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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 1490 PATRONATO SÃO BENTO: ENTRE O ARQUIVO INSTITUCIONAL E A IMPRENSA LOCAL A INFÂNCIA MENORIZADA (1960-1969) Márcia Spadetti Tuão da Costa 1 Os Anos Iniciais da Associação Beneficente de Menores O progresso de Caxias excedeu de muito à visão e o ânimo dos seus administradores de todas as épocas. Não houve precisão dos problemas que imperceptivelmente iam surgindo com a marcha do tempo. E o abandono condenável, o estado de contínua desagregação física e moral de bôa parte da infância caxiense, é o fruto desses administradores anacrônicos e obsoletos na mentalidade, que não tiveram capacidade para impedir o advento dessa era de corrupção em que os infantes caxienses mergulham inocente (INFÂNCIA ABANDONADA. A Folha de Caxias, 29 ago. 1954). A pesquisa sobre o Patronato São Bento consistiu na compreensão desse equipamento e sua inserção no território da Baixada Fluminense, em Duque de Caxias. Para isso, recorremos ao acervo da instituição que no intuito de que não fosse descartado, foi salvaguardado pelo Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de Duque de Caxias e Baixada Fluminense (CEPEMHEd). Parte dessa documentação foi entrecruzada com os jornais pertencentes ao acervo do Instituto Histórico Vereador Thomé Siqueira Barreto. Diante disso, cabe esclarecer que o entendimento sobre a imprensa local foi importante pelo fato de que essa campanha em prol do estabelecimento de um espaço de internamento foi instituída pelo jornal Folha de Caxias. Nesse artigo, propomo-nos identificar a trajetória do Patronato, assim como o projeto assistencialista e “regenerador” dessa infância e juventude na cidade de Duque de Caxias através da imprensa. Assim, recorremos a Saviani (2013) que esclareceu que uma instituição surge a partir de necessidades humanas. Incluímos, dessa forma, o Patronato São Bento por se estabelecer “... como um sistema de práticas, com seus agentes e com os meios e instrumentos por eles operados, tendo em vista as finalidades por elas perseguidas” (SAVIANI, 2013, p. 35). Entendemos esse equipamento como uma instituição educativa. 1 Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, diretora executiva do Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de Duque de Caxias e Baixada Fluminense (CEPEMHEd). Email: <[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 1490

PATRONATO SÃO BENTO: ENTRE O ARQUIVO INSTITUCIONAL E A IMPRENSA LOCAL A INFÂNCIA MENORIZADA (1960-1969)

Márcia Spadetti Tuão da Costa1

Os Anos Iniciais da Associação Beneficente de Menores

O progresso de Caxias excedeu de muito à visão e o ânimo dos seus administradores de todas as épocas. Não houve precisão dos problemas que imperceptivelmente iam surgindo com a marcha do tempo. E o abandono condenável, o estado de contínua desagregação física e moral de bôa parte da infância caxiense, é o fruto desses administradores anacrônicos e obsoletos na mentalidade, que não tiveram capacidade para impedir o advento dessa era de corrupção em que os infantes caxienses mergulham inocente (INFÂNCIA ABANDONADA. A Folha de Caxias, 29 ago. 1954).

A pesquisa sobre o Patronato São Bento consistiu na compreensão desse equipamento e

sua inserção no território da Baixada Fluminense, em Duque de Caxias. Para isso,

recorremos ao acervo da instituição que no intuito de que não fosse descartado, foi

salvaguardado pelo Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de

Duque de Caxias e Baixada Fluminense (CEPEMHEd). Parte dessa documentação foi

entrecruzada com os jornais pertencentes ao acervo do Instituto Histórico Vereador Thomé

Siqueira Barreto.

Diante disso, cabe esclarecer que o entendimento sobre a imprensa local foi importante

pelo fato de que essa campanha em prol do estabelecimento de um espaço de internamento

foi instituída pelo jornal Folha de Caxias. Nesse artigo, propomo-nos identificar a trajetória

do Patronato, assim como o projeto assistencialista e “regenerador” dessa infância e

juventude na cidade de Duque de Caxias através da imprensa.

Assim, recorremos a Saviani (2013) que esclareceu que uma instituição surge a partir

de necessidades humanas. Incluímos, dessa forma, o Patronato São Bento por se estabelecer

“... como um sistema de práticas, com seus agentes e com os meios e instrumentos por eles

operados, tendo em vista as finalidades por elas perseguidas” (SAVIANI, 2013, p. 35).

Entendemos esse equipamento como uma instituição educativa.

1 Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Baixada Fluminense/Universidade do Estado do Rio de Janeiro, diretora executiva do Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação da Cidade de Duque de Caxias e Baixada Fluminense (CEPEMHEd). Email: <[email protected]>.

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Esse espaço de internamento foi administrado pela Associação Beneficente de Menores

(ABM), vinculada à igreja Católica Apostólica Romana que fazia parte, na época, da Diocese

de Petrópolis em que o bispo era Dom Manoel Pedro da Cunha e Cintra, o primeiro bispo

dessa diocese. À autoridade diocesana caberia indicar o diretor do espaço de internamento e

a organização da administração do internato. Além disso, os menores deveriam ser educados

com os princípios da igreja e o diretor, por sua vez, relataria anualmente para o Conselho

Administrativo o movimento do instituto.2

A ABM foi criada no dia 25 de novembro de 1955, dia de Ação de Graças.3

Primeiramente, houve uma organização em torno da legalização da mesma com a elaboração

de Estatuto. No primeiro ano, funcionou provisoriamente no Gabinete do prefeito municipal

da cidade que era um dos membros natos da instituição e atuava como presidente. Nesse

mesmo ano, a partir da legalização e com o Estatuto elaborado, encaminharam acordos e

documentações diversas para recebimento de subvenções.

Em 1956, o funcionamento foi específico para o credenciamento dos menores que

viviam perambulando pelas ruas. Alguns foram encaminhados para diferentes indústrias,

outros continuaram com o trabalho de engraxate e vendedores de balas. Todos receberam

uma carteira de identificação fornecida pela Marinha. Esse foi o momento inicial da

instituição em que buscavam verbas para a construção de um espaço de internamento.

Em 1957, foi conseguido um espaço alugado denominado Casa São José que não seria

para o internamento ainda. A ABM pagava uma assistente social e havia professoras que

alfabetizavam os meninos no período noturno. Faziam-se encontros semanais com os

“menores”.4 Paralelamente, a Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, através do Prefeito

Francisco Corrêa, conseguiu o recebimento de uma verba municipal, Selo de Diversões

Públicas.5 No começo, essa verba ficou apenas depositada na própria Prefeitura. A ABM

conseguiu, também, o registro no Conselho Nacional e Estadual do Serviço de Assistência do

Ministério da Educação e Saúde.6

2 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Estatutos da Associação Beneficente de Menores, sem assinatura, PSB 76.6, caixa 003, 1956.

3 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Atestado, sem assinatura, PSB 001, caixa 002, s/d. 4 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Relatório das Atividades da “Associação Beneficente de Menores”

durante o ano de 1957, assinado por Dom Odilão Moura (do Conselho Social da ABM), PSB 83.3, caixa 003, 1958.

5 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Livro Caixa, assinado por Dom Odilão Moura, PSB 064.101, caixa 001, 1957.

6 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Ofício Expedido, assinado pelo presidente Francisco Corrêa, PSB 012, caixa 002, 1957.

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Financeiramente, a ABM era mantida pelos sócios contribuintes,7 por campanhas feitas

por outras instituições,8 por contribuição dos meninos assistidos para confecção dos próprios

uniformes,9 além de uma doação em dinheiro feita pela Loteria do Estado do Rio de

Janeiro.10

Nesse ano de 1957, a instituição atendeu 521 menores, dos quais eram 404 meninos e

117 meninas. Esse foi o único ano em que a instituição recebeu meninas também.11 Dentre os

engraxates, um foi destinado para a função de chefe que fiscalizava os demais, assim como

um guarda que os inspecionava. Os meninos engraxates, vinculados à ABM, possuíam caixas

padronizadas. Quanto aos baleiros, compravam suas mercadorias em casas credenciadas.12

Havia também, os jornaleiros e outros vendedores. Foram expedidas 207 carteiras de

trabalho. Desses, 30 meninos foram encaminhados à Fundação Abrigo Cristo Redentor, 65

fizeram primeira comunhão. Antes do trabalho aos domingos, esses meninos iam à missa na

Igreja Santo Antônio.13

Em 1958, financeiramente, a ABM foi subsidiada da mesma maneira que no ano

anterior. Mas, recebeu subvenções ordinárias do Ministério da Justiça, solicitou que a Legião

Brasileira de Assistência liberasse a verba prometida, registrou agradecimento aos

vereadores Natalício Tenório Cavalcanti e Eri Teixeira Pinto, ambos da UDN e ao Ministro da

Guerra, General Henrique Teixeira Lott por doação feita pelo Ponto Frio.14 Apesar das verbas

obtidas, ainda, não tinham o necessário para a construção do espaço de internamento,

segundo relatório da instituição.

Ainda em 1958, foram feitos diferentes registros sobre a construção de um anexo na

delegacia para abrigar os menores infratores em espaços separados dos presos adultos, além

7 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Estatutos da Associação Beneficente de Menores, sem assinatura, PSB 76.4, caixa 003, 1956.

8 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Assistência à Associação Beneficente de Menores, assinado por Dom Odilão Moura (Vigário Cooperador), PSB 084.1, caixa 003, 1957.

9 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE MENORES - Balancete Geral do Caixa Relativo ao Exercício de 1959, PSB 110, caixa 003, 1960.

10 GRANDE PROGRAMA DE AUXÍLIOS DA LOTERIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Jornal Folha da Cidade. 16 mai. 1957; CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Ofício Expedido, assinado por Mariano Sendra dos Santos (tesoureiro), PSB 011, caixa 002, 1957.

11 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Relatório das Atividades da “Associação Beneficente de Menores” durante o ano de 1957, assinado por Dom Odilão Moura (do Conselho Social da ABM), PSB 83.3, caixa 003, 1958.

12 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Relatório das Atividades da “Associação Beneficente de Menores” durante o ano de 1957, assinado por Dom Odilão Moura (do Conselho Social da ABM), PSB 83.3, caixa 003, 1958.

13 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Relatório das Atividades da “Associação Beneficente de Menores” durante o ano de 1957, assinado por Dom Odilão Moura (do Conselho Social da ABM), PSB 83.3, caixa 003, 1958.

14 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Ofício Expedido, assinados por Dom Odilão Moura, PSB 034 a 036, caixa 002, 1958.

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de fornecerem alimentação para os mesmos em alguns momentos.15 Assim, também, como

pagamento de condução para os meninos conduzidos ao Serviço de Assistência ao Menor

(SAM).16 Dessa forma, a partir de julho de 1959, a ABM conseguiu atingir seu objetivo

primeiro que foi o estabelecimento do espaço de internamento no território do Núcleo

Colonial São Bento, a partir da campanha feita pela imprensa local.

A campanha da imprensa e a institucionalização do Patronato de São Bento

Internar esses jovens no Núcleo foi um meio de esconder no segundo distrito do

município, a desigualdade e o abandono. Nesse sentido, foi importante considerar, no estudo

das instituições e de seus projetos, a relação com os usos e funções sociais do território

(DIAS, 2014). Como situou o estudo de Marlúcia dos Santos de Souza de que é preciso

considerar, na análise dos estudos sobre Duque de Caxias e a Baixada Fluminense, “A

segregação construída historicamente nessa periferia e a utilização da violência como

instrumento de manutenção do domínio político do poder político local e de proteção à

propriedade” (SOUZA, 2014, p.17).

Como foi apresentado anteriormente, o jornal Folha de Caxias foi uma das agências

que contribuiu para a campanha de institucionalização do Patronato São Bento,

consequentemente dois de seus diretores ocuparam cargos na diretoria da ABM, Ruyter

Poubel e Mariano Sendra. O último além de atuar na imprensa local, trabalhava na

Associação Comercial de Duque de Caxias também.

Assim, essa análise foi centralizada nos artigos publicados nesse jornal que tratavam

diretamente das ações empreendidas pela ABM, assim como um dos agentes que foi o Juiz de

Direito, Dr. Hélio Albernaz Alves. As ações desse agente obtiveram muito destaque no

referido meio de comunicação.

No que tange a questão econômica do jornal, percebemos que se apresentava, logo na

primeira página, como um órgão oficial da Associação Comercial de Duque de Caxias

(ACDC), além de ter como integrante da direção Mariano Sendra como foi apontado

anteriormente. O mesmo, na década de 1950, compôs a função de dirigente da ACDC.

Identificamos no jornal que, ao pensarmos a questão do “menor abandonado e

infrator” na cidade, alguns aspectos demandavam diferentes ações naquele momento com

intervenção direta de seus agentes e de suas agências. O próprio jornal local foi uma dessas

15 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Livro Caixa, assinado por Dom Odilão Moura, PSB 064.149, caixa 001, 1958.

16 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Livro Caixa, assinado por Dom Odilão Moura, PSB 064.161, caixa 001, 1958.

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agências e interveio como um interessante mecanismo na institucionalização das diferentes

ações junto aos meninos até a concretização do espaço de internamento. Faria Filho (2002)

noutro contexto e noutro local demonstrou semelhanças ao registrar que na sua pesquisa:

(...) o jornal foi visto como uma importante estratégia de construção de consensos, de propaganda política e religiosa, de produção de novas sensibilidades, maneiras e costumes. Sobretudo os jornais foram vistos como importante estratégia educativa (FARIA FILHO, 2002, p. 134).

Detectamos essas “novas sensibilidades, maneiras e costumes”, principalmente, ao

analisarmos a ideia que estavam tentando imprimir à cidade. Havia uma tentativa de

desassociar a conotação violenta a qual era atribuída à mesma. Essa característica era

salientada como construção da imprensa carioca, tanto que o jornal publicava que a definição

do município nos diferentes jornais do Distrito Federal era um “...aposto incorreto e

inoportuno que uma cidade laboriosa e proba recebe, o de ‘terra sem lei’.” (CAXIAS, ESSA

INCOMPREENDIDA. Jornal A Folha de Caxias, 2-3 out. 1953). Apresentava tal título como

injusto com a cidade pelo fato da mesma ser “limítrofe da Capital Federal” e acrescentava

outros motivos (CAXIAS, ESSA INCOMPREENDIDA. Jornal A Folha de Caxias, 2-3 out.

1953).

Assim como existiram algumas queixas sobre essa imprensa da “Capital Federal”,

houve, também, a publicação ao longo do tempo de crenças religiosas diferentes das

relacionadas à igreja Católica Apostólica Romana. A nota que tinha maior destaque era a

observação feita pela Igreja Católica a cada editorial com uma coluna fixa intitulada, “Vida

Católica”. Além desses aspectos, tinha a necessidade de que a cidade demonstrasse

“progresso” em ações similares as que aconteciam no então, Distrito Federal, Rio de Janeiro e

que ao menos se assemelhasse. Como afirmavam no próprio jornal, “Duque de Caxias tem

dado motivo à mais justa admiração pelo seu crescimento rápido e constante”

(DESPREZANDO DIFICULDADES E DESLISES: POLÍTICOS, DUQUE DE CAXIAS

MARCHA VERTIGINOSAMENTE PARA A SUA SUPREMACIA NA TERRA FLUMINENSE.

Jornal A Folha de Caxias. 12 set. 1953).

Atrelado a esse crescimento desordenado, havia a preocupação com a ordem. A

imprensa, por sua vez, desempenhou um papel crucial com o estabelecimento e a

manutenção da mesma. Ratificamos que a imprensa é um “veículo educativo” e constatamos

tal afirmação por parte de diferentes autores. Além de estar associada à ideia de “progresso”.

Já em 1954, a matéria em que tratava da “Obra inadiável: amparar a infância

desvalida” (OBRA INADIÁVEL: AMPARAR A INFANCIA DESVALIDA. Jornal A Folha de

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Caxias. 21 nov. 1954), foi abordado o questão do “menor” considerando que a mesma tenha

sido ignorada pelas autoridades do município em que alegavam:

Não cremos que as autoridades o ignorem. Os chamados “Parques de Diversões”, que outra coisa não são que antros de jogatina e perdição funcionando com a complacência da Polícia e da Prefeitura, são o ponto de distração de centenas de crianças, de 10 a 18 anos, que debruçam nas mesas de jogo até alta madrugadas. E nunca uma providência cabal foi tomada. As ruas de Caxias, a Estação da Leopoldina, acolhem durante a noite crianças de menos de 10 anos desvalidas, sem itinerário na vida, perdidas nesse mundo de suborno e impatriotismo (OBRA INADIÁVEL: AMPARAR A INFANCIA DESVALIDA. Jornal A Folha de Caxias. 21 nov. 1954).

Afirmava, ainda, que essa situação dos menores exigia um juiz de menores para que

exercesse uma “fiscalização” sobre os mesmos, assim como um “albergue subvencionado” e

em “terreno fora do centro urbano”. Tratava, também, sobre o novo magistrado que a cidade

recebia e de que o mesmo não deveria exercer apenas as funções burocráticas da sua função,

mas deveria atuar junto ao prefeito e ao delegado, e dizia: “No caso da infância não cremos

que haja interesses subalternos, portanto é uma causa que merece o apoio e a solidariedade

dêsses três poderes municipais” (OBRA INADIÁVEL: AMPARAR A INFANCIA

DESVALIDA. Jornal A Folha de Caxias. 21 nov. 1954).

Salientava, ainda, os meninos que vagavam pela cidade até “altas horas” e que pediam

comida e trabalho durante o dia, identificava o Juiz Dr. Ari Fontenelle e insistia na

necessidade da indicação de um juiz de menores no município (OBRA INADIÁVEL:

AMPARAR A INFANCIA DESVALIDA. Jornal A Folha de Caxias. 21 nov. 1954).

Reivindicavam a indicação de um Juiz de Menores (JUIZ DE MENORES. Jornal A Folha de

Caxias. 12 dez. 1954) para o município e declarava que “É dever da Justiça principalmente e

de qualquer cidade em particular, orientar os menores que não têm pais, evitando-os da

perdição e da fome” (JUIZ DE MENORES. Jornal A Folha de Caxias. 12 dez. 1954).

Faria Filho (2002, p.135) alegou que a maneira em que as matérias são dispostas nos

jornais os revestem de uma “intencionalidade claramente educativa”, pois colocam “em

circulação uma série de matérias e assuntos que, em sua generalidade, não deixavam de

compor uma representação sobre suas ideias de reforma das condutas e dos costumes”

(FARIA FILHO, 2002, p. 135).

Diante dessa observação, apresentamos uma intensificação de matérias que vão

contribuir para a construção de uma ideia de que a organização da sociedade civil, unida à

sociedade política para a construção de um patronato seria a solução para os problemas de

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ordenamento que a cidade enfrentava naquele momento, principalmente em relação a essa

determinada infância que perambulava pelas ruas.

Assim, em 1955, identificamos uma acentuação de matérias acerca da temática do

“menor”. Cabe lembrar que esse foi ano em que a ABM foi instituída. Cada reportagem

relacionada a esse tema apresentava um espaço de internamento local como a solução para o

“problema”. Podemos perceber quando tratou da proibição por idade dos menores no

cinema em Niterói (MENORES NO CINEMA. Jornal Folha de Caxias. 1 mai. 1955), tal

medida era exigida para Caxias como a necessidade de um juiz de menores para o município

e ratificava que “Caxias possue uma infância sem amparo. Existem dezenas de pequenos

seres no mais negro abandono, na maioria desajustados de toda espécie. [...] Só uma escola

profissional ou uma colônia agrícola solucionará o grave problema” (MENORES NO

CINEMA. Jornal Folha de Caxias. 1 mai. 1955). E na falta do Juiz de Menores, o Juiz Ary

Fontenelle era solicitado a fazer algo por ser pai ao menos, segundo a reportagem.

Diferentes reportagens desenharam a organização da ABM, a busca por um espaço para

o internamento por apresentarem as reuniões com seus respectivos resumos e

desdobramentos, além dos agentes que compuseram esse momento inicial de organização.

Essas matérias foram descritas com mais detalhes quando tratamos da institucionalização.

Diante de inúmeras reportagens, um leitor enviou uma carta para o órgão. O jornal

difundiu alguns pontos da mesma já que era uma carta extensa, segundo a própria matéria.

O leitor ratificava a preocupação com o “menor”, afirmava ainda que não poderia ser tratado

com punição e alertava que numa campanha do prefeito, um comerciante distribuiu

brinquedos. Alegava que “paliativos” não resolveria o “problema”, mas que “é necessário

muito e bem orientado esforço, sacrifício coletivo, bons costumes e bom exemplos de cima

para baixo, etc.” (CARTA DOS LEITORES-O PROBLEMA DO MENOR. Jornal Folha de

Caxias. 26 jun. 1955).

A questão do lenocínio continuava a ser uma temática abordada no jornal. Uma das

reportagens reportava sobre um projeto de lei para que o prefeito pudesse fechar um

estabelecimento que desvirtuasse sua finalidade para que pudesse atingir os hotéis que

tinham a prática criminosa (O PREFEITO PODERIA ATÉ FECHAR OS HOTÉIS. Jornal

Folha de Caxias. 8 mai. 1955).

Outra questão abordada sobre a temática do lenocínio era o envolvimento das

autoridades com essa prática. Em 1955, tivemos duas matérias que denunciavam essa

atividade. Uma tratava de uma sessão na Câmara Municipal de Duque de Caxias em que os

vereadores estavam inclinados a criar uma campanha contra o lenocínio. Um dos vereadores

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alegou a impossibilidade que o delegado de Polícia demonstrou numa reunião com os

vereadores e outros vereadores ratificaram que dois deputados federais, não oriundos da

cidade, mantinham hotéis na cidade com essa ação criminosa (DEPUTADOS EXPLORANDO

O LENOCÍNIO EM CAXIAS. Jornal Folha de Caxias. 10 jul. 1955).

Na matéria intitulada As autoridades e o lenocínio (AS AUTORIDADES E O

LENOCÍNIO. Jornal Folha de Caxias. 11 set. 1955), afirmava que “O problema do meretrício

nesta cidade, parece ser um problema sem solução aparente. Pelo menos esta é a opinião das

autoridades do município, das quais colhemos as opiniões que transcrevemos abaixo” (AS

AUTORIDADES E O LENOCÍNIO. Jornal Folha de Caxias. 11 set. 1955). As autoridades

consultadas foram o prefeito, o delegado e o juiz de direito. Ao levantar a opinião dessas

autoridades, consultavam sobre a possibilidade da transferência para o Mangue do

“meretrício”. Nenhum deles apresentou uma solução, além do prefeito e do juiz alegarem

que seria uma obrigação do delegado. E o delegado, por sua vez, disse que a prostituição não

era crime, mas a sua comercialização era crime e apenas nessa situação, poderia agir.

O Juiz era uma personalidade que sempre era mencionada no jornal em diferentes

abordagens. No ano de 1955, a função foi ocupada pelo Dr. Ary Fontenelle e em junho desse

ano, houve a possibilidade de afastamento do mesmo por uma promoção (MOVIMENTO

PELA PERMANÊNCIA DO DR ARI FONTENELLE. Jornal A Folha de Caxias. 12 jun. 1955).

Assim, foi relatado que uma comissão de quinze pessoas se dirigiu à Niterói e pediram que

não fosse executada tal decisão. Outra matéria envolvendo o juiz tratava da acusação de

corrupção contra do delegado Dr. Olegario Pacheco da Rocha (O JUIZ ACUSA O EX-

DELEGADO. Jornal A Folha de Caxias. 26 jun. 1955).

Diferente do que aconteceu anteriormente, a Folha de Caxias foi homenageada na

Câmara Municipal (EXALTADA A “FOLHA DE CAXIAS” NA CÂMARA MUNICIPAL. Jornal

A Folha de Caxias. 22 mai. 1955). Ressaltamos, ainda, a presença do candidato Plínio

Salgado em Caxias (PLINIO SALGADO EM CAXIAS. Jornal A Folha de Caxias. 24 jul. 1955),

isso ratifica a importância que o município estava conseguindo pelo aumento populacional

quanto à eleição de diferentes políticos.

Ao evidenciarmos as matérias referentes ao ano de 1956, salientamos a que foi

publicada na última edição do respectivo ano e que fazia um balanço do mesmo, intitulada

Fatos Principais Ocorridos em Caxias no ano de 1956 (FATOS PRINCIPAIS OCORRIDOS EM

CAXIAS NO ANO DE 1956. Jornal Folha da Cidade. 30-31 dez. 1956).

Dentre os assuntos abordados, destacamos a mortalidade infantil, a visita do vice-

presidente João Goulart à Caxias, a reunião de 130 “menores para serem amparados pela

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ABM”, o primeiro almoço da Família Forense de Duque de Caxias, a visita do governador

Miguel Couto e o lançamento da pedra fundamental do Patronato de Menores da ABM, a

inauguração da sede da ABM (INAUGURA-SE HOJE A SEDE DA A.B..M. Jornal Folha da

Cidade. 25-26 nov. 1956; INAUGURADA A SEDE PROVISÓRIA DA A.B.M. Jornal Folha da

Cidade. 2-3 dez. 1956), diferentes balancetes da ABM (BALANCETE DA ASSOCIAÇÃO

BENEFICENTE DE MENORES. Jornal Folha da Cidade. 26-27 ago. 1956; 11-12 nov. 1956;

25-26 nov. 1956; 29-30 jul. 1956), a posse do novo Juiz de Direito da Comarca, Dr. Helio

Albernaz Alves que efetuou a prisão de um vereador do município, criou o Comissariado de

Menores da cidade e foi homenageado na Associação Comercial (FATOS PRINCIPAIS

OCORRIDOS EM CAXIAS NO ANO DE 1956. Jornal Folha da Cidade. 30-31 dez. 1956).

Inúmeras foram as reportagens sobre a ABM, suas ações e as atuações que

contribuíram para a consolidação da mesma no município. Muitas delas faziam referência à

campanha em favor do “menor” e incentivada pelo jornal (CAXIAS SOFRE POR CAUSA DE

MEIA DÚZIA – “TIO ALBINO” ELOGIA CAMPANHA DA “FOLHA DE CAXIAS”. Jornal

Folha da Cidade. 16-17 set. 1956). Notamos uma ação da sociedade política através da

Câmara com o reajuste da cobrança do imposto sobre os cinemas para reverter o “sêlo de

diversões” para o ABM, “Em virtude da Deliberação da Câmara, aumentando de Cr$ 0,20

para Cr$ 1,00 o selo de diversões a ser cobrado pela Prefeitura, [...] os cinemas de Caxias já se

movimentam para elevar os preços das suas entradas” (NOVOS PREÇOS NOS CINEMAS.

Jornal Folha de Caxias. 22 jan. 1956).

A ABM e a busca pelo espaço de internamento

Esse estudo permitiu o entendimento sobre as peculiaridades perpassadas por

diferentes disputas relacionadas com a função social desse território. A compreensão da

prática cotidiana nesses espaços e em especial, o Patronato, contribuiu para identificarmos as

ações de assistência, de “proteção” e de educação destinadas a uma determinada infância em

consonância com a esfera federal, estadual e local.

A antiga Fazenda de São Bento foi o local escolhido para o internamento dos

“menores” que no período estudado correspondia ao Núcleo Colonial São Bento. As relações

estabelecidas com o presidente do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), a

cessão dos prédios da Fazenda tombados pelo Serviço de Patrimônio Nacional (SPHAN), o

ensino agrícola como “regenerador” dessa infância “abandonada”, a presença do

administrador do núcleo na administração da escola regular, a escola que atendia aos filhos

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dos colonos e os “menores” internos apresentaram marcas desse projeto ruralista como um

viés da instituição do Patronato.

Além disso, cabe salientar que Caxias se tornou “espaço de transbordo populacional da

cidade carioca” que “remodelou o desenho da localidade “ (SOUZA, 2003, p. 49). Através do

trabalho com os jornais, notamos como “esse espaço de transbordo populacional” associado à

proximidade da capital federal que na época era o Rio de Janeiro trouxe inúmeras questões

para o município. Uma delas foi o uso do território para atender à capital nas práticas ilícitas

também, como no caso do lenocínio. Outra foi a necessidade de que a cidade de Duque de

Caxias precisava se “modernizar” para então representar uma impressão ordeira e de

“progresso”. Para isso, os “menores” que perambulavam pelas ruas foram considerados

empecilhos.

O pensar e o agir sobre assistência à infância no início do século era privilégio de uma elite formada por autoridades, intelectuais, pessoas da boa sociedade, incomodadas com uma situação que começava se constituir como um problema que podia fugir do controle, principalmente do Estado (RIZZINI, 1995, p. 297)

Assim, a solicitação reincidente do jornal era pela construção de um Patronato Agrícola

para que esses meninos pudessem ser “regenerados” pelo trabalho regularizado de acordo

com o lema da própria instituição de uma “educação no trabalho, para o trabalho e pelo

trabalho”. Os patronatos agrícolas representaram a formação de trabalhadores rurais por

iniciativa do governo, embora não houvesse tido um abandono total das práticas

consideradas ultrapassadas.

Da mesma forma em que havia uma cobrança ao delegado, ao juiz, ao prefeito e aos

vereadores sobre as questões referentes aos “menores”, assim como outros assuntos. Nessa

convocação de determinadas autoridades para a campanha lançada pelo jornal, percebemos a

permanência do que foi constituído nas primeiras décadas do século XX, como identificou

Rizzini (1995), uma ação marcada pelo controle, pela repressão, pela dependência de

instituições particulares que no nosso caso foi representada pela Associação Beneficente de

Menores (ABM) e pela vinculação às instituições jurídico-policiais.

Destacamos ainda, que duas das autoridades presentes na primeira reunião de debate

sobre o assunto do “menor” dizia respeito ao delegado e ao juiz de direito, representantes de

uma judicialização instaurada pelo Código de Menores de 1927, de acordo com o que Câmara

(2010) salientava sobre essa lei. Atrelado a isso, o tratamento dessa infância tanto pelo

Estado como pelos setores privados mantiveram “a internação em estabelecimentos

fechados” como “fio condutor do atendimento prestado”.

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Associado a isso, tivemos a intervenção da igreja no nosso território. Essa foi outra

característica que se perpetuou ao longo do tempo, como afirmou Rizzini (1995) que dizia

respeito à transformação da atuação de igreja que passou do atendimento caritativo para o

filantrópico que favoreceu a sua permanência na educação desses “menores”.

Outra constatação foi a inserção de agentes da sociedade política e civil nas ações da

ABM. Assim, as primeiras reuniões de organização da ABM aconteceram no gabinete do

prefeito e sem a presença da igreja. Mas, diante do alto índice de “menores abandonados”

que vagavam e foram identificados pela polícia, o espaço de internamento apontado foi o

mosteiro da antiga Fazenda de São Bento nas terras do INIC. A partir dessa necessidade, o

presidente do INIC indicou a igreja como a entidade que poderia liberar o uso do espaço,

uma vez que o bispo Dom Manoel Pedro já havia feito a solicitação dos prédios (mosteiro e

igreja) para o estabelecimento de um seminário.

Dessa maneira, a igreja representada por Dom Odilão que era capelão da Cidade dos

Meninos, alegou a necessidade de autorização do bispo para o estabelecimento do Patronato

ao invés do seminário. Após essa breve consulta e inúmeras tentativas frustradas da

comissão de autoridades. Numa ida à Petrópolis obtiveram, finalmente, uma resposta

positiva de Dom Manoel Pedro. Dom Odilão Moura foi o sacerdote designado para

representar a igreja e o responsável pela escrita do Estatuto da ABM. A partir desse

momento, a Igreja não compôs apenas a comissão, ela tomou as rédeas do empreendimento

ao ter o sacerdote indicado para a função de diretor do Patronato a ponto do próprio padre

afirmar numa de suas missivas ao bispo que “a Igreja faz tudo pela ABM”.17

A partir desse momento, não era mais uma comissão de autoridades que buscava

instituir um Patronato Agrícola, mas uma Associação Beneficente de Menores (ABM). A

ABM foi criada como uma sociedade civil, isenta de impostos, composta por membros da

sociedade civil e política. Essa instituição desde a sua constituição, embora fosse particular,

sempre recebeu verbas das diferentes esferas públicas (municipais, estaduais e federais),

característica da prática assistencialista do período.

Para o segundo distrito, onde ficava localizado o Núcleo Colonial São Bento, coube o

espaço de internamento que após inúmeras idas e vindas, foi instalado na antiga Fazenda

São Bento como uma “vitória da sociedade caxiense” (É UMA GRANDE VITÓRIA DA

SOCIEDADE CAXIENSE. Jornal Folha de Caxias, 26 jun 1955). Nesse momento inicial do

17 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Observações sôbre o balancete, sem assinatura, PSB 112.1, caixa 003, [1961]. Diante a afirmação exposta no referido documento: “Pelo que se vê, se tudo correr normalmente, a obra percorrerá o ano de 61 bem equilibrada”.

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internamento, Dom Odilão teve uma ranhura com o prefeito que acabara de assumir,

Adolpho David que ocasionou uma grande dificuldade financeira para a ABM e

consequentemente, para o Patronato.

Através da identificação das diferentes configurações assistencialistas da ABM no

território, foi possível o entendimento das políticas públicas de educação, de proteção e de

assistencialismo destinadas aos “menores” atendidos.

Embora, a ABM continuasse subsidiando e administrando o Patronato São Bento, a

condução do trabalho cotidiano ficou na responsabilidade da igreja, com Dom Odilão. O

sacerdote era o administrador do Patronato.

O padre administrava o Patronato tanto como a escola regular em alguns momentos,

embora essa escola fosse subsidiada pelas esferas públicas. Na década de 1960, apesar da

Prefeitura Municipal, através do Prefeito Joaquim Tenório, ter enviado professoras

vinculadas ao município, a escola regular oferecida aos “menores internos” e às crianças do

entorno, era uma escola considerada particular.

Paralelamente, as reuniões da ABM continuavam a acontecer. Dom Odilão conduzia o

Patronato sob a concepção da pedagogia cristã que consistia numa pedagogia tradicional.

Essa concepção tinha como pilar a família e a igreja apoiada sobre a moral, o trabalho, e a

disciplina.

Identificamos essa atuação do sacerdote na condução do Patronato até 1969. Nesse

final da década de 1960, o sacerdote iniciou um debate com o bispo sobre os possíveis grupos

religiosos que poderiam assumir a direção do Patronato como também, fizeram as devidas

consultas. Diante das inúmeras negativas das diferentes congregações religiosas, Wilson

Macedo assumiu essa direção e em 1969 definitivamente, Dom Odilão se afastou da

instituição sob a alegação de que desejava um trabalho mais pastoral. Assim, a instituição

que teve no seu comando por dez anos um padre beneditino, passou a ser dirigida por um

vereador.

Diante de tudo o que já foi pontuado, o Patronato São Bento surgiu como um espaço de

atendimento da demanda urbano-social da cidade de Duque de Caxias no território do

segundo distrito com características rurais ainda, ou seja, retirou da cena da cidade, os

meninos que eram a evidência da desigualdade gerada pela sociedade capitalista, da má sorte

da infância pobre no Brasil. O projeto instituído na cidade não apresentou características de

uma preocupação rural com àqueles e àquelas “menores” que eram vítimas do que há de mais

cruel no sistema capitalista, a marca da desigualdade social. A intenção não foi o cuidado e a

proteção da criança enquanto ser humano, mas sim, dos interesses do capital e da tentativa

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de “limpeza” da cidade ao enviar para o segundo distrito o projeto que desde o começo foi o

espaço pensado para a solução do “problema do menor”.

Não podemos desvincular o compromisso educativo no qual esse veículo se propõe,

como afirma Faria Filho que o mesmo tem sua ação revestida “duma intencionalidade

claramente educativa, o jornal punha em circulação uma série de matérias e assuntos que, em

sua generalidade, não deixavam de compor uma representação sobre suas ideias de reforma

das condutas e dos costumes”. (FARIA FILHO, 2002, p. 135).

Conclusão

Diante do que foi pontuado, percebemos como a imprensa e a sua atuação na

“formação da opinião pública” foram decisivas para o estabelecimento do espaço de

internamento no município de Duque de Caxias. Associado a isso, identificamos o processo

de “limpeza” e de controle da cidade que crescia.

Além disso, as primeiras reuniões com autoridades específicas com uma incidência

para o aspecto judicial e o enfoque dado aos dados fornecidas pela polícia sobre a apreensão

desses “menores” que perambulavam pela cidade, marcaram a atuação da ABM e do

Patronato no território em consonância com o que havia sido instituído em nível nacional.

O fato de que o espaço escolhido para o internamento deveria abrigar um local para o

trabalho agrícola caracterizou um distrito afastado do centro-urbano, o segundo distrito da

cidade, onde existia uma antiga Fazenda que servia de Núcleo Colonial. Todas essas

características contribuíram para notarmos alguns aspectos do projeto ruralista imbricado no

projeto do Patronato São Bento.18

Fontes

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18 CEPEMHEd, Acervo Patronato São Bento, Esclarecimentos sôbre a Obra, sem assinatura, PSB 126, caixa 003, [1964]. Atribuímos essa data ao documento porque consta no mesmo que em “65 haverá ainda a renda da entrega de jornais que tornará a Escola independente, podendo dispensar os meninos do Ministério da Justiça”.

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NOVOS PREÇOS NOS CINEMAS. Jornal Folha de Caxias. Duque de Caxias, ano IV, n. 94, 22 jan. 1956, p. 01. É UMA GRANDE VITÓRIA DA SOCIEDADE CAXIENSE. Jornal Folha de Caxias, Duque de Caxias, ano II, n. 64, 26 jun 1955, p. 05.

Referências

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