceira, encomendará em 1724, um novo retábulo, estrutura de pequena dimensão, que custou 51 300 réis, o seu douramento feito pelo pintor André Cardoso do Vale, irmão da Ordem, foi patrocinado pelo ministro do ano de 1724, António Baptista Lima e pelo ministro que exercia o cargo em 1725, Manuel Correia Seixa 33.

Presumimos que a execução do retábulo de São Ivo se deve ao mestre en-samblador Pedro Salgado de Landim, Vila Nova de Famalicão (autor da talha das caixas dos órgãos da Misericórdia de Viana do Castelo e do retábulo da sacristia da confraria do Santíssimo Sacramento da Matriz da mesma cidade), porquanto é da sua autoria o retábulo de São Francisco que executa em 1726 a par da imagem do Santo e estofo, estrutura localizada em frente à porta principal da Casa da Ordem 34. Esta obra foi paga pelas esmolas dos irmãos, coletando-se no ano de 1726-1727, para este propósito, 117 membros.

32 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fl s. 19-20. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fls. 19-20.

33 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa – 1718-1769, fl . 17v. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa – 1718-1769, fl. 17v.

34 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl . 14. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl. 14.

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Em 1728 estão a construir outras dependências fora da igreja conventual, já que se mantém a forte determinação processional da Ordem acentuando-se igualmente a necessidade de afirmação da sua identidade que se revela sobretudo na aquisição do estandarte feito em Lisboa em damasco roxo e que totalizou 251 530 réis 35.

A denominada, casa nova, santuário que pelas descrições teria sido feita en-costada à sacristia da Ordem havendo lugar ao derrubamento de uma das pare-des da sacristia, teve a intervenção na arquitetura do mestre pedreiro Domingos Afonso Bamba, de Barcelos, que trabalha na igreja Matriz de São Salvador da vila dos Arcos de Valdevez. A obra do santuário totalizou 327.290 réis 36.

Como se comprova, estas estruturas passam a assumir dinâmicas devocio-nais: Retábulo de São Francisco com respetiva imagem na casa da Ordem e na casa nova, santuário, o retábulo com a imagem de Nossa Senhora da Conceição.

Esta vontade latente de se separarem da igreja conventual assume expressão quando em 1745 consumam a construção de uma capela na Casa Principal da Ordem. A construção foi autorizada pelo vigário provincial frei Manuel de S. Paulo a 9 de setembro de 1744 quando se encontrava em Ponte de Lima em Visita. A primeira missa foi celebrada a 31 de janeiro de 1745 dia de Santa Luzia de Albertona. A referida capela recebeu um retábulo onde foram colocadas três imagens. O total desta obra foi de 54 117 réis 37. A 16 de abril de 1746 o papa Bento XIV reconhece o altar da confraria de São Francisco, sito na capela da virgem Maria na igreja do convento de Santo António de Viana, como altar privilegiado no dia dos Fiéis Defuntos, em todo o seu oitavário e no sábado de cada semana. “Publicação de indulgência em altar privilegiado por sete anos” 38.

Provavelmente estimulados pela cedência pontifícia, a 1 de maio do mesmo ano, o ministro da Ordem, cónego Francisco da Rocha Sobrinho, em nome de

35 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl . 8. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl. 8.

36 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa – 1718-1769, fl . 30. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa – 1718-1769, fl. 30.

37 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl . 15. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa das obras – 1720-1771, fl. 15.

38 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, fl s. 33-33v. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, fls. 33-33v.

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todos os irmãos dirige ao provincial um pedido de cedência de terreno para alargamento da capela. Neste documento alegam que devido à exiguidade da capela não podiam “exercitar os attos e funções da Ordem”, pelo que solicita-vam que lhes fosse cedida “huma ária suffeciente em que possão augmentala em forma, que não cauzando prejuizo a communidade, cresça o culto Devino, e se yncitem os devottos a abraçar o nosso sagrado instituto” e reforçam “graça que tem conçeguidos os nosso caríssimos irmãos tersseiros estabelecidos nos conventos de Ponte de Lima, Villa Real, etc.” Assim solicitavam que o pedido fosse proposto à comunidade conventual para que com a sua anuência indi-cassem o terreno mais conveniente para a obra da nova capela.

O padre guardião do convento, frei João de Stº. Egídio, ouvindo todos os discretos, responde a 2 de maio de 1746, dizendo que a comunidade não dispunha de terreno para a referida construção, a área que tinham es-tava destinada à horta e não estavam dispostos a cortar as árvores porque “formozeão a entrada”. Em face desta informação o Ministro Provincial indefere no mesmo dia o pedido da Ordem Terceira 39.

No ano seguinte, a 24 de maio, com os mesmos argumentos, a Mesa através do seu ministro o irmão Francisco Xavier Calheiros Bezerra e Araújo, solicita ao reverendo vigário provincial frei José da Encarnação, que fosse concedida uma área, no local onde tinham a sua capela, para a aumentar.

A resposta apresentada pela comunidade, após votação exarada da sua reu-nião capitular, foi no sentido de não aceder ao pedido – “não convinha a esta nem aos irmãos Tresseiros o mencionado na petição”, 25 de maio de 1747 40.

Mas a Mesa eleita para o biénio de 1754-1755 manda executar dois riscos para a nova capela que tinham intenções de construir, um dos riscos foi enco-mendado em Braga e o outro ao engenheiro José Martins da Cruz 41.

39 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, fl s. 37-37v. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, fls. 37-37v.

40 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, fl s. 38-38v Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, fls. 38-38v

41 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa – 1718-1769, fl . 180v. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro de Despesa – 1718-1769, fl. 180v.

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O processo de autonomização será concretizado em 1770, nessa data, a Mesa da Ordem fez um pedido ao provincial para a construção de uma Capela “com a decência devida ao Divino Culto na mesma casa da ordem donde tem o seu altar privilegiado emcapas do dito ministério; cuja limitada grandeza consta do risco apenso (…)” para isso era necessário um “transito” pela horta da comunidade, endireitar a porta da Casa da Ordem “e dar-lhe melhor forma para evitar as desordens passadas e precaver as futuras”. A Ordem chega mes-mo a fazer o ajuste da obra de pedraria ao mestre pedreiro Geraldo Fernandes da Sobreira, natural da freguesia de Gontinhães, Caminha, por preço de 448 000 réis, que se comprometeu a conclui-la a 12 de junho de 1771, apresentou por fiador o seu cunhado, o também mestre pedreiro João Alves do Rego 42.

Devido a problemas estruturais da capela pré existente, a Ordem vê-se obri-gada a alterar o risco e solicitar uma área maior, para a construção de um novo edifício, situação que apresentam formalmente ao provincial e que conta com a anuência da comunidade dos frades franciscanos 43.

A cerimónia de lançamento da primeira pedra realiza-se a 17 de maio de 1772 com uma aparatosa procissão que saiu do convento de São Domingos, acom-panhada pela comunidade dominicana e formada por 13 andores, precedidos por cruzes de prata no meio das quais seguia um aparatoso carro que levava a primeira pedra, obra do armador bracarense Luís de Sousa, fechava a procissão um palio de tela de ouro debaixo do qual seguia a Cruz do Santo Lenho 44.

A autoria do risco da nova igreja é do mestre imaginário João de Brito e Antó-nio Pereira, assistidos na demarcação pelo mestre pedreiro Geraldo Fernandes da Sobreira, autor da obra do acrescento da Casa do Despacho que a justa por 80 000

42 CARDONA, 2004: Vo�. III, 127. CARDONA, 2004: Vo�. III, 127.

43 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, fl s. 102v.-109. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, fls. 102v.-109.

44 Ar��ivo da Ord�m T�r��ira d� Viana do Cast��o, Livro ��� di� Br�v� M�m�ria da ��nda�ão da Ar��ivo da Ord�m T�r��ira d� Viana do Cast��o, Livro ��� di� Br�v� M�m�ria da ��nda�ão da i�r�ja �m 1772.

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réis 45. Uma nota curiosa dá conta que o risco foi examinado em Braga e no Porto 46.Os apontamentos destinados ao ajuste desta obra refere que no risco da

“planta baixa” não ia apontado o presbitério “que se há de fazer de treze pal-mos de retiro e do feitio do que se acha feito na capella dos Malheiros” 47.

A 6 de março de 1772, é feito o ajuste da obra de cantaria, molduras, remates, arco do coro, sacristia e respetivo lavatório, dois púlpitos do corpo da igreja, lajeamento do presbitério da capela-mor e degraus, degrau do arco-cruzeiro e das capelas laterais, duas pias de água benta e armas do frontispício. O valor apresentado para esta obra pela equipa de mestres pedreiros constituída por José Fernandes, João Pereira, Domingos Álvares, Manuel José da Rocha e Pe-dro Gonçalves de Carvalho, naturais Barcelos, que se comprometiam a iniciar a obra num prazo de 20 dias após a assinatura da escritura e a concluí-la em 30 meses, foi de 5 000 cruzados menos 10 000 réis, isto é 1 990 000 réis. Este documento refere ainda que as armas do frontispício – cruz, com coroa de es-pinhos e as cinco chagas, deviam ser feitas em pedra do monte de Afife 48. Esta obra foi ajustada ao mestre pedreiro Manuel José da Rocha por 28 800 réis. 49

Entre 1772 e 1776 apuraram-se em gastos com a igreja, obra de pedraria, madeiramento, talha e pintura, um total de 3 251 417 réis 50. Em junho de 1777, o altar de São Ivo é entregue aos frades franciscanos, libertando-se defi-nitivamente do espaço conventual 51.

Para o interior do templo, em particular para a capela-mor, a Ordem Terceira adjudica a 11 de novembro de 1789, aos mestres escultores José Caetano e seu ir-mão Joaquim José de Sampaio, naturais da freguesia de Landim, atualmente Vila

45 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Apontamentos da obra de pedraria, S/fl . Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Apontamentos da obra de pedraria, S/fl.

46 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das despesas da obra da nova igreja, fl s. 2-2v. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das despesas da obra da nova igreja, fls. 2-2v.

47 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Apontamentos da obra de pedraria, S/fl . Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Apontamentos da obra de pedraria, S/fl.

48 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Apontamentos da obra de pedraria, S/fl Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Apontamentos da obra de pedraria, S/fl

49 CARDONA, 2004: vo�. III, 199. CARDONA, 2004: vo�. III, 199.

50 Ar��ivo da Ord�m T�r��ira d� Viana do Cast��o, Livro das d�sp�sas da obra da nova i�r�ja. Ar��ivo da Ord�m T�r��ira d� Viana do Cast��o, Livro das d�sp�sas da obra da nova i�r�ja.

51 FIGUEIREDO, 2008: 69-70. FIGUEIREDO, 2008: 69-70.

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Nova de Famalicão, a obra da tribuna no valor de 874.000 réis. Os apontamentos receitavam, a porta do sacrário lisa, com representação do Agnus Dei, livro dos sete selos e cruz, arco do camarim, casa do camarim, duas figuras de penitência no remate e três imagens: Nossa Senhora da Conceição, São Francisco e São Do-mingos. A escritura incluía a reparação do forro e telhados, executando-se toda a obra em madeira de castanho. A obra foi concluída em 1791 52. Esta obra será financiada pelos juros dos empréstimos como se comprova pela carta expedida pela Mesa a 17 de junho de 1790 dirigida a António Lobo da Cunha Barreto de Ponte de Lima solicitando o pagamento dos juros do dinheiro que havia contraído de empréstimo à Ordem. Esta cobrança de juros surge no contexto da necessidade de dinheiro que a Ordem tinha “por se estar com a obra de huma tribuna nova da capella”. Os juros vencidos foram no valor de 100 000 réis. 53

O douramento ocorre em 1792, conforme nota do livro das despesas da obra que regista o encarnamento dos santos do altar. Os três apontamentos a que tive-mos acesso, não datados, referem o douramento da tribuna da capela-mor, dois foram feitos por João José Barbosa, e basicamente referem que todos os relevos, molduras e filetes seriam dourados a brunido e os “lisos” dos parapeitos com pin-tura a imitar mármore. Refere ainda que o camarim, tectos e escada deviam ser pintado a branco polido, imitando jaspe e o resplendor estofado a ouro, o supedâ-neo, pintado a óleo imitando o marmoreado da tribuna, o terceiro apontamento foi feito por António Tomás de Braga, neste documento são mencionados os anjos da moldura do ático do retábulo; a moldura da boca do camarim seria dourada, o marmoreado vermelho e azul, não devia ser carregado porque “não imitavam a natureza dos ditos mármores”. O preço que aparece no fim dos referidos aponta-mentos foi de 450 000 réis, uma nota no referido documento dá conta que “a obra poderia ser feita bem, por pessoa capaz e inteligente por 180 000 réis” 54.

52 CARDONA, 2004: vo�. II, 81. CARDONA, 2004: vo�. II, 81.

53 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fl s. 121v.-122. Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fls. 121v.-122.

54 Ar��ivo da Ord�m T�r��ira d� Viana do Cast��o, Apontam�ntos da obra d� pint�ra � do�ra- Ar��ivo da Ord�m T�r��ira d� Viana do Cast��o, Apontam�ntos da obra d� pint�ra � do�ra-mento, S/fl.

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Itinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

Em 1840, parte dos terrenos inscritos na cerca do convento foram utiliza-dos para a instalação do cemitério público; a 21 de setembro de 1842 uma portaria do ministério do reino concede à Ordem autorização para enterrar os seus irmãos no cemitério contíguo à sua igreja. A 8 de outubro de 1866 é-lhes concedido, por alvará régio, o título de Real Ordem 3.ª de Viana do Castelo, declarando-se o rei seu protetor 55.

Conclusão

É muitas vezes generalizada a ideia de que todas as Ordens Terceiras abun-davam em recursos financeiros que permitiram dotá-las de acervos patrimo-niais de elevada qualidade artística. Ora no caso das seis ordens analisadas no território do Alto-Minho, apenas duas se aproximam do estatuto de “Ordens ricas” – Ponte de Lima e Viana do Castelo. As razões são de múltipla natureza: situam-se nos centros urbanos mais desenvolvidos economicamente e mais populosos, refletindo-se essa realidade na sua comprovada capacidade de aglutinação de irmãos, tornando-as socialmente expressivas quer pela quan-tidade de confrades que nelas ingressavam, quer pelo grau de representativi-dade de todas as classes sociais no seio da sua organização; eram igualmente detentoras de rendas próprias, de origem diversificada – foros, pensões, anu-alidade dos irmãos, juros auferidos pelo empréstimo de dinheiro e legados deixados em testamento pelos seus fervorosos devotos. Um outro fator, que corrobora a nossa afirmação, assenta no facto de terem sido, das seis irman-dades analisadas, as únicas a terem liderado e concretizado, com sucesso, pro-cessos de autonomia da Ordem regular de que resultou a construção de igrejas autónomas que implicaram um extenso programa de encomendas artísticas

55 Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fl s. 136-136v.; Arquivo da �rdem Terceira de Viana do Castelo, Livro das Patentes, 1740, fls. 136-136v.; 149v.-150v.

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Paula Cristina Machado Cardona

com especial incidência para os equipamentos retabulares, imaginária e pin-tura. Estas encomendas artísticas contaram com mestres arquitetos, pedrei-ros, imaginários e pintores de conceituado calibre técnico, que concretizaram os programas artísticos perfilados ao “moderno”, como era desígnio das enti-dades contratante, as Ordens Terceiras ou, como se verificou em muitos casos, dos seus irmãos benfeitores.

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Itinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

Fontes e Bibliografia

Arquivo da Ordem Terceira de Viana do Castelo.

CARDONA, Paula Cristina Machado, 2004 – A Actividade Mecenática das Confra-rias nas Matrizes do Vale do Lima nos Séculos XVII a XIX, 4 Vols. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto [Tese de doutoramento policopiada].

DANTAS, José Velho, 2008 – Catálogo do Museu dos Terceiros. Ponte de Lima: Mu-nicípio de Ponte de Lima.

FIGUEIREDO, Ana Paula Valente, 2008 – Os Conventos Franciscanos da Real Província da Conceição. Análise histórica, tipológica, artística e iconográfica [Tese de Doutoramento em Arte, Património e Restauro, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa]. Lisboa.

LEMOS, Miguel Roque dos Reys, 1977 – Anais Municipais de Ponte de Lima. Braga: 2.ª ed.

Sites na internet

http://www.monumentos.pt

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ConclusõesNatália Marinho Ferreira-Alves

V SEMINÁRIO INTERNACIONAL LUSO-BRASILEIROOs Franciscanos no Mundo Português II.As Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco(Rio de Janeiro, 8-10 de novembro de 2011)

O V Seminário Internacional Luso-Brasileiro Os Franciscanos no Mundo Por-tuguês II. As Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco, realizado no Rio de Janeiro, de 8 a 10 de novembro de 2011, teve como objetivo principal dar conti-nuidade ao encontro científico de 2008, subordinado ao tema Os Franciscanos no Mundo Português I. Artistas e Obras, que havia demonstrado o grande interesse da temática analisada. Por outro lado, mais uma vez ficou patente a importância da realização periódica de eventos desta natureza, possibilitando o intercâmbio de dados resultantes das investigações realizadas em torno da temática proposta.

Como conclusões do Seminário, uma vez terminados os trabalhos, pode-mos apontar as seguintes:

• as comunicações apresentadas evidenciaram, mais uma vez, uma excelente qualidade científica, agora comprovada na presente publicação, no seguimen-to da planificação traçada para o Grupo de Investigação e que periodicamente é submetida à avaliação da comunidade científica;

• foram selecionadas dezoito comunicações para publicação, duas das quais da autoria de colegas espanhóis (Universidades de Santiago de Compostela e de La Laguna-Tenerife) convidados a participar no encontro científico; as

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Conclusões

restantes dezasseis foram da autoria de membros do Grupo de Investigação de Arte e Património Cultural no Norte de Portugal, bem como dos colegas brasileiros que colaboram connosco no âmbito da investigação da História da Arte Luso-brasileira (Universidade do Porto, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universi-dades Federais do Rio de Janeiro, da Bahia, da Paraíba e de Minas Gerais, Universidade Estadual de São Paulo);

• os objetivos que pretendíamos alcançar com este seminário, excederam as nossas espectativas comprovando-se a importância da temática em análise e abrindo-se novas pistas de pesquisa;

• demonstrou-se o grande impacte das Veneráveis Ordens Terceiras de São Francisco no desenvolvimento dos núcleos urbanos;

• verificou-se, mais uma vez, o papel desempenhado pelos artistas e artífices que, a partir designadamente do Norte de Portugal, trasladaram formas e téc-nicas de construção que permanecem vigentes até aos nossos dias;

• provou-se, através das comunicações e dos debates finais, a dimensão atin-gida pelos Terceiros Franciscanos, na ocupação do território, na sua profunda implantação no tecido social através da assistência, e o seu papel na dimensão religiosa, visível na Procissão de Cinza;

• por fim, e como uma das mais importantes conclusões deste seminário, fi-cou demonstrado documentalmente até que ponto as Ordens Terceiras Fran-ciscanas foram promotoras artísticas e, devido às relações estreitas existentes entre as portuguesas e as suas congéneres em terras de Brasil, como a circu-lação de artistas, projetos, técnicas, e linguagens estéticas circularam entre os dois continentes.

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ConclusionsNatália Marinho Ferreira-Alves

V LUSO-BRAZILIAN INTERNATIONAL SEMINARThe Franciscans in the Portuguese World II.The Venerable Third Orders of Saint Francis(Rio de Janeiro, 8-10 of november 2011)

The V Luso-Brazilian International Seminar The Franciscans in the Portu-guese World II. The Venerable Third Orders of Saint Francis, was held in Rio de Janeiro from the 8th. to the 10th. of november 2011, and its main purpose was to give continuity to the scientific meeting also held in Rio de Janeiro in november of 2008, under the title The Franciscans in the Portuguese World I. Artists and Works, which had proven the importance of the subject under re-search. On the other hand, it was demonstrated once again how important it is to hold events of this kind, by enabling the exchange of data resulting from researches about the suggested theme.

As conclusions of the Seminar, once the scientific sessions were over, we can point out the following ones:

• the papers presented during the event proved once again the excellent scientific quality, as it is reflected in this publication, following the plan outlined for the Research Group which is submitted to periodic evaluation of the scientific community;

• eighteen papers were selected for publication, being two of them of Spanish researchers (Universities of Santiago de Compostela and of La Laguna-

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Conclusions

Tenerife) invited to participate in the scientific meeting; the other sixteen belonged to the members of the Research Group of Art and Cultural Heritage of Northern Portugal, as well as to the Brazilian colleagues who collaborate with us in the research field of Luso-Brazilian History of Art (University of Oporto, Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro, Pontifical Catholic University of São Paulo, Federal Universities of Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba and Minas Gerais, State University of São Paulo);

• the objectives we wanted to achieve with this seminar exceeded our expectations, confirming the importance of the analysed theme and pointing out new research fields;

• it was proven the great impact of the Venerable Third Orders of Saint Francis in the development of urban nucleus;

• it was confirmed once again the contribution of Portuguese artists and craftsmen, particularly from the Northern Portugal, who brought forms and construction techniques over the seas that still remain until today;

• the papers and final debates demonstrated the dimension reached by the Franciscan laymen in territorial settlement, their implantation in society playing a major role in care and assistance, as well as in religious dimension perceptible in the Procession of Ashes;

• finally, and as one of the most important conclusions of this seminar, it was proved with notary contracts how the Franciscan Third Orders became promoters of artistic activities, and also due to the straight relationship between the Portuguese and the Brazilian confraternities how the circulation of artists, projects, techniques and aesthetic languages circulated from Europe to South America.

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Sobre os autores

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Sobre os autores

ALBERTO DARIAS PRÍNCIPE

Doutorado em História da Arte pela Universidade de La Laguna (Tenerife).Professor Catedrático da Universidade de La Laguna (Tenerife).Coordinador de la Investigación de Humanidades promovida por el Gobierno de Canarias a través de su proyecto estructurante PATRIVAL.

Área de investigação: Património Cultural; Relações artísticas entre as Caná-rias e Portugal; Arquitetura e Urbanismo no Magreb.

Publicações recentes: “Artistas portugueses en las Islas Canarias”, in A Enco-menda. O Artista. A Obra, Porto: CEPESE, 2010, p. 15-36; “Los hospitales en Canarias durante el Antiguo Régimen”, in A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mundo de Expressão Portuguesa, Porto: CEPESE, 2011, p. 13-45; “Turismo y desarrollo sostenible: las fortificaciones hispano lusas en el Magreb”, in Atas do Congresso del Comité Español de Historia del Arte, Uni-versidad de Santiago de Compostela, Santiago de Compostela, 2012.

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ANNA MARIA FAUSTO MONTEIRO DE CARVALHO

Doutorada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Colaboradora do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.Professora no Curso de Especialização em História da Arte e da Arquitetura no Brasil, Departamento de História – PUC-Rio, desde agosto de 1987. Pro-fessora convidada do Curso de História da Arte no Brasil, promovido pelo Museu Nacional de Belas Artes, a partir de 2006, onde ministra o curso “Arte no Brasil no Período Colonial”.Coordenadora do projeto promovido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) “Conventos Franciscanos do Nordeste Brasi-leiro”, para a inclusão dos treze monumentos remanescentes da região na lista de Património da Humanidade pela UNESCO (março a dezembro de 2006).

Área de investigação: Arte do período colonial.

Publicações recentes: “Manuel Dias de Oliveira e a Pintura Oficial da Corte no Brasil”, in A Encomenda. O Artista. A Obra, Porto: CEPESE, 2010, p. 55-68; “O Tema da Misericórdia nas Pinturas da Santa Casa do Rio de Janeiro – Período Colonial”, in A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mundo de Expres-são Portuguesa, Porto: CEPESE, 2011, p. 111-126; Memória da Arte Franciscana na Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Editora ArtWay, 2011 (colaboração).

Sobre os autores

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CESAR AUGUSTO TOVAR SILVA

Mestre em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.Professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil); Professor na Fa-culdade de São Bento do Rio de Janeiro (Curso de Especialização em História da Arte Sacra); Professor do Colégio Santo Inácio do Rio de Janeiro.

Área de investigação: História da arte colonial brasileira; História da religiosi-dade; Os franciscanos na América portuguesa; Devoção antoniana na Améri-ca portuguesa; Iconografia antoniana.

Publicações recentes: “Os milagres antonianos e suas fontes hagiográficas: o caso da capela-mor da igreja conventual de Santo Antônio do Rio de Janeiro”. Cole-tânea, ano X, v. 20, Rio de Janeiro, p. 159-174, 2011; “Santo Antônio, capitão. Aspectos da devoção antoniana no Rio de Janeiro colonial”, in Anais do XXVI Simpósio Nacional de História, São Paulo, julho 2011; Memória da arte francis-cana na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Artway, 2011 (colaboração).

Sobre os autores

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ENRIQUE FERNANDEZ CASTIÑEIRAS

Doutorado em Historia da Arte pela Universidade de Santiago de Compostela.Professor Titular em Historia da Arte na Universidade de Santiago de Compostela.

Área de investigação: Gestão de Bens e Património Cultural; Artes Plásticas; Arquitectura e Paisagem.

Publicações recentes: Gregorio Ferro. A Coruña: Ed. Alicerce, 2011 (colabora-ção); “De las razones por las que se encargaba un cuadro. Géneros e intención en la pintura decimonónica de la Diputación de A Coruña”, in Catálogo del patrimonio Artístico de la Diputación de A Coruña. II Artes plásticas (1990-2010). A Coruña: Diputación Provincial de A Coruña,  2011, p. LXXXV-CVI; “Una arquitectura para el silencio. El tanatorio del cementerio de Boisaca de Santiago de Compostela”. Quintana. Revista do Departamento de Historia da Arte. Universidades de Santiago de Compostela, vol. 10 (2011). Santiago de Compostela, p.139-157.

Sobre os autores

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EUGÊNIO DE ÁVILA LINS

Doutorado em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Professor Adjunto IV da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia.Colaborador do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e So-ciedade.

Área de investigação: Arquitectura e Urbanismo dos séculos XVII e XVIII.

Publicações recentes: “Encomendas artísticas para a Igreja Matriz do Santís-simo Sacramento e Sant’Ana de Salvador durante o século XVIII”, in A Enco-menda. O Artista. A Obra, Porto: CEPESE, 2010, p. 161-174; “Património de Origem Portuguesa no Mundo: arquitetura e urbanismo – América do Sul” (org.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2010, 536 p.; “Artistas e artí-fices que atuaram na Santa Casa da Misericórdia de Salvador: Séculos XVII e XVII”, in A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mundo de Expressão Portuguesa, Porto: CEPESE, 2011, p. 213-234.

Sobre os autores

Page 510: PDF - Os Franciscanos no Mundo Português II. As Veneráveis

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IVAN CAVALCANTI FILHO

Doutorado em História da Arte pela Oxford Brookes University, Inglaterra.Professor Associado do Departamento de Arquitetura da Universidade Fede-ral da Paraíba.

Área de investigação: Arquitetura Religiosa no Brasil Colonial.

Publicações recentes: “As principais devoções Franciscanas e sua relação com o espaço sagrado e a sociedade colonial no nordeste do Brasil”, in Encontro Internacional de História Colonial: Cultura, Poderes e Sociabilidades no Mun-do Atlântico (séc. XVI a XVIII), 3, 2011, Recife. Anais eletrônicos ... Recife: UFRPE, 2011, p. 14-20; “Entoando Louvores ao Altíssimo: o Coro Alto nos Conventos Franciscanos do Nordeste do Brasil colonial”, in Terceras Jornadas sobre Patrimônio y Arte Liturgico, Buenos Aires: 2011; “Protocolo Litúrgico e Pujança Decorativa: a Sacristia na Arquitetura Conventual Franciscana no Nordeste do Brasil Colonial”, in OLIVEIRA, Aurélio, et al (ed.) – O Barroco em Portugal e no Brasil. Maia: Edições ISMAI, 2012, p. 582-604.

Sobre os autores

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JANAÍNA DE MOURA RAMALHO ARAÚJO AYRES

Mestre em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Doutoranda em Artes Visuais na Escola de Belas Artes da Universidade Fede-ral do Rio de Janeiro.

Área de investigação: História da arte colonial; Pintura de perspectiva e geo-metria descritiva.

Publicações recentes: “A pintura ilusionista do forro da Igreja da Venerável Or-dem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro”, in Os Francis-canos no Mundo Português I. Artistas e Obras. Porto: CEPESE, 2009, p. 131-142.

Sobre os autores

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JOAQUIM JAIME BARROS FERREIRA-ALVES

Doutorado em Letras (especialidade de História da Arte) pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Professor Catedrático da Universidade do Porto. Investigador do CEPESE, membro do Grupo de Investigação Arte e Patrimó-nio Cultural de Portugal.Participou nos projetos de investigação Artistas e Artífices no Mundo de Ex-pressão Portuguesa (Porto: CEPESE, 2008); Os Franciscanos no Mundo Por-tuguês (Porto: CEPESE, 2012).

Área de investigação: História da Arquitetura e Urbanismo em Portugal (sé-culos XVII-XVIII); Arte efémera relacionada com os festejos da Família Real.

Publicações recentes: “José de Sousa. Um escultor do Porto na segunda metade do século XVIII”, in A escultura em Portugal da Idade Média ao início da Idade Contemporânea: História e Património. Lisboa: Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, 2011, p. 295-310; A Santa Casa da Misericórdia de Vila Real. História e Património (coautoria). Porto: CEPESE/Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, 2011; Os Paços do Concelho do Porto (coord.). Porto: CEPESE, 2012.

Sobre os autores

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LEONARDO ETERO

Mestre em História da Arte pelo Programa de Pós graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Professor Assistente da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Área de investigação: O gesto na escultura e o espaço no período colonial.

Publicações recentes: “Aleijadinho em Carne Viva: O Gesto na Escultura”. Revista Arte & Ensaios, Revista do Programa de Pós-Gradução em Artes Vi-suais EBA/UFRJ, ano XVIII, n.º 22. Rio de Janeiro, 2011.

Sobre os autores

Page 514: PDF - Os Franciscanos no Mundo Português II. As Veneráveis

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LUÍS ALEXANDRE RODRIGUES

Doutorado em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Investigador do CEPESE, membro do Grupo de Investigação Arte e Patrimó-nio Cultural de Portugal.

Área de investigação: Arquitetura, talha e imaginária (séculos XVII-XIX).

Publicações recentes: ‘’Arquitectura e fortificações. Ritmos de persuasão em ho-rizontes de fronteira’’, in Bragança marca a História. A História marca Bra-gança. Bragança: Câmara Municipal de Bragança, 2009, p. 43-60; “O buril e a paleta. As pinturas das sacristias da igreja dos Jesuítas, em Bragança”, in A Encomenda. O Artista. A Obra, Porto: CEPESE, 2010, p. 291-208; “O retábulo--mor da Misericórdia de Bragança e o gosto pelos painéis com relevo figurativo no Norte e Centro do país”, in A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mundo de Expressão Portuguesa, Porto: CEPESE, 2011, p. 325-341.

Sobre os autores

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LUÍS GUSTAVO GAVIÃO

Doutorado em História e Crítica da Arte pela Escola de Belas Artes da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro.Coordenador do Programa de Artes da Escola SESC do Rio de Janeiro.

Área de investigação: Pintura colonial no Rio de Janeiro.

Sobre os autores

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MAGNO MORAES MELLO

Doutorado em História da Arte pela Universidade Nova de Lisboa.Professor Adjunto 3 – Professor de História da Arte no Departamento de His-tória da Universidade Federal de Minas Gerais.

Área de investigação: Pintura de Falsa Arquitetura e Tratados de Perspetiva do Tempo do Barroco no Mundo Luso-brasileiro.

Publicações recentes: “O espaço sagrado e o espaço físico: o uso das imagens entre retórica e visão religiosa”, in Religiões e religiosidades – entre a tradição e a modernidade, São Paulo: Edições Paulinas, 2010, p. 191-206; “O modelo pozziano na pintura de falsa arquitectura na obra do pintor-decorador Luis Gonçalves de Sena (1713-1790)”, in IV Encontro de História da arte do Insti-tuto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP/IFCH, 2010; “Os tetos pintados: uma moda decorativa através dos tempos”, in LIMA, Renata (org.) – Tetos do Brasil. Rio de Janeiro: BABEL, 2011, p. 113-185.

Sobre os autores

Page 517: PDF - Os Franciscanos no Mundo Português II. As Veneráveis

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MANUEL AUGUSTO LIMA ENGRÁCIA ANTUNES

Doutorado em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Conservador de Museus da Câmara Municipal do Porto.Investigador do CEPESE, membro do Grupo de Investigação Arte e Patrimó-nio Cultural de Portugal.

Área de Investigação: Mobiliário; Congregação Beneditina Portuguesa; Ceri-monial.

Publicações recentes: “Aparatos leves e pesados dos Penitentes – alfaias e equipa-mentos dos Terceiros Franciscanos no Porto a partir dos Estatutos de 1660”, in Os Franciscanos no Mundo Português I. Artistas e Obras. Porto: CEPESE, 2009, p. 151-168; “Artes Mecânicas – Enfermaria e Boticas em espaços Beneditinos”, in A Encomenda. O Artista. A Obra. Porto: CEPESE, 2010, p. 309-323; “Estilo, gosto e novidade do final do séc. XVIII – As cadeiras da Sala do Despacho da Santa Casa da Misericórdia do Porto”, in A Misericórdia de Vila Real e as Mise-ricórdias no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2011, p. 391-410.

Sobre os autores

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MARCELO ALMEIDA OLIVEIRA

Doutorado em Artes e Técnicas da Paisagem pela Universidade de Évora.Analista Ambiental do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais – IEF/MG.Colaborador do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e So-ciedade.

Área de investigação: Arquitetura e urbanismo do período colonial; Arquite-tura paisagística.

Publicações recentes: “Una mirada sobre la identidad de las ciudades luso-brasi-leñas: consideraciones sobre el patrimonio paisagístico en Olinda y Ouro Preto”. Revista Quintana, n.º 10. Santiago de Compostela: Departamento de Historia da Arte da Universidade de Santiago de Compostela, 2010, p. 89-133; “Jardins co-loniais brasileiros, lugares do útil ao agradável. Colonial brazilian gardens, from pleasent to useful places”. Revista de História da Arte e Arqueologia – RHAA, n.º 16. Campinas: Unicamp, Centro de História da Arte e Arqueologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2011, p. 5-20; “Regularidade e civilidade nas vilas e cidades luso-brasileiras: uma contribuição ao estudo dos espaços públicos”. População e Sociedade – A matriz italiana na arte luso-brasileira, vol. 19. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2011, p. 58-73.

Sobre os autores

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MARIA BERTHILDE MOURA FILHA

Doutorada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Professora Adjunta do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal da Paraíba.Colaboradora do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.

Área de investigação: Arquitetura e urbanismo do período colonial.

Publicações recentes: De Filipéia à Paraíba: uma cidade na estratégia de coloni-zação do Brasil. Séculos XVI-XVIII, 1.ª ed. João Pessoa: IPHAN – Superinten-ª ed. João Pessoa: IPHAN – Superinten- ed. João Pessoa: IPHAN – Superinten-dência na Paraíba, 2010; “A Santa Casa da Misericórdia da Paraíba: o passado no presente”, in A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2011, p. 441-458; “Capelas com planta centralizada no Nordeste do Brasil: entre a tradição portuguesa e a tratadística italiana”. População e Sociedade – A matriz italiana na arte luso-brasileira, vol. 19. Porto: CEPESE/Edições Afrontamento, 2011, p. 74-93.

Sobre os autores

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MARIA DEL CARMEN FOLGAR DE LA CALLE

Doutorada em História da Arte pela Universidade de Santiago de Compostela.Professora Titular em Historia da Arte na Universidade de Santiago de Compostela.

Área de investigação: Arquitetura da Galiza (séculos XVI-XIX); Retábulos; Mosteiros galegos na Época Moderna; Gestão de Bens e Património Cultural.

Publicações recentes: “El amueblamiento de un espacio monástico: la sacristía de Santo Estevo de Ribas de Sil”, in Piedra sobre agua. El monacato en torno a la Ribeira Sacra. Opus Monasticorum IV. A Coruña: Servicio de Publicaciones de la Fundación P. Barrié de la Maza (Colección Patrimonio Vivo), 2010, p. 77-108 (colab.); “La Vita et Miracula Sanctissimi Patris Benediticti y su reflejo en la pintura barroca gallega”, en Actas Congreso Internacional la cultura del Barroco español e iberoamericano y su contexto europeo. Varsovia (Polónia): Instituto de Estudios Ibéricos e Iberoamericanos de la Universidad de Varso-via, 2010, p. 357-366 (colab.); “Cura de almas para la salud del cuerpo. Arqui-tectura y fe en torno al Hospital de San Roque de Santiago de Compostela”, in A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mundo de Expressão Portu-guesa. Porto: CEPESE, 2011, p. 353-374.

Sobre os autores

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MARIA EDUARDA MARQUES

Doutorada em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Cató-lica do Rio de Janeiro.Professora do curso de extensão universitária da PUC-Rio, e consultora inde-pendente para projetos de cultura da Associação Espírito Santo Cultura.

Área de investigação: História do Brasil; Património histórico.

Publicações recentes: “A Capela Dourada, símbolo do poder dos “homens de negócio”, in Os Franciscanos no Mundo Português I. Artistas e Obras. Porto: CE-PESE, 2009, p. 81-92; “O lugar da pintura na obra de Mira Schendel”, in PIN-TORA, Mira Schendel – Catálogo. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, 2011.

Sobre os autores

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MOZART ALBERTO BONAZZI DA COSTA

Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Ur-banismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP.Professor e vice-coordenador do Curso Superior de Conservação e Restauro na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP.Colaborador do CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade.

Área de investigação: Métodos escultóricos tradicionais e contemporâneos; Talha Barroca e Rococó no Brasil.

Publicações recentes: “A talha dourada na antiga Província de São Paulo: exemplos de ornamentação barroca e rococó, in TIRAPELI, Percival (org.) – Arte Colonial: Barroco Memória Viva. São Paulo: Edunesp, 2006; A Talha Ornamental Barroca na Igreja Conventual Franciscana de Salvado. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo – EDUSP, 2010; “Imaginária religiosa brasileira: em busca de uma arqueologia da beleza” (colab.), in MARIANI, Ceci Baptista;VILHENA, Maria Ângela (org.) – Teologia e Artre: expressões de transcendência, caminhos de renovação. São Paulo: Paulinas, 2011.

Sobre os autores

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NATÁLIA MARINHO FERREIRA-ALVES

Doutorada em Letras (especialidade de História da Arte) pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Professora Catedrática da Universidade do Porto.Investigadora do CEPESE. Coordenadora do Grupo de Investigação Arte e Património Cultural de Portugal. Coordenadora de diversos projetos de investigação, entre os quais: Portugal/Brasil – Brasil/Portugal. Duas faces de uma realidade artística (Lisboa: Co-missão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000); Artistas e Artífices no Mundo de Expressão Portuguesa (Porto: CEPE-SE, 2008); Os Franciscanos no Mundo Português (Porto: CEPESE, 2012).Coordenadora de várias publicações coletivas, entre as quais: Dicionário de Artistas e Artífices do Norte de Portugal. Porto, CEPESE, 2008; Artistas e Ar-tífices no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2008; Os Francis-canos no Mundo Português I. Artistas e Obras. Porto: CEPESE, 2009; A enco-menda. O artista. A obra. Porto: CEPESE, 2010; A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mundo de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2011. Área de investigação: Talha e imaginária (séculos VII-XIX); Práticas religiosas na Época Moderna.

Publicações recentes: “A Talha da Igreja do Mosteiro de Santa Maria de Pom-beiro e Frei José de Santo António Ferreira Vilaça”, in O Mosteiro de Santa Ma-ria de Pombeiro, cap. III. Felgueiras: Câmara Municipal de Felgueiras, 2010, p. 151-193; “A Santa Casa da Misericórdia de Vila Real e a Procissão dos Santos Passos (1774-1902)”, in A Misericórdia de Vila Real e as Misericórdias no Mun-do de Expressão Portuguesa. Porto: CEPESE, 2011, p. 487-506; A Santa Casa da Misericórdia de Vila Real. História e Património (coord.). Porto: CEPESE/Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, 2011.

Sobre os autores

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PAULA CRISTINA MACHADO CARDONA

Doutorada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Técnica Superior Assessora de Turismo da Câmara Municipal do Porto.Investigadora do CEPESE. Coordenadora-adjunta do Grupo de Investigação Arte e Património Cultural de Portugal – CEPESE).

Área de investigação: História da Arte em Portugal; Artistas e encomendantes do noroeste de Portugal nos séculos XVII e XVIII – dos centros de produção à mobilidade transfronteiriça.

Publicações recentes: O perfil artístico das confrarias em Ponte de Lima na Época Moderna. Ponte de Lima: Câmara Municipal de Ponte de Lima, 2010; O perfil artístico da Igreja Paroquial de Raimonda. Porto: Fábrica da Igreja Paroquial de Raimonda/Reviver Editora, 2011; A Santa Casa da Misericórdia de Vila Real. História e Património (coautoria). Porto: CEPESE/Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, 2011.

Sobre os autores

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Resumos/Abstracts

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ALBERTO DARIAS PRÍNCIPE

La Orden Tercera como motor de la expansión urbana y la reno-vación de Santa Cruz de Tenerife

ResumoEl crecimiento de una ciudad tiene múltiples motivos, uno de ellos puede ser el sentido corporativo de un sector de esta población. En el caso de Santa Cruz de Tenerife esa cohesión fue lo que dio pie a la creación del primer barrio aje-no al núcleo fundacional, El Toscal, cuya idiosincrasia partió del sentimiento comunitario aglutinado a través de la Venerable Orden Tercera Franciscana.

Palavras-chave: Orden Tercera Franciscana, Barrio del Toscal, Techos a la portuguesa, Irlandeses, Comercio, Rococo.

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Abstract The creation of new urbana reas in a city can have multiple reasons. One of them may be the corporate sense of a sector of its population. In the case of Santa Cruz de Tenerife, the cohesive element was a sense of community taught by the Franciscan Third Order. Thanks to this arose El Toscal district, which was the first are ato be developed with an idiosyncrasy of its own, different from the then founding core of the city’s central area.

Keywords: Franciscan Third Order, El Toscal district, Portuguese roof, Irish, commerce, Rococo.

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ANNA MARIA FAUSTO MONTEIRO DE CARVALHO

A Capela Primitiva da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro

ResumoO trabalho analisa a capela primitiva da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro, sediada dentro da igreja do convento de Santo Antônio, em seus aspetos históricos, artísticos e iconográficos. Enfatiza as ra-zões que levaram os Irmãos Terceiros a redecorarem-na com o mesmo luxo e aparato barroco da nova igreja que estavam construindo, em prédio isolado junto ao convento, para substituí-la nas principais funções de culto.

Palavras-chave: Franciscanos, Ordem Terceira, Arte Luso-Brasileira, Talha, Imaginária.

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AbstractThe work examines the Third Order of St. Francis of Penance primitive chapel in Rio de Janeiro, headquartered within the Church of the convent de Santo Antônio, in their historical, artistic and iconographic aspects. Emphasizes the reasons that led the Third Brothers redecorated with the same luxury and Ba-roque apparatus of the new church that were building in isolated building next to the convent, to replace it in the main functions of worship.

Keywords: Franciscans, Third Order, Luso-Brazilian Art, Woodcarving, Imaginary.

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CESAR AUGUSTO TOVAR SILVA

A pintura do forro da igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: contribuições para sua análise iconográfica

ResumoNo ano de 1732, a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro firmou contrato com o pintor português Caetano da Costa Coelho para a realização da pintura do teto na “melhor perspetiva” e dos oito painéis de sua capela-mor. Em 1736, concluídas as obras, o pintor foi nova-mente contratado, dessa vez para “fazer a pintura do corpo da capela do arco para baixo de melhor perspetiva, diversidade e perfeição, imitando a que vem de dentro da capela-mor”. A empreitada ficaria concluída em 1743.Considerada a mais antiga pintura de forro em perspetiva ilusionista da Amé-rica portuguesa, a produção de Caetano da Costa Coelho para a igreja da Peni-tência do Rio de Janeiro é obra complexa, de grande erudição e de difícil inter-pretação iconográfica. O presente trabalho pretende refletir sobre os estudos até então realizados sobre a obra, bem como propor novas reflexões para a mesma.

Palavras-chave: Franciscanismo, Barroco, Pintura, Iconografia.

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AbstractIn 1732, the Venerable Third Order of St. Francis of Penance, in Rio de Janeiro, signed a contract with Portuguese artist Caetano da Costa Coelho to paint the church’s ceiling and eight panels on its apse, applying the “perspectivist” style. In 1736, his work already done, he was again hired to “paint the chapel’s nave in an archway with architectonic perspective, diversity and perfection, stem-ming from the apse”. Such endeavor was completed in 1743. Considered the oldest illusionist perspective roof painting in Portuguese America, Caetano da Costa Coelho’s artwork for the church of Penance in Rio de Janeiro is an elaborate, extremely refined masterpiece, one which does not allow clear-cut iconographic interpretation. This study aims at reflecting upon research car-ried out so far on the masterpiece, as well as offering a fresh outlook on it.

Keywords: Franciscanism, Baroque, Painting, Iconography.

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EUGÊNIO DE ÁVILA LINS

O trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

ResumoOs estudos sobre a igreja Ordem Terceira de São Francisco de Salvador sempre abordam o projeto do mestre carpinteiro Gabriel Ribeiro para o frontispício do templo, ficando relegada a conceção espacial e demais elementos arquitetó-ção espacial e demais elementos arquitetó-mais elementos arquitetó-nicos que o autor concebeu para o referido templo. Os documentos apontam para diversas condicionantes que foram estabelecidas para a elaboração do projeto, principalmente aquelas advindas dos frades franciscanos doadores do terreno onde ocorreu a construção. O estudo a ser apresentado busca identifi-car as diversas demandas advindas dos agentes envolvidos na encomenda do projeto, ao tempo em que aprofunda o perfil profissional do Mestre Gabriel Ribeiro com a intenção de compreender e revelar mais alguns aspetos artísti-cos da capela da Ordem Terceira de São Francisco de Salvador.

Palavras-chave: Franciscanos, arquitetura, carpinteiro.

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AbstractThe studies on the church of the Third Order of Saint Francis of Salva-dor generally prefer to focus on master carpenter Gabriel Ribeiro’s project for the facade of the temple, and give less attention to the conception of the inner space and other architectural elements conceived by the author. Documents point to several conditions that had been established for the elaboration of the project, mainly those specified by the Franciscan friars who donated the land where the church was built. This study seeks to identify the demands of the participants involved in the project, as it de-tails the professional profile of Master Gabriel Ribeiro with the intention to understand and to disclose more aspects of the art work done on the chapel of the Third Order of Saint Francis of Salvador.

Keywords: Franciscans, architecture, carpenter.

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JANAÍNA DE MOURA RAMALHO ARAUJO AYRES

As Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador: uma outra espacialidade

ResumoA Igreja de São Francisco de Assis de Salvador, Bahia, possui um dos conjun-tos mais notáveis de decoração interna barroca. Em se tratando dos forros, enquanto na capela-mor o forro abobadado é recoberto por riquíssima talha dourada formando padrões geométricos, na nave o forro é artesoado, suntuo-samente decorado com pinturas emolduradas por talha dourada em formatos diversos (octogonais, quadrangulares e estrelas de oito pontas). Entretanto, nas abóbadas de berço dos altares do transepto, o tratamento compositivo/espacial difere dos demais devido ao suporte ser inteiramente pintado segundo a técnica da perspetiva ilusionista (que amplia os espaços), acentuando certa verticalidade à medida que as linhas de força apontam para um ponto de fuga central, simulando a presença de uma cúpula e conferin-do ao suporte bidimensional uma “falsa” terceira dimensão, um engano dos olhos – pelo jogo dos contrastes e da presença dos elementos arquitetónicos.

Palavras-chave: Barroco, Pintura Ilusionista, Forro, Franciscanos, Bahia.

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AbstractThe Church of St. Francis of Assisi in Salvador, Bahia, has one of the most re-markable collections of Baroque interior decoration. About the ceilings, while the chancel in the vaulted ceiling is covered with rich gilt forming geometric patterns, the “nave” ceiling is richly decorated with paintings framed by gilded in various formats (octagonal, square and star of eight tips).However, in the semi-circular vaults of the transept altars, treatment compo-sitional / spatial differs from other support due to be painted entirely accord-ing to the technique of illusionistic perspective (which extends the spaces), emphasizing certain verticality as the link to power lines a central vanishing point, simulating the presence of a dome and giving support to a two-dimen-sional ‘false’ third dimension, an error of the eyes – by the play of contrasts and the presence of architectural elements.

Keywords: Baroque, Ilusionistic Painting, Ceiling, Franciscanism, Bahia.

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JOAQUIM JAIME B. FERREIRA-ALVES

A primeira igreja da Venerável Ordem Terceira de São Fran-cisco no contexto da arquitetura religiosa do Porto da segunda metade do século XVII

Resumo A arquitetura no Porto do século XVII permanece, ainda hoje, como uma área sugestiva para os investigadores, prevalecendo na cidade, ao longo da centú-ria, um gosto que se enquadra nos conceitos do Maneirismo e do Estilo Chão. A partir da segunda metade de Seiscentos, e particularmente no seu último quartel, aparecem alguns aspetos inovadores que anunciam uma época onde se manifesta uma nova sensibilidade artística. Este período coincide, no cam-po da arquitetura religiosa, com a edificação de uma série de igrejas, associa-das a várias instituições da cidade (recolhimentos, colégios, ordens terceiras, ordens religiosas), que refletem a tendência artística dominante e projetam, em parte, as características do Barroco portuense.

Palavras-chave: Porto, arquitetura religiosa, arquitetos.

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AbstractThe architecture of Oporto of the 17th century still remains a suggestive area for researchers, prevailing in the city, throughout the century, an aesthetic taste that fits on the concepts of Mannerism and Plain Architecture. From the second half of the mentioned century on, and particularly in its last quarter, some innova-tive characteristics announcing a period of a new artistic sensibility appear. This period coincides, in what concerns the religious architecture, with the edifica-tion of several churches associated with some important institutions of the city (asylums, colleges, third orders, religious orders), reflecting the leading artistic tendency and pointing out the Oporto Baroque characteristics.

Keywords: Oporto, religious architecture, architects.

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LEONARDO ETERO

O medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

ResumoO ensaio discorre sobre o medalhão de São Francisco de Assis da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto realizado pelo escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, com o enfoque na discussão da conceção do espaço pelo artista, nas possíveis fontes de referência que o mestre observou e também na relação que possui tal medalhão com o desenho da fachada da igreja de São Francisco de Assis de São João d’El Rei. Na primeira parte, é traçada uma descrição do processo histórico que levou à sua execução, sendo levantadas algumas teorias a respeito das possíveis fontes inspiradoras do escultor. Na segunda parte, são abordados os aspetos da construção do relevo diante da tradição, assim como os aspetos quanto à leitura visual da obra, tendo em vista sua relação com o espaço da arquitetura que a cerca. Na última parte, são apontadas algumas questões iconográficas e suas finali-dades para a comunicação, como conteúdo pedagógico, através da utilização muito elaborada dos elementos simbólicos por Aleijadinho e da composição da obra, ou seja, sua conceção do espaço.

Palavras-chave: Aleijadinho, medalhão, igreja, Ouro Preto, análise.

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AbstractThe essay discusses the roundel of St. Francis of Assisi of St. Francis of Assisi in Ouro Preto made by the sculptor Antonio Francisco Lisboa, Alei-jadinho, with the focus on discussion of the design space by the artist, the possible sources of reference that master observed and also the relation-ship that has such a medallion with the design of the facade of the church of St. Francis of Assisi St. John d’El Rei.In the first part, a description is drawn from the historical process that led to his execution, being raised a few theories about possible sources of inspiration of the sculptor.In the second part, the article discusses the aspects of the construction of relief in the face of tradition as well as aspects regarding the visual reading of the work, given its relationship to architectural space that surrounds it.The final section, points some issues and their iconographic for communica-tion purposes, such as educational content through the use of very elaborate symbolic elements by Aleijadinho and the composition of the work, that is, his conception of space.

Keywords: Aleijadinho, roundel, church, Ouro Preto, analysis.

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LUÍS ALEXANDRE RODRIGUES

A ação dos padres de Brancanes em Vinhais. O Seminário da Senhora da Encarnação e constituição da Venerável Ordem Terceira da Penitência

ResumoEm outubro de 1751, na vila de Vinhais demarcava-se o sítio para a edifi-cação do Seminário de Nossa Senhora da Encarnação que viria a ser go-vernado por missionários apostólicos oriundos do Convento de Nossa Se-nhora dos Anjos de Brancanes.Ao mesmo tempo que pregavam as missões em Trás-os-Montes, estes padres franciscanos difundiam os princípios que levariam à constituição da Venerá-vel Ordem Terceira da Penitência. Realizando a primeira sessão oficial em 7 de novembro de 1762, esta irmandade, enquanto tratava de matérias espiritu-ais e de auxílio aos desvalidos, lançava a construção da sua casa de despacho e da sua igreja num momento em que os formulários do rococó, sobretudo nas estruturas retabulares da igreja, não só adelgaçavam as formas como lhes imprimiam um inusitado dinamismo.

Palavras-chave: Brancanes, Vinhais, Missionários, Ordem Terceira, Trás-os--Montes.

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AbstractIn October 1751, in the town of Vinhais it was demarcated the place for the building of the Seminary of Our Lady of the Incarnation which was to be governed by apostolic missionaries from the Convent of Our Lady of Angels Brancanes.While preaching missions in Trás-os-Montes, these Franciscan priests dif-fused the principles that would lead to the formation of the Venerable Third Order of Penance. Performing the first official session on November 7, 1762, this brotherhood, while treating of material and spiritual aid to the deprived, launched the construction of his house in order and of his church, at a time when the forms of the rococo, especially in retable structures of the church, not only thinned the forms but also expressed an unprecedented dynamism.

Keywords: Brancanes, Vinhais, Missionaries, Third Order, Trás-os-Montes.

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LUIZ GUSTAVO GAVIÃO

Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: a iconografia e o esplendor como poéticas do barroco joanino

ResumoA igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro constitui exemplo raro da estética barroca joanina na cidade, esta caracteri-zada pela sua rica ornamentação interna. Tal raridade poderia ser explicada em parte pela insipiente mão-de-obra local no início do século XVIII, pois as oficinas laicas fluminenses floresceriam somente na segunda metade do mes-mo século. A possibilidade dos irmãos terceiros de construir obra de tamanha riqueza vem de sua condição de classe abastada do período, o que colaborou para que eles pudessem contratar artistas portugueses para os trabalhos de pintura, escultura e talha. Entretanto, o ideal de pobreza da família franciscana e a ostentação ornamental da igreja parecem um paradoxo somente resolvido se o sentido original do ornamento for investigado no seu contexto. Assim, a relação entre o encomendante e o artista, a presença impressa dos tratados de construção religiosa influenciados pelo Concílio de Trento e a iconografia como ponto-chave para legitimar o esplendor são as questões essenciais para o entendimento da poética barroca.

Palavras-chave: Barroco, franciscanos, iconografia, esplendor, ornamentação.

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AbstractRio de Janeiro´s Third Order of São Francisco da Penitência Church is a rare example of the so-called joanina baroque esthetics in the town, as shown by its rich internal ornamentation. That rarity could be partially explained by the scarce local workforce in the early 18th century, as the secular ateliers would flourish only later in that century. The ability to build such enrichness came from the religious class´ wealthy condition during that age, which enabled the hiring of Portuguese artists for the painting, sculpture and engraving tasks. Nevertheless, the church´s ostentation could be seem as a paradox compared to the Franciscan´s poverty ideal, which can be solved only by researching the original concept of the ornaments in their context. That is, the relationship be-tween the customer and the artist, the printed presence of the religious treaties influenced by the Council of Trent, and the iconography as a key element to legitimate the splendor are the essential issues for the comprehension of this baroque poetic. Keywords: Baroque, Franciscans, iconography, splendor, ornamentation.

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MAGNO MELLO

Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Or-dem Terceira de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

ResumoEste estudo concentra toda a sua atenção na pintura de falsa arquitetura na Capitania do Ouro entre os séculos XVIII e XIX, contemplando em especial atenção a decoração Barroca e Rococó. Estes espécimes variam desde a pintu-ra em caixotões, a decoração parietal e pintura de falsa arquitetura em varia-das formas: muros parapeitos; elementos arquitetónicos maciços; estruturas apoiadas em nuvens circulares e temas iconográficos desenvolvidos em roca-lhas no centro do suporte. Em relação à decoração dos tetos é fundamental o conhecimento das técnicas de transposição e a relação com a tratadística coeva. Muitos pintores eram verdadeiros quadraturistas ou cenógrafos espe-cializados na decoração do engano arquitetural. Outro ponto a salientar é a especialização dos trabalhos. Em Minas, como em todo o Brasil colonial, mui-tos decoradores eram apenas pintores de figuras ou de elementos decorativos, enquanto outros trabalhavam com mais precisão na confeção da estrutura arquitetónica pictórica. Assistimos no universo do Barroco e do Rococó em Minas Gerais uma atuação de pintores desde meados do século XVIII até o primeiro quartel do século XIX numa última expressão com a presença do pintor-decorador Manuel da Costa Ataíde.

Palavras-chave: Quadratura, Manuel da Costa Ataíde, tetos pintados, capita-nia do ouro, pintura colonial no Brasil.

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AbstractThis study focuses all its attention on the painting of false architecture in the captaincy of gold, between the eighteenth and nineteenth centuries, with par-ticular attention to Baroque and Rococo decoration. These specimens range from caissons and parietal decoration to painting of false architecture in vari-ous forms: parapet walls, massive architectural features, structures supported on circular clouds and iconographic themes developed on rococo decorative motives in the center of the support. Regarding the decoration of ceilings is crucial to understand the techniques of transposition and its relationship with the contemporary treatises. Many painters were true quadraturists or set de-signers specialized in the architectural decoration of deception. Another point to note is the specialization of work. In Minas Gerais, as in other regions of colonial Brazil, many decorators were merely painters of figures or decorative elements, while others worked with more precision in the making of pictorial architectural structure. We see, in the Baroque and Rococo world of Minas Gerais, works of painters from the mid-eighteenth century to the first quar-ter of the nineteenth century, in one last expression, with the presence of the painter and decorator Manuel da Costa Ataíde.

Keywords: Quadrature, Manuel da Costa Ataíde, painted ceilings, the cap-taincy of gold, Brazilian painting in the colonial period.

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MANUEL AUGUSTO LIMA ENGRÁCIA ANTUNES

Capela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista. Os bancos de espaldar da “Mesa” na Igreja da Or-dem Terceira

ResumoNo final do século XVIII a Mesa da Ordem Terceira de S. Francisco no Porto encomenda para seu uso, um par de bancos de espaldar, instalados na capela--mor, acima de um degrau de pedra.Desenhados e entalhados pelo mestre entalhador italiano Luís Chiari, es-tas obras-primas do neoclássico portuense foram já amplamente publicadas quanto aos seus aspetos artísticos.Estas breves notas procuram contribuir para a interpretação deste conjunto, com a apresentação de uma perspetiva sobre esta tipologia particular; a com-paração com assentos leigos em capelas-mores no topo da hierarquia laica com a instalação da família real em Mafra; e transcrevendo dois documentos que parecem relucidativos sobre as pretensões do Porto em se equiparar a uma corte, e a regulamentação sobre assentos em vigor na diocese portuense.

Palavras-chave: Bancos de espaldar, Ordem Terceira de S. Francisco, Porto.

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AbstractIn the late 18th. century, the Board of the Third Order of St. Francis in Oporto, ordered for their own use, a pair of benches, installed in the chancel, raised upon a step as a footboard, in their private church.Designed and carved by an Italian master active in Oporto, Luís Chiari, they have been in the past extensively published as one of the leading examples of neo-classical seating furniture in the city.This paper is meant as a modest contribution to further the interpretation of these master-pieces, looking at benches within seating furniture; consider-ing the ceremonial seating for lay people in the church, with the top case of the royal family in their own chapel in Mafra; and including two texts about Oporto self-assessment as an almost court circle, and the church regulations on seating furniture.

Keywords: Benches, Third Order of St. Francis, Oporto.

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MARCELO ALMEIDA OLIVEIRA

Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: conside-rações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

ResumoNo estudo da arquitetura religiosa, deparamo-nos com textos que, com fre-quência, divulgam o papel de artistas e artífices na execução dos conjuntos religiosos, como o ocorrido na Capela de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Ao avaliar essa temática, observa-se que o levantamento documental a respeito da execução dessa edificação, feito pelo Cônego Raimundo Trinda-de, revela faceta da história pouco difundida. Trata-se da atuação da Ordem Terceira Franciscana, responsável pela regulação das diversas etapas da refe-rida capela. Essa regulação era feita por meio da elaboração de contratos de serviço, algo tão importante quanto a função desempenhada pelos obreiros da citada construção. Nesse universo, os contratos impunham procedimentos a ser cumpridos pelos arrematantes e suas equipes. Isso aconteceu no caso des-se edifício, concebido para ser uma referência da arquitetura religiosa. Nesse sentido, avançaremos na apresentação do trabalho intitulado: “Os contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício”.

Palavras-chave: Ouro Preto, Capela de São Francisco de Assis, contratos de obras, Ordem Terceira Franciscana, arquitetura religiosa.

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AbstractIn the study of religious architecture we frequently come across texts that tell of the role played by artists and craftsmen in the constructions of religious complexes. Such occurred in the Saint Francis of Assisi Chapel in Ouro Preto. When evaluating this theme, we observe that the survey of the documents on the construction of that building, which was carried out by Canon Raimundo Cônego, reveals a little-known aspect of its history. It consists of the actions taken by the Third Order of Saint Francis. They were responsible for regulating the different phases of the already mentioned Chapel. This was done through the elaboration of service contracts, which was as important as the work real-ized by the construction’s workers. In that universe, such contracts imposed procedures on the contract winners and their teams, especially in the case of this building, which was conceived as a reference for religious architecture. It is in this way that we will go forward in our presentation of our work called: “The Contracts of Saint Francis of Assisi of Ouro Preto: Considerations on the Constructive Quality of their Building”.

Keywords: Ouro Preto, St. Francis of Assisi Chapel, work contracts, Third Order of St. Francis, religious architecture.

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MARIA BERTHILDE MOURA FILHA/IVAN CAVALCANTI FILHO

Uma “Capela Dourada” e outra por dourar”: o caso das Ordens Terceiras do Recife e da Paraíba.

ResumoFrei Antônio de Santa Maria Jaboatão, cronista da província de Santo Antônio do Brasil, refere os anos de 1696 e 1704, respetivamente, para situar a funda-ção das capelas da Ordem Terceira de São Francisco, nas cidades de Recife e da Paraíba, atualmente denominada João Pessoa. Ambas foram edificadas em posição perpendicular à nave da igreja conventual, no lado do Evangelho, com a qual se comunicam através de um amplo arco, repetindo uma solução que foi recorrente nos conjuntos Franciscanos do Nordeste do Brasil. Robert Smith empregou o termo “capela dourada” para se referir àquela dos tercei-ros do Recife, devido ao seu revestimento em talha, cuja ênfase decorativa invade todo o espaço litúrgico. Esta foi resultado de diversas etapas de obras, transcorridas ao longo da primeira metade do século XVIII, época em que os terceiros da Paraíba também investiam na decoração de sua capela, nunca concluída, que permaneceu “por dourar”. A similaridade entre os dois espaços definiu o objetivo da presente comunicação: uma análise comparativa, enfo-cando a organização espacial destas capelas e demais partes que integram os conjuntos edificados dos terceiros do Recife e da Paraíba.

Palavras-chave: Ordem Terceira, “capela dourada”, liturgia, arquitetura, artistas.

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AbstractFrei Antônio de Santa Maria Jaboatão, chronicler for the Province of Santo Antônio of Brazil, refers to 1696 and 1704, respectively, as actual dates for the foundation of the chapels of the Third Order of São Francisco at the towns of Recife and Paraíba, present-day João Pessoa. Both chapels were built per-pendicularly to the conventual church nave, at its Gospel side, opening to it through a monumental arch, reproducing a solution used in other Franciscan complexes of North-East Brazil. Robert Smith used the name “golden chapel” to refer to that of the Tertiaries at Recife, due to its wood carving covering whose decorative emphasis dress the entire liturgical space. This was the out-come of various work stages undergone during the first half of the eighteenth century, when the tertiaries at Paraíba also invested in the decoration of their chapel that was never completed, remaining “to be gilded”. The similarity be-tween the two spaces defined the objective of the present paper: a comparative analysis, focusing on the spatial configuration of the chapels and the other parts that compose the built complexes of the tertiaries at Recife and Paraíba.

Keywords: Third Order, “golden chapel”, liturgy, architecture, artists.

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M. CARMEN FOLGAR DE LA CALLE/ENRIQUE FERNÁNDEZ CASTIÑEIRAS

Venerada y Ornada: arquitectura y retablos de la capilla de la Orden Tercera de Santiago de Compostela

ResumoSe aborda el estudio de la capilla que construye en Santiago de Compostela la Tercera Orden Seglar desde su fundación, analizando sus etapas constructi-vas, así como su mobiliario, destacando que en ella intervienen los más afama-dos artistas del barroco gallego.

Palavras-chave: Tercera Orden Seglar, Barroco, Domingo de Andrade, Mi-guel de Romay, Simón Rodríguez.

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AbstractThe study of the chapel that builds in Santiago de Compostela the Tercera Orden Seglar from his foundation, analysing his constructive stages, as well as his furniture, standing out that in her take part the more important artists of the Galician baroque

Keywords: Tercera Orden Seglar, Baroque, Domingo de Andrade, Miguel de Romay, Simón Rodríguez.

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MARIA EDUARDA MARQUES

Rito e Poder: o desfile da procissão das cinzas dos Terceiros se-ráficos e a enlevação da praça do Recife à categoria de vila

ResumoO presente ensaio trata das injunções para a realização da procissão das cinzas da Ordem Terceira franciscana do Recife, em meio aos conflitos políticos que confla-graram a capitania de Pernambuco no início do século XVIII. A movimentação da aparatosa procissão do Recife em 1710, logo após a criação da vila, em cum-primento à carta régia de D. João V, suscitou a reação da “nobreza da terra” de Olinda, golpeada no plano simbólico das representações, em oposição à ascensão dos mercadores do Recife, nas vésperas da chamada “guerra dos mascates”.

Palavras-chave: Recife, procissão das cinzas, mercadores, “nobreza da terra” e guerra dos mascates.

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AbstractThis essay examines the disputes behind the organisation of the Ash Wednes-day procession of the Third Order of the Franciscans of Recife in the midst of the political conflicts that inflamed the captaincy of Pernambuco at the beginning of the 18th century. The sumptuous procession in Recife in 1710, soon after the foundation of the town, following the royal decree of D. João V, provoked a reaction from the landed aristocracy of Olinda. It was seen as a symbolic challenge to their power by the rising merchant class of Recife on the eve of the so-called “War of the Mascates”.

Keywords: Recife, ash wednesday, merchands, landed aristocracy and war of the mascates.

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MOZART ALBERTO BONAZZI DA COSTA

A reconstituição dos retábulos da Capela da Venerável Ordem Terceira Franciscana em São Paulo: um partido com base na tradição entre os anos trinta e noventa do século XX

ResumoEntre os Estados que erigiram templos religiosos no período colonial bra-sileiro, São Paulo é um dos que o fizeram de maneira despojada. Em terras paulistas destaca-se a capela da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, localizada ao lado da igreja da Primeira Ordem Franciscana, no Largo São Francisco, na cidade de São Paulo. Entre 1784 e 1787, o templo foi remode-lado, sendo o novo traço atribuído ao frei-arquiteto António de Sant’Anna Galvão. Após essa ampliação, além de realocar o antigo retábulo-mor, a capela terceira receberia um novo conjunto de retábulos.Entre as décadas de 1930 e 1990, o professor Carlos Teixeira Chaves, do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e seu filho Waldemar Teixeira Chaves, atua-ram nesta capela reconstituindo grande parte dos retábulos de altares, relevos parietais, castiçais, etc. O presente artigo apresenta esse templo e as suas obras de talha, assim como enfoca o partido adotado pelos oficiais para a reconsti-tuição desses originais que se encontram entre as mais importantes realiza-ções de talha dourada, no período colonial, em São Paulo.

Palavras-chave: Talha dourada, Douração, Reconstituição, Barroco em São Paulo, Ordem Terceira Franciscana.

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AbstractAmong the states that erected religious temples in the Brazilian colonial pe-riod, São Paulo is one of those which did it unassumingly. In this state, stand-ing next to the church of the First Franciscan Order, in Largo São Francisco, in São Paulo city, the chapel of the Venerable Third Franciscan Order is para-mount. Between 1784 and 1787, the temple was remodeled, being its new trace attributed to friar-architect Antonio de Sant’Anna Galvão. After this ex-tension, in addition to the relocation of the old main retable, the third chapel would also receive a new set of retables.Between the decades of 1930 and 1990, Professor Carlos Teixeira Chaves, of the Lyceum of Arts and Crafts of São Paulo, and his son Waldemar Teixeira Chaves worked on this chapel reconstituting a great part of the altar retables, wall carvings, candlesticks, etc. The article herein presents this temple and its carving works, as well as the approach used by the officials to reconstitute these originals that figure among the most important works in gilded carving during the colonial period in São Paulo.

Keywords: Gilded carving, Gilding, Reconstitution, Baroque in São Paulo, Third Franciscan Order.

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NATÁLIA MARINHO FERREIRA-ALVES

A Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análise de um esquema devocional

ResumoA Venerável Ordem Terceira de São Francisco do Porto organizava anual-mente uma das procissões penitenciais mais importantes realizadas na cidade. Com efeito, a chamada “imposição das cinzas” no mundo católico dá início à Quaresma, período de preparação interior que conduz a uma reflexão sobre a nossa condição humana na sua efemeridade terrena em contraposição à pro-messa de uma vida eterna apontada pela Ressurreição de Cristo. Vocacionada desde sempre para a prática da penitência, da pobreza e do amor ao próximo apontada por Cristo, e seguido mimeticamente em toda a sua plenitude por São Francisco, a Ordem Franciscana através do seu ramo laico, vai desempe-nhar um papel de suma importância na sociedade da época com a organização da Procissão de Cinza. Os exemplos que iremos analisar neste nosso trabalho vão revelar-nos esquemas devocionais extraordinariamente sugestivos apre-sentados aos fiéis, ao longo do percurso, constituindo a sucessão de andores uma série de propostas edificantes de vivências cristãs.

Palavras-chave: Ordem Terceira de São Francisco, Procissão de Cinza, penitência.

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AbstractThe Venerable Third Order of Saint Francis of Porto organized every year one of the most important penitential processions held in the city. In fact, the so-called “imposition of ashes” in the Catholic World initiates the period of interior preparation that leads to a reflection on our human condition in its earthly frailty in opposition to the promise of eternal life pointed out by the Resurrection of Our Lord Jesus Christ. Since always with a vocation for the practice of penitence, poverty and love towards our fellow-creatures pointed out by Christ, and mimetically followed in all its fullness by Saint Francis, the Franciscan Order through its secular branch, will play a role of the utmost importance in the society of those times with the organization of the Proces-sion of Ashes. The examples that will be considered in our work will reveal us extraordinarily suggestive devotional schemes presented to the Faithful all along the route, being the succession of the Saints a series of edifying propos-als of Christian experiences.

Keywords: Third Order of Saint Francis, Procession of Ashes, penitence.

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Indíce

Introdução

Introduction

Participantes

Alberto Darias PríncipeLa Orden Tercera como motor de la expansión urbana y la renovación de Santa Cruz de Tenerife

Anna Maria Fausto Monteiro de CarvalhoA Capela Primitiva da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro

Cesar Augusto Tovar SilvaA pintura do forro da igreja de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: contribuições para sua análise iconográfica

Eugênio de Ávila LinsO trabalho do Mestre Carpinteiro Gabriel Ribeiro na Ordem Terceira de São Francisco de Salvador

Janaína de Moura Ramalho Araujo AyresAs Pinturas de Forro dos Altares do Transepto da Igreja de São Francisco de Assis de Salvador: uma outra espacialidade

Joaquim Jaime B. Ferreira-AlvesA primeira igreja da Venerável Ordem Terceira de São Francisco no contexto da arquitetura religiosa do Porto da segunda metade do século XVII

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Leonardo EteroO medalhão de Aleijadinho da igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto

Luís Alexandre RodriguesA ação dos padres de Brancanes em Vinhais. O Seminário da Senhora da Encarnação e constituição da Venerável Ordem Terceira da Penitência

Luiz Gustavo GaviãoIgreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência do Rio de Janeiro: a iconografia e o esplendor como poéticas do barroco joanino

Magno Mello Ilusão e engano na decoração do teto da nave da Capela de Ordem Tercei-ra de São Francisco em Ouro Preto (1801): Manuel da Costa Ataíde

Manuel Augusto Lima Engrácia AntunesCapela-mor e assentos fixos – Terceiros Franciscanos no Porto Setecentista. Os bancos de espaldar da “Mesa” na Igreja da Ordem Terceira

Marcelo Almeida OliveiraOs contratos de São Francisco de Assis de Ouro Preto: considerações sobre a qualidade construtiva de seu edifício

Maria Berthilde Moura Filha/Ivan Cavalcanti FilhoUma “Capela Dourada” e outra por dourar”: o caso das Ordens Terceiras do Recife e da Paraíba.

M. Carmen Folgar de la Calle/Enrique Fernández CastiñeirasVenerada y Ornada: arquitectura y retablos de la capilla de la Orden Ter-cera de Santiago de Compostela

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Maria Eduarda MarquesRito e Poder: o desfile da procissão das cinzas dos Terceiros seráficos e a elevação da praça do Recife à categoria de vila

Mozart Alberto Bonazzi da CostaA reconstituição dos retábulos da Capela da Venerável Ordem Terceira Franciscana em São Paulo: um partido com base na tradição entre os anos trinta e noventa do século XX

Natália Marinho Ferreira-AlvesA Procissão de Cinza e a Ordem Terceira de São Francisco do Porto: análi-se de um esquema devocional

Paula Cristina Machado CardonaItinerários estéticos das Ordens Terceiras do Alto-Minho

Conclusões

Conclusions

Sobre os autores

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