paul hugon historia das doutrinas economic as ocr-nao revisado

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I I II I I I

HISTSTA DAS DOUTRIiTAS ECONMICAS Paul Hugon"Uma doutriria econmica c )nstitui, a um s tempo, ^

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CIP-Brasil. Catalogao-na-Fonte Cmara Brasileira do Livro, SP

Hugon, Paul, 1902-1973 H89h Histria das doutrinas econmicas / Paul 14.ed. Hugon. 14. ed. -- So Paulo : Atlas, 1 9 8 0 . -

Bibliografia. 1. Economia 2. Economia - Histria I. Ttulo .

78-1745

CDD-330.109

-330.1

ndices para catlogo sistemtico: 1. Doutrinas econmicas : Historia 330.109 2. Economia : Teorias 3 3 0 . 1 3. Economia : Sistemas 3 3 0 . 1 4. Teorias econmicas 3 3 0 . 1

EDITORA ATLAS S.A. Rua Helvetia, 574/578 CElis Caixa Postal 7186 Tel.: (011) 221-9144 01215 So Paulo (SP) BRASIL

PAUL HUGON

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HISTRIA DAS DOUTRINAS ECONMICASPaul Hugon

Capa e Diagramao de PAVEL GERENCER

Copyright

1984

EDITORA ATLAS S.A.

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T O D O S OS DIREITOS R E S E R V A D O S N o s termos da Lei que resguarda os direitos autorais, proibida a reproduo total ou parcial, bem como a produo de apostilas a partir deste livro, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrnico ou mecnico, inclusive atravs de processos xerogrficos, de fotocpia e de gravao sem permisso, por escrito, do Editor.

14.

a

EDIO

4." tiragem 1984

Impresso no Brasil Printed in Brazil

I

DEDICATRIA

Ce livre est ddi la mmoirede MONSIEUR GUILHERME GUINLE et du D R . ABELARDO VERGUEIRO CSAR,

en hommage de ma trs fidle amiti.

SUMRIO

Nota da 13.' edio, 13 Prefcio, 15 Introduo Interesse da Histria das Doutrinas Econmicas, 21 i I O Pensamento Econmico da Antigidade ao Sculo XVIII, 29 1 A ANTIGIDADE, 30 Seo I O pensamento econmico da Grcia, 30 1." Os fatos econmicos, 30 2. As idias econmicas, 31 3. Os fatos e as idias monetrias, 36 1. Os fatos monetrios, 36 2. Idias monetrias, 37 Seo II A evoluo do pensamento econmico entre os romanos, 40 1." Os fatos econmicos, 40 2. As idias econmicas, 41 1. A tendncia intervencionista, 42 2. A tendncia individualista, 43 2 0 PENSAMENTO ECONMICO NA IDADE MDIA, 45 Seo I Os fatos, 45 1. Do Sculo V ao XI, 45 2. Do Sculo XI ao XIV, 45 Seo II As idias econmicas, 48 1. Princpio de moderao: tornar moral o interesse pessoal, 48 1. Esse princpio de moderao domina a concepo medieval de propriedade, 48 2. A idade Mdia reconhece a plena dignidade do trabalho humano, 50 2." Princpio de equilbrio: tornar justa a troca, 51 Seo III As idias monetrias, 54 1. Contestao da legitimidade das mutaes monetrias, 55 2. As diferentes formas de mutaes monetrias, 55 3. Conseqncias das mutaes, 56

7

3 0 MERCANTILISMO, 59 Seo I Os fatos, 59 1." Transformao intelectual, 59 2. Transformao poltica, 61 3. Transformaes geogrficas, 62 Seo II As idias econmicas e monetrias, 64 1. As idias referentes moeda, 64 2. A idia metalista, 65 Seo III Os sistemas mercantilistas, 67 1. A forma espanhola, 67 2. A forma francesa, 69 3. A forma inglesa, 70 4. A forma alem, 72 5." A forma fiduciria, 75 6 A poltica colonial do mercantilismo, 78 Seo IV Influncia do mercantilismo, 82 II Doutrina Liberal e Individualista, 87 1 A ESCOLA FISIOCRATICA, 89 Seo Seo Seo I A noo de ordem natural, 91 II A noo de ordem providencial, 94 III As aplicaes de ordem natural e providencial, 97 1. As aplicaes na esfera econmica, 97 2. Aplicaes na esfera poltica, 98

2 A ESCOLA CLSSICA, 101 I Adam Smith e o sistema de liberdade natural, 102 II Malthus e a teoria da populao, 110 1. As idias sobre a populao no Ensaio de Malthus, 112 2. Conseqncias doutrinais do Ensino de Malthus, 116 1. As atenuaes ao pessimismo de Malthus, 116 2. As reaes populacionistas, 118 Seo III David Ricardo e a teoria da renda, 121 1." A teoria da renda, 122 1. Exposio da teoria, 122 2. Apreciao da teoria, 126 3. Evoluo da teoria da renda, 127 2. A teoria do valor de Ricardo, 130 3. A moeda, o comrcio Internacional e o crdito, 132 Seo IV Stuart MUI e a transio da Escola Liberal ao socialismo, 135 1." Stuart Mill e a Escola Clssica, 136 2. O "estado estacionrio" de Stuart Mill, problema de atualidade, 137 3. Stuart Mill e o socialismo, 139 Seo V A influncia da Escola Clssica inglesa, 141 O neoliberalismo atual, 151 III Reaes socialistas contra a Doutrina Liberal e Individualista, 155 1 CARACTERES GERAIS DO SOCIALISMO, 158 1." Da igualdade como trao caracterstico, 158 2 Da propriedade privada como trao caracterstico, 160 3. Da liberdade como trao caracterstico, 161 4. Caractersticas relativas ao esprito, 163 Seo Seo

O SOCIALISMO ESPIRITUALISTA CHAMADO UTPICO 1R* Seo I O socialismo associacionista, 166 1. A corrente associacionista liberal, 167 a) Robert Owen, 167 b) Charles Fourier, 171 1. A concepo fourierista: a associao livre e universal, 172 2. A realizao fourierista: o "falanstrio", 174 2. A corrente associacionista autoritria,. 179 1. A organizao da associao blanquista, 180 2. A expanso da associao blanquista, 183 Seo II O socialismo industrialista ou sansimonismo, 186 1. Concepo geral do sansimonismo: o industrialismo, 187 2. A obra crtica do sansimonismo, 189 3. A obra construtiva do sansimonismo, 191 1. O sistema autoritrio, 192 2. O sistema coletivista, 192 4. A influncia do sansimonismo, 195 Seo III O socialismo de trocas ou proudhonismo, 197 1. O aspecto crtico do proudhonismo, 198 1. A crtica ao liberalismo, 198 2. A crtica ao socialismo, 200 2." A edificao do proudhonismo, 202 1. O princpio: a posse, 202 2. A realizao: o banco de trocas, 203 O SOCIALISMO MARXISTA DITO "CIENTIFICO", 208 Seo I Concepo sociolgica do marxismo, 210 Seo II Concepo econmica do marxismo, 213 1. A tese da explorao, 213 1. A teoria do valor-trabalho, 213 2. A teoria da mais-valia, 215 2. A tese da evoluo, 217 Seo III Apreciao do marxismo, 221 1." Apreciao da concepo sociolgica e filosfica do marxismo, 221 1. O materialismo histrico, 221 2. A luta de classes, 225 2." Apreciao da concepo econmica marxista, 227 1. A tese da explorao, 227 2. A tese da, evoluo, 233 Seo IV Concluses sobre o marxismo, 238 1. Valor cientfico do marxismo, 238 2. O valor original do marxismo, 242 3. A influncia marxista, 245 O SOCIALISMO POST-MARXISTA, 247 Seo Seo I O socialismo moderado ou reformista, 248 1." A crtica da teoria marxista, 248 2." O programa de reformas imediatas e progressivas, 249 II O socialismo revolucionrio ou extremista, 251 1." O sindicalismo revolucionrio, 251 2. O bolchevismo e o socialismo na URSS, 252 3' O socialismo marxista e a Repblica Popular Chinesa, 262

As reaes no socialistas contra a doutrina liberal-individualista O intervencionismo, 267 O INTERVENCIONISMO SOCIAL DO ESTADO, 268 Seo I O intervencionismo de estado, 268 1. Sismonde de Sismondi, 268 1. Sismondi, o crtico, 268 2. Sismondi, o reformador, 273 2." O socialismo de ctedra, 276 1. Posio doutrinria, 276 2. O programa, 277 3. Sua influncia, 279 Seo II O intervencionismo de grupos, 280 1. O cooperativismo em teoria, 280 2. O cooperativismo prtico, 282 I O movimento catlico social, 290 1. Os princpios essenciais do catolicismo social, 290 2. Principais modalidades do catolicismo social, 319 II O movimento social protestante, 326 O INTERVENCIONISMO NACIONAL, 338 Seo I As principais origens da economia nacional, 339 1. As origens doutrinrias, 339 1. Na Frana: os mercantilistas, 339 2. Na Alemanha: Adam Mller, 340 3. Na Amrica do Norte: Daniel Raymond, 342 2. A influncia dos fatos, 344 Seo II O sistema de economia nacional de List, 345 1. A oposio harmonia de interesses, 346 1. Economia nacional e economia cosmopolita, 346 2. Foras produtivas e valor de troca, 347 2. Oposio esttica da Escola Clssica, 349 1. A teoria das sries de evoluo econmica, 350 2. Poltica protecionista, 351 3. Influncia do sistema de List, 357 Seo III Os continuadores de List, 358 1. Na Amrica Carey, 358 1. A noo orgnica da nao, 359 2. Predomnio da agricultura sobre a indstria, 362 3. Preponderncia da economia sobre a poltica, 365 2. Na Frana: Cauws e Brocard, 367 1. Conciliao da economia nacional com a economia internacional, 368 2. Conciliao entre a economia nacional e a economia poltica, 372 3. Concluses sobre a doutrina de economia nacional, Reaes contra a Cincia Clssica e suas Influncias Doutrinrias, A REAO HISTRICA E O APERFEIOAMENTO DA ECONOMIA APLICADA, 376 ' Seo Seo I As fontes principais da reao histrica, 374 II Formas de reao histrica, 379 1 A antiga Escola Histrica, 379 2 A nova Escola Histrica, 380

*

Seo III A contribuio da reao histrica, 383 1." O mtodo, 383 2 Nova concepo econmica, relativista e orgnica, 383 1. A corrente sociolgica, 384 2. A corrente institucionalista, 386 A REAO HEDONISTA E A CONSTITUIO DA ECONOMIA PURA, 390 Seo Seo I A contribuio da reao hedonista, 390 1. Concepo cientfica de economia poltica, 390 2. Noo de solidariedade econmica, 391 II Principais representantes das escolas hedonistas, 393

A CONTRIBUIO DA ESCOLA SUECA A ANALISE ECONMICA, 396 Seo I Teoria do juro de K. Wicksell, 397 Seo II A renovao e a complementao do conceito do equilbrio monetrio wickselliano por Myrdal, 398 Seo III Contribuio de G. Myrdal teoria do desenvolvimento, 401 1. O processo da causalidade circular e cumulativa, 401 2 Necessidade de uma planificao protecionismo e nacionalismo, 402 3. Necessidade de uma cooperao internacional, 403 A REVOLUO KEYNESIANA E A CINCIA ECONMICA ATUAL, 405 Seo I A crtica keynesiana relativa teoria clssica, 406 Seo II Princpios gerais da teoria econmica de Keynes, 408 Seo III A revoluo keynesiana e suas conseqncias para a poltica e a doutrina econmica, 410 Seo IV Os problemas principais da cincia econmica autal depois de Keynes, 413 J. SCHUMPETER, A ECONOMIA DINMICA E A -MACROECONOMIA, 415 1. Biografia de J. Schumpeter, 415 2. Fontes principais de seu pensamento, 416 3. Suas obras, 416 4. Lugar de Schumpeter da Histria do Pensamento Econmico, 419 Concluses, 419 ndice dos nomes citados, 422

N O T A DA 13? EDIi

Esta nova edio mantm, em suas linhas gerais, o texto da precedente. As referncias bibliogrficas foram completadas e atualizadas. Certas doutrinas foram desenvolvidas e, luz de estudos ou de fatos novos, algumas de suas idias foram reinterpretadas. Dois captulos foram acrescentados 5. Parte, relativa evoluo da cincia econmica: um sobre a contribuio da Escola sueca ao pensamento econmico contribuio que, melhor estudada a cada dia, revela sua importncia sobre as teorias atuais; outro que trata de Schumpeter cujas obras constituem a base da edificao e dos progressos da economia dinmica e da macroeconomia. Enfim, os problemas de demoeconomia ocupam lugar cada vez maior na anlise econmica, razo pela qual o captulo consagrado ao Ensaio de Malthus foi completado pela exposio da evoluo das idias sobre a populao nos sculos XIX e XX. Um pargrafo foi acrescentado ao captulo sobre Stuart Mill pondo em relevo a atualidade de sua noo do "estado estacionrio".a

P. H. So Paulo, janeiro de 1973.

Assistia eu, em 1931, na Universidade de Buenos Aires, a uma srie de conferncias do Professor Louis Baudin. Conversando com o conhecido economista francs aps uma das conferncias sobre o ensino das cincias econmicas no Brasil, tive oportunidade de sugerir a sua vinda nossa terra. De fato, tempos depois visitava-nos o Professor Baudin, que gostou sinceramente do que aqui viu e observou. E, desde que nos conheceu, manifestou sempre o maior entusiasmo pelas nossas coisas,- tornando-se nosso grande amigo. Mais tarde, consentiu que traduzssemos seu livro "La Monnaie", que a Sociedade Brasileira de Estudos Econmicos publicou com tanto xito. Mas seu entusiasmo por ns restringia-se, quanto a assuntos de estudos e ensino, principalmente ao que se referia Economia e Finanas. Reconhecia que o Brasil, pas novo, vasto e em formao, j fizera muito, mas, como outros em idnticas condies, precisava cuidar com mais ateno dos estudos cientficos, desinteressados, principalmente na parte econmica, para orientar criadoramente as novas geraes brasileiras e robustecer o pensamento cientfico nacional, que ansiava por desferir vos mais largos. Estranhava no houvesse curso especial da Histria das Doutrinas Econmicas e que os programas das poucas cadeiras de Economia Poltica, ento existentes, tratassem da matria to superficialmente, uma vez que deviam enfeixar todos os estudos das cincias econmicas em um ano de lies. A mesma opinio ouvi de quase todos os professores que depois vieram reger cursos especializados de Economia Poltica, no Rio de Janeiro e So Paulo. Tambm eu pensava assim, por haver verificado pessoalmente, em alguns anos de exerccio da profisso financeira, meu meio de vida, como eram e ainda so deficientes nossos estudos de Economia e Finanas. E, no obstante viver de meu trabalho e no possuir sobras de tempo, tenho Procurado desenvolver, no limitado de minhas foras, o trato daqueles es-

tudos, na sua teoria e na prtica. Desde 1923, at hoje, tem sido essa uma constante de minha atividade, visando a um alto objetivo: a fundao de uma Faculdade de Estudos Econmicos, que sistematize todos esses estudos, pelo aspecto de cincia desinteressada e pelo de cincia aplicada ou repetir o que a propsito tive oportunidade de afirmar na Ordem dos Economistas de So Paulo, em concorrida cerimnia: "Alm das escolas profissionais superiores onde se estudam Economia e Finanas, preciso criar-se uma Faculdade superior de cincias econmicas que coordene, complete e desenvolva a misso daquelas." Mas, at h pouco tempo, a Economia e as Finanas s se ensinavam nas Faculdades de Direito e nas Esolas Politcnicas. Assim, contavam-se, por todo o Brasil, quatro ou cinco cadeiras de Economia Poltica, professadas em escolas de profisso liberal, embora fossem, como so, das mais reputadas do pas pelo seu brilho, sua tradio, seu esforo cultural. E o curso de Economia, nessas escolas e faculdades, fazia-se s em um ano. Ora, impossvel estudar Economia e Finanas em um ano. Assim dizia eu, na Cmara Federal impe-se a criao de uma escola superior de cincias econmicas que venha ampliar e coordenar os estudos econmicos, que se vm realizando nas escolas superiores e profissionais. Para melhor explicar meu modo de ver, peo permisso para citar o meu caso. Por motivo de excesso de reformas de ensino, jamais cursei Economia Poltica ou Finanas na gloriosa Faculdade de Direito de So Paulo, em que me diplomei. Mais tarde, exercendo o cargo de presidente da Bolsa de So Paulo, vi a imensa lacuna de meus conhecimentos, pela minha ignorncia de Economia e Finanas. Comecei a estudar ambas. Grandes e bem srias foram as dificuldades que tive de vencer no princpio, por falta de livros, de orientao, de rumo certo. E fiquei sendo apenas um autodidata, que no completou e no completar jamais os estudos, que sempre sero deficientes por mal iniciados e mal alicerados. Esse meu caso demonstra a necessidade de criao de uma escola superior de Economia e Finanas, que forme ambiente de cultura, que publique revistas, que promova pesquisas, que facilite o conhecimento de livros e monografias, e que, ao lado da Economia e das Finanas puras, tambm, cuide de Economia e Finanas aplicadas. Com uma escola como essa, de estudos desinteressados e estudos objetivos, os que queiram ou precisem dedicar-se Economia e s Finanas no tero que se debater de encontro a obstculos como os que tive pela frente, conforme acabei de referir. Em fins de 1940 tornei-me diretor da Caixa Econmica Federal de So Paulo. Encontrei l admirvel organizao tcnica, vivo esprito pblico e uma diretoria de homens de raro desinteresse pessoal. Pensei logo em propor a formao de um departamento de pesquisas econmicas e financeiras, e a instituio de curso de Economia que, mais tarde, se transformaria em uma Faculdade Superior de Cincias Econmicas, custeada pela Caixa, pelos governos, pelas instituies econmicas e por milion-

rios altrusticos. O Dr. Samuel Ribeiro, presidente da Caixa, esprito aberto s coisas culturais e a empreendimentos cvicos, recebeu a idia com acentuada simpatia e lembrou que se poderia ligar sua realizao Universidade e a institutos americanos, que lhe emprestariam eficiente apoio. Sugeriu ento o Dr. Artur Antunes Maciel, com assentimento expresso dos Drs. Samuel Ribeiro e Joo Batista Pereira, que a Caixa iniciasse logo um curso de Economia Poltica e que eu ficasse encarregado de convidar um professor para o reger. Desempenhei-me imediatamente da incumbncia, procurando o Professor Paul Hugon, professor das Faculdades de Direito da Frana e da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo, inteligncia lcida e brilhante, mestre de envergadura, que alia a vigoroso saber especializado slida cultura geral. E mais do que isso: que ama a nossa terra e que conhece como poucos a nossa economia e a evoluo das idias econmicas. Aceitando o encargo, desde logo observou o Professor Hugon, que o curso devia comear pela histria das doutrinas econmicas. Foi o que se fez. E o xito deste foi to grande, que o Dr. Artur Antunes Maciel props fosse publicado em livro. E o Professor Hugon passou a rever suas prelees. Reviu-as longos meses. E em vez de seu curso revisto, entregou Caixa um tratado. Editando-o para a cultura nacional, a Caixa Econmica Federal de So Paulo presta mais um bom servio ao Brasil e cincia, porque, mesmo no estrangeiro, no existe trabalho novo sobre a histria das doutrinas econmicas. Os livros mais conhecidos sobre a matria, de inestimvel importncia, ou j so antigos ou no apanharam todo o assunto. O trabalho do Professor Hugon no s os completa como os renova e enriquece de novas observaes e pontos de vista, ainda no considerados nos livros anteriores. o que vou demonstrar ligeiramente, para concluir este prefcio.

IINesta Histria das Doutrinas Econmicas, sintetiza o autor a evoluo do pensamento econmico desde a Antigidade at aos nossos dias. Traou o autor, com mo de mestre e finura de artista, um roteiro seguro e agradvel para quem deseja percorrer as regies da Histria da Economia Poltica e conhecer-lhe as belezas. Elaborou um estudo original pelo mtodo que empregou e novo pela sua extenso. Original e novo, no s para os pases que se acham em formao, como o Brasil e outros, e que no cogitam, como deviam, da histria das doutrinas econmicas, como tambm para as velhas naes cujas vistas s alcanam as prprias fronteiras. Assim, at agora, a histria do pensamento econmico s considerou a Europa e, em parte, os Estados Unidos. Mas cada continente

considerou sempre a sua economia isoladamente, em seu trabalho unilateral e particularista. O Professor Hugon dilatou o mbito do estudo da evoluo do pensamento econmico, alongando-o pelas pocas at hoje e pelos continentes at ao Novo Mundo, em uma viso sinttica de conjunto, abrangendo os Estados Unidos e o Brasil. Engrandeceu criadoramente seu objetivo, surpreendeu-o na nebulosa de suas origens, acompanhando-o pelos acontecimentos da histria, nos embates das aes e reaes das doutrinas, depois que ele comeou a definir-se mais e, por fim, isolando-o, na relativa nitidez de linhas de seus contornos, medida que as cincias sociais se foram diferenciando e precisando o objeto prprio e peculiar de cada um. Focaliza o autor vinte e cinco sculos da histria do pensamento econmico, dividindo seu trabalho em dois largos perodos: da Antigidade ao sculo XVIII e deste aos nossos dias. Aponta, como caracterstico do primeiro perodo, um pensamento econmico dependente. Dependente, na Grcia, da Filosofia; em Roma, da Poltica e do Direito; na Idade Mdia, das preocupaes morais e, finalmente, do entusiasmo metalista ios mercantilistas. Distingue o segundo perodo pela libertao do pensamento econmico, que se torna independente no quadro liberal e individualista, at provocar forte reao, desenvolvendo as correntes socialistas e intervencionistas. E assim, na fluncia dos acontecimentos, segue-se o curso da idia econmica, assistindo-se ao, perpassar das doutrinas que nascem, se avolumam e se derramam em outras, como guas que engrossam outras guas, precipitando-se no mar, quando no se evaporam ou no se infiltram no solo. Observando esse desfilar de idias, o pensamento econmico apresenta as seguintes formas, como roupagens prprias de cada tempo: a) a Fisiocracia aparece com os princpios dominantes de ordem natural e ordem providencial; b) o Socialismo utpico surge com as naes dos associalistas, industrialistas etc; c) o Intervencionismo aflora, com as suas orientaes principais da predominncia do nacional ou do social; d) o Marxismo avulta, com os seus aspectos gerais, sociolgicos ou econmicos.

IIITermino nestas linhas o prefcio desnecessrio deste livro to interessante e til. Desnecessrio, porque trabalho do Professor Hugon no precisa de quem o apresente ou recomende. Impe-se por si. Escrevi-o s para contar como o livro nasceu, porque s um economista do porte do autor poderia gizar um prefcio que estivesse altura da obra. E economista nem sou, por no passar de simples amador da especialidade. Nunca freqentei curso especial de Economia ou Finanas. Por isso mesmo, por mim, que vejo como fai falta, no Brasil, a criao de uma Fa-

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culdade Superior de Cincias Econmicas} Entretanto, deve-se reconhecer que a mdia de estudos subiu nos ltimos tempos, com a fundao de novas instituies, como Sociedades de Estudos Econmicos, Conselho Nacional de Estatstica, Ordem dos Economistas, Conselho de Economia e Finanas, Conselho do Comrcio Exterior, o D.N.C., as Bolsas, os Bancos; com os ensinamentos de professores de Economia e Finanas, entre os quais cumpre mencionar os das Faculdades de Direito, das Escolas Politcnicas, da Escola de Comrcio "lvares Penteado", das Faculdades de Administrao; mas, principalmente, com os economistas franceses, que to magistralmente tm ensinado nossa mocidade, como F. Perroux, Ren Courtin, Fromont, Gaston Leduc, Paul Hugon, Maurice By. Estes dois ltimos esto formando, respectivamente, em So Paulo e no Rio, geraes de economistas de capacidade, que muito ho de concorrer para a grandeza do pensamento econmico, no Brasil e fora dele. Diz-me sempre o Professor Paul Hugon, conhecedor de nossas coisas e fantico amigo da verdade, que existem no Brasil grandes homens, como os que mais o sejam em qualquer pas, mas que o brasileiro em geral, desconfiado, ainda no acredita que possua o Brasil culminncias autnticas e capacidades vigorosas que possam alterar com as sumidades que o mundo consagra e a humanidade aclama. Meditando sobre nossa histria e examinando os feitos dos nossos maiores, verificamos que grandes homens iluminaram e iluminam a formao e o desenvolvimento de nossa nacionalidade. E as caractersticas peculiares que a distinguem refletem aos nossos expoentes, como filho do meio e do tempo. Mas nem por isso desmerecero em confronto com os homens ilustres e representativos de qualquer parte do mundo. Quem, na Europa ou nos Estados Unidos, se destinar s carreiras liberais, s cincias ou s artes encontrar tudo ao seu dispor: curso superior, geral e especial, perfeito como possa haver; ambiente estimulador, professores profissionais, revistas especializadas, fcil intercmbio de centros de estudos. E nos pases novos, quem quiser saber mais na sua especialidade, por ainda prosseguir o lento e duro processo de formao, tem de despender maior esforo e tirar de si prprio maior potencial de energia. O que nos pases novos o principiante tem de buscar penosamente, na Europa se lhe oferece com facilidade. Penso por isso que os nossos grandes homens se avantajam aos das terras mais cultas pela maior soma de trabalho que empregam para desenvolver seu esprito e criar a verdade, o belo, o til. Por isso tudo, como amador da especialidade e como homem que talvez conseguisse ser economista se tivesse ambiente e escola, solicito, neste* ' sobrevinda e m 1 9 4 9 , o saudoso D R . A B E L A R D O V E R G U E I R O C E S A R no d e i x o u d e c o n s a g r a r seus e s f o r o s e n t u s i a s t a s como S e c r e t r i o d e E s t a d o , Uiretor da C a i x a E c o n m i c a Federal, como professor ou Presidente da B o l s a de V a l o r e s de a a o P a u l o e m prol d o d e s e n v o l v i m e n t o d o s e s t u d o s d e E c o n o m i a P o l t i c a . O s v o t o s q u e formulara ao_ t e r m i n a r o p r e f c i o da p r i m e i r a e d i o d e s t e l i v r o foram r e a l i z a d o s : as f a c u l ades d e C i n c i a s E c o n m i c a s t o r n a r a m - s e u m a r e a l i d a d e nas p r i n c i p a i s U n i v e r s i d a d e s d o Brasil. ^1 A t u a m o r t e

final de prefcio, ao esclarecido patriotismo dos nossos governos a criao de uma Faculdade Superior de Cincias Econmicas. do que precisamos com urgncia, para colaborar com eficincia, na reconstruo econmica e financeira do mundo, quando de novo imperarem as normas eternas e invencveis do Direito e da JustiaABELARDO VERGUEIRO CSAR

So Paulo, 1942.

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Introduo I N T E R E S S E D A HISTRIA D A S DOUTRINAS ECONMICAS

Estas pginas representam uma smula da evoluo das doutrinas econmicas, da Antigidade aos nossos dias. Uma doutrina econmica constitui, a um s tempo, um projeto de organizao econmica de dada sociedade e uma interpretao da atividade econmica de dada poca. Esclarecemos, desde j, a distino entre a doutrina e a cincia. A cincia visa explicao dos fenmenos econmicos. Para isso; observa, analisa, levanta hipteses e as verifica em confronto com os fatos. So operaes desenvolvidas num ambiente de objetividade, de "indiferena", de neutralidade e amoralidade cientficas. A doutrina um projeto de organizao da sociedade, tal como seu autor a julga melhor. Ela contm os elementos da poltica econmica escolhida para realizar a organizao desejada. O autor fixa "a priori" o fim que espera atingir e, para elaborar a doutrina que se lhe ajusta, vai buscar seus argumentos nas mais variadas fontes da filosofia, da sociologia, da histria, da poltica, da religio, da geografia e da economia. Numa doutrina, encontram-se idias morais, posies filosficas e polticas e atitudes psicolgicas, bem como, ainda, subjacentes interesses individuais, interesses de classes ou de naes. A doutrina , pois, pela sua natureza, uma sntese de idias pertinentes aos mais diversos domnios. Por isso a organizao e a interpretao econmica oferecida por ela acham-se ligadas a numerosas disciplinas, cada uma a trazer sua "clairage" prpria. Forjadas sob "la dure coe des sicles", as doutrinas esto pejadas de idias e sentimentos. So gritos de dor e esperana. So, sobretudo, mensagens que os "homens de boa vontade" transmitem, de gerao a gerao, nessa luta incessante contra a natureza avara e o egosmo dos seus semelhantes; mensagens que permanecem nessa "alma" que cada civilizao lega elaborao do progresso da humanidade.

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Que interesse apresenta o estudo das doutrinas econmicas assim compreendidas? O primeiro interesse de seu estudo reside em completar a cultura geral. Nesse aspecto, as doutrinas econmicas constituem precioso e indispensvel elemento reconstitutivo e representativo de uma poca. Um exemplo: a segunda metade do sculo XVIII, frtil em acontecimentos polticos, no poderia ser interpretada com exatido, sem o auxlio da doutrina fisiocrtica. Nesta esto refletidas as grandes idias dominantes, agrupadas desde o incio do sculo nessa exaltao magnfica da liberdade, que somente pode ser bem compreendida como reao aos trs sculos de intervencionismo mercantilista. Encontramos na fisiocracia a reao liberal, acompanhada de seus caracteres racional (criao da cincia econmica),otimista

teresses). Transportada para o plano econmico-doutrinrio, constituiu a grande esperana da poca, marcou e deu sentido aos acontecimentos decisivos desse fim de sculo e de regime, fora atuante *que se prolongar, exprimindo-se mais vivamente na poltica do liberalismo econmico do sculo XIX. E aquilo que verdade para a compreenso de uma poca tambm o para entender algumas dessas grandes obras que ilustram civilizaes. O conhecimento das idias econmicas de um Aristteles ou de um Plato, na Antigidade, de certos telogos da Idade Mdia e, mais prximos de ns, de um David Hume, de um Adam Smith ou de um Stuart Mill indispensvel para a perfeita compreenso de suas filosofias. A Histria das Doutrinas Econmicas serve, outrossim, de complemento cultura econmica. Para o economista, o estudo da Histria das Doutrinas Econmicas apresenta interesse determinado por vrias razes: a doutrina, com efeito, influencia a organizao e a evoluo das sociedades; seu conhecimento permite interpretar essa organizao e essa evoluo; a doutrina atua sobre a elaborao da cincia econmica, estimulando-a e facilitando-a; enfim, o conhecimento das doutrinas contribui para a formao e o desenvolvimento do esprito crtico. A doutrina como dissemos acima atua sobre a organizao e a evoluo das sociedades: a histria no se faz sozinha; resulta tambm de idias dominantes. Do fim do sculo XV aos meados do sculo XVIII, per exemplo, o mundo ocidental inclusive as colnias americanas foi organizado em funo do princpio metalista da doutrina mercantilista. Atualmente, as naes socialistas coletivistas organizam-se em funo das idias das doutrinas de Karl Marx. H a evidente influncia das idias sobre os fatos apenas lembrada neste momento. Mas encontr-la-emos noutros passos deste estudo. Alm de atuar sobre a criao e a evoluo das sociedades, a doutrina interessa-nos como fator explicativo, isto , meio para explicar a organizao e as transformaes de uma sociedade. Seria impossvel interpretar os trs sculos do mercantilismo, conhecer e compreender as razes da organizao econmica dos Estados, as polticas nacionais e a evoluo econmica dessa poca, sem o exato conhecimento da doutrina que o sus-

(laissez-jaire,

laissez-passer)

e

individualista

(harmonia de

in-

citou e o interpretou. Hoje, por igual, a economia sovitica e das outras naes comunistas escaparia a qualquer interpretao de conjunto forma, quanto ao funcionamento e quanto s transformaes, sem o conhecimento da doutrina que presidiu a sua criao e preside sua evoluo. A doutrina permite gar os elementos diversos da atividade econmica e social de uma poca: possibilita a viso e a compreenso da unidade da vida social e a ntima dependncia de seus elementos. Ela um dos fios condutores que permitem a distino das ligaes necessrias entre a multiplicidade das contingncias, pondo em relevo o verdadeiro sentido da evoluo que no raramente nos escapa, na diversidade dos curtos perodos da adaptao. Assim, ela nos leva a ver, com maior clareza, as experincias do passado e do presente. tambm de imensa utilidade para o pesquisador que, no plano da cincia, se esfora para apresentar as continuidades, as regularidades e as permanncias. Nesse sentido a doutrina facilita o estudo da teoria e a elaborao da cincia, estabelecendo um nexo entre os fatos isolados to numerosos no campo da economia e os princpios que os informam, pondo em foco o principal e escoimando o secundrio. Por isso ela representa instrumento de sntese , conseqentemente, fator de clareza. Tal a contnua e benfica ao exercida pela doutrina sobre a cincia. A histria das doutrinas torna-se indispensvel formao dos economistas porque fator de clareza e de reflexo, do mesmo passo que introduo e sntese indispensveis ao estudo econmico. Economista desconhecedor das evolues das doutrinas econmicas no passa de especialista sem cultura. Haver necessidade de falar da ao da cincia sobre a doutrina, a qual tem por fim consolid-la e depur-la? Efetivamente uma doutrina deve embasar parte de seus argumentos em princpios da teoria econmica quando, para mais no seja, explicar e justificar o funcionamento da organizao prevista. A solidez desses princpios garante a estabilidade do edifcio doutrinai. A doutrina de Karl Marx, por exemplo, foi estabelecida com base nos princpios tericos d; cincia clssica inglesa. Ora, quando certos aspectos dessa cincia clssica se modificaram pelas novas tendncias econmicas, os continuadores de Marx incorporaram esses novos dados mais exatos doutrina, para maior solidez desta. Foi o que, em particular, se fez na adaptao da teoria marxista da "mais valia" contribuio das- escolas hedonistas do ltimo quartel do sculo XIX.1

O estudo da doutrina, ademais, til interpretao dos fatos; contribuindo para salientar a verdade, permite desenvolver o sentido do relativo e o esprito crtico. Esta , alis, uma das razes principais do valor da formao pelas doutrinas, pois obriga o economista, que muitas vezes raciocina com abstrao ou em funo dos problemas do seu tempo, a tor p n n e x p r i m e m bem e s t a s p o u c a s l i n h a s e x t r a d a s ust R E N A R D ante o t m u l o d e L O N W A L R A S : J i a ; p r e p a r a r , em nome da r a z o , do i d e a l , do a b s o l u t o , as c o s , h o m e n s de a o , da r e a l i d a d e e do r e l a t i v i s m o , p o d e m e nas l e i s , em prol da p a z d a s n a e s e da f e l i c i d a d e do g n e r o< , u e

da orao fnabire proferida " T r a z e r m a i s l u z para fazer s o l u e s que os h o m e n s p o l e d e v e m i n t r o d u z i r nos fatos humano."

mar contato com a variedade dos sistemas, a se compenetrar do sentido da contnua evoluo e dos sucessivos e reais encadeamentos, a considerar a "multiplicidade das causas das aes humanas e a observar como so vs as experincias que se dizem definitivas. E nesse sentido crtico ele se torna cada vez mais indispensvel ao homem moderno, circundado de inmeros fatos sociais e econmicos de difcil interpretao. Sempre houve dificuldade para interpretar fatos. Isto devido circunstncia de o homem estar constantemente mudando de idias, o que leva a encarar os mesmos fatos de maneira diferente, segundo o momento. Costumava o Professor Colson citar a esse respeito, em suas aulas, o seguinte exemplo: Benjamin Constant gastou quarenta anos em preparar, fazer e retocar alentada obra referente a religies. Coligara dez mil fatos nos quais fundou seu exaustivo trabalho crtico a propsito das idias religiosas. Posteriormente, vindo a sofrer a ao de novas influncias, evoluiu e modificou por completo sua obra, alterando-lhe o esprito, embora servindo-se, nela, ainda dos mesmos fatos. "Eles deram meia-volta, vozde comando dizia o prprio Benjamin , e atacam, desta vez, em sen-

tido oposto." Jean Brunhes traduzia desta maneira, idntica idia: " por

um estranho abuso de palavras que falamos da veracidade de um fato. Um fato possui dimenso , cor, durao, mas no uma verdade: verdadeira ou falsa ser a percepo que dele temos, assim como mais justo ou menos justo pode ser o juzo que dele formamos. E s. h notcia das relaes que estabelecemos entre os fatos."

A interpretao dos fatos tambm difcil, porquanto eles falam lnguas diversas. Nas vastssimas experincias contemporneas, por exemplo, cada Estado adota sua poltica em vista da consecuo de certos fins, bem como justifica os fatos da decorrentes. O julgamento dos indivduos torna-se cada vez menos pessoal. O.Estado moderno, ao apresentar os acontecimentos atravs da imprensa e outros veculos de publicidade, j o fez de acordo com uma interpretao particular. Por esta razo, o mesmo fato muitas vezes enseja impresses diferentes e at opostas, conforme o lugar em que se d. A ideologia transforma a realidade dos fatos. Alm disto, o atual acmulo de fatos dificulta-lhes ainda mais a interpretao. Poucas pocas contaram to elevado nmero de experincias econmicas quanto a que atravessamos. H j um quarto de sculo e sobretudo a partir do incio da crise mundial de 1929, multiplicam-se ininterruptamente, em toda parte, os remdios para os males econmicos e. monetrios, quer sob forma isolada, quer como parte de "planos". Cada pas, finda a Segunda Grande Guerra Mundial, reorganiza e, em escala ainda mais vasta, traa planos para o futuro de sua economia. Parece que estamos, agora, precisamente naquele momento da Histria em que, precipitando-se as mudanas em ritmo aceleradssimo, melhor seria falar em revoluo do que em evoluo. Os fatos se acumulam; enriquecem-se com as descobertas fsicas fantsticas, que semeiam, a um s tempo, o temor pelas suas possibilidades destrutivas e a esperana por tudo que promete realizaes pacficas as mais extraordinrias.

O observador atento, esmagado pelas mincias de fatos to diversos, perde de vista a linha geral da sua evoluo e do seu encadeamento, pois impossvel a apreenso do valor de cada um dos acontecimentos, em vista do seu excesso. Se no nos quisermos perder nesse labirinto e se pretendermos, ainda, estar em condies de formular juzo de valor, indispensvel ser ligar tais fatos doutrina, de que constituem a aplicao, bem como aos princpios de que emanam. Para tentar compreender e julgar, faz-se mister, mais do que nunca, avocar as apreciaes ministradas pela histria dessas doutrinas gerais acerca de fatos a cujo peso sucumbimos. Relacionando fatos a princpios, a histria das doutrinas econmicas oferece outra utilidade: concorre para que saibamos que experincias, apresentadas como originais e modernas, no passam, no mais das vezes, de aplicao de antigas doutrinas alteradas, aqui e ali, a sabor da moda em voga. Os exemplos so numerosos, como veremos ao longo destas pginas. O ressurgimento do mercantilismo e do corporativismo depois da guerra de 1914 constitui um fato caracterstico. O recurso histria das doutrinas oferece, em suma, o interesse de evitar o ridculo de "descobertas j feitas"; de possibilitar a verificao do grau de. originalidade da doutrina considerada, ou seja: o de divisar semelhanas e dissemelhanas entre ela e o seu ou seus modelos; o de permitir o mximo aproveitamento do esforo despendido pelos predecessores, evitando a reincidncia nos mesmos erros de outrora. Graas a isto, o esprito capaz de acolher, objetiva e imparcialmente, todas as novas experincias econmicas, sabendo que nenhuma delas original, mas herdeira de desenvolvimentos mltiplos que a antecederam. Sabendo, por fim, que nenhuma pode ser definitiva, uma vez que foge ao poder do homem estancar a evoluo. Eis, rapidamente, aqui, examinado o interesse que suscita a histria das doutrinas econmicas. Salientamos, ainda, que a evoluo do pensamento econmico deve ser submetida a estudo feito de maneira muito ampla. Por outras palavras: necessrio conhecer a doutrina havida como falsa no passado, tanto quanto a havida como verdadeira. Houve autores que julgariam melhor se evitassem o estudo da idia "falsa". Tal o pensamento de J. B. Say, em seu "Trait d'conomie Politique": "Os erros no so aquilo que devemos aprender, mas aquilo que deveramos esquecer." Assim tambm pensam Pantaleoni. e muitos outros. Semelhante juzo se coaduna, entretanto, com as chamadas cincias "exatas". Realmente, ao moderno estudioso da fsica pode ser indiferente saber que, na Idade Mdia, a ascenso de um lquido num tubo era explicada. pelo "horror ao vcuo". Todavia, no campo das cincias sociais e econmicas, tanto as teorias falsas quanto as exatas exprimem igual interesse. " essencial observava Condilac , para aquele que deseja progredir sozinho na busca da verdade, compreender o engano dos que acreditaram abrir seu caminho."

Depois dos trabalhos de Bergson e particularmente de Henri Poincar, ficou estabelecido, em definitivo, que os erros representam papel til, nas cincias sociais sobretudo. Na doutrina econmica, o erro oferece utilidade: primeiro, porque toda doutrina econmica tem por objeto o homem e, de acordo com.Spencer, em matria de psicologia "no h erro que no contenha partcula de verdade"; segundo, porque proveitoso conhecer o processo pelo qual o erro foi posto em evidncia, a fim de aperfeioar o mtodo de encontrar outros erros; terceiro, porque, ao colocarmos o erro em evidncia, podemos chegar descoberta de princpios que, embora extremamente simples, passaram antes despercebidos. A negligncia de tais princpios conduz, no raro, adoo de solues no adequadas. nesse sentido, por exemplo, que o exame das doutrinas socialistas, chamadas "utpicas", se torna til. Muitos desses sistemas ignoraram ou puseram de lado qualquer considerao relativa ao interesse pessoal. Ora, o conhecimento dos impressionantes fracassos desses sistemas, ao contato da realidade, teve o mrito de chamar a ateno para verdades primrias e esquecidas. No fosse essa advertncia, alguns princpios fundamentais, havidos como verdades de somenos, acabariam sendo verdades ineficazes. Em suma, a utilidade do estudo do erro, no campo econmico, decorre sobretudo da dificuldade de saber quando determinada doutrina , de modo absoluto e definitivo, falsa ou exata. Alm da procedncia da observao de Spencer, qual nos referimos acima, h ainaa a notar que a evoluo das .condies sociais e econmicas parece concorrer para a transformao de uma doutrina, de modo a torn^-la, de absolutamente falsa que era ontem, em relativamente exata hoje, e vice-versa. Impossvel, pois, abandonar o estudo de certas doutrinas, apenas sob pretexto de terem sido consideradas falsas no passado. O conhecimento do papel desempenhado pelos erros, to til histria das doutrinas econmicas, tambm indispensvel a quantos se interessam por essa matria: constitui um constante apelo modstia e ao senso de relativismo, refora o hbito de controlar as verdades "adquiridas" e de jamais abandonar a priori o que foi qualificado de "erro". Acabamos de insistir na influncia da doutrina sobre os fatos, sobre o meio, sobre a organizao e evoluo das sociedades. Mas, no nos devemos esquecer de que o meio influi tambm de maneira igualmente profunda sobre a doutrina. Alternativamente como observamos no decorrer desta exposio doutrinas e fatos so causas e efeitos recprocos. Portanto, a histria das doutrinas no pode ser separada da histria econmica. Esta constitui seu prprio meio de evoluo e ao, no qual se encontram os elementos indispensveis sua compreenso. O prprio objeto da histria econmica no nos permite duvidar de sua utilidade relativamente ao estudo das

doutrinas. Seu objetivo o estudo dos aspectos econmicos das sociedades do passado. Esses aspectos se manifestam essencialmente pela maneira segundo a qual os homens, atravs dos sculos, organizam seus esforos no sentido de utilizar da melhor maneira possvel os bens e servios econmicos na satisfao de suas necessidades. Esses aspectos econmicos constituem essa luta, de atos to diversos, que a humanidade sustenta progressivamente contra a raridade dos fatores de produo, raridade em relao s mltiplas necessidades a satisfazer. E essa luta se desenvolve em meio fsico e demogrfico e em quadro institucional, social e poltico. A arma disposio do homem a tcnica da produo, tcnica que aperfeioa incessantemente a fim de aumentar a produtividade de seu trabalho. Os caracteres preponderantes da atividade econmica de uma sociedade, em dado momento, definem um sistema econmico. Definem o esprito, ou seja, os mveis determinantes da atividade econmica; definem' a tcnica, ou seja, os meios utilizados pelos homens para produzir; definem o quadro, isto , a organizao social, jurdica e institucional na qual se desenvolve a atividade econmica individual, grupai e pblica. Notemos, porm, que as atividades grupais e pblicas no so simplesmente a resultante das atividades individuais componentes: tm um carter orgnico que ultrapassa e transforma os componentes individuais. O esprito, a tcnica e os quadros caracterizam e definem sistemas econmicos: sistemas de economia fechada, de economia artesanal, sistemas de economia capitalista e sistema de economia coletivista. A passagem de um sistema a outro se faz atravs de transformaes dentro do sistema e no quadro mais geral das modificaes das estruturas econmicas. A organizao dessa atividade econmica em dado momento da histria, as transformaes dessa atividade no tempo, as suas conseqncias sociais e polticas, eis o que constitui o objeto da histria econmica. fcil agora ressaltar a utilidade da histria econmica para o estudo das doutrinas. Ela lhe fornece o material de que necessita para reconstruir a atividade econmica de uma sociedade ou de determinada poca, o que vai permitir o conhecimento, a anlise e a explicao dessa atividade. Ao mesmo tempo que a histria econmica d assim uma viso de conjunto daquela atividade, mostra, pelo conhecimento das evolues, o sentido profundo das instituies e dos instrumentos econmicos (regimes de propriedade, organizao do trabalho, moeda e t c ) . Alm disso til para a elaborao de uma escala de valores entre os prprios fatos, problemas importantes em razo da multiplicidade e complexidade desses fatos. Insistiremos, portanto, cada vez que se tornar necessrio, sobre Os aspectos dessa histria econmica.2

rn das r e f e r n c i a s obras de histria

bibliogrficas especiais indicadas econmica geral: SELIGMAN,

no E.

texto, eis algumas R. A., The Economic

indiInter-

Concluindo: a doutrina econmica conhecimento indispensvel formao, cultura e s pesquisas cientficas do especialista, quer do economista, quer do historiador. para todos um conhecimento necessrio exata interpretao do passado e do presente. A doutrina econmica, parte integrante do pensamento, das idias e da intelectualidade de uma poca, elemento eficaz, sempre vivo, algumas vezes decisivo, da organizao e da evoluo das sociedades; situa-se na linha divisria dos problemas do esprito e dos fatos e, porque largamente assentada nesses dois domnios, permite perceber a sntese.

pretation oi History (9. ed.), 1907; ADRIANO ANTERO, Histria Econmica, 2 vols., 1915-22; SOMBART, Der Modera Kapitalisme, 6. ed., 4 vols., 1924-27; LIONELLO-CIOLO, Histoire conomique depuis VAntiquit jusqu' nos Jours, 1938; MAX WEBER, Histria Econmica Geral, 1942; SIEVERING e C. BECKER, Histria Econmica Universal de la Prehistona, 1943; WERNER STARK, The History oi Economics in its Relations to Social Development, 1944; CHARLES MORAZ, Histoire des Faits conomiqus et Sociux, 1951; MAILLET, Histoire des Faits conomiqus, 1952; HORACIO BLISS, Nociones de Historia Econmica General, 1953; ELEANORA WILSON CARUS, Essays in Economic History, 1954; G. D. H. COLE, Introduccin a la Historia Econmica (1750-1950), Londres, 1952, llxico, 1957; NVEAU M.; Histoire des Faits conomiqus Contemporains, Paris, 1966; IMBERT, J.: Histoire Bconomique des Origines 1789, Paris, 1965; PHILIP, A.: Histoire des Faits conomiqus et Sociaux de 1800 nos Jours, Paris, 1964.a

Ttulo IO PENSAMENTO ECONMICO DA ANTIGIDADE AO S C U L O XVIII

Esse vasto perodo que se estende da Antigidade ao sculo XVIII apresenta, no campo de nosso estudo, duas caractersticas opostas: existncia de uma vida econmica; ausncia de um pensamento econmico independente e coerente.

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ANTIGIDADE

Seo I 0 PENSAMENTO ECONMICO DA GRCIA 1. , O s fatos econmicos

Do sculo XII ao VIII antes da nossa era, conheceu a Grcia, to-somente, uma vida econmica domstica. Mas, aps essa poca, chamada "homrica", no perodo clssico do sculo V e, mais ainda, na era helnica dos sculos IV e III a. C . , observa-se o desenvolvimento de uma vida econmica propriamente dita, ou seja, de uma vida econmica de trocas.1

Os estrangeiros e os libertos so, ento, os agentes mais ativos dessa economia estimulada pelas imensas conquistas que abrem Grcia ricos e novos mercados. Alis, o comrcio e a navegao se impem aos gregos: a pobreza do solo, a exigidade do territrio e o excesso de sua populao tornam o comrcio necessrio; o mar, com seus numerosos golfos e baas, estava a indicar aos gregos o largo caminho dos longnquos mercados.

Reunia, portanto, a Grcia antiga os principais elementos de um meio econmico. E o normal seria encontrar-se a, dada a influncia do meio2

1. O Prof. GATAN PIROU, no seu livro Intioduction Vconomie Politique, define p r e c i s a m e n t e a E c o n o m i a P o l t i c a como "o e s t u d o dos v a l o r e s de troca. A troca o a t o e c o n m i c o c a r a c t e r s t i c o e c o n s i s t e em u m a p r e s t a o e c o n t r a p r e s t a o , por parte de d u a s pessoas, em virtude de um acordo de vontades". (GATAN PIROU: Intioduction 1'ttude de Vconomie Politique, in Trait d'conomie Politique, ed. por G. PIROU e BY, Paris, 1938, p. 212.) 2. Cf. ALFREDO ZIMMERN: Vth Centruy, Oxford, 1924; GUSTAVE 1920; Histoire conomique de la Grce ne, Paris, 1920; PAUL GUIRAUD: The Greek Commonwealth, Politics and Economics in the GLOTZ: Le Travai! dans la Grce Ancienne, Paris, depuis la Priode Homrique jusq' la Conqute RomaiLa Proprit Foncire dans 1'Ancienne Grce, Paris, 1893;

ambiente sobre as idias, um pensamento econmico igualmente florescente. Contudo tal no se deu. Existem apenas, esparsas nos tratados de filosofia, algumas idias econmicas fragmentrias. No h obra de Economia Poltica nos moldes, poi exemplo, dos tratados de mecnica ou geometria da poca; se alguns autores tratam do problema econmico, fazem-no de maneira acidental. Contrastando com a pujana e o brilho caracterstico do pensamento grego em geral, quer em filosofia quer em tica e poltica, as idias econmicas, enfezadas e incompletas, mal chegam a revestir uma forma precisa. 2. As idias econmicas

Essa ausncia de um pensamento econmico independente se explica pelo predomnio da filosofia. A filosofia imprime, ento, uma orientao geral ao pensamento, e impede o estudo independente e profundo dos problemas econmicos pelas seguintes razes principais: idia de preponderncia do geral sobre o particular; idia de igualdade; idias de desprezo da riqueza. 1. A Grcia se divide em cidades independentes, sempre em guerra umas com as outras. A cidade constitui, portanto, a principal ocupao, vista da permanente ameaa sua liberdade. O sacrifcio do indivduo cidade a regra. Os problemas de bem-estar individual se subordinam aos de segurana e prosperidade gerais. 2. Outra idia filosfica predominante e absorvente a de igualdade. Nesse pas, onde os meios de existncia so limitados, parece impossvel possa algum enriquecer seno custa das perdas de outrem. A exiHEICHELHEIM, Fr. Wirtschaitsgeschichte des Altertums. Leyde (2 vols.), 1938; EUGNE CAVAIGNAC: Population et Capital dans le Monde Mditerranen, Paris, 1923; L'Economie Grecque, Paris, 1951 (contem abundante bibliografia); GERNEL, L., Comment Caractriser L'tconomie de la Grce Antique?, in Annales, con., Soe. Civ., 1933; FRANCO.TTE: ^Industrie dans la Grce Ancienne (2 vols.), Bruxelles, 1900; H. MICHELL; The Economics oi Ancient Greece, Cambridge, 1941; M. ROSTOVTZEFF: The Social and Economic History oi the Hellenistic World (3 vols.), Oxford, 1941; MICHEL H.: The Economics oi Ancient Greece, 1941; MOREAU J.: Les Thories Dmographiques dans 1'Antiquit Grecque, in Revue P o p u l a t i o n , 1949. A h i s t r i a e c o n m i c a da G r c i a a n t i g a e c l s s i c a g e r a l m e n t e m a l c o n h e c i d a por repousar e m d o c u m e n t a o d e s c o n t n u a , c u j o v a l o r t e m sido m u i t o d i s c u t i d o ( a s p e c t o s e s s e n c i a i s dessas controvrsias so encontrados no artigo de Edouard WILL, Recherches sur 1'conomie Grecque Antique, in Revue Annales conomiques, Socits. Civilisations, janv.-mars, 1954, p. 7-19). N e s s a s c o n d i e s , a t u a l m e n t e a i n d a no p o s s v e l u m r e s u m o d a h i s t r i a e c o n m i c a da Grcia antiga. S o m e n t e i n d i c a e s g e r a i s p o d e m ser d a d a s s o b . r e s e r v a , p a r a i n t e r p r e t a e s de determinadas pocas. Nesse sentido, pode-se distinguir uma estrutura econmica agrcola P. J" istente, a c o m p a n h a d a de u m a p r o d u o a r t e s a n a l a r c a i c a , d e s t i n a d a s a t i s f a o de n e c e s sidades limitadas. Ambos setores da produo permaneceram relativamente pobres; para satisfazer s crescentes necessidades da C i d a d e , porm, desenvolveram-se as trocas do comero e x t e r i o r . O v o l u m e , a c o m p l e x i d a d e e a e x t e n s o desse c o m r c i o , i n i c i a l m e n t e to pouco ^ l p o r t a n t e , d e s e n v o l v e m - s e , p r o g r e s s i v a m e n t e , m a s , c o m o o b s e r v a E . W I L L (op. c i t . , p . 1 9 ) , P e r m a n e c e n d o sempre m o d e s t o s em r e l a o s n o s s a s m o d e r n a s c o n c e p e s , se b e m que a e x i s encia d e c o n s i d e r v e i s r i s c o s c o m e r c i a i s t e n h a oferecido p e r s p e c t i v a s d e l u c r o s s u b s t a n c i a i s , frf h o para a c i v i l i z a o c r e m a t s t i c a , sob a forma d o c r d i t o c o m e r c i a l m a r t i m o uv?in, 1895CONTZEN: Geschichte der Volkswirtschaftlichen Li*eratur in Mi'telal-er: I. W. THOMPSON: Economic and Social History oi the Middle Age, Nova Iorque, 1928: Gorees 0'OBRIEN: An Essay on Medieval Economic Teacbing, Londres, 1920; ALCEU AMOROSO DE LIMA (Tristo de Ata de) : Introduo Economia Moderna. So Paln, 1933 (em p a r t i c u l a r cap. IV: A Economia Crist); ULMANN, W.: A History of Political Though*: The Middle Age' 8. Ler sobre este ponto: P. SCHWALM: Revue Thomiste, 1805.;

esse meio -poder constituir as reservas de recursos necessrios para as eventualidades futuras. A apropriao , assim, tanto mais legtima quanto dever contar o homem com necessidades crescentes, entrando a constituio da famlia na ordem natural das coisas. Ele deve perpetuar a raa. Note-se que o pensamento medieval se exprime sempre em termos de uma doutrina populacionista.9

Alm disso, reconhece o direito natural, ao homem, a posse e o gozo de suas energias fsicas e intelectuais. O direito de propriedade deve, portanto, estender-se a tudo quanto sua atividade lhe permita adquirir. Mas se a propriedade privada legtima e confere direitos a seu titular, tambm lhe impe deveres por ter este institudo uma funo social.b) Os argumentos de ordem social

O pensamento medieval nesse ponto muito elevado. Indica, com bastante preciso, as vantagens econmicas e sociais decorrentes da instituio da propriedade privada. Enumera os efeitos favorveis, da advindos, organizao e ao rendimento da produo. Insiste sobre o fato de representar ela um elemento de ordem e de paz social. Descreve-a, judiciosamente, como o quadro apropriado ao perfeito desenvolvimento da dignidade humana. A essncia dos argumentos desenvolvidos pelas doutrinas ulteriores, para justificar o interesse de ordem geral, oferecido pelo instituto da propriedade privada, j se encontra exposta nas obras dos autores desta poca. Mas e eis onde aparece o princpio de moderao , como a propriedade se legitima por motivos de ordem social, deve-se impedir que desse direito abuse o seu titular em detrimento da coletividade. E os autores so unnimes em reconhecer, ento, certo nmero de limitaes ao direito de propriedade. A exagerada ampliao desse direito, em benefcio de um s indivduo, condenada. E isso porque da resultaria: por um lado, um excesso de fortuna e, por conseguinte, a criao de novas necessidades suprfluas o que a moral reprova. E, por outro, ficar a maioria dos homens privada desses bens. De fato, fazendo os bens da terra parte de um patrimnio comum, pertencente a todos os homens, se a uma minoria de grandes proprietrios coubesse a maior parte desses bens, espoliada ficaria a grande massa da populao. E em conseqncia de se reconhecer a legitimidade do direito de propriedade privada, aceita-se tambm a desigualdade de condies da resultante. Esta se justifica, alis, em virtude da diversidade dos servios sociais. Todavia, jamais deve a desigualdade ser levada ao extremo: ter de ser igualmente moderada.9. trines de Sobre a doutrina demogrfica la Population, Pari, 1923. da Idade Mdia, Ren GONNARD: Histoire es Doc-

Na verdade j se admitia, ento, escaparem certos bens, por sua natureza, apropriao privada, tais como, entre outros, Ms estradas, os rios navegveis etc, ou seja, todos aqueles reservados ao uso direto da coletividade. A medida exata para a delimitao da propriedade legtima no foi fixada. Nem seria mesmo possvel faz-lo. O pensamento medieval admite o direito de propriedade quando contido dentro de dois limites extremos necessariamente pouco precisos: um o mximo que vai at onde o interesse social comea a ser lesado; e outro o mnimo que comea onde surge uma ameaa para o rendimento econmico. As restries impostas e as medidas de controle adotadas visam manter o exerccio do direito de propriedade dentro desses limites. Mas sobretudo para a conscincia pessoal que o pensamento da Idade Mdia apela: a moderao no uso do direito de propriedade, por parte de seu titular, constitui essencialmente um assunto entre ele e Deus.2. A IDADE MDIA RECONHECE A PLENA DIGNIDADE DO TRABALHO HUMANO

Essa reabilitao, aps c descrdito em que a Antigidade fez cair o trabalho, constitui uma das contribuies mais notveis do pensamento medieval. A ociosidade formalmente condenada; exalta-se o trabalho, tanto manual quanto intelectual. Isso, alis, no significa fossem todas as espcies de trabalho igualmente apreciadas. A Idade Mdia, diretamente inspirada na distino feita por Aristteles em duas crematsticas, diferencia dois grupos de atividades: a) compreende o primeiro todas aquelas nas quais o trabalho aplicado produo da riqueza diretamente utilizvel pelo homem artes possessivae vel acquisitivae e, pois, so louvadas sem restrio. Os trabalhos agrcolas, tal como na Antigidade, so particularmente apreciados; a seguir vm os trabalhos industriais e os de administrao; o segundo grupo o daquelas nas quais o trabalho se aplica obteno de riquezas "artificiais" artes pecuniativae e, portanto, so admitidas com reserva. H um preconceito contra essas atividades, pois o manuseio do dinheiro, que as caracteriza, as predispe, mais do que as do primeiro grupo, especulao e busca do lucro excessivo.

b)

Mas, ainda aqui, o esprito de moderao se faz sentir: pouco a pouco os canonistas admitiro a utilidade dessas atividades do segundo grupo, e especialmente as do comrcio. Sero havidas como teis quando tal como se d com a propriedade seu exerccio moderado as mantiver entre dois limites um superior, que no poder ultrapassar sem lesar

a sociedade (o comrcio no deve dar lucros usurios, nem constituir monoplios contra os quais o consumidor no possa lutar: Santo Antnio de Florena), e um inferior, abaixo do que no dever cair essa atividade, pois nesse caso viria a sofrer a prpria sociedade, dada a sua utilidade para o consumidor e para o Estado (Duns Scott, Gilles de Roma, Francisco de Mayronis). E nesse sentido aplicam-se regulamentos tendentes a moralizar, na prtica, o interesse pessoal do comerciante. O princpio de moderao, que acabamos de analisar em suas principais aplicaes, visa, sobretudo, ao agente econmico. Ao ato econmico e particularmente troca aplica-se o princpio do equilbrio. 2." Princpio de equilbrio: tornar justa a troca

Atualmente as pesquisas econmicas giram em torno da utilidade. Na Idade Mdia giravam em torno da justia: o pensamento econmico estava subordinado moral. Para que essa justia seja alcanada, necessrio que a permuta.realize um equilbrio entre os interesses em jogo. Em outras palavras, preciso que o preo seja justo. Os escolsticos se esforaro por deixar clara essa noo: justo preo aquele bastante baixo para poder o consumidor comprar (ponto de vista econmico), sem extorso (ponto de vista moral), e suficientemente elevado para ter o vendedor interesse em vender (ponto de vista econmico) e poder viver de maneira decente (ponto de vista moral). Esse duplo ponto de vista econmico e moral levar os telogos a procurarem uma base para o preo, isto , o valor. Suas idias a esse respeito so bem vagas e diversas e por vezes interessantes. Buridan liga o valor utilidade e o explica pelas necessidades e pela raridade. O trabalho despendido tambm levado em considerao, bem como o preo de custo, as invenes e o talento necessrio. So em geral observaes isoladas e breves. De fato, a apreciao desse justo preo sofre a influncia dos costumes e da tradio e depende da percia de pessoas alheias discusso ou, na maioria das vezes, to-somente da conscincia dos interessados. Essa noo de justo preo aplicada ao salrio, remunerao do operrio em troca do trabalho prestado. O justo salrio deve permitir ao operrio viver, com sua famlia, de acordo com a tradio da sua classe e com os costumes locais. Os telogos distinguem entre salrio em dinheiro e salrio em espcie, distino

que se impunha em razo da instabilidade da moeda e dos nveis de preos. A fixao dos salrios fazia-se, nessa poca, no quadro das corporaes. Na maioria das vezes era retribuio mxima que constitua objeto das regulamentaes oficiais e no a fixao de um mnimo, conforme se d atualmente. Parece, entretanto, que, sobretudo no sculo XIII, a taxa dos salrios era satisfatria. A noo de justo preo se aplica igualmente na determinao do lucro. O lucro do arteso deve resultar d equilbrio entre o trabalho empregado, a aplicao da inteligncia e a utilidade do servio. Essas, as bases a considerar na fixao da taxa mnima. Se o lucro ultrapassar de muito esse limite, deve ser condenado por no estar mais de acordo com a noo de justia nas trocas; o lucro imoderado prejudicial, tanto para o indivduo como para a sociedade. V-se, portanto, constituir a determinao do justo lucro problema delicado. O que os autores nos indicam dever este permitir, ao arteso e famlia, viver e economizar as sobras, no s para os dias de velhice, mas tambm para as "obras pias".4

Trata-se, pois, de noes bastante relativas, profundamente interessantes do ponto de vista moral, mas com pouca probabilidade de aplicao do ponto de vista econmico. O justo lucro no deve permitir ao arteso enriquecer; esta, a prpria condio da igualdade nas trocas. Foi ainda essa idia de justia comutativa que determinou, ento, a proibio do emprstimo a juros. Sem dvida sofreram os telogos, nessa matria, a influncia de Aristteles. Todavia, o emprstimo a juro era condenado pela Igreja (Evangelho de So Lucas) antes mesmo de terem os escolsticos conhecimento das obras do filsofo grego. Ao argumento aristotlico da esterilidade do dinheiro, juntam-se, a partir do sculo XII, argumentos de ordem jurdica, que Santo Toms de Aquino e So Boaventura, em particular, iro desenvolver durante o sculo XIII. So esses os dois sculos do mais elevado pensamento da Idade Mdia crist. O dinheiro coisa fungvel, cujo uso no pode ser separado de sua propriedade: desaparece com o primeiro consumo. Uma coisa no fungvel, pelo contrrio, no desaparecendo com o uso, pode ser emprestada. O detentor de um bem no fungvel pode reservar para si a propriedade, embora ceda o uso da coisa, e pode reclamar uma compensao por se privar do uso e gozo dessa coisa: o que acontece, em geral, nos contratos de locao. Mas, quando se trata de emprstimo de coisa fungvel,10

10. Sobre S a n t o T o m s de A q u i n o , ler: JOURDAIN: La Philosophie de St. Th. d'Aquin; FEUGUERAY: Essai sur les Doctrines de St. Th. d'Aquin, Bento CARQUEJA: Economia Poltica, P o r t o , 1926, insiste sobre a i n f l u n c i a e x e r c i d a pela filosofia t o m i s t a sobre as d o u trinas econmicas da Idade Mdia. E. R. P. HUGON: Les Vingt-Quatre Thses Thomistes, Paris, 1937: Cursus Philosophiae and Theologiam-Doctoris Angelici Propraedeuticas, 6 vols. Paris, 1914; L. POLIER: La Thorie du Juste Prix, Toulose. 1903; WALTER: Thomas von Aquino, in Handwoerterbuch der Staatswiessennschatien der Conrad (t. VII), 3. ed., 1911; GILSON: Saint-Thomas d'Aquin, Paris, 1925.4

o mutuante ter de ceder, simultaneamente, a propriedade e o uso da coisa (poder-se- alugar um carro, mas no um pedao de po). A justia e o justo preo sero respeitados, havendo equivalncia nas prestaes, e essa equivalncia se realizar quando o muturio restituir um objeto da mesma natureza que o emprestado e nada mais. O dinheiro no pode, portanto, constituir objeto de emprstimo a juro. O princpio dessa proibio ser rigorosamente mantido. Mas, embora jamais d o emprstimo de dinheiro direito percepo de um juro de fato, comeou-se, pouco a pouco, a admitir a possibilidade de encontrar o mutuante, seja nas condies em que o emprstimo se efetua, seja nas suas conseqncias, razes que legitimem a percepo e at mesmo a estipulao de uma compensao especial. Tais razes vo-se ampliar e generalizar. Admitir-se-, na prtica, a possibilidade de previso e recebimento de um juro: Em virtude de dano sofrido pelo mutuante em razo do emprstimo concedido (damnum emergens); em razo do lucro a que renuncia (lucrum cessari); em virtude do risco de no reembolso no vencimento (periculum sortis).

Excees sero estabelecidas, em geral: rationae personae:

aos lombardos e israelitas ser permitida a percepo de um juro; rationae materiae: admitir-se- uma presuno geral"de dano e risco permanentes para aquelas profisses nas quais "trabalha" sempre o dinheiro, tais como, por exemplo, o comrcio.

Na realidade se difunde a prtica de se conclurem certos contratos simulados, tais como: de sociedade, de comandita, de arrendamento, com o objetivo de obviar os inconvenientes dessas proibies. Mas somente a partir do sculo XIV se generalizam as excees ao princpio. Sofreram a mesma evoluo por que passou o papel desempenhado pelo crdito na economia. Enquanto os emprstimos atendiam essencialmente s exigncias do consumo, as excees constituam caso raro; medida, entretanto, que o comrcio e a indstria se desenvolvem e os emprstimos so concedidos como auxlio produo, as excees se generalizam a ponto de anular o princpio. Exemplo dessa influncia incessante dos fatos sobre o pensamento que conduz os doutores da Igreja catlica a aceitar aos poucos a atividade comercial, a riqueza que ela obtm e os emprstimos que a estimulam a influncia histrica que permitir ao calvinismo exaltar sem reserva essa atividade, a ponto de ligar o sucesso prpria revelao do indivduo. Em grande parte foi graas idia de justia comutativa, de justo preo, de justia nas trocas, que tivergfflros autores medievais de se ocupar de questes monetrias.

A moeda, por lhes parecer instrumento prtico de justia nas trocas e por lhes permitir avaliar bem o justo preo, atraiu, na poca, a ateno geral. E, conforme adiante veremos, em virtude de constiturem as reiteradas variaes da moeda um bice ao bom desempenho do seu papel de mediadora das trocas, perturbando-as, assim, em .lugar de facilit-las, foram os problemas monetrios estudados.Seo III AS IDIAS MONETRIAS

Embora tenham sempre existido mutaes monetrias, as quais, conforme tivemos oportunidade de indicar, se revestiram de grande importncia, principalmente na Antigidade grega, foi a partir de fins do sculo XIII que se tornaram mais freqentes. E, principalmente com Filipe, o Belo, e seus sucessores exceto Carlos V , generalizou-se essa prtica de tal modo que, s no ano de 1351, por exemplo, o valor da moeda foi alterado 18 vezes. . . Tais medidas se justificavam ante as concepes feudais concernentes moeda: era a moeda coisa do rei; a esse ttulo cabia-lhe, portanto, fazer com ela o que bem lhe aprouvesse. Alm disso, sendo escassa a matria sujeita a impostos, mas crescente as despesas pblicas, os reis justificavam essas mutaes, do ponto de vista prtico, equiparando-as a operaes fiscais necessrias boa marcha dos seus reinos. Tais razes, aceitas por muitos sculos, passaram a ser discutidas quando, ao se desenvolver o comrcio sobretudo nos sculos XIII e XIV , se verificou representar a instabilidade da moeda um bice boa regularidade das transaes, que ento se intensificavam. Inmeros foram os escolsticos a se insurgirem contra o princpio das mutaes monetrias. Dentre os autores medievais que apresentaram, sobre o assunto, estudos bem aprofundados e interessantes destacam-se: Buridan, reitor da Universidade de Paris, e, principalmente, Nicolau Orsme, bispo de Lisieux e conselheiro do Rei Carlos V. Orsme foi um dos sbios mais notveis da Idade Mdia e um dos nomes mais ilustres do sculo XIV. Seus vastssimos conhecimentos possibilitaram-lhe o estudo dos mais variados assuntos e, por seus trabalhos, pode ser considerado um precursor de Coprnico, em astronomia, de Descartes, em geometria descritiva, e, em nossa cincia, dos autores que iro estudar mais tarde os problemas monetrios: com dois sculos de antecedncia j nos anuncia Jean Bodin, de que adiante trataremos.11

11. Ler Emile BRIDEY: Nicole Orsme et la Thorie de la Monnaie au XlVme Sicle. Paris, 1906; Constantino L. MAC-GUIRE: Os Mercados Monetrios e a Poltica Pblica, i n R e v . d e C i n c i a s E c o n m i c a s , S o P a u l o , v o l . I I I , n. 1 , 1 9 + 1 ; F . M E U N I E R : Essai sur la Vie et les Ouvrages de Nicole Orsme, Paris, 1857; A. LANDRY: Essai conomique sur les Mutations des Monnaies dans VAncienne France de Philippe le Bel Charles VII. Paris, 1910.

A obra de Orsme, "Breve Tratado da Primeira Funo das Moedas e das suas Causas e Espcies" (1336) a primeira obra escrita sobre questes puramente monetrias. Critica Orsme as mutaes monetrias e contesta ao soberano a legitimidade desse direito; estuda suas formas e expe seus inconvenientes.12

1. Contestao da legitimidade das mutaes monetrias

Para tal fim, parte Orsme do estudo da natureza e origem da moeda. Seu pensamento se aproxima muito, nesse terreno, do de Aristteles. Foi ele, alis, quem primeiro traduziu, para o francs, a "Moral" e a "Poltica". Mostra o valor do cunho aposto moeda. Esse cunho indica tanto a qualidade da pea monetria quanto seu peso. Todos aceitam essa garantia, prestada vista, e, assim, so facilitadas as trocas. Esta confiana provm do fato de ser o rei quem imprime seu cunho moeda. Mas, tendo a moeda se transformado em instrumento de trocas, passou a pertencer aos agentes dessas trocas, isto , aos comerciantes e coletividade. Por conseguinte, caber comunidade, e no ao rei, o direito de decidir da convenincia, ou no, de se lhe alterar o valor. A mutao no pode, portanto, legitimar-se por um pretenso direito de propriedade do soberano sobre a moeda. Passando, em seguida, das consideraes sobre a natureza da moeda para o estudo das mutaes, examina Orsme, judiciosamente, as formas e conseqncias. 2." As diferentes formas de mutaes monetrias

Orsme observa cinco formas principais de mutaes, praticadas na sua poca: a)Mutao da "efgie".

b)

obtida mediante a transformao, total ou parcial, da efgie das peas. uma transformao normal quando um prncipe, que acaba de assumir o governo, manda fazer novas peas com o seu cunho; mas, condenvel se acompanhada da interdio de circulao das antigas moedas. Mutao da "proporo". Consiste na mudana da relao legal estabelecida para os valores dos dois metais ouro e prata empregados como moedas. A modificao dessa relao s se justifica quando o valor dos dois metais, como mercadoria, varia tambm; do contrrio inaceitvel.

Jure des

12. E s s e t r a t a d o a p a r e c e u p r i m e i r o em l a t i m , sob o s e g u i n t e t t u l o : De Origine, Natura, et Mutationibus Monetarum e, entre 1356-1361, em francs: Trait de la Premiire Fonction Monnaies et des Causes et Manires d'Icelles.

c)

Mutao "nominal" da moeda, isto , modificao dos preos em moeda corrente. Havia, com efeito, uma m o e d a corrente na qual se exprimiam os preos: no tempo de Orsme a unidade dessa moeda corrente era a "libra" que se subdividia em "soldos" e "dinheiros". Existia tambm uma moeda real que servia efetivamente aos pagamentos: os francos-ouro, dinheiros-ouro etc. O rei decidia sobre a quanto deveria uma m o e d a real eqivaler em moedas correntes. A mutao consistia, pois, em se alterar o preo das espcies. Consistia em se decidir, por exemplo, que o franco-ouro, o qual legalmente devia corresponder a 16 soados, passasse, de ento em diante, a valer 15 ou 17 soldos. Agindo dessa maneira fazia o rei, segundo as palavras de Orsme, com que aumentassem ou diminussem os rendimentos e as penses fixas, em prejuzo de um grande nmero de pessoas. Esta, a espcie de mutao mais freqente, cujo nico inconveniente, para o soberano, consistia em ser visvel. Mutao do "peso" da moeda. Consiste em reduzir o rei o peso da moeda sem lhe mudar o nome. Orsme a compara ao ato de um particular que fraudasse contra algum na medida do trigo. Mutao da "matria". Consiste na substituio de um metal por outro e caso mais freqente na modificao das propores de uma liga.

d)

e)

3. Conseqncias das mutaes

As conseqncias decorrentes das mutaes so raramente favorveis. S devem elas ser admitidas, pois, a ttulo de exceo, em casos de guerra ou de resgate de um prisioneiro. As mutaes desempenham, ento, um papel muito semelhante ao de um imposto extraordinrio, de alto rendimento e rpida cobrana. E, em casos tais, a deciso deve caber comunidade. As mutaes so tambm teis quando se trata de substituir uma moeda gasta: a mutao da "efgie" permite, ento, elidir o funcionamento da lei de Gresham que Orsme estuda acuradamente e oferecer a estabilidade imprescindvel sua atividade. A moeda boa e a nova. Mas, na realidade, estes so casos raros. Ora, sendo as mutaes muito freqentes, isso prova procurarem os reis, com tais processos, auferir lucros: e, assim agindo, cometem atos de injustia, que Orsme com plena liberdade de crtica no hesita em qualificar de "contra a natureza e piores que a usura". Essa prtica tanto mais condenvel quanto cria graves inconvenientes para o prncipe e para a comunidade. Com tais operaes pe o rei sua honra a perder, priva-se da confiana de seus sditos e arrisca seu reino. Essa reprovao moral, em que incorre o soberano, tanto mais severa quanto fato sofrer a coletividade, profundamente, com as mutaes.

As relaes de troca, que a moeda devia simplificar, so atingidas pelas alteraes do seu valor; o comrcio tem seu desenvolvimento detido por falta de um slido instrumento monetrio que oferea a estabilidade imprescindvel sua atividade. A moeda boa deixa o pas, partindo para o estrangeiro. A "ordenao" de Filipe, o Belo, de 28 de julho de 1303, tentar impedir esse xodo, sem, entretanto, consegui-lo. Com o decurso do tempo, a multiplicidade de moedas incitar fraude: os moedeiros falsos pulularam tanto no estrangeiro como no interior do pas. Orsme j indicava acarretarem as mutaes desastrosas conseqncias, no somente econmicas, mas tambm sociais. Criam desequilbrios em certas classes da sociedade: os juizes, os cavaleiros, os eclesisticos sero os mais atingidos, quer por perceberem vencimentos ou rendimentos fixos, cujo poder aquisitivo decresce com as mutaes, quer em virtude da impossibilidade privados que so do direito de comerciar de evitarem a diminuio de valor de suas reservas. Os trabalhadores tero igualmente que pagar tudo mais caro, por acarretar a depreciao das espcies uma alta dos preos. Prenuncia Orsme, assim, as clebres controvrsias do sculo XVI, entre Malestroit e Jean Bodin, por exemplo, acerca da relao existente entre moeda e preos. A obra de Orsme teve uma repercusso assaz profunda em sua poca: suas idias considervel influncia exerceram sobre muitos espritos, inclusive de Carlos V, cuja preocupao foi sempre evitar, no decurso do seu reinado, as modificaes do valor das moedas. Mas depois dele ressurgiu a prtica das mutaes sucessivas com o vigor dos seus mais belos tempos. s idias monetrias da poca, expressas por Orsme com tanta nfase, no falta nem preciso nem amplitude. A origem, natureza e funo da moeda, a lei de Gresham, as condies de funcionamento do bimetalismo, tudo isso a estudado com muita justeza. As mutaes so condenadas em virtude de seus efeitos contrrios, conforme se observou, ao interesse geral, quer do ponto de vista econmico, quer do social. O absoluto e onipotente direito sobre a moeda que, por muitos sculos, senhores e reis conservaram ciosamente combatido ou, pelo menos, restringido. O soberano deve, na defesa de seu interesse privado, levar em considerao o interesse geral, da mesma forma que, nas suas atividades econmicas, deve o simples particular, em s conscincia, ter sempre em vista o interesse social. Segundo, pois, acabamos de ver, contm o pensamento medieval, em todas as suas expresses, esses dois caracteres principais que ressaltamos: moderao e equilbrio.

Por esas caractersticas se mantm a igual distncia do socialismo e do individualismo: no socialista, uma vez que reconhece a legitimidade e as vantagens da propriedade privada, instituto jurdico base da liberdade e da dignidade humana. Chega mesmo a afirmar a dignidade da personalidade humana, dando-lhe expresso econmica atravs da reabilitao do trabalho. E leva, assim, libertao da classe trabalhadora da condio de serva da gleba, o que constitui um dos grandes resultados prticos da Idade Mdia. E eleva essa dignidade humana acima das simples contigncias materiais, indicando ao indivduo que as riquezas no constituem a meta a atingir. No tambm individualista: concebe um interesse pessoal limitado, em todas as suas manifestaes, pelo interesse da comunidade humana. Procura a conciliao que alis muitas doutrinas buscaro tambm mais tarde entre os direitos do Estado e os do indivduo, atravs da constante preocupao com o aperfeioamento do gnero humano. E na associao encontrar a "frmula prtica" dessa conciliao: a associao no quadro da famlia, das profisses etc. A grandiosidade desse pensamento medieval tem por expresso esse conjunto de preceitos morais inspirados nos generosos princpios da religio catlica. A moral abrange todas as formas de pensamento: as cincias so servas da teologia. E, em suma, as idias econmicas do perodo que acabamos de examinar se caracterizam por esse cunho prtico e dependente. Por trs sculos subsistir ainda esta dependncia ou subordinao; todavia, a partir de meados do sculo XV at segunda metade do sculo XVIII, o pensamento econmico no se subordinar mais moral, e, sim, preocupao metalista.

O

MERCANTILISMO

Chama-se "mercantilismo" ao conjunto de idias e prticas econmicas que floresceram, na Europa, entre 1450 e 1750. O exame dos fatos indispensvel boa compreenso da evoluo do pensamento econmico no decurso desses trs sculos. Uma trplice transformao de ordem intelectual, poltica e geogrfica assinala, na aurora desse perodo, o incio dos tempos modernos.Seo I OS FATOS 1. Transformao intelectual

o Renascimento. Houve, no incio dessa poca, a ressurreio do antigo esprito e por ele fecundado um maravilhoso renovamento da civilizao.1

Viera da Itlia essa Renascena, onde, no sculo XVI, expandira em magnfica florao de arte: o momento em que ressoam os nomes prestigiosos de um Leonardo da Vinci, de um Miguel ngelo, de um Rafael, de um Ticiano.I. "E q u a l foi o g r i t o de l i b e r d a d e , a e x p l o s o de e n t u s i a s m o e e s p e r a n a , o s e n t i m e n t o e a c e r t e z a de ' r e n a s c i m e n t o ' , q u a n d o , d e z ou d o z e s c u l o s d e p o i s desse i m p r i o c r i s t o , encontra a E u r o p a , um d i a , os c a m i n n o s de R o m a e da G r c i a e reconhece a v o z dos h e l e n o s e dos l a t i n o s ! N e s s e ' r e n a s c i m e n t o ' t e v e de s b i t o a E u r o p a a clara v i s o de s u a s f o r a s e d e s t i n o : c o m a c o n s c i n c i a perfeita do seu querer e do seu ideal, formulou n i t i d a m e n t e o que podia e o que d e v i a fazer, pelo b e l o nome de ' h u m a n i s m o ' , que lhe r e s u m e a obra eterna e a prpria essncia de sua energia." Victor BRARD: La Revolte de l'Asie (p. 18), Paris, 1905. Cf. A. RENAUDET: Humanisme et Renaissance, Genve, 1958; L. FEBVRE: Au Coeur Religieux Ou XVI sicle, Paris, 1957.

De par com as artes, transforma-se a vida intelectual com o retorno s antigas fontes. Assiste-se a um brilhante renascimento literrio, do qual salientaremos os aspectos particularmente teis nossa disciplina: Em primeiro lugar, o pensamento laiciza-se. A idia materialista se junta s preocupaes at ento quase que exclusivamente de ordem espiritual. Esta evoluo, que se inicia no sculo XIV, na Itlia, com Petrarca, que Renan denominou, com justeza, o primeiro homem moderno, prossegue com Erasmo, o grande humanista desde o fim do sculo XV, e a partir dos primrdios do sculo XVI espalha-se pelo mundo, com Rabelais. Em primeiro lugar, observa-se um retorno aos mtodos de observao e experincia que possibilitaro o desenvolvimento da cincia moderna (Coprnico). O estudo cientfico vai, pois, substituir, em parte, a tradio; a noo de progresso se impe; a estagnao econmica da Idade Mdia cede o passo ao movimento, dinmica econmica dos tempos modernos. A idade de ouro no mais um sonho de retorno ao passado, mas a ambio de progresso futuro. Este olhar da humanidade, durante tanto tempo voltado para a perfeio do passado, se volta resolutamente para o futuro com Bacon e Descartes. Esta evoluo do pensamento desenvolve ao mesmo tempo no homem da Renascena a curiosidade do saber e um ideal novo de bem-estar, de consumo, de luxo. So condies favorveis ao progresso econmico sob vrias formas. A habitao se transforma; aos severos castelos medievais se sucedem as magnficas residncias dos reis, nobres e burgueses, mobiliadas e decoradas com belos mveis, quadros e tapearias. A alimentao se diversifica, tornando-se de uso corrente as especiarias e o acar. O prazer pelas viagens se desenvolve; o correio comea a funcionar no decorrer do sculo XV; a melhoria das estradas permite mais fceis deslocamentos de homens e de mercadorias. Os contatos de uma regio com outra tornam-se mais freqentes, o que permite a programao de idias novas, bem como aos viajantes a observao de novas maneiras de viver e de pensar, libertando-se, assim, do absolutismo de suas prprias tradies. Mas sobretudo pela imprensa que essa transmisso de idias se desenvolve de maneira decisiva e ilimitada. A partir da primeira Bblia impressa por Johannes Gutenberg em 1450, a tcnica e o uso da imprensa se generalizam. Surge, assim, a possibilidade de se corresponder ao desejo de aprender, ao amor pelo saber, to fortes no homem do Renascimento.2 3

A essa curiosidade intelectual se junta uma vontade de criar, e de criar em todos os domnios. "Rien de trop" um preceito antigo retoma2. C o n s u l t a r sobre esta q u e s t o f u n d a m e n t a l a obra m a g n f i c a d e L u c i e n FEBVRE e H e n r i q u e J e a n M A R T I N , " L ' A p p a r i t i o n d u L i v r e " , p u b l i c a d a (1958) p e l a c o l e o " L ' v o l u t i o n de l'Humanit'V E s t e s autores a s s i n a l a m (p. 281) que, n o fim d o s c u l o X V , "cerca de c i n q e n t a anos d e p o i s do a p a r e c i m e n t o do p r i m e i r o l i v r o i m p r e s s o , 35 000 e d i e s , no m n i m o , r e p r e s e n t a n d o m a i s ou menos 15 a 20 m i l h e s de e x e m p l a r e s , foram p u b l i c a d a s , tendo a imp r e n s a se - g e n e r a l i z a d o em todos os p a s e s da E u r o p a " . S o b r e a i n v e n o da i m p r e n s a na C h i n a , no fim do s c u l o I X , c o m m a i s de meio m i lnio de adiantamento sobre a Europa, cf. R. GARAUDY, Le Pioblme Chinois, Paris, 1967. 3. o q u e traduz b e m o h u m a n i s t a v e n e z i a n o A L B E R T , L . B . , s b i o , m o r a l i s t a , e c o n o m i s t a e f i l s o f o , nos seus " C o n s e l h o s " , t r e c h o d e " I L i b r e d e l i a F a m i g l i a " , escrito em

do na Renascena e atravs do qual se exprime esta vontade de descobrir o "homem e o mundo", esta vontade de fazer recuar todos os limites do conhecido, a fim de ver cada vez mais longe na terra, no cu e no prprio homem. Tal esprito eminentemente favorvel ao desenvolvimento da atividade econmica; essa necessidade de viver e de viver melhor , essa vontade de empreender e de realizar implicam para o indivduo, para o grupo e para a nao um esforo novo e poderoso de produo. A esse esprito da Renascena convm associar o trazido pelo movimento da Reforma. No a reforma de Lutero, que permanece medieval e esttica, mas a de Joo Calvino (1509-1564), (Institutio religionis chrstianae, 1536), dos calvinistas e dos puritanos anglo-saxes, que exalta o individualismo e a atividade econmica. O dogma calvinista da predestinao se concilia com o xito material do indivduo, estimulando sua atividade econmica, condenando sua ociosidade, apelando para sua conscincia profissional, justificando seus sucessos nos negcios e, portanto, a busca do lucro. Ele reabilita teologicamente a vida material contra o ascetismo. E, contra as proibies do catolicismo, Calvino justifica o emprstimo a juros, justificao particularmente importante no momento em que os capitais do funo bancria um papel econmico de magna importncia. Essas caractersticas do esprito da Reforma levam a aproxim-la do esprito "capitalista". E como justamente nos pases "reformados" que o sistema capitalista aparece em primeiro lugar e nc'~ atinge seu maior desenvolvimento, a influncia das idias da Reforma sobr^ a formao e a evoluo da mentalidade e do sistema capitalista surge como fato histrico inegvel.c 4

2." Transformao poltica

O sculo XVI v surgir o Estado moderno. A centralizao monrquica vai, a partir do sculo XV, tomando o lugar dos pequenos ncleos feudais. Realiza-se, na Frana, com Carlos VII e Lus XI. Na Inglaterra, com a subida ao poder dos Tudores; na Espanha, com Fernando de Arago e Isabel de Castela; em Portugal, com D. Joo III. Processar-se- um pouco mais tarde, a partir de fins do s1 4 4 1 : " J u v e n t u d e , d e d i c a i todos v o s s o s e s f o r o s a o e s t u d o das l e t r a s ; fazei-o sem preguia; procurai c o n h e c e r as coisas do passado, dignas d* serem l e m b r a d a s . . . Desfrutai a a l e g r i a de nutrir v o s s o e s p r i t o c o m b e l a c i n c i a , o prazer de aprimorar v o s s a a l m a c o m qualidades admirveis... Procurai conhecer as coisas humanas que, com toda razo, so a d a p t a d a s s l e t r a s . N o h sinfonia m u s i c a l , por m a i s bela e m a i s h a r m o n i o s a , q u e p o s s a e q i v a l e r d e l i c a d e z a e e l e g n c i a de um v e r s o de H o m e r o ou de V i r g l i o . . . n e m p a s s e i o , por m a i s m a r a v i l h o s a m e n t e florido, que p r o p o r c i o n e o d e l e i t e e o encanto de um d i s c u r s o de Demstenes, de Ccero, de T i t o L v i o ou de Xenofonte." 4. A reforma e sua i n f l u n c i a sobre o c a p i t a l i s m o m o d e r n o tm sido o b j e t o de a b u n dante l i t e r a t u r a e de d i s c u s s e s ainda v i v a s . I n d i c a m o s , para maior c o n t a t o c o m t o importante problema, TAWNEY, R. H., Religion and Capitalism, 1957; ZELLER, GASTON, La Riorme, 1950; John U. NEF, La Naissance de la Civilisation Industrielle et le Monde Contemporain, Paris, 1954 (D. 128-153); BIELER, ANDR: La Pense conomique et Sociale de Calvin (prf. Prof. Anthony BABEL), Geneve, 1959; WEBER, MAX: L'Etique Protestante et l'Esprit du Capitalisme. Paris, 1964 (trad.).

culo XVI, na Holanda, e depois nos reinos escandinavos e na Rssia. um fenmeno que se generaliza em toda a Europa. Sem dvida a Idade Mdia tivera o seu sistema de Estado; todavia, em virtude mesmo de no passarem tais Estados de aglomeraes feudais, no possuam uma verdadeira poltica nacional. A Idade Mdia conheceu apenas uma unidade aparente, constituda de elementos agrupados, mas no fundidos. Os prncipes, a pobreza, o clero e, mais tarde, a burguesia subsistem como foras individualizadas, tratando-se entre si como potncias. Sua submisso ao chefe de Estado apenas nominal.v

Foi necessrio vencesse o monarca seus vassalos para que essa unidade mecnica se transformasse em unidade poltica e econmica. E ento surgiu a idia de economia nacional no sentido moderno dessa expresso, isto , a concepo de Estado que coordena todas as diferentes foras ativas da nao materiais e humanas. O comrcio, principalmente, transforma-se em negcio pblico; seus interesses perdem o carter de coisa exclusivamente privada; a noo de balana comercial noo estatal suplanta a de balana de contratos noo individualista. Em suma, a nao doravante um organismo econmico. Sob esse novo impulso dirigido, o mercado se expand : de regional que era, passa a nacional. Este, o grande acontecimento econmico desses trs sculos, de cujo significado e importncia adiante trataremos. Mas esta poltica no atua apenas no sentido de criar as economias nacionais, e, sim, tambm, de suscitar conflitos entre estas. Parece, ainda mesmo aos espritos mais adiantados da poca, que o "lucro de um implica o prejuzo do outro". Da medidas estritas de interveno que acarretam antagonismos violentos. A vida econmica, sob a influncia dessa transformao poltica, amplia-se e se organiza, pois, no quadro nacional. Um terceiro grupo de transformaes, estas de ordem geogrfica, amplia o mundo e lana os primeiros fundamentos da economia internacional. 3. Transformaes geogrficas

O fim do sculo XV marca o incio da era das grandes descobertas. Os limites do mundo parece que recuam. No se trata de um acontecimento espontneo, mas que est ligado aos grandes esforos anteriormente feitos pelos europeus para devassar os caminhos terrestres do Oriente, permitindo-lhes atingir as riquezas das ndias e da China. As descobertas martimas prolongam essas descobertas de caminhos da terra o esprito e o fim so os mesmos. Mas, para abordar o oceano imenso "o mar tenebroso" , misterioso e temido, grandes esforos foram igualmente necessrios a fim de melhorar a tcnica da navegao.

A bssola, conhecida h longo tempo na China, utilizada pelos marinheiros ocidentais desde princpios do sculo XIII. As primeiras cartas martimas aparecem no ltimo tero desse me