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Page 1: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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INSTITUTO BUacuteZIOS Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico ndash OSCIPreconhecida pelo Ministeacuterio da Justiccedila (Processo MJ nordm 080260010142004-04)Endereccedilo Rua Professor Isaiacuteas Alves de Almeida 222 Ed Chapada dos GuimaratildeesSala34B Costa AzulCEP41760-120 Salvador ndash BahiaTelefones 719102-3139 71 3342-4707e-mail buziosinstitutobuziosorgbr

2007Salvador - Bahia

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A luta pela hegemonia uma perspectiva negra

Valdisio Fernandes

RESUMO

O AUTOR propotildee uma estrateacutegia de acumulaccedilatildeo de forccedilas dosnegros e mesticcedilos que conduza a maioria do povo ao poder poliacuteticodo Brasil Descreve esse processo em quatro etapas A primeiradiscorre sobre os conceitos da teoria gramsciana A segunda avaliaos dilemas na interpretaccedilatildeo histoacuterica para a compreensatildeo darealidade do paiacutes A terceira analisa a inserccedilatildeo do negro no sistemaescravista sua resistecircncia e as lutas pela liberdade Na quartaetapa desenvolve os argumentos que justificam a centralidade dadisputa de hegemonia na sociedade civil e o papel definidor doelemento negro na construccedilatildeo de uma nova ordem social

Palavras-chave Hegemonia Negros Sociedade escravistaResistecircncia Classes sociais Movimentos cidadania autonomiaLiberdade e igualdade Poliacuteticas puacuteblicas

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SUMAacuteRIO

PARTE ndash I A LUTA PELA HEGEMONIA

PARTE ndash II A LUTA POR UMA SOCIEDADE SOCIALISTA PLURIEacuteTNICA

PARTE ndash III A SOCIEDADE ESCRAVISTA

1 A Resistecircncia Negra2 A Aboliccedilatildeo

PARTE ndash IV A IGUALDADE - COMO A LIBERDADE - SE CONQUISTA

3 Institucionalidade e Autonomia4 Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate Ao Racismo

FONTES E REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Apresentaccedilatildeo

A discussatildeo presente hoje no movimento negro acerca da definiccedilatildeo de um ProjetoPoliacutetico do Povo Negro para o Brasil tem como ponto de partida a longaexperiecircncia acumulada nas lutas de resistecircncia desde os primeiros quilombosformados na segunda metade do seacuteculo XVI somada agrave produccedilatildeo teoacuterica dosintelectuais e daqueles que se dedicaram a compreender e desvelar a histoacuteria daparticipaccedilatildeo do elemento negro na formaccedilatildeo histoacuterica e econocircmica do Brasil Aelaboraccedilatildeo desse projeto assenta-se em novos paradigmas rompendo com avisatildeo eurocecircntrica de transplantar modos de produccedilatildeo e modelos de sociedadepara o Brasil ainda presente em muitas leituras de nossa histoacuteria

Como contraponto agrave predominacircncia de teorias eurocecircntricas na elaboraccedilatildeo deestrateacutegias para o desenvolvimento da sociedade brasileira alguns intelectuais edirigentes negros tecircm proposto o afrocentrismo como linha de formulaccedilatildeo de umaldquonova teoria negrardquo Creio que tal processo de gestaccedilatildeo teoacuterica recusando-se aaceitar o desenvolvimento dialeacutetico e universal das ciecircncias e do conhecimentotraz em seu acircmago a autolimitaccedilatildeo no curso da elaboraccedilatildeo proposta

A concepccedilatildeo da via estrateacutegica para a emancipaccedilatildeo do povo negro que apresentoaqui tem como principais referecircncias as identidades ou aproximaccedilotildees que tenhocom o pensamento poliacutetico entre outros autores de Antonio Gramsci JacobGorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre ostemas mencionados

Compreendendo como base da interpretaccedilatildeo da realidade brasileira o estudo dasforccedilas sociais produtivas na formaccedilatildeo do paiacutes e do papel central entre estasdesempenhado pela ldquoraccedila negrardquo entendo que a teoria gramsciana correspondeagraves necessidades da luta do povo negro pela hegemonia cultural e poliacutetica quepossibilite a construccedilatildeo de uma sociedade multieacutetnica e igualitaacuteria

Faccedilo tambeacutem uma avaliaccedilatildeo sobre o movimento negro brasileiro os avanccedilossignificativos na obtenccedilatildeo de direitos de espaccedilos poliacuteticos institucionaisConstatando o crescente desenvolvimento da ldquoconsciecircncia racialrdquo e damobilizaccedilatildeo dos negros e mesticcedilos pela cidadania plena enfatizo que esseprocesso tem acentuado a necessidade de maior definiccedilatildeo ideoloacutegica dos diversossegmentos que compotildeem o movimento como decorrecircncia do seu proacuteprioamadurecimento A formulaccedilatildeo de respostas sobre a relaccedilatildeo que devemosestabelecer com o Estado os governos e os partidos poliacuteticos tambeacutem eacute aquidiscutida

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A luta pela hegemonia

Antonio Gramsci1891-1937

O Estado sempre expressa e representa a dominaccedilatildeo poliacutetica-ideoloacutegica de uma classesobre outras Na sociedade brasileira representa os interesses da burguesiaassegurando a manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo do sistema econocircmico capitalista a hegemoniado capital

Gramsci compreende o Estado como incluindo a sociedade civil definindo-o assim

ldquoA noccedilatildeo geral de Estado inclui elementos que precisam ser relacionados agrave noccedilatildeode sociedade civil o Estado = sociedade poliacutetica + sociedade civil em outraspalavras hegemonia coberta com a armadura da coerccedilatildeordquo1

Enquanto em Marx o momento da sociedade civil coincide com a base material(contraposta agrave superestrutura onde estatildeo as ideologias e as instituiccedilotildees) para Gramsci omomento da sociedade civil eacute superestrutural

Nas superestruturas da sociedade satildeo identificados dois grandes niacuteveis ndash o que devemoschamar de niacutevel da ldquosociedade civilrdquo quer dizer o conjunto dos organismos comumentechamados ldquoprivadosrdquo como igrejas escolas sindicatos associaccedilotildees etc O outro eacute o daldquosociedade poliacuteticardquo ou do Estado aparelho coercitivo que assegura a conformidade dasmassas populares ao tipo de produccedilatildeo ou de economia em um momento determinadoObviamente essa natildeo eacute uma distinccedilatildeo orgacircnica mas sim metoacutedica Esses dois niacuteveiscorrespondem de um lado agrave funccedilatildeo de ldquohegemoniardquo que grupos dominantes exercemsobre a sociedade e de outro agravequela de ldquodominaccedilatildeo diretardquo ou de comando que seexprime no Estado e no governo ldquojuriacutedicordquo2

Em Gramsci entre a estrutura econocircmica e o Estado com sua legislaccedilatildeo e coerccedilatildeo tem-se a ldquosociedade civilrdquo Ela faz parte do Estado em sentido amplo jaacute que nela observam-seevidentes relaccedilotildees de poder A ldquosociedade civilrdquo eacute o loacutecus fundamental de formaccedilatildeo edifusatildeo da hegemonia Egrave o centro nevraacutelgico onde as classes lutam para conquistar

1 GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol II Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeode Carlos Nelson CoutinhoGRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol III Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeo deCarlos Nelson Coutinho

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direccedilatildeo poliacutetica capacitando-se e acumulando forccedilas para a conquista e o exerciacutecio dopoder

Na sociedade civil surgem e se desenvolvem os conflitos econocircmicos sociais culturaisreligiosos e ideoloacutegicos Eacute onde formam-se as demandas dirigidas ao sistema poliacuteticoque precisa respondecirc-las Os sujeitos desses conflitos satildeo as classes sociais atraveacutes devaacuterias formas de associaccedilatildeo que os indiviacuteduos fazem entre si manifestando seusinteresses por meio de organizaccedilotildees e movimentos diversos A incapacidade dasinstituiccedilotildees de dar respostas e a impossibilidade do Estado de atendecirc-las ndash por limitaccedilotildeeseconocircmico-financeiras ou de ordem poliacutetico-ideoloacutegicas de preservaccedilatildeo dos interessesdas classes dominantes ndash pode conduzir agrave crise de governabilidade e a continuidadedesta gerar uma crise de legitimidade A crise do Estado eacute resultante de uma crise dehegemonia uma quebra na aptidatildeo das classes dominantes de manter a direccedilatildeo poliacutetica

As ideologias disseminadas se tornam ldquopartidosrdquo entram em conflito e em confrontaccedilatildeoateacute que pelo menos uma delas ou pelo menos uma uacutenica combinaccedilatildeo delas tende aprevalecer a se impor se propagando por toda a sociedade civil Ela determina assimnatildeo somente a unicidade dos fins econocircmicos e poliacuteticos mas tambeacutem a unidadeintelectual e moral colocando todas as questotildees sobre as quais se intensifica a luta natildeono plano corporativo mas num plano universal criando assim a hegemonia de umaclasse social sobre uma seacuterie de classes subordinadas3

Engels afirma nas cartas sobre a filosofia da praacutexis que a economia eacute somente em uacuteltimaanaacutelise a mola da histoacuteria Eacute no terreno das ideologias que os homens se tornamconscientes dos conflitos que se verificam no mundo econocircmico

O nuacutecleo central do poder deve por isso ser procurado no seio da sociedade civilSobretudo no controle capitalista dos meios de comunicaccedilatildeo (imprensa raacutedio TVpublicidade etc) baseado no controle dos meios de produccedilatildeo A nova miacutedia eletrocircnicatem um peso inegaacutevel na formaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica na construccedilatildeo da cultura que estaacutena base das relaccedilotildees de hegemonia Em uma variante mais sofisticada a real persuasatildeoda aceitaccedilatildeo voluntaacuteria do capitalismo ocorre nem tanto atraveacutes da doutrinaccedilatildeo ideoloacutegicapelos meios de comunicaccedilatildeo mas atraveacutes da difusatildeo invisiacutevel do fetichismo damercadoria pelo trabalho ou pelos haacutebitos de submissatildeo inculcados pelas rotinas detrabalho nas faacutebricas e escritoacuterios Ainda que a ecircnfase principal seja colocada no efeito doaparato cultural ou econocircmico a conclusatildeo analiacutetica eacute a mesma

Eacute agrave rede estrateacutegica da sociedade civil que se atribui a manutenccedilatildeo da hegemoniacapitalista em uma democracia poliacutetica em que as instituiccedilotildees estatais natildeo excluem oureprimem diretamente as massas Contudo as condiccedilotildees normais de subordinaccedilatildeoideoloacutegica das massas ndash a rotina diaacuteria da democracia burguesa ndash satildeo elas proacutepriasconstituiacutedas por uma forccedila silenciosa e ausente que lhes daacute o seu valor o monopoacutelio daviolecircncia legitimada pelo Estado Desprovido dessa forccedila o sistema de controle culturalseria instantaneamente fragilizado caso os limites das accedilotildees possiacuteveis contra eledesaparecessem4

3 Idem4 ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAs Antinomias de GramscirdquoSatildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

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ldquoGramsci atribuiacutea agrave cultura agrave superestrutura uma dimensatildeo poliacutetica que foi subestimadapelo marxismo ortodoxo ndash muito preso ao determinismo econocircmico Compreendeu evalorizou a cultura e seu papel natildeo soacute na transformaccedilatildeo da sociedade mas tambeacutem naconservaccedilatildeo Essa valorizaccedilatildeo eacute um dos momentos constitutivos do seu conceito dehegemonia Em Gramsci hegemonia natildeo eacute apenas direccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem culturalisto eacute obtenccedilatildeo de convencimento consenso para um universo de valores de normasmorais de regras de condutardquo5

A existecircncia da hegemonia pressupotildee indubitavelmente que se deve levar em conta osinteresses e tendecircncias dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercerMas natildeo haacute duacutevida alguma que apesar da hegemonia ser eacutetico-poliacutetica ela deve sertambeacutem econocircmica deve necessariamente estar baseada na funccedilatildeo decisiva exercidapelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econocircmica

Em uma democracia burguesa o Estado constitui apenas a trincheira avanccedilada dasociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante que pode resistir a suadestruiccedilatildeo A sociedade civil se torna o nuacutecleo central ou a casamata da qual o Estado eacuteapenas a superfiacutecie externa

O proletariado ndash entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoraspauperizadas e os excluiacutedos do mercado de trabalho formal - se torna uma classerevolucionaacuteria na medida em que natildeo se restringe aos quadros de um corporativismoestreito e atua em todas as manifestaccedilotildees e em todos os domiacutenios da vida social comoum dirigente do conjunto da populaccedilatildeo trabalhadora e explorada

A tarefa principal dos militantes socialistas ndash na realidade poliacutetica atual - natildeo eacute a decombater um Estado armado mas converter ideologicamente o proletariado para libertaacute-lodas mistificaccedilotildees capitalistas ndash afirmar a identidade de classe a ideologia socialistadesenvolvendo o acuacutemulo de poder a partir da formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica Nocurso da ldquoGuerra de Posiccedilatildeordquo devemos conquistar espaccedilos poliacuteticos orgacircnicos nasociedade civil e criar novos organismos com o avanccedilar da luta poliacutetica Aliar as energiasque vecircm ldquode baixordquo dos setores da sociedade civil organizada aos paracircmetrosestrateacutegicos da construccedilatildeo do socialismo em nosso paiacutes

O exerciacutecio normal da hegemonia eacute caracterizado por uma combinaccedilatildeo de forccedila econsentimento A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilizaccedilatildeoda forccedila (convencimento + forccedila) possibilita a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e daideologia dominante A forccedila pode ser empregada contra os inimigos mas natildeo contra aparte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e oentusiasmo6

Assim haacute necessidade de ldquoabsorverrdquo as forccedilas sociais aliadas estabelecendocompromissos com a finalidade de criar um bloco histoacuterico poliacutetico-econocircmico homogecircneosem contradiccedilotildees internas capaz de desenvolver em um segundo momento a ldquoGuerra deMovimentordquo efetivando a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e da ideologia dominante Comisto Gramsci contrapotildee a ldquohegemonia do proletariadordquo agrave foacutermula da ldquoditadura doproletariadordquo refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionaacuteria russa

5 COUTINHO Carlos Nelson Entrevista agrave Folha de Satildeo Paulo caderno ldquoMaisrdquo 211119996 GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

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BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

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MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

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REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

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SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 2: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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INSTITUTO BUacuteZIOS Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico ndash OSCIPreconhecida pelo Ministeacuterio da Justiccedila (Processo MJ nordm 080260010142004-04)Endereccedilo Rua Professor Isaiacuteas Alves de Almeida 222 Ed Chapada dos GuimaratildeesSala34B Costa AzulCEP41760-120 Salvador ndash BahiaTelefones 719102-3139 71 3342-4707e-mail buziosinstitutobuziosorgbr

2007Salvador - Bahia

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A luta pela hegemonia uma perspectiva negra

Valdisio Fernandes

RESUMO

O AUTOR propotildee uma estrateacutegia de acumulaccedilatildeo de forccedilas dosnegros e mesticcedilos que conduza a maioria do povo ao poder poliacuteticodo Brasil Descreve esse processo em quatro etapas A primeiradiscorre sobre os conceitos da teoria gramsciana A segunda avaliaos dilemas na interpretaccedilatildeo histoacuterica para a compreensatildeo darealidade do paiacutes A terceira analisa a inserccedilatildeo do negro no sistemaescravista sua resistecircncia e as lutas pela liberdade Na quartaetapa desenvolve os argumentos que justificam a centralidade dadisputa de hegemonia na sociedade civil e o papel definidor doelemento negro na construccedilatildeo de uma nova ordem social

Palavras-chave Hegemonia Negros Sociedade escravistaResistecircncia Classes sociais Movimentos cidadania autonomiaLiberdade e igualdade Poliacuteticas puacuteblicas

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SUMAacuteRIO

PARTE ndash I A LUTA PELA HEGEMONIA

PARTE ndash II A LUTA POR UMA SOCIEDADE SOCIALISTA PLURIEacuteTNICA

PARTE ndash III A SOCIEDADE ESCRAVISTA

1 A Resistecircncia Negra2 A Aboliccedilatildeo

PARTE ndash IV A IGUALDADE - COMO A LIBERDADE - SE CONQUISTA

3 Institucionalidade e Autonomia4 Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate Ao Racismo

FONTES E REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Apresentaccedilatildeo

A discussatildeo presente hoje no movimento negro acerca da definiccedilatildeo de um ProjetoPoliacutetico do Povo Negro para o Brasil tem como ponto de partida a longaexperiecircncia acumulada nas lutas de resistecircncia desde os primeiros quilombosformados na segunda metade do seacuteculo XVI somada agrave produccedilatildeo teoacuterica dosintelectuais e daqueles que se dedicaram a compreender e desvelar a histoacuteria daparticipaccedilatildeo do elemento negro na formaccedilatildeo histoacuterica e econocircmica do Brasil Aelaboraccedilatildeo desse projeto assenta-se em novos paradigmas rompendo com avisatildeo eurocecircntrica de transplantar modos de produccedilatildeo e modelos de sociedadepara o Brasil ainda presente em muitas leituras de nossa histoacuteria

Como contraponto agrave predominacircncia de teorias eurocecircntricas na elaboraccedilatildeo deestrateacutegias para o desenvolvimento da sociedade brasileira alguns intelectuais edirigentes negros tecircm proposto o afrocentrismo como linha de formulaccedilatildeo de umaldquonova teoria negrardquo Creio que tal processo de gestaccedilatildeo teoacuterica recusando-se aaceitar o desenvolvimento dialeacutetico e universal das ciecircncias e do conhecimentotraz em seu acircmago a autolimitaccedilatildeo no curso da elaboraccedilatildeo proposta

A concepccedilatildeo da via estrateacutegica para a emancipaccedilatildeo do povo negro que apresentoaqui tem como principais referecircncias as identidades ou aproximaccedilotildees que tenhocom o pensamento poliacutetico entre outros autores de Antonio Gramsci JacobGorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre ostemas mencionados

Compreendendo como base da interpretaccedilatildeo da realidade brasileira o estudo dasforccedilas sociais produtivas na formaccedilatildeo do paiacutes e do papel central entre estasdesempenhado pela ldquoraccedila negrardquo entendo que a teoria gramsciana correspondeagraves necessidades da luta do povo negro pela hegemonia cultural e poliacutetica quepossibilite a construccedilatildeo de uma sociedade multieacutetnica e igualitaacuteria

Faccedilo tambeacutem uma avaliaccedilatildeo sobre o movimento negro brasileiro os avanccedilossignificativos na obtenccedilatildeo de direitos de espaccedilos poliacuteticos institucionaisConstatando o crescente desenvolvimento da ldquoconsciecircncia racialrdquo e damobilizaccedilatildeo dos negros e mesticcedilos pela cidadania plena enfatizo que esseprocesso tem acentuado a necessidade de maior definiccedilatildeo ideoloacutegica dos diversossegmentos que compotildeem o movimento como decorrecircncia do seu proacuteprioamadurecimento A formulaccedilatildeo de respostas sobre a relaccedilatildeo que devemosestabelecer com o Estado os governos e os partidos poliacuteticos tambeacutem eacute aquidiscutida

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A luta pela hegemonia

Antonio Gramsci1891-1937

O Estado sempre expressa e representa a dominaccedilatildeo poliacutetica-ideoloacutegica de uma classesobre outras Na sociedade brasileira representa os interesses da burguesiaassegurando a manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo do sistema econocircmico capitalista a hegemoniado capital

Gramsci compreende o Estado como incluindo a sociedade civil definindo-o assim

ldquoA noccedilatildeo geral de Estado inclui elementos que precisam ser relacionados agrave noccedilatildeode sociedade civil o Estado = sociedade poliacutetica + sociedade civil em outraspalavras hegemonia coberta com a armadura da coerccedilatildeordquo1

Enquanto em Marx o momento da sociedade civil coincide com a base material(contraposta agrave superestrutura onde estatildeo as ideologias e as instituiccedilotildees) para Gramsci omomento da sociedade civil eacute superestrutural

Nas superestruturas da sociedade satildeo identificados dois grandes niacuteveis ndash o que devemoschamar de niacutevel da ldquosociedade civilrdquo quer dizer o conjunto dos organismos comumentechamados ldquoprivadosrdquo como igrejas escolas sindicatos associaccedilotildees etc O outro eacute o daldquosociedade poliacuteticardquo ou do Estado aparelho coercitivo que assegura a conformidade dasmassas populares ao tipo de produccedilatildeo ou de economia em um momento determinadoObviamente essa natildeo eacute uma distinccedilatildeo orgacircnica mas sim metoacutedica Esses dois niacuteveiscorrespondem de um lado agrave funccedilatildeo de ldquohegemoniardquo que grupos dominantes exercemsobre a sociedade e de outro agravequela de ldquodominaccedilatildeo diretardquo ou de comando que seexprime no Estado e no governo ldquojuriacutedicordquo2

Em Gramsci entre a estrutura econocircmica e o Estado com sua legislaccedilatildeo e coerccedilatildeo tem-se a ldquosociedade civilrdquo Ela faz parte do Estado em sentido amplo jaacute que nela observam-seevidentes relaccedilotildees de poder A ldquosociedade civilrdquo eacute o loacutecus fundamental de formaccedilatildeo edifusatildeo da hegemonia Egrave o centro nevraacutelgico onde as classes lutam para conquistar

1 GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol II Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeode Carlos Nelson CoutinhoGRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol III Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeo deCarlos Nelson Coutinho

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direccedilatildeo poliacutetica capacitando-se e acumulando forccedilas para a conquista e o exerciacutecio dopoder

Na sociedade civil surgem e se desenvolvem os conflitos econocircmicos sociais culturaisreligiosos e ideoloacutegicos Eacute onde formam-se as demandas dirigidas ao sistema poliacuteticoque precisa respondecirc-las Os sujeitos desses conflitos satildeo as classes sociais atraveacutes devaacuterias formas de associaccedilatildeo que os indiviacuteduos fazem entre si manifestando seusinteresses por meio de organizaccedilotildees e movimentos diversos A incapacidade dasinstituiccedilotildees de dar respostas e a impossibilidade do Estado de atendecirc-las ndash por limitaccedilotildeeseconocircmico-financeiras ou de ordem poliacutetico-ideoloacutegicas de preservaccedilatildeo dos interessesdas classes dominantes ndash pode conduzir agrave crise de governabilidade e a continuidadedesta gerar uma crise de legitimidade A crise do Estado eacute resultante de uma crise dehegemonia uma quebra na aptidatildeo das classes dominantes de manter a direccedilatildeo poliacutetica

As ideologias disseminadas se tornam ldquopartidosrdquo entram em conflito e em confrontaccedilatildeoateacute que pelo menos uma delas ou pelo menos uma uacutenica combinaccedilatildeo delas tende aprevalecer a se impor se propagando por toda a sociedade civil Ela determina assimnatildeo somente a unicidade dos fins econocircmicos e poliacuteticos mas tambeacutem a unidadeintelectual e moral colocando todas as questotildees sobre as quais se intensifica a luta natildeono plano corporativo mas num plano universal criando assim a hegemonia de umaclasse social sobre uma seacuterie de classes subordinadas3

Engels afirma nas cartas sobre a filosofia da praacutexis que a economia eacute somente em uacuteltimaanaacutelise a mola da histoacuteria Eacute no terreno das ideologias que os homens se tornamconscientes dos conflitos que se verificam no mundo econocircmico

O nuacutecleo central do poder deve por isso ser procurado no seio da sociedade civilSobretudo no controle capitalista dos meios de comunicaccedilatildeo (imprensa raacutedio TVpublicidade etc) baseado no controle dos meios de produccedilatildeo A nova miacutedia eletrocircnicatem um peso inegaacutevel na formaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica na construccedilatildeo da cultura que estaacutena base das relaccedilotildees de hegemonia Em uma variante mais sofisticada a real persuasatildeoda aceitaccedilatildeo voluntaacuteria do capitalismo ocorre nem tanto atraveacutes da doutrinaccedilatildeo ideoloacutegicapelos meios de comunicaccedilatildeo mas atraveacutes da difusatildeo invisiacutevel do fetichismo damercadoria pelo trabalho ou pelos haacutebitos de submissatildeo inculcados pelas rotinas detrabalho nas faacutebricas e escritoacuterios Ainda que a ecircnfase principal seja colocada no efeito doaparato cultural ou econocircmico a conclusatildeo analiacutetica eacute a mesma

Eacute agrave rede estrateacutegica da sociedade civil que se atribui a manutenccedilatildeo da hegemoniacapitalista em uma democracia poliacutetica em que as instituiccedilotildees estatais natildeo excluem oureprimem diretamente as massas Contudo as condiccedilotildees normais de subordinaccedilatildeoideoloacutegica das massas ndash a rotina diaacuteria da democracia burguesa ndash satildeo elas proacutepriasconstituiacutedas por uma forccedila silenciosa e ausente que lhes daacute o seu valor o monopoacutelio daviolecircncia legitimada pelo Estado Desprovido dessa forccedila o sistema de controle culturalseria instantaneamente fragilizado caso os limites das accedilotildees possiacuteveis contra eledesaparecessem4

3 Idem4 ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAs Antinomias de GramscirdquoSatildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

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ldquoGramsci atribuiacutea agrave cultura agrave superestrutura uma dimensatildeo poliacutetica que foi subestimadapelo marxismo ortodoxo ndash muito preso ao determinismo econocircmico Compreendeu evalorizou a cultura e seu papel natildeo soacute na transformaccedilatildeo da sociedade mas tambeacutem naconservaccedilatildeo Essa valorizaccedilatildeo eacute um dos momentos constitutivos do seu conceito dehegemonia Em Gramsci hegemonia natildeo eacute apenas direccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem culturalisto eacute obtenccedilatildeo de convencimento consenso para um universo de valores de normasmorais de regras de condutardquo5

A existecircncia da hegemonia pressupotildee indubitavelmente que se deve levar em conta osinteresses e tendecircncias dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercerMas natildeo haacute duacutevida alguma que apesar da hegemonia ser eacutetico-poliacutetica ela deve sertambeacutem econocircmica deve necessariamente estar baseada na funccedilatildeo decisiva exercidapelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econocircmica

Em uma democracia burguesa o Estado constitui apenas a trincheira avanccedilada dasociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante que pode resistir a suadestruiccedilatildeo A sociedade civil se torna o nuacutecleo central ou a casamata da qual o Estado eacuteapenas a superfiacutecie externa

O proletariado ndash entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoraspauperizadas e os excluiacutedos do mercado de trabalho formal - se torna uma classerevolucionaacuteria na medida em que natildeo se restringe aos quadros de um corporativismoestreito e atua em todas as manifestaccedilotildees e em todos os domiacutenios da vida social comoum dirigente do conjunto da populaccedilatildeo trabalhadora e explorada

A tarefa principal dos militantes socialistas ndash na realidade poliacutetica atual - natildeo eacute a decombater um Estado armado mas converter ideologicamente o proletariado para libertaacute-lodas mistificaccedilotildees capitalistas ndash afirmar a identidade de classe a ideologia socialistadesenvolvendo o acuacutemulo de poder a partir da formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica Nocurso da ldquoGuerra de Posiccedilatildeordquo devemos conquistar espaccedilos poliacuteticos orgacircnicos nasociedade civil e criar novos organismos com o avanccedilar da luta poliacutetica Aliar as energiasque vecircm ldquode baixordquo dos setores da sociedade civil organizada aos paracircmetrosestrateacutegicos da construccedilatildeo do socialismo em nosso paiacutes

O exerciacutecio normal da hegemonia eacute caracterizado por uma combinaccedilatildeo de forccedila econsentimento A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilizaccedilatildeoda forccedila (convencimento + forccedila) possibilita a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e daideologia dominante A forccedila pode ser empregada contra os inimigos mas natildeo contra aparte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e oentusiasmo6

Assim haacute necessidade de ldquoabsorverrdquo as forccedilas sociais aliadas estabelecendocompromissos com a finalidade de criar um bloco histoacuterico poliacutetico-econocircmico homogecircneosem contradiccedilotildees internas capaz de desenvolver em um segundo momento a ldquoGuerra deMovimentordquo efetivando a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e da ideologia dominante Comisto Gramsci contrapotildee a ldquohegemonia do proletariadordquo agrave foacutermula da ldquoditadura doproletariadordquo refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionaacuteria russa

5 COUTINHO Carlos Nelson Entrevista agrave Folha de Satildeo Paulo caderno ldquoMaisrdquo 211119996 GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 3: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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A luta pela hegemonia uma perspectiva negra

Valdisio Fernandes

RESUMO

O AUTOR propotildee uma estrateacutegia de acumulaccedilatildeo de forccedilas dosnegros e mesticcedilos que conduza a maioria do povo ao poder poliacuteticodo Brasil Descreve esse processo em quatro etapas A primeiradiscorre sobre os conceitos da teoria gramsciana A segunda avaliaos dilemas na interpretaccedilatildeo histoacuterica para a compreensatildeo darealidade do paiacutes A terceira analisa a inserccedilatildeo do negro no sistemaescravista sua resistecircncia e as lutas pela liberdade Na quartaetapa desenvolve os argumentos que justificam a centralidade dadisputa de hegemonia na sociedade civil e o papel definidor doelemento negro na construccedilatildeo de uma nova ordem social

Palavras-chave Hegemonia Negros Sociedade escravistaResistecircncia Classes sociais Movimentos cidadania autonomiaLiberdade e igualdade Poliacuteticas puacuteblicas

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SUMAacuteRIO

PARTE ndash I A LUTA PELA HEGEMONIA

PARTE ndash II A LUTA POR UMA SOCIEDADE SOCIALISTA PLURIEacuteTNICA

PARTE ndash III A SOCIEDADE ESCRAVISTA

1 A Resistecircncia Negra2 A Aboliccedilatildeo

PARTE ndash IV A IGUALDADE - COMO A LIBERDADE - SE CONQUISTA

3 Institucionalidade e Autonomia4 Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate Ao Racismo

FONTES E REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Apresentaccedilatildeo

A discussatildeo presente hoje no movimento negro acerca da definiccedilatildeo de um ProjetoPoliacutetico do Povo Negro para o Brasil tem como ponto de partida a longaexperiecircncia acumulada nas lutas de resistecircncia desde os primeiros quilombosformados na segunda metade do seacuteculo XVI somada agrave produccedilatildeo teoacuterica dosintelectuais e daqueles que se dedicaram a compreender e desvelar a histoacuteria daparticipaccedilatildeo do elemento negro na formaccedilatildeo histoacuterica e econocircmica do Brasil Aelaboraccedilatildeo desse projeto assenta-se em novos paradigmas rompendo com avisatildeo eurocecircntrica de transplantar modos de produccedilatildeo e modelos de sociedadepara o Brasil ainda presente em muitas leituras de nossa histoacuteria

Como contraponto agrave predominacircncia de teorias eurocecircntricas na elaboraccedilatildeo deestrateacutegias para o desenvolvimento da sociedade brasileira alguns intelectuais edirigentes negros tecircm proposto o afrocentrismo como linha de formulaccedilatildeo de umaldquonova teoria negrardquo Creio que tal processo de gestaccedilatildeo teoacuterica recusando-se aaceitar o desenvolvimento dialeacutetico e universal das ciecircncias e do conhecimentotraz em seu acircmago a autolimitaccedilatildeo no curso da elaboraccedilatildeo proposta

A concepccedilatildeo da via estrateacutegica para a emancipaccedilatildeo do povo negro que apresentoaqui tem como principais referecircncias as identidades ou aproximaccedilotildees que tenhocom o pensamento poliacutetico entre outros autores de Antonio Gramsci JacobGorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre ostemas mencionados

Compreendendo como base da interpretaccedilatildeo da realidade brasileira o estudo dasforccedilas sociais produtivas na formaccedilatildeo do paiacutes e do papel central entre estasdesempenhado pela ldquoraccedila negrardquo entendo que a teoria gramsciana correspondeagraves necessidades da luta do povo negro pela hegemonia cultural e poliacutetica quepossibilite a construccedilatildeo de uma sociedade multieacutetnica e igualitaacuteria

Faccedilo tambeacutem uma avaliaccedilatildeo sobre o movimento negro brasileiro os avanccedilossignificativos na obtenccedilatildeo de direitos de espaccedilos poliacuteticos institucionaisConstatando o crescente desenvolvimento da ldquoconsciecircncia racialrdquo e damobilizaccedilatildeo dos negros e mesticcedilos pela cidadania plena enfatizo que esseprocesso tem acentuado a necessidade de maior definiccedilatildeo ideoloacutegica dos diversossegmentos que compotildeem o movimento como decorrecircncia do seu proacuteprioamadurecimento A formulaccedilatildeo de respostas sobre a relaccedilatildeo que devemosestabelecer com o Estado os governos e os partidos poliacuteticos tambeacutem eacute aquidiscutida

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A luta pela hegemonia

Antonio Gramsci1891-1937

O Estado sempre expressa e representa a dominaccedilatildeo poliacutetica-ideoloacutegica de uma classesobre outras Na sociedade brasileira representa os interesses da burguesiaassegurando a manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo do sistema econocircmico capitalista a hegemoniado capital

Gramsci compreende o Estado como incluindo a sociedade civil definindo-o assim

ldquoA noccedilatildeo geral de Estado inclui elementos que precisam ser relacionados agrave noccedilatildeode sociedade civil o Estado = sociedade poliacutetica + sociedade civil em outraspalavras hegemonia coberta com a armadura da coerccedilatildeordquo1

Enquanto em Marx o momento da sociedade civil coincide com a base material(contraposta agrave superestrutura onde estatildeo as ideologias e as instituiccedilotildees) para Gramsci omomento da sociedade civil eacute superestrutural

Nas superestruturas da sociedade satildeo identificados dois grandes niacuteveis ndash o que devemoschamar de niacutevel da ldquosociedade civilrdquo quer dizer o conjunto dos organismos comumentechamados ldquoprivadosrdquo como igrejas escolas sindicatos associaccedilotildees etc O outro eacute o daldquosociedade poliacuteticardquo ou do Estado aparelho coercitivo que assegura a conformidade dasmassas populares ao tipo de produccedilatildeo ou de economia em um momento determinadoObviamente essa natildeo eacute uma distinccedilatildeo orgacircnica mas sim metoacutedica Esses dois niacuteveiscorrespondem de um lado agrave funccedilatildeo de ldquohegemoniardquo que grupos dominantes exercemsobre a sociedade e de outro agravequela de ldquodominaccedilatildeo diretardquo ou de comando que seexprime no Estado e no governo ldquojuriacutedicordquo2

Em Gramsci entre a estrutura econocircmica e o Estado com sua legislaccedilatildeo e coerccedilatildeo tem-se a ldquosociedade civilrdquo Ela faz parte do Estado em sentido amplo jaacute que nela observam-seevidentes relaccedilotildees de poder A ldquosociedade civilrdquo eacute o loacutecus fundamental de formaccedilatildeo edifusatildeo da hegemonia Egrave o centro nevraacutelgico onde as classes lutam para conquistar

1 GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol II Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeode Carlos Nelson CoutinhoGRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol III Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeo deCarlos Nelson Coutinho

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direccedilatildeo poliacutetica capacitando-se e acumulando forccedilas para a conquista e o exerciacutecio dopoder

Na sociedade civil surgem e se desenvolvem os conflitos econocircmicos sociais culturaisreligiosos e ideoloacutegicos Eacute onde formam-se as demandas dirigidas ao sistema poliacuteticoque precisa respondecirc-las Os sujeitos desses conflitos satildeo as classes sociais atraveacutes devaacuterias formas de associaccedilatildeo que os indiviacuteduos fazem entre si manifestando seusinteresses por meio de organizaccedilotildees e movimentos diversos A incapacidade dasinstituiccedilotildees de dar respostas e a impossibilidade do Estado de atendecirc-las ndash por limitaccedilotildeeseconocircmico-financeiras ou de ordem poliacutetico-ideoloacutegicas de preservaccedilatildeo dos interessesdas classes dominantes ndash pode conduzir agrave crise de governabilidade e a continuidadedesta gerar uma crise de legitimidade A crise do Estado eacute resultante de uma crise dehegemonia uma quebra na aptidatildeo das classes dominantes de manter a direccedilatildeo poliacutetica

As ideologias disseminadas se tornam ldquopartidosrdquo entram em conflito e em confrontaccedilatildeoateacute que pelo menos uma delas ou pelo menos uma uacutenica combinaccedilatildeo delas tende aprevalecer a se impor se propagando por toda a sociedade civil Ela determina assimnatildeo somente a unicidade dos fins econocircmicos e poliacuteticos mas tambeacutem a unidadeintelectual e moral colocando todas as questotildees sobre as quais se intensifica a luta natildeono plano corporativo mas num plano universal criando assim a hegemonia de umaclasse social sobre uma seacuterie de classes subordinadas3

Engels afirma nas cartas sobre a filosofia da praacutexis que a economia eacute somente em uacuteltimaanaacutelise a mola da histoacuteria Eacute no terreno das ideologias que os homens se tornamconscientes dos conflitos que se verificam no mundo econocircmico

O nuacutecleo central do poder deve por isso ser procurado no seio da sociedade civilSobretudo no controle capitalista dos meios de comunicaccedilatildeo (imprensa raacutedio TVpublicidade etc) baseado no controle dos meios de produccedilatildeo A nova miacutedia eletrocircnicatem um peso inegaacutevel na formaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica na construccedilatildeo da cultura que estaacutena base das relaccedilotildees de hegemonia Em uma variante mais sofisticada a real persuasatildeoda aceitaccedilatildeo voluntaacuteria do capitalismo ocorre nem tanto atraveacutes da doutrinaccedilatildeo ideoloacutegicapelos meios de comunicaccedilatildeo mas atraveacutes da difusatildeo invisiacutevel do fetichismo damercadoria pelo trabalho ou pelos haacutebitos de submissatildeo inculcados pelas rotinas detrabalho nas faacutebricas e escritoacuterios Ainda que a ecircnfase principal seja colocada no efeito doaparato cultural ou econocircmico a conclusatildeo analiacutetica eacute a mesma

Eacute agrave rede estrateacutegica da sociedade civil que se atribui a manutenccedilatildeo da hegemoniacapitalista em uma democracia poliacutetica em que as instituiccedilotildees estatais natildeo excluem oureprimem diretamente as massas Contudo as condiccedilotildees normais de subordinaccedilatildeoideoloacutegica das massas ndash a rotina diaacuteria da democracia burguesa ndash satildeo elas proacutepriasconstituiacutedas por uma forccedila silenciosa e ausente que lhes daacute o seu valor o monopoacutelio daviolecircncia legitimada pelo Estado Desprovido dessa forccedila o sistema de controle culturalseria instantaneamente fragilizado caso os limites das accedilotildees possiacuteveis contra eledesaparecessem4

3 Idem4 ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAs Antinomias de GramscirdquoSatildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

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ldquoGramsci atribuiacutea agrave cultura agrave superestrutura uma dimensatildeo poliacutetica que foi subestimadapelo marxismo ortodoxo ndash muito preso ao determinismo econocircmico Compreendeu evalorizou a cultura e seu papel natildeo soacute na transformaccedilatildeo da sociedade mas tambeacutem naconservaccedilatildeo Essa valorizaccedilatildeo eacute um dos momentos constitutivos do seu conceito dehegemonia Em Gramsci hegemonia natildeo eacute apenas direccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem culturalisto eacute obtenccedilatildeo de convencimento consenso para um universo de valores de normasmorais de regras de condutardquo5

A existecircncia da hegemonia pressupotildee indubitavelmente que se deve levar em conta osinteresses e tendecircncias dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercerMas natildeo haacute duacutevida alguma que apesar da hegemonia ser eacutetico-poliacutetica ela deve sertambeacutem econocircmica deve necessariamente estar baseada na funccedilatildeo decisiva exercidapelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econocircmica

Em uma democracia burguesa o Estado constitui apenas a trincheira avanccedilada dasociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante que pode resistir a suadestruiccedilatildeo A sociedade civil se torna o nuacutecleo central ou a casamata da qual o Estado eacuteapenas a superfiacutecie externa

O proletariado ndash entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoraspauperizadas e os excluiacutedos do mercado de trabalho formal - se torna uma classerevolucionaacuteria na medida em que natildeo se restringe aos quadros de um corporativismoestreito e atua em todas as manifestaccedilotildees e em todos os domiacutenios da vida social comoum dirigente do conjunto da populaccedilatildeo trabalhadora e explorada

A tarefa principal dos militantes socialistas ndash na realidade poliacutetica atual - natildeo eacute a decombater um Estado armado mas converter ideologicamente o proletariado para libertaacute-lodas mistificaccedilotildees capitalistas ndash afirmar a identidade de classe a ideologia socialistadesenvolvendo o acuacutemulo de poder a partir da formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica Nocurso da ldquoGuerra de Posiccedilatildeordquo devemos conquistar espaccedilos poliacuteticos orgacircnicos nasociedade civil e criar novos organismos com o avanccedilar da luta poliacutetica Aliar as energiasque vecircm ldquode baixordquo dos setores da sociedade civil organizada aos paracircmetrosestrateacutegicos da construccedilatildeo do socialismo em nosso paiacutes

O exerciacutecio normal da hegemonia eacute caracterizado por uma combinaccedilatildeo de forccedila econsentimento A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilizaccedilatildeoda forccedila (convencimento + forccedila) possibilita a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e daideologia dominante A forccedila pode ser empregada contra os inimigos mas natildeo contra aparte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e oentusiasmo6

Assim haacute necessidade de ldquoabsorverrdquo as forccedilas sociais aliadas estabelecendocompromissos com a finalidade de criar um bloco histoacuterico poliacutetico-econocircmico homogecircneosem contradiccedilotildees internas capaz de desenvolver em um segundo momento a ldquoGuerra deMovimentordquo efetivando a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e da ideologia dominante Comisto Gramsci contrapotildee a ldquohegemonia do proletariadordquo agrave foacutermula da ldquoditadura doproletariadordquo refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionaacuteria russa

5 COUTINHO Carlos Nelson Entrevista agrave Folha de Satildeo Paulo caderno ldquoMaisrdquo 211119996 GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 4: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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SUMAacuteRIO

PARTE ndash I A LUTA PELA HEGEMONIA

PARTE ndash II A LUTA POR UMA SOCIEDADE SOCIALISTA PLURIEacuteTNICA

PARTE ndash III A SOCIEDADE ESCRAVISTA

1 A Resistecircncia Negra2 A Aboliccedilatildeo

PARTE ndash IV A IGUALDADE - COMO A LIBERDADE - SE CONQUISTA

3 Institucionalidade e Autonomia4 Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate Ao Racismo

FONTES E REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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Apresentaccedilatildeo

A discussatildeo presente hoje no movimento negro acerca da definiccedilatildeo de um ProjetoPoliacutetico do Povo Negro para o Brasil tem como ponto de partida a longaexperiecircncia acumulada nas lutas de resistecircncia desde os primeiros quilombosformados na segunda metade do seacuteculo XVI somada agrave produccedilatildeo teoacuterica dosintelectuais e daqueles que se dedicaram a compreender e desvelar a histoacuteria daparticipaccedilatildeo do elemento negro na formaccedilatildeo histoacuterica e econocircmica do Brasil Aelaboraccedilatildeo desse projeto assenta-se em novos paradigmas rompendo com avisatildeo eurocecircntrica de transplantar modos de produccedilatildeo e modelos de sociedadepara o Brasil ainda presente em muitas leituras de nossa histoacuteria

Como contraponto agrave predominacircncia de teorias eurocecircntricas na elaboraccedilatildeo deestrateacutegias para o desenvolvimento da sociedade brasileira alguns intelectuais edirigentes negros tecircm proposto o afrocentrismo como linha de formulaccedilatildeo de umaldquonova teoria negrardquo Creio que tal processo de gestaccedilatildeo teoacuterica recusando-se aaceitar o desenvolvimento dialeacutetico e universal das ciecircncias e do conhecimentotraz em seu acircmago a autolimitaccedilatildeo no curso da elaboraccedilatildeo proposta

A concepccedilatildeo da via estrateacutegica para a emancipaccedilatildeo do povo negro que apresentoaqui tem como principais referecircncias as identidades ou aproximaccedilotildees que tenhocom o pensamento poliacutetico entre outros autores de Antonio Gramsci JacobGorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre ostemas mencionados

Compreendendo como base da interpretaccedilatildeo da realidade brasileira o estudo dasforccedilas sociais produtivas na formaccedilatildeo do paiacutes e do papel central entre estasdesempenhado pela ldquoraccedila negrardquo entendo que a teoria gramsciana correspondeagraves necessidades da luta do povo negro pela hegemonia cultural e poliacutetica quepossibilite a construccedilatildeo de uma sociedade multieacutetnica e igualitaacuteria

Faccedilo tambeacutem uma avaliaccedilatildeo sobre o movimento negro brasileiro os avanccedilossignificativos na obtenccedilatildeo de direitos de espaccedilos poliacuteticos institucionaisConstatando o crescente desenvolvimento da ldquoconsciecircncia racialrdquo e damobilizaccedilatildeo dos negros e mesticcedilos pela cidadania plena enfatizo que esseprocesso tem acentuado a necessidade de maior definiccedilatildeo ideoloacutegica dos diversossegmentos que compotildeem o movimento como decorrecircncia do seu proacuteprioamadurecimento A formulaccedilatildeo de respostas sobre a relaccedilatildeo que devemosestabelecer com o Estado os governos e os partidos poliacuteticos tambeacutem eacute aquidiscutida

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A luta pela hegemonia

Antonio Gramsci1891-1937

O Estado sempre expressa e representa a dominaccedilatildeo poliacutetica-ideoloacutegica de uma classesobre outras Na sociedade brasileira representa os interesses da burguesiaassegurando a manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo do sistema econocircmico capitalista a hegemoniado capital

Gramsci compreende o Estado como incluindo a sociedade civil definindo-o assim

ldquoA noccedilatildeo geral de Estado inclui elementos que precisam ser relacionados agrave noccedilatildeode sociedade civil o Estado = sociedade poliacutetica + sociedade civil em outraspalavras hegemonia coberta com a armadura da coerccedilatildeordquo1

Enquanto em Marx o momento da sociedade civil coincide com a base material(contraposta agrave superestrutura onde estatildeo as ideologias e as instituiccedilotildees) para Gramsci omomento da sociedade civil eacute superestrutural

Nas superestruturas da sociedade satildeo identificados dois grandes niacuteveis ndash o que devemoschamar de niacutevel da ldquosociedade civilrdquo quer dizer o conjunto dos organismos comumentechamados ldquoprivadosrdquo como igrejas escolas sindicatos associaccedilotildees etc O outro eacute o daldquosociedade poliacuteticardquo ou do Estado aparelho coercitivo que assegura a conformidade dasmassas populares ao tipo de produccedilatildeo ou de economia em um momento determinadoObviamente essa natildeo eacute uma distinccedilatildeo orgacircnica mas sim metoacutedica Esses dois niacuteveiscorrespondem de um lado agrave funccedilatildeo de ldquohegemoniardquo que grupos dominantes exercemsobre a sociedade e de outro agravequela de ldquodominaccedilatildeo diretardquo ou de comando que seexprime no Estado e no governo ldquojuriacutedicordquo2

Em Gramsci entre a estrutura econocircmica e o Estado com sua legislaccedilatildeo e coerccedilatildeo tem-se a ldquosociedade civilrdquo Ela faz parte do Estado em sentido amplo jaacute que nela observam-seevidentes relaccedilotildees de poder A ldquosociedade civilrdquo eacute o loacutecus fundamental de formaccedilatildeo edifusatildeo da hegemonia Egrave o centro nevraacutelgico onde as classes lutam para conquistar

1 GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol II Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeode Carlos Nelson CoutinhoGRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol III Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeo deCarlos Nelson Coutinho

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direccedilatildeo poliacutetica capacitando-se e acumulando forccedilas para a conquista e o exerciacutecio dopoder

Na sociedade civil surgem e se desenvolvem os conflitos econocircmicos sociais culturaisreligiosos e ideoloacutegicos Eacute onde formam-se as demandas dirigidas ao sistema poliacuteticoque precisa respondecirc-las Os sujeitos desses conflitos satildeo as classes sociais atraveacutes devaacuterias formas de associaccedilatildeo que os indiviacuteduos fazem entre si manifestando seusinteresses por meio de organizaccedilotildees e movimentos diversos A incapacidade dasinstituiccedilotildees de dar respostas e a impossibilidade do Estado de atendecirc-las ndash por limitaccedilotildeeseconocircmico-financeiras ou de ordem poliacutetico-ideoloacutegicas de preservaccedilatildeo dos interessesdas classes dominantes ndash pode conduzir agrave crise de governabilidade e a continuidadedesta gerar uma crise de legitimidade A crise do Estado eacute resultante de uma crise dehegemonia uma quebra na aptidatildeo das classes dominantes de manter a direccedilatildeo poliacutetica

As ideologias disseminadas se tornam ldquopartidosrdquo entram em conflito e em confrontaccedilatildeoateacute que pelo menos uma delas ou pelo menos uma uacutenica combinaccedilatildeo delas tende aprevalecer a se impor se propagando por toda a sociedade civil Ela determina assimnatildeo somente a unicidade dos fins econocircmicos e poliacuteticos mas tambeacutem a unidadeintelectual e moral colocando todas as questotildees sobre as quais se intensifica a luta natildeono plano corporativo mas num plano universal criando assim a hegemonia de umaclasse social sobre uma seacuterie de classes subordinadas3

Engels afirma nas cartas sobre a filosofia da praacutexis que a economia eacute somente em uacuteltimaanaacutelise a mola da histoacuteria Eacute no terreno das ideologias que os homens se tornamconscientes dos conflitos que se verificam no mundo econocircmico

O nuacutecleo central do poder deve por isso ser procurado no seio da sociedade civilSobretudo no controle capitalista dos meios de comunicaccedilatildeo (imprensa raacutedio TVpublicidade etc) baseado no controle dos meios de produccedilatildeo A nova miacutedia eletrocircnicatem um peso inegaacutevel na formaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica na construccedilatildeo da cultura que estaacutena base das relaccedilotildees de hegemonia Em uma variante mais sofisticada a real persuasatildeoda aceitaccedilatildeo voluntaacuteria do capitalismo ocorre nem tanto atraveacutes da doutrinaccedilatildeo ideoloacutegicapelos meios de comunicaccedilatildeo mas atraveacutes da difusatildeo invisiacutevel do fetichismo damercadoria pelo trabalho ou pelos haacutebitos de submissatildeo inculcados pelas rotinas detrabalho nas faacutebricas e escritoacuterios Ainda que a ecircnfase principal seja colocada no efeito doaparato cultural ou econocircmico a conclusatildeo analiacutetica eacute a mesma

Eacute agrave rede estrateacutegica da sociedade civil que se atribui a manutenccedilatildeo da hegemoniacapitalista em uma democracia poliacutetica em que as instituiccedilotildees estatais natildeo excluem oureprimem diretamente as massas Contudo as condiccedilotildees normais de subordinaccedilatildeoideoloacutegica das massas ndash a rotina diaacuteria da democracia burguesa ndash satildeo elas proacutepriasconstituiacutedas por uma forccedila silenciosa e ausente que lhes daacute o seu valor o monopoacutelio daviolecircncia legitimada pelo Estado Desprovido dessa forccedila o sistema de controle culturalseria instantaneamente fragilizado caso os limites das accedilotildees possiacuteveis contra eledesaparecessem4

3 Idem4 ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAs Antinomias de GramscirdquoSatildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

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ldquoGramsci atribuiacutea agrave cultura agrave superestrutura uma dimensatildeo poliacutetica que foi subestimadapelo marxismo ortodoxo ndash muito preso ao determinismo econocircmico Compreendeu evalorizou a cultura e seu papel natildeo soacute na transformaccedilatildeo da sociedade mas tambeacutem naconservaccedilatildeo Essa valorizaccedilatildeo eacute um dos momentos constitutivos do seu conceito dehegemonia Em Gramsci hegemonia natildeo eacute apenas direccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem culturalisto eacute obtenccedilatildeo de convencimento consenso para um universo de valores de normasmorais de regras de condutardquo5

A existecircncia da hegemonia pressupotildee indubitavelmente que se deve levar em conta osinteresses e tendecircncias dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercerMas natildeo haacute duacutevida alguma que apesar da hegemonia ser eacutetico-poliacutetica ela deve sertambeacutem econocircmica deve necessariamente estar baseada na funccedilatildeo decisiva exercidapelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econocircmica

Em uma democracia burguesa o Estado constitui apenas a trincheira avanccedilada dasociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante que pode resistir a suadestruiccedilatildeo A sociedade civil se torna o nuacutecleo central ou a casamata da qual o Estado eacuteapenas a superfiacutecie externa

O proletariado ndash entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoraspauperizadas e os excluiacutedos do mercado de trabalho formal - se torna uma classerevolucionaacuteria na medida em que natildeo se restringe aos quadros de um corporativismoestreito e atua em todas as manifestaccedilotildees e em todos os domiacutenios da vida social comoum dirigente do conjunto da populaccedilatildeo trabalhadora e explorada

A tarefa principal dos militantes socialistas ndash na realidade poliacutetica atual - natildeo eacute a decombater um Estado armado mas converter ideologicamente o proletariado para libertaacute-lodas mistificaccedilotildees capitalistas ndash afirmar a identidade de classe a ideologia socialistadesenvolvendo o acuacutemulo de poder a partir da formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica Nocurso da ldquoGuerra de Posiccedilatildeordquo devemos conquistar espaccedilos poliacuteticos orgacircnicos nasociedade civil e criar novos organismos com o avanccedilar da luta poliacutetica Aliar as energiasque vecircm ldquode baixordquo dos setores da sociedade civil organizada aos paracircmetrosestrateacutegicos da construccedilatildeo do socialismo em nosso paiacutes

O exerciacutecio normal da hegemonia eacute caracterizado por uma combinaccedilatildeo de forccedila econsentimento A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilizaccedilatildeoda forccedila (convencimento + forccedila) possibilita a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e daideologia dominante A forccedila pode ser empregada contra os inimigos mas natildeo contra aparte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e oentusiasmo6

Assim haacute necessidade de ldquoabsorverrdquo as forccedilas sociais aliadas estabelecendocompromissos com a finalidade de criar um bloco histoacuterico poliacutetico-econocircmico homogecircneosem contradiccedilotildees internas capaz de desenvolver em um segundo momento a ldquoGuerra deMovimentordquo efetivando a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e da ideologia dominante Comisto Gramsci contrapotildee a ldquohegemonia do proletariadordquo agrave foacutermula da ldquoditadura doproletariadordquo refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionaacuteria russa

5 COUTINHO Carlos Nelson Entrevista agrave Folha de Satildeo Paulo caderno ldquoMaisrdquo 211119996 GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 5: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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Apresentaccedilatildeo

A discussatildeo presente hoje no movimento negro acerca da definiccedilatildeo de um ProjetoPoliacutetico do Povo Negro para o Brasil tem como ponto de partida a longaexperiecircncia acumulada nas lutas de resistecircncia desde os primeiros quilombosformados na segunda metade do seacuteculo XVI somada agrave produccedilatildeo teoacuterica dosintelectuais e daqueles que se dedicaram a compreender e desvelar a histoacuteria daparticipaccedilatildeo do elemento negro na formaccedilatildeo histoacuterica e econocircmica do Brasil Aelaboraccedilatildeo desse projeto assenta-se em novos paradigmas rompendo com avisatildeo eurocecircntrica de transplantar modos de produccedilatildeo e modelos de sociedadepara o Brasil ainda presente em muitas leituras de nossa histoacuteria

Como contraponto agrave predominacircncia de teorias eurocecircntricas na elaboraccedilatildeo deestrateacutegias para o desenvolvimento da sociedade brasileira alguns intelectuais edirigentes negros tecircm proposto o afrocentrismo como linha de formulaccedilatildeo de umaldquonova teoria negrardquo Creio que tal processo de gestaccedilatildeo teoacuterica recusando-se aaceitar o desenvolvimento dialeacutetico e universal das ciecircncias e do conhecimentotraz em seu acircmago a autolimitaccedilatildeo no curso da elaboraccedilatildeo proposta

A concepccedilatildeo da via estrateacutegica para a emancipaccedilatildeo do povo negro que apresentoaqui tem como principais referecircncias as identidades ou aproximaccedilotildees que tenhocom o pensamento poliacutetico entre outros autores de Antonio Gramsci JacobGorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre ostemas mencionados

Compreendendo como base da interpretaccedilatildeo da realidade brasileira o estudo dasforccedilas sociais produtivas na formaccedilatildeo do paiacutes e do papel central entre estasdesempenhado pela ldquoraccedila negrardquo entendo que a teoria gramsciana correspondeagraves necessidades da luta do povo negro pela hegemonia cultural e poliacutetica quepossibilite a construccedilatildeo de uma sociedade multieacutetnica e igualitaacuteria

Faccedilo tambeacutem uma avaliaccedilatildeo sobre o movimento negro brasileiro os avanccedilossignificativos na obtenccedilatildeo de direitos de espaccedilos poliacuteticos institucionaisConstatando o crescente desenvolvimento da ldquoconsciecircncia racialrdquo e damobilizaccedilatildeo dos negros e mesticcedilos pela cidadania plena enfatizo que esseprocesso tem acentuado a necessidade de maior definiccedilatildeo ideoloacutegica dos diversossegmentos que compotildeem o movimento como decorrecircncia do seu proacuteprioamadurecimento A formulaccedilatildeo de respostas sobre a relaccedilatildeo que devemosestabelecer com o Estado os governos e os partidos poliacuteticos tambeacutem eacute aquidiscutida

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A luta pela hegemonia

Antonio Gramsci1891-1937

O Estado sempre expressa e representa a dominaccedilatildeo poliacutetica-ideoloacutegica de uma classesobre outras Na sociedade brasileira representa os interesses da burguesiaassegurando a manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo do sistema econocircmico capitalista a hegemoniado capital

Gramsci compreende o Estado como incluindo a sociedade civil definindo-o assim

ldquoA noccedilatildeo geral de Estado inclui elementos que precisam ser relacionados agrave noccedilatildeode sociedade civil o Estado = sociedade poliacutetica + sociedade civil em outraspalavras hegemonia coberta com a armadura da coerccedilatildeordquo1

Enquanto em Marx o momento da sociedade civil coincide com a base material(contraposta agrave superestrutura onde estatildeo as ideologias e as instituiccedilotildees) para Gramsci omomento da sociedade civil eacute superestrutural

Nas superestruturas da sociedade satildeo identificados dois grandes niacuteveis ndash o que devemoschamar de niacutevel da ldquosociedade civilrdquo quer dizer o conjunto dos organismos comumentechamados ldquoprivadosrdquo como igrejas escolas sindicatos associaccedilotildees etc O outro eacute o daldquosociedade poliacuteticardquo ou do Estado aparelho coercitivo que assegura a conformidade dasmassas populares ao tipo de produccedilatildeo ou de economia em um momento determinadoObviamente essa natildeo eacute uma distinccedilatildeo orgacircnica mas sim metoacutedica Esses dois niacuteveiscorrespondem de um lado agrave funccedilatildeo de ldquohegemoniardquo que grupos dominantes exercemsobre a sociedade e de outro agravequela de ldquodominaccedilatildeo diretardquo ou de comando que seexprime no Estado e no governo ldquojuriacutedicordquo2

Em Gramsci entre a estrutura econocircmica e o Estado com sua legislaccedilatildeo e coerccedilatildeo tem-se a ldquosociedade civilrdquo Ela faz parte do Estado em sentido amplo jaacute que nela observam-seevidentes relaccedilotildees de poder A ldquosociedade civilrdquo eacute o loacutecus fundamental de formaccedilatildeo edifusatildeo da hegemonia Egrave o centro nevraacutelgico onde as classes lutam para conquistar

1 GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol II Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeode Carlos Nelson CoutinhoGRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol III Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeo deCarlos Nelson Coutinho

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direccedilatildeo poliacutetica capacitando-se e acumulando forccedilas para a conquista e o exerciacutecio dopoder

Na sociedade civil surgem e se desenvolvem os conflitos econocircmicos sociais culturaisreligiosos e ideoloacutegicos Eacute onde formam-se as demandas dirigidas ao sistema poliacuteticoque precisa respondecirc-las Os sujeitos desses conflitos satildeo as classes sociais atraveacutes devaacuterias formas de associaccedilatildeo que os indiviacuteduos fazem entre si manifestando seusinteresses por meio de organizaccedilotildees e movimentos diversos A incapacidade dasinstituiccedilotildees de dar respostas e a impossibilidade do Estado de atendecirc-las ndash por limitaccedilotildeeseconocircmico-financeiras ou de ordem poliacutetico-ideoloacutegicas de preservaccedilatildeo dos interessesdas classes dominantes ndash pode conduzir agrave crise de governabilidade e a continuidadedesta gerar uma crise de legitimidade A crise do Estado eacute resultante de uma crise dehegemonia uma quebra na aptidatildeo das classes dominantes de manter a direccedilatildeo poliacutetica

As ideologias disseminadas se tornam ldquopartidosrdquo entram em conflito e em confrontaccedilatildeoateacute que pelo menos uma delas ou pelo menos uma uacutenica combinaccedilatildeo delas tende aprevalecer a se impor se propagando por toda a sociedade civil Ela determina assimnatildeo somente a unicidade dos fins econocircmicos e poliacuteticos mas tambeacutem a unidadeintelectual e moral colocando todas as questotildees sobre as quais se intensifica a luta natildeono plano corporativo mas num plano universal criando assim a hegemonia de umaclasse social sobre uma seacuterie de classes subordinadas3

Engels afirma nas cartas sobre a filosofia da praacutexis que a economia eacute somente em uacuteltimaanaacutelise a mola da histoacuteria Eacute no terreno das ideologias que os homens se tornamconscientes dos conflitos que se verificam no mundo econocircmico

O nuacutecleo central do poder deve por isso ser procurado no seio da sociedade civilSobretudo no controle capitalista dos meios de comunicaccedilatildeo (imprensa raacutedio TVpublicidade etc) baseado no controle dos meios de produccedilatildeo A nova miacutedia eletrocircnicatem um peso inegaacutevel na formaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica na construccedilatildeo da cultura que estaacutena base das relaccedilotildees de hegemonia Em uma variante mais sofisticada a real persuasatildeoda aceitaccedilatildeo voluntaacuteria do capitalismo ocorre nem tanto atraveacutes da doutrinaccedilatildeo ideoloacutegicapelos meios de comunicaccedilatildeo mas atraveacutes da difusatildeo invisiacutevel do fetichismo damercadoria pelo trabalho ou pelos haacutebitos de submissatildeo inculcados pelas rotinas detrabalho nas faacutebricas e escritoacuterios Ainda que a ecircnfase principal seja colocada no efeito doaparato cultural ou econocircmico a conclusatildeo analiacutetica eacute a mesma

Eacute agrave rede estrateacutegica da sociedade civil que se atribui a manutenccedilatildeo da hegemoniacapitalista em uma democracia poliacutetica em que as instituiccedilotildees estatais natildeo excluem oureprimem diretamente as massas Contudo as condiccedilotildees normais de subordinaccedilatildeoideoloacutegica das massas ndash a rotina diaacuteria da democracia burguesa ndash satildeo elas proacutepriasconstituiacutedas por uma forccedila silenciosa e ausente que lhes daacute o seu valor o monopoacutelio daviolecircncia legitimada pelo Estado Desprovido dessa forccedila o sistema de controle culturalseria instantaneamente fragilizado caso os limites das accedilotildees possiacuteveis contra eledesaparecessem4

3 Idem4 ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAs Antinomias de GramscirdquoSatildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

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ldquoGramsci atribuiacutea agrave cultura agrave superestrutura uma dimensatildeo poliacutetica que foi subestimadapelo marxismo ortodoxo ndash muito preso ao determinismo econocircmico Compreendeu evalorizou a cultura e seu papel natildeo soacute na transformaccedilatildeo da sociedade mas tambeacutem naconservaccedilatildeo Essa valorizaccedilatildeo eacute um dos momentos constitutivos do seu conceito dehegemonia Em Gramsci hegemonia natildeo eacute apenas direccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem culturalisto eacute obtenccedilatildeo de convencimento consenso para um universo de valores de normasmorais de regras de condutardquo5

A existecircncia da hegemonia pressupotildee indubitavelmente que se deve levar em conta osinteresses e tendecircncias dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercerMas natildeo haacute duacutevida alguma que apesar da hegemonia ser eacutetico-poliacutetica ela deve sertambeacutem econocircmica deve necessariamente estar baseada na funccedilatildeo decisiva exercidapelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econocircmica

Em uma democracia burguesa o Estado constitui apenas a trincheira avanccedilada dasociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante que pode resistir a suadestruiccedilatildeo A sociedade civil se torna o nuacutecleo central ou a casamata da qual o Estado eacuteapenas a superfiacutecie externa

O proletariado ndash entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoraspauperizadas e os excluiacutedos do mercado de trabalho formal - se torna uma classerevolucionaacuteria na medida em que natildeo se restringe aos quadros de um corporativismoestreito e atua em todas as manifestaccedilotildees e em todos os domiacutenios da vida social comoum dirigente do conjunto da populaccedilatildeo trabalhadora e explorada

A tarefa principal dos militantes socialistas ndash na realidade poliacutetica atual - natildeo eacute a decombater um Estado armado mas converter ideologicamente o proletariado para libertaacute-lodas mistificaccedilotildees capitalistas ndash afirmar a identidade de classe a ideologia socialistadesenvolvendo o acuacutemulo de poder a partir da formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica Nocurso da ldquoGuerra de Posiccedilatildeordquo devemos conquistar espaccedilos poliacuteticos orgacircnicos nasociedade civil e criar novos organismos com o avanccedilar da luta poliacutetica Aliar as energiasque vecircm ldquode baixordquo dos setores da sociedade civil organizada aos paracircmetrosestrateacutegicos da construccedilatildeo do socialismo em nosso paiacutes

O exerciacutecio normal da hegemonia eacute caracterizado por uma combinaccedilatildeo de forccedila econsentimento A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilizaccedilatildeoda forccedila (convencimento + forccedila) possibilita a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e daideologia dominante A forccedila pode ser empregada contra os inimigos mas natildeo contra aparte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e oentusiasmo6

Assim haacute necessidade de ldquoabsorverrdquo as forccedilas sociais aliadas estabelecendocompromissos com a finalidade de criar um bloco histoacuterico poliacutetico-econocircmico homogecircneosem contradiccedilotildees internas capaz de desenvolver em um segundo momento a ldquoGuerra deMovimentordquo efetivando a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e da ideologia dominante Comisto Gramsci contrapotildee a ldquohegemonia do proletariadordquo agrave foacutermula da ldquoditadura doproletariadordquo refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionaacuteria russa

5 COUTINHO Carlos Nelson Entrevista agrave Folha de Satildeo Paulo caderno ldquoMaisrdquo 211119996 GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 6: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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A luta pela hegemonia

Antonio Gramsci1891-1937

O Estado sempre expressa e representa a dominaccedilatildeo poliacutetica-ideoloacutegica de uma classesobre outras Na sociedade brasileira representa os interesses da burguesiaassegurando a manutenccedilatildeo e reproduccedilatildeo do sistema econocircmico capitalista a hegemoniado capital

Gramsci compreende o Estado como incluindo a sociedade civil definindo-o assim

ldquoA noccedilatildeo geral de Estado inclui elementos que precisam ser relacionados agrave noccedilatildeode sociedade civil o Estado = sociedade poliacutetica + sociedade civil em outraspalavras hegemonia coberta com a armadura da coerccedilatildeordquo1

Enquanto em Marx o momento da sociedade civil coincide com a base material(contraposta agrave superestrutura onde estatildeo as ideologias e as instituiccedilotildees) para Gramsci omomento da sociedade civil eacute superestrutural

Nas superestruturas da sociedade satildeo identificados dois grandes niacuteveis ndash o que devemoschamar de niacutevel da ldquosociedade civilrdquo quer dizer o conjunto dos organismos comumentechamados ldquoprivadosrdquo como igrejas escolas sindicatos associaccedilotildees etc O outro eacute o daldquosociedade poliacuteticardquo ou do Estado aparelho coercitivo que assegura a conformidade dasmassas populares ao tipo de produccedilatildeo ou de economia em um momento determinadoObviamente essa natildeo eacute uma distinccedilatildeo orgacircnica mas sim metoacutedica Esses dois niacuteveiscorrespondem de um lado agrave funccedilatildeo de ldquohegemoniardquo que grupos dominantes exercemsobre a sociedade e de outro agravequela de ldquodominaccedilatildeo diretardquo ou de comando que seexprime no Estado e no governo ldquojuriacutedicordquo2

Em Gramsci entre a estrutura econocircmica e o Estado com sua legislaccedilatildeo e coerccedilatildeo tem-se a ldquosociedade civilrdquo Ela faz parte do Estado em sentido amplo jaacute que nela observam-seevidentes relaccedilotildees de poder A ldquosociedade civilrdquo eacute o loacutecus fundamental de formaccedilatildeo edifusatildeo da hegemonia Egrave o centro nevraacutelgico onde as classes lutam para conquistar

1 GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol II Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeode Carlos Nelson CoutinhoGRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo vol III Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 Traduccedilatildeo deCarlos Nelson Coutinho

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direccedilatildeo poliacutetica capacitando-se e acumulando forccedilas para a conquista e o exerciacutecio dopoder

Na sociedade civil surgem e se desenvolvem os conflitos econocircmicos sociais culturaisreligiosos e ideoloacutegicos Eacute onde formam-se as demandas dirigidas ao sistema poliacuteticoque precisa respondecirc-las Os sujeitos desses conflitos satildeo as classes sociais atraveacutes devaacuterias formas de associaccedilatildeo que os indiviacuteduos fazem entre si manifestando seusinteresses por meio de organizaccedilotildees e movimentos diversos A incapacidade dasinstituiccedilotildees de dar respostas e a impossibilidade do Estado de atendecirc-las ndash por limitaccedilotildeeseconocircmico-financeiras ou de ordem poliacutetico-ideoloacutegicas de preservaccedilatildeo dos interessesdas classes dominantes ndash pode conduzir agrave crise de governabilidade e a continuidadedesta gerar uma crise de legitimidade A crise do Estado eacute resultante de uma crise dehegemonia uma quebra na aptidatildeo das classes dominantes de manter a direccedilatildeo poliacutetica

As ideologias disseminadas se tornam ldquopartidosrdquo entram em conflito e em confrontaccedilatildeoateacute que pelo menos uma delas ou pelo menos uma uacutenica combinaccedilatildeo delas tende aprevalecer a se impor se propagando por toda a sociedade civil Ela determina assimnatildeo somente a unicidade dos fins econocircmicos e poliacuteticos mas tambeacutem a unidadeintelectual e moral colocando todas as questotildees sobre as quais se intensifica a luta natildeono plano corporativo mas num plano universal criando assim a hegemonia de umaclasse social sobre uma seacuterie de classes subordinadas3

Engels afirma nas cartas sobre a filosofia da praacutexis que a economia eacute somente em uacuteltimaanaacutelise a mola da histoacuteria Eacute no terreno das ideologias que os homens se tornamconscientes dos conflitos que se verificam no mundo econocircmico

O nuacutecleo central do poder deve por isso ser procurado no seio da sociedade civilSobretudo no controle capitalista dos meios de comunicaccedilatildeo (imprensa raacutedio TVpublicidade etc) baseado no controle dos meios de produccedilatildeo A nova miacutedia eletrocircnicatem um peso inegaacutevel na formaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica na construccedilatildeo da cultura que estaacutena base das relaccedilotildees de hegemonia Em uma variante mais sofisticada a real persuasatildeoda aceitaccedilatildeo voluntaacuteria do capitalismo ocorre nem tanto atraveacutes da doutrinaccedilatildeo ideoloacutegicapelos meios de comunicaccedilatildeo mas atraveacutes da difusatildeo invisiacutevel do fetichismo damercadoria pelo trabalho ou pelos haacutebitos de submissatildeo inculcados pelas rotinas detrabalho nas faacutebricas e escritoacuterios Ainda que a ecircnfase principal seja colocada no efeito doaparato cultural ou econocircmico a conclusatildeo analiacutetica eacute a mesma

Eacute agrave rede estrateacutegica da sociedade civil que se atribui a manutenccedilatildeo da hegemoniacapitalista em uma democracia poliacutetica em que as instituiccedilotildees estatais natildeo excluem oureprimem diretamente as massas Contudo as condiccedilotildees normais de subordinaccedilatildeoideoloacutegica das massas ndash a rotina diaacuteria da democracia burguesa ndash satildeo elas proacutepriasconstituiacutedas por uma forccedila silenciosa e ausente que lhes daacute o seu valor o monopoacutelio daviolecircncia legitimada pelo Estado Desprovido dessa forccedila o sistema de controle culturalseria instantaneamente fragilizado caso os limites das accedilotildees possiacuteveis contra eledesaparecessem4

3 Idem4 ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAs Antinomias de GramscirdquoSatildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

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ldquoGramsci atribuiacutea agrave cultura agrave superestrutura uma dimensatildeo poliacutetica que foi subestimadapelo marxismo ortodoxo ndash muito preso ao determinismo econocircmico Compreendeu evalorizou a cultura e seu papel natildeo soacute na transformaccedilatildeo da sociedade mas tambeacutem naconservaccedilatildeo Essa valorizaccedilatildeo eacute um dos momentos constitutivos do seu conceito dehegemonia Em Gramsci hegemonia natildeo eacute apenas direccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem culturalisto eacute obtenccedilatildeo de convencimento consenso para um universo de valores de normasmorais de regras de condutardquo5

A existecircncia da hegemonia pressupotildee indubitavelmente que se deve levar em conta osinteresses e tendecircncias dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercerMas natildeo haacute duacutevida alguma que apesar da hegemonia ser eacutetico-poliacutetica ela deve sertambeacutem econocircmica deve necessariamente estar baseada na funccedilatildeo decisiva exercidapelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econocircmica

Em uma democracia burguesa o Estado constitui apenas a trincheira avanccedilada dasociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante que pode resistir a suadestruiccedilatildeo A sociedade civil se torna o nuacutecleo central ou a casamata da qual o Estado eacuteapenas a superfiacutecie externa

O proletariado ndash entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoraspauperizadas e os excluiacutedos do mercado de trabalho formal - se torna uma classerevolucionaacuteria na medida em que natildeo se restringe aos quadros de um corporativismoestreito e atua em todas as manifestaccedilotildees e em todos os domiacutenios da vida social comoum dirigente do conjunto da populaccedilatildeo trabalhadora e explorada

A tarefa principal dos militantes socialistas ndash na realidade poliacutetica atual - natildeo eacute a decombater um Estado armado mas converter ideologicamente o proletariado para libertaacute-lodas mistificaccedilotildees capitalistas ndash afirmar a identidade de classe a ideologia socialistadesenvolvendo o acuacutemulo de poder a partir da formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica Nocurso da ldquoGuerra de Posiccedilatildeordquo devemos conquistar espaccedilos poliacuteticos orgacircnicos nasociedade civil e criar novos organismos com o avanccedilar da luta poliacutetica Aliar as energiasque vecircm ldquode baixordquo dos setores da sociedade civil organizada aos paracircmetrosestrateacutegicos da construccedilatildeo do socialismo em nosso paiacutes

O exerciacutecio normal da hegemonia eacute caracterizado por uma combinaccedilatildeo de forccedila econsentimento A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilizaccedilatildeoda forccedila (convencimento + forccedila) possibilita a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e daideologia dominante A forccedila pode ser empregada contra os inimigos mas natildeo contra aparte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e oentusiasmo6

Assim haacute necessidade de ldquoabsorverrdquo as forccedilas sociais aliadas estabelecendocompromissos com a finalidade de criar um bloco histoacuterico poliacutetico-econocircmico homogecircneosem contradiccedilotildees internas capaz de desenvolver em um segundo momento a ldquoGuerra deMovimentordquo efetivando a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e da ideologia dominante Comisto Gramsci contrapotildee a ldquohegemonia do proletariadordquo agrave foacutermula da ldquoditadura doproletariadordquo refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionaacuteria russa

5 COUTINHO Carlos Nelson Entrevista agrave Folha de Satildeo Paulo caderno ldquoMaisrdquo 211119996 GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 7: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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direccedilatildeo poliacutetica capacitando-se e acumulando forccedilas para a conquista e o exerciacutecio dopoder

Na sociedade civil surgem e se desenvolvem os conflitos econocircmicos sociais culturaisreligiosos e ideoloacutegicos Eacute onde formam-se as demandas dirigidas ao sistema poliacuteticoque precisa respondecirc-las Os sujeitos desses conflitos satildeo as classes sociais atraveacutes devaacuterias formas de associaccedilatildeo que os indiviacuteduos fazem entre si manifestando seusinteresses por meio de organizaccedilotildees e movimentos diversos A incapacidade dasinstituiccedilotildees de dar respostas e a impossibilidade do Estado de atendecirc-las ndash por limitaccedilotildeeseconocircmico-financeiras ou de ordem poliacutetico-ideoloacutegicas de preservaccedilatildeo dos interessesdas classes dominantes ndash pode conduzir agrave crise de governabilidade e a continuidadedesta gerar uma crise de legitimidade A crise do Estado eacute resultante de uma crise dehegemonia uma quebra na aptidatildeo das classes dominantes de manter a direccedilatildeo poliacutetica

As ideologias disseminadas se tornam ldquopartidosrdquo entram em conflito e em confrontaccedilatildeoateacute que pelo menos uma delas ou pelo menos uma uacutenica combinaccedilatildeo delas tende aprevalecer a se impor se propagando por toda a sociedade civil Ela determina assimnatildeo somente a unicidade dos fins econocircmicos e poliacuteticos mas tambeacutem a unidadeintelectual e moral colocando todas as questotildees sobre as quais se intensifica a luta natildeono plano corporativo mas num plano universal criando assim a hegemonia de umaclasse social sobre uma seacuterie de classes subordinadas3

Engels afirma nas cartas sobre a filosofia da praacutexis que a economia eacute somente em uacuteltimaanaacutelise a mola da histoacuteria Eacute no terreno das ideologias que os homens se tornamconscientes dos conflitos que se verificam no mundo econocircmico

O nuacutecleo central do poder deve por isso ser procurado no seio da sociedade civilSobretudo no controle capitalista dos meios de comunicaccedilatildeo (imprensa raacutedio TVpublicidade etc) baseado no controle dos meios de produccedilatildeo A nova miacutedia eletrocircnicatem um peso inegaacutevel na formaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica na construccedilatildeo da cultura que estaacutena base das relaccedilotildees de hegemonia Em uma variante mais sofisticada a real persuasatildeoda aceitaccedilatildeo voluntaacuteria do capitalismo ocorre nem tanto atraveacutes da doutrinaccedilatildeo ideoloacutegicapelos meios de comunicaccedilatildeo mas atraveacutes da difusatildeo invisiacutevel do fetichismo damercadoria pelo trabalho ou pelos haacutebitos de submissatildeo inculcados pelas rotinas detrabalho nas faacutebricas e escritoacuterios Ainda que a ecircnfase principal seja colocada no efeito doaparato cultural ou econocircmico a conclusatildeo analiacutetica eacute a mesma

Eacute agrave rede estrateacutegica da sociedade civil que se atribui a manutenccedilatildeo da hegemoniacapitalista em uma democracia poliacutetica em que as instituiccedilotildees estatais natildeo excluem oureprimem diretamente as massas Contudo as condiccedilotildees normais de subordinaccedilatildeoideoloacutegica das massas ndash a rotina diaacuteria da democracia burguesa ndash satildeo elas proacutepriasconstituiacutedas por uma forccedila silenciosa e ausente que lhes daacute o seu valor o monopoacutelio daviolecircncia legitimada pelo Estado Desprovido dessa forccedila o sistema de controle culturalseria instantaneamente fragilizado caso os limites das accedilotildees possiacuteveis contra eledesaparecessem4

3 Idem4 ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAs Antinomias de GramscirdquoSatildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

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ldquoGramsci atribuiacutea agrave cultura agrave superestrutura uma dimensatildeo poliacutetica que foi subestimadapelo marxismo ortodoxo ndash muito preso ao determinismo econocircmico Compreendeu evalorizou a cultura e seu papel natildeo soacute na transformaccedilatildeo da sociedade mas tambeacutem naconservaccedilatildeo Essa valorizaccedilatildeo eacute um dos momentos constitutivos do seu conceito dehegemonia Em Gramsci hegemonia natildeo eacute apenas direccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem culturalisto eacute obtenccedilatildeo de convencimento consenso para um universo de valores de normasmorais de regras de condutardquo5

A existecircncia da hegemonia pressupotildee indubitavelmente que se deve levar em conta osinteresses e tendecircncias dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercerMas natildeo haacute duacutevida alguma que apesar da hegemonia ser eacutetico-poliacutetica ela deve sertambeacutem econocircmica deve necessariamente estar baseada na funccedilatildeo decisiva exercidapelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econocircmica

Em uma democracia burguesa o Estado constitui apenas a trincheira avanccedilada dasociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante que pode resistir a suadestruiccedilatildeo A sociedade civil se torna o nuacutecleo central ou a casamata da qual o Estado eacuteapenas a superfiacutecie externa

O proletariado ndash entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoraspauperizadas e os excluiacutedos do mercado de trabalho formal - se torna uma classerevolucionaacuteria na medida em que natildeo se restringe aos quadros de um corporativismoestreito e atua em todas as manifestaccedilotildees e em todos os domiacutenios da vida social comoum dirigente do conjunto da populaccedilatildeo trabalhadora e explorada

A tarefa principal dos militantes socialistas ndash na realidade poliacutetica atual - natildeo eacute a decombater um Estado armado mas converter ideologicamente o proletariado para libertaacute-lodas mistificaccedilotildees capitalistas ndash afirmar a identidade de classe a ideologia socialistadesenvolvendo o acuacutemulo de poder a partir da formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica Nocurso da ldquoGuerra de Posiccedilatildeordquo devemos conquistar espaccedilos poliacuteticos orgacircnicos nasociedade civil e criar novos organismos com o avanccedilar da luta poliacutetica Aliar as energiasque vecircm ldquode baixordquo dos setores da sociedade civil organizada aos paracircmetrosestrateacutegicos da construccedilatildeo do socialismo em nosso paiacutes

O exerciacutecio normal da hegemonia eacute caracterizado por uma combinaccedilatildeo de forccedila econsentimento A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilizaccedilatildeoda forccedila (convencimento + forccedila) possibilita a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e daideologia dominante A forccedila pode ser empregada contra os inimigos mas natildeo contra aparte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e oentusiasmo6

Assim haacute necessidade de ldquoabsorverrdquo as forccedilas sociais aliadas estabelecendocompromissos com a finalidade de criar um bloco histoacuterico poliacutetico-econocircmico homogecircneosem contradiccedilotildees internas capaz de desenvolver em um segundo momento a ldquoGuerra deMovimentordquo efetivando a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e da ideologia dominante Comisto Gramsci contrapotildee a ldquohegemonia do proletariadordquo agrave foacutermula da ldquoditadura doproletariadordquo refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionaacuteria russa

5 COUTINHO Carlos Nelson Entrevista agrave Folha de Satildeo Paulo caderno ldquoMaisrdquo 211119996 GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 8: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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ldquoGramsci atribuiacutea agrave cultura agrave superestrutura uma dimensatildeo poliacutetica que foi subestimadapelo marxismo ortodoxo ndash muito preso ao determinismo econocircmico Compreendeu evalorizou a cultura e seu papel natildeo soacute na transformaccedilatildeo da sociedade mas tambeacutem naconservaccedilatildeo Essa valorizaccedilatildeo eacute um dos momentos constitutivos do seu conceito dehegemonia Em Gramsci hegemonia natildeo eacute apenas direccedilatildeo poliacutetica mas tambeacutem culturalisto eacute obtenccedilatildeo de convencimento consenso para um universo de valores de normasmorais de regras de condutardquo5

A existecircncia da hegemonia pressupotildee indubitavelmente que se deve levar em conta osinteresses e tendecircncias dos outros grupos sobre os quais a hegemonia deve se exercerMas natildeo haacute duacutevida alguma que apesar da hegemonia ser eacutetico-poliacutetica ela deve sertambeacutem econocircmica deve necessariamente estar baseada na funccedilatildeo decisiva exercidapelo grupo dirigente nos setores decisivos da atividade econocircmica

Em uma democracia burguesa o Estado constitui apenas a trincheira avanccedilada dasociedade civil hegemonizada pela ideologia dominante que pode resistir a suadestruiccedilatildeo A sociedade civil se torna o nuacutecleo central ou a casamata da qual o Estado eacuteapenas a superfiacutecie externa

O proletariado ndash entendido em seu sentido amplo que abarca as classes trabalhadoraspauperizadas e os excluiacutedos do mercado de trabalho formal - se torna uma classerevolucionaacuteria na medida em que natildeo se restringe aos quadros de um corporativismoestreito e atua em todas as manifestaccedilotildees e em todos os domiacutenios da vida social comoum dirigente do conjunto da populaccedilatildeo trabalhadora e explorada

A tarefa principal dos militantes socialistas ndash na realidade poliacutetica atual - natildeo eacute a decombater um Estado armado mas converter ideologicamente o proletariado para libertaacute-lodas mistificaccedilotildees capitalistas ndash afirmar a identidade de classe a ideologia socialistadesenvolvendo o acuacutemulo de poder a partir da formaccedilatildeo de uma consciecircncia criacutetica Nocurso da ldquoGuerra de Posiccedilatildeordquo devemos conquistar espaccedilos poliacuteticos orgacircnicos nasociedade civil e criar novos organismos com o avanccedilar da luta poliacutetica Aliar as energiasque vecircm ldquode baixordquo dos setores da sociedade civil organizada aos paracircmetrosestrateacutegicos da construccedilatildeo do socialismo em nosso paiacutes

O exerciacutecio normal da hegemonia eacute caracterizado por uma combinaccedilatildeo de forccedila econsentimento A hegemonia cultural do socialismo somada e derivando dela a utilizaccedilatildeoda forccedila (convencimento + forccedila) possibilita a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e daideologia dominante A forccedila pode ser empregada contra os inimigos mas natildeo contra aparte de um dos lados que se quer assimilar e de quem se quer obter a boa vontade e oentusiasmo6

Assim haacute necessidade de ldquoabsorverrdquo as forccedilas sociais aliadas estabelecendocompromissos com a finalidade de criar um bloco histoacuterico poliacutetico-econocircmico homogecircneosem contradiccedilotildees internas capaz de desenvolver em um segundo momento a ldquoGuerra deMovimentordquo efetivando a alteraccedilatildeo real do poder poliacutetico e da ideologia dominante Comisto Gramsci contrapotildee a ldquohegemonia do proletariadordquo agrave foacutermula da ldquoditadura doproletariadordquo refletindo uma ruptura importante com a doutrina revolucionaacuteria russa

5 COUTINHO Carlos Nelson Entrevista agrave Folha de Satildeo Paulo caderno ldquoMaisrdquo 211119996 GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 9: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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Historicamente o desenvolvimento de qualquer crise revolucionaacuteria necessariamentedesloca o elemento dominante no seio da estrutura do poder burguecircs da ideologia paraa violecircncia A coerccedilatildeo torna-se ao mesmo tempo determinante e dominante em uma criselimite O poder capitalista pode neste sentido ser visto como um sistema topoloacutegico comum centro ldquomoacutevelrdquo em toda crise assiste-se a um deslocamento objetivo e o capitaldeixando de lado seus aparelhos representativos se reconcentra em torno dos seusaparelhos repressivos

ldquoO certo eacute que a histoacuteria mudando sempre sua forma continua a ser a histoacuteria da luta declasses O periacuteodo histoacuterico atual natildeo eacute exceccedilatildeo por maior que seja o ineditismo de suaforma O seu desfecho aberto depende dos desdobramentos da relaccedilatildeo de forccedilas entreos blocos sociais antagocircnicos definindo a cara do Brasil no seacuteculo 21 dominado pelasforccedilas do capital ou do trabalho pela iacutenfima minoria no poder ou pelas grandes massasda populaccedilatildeo organizadas como cidadatildeos livres e soberanosrdquo7

7 SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 10: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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A Luta por uma sociedade socialista multieacutetnica

Dia Nacional da consciecircncia NegraSalvador Marcha da Liberdade ndash 2006

Foto jornal A Tarde 21112006

A derrocada do leste europeu e a consolidaccedilatildeo da hegemonia neoliberal no mundorefletiram-se na esquerda brasileira e internacional Provocaram deslocamentos deposiccedilotildees entre os setores tradicionalmente de esquerda desorientaccedilatildeo ideoloacutegica eincapacidade para elaborar um projeto capaz de criticar radicalmente o capitalismoneoliberal e suas perversotildees assim como as fracassadas experiecircncias burocraacuteticas

Por outro lado como parte do processo vivido pelo socialismo no mundo a esquerdaainda natildeo tem definida uma estrateacutegia socialista para o Brasil e coloca em discussatildeohipoacuteteses estrateacutegicas que sofrem constantes alteraccedilotildees Essa esquerda precisa superaros viacutecios de uma elaboraccedilatildeo estrateacutegica marcadamente eurocentrista dogmaacutetica queinsiste em separar raccedila e classe considerando que a questatildeo racial e todas as demaisquestotildees referentes a segmentos oprimidos do povo satildeo explicadas e ldquonaturalmenterdquoresolvidas pela luta de classes

Ao natildeo reconhecer o papel do trabalho negro como elemento estruturador e definidor docaraacuteter da sociedade gestada no Brasil a esquerda tradicional se incapacitou paraentender os desdobramentos institucionais econocircmicos sociais e ideoloacutegicos existentesno Paiacutes

A questatildeo negra eacute um elemento central na interpretaccedilatildeo da realidade brasileira Aexplicaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo de capital no Brasil passa inevitavelmente poruma anaacutelise histoacuterica da participaccedilatildeo preponderante do povo negro como forccedila produtivaao longo do desenvolvimento do modo de produccedilatildeo escravista na construccedilatildeo dasriquezas do paiacutes

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

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FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 11: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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O capitalismo se alimenta e se fortalece nas opressotildees e discriminaccedilotildees nas hierarquiasdesqualificantes em que estrutura a sociedade para prevalecer o capital Uma das accedilotildeesmais eficazes do capitalismo eacute a impregnaccedilatildeo de valores construiacutedos cotidianamente nosvaacuterios reprodutores de sua ideologia a escola a miacutedia as demais instituiccedilotildees do estadoburguecircs que reforccedilam essas relaccedilotildees hierarquizantes Desconstruir esses valores fazparte da primeira tarefa do sujeito revolucionaacuterio Um projeto de uma sociedade socialistapara o Brasil natildeo pode prescindir da luta anti-racista como elemento chave na estrateacutegiapara a conquista do poder

Luta e resistecircncia sempre foram caracteriacutesticas da populaccedilatildeo negra no Brasil Omovimento negro eacute o mais antigo movimento social brasileiro em mais de quatrocentosanos de luta dos quilombos ao movimento negro contemporacircneo passando pelasdiversas organizaccedilotildees entidades e articulaccedilotildees de grupos anti-racistas em nossos diasatuais Os avanccedilos e conquistas do povo negro satildeo resultados da resistecircncia e luta donosso povo desde que foi arrancado de seu continente de origem a Aacutefrica e submetido agraveescravizaccedilatildeo em nosso Paiacutes

Satildeo seacuteculos de enfrentamento poliacutetico tanto no plano individual como coletivo traduzidosem experiecircncias histoacutericas muitas vezes negadas pelo poder dominante exploradorcolonialista opressor de homens mulheres crianccedilas negros e negras A histoacuteria dosvencedores tem uma visatildeo conservadora que prioriza os heroacuteis e fatos do homembranco e a histoacuteria na visatildeo dos progressistas brancos prioriza o relato da histoacuteria daclasse operaacuteria (visatildeo eurocecircntrica que identifica as manifestaccedilotildees de resistecircncia dostrabalhadores a partir da chegada dos primeiros imigrantes brancos europeus)desprezando deturpando ou secundarizando a histoacuteria de resistecircncia dos negros enegras no Brasil

Este eacute o nosso desafio a construccedilatildeo de um projeto contra-hegemocircnico agrave ideologia agraveloacutegica ao sistema econocircmico capitalista O acumulo de forccedilas na sociedade civil tendocomo norte a emancipaccedilatildeo social e poliacutetica do povo negro e a construccedilatildeo de umasociedade socialista multieacutetnica no Brasil Colocando a auto-organizaccedilatildeo das massascomo base de sustentaccedilatildeo do socialismo que defendemos a partir da democracia direta edo controle social sobre os governantes

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 12: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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A Sociedade Escravista

Gravura de Johann Moritz Rugendas retratou no seacuteculo XIXas condiccedilotildees desumanas do poratildeo de navio negreiro

Ao longo de quatro seacuteculos desde a metade do seacuteculo XVI ateacute a segunda metade doseacuteculo XIX foram trazidos da Aacutefrica e transportados agrave forccedila para a Ameacuterica cerca de 10milhotildees de africanos Nesse nuacutemero natildeo estaacute contido a soma dos que morreram nocaminho O trafico atlacircntico foi o maior movimento de migraccedilatildeo forccedilada da histoacuteria dahumanidade

ldquoO escravo foi um produto das sociedades escravistas e mercantis subordinadas aocapitalismo mundializado desde o seacuteculo dos descobrimentos mariacutetimos A produccedilatildeo doescravo-mercadoria em Aacutefrica se dava pelos mecanismos da violecircncia da captura nasguerras ou do puro e simples sequumlestro Em seguida processava-se o estranhamento eafastamento do escravizado do seu meio social e de sua cultura para sua posteriorexpatriaccedilatildeo e comercializaccedilatildeo como mercadoriardquo8

Em 29 de marccedilo de 1549 a coroa portuguesa autorizou oficialmente a entrada deescravos no Paiacutes O decreto de D Joatildeo III concedeu o direito a uma quota de 100escravos de naccedilatildeo Congo trazidos do Cabo Verde e Satildeo Tomeacute para cada senhor deengenho ou dono de plantaccedilatildeo A lida com escravos negros na verdade jaacute era comumpelo menos desde 1534 quando o primeiro navio negreiro atracou em nosso litoral OBrasil foi o paiacutes que mais traficou e o maior recebedor de escravos africanos da Histoacuteria9

No seacuteculo XVI os negros foram trazidos para o Nordeste e para o Recocircncavo baianopara a produccedilatildeo accedilucareira e agraves custas de seu suor e sangue em 1600 o Brasil jaacute era o

8 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo20009 O livro de David Eltis Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade Oxford University PressOxford UK publicado em 1989 revela que mais de 4 milhotildees de africanos foram desembarcados no Brasil ateacute 1856

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

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SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 13: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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maior produtor de accediluacutecar do mundo produzindo cerca de 9 mil toneladas por ano Nosseacuteculos XVII e XVIII os escravos viabilizaram a produccedilatildeo de algodatildeo no Maranhatildeo Noseacuteculo XVIII entre 1700 e 1770 utilizados na mineraccedilatildeo em Minas Gerais e no Centro-Oeste fizeram do Brasil o produtor de metade de todo o ouro produzido no planeta Amaior parte desse ouro seguindo para Portugal tinha como destino final a Inglaterraservindo para alavancar a Revoluccedilatildeo Industrial no seacuteculo seguinte

No final deste seacuteculo o traacutefico se concentrava no Rio de Janeiro e em Satildeo Paulodestinado agrave produccedilatildeo do cafeacute que se tornou o principal produto do mercado brasileiro Em1800 a populaccedilatildeo brasileira era constituiacuteda por aproximadamente um milhatildeo de brancos ecerca de dois milhotildees de negros africanos e nascidos no Brasil escravos e libertos

ldquoBem mais refinado era o processo de construccedilatildeo do escravo nascido no Brasil Nascidolivre como todos o crioulo era criado para ser escravo A formaccedilatildeo de um comportamentode obediecircncia a interiorizaccedilatildeo da inferioridade social justificada e explicitada pela cor desua pele ndash caracteriacutestica aliaacutes imutaacutevel e independente de sua vontade ndash bem como aimposiccedilatildeo de uma legislaccedilatildeo que fixava a sua condiccedilatildeo civil escrava e do decorrentecontrole policial dos seus movimentos se processam no interior da sociedade escravistaA ele era ensinado que a sua cor era marca de uma maldiccedilatildeo divina a cultura dos seusancestrais era baacuterbara a sua religiosidade era demoniacuteaca e doentia a sua aparecircnciarepelente e a sua inteligecircncia limitada agraves tarefas da obediecircncia Este era o seu lugarnaquela sociedade o de escravo Assim natildeo soacute a escravidatildeo africana e traacuteficotransatlacircntico produziram escravos a sociedade brasileira produziu continuamente osseus escravos os crioulos em uma quantidade bem mais expressiva que os filhos deAacutefrica todos nossos ancestraisrdquo10

Nas fazendas ou na extraccedilatildeo de mineacuterios as condiccedilotildees de trabalho e de higiene eramdeploraacuteveis a alimentaccedilatildeo era escassa e os maltratos frequumlentes Chicotes troncosmarcas de sinetes incandescentes gargalheiras bacalhaus cortantes e pelourinho eramde uso recorrente A jornada de trabalho diaacuteria era de 12 a 14 horas Nessas condiccedilotildees avida uacutetil de um escravo era em meacutedia de 7 a 10 anos ou no maacuteximo 15

Os senhores escravistas buscaram destruir a identidade dos africanos a dignidadequebrar os elos de convivecircncia e os viacutenculos sociais separando as famiacutelias misturandopessoas provenientes de diferentes etnias imprimindo castigos exemplares e humilhantesaos seus antigos liacutederes Como bem pessoal o negro podia ser alugado leiloadopenhorado ou hipotecado assim como as demais posses de seu proprietaacuterio Levaram acabo o propoacutesito de desumanizaccedilatildeo do negro como sujeito

Os governadores portugueses e a classe senhorial separavam as ldquonaccedilotildeesrdquo e estimulavamas diferenccedilas eacutetnicas entre ldquoNagocircsrdquo ldquoDaomeanosrdquo ldquoMinasrdquo ldquoAngolasrdquo e ldquoMoccedilambiquesrdquoA igreja fundou irmandades especiais de ldquonegros selvagensrdquo de ldquocrioulosrdquo e de ldquomulatosrdquoaceitando agraves vezes as divisotildees eacutetnicas Nas cidades da Bahia e de Minas certas

10 ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agrave Igualdade do CidadatildeoNegro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e Intoleracircncia Salvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo2000

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

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BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

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SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 14: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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confrarias estavam abertas apenas aos Nagocircs outras aos Bantos ocidentais outras aosBantos da ldquocontra-costardquo11

Os negros resistiram ao processo de ldquocoisificaccedilatildeordquo ndash uma das bases fundamentais dasociedade escravista - que lhes foi imposto para transformaacute-los em mercadorias emobjetos destituiacutedos de consciecircncia e ldquoalmardquo A resistecircncia em mais de trecircs seacuteculos e meiode escravidatildeo se deu de variadas formas nos suiciacutedios abortamentos banzossabotagens fugas individuais e coletivas rebeliotildees assassinatos de senhores formaccedilatildeode quilombos preservaccedilatildeo de crenccedilas e cultos nos calundus nas sociedades Ogboni eoutras

A Resistecircncia negra

Planta do Quilombo Buraco do Tatu na Bahia 1763

ldquoO escravo foi um componente dinacircmico permanente no desgaste aosistema escravista atraveacutes de diversas formas e atuava em vaacuteriosniacuteveis no processo do seu desmoronamentordquo Clovis Moura12

Nesta histoacuteria de lutas como ressalta o pesquisador Clovis Moura no livro ldquoOs Quilombose a Rebeliatildeo Negrardquo os quilombos ocupam um lugar de indiscutiacutevel destaque Surgindo apartir da organizaccedilatildeo de escravos fugitivos eles se multiplicaram aos milhares e seespalharam por todo o paiacutes servindo natildeo soacute como refuacutegio mas tambeacutem para aorganizaccedilatildeo da vida social sob outras bases que natildeo aquelas ditadas pelo sistemacolonial13 Eram uma demonstraccedilatildeo da possibilidade de se estruturar a sociedade deoutra forma O quilombo como forma organizacional dos negros se iniciou no seacuteculo XVIconforme o primeiro registro do quilombo dos palmares datado de 1597 e somente fechouo seu ciclo de lutas nas uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX Registra a mais longa e histoacutericaforma de luta no Brasil (1597 ndash 1888)

Nos quilombos mais estruturados a economia era baseada no trabalho coletivo de formaa atender as necessidades de todos os habitantes Neles conviviam aleacutem da imensamaioria de negros uma seacuterie de outros oprimidos na sociedade escravista fugitivos doserviccedilo militar criminosos iacutendios mesticcedilos e tambeacutem brancos pobres

11 BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia EditoraNacional 197112 MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 198113 Idem

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

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FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 15: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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Os quilombos que duraram mais anos conseguiram fazecirc-lo a partir da estruturaccedilatildeo deuma eficaz e aguerrida forccedila militar Aleacutem disso os quilombolas mantinham relaccedilotildeescomerciais (legais ou natildeo) com as comunidades da regiatildeo e tambeacutem se apoiavam noconstante apoio dos negros escravizados existentes nas aacutereas proacuteximas

O Quilombo dos Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo chegando a ocuparuma extensatildeo de aproximadamente 150 quilocircmetros de comprimento e 50 de largura ARepuacuteblica dos Palmares como chegou a ser conhecida iniciou sua formaccedilatildeo em 1597 edurou ateacute 1695 situada numa vasta aacuterea da Capitania de Pernambuco principalmente nacomarca de Alagoas em uma regiatildeo serrana que atingia ateacute 500 metros de altitudecoberta por florestas e de acesso muito difiacutecil Em seu periacuteodo de auge Palmares chegoua atingir uma populaccedilatildeo de cerca de 20 mil pessoas Outros quilombos como o deCampo Grande e o de Ambroacutesio em Minas Gerais chegaram a ter mais de 10 milhabitantes e tambeacutem satildeo parte de uma histoacuteria que fez do Brasil natildeo soacute um paiacutes deescravidatildeo mas tambeacutem um paiacutes de quilombos

Em variados pontos do paiacutes os negros constituiacuteram ainda sociedades secretas com oobjetivo de conspirar organizar fugas de escravos rebeliotildees e manter ativa a luta pelaliberdade Na Bahia existiram muitas organizaccedilotildees desse gecircnero como a sociedadeyorubana Obgoni ou Ohogbo apontada como responsaacutevel pela rebeliatildeo de 1809 noEstado No Rio de Janeiro a sociedade Tates Corongos organizou a rebeliatildeo de ManuelCongo esmagada pelas forccedilas do Duque de Caxias Aleacutem desta planejou uma outracomandada por Estevatildeo Pimenta que foi abortada com a prisatildeo de seus lideres devido agravedelaccedilatildeo agraves autoridades Infelizmente a histoacuteria natildeo guardou o nome de muitas dessassociedades que tiveram grande influecircncia nos pronunciamentos dos negros escravosTambeacutem satildeo escassos os documentos existentes14

No Brasil colocircnia e depois da independecircncia sucederam-se em diversas proviacutenciastambeacutem no espaccedilo urbano revoltas e rebeliotildees de escravos e mesticcedilos contra adominaccedilatildeo racial econocircmica e poliacutetica da classe dominante escravista Movimentos delibertaccedilatildeo como a Balaiada no Maranhatildeo e a Cabanagem no Paraacute nos quais o povonegro teve papel preponderante Destaca-se entre tantas revoltas e rebeliotildees ndash comsituaccedilotildees de opressatildeo racial social em contextos poliacuteticos distintos ndash a ldquoRevolta dosBuacuteziosrdquo em 1798 e o ldquoLevante dos Malecircsrdquo em 1835

A Conjuraccedilatildeo dos Buacutezios

Maacutertires da Revolta dos Buacutezios

14 LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora Caacutetedra Ltda 1976 Pg 307e 308

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

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BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

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MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

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GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

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SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

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CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 16: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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12 de agosto de 1798

A ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo foi assim denominada em referecircncia ao uso do buacutezio como signodo movimento pendurado agrave cadeia dos reloacutegios dos conjurados como sinal deidentificaccedilatildeo entre eles Constituiu-se em um movimento poliacutetico pelo qual homens negrose pobres manifestaram o seu descontentamento contra a monarquia portuguesa e contraa sociedade escravista na Bahia em 1798

O regionalismo baiano inspirou a exaltaccedilatildeo deste movimento batizado entatildeo deInconfidecircncia Baiana mais radical nos propoacutesitos de independecircncia do Brasil e maisrepublicano do que a Inconfidecircncia Mineira porque portador dos anseios das classessubordinadas do Brasil colonial A busca da participaccedilatildeo do povo negro na Histoacuteria daBahia fez emergir uma rede de comunicaccedilatildeo afro-brasileira com a forccedila simboacutelica capazde rebatizar o evento como Revolta dos Buacutezios No dia 12 de agosto de 1798 pelamanhatilde apareceram em Salvador 11 manuscritos colados em pontos diversos da cidadeconvocando o povo a participar de uma revoluccedilatildeo contra o sistema colonial portuguecircs aescravidatildeo e a discriminaccedilatildeo racial No primeiro aviso do boletim sedicioso osrevolucionaacuterios apresentam-se ao povo baiano como 676 seguidores do Partido daLiberdade Os conspiradores chamavam a populaccedilatildeo agrave luta e proclamavam ideacuteias deliberdade igualdade fraternidade e Repuacuteblica ldquoestaacute para chegar o tempo feliz da nossaliberdade o tempo em que seremos irmatildeos o tempo em que todos seremos iguaisrdquordquoHomens o tempo eacute xegado para vossa ressurreiccedilatildeo sim para que ressuscitareis doabismo da escravidatildeo para que levantareis a sagrada Bandeira da Liberdaderdquo Nesteprojeto revolucionaacuterio liberal propotildeem a igualdade das raccedilas em uma cidade daescravidatildeo e da discriminaccedilatildeo racial15 Dos 11 boletins 10 foram anexados aos autos dosprocessos e encontram-se no Arquivo Puacuteblico da Bahia maccedilo 581 da Seccedilatildeo Histoacuterica

O movimento revolucionaacuterio de 1798 conhecido como a ldquoRevolta dos AlfaiatesrdquoldquoConjuraccedilatildeo Baianardquo ou ldquoRevolta dos Buacuteziosrdquo eacute um dos mais amplos do ponto de vistapoliacutetico econocircmico e social ocorridos no Brasil-Colocircnia Segundo os historiadores LuiacutesHenrique dias Tavares e Istvaacuten Jancsoacute ateacute o final do seacuteculo XVIII nenhum movimentopoliacutetico no Brasil possuiacutera um programa tatildeo amplo com penetraccedilatildeo tatildeo profunda nasclasses e camadas sociais quanto este Com fundamental participaccedilatildeo de escravos eseus descendentes pretos e pardos soldados pequenos comerciantes e artesatildeos omovimento sob influecircncia da filosofia iluminista tinha como referecircncia a RevoluccedilatildeoFrancesa de 1789 adaptando o ideaacuterio desta agrave realidade da ordem social escravistaDiscutia os caminhos para o Brasil livre da tutela portuguesa tornar-se uma repuacuteblicademocraacutetica na qual a cor da pele natildeo fosse razatildeo para discriminaccedilatildeo Entre aslideranccedilas do movimento destacaram-se os alfaiates Joatildeo de Deus do NascimentoManuel Faustino dos Santos Lira e os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga dasVirgens todos mesticcedilos Um outro destaque desse movimento foi a participaccedilatildeo demulheres negras como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento LuizaFrancisca de Arauacutejo Lucrecia Maria Gercent e Vicecircncia

No dia 23 de agosto de 1798 o soldado Luiz Gonzaga das Virgens foi preso acusado deter escrito os papeis sediciosos depois da comparaccedilatildeo de sua caligrafia com os boletinsAnteriormente ele jaacute havia desertado do Exeacutercito trecircs vezes e frequumlentemente escrevia

15 ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da Independecircncia Estud av 2004 vol18no50 ISSN 0103-4014

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 17: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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peticcedilotildees para o governo reclamando da discriminaccedilatildeo racial nas tropas Ele negou aautoria ateacute o fim

A notiacutecia da prisatildeo do soldado deixou os conspiradores tensos e em uma reuniatildeo no diaseguinte na casa de Lucas Dantas resolveram acelerar os planos Convocaram umaampla reuniatildeo para a noite seguinte quando verificando-se o nuacutemero de insurgentesmobilizados se deflagraria o levante Na acircnsia de convocar gente para a revolta atraiacuterampessoas que denunciaram tudo agraves autoridades Portuguesas Os delatores foram ossoldados mesticcedilos Joaquim Joseacute da Veiga Joaquim de Sirqueira e o capitatildeo negroJoaquim Joseacute de Santa Anna Este uacuteltimo depositaacuterio de grande esperanccedila dos rebeldespara a obtenccedilatildeo de armas e adesatildeo de muitos soldados

No caminho da reuniatildeo o soldado Caetano Veloso Barreto reconheceu o coronelAlexandre Teotocircnio de Souza que estava disfarccedilado para identificar os revolucionaacuterios Apresenccedila do coronel avisada de boca em boca fez com que a reuniatildeo natildeo seconcretizasse Joatildeo de Deus chegou com alguns companheiros ao local combinado noDique do Desterro sem saber do ocorrido e sofreu grande decepccedilatildeo Ele esperavaencontrar mais de ldquo200 partidaacuterios da liberdaderdquo Apenas 14 pessoas compareceramincluindo os trecircs delatores

Com as delaccedilotildees 41 pessoas foram detidas mas 16 delas foram soltas logo depois Dos33 presos e processados 11 eram escravos Na devassa foram apreendidos os textosfranceses considerados subversivos o Orador dos Estados Gerais trechos do livro deVolney ldquoAs Ruiacutenasrdquo o discurso de Boissy D`Anglas na Convenccedilatildeo Francesa em 30 dejaneiro de 1795 aleacutem do poema agrave ldquoLiberdade e Igualdaderdquo que servia como hino domovimento

A repressatildeo foi das mais violentas e o movimento abortado foi totalmente desarticuladoNo dia da execuccedilatildeo em 8 de novembro de 1799 para garantir a ordem soldados detodos os regimentos da cidade fizeram filas em volta da praccedila com as armas voltadaspara a multidatildeo Os quatro lideres revolucionaacuterios baianos foram enforcados eesquartejados na Praccedila da Piedade outros sete conjurados foram condenados aodegredo na Aacutefrica fora dos domiacutenios de Portugal

Todo o processo foi dirigido concentrando a culpa nos negros e pobres isentando deresponsabilidade alguns membros da elite que participaram da primeira fase daconjuraccedilatildeo Os principais propagadores dos ideais da revoluccedilatildeo francesa entre osrebeldes foram absolvidos ou sofreram penas leves O rico padre e comerciante FranciscoAgostinho Gomes citado como tradutor de textos franceses proibidos sequer foichamado a depor Cipriano Barata declarou que seus discursos seriam ldquomal ouvidos epior interpretados por alguns desses pardos interessantes da revoluccedilatildeordquo e concluidestacando ldquoa fidelidade que sempre prestou e presta a Sua Real MajestaderdquoFoiabsolvido Os tenentes Hermoacutegenes de Aguilar Pantoja e Joseacute Gomes de Oliveira Borgescitados como promotores de jantares com os revoltosos foram condenados a seis mesesde prisatildeo O professor Francisco Muniz Barreto citado como o autor do poema ldquoAgraveLiberdaderdquo foi cassado do cargo de professor reacutegio e teve a pena de acoites comutadapara um ano de prisatildeo

O Levante dos Malecircs

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 18: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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Varias revoltas de escravos e libertos se sucederam uma apoacutes a outra entre 1807 e1835 a Revolta dos Malecircs a maior das revoltas aconteceu em 25 de janeiro de 1835 diade Nossa Senhora da Guia na cidade de Salvador Bahia Consistiu numa sublevaccedilatildeo decaraacuteter racial de escravos africanos na imensa maioria de origem iorubana mas tambeacutemhauccedilaacutes ewes e outras etnias Organizados em torno de propostas radicais para a sualibertaccedilatildeo eram majoritariamente de religiatildeo islacircmica com referecircncia ideoloacutegica noAlcoratildeo O termo malecirc deriva do iorubaacute imale designando o muccedilulmano

Na noite do dia 24 para 25 de janeiro de 1835 um grupo de escravos e libertos ocupou asruas de Salvador Bahia e durante mais de trecircs horas enfrentou soldados e civisarmados () foi o levante de escravos urbanos mais seacuterio ocorrido nas Ameacutericas e teveefeitos duradouros para o conjunto do Brasil escravista Centenas de insurgentesparticiparam cerca de setenta morreram e mais de quinhentos numa estimativaconservadora foram depois punidos com penas de morte prisatildeo accediloites e deportaccedilatildeoSe uma rebeliatildeo das mesmas proporccedilotildees acontecesse na virada para o seacuteculo XXI emSalvador com seus quase 3 milhotildees de habitantes resultaria na puniccedilatildeo de cerca de 24mil pessoas Isso daacute uma ideacuteia da dramaacutetica experiecircncia vivida pelos africanos e outroshabitantes da Bahia em 1835 A rebeliatildeo teve repercussatildeo nacional e internacional ()Em Londres Nova York Boston e provavelmente outras cidades da Europa e dasAmeacutericas a imprensa tambeacutem publicou relatos do levante A Aacutefrica teve conhecimento dofato por intermeacutedio dos numerosos libertos para ali deportados como suspeitos pelasautoridades baianas16

Planejada por elementos que possuiacuteam experiecircncia anterior de combate na Aacutefrica demaneira geral os malecircs propunham o fim do catolicismo - religiatildeo que lhes era imposta -o assassinato e confisco dos bens de todos os brancos e mulatos e a implantaccedilatildeo de umamonarquia islacircmica com a escravidatildeo dos natildeo muccedilulmanos

De acordo com o plano de ataque assinado por um escravo de nome Mala Abubaker osrevoltosos sairiam da Vitoacuteria tomando a terra e matando toda a gente branca De laacuterumariam para a Aacutegua dos Meninos e depois para Itapagipe onde se reuniriam aorestante das forccedilas O passo seguinte seria a invasatildeo dos engenhos do Recocircncavo e alibertaccedilatildeo dos escravos Os rebeldes liderados por Manuel Calafate Apriacutegio Pai Inaacutecio eoutros arrecadaram dinheiro para comprar armas e redigiram planos em aacuterabe Massendo denunciados por uma negra ao juiz de paz atacaram o quartel que controlava acidade Poreacutem devido agrave inferioridade numeacuterica e de armamentos foram massacradospelas tropas da Guarda Nacional ajudadas nessa repressatildeo pela poliacutecia e por civisarmados que temiam o sucesso da rebeliatildeo negra Nesse confronto morreram setesoldados das tropas oficiais e setenta negros enquanto duzentos escravos forambarbaramente torturados e depois levados ao tribunal que decidiu condenaacute-los a penascomo morte trabalhos forccedilados degredo e accediloites Outros quinhentos e poucos africanosforam expulsos do Brasil e levados de volta agrave Aacutefrica17

As cenas puacuteblicas de tortura natildeo podiam ser mais indignantes As viacutetimas eram despidasamarradas e accediloitadas nas costas e nas naacutedegas um espetaacuteculo intimidador para osdemais africanos que passaram dias a fio assistindo agravequele sofrimento em diversoslocais da cidade o Campo da Poacutelvora o Campo Grande e Aacutegua de Meninos Muitos dos

16 REIS Joatildeo Joseacute In Prefacio de ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo SatildeoPaulo Companhia das Letras 200317 FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN 8573742402

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

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MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

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REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

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SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 19: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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sentenciados fizeram todo o circuito sendo castigados cada dia em um desses locais Osaccediloites eram dados em nuacutemero de 50 por dia e a maioria teve que passar a usar umagargalheira - armaccedilatildeo de ferro em forma de cruz - em torno do pescoccedilo e outrospassaram a usar correntes nos peacutes18

Era o dia 14 de maio de 1835 A Cidade da Bahia amanheceu tensa Os condenadospercorreram algemados as ruas de Salvador ateacute o Campo da Poacutelvora Ajahi (Jorge daCruz Barbosa) nagocirc carregador de cal e o uacutenico liberto dentre os condenados Pedroescravo do comerciante inglecircs Joseph Mellors Russel Gonccedilalo que nos autos aparececomo pertencente a Lourenccedilo de Tal e Joaquim de propriedade de Pedro Luiacutes Mefretodos escravos nagocircs Para decepccedilatildeo das autoridades a nova forca construiacutedaespecialmente para aquela solenidade natildeo pocircde ser usada contra os condenados porquenatildeo foi encontrado carrasco para acionaacute-la O vice-presidente da Proviacutencia da BahiaManoel Antocircnio de Galvatildeo atendendo a um pedido do chefe de poliacutecia ofereceuconsideraacutevel recompensa que variava entre 20 e 30 mil reacuteis a qualquer preso recolhidonas vaacuterias cadeias e nas galeacutes que aceitasse a tarefa Ningueacutem se dispocircs A sentenccedilateve de ser cumprida por fuzilamento

Na Histoacuteria do Levante dos Malecircs Joatildeo Joseacute Reis afirma que o movimento de 1835 sebeneficiou da solidariedade coletiva associada ao trabalho urbano Destaca tambeacutem adimensatildeo de classe da revolta mas classe no sentido dinacircmico empregado por E PThompson que a entendeu como uma coletividade em movimento como experiecircnciavivida natildeo apenas uma posiccedilatildeo estaacutetica na estrutura social e econocircmica19 Em outrotexto Reis acrescenta A rebeliatildeo teria tido tambeacutem uma orientaccedilatildeo de classe por tersido feita e dirigida majoritariamente por escravos e porque a linguagem anti-senhorialdos presos revela sua face antiescravista Foi tambeacutem assim considerada pelo Estadoescravocrata que definiu reprimiu e castigou os rebeldes acionando uma linguagem euma legislaccedilatildeo especificamente antiescravardquo

A Aboliccedilatildeo

Desde o iniacutecio do seacuteculo XIX a Inglaterra e outras potecircncias europeacuteias exigiam a aboliccedilatildeodos escravos e a adoccedilatildeo do trabalho assalariado essencial para a expansatildeo de seusmercados O impeacuterio britacircnico estabeleceu o fim do trafico negreiro como condiccedilatildeo paraque se reconhecesse a independecircncia do Brasil forccedilando o impeacuterio brasileiro a assinaruma convenccedilatildeo em 1830 atraveacutes da qual assumia o compromisso de eliminar o traacuteficoNo entanto a classe dominante brasileira burlava o tratado estabelecido e davacontinuidade ao traacutefico que permaneceu ativo ateacute 1856 - apesar da aprovaccedilatildeo da LeiEuseacutebio de Queiroacutes em 1850 que extinguia o traacutefico Nesse periacuteodo entraramldquoilegalmenterdquo no paiacutes aproximadamente 600 mil africanos Os senhores escravistasresistiam agrave possibilidade de substituiccedilatildeo do trabalho escravo pela matildeo de obraassalariada que imporia mudanccedilas no modelo econocircmico que lhes propiciou riqueza epoder Mas a crise do sistema colonial era evidenciada com as rebeliotildees escravas que sesucediam e com o crescimento do movimento abolicionista

18 REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquo Satildeo Paulo Companhiadas Letras 200319 Idem

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 20: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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Com a eclosatildeo da guerra do Paraguai milhares de escravos foram libertados entre 1864e 1870 com a condiccedilatildeo obrigatoacuteria que lutassem na guerra Colocados na frente debatalha sem nenhum preparo militar muitos se revelaram excelentes combatentesguiados pela determinaccedilatildeo de conquista da liberdade No entanto mais de cem milsoldados negros morreram

Diante da crescente pressatildeo abolicionista a corte imperial criou algumas leis procurandoamenizar os ldquoprejuiacutezosrdquo dos senhores de escravos e prorrogar o fim da escravidatildeo Astrecircs grandes leis abolicionistas ndash Rio Branco ou do Ventre Livre (1871) Saraiva Cotegipeou dos Sexagenaacuterios (1885) e Aacuteurea (1888) ndash revelam o andamento moderado doprocesso A ldquoLei do Ventre Livrerdquo libertava os escravos que nascessem apoacutes a data desua promulgaccedilatildeo mas natildeo suas matildees Por isso mesmo os menores ficavam com asmatildees ateacute os oito anos quando o senhor optava entre receber do Estado uma indenizaccedilatildeondash no valor de 600 mil reis ndash e utilizar os serviccedilos do menor ateacute 21 anos Eram evidentes asvantagens dos senhores que aleacutem do mais tinham por praacutetica alterar a data denascimento dos cativos na hora da matriacutecula

A segunda lei de tatildeo vergonhosa foi contestada jaacute na eacutepoca de sua promulgaccedilatildeo A ldquoLeidos Sexagenaacuteriosrdquo dava liberdade aos escravos maiores de 60 anos e previa apossibilidade de o prazo ser estendido ateacute os 65 Ora sabemos que a meacutedia de vida detrabalho no campo variava de 10 a 15 anos e que escravos com 30 anos eramfrequumlentemente descritos por seu aspecto senil cabelos brancos e bocas desdentadasPortanto o cativo quando alcanccedilava 60 anos significava na maioria das vezes umencargo e natildeo um benefiacutecio o que de novo tornava a lei um instrumento a favor dossenhores e natildeo do cativos()20

No Brasil o abolicionismo natildeo foi exclusivamente legal A lentidatildeo do processoabolicionista provocou a transformaccedilatildeo de inconformistas em revolucionaacuterios queavanccedilaram da defesa dos direitos individuais dos cativos para a accedilatildeo direta de libertaccedilatildeocoletiva de escravos Grupos como os ldquoCaifazesrdquo liderados por Antocircnio Bento possuiacuteamampla base popular tinham meios de atingir as senzalas e promoviam a fuga direta decativos Esse movimento editava o jornal ldquoA Redempccedilatildeordquo e contava com o apoio daIrmandade Nossa Senhora dos Remeacutedios e dos abolicionista mais ativos quase todospobres Possuiacuteam uma teacutecnica de combate agraves praacuteticas violentas de tortura e repressatildeodos senhores escravistas Essa teacutecnica consistia na coleta de instrumentos de tortura esua exposiccedilatildeo puacuteblica ndash as vezes junto com a proacutepria viacutetima ndash em lugares centrais dacidade e nas procissotildees de Nossa Senhora dos Remeacutedios Objetivavam sensibilizar aopiniatildeo puacuteblica mostrando os instrumentos que estropiavam os cativos Os Caifazesorganizaram o quilombo Jabaquara nas imediaccedilotildees do porto de Santos para acolher osescravos fugidos

Desde a deacutecada de 1880 o movimento de fuga de escravos acelera-se e passa a sercomum ler nos jornais que um grande proprietaacuterio adormecera com toda a sua escravariabem guardada nas senzalas e acordara sem nenhum cativo

As leis promulgadas natildeo detiveram as rebeliotildees e fugas em massa que se generalizavamO enorme contingente de negros livres libertos e escravos em nuacutemero muito superior aode brancos significava uma ameaccedila constante agrave estabilidade social A aboliccedilatildeo se

20 SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

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BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

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SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 21: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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impunha como uma necessidade A assinatura da Lei Aacuteurea em 1888 libertou pouco maisde 700 mil negros que ainda viviam na condiccedilatildeo de escravo Esse nuacutemero representavacerca de 5 da populaccedilatildeo negra que existia no paiacutes

O movimento abolicionista de modo geral que lutara pela aboliccedilatildeo reunindo pessoas detodas as classes natildeo objetivava a inclusatildeo social dos libertos antes e depois da LeiAacuteurea Com o argumento da efetivaccedilatildeo da aboliccedilatildeo ndash razatildeo de ser dos clubes esociedades que foram criados ndash as organizaccedilotildees abolicionistas dissolveram-se Estavaexplicitado que natildeo interessava aos abolicionistas o destino dos ex-escravos

O movimento abolicionista tinha dois objetivos a aboliccedilatildeo da escravatura e adesagregaccedilatildeo da ordem escravista com a eliminaccedilatildeo da relaccedilatildeo senhor-escravo fazendoemergir do seio desta a ordem social capitalista

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

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MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

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FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

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SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 22: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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ldquoA igualdade - como a liberdade - se conquistardquo

Conforme Florestan Fernandes ldquoA escravidatildeo atingiu o seu ponto alto como fator deacumulaccedilatildeo interna de capital natildeo antes mas depois da Independecircncia quando seconstituiu um Estado nacional Isso pode parecer um paradoxo Mas natildeo eacute As estruturascoloniais de organizaccedilatildeo da economia da sociedade e do poder soacute conheceram suaplenitude quando os senhores de escravos organizaram sua proacutepria forma de hegemoniaO trabalho escravo passou a gerar um excedente econocircmico que natildeo ia mais para forana mesma proporccedilatildeo que anteriormente e sobre ele se alicerccedilou a primeira expansatildeo docapital comercial dentro do paiacutes

A crise da produccedilatildeo escravista prende-se agrave proibiccedilatildeo do traacutefico e agraves represaacutelias inglesascontra os navios negreiros A insurgecircncia dos escravos dos libertos e as lutasabolicionistas golpearam mortalmente o escravismo A escravidatildeo se esboroou noentanto o substituto e o sucessor do escravo natildeo foi o trabalhador negro livre mas otrabalhador livre branco estrangeiro ou entatildeo o homem pobre branco

O drama humano intriacutenseco agrave Aboliccedilatildeo condenou a massa dos ex-escravos e dos libertosagrave proacutepria sorte como se fossem um simples bagaccedilo do antigo sistema de produccedilatildeo Oadvir da Repuacuteblica vinculada agrave desagregaccedilatildeo da produccedilatildeo escravista e da ordem socialcorrespondente natildeo serviu para toda a sociedade brasileira Seus limites histoacutericos eramfechados natildeo assimilavam o negro e o liberto como categorias sociais Tratava-se de umnovo regime das elites pelas elites para as elitesrdquo21

Foi realizada uma ldquorevoluccedilatildeo passivardquo segundo o conceito desenvolvido por Gramsci Aclasse dominante reprimindo e excluindo os ldquode baixordquo empreende processos de

21 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 1989

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

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SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 23: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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renovaccedilatildeo ldquopelo altordquo autoritaacuterios ou ditatoriais impedindo com isto que eles sejamprotagonistas nos processos de transformaccedilatildeo O primeiro censo do periacuteodo republicanorevela que de 14 milhotildees de habitantes 8 milhotildees eram afrodescendentes

Os senhores de escravos obtiveram do Estado o financiamento de uma poliacutetica oficial deimigraccedilatildeo e de proteccedilatildeo agrave exportaccedilatildeo a qual resolvia seus problemas de matildeo-de-obra ede comercializaccedilatildeo do cafeacute

O negro submergiu na economia de subsistecircncia atraveacutes das migraccedilotildees que sesucederam pois os antigos escravos buscavam as regiotildees de origem Nas cidades ohomem negro foi empurrado para a franja dos piores trabalhos de baixa remuneraccedilatildeomas ao mesmo tempo forjaria uma consciecircncia social de rebeliatildeo coletiva

Todo um complexo de privileacutegios padrotildees de comportamento e valores de uma ordemsocial arcaica manteve-se intacto em proveito dos extratos dominantes da raccedila brancaembora em prejuiacutezo fatal da naccedilatildeo Entretanto a ideacuteia da ldquodemocracia racialrdquo comoresultado da Aboliccedilatildeo se arraigou no novo regime condenando amargamente oengolfamento do passado no presente atraveacutes da exclusatildeo dos negros mesticcedilos e deseus descendentes em geraccedilotildees sucessivas Em consequumlecircncia o mito da ldquodemocraciaracialrdquo floresceu sem contestaccedilatildeo ateacute que os proacuteprios negros conseguiram condiccedilotildeesmateriais e intelectuais para erguer o seu protesto com a elaboraccedilatildeo de uma contra-ideologia racial22

Apoacutes a Aboliccedilatildeo a criaccedilatildeo de clubes e associaccedilotildees negras ocorre a partir de 1915 e seintensifica no periacuteodo de 1918 ndash 1924 Eram entidades ldquoculturais e beneficentesrdquo semconteuacutedo reivindicatoacuterio ou poliacutetico

O protesto negro no poacutes-Aboliccedilatildeo se corporificou na deacutecada de 30 clamando porparticipar do novo regime levantando o veacuteu de uma descolonizaccedilatildeo que ficarainterrompida desde a proclamaccedilatildeo da Independecircncia e indicando sem subterfuacutegios osrequisitos da democracia racial O protesto se confinara agrave ordem estabelecida mas eraautecircntico e revolucionaacuterio pois exigia a plena democratizaccedilatildeo da ordem republicana ndashatraveacutes das raccedilas e contra os preconceitos e privileacutegios raciais O que resultou em umacabal e indignada desmistificaccedilatildeo na lei a ordem eacute uma nos fatos eacute outra23

Em 1931 foi fundada a Frente Negra dirigida pelos irmatildeos Arlindo e Isaltino Veiga dossantos inspirados pelo movimento nacionalista fascista italiano Manifestava a vontade desubstituir a imagem do antigo negro mais africano que ocidental mais exoacutetico quenacional pela imagem do ldquonovo negrordquo brasileiro Exprimia satisfaccedilatildeo e orgulho peloldquomulatismordquo a soluccedilatildeo dada pelo Paiacutes ao problema racial e prega o ajustamento inter-racial Propotildee uma nova ordem social a elevaccedilatildeo moral intelectual e social da raccedilanegra

Apesar de tudo a Frente Negra obteve um enorme ecircxito em todo o Paiacutes e foi o principalresponsaacutevel pelo despertar de uma consciecircncia racial no negro Os frentenegrinosestimularam o sentimento de autonomia em face dos brancos e a lealdade com aspessoas da mesma cor A ditadura do Estado Novo implantada em 1937 promoveu a

22 Idem23 Idem

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 24: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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proibiccedilatildeo do funcionamento das organizaccedilotildees poliacuteticas pondo fim agrave curta existecircncia daFrente Negra

As elites desenvolvem o projeto de embranquecimento indicando a superaccedilatildeo daopressatildeo mediante a negaccedilatildeo da identidade negra a mesticcedilagem e o reconhecimento dasuperioridade branca apontando para o extermiacutenio definitivo da presenccedila negra emnossa realidade Para sinalizar a possibilidade de incorporaccedilatildeo e ao mesmo tempodesmobilizar o espaccedilo de resistecircncia identitaacuteria presente nas manifestaccedilotildees culturaisassimilaram-se algumas manifestaccedilotildees desvinculando-as das referecircncias eacutetnico-raciais eintensificou-se a repressatildeo agraves manifestaccedilotildees refrataacuterias ao embranquecimento

Os fatos ndash e natildeo as hipoacuteteses ndash confirmam a tenacidade do mito da ldquodemocracia racialrdquoapesar da destruiccedilatildeo das suas bases teoacutericas a partir dos estudos de FlorestanFernandes e Roger Bastide publicados em 1953 As elites que o implantaram numa fasecomplexa de transiccedilatildeo do escravismo para o trabalho livre continuam a usaacute-lo para aestabilidade da ordem a centralizaccedilatildeo e a concentraccedilatildeo racial da riqueza do prestiacutegiosocial e do poder O mito da ldquodemocracia racialrdquo continua a obstaculizar as mudanccedilasestruturais requeridas pelo povo negro O ardil da ldquodemocracia racialrdquo tem a funccedilatildeo deaprisionar o negro dentro de paradoxos que conduzem agrave negaccedilatildeo de si proacuteprio deconstrangecirc-lo a ver-se subordinado racialmente A pessoa interage com o seu mundo epara resguardar sua identidade precisa comeccedilar por negaacute-lo e transformaacute-lo

Natildeo haveraacute naccedilatildeo enquanto as sequumlelas do escravismo que afetaram os antigos agentesdo trabalho escravo e incidem sobre seus descendentes natildeo forem definitivamentesuperadas Essa heranccedila perversa manteacutem a maioria do povo no subdesenvolvimentocomprometendo nosso futuro24

A discriminaccedilatildeo racial eacute a pedra angular da manutenccedilatildeo de uma sociedade hierarquizadaantidemocraacutetica e violenta Essa ldquodemocraciardquo que teme a verdade e reprime os que adifundem oferece o retrato por inteiro do medo do negro e de seus descendentesmesticcedilos Contudo o movimento negro demonstra nas conquistas resultantes de sua lutasecular que a repressatildeo e a violecircncia natildeo podem impedir que os negros se projetemcomo agentes de sua auto-emancipaccedilatildeo coletiva e de criaccedilatildeo de uma nova sociedademultieacutetnica com efetiva democracia racial

O negro surge como um siacutembolo uma esperanccedila e o teste do que deveria ser ademocracia como fusatildeo de igualdade com liberdade Como trabalhador assalariado asociedade de classes incorpora o negro ao sistema de trabalho agrave estrutura social domodo de produccedilatildeo capitalista integrando-o ao proletariado Nessa condiccedilatildeo o negro pode

24 Abdias do Nascimento enfatiza que o sistema educacional [brasileiro] eacute usado como aparelhamento de controle nestaestrutura de discriminaccedilatildeo cultural Em todos os niacuteveis do ensino brasileiro ndash elementar secundaacuterio universitaacuterio ndash oelenco das mateacuterias ensinadas constitui um ritual da formalidade e da ostentaccedilatildeo da Europa e mais recentemente dosEstados Unidos Se consciecircncia eacute memoacuteria e futuro quando e onde estaacute a memoacuteria africana parte inalienaacutevel daconsciecircncia brasileira Onde e quando a histoacuteria da Aacutefrica o desenvolvimento de suas culturas e civilizaccedilotildees ascaracteriacutesticas do seu povo foram ou satildeo ensinadas nas escolas brasileiras Quando haacute alguma referecircncia ao africanoou negro eacute no sentido do afastamento e da alienaccedilatildeo da identidade negra Tampouco na universidade brasileira o mundonegro-africano tem acesso O modelo europeu ou norte-americano se repete e as populaccedilotildees afro-brasileiras satildeotangidas para longe do chatildeo universitaacuterio como gado leproso Falar em identidade negra numa universidade do paiacutes eacute omesmo que provocar todas as iras do inferno e constitui um difiacutecil desafio aos raros universitaacuterios afro-brasileirosSANTOS Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeoanti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

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GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 25: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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ser duplamente revolucionaacuterio ndash como negro e como proletaacuterio Se natildeo conta com razotildeespara defender a ordem existente haacute muitos motivos para negaacute-la destruiacute-la e construiruma ordem nova na qual raccedila e classe deixem de ser uma maldiccedilatildeo25

Afirmamos o caraacuteter estrateacutegico da organizaccedilatildeo do povo negro para engendrar umasociedade sem dominaccedilatildeo de raccedila26 de gecircnero e sem dominaccedilatildeo de classe A raccedila eacute ofator que em um contexto de confrontaccedilatildeo poderaacute levar mais longe em extensatildeo eprofundidade o padratildeo de democracia que corresponderaacute agraves exigecircncias da situaccedilatildeobrasileira O povo negro deve emancipar-se coletivamente concebendo a interaccedilatildeo desua condiccedilatildeo racial com a condiccedilatildeo de forccedila produtiva construindo objetivamente uma viapara transformar o paiacutes

Estas duas polaridades ndash a classe e a raccedila combinadas ndash podem constituir-se em forccedilascentriacutefugas agrave ordem existente Aleacutem disso haacute outros segmentos oprimidos (mulhereshomossexuais iacutendios e outros mais) que expressam distintas radicalidades na busca desua emancipaccedilatildeo integram o campo revolucionaacuterio contra a ordem vigente e almejam aedificaccedilatildeo de uma sociedade de iguais Os diferentes segmentos com interesses valorese aspiraccedilotildees distintas compotildeem nesse campo uma ldquounidade no diversordquo

Aprendemos com a teoria gramsciana que nenhum movimento real adquirerepentinamente consciecircncia de sua totalidade mas somente por meio de experiecircnciassucessivas quando toma consciecircncia pelos fatos de que nada do que eacute eacute ldquonaturalrdquo masque tudo existe porque existem certas condiccedilotildees que lhe datildeo materialidade Eacute com aconsciecircncia da totalidade que o movimento se aperfeiccediloa perde as caracteriacutesticas deldquosimbioserdquo se torna verdadeiramente independente no sentido de que para terdeterminadas consequumlecircncias cria as premissas necessaacuterias empenhando todas as suasforccedilas

Institucionalidade e Autonomia

Em consonacircncia com a interpretaccedilatildeo da realidade brasileira hoje o patamar de nossa lutasitua-se na radicalizaccedilatildeo da democracia procurando expandi-la para aleacutem dos limites dainstitucionalidade vigente A luta pela hegemonia deve articular interligar a busca pelaconcretizaccedilatildeo da ldquocidadania socialrdquo agrave poliacutetica colocando a generalizaccedilatildeo da cidadanianegra como o objetivo central da luta democraacutetica

O movimento negro eacute o uacutenico entre os movimentos sociais brasileiros que temexperimentado uma ascensatildeo contiacutenua na fase de ressurgimento das organizaccedilotildeessociais apoacutes o golpe militar de 1964 Esse crescimento poliacutetico-organizativo e dacapacidade de mobilizaccedilatildeo permitiu tambeacutem um significativo avanccedilo no terrenoinstitucional com a obtenccedilatildeo de diversas conquistas O reconhecimento pelo Estado daexistecircncia das comunidades quilombolas e do direito aacute posse e titulaccedilatildeo dos seus

25 FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora Autores Associados 198926 Tomando-se o termo ldquoraccedilardquo no sentido socioloacutegico e natildeo no da antropologia fiacutesica ldquoA definiccedilatildeo de ldquoraccedila negrardquo eacute umconceito social e convencional natildeo bioloacutegico A definiccedilatildeo social e natildeo os fatos bioloacutegicos eacute que determinam atualmenteo status de um individuo e sua posiccedilatildeo nas relaccedilotildees inter-raciaisrdquo (G Myrdal em An American Dilemma The NegroProblem na Modern Democracy Harper amp Brothers Nova York e Londres 1944) A ldquoraccedilardquo apenas fornece os atributosque satildeo selecionados e imputados socialmente a determinados sujeitos em determinadas condiccedilotildees de existecircncia socialEm outras palavras nela se encontram as mateacuterias-primas do preconceito racial As causas e o modo de elaboraccedilatildeo dessasmateacuterias-primas estatildeo na ldquosociedaderdquo ndash natildeo nas ldquoraccedilasrdquo BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos eNegros em Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 1971

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 26: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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territoacuterios a aprovaccedilatildeo da Lei 10639 que incluiu no curriacuteculo oficial da rede de ensino aobrigatoriedade da temaacutetica Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira adoccedilatildeo de medidas deaccedilatildeo afirmativa e a adoccedilatildeo de poliacuteticas especiacuteficas ndash mesmo ainda limitadas ndash voltadaspara o povo negro Todavia nesse processo muitas lideranccedilas do movimento passaram aassumir cargos e posiccedilotildees no parlamento em secretarias autarquias e na administraccedilatildeopuacuteblica secundarizando a atuaccedilatildeo nas organizaccedilotildees negras assimilando muitas vezes odiscurso oficial do Estado desenvolvendo poliacuteticas conciliatoacuterias de contenccedilatildeo daspressotildees sociais de diluiccedilatildeo das contradiccedilotildees de raccedila e classe

O enfrentamento dos meios de cooptaccedilatildeo do Estado brasileiro a luta poliacutetica e ideoloacutegicacontra a elite racista e burguesa tem uma intensidade crescente dentro do movimentonegro A dimensatildeo dessa disputa travada em seu interior coloca para o movimento odesafio de dar continuidade a seu avanccedilo histoacuterico mantendo a autonomia o centro daacumulaccedilatildeo poliacutetica na organizaccedilatildeo do povo negro e a orientaccedilatildeo estrateacutegica daemancipaccedilatildeo completa dos negros e negras ou privilegiar a atuaccedilatildeo na esferainstitucional a obtenccedilatildeo gradual de benefiacutecios parciais e restritos reduzindoconsequumlentemente seu objetivo estrateacutegico agrave integraccedilatildeo inter-racial subordinada

Poliacuteticas Puacuteblicas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial e o Combate ao RacismoldquoNatildeo somos descendentes de escravos mas de africanos Aescravidatildeo foi uma condiccedilatildeo social imposta sendo os quilombosuma expressatildeo de liberdade e os quilombolas construtores dasociedade brasileirardquo Jocirc Brandatildeo coordenadora da ConfederaccedilatildeoNacional das Comunidades Quilombolas ndash CONAQ

A inclusatildeo social e poliacutetica a promoccedilatildeo da igualdade racial a conquista da cidadaniaplena do povo negro satildeo exigecircncias histoacutericas e objetivos estrateacutegicos do povo negro

A compreensatildeo da dinacircmica das relaccedilotildees raciais no acircmbito da educaccedilatildeo eacute fundamentalpara a formulaccedilatildeo de um novo projeto de educaccedilatildeo que possibilite a inserccedilatildeo socialigualitaacuteria do povo negro assegurando o desenvolvimento do potencial intelectual contidoe reprimido pelo racismo de todos os brasileiros independentemente de cor raccedilagecircnero renda entre outras distinccedilotildees Isto contribuiraacute para o desenvolvimento de umpensamento comprometido com o anti-racismo combatente da ideacuteia de inferioridade superioridade de indiviacuteduos ou de grupos raciais e eacutetnicos que caminha para acompreensatildeo integral do sujeito e no qual a diversidade humana seja formal esubstantivamente respeitada e valorizada27

O I Congresso do Negro Brasileiro promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN)no Rio de Janeiro entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950 jaacute incluiacutea em sua pautade reivindicaccedilotildees o estiacutemulo ao estudo das reminiscecircncias africanas no paiacutes bem comodos meios de remoccedilatildeo das dificuldades dos brasileiros de cor e a formaccedilatildeo de Institutosde Pesquisas puacuteblicos e particulares com esse objetivo Quando do ressurgimento dosmovimentos sociais negros em 1978 a agenda das entidades negras reivindicava doEstado brasileiro a reformulaccedilatildeo dos curriacuteculos escolares visando agrave valorizaccedilatildeo do papeldo negro na Histoacuteria do Brasil e a introduccedilatildeo de mateacuterias como Histoacuteria da Aacutefrica e

27 CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 27: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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liacutenguas africanas participaccedilatildeo dos negros na elaboraccedilatildeo dos curriacuteculos em todos osniacuteveis e oacutergatildeos escolares A Convenccedilatildeo Nacional do Negro pela Constituinte realizadaem Brasiacutelia- DF nos dias 26 e 27 de agosto de 1986 aprovou e apresentou aos membrosda Assembleacuteia Nacional Constituinte entre outras as seguintes propostas O processoeducacional respeitaraacute todos os aspectos da cultura brasileira Eacute obrigatoacuteria a inclusatildeonos curriacuteculos escolares de I II e III graus do ensino da histoacuteria da Aacutefrica e da Histoacuteria doNegro no Brasil28

A Lei 10639 de 9 de janeiro de 2003 como resultado da luta anti-racista do movimentonegro exigiraacute para a sua plena implementaccedilatildeo o acompanhamento e a mobilizaccedilatildeopermanente das diversas organizaccedilotildees negras

O Movimento Negro deve desenvolver accedilotildees efetivas no momento poliacutetico atual quetenham como principais diretrizes inter-relacionadas o combate ao racismo institucional apromoccedilatildeo da igualdade racial e a valorizaccedilatildeo dos espaccedilos negros

O Racismo Institucional eacute o fracasso das instituiccedilotildees e organizaccedilotildees em prover umserviccedilo profissional e adequado agraves pessoas em virtude de sua cor cultura origem racialou eacutetnica Manifesta-se em normas praacuteticas e comportamentos discriminatoacuterios adotadosno cotidiano de trabalho resultantes da ignoracircncia da falta de atenccedilatildeo do preconceito oude estereoacutetipos racistas Em qualquer situaccedilatildeo o racismo institucional sempre colocapessoas de grupos raciais ou eacutetnicos discriminados em situaccedilatildeo de desvantagem noacesso a benefiacutecios gerados pelo Estado e por demais instituiccedilotildees organizadas

Com a finalidade de desenvolver habilidades para identificar abordar prevenir ecombater o racismo institucional no setor puacuteblico o Programa de Combate ao RacismoInstitucional no Brasil definiu duas dimensotildees interdependentes e correlacionadas deanaacutelise (1) a das relaccedilotildees interpessoais e (2) a poliacutetico-programaacutetica A primeira dizrespeito agraves relaccedilotildees que se estabelecem entre dirigentes e trabalhadores(as) entreos(as) proacuteprios(as) trabalhadores(as) e entre esses(as) e os(as) usuaacuterios(as) dosserviccedilos A segunda dimensatildeo ndash poliacutetico-programaacutetica ndash pode ser caracterizada pelaproduccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo de informaccedilotildees sobre as experiecircncias diferentes eoudesiguais em nascer viver adoecer e morrer pela capacidade em reconhecer o racismocomo um dos determinantes das desigualdades no processo de ampliaccedilatildeo daspotencialidades individuais pelo investimento em accedilotildees e programas especiacuteficos para aidentificaccedilatildeo de praacuteticas discriminatoacuterias pelas possibilidades de elaboraccedilatildeo eimplementaccedilatildeo de mecanismos e estrateacutegias de natildeo-discriminaccedilatildeo combate e prevenccedilatildeodo racismo e intoleracircncias correlatas ndash incluindo a sensibilizaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo deprofissionais pelo compromisso em priorizar a formulaccedilatildeo e a implementaccedilatildeo demecanismos e estrateacutegias de reduccedilatildeo das disparidades e promoccedilatildeo da equumlidade29

Em uacuteltima anaacutelise vencer os obstaacuteculos colocados pelo Racismo Institucional significaassegurar (i) transversalidade que pressupotildee que o combate agraves desigualdades raciais ea promoccedilatildeo da igualdade racial passem a constar como premissas como pressupostos a

28 Sales Augusto dos A LEI Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista do Movimento Negro In Educaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003 Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de EducaccedilatildeoContinuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO29 PNUD ndash Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento DFID ndash Ministeacuterio do Governo Britacircnico para oDesenvolvimento Internacional PCRI ndash Programa de Combate ao Racismo Institucional Relatoacuterio Revisatildeo AnualBrasiacutelia PNUDDFID 2005 Disponiacutevel em wwwpnudorgbr

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 28: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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serem considerados no conjunto das poliacuteticas de governo (ii) centralidade elementovoltado para garantir a focalizaccedilatildeo dessas poliacuteticas sempre que as accedilotildees universais natildeocumprirem o seu objetivo de promoccedilatildeo da igualdade racial e (iii) vetorialidade entendidacomo a orientaccedilatildeo estrateacutegica que deve permear todo o processo de proposiccedilatildeo daspoliacuteticas puacuteblicas30

A promoccedilatildeo da igualdade racial se materializa por meio de poliacuteticas assim delineadas

bull Aprovaccedilatildeo do projeto do Estatuto da Igualdade Racial e do fundo de promoccedilatildeo daIgualdade Racialbull Aprovaccedilatildeo do PL 7399 que assegura o sistema de cotas promovendo o acessode negros agraves Universidades aos cursos de poacutes-graduaccedilatildeo e agraves Escolas TeacutecnicasFederaisbull Cumprimento da LEI nordm 10639 de 09 de janeiro de 2003 que torna obrigatoacuterionos estabelecimentos de ensino fundamental e meacutedio oficiais e particulares o ensinosobre Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira incluindo o estudo da Histoacuteria da Aacutefrica e dosAfricanos Monitoramento dos curriacuteculos livros didaacuteticos manuais e programaseducativos assegurando o reconhecimento do papel decisivo do negro na construccedilatildeohistoacuterica do Brasilbull Adoccedilatildeo de programas permanentes de treinamento de professores para odesenvolvimento de uma educaccedilatildeo puacuteblica habilitada a lidar com a diversidade racialReformulaccedilatildeo e reciclagem dos curriacuteculos dos cursos de formaccedilatildeo de profissionais emeducaccedilatildeobull Desenvolvimento de accedilotildees afirmativas destinadas a garantir o acesso e apermanecircncia de crianccedilas e adolescentes negros na rede puacuteblica de ensinobull Inclusatildeo do quesito cor em todos os sistemas de informaccedilatildeo da administraccedilatildeocomo forma de democratizar as informaccedilotildees puacuteblicas sob uma oacutetica soacutecio-racialpermitindo a disponibilizaccedilatildeo de dados para poliacuteticas puacuteblicas especiacuteficasbull Reconhecimento da posse definitiva e titulaccedilatildeo das terras pelas comunidadesremanescentes de quilombos como obriga o artigo 68 da constituiccedilatildeobull Promover o mapeamento e tombamento dos siacutetios e documentos referenciais dacultura e da resistecircncia negra Valorizaccedilatildeo e afirmaccedilatildeo da cultura negra combatendo eimpedindo a distorccedilatildeo e a folclorizaccedilatildeobull Reconhecer as religiotildees afro-brasileiras como interlocutoras sociais em niacutevel deigualdade com as religiotildees cristatildes e outras Implementar o tombamento de casas de cultode origem africanabull Combater a violecircncia praticada principalmente contra os jovens afro-descendentesbull Controle e puniccedilatildeo da atividade de turismo sexualbull Estabelecer programas de treinamento dos servidores puacuteblicos visando aqualificaacute-los para um atendimento puacuteblico natildeo discriminatoacuterio Realizar diagnoacutestico sobrea situaccedilatildeo dos servidores negros e brancos objetivando identificar desigualdades erecolher subsiacutedios para a adoccedilatildeo de medidas reparadorasbull Veiculaccedilatildeo de campanhas publicitaacuterias de combate ao racismo

30BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTO Cida BORGESHamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES Valdisio HUMBERTO Silvio LIRA AltairLOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA Damiana NASCIMENTO Albertino NASCIMENTO ValdeciPAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS Vilma ROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA EdeniceSANTOS Luiz Alberto dos SOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador Instituto Buacutezios 2004

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 29: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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bull Estabelecimento de cotas de representaccedilatildeo proporcional dos grupos eacutetnico-raciaisnas campanhas de comunicaccedilatildeo do governo comerciais filmes programas de TV peccedilasteatrais etcbull Desenvolvimento de incentivos fiscais a empresas que promovam a igualdadetornando-se obrigatoacuterio aos que prestem serviccedilos puacuteblicos eou que mantenham relaccedilatildeocontratual com o Estadobull Implementaccedilatildeo de linhas de creacuteditos para pequenos e meacutedios empresaacuterios afro-descendentes

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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31

Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 30: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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HINO DA CONJURACcedilAtildeO DOS BUacuteZIOS

ldquoLiberdade e Igualdaderdquo

Igualdade e liberdadeNo Sacraacuterio da razatildeoAo lado da satilde justiccedilaPreenchem o meu coraccedilatildeo

Deacutecimas

I

Se a causa mortis dos entesTem as mesmas sensaccediloensMesmos organos e precizoensDados a todos os viventesSe a qualquer sufficientesMeios de necessidadeRemir deo com equidadeLogo satildeo imperessiveisE de Deus Leys infalliveisIgualdade e liberdade

II

Se este dogma for seguidoE de todos respeitadoFaraacute bem aventuradoAo povo rude e polidoE assim que florescidoTem da Ameacuterica a NaccedilatildeoAssim fluctue o PendatildeoDos Francezes que a imitaratildeoDepois que affoitos entraratildeoNo Sacraacuterio da razatildeo

III

Estes povos venturozosLevantando soltos os braccedilosDesfeitos em mil pedaccedilos

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31

Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 31: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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Feros grilhoens vergonhososJuraratildeo viver ditozosIzentos da vil cobiccedilaDa impostura e da preguiccedilaRespeitando os Seos DireitosAlegres e satisfeitosAo lado da satilde Justiccedila

IV

Quando os olhos dos BaianosEstes quadros divisaremE longe de si lanccedilaremMil despoacuteticos tyranosNas suas Terras seratildeoOh doce commoccedilatildeoExperimentatildeo estas venturasSe ellas bem que futurasPreenchem o meo coraccedilatildeo

Poema de autoria atribuiacuteda ao Professor Francisco Muniz Barreto

Fonte RUI Affonso A primeira revoluccedilatildeo social brasileira Salvador TipografiaBeneditina 1951

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Sobre o autor

Valdisio Luiz caldas Fernandes eacute pesquisador fundador e coordenador geral do InstitutoBuacutezios e integra a coordenaccedilatildeo do Campo Eacutetnico e popular Este texto eacute uma versatildeoampliada do trabalho apresentado pelo autor em 2008 no Coloacutequio Nacional Processosde Hegemonia e Contra-hegemonia conforme a seguinte bibliografia FERNANDESValdisio Luiz caldas A luta pela hegemonia uma perspectiva negra Em UniversidadeFederal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciecircncias Humanas Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Ciecircncias Sociais Departamento de Ciecircncia Poliacutetica Grupo de PesquisaProcessos de Hegemonia e Contra-hegemonia Salvador 13 a 15 de novembro de 2008

Fontes e referecircncias bibliograacuteficas

GORENDER Jacob ldquoO Escravismo Colonialrdquo Satildeo Paulo Aacutetica 1978

SADER Emir ldquoA luta de Classes no Brasilrdquo Rio de Janeiro Outro Brasil 2004

GRAMSCI Antonio ldquoCadernos do Caacutercererdquo Rio de Janeiro Editora Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho

GRAMSCI Antonio ldquoGramsci ndash Poder Poliacutetica e Partidordquo Satildeo Paulo Editora Brasiliense 1990

ANDERSON Perry Criacutetica Marxista A estrateacutegia Revolucionaacuteria na Atualidade in ldquoAsAntinomias de Gramscirdquo Satildeo Paulo Editora Joruecircs 1986

Partido Socialista dos Trabalhadores-Unificado Raccedila e Classe Editora Desafio Ltda Satildeo Paulo1996

LARA Silvia Hunold ldquoTrabalhadores Escravosrdquo in Revista dos Trabalhadores CampinasFundaccedilatildeo de Assistecircncia agrave Cultura 1989

MARTINS Roberto ldquoTratar Desigualmente os Desiguaisrdquo in Poliacuteticas Puacuteblicas e AccedilotildeesAfirmativas Para a Populaccedilatildeo Afrodescendente Brasiacutelia Cacircmara dos Deputados 2001

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan (Orgs) ldquoRelaccedilotildees Raciais entre Negros e Brancosem Satildeo Paulordquo Satildeo Paulo Anhembi 1955

BASTIDE Roger e FERNANDES Florestan ldquoBrancos e Negros em Satildeo Paulordquo Satildeo PauloCompanhia Editora Nacional 1971

SANTOS Sales Augusto dos ldquoA Lei Nordm 1063903 Como Fruto da Luta Anti-Racista doMovimento Negrordquo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nordm 106392003rdquoColeccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo Continuada Alfabetizaccedilatildeo e Diversidade(SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 33: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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ARAUacuteJO Ubiratan Castro de ldquoReparaccedilatildeo Moral Responsabilidade Puacuteblica e Direito agraveIgualdade do Cidadatildeo Negro No Brasilrdquo in Seminaacuterio Racismo Xenofobia e IntoleracircnciaSalvador IPRI Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo 2000

LUNA Luiz ldquoO Negro na Luta Contra a Escravidatildeordquo Rio de Janeiro Livraria Editora CaacutetedraLtda 1976

RUI Affonso ldquoA primeira revoluccedilatildeo social brasileirardquo Salvador Tipografia Beneditina 1951

ARAUJO Ubiratan Castro de A poliacutetica dos homens de cor no tempo da IndependecircnciaEstud av 2004 vol18 no50 ISSN 0103-4014

MATTOS Florisvaldo ldquoA comunicaccedilatildeo social na revoluccedilatildeo dos alfaiatesrdquo Salvador UFBA1974

TAVARES Luiacutes Henrique Dias ldquoHistoacuteria da Sediccedilatildeo Intentada na Bahia em 1798rdquo ( AConspiraccedilatildeo dos Alfaiates ) Satildeo Paulo Pioneira 1975

MATTOSO Katia M de Queiroacutes Bahia 1798 os panfletos revolucionaacuterios Proposta de umanova leitura Em A Revoluccedilatildeo Francesa e seu impacto na Ameacuterica Latina Satildeo PauloBrasiacuteliaNova Stella EduspCNPq 1990

JANCSOacute Istvaacuten Contradiccedilotildees tensotildees e conflitos a inconfidecircncia baiana de 1798 Rio deJaneiro Universidade Federal Fluminense 1975

GARCIA Antonia ldquoA Inconfidecircncia Baiana de 1798 Revoluccedilatildeo dos Buacutezios LiberdadeFraternidade Igualdaderdquo Salvador Instituto Buacutezios wwwinstitutobuziosorgbr 2004

NORONHA Silvia ldquoMaacutertires da Liberdaderdquo in Memoacuterias da Bahia II Salvador Empresa Baianade Jornalismo SA 2004

REIS Joatildeo Joseacute ldquoRebeliatildeo Escrava no Brasil A Histoacuteria do Levante dos Malecircs em 1835rdquoSatildeo Paulo Companhia das Letras 2003

FARELLI Maria Helena ldquoMalecircs Os Negros Bruxosrdquo Satildeo Paulo Madras sd 96p il ISBN8573742402

JOSEacute Emiliano ldquoSangue malecirc nas ruas de Salvadorrdquo Salvador jornal A Tarde 10042004

SILVA Fabriacutecio Pereira da ldquoA histoacuteria do Levante dos Malecircsrdquo Gramsci e o Brasil wwwGramsciorg janeiro de 2004

SCHWARCZ Lilia Moritz Racismo no Brasil Satildeo Paulo Publifolha 2001

CAVALLEIRO Eliane dos Santos Introduccedilatildeo in ldquoEducaccedilatildeo anti-racista caminhos abertos pelaLei Federal nordm 106392003rdquo Coleccedilatildeo Educaccedilatildeo para todos Secretaria de Educaccedilatildeo ContinuadaAlfabetizaccedilatildeo e Diversidade (SecadMEC) Brasiacutelia 2005 Ediccedilotildees MEC BID UNESCO

MOURA Clovis ldquoOs Quilombos e a Rebeliatildeo Negrardquo Satildeo Paulo Brasiliense 1981

FERNANDES Florestan ldquoSignificado do Protesto Negrordquo Satildeo Paulo Cortez Editora AutoresAssociados 1989

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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Page 34: PDF Creator - PDF4Free v2.0 ://...com o pensamento político, entre outros autores, de Antonio Gramsci, Jacob Gorender e Florestan Fernandes no que concerne ao entendimento sobre os

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IANNI Octaacutevio ldquoRaccedilas e Classes Sociais no Brasilrdquo Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1972

FERNANDES Valdisio ldquoRelaccedilatildeo Vanguarda Massardquo in Accedilatildeo Popular nos Bairros Salvador1980

VIDA Samuel ldquoOs Negros e as Poliacuteticas Puacuteblicasrdquo Salvador 1996

BAIRROS Luiza BARBOSA Lindinalva BARRETO Vanda Saacute BELMONTE Geraldo BENTOCida BORGES Hamilton CHATEAUBRIAND Luiz CUNHA Lazaro FERNANDES ValdisioHUMBERTO Silvio LIRA Altair LOBO Cristina MACA Nelson MIRANDA DamianaNASCIMENTO Albertino NASCIMENTO Valdeci PAIXAtildeO Ivana PIRES Ivonei REIS VilmaROCHA Pedro SAMPAIO Elias Samuel VIDA SANTANA Edenice SANTOS Luiz Alberto dosSOUZA Luiz Antonio TELES Joceacutelio Documento ndash ldquoPoliacuteticas Puacuteblicas de Inclusatildeo ePromoccedilatildeo da Igualdade Racial Para o Povo Negro da Cidade de Salvadorrdquo Salvador InstitutoBuacutezios 2004

ldquoDocumento Base do Campo Eacutetnico e Popularrdquo Salvador 2004

ldquoUm Sol Negro Estaacute Nascendordquo Coletivo Negritude do P-SOL Rio de Janeiro 2006

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