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1 PATOLOGIA NUM REVESTIMENTO EPOXÍDICO USADO NA PROTEÇÃO DAS PAREDES DE BETÃO DE UMA CÂMARA DE OZONIZAÇÃO M. S. RIBEIRO Investigadora Auxiliar LNEC Lisboa; Portugal [email protected] S. CABRAL-FONSECA Investigadora Auxiliar LNEC Lisboa; Portugal [email protected] J. CUSTÓDIO Bols. Pós-Doutoramento LNEC Lisboa; Portugal [email protected] N. REIS Resp. Unidades Inspeções EPAL Lisboa; Portugal [email protected] RESUMO O revestimento epoxídico aplicado no interior das paredes de betão armado de uma câmara de ozonização apresentou sinais de degradação passados cinco anos da entrada em serviço. Dada a exposição contínua a água branda com ozono dissolvido, à ação da pressão hidrostática causada pela própria massa de água e à erosão provocada pela velocidade a que se movimenta a água na câmara, o betão armado foi revestido com um esquema de pintura de natureza epoxídica. Com vista ao diagnóstico da causa da degradação do revestimento, foi analisada toda a informação técnica disponível, e foram realizadas duas inspeções: uma primeira para efeitos de levantamento e avaliação da condição física desta infraestrutura (Inspeção Principal) e uma segunda em que foram recolhidas amostras para análise e ensaio em laboratório (Inspeção Detalhada). Com base nos resultados do estudo realizado, da informação recolhida na bibliografia específica e na normalização aplicável, foram identificadas as causas da patologia observada e recomendados sistemas de proteção do betão compatíveis com as condições no interior da câmara que poderão vir a ser utilizados neste tipo de aplicações, considerando o tempo de vida útil pretendido e a durabilidade dos materiais aplicados. 1. INTRODUÇÃO Durante a Inspeção Principal à Câmara de Ozonização n.º 1 (C1), da Linha 1 da Estação de Tratamento de Água (ETA) da Asseiceira, realizada pela EPAL, houve evidências da degradação precoce do revestimento epoxídico de proteção das superfícies em contacto com o ozono dissolvido, depois de cinco anos de entrada em serviço [1]. Esta abordagem insere-se no âmbito do Modelo Integrado de Gestão de Ativos que a EPAL - Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. tem vindo a implementar, desde 2008, para assegurar a operacionalidade, manutenção, reparação e expansão dos seus ativos ao longo do ciclo de vida, com recurso a um Programa de Inspeções Sistemáticas, de modo a obter informações críticas de apoio a Tomada de Decisões [2]. A ETA da Asseiceira é propriedade da EPAL, está em funcionamento desde 1987, localiza-se no concelho de Tomar e é parte integrante do Subsistema de Castelo de Bode. A câmara de ozonização C1 faz parte do edifício das Câmaras de Ozonização, construído entre 2005 e 2007. Este edifício (˜ 27,5 m × 20,4 m) é constituído por paredes e lajes maciças de betão armado parcialmente enterradas, sendo o betão da classe de resistência à compressão C30/37 e o aço da classe A400NR [1]. Desenvolve-se na direção este-oeste (Figura 1) e inclui duas câmaras de ozonização independentes (˜ 27,5 m × 9,0 m), a câmara C1 objeto deste estudo e a câmara C2, separadas por um corredor central (˜ 27,5 m × 2,4 m). Estas câmaras encontram-se divididas em duas zonas com funções operacionais distintas: a zona dos difusores, onde o ozono é disseminado pela água (zona este), com extensão aproximada de 7,3 m; e a zona onde é assegurado o tempo necessário de contato da água com o ozono (zona oeste), com extensão aproximada de 19,4 m. A altura disponível no interior das câmaras é cerca de 6,5 m. Face à degradação verificada ainda no decorrer dos primeiros cinco anos de exploração da mesma e à importância específica desta câmara no processo de tratamento da água, a EPAL adjudicou ao LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, a realização de ensaios sobre o revestimento epoxídico aplicado, tendo em vista, por um lado, procurar determinar a(s) causa(s) desta situação e, por outro, proceder ao estudo/pesquisa de um ou dois produtos de revestimento compatíveis com as condições de utilização/exploração da câmara de ozonização.

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PATOLOGIA NUM REVESTIMENTO EPOXÍDICO USADO NA PROTEÇÃO DAS PAREDES DE BETÃO DE UMA CÂMARA DE OZONIZAÇÃO

M. S. RIBEIRO Investigadora Auxiliar LNEC Lisboa; Portugal [email protected]

S. CABRAL-FONSECA Investigadora Auxiliar LNEC Lisboa; Portugal [email protected]

J. CUSTÓDIO Bols. Pós-Doutoramento LNEC Lisboa; Portugal [email protected]

N. REIS Resp. Unidades Inspeções EPAL Lisboa; Portugal [email protected]

RESUMO O revestimento epoxídico aplicado no interior das paredes de betão armado de uma câmara de ozonização apresentou sinais de degradação passados cinco anos da entrada em serviço. Dada a exposição contínua a água branda com ozono dissolvido, à ação da pressão hidrostática causada pela própria massa de água e à erosão provocada pela velocidade a que se movimenta a água na câmara, o betão armado foi revestido com um esquema de pintura de natureza epoxídica. Com vista ao diagnóstico da causa da degradação do revestimento, foi analisada toda a informação técnica disponível, e foram realizadas duas inspeções: uma primeira para efeitos de levantamento e avaliação da condição física desta infraestrutura (Inspeção Principal) e uma segunda em que foram recolhidas amostras para análise e ensaio em laboratório (Inspeção Detalhada). Com base nos resultados do estudo realizado, da informação recolhida na bibliografia específica e na normalização aplicável, foram identificadas as causas da patologia observada e recomendados sistemas de proteção do betão compatíveis com as condições no interior da câmara que poderão vir a ser utilizados neste tipo de aplicações, considerando o tempo de vida útil pretendido e a durabilidade dos materiais aplicados. 1. INTRODUÇÃO Durante a Inspeção Principal à Câmara de Ozonização n.º 1 (C1), da Linha 1 da Estação de Tratamento de Água (ETA) da Asseiceira, realizada pela EPAL, houve evidências da degradação precoce do revestimento epoxídico de proteção das superfícies em contacto com o ozono dissolvido, depois de cinco anos de entrada em serviço [1]. Esta abordagem insere-se no âmbito do Modelo Integrado de Gestão de Ativos que a EPAL - Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A. tem vindo a implementar, desde 2008, para assegurar a operacionalidade, manutenção, reparação e expansão dos seus ativos ao longo do ciclo de vida, com recurso a um Programa de Inspeções Sistemáticas, de modo a obter informações críticas de apoio a Tomada de Decisões [2]. A ETA da Asseiceira é propriedade da EPAL, está em funcionamento desde 1987, localiza-se no concelho de Tomar e é parte integrante do Subsistema de Castelo de Bode. A câmara de ozonização C1 faz parte do edifício das Câmaras de Ozonização, construído entre 2005 e 2007. Este edifício (˜ 27,5 m × 20,4 m) é constituído por paredes e lajes maciças de betão armado parcialmente enterradas, sendo o betão da classe de resistência à compressão C30/37 e o aço da classe A400NR [1]. Desenvolve-se na direção este-oeste (Figura 1) e inclui duas câmaras de ozonização independentes (˜ 27,5 m × 9,0 m), a câmara C1 objeto deste estudo e a câmara C2, separadas por um corredor central (˜ 27,5 m × 2,4 m). Estas câmaras encontram-se divididas em duas zonas com funções operacionais distintas: a zona dos difusores, onde o ozono é disseminado pela água (zona este), com extensão aproximada de 7,3 m; e a zona onde é assegurado o tempo necessário de contato da água com o ozono (zona oeste), com extensão aproximada de 19,4 m. A altura disponível no interior das câmaras é cerca de 6,5 m. Face à degradação verificada ainda no decorrer dos primeiros cinco anos de exploração da mesma e à importância específica desta câmara no processo de tratamento da água, a EPAL adjudicou ao LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, a realização de ensaios sobre o revestimento epoxídico aplicado, tendo em vista, por um lado, procurar determinar a(s) causa(s) desta situação e, por outro, proceder ao estudo/pesquisa de um ou dois produtos de revestimento compatíveis com as condições de utilização/exploração da câmara de ozonização.

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Figura 1: Vista panorâmica e cortes do edifício das Câmaras

de Ozonização da ETA da Asseiceira, da EPAL 2. AMBIENTE DE EXPOSIÇÃO O gás ozono, O3, por ser um agente oxidante muito forte, é utilizado para purificar águas potáveis, mas que pode também representar um problema para a durabilidade dos materiais que contactam com ele. Durante o tratamento da água, o ozono decompõe-se e reage com os materiais por oxidação direta ou por oxidação indireta [3]. O tempo útil do ozono na água é reduzido (inferior a 30 minutos) e diminui com o aumento da temperatura e do valor de pH, variando também com a composição da água. Apesar da elevada reatividade do ozono, o betão é normalmente considerado como sendo resistente à ação do ozono e dos radicais resultantes da sua decomposição em solução, pelo que o mesmo dispensa, em geral, qualquer tipo de proteção [4, 5]. Quanto ao efeito do ozono na corrosão, vários estudos sobre a progressão da corrosão em câmaras de ozonização metálicas têm sido realizados e publicados em jornais e revistas da especialidade, revelando não ser mais gravosa que a corrosão provocada pelos cloretos [6]. O betão armado do interior da câmara de ozonização C1 com revestimento epoxídico, insere-se nas classes de exposição ambientais XC1 e XC2 (corrosão induzida por carbonatação) respetivamente, para a zona imersa e emersa, e na classe de agressividade química XA1 para a zona imersa, segundo a NP EN 206-1 [7]. Esteve em contato contínuo com água branda contendo ozono dissolvido (˜ 0,1 mg O3/dm3), sob a ação da pressão hidrostática causada pela própria massa de água e sujeito à erosão provocada pela velocidade a que a água se movimenta na câmara C1. 3. INSPEÇÃO VISUAL E RESULTADOS DOS ENSAIOS REALIZADOS SOBRE AS AMOSTRAS RECOLHIDAS Da Inspeção Principal efetuada pela EPAL [1] e da Inspeção Detalhada com recolha de amostras efetuada pelo LNEC [8] ao interior da câmara de ozonização C1 identificaram-se três anomalias principais no revestimento epoxídico aplicado nas paredes. Em toda a extensão imersa das paredes foi observado o empolamento do revestimento preenchido com líquido, decorrente da presença de água no interior do betão. A dimensão do empolamento na parede norte parecia superior à dimensão do empolamento na parede sul, o que deverá ter resultado da maior quantidade de água no betão desta parede

Corredor de separação das câmaras C1 e C2

Zona de contato da água com o ozono

(lado oeste)

Zona inspecionada

Zona dos

difusores (lado este)

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interior. Esta anomalia para além do efeito inestético, parece estar associada à delaminação entre as duas camadas do revestimento (Figura 2).

Figura 2: Aspeto geral dos empolamentos no revestimento e da delaminação das duas camadas do revestimento

Observou-se a presença de fissuras, na generalidade com desenvolvimento oblíquo e/ou horizontal, de abertura reduzida e com escorrência de cor castanha escura. Estas fissuras existiam em maior número na parede sul (parede periférica), no septo este (separador encastrado na laje do pavimento) e no septo oeste (separador suspenso encastrado na laje de cobertura), Figura 1. Na carote extraída sobre uma das fissuras existente no revestimento na parede este, observa-se que a fissura resultou da fissuração existente no betão dessa parede, Figura 3. Tendo em consideração a natureza epoxídica do revestimento, é muito provável que este não seja capaz de acomodar as fissuras do betão (suporte), fissurando também. Outras fissuras existentes no revestimento podem não estar diretamente associadas à fissuração do betão (suporte), mas resultaram de deformações diferidas do betão e do revestimento (extensões). Deste modo, somente após a remoção do revestimento epoxídico e da argamassa de regularização existentes será possível confirmar a eventual extensão das fissuras no betão, de modo a efetuar a sua adequada reparação.

Figura 3: Carote extraída sobre uma fissura do revestimento

A formação de pó esbranquiçado na superfície do revestimento após secagem, evidenciou o seu envelhecimento e deterioração (Figura 4).

Figura 4: Pó esbranquiçado existente na superfície seca do revestimento Figura 5: Aspeto geral do interior da câmara

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A extração das carotes permitiu constatar que as armaduras à profundidade de 52 mm se encontravam em bom estado de conservação e que nas paredes o revestimento foi aplicado sobre uma argamassa cimentícia de regularização do betão enquanto na laje de fundo fora aplicado diretamente sobre o betão da laje. Na laje do pavimento não foram observados empolamentos nem fissuração do revestimento aplicado. Na zona emersa das paredes no interior da câmara C1, o revestimento exibia um aspeto pulverulento e envelhecido e, em algumas zonas, já praticamente não existia, permitindo observar a cor cinzenta escura do betão das paredes. A linha de água nas paredes (transição das zonas imersa e emersa do revestimento) era facilmente identificada por meio de uma faixa de cor cinzenta escura a castanha, a cerca de 1,5 m da laje de cobertura, Figura 5. 3.1 Espessura do revestimento Na observação à lupa estereoscópica das amostras recolhidas do revestimento (Figura 6) verificou-se que o revestimento fora aplicado nas paredes em duas camadas, exibindo uma espessura seca total de 0,40 mm ao fim de cinco anos de serviço, sobre uma argamassa de regularização do betão com cerca de 2 mm de espessura (Figura 7-a). Este valor de espessura seca do revestimento não satisfaz o recomendado na Ficha Técnica (Quadro 1), de 0,60 mm, para a aplicação em duas camadas. Contudo, a camada interior apresenta atualmente uma espessura muito próxima do valor indicado na Ficha Técnica por camada, de 0,30 mm, o que sugere que terá sido aplicada com o rendimento indicado na respetiva Ficha e que a redução da espessura da camada exterior será devida à degradação do revestimento. Na laje de pavimento, o revestimento foi aplicado diretamente sobre o betão, tendo sido identificada apenas uma camada de espessura seca de 0,28 mm (Figura 7-b). Figura 6: Película de revestimento Figura 7: Revestimento nas paredes (a) e no pavimento (b) 3.2 Aderência ao betão A aderência ao betão do revestimento epoxídico aplicado no interior da câmara C1 ao fim de cinco anos de serviço foi igual ou superior a 1,3 MPa, segundo o ensaio de arrancamento por tração (Pull-off, [9]) na condição de seco, valor que satisfaz o requisito mínimo exigido na norma NP EN 1504-2 [10] para revestimentos rígidos não sujeitos a tráfego. Na laje de pavimento foi igual ou superior a 1,6 MPa. 3.3 Identificação do pó esbranquiçado Os resultados obtidos nos ensaios de espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR) e termografimetria (TG) revelaram que o pó esbranquiçado existente sobre o revestimento seco (Figura 4) é essencialmente constituído por matéria inorgânica (cargas minerais do revestimento: talco e compostos com ligações Si-O), resultado da degradação química superficial do constituinte orgânico do revestimento, traduzida no desaparecimento da parte orgânica e permanência apenas dos constituintes inorgânicos. 4. RESULTADOS DA CAMPANHA EXPERIMENTAL Com o objetivo de procurar identificar as causas dos defeitos observados no revestimento da câmara C1 foi elaborada uma campanha experimental em que se fizeram variar as condições de aplicação do revestimento e as condições de condicionamento deste durante a cura. Em relação às condições de aplicação, procurou-se avaliar a influência do teor de

(a) (b)

Betão Argamassa de Regularização

Betão

camada interior

camada exterior

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água do betão (suporte) no momento da aplicação do revestimento, do número de demãos, do tempo de cura entre demãos, e do tempo de cura final. Relativamente ao condicionamento do revestimento foram consideradas duas condições: exposto ao ar e imerso em água. Apesar da cedência pela EPAL de um gerador de ozono, não foi possível implementar no LNEC, a partir das condições logísticas e das infraestruturas existentes, um ensaio laboratorial para exposição de provetes de reduzida dimensão à ação do ozono em solução. Assim sendo, a inexistência de equipamento apropriado não permitiu avaliar a influência da presença de ozono dissolvido na água, pelo que os resultados desta campanha experimental não terão em consideração esse facto. Tendo em conta que um revestimento epoxídico não é atacado pelo contato com a água branda, optou-se por usar a água potável para o condicionamento em imersão. Foram estudados dois revestimentos epoxídicos, o revestimento que havia sido aplicado nas paredes do interior da câmara C1 (A) e um outro revestimento semelhante existente no mercado nacional (B), que de acordo com a Ficha Técnica tinha igual função de impermeabilizante para contacto com água potável. No Quadro 1 apresentam-se os procedimentos de aplicação recomendados pelas Fichas Técnicas.

Quadro 1: Procedimentos de aplicação e de cura dos revestimentos epoxídicos segundo as Fichas Técnicas Fichas Técnicas Revestimento A Revestimento B

Preparação da superfície do betão

Reparação de fendas, fissuras ou vazios existentes. Remoção das sujidades e poeiras. Tratamento mecânico de forma a obter uma superfície coesa, rugosa e limpa. Betão completamente endurecido e seco (teor de humidade na superfície < 4 %). Resistência à tração do betão = 2 MPa (ensaio Pull-off).

Rendimento de aplicação teórico 3,3 m2/litro (300 µm) e 5,0 m2/litro (200 µm) 5,0 m2/litro (200 µm)

Espessura de uma demão Espessura de duas demãos

300 µm 300 µm + 200 µm

200 µm 200 µm + 200 µm

Duração da cura completa 7 dias a 20 ºC 12 dias a 20 ºC

Intervalo entre demãos 24 h a 5 dias a 20 ºC 24 h a 30 dias a 20 ºC 4.1 Caracterização dos constituintes Os dois revestimentos epoxídicos ensaiados têm o mesmo componente base, uma resina epoxídica, mas diferem no tipo de agente de cura, no teor de matéria orgânica, para além do revestimento A apresentar uma modificação éster que o torna quimicamente mais suscetível ao ataque pelo ozono dissolvido, quando comparado com o outro revestimento. 4.2 Grau de empolamento O programa experimental permitiu reproduzir em laboratório o empolamento do revestimento, tendo ambos os revestimentos apresentado empolamentos quando conservados em imersão durante cerca de 300 dias (Figura 8). Os empolamentos localizaram-se preferencialmente na periferia das lajetas de ensaio (30 × 30 × 10 cm3) e os empolamentos de maiores dimensões (=5 mm e 0,5 mm a 5 mm, como definido em NP EN ISO 4628-2, [11]) encontravam-se preenchidos com líquido. Foi possível concluir que a eventual ocorrência em obra de curas incompletas das 1ª demão, 2ª demão e das duas demãos em simultâneo, do revestimento epoxídico aplicado nas paredes da câmara C1 (em duas camadas) não terá conduzido ao agravamento da densidade ou dimensão dos empolamentos na zona imersa. Contudo não foi possível associar as condições de aplicação ao desenvolvimento deste defeito. Considera-se que o estado de humidade do betão durante a aplicação do revestimento (seco ou saturado), o efeito da aplicação de uma ou duas demãos (espessura do revestimento) e a influência da cura incompleta da 1ª demão, da 2ª demão e das duas em simultâneo, não terão sido os fatores determinantes para a degradação química observada na camada exterior do revestimento. A presença da água no betão (substrato) estará na origem dos empolamentos.

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(a) (b)

Figura 8: Aspetos do condicionamento dos revestimentos em imersão e dos empolamentos nos provetes de ensaio 4.3 Aderência por arrancamento e pelo método da quadrícula O programa experimental permitiu concluir a partir do ensaio de aderência por arrancamento (Pull-off, [9]) que o condicionamento em imersão, associado à presença de empolamentos, e as curas incompletas provocaram uma maior incidência de roturas mistas e adesivas (na ligação betão-revestimento) em detrimento das coesivas (no betão) obtidas com condicionamento no ar. O revestimento A foi o que revelou uma maior sensibilidade a estes dois aspetos. Os valores obtidos são suficientes para cumprir o requisito mais exigente em estruturas não sujeitas a ações de tráfego para esta característica de desempenho (Quadro 5 da NP EN 1504-02 [10]). A partir do ensaio de aderência pelo método da quadrícula (Figura 8, [12]), foi possível constatar a influência das cura(s) incompleta(s) e da presença da água na resistência (rigidez) e na flexibilidade dos revestimento, exibindo o revestimento A uma sensibilidade significativa nestas propriedades.

Figura 9: Aderência pelos ensaios de arrancamento (a) e pelo método da quadrícula (b)

5. CAUSAS DA DEGRADAÇÃO DO REVESTIMENTO Os resultados do estudo laboratorial efetuado permitem tecer como possíveis causas da degradação do revestimento epoxídico da câmara C1 as seguintes situações:

- O ataque químico do ozono dissolvido sobre o revestimento, como se verificou nos ensaios de FTIR e TG cujos resultados sugerem que a componente orgânica do revestimento terá sofrido um mecanismo de degradação química, provavelmente por um mecanismo que inclui oxidação preferencial das porções alifáticas insaturadas e dos grupos éster da estrutura molecular do revestimento epoxídico, e por isso poderá ter sido arrastado pela corrente de água inerente ao funcionamento da câmara, evidenciado pela presença do pó (após secagem).

- A presença de água no betão, que originou a formação dos empolamentos no revestimento. - A fissuração do betão, que facilitou a entrada de água no betão e consequentemente no revestimento, associada à

degradação química da camada exterior do revestimento que conduziu à fragilização da ligação entre as duas camadas deste, contribuindo também para a formação dos empolamentos.

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6. SOLUÇÕES DE PROTEÇÃO DO BETÃO 6.1 Informação recolhida As primeiras instalações de ozonização usadas na desinfeção de água remontam a meados do século XIX. De acordo com Gottschalk [13] existem atualmente mais de 300 estações de tratamento de água que utilizam a ozonização. O aumento observado na utilização do ozono nas instalações de tratamento de água não foi, contudo, acompanhado pela publicação de normalização relativa aos materiais de construção das instalações. Com efeito, da pesquisa normativa efetuada, constatou-se a inexistência de normas e respetivas metodologias de ensaio que especifiquem requisitos a cumprir por sistemas de revestimento por pintura para proteção superficial de betão em contato com o ozono aquoso. Apenas foram encontradas normas britânicas (BS) e americanas (ASTM) relativas ao ataque do ozono gasoso, que descrevem ensaios de envelhecimento artificial para produtos de impermeabilização sob pressão hidrostática (waterproofing barrier systems) e sistemas barreira (protective barrier systems), sendo o envelhecimento acelerado pela sujeição a ensaio em tração estática ou dinâmica. A pesquisa bibliográfica realizada sobre estruturas de betão armado em contacto com água com ozono dissolvido relevou uma escassez de informação disponível [14-19], sendo as membranas contínuas betuminosas ou elastoméricas as soluções mais duráveis, relativamente aos sistemas de revestimentos por pintura de várias camadas. Estes sistemas de revestimentos por pintura têm sido aplicados usando para as primeiras camadas, com função estrutural, produtos de natureza cimentícia ou cimentícia modificada com polímeros, e para a última camada, com resistência química, produtos de natureza polimérica. Em algumas das aplicações pesquisadas é referida a tendência de formação de empolamentos, devido à elevada impermeabilidade à água e reduzida permeabilidade ao vapor de água do produto polimérico usado na última camada. A degradação físico-química da última camada de natureza polimérica em ambientes quimicamente agressivos é referida como sendo um fenómeno difícil de evitar, o que sugere poder-se encarar esta última camada como uma camada de sacrífico. 6.2 Soluções compatíveis com as condições de serviço da câmara de ozonização Na normalização aplicável, sendo o ambiente classificado como XA1, o betão do interior da câmara de ozonização C1 dispensa proteção se cumprir as exigências de resistência à compressão, relação água/cimento e dosagem mínima de cimento indicadas no Quadro 9 da Especificação LNEC E 464 [32] para um período de vida útil de 50 anos. No entanto, face à especificidade do caso em apreço e a ausência de informação de desempenho de longo prazo, é razoável prever a proteção do betão. Tendo em consideração que a presença de betão saturado na câmara C1 é uma condição de serviço e que a formação de empolamentos no revestimento epoxídico aplicado se deveu à presença de água no betão e à sua elevada estanquidade à água, a aplicação de um revestimento de base mineral adequadamente formulado para responder à totalidade das condições existentes nessa câmara parece ser uma solução compatível. Assim sendo, uma solução de natureza mineral ou mineral modificada com polímero (ou seja, argamassas de base cimentícia) parece ser compatível com as condições do interior da câmara. Outras soluções poderão ser igualmente compatíveis com as condições no interior da câmara C1, particularizando para a necessidade de uma aplicação sobre substrato saturado, de possuir resistência ao ataque do ozono dissolvido e ser aplicável para armazenamento de água potável, mas devem ser evidenciadas pelo fabricante com base em experiências anteriores e ou ensaios laboratoriais ou em obra. 7. REFERÊNCIAS [ 1] EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A., "Relatório de Inspeção Principal – ETA da Asseiceira,

Linha I (500.000 m3/dia, Câmara de Ozonização n.º 1", 2011, 9 p. [ 2] Reis, N. Serranito, F., “Inspeções. Uma ferramenta de gestão do risco”. Ingenium: II Série, Nº 142, 2014, pp. 86-

90. [ 3] Rice, R. G.; Netzer, A., "Handbook of Ozone Technology and Applications". Butterworth-Heinemann, 1985.

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[ 4] Atalah, A.; Tremblay, A., "Pipelines 2006. Service to the Owner (Proceedings of the Pipeline Division Specialty Conference, July 30 to August 2, 2006, Chicago, Illinois)". American Society of Civil Engineers: Reston, VA, USA, 2006.

[ 5] Langlais, B.; Reckhow, D. A.; Brank, D. R., "Ozone in Water Treatment. Application and Engineering (Cooperative Research Report)", 1st ed., Lewis Publishers: New York, 1991.

[ 6] Meier, D. A.; Lammering, J. D., "A Comparative Use of Ozone versus Other Chemical Treatments of Cooling Water Systems". ASHRAE Transactions, vol. 93, (2), 1987.

[ 7] "NP EN 206-1:2007 Betão. Parte 1: Especificação, desempenho, produção e conformidade". Instituto Português da Qualidade, I.P. (IPQ): Lisboa.

[ 8] Ribeiro, M. S.; Custódio, J.; Cabral-Fonseca, S.; Silva, H, “Avaliação do desempenho do revestimento epoxídico aplicado na Câmara de Ozonização n.º 1, da Linha 1 da ETA da Asseiceira. Estudo de soluções compatíveis com as condições de serviço na Câmara de Ozonização – Relatório Final”. Relatório 74/2014 – DM/NBPC/NMO, LNEC, 2014.

[ 9] "EN 1542:1999 Products and systems for the protection and repair of concrete structures. Test methods. Measurement of bond strength by pull-off". European Committee for Standardization (CEN): Brussels.

[ 10] "NP EN 1504-2:2006 Produtos e sistemas para a proteção e reparação de estruturas de betão. Definições, requisitos, controlo da qualidade e avaliação da conformidade. Parte 2: Sistemas de proteção superficial do betão". Instituto Português da Qualidade, I.P. (IPQ): Caparica, Portugal.

[ 11] "NP EN ISO 4628-2:2005 Tintas e vernizes. Avaliação da degradação de revestimentos. Designação da quantidade e dimensão de defeitos e da intensidade das alterações uniformes de aspeto. Parte 2: Avaliação do grau de empolamento". Instituto Português da Qualidade, I.P. (IPQ): Caparica, Portugal.

[ 12] "EN ISO 2409:2013 Paints and varnishes. Cross-cut test". European Committee for Standardization (CEN): Brussels.

[ 13] Gottschalk, C.; Libra, J. & Saupe, A., "Ozonation of water and waste water: A practical guide to understanding ozone and its applications", 2nd ed., WILEY-VCH Verlag GmbH & Co. KGaA: Weinheim, 2009.

[ 14] "Field Installation". Fisher Company: North Salt Lake, UT, 2010. Available: http://www.fisherutah.com/field_install.html#

[ 15] "The internal coating of concrete post ozone tank #1". COVAC, Ltd.: Lutterworth, UK, 2009. Available: http://www.covac.co.uk/pdfs/concrete/786awatercompanywtwozonetanks.pdf

[ 16] "Reservatórios de Pré-Engenharia, em Aço galvanizado para água de protecão contra incendios, potável, regadio, industriais, residuais, etc.". TECNIQUITEL - Sociedade de Equipamentos Técnicos, Lda.: Sintra, PT, 2012. Available: http://www.slideshare.net/TECNIQUITEL/reservatrios-de-prengenharia-em-ao-galvanizado-tecniquitel

[ 17] "BS ISO 1431-1:2012 Rubber, vulcanized or thermoplastic. Resistance to ozone cracking. Static and dynamic strain testing". British Standards Institution (BSI): London.

[ 18] "Membrana Termoplástica TPO". Nex Serviços, 2013. Available: http://nexservicos.weebly.com/membrana-tpo.html

[ 19] Sleeper, W. & Henry, D., "Durability Test Results of Construction and Process Materials Exposed to Liquid and Gas Phase Ozone". Ozone: Science & Engineering, vol. 24, (4), pp. 249-260, 2002.

[ 20] LNEC, "Especificação LNEC - E 464 Betões. Metodologia prescritiva para uma vida útil de projecto de 50 e de 100 anos face às acções ambientais", in Especificações LNEC relacionadas com a NP EN 206-1:2007. Betão. Parte 1: Especificação, desempenho, produção e conformidade. Laboratório Nacional de Engenharia Civil, I. P.: Lisboa, 2007.