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PAUL-MICHEL FOUCAULT ( 1926-1984 ) Filósofo Francês No século XX, o mundo bipolar (EUA x URSS) possuía duas correntes dentro da ciência política: MARX (marxismo) x WEBER (liberalismo) Estas duas correntes visavam explicar os fenômenos sociais, porém a vida economia, política e social não era tão simplória que podia ser explicada apenas por uma dessas teorias. Estes fenômenos sociais eram complexos e necessitavam mais do que duas teorias para sua explicação. Partindo apenas destas duas correntes de pensamento, não haveria evoluções sociais, econômicas e política, apenas limitações que acabariam com o fenômeno evolutivo da sociedade contemporânea, que visava um crescimento, que não conseguia instituir seus pilares apenas em teorias liberais (ou neoliberais) e socialistas. A compreensão deste fato de que a sociedade (através de fenômenos sociais) haveria evoluído e por isso não poderia tomar como base apenas duas teorias conflitantes parte do brilhante pensamento de Paul-Michel Foucault a luz da epistemologia contemporânea. Foucault percebeu que seria necessário encontrar a paz entre os indivíduos estudando a sociedade e o ser humano. Paul-Michel Foucault nasceu em 15 de outubro de 1926. Filho de Paul Foucault, cirurgião e professor de anatomia em Poitiers, e Anna Malapert, Michel pertencia a uma família onde a medicina era tradição, pois tanto o avô paterno quanto o materno eram cirurgiões, mas Michel traçou o próprio caminho. Desde cedo demonstrou interesse pela história. Seu interesse pela filosofia não tardou a aparecer, aprofundando seus estudos com entusiasmo. Como pano de fundo, Foucault vivia os tormentos da Segunda Guerra Mundial. Decepcionando a expectativa de seu pai de que se tornasse médico, e apoiado pela mãe, Foucault segue seu rumo à filosofia. O fato de pertencer a uma família burguesa, 1

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PAUL-MICHEL FOUCAULT (1926-1984 )

Filósofo Francês

No século XX, o mundo bipolar (EUA x URSS) possuía duas correntes dentro da ciência política:

MARX )marxismo( x WEBER )liberalismo(

Estas duas correntes visavam explicar os fenômenos sociais, porém a vida economia, política e social não era tão simplória que podia ser explicada apenas por uma dessas teorias. Estes fenômenos sociais eram complexos e necessitavam mais do que duas teorias para sua explicação. Partindo apenas destas duas correntes de pensamento, não haveria evoluções sociais, econômicas e política, apenas limitações que acabariam com o fenômeno evolutivo da sociedade contemporânea, que visava um crescimento, que não conseguia instituir seus pilares apenas em teorias liberais (ou neoliberais) e socialistas.

A compreensão deste fato de que a sociedade (através de fenômenos sociais) haveria evoluído e por isso não poderia tomar como base apenas duas teorias conflitantes parte do brilhante pensamento de Paul-Michel Foucault a luz da epistemologia contemporânea. Foucault percebeu que seria necessário encontrar a paz entre os indivíduos estudando a sociedade e o ser humano.

Paul-Michel Foucault nasceu em 15 de outubro de 1926. Filho de Paul Foucault, cirurgião e professor de anatomia em Poitiers, e Anna Malapert, Michel pertencia a uma família onde a medicina era tradição, pois tanto o avô paterno quanto o materno eram cirurgiões, mas Michel traçou o próprio caminho. Desde cedo demonstrou interesse pela história.

Seu interesse pela filosofia não tardou a aparecer, aprofundando seus estudos com entusiasmo. Como pano de fundo, Foucault vivia os tormentos da Segunda Guerra Mundial. Decepcionando a expectativa de seu pai de que se tornasse médico, e apoiado pela mãe, Foucault segue seu rumo à filosofia. O fato de pertencer a uma família burguesa, possibilitou a Foucault um auxilio frente as suas necessidades econômicas.

Mudou-se para Paris em 1945. Em 1946, iniciou seus estudos na École Normale da rue d'Ulm. Foucault trazia com ele a característica de ser uma pessoa solitária e fechada, o que foi tornando-se cada vez mais forte, pois as relações e a competitividade por parte dos alunos desta escola fizeram com que ele recuasse ainda mais do contato social.

Tornou-se uma pessoa agressiva e irônica, características que se mantiveram por toda sua vida. Em 1948 Foucault tentou suicídio, o que acabou levando-o a um tratamento psiquiátrico. Este impulso retornou outras vezes em sua vida. Segundo o psiquiatra que o acompanhou, esta atitude estava ligada às dificuldades frente a sua homossexualidade, que começava a se pronunciar. Esta experiência colocou-o pela primeira vez em contato com a psiquiatria, psicologia e psicanálise, o que marcou profundamente a sua obra. Foi leitor de Platão, Hegel, Kant, Marx, Nietzsche, Husserl, Heidegger, Freud, Bachelard, Lacan, etc. Foucault aprofundou-se nos estudos de Kant. Considerava que sua filosofia era uma crítica a Kant, no que diz respeito a noção do sujeito enquanto mediador e referência de

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todas as coisas, já que para Foucault o homem é produto das práticas discursivas. Leu também autores como Kafka, Faulkner, Gide, Genet, Sade, René Char, etc.

Filiou-se ao partido comunista e por toda a vida esteve às voltas com a política. Licenciado em filosofia pela Sorbonne em 1948, e, em 1949 licenciou-se em psicologia. No ano de 1952 cursou o Instituto de Psychologie e obteve diploma de Psicologia Patológica. No mesmo ano tornou-se assistente na Universidade de Lille. Foucault lecionou psicologia e filosofia em diversas universidades, em países como: Alemanha, Suécia, Tunísia, EUA, etc. Trabalhou durante muito tempo como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões. Escreveu para diversos jornais.

Viajou o mundo apresentando conferências. Em 1955 mudou-se para Suécia. Foucault faleceu no dia 25 de junho de 1984, em plena produção intelectual, o que fez com que sua morte fosse muito sentida. A causa da morte foi questão de muitas discussões, sendo levantada a hipótese AIDS.

O autor publicou as seguintes obras:"Doença mental e Psicologia" (1954); "História da Loucura" (1961); "Raymond Roussel" (1963); "O nascimento da clínica" (1963); "As palavras e as coisas" (1966); "A Arqueologia do saber" (1969); "A ordem do discurso" (1970 - aula inaugural do College de France); "Vigiar e Punir" (1977); "A vontade de saber – História da sexualidade I" (1976); "O uso dos prazeres – História da sexualidade II" (1984); "O cuidado de si – História da sexualidade III" (1984).

Foucault foi, e ainda é, um filósofo respeitado e de sucesso. Sempre polêmico, tanto pelas suas idéias, quanto pelo seu comportamento, temperamento e sua opção sexual. Por ser uma pessoa extremamente estudiosa e culta, atraia a admiração dos demais. Há grandes discussões a respeito de Foucault representar ou não a corrente estruturalista (a corrente estruturalista pode ser definida como uma tentativa de englobar aspectos importantes da Abordagem Clássica e aspectos relevantes da Escola das Relações Humanas. O próprio autor em sua obra, "O nascimento da clínica", usa pela primeira vez o termo estrutura, demonstrando neste texto a intenção de realizar uma análise estrutural.

Em 1969, em seu novo texto "Arqueologia do saber", Foucault revela que a análise estrutural não o auxiliou a tratar da problemática que pretendia no texto "O nascimento da clínica". Ao contrário, acredita que a análise estrutural acabou por nublar a problemática em questão. O método mais apropriado, sob sua ótica, seria o método arqueológico, separando-se e diferenciando-se então da proposta estruturalista.

O pensamento de Foucault poderia ser localizado como parte do debate sobre modernidade, onde a razão iluminista ocupa o local de destaque. O homem, para este filósofo, ocupa um papel importante, uma vez que é sujeito e objeto de conhecimento. Considera o homem enquanto resultado de uma produção de sentido, de uma prática discursiva e de intervenções de poder. Foucault discute o homem, enquanto sujeito e objeto do conhecimento, através de três procedimentos em domínios diferentes: a arqueologia, a genealogia e a ética. Estes procedimentos constituem momentos do método.

Para este autor o método dá-se diante do objeto a ser estudado e não ao contrário. Através do método arqueológico, este filósofo aborda os saberes que falam sobre o homem, as práticas discursivas, e não verdades em relação a este homem. Reivindica uma independência de qualquer ciência, pois acredita não poder localizar o homem através do que ela pode oferecer.

Estabelece sim, inter-relações conceituais dos diferentes saberes e não de uma ciência. A arqueologia pode ser encontrada principalmente em duas de

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suas obras: "A História da Loucura" e "As palavras e as Coisas". Neste último livro, surge a possibilidade de explicitação das condições da possibilidade para que os conhecimentos possam se dar de uma determinada forma, em uma determinada época, que é o que o autor chama de episteme. A genealogia, segundo este autor, possibilita pensar na questão do poder como uma rede onde o homem é visto como objeto e sujeito das práticas do poder.

Mais tarde, Foucault irá desenvolver a noção do bipoder. A genealogia não se opõe à história e sim aos desdobramentos meta-históricos das significações ideais e das indefinidas teleologias. Opõe-se apenas à pesquisa de origem. Este método, encontra-se principalmente em sua obra "Vigiar e Punir". A ética, para Foucault, é a possibilidade de apontar o sujeito que constitui à si próprio como sujeito das práticas sociais. É o momento para refletir o motivo pelo qual o homem moderno constitui critérios de um modo de subjetivação em que tenha espaço a liberdade. Encontra-se este método principalmente em "O uso dos prazeres" e "O cuidado de si". Esta elaboração foi feita nos últimos meses da vida de Foucault, momento em que parecia surgir para este filósofo a necessidade de pensar sobre ele mesmo.

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FOUCAULT, O ILUMINISMO E A MODERNIDADE

"As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas" Michel Foucault

O pensamento filosófico e as ciências humanas em geral destacam, em suas produções e análises mais recentes, a importância do Iluminismo, como impulso decisivo à Modernidade. As produções filosóficas deste século gastaram tempo e pesquisa na análise do vínculo entre Iluminismo e Modernidade. Exemplos evidentes estão na Escola de Frankfurt, (Habermas, mais recentemente) e no pensamento de Michel Foucault.

O tema da relação existente entre Foucault e a Modernidade foi explorado com profundidade por Rouanet e Merquior, embora com resultados muito diferentes. Aliás, na década de oitenta, pudemos assistir a um longo e produtivo debate sobre a pertença de Foucault à herança iluminista, ao legado das "Luzes".

Várias leituras são possíveis. Parece viável vincular Foucault às "Luzes" se a leitura de suas obras privilegiar o universo temático. De fato, Foucault continua tratando os mesmos temas: ciência, razão, liberdade etc. Contudo, há consistência na concepção que separa Foucault do Iluminismo, pelo fato do mesmo ter realizado uma crítica vigorosa à idealização de uma civilização, tal como ocorreu nos séculos XVIII e XIX. Uma abordagem possível para esta questão aparece na afirmação de Foucault: "As ‘Luzes’ que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas". Esta afirmação demonstra, no mínimo, a ambivalência das "luzes", suas realidades subterrâneas e, no limite, uma posição crítica na qual Foucault se apresenta pelo menos desconfiado em relação aos progressos da razão moderna, ou em relação aos sucessos do Esclarecimento.

O Iluminismo (Aufklarung) foi a "atmosfera" na qual viveram os homens nos séculos XVIII e XIX. Significou uma grande aposta feita pela humanidade nas possibilidades da razão. Na Idade Média, a humanidade havia encontrado refúgio na fé, elemento essencial da civilização que ficou conhecida como Cristandade. Os medievais permaneceram séculos em condições precárias; não se transformaram em sujeitos. Foi impossível estar no "domínio de si" tendo a fé – um princípio extrínseco – como elemento essencial da vida humana. Não encontraram em si mesmo o princípio que lhes permitisse vir a público e dizer "Eu sou".

As "Luzes" modernas confirmaram um novo estatuto de humanidade. Glorificaram a razão, disparando sobre a Cristandade palavras duras:

"Tremei! Tremei! É chegada ao povo a idade da razão", ou "Esmagai a Infame", (a velha Igreja, representante da clericalização e ortodoxia).

Tais pensamentos, do francês Voltaire, dão a dimensão da profundidade crítica do Iluminismo. A História parecia confirmar o triunfo racional, com um progresso contínuo e avalassador. As revoluções (Francesa e Industrial) confirmavam tempos melhores para a humanidade. Muitos compromissos: o otimismo pedagógico; a racionalização do Estado, pela via do contrato jusnaturalista; a dessacralização da natureza e do mundo pela técnica; a naturalização da moral. Os filósofos brindaram ao "Império da Razão", em contraposição ao "Império da Fé", visto como obsoleto, arcaico, obscuro.

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Todavia, as "Luzes" perderam intensidade no século XIX, iluminando muito menos do que prometeram. Ocorreu uma irrupção da vida no pensamento filosófico. A partir da segunda metade do século XIX, os alicerces da razão foram sendo destruídos por algumas idéias. Podemos citar a crítica marxista ao liberalismo, a crítica nietzscheana ao cristianismo e a crítica freudiana ao racionalismo. Em um espaço de tempo de, aproximadamente, 70 anos, estes mestres da filosofia contemporânea arrasaram com as bases econômicas, políticas, morais e culturais da Modernidade.

Foucault não foi condescendente diante das "Luzes" e com a civilização idealizada pelos esclarecidos e iluminados, a Modernidade. Avançou sobre as mesmas com o seu estilo filosófico corrosivo, aparentemente niilista. Estabeleceu periodizações, demonstrando que na modernidade houve um seqüestro das possibilidades subjetivas das pessoas, capturadas por uma grande rede de poderes e saberes, a qual denominou Sociedade Disciplinar. O pensamento de Foucault está fincado na História. Privilegiando o eixo sincrônico, sensível aos cortes de classes (preciosos ao materialismo dialético), periodizou os últimos séculos, identificando três momentos bem nítidos: a Renascença (XVI); a Idade Clássica (XVII – XVIII); a Modernidade (XIX – XX).

Sem preocupações economicistas, empreendeu uma arqueogenealogia nos subterrâneos da história e cultura ocidentais, demonstrando ter havido uma dinâmica confusa na Modernidade: na superfície da realidade, ocorreu o triunfo da razão, com a dessacralização do mundo, a cidadania, a democracia representativa, a liberdade de expressão etc.; nos subterrâneos, houve um processo desumano de disciplinarização, que anulou a experiência subjetiva das pessoas, confinando-as nos limites da normalidade.

Enquanto os homens adquiriam direitos, viam surgir possibilidades e obtinham a proteção das instituições (escola, casamento, família, hospitais, prisões...), simultaneamente, estavam sendo "empurrados" ao encontro de identidades "sabidas e definidas" pelos poderes que os dominavam. Em "Vigiar e Punir" (1975), Foucault alertava: "As disciplinas reais e corporais constituíram o subsolo das liberdades formais e jurídicas". As disciplinas constituem uma tecnologia política, uma maneira eficaz de lidar com espaços, tempo, vigilância e registro de informações. Surgiram como resposta às urgências históricas colocadas pelo mundo urbano-industrial. Criaram o homem adequado a critérios de utilidade-docilidade: útil economicamente, pelo trabalho e produção; dócil politicamente, pela passividade, resignação e disciplina. Se na superfície da Modernidade resplandeciam as "Luzes da Razão", no subterrâneo alastravam-se as "trevas" de uma poderosa tecnologia política.

Pode-se opor os sonhos da Razão às realidades das disciplinas, começando pela própria idéia de Razão. Os iluministas a colocaram no centro dos debates do século XVIII. Conceberam-na como "luz natural", em oposição a fé, "luz sobrenatural"; como princípio intrínseco ao homem, uma faculdade inteiramente humana, disponível ao domínio humano, imanente ao homem. Na percepção de Foucault, os discursos da Razão – a ratio ocidental – emergiram no meio de dispositivos que agregaram ciências, instituições, comportamentos, regras, produzindo a idéia de normalidade.

As ciências foram consideradas pelos iluministas nas suas possibilidades de desmistificação do mundo, ainda impregnado de explicações religiosas. Foucault demonstrou que a pretensão das ciências ao monopólio da verdade as tornou positividades ingênuas. Surgiram das relações entre poderes e saberes, da

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reciprocidade entre as instituições e uma variada produção discursiva, estando sensíveis aos jogos de poder, às lutas, às relações de força. Em última instância, demonstrou que as ciências não garantiram a desmistificação do mundo.

A Razão e as ciências, mas também o otimismo pedagógico, são marcas dos visionários do Iluminismo. Foucault demoliu a crença no valor messiânico da educação, da escolarização. Acreditava-se que as pessoas poderiam viver socialmente sob a direção da Razão, desde que fossem preparadas para tal, pela instituição escolar. Esta se encarregaria de educar a todos, no sentido da razoabilidade, da adesão ao formalismo, ao mundo jusnaturalista, contratual. Foucault apresentou o outro lado da escolarização, evidenciando que a escola colaborou decisivamente para o processo de normalização, tornando-se um lugar de adestramento.

Na política, a arqueogenealogia de Foucault apontou uma vinculação traiçoeira entre cidadania e normalidade no interior das democracias representativas, consideradas a materialização dos ideais jusnaturalistas. Outros conceitos e temas foram submetidos à crítica: conhecimento, moral, ética.

Em síntese, o trabalho de Foucault é dificilmente classificável na constelação das filosofias contemporâneas. O conjunto de suas obras e seus itinerários de vinte anos faz aparecer um pensador preocupado com os temas do saber, poder e sujeito, incomodado pela violência da normalização e pelos exageros e excessos da disciplinarização. Foucault, um iluminista? Não há em Foucault claros indícios de pertença à tradição iluminista (ainda que na sua linha mais crítica). As pistas classificatórias de que dispomos não nos permitem aproximá-lo de forma segura da Pós-Modernidade. Esta originalidade, incômoda para alguns, talvez seja a própria força de seu pensamento que, sem dúvida, oferece uma contribuição valiosa para a discussão das questões pertinentes ao que se convencionou chamar "Pós-Modernidade".

A imagem do Direito para Foucault

Para este filósofo existem diversas imagens sobre o que é Direito que decorrem de determinados “usos” (necessidades específicas no interior dos diversos momentos em que suas publicações aparecem).

Essas variadas imagens ou “fases” são momentos em que a recorrência a certos temas e a determinadas formas de abordagem permite a identificação de algumas regularidades, nunca se constituindo em momentos estanques independentes entre si.

As imagens do direito a serem identificadas percorrem três momentos metodológicos podendo ser mais ou menos perceptíveis num ou noutro desses momentos. Os momentos são a “arqueologia”, a “genealogia” e a “ética” que aparecem em seus livros.

A primeira das imagens pode ser delineada com clareza especialmente nos textos e cursos das chamadas fases da “arqueologia” e da “genealogia” e pode ser definida como sendo a figura do Direito em que este aparece como lei, como conjunto de estruturas da legalidade.

A identificação do Direito à lei (e ao conjunto dos aparelhos e órgãos responsáveis por sua produção e aplicação) corresponde à primeira das três perspectivas. Ela é a primeira oposição entre direito e normalização.

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Essa elaboração sobre Direito decorre de seus estudos sobre o que é poder. Foucault não elabora uma teoria do poder, mas uma analítica do poder que não parte da pressuposição de uma essência, não procura definir “poder”. A analítica do poder em Foucault corresponde a uma concepção nominalista do poder: este não é uma coisa, não é uma instituição nem uma estrutura, não é uma potência de que alguns seriam dotados, mas apenas o nome dado a uma estratégia complexa nem determinada sociedade.

Na elaboração dessa analítica, em diversos momentos Foucault se utiliza de uma distinção entre dois modelos ou duas representações do poder: o modelo do direito (ou a representação “jurídico-exclusiva” do poder) e o modelo estratégico (ou a representação do poder enquanto mecanismo). Será a partir da distinção entre estes dois modelos, no interior da analítica do poder, que a imagem do direito como legalidade (a visão que nos interessa neste determinado contexto) poderá se definir claramente.

Este tema sobre o poder percorre muitos de seus livros e artigos. Em seu livro “Em defesa da sociedade” e em “Historia da sexualidade, A vontade de saber”, é aonde Foucault começa seus estudos sobre o poder.

Mas, em “A vontade de saber”, Foucault dirá que uma análise do poder poderá ser constituída na medida em que for possível uma liberalização de certa representação do poder a que chama de “jurídico-discursiva”. Uma representação do poder em que este se caracteriza por um modo de ação essencialmente negativo. O poder exclui, sujeita, recusa, interdita, e o faz pronunciando a lei, a regra. Daí designação “jurídico-discursiva” com referência a tal representação.

Em todas as instâncias (do Estado à família) a forma geral do poder seria a forma do Direito, uma vez que aquele se definiria pelo jogo entre lícito e ilícito, a transgressão e o castigo.

Para Foucault, permanecemos atados a essa representação, à imagem do poder-lei e do poder-soberania. E tal vinculação nos impede de percebermos o funcionamento concreto e histórico de novos mecanismos do poder, em si mesmos irredutíveis à representação do Direito.

Esses novos mecanismos, formados ao longo dos séculos XVII E XVIII, funcionam pela técnica, pela normalização e pelo controle, mais do que pelo Direito, pela lei e pelo castigo, extrapolando a esfera dos Estados e de seus aparelhos, não sendo possível, portanto, sua descrição e análise segundo aquela representação jurídico-discursiva do poder.

Daí a identificação, em “A vontade de saber”, de dois modelos de poder fundamentalmente diferentes: o modelo jurídico e o modelo da normalização.

O que Foucault entende por lei?

Temos afirmado que esta primeira imagem de Direito se refere à lei ou às estruturas da legalidade; ora, ainda não se especificou mais pormenorizadamente o que o autor entende por lei. Talvez se devesse antes perguntar se seria possível encontrar um conceito preciso de lei em Foucault, se haveria um conceito definido de lei em seu pensamento. As análises empreendidas até o momento parecem indicar não.

Neste contexto analisado anteriormente da análise do poder, entre o modelo jurídico-discursivo e o modelo da normalização, a lei aparece como uma regra de interdição, de proibição, regra que permite uma separação rigorosa entre o permitido e o proibido, entre o lícito e o ilícito; aparece como instância que impõe

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limites e que diz não. Desse modo, a lei serviria para caracterizar o modelo de poder oposto àquele que será o modelo da normalização, marcado pela produtividade das relações de forças na constituição de objetos, saberes e sujeitos.

A partir dessas referências, uma noção de lei que se poderia atribuir a Foucault corresponderia a uma concepção rígida, pode-se até dizer “estreita” de lei, pois não implicaria nada além da noção de comando, de um comando acompanhado de uma previsão de sanção. Foucault apresentaria, assim, uma concepção imperativista de lei.

Ainda nesta órbita podemos dizer que para Foucault as leis de um regulamento “bebem” na regras do Direito, ele as torna aplicáveis no interior dos lugares institucionais, de tal forma que parece ser possível afirmar que, para este autor. Se se pretendesse estabelecer uma linha de continuidade entre “norma jurídica” e “norma disciplinar”, o termo que faria ligação entre ambas seria o “regulamento”. Esse “termo-médio” seria ao mesmo tempo, comum. Isso porque não se trata de um elemento autônomo, diferente tanto da norma jurídica quanto da norma disciplinar, que se limitaria a fazer com que uma entrasse em contato com a outra, trata-se antes do amálgama de ambas.

A substância dos regulamentos das instituições é composta pelas regras formais do Direito em sua interação com as normas disciplinares. Os estatutos e regulamentos de prisões, de casas de correções para jovens, de fábricas, internatos, citados por Foucault em “Vigiar e Punir”, são exemplos dessa concretização da imagem de um Direito normalizado/normalizador.

Pensar na relação Direito/disciplina, pensar na relação entre as normas do Direito e as normas disciplinares implica perceber a penetração constante entre as regras e os procedimentos mais gerais apresentados pelas estruturas jurídicas e as regras e os procedimentos mais finos e mais particulares (mas não menos presentes) das disciplinas. Considerando-se que esses dois “tipos” de regras e procedimentos não se constituem em domínios independentes, considerando-os que, ao invés disso, fazem parte de um único agenciamento de poder, então é imagem de um Direito normalizado/normalizador que se tem diante dos olhos, a imagem de um Direito em que se nota uma “colonização” recíproca entre as normas disciplinares e as práticas e os saberes do Direito formalizado.

Tal idéia é que permitirá a Foucault, ao final de “Vigiar e Punir”, definir algo que não seria propriamente uma lei, mas não se constituiria igualmente em um domínio independente da legalidade, algo que seria “uma nova forma de lei: um misto de legalidade e natureza, de prescrição e constituição, a norma”.

Entretanto, a norma disciplinar é apenas uma primeira forma da normalização estudada por este autor. Daí que, ao se acompanhar os desdobramentos da idéias de normalização em seus trabalhos, ao se estudar as outras configurações que a norma pode assumir, será possível caracterizar outras faces que essa imagem de um Direito normalizado/normalizador adquire em seu pensamento.

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A OBRA DE FOUCAULT A PARTIR DA OBRA DE NELSON NERY COSTA

Método: A arqueologia do Saber

O pensamento de Foucault poderia ser localizado como parte do debate sobre modernidade, onde a razão iluminista ocupa o local de destaque. O homem, para este filósofo, ocupa um papel importante, uma vez que é sujeito e objeto de conhecimento. Considera o homem enquanto resultado de uma produção de sentido, de uma prática discursiva e de intervenções de poder. Ele discute o homem, enquanto sujeito e objeto do conhecimento, através de três procedimentos em domínios diferentes: a arqueologia, a genealogia e a ética.

Estes procedimentos constituem momentos do método. Para este autor o método dá-se diante do objeto à ser estudado e não ao contrário. Através do método arqueológico, este filósofo aborda os saberes que falam sobre o homem, as práticas discursivas, e não verdades em relação a este homem. Reivindica uma independência de qualquer ciência, pois acredita não poder localizar o homem através do que ela pode oferecer. Estabelece sim, inter-relações conceituais dos diferentes saberes e não de uma ciência.

Através do uso da teoria dos enunciados, a arqueologia do saber desqualifica a noção de totalidade e seu duplo e a consciência – sujeito. Chegava-se à genealogia ao relacionar o conhecimento com as memórias locais, que permitiam a constituição de um saber da história das lutas e a utilização deste saber nas situações atuais.

Enquanto a arqueologia vinha a ser o método próprio da análise da discursividade local, a genealogia era a tática que, a partir da discursividade local assim descrita ativava os saberes libertos da sujeição que emergia desta discursividade.

A lição do autor é que não temos nada mais o que esperar de um falso conhecimento objetivo, nem das ilusões da subjetividade pura, mas tudo o que aprender e compreender de uma arqueologia das práticas (a medicina, a biologia ou a economia política), que fizeram de nós aquilo que somos

Poder e Lei

O autor recusa imediatamente a imagem do poder como meramente opressor, negador do sexo, este uma força selvagem, a ser domesticada. Ele quer compreender como o poder e o desejo se articulam Essa imagem do poder como repressor da liberdade permite-nos, segundo o autor, aceitar a sua vigência, pois o alcance do poder é muito maior. O discurso jurídico e as leis não mais simbolizam o poder de maneira mais ampla; este extrapolou seus limites a partir do século XVIII, criando novas tecnologias de dominação. Nós somos controlados e normatizados por múltiplos processos de poder.

Essa visão do poder também é vital para uma história da sexualidade. O poder, para Foucault, provém de todas as partes, em cada relação entre um ponto e outro. Essas relações são dinâmicas, móveis, e mantêm ou destroem grandes esquemas de dominação. Essas correlações de poder são relacionais, segundo o autor; se relacionam sempre com inúmeros pontos de resistência que são ao mesmo tempo alvo e apoio, “saliência que permite a preensão”. As resistências, dessa forma, devem ser vistas sempre no plural.

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Para se compreender o poder, tinha-se que realizar uma microfísica para acompanhar sua ação. Tinha-se como principal regra do poder a que resultava da recusa do postulado do poder como propriedade.

A idéia de um poder maciço global, do qual tudo partia ou ao qual tudo retornava, não se sustentava.

A pesquisa de Foucault concentrava-se na tarefa de iluminar as implicações principais dessa pratica e, de modo mais geral, do trabalho efetivo do pesquisador, no que se referia à constituição dos saberes.

Pode-se falar que, segundo Foucault, a lei é simbolizada no corpo punido. A mesma lei que é desrespeitada é a que impõe suplícios e expressa a vontade do soberano, segregando, também, o agressor (criminoso). A lei aplicada é executada através de um procedimento, num verdadeiro teatro político. Direito é lei, nada mais claro nessas descrições quando se lê Foucault. E o poder soberano é que está em jogo. A vontade do soberano é a lei e a sanção é a conseqüência de desrespeito à lei.

Naquele sistema inquisitivo, o suplício era um antecedente e uma conseqüência. Servia para se obter a confissão que era prova plena. E essa tortura era minuciosamente regulamentada: o seu momento, a sua duração, os instrumentos permitidos, a intensidade que esses instrumentos devem ser utilizados, tudo isso para se produzir a verdade. O suplício, pois, antes mesmo de ser uma pena, tem um significado de determinar a verdade no processo: "O corpo interrogado no suplício constitui o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da verdade". Passa-se do "ritual de estabelecimento da verdade" para o "cerimonial do castigo público".

O que está em questão dessa prática é a lei. O suplício é a mecânica do poder. A lei é a vontade do soberano. A força da lei é a força do soberano. O suplício, então reativa o poder soberano, pois a lei se impõe, implacavelmente, sobre qualquer desobediência. O suplício renova o poder. Entretanto, o suplício passou a ser redefinido como excesso e violência arbitrária do poder. O povo passa a ter medo, porque qualquer um poderia ser condenado, e, por via reflexa, o rei passou a entender o suplício, não como reforço, mas como um perigo para a manutenção do poder, sendo necessário modificar o mecanismo a fim de se perpetuar no status quo.

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RAYMOND ARON)1905- 1983(

Professor, filósofo e jornalista francês

Raymond Aron nasceu em Paris em 1905 e se tornou um importante analista das relações politicas no período do pós-segunda guerra mundial, por defender os mais importantes conceitos: a democracia e a liberdade; ambas ameaçadas de extinção na Europa perante o totalitarismo soviético, que possuía como adeptos a grande maioria dos intelectuais franceses: Jean-Paul Sartre, Friedrich August von Hayek, Merleau-Ponty, Lévi-Strauss, entre outros tantos.

Faleceu em 1983, poucos anos antes da queda do Muro de Berlim e do abandono, pelos russos, da experiência comunista, infelizmente não pôde assistir à vitória de sua pregação.

Aron concluiu a Escola Normal Superior de Paris e seguiu a carreira do magistério, ingressando no Corpo Docente da Universidade de Colónia – onde teve contato com o socialismo de Weber – e na Casa Acadêmica de Berlim.

A ascensão do nazismo na Alemanha forçou-o a regressar à França onde se inscreveu no doutorado em filosofia, que concluiu em 1938. Interessava-o, nessa fase inicial da vida profissional, o tema da filosofia da história, sendo este o tema dos seus dois primeiros livros. E ainda, é considerado o autor mais bem sucedido na apresentação da filosofia neokantiana.

No ano seguinte, com o início da Segunda Guerra Mundial, teve de deixar a Faculdade de Toulouse, onde ministrava aulas de filosofia social, para ingressar na força aérea. Dois anos depois, em Londres, juntou-se às Forças Livres Francesas, quando então foi incumbido de conceber e editar a revista La France Libre, função que exerceu até fins de 1944, quando se consuma a libertação de Paris da ocupação alemã. Desde então, Aron afeiçoou-se ao jornalismo e nunca mais o abandonou. Tornou-se colaborador eminente dos jornais Combat e Le Figaro.

Regressando à atividade acadêmica no pós- guerra, Aron ocupou-se do tema da sociedade industrial, procurando averiguar o que tinha de específico e singular em sua época, através de sua persistência em entender a importância da liberdade na orientação do exercício da politica, já que, um liberalismo “menos mau” seria aquele que possuísse um pluralismo de idéias e uma análise privilegiada do empirismo na análise e nas ações.

Na visão de Aron, o que há de essencial nessa sociedade é a separação entre o âmbito particular e o âmbito empresarial. Neste último, também chamado de sociedade industrial, a organização da produção não é determinada pela tradição mas pela aplicação sistemática da ciência e da técnica.

A obra que Aron dedicou ao tema acabou por arruinar a pregação soviética de que o embate central se dava entre socialismo e capitalismo, pois ambos se achavam inseridos no modelo de produção emergente e vitorioso desde a Revolução Industrial.

O verdadeiro embate tinha lugar no plano da organização política, isto é, entre o sistema democrático representativo e o sistema cooptativo, surgido na Rússia, imposto ao Leste Europeu e também a outros países.

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Desse contato com as idéias de autores franceses e alemães que abordaram de forma pioneira a questão do industrialismo, Aron produziu alguns livros tornados clássicos como “A sociologia alemã contemporânea” e “Etapas de pensamento sociológico” (1967).

A crítica ao marxismo ocupa também uma parcela expressiva da produção de Aron, nesse conjunto de obras publicadas, destaca-se “O ópio dos intelectuais” (1955) – pela qual criticou o conformismo da esquerda e as tendências totalitárias dos regimes marxistas – e “O Marxismo de Marx”. Uma explicação de seu método de análise de temas da política cotidiana pode ser encontrada na obra “Estudos políticos”.

Na obra “ Em defesa da Europa decadente”, Aron revelou todo seu pensamento sobre os acontecimentos políticos: achava que a postura da intelectualidade francesa predispunha à derrota diante da União Soviética, e a capitulação de Munique (quando o Ocidente consagrou a política de expansão de Hitler) marcou-o profundamente, pois temia-se que a Europa caminhasse em direção ao despotismo oriental, simbolizado pelo Império Soviético. Mostrou também sua posição quanto aos Estados Unidos, pois entendia que o destino do Ocidente à Aliança Atlântica, onde a presença deste país era essencial. Aron é autor de uma distinção importante entre o que designou de “liderança americana”, a que os Estados Unidos tinha direito, legitimamente, e o que chamou de “república imperial”, comportamento ao qual o país tinha sido empurrado em certas circunstâncias, por ambições imperialistas de correntes políticas ali existentes, como foi o caso da intervenção no Vietnã.

Por ser um liberal convicto, seu engajamento político expressivo era perceptível através de publicações como “A tragédia algeriana ", de 1957, pela qual proclamou seu apoio à independência da Algéria e "A República Imperial: Os Estados Unidos e o Mundo, 1945-1973", de 1973, pela qual atacou a hostilidade obsessiva da esquerda francesa contra os Estados Unidos.

Características como: o seu forte engajamento político com base legítima em seu consistente currículo académico e sua persistência na defesa de suas idéias, possibilitou a criação de um grupo de intelectuais liberais, que, após sua morte, continuaram interessados em seus estudos e deram continuidade ao seu pensamento através da revista Commentaire e da Fundação Raymond Aron.

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O FIM DAS IDEOLOGIAS: POLÍTICA E PODER

Inevitavelmente, a ciência política ao tempo de Aron sofria grande influência dos valores particulares de cada autor que a estudava. Na verdade, até hoje, quando se estuda a fundo a ciência politica, torna-se muito complicado abandonar os valores individuais numa análise desse tipo, pois ela é uma ciência que lida com as relações humanas, camufladas em questões políticas, e, acaba por estabelecer uma hierarquia de interesses, entre o exercício da autoridade do Estado ou o modo como os indivíduos atingem a autoridade suprema.

A ideologia oficial de sua época exigia que o poder fosse expressão do povo e tivessem como objetivo primordial o desenvolvimento das forças produtivas e a elevação do nível de vida, já que acreditavam que a sociedade industrial iria prover as bases para se cumprir tal objetivo.

O estado moderno, qualquer que fosse o seu regime ou princípio de legitimidade, comportava uma vasta administração que pretendia ser racional. Porém, era clara a necessidade de uma oposição de regimes devido à relação entre a Administração Pública e a administração privada do trabalho coletivo, que devia ser respeitado.

O regime representativo era o modo em que o povo elegia seus representantes políticos (dirigentes) por meio de eleições, através da competição entre os partidos existentes, ou apenas um partido único, mas, muitas vezes, essa forma de seleção era manipulada até mesmo pela própria agremiação.

No entanto, os debates políticos eram de muita utilidade para todos, pois permitiam identificar quais idéias da teoria apresentada seriam válidas para identificar e fazer uma comparação entre os regimes da democracia pluralista e entre estes e os regimes de partido único, era nisso que Aron se interessava, já que ao conhecer as concepções dos diversos regimes, ele teria conhecimento suficiente para refutá-las e pesquisar novos meios de lidar com eles.

A comparação dita anteriormente somente era possível devido a algumas semelhanças existentes entre os regimes como: economia progressiva, administração alegadamente racional, objetivo de crescimento, com edificação socialista e bem- estar social ou legitimidade democrática.

Como bem defendia Aron, a existência de uma diversidade de regimes era importante para se discutir em torno de qual seria “melhor” ou “menos pior” para que se existisse uma democracia-liberal, porém, nenhum deles conseguia fundamentar uma teoria geral da ordem pública. E isso ocorria devido ao fato de haver diversos modos de um indivíduo se inserir na sociedade politica, algo negativo, já que era feito através de articulações políticas e não através de uma via democrática. Além disso, devido a essa facilidade, os objetivos e finalidades dos que estavam no poder eram muitos e, muitas vezes divergentes aos objetivos que seriam benéficos à toda sociedade.

Haja visto o poder que Hitler concentrou em si e sua hábil manipulação em persuadir um povo através de suas próprias concepções, que, como a história mostrou, não foi benéfico para a população, pois baseou-se na ideia histórica do poder legítimo (de que a raça ariana seria superior a qualquer outra e isso ofereceu legitimidade para abusar de seu poder e exterminar as raças que considerava impuras) e assim conseguiu se inserir na sociedade.

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Em suma, o eixo principal da argumentação do socialismo democrático consistia no sentido da necessidade de haver uma certa moderação e, o compromisso com a sociedade era essencial, tanto para administrar as conquistas do Welfare State quanto para se resolver uma crise.

No entanto, vale ressaltar que a social-democracia visava transformar o capitalismo em socialismo, mas não através de revoluções ou guerras, mas através de reformas democráticas, conservando seu fundamento elementar, a representação de uma classe.

Posto isso, o liberalismo vigente no estado, teria perdido toda sua especificidade, aceitando e tendo de lidar com as conseqüências efetivas de suas premissas econômicas (haja visto a crise de 1929 em Nova Iorque), do mesmo modo que, ao aceitar o pluralismo eleitoral e renunciar ao uso da violência como forma de imposição de seu poder, a social-democracia estaria recusando as perspectivas fundadoras do Estado Socialista.

Política: Teoria da sociedade industrial

Aron entendia a sociedade industrial de sua época devido ao seu contato com as obras de Tocqueville, Marx e Weber. Tocqueville descobrira que que um movimento como a democracia levaria ao nivelamento das condições de vida.

Por outro lado, Marx defendia a concepção de que o desenvolvimento acelerado das forças produtivas, no capitalismo, implicava em uma luta de classes cada vez maior, aumentando assim as desigualdades sociais.

Porém, quem obteve sucesso em suas considerações foi Tocqueville, visto que todos os países do mundo adotaram as chamadas constituições, que afirmavam a igualdade de direitos entre os cidadãos.

Ainda assim, Aron insistia, com precisão, em afirmar que ocorria um desenvolvimento acelerado das forças produtivas na sociedade industrial, em face às mudanças que estavam transformando a sociedade da época. Tais idéias Aron absorveu dos trabalhos de Weber que dizia que “toda a realidade social fazia parte da história e estava na história”, que lhe foi útil para entender os fenômenos e assim poder compara-los entre si.

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ARON E O SÉCULO XX, A ERA DA SOCIEDADE INDUSTRIAL

“O despotismo estabeleceu-se em nome da liberdade com tanta frequência que a experiência diz-nos que devemos julgar as pessoas pelo que fazem e não pelo que dizem”.

Raymond Aron

Após a breve contextualização, histórica e bibliográfica, pode-se perceber que a visão do pensador francês Raymond Aron foi bastante influenciada pela turbulenta época em que viveu e pelo contato com obras de pensadores como Tocqueville (1805-1859), Marx (1818-1883) e Weber (1864-1920), sendo adepto principalmente à sociologia deste último.

Sua vivência possibilitou-o de possuir muito mais do que apenas o status de pensador de uma época, Aron tornou-se um analista da política internacional, ao passo que se preocupou com a transformação cultural em nível mundial (com o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade de sua época) através do surgimento de sistemas políticos diferentes e a posição dos indivíduos e dos grupos sociais nesse quadro.

ARON E A DEMOCRACIA: justiça e liberdade

A discussão que Aron cria em torno do sistema democrático de governo numa sociedade em que o liberalismo político era vigente, gira em torno da questão das liberdades: de expressão, de associação, de discussão, etc., como exigência mor para que exista a democracia.

A máxima a seguir fundamenta essencialmente a importância que Aron reservou para a necessidade dessas liberdades como forma de se atingir uma maior igualdade social e, consequentemente uma democracia: “O igualitarismo doutrinário se esforça em vão de obrigar a natureza, biológica e social, ele não alcança a igualdade mas a tirania". Ou seja, se houvesse uma única concepção doutrinária a respeito dos aspectos de natureza politica, social e econômica de uma sociedade, esta estaria fadada à tirania.

Dessa forma, automaticamente, Aron confronta suas idéias com as de pensadores como Hayek, que defendia uma “teoria da organização do mercado” e do deixar-fazer dos interesses particulares, através de publicações como Ensaio sobre as liberdades (1965). Ele só está de acordo com Hayek no que tange a questão das liberdades pessoais e sua devida importância.

Após diversos estudos, Aron concluiu que as concepções liberais clássicas estavam equivocadas no que diz respeito ao fato que de os extremos não são válidos: nem liberdade de mais (pois um estado democrático não seria viável dessa forma) e nem liberdade de menos (pois assim o estado torna-se tirano). O equilíbrio entre esses extremos, ou melhor, um sistema democrático-liberal de governo, seria o mais adequado para se obter uma sociedade justa.

Vale ressaltar que, em nenhum momento ele nega os ideais do liberalismo clássico, mas entende que o estado do bem-estar deveria ser lapidado e promovido, através desse caráter democrático pelo qual defendeu fielmente:

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" A sìntese democratico-liberal representa, em nossa época, na Europa, nas sociedades industrialmente avançadas, a expressão mais satisfatòria ou a menos satisfatòria do ideal liberal."

Obviamente que, a instauração de uma democracia plena (como seria a vontade utópica de Aron), em qualquer que seja a sociedade, é impossível, pois parte-se do pressuposto de que para isso os interesses individuais deveriam ser colocados em segundo plano para que os coletivos surgissem, algo completamente irreal e utópico, uma vez que os interesses coletivos se formam pela massa de interesses individuais.

No entanto, Aron define o liberalismo como sendo algo muito mais importante que um simples programa politico, sendo, portanto, “uma atitude existencial, como um conjunto ou uma hierarquia de valores” (anos 60), principalmente porque, a liberdade é conquistada através de ações do homem e por isso, tem importância e valor extremo: " A liberdade, a cada instante, reconsidera tudo, e se afirma na ação em que o homem não se distingue mais dele mesmo", pensamento expresso em sua tese, Introduction à la philosophie de l'histoire (1938).

Porém, cabe aqui ressaltar que, o liberalismo que defende se difere substancialmente do conhecido liberalismo de Adam Smith, pois Aron não pretende oferecer um teor doutrinário ao seu ponto de vista, mas sim existencial.

Portanto, a democracia para Aron, baseada nas liberdades de cada indivíduo com fins de se atingir uma melhoria na vida de todos, a igualdade. Isso seria como que o eixo principal de toda sua filosofia, em suas palavras: “A democracia marca o resultado lógico da filosofia liberal”.

Aron e o totalitarismo

Aron passou boa parte do início de seus estudos sob a influência total da visão esquerdista e pacifista até que, ao presenciar a ascensão do nazismo alemão entre 1930 e 1933, começou a mudar de opinião. E, a todo momento, através de suas obras, advertiu o perigo do surgimento e crescimento dessas novas tiranias totalitárias.

Sua vontade de mostrar ao mundo o potencial de ameaça da Alemanha hitleriana era tanta que chegou a desconfiar igualmente do general Charles de Gaulle, comparando a situação à uma frase de Napoleão III: “a aventura de um homem terminou na tragédia de uma nação”. Sendo assim, não apoiou a politica o anti-americanista adotada pelo general nos anos 60, visto que para ele, o liberalismo adotado pelos Estados Unidos significava muito mais que um simples modo de gerenciar a politica e a economia.

Aron sustentava um humanismo freqüentemente confrontado com o existencialismo marxista de seu contemporâneo Jean-Paul Sartre, talvez tenha sido essa herança acadêmica que tenha feito com que Raymond se interessasse tanto por esse assunto, mais para poder criar mecanismos de entende-o para combate-lo, do que apenas conhecer os fatos.

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NOTAS RELEVANTES: extraídas da obra de Nelson Nery Costa

A permanência de Aron como agregado de Filosofia na Alemanha de Weimar marcou sua formação intelectual. Em O Ópio dos intelectuais Aron procurou demonstrar o mecanismo do protesto dos intelectuais e a sua atração pelo marxismo. Empreendeu um estudo comparado dos regimes do tipo soviético e do tipo ocidental, sob um triplo aspecto: econômico, social, político. Sempre se opôs à interpretação da história segundo os marxistas.

Raymond Aron e C. Wright Mills adotaram, embora no contexto de diferentes orientações políticas, a distinção de Weber entre estrutura de classe e sistema de poder político, e Aron, em particular, elaborou um esquema de pensamento em que o papel das elites foi analisado em relação à estratificação social e empreendeu comparações entre a pluralidade de elite nas sociedades ocidentais e a elite unificadora na União Soviética.

“Nesta mesma época em que nenhum regime pode considerar suas idéias como evidentes ou incontestáveis, a maioria dos homens e dos partidos (desde o desaparecimento dos nacional- socialistas e a debilitação dos fascistas) empregam as mesmas palavras- autodeterminação, democracia, crescimento. Esses três termos resumem o conformismo político do nosso tempo: o direito dos povos de se constituírem em uma unidade soberana, a idéia do governo pelo povo como forma legítima e o progresso econômico, com a industrialização, são considerados os objetivos primordiais de todos os países”

“Poder-se-ia negar que Max Weber tenha desenvolvido uma teoria objetivista do conhecimento; pelo contrário, ele associava o conhecimento à pessoa do sujeito que conhecia, admitindo que a constituição do objeto e a seleção dos fatos derivam de escolha extracientífica – que se poderia chamar de ‘pessoal´. Bem entendido, embora professasse uma concepção objetivista das ciências naturais, Max Weber se esforçou por identificar os traços específicos das ciências históricas ou culturais. Mas as ciências sociais lhe pareciam não ser científicas, na medida em que eram pessoais. Assim, ele se obrigava a separar, dentro do campo do conhecimento, a parte universalmente válida dos elementos subjetivos e históricos nos quais, de modo efetivo, não punha em dúvida a intervenção inevitável da pessoa, mas que por isso mesmo passavam a contrariar a essência da investigação científica”

“Uma vez colocado o fenômeno da industrialização da sociedade, e uma vez admitido o ‘primado do político’ como chave de uma variável principal, reencontra-se a oposição entre democracia e totalitarismo, fundada essencialmente sobre o regime dos partidos, variável principal da qual se deduzem as demais. Cinco elementos principais permitem então definir o ‘fenômeno’ totalitário: regime que concede a um partido o monopólio da atividade política; o partido monopolista á animado ou armado por uma ideologia à qual ele confere uma autoridade absoluta e que, em seguida, torna-se verdade oficial do Estado; o Estado reserva-se, por seu turno, um duplo monopólio: o monopólio dos meios de comunicação e os dos meios de persuasão; a maioria das atividades econômicas e profissionais são submetidas ao Estado; uma politização, uma transfiguração ideológica de todos os erros possíveis dos indivíduos e, em conclusão, um terror ao mesmo tempo policial e ideológico”.

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JÜRGEN HABERMAS)1929(

Filósofo Alemão

Jürgen Habermas, nasceu em 1929 em Dusseldorf, Alemanha. É considerado o principal estudioso da segunda geração da Escola de Frankfurt, formada por um grupo de filósofos, críticos culturais e cientistas sociais associados com o Instituto de Pesquisa Social, fundado em Frankfurt em 1929. Em 1954, Habermas se formou, com o trabalho sobre Schelling, chamado O Absoluto e a História. Também estavam na mesma escola os filósofos Horkheimer, Adorno, Marcuse e Fromm.

Aos 31 anos, virou professor de filosofia, publicando mais tarde a obra Entre a Filosofia e a Ciência – o Marxismo como Crítica.

Várias obras e artigos foram publicados pelo filósofo nos anos seguintes, entre os quais se destacam: Evolução Estrutural da Vida Pública, em 1962; a famosa Teoria e Práxis, em 1963; Lógica das Ciências Sociais, em 1967; e Técnica e Ciência como Ideologia e Conhecimento e Interesse, ambas em 1968.

Em 1968, transferiu-se para Nova York, passando a lecionar na New Yorker New School for Social Research. Em 1971, dirigiu o Instituto Max Planck, em Starnberg, na Baviera. No ano de 1972 muda-se novamente, desta vez para Starnberg, passando a dirigir o Instituto Max-Planck. Contudo, em 1983 Habermas volta a lecionar na Universidade de Frankfurt, ate se aposentar. Apesar de aposentado, até hoje, Habermas continua contribuindo com novos trabalhos todos os anos, e freqüentemente participa de debates e atua em jornais, como cronista político.

Jürgen Habermas nasceu em uma época muito conturbada, logo após o caos instalado na Europa, na qual o proletariado era explorado e a miséria crescente. No século XX, de seu nascimento, a Europa, que vivenciava toda a brutalidade da Primeira Guerra Mundial, era ambiente propício para o surgimento do comunismo e do fascismo. É nesse contexto que um movimento da Escola de Frankfurt é gerado em 1924 por estudiosos como Theodor W. Adorno – filósofo, sociólogo e musicólogo, Walter Benjamin – ensaísta e crítico literário, Herbert Marcuse – filósofo e Max Horkheimer – filósofo, sociólogo, que acreditavam na teoria de Marx, sobre o Materialismo Histórico e esperavam poder conciliar a teoria marxista à realidade, na qual o povo e o governo teriam uma convivência harmônica.

O pensamento de Habermas, é típico do adquirido na Escola de Frankfurt por ser crítico, e buscar o entendimento e promover a transformação da sociedade.

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CONCEPÇÕES PRINCIPAIS DE HABERMAS

A) Teoria da Ação Comunicativa

B) A afirmação de que existe uma esfera pública, na qual não existe a repressão política, de modo que os cidadãos podem livremente expressar suas idéias e argumentar, apesar de a mídia ter uma forte influência nessas idéias, o que acaba por diminuir esse espaço público.

C) Teoria das ciências naturais. Essas, seguem uma lógica objetiva, da natureza. Já as ciências humanas, seguem uma lógica interpretativa, por serem constituídas de símbolos.

Pode ser afirmado que Habermas tinha um conhecimento muito revolucionário para a época, pois tinha uma visão crítica sobre suas teorias, das ciências e do presente. Suas obras podem ser consideradas uma boa base para estudantes de direito, pelo fato de ter estudado Direito, de modo a ter publicado diversas obras relacionando-o com a sociedade.

Suas principais obras são: Teoria da Ação Comunicativa Entre a Filosofia e a Ciência – O Marxismo como Crítica Reflexões Sobre o Conceito de Participação Pública Mudança Estrutural da Esfera Pública Teoria e Práxis Lógica das Ciências Sociais Técnica e Ciência como Ideologia Conhecimento e Interesse Entre os Fatos e as Normas O Discurso Filosófico da Modernidade A Inclusão do Outro - Estudos de Teoria Política Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade (Vol. 01 e 02) Consciência Moral e Agir Comunicativo Pensamento Pós-Metafísico Escritos sobre Moralidade e Eticidade Verdade e Justificação História e crítica da opinião pública

HABERMAS E O SÉCULO XX, SUAS TEORIAS E O DIREITO

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TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA

A teoria da ação comunicativa é de extrema importância para que se entenda o pensamento de Habermas quanto ao conceito da democracia. Publicada em 1981, pode também ser chamada de teoria da sociedade moderna fundamentada por métodos da sociologia, filosofia social e filosofia da linguagem.

É constituída pela idéia de que, segundo Habermas acreditava, a linguagem era a principal garantia da democracia. Ele defendia essa idéia pelo fato de afirmar que a democracia é a compreensão de interesses diversos em uma nação, de forma mútua, buscando alcançar um consenso. Dessa forma, se se efetuar uma comunicação clara, sem distorção, é possível que se estabeleça uma democracia, atingida pelo consenso.

Habermas era contra o uso da razão instrumental, a mesma do iluminismo, pois acreditava que essa confundia o conhecimento com dominação, uma vez que utilizava a razão com o intuito de dominação, exploração e poder. Ao contrário disso, o filósofo defendia que ao invés de dominação, a razão deve ser exclusivamente um instrumento de democracia, chamando – a de razão comunicativa. Habermas acredita que para que atinja sua eficácia, a comunicação deve apresentar os seguintes aspectos:

a) A utilização de regras semânticas que sejam compreensíveis para que ouve

b) O conteúdo deve ser verdadeiroc) Autoridade do emissor em seus argumentosd) Sinceridade na fala do emissor

A Teoria da Ação Comunicativa propõe um retorno ao diálogo construtivo, capaz de alcançar um conhecimento profundo de modo que sua prática não se limita apenas à busca do consenso da democracia, mas também é instrumento para pedagogia, filosofia e muitos outros campos da ação humana.

Relação com o Direito É possível se estabelecer uma relação e explicação sobre o pensamento filosófico de Habermas e a ciência jurídica. Se por um lado, o que garante a democracia é a linguagem, por outro essa também pode ser vista como a causa de o Direito ter sido imposto sobre outros por uma autoridade. Para que seja eficaz e para que os cidadãos acreditem na importância e validade dessas normas impostas, é necessário que acreditem tê-las criado também.

Ao aplicar sua teoria à filosofia jurídica, é visível sua intenção de atingir a integração social, o que levaria à democracia e cidadania, por acreditar que para toda a desordem existentes no mundo, existe a melhor de todas as saídas, que seria o consenso dos envolvidos. Também pode ser identificado sua finalidade de acabar com a arbitrariedade e coerção dentro da sociedade,

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de modo a promover uma participação maior das pessoas dentro de assuntos que dizem a respeito a todos, buscando assim a justiça.

TEORIA DO DISCURSO Habermas objetiva reconstruir os pressupostos racionais, implícitos no uso da linguagem, entendida, segundo Ludwig (2005), como “o lugar intranscendível de toda fundamentação”. Segundo o ínclito filósofo, em todo ato de fala (afirmações, promessas, ordens e etc.) dirigido à compreensão mútua, o falante constrói uma pretensão de validade, quer dizer, pretende que o dito por ele seja válido num sentido amplo. Então, Habermas menciona que quando eu falo algo, digo alguma coisa para uma ou mais pessoas, eu pretendo que aquilo que digo seja válido.

Mas essa pretensão de validade significa coisas diferentes segundo o tipo de ato de fala de que se trate. Nos atos de fala constatadores (afirmar, narrar, referir, explicar, prever, negar, impugnar e etc.), o falante pretende que o seu enunciado (aquilo que é pronunciado) seja verdadeiro. Portanto, se eu narro algum fato, ou explico algo para alguém, a minha pretenção é a de que aquilo que narro, ou explico seja considerado verdadeiro, o que para Habermas só ocorre se houver o assentimento potencial de todos aqueles que estão me ouvindo.

Sendo assim, se um dos meus ouvintes não aceitar o que falo por não acreditar no que digo, ou por outro motivo qualquer, o conteúdo que é transmitido não poderá ser tido como verdadeiro, pois não houve o consentimento de todos sobre a veracidade de meu ato de fala. Nos atos de fala reguladores (como as ordens, as exigências, as advertências, as desculpas, as repressões, os conselhos), o que se pretende é que o ordenado, exigido etc. seja correto. Portanto, de acordo com este ato de fala, se eu ordeno algo, ou forneço algum conselho para uma pessoa, eu espero, pretendo, que minha ordem ou meu conselho estejam corretos. Nos atos de fala representativos (revelar, descobrir, admitir, ocultar, despistar, enganar, expressar e etc.), pretende-se que o que se exprime seja sincero. Sendo assim, se eu expresso, por exemplo, para o meu treinador que estou cansado, eu pretendo que aquilo que eu exprimo seja considerado sincero. Então, que fique claro que existem vários atos de fala, que todos eles compreendem a ação comunicativa, e que em cada tipo de ato de fala a minha pretensão de validade tem um significado distinto. Por outro lado Habermas estabelece que todos estes atos de fala possuem uma pretensão em comum, a de compreensão, ou seja, eu espero que a minha narração, o meu conselho, a minha expressão sejam compreendidas. Nos atos de fala consensuais, ou seja, aqueles que são estabelecidos visando um consenso, um acordo sobre dado assunto, se pressupõe o reconhecimento mútuo de quatro pretensões de validade: Primeiramente, eu, como falante, tenho que escolher uma expressão inteligível para que meu ouvinte possa me entender. Então a primeira pretensão se refere à compreensão entre o falante e o ouvinte ou ouvintes.

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A segunda pretensão é que o conteúdo que eu comunico seja verdadeiro. A terceira pretensão é a de que a manifestação de minhas intenções deva ser o mais sincera possível, para que assim, o ouvinte possa crer no que manifesto, ou seja, para que ele basicamente possa confiar em mim. E a última estabelece que eu, falante, tenho que escolher a manifestação correta, com relação às normas e valores vigentes na sociedade, para que o ouvinte possa aceitar a minha manifestação, de modo que eu e o ouvinte possamos coincidir entre si no que se refere à essência normativa em questão.

TEORIA CRÍTICA Para Habermas, a teoria deve ser crítica, engajada nas lutas políticas

do presente, e construir-se em nome do futuro revolucionário para o qual trabalha; é exame teórico e crítico da ideologia, mas também crítica revolucionária do presente.

O projeto filosófico de Habermas pode ser sintetizado em termos de uma crítica do positivismo e, sobretudo, da ideologia dele resultante, ou seja, o tecnicismo. Para ele, o tecnicismo é a ideologia que consiste na tentativa de fazer funcionar na prática, e a qualquer custo, o saber científico e a técnica que dele possa resultar. Nesse sentido, pode-se falar de um imbricamento entre ciência e técnica, pois esta, embora dependa da primeira, retroage sobre ela, determinando seus rumos. Essa vinculação, mostra Habermas, é particularmente sensível nos Estados Unidos (na URSS, por suposição ocorreria algo análogo), onde a Secretaria de Defesa e a NASA são os mais importantes comanditários em matéria de pesquisa científica. Na medida em que se considera o complexo militar industrial, particularmente observável nos Estados Unidos, e na medida em que se releva aquela comandita, tem-se como conseqüência um novo complexo que poderia ser referido como complexo ciência-técnica-indústria-exército-administração.

Nesse complexo, o processo de mútua vinculação entre ciência e técnica amplia-se tornando-se um processo generalizado de realimentação recíproca que Habermas compara a um sistema de vasos comunicantes.

Desse modo, ciência e técnica tornam-se a primeira fora produtiva, subordinando todas as demais: Para Habermas, “são os cientistas e os técnicos que, graças a seu saber daquilo que ocorre num mundo não vivido de abstrações e de deduções, adquiriram imensa e crescente potência (...), dirigindo e modificando 0 mundo no qual os homens possuem, simultaneamente, o privilégio e a obrigação de viverem”. Assim, tal contexto, não apenas técnico-científico, mas também econômico-político, passa a ser a conotação da técnica. Nesse sentido, o autor ataca a ilusão objetivista das ciências.

Contra a ilusão da teoria pura, Habermas procura trazer à tona as raízes antropológicas da prática teórico-científica e evidenciar os interesses, que estão no princípio do conhecimento, particularmente do conhecimento científico.

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No plano da filosofia social, Habermas critica o objetivismo ontológico e contemplativo da filosofia teórica tradicional. Para ele, em nenhum caso a filosofia poderia ser propriamente uma ciência exata, e as pretensões que ela pode (e poderá) manifestar nesse sentido não fazem senão testemunhar sua contaminação pelo objetivismo positivista das ciências; nesse contexto ela não é mais que uma especial idade entre outras, no seio da instituição universitária, colocando-se “junto às ciências” e afastada das preocupações de um público leigo, devido a seus refinamentos teóricos.

A crítica do positivismo científico e filosófico, empreendida por Habermas, é inseparável de sua luta contra o objetivismo tecnocrático. O positivismo e o tecnicismo não passam, para ele, de duas faces da mesma e ilusória moeda ideológica: tanto um, como outro, não seriam mais que “manchas turvas no horizonte da racionalidade”.

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BIBLIOGRAFIA

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Wikipedia

Livros:

Aron, Raymond: Paz e Guerra entre as nações, Editora Universidade de Brasília – Instituto de pesquisa de relações internacionais, 2002

Fonseca, Marcio Alves – Michel Foucault e o Direito, Editora Max Limonad – São Paulo/2002

Enciclopédias Larousse

Enciclopédia Ilustrada FOLHA

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